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Copyright © 2022 M. R. Barbosa.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Ellen Ferreira Design


Diagramação: Layce Design
Leitura Beta: Tuísa Sampaio
Revisão: M. R. Barbosa

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,


através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento
escrito da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610./98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição Digital | Criado no Brasil.


Playlist
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a Autora
Outras obras
Contato
Para ouvir a playlist de “Como se Casar com um Milionário” no
Spotify, abra o app no seu celular, selecione buscar, clique na
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À Carmélem Guidine, a minha leitora mais querida e
grande entusiasta pela história de amor de Alex e Mel.
“Às vezes, quando você aceita uma
turbulência é incrível como o céu pode
clarear.”
— Ted Stewart (Mark Ruffalo).
Se você chegou até aqui é porque se identifica com a minha
escrita, e essa constatação é muito gratificante. Então, vamos lá!
Se você está buscando uma história leve, sem dramas ou
complicações, este livro definitivamente não é para você. Tentei
mirar na comédia romântica, mas acertei mesmo foi no drama. Aliás,
eu sempre amei assistir novelas mexicanas, e ainda fui cria de
Maria do Bairro, Paulina, Paola Bracho, Teresa, Rubi e Montserrat!
Brincadeiras à parte, o recado está dado, então vamos às
considerações.
Não precisa ler o livro Amor nos Bastidores, para entender a
história de amor do casal Alex e Mel. No entanto, eu ficarei muito
feliz se você puder e tiver interesse também, é claro, em ler ANB
também porque um complementa o outro, de certa forma.
Alexandre é de longe meu personagem mais Golden Retriever,
porque faz tudo por amor a Melissa! Um homem de alto valor como
ele não apareceu ainda na minha porta. Mas vidas solteiras
importam!
Tratando agora de um assunto sério, segundo o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, só no ano de 2021, cerca de 17
milhões de mulheres foramvítimasde violência no Brasil. Considero
revoltante o fato de estupros dentro de relacionamentos amorosos
serem pouco debatidos, simplesmente porque a sociedade
naturaliza a violência de gênero, quando na verdade toda relação
sexual não consentida expressamente pela outra parte se configura
em estupro. A vítimaalém de conviver com o trauma ainda enfrenta
todo o escrutínio das autoridades e de conhecidos, porque a gente
sabe bem como a sociedade trata as mulheres vítimas de violência.
Aguardo o dia em que as mulheres não serão mais julgadas
por suas escolhas. Nós sempre somos consideradas culpadas até
pelo simples fato de existir, isso é extremamente revoltante! Caso
não se sinta confortável com alguma passagem do livro, interrompa
a leitura, imediatamente.
E, por último, mas não menos importante, um aviso: A sua
avaliação é de grande valia para os autores que estão começando.
Autores iniciantes ainda estão em processo de formação do seu
público leitor. Então, quando você avalia um e-book, a Amazon
entende que esses novos autores têm potencial, e daí ela passa a
recomendar os livros para cada vez mais pessoas.
Sempre que puder, avalie o ebook lido, seja atribuindo
apenas a nota de sua preferência e/ou deixando uma opinião
sincera. Gratidão!
Aviso de conteúdo: Contém cenas que podem gerar gatilho
relacionado à traumas psicológicos, negligência parental,
relacionamento abusivo e relação sexual não consentida. Nenhum
gatilho foi causado pelo protagonista, mas sim por personagens
secundários. Saiba que no Mariverso, boy Chernobyl não tem vez!
“Bem, eu sinto que no fundo do seu coração
Há feridas que o tempo não poderá curar
(Que o tempo não poderá curar[1])”.

Quando criança eu tinha o costume de observar os aviões


sobrevoando o céu de tempos em tempos, debruçada na janela do
quarto que dividia com a minha mãe. Naquela época eu costumava
dizer que me tornaria piloto de aeronave, mas só tive condições de
fazer o curso de comissária de bordo, graças aos esforços
empreendidos pela mulher mais batalhadora que eu conheço, e a
quem eu mais amo na vida.
Comecei a atuar bem cedo na aviação comercial. Eu tinha por
volta dos dezoito anos de idade, e aos vinte e um, eu já fazia não
apenas voos nacionais, como também para alguns destinos do
Mercosul além de ilhas pelo Caribe. E, agora no alto dos meus vinte
e nove anos, estou prestes a concretizar o meu maior objetivo
profissional:ser promovida como Chefe de Cabine. Os comissários
iniciam na profissão exercendo a função de auxiliares, podendo
participar de processos seletivos após um determinado período de
tempo, a depender da companhia aérea.
Como alguns voos em Porto Alegre saem durante a
madrugada, acordei por volta de quatro da manhã e após tomar um
banho rápido, vesti o uniforme composto por blusa branca, usada
por dentro da saia de cintura alta e de comprimento midi, além do
blazer de manga longa, um lenço preso ao pescoço, meia-calça em
tom nude e sapatos de salto baixo. Resolvi prender o cabelo em um
rabo de cavalo alto, cobrindo o elástico com uma mecha, e finalizei
com um spray fixador no topete para garantir que os fios
permaneçam alinhados ao longo do dia.
Encontrei a equipe de tripulantes no restaurante do Master
Cosmopolitan e me servi de frutas, ovos mexidos, pães, torradas,
suco e uma xícara de café. Logo, eu me sentei à mesa,
acompanhada pelo comandante e copiloto, sendo que dois colegas
auxiliares ocupavam a mesa ao lado, junto com a chefede cabine, e
todos conversavam animadamente.
O Com. Ricardo Tosta deve ter por volta de quarenta e cinco
anos de idade, possui a estatura alta, os cabelos curtos e lisos já
estavam ficando grisalhos, e os olhos em tom esverdeado lhe
conferiam um charme adicional. No entanto, o rosto de traços
marcantes exibia um ar traiçoeiro, e os lábios grossos eram
ostensivamente sensuais, mas o que mais chamou a atenção
mesmo foi o porte atlético dele. O comandante certamente deve ser
um homem casado, embora não tenha visto nenhuma aliança no
dedo anelar. Aliás, poucos homens usam por uma série de razões.
Em determinado momento, senti alguém esfregando a perna
na minha por baixo da mesa, mas como eu considerei um ato
involuntário, continuei comendo normalmente. Nem bem se
passaram dois minutos e a pessoa voltou a esfregar sua perna na
minha, me fazendo crer que se tratava de um gesto intencional.
Assim que eu levantei o rosto, notei que o comandante me
observava, com um sorriso malicioso nos lábios. Eu imediatamente
afastei as pernas, ao encostá-las à cadeira em que estava sentada,
e fiz o meu semblante se fechar em um misto de repulsa e raiva
incontida.
O comandante deve ter achado graça porque deu um risinho
de deboche.
— Eu acabei de me lembrar que esqueci o carregador do
celular dentro do quarto — menti, deliberadamente. — Se me derem
licença... encontro vocês no lobby daqui a cinco minutos.
— A gente aguarda o seu retorno, meu anjo — o Com. Ricardo
Tosta comentou, frisando a frase meu anjo de uma forma nojenta, o
que me causou um forte embrulho no estômago.
Finalizei a refeição depressa e bebi de um gole só o restante
do café, antes de me levantar e sair do restaurante.
Houve um remanejamento de programações publicadas em
escala de tripulantes por questões operacionais, o que me levou a
fazer parte daquela equipe de última hora. Decidi enviar uma
mensagem para minha melhor amiga, com o intuito de saber mais a
respeito daquele sujeito. Ela também acorda bem cedo porque
assim como eu, também trabalha como comissária, mas trocou a
aviação comercial pela executiva há pouco mais de dois anos.

[04:30] Mel Albuquerque:Amiga, bom dia! Você conhece o Com.


Ricardo Tosta? Ele foi muito inconveniente agora a pouco durante
o café da manhã.
[4:32] Cora Mantovani:Eu dei muita sorte de nunca ter sido
escalada para a equipe dele, mas sempre ouvi boatos de que ele
não passa de um assediador.

[4:33] Mel Albuquerque:Obrigada pela informação, amiga. A


gente vai se falando. Não posso me atrasar. Beijo!

Muito se fala sobre o assédio sexual entre passageiros, mas


quando envolve os membros da tripulação, as companhias aéreas
ainda insistem em esconder a sujeira para debaixo do tapete.
De repente, os meus pensamentos foram interrompidos pelo
toque de chamada recebida. Conferi rapidamente o contato e não
fiquei nem um pouco surpresa ao constatar que era o meu
namorado, Marcos Gonçalves.
O nosso relacionamento sempre foimarcado por idas e vindas,
devido aos rompantes de ciúme doentio dele.
Marcos escolheu um péssimo momento para ficar de
cobranças hoje.
Escovei os dentes rapidamente e retoquei a maquiagem, antes
de verificar se não havia esquecido nenhum item pelo quarto, uma
vez que era a minha última pernoite no local, de um total de cinco
que compõem a minha chave de voo, sendo que nos dias anteriores
eu passei por Brasília, Cuiabá, Rio de Janeiro e por fim, Porto
Alegre. A tripulação sempre se apresenta cerca de 1h antes do
horário previsto para a decolagem, sendo que eu tenho como base
os aeroportos de Congonhas e de Guarulhos.
A seguir, eu peguei a minha mala de mão — a de rodinhas já
estava no lobby, — e segui em direção ao elevador, nutrindo uma
sensação estranha em meu peito, como se algo de muito ruim ainda
pudesse acontecer. Já voei muito ao longo de cinco anos de serviço,
e nunca fui assaltada por um mal pressentimento antes, nem
mesmo nas ocasiões em que presenciei turbulências entre outras
situações adversas a bordo.
Toquei instintivamente no lenço preso ao pescoço, tentando
afrouxar um pouco a amarração, porque senti o tecido me sufocar,
dificultando a passagem de ar para os pulmões. Eu fui a única
pessoa a entrar no elevador e acionei o botão do térreo, e me
aproximei da parede espelhada, observando o meu reflexo, com
reprovação no olhar.
Não durmo direito já faz alguns dias, devido ao receio de
receber más notícias sobre o estado de saúde de mamãe. Quando
ela apresentou um quadro de Acidente Vascular Cerebral (AVC) no
mês passado, eu estava há cinco dias longe de casa, e foi muito
complicado conseguir uma substituição de última hora. A internação
no hospital durou sete dias e como ela perdeu o movimento da
perna e do braço esquerdo, a locomoção só está sendo possível
com a ajuda de uma bengala. A minha mãe tem feito fisioterapia
regularmente, sempre acompanhada pelos profissionais da casa de
repouso, localizada no bairro de Moema e a sete minutos do
aeroporto de Congonhas.
De repente, o elevador apitou e as portas se abriram no térreo,
fazendo o meu coração disparar. Eu levei a mão ao peito, de
maneira instintiva, e me adiantei em direção ao lobby. Quando
avistei os meus colegas comissários, eu os cumprimentei com um
aceno de cabeça, e me juntei a eles na entrada do hotel para
aguardar a chegada da van.
Entretanto, eu logo me dei conta de que passaria todo o trajeto
de quinze minutos até o aeroporto, dividindo o assento da van com
o comandante, que se sentou justamente ao meu lado. Deslizei o
corpo para mais perto da janela, olhando a paisagem lá fora até que
de repente senti uma fricção estranha na perna direita e ao baixar
os olhos, surpreendi o comandante passando um dedo pela barra
da saia, fazendo o tecido subir um pouco acima do joelho, e
expondo parcialmente a minha coxa.
— O que pensa que está fazendo? — perguntei, entredentes,
em voz baixa.
— Eu só quis tirar um fiapo do tecido que grudou em sua saia,
meu anjo — respondeu o tripulante, soltando o fiapo no chão.
— Prefiro que não me trate por “meuanjo”,eu fui clara? —
rebati, indignada.
Dirigi a ele um olhar de puro desprezo, enquanto alisava a saia
com a mão trêmula. Já deixei de fazer denúncias no Canal de Ética
da empresa por medo de sofrer retaliação, e além do mais, casos
como esse se tornaram tão banais pela dificuldade que as vítimas
de assédio têm em conseguir reunir provas.
Felizmente o percurso até o Aeroporto InternacionalSalgado
Filho não levava mais do que quinze minutos, e decidi passar esse
tempo conferindo as mensagens recebidas pelo aplicativo, não só
para me manter ocupada como também evitando estabelecer
alguma conversa com o comandante assediador.

— Tripulação, pouso autorizado — Anunciou o comandante


pelo sistema de alto-falantes da aeronave por volta de 07h30 da
manhã de terça-feira, indicando que a pista do Aeroporto de
Congonhas estava liberada.
Comecei a andar pelo corredor para fazer a inspeção de rotina,
verificando se as mesinhas estavam travadas, bem como os
assentos na posição vertical, e orientando os passageiros a afivelar
os seus cintos de segurança. A seguir, eu voltei a ocupar o assento
da estação destinada aos comissários, sentindo um imenso alívio
pelo fim da jornada de trabalho semanal. Tenho assuntos
burocráticos e pendentes para resolver, além de poder destinar uma
parte da folga para fazer uma visita à mamãe.
Permaneci nos fundos da aeronave, acompanhando o
desembarque dos passageiros e me certificando de que o
procedimento transcorreria normalmente, enquanto que a chefe de
cabine e duas colegas se posicionaram na entrada para se despedir
dos mesmos.
Em determinado momento, eu segui até o banheiro para fazer
a inspeção de rotina, mas ao me virar para sair do local, acabei
surpreendida ao ver o comandante Ricardo Tosta. Ele olhou para os
lados, como que para se certificar de que ninguém o veria ali, antes
de me segurar pelos ombros e me empurrar, forçando sua entrada
no banheiro. Soltei um arquejo de surpresa, acometida por uma leve
tontura, me sentindo atordoada demais com aquela abordagem
inesperada. Quando tentei racionalizar a situação, acabei
tropeçando e caindo sentada sobre o tampo do vaso sanitário, que
estava bem atrás de mim.
Puta que pariu! O que ele pensa que está fazendo?
O comandante travou a porta, o que fez acionar a lâmpada do
banheiro, e naquele mesmo instante eu cogitei se ele tentaria me
beijar à força ou se pretendia fazer algo pior. Respirei fundo e
pesadamente para retomar o autocontrole, em seguida apoiei as
mãos na parede e me levantei, disposta a gritar, chutar e empurrá-
lo, se preciso for, não importam as consequências.
— Deixe-me sair, desgraçado! — vociferei, avançando na
direção dele, disposta a entrar em luta corporal, através da técnica
de defesa que aprendi durante o treinamento na academia de
tripulantes.
O comandante fez valer a vantagem de ser mais forte e ágil
durante o embate, se aproveitando do espaço estreito que mal cabia
a nós dois. Ele conseguiu imobilizar os meus braços atrás do corpo,
enquanto me empurrava contra a parede espelhada do banheiro,
fazendo a lateral do meu rosto se chocar contra o vidro.
— Pense bem se vale a pena se expor ainda mais, meu anjo
— murmurou, fazendo o hálito repugnante dele soprar no meu
ouvido direito. — Portanto, seja boazinha como as suas outras
colegas e faça o que estou mandando.
— A equipe de limpeza vai entrar aqui a qualquer momento —
balbuciei, com a voz sufocada.
Ele soltou um riso abafado e agarrou as costas da blusa
branca, o puxando para fora da saia, antes de deslizar a mão por
dentro do tecido, subindo pelas costelas até alcançar o seio e
espalmá-lo por sobre o sutiã.
— O copiloto está cuidando de tudo para que ninguém interfira
em nossa rapidinha.
— Solte-me, por favor — implorei, lutando para me libertar, e
sentindo as lágrimas queimarem os meus olhos.
O comandante me puxou, virando o meu corpo para ficar de
frente para ele, e agarrou a minha nuca bruscamente, pressionando
os lábios contra os meus para me silenciar, e fazendoas suas mãos
nojentas se moverem pelo meu corpo.
O calor e a força que emanava dele provocou um arrepio
gélido ao longo da lombar.
— Você é tão gostosa, Mel — sussurrou com a voz rouca,
roçando a sua boca na minha quase que de forma agressiva.
Quando ele fez menção de abrir o fecho da calça, sem
conseguir conter um gemido de prazer, e mesmo com a boca ainda
colada à minha, considerei fingir que aprofundava o beijo, e assim o
fiz.Eu mordi o lábio inferiordele com forçao suficientepara cortá-lo
e logo senti o gosto de sangue na língua, enquanto o observava
recuar um passo, passando a me encarar com uma expressão de
perplexidade e assombro no rosto.
Não perdi mais tempo e avancei em direção à porta,
destravando-a rapidamente e puxando a maçaneta. Assim que eu
saí do banheiro, eu me deparei com a comissária chefe e uma
agente de limpeza, que deixaram transparecer uma profunda
desconfiança no olhar.
— Fernanda, eu preciso conversar seriamente com você —
balbuciei, com a voz estrangulada, sentindo a náusea me subir à
garganta e quase desabei no chão, chorando, mas as duas
mulheres me seguraram pelo braço.
— Por Deus, Melissa! O que houve com você? — a chefe de
cabine perguntou, observando horrorizada o estado deplorável em
que eu me encontrava: os cabelos presos em rabo de cavalo
estavam desalinhados, a blusa toda entreaberta expondo
parcialmente o sutiã em tom nude, e o rosto vermelho ainda
contorcido pela dor e revolta se mantinham fixos nela.
— Eu me sinto péssima, você nem imagina o quanto... — foi
tudo o que consegui dizer, em um fio de voz. Porém, a seguinte
frase passava em loop por minha mente: O comandante me
encurralou no banheiro agora há pouco e tentou me violentar. —
Ricardo ainda deve estar no banheiro... preciso que se certifique de
que ele ainda está lá.
— Por gentileza, verifique agora mesmo o lavatório, sim? —
Fernanda pediu, se voltando para a auxiliar de limpeza, que ao fazer
menção de se levantar, estacou no mesmo instante, olhando em
direção aos fundos da aeronave.
— O comandante está saindo agora do banheiro em frente ao
que Melissa estava — informou a funcionária, com certo
constrangimento.
Foi com certa dificuldade que eu consegui virar o rosto, e pelo
canto do olho percebi que ele havia acabado de sair de lá, ainda
afivelando o cinto da calça e aparentando um ar despreocupado no
semblante.
Como eu vou conseguir comprovar que fui assediada
sexualmente?
Abri e fechei a boca várias vezes, mas nenhum som saiu dela,
e senti uma espécie de bolo na garganta, que insistia em me
sufocar, dificultando a passagem de ar para os pulmões.
— Ricardo, me ajude a levantá-la, por gentileza? — Fernanda
solicitou, enquanto passava o meu braço ao redor do ombro, mas
assim que ele se aproximou de nós duas, eu rapidamente me
afastei e apoiei as mãos no chão para ficar de pé por mim mesma.
— Não quero que ele me toque! — falei, rispidamente, virando
as costas para eles três e comecei a abotoar a blusa com as mãos
trêmulas.
— Melissa, você parece bastante transtornada... — o
comandante comentou, com ar de fingidapreocupação. — Sente-se
um pouco e fique calma. Eu vou até a galley buscar um copo de
água mineral.
— Você é muito cínico mesmo, comandante. Mas, não pense
que sairá impune.
Atravessei o corredor e abri o compartimento de bagagem
sobre o assento da primeira fileira e tirei a minha mala de mão,
antes de seguir em direção à saída. Notei que o copiloto estava na
porta conversando com o agente de rampa, que havia disposto as
bagagens dos tripulantes no canto, uma vez que elas haviam sido
despachadas no porão. Eles me cumprimentaram com um aceno de
cabeça, mas eu os ignorei e sai andando pelo finger, puxando a
minha mala pela alça, e decidida a prestar queixa contra o
comandante.
Sofrerretaliação era a menor das minhas preocupações, ainda
mais pela cruel possibilidade de ter que dizer adeus à promoção
como chefe de cabine, algo que batalhei muito para conseguir.
“Pare de chorar, é um sinal dos tempos
Bem-vindo ao último show
Espero que esteja usando suas melhores roupas
Não dá para subornar a porta que dá entrada para o céu
Você parece muito bem aqui embaixo
Mas você não está bem de verdade.”[2]

6 semanas depois.

Só em pensar que comecei a chave de voo, ouvindo Golden,


de Harry Styles, e finalizando com Sign of the Times, indicava que
eu regredi de 100 a 0 muito rápido, praticamente alcançando o
fundo do poço.
Começaram a circular boatos a meu respeito no grupo
composto por pilotos e membros da tripulação. No início, eu ignorei
os olhares enviesados e conversas ao pé de ouvido, quando
retornei da licença médica após a crise de ansiedade. Porém,
conforme os dias passavam, a situação foi se tornando
insustentável, comprometendo a minha relação com os colegas.
Cheguei até a pensar em pedir demissão, mas refleti muito e
concluí que o lado racional deve se sobrepor ao emocional, ainda
mais quando há questões financeirasem jogo. Além disso, manter a
minha mãe em uma casa de repouso requer investimentos
elevados, os quais são mantidos em grande parte pelo salário que
recebo, já que o benefíciodo INSSsofreu redução por ela ter se
aposentado recentemente, aos 57 anos.
Como eu cumpri o período de sobreaviso e não fui acionada
para me apresentar no aeroporto, eu segui de Uber até a sede
administrativa da companhia aérea, que ocupa um edifíciode onze
andares, localizado na Marginal Pinheiros. Assim que eu cheguei ao
local, eu me identifiquei na recepção, e subi até o escritório com o
coração batendo descompassado dentro do peito. Eu já estava
mesmo aguardando um parecer sobre a investigação. Tentei ao
máximo vibrar positivamente, confiante de que as minhas preces
seriam atendidas e o comandante seria demitido.
A certa altura da audiência com o meu supervisor e a
coordenadora de RH, percebi que a empresa não faria nada para
coibir condutas de assédio entre os membros da tripulação. Muito
pelo contrário, a companhia aérea preferiu colocar panos quentes.
Em outras palavras, se eu decidir levar adiante a acusação, serei
dispensada do serviço, até porque comissários de bordo são
facilmente substituídos, mas pilotos de aeronave —habilitados para
voar em grandes companhias comerciais — não são profissionais
que se encontram ali na esquina.
— Sinto muito mesmo, de verdade — a coordenadora
declarou, quebrando o silêncio momentâneo na sala. — Mas, a
companhia não pode demiti-lo, se baseando apenas em suposições
acerca de um fato isolado, Melissa.
— Em suma, é a sua palavra contra a dele — Otávio
acrescentou, fazendo um gesto vago com a mão. — Se me permite
dar um conselho, eu sugiro que lide com isso da melhor maneira
possível.
— A não ser, é claro, que consiga reunir provas ou
testemunhas, que confirmem a acusação de assédio — a mulher
ponderou, demonstrando sensibilidade. — Mas, pelo menos o
gestor que atua na coordenação da escala de voo garantiu que você
não será escalada para integrar a equipe dele novamente.
— A minha alegação não foi o bastante para vocês? —
indaguei, exasperada, me levantando de um salto. — Eu tenho duas
testemunhas e embora não queiram se comprometer, elas são as
únicas que viram o estado deplorável em que eu me encontrava.
— O ônus da prova é de quem alega, ou seja, da própria
vítima — ela respondeu, baixando o olhar, impotente. — Mas até o
momento você não conseguiu comprovar nada.
O meu supervisor me dirigiu um olhar carregado de
desconfiança.
— Reforço a necessidade de não comentar o ocorrido com
ninguém, em respeito à privacidade do piloto, que conta com mais
de dez anos de empresa, e além disso, ele possui esposa e filhos.
A reputação daquele desgraçado vale mais do que a minha
segurança, dignidade e bem-estar, puta que pariu!
— Não sou eu quem está circulando boatos por aplicativos de
mensagens, expondo a minha imagem de forma leviana, Otávio.
Sendo assim, eu não tenho outra alternativa além de buscar os
meios legais de fazer justiça.
— Já tomamos conhecimento de que o seu nome foi parar na
AFA. Sinto muito.
AFA - Associação dos fofoqueiros da aviação. É o equivalente
a dizer que o meu nome foi parar na“rádio peão”.
Não pretendia ficar nem mais um minuto naquela sala. Engoli
em seco, tentando eliminar o nó na garganta, ao pegar a bolsa em
cima da cadeira e virei as costas, sentindo as lágrimas descerem
pelo rosto, mas tratei logo de enxugá-las, com um gesto brusco.
— Espero que reflita bem e considere tirar a denúncia que fez
contra o Com. Ricardo Tosta — o supervisor comentou,
casualmente, quando eu já estava prestes a abrir a porta. — Você
ainda pretende se tornar Chefe de Cabine, certo?
Havia um tom de ameaça velada na voz dele, que não me
passou despercebido.
— Mas eu já comecei a frequentar o curso de formação para
chefes de cabine... — respondi, piscando por um momento,
visivelmente aturdida.
— Honestamente, a diretoria já não tem tanta certeza de que
você ainda está apta para assumir o cargo... — Otávio ponderou,
em tom de incerteza.
— Cometi o erro de faltar alguns dias, mas não podem
considerar o período da licença de curto prazo a que eu tive direito.
— Compreendo perfeitamente, mas a decisão final será
tomada nos próximos dias.
— É compreensível, mas ainda assim, as faltas foram incluídas
no seu arquivo.
Achei nítida a tentativa de perseguição dos gestores, desde
que eu voltei a trabalhar nos últimos dias. Além da minha escala ter
sofrido alterações, com o pessoal me acionando repentinamente
para fazer quatro pernas[3] de ponte aérea (RJ-SP), a coordenação
também fez algumas modificações nas chaves subsequentes feitas
no sistema.
Assumir a ponte aérea é um pesadelo na vida de qualquer
comissário de bordo. Além de ser muito cansativo, a tripulação mal
consegue tirar um intervalo para se alimentar.
Ficar sem comer entre uma perna e outra era só a ponta do
iceberg — Pensei, lutando contra uma onda de impotência que já
invadia a minha alma.

Minutos mais tarde, eu saltei do veículo e contemplei a


fachadada instituição de longa permanência para idosos, localizada
no bairro de Moema, zona Sul de São Paulo.
Nasci na capital paulista, mas fui criada na cidade de
Votuporanga, interior do Estado. A famíliada minha mãe sempre foi
muito rígida, do tipo que se opõe a qualquer coisa que não seja
socialmente aceitável. Norma Albuquerque foi criada segundo os
preceitos da igreja Católica, e a notícia de sua gravidez não
planejada chocou os pais dela, que a obrigaram a se casar, mesmo
contra a sua vontade. Pouco tempo depois, eles descobriram que
ela se envolveu com um homem casado, um engenheiro de uma
indústria farmoquímica,responsável por acompanhar a construção
da estação de tratamento de efluentes em São José do Rio Preto,
distante 83 km. Apesar de o meu pai ter se recusado a assumir a
paternidade, a minha mãe resolveu seguir com a gravidez, mesmo
depois de ter sido expulsa de casa.
Os anos que se seguiram ao meu nascimento foram bem
difíceis.Mamãe passou alguns anos morando na casa da irmã mais
velha, mas ela se sentia um estorvo na vida dela, ainda que tivesse
retomado os estudos à noite e trabalhando como professora durante
o dia. Ela morava sozinha na cidade natal até um mês atrás, quando
a convenci a se mudar para a capital, facilitando assim o
acompanhamento do estado de saúde dela.
Quando a mamãe apresentou os primeiros sintomas, ela tinha
acabado de se levantar da cama e a perda dos movimentos do lado
esquerdo a fez perder o equilíbrio e cair no chão. Felizmente, ela
conseguiu pegar o telefone e acionou o SAMU, mesmo
apresentando dificuldades em articular as palavras. Não fosse o
pronto atendimento de emergência na Santa Casa de Votuporanga,
talvez mamãe não tivesse sobrevivido.
É bem comum passar até uma semana fora de casa, e como
eu divido o apartamento com uma colega de trabalho, não teria
condições de manter a minha mãe em um imóvel minúsculo e sem a
estrutura necessária para atender às necessidades dela, condições
oferecidas apenas em casas de repouso, um ambiente seguro e
com atendimento especializado em tempo integral.
Passei a olhar distraída para as fotos que amigos e conhecidos
postaram recentemente no feed do Instagram,quando de repente
surgiu uma notificação de mensagem recebida noWhatsapp.
Observei uma sucessão de mensagens de Marcos subindo na
tela, cobrando uma satisfação sobre onde eu estava e com quem,
demonstrando impaciência por não ter retornado as ligações nas
últimas horas.
Marcos Gonçalves é engenheiro mecânico formadono Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (IT
A) e trabalha na mesma companhia
aérea que eu, uma vez que se especializou em Engenharia
Aeronáutica, e possui experiência em gerenciamento de
manutenção e reparo de aeronaves.
Depois de muita insistência dele, acabei ativando o serviço de
localização pelo aplicativo e compartilhei o link na conversa mantida
com ele. Quando Marcos finalmente se deu por satisfeito, alegou
que precisava voltar para o treinamento interno, no centro de
manutenções da companhia, localizado em São Carlos, interior de
São Paulo.
Não contei a ninguém que eu me relaciono com um homem
que, embora já tenha se separado, ainda não se divorciou, de fato.
Nós dois nos conhecemos através de um amigo em comum durante
a confraternização de fim de ano promovida pela empresa. Ele já
estava separado da mulher, e começamos a sair sem criar muitas
expectativas ou rótulos desnecessários. No começo, nós estávamos
apenas nos curtindo e preenchendo os espaços vazios de dois
corações solitários, mas conforme o tempo foi passando, o
compromisso foi se firmando e estamos junto há mais de cinco
anos. O processo de divórcio dele só não foi concluído ainda na
Vara de Família por divergências referentes à guarda e pensão
alimentícia do único filho.
De repente, eu escutei a voz da recepcionista, informando que
eu já poderia seguir até o quarto individual, onde a minha mãe está
instalada. Assim que a auxiliar de enfermagem abriu a porta, eu
notei que mamãe estava sentada na poltrona ao lado da cama,
descansando após a série de exercícios que visam estimular o lado
do corpo comprometido pelo AVC.
— Bem, eu vou deixar as duas a sós por alguns minutos — a
enfermeira declarou de modo amável, antes de sair do quarto.
Mamãe só consegue falar pausadamente e tem apresentado
alguns lapsos de memória, mas tenho fé de que em pouco tempo
ela vai se recuperar integralmente.
— Querida... que... bom... poder... te... ver... de... novo — Um
sorriso trêmulo lhe iluminou o rosto e logo eu me sentei no chão
diante dela, cruzando as pernas em posição de lótus. — Você...
não... me... parece... nada... bem. O que... o que houve?
— Eu só estou um pouco cansada, mãe — menti,
deliberadamente, desviando o olhar, e me esforçando ao máximo
para conter uma lágrima sorrateira. — Peguei a ponte aérea direto
nos últimos dias... É bem desgastante, sabe? — prossegui, falando
de forma pausada, ao tomar a mão direita dela entre as minhas,
uma vez que a outra se mantinha fechada em forma de "garra”.—
Mas, amanhã será um bate-volta até Belo Horizonte, então eu terei
mais tempo para descansar no hotel.
Mamãe me encarou, mas o olhar estava distante, perdido em
algum ponto do meu rosto, e logo uma sensação de impotência me
atingiu como um soco no estômago. Eu sempre tive o costume de
desabafar com ela, contando os detalhes do meu dia a dia, até
pouco mais de um mês atrás, mas o AVCi alterou completamente a
dinâmica entre nós duas, de uma forma devastadora.
— Mel... não... minta... pra... mim — mamãe comentou, de
repente, me tirando completamente dos meus devaneios. — Eu...
te... conheço... muito... bem...
— Jamais mentiria para a senhora, minha mãe — disse,
articulando as palavras bem devagar, e tentando imprimir um tom de
firmeza na voz. — Está tudo sob controle.
E ainda que realmente não esteja, eu sempre dou um jeito de
colocar as coisas em seus devidos lugares.
Percebi pelo canto do olho a mamãe estender o braço para
acariciar de leve os meus cabelos, mas o gesto afetuoso dela foi
incapaz de me estabilizar. Não consigo me sentir tranquila diante da
possibilidade de receber um comunicado da gestão de RH,
solicitando o meu comparecimento ao escritório da companhia
aérea para assinar os papéis da minha rescisão. Os meus colegas
já haviam me alertado sobre o fato de que o Com. Ricardo Tosta
goza de grande prestígiojunto à diretoria da empresa, mas não quis
me deixar afetar por isso.
— Você está... sempre... em... minhas... preces... para... que...
nada... de mal... te... aconteça.
Fiz um tremendo esforço para não desabar aos prantos, pois
não queria que os meus problemas afetassem o estado de saúde
dela, que ainda inspira muitos cuidados.
— Não sabe o quanto me conforta poder ouvir isso, minha
mãe... — balbuciei, reprimindo um soluço a tempo. Levantei a
cabeça e lhe dirigi um olhar amoroso, ao passo que as lágrimas já
nublavam a minha visão. De repente, ouvi o som da porta se
abrindo e a enfermeira entrando no quarto em seguida. — Bem, eu
preciso ir agora, mas prometo voltar semana que vem, está bem?
Apoiei a mão no braço da poltrona e me levantei, antes de
depositar um longo beijo na testa dela.
Quando eu entreabri a porta para sair do quarto, deixei
escapar um longo suspiro, enquanto as lágrimas inundavam os
meus olhos. Fechei a porta e me recostei na madeira, soltando a
respiração bem devagar e me controlando ao máximo para não
perder o controle das minhas emoções.

Nem bem eu cheguei em casa, e a minha colega Stefani


Valente já foi logo me intimando para acompanhá-la até o bar que
ela escolheu na Faria Lima, para se encontrar com um cara que
conheceu recentemente através de um aplicativo de
relacionamentos.
— Você está de folga neste final de semana e pode curtir à
vontade, mas amanhã eu vou acordar bem cedo para minha
apresentação na base de Guarulhos — comentei, enquanto sentava
no sofá e tirava os tênis brancos dos pés.
Stefani praticamente se prostrou de joelhos, assumindo uma
postura de súplica, disposta a usar o seu poder de convencimento,
afinal ela se formou em Psicologia, e entende bastante sobre a
mente humana. Não forampoucas as vezes em que me deixei levar
pelos argumentos dela, sempre carregados de sutileza e de uma
boa dose de drama.
— Amiga, eu nunca te pedi nada! Não quero ir sozinha, até
porque, vai que ele seja algum maníaco, sei lá... Além disso, você
pode ficar na retaguarda, impedindo que eu exagere na bebida e
acabe perdendo a noção das coisas... eu posso terminar a noite
dopada e roubada, ou pior ainda... dopada e agredida.
— Marcos me proibiu de sair com você ou com qualquer uma
de minhas amigas. Por que não chama outra pessoa para te
acompanhar, Steh? Veja quem está de folga hoje lá no grupo.
— Já alertei você antes sobre como o seu relacionamento
tomou um rumo muito nocivo, Mel. Não quero mais me meter nesse
rolê porque eu me dei mal da última vez, mas espero que você
mesma dê um basta nisso, antes que seja tarde demais...
Pior que eu tinha plena consciência disso e não me sentia
capaz de fazer absolutamente nada para mudar a situação. Na
verdade, eu tenho medo de provocar a ira de Marcos, uma vez que
ele tem enfrentado uma fase de muita instabilidade emocional e
financeira, em decorrência do processo de divórcio. A ex-mulher tem
dificultado o contato dele com o filho porque ela se recusa a aceitar
a guarda compartilhada. Não quis contar nada para Stefani por se
tratar de um assunto de foro íntimo, que só diz respeito a ele e a
seus familiares.
— Mel, você se privou de fazer muitas coisas no seu tempo
livre e deveria se permitir o direito de curtir algumas horas de lazer
em prol do seu bem estar. Permita-se pelo menos por esta noite,
amiga. Por favor, faça isso por você mesma!
Achei muito cômica a tática que ela usou de se manter
ajoelhada diante de mim, me encarando com seus olhos
esverdeados, o mesmo olhar suplicante do gato de botas, do filme
“Shrek 2”.
— Então, você vai ter que me emprestar aquela sua peruca
azul-claro porque eu não quero correr o risco de ser reconhecida por
algum amigo dele.
— Empresto até as minhas roupas, mana! — concordou,
gesticulando empolgada. — Lavo até as suas calcinhas para
retribuir esse grande favor, Mel. Basta pedir que eu faço com o
maior prazer.
— Também não exagere, Steh! — retruquei, caindo na risada.
— Bom, eu vou tomar logo o meu banho e me arrumar, antes que
eu acabe mudando de ideia — completei, dando um tapa de leve no
ombro dela, e me levantei para seguir até o meu quarto.
Cerca de duas horas depois, nós duas chegamos em um dos
bares mais badalados da Faria Lima, conhecido por reunir
funcionários e executivos de empresas da região, além do público
jovem em geral. Escolhi um conjunto all in black, composto por
camiseta preta de malha canelada, calça estilo jogger de couro
sintético e escarpins.
O garçom nos conduziu até a mesa reservada por Steh, mais
especificamentea de número treze, com três cadeiras livres, e ela já
foi logo pedindo duas cervejas puro malte em long necks. Enquanto
o rapaz não chegava, nós passamos a observar os frequentadores
do bar, em sua maioria composto por homens engravatados e
mulheres bem vestidas, mas um deles acabou atraindo a nossa
atenção.
O homem em questão usava um terno de corte impecável, e
cogitei se ele trabalhava como gestor de uma grande empresa. Ele
parecia estar possuído pelo ritmo “ragatanga”,dançando
animadamente junto a um grupo de quatro pessoas, embalados ao
som de música Disco e House.
— Amiga, você também reparou na formacomo ele dança? —
perguntei, falando bem alto junto ao ouvido dela, enquanto
observava o desconhecido balançar os braços acima da cabeça e
remexendo o quadril.
— Ele dança um pouco desengonçado, mas de um jeito sexy,
não acha? — Ela quis saber, mal contendo o riso, ao cobrir a boca
com a mão.
Quando eu estava prestes a falar algo a mais sobre o
“dançarino”, outro homem se aproximou da mesa e nos saudou com
um sorriso simpático no rosto.
— Boa noite, meninas... — O carinha do Tinder cumprimentou
a nós duas, antes de ocupar a cadeira livre. — Desculpe a demora,
Stéfani,mas eu infelizmentefiqueipreso no trabalho por mais tempo
do que o previsto.
— Todo mundo confunde a pronúncia do meu nome,
impressionante! — Steh comentou, em tom espirituoso. — O certo é
dizer estefãni e não istéfani. Mas eu prefiro que me trate pelo
apelido mesmo, Edu. Vamos pular as formalidades, ok? —
prosseguiu, explicando a maneira certa de pronunciar o nome dela.
— Quero te apresentar a minha amiga, que também é comissária de
bordo... Melissa Albuquerque.
— Eduardo Mota — falou, estendendo a mão direita. — É um
prazer conhecê-la.
— Igualmente... — respondi, de modo amável. O aperto de
mão dele era firme, porém caloroso.
Quando Eduardo e minha amiga começaram a conversar,
considerei melhor deixá-los a sós por alguns minutos e lhes pedi
licença, usando como pretexto a necessidade de ir ao banheiro.
Uma vez sentada na banqueta do balcão, eu fui atendida por
um bartender bastante prestativo, e resolvi pedir uma taça de gim-
tônica apenas como saideira. O Amázzoni é feito com folhas de
louro, pimenta-rosa, gim, água tônica além de gelo, uma das mais
de cinquenta opções de gim oferecidos pelo badalado bar.
De repente, eu senti alguém tocar o meu braço, e ao virar o
rosto, subitamente assustada pela possibilidade de ser algum amigo
de Marcos, suspirei bem fundo de alívio ao constatar que era só um
cliente qualquer do bar.
— Desculpe se eu assustei você, mas eu só queria saber se é
verdade mesmo o que dizem...
— Como assim? — perguntei, piscando várias vezes. — Não
entendi.
— Dizem por aí que azul é a cor mais quente, mas eu estou
louco para poder tirar a prova disso — respondeu, se atrevendo a
passar a mão pela extensão sedosa da lace de corte long bob.
Possivelmente ele achou que fosse o meu cabelo natural, porque
ela adere bem ao couro cabeludo.
— Quente mesmo vai ficar quando eu acertar a minha mão na
sua cara — ameacei, me levantando de um salto, e prestes a
cumprir a ameaça, quando outro homem apareceu e se interpôs
entre o sujeito e eu, no balcão.
Reconheci o executivo-dançarino naquele mesmo instante, e
suspirei, aliviada.
Notei que ele era ainda mais alto do que imaginava, então
devia ter por volta 1,90 de altura. Reparei também no porte atlético
dele, a julgar pelos músculos bem delineados no terno impecável.
Os cabelos eram castanho-escuros, curtos e lisos, e a barba curta e
rala emoldurava o rosto de traços firmes, sem contar os olhos
castanhos brilhando de forma desafiadora.
— Não escutou o que ela disse? Pegue a sua bebida e se
afaste, se não quiser que eu chame os seguranças.
O meu coração parou de bater por uma fraçãode segundo até
voltar a acelerar de forma incontrolável.
A última coisa que eu queria era que ambos trocassem socos
por minha causa, causando uma confusão generalizada no bar.
“Voe por aícomigo, não vou conseguir fazer isso sozinho
Tentar e viver minha vida sozinho
Voe por aícomigo, não vou conseguir fazer isso sozinho
Tentar viver minha vida sozinho.”[4]

Eu não me sentia disposto a curtir o happy hour com alguns


gestores da farmacêutica Astramed, mas levei em conta que
acompanhá-los era a oportunidade ideal para tentar esquecer os
problemas, mesmo que temporariamente. Apesar de ter conseguido
conquistar a confiança e a lealdade dos diretores e acionistas, não
tem sido nada fácil lidar com a pressão do meu pai em cumprir com
a disposição absurda do plano de sucessão.

Eu sou o CEO interino[5] e neto do fundador do grupo


Astramed, uma farmacêuticacom sede administrativa em São Paulo
e com unidades fabris espalhadas em algumas cidades do país.
O meu avô começou no ramo farmacêutico ao fundar um
laboratório na década de 1950, transferindo para o meu pai a
responsabilidade de assumir o comando pouco antes de nos deixar.
Atualmente, a Astramed conta com pouco mais de 40 anos de
existência, e se tornou uma das maiores fabricantes de
medicamentos genéricos do Brasil. No entanto, toda a famíliafoi
pega de surpresa quando o meu pai considerou que eu estava
pronto para substituí-lo, especialmente depois de sobreviver a um
infarto. Porém, ele ainda preside o conselho de administração,
embora tenha se dedicado exclusivamente à filantropia.
Não sei o que deu em mim ao beber alguns copos de cerveja a
mais, e nem como eu fui parar na pista de dança, ao lado de um
grupo de jovens talentos da companhia. O fato é que eu só
pretendia extravasar toda a pressão acumulada ao longo da
semana. Só não esperava me tornar um alvo de chacota de duas
mulheres, que cochichavam e riam entre si, possivelmente
avaliando mal a minha performance. E eu que pensei que estava
arrasando, ao balançar os braços e mover o corpo de um lado para
o outro como qualquer outra pessoa faz, embalado pelo ritmo da
música. Porém, tudo o que eu consegui foi me expor ao ridículo,
então só restava mesmo descontar as minhas frustrações bebendo
uma boa dose de uísque.
Quando eu me aproximei do balcão, reconheci justamente uma
das mulheres que se divertiu às minhas custas nesta noite de sexta.
Não posso negar que ela chamou a minha atenção, não apenas por
sua beleza, mas também pela cor chamativa do cabelo dela, cuja
tonalidade pendia mais para o azul. Porém, eu não esperava me
deparar com uma situação delicada, provocada pela abordagem
invasiva de outro cliente e achei apropriado interceder pela
segurança dela, antes que a situação saísse do controle.
— Não escutou o que ela disse? — perguntei, tocando o
ombro dele de forma insistente. — Pegue a sua bebida e se afaste,
se não quiser que eu chame os seguranças.
O homem me dirigiu um olhar contrariado, mas não ofereceu
resistência ao meu pedido e se afastou do balcão, resmungando e
xingando baixinho.
— Aquele cara não entendeu que eu não vim até aqui para me
divertir — a beldade de cabelo azul comentou, enquanto eu me
sentava na banqueta ao lado dela.
— Imagino que ele tenha sido bastante inconveniente
contigo...
— Eu nem deveria ter colocado uma lace tão chamativa, mas
não tinha outra opção — respondeu a jovem, girando distraidamente
a taça de gim.
— Lace? Do que se trata? — Eu quis saber, piscando várias
vezes, confuso.
— É um tipo de peruca bastante realista porque ela imita bem
o couro cabeludo.
De repente, um bartender se aproximou e eu decidi pedir a ele
que preparasse o coquetel old fashioned.
— Eu podia jurar que era o seu cabelo natural — comentei,
dando uma boa olhada no rosto dela, com a simetria perfeita nos
traços finos e realçados pela maquiagem bem elaborada.
O destaque também fica por conta dos olhos luminosos e
desafiadores em tom verde-oliva, além da pinta na lateral do rosto,
que parecia ser a marca registrada dela.
— Não teria coragem para tanto e além disso a empresa onde
trabalho tem regras rígidas de apresentação pessoal. Ou seja, nada
de tatuagens, piercings, ou cabelo colorido.
Bebi um gole da bebida antes de responder, decidindo omitir a
informação de que eu sou o CEO de uma grande empresa.
Alcancei uma fase da vida em que eu estou farto de me
envolver com mulheres que me veem apenas como alguém que
pode lhes garantir a manutenção do padrão de vida a que elas estão
acostumadas. Se eu caísse em desgraça e perdesse o meu
patrimônio, não sobraria nem um tostão de afeto capaz de mantê-
las ao meu lado.
— Quem trabalha em escritório só tem flexibilidade às sextas-
feiras, mas com relação ao visual e a aparência em si, a empresa
pode até fazer recomendações, a depender da política dela, mas
sem dar margem a qualquer tipo de discriminação.
Observei a beldade levar a taça de gim aos lábios em forma de
coração, dando um gole longo e demorado.
Será que ela não se sente disposta a ficar no bar por mais
tempo? Preciso encontrar uma maneira de mantê-la entretida na
conversa o máximo que eu puder.
— Mas estou curioso para saber o que aquele cara falou para
você agora há pouco... Suponho que tenha sido algo bem
desrespeitoso.
— Ah, realmente! Ele comentou o seguinte: Dizem por aí que
azul é a cor mais quente, mas eu estou louco para poder tirar a
prova disso.
Quase me engasguei com minha própria saliva. O cara foibem
audacioso, ao criar uma frase de duplo sentido e fazendo alusão a
um longa-metragem premiado.
— Olha, eu só estou aqui porque a minha amiga marcou um
encontro com um match do Tinder e ela não queria vir sozinha.
Então, eu resolvi passar um tempinho a mais, bebendo uma ou duas
taças de gin para afogar as mágoas.
— Eu afogo as minhas no café expresso de segunda à quinta,
e no copo de uísque aos finais de semana, por isso eu não te julgo!
— comentei em tom divertido, ao girar a banqueta para o lado,
posicionando-a de frente para ela.
— Não sou de beber muito, mas às vezes faz bem sentir o
sangue fervernas veias, com uma taça de vinho, preferencialmente.
— A combinação perfeita na minha opinião é uma taça de
vinho, aliada a uma noite chuvosa e muito bem acompanhado por
alguém especial...
— Imaginoque seja algo memorável... — concordou, distraída,
olhando para algum ponto do meu rosto.
— Acho que você fez muito bem em vir até aqui com a sua
melhor amiga. Parece que eu contribuí de alguma forma para a
diversão de vocês..., mas agora seja sincera, por favor. Eu danço
tão mal assim?
— Meu Deus... me desculpe — murmurou, cobrindo a boca,
visivelmente constrangida. — Nós duas rimos bastante, mas não foi
por maldade — prosseguiu, se explicando depressa. Havia um tom
de nervosismo sutil na voz. — Se serve de consolo, nós achamos
que você parecia um pouco desengonçado ao dançar, mas de um
jeito sexy, sabe?
— Obrigado pela parte que me toca... assim eu ficolisonjeado.
De repente, ela abriu a bolsa e tirou o celular que parecia tocar
de forma insistente, mas assim que verificou o contato no visor,
deixou escapar um arquejo assustado.
— Eu nem me dei conta de que o tempo passou rápido —
comentou, recusando a ligação antes de colocar o aparelho de volta
na bolsa. — Preciso ir embora agora.
— Graças a Deus hoje é sexta-feira! Por que não aproveita a
noite ao máximo?
— Como eu trabalho aos finais de semana e feriados, a sexta-
feira passou a ser um dia como outro qualquer em minha vida —
explicou, meio sem jeito e tomou o restante do gim. — Preciso
aproveitar as poucas horas de sono que me restam, e que de
acordo com os meus cálculos serão de apenas 4 horas porque já é
quase meia-noite.
— Deixe-me adivinhar — Eu me apressei em dizer, mal
contendo a ansiedade em saber mais a respeito da beldade de
cabelos azuis. — Você trabalha na área da saúde?
— Peeeem! — gritou, ao juntar as mãos em concha diante da
boca. — Resposta ê... ê... errada! — acrescentou, caindo na
gargalhada. — Eu sou comissária de bordo.
— Caralho, mas que vacilo! A primeira coisa que me veio à
cabeça foi “saúde”
porque eu atuo neste ramo... Então eu pensei
que trabalhava em algum hospital.
— Eu realmente preciso ir..., mas agradeço a gentileza. Tudo
bem que eu não precisava de alguém para me defender, mas pelo
visto só um homem consegue impor respeito a outro...
— Não duvido de que vocês, mulheres, não tenham um minuto
de paz. Começando pelas importunações indesejadas como o
assédio, sem contar quando evolui para algo ainda mais sórdido
como a violência sexual…
— Eu não gosto nem de me lembrar disso... — murmurou,
nervosa, enquanto se levantava e fazia menção de deixar o balcão.
No entanto, eu segurei o braço dela com firmeza, movido por um
impulso irresistível de passar alguns minutos a mais na companhia
dela.
A comissária de bordo por pouco não se atrapalhou nas
próprias pernas, mas eu rapidamente passei os braços à volta da
cintura dela, mesmo estando sentado na banqueta alta. Um grito de
surpresa escapou dos lábios dela no exato instante em que os
nossos rostos ficaram a poucos centímetros um do outro.
Próximos, mas tão próximos a ponto de sentir o calor da
respiração dela vibrar cada célula do meu corpo.
Como se eu já não tivesse sido atrevido o suficiente,aproximei
mais o meu rosto do dela, encarando ora os olhos verdes irradiando
magnetismo, ora os lábios pintados em tom de cereja, entreabertos
e desejosos por um beijo.
Entretanto, uma dose de uísquee alguns copos de cerveja não
foram suficientes para impedir que um fio de bom senso emergisse
na consciência. Soltei um longo suspiro de resignação e deixei os
braços caírem ao longo do corpo, liberando-a para partir.

— Eu preciso me apresentar na base de Guarulhos às 6:25, e


nem um minuto a mais — explicou, ao endireitar o corpo e alisar um
vinco imaginário da roupa. — Aposto que nem imagina o tempo que
uma mulher leva para se arrumar e sair para trabalhar.
— Não me atrevo a tentar adivinhar, mas acredito que seja em
torno de duas horas, se levar em conta o deslocamento até lá,
dependendo de onde mora, é claro...
— O alarme já está programado para tocar às 4:30 da manhã.
— Espero que não me leve a mal por perguntar, mas você
trabalha em qual companhia aérea? — perguntei, cruzando os
braços, com os olhos fixos nela e uma das sobrancelhas, arqueada.
— Também espero que não me leve a mal, mas prefiro não
informar...
— Eu acho que já disponho das informaçõesde que preciso —
ponderei, esboçando um sorriso de canto de boca. — Mas a
comissária de bordo ainda não me disse como se chama...
— Já ouviu falar naquele meme: Ora, ora, parece que temos
um Sherlock Holmes aqui? — perguntou, com um brilho de
divertimento no olhar. — Continue o trabalho investigativo, executivo
da Faria Lima. Divirta-se e boa noite!
Não sei por que, mas eu tive a sensação de que a expressão
“executivoda Faria Lima”soou um tanto quanto sarcástica aos
meus ouvidos.
A comissária de bordo virou as costas e seguiu até a mesa
onde a amiga e o acompanhante dela estavam sentados, e então
aproveitei a oportunidade para observar os movimentos graciosos
de sua bunda redonda e gostosa.
Cerca de meia hora depois eu já estava ocupando o banco de
trás do luxuoso sedã, conduzido pelo meu motorista particular, com
destino à cobertura triplex em Cidade Jardim. No entanto, a minha
residência oficial se situa no bairro de Alphaville, entre os municípios
de Barueri e Santana de Parnaíba.
Tirei o meu celular do bolso interno do paletó e rapidamente
conferi as mensagens no aplicativo Whatsapp, quando uma delas
me chamou a atenção pelo tom queixoso.
A minha parceira atual lamentava o fato de não poder me ver,
porque sente vergonha do resultado final do procedimento estético
que fezno rosto há poucos dias. Cris Ventura trabalha como modelo
e digital influencer e resolveu fazer uma harmonização facial por
mera vaidade, mas se arrependeu e decidiu retirar todo o produto
aplicado no rosto.
Os médicos recomendam às pacientes a não beijar ou fazer
sexo oral durante quinze dias.
Tentei confortá-la avisando que já estava seguindo para casa e
que esperaria o tempo que fosse necessário até o pleno
restabelecimento dela.
Procurei na lista de contatos o número do meu assistente
executivo, Henrique Alves, e felizmente ele atendeu a chamada já
no terceiro toque.
— Rick, boa noite, tudo bem? — cumprimentei, meio hesitante
de ter sido inconveniente.
“Boa noite, Seu Alexandre, tudo ótimo. Em que posso ser útil?”
— Primeiramente, eu peço desculpas por ligar nesse horário,
mas preciso que faça uma pesquisa para mim, pode ser?
“Claro, eu estou usando o meu laptop neste momento. Do que
se trata?”
— Perfeito! Então, por gentileza, verifique se existe algum voo
saindo do aeroporto de Guarulhos por volta de 07:25 ou 07:30 da
manhã. Não me pergunte o local exato porque eu não sei te
informar.
“Seria para alguma cidade aqui no Brasil mesmo?”
— Bem, eu não faço ideia, acredita? — respondi, constrangido.
— Eu sou meio dado a excentricidades, você sabe bem disso...,
mas qualquer lugar serve, contanto que seja no horário que eu te
passei.
“Perfeitamente...Pode deixar que eu fareiessa pesquisa agora
mesmo e já te dou um retorno.”
— Se conseguir localizar o voo, reserve a passagem em meu
nome e encaminhe depois o cartão de embarque digital para o meu
e-mail. Agradeço desde já! Até logo.
Daqui a poucos minutos saberei o nome da companhia aérea e
o destino do voo que decola nas primeiras horas da manhã de
sábado. Preciso reencontrá-la nem que seja pela última vez, e nem
me arriscaria tanto se não estivesse suficientemente convencido de
que ela se sente atraída por mim, tanto quanto eu me sinto atraído
por ela.
Minutos mais tarde eu saí do banho, usando um roupão
felpudo e decidi checar logo a caixa de entrada do Outlook, mal
contendo a ansiedade de ver os e-mails recentes. Verifiquei as
informações da reserva e constatei que o voo com horário de partida
mencionado pela comissária de bordo tem como destino a cidade de
Belo Horizonte, Minas Gerais.
— Então, a bela comissária de bordo vai assumir o voo de
Guarulhos (GRU) para Confins (CNF) — pensei em voz alta,
enquanto secava os meus cabelos, com uma toalha.
Amanhã ela terá uma surpresa e tanto quando me reconhecer
entre os passageiros!
Decidi comunicar a minha irmã sobre a decisão repentina de
viajar para Minas Gerais, uma vez que ela ocupa o cargo de vice-
presidente da companhia.
— Alê, eu preciso que você dirija a reunião com os
investidores, na próxima segunda-feira — comecei, assim que ouvi
a voz dela do outro lado da linha. — Eu vou viajar para BH no início
da manhã e não terei condições de chegar a tempo.
Os meus pais decidiram batizá-la com o nome de Alessandra,
uma versão feminina de Alexandre, apenas porque eles geraram
gêmeos fraternos, termo empregado quando a fecundação ocorre a
partir de dois óvulos diferentese por dois espermatozoides distintos,
podendo ser do mesmo sexo ou não. Ainda assim, Alessandra e eu
sempre fomos como unha e carne de tão unidos, e essa parceria
funciona em todos os âmbitos, do profissional ao pessoal.
“Mas por que você resolveu fazer essa viagem justo agora,
Xandy? O diretor executivo de operações da unidade de Pouso
Alegre já está ciente disso?”
— Não tive tempo ainda de comunicá-lo, mas farei isso antes
de seguir até o CD. Mas você sabe que eu já estava mesmo
planejando conferir de perto as operações por lá, então eu vou unir
o útil ao agradável.
“Imagino que o útil esteja relacionado aos negócios, mas e o
agradável seria o quê, exatamente?”
— Quando eu me referiao agradável eu quis dizer sobre o voo
de ida até Belo Horizonte — respondi, bancando o enigmático,
mesmo sabendo que ela não vai sossegar até satisfazer a
curiosidade.
“Mas por que prefereseguir num voo comercial se pode usar o
jato executivo da companhia? Isso só pode significar uma coisa:
mulher. E ainda digo mais: aposto que a conheceu durante o happy
hour e não quis deixá-la voltar para Minas sozinha.”
— Você só acertou em parte, mana. Mas a mulher em questão
é nossa conterrânea mesmo e trabalha como comissária de bordo.
Depois eu explico o que tenho em mente.... Quero resolver a minha
situação de uma vez por todas. A gente vai se falando, está bem?
Um grande abraço!
Para continuar movimentando uma das maiores fortunas do
Brasil, o meu avô em vida, e motivado por uma visão retrógrada e
machista, estabeleceu que o principal critério de sucessão seria a
escolha de um homem casado para assumir a presidência, em
detrimento dos demais herdeiros. Até mesmo o meu pai e o irmão
dele não quiseram mudar a cultura familiar e organizacional,
impedindo que homens e mulheres da famíliaconcorressem aos
cargos de alta gerência, em condições iguais.
Nunca imaginei que no alto dos meus trinta e seis anos
cogitaria me casar, mas há uma pressão interna para que eu
cumpra a disposição do plano de sucessão no prazo estabelecido,
pois do contrário, a Astramed será administrada por um comitê de
gestão de três executivos, escolhidos pelos acionistas e pelo
presidente do Conselho, o meu próprio pai no caso.
O tempo passou tão depressa que só agora eu me dei conta
de que preciso encontrar uma candidata a esposa, que atenda
plenamente aos meus requisitos.
E por que motivo eu escolheria uma mulher que acabei de
conhecer em detrimento da minha parceira atual, a Cris Ventura?
Balancei a cabeça, tentando esquecer essa ideia descabida de
propor um casamento de fachada. No entanto, a possibilidade de
ser retirado do cargo de CEO da Astramed ainda me assombra,
deixando um gosto amargo na boca.
“Voe por aícomigo, não vou conseguir fazer isso sozinho
Tentar e viver minha vida sozinho
Voe por aícomigo, não vou conseguir fazer isso sozinho
Tentar viver minha vida sozinho.”[6]

Assim que eu cheguei ao Aeroporto Internacional de


Guarulhos, decidi passar na cafeteria Starbucks, aproveitando o
tempo anterior ao embarque, para revisar o relatório elaborado pelo
meu assistente executivo.
A Astramed possui uma fábrica em Pouso Alegre, região Sul
de Minas, e como faz poucos meses que eu participei da
inauguração do novo Centro de Distribuição (CD) na cidade de São
Sebastião da Bela Vista, nada melhor do que acompanhar de perto
as operações realizadas. No entanto, eu vou aproveitar a viagem
para fazer uma visita à minha avó materna, que vive no Haras
particular da família, também no interior do Estado.
Consultei o relógio e constatei que faltavam 40 minutos para a
decolagem, então guardei o laptop finíssimoda pasta de couro e
segui em direção ao portão de embarque. Uma vez no local,
aguardei a minha vez de ser atendido pelos agentes, me
posicionando na fila de passageiros fidelizados e após mostrar o
cartão de embarque digital, o funcionário escaneou o código de
barras e liberou a minha passagem. Atravessei o longo túnel que
ligava o terminal de embarque ao avião, segurando a pequena mala
de rodinhas.
Optei em vestir uma roupa mais casual para viajar, composta
por um suéter de tricô na cor preta e com a manga arregaçada até
o antebraço, além da calça jeans de lavagem clássica e um
sapatênis marrom.
Aguardava ansioso o momento de ser recebido pela bela
comissária de bordo já na entrada da aeronave, mas assim que
alcancei o final do finger, percebi que seria atendido por um
comissário, possivelmente o chefe de cabine. Ele saudou a todos
que estavam embarcando e assim que passei por ele, estiquei o
pescoço na expectativa de avistar quem eu tanto ansiava rever.
Sorri internamente quando vi a comissária instruindo uma
passageira mais adiante e como ela estava de costas, decidi me
aproximar para cumprimentá-la, antes de me acomodar no assento
da saída de emergência.
— Bom dia, comissária! — Eu a cumprimentei, tocando de leve
no ombro dela. — Será que ainda se lembra de mim? — perguntei
em seguida, mas me arrependi assim que ela se virou para me
encarar com uma expressão intrigada no rosto.
Eu me enganei completamente, meu Deus! — pensei, incapaz
de disfarçara frustração ao perceber que a comissária de bordo que
eu conheci ontem no bar não estava presente. Das duas uma: ou
ela faltou ao serviço por algum outro motivo ou a companhia aérea
alterou a escala dela de última hora.
— Bom dia! — saudou a funcionária, de modo gentil.
— Eu peço desculpas pelo incômodo... — falei,enquanto dava
passagem para outro passageiro no corredor da aeronave. —
Imagineique fosse outra pessoa... ela me disse que foi escalada
para trabalhar neste mesmo voo.
— I magina, senhor, não precisa se desculpar. Mas me diga,
em que posso ser útil?
— A sua colega possui uma pinta na lateral do rosto, e se eu
não me engano é no lado direito — comentei, apontando para o
meu próprio rosto, indicando o local exato do sinal, algo que ficou
registrado em minha memória.
— Lamento não poder te ajudar a identificar a pessoa que diz
conhecer... Eu sou novata na companhia aérea, e além disso, a
equipe sempre muda e possivelmente ainda não tive a oportunidade
de trabalhar com ela.
— Compreendo perfeitamentee peço desculpas mais uma vez
pelo inconveniente causado.
— De forma alguma, senhor. Não foi inconveniente nenhum.
Seja bem-vindo a bordo e me coloco à disposição para o que
precisar.
— Agradeço a gentileza e a atenção. Com licença e tenha um
bom serviço!
Passei pelas fileiras de assentos até encontrar a que estava
marcada no meu cartão de embarque e suspendi a pequena mala
de rodinhas para acomodá-la dentro do compartimento de bagagem
de mão.
As chances de eu reencontrar a comissária de bordo foram
reduzidas a praticamente zero.
Existe a possibilidade de Henrique ter cometido um equívoco
durante a pesquisa de voos, ou talvez a escala dela tenha sido
reprogramada ou quem sabe ela faltou por um caso fortuito ou de
força maior. Qualquer que tenha sido o motivo da ausência dela já
me faz pensar em esquecer essa ideia de envolvê-la nesse
imbróglio familiar.
À medida que os minutos passavam, a ansiedade crescia
dentro de mim e não tive outra alternativa além de reclinar o assento
e me ajeitar nele, esticando bem as pernas, e encaixei a almofada
sob a nuca, desejando poder relaxar um pouco durante o voo.
Sempre evito me prender a uma única mulher, só permitindo
atender às minhas necessidades fisiológicas e básicas como
qualquer outro ser humano que anseia por um pouco de atenção,
prazer e bem-estar em meio à rotina estressante diária. Porém, se
fosse pela vontade do meu pai eu já teria me casado com a minha
prima, filha do irmão mais novo dele, que preferiu vender a parte de
suas ações para adquirir outra indústria farmacêutica, a Ultra
Pharma, que também compete pela mesma fatia de mercado.
Só que essa não é a vontade dela e muito menos a minha,
obviamente.
Tirei o meu celular do bolso e verifiquei distraidamente as
mensagens recebidas que se resumiam ao interesse de Alessandra
em saber se consegui rever a comissária misteriosa; as queixas de
mamãe por não ter contado a ela sobre a viagem relâmpago; além
das expectativas elevadas de Cris em passar um final de semana
em Trancoso.
De repente, eu ouvi a voz grave do comandante falar a
seguinte frase:“T
ripulação, portas em automático”.Na sequência, a
comissária de bordo passou de fileira em fileira, solicitando aos
passageiros que deixassem os aparelhos eletrônicos desligados ou
em modo avião. Fiz o que ela pediu, antes de observar a paisagem
pela janela, justo no momento em que a aeronave taxiava em
direção à cabeceira da pista.
Quem sabe o acaso, o destino — ou como quer que as
pessoas chamem, — conspire a meu favor e orquestre o meu
reencontro com a bela comissária de bordo?

O tempo de deslocamento entre o Aeroporto Internacionalde


Confins - Tancredo Neves e Esmeraldas durava em torno de
1h30min.
Quando eu saltei do veículo conduzido pelo administrador do
Haras e também meu tio materno, atravessei o gramado que levava
até a varanda da casa principal com uma alegria transbordante no
peito. Apesar de visitar regularmente a fábrica de Pouso Alegre, a
distância entre as duas localidades dificultae muito o deslocamento,
portanto só uma viagem relâmpago proporcionaria um reencontro
com os meus familiares.
— Ô de casa! — gritei, ao bater os pés no batente da porta. —
Uai, mas cadê o povo? — completei, tentando reproduzir o sotaque
mineiro, embora tenha soado ridículo até para os meus próprios
ouvidos.
— Ah, mãe deve tá na cozinha, ajudando pro armoço.
Segui o meu tio pelo longo corredor, passando pela sala de
jantar até chegar à cozinha espaçosa, com pé direito alto e bem
equipada, contando inclusive com um fogão de lenha. Uma vez
transposto o limiar da cozinha, senti logo o cheiro delicioso de
frango com quiabo, feito na panela de barro. Notei também que a
mesa de madeira maciça já estava posta, com a travessa de arroz,
o angu cremoso de milho verde, além do feijão e farinha de
mandioca.
— Parece que eu cheguei em boa hora mesmo! — exclamei,
em alto e bom som. — Já estava com uma baita saudade de comer
galinha caipira, deu até água na boca agora.
A minha avó estava diante do fogão, mexendo na panela com
uma colher de pau, mas assim que ouviu a minha voz, ela se virou e
colocou as mãos na cintura, enquanto me encarava com uma
expressão divertida no rosto.
— Nossinhora! — vovó falou, com seu costumeiro sotaque. —
Tô feliz demais da conta só de ver ôce, fio! Vem cá dá um abraço
nessa véia aqui, Xandy! — completou, tirando o avental do corpo,
enquanto se afastava do fogão.
Eu me adiantei logo na direção dela e a envolvi em um abraço
apertado.
— Peço desculpas por não ter avisado que viria hoje, mas
achei melhor te fazer uma surpresa. Senti tanto a sua falta, minha
avó. E já vou logo avisando que a senhora vai ter que me aturar
como seu hóspede até segunda-feira.
— Uai, mas faço isso com muito gosto, meu fi! Alessandra e
seus pais também vieram?
— Não, eles não vieram. O meu pai tem evitado viajar de avião
por recomendação médica, mas mamãe deve vir aqui na próxima
semana, acompanhada por Alê e seus bisnetos.
— Alessandra e a sua mãe sempre ficam aqui no haras, mas
você e seu pai preferem apenas uma visita rápida... — murmurou
vovó, em tom queixoso. — Também pudera! Você tá sempre
garrado no trabai, igualzinho teu pai.
— Oh, mãe, a senhora sabe que Xandy passou um tempo no
exterior estudando e assim que retornou teve que lidar com os
problemas de saúde do pai... — o meu tio Mauro ponderou, com
certo constrangimento.
— Mas vovó tem toda razão, meu tio — ponderei, me
afastando dela um pouco para olhar na direção dele. — Por isso eu
aproveitarei ao máximo a minha estadia aqui no haras.
— Deve estar com uma fome danada mesmo — comentou
vovó, enquanto me conduzia até a mesa. — Vamos comer logo
antes que a comida esfrie. Depois, a gente pode sentar na varanda
para mais um dedinho de prosa.
— Hoje eu vou comer até me fartar, minha avó! — avisei,
caindo na risada, antes de me sentar na cadeira indicada por ela.
Cerca de uma hora e meia depois, tomei banho e troquei de
roupa para acompanhar o meu tio na inspeção pelos estábulos. O
haras se tornou referência na criação de cavalos da raça
Mangalarga Marchador, conhecido pelo seu andar suave, pela
exuberância e temperamento dócil. O meu tio abriu a portinhola e
passei por ele, antes de desamarrar o nó da rédea que prendia o
cavalo de pelagem castanha para em seguida montar nele e o
induzir a um trote lento pela pista de treinamentos.
Continuei circulando a pista de areia durante um tempo,
quando subitamente me ocorreu a ideia de percorrer a vasta
propriedade até alcançar o majestoso lago. Uma vez no local, saltei
do cavalo e contemplei maravilhado a vastidão do lugar, com suas
margens desaparecendo no horizonte e cercado por imponentes
palmeiras-imperiais.
Deixei Apolo preso ao tronco de uma árvore e decidi me sentar
ali mesmo, aproveitando a sombra que fazia no meio da tarde.
— Será que existe a possibilidade de eu rever a bela
comissária de bordo, Apolo? — perguntei ao animal, enquanto
jogava a pedrinha, fazendo-a quicar sobre a água. O cavalo
relinchou em resposta. Seria o prenúncio do sim? — Não sei
absolutamente nada a respeito dela, e foi justamente esse ar de
mistério que me deixou tão fascinado.
Apolo relinchou mais uma vez, batendo o casco suavemente
na grama.
— Ela usava uma peruca azul, aquela cor que dizem ser a
mais quente — murmurei, sorrindo internamente. — O que eu não
daria para vê-la de novo? — Continuei a divagar em voz alta,
observando ao longe, com ar pensativo. — E justo quando vi nela a
possibilidade de resolver todos os meus problemas, o destino vem e
me prega uma peça.
O garanhão relinchou alto e alegremente, indicando que
estava rindo à maneira dele, se divertindo às minhas custas.
— Quer saber de uma coisa? — perguntei, de repente, me
levantando de um salto. — Eu não vou mais me submeter aos
caprichos do meu pai e muito menos do meu finado avô, que Deus o
tenha. Eles querem regular a minha vida íntima, acredita? Onde já
se viu isso?
Desamarrei as rédeas e subi na sela, cavalgando em direção à
residência principal. Entreguei Apolo para um dos peões do Haras e
segui pelo gramado até subir os degraus da varanda. Encontrei a
minha avó sentada na cadeira de balanço, apreciando a paisagem
campestre e me aproximei dela, optando em sentar de frente para
ela na poltrona de palhinha.
— Sinto que algo te preocupa e não tem nada a ver com
negócios... Desabafe um pouco com essa velha aqui, Xandy.
— Não sei se a minha mãe comentou com a senhora sobre as
condições absurdas impostas pelo meu avô paterno.
— Sobre você se casar para assumir o cargo mais elevado na
Astramed? Tem cabimento um trem desses?
— A senhora não faz ideia do quanto tem sido difícillidar com
toda essa situação, e já não sei mais o que fazer para tentar
convencê-lo a alterar o plano sucessório.
— Quando o seu pai coloca alguma coisa na cabeça, ou como
a gente costuma dizer por aqui, quando ele encasqueta com algo...
Nossinhora!
— Eu estou vivendo a melhor fase da minha vida e não há
espaço para mais ninguém nela, compreende, minha avó?
— Mas você não está namorando aquela moça entojada que
você trouxe aqui uma vez... como é mesmo o nome dela? —
perguntou, ao coçar o queixo, com ar pensativo.
— Ela se chama Cris Ventura, e não, ela não é minha
namorada, vovó. Trata-se de um relacionamento casual, ou seja, o
que rola entre a gente é algo sem compromisso mesmo. Além do
mais, Cris já deixou bem claro que não quer se prender a um
casamento de aparências.
A modelo já foi vista publicamente beijando alguns caras em
eventos de famosos e essa conduta dela certamente prejudicaria a
minha imagem.
— Que trem doido demais! Então, você ainda está com ela por
causa de quê?
— Eu conheci uma mulher fascinante ontem à noite, minha
avó. Infelizmente, são mínimas as chances de reencontrá-la.
— Alexandre, nem pense em se envolver com outra, antes de
colocar um ponto final na relação que tem com a sua parceira atual
— disparou, com severidade.
— Parece até que a senhora não conhece o neto que tem,
dona Olívia! — Eu a repreendi, fingindo seriedade. — Eu nem
mesmo sei se voltarei a ver a comissária de bordo de novo...
— Se o destino de ambos estiver interligado, quem sabe o
reencontro seja possível, Xandy.
— Juro pra senhora que ela me deixou bastante balançado,
com aquele jeito incrivelmente sexy e, ao mesmo tempo,
enigmático. Mas também notei outra coisa, sabe? Havia um ar de
desalento nela como se ocultasse uma necessidade absurda de
proteção.
— Talvez ela esteja passando por uma situação difícil,nós não
sabemos...
Se a situação difícil pela qual ela está passando for
relacionada ao aspecto financeiro, certamente tudo ficará ainda
mais fácil. Mas para isso eu preciso reencontrá-la o mais rápido
possível.
“Tenho tentado não chegar ao fundo do poço
Eu não acho que você quer me dar um motivo
Tenho tentado não chegar ao fundo do poço
Eu não acho que você quer me dar um motivo.”[7]

As coisas saíram do controle, quando voltei do bar da Faria


Lima, no final da noite de sexta-feira e de tal forma, a ponto de me
sentir arrependida por ter entregado uma cópia da chave do
apartamento ao meu namorado.
Nem bem eu entrei em casa e já dei de cara com ele, que ficou
à minha espera após ter voltado de São Carlos. Não quis atender a
ligação dele no bar, então nem me passou pela cabeça que ele
apareceria de surpresa. Marcos parecia bastante relaxado no sofá
da sala, enchendo a cara de cerveja, enquanto assistia a um filme
ou a uma série de TV. Notei isso assim que o meu olhar recaiu na
mesinha de centro, com algumas garrafas long neck vazias
espalhadas pelo móvel.
Marcos tem a péssima mania de achar que está na casa dele,
embora tenha vivido com a mãe, desde que a ex-mulher pediu o
divórcio.
Quando ele enfimnotou a minha presença, lançou um olhar de
desdém para mim enquanto me avaliava dos pés à cabeça. Não
demorou muito para ele perguntar onde eu estava e com quem,
naturalmente. Eu me sentia culpada por ter alimentado o hábito de
lhe dar satisfações sobre os meus próprios passos. Porém, eu não
sei o que deu em mim quando resolvi mentir, ao dizer que tinha
acompanhado Stefani na festa de aniversário do sobrinho dela.
Marcos se levantou do sofá e se aproximou de mim, com o
andar meio cambaleante, enquanto bebia um longo gole de cerveja.
Então, e para minha completa surpresa, ele segurou com força o
meu queixo, fazendo a minha boca se abrir e o meu hálito de gim e
cerveja soprar no rosto dele.
O esboço de um sorriso delineou os lábios grossos e perfeitos
do meu namorado.
A boca dele se retorceu em um sorriso cruel, para ser mais
exata.
O meu coração parou de bater por uma fraçãode segundo até
acelerar as batidas, de forma incontrolável.
“Por que usaria uma roupa que acentua as suas curvas para ir
a uma festa infantil? Não vai me dizer que resolveu usar essa
peruca ridícula para entreter as crianças?”
Se eu abrisse a minha boca para falar qualquer coisa como
pretexto, o meu tom de voz já me denunciaria de imediato, então
decidi manter o silêncio, permanecendo imóvel e sem fazernenhum
movimento brusco. Porém, o aperto no queixo se intensificou,pouco
antes de ele abaixar o rosto para me beijar, o que fez um bolo
repulsivo se formar em minha garganta.
Não pensei duas vezes e o empurrei com toda força,enquanto
sentia os olhos se encherem de lágrimas. Porém, o arrependimento
veio em seguida, e murmurei um pedido de desculpas, quase
gaguejando de nervosismo, pois temia provocar uma reação
agressiva da parte dele. Só que não adiantou nada porque na
sequência ele me puxou pelo braço, deixando a pele formigando
devido à pressão exercida.
“Você estava no bar da Faria Lima, se divertindo com Stefanie
sabe-se lá com quem mais. Não deveria ter mentido pra mim, sua
puta!”
Uma coisa era ser chamada de “minhaputinha”durante o
sexo; outra totalmente diferente era ser xingada em condições
normais, ainda que sob o efeito do álcool.
Não sei como eu tive sangue frio o suficiente para não rebater
o insulto e pedi calmamente a ele que fosse embora, porque não
pretendia brigar, ainda mais sabendo que faltavamtrês horas e meia
para me apresentar à tripulação, no aeroporto.
De repente, Marcos tomou um último gole da cerveja e
prevendo o próximo movimento dele, eu fechei os olhos com força,
tremendo da cabeça aos pés. Então, ouvi um som tão alto como um
trovão em dia de tempestade, capaz de cortar o silêncio que havia
se instalado no local. A garrafase espatifoucontra a parede da sala,
e foi naquele momento que eu conheci o verdadeiro Marcos
Gonçalves.
O cretino ainda admitiu que instalou um aplicativo espião no
meu smartphone, que informa a localização do celular monitorado
em tempo real. O fato de eu mesma compartilhar a minha
localização por livre e espontânea vontade não era o suficiente.
Ele precisava reforçar o monitoramento dos meus passos
como garantia adicional.
Era muito doloroso reconhecer que eu me apaixonei por um
homem de caráter doentio, controlador e potencialmente violento.
Marcos voltou a se aproximar de mim e arrancou a peruca da
minha cabeça em um gesto brusco, informandoque não pretendia ir
embora sem antes tomar o que era dele.
O meu namorado poderia dispor do meu corpo como bem
entendesse, afinal eu não passava de uma boneca inflável, um
objeto, um depósito de esperma. E foi com ele que eu perdi a
virgindade, embora de forma desastrosa, mas não pretendo oferecer
resistência, muito pelo contrário; quanto mais cedo ele começar,
mais cedo ele finaliza.
Assim como nas outras vezes, Marcos resolveu dispensar as
preliminares, e já foi logo partindo para a penetração, sem nem
esperar eu estar suficientemente lubrificada, fazendo com que a
região íntima ficasse inchada e muito sensível. Porém, o pior
mesmo estava por vir, quando ele decidiu dispensar o uso de
preservativo, mesmo insistindo para ele pegar algum na gaveta da
mesinha ao lado da cama. Continuei dizendo a ele que eu não
queria transar sem camisinha, tentei até mesmo me debater e pedi
para ele parar porque estava me sentindo muito mal, mas além de
não me dar ouvidos, Marcos usou de violência ao me fazer virar
para forçar o sexo anal, algo que eu sempre odiei.
Os meus protestos não foram suficientes para fazê-lo parar e
logo eu senti o estalo do tapa em minha bunda, e mais outro por
diversas vezes seguidas, antes de o ardor se espalhar pela pele. Eu
nem ao menos tive a chance de fazer um movimento ou reagir e
simplesmente me entreguei ao torpor paralisante, dando livre curso
às lágrimas, enquanto a sensação de impotência e angústia
transpassava a minha alma.
Não tive forças para simular um orgasmo como era de
costume, especialmente quando não estava a fim de transar, ou
como quando ele resolvia ultrapassar os meus limites, influenciado
pelos filmes pornôs que costumava assistir.
Quando ele enfim se deu por satisfeito, saiu da cama e foi
direto para o chuveiro, me deixando momentaneamente sozinha e
devastada pela dor.
Eu continuei imóvel, ainda deitada de bruços e o meu corpo
tremia muito, a respiração estava entrecortada pelos soluços que
insistiam em irromper da garganta de forma incontrolável. O
travesseiro ficou úmido pelas lágrimas, enquanto caía num choro
convulso, desejando poder esquecer de tudo. E justo agora que eu
estava tentando superar o assédio sexual sofrido dias atrás, ainda
tenho que lidar com a constatação de que ser coagida a manter
relações sexuais pelo meu parceiro não deixa de ser um estupro.
A certa altura, Marcos voltou para o quarto e considerei melhor
fingir que estava dormindo, mas ele virou o meu corpo e se deitou
sobre mim. Abri os olhos apavorada e tentei fazê-lo sair de cima de
mim, implorando a ele para me deixar dormir um pouco. Ele não me
deu ouvidos e nem mesmo levou em consideração o meu apelo
desesperado.
Marcos já foilogo afastandoas minhas pernas para encaixar o
quadril na minha pelve. Engoli em seco ao sentir a ereção pulsante
dele ameaçando invadir minha vagina e deixei escapar um grunhido
de dor, assim que ele colocou as mãos em meu pescoço,
apertando-o com força, quase a ponto de me sufocar, enquanto
forçava a penetração.
Ele não parava de murmurar palavras obscenas à medida que
investia o quadril freneticamente, aumentando a pressão do corpo
dele sobre o meu e fazendo o som das estocadas reverberar pelo
quarto. Cerrei os dentes, me esforçando ao máximo para continuar
aguentando firme até ele explodir num gozo prolongado. Só não
esperava sentir o sêmen quente jorrando dentro de mim, o que
indicava que Marcos não conseguiu tirar o pênis a tempo e gozar
fora, como era de costume.
“Não deu tempo, foi mal. Me desculpa aí, Mel” — murmurou,
antes de desabar na cama e dormir feito uma pedra.
Quando eu finalmente pude me levantar, caminhei lentamente
até o banheiro, sentindo o corpo todo dolorido como se eu tivesse
levado uma surra. Entrei no box e abri o chuveiro, deixando a água
morna cair direto sobre a minha cabeça, enquanto tremia de forma
incontrolável. Apertei os olhos e os mantive fechados, mas as
lágrimas começaram a descer de forma vertiginosa. A seguir, eu
peguei o sabonete e comecei a esfregá-lo nas coxas, nas partes
íntimas e nos seios, com movimentos bruscos, desejando não me
sentir mais tão suja, indigna e envergonhada.
Não me sentia capaz de reunir forças para me levantar da
cama durante a manhã e seguir com a minha vida como se nada
tivesse acontecido.

Uma batida insistente na porta me fez acordar assustada, com


o coração batendo tão acelerado a ponto de vibrar nos meus
ouvidos como se estivesse prestes a arrebentar os tímpanos.
O nível de estresse foi tão grande que decidi tomar meu
ansiolítico para poder dormir um pouco. Porém, antes mesmo que
eu dissesse qualquer coisa, Steh abriu a porta e já foilogo entrando
de rompante, me encarando com uma expressão de assombro no
rosto.
— Por Deus, Mel, se a porta estivesse trancada, eu juro pra
você que daria um jeito de arrombá-la — comentou, seriamente, ao
se aproximar da cama. — Eu cheguei agora há pouco e me deparei
com cacos de vidro espalhados pelo chão. O que houve, amiga?
Você está bem?
Stefani se sentou na beira da cama e observou que a mesma
estava sem o lençol. Eu havia tirado as peças e colocado no cesto
de roupa suja, pois tinha o costume de lavar a roupa de cama após
a relação sexual. Ainda assim, prevaleceu também a necessidade
adicional de não sentir o odor característico dos fluídoscorporais
dele e nem os meus também, na verdade.
Eu nem mesmo quis me dar ao trabalho de forrar o colchão, e
nas atuais circunstâncias qualquer superfícieserve para quem sente
que morreu um pouco por dentro.
— Você não deveria ter ido para a base, se apresentar para o
voo GRU-CNF?
— Sim, mas eu não me senti disposta a ir trabalhar hoje.
Quando eu for ao médico mais tarde pedirei um atestado...
— Eu te conheço de outros carnavais, amiga. Por favor, me
fale o que houve. Não me diga que Marcos apareceu aqui e foi o
responsável por beber as nossas brejas? Aquele filho da puta
asqueroso! Ele te fez chorar, não foi? E o que mais? Vamos, me
diga!
— Marcos estava bêbado e me forçou a fazer sexo... —
murmurei, a voz pouco mais do que um sussurro. — Tudo bem que
ele já tem esse hábito de insistir, me fazendo ceder às vontades
dele, mas dessa vez foi bem diferente, Steh.
— Porque você reagiu de forma enérgica, tentando fazê-lo
parar, e mesmo assim ele continuou o ato..., mas que desgraçado!
Posso imaginar como deve estar se sentindo nesse momento, Mel.
— Percebi um sangramento logo após a relação, e por isso eu
coloquei um absorvente. Marcos foi bruto desde o início e ainda por
cima me obrigou a fazer sexo anal com ele. Ainda sinto dores pelo
corpo todo, praticamente.
O pior de tudo é ter que lidar com uma dor ainda maior: a que
dilacera a alma.
— Você precisa ir a uma delegacia prestar queixa contra esse
desgraçado!
— E correr o risco de ser ameaçada por ele ou sofrer
humilhação na delegacia, assim que souberem que eu não passo de
uma amante ao ter me envolvido com um homem que ainda está
legalmente casado? Acho melhor não envolver a polícia nesse
assunto, Steh.
— Eu não vou deixar você ir sozinha à clínica e se mudar de
ideia ainda posso te acompanhar até a 6º Delegacia de Defesa da
Mulher.
— Você pode me acompanhar, amiga, mas precisa me
prometer que não vai falar nada sobre o que se passou aqui. Além
do mais, apenas os exames feitos no IMLpossuem validade legal.
E, eu me recuso a ser examinada por um médico legista e
submetida a um escrutínio que só quem está morto consegue
passar.
— Tudo bem, Mel, eu vou respeitar a sua decisão, está bem?
— concordou, deixando escapar um suspiro cansado. — Eu vou
preparar algo leve para você comer.
— Honestamente, eu não queria que as coisas chegassem a
esse ponto, mas decidi terminar o namoro pelo WhatsApp.
— Amiga, você fez bem em optar pelo término através de
mensagem de texto. Issodemonstra maturidade emocional ao se
colocar em primeiro lugar. Estou orgulhosa.
Não pude conter o ímpeto de passar os braços em torno dela,
envolvendo-a num abraço apertado. Caínum choro convulso, com a
cabeça encostada no ombro dela, o colo subia e descia ao ritmo da
respiração entrecortada. Subitamente, eu parei de chorar e de
soluçar, quando me lembrei de avisá-la sobre os riscos de
segurança no apartamento.
— Preciso providenciar a troca da fechadura da porta e
também pedirei ao porteiro para impedir a entrada dele — comentei,
nervosa, ao me afastar um pouco para encará-la diretamente nos
olhos.
— Não se preocupe, Mel. Deixe que eu mesma vou cuidar
disso. Agora descanse um pouco, está bem?
Horas mais tarde, eu passei pela consulta com a ginecologista.
Fiquei constrangida durante o atendimento, mas já tinha um pretexto
na ponta da língua, assim que ela fez a pergunta mais temida por
mim.
— Quem fez isso com você, Melissa? Foi algum animal? —
perguntou a médica, me encarando com as sobrancelhas erguidas.
— Espero que a relação tenha sido consentida. Você me contaria se
não fosse, certo?
— O meu namorado às vezes se empolga e acaba
aprofundando muito a penetração — informei depressa, evitando
responder diretamente ao último questionamento.
— Recomendo o uso de um lubrificante sempre que fizer sexo
para evitar reincidência de lesões na vagina. E peça a ele para
caprichar nas preliminares. Eu vou receitar uma pomada cicatrizante
para você, está bem?
— Muito obrigada, doutora — agradeci, meio constrangida. —
Se importaria de receitar também a pílula do dia seguinte? Não usei
preservativo e esqueci de tomar o anticoncepcional que uso para o
controlar os sintomas de ovários policísticos.
Omiti parte da informação porque na verdade eu tive infecção
urinária recorrente nos últimos meses, e entre antibióticos e
analgésicos acabei esquecendo de tomar o anticoncepcional. Por
isso decidi aguardar até o ciclo seguinte para continuar a usá-lo.
— Devo avisá-la de que o uso da pílula do dia seguinte pode
desregular ainda mais o seu ciclo, mas eu vou prescrever mesmo
assim — a médica avisou, me tirando completamente dos meus
devaneios. — Já os exames para o diagnóstico de IST’
s devem ser
feitos cerca de 30 dias após a relação desprotegida, ok?
— Tudo bem, sem problemas... — concordei, distraidamente,
ao me recostar na cadeira e voltei a cruzar as pernas longas,
balançando-as com nervosismo. — Ah, doutora, antes que eu me
esqueça, também preciso de um atestado médico de três dias.
— Perfeitamente. Aqui está, Melissa — disse, estendendo os
papeis, em minha direção. — Boa sorte e até a próxima.
Encontrei Steh na sala de espera e informei resumidamente
tudo o que se passou na consulta com a ginecologista.
— Para onde nós vamos agora, amiga? — Stefani perguntou,
assim que alcançamos a saída da clínica.
— Eu não quero mais tomar o seu tempo, Steh. Você pode
aproveitar a folga e ir ao shopping ou ir visitar os seus pais... É uma
pena que hoje é sábado, senão eu seguiria direto até o escritório da
companhia aérea.
Steh apoiou as mãos em meus ombros, me encarando com ar
de preocupação.
— Amiga, nem pensar. Eu não vou te deixar sozinha. Sabe
que pode mudar de ideia a qualquer momento sobre o que eu te
sugeri mais cedo, não sabe?
Eu já estava prestes a responder quando o meu celular tocou,
de repente. Abri a pequena bolsa transversal de couro e verifiquei o
nome do contato na tela: Era Marcos. O meu coração parou de
bater por uma fração de segundo até voltar a acelerar de forma
incontrolável.
Não quis bloquear o número do meu ex-namorado, pois
aguardava um retorno referente à mensagem de término. Ele deve
ter ficado impaciente como sempre, apesar de eu ter deixado o
aparelho no modo avião apenas durante a consulta.
— Marcos está me ligando, mas eu não quero ouvir a voz dele
— informei, deslizando o dedo trêmulo sobre a tela para recusar a
chamada. Em seguida, abri o aplicativo para verificaras mensagens
recebidas e em todas elas, o meu ex pedia desculpas e me
perguntava quando eu teria disponibilidade para conversar
pessoalmente.
Ele optou em usar um tom dócil e persuasivo nas mensagens
de texto, pois sabia que uma ameaça por escrito poderia levá-lo à
prisão. E nas atuais circunstâncias qualquer denúncia feita por mim
pode gerar consequências sérias, talvez até o impossibilitando de
ter a guarda compartilhada do filho.
— Enviou várias mensagens dizendo que precisa me ver e se
desculpar pelo o que aconteceu na noite passada.
— O filho da putaé muito esperto mesmo ao se fazerde vítima
— ponderou Steh, indignada. — Como a ex-mulher nunca o
denunciou, ele não quer correr o risco de que você o faça no lugar
dela,
— Mas ainda assim eu estou com muito medo, pois não sei
como ele vai reagir quando aparecer em nosso prédio e não puder
entrar — ponderei, andando de um lado para outro e passando as
mãos nervosamente pelo cabelo. — Aposto que ele vai tentar
transformar a minha vida num inferno...
O celular voltou a tocar mais uma vez e mesmo se tratando de
um número desconhecido, eu resolvi atender a chamada, o que foi
um grande erro de minha parte.
“Se eu fosse você, acessava logo o Instagram para conferiro
Direct que enviei.”
Logo depois, o som da chamada encerrada fez o meu corpo
gelar. Desgraçado.
— Ele acabou de me ligar e me pediu para verificar as
mensagens no Direct — informei, ao acessar o aplicativo e constatar
que dessa vez o tom se tornou mais agressivo. O meu ex aproveitou
o recurso de cancelar o envio à medida que eu lia o conteúdo. Ele
exigiu que eu não prestasse queixa na polícia, pois do contrário, a
minha mãe seria a primeira pessoa a sofrer as consequências. —
Acredita que Marcos usou o recurso de bate-papo do Instagram
para se certificar de que eu visualizei as mensagens ao mesmo
tempo em que excluía o envio? Não deu tempo nem de fazer um
print da conversa.
— Como assim, amiga? Deixe-me dar uma olhada — Steh se
posicionou ao meu lado no exato instante em que o meu ex-
namorado enviava um vídeo temporário, do tipo que é programado
para ser excluído automaticamente após a visualização. Desviei o
olhar, imaginando se tratar de um vídeo íntimo gravado sem o meu
consentimento. — Como ele teve a coragem de te expor dessa
maneira?
Stefani tomou o celular da minha mão, possivelmente com a
intenção de bloquear o contato dele.
— Amiga, fique tranquila — Steh murmurou, me puxando para
um abraço apertado. — Sei que está muito fragilizada com tudo o
que está acontecendo, mas precisa tomar uma atitude o quanto
antes. Não permita que ele saia impune — completou, em tom
grave.
— Eu não posso colocar a vida da minha mãe em risco, Steh
— murmurei, ao me afastar dela e enxugar as lágrimas que se
formaram em meus olhos. — Eu vou pedir demissão na segunda-
feira. Não posso simplesmente chegar na base e trabalhar como se
nada tivesse acontecido. Não quando há o risco de encontrar o
Marcos no aeroporto ou até mesmo o comandante Ricardo Tosta.
Meu Deus, o que vai ser de mim agora? E quanto a minha
mãe? Se eu cair em desgraça quem vai olhar por ela?
“Eu acabei de pedir demissão,
vou achar meu novo caminho,
trabalhei muito duro.”[8]

Duas semanas se passaram desde que eu pedi demissão,


dando adeus ao sonho de ser promovida como Chefe de Cabine na
companhia aérea onde trabalhei durante mais de sete anos.
Tenho evitado sair de casa, e quando o faço é apenas para
seguir com as visitas regulares à minha mãe e para as sessões com
a minha psicóloga. Quando eu preciso de comida, produtos de
higiene, ou remédios, acesso algum aplicativo de delivery e faço as
compras pelo próprio smartphone.
Steh sugeriu que eu mudasse a minha aparência, então a
primeira coisa que eu fiz foi ir a um dermatologista tirar o sinal de
nascença do rosto. Também decidi clarear mais os cabelos em tom
ruivo acobreado, mas como eu não tive coragem de cortar, os fios
ainda se mantêm longos.
Um dia desses eu me dirigi ao escritório de um advogado que
atua em causas trabalhistas, mas ao retornar para casa, flagrei um
homem filmando a fachada do prédio. Por sorte consegui me
esconder atrás de um veículo estacionado, durante cerca de cinco
minutos. Eu só não tirei fotos dele, pois decidi me manter a certa
distância e também pelo fato de o sujeito ter usado um boné e
óculos escuros, ficandopraticamente irreconhecível.Podia jurar que
era Marcos Gonçalves, o que tornava a minha situação ainda mais
desesperadora, justamente pelo fato de não poder me mudar para
outro endereço enquanto não conseguir um novo emprego.
Agora mesmo eu estou sentada no sofá da sala, afogando as
mágoas em um pote de sorvete de 1 litro, sabor de baunilha com
lascas de chocolate, enquanto assisto ao filme “V
oando Alto”,um
clássico para os amantes da aviação, bem ao estilo comédia
romântica, com os atores Mark Ruffalo e Gwyneth Paltrow. A
personagem Donna — assim como eu — também saiu do interior
em busca de melhores condições de vida.
— Talvez a esta hora, o executivo da Faria Lima esteja
afogando as mágoas numa xícara de café expresso — murmurei
comigo mesma, levando uma colher à boca, ao relembrar o
executivo-dançarino, com seu ar sedutor e um sorriso capaz de
molhar calcinhas por onde passa. — Homens... Quem precisa deles,
afinal? — perguntei, suspirando longa e pesadamente, ao relembrar
a minha fala na última sessão de terapia.
Decidi voltar a minha atenção para a cena do filme, mais
precisamente a parte em que a personagem de Candice Bergen,
Sally, uma comissária de bordo veterana, falaa frasemais marcante
do filme.
“Paris, primeira classe, internacional”. É o único caminho para
a felicidade.”
O sonho de nove entre cada dez comissários de bordo é, sem
sombra de dúvida, ter a oportunidade de chegar ao cargo de chefe
de voos internacionais. E quando eu finalmente estava perto de
alcançar o meu maior objetivo, não vi outra alternativa além de abrir
mão desse sonho, e consequentemente, deixando a empresa que
abriu as portas para o meu primeiro emprego.
Não perdi completamente a vontade de continuar trabalhando
na área, até porque eu considero arriscado começar do zero, ainda
mais nas atuais circunstâncias. Eu até cursei o primeiro período do
curso de Direito, mas não consegui conciliar com a rotina puxada e
imprevisível de quem costuma voar alto, literalmente.
De repente, os meus pensamentos foram interrompidos pelo
toque de chamada recebida. Conferi rapidamente o contato na tela e
suspirei aliviada ao constatar que era a minha amiga, Cora
Mantovani.
— Cora, querida, que saudades! — falei, tentando imprimir um
tom animador à voz. — Você ainda está me devendo uma visita,
lembra-se?
— Eu sei disso, Mel, mas a minha vida passou por uma grande
transformação nos últimos dias.
— Espero que tenha sido uma reviravolta positiva. Então,
quais são as novidades?
— Para falar a verdade eu tenho duas, sendo que a segunda
te diz respeito diretamente, mas acho que você vai gostar...
— Se for mesmo o que eu estou pensando, Cora... Meu Deus,
amiga, eu já estou roendo as unhas de curiosidade!
Tudo o que mais desejo neste momento é poder ouvir boas
notícias.
— Coloque a sua melhor roupa padrão comissária de bordo e
se apresente no escritório da empresa Astramed Medicamentos,
que fica aqui mesmo em São Paulo.
“Às vezes quando você aceita uma turbulência é incrívelcomo
o céu pode clarear.” — A fala de Ted Stewart (Mark Ruffalo)me veio
logo à cabeça naquele mesmo instante.
— Mel, você ainda consegue me ouvir? — perguntou Cora, me
tirando completamente dos meus devaneios relacionados a uma
passagem marcante do filme. — Você ficou calada de repente... O
que houve?
— Antes de você me ligar, eu estava assistindo a um dos meus
filmes favoritos: “V
oando Alto”.
— Toda comissária que se preze já assistiu Voando Alto
alguma vez na vida, amiga.
— Eu estava relembrando a minha trajetória na aviação e
fiquei com o coração apertado ao pensar que talvez tenha que
deixar tudo para trás...
— Mel, eu imagino como você deve estar se sentindo desde
que pediu demissão, mas tudo indica que a sua recolocação no
mercado vai acontecer muito em breve. Mas falta te contar a
segunda novidade e eu quero que saiba que nenhuma outra amiga
ainda sabe disso.
— Não me diga que você está grávida, Cora? — perguntei, me
levantando de um pulo, com a voz carregada de expectativas.
As tripulantes ficam impedidas de voar durante toda a
gestação e após o período da licença maternidade, elas têm direito
a uma escala com horário fixo, mais conhecida como escala-mãe.
— Sim, exatamente, amiga! — confirmou Cora, e em seguida
soltou uma gargalhada estridente do outro lado da linha. — Eu fui
pega de surpresa com a notíciae Murilo também, acredita? É bem
provável que a gente antecipe a data do casamento.
— Parabéns, mamãe! Está grávida de quantas semanas?
— 13 semanas e 4 dias. Eu só desconfiei de que havia algo
estranho, quando comecei a sentir uma dor incômoda ao fazerxixi e
pensei se tratar de uma infecçãourinária, mas ao fazer o exame de
urina, não deu outra: grávida!
— Isso significa que a empresa decidiu contratar uma
substituta?
— Os Valadares me pediram para indicar alguém de minha
confiançapara participar do processo seletivo. O contrato será por
tempo limitado, ou seja, só ficará válido enquanto durar a minha
licença maternidade.
— Em torno de um ano praticamente..., mas essa
oportunidade já será de grande valia para mim, Cora. Eu fico muito
grata por ter me indicado. Precisava mesmo receber boas notícias,
e você nem imagina o quanto...
Não consegui prosseguir, pois as palavras ficaram entaladas
na garganta. Lágrimas se acumularam em meus olhos, mas eu
rapidamente pigarreei para disfarçar o meu estado emocional.
— Amiga, uma vez trabalhando na executiva, a gente não
nunca mais volta para as companhias aéreas comerciais, vai por
mim — Cora comentou, com convicção. — Fique atenta porque a
qualquer momento você vai receber um e-mail da gerente de
Recursos Humanos da Astramed.
— Então me fale mais sobre a Astramed, Cora. Quem são os
donos da empresa?
— Amiga, tem poucos meses que o patriarca da família
Valadares sofreu um infarto. Então, o primogênito passou a
substituí-lo no cargo de CEO, enquanto que a caçula é a vice-
presidente. A Astramed produz tudo quanto é tipo de remédio,
desde aquele comprimido para dor de cabeça, até mesmo alguns
produtos de higiene íntima.

— Eu sempre acabo optando por medicamentos de marca


quando eu vou à farmácia. Tipo, se eu sentir uma dor de cabeça, já
compro logo um Dorflex ou Aspirina, por exemplo. Então, quer dizer
que os filhos dele são os passageiros mais frequentes do jato
executivo?
— Sim, exatamente. A aeronave é utilizada pelos executivos
em viagens de negócios nos dias úteis, mas aos finaisde semana, o
uso se restringe ao lazer, seja na companhia de familiares ou de
alguma parceira, no caso do Alexandre, é claro. A peguete atual
dele se chama Cris Ventura.

— Você se refere à modelo e digital influencer, Cris Ventura?


— perguntei, enquanto lambia as costas da colher. — Como eu
nunca gostei de acompanhar a vida amorosa dos famosos, nem
sabia que ela havia engatado um novo relacionamento.

— Essas mulheres mudam de parceiro como trocam de


calcinha, amiga. Logo mais algum paparazzi flagra ela aos beijos
com algum outro influencer, quer apostar?

— Se esse tal de Alexandre Valadares não cria vínculo com


nenhuma mulher é porque ele não passa de um cafajeste, Cora.

— Ah, amiga, eu passo todos os meus panos pra esse


homem. Ele é muito lindo e gostoso, você precisa vê-lo
pessoalmente! Quando tiver um tempinho joga o nome dele no
Google imagens.

— E quanto aos membros da tripulação? O comandante e o


copiloto são bons profissionais? — perguntei, casualmente, embora
eu nutrisse o receio de saber algum detalhe sórdido a respeito
deles.
— Sinceramente, eu não tenho do que reclamar, Mel. Os dois
possuem uma conduta exemplar tanto no horário de serviço como
fora dele. Não há com que se preocupar. E digo o mesmo com
relação aos executivos da Astramed. Alexandre possui o dom de
tornar o ambiente leve e descontraídoà sua volta e Alessandra é a
simpatia em pessoa.
De repente, ouvi o som estridente do interfone soando no
apartamento, o que me deixou assustada.
— Amiga, tem alguém interfonando na portaria. Deve ser o
entregador de aplicativo de entrega do supermercado. Eu fico
imensamente grata pelo seu apoio, Cora. A gente vai se falando,
ok? Beijão!
— Sinto no fundo do meu coração que você vai conseguir dar
a volta por cima, Mel. Essa vaga será sua, amiga, vai na fé! Depois
me conte como foi a entrevista. Beijos.
Fiz questão de pegar o meu binóculo e me aproximar da
sacada para me certificar de que não havia nenhum homem
rondando a entrada do edifíc
io. Uma vez no térreo, eu cumprimentei
o porteiro e o entregador antes de pegar as sacolas das compras.
O restante do dia foi dedicado à lavagem de roupas e à faxina
da casa, mas no final da tarde eu consegui verificar os e-mails
recebidos, e um deles tratava justamente do agendamento da
entrevista para a vaga de Comissária Executiva.
Respondi de imediato, confirmando o meu interesse na
participação no processo seletivo. Logo depois, eu decidi abrir uma
nova aba no navegador e coloquei a palavra “Astramed”
no campo
de pesquisa do Google.
Considero essencial estudar o perfil e o histórico da empresa
para obter o máximo de informações possívelantes da entrevista de
emprego.
Comecei a ler o texto na aba “institucional”
até que de repente,
uma imagem chamou a minha atenção. Um homem de idade
avançada trajava um terno sóbrio e me fazia lembrar de alguém,
mas não sabia exatamente quem era. Passei os minutos seguintes
lendo mais alguns textos no site da indústria farmacêutica, quando
subitamente eu me lembrei da sugestão de Cora e abri outra aba do
navegador.
Eu quase havia me esquecido de satisfazer a minha
curiosidade com relação ao atual CEO da Astramed Medicamentos.
— Ah meu deus! Eu não acredito! — gritei, com o coração aos
pulos, ao visualizar várias imagens extraídas, em sua maioria de
revistas especializadas em finanças e negócios, como a Forbes. Na
edição deste ano, por exemplo, ele aparece como o segundo
homem mais rico do Brasil. U-A-U. — Agora está explicado porque
achei que o seu Carlos Valadares me fazia lembrar alguém... O
dançarino engravatado que eu conheci no bar é o filho dele.
O executivo da Faria Lima e Alexandre Valadares são a
mesma pessoa.
“Não desista;eu não vou desistir
Não desista, não não não
Não desista;eu não vou desistir
Não desista, não não não”.[9]

Segui de Uber até o Edifício Pátio Victor Malzoni,


popularmente chamado de “prédiodo Google”,situado na Avenida
Brigadeiro Faria Lima, poucos dias depois da ligação de Cora. O
logradouro é conhecido por abrigar escritórios de empresas
responsáveis por 1% do PIB brasileiro.
Saltei do veículo e observei as janelas espelhadas do edifício
símbolo da modernidade paulistana, com seus dois blocos de 19
pavimentos, além do bloco central, que conta com 11 pavimentos.
Porém, o escritório da Astramed Medicamentos também chamava a
atenção, com seu design moderno e inovador, todo em tonalidade
azul escuro, me fazendo lembrar os escritórios funcionais de
gigantes da tecnologia.
A impressão que eu tinha era a de que os colaboradores
poderiam acessar facilmente os diversos setores, e o escritório
abriga ainda instalações confortáveis que aumentam a percepção
de estar em casa.
Deixei o deslumbramento de lado e me aproximei logo da
recepção, mas o meu olhar foi atraído imediatamente para o telão
que exibia um vídeo institucional da empresa. O próprio Alexandre
Valadares narrava o vídeo, contando a história da Astramed e
apresentando os projetos sociais, culturais e esportivos apoiados
pela farmacêutica. O vídeo intercalava filmagens dele e de
colaboradores das fábricas, gráficas, dos laboratórios de pesquisa e
dos centros de distribuição.
O CEO tem uma postura tão imponente e dominadora, que já
estou ficando nervosa só de pensar em ter que reencontrá-lo e justo
no momento da entrevista. Toquei instintivamente o escapulário de
Nossa Senhora Aparecida, preso a um colar delicado folheado a
ouro, que ganhei de presente da minha mãe quando eu fiz a
Primeira Eucaristia. Fechei os olhos com força, fazendo uma prece
em silêncio, de formafervorosa, pedindo à Mãe Maior que adie esse
reencontro pelo máximo de tempo possível.
Uma voz cordial me tirou completamente dos meus devaneios.
— Boa tarde, senhorita — a recepcionista me saudou, com um
sorriso simpático nos lábios. — Seja bem-vinda à Astramed
Medicamentos. Em que posso ajudá-la?
— Boa tarde, tudo bem? Eu me chamo Melissa Albuquerque e
me candidatei à vaga de comissária executiva. Eu tenho uma
entrevista agendada para hoje às 13:30.
— Posso verificar o seu documento, por gentileza? — pediu,
educadamente. Eu abri logo a minha bolsa, tirando o meu RG da
carteira, antes de entregá-lo a ela. Na sequência, a recepcionista
cadastrou os meus dados e estendeu um crachá de identificaçãode
visitantes. — Você pode aguardar na sala de espera, que logo a
gestora de RH vai te atender, está bem?
— Muito obrigada pela atenção. Tenha um bom trabalho!
Cerca de trinta minutos depois, uma mulher apareceu e se
identificou como analista sênior de RH da Astramed Medicamentos.
Depois, a gestora me conduziu até a sala de reuniões, e assim que
eu entrei, notei a presença de mais duas pessoas, as quais me
foram apresentadas por ela.
Lancei um olhar vagaroso pela sala espaçosa e moderna,
deixando escapar um suspiro de alívio ao constatar que Alexandre
Valadares estava ausente.
Obrigada, minha Nossa Senhora Aparecida!
— Conheça a nossa vice-presidente, Alessandra Valadares
Loureiro. E também o comandante Rafael Barroso.
— É um prazer conhecê-los — falei, timidamente, enquanto
estendia a mão para um cumprimento formal.
— A sua colega Cora Mantovani falou maravilhas a seu
respeito — comentou Alessandra, abrindo um sorriso caloroso ao
trocarmos um aperto de mãos. — Sente-se, Melissa. Fique à
vontade.
— Seu Alexandre também vai conduzir a entrevista? — o
comandante perguntou, ao se acomodar na cadeira, de frente para
mim.
— Essa era a intenção dele, mas infelizmentea reunião com o
CFO, Sérgio Diniz se estendeu além do esperado.
— Talvez Melissa Albuquerque não saiba o significado da
sigla... — ponderou a analista de RH.
— Eu realmente desconheço o significado das siglas do
mundo corporativo — admiti, meio sem jeito. O meu repertório de
siglas e abreviações se restringem mesmo às que são utilizadas
pelos profissionais da aviação.
— Imagina, Melissa. É perfeitamente compreensível.
Traduzindo para o português, CFO quer dizer “diretorexecutivo
financeiro”.
— Sérgio é um dos passageiros mais frequentes do jato
executivo, assim como o meu irmão, que é o atual presidente e CEO
da Astramed — complementou Alessandra, de modo gentil. — Bom,
eu acho que já podemos começar a entrevista, não?
— Claro, perfeitamente — concordaram os outros dois, em
uníssono.
— Então, por gentileza, comandante, faça as honras. Afinal, a
comissária de bordo se reporta diretamente ao senhor, correto?
— Correto, dona Alessandra. Obrigado — o piloto falou, antes
de voltar a sua atenção para mim, o que me deixou um tanto
nervosa. Inicialmente,ele falou um pouco sobre sua trajetória como
piloto e também passou informações sobre a nova aquisição da
Astramed: o jato executivo Embraer Lineage 1000E. — Por que
você deixou o seu último emprego?
A pergunta mais temida por mim foi dita logo de cara. Pelo
menos, eu já estava preparada para responder da forma mais
honesta possível.Ou quase isso.
— Eu estava prestes a ser promovida como chefe de cabine,
um marco na minha carreira, mas houve um desalinhamento de
expectativas durante o processo.
Não era a minha intenção causar nenhum mal estar,
especialmente pelo fato de a entrevista estar apenas começando.
Tratar sobre assédio sexual ainda é considerado um tabu no mundo
corporativo.
— Não sei se eu fuia única a ter essa percepção, mas eu senti
em seu relato um tom saudosista, sabe? — Alessandra comentou,
de repente, com os cotovelos apoiados na mesa e juntou os dedos
das mãos à altura da boca, enquanto me encarava com ar
pensativo.
— Reavaliei as minhas condições na companhia aérea e
constatei que ainda continuava exposta a qualquer tipo de conduta
abusiva por parte de um membro da tripulação — admiti, me
enchendo de coragem, e praticamente sem fôlego, com o coração
aos pulos.
Os três se entreolharam em silêncio, e eu logo senti um misto
de arrependimento por ter falado mais do que pretendia, mas ao
mesmo tempo aliviada por ter dito a verdade, independentemente
de qualquer coisa. A irmã de Alexandre me lançou um olhar
solidário e seu gesto me fez relaxar os ombros, aliviada por não ter
colocado tudo a perder.
— A Astramed Medicamentos possui políticas sólidas de
antiassédio e antidiscriminação, Melissa. Todos os ocupantes de
cargos que estão no topo da hierarquia operacional de uma
empresa devem ser conscientizados. Mas particularmente, eu
sempre me posicionei de forma consistente e contundente com
relação à apuração desses fatos.

— Eu posso te assegurar que de minha parte sempre haverá


total lisura e dignidade profissional — o comandante Barroso fez
questão de frisar, olhando nos meus olhos e transmitindo confiança.

— Agora podemos passar para a próxima: Que tal falar mais


sobre você? — a analista de RH feza pergunta clássica de qualquer
entrevista de emprego.

— Eu me chamo Melissa Albuquerque, tenho vinte e nove


anos, e sou natural de São Paulo, Capital, mas passei boa parte da
minha vida em Votuporanga. Como filha única, eu senti a
necessidade de começar a minha vida profissionalcedo, para poder
ajudar a minha mãe nas despesas, pois vivíamos de favor na casa
da minha tia.

— Quando surgiu o interesse em se tornar uma comissária de


bordo?

— Eu costumava passar as férias escolares aqui na capital,


mais precisamente no bairro Jardim Presidente Dutra, em
Guarulhos. Naquela época, eu gostava muito de me debruçar na
janela do quarto da minha amiga e passava horas observando os
aviões passando quase rente às casas.

Continuei o meu relato, fazendo um retrospecto sobre a minha


trajetória profissional. A sensação que eu tinha era a que um filme
se passava em minha cabeça, e o melhor de tudo foi ter percebido
que a forma como eu falava os deixou bem compenetrados, tal era a
empolgação transmitida na voz, ao relembrar os fatos tão
significativos da minha vida.

Ao final da entrevista, eu já me sentia bem mais tranquila e


confiante, deixando a sala de reuniões com a esperança renovada
em meu peito.

Recebi a notícia da minha aprovação no processo seletivo


cerca de três dias depois da entrevista. Os dias seguintes foram de
correria intensa, pois além de providenciar toda a documentação
solicitada pela empresa, ainda realizei os exames necessários, e eu
nem mesmo tive tempo ainda de visitar a minha mãe na casa de
repouso.
Tanto a aviação comercial quanto a executiva têm as suas
vantagens e desvantagens. Na linha aérea os comissários recebem
uma escala mensal, contendo os horários de início e término de
voos, sobreavisos e folgas, então ela não sofre grandes mudanças.
Já na aviação executiva, os tripulantes ficam à disposição dos
empregadores, ou seja, eles podem ser acionados a qualquer
momento para um voo de bate-volta ou para pernoites de três ou
cinco dias. No geral, a tripulação comercial possui uma jornada fixa
e com mais horas de voo trabalhadas. Porém, na executiva o limite
diário de horas de voo é de 9 horas e 30 minutos, respeitando o
tempo de descanso de 12 horas consecutivas.
Recebi um e-mail do próprio Alexandre Valadares me dando as
boas-vindas no dia seguinte à minha contratação, e isto, por si só, já
era algo digno de nota. Eu nunca recebi nem mesmo uma
mensagem padrão do presidente da companhia aérea.
Sinto que a aviação executiva permite uma relação de maior
proximidade entre tripulação e passageiros, pelo fato de a aeronave
operar com um número reduzido destes últimos, mas também por
ter o próprio dono entre seus ocupantes. O Lineage 1000E, por
exemplo, pode acomodar até 19 passageiros e tem um valor
estimado em 250 milhões de reais. O CEO também expressou um
pedido de desculpas pela ausência na entrevista, e informou
também que não estaria presente nos meus dois primeiros voos.
O nosso reencontro está previsto para hoje, em plena sexta-
feira de Carnaval, pois ele marcou uma viagem com destino a
Trancoso, região Sul da Bahia.
Senti uma pontada no estômago, ao cogitar a possibilidade de
ser reconhecida pelo milionário, embora ele só conheça a minha
versão dama da noite, uma mulher ousada que frequenta os bares
da cidade, usando falsoscabelos azuis. Prefiropensar que eu tirei a
seguinte sorte do dia:os homens são distraídos,e depois de alguns
drinques então nem se fala.
Acordei bem cedo, tomei um banho rápido, conferi mais uma
vez a minha mala pequena de rodinhas, me certificando de que não
havia esquecido nenhum item importante, tomei um café da manhã
reforçado, recolhi o lixo para colocá-lo no latão, no final do corredor,
uma vez que Stefani continuava longe de casa, fazendo a chave de
cinco dias de voo. E por fim,eu tirei o meu pijama e vesti o uniforme
de comissária executiva, composto por camisa social branca de
manga longa, saia lápis clássica de alfaiataria na cor preta e bem
ajustada ao corpo, além do lenço de seda estampado amarrado ao
pescoço, meia-calça em tom nude e scarpins.

Decidi fazer um penteado mais elaborado, ao prender o cabelo


num rabo de cavalo e deixando com um leve volume na frente. E
quanto à maquiagem, ela segue o estilo mais clássico, embora o
destaque mesmo fique para a área dos olhos além dos lábios bem
marcados por um batom em tom pêssego.

Aguardei o motorista da Astramed Medicamentos, que me


levaria até o aeroporto São Paulo Catarina, construído
exclusivamente para atender a aviação executiva brasileira. O
aeroporto fica localizado na Rodovia Presidente Castello Branco e
conta com uma infraestrutura completa para atender desde os
tripulantes até os passageiros VIPs,além de oferecer um heliponto
exclusivo.

Uma vez no local, eu segui apressada até a entrada, passei


pela porta giratória, e cumprimentei as recepcionistas com um breve
aceno de cabeça.
Não importa quantas vezes eu passe pelo saguão, eu sempre
paro para contemplar o ambiente luxuoso. Havia uma peça
decorativa pendurada no teto de pé-direito alto que sempre
chamava a minha atenção. Tirei o meu celular da bolsa e registrei
uma foto da peça, antes de postar nas redes sociais.
Eu estava prestes a me virar para seguir até a sala de
descanso dos tripulantes, quando subitamente me esbarrei em um
gigante de 1,90, e de porte atlético, a julgar pelos músculos bem
definidos no uniforme impecável de piloto. O atraente desconhecido
apoiou as mãos grossas em minha cintura, arrancando um gemido
involuntário dos meus lábios.
Quem diria que eu acabaria me esbarrando em um homem
gostoso de uniforme a essa hora da manhã?
Senti o ponto sensível entre as minhas pernas se contrair,
quando ele segurou a minha cintura por puro reflexo, como se
receasse me derrubar no chão. Como os nossos rostos ficaram
quase alinhados, graças ao salto do scarpin — que me conferiu
alguns centímetros a mais, — ainda pude sentir o hálito mentolado
dele soprando em meu rosto.
— Peço desculpas, senhorita — murmurou o tripulante,
enquanto mantinha as mãos presas em minha cintura. Puta que
pariu, não é possível!
Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Era o executivo
da Faria Lima, definitivamente.
Por que diabos ele resolveu usar um uniforme de piloto para
viajar a passeio?
O CEO da Astramed manteve o corpo dele contra o meu por
mais alguns instantes, ao passo que os meus braços continuavam
caídos ao longo do corpo, em parte por estar em completo estado
de choque, e em parte por estar extasiada e entregue ao contato
mais íntimo. Nós dois sustentamos o olhar um do outro, como se um
imã gigantesco nos detivesse, com a sua força esmagadora.
— Não foi nada, senhor, imagina! — Consegui articular as
palavras em um murmúrio rouco. — Tenha um bom voo... —
completei, sorrindo de forma quase tímida, antes de recuar um
passo, com certo nervosismo, para depois seguir em direção às
escadas que levam ao lounge da tripulação.
Toquei instintivamente no lenço preso ao pescoço, afrouxando
um pouco o nó na tentativa de me libertar da sensação asfixiante
dentro do peito. Eu não me sinto suficientemente preparada, para
lidar com os desdobramentos que um contato mais íntimo com um
homem poderá me causar, ainda mais se tratando de alguém que
me atrai fisicamente.
Não posso voltar a ficar tão vulnerável perante os homens, e
muito menos diante daquele que inexplicavelmente mexia com cada
célula do meu corpo.
Alexandre Valadares, vulgo “
o executivo da Faria Lima”,
o meu
novo chefe.
“Ela disse:Oi, senhor
Prazer em te conhecer
Eu quero abraçá-la
Eu quero beijá-la.”[10]

Continuei andando e olhando para trás, convencido de que eu


já tinha visto a comissária executiva em algum lugar, sem contar que
a voz suave dela só reforçava ainda mais essa impressão de
familiaridade.
A comissária de bordo, que eu conheci no bar da Faria Lima,
possui uma fisionomia bem parecida com a mulher com quem eu
acabei de me esbarrar, não havia como negar isso. Só não
esperava constatar que por baixo da peruca azul se escondia lindas
madeixas em tonalidade semelhante ao ruivo natural. E por mais
absurdo que possa parecer, eu prefiro perguntar a ela diretamente
do que amargar essa dúvida que já martelava a cabeça.
Cris já tinha me avisado que aguardava por mim no lounge
exclusivo, mas acho que ela não vai se incomodar se tiver que
esperar mais um pouco. Ela possui um temperamento irritadiço e
imprevisível, especialmente quando está na TPM. Eu já venho
ensaiando uma maneira de colocar um ponto final na nossa relação
há semanas, e embora tudo não passe de sexo casual, considero
inoportuno fazer isso antes da viagem a Trancoso. Ela estava tão
eufóricacom a perspectiva de tirar selfiesno jato executivo, além de
compartilhar cada momento da viagem com os fãs, devido à
necessidade constante de se autoafirmar como influenciadora
digital, que seria uma canalhice de minha parte estragar os planos
dela.
Eu decidi dar meia volta e passei pela recepção, saudando as
recepcionistas com um leve aceno de cabeça, e em seguida
comecei a subir o primeiro lance de escadas, quando de repente
senti o meu celular vibrar no bolso da calça social. Parei diante da
enorme vidraçaria no patamar, que proporciona uma bela visão da
área externa do aeroporto, e conferi rapidamente o contato na tela:
era a minha irmã, Alessandra.
— Não me diga que o meu cunhado mudou de ideia e
resolveu passar o Carnaval em Trancoso de última hora? —
perguntei, empolgado com a possibilidade de poder contar com a
companhia dela nessa viagem.
“Acertou em cheio, mano. Por favor, diga que pode nos
aguardar, sim? As crianças estão animadíssimase até me ajudaram
a arrumar as malas.”
— Tudo bem, mana, eu posso falar com o comandante, sem
problema algum. Avisarei a ele de que vocês quatro devem chegar
em cima da hora.
Encerrei a ligação e continuei subindo o segundo lance de
escadas, quando encontrei o copiloto vindo no sentido contrário.
Informeilogo a necessidade de atrasar um pouco a decolagem, e
como não houve nenhuma objeção da parte dele, perguntei onde a
sala de espera dos pilotos se situava.
O lounge exclusivo da tripulação também compartilha do
mesmo conforto e requinte, mas assim que passei pela entrada,
notei que havia uma única pessoa no local: a comissária de bordo. A
mulher misteriosa estava sentada em uma poltrona, de costas para
a entrada, enquanto conversava com alguém por chamada de
vídeo. De repente, eu parei, um pouco surpreso após ouvir o nome
de Cris ser dito por ela em voz alta.
— Quer dizer então que Cris Ventura tem como fetiche fazer
sexo com parceiros usando uniformes? — a comissária perguntou,
dando uma risadinha. — Mas pensando bem, transar nas alturas é
uma fantasia erótica e tanto... — admitiu, em tom divertido, antes de
fazer uma pausa. — Agora falando sério, amiga. Você pode até
estar acostumada, mas como eu vou fingir costume em atender um
casal, que vai passar a maior parte da viagem no maior “ralae
rola”?
Lamentei o fato de não poder escutar o que a amiga dela
falava, uma vez que a comissária usava fones de ouvido sem fio
durante a chamada de vídeo.
— Acabei de receber uma mensagem do comandante...
parece que os pombinhos terão companhia nessa viagem... será
que eles dois vão ter coragem de transar na aeronave, com crianças
pequenas por perto?
Ela está achando mesmo que eu sou algum tipo de pervertido
irresponsável?
Resolvi me aproximar dela sem fazer barulho e me posicionei
atrás da poltrona, de modo que apenas a amiga — que reconheci
logo como sendo a minha comissária executiva, Cora Mantovani —,
poderia me ver na miniatura de vídeo, exibida no canto direito da
tela.
— Que cara é essa, Cora? Parece que acabou de ver uma
assombração — a comissária falou, se mexendo
desconfortavelmente na poltrona. A outra começou a fazer alguns
gestos atrapalhados com as mãos, possivelmente para avisar que
as duas estavam ferradas. — Tem alguma coisa no meu rosto, não
tem? Fala logo, pelo amor de Deus!
Coloquei a minha mão sobre a boca, tentando sufocar o riso.
Confesso que vai ser excitante ver a expressão de espanto no
rosto dela, assim que notar a minha presença no lounge.
— Mas o quê? Co...como assim? — perguntou, confusa por
não conseguir entender a atitude inesperada da amiga. — Por que
você está me pedindo para levantar mais o braço e conferirpor mim
mesma do que se trata?
Uma vez encerrada a chamada, a comissária atrevida
finalmente levou o celular até a altura dos olhos e me viu
completamente pela câmera frontal. O susto foi tão grande que ela
acabou deixando escapar um gemido abafado, enquanto se
levantava da poltrona de um salto.
— Você estava ouvindo a minha conversa esse tempo todo?
Eu pude notar que um olhar de irritação perpassou o rosto dela
naquele mesmo instante.
— Por que o espanto? Eu não deveria? Você e a sua amiga
tornaram a mim e a minha... ahn... digamos parceira, o assunto
principal da conversa.
— Ah, então o senhor é o CEO Alexandre Valadares —
comentou, fingindo estar surpresa pela constatação óbvia. — Agora
entendi tudo... estou terrivelmente fodida — sussurrou as últimas
palavras.
— O que disse? — perguntei, apesar de ter escutado bem,
enquanto cruzava os braços sobre o peito, fingindo seriedade.
— Peço desculpas pela indiscrição, seu Alexandre —
balbuciou nervosa, enquanto pegava a bolsa de couro para segurá-
la de encontro ao peito. — Pode até não parecer, mas eu não tenho
o costume de fazer fofocano ambiente de trabalho, ainda mais
quando se trata de algo estritamente pessoal.
— Sorte a sua que você não trabalha para mim, diretamente —
fiz questão de frisar a última palavra, embora fosse apenas meia
verdade.
— Issonão vai mais acontecer — prometeu ela, ao me encarar
com os olhos brilhando de lágrimas recém formadas.
Admito que fiquei incomodado após constatar que a colega
dela já lhe confidenciou algo ao meu respeito, mas também não
pretendia bancar o chefe detestável e intransigente, comportamento
este que sempre abominei em meu pai.
O meu estilo de liderança na Astramed sempre foi pautado
pela tolerância e empatia para com os meus liderados, e agora não
seria diferente, ainda mais se tratando de alguém que me atrai
tanto.
— Vamos passar uma borracha nisso, está bem? — sugeri,
descruzando os braços e os deixando pender ao lado do corpo,
como que assumindo uma postura mais relaxada.
— Eu nem tive a oportunidade de me apresentar
adequadamente, senhor — comentou, estendendo a mão para um
cumprimento formal. Notei que ela estava tão quente e trêmula, que
repentinamente senti uma onda de calor e excitação me invadindo,
sem nenhum controle. — Eu me chamo Melissa Albuquerque e
estou substituindo a comissária executiva que entrou em licença
maternidade.
— Então, a comissária com que eu me esbarrei no saguão de
entrada é a mesma que riu de mim com outra amiga, quando me
viram dançar num bar da Faria Lima? — perguntei, em tom
divertido, mas nem esperei pela confirmação dela. — Pelo visto
você possui um dom nato em causar certos constrangimentos nos
outros, não é mesmo?
— Meu Deus, eu fui tão estúpida... — murmurou, meneando a
cabeça e corando, envergonhada. — O senhor agora tem motivos
de sobra para me dispensar e eu não vou julgá-lo por isso. Mas
ainda que seja um detalhe insignificante para o senhor, eu
realmente preciso desse emprego.
— Talvez eu te dispense, sim, considerando o fatode que você
ainda insiste em me chamar de senhor — ironizei, sorrindo,
enquanto diminuía a distância entre nós dois. — Quantos anos de
diferença nós temos, Melissa? Uns 10 anos, por aí?
— Acho que sim... — respondeu, piscando por um momento,
visivelmente aturdida. — Bom, então se me der licença, eu preciso
assumir as minhas funções — prosseguiu, enquanto pendurava a
alça da bolsa no ombro. — Até logo.
Quando a comissária fez menção de sair do lounge, eu
rapidamente a segurei pelo braço, levando em conta que as
chances de voltar a ficar a sós com ela de novo são mínimas, e em
seguida, eu me inclinei para a frente, levando os lábios ao ouvido
dela.
— Eu embarquei no voo Guarulhos-Confinsnaquela manhã de
sábado, sabia disso? — informei, dando tanta ênfase e
profundidade à voz, a ponto de sentir o corpo dela estremecer
sutilmente. — Cheguei até a pensar que jamais voltaria a te ver,
mas quis o destino que a gente se reencontrasse. Não imagina o
porquê?
— Se eu tivesse o dom da adivinhação, os meus problemas já
teriam acabado — respondeu, dando de ombros e fazendo pouco
caso do meu jogo de sedução.
— Então, você mentiu naquela noite? — perguntei, a voz
pouco mais que um sussurro. Melissa fechoumomentaneamente os
olhos e balançou a cabeça em negativa.
A julgar pela postura tensa e também pela dor marcando as
belas feições, cogitei a possibilidade de ela ter sido demitida
naquele finalde semana. De repente, ela ainda não se conformaem
ter perdido o emprego anterior.
— Por que não se apresentou no aeroporto? Eles te demitiram
naquele final de semana?
— Essa decisão partiu de mim porque aconteceram coisas
ruins — respondeu, desviando o olhar, e notei as lágrimas se
formarem em seus olhos verdes. Um suspiro profundo escapou dos
lábios dela, como forma de dissipar o nervosismo. — Seu
Alexandre, eu realmente preciso assumir o meu posto. Com licença
— completou se desvencilhando do aperto em seu braço de modo
brusco, e saiu apressada do lounge.
Nenhuma outra mulher foi capaz de me deixar intrigado e, ao
mesmo tempo, frustrado. E quem diria que ela passaria a trabalhar
para mim, ainda que indiretamente?
Melissa Albuquerque. Comissária executiva da Astramed em
substituição. Dona de uma línguaferina,um corpo escultural e ar de
aparente fragilidade que me fascina.

Entrei na Sprinter de luxo, acompanhado por Cris Ventura. Ela


é uma mulher loira, de estatura alta, corpo magro e com cabelos
platinados e lisos na altura dos ombros. Usava uma calça jeans
desfiada e ajustada ao corpo voluptuoso, além de um top branco,
deixando parte da cintura esguia à mostra. A minha irmã, o marido
dela e meus sobrinhos, Beatriz e Miguel, com idades de 5 e 7 anos,
respectivamente, ocupavam os assentos das primeiras fileiras.

— Bom dia, crianças. Vocês ainda se lembram da tia Cris?

— Achei que estaria acompanhado por outra tia dessa vez,


dindo — Miguel insinuou, desviando o olhar do celular por um
instante, apenas para encarar Cris com indiferença.

— Nossa, obrigada pela parte que me toca, Miguel — Cris


ironizou, levando a mão ao peito com um sorriso afetado. — Tenho
certeza de que Bia sentiu a minha falta.

— O que tem eu, mãe? — perguntou a pequena, confusa. —


Eu não fiz nada! — assegurou, enfática. Ela deve ter aprontado
alguma ou não reagiria assim à simples menção ao seu nome.

Alessandra se limitou apenas a colocar a mão sobre a boca,


tentando sufocar o riso. Jáo meu cunhado, Daniel Loureiro, fezuma
expressão matreira, acompanhado de um levantar de sobrancelhas
e balançar de cabeça, indicando que ou reprovava o comportamento
do filho ou o meu próprio, talvez.

Uma vez na entrada do hangar 2, nós seis saltamos do


veículo e seguimos até a aeronave executiva de alta performance,
posicionada a uma distância de 500 metros.

Notei que a tripulação já nos aguardava junto à escada da


aeronave, e abri logo um sorriso cordial, antes de estender a mão
para cumprimentar o comandante Barroso, o copiloto, e por fim, a
nova comissária executiva, Melissa Albuquerque.
— Bom dia, senhores e senhoras — os pilotos saudaram, em
uníssono, antes de subirem as escadas da aeronave.

— Bom dia e sejam bem-vindos — Melissa repetiu a


saudação, abrindo um amplo sorriso.

Cris Ventura passou direto por eles e já foi logo subindo as


escadas, sem nem ao menos desejar um bom dia antes.

— Peço desculpas por Cris ter sido indelicada agora há pouco


— comentei, meio sem jeito. — A minha irmã você já conhece,
então dispensa apresentações. Mas falta conhecer o restante da
família:os meus sobrinhos, Miguel e Beatriz além do meu cunhado,
Daniel Loureiro.

— Ela parece uma das minhas bonecas, tio Xandy! — Bia


comentou, impressionada pela maquiagem ter deixado a pele da
comissária com um aspecto de porcelana.

Melissa cumprimentou Daniel e Alessandra, e em seguida se


abaixou um pouco para afagar os cabelos lisos e castanhos da
minha sobrinha.

— Como você se chama, princesa? — perguntou Melissa, com


um sorriso afável

— Beatriz, mas pode me chamar de Bia ou Bea ― respondeu,


ampliando ainda mais o lindo sorriso. — E qual é o seu nome?

— Melissa, mas pode me chamar de Mel.

De repente, Beatriz se virou para encarar os pais e notei que


havia súplica nos olhos dela.
— Mamãe e papai, eu quero pintar o meu rosto assim também
— completou ao apontar na direção da comissária.

Não há como negar que uma maquiagem bem-feita valoriza


ainda mais a beleza natural das mulheres.

— Mas meu amor, você ainda é muito novinha. Vai ter que
esperar mais alguns aninhos.

— Agora é a sua vez de cumprimentar a comissária executiva,


Miguel — comentei, dando tapinhas no ombro dele.

O garoto ainda estava entretido com algum jogo no celular e se


aproximou dela, estendendo a mão para o cumprimento sem nem
desviar a atenção do aparelho. Não pensei duas vezes e tirei o
celular da mão dele, o desligando em seguida e o enfieino bolso da
calça.

— Sabe o que ela vai pensar dos seus pais, Miguel? Que eles
não te deram uma boa educação, acredita? O seu celular vai ficar
comigo até segunda ordem. Reflita a respeito.

— Foi mal mesmo, tia, mas eu juro que isso não vai se repetir
— assegurou, cruzando os dedos indicadores diante dos lábios,
como forma de juramento.

— Imagina,Miguel. Não precisa se desculpar. Eu também já


tive a sua idade e me distraía fácil com qualquer brinquedo. Já teve
a oportunidade de conferiros sistemas de entretenimento multimídia
incluídos na aeronave? Eles também servem como uma ótima
distração, sabia?
De repente, Cris apareceu no alto da escada, apoiando as
mãos na cintura.

— Vai mesmo me fazer esperar tanto tempo, Xandy? —


indagou, impaciente.

Por um breve momento, eu esqueci completamente a


presença dela e acabei deixando escapar um suspiro resignado.
Logo eu fiz um gesto, indicando que Alessandra, Miguel e Melissa
deveriam ser os primeiros a subir nessa ordem, pois assim teria a
oportunidade de observar os movimentos graciosos de sua bunda
redonda e gostosa.

Quando Melissa subiu os primeiros degraus, ela se virou e me


olhou com desconfiança, ao perceber que eu a seguia dois degraus
abaixo. Ela voltou a subir e cruzou os braços atrás das costas, então
notei nitidamente que ela levantou o dedo do meio para mim, em um
gesto afrontoso, mas que não deixava de ser legítimo.
Até porque eu não parei de olhar os quadris bem marcados por
uma saia preta justa, ressaltando as curvas sensuais e que ainda
terei o prazer de fazeras minhas mãos percorrerem cada ondulação
até me perder nelas.
“Meu Deus, me dê um motivo, pois eu pago tanto mico
Ela me ignora, na esperança eu ainda fico
Eu tô fritando aqui, eu vou entregar, não aguento mais
Mas se eu não falar hoje, talvez nunca a veja mais, pois”.[11]

Trancoso, Bahia.

O aeroporto Terravista fazparte do complexo de mesmo nome,


composto por dois condomínios de alto padrão, um campo de golfe
e um teatro onde acontecem os melhores espetáculos artísticos da
Bahia.
Os meus pais adquiriram o imóvel já faz alguns anos, não
apenas por estar situado no alto de uma imponente falésia,sobre as
lindas praias do Rio da Barra e do Taípe, como também pela
proximidade com o Quadrado, como é popularmente chamada a
praça central de Trancoso.
Acordei bem cedo nesta manhã ensolarada de sábado para
curtir Trancoso da melhor forma possível:fazendo um passeio de
quadriciclo.
Tomei um café da manhã bem reforçado e voltei para a suíte
para terminar de me arrumar, trocando o pijama pelo conjunto de
short de elástico, com modelagem casual em estampa floral,
camiseta de manga longa com proteção solar, que realçava os
músculos e meu abdome bem definidos, além da alpargata preta de
solado de palha.
— Você já foi mais seletivo nas suas conquistas, Xandy — Eu
ouvi o comentário de Cris, enquanto passava uma das mãos pelo
cabelo, diante do espelho. — Uma comissária de bordo,
francamente... Quer dizer então que você já conhece essa mulher?
Cris costuma ser bem observadora, e considerou a troca de
olhares com Melissa Albuquerque uma confissão velada de que
mantinha um caso amoroso com ela, quando na verdade o que
prevaleceu mesmo foi o clima constrangedor entre nós ao longo de
todo o voo.
— Eu a conheci durante o happy hour semanas atrás, mas
nem fazia ideia de que ela seria a substituta de Cora Mantovani. E
para sua informação, infelizmente não rolou nada porque ela assim
o quis.
— Não pensou na possibilidade de ela ser uma mulher
comprometida?
— É justamente isso o que pretendo descobrir, Cris — Eu me
virei e apoiei as costas na cômoda, cruzando os braços sobre o
peito.
— Supondo que a comissária de bordo esteja solteira, você
acha mesmo que ela toparia embarcar nessa loucura de casamento
por contrato?
— Considerando que eu preciso me submeter às condições
impostas pelo meu pai no plano de sucessão... Assim eu espero, e
além do mais, eu estou correndo contra o tempo, Cris. Você sabe
bem disso.
— Eu imaginei mesmo que levaria um pé na bunda a qualquer
momento.
— Também não é para tanto, minha linda... Eu te fiz essa
mesma proposta, mas você preferiu recusar dizendo que há muitas
coisas em jogo, e pensando bem vai ser melhor assim. Cada um
deve seguir o seu caminho, mas a amizade continua.
A modelo não pensa em se casar tão cedo e muito menos
planeja ser mãe. Também não ajuda em nada o fato de ela ter uma
vida superexposta, afinaleu serei forçadoa “prestarcontas”sobre a
sociedade conjugal ao conselho de administração e aos acionistas,
portanto a conduta pessoal dela poderia não ser bem vista por eles,
gerando um impacto negativo para a empresa.
— Será que ela toparia formar um trisal com relacionamento
aberto? — perguntou, inesperadamente, com empolgação na voz.
— Receio que não, Cris — respondi, franzindo a testa e
balançando a cabeça. Ela fezuma careta e jogou uma almofadaem
minha direção.
— Se ela tiver a mente aberta já sabe onde me procurar —
insinuou, sorrindo para mim e dando uma piscadela. — Você sabe
que eu amo um ménage.
— Tem certeza de que não quer me acompanhar no passeio
de quadriciclo?
— Eu vou encontrar as minhas amigas que alugaram um
imóvel para receber a galera que deu aquela escapada básica após
curtir o Carnaval de Salvador. Por que não leva o seu sobrinho?
— Eu confisquei o celular dele e o coitado só falta subir pelas
paredes. Vai ser uma boa mesmo levá-lo para este passeio. Então,
divirta-se. A gente se vê mais tarde.
Encontrei os meus sobrinhos na sala de estar, acompanhados
pelos pais que já estavam quase de saída, pois planejavam passar
o dia no parque aquático de Arraial D’Ajuda.
— Eu tenho uma proposta irrecusável pra você, Miguel —
comentei, apoiando as mãos nos quadris. — Ao invés de passar o
dia no Eco Parque, que tal me acompanhar num passeio irado de
quadriciclo?
— Ah, fala sério, Xandy! — exclamou minha irmã, caindo na
gargalhada. — Fazer esse tipo de pergunta é o equivalente a dizer:
“Você troca essa bicicleta por uma caixinha de fósforos”?
— Eu peguei a referência! — falei, com veemência,
balançando o dedo indicador para ela. — Agora eu acho uma
sacanagem querer comparar com aquela brincadeira do programa
'Domingo no Parque', com o Silvio Santos. Não é como se Miguel
fosse fazer uma escolha às cegas, Alê.
— Acho pouco provável que Miguel prefira fazer um passeio
de quadriciclo a brincar no parque aquático — Daniel ponderou, com
descrença no olhar. — Não é mesmo, filho?
— O senhor está enganado, papai — respondeu o garoto, se
levantando quase de um salto do grande sofá. — Quem sabe ele
me devolve o celular no final do dia? Eu que não vou perder a
chance de ter o meu celular de volta.
— Eu vou pensar no seu caso, mas você precisa se comportar,
mocinho.
— Vou me comportar direitinho, eu prometo — assegurou
Miguel, sorrindo.
Beatriz também se levantou e correu ao meu encontro,
pulando à minha frente como se quisesse chamar a atenção.
— Me leva com vocês, tio Xandy! — pediu, choramingando e
me encarando com um olhar suplicante. Eu a peguei no colo e lhe
dei um beijo estalado no rosto.
— Só me faltava essa... — resmungou Alessandra, baixinho.
— Você precisa ter os seus próprios filhos, Alexandre. Os dois só
escutam a você e só obedecem a você, praticamente.
Filhos bons são os filhos dos outros, definitivamente.
— Está ficando enciumada, querida? — Daniel perguntou,
levando a mão à boca para tentar sufocar o riso. Depois, voltou a
sua atenção para a filha. — Mocinha, você vai conosco porque
apenas o seu irmão alcançou a idade mínima para andar de
quadriciclo.
Beatriz mudou as suas feições, ao cruzar os braços,
assumindo uma expressão emburrada, de repente.
— Bea, preste bastante atenção no que o seu tio vai te dizer
agora — comecei falando diretamente ao ouvido dela. — Eu quero
que você curta bastante o parque porque logo mais vai ter uma
surpresa — completei, passando minha sobrinha para os braços do
pai.
Ela parecia ter se conformado, pois não fez nenhuma objeção
ao meu pedido.
Nós nos despedimos e cerca de dez minutos depois eu
estacionei o carro alugado na rua adjacente ao Quadrado, uma vez
que não era permitida a circulação de veículospelo local. Assim que
Miguel e eu nos aproximamos da agência, que organiza os passeios
e faz a locação dos veículos off-road de tração 4x4, nós nos
juntamos ao pequeno grupo de turistas, que acompanhava as
instruções do guia. Olhei para cada uma das pessoas presentes e
tal foi a minha surpresa ao reconhecer Melissa Albuquerque. Decidi
me aproximar dela e fiz um sinal para Miguel me acompanhar.
Melissa usava uma combinação de shorts jeans desfiado na
barra, uma saída de praia estilo camisão na cor branca, usada por
cima do maiô da mesma cor, além de rasteirinhas e óculos de sol.
Os cabelos longos e acobreados dela estavam presos em um coque
no topo da cabeça, com alguns fiossoltos nas laterais, emoldurando
o belo rosto.
— Bom dia, Melissa, tudo bem? — saudei, ao tocar no ombro
dela, com suavidade. Ela levou a mão ao peito com ar de
assustada. — Já andou de quadriciclo alguma vez?
— Sim, eu já fiz o passeio antes, mas eu só ficava na garupa.
O guia já me passou algumas instruções sobre como pilotar e estou
bem ansiosa.
— Eu já pilotei nas viagens que eu fiz pelo Nordeste do país,
mas dessa vez eu prefiroseguir no UTV, ainda mais por estar com o
meu sobrinho — informei ao encostar as mãos nos ombros da
criança e a puxei gentilmente junto a mim.
— Olá, Miguel, ainda se lembra de mim? — saudou, com um
aceno amistoso.
— Lembro sim, tia Mel. Você vai nos acompanhar no passeio?
— O grupo, que estava aqui quando eu cheguei, acabou de
sair, então só resta nós três mesmo além do guia, é claro.
Só então eu notei que ela segurava uma pequena cesta de
fibra sintética.
— Planejou fazer um piquenique na praia?
— Sim... — respondeu Melissa, franzindo a testa, intrigada,
enquanto olhava para a minha pequena mochila apoiada sobre o
ombro esquerdo, do tipo que os praticantes de trilha utilizam. —
Você não trouxe nada para comer?
— Tenho água mineral, uma toalha e frutas, apenas.
— Como você planeja fazer um passeio com uma criança e
não traz nada para ela comer? — questionou, em tom de censura
velada.
— Essa é uma boa pergunta, tia Mel! — Miguel concordou,
rindo à beça.
— Sorte a sua que você me encontrou aqui porque eu sempre
ando precavida. Passei antes no Empório Le Marché e comprei
geleia, suco, pães e croissants.
— Onde você está hospedada? — perguntei, incapaz de
conter a curiosidade.
— Na Hospedaria Le Marché... — respondeu, meio hesitante e
me encarando com desconfiança.
— Mas os pilotos preferem passar a estadia nos melhores
hotéis e a sua amiga também, inclusive. Por que decidiu ficar numa
hospedaria?
— A hospedaria do empório é simples, mas muito charmosa,
super bem localizada e com o melhor custo-benefíciode Trancoso.
Faz mais o meu estilo para ser sincera.
Sinto que eu sou um puto de um sortudo em poder desfrutar o
dia na companhia daquela mulher adorável e enigmática. E não
posso deixar de admitir que eu estou louco para descobrir que
outras surpresas ela ainda me reserva ao longo do passeio pelas
praias mais exclusivas de Trancoso.
— Bom dia, pessoal — saudou o guia, me tirando
abruptamente dos meus devaneios. — A nossa primeira parada
será na praia de Patimirim — informou, estendendo os capacetes
em nossa direção. — Em seguida, nós seguiremos para a praia de
Itaquena,e nossa última parada será na Praia da Barra do Rio dos
Frades — prosseguiu de modo simpático, antes de baixar o olhar
para a cesta de piquenique. — Se me permite eu vou colocar o seu
cesto preso ao bagageiro do quadriciclo, está bem?
Quando o guia se afastou, eu decidi me posicionar ao lado
dela e notei que Melissa passou a transferiro peso do corpo de uma
perna para a outra, enquanto segurava firmemente a alça da bolsa
de praia, como que aparentando certo nervosismo, uma vez que os
nossos ombros quase se tocavam.
— Se prepare que hoje você vai comer poeira, Melissa —
avisei, assumindo um ar de desafio descontraído.
Um sorriso matreiro surgiu nos lábios dela, quando lançou um
olhar de soslaio para mim.
— Isso é o que nós veremos, executivo da Faria Lima —
insinuou, enquanto colocava o capacete, afivelando a correia junto
ao queixo.
A voz dela saiu meio rouca e num tom baixo, o que provocou
uma fisgada insuportavelmente dolorosa nos meus testículos.
Apesar de ter plena consciência de que ela só empregava aquele
termo como forma de deboche, ainda assim, aquilo não deixava de
ser uma piada interna entre nós dois.
O UTV é um veículo off-roadque comporta um motorista e um
passageiro sentados lado a lado. Melissa ocupou o tradicional
quadriciclo e colocou o mesmo em movimento, seguindo o guia de
perto, que pilotava outro veículo. Eu os seguia logo atrás
conduzindo o UTV, com Miguel ocupando o banco do carona.
Nó percorremos o trajeto ao longo da estrada de terra batida
cercada pela vegetação verdejante, passando por algumas casas de
moradores locais, atravessando uma ponte e obstáculos como
poças em alguns trechos, até finalmente alcançar o caminho
arenoso ladeado por arbustos que dava acesso à praia de
Patimirim.
O guia parou a poucos metros da faixa de areia e em seguida
nos informou de que a parada seria de quinze minutos.
Felizmente a maré está baixa, possibilitando a formação de
piscinas naturais e tornando possívelum banho de mar, não apenas
para refrescar como também para tirar a poeira e o suor grudados
no corpo.
— Então, campeão, que tal dar o primeiro mergulho do dia
nesta praia paradisíaca? — sugeri, desafivelando o cinto de
segurança e depois o ajudei a fazer o mesmo.
— Ah, vai ser incrível, dindo! — Miguel respondeu com
empolgação, ao retirar o capacete da cabeça e passou a mão pelos
cabelos lisos e castanhos de comprimento médio e com uma franja
dividida na lateral. — Posso beber água primeiro? Estou morrendo
de sede — completou, abrindo a mochila e tirando de dentro dela
uma garrafa de água mineral.
Eu levei outra garrafa aos lábios e bebi um longo gole,
enquanto observava a comissária executiva, que estava parada
mais à frente, apreciando a beleza do lugar. Não sei por que, mas
eu tive a leve impressão de que a mente dela parecia vagar a
quilômetros de distância, enquanto contemplava o horizonte com
uma expressão serena e sonhadora no rosto.
— Miguel e eu decidimos dar um mergulho antes de seguir
viagem — informei, andando lentamente na direção dela. —
Gostaria de se juntar a nós? — perguntei, perscrutando nela um
olhar cheio de expectativas.
— Vamos, tia Mel — insistiu Miguel, se aproximando todo
saltitante. — Vai ser legal!
— E ficarcom o corpo molhado de água salgada? — Disparou
uma pergunta que servia mais como um pretexto. — Não, obrigada
— respondeu a seguir, balançando a cabeça em negativa.
— Achei que só gente rica fosse fresca... — retruquei,
deixando uma insinuação desafiadora no ar.
— Vire-se logo então, executivo da Faria Lima — exigiu,
fazendo um gesto impaciente com a mão. Ela, definitivamente, não
gosta de ser desafiada. — Acabei de mudar de ideia.
A minha única reação ao pedido inusitado dela foi piscar os
olhos, franzindo a testa um tanto surpreso e confuso, mas não me
atreveria a desobedecê-la.
Aliás, muito me admira essa aparente inclinação em bancar o
rendido à menor exigência da parte dela. Talvez eu nem me
reconheça mais ao final dessa viagem, puta que pariu!
— Isso se aplica a você também, Miguel — comentei,
passando a mão nervosamente pelos cabelos. — Não pense você
que poderá ver uma mulher de biquíni.
— Eu estou usando um maiô na verdade... — Melissa me
corrigiu, soltando uma risada.
— Mas dindo eu sou só uma criança... — protestou o garoto,
segurando o meu braço e se encostando em mim, visivelmente
constrangido.
— Uma criança de sete anos de idade pode deixá-la tão
constrangida quanto um adulto. Além do mais, eu já te flagrei vendo
conteúdo adulto na internet, lembra-se? Fique de costas, agora.
Nós dois ficamos de costas para ela, permitindo deixá-la mais
à vontade para tirar as peças de roupa. O pouco que eu me lembro
do maiô dela parecia ser um modelo bem comportado, pelo menos
aparentemente, pois a peça possui um decote em formade “U”
mais
fechado.
— Vocês vão contar até 10 e até lá eu já estarei dentro d’água.
Ok? — instruiu, de repente, me tirando completamente dos meus
devaneios.
Miguel começou a contar, mal contendo a empolgação, pois
ele se sentia como se estivesse participando de um jogo de
esconde-esconde. Porém, a minha visão era totalmente oposta à
dele. Considerei mais como um jogo de mostra, esconde carregado
de erotismo, pois tudo indicava que ela pretendia revelar outra
versão de si mesma, embora mantivesse escondida sob a falsa
aparência de mocinha inocente.
— Acho que nós já podemos ir agora, dindo — Miguel falou,
com animação.
Tirei rapidamente o short, ficando apenas de sunga boxer
camuflada cinza além da camiseta preta de manga longa e com
proteção solar, e parti em disparada na direção do mar, com Miguel
correndo logo atrás. Dei algumas braçadas firmes, antes de ficar de
pé, e passei a mão pelos cabelos molhados para tirar o excesso da
água. Foi então que eu notei Miguel e Melissa esguichando água
um no outro, rindo à gargalhada. Voltei para a margem, respirando
de modo ofegante pela boca.
Quando Melissa finalmente saiu da água, eu pude reparar
melhor em cada detalhe do maiô branco, que possui um recorte
maior na cava, deixando mais à mostra tanto a lateral dos seios
quanto as costelas, embora tivesse concentrado o meu olhar na
região da virilha destacada por cavas maiores.
Ela conversava com Miguel a curta distância enquanto
passava a mão pelos cabelos molhados, para tirar o excesso de
água salgada. Os meus olhos não resistiram em fazer um rápido
passeio, observando o maiô branco e encharcado se moldar às
belas curvas dela, e dando uma atenção maior aos contornos dos
seios de tamanho médio, cujos mamilos endurecidos se projetavam
contra o tecido de malha.
Se ainda restava alguma dúvida de que a comissária de bordo
era uma grande gostosa, ela acabou neste exato momento. Essa
mulher é um espetáculo na Terra.
Melissa olhou para mim e para si mesma, a constatação a
atingiu em cheio no mesmo instante, trazendo um rubor às
bochechas já avermelhadas pela exposição ao sol. Ela tentou cobrir
os seios com as mãos, o que me levou a desviar o olhar,
constrangido por ter sido pego no flagra. Virei as costas e andei até
o local onde os quadriciclos estavam estacionados à sombra de
uma árvore e peguei a minha mochila para tirar as toalhas de praia,
antes de entregar uma delas para Miguel. No entanto, eu decidi
oferecer a minha para Melissa.
— Use a minha toalha, Mel — Tomei a liberdade de tratá-la
pelo apelido e espero que ela não se importe, embora não
tenhamos alcançado ainda esse nível de intimidade. — Pode usá-la
durante todo o passeio.
— Mas eu trouxe uma canga na bolsa, não se preocupe...
— Aposto que a canga não serve para secar o corpo depois de
um banho de mar — retruquei, arqueando a sobrancelha enquanto
tentava segurar o riso. — Por favor, eu insisto.
— Eu agradeço a gentileza, mas não precisava se incomodar
— Pegou a toalha que eu lhe estendia, antes de passá-la ao redor
do corpo e voltando a assumir aquele ar de desamparo e aparente
fragilidade, capaz de aflorar os meus instintos mais primitivos,
particularmente os de proteção e cuidado.
De repente me veio uma vontade irresistível de abraçá-la,
protegendo-a contra sabe-se lá quem e a consolando por sabe-se lá
o quê. A sensação recém descoberta me parecia surreal e isso me
assustou sobremaneira, então eu virei as costas e voltei para o
veículo, imaginando se tratar de um delírio passageiro.
O calor deve ter fritado os meus miolos, mas nada que um
pouco de água na cara não resolva.
Chamei Miguel e insisti para ele reaplicar o protetor solar, pois
não pretendia receber um sermão de Alessandra, me acusando de
ter sido negligente no passeio de quadriciclo sob o sol escaldante de
um dia típico de verão na Bahia.
De repente, eu olhei instintivamente na direção de Melissa, e
flagrei a tentativa frustrada dela de passar o mesmo produto nas
costas. Não perdi tempo e me adiantei na direção dela, louco para
oferecer o meu auxílio, e de quebra explorar cada contorno de sua
lombar, visto que o maiô era bastante cavado nas costas, embora o
short jeans curto cobrisse sua bunda perfeita.
— Acompanhei de longe o seu contorcionismo para passar o
protetor solar, sabia disso? — comentei, casualmente, apenas para
quebrar o gelo. — Se me permite, eu posso te dar uma mãozinha...
— Tudo bem, eu permito... — concordou Melissa, fazendo
menção em me entregar o produto, mas ela repentinamente
recolheu o braço. Uma expressão de desconfiança cruzou o olhar
dela naquele mesmo instante. — Mas nem pense em fazer alguma
gracinha, Alex — disse, por fim,soltando um longo suspiro, antes de
estender a mão novamente para me passar o tubo de protetor solar
fator 50.
Melissa se virou bem devagar e afastou os cabelos, jogando
os fios ainda úmidos para o lado, então eu rapidamente abri a tampa
e espremi uma parte do conteúdo na mão direita, antes de espalhá-
lo suavemente na região macia entre o pescoço e os ombros,
passando ao longo da lombar até alcançar o ponto um pouco abaixo
da cintura dela. A pele estava quente e se arrepiou ao simples
toque, seguido de um estremecimento involuntário, que não me
passou despercebido, enquanto fazia movimentos circulares para
espalhar bem o produto.
A julgar pelos seios subindo e descendo, eu bem que gostaria
de sentir a respiração acelerada dela se mesclando à minha, de
preferência estando completamente nua e sentada em meu colo,
movimentando o quadril em um vai e vem bem gostoso.
O meu pau endureceu dolorosamente só de vislumbrar a cena
erótica.
— Acho que já passou o suficiente, obrigada — A voz dela
saiu fraca, me tirando completamente dos meus devaneios. Ela se
esquivou de forma brusca, antes de seguir em direção ao
quadriciclo.
— Você se esqueceu de pegar o protetor solar... — gritei,
chamando a atenção dela. Assim que ela se deteve e se virou, eu
joguei o tubo em sua direção. Ela o agarrou com as duas mãos e
lançou um olhar duro para mim.
Quando eu voltei para o UTV, Miguel já estava sentado no
banco do carona, se esforçando para não ter um ataque de riso.
— Você acabou de levar um fora,dindo? — perguntou, em tom
zombeteiro. — Tia Cris não vai ficar chateada por você gostar de
outra pessoa?
— Cris e eu decidimos de comum acordo que a partir de agora
nós dois seremos apenas bons amigos. E quanto a sua primeira
pergunta, pode-se dizer que sim, eu acabei de levar um fora.
— Eu acho que a tia Mel está interessada em você, só não se
deu conta disso ainda.
Se o que dizem sobre as crianças serem muito mais espertas
e observadoras do que os adultos for mesmo verdade, então ainda
há uma chance de conseguir conquistar o coração da bela
comissária, colocando em prática o meu plano audacioso de me
casar com ela apenas para assumir o controle total e definitivo da
Astramed.
Se tudo der certo, Melissa vai assinar a papelada antes de
subir ao altar, contendo todos os termos de um acordo pré-nupcial,
visando assim um divórcio rápido, mas compensatório para ambas
as partes.
“Será que todos os meus sonhos nunca significaram nada?
Será que a felicidade mora em um anel de diamantes?
Oh, tenho pedido por problemas, problemas, problemas”.[12]

Na praia seguinte, mais precisamente em Itaquena,nós três


decidimos fazer uma pausa para o lanche. Convidamos o guia para
se juntar a nós no piquenique improvisado, mas ele se recusou
educadamente, optando em nos deixar mais à vontade, talvez por
imaginar que Melissa e eu formávamos um casal. E, sinceramente,
eu não faria a menor questão de desfazer esse mal-entendido.
Melissa tirou a canga da bolsa de palha e fezque iria estendê-
la no chão, mas se deteve ao constatar que eu não parava de
observar o menor de seus gestos desde que chegamos na praia. A
comissária estava ciente de que, se ela estendesse a canga de
frente para mim, os seios ficariam parcialmente à mostra, e se
fizesse de costas me proporcionaria uma visão privilegiada de sua
bunda perfeita.
Fechei os olhos de formamomentânea e dei um longo suspiro,
tentando inibir a onda de calor e excitação que já ameaçava me
invadir, sem nenhum controle.
Eu sei que pode parecer invasivo essa tendência que nós
homens temos de olhar fixamente para as mulheres como os
predadores o fazem com suas presas, as comendo com os olhos
antes de partirem para o ataque. Mas eu considero esse gesto tão
instintivo, que eu só me dou conta de que estou sendo
inconveniente, quando a outra parte sinaliza o seu desconforto, ou
pior ainda, quando ela demonstra sentir medo de mim. Havia medo
nos olhos dela, e ter chegado a essa constatação só fazia eu me
sentir péssimo, ainda mais do que achava ser possível.
Decidi cruzar a pequena distância que nos separava, disposto
a resolver aquele impasse de uma vez por todas.
— Deveria ter trazido um objeto perfuro cortante em sua bolsa
porque só assim para me impedir de olhar pra você — avisei, com a
voz rouca e tão baixa, que era quase um sussurro contra a lateral do
rosto dela. — Mas não se assuste, está bem? Eu só estava
brincando — Fiz questão de frisar, antes de tomar a canga de suas
mãos e pedir a Miguel para me ajudar a estender o tecido na areia.
Será que ela me considera um assediador em potencial?
Melissa se sentou no chão com as pernas cruzadas em
posição de lótus e começou a dispor os itens comprados no
Empório Le Marché sobre o tecido e Miguel passou a ajudá-la,
mesmo que desajeitadamente. Nós três começamos a comer em
silêncio e lancei um olhar curioso à volta, constatando que não havia
quase ninguém na praia.
— Está tudo muito gostoso, não é mesmo Miguel? —
comentei, entusiasmado, enquanto comia o último croissant.
— Uhum, está tudo uma delícia mesmo — concordou meu
sobrinho, lambendo os dedos sujos de farelo.
— Use o guardanapo, mocinho! — ralhei, rindo da atitude do
meu sobrinho, e Melissa prontamente ofereceuuma toalha de papel
para ele. O sorriso dela acabou se transformando num riso solto e
lindo de se ver. — Se continuar se comportando direitinho,
possivelmente terá o seu celular de volta até o final do dia —
informei, depois de tomar um longo gole de suco de laranja.
— Está falando sério mesmo, dindo? Eu mal vejo a hora de
poder voltar a jogar!
— Você fez a tia Mel sorrir pela primeira vez, desde que
começamos o passeio. Está merecendo ser recompensado.
— Miguel, se eu te pedir um favor, você faz para mim? —
Melissa perguntou, enquanto enrolava o sanduíche de pastrami no
guardanapo. — Entregue o sanduíche para o nosso guia, e diga a
ele para não me fazer a desfeita de recusar
.
Miguel se levantou de imediato e fez o que ela lhe pediu,
correndo em direção aos quadriciclos estacionados a uma distância
de 500 metros da areia.
— Por que você me deixou com a impressão de que estava se
escondendo de alguém naquela noite? — Não consegui mais conter
a curiosidade e fiz a pergunta que mais atormentava o meu juízo,
desde que a conheci no bar da Faria Lima.
— Eu não queria ser reconhecida por algum amigo do meu
agora ex-namorado.
— Ele faz o tipo ciumento, então? De minha parte, eu acho
que sou mais possessivo do que ciumento.
— Do tipo que é doentio e controlador, para ser mais exata —
respondeu, enquanto recolhia as sobras e as colocava em um saco
plástico, antes de guardá-lo na cesta.
— Espero que a relação de vocês tenha terminado de maneira
tranquila — comentei, casualmente, embora possibilitando uma
chance de fazê-la contar mais a respeito.
Melissa levantou a cabeça e olhou para mim, com os olhos
brilhando de lágrimas, mas ela rapidamente piscou os olhos na
tentativa de afastá-las.
Agora eu já sei contra quem eu devo defendê-la: o ex-
namorado abusivo.
— Mas nós estamos no mesmo barco, sabia? — Eu voltei a
falarde maneira descontraídapara dissipar a sombra que se formou
no semblante de Melissa. — Eu estou de volta à solteirice, embora
eu nunca tenha saído dela realmente.
— Você parece mesmo ser do tipo que só engata
relacionamentos casuais.
Havia um certo tom de deboche na voz dela, mas finginão me
sentir ofendido.
— O meu relacionamento com Cris chegaria ao fim de
qualquer maneira — informei, em tom zombeteiro, com as duas
mãos apoiadas no chão e lançando um olhar penetrante na direção
dela. — Ela sempre foi um espírito livre, e eu também por assim
dizer.
— Eu recebi uma educação muito conservadora da minha tia
materna. Fui criada para assumir o papel de esposa e mãe, pois a
minha sentiu que falhou nesse aspecto e teve medo de que eu
tivesse o mesmo destino dela.
Não faço ideia sobre o que ela quis dizer no final, mas achei
palpável o impacto de suas palavras, que saíram carregadas de
tristeza e de resignação. Sinto que ainda é cedo para fazer
perguntas sobre os contornos dramáticos de sua história de vida,
mas pretendo conquistar a confiança dela aos poucos até que ela se
sinta apta a se abrir comigo.
— A sociedade exige que as mulheres deem conta de tudo por
não as considerar capazes de suportar tanta pressão ou opressão
de gênero, e que perdura até hoje. A minha irmã, por exemplo, ela
cuida do comercial e de vendas, e quanto a mim, eu sou
responsável pela parte da produção e lançamentos de novos
produtos. E, apesar de ela ser a vice-presidente, nós tomamos
decisões em comum acordo na Astramed. A nossa parceria se
estende para além das paredes do escritório porque ela é a minha
melhor amiga.
— Achei o seu relato muito inspirador, de verdade — comentou
Melissa, e notei que ela passou a me encarar com um brilho
diferente no olhar. Seria de admiração, talvez?
Eu consegui sustentar o olhar dela, sem deixar transparecer
que me sentia sensibilizado pelo o que enxerguei no fundo de seus
olhos verdes. Sem dúvida, eles eram os mais suaves e inocentes
que eu já vi ao longo da minha vida.
Melissa e eu poderíamos passar mais tempo olhando nos
olhos um do outro, cada qual entregue aos seus próprios
pensamentos, não fosse o fato de Miguel ter voltado, avisando que
o guia ficou contente em receber o lanche.
— Tio Xandy, eu quero tanto brincar perto da água! Eu posso?
Diz que sim, por favor!
Eu não seria louco em dizer não ao meu sobrinho, ainda mais
agora que fiz um pequeno progresso em direção ao meu maior
objetivo: conquistar o coração da bela comissária executiva.
Sem esperar pela minha aprovação, Miguel se virou e
começou a se afastar, todo alegre e saltitante.
— Eu reparei que você leva jeito com crianças... — comentou
Melissa, usando um tom casual. — Talvez você se torne um bom pai
no futuro, mesmo sendo um CEO com uma rotina intensa de
trabalho e viagens...
— Talvez eu me torne pai mais cedo do que você pensa —
ponderei, soltando uma gargalhada de deboche, que eu não
consegui segurar. — Seu Carlos Valadares já me deu o ultimato. Se
eu não me casar ainda esse ano, a empresa vai ser controlada por
um comitê de gestão de três executivos, escolhidos pelos acionistas
e por ele também, é claro.
— Nossa, mas que trágico, Alexandre! Especialmente para um
solteirão convicto como você...
— Aposto que você pensou em um mulherengo incorrigível e
usou um termo mais light. Mas eu reconheço que eu sempre fui um
cara pegador, mas essa fase já está com os dias contados.
— Não considero impossível, visto que estamos no mês de
fevereiroainda, mas encontrar uma pretendente ideal às pressas vai
ser um desafio e tanto. Boa sorte.
— Só para você ter uma ideia do quão longe a minha famíliaé
capaz de ir para não perder o controle do grupo, os meus pais
chegaram até a cogitar a possibilidade de um enlace matrimonial
entre primos, acredita?
— Mas não seria mais vantajoso manter tudo em família?—
perguntou, com a mão na boca, aparentemente tentando conter o
riso.
— O meu tio paterno fundou outra indústria, a Ultra Pharma.
Unir as duas gigantes farmacêuticas é um sonho antigo da família,
mas isso está totalmente fora de cogitação. Lara já está em um
relacionamento sério e seria muita canalhice de minha parte querer
estragar isso.
— Então neste caso, não convém mesmo envolvê-la nessa
espécie de arranjo matrimonial.
— Além do mais, eles estão planejando se casar. A minha
prima não vai se curvar às vontades do pai, e eu tampouco,
evidentemente. Mas falando sobre você agora, Melissa, como é a
sua relação com a família?
— Eu perdi completamente o contato com os meus parentes...
— Ela respondeu de um jeito evasivo, evitando me encarar nos
olhos. — Somos apenas minha mãe e eu contra o mundo —
completou, mudando de posição para ficar de frente para o mar,
com os joelhos flexionados contra o peito e o olhar perdido no
horizonte.
— Eu preciso te contar uma coisa, Mel — Senti
repentinamente uma vontade irresistível de fazer uma revelação
para ela. — Quando eu peguei aquele voo com destino a BH
naquele sábado, eu tinha pensado em levar você até o haras de
vovó Olívia. Eu sei que a tripulação costuma pernoitar no hotel,
então daria para você aproveitar o tempo livre e conhecer novos
lugares.
Melissa piscou várias vezes, confusa, e quase se engasgou
com a água que tinha acabado de beber.
— Cuidado para não parecer um emocionado... — advertiu
Melissa, balançando a cabeça em sinal de reprovação, embora um
meio sorriso tivesse surgido em seus lábios.
— Esse é o tipo de risco que, sim, vale a pena correr, sabia?
Uma sombra escurecia as suas belas feições no início, mas agora
que o passeio está quase chegando ao fim, sinto que eu cumpri com
o meu objetivo de proporcionar leveza e diversão a você.
— Deve ser incrível ter uma famíliaassim como a sua, com
pai, mãe, irmãos, tios e avós...
— Você não conviveu com seus avós? — Eu não resisti e
deixei a minha curiosidade falar mais alto de novo.
— Considerando o fatode que o lado materno sempre ignorou
a minha existência e o paterno sequer sabe que eu existo... Acho
que eu não preciso falar mais nada.
Eu cheguei até a abrir a boca na tentativa de formular uma
pergunta, mas as palavras morreram na garganta, assim que
Melissa se levantou e caminhou em direção ao mar até fazera água
cobrir os tornozelos. Miguel logo se juntou a ela, e começaram
assim uma guerrinha de água. Senti uma onda de alívio me
preencher por inteiro, ao constatar que a brincadeira entre eles
poderia fazer com que ela esquecesse momentaneamente o
passado.
Passei a mão pelos cabelos e respirei fundo, mas o longo
sopro de ar foi incapaz de me estabilizar. Aquela sensação de alívio
inicial deu lugar à frustração, ao perceber que são grandes as
chances de eu falhar, miseravelmente, ainda na fase da conquista.
A figura paterna afetou negativamente a vida dela,
possivelmente por abandono, enquanto que o ex-namorado a
submeteu a um relacionamento abusivo. Talvez Melissa ainda não
se deu conta de que o mecanismo de defesa dela pode até impedir
os homens ruins de se aproximarem, mas também pode afastar os
potencialmente bons de sua vida pelo mesmo motivo.
Ajudei Melissa a recolher os itens do piquenique improvisado,
mas quando ela fez menção de se dirigir até o quadriciclo para
colocar a cesta no bagageiro, eu a segurei pelo braço rapidamente e
me inclinei até fazer os meus lábios encostarem no ouvido dela.
— Você já pensou em fazer terapia? — perguntei, com a
respiração suspensa, cheio de expectativas.
Por favor, diga que sim.
Repeti mentalmente como se fosse um mantra, com a
esperança de ainda existir uma chance de eu conseguir transpor as
barreiras emocionais dela. Se existe mesmo a possibilidade de
Melissa vir a se apaixonar por mim, então eu terei um poder de
convencimento maior ao lhe propor um casamento de fachada.
— Eu já estou cuidando disso — respondeu, colocando a mão
dela sobre a minha e erguendo aqueles olhos verdes penetrantes
para mim. A reação do meu corpo foi praticamente instantânea.
Senti uma onda de calor me invadir, proporcionado pelo contato pele
a pele, embora não tenha durado mais do que uma fração de
minuto. — A minha amiga Steh me indicou uma terapeuta muito boa
por sinal. Mas agradeço pela preocupação... — completou, com um
sorriso tímido nos lábios.
Presumi que essa amiga em questão seja a pessoa que
marcou um encontro no bar da Faria Lima naquela noite de sexta-
feira.
Pouco mais de três horas se passaram desde que iniciamos o
passeio, e finalmente retornamos ao Quadrado de Trancoso.
Melissa declinou o convite para almoçar no condomínio Terravista
Golf, localizado a 20 min de carro do Quadrado. Tentei convencê-la
de todas as formas possíveis e até o meu sobrinho lançou mão da
chantagem emocional, mas não teve jeito, ela estava irredutível.
— Você nos ofereceuum piquenique e em troca eu propus que
almoçasse conosco, mas não pense você que vai se livrar de mim
assim tão facilmente— comentei, assim que eu estacionei o veículo
no meio-fio,diante da hospedaria Le Marché. — Eu vou passar aqui
mais tarde para te buscar e nós jantaremos juntos no melhor
restaurante de Trancoso. E, dessa vez, eu não aceitarei um não
como resposta.
Melissa se mexeu no banco do carona e se virou para me
encarar melhor, enquanto assumia uma expressão zombeteira no
rosto.
— Que eu me lembre, não havia nenhum termo no contrato
temporário, informando que eu devo aceitar convites para jantar
com o dono do grupo Astramed.
— Eu posso até ser o seu chefe, tecnicamente, mas quem
ocupa mesmo uma posição hierárquica superior a você é o
comandante Barroso — ponderei, com os olhos fixos nela e uma
das sobrancelhas, arqueada.
— O tanto que eu dei perdido nos colegas tripulantes, durante
os pernoites em hotéis, não está escrito, sabia disso? — insinuou,
deixando escapar uma risadinha marota. — Ninguém garante que
vai me encontrar na hospedaria quando vier mais tarde.
Decidi me virar para ficar de frente para ela, e inclinei o corpo
até deixar os nossos rostos bem próximos um do outro. Observei a
menor mudança nas feições dela, como a boca sexy se abrindo em
estado de choque, o ar quente saindo de suas narinas devido a
respiração acelerada, e que se misturava ao meu em um frenesi
louco, como resposta à tensão sexual que nos envolvia no interior
do veículo.
Eu tive que me conter ao máximo para resistir ao impulso de
cobrir a minha boca na dela, que estava sedenta para possuí-la em
um profundo e ardente beijo.
Tudo o que eu não preciso neste momento é queimar a
largada logo de cara. Assim, eu fiz a cabeça de cima assumir o
controle dos meus instintos, prevendo racionalmente as
consequências que um ato impensado poderia causar, colocando
tudo a perder.
— Se eu chegar aqui às 18:30 e não te encontrar, pode
apostar que a sua noite vai terminar com muita sofrência, Mel —
insinuei, fingindo ameaçá-la, ao me endireitar no banco do motorista
e apoiar o queixo na mão direita e o cotovelo sobre o apoio da
janela do carro. — Você reparou no artista de rua tocando um
violão, quando passamos de quadriciclo no Quadrado? — Ela
confirmou, balançando a cabeça de modo quase imperceptível, e
franziu a testa, desconfiada. — Pois bem, eu vou contratá-lo para
fazeruma serenata bem diante da janela do seu quarto. Aposto que
os demais hóspedes daqui vão adorar...
De repente, ela puxou o meu braço, me forçando a ficar de
frente para ela, e logo senti uma lufada de ar quente sobre o meu
rosto, indicando que ela estava ofegante, a ponto de provocar uma
fisgada insuportavelmente dolorosa nos testículos. O meu pau já
latejava dentro do calção de banho de tão duro que estava, e mal
contendo a ânsia de se enterrar bem fundo na boceta quente e
úmida dela.
— Não pode estar falando sério — murmurou, deixando
escapar algo entre um riso e um arquejo, possivelmente duvidando
da minha capacidade de cumprir a ameaça.
Miguel inesperadamente se apoiou sobre o encosto do banco
dianteiro, e projetou o corpo para a frente, se interpondo entre nós.
— Tia Mel, se eu fosse você eu não desafiaria o meu tio,
porque ele sempre apronta comigo quando eu faço isso.
— Eu deveria ter devolvido o seu celular antes, garoto! — falei,
entredentes, incapaz de disfarçar a irritação por ele ter quebrado a
tensão sexual que se instalou entre Melissa e eu naquele veículo.
Abri o porta-luvas e enfiei a minha mão lá dentro até encontrar o
aparelho e o estender na direção dele. — Pronto, agora você já
pode voltar a se entreter com seus joguinhos.
— Você sempre consegue tudo o que quer, não é mesmo? —
perguntou Melissa, soltando um longo suspiro de resignação e
arrancando uma risada alta de mim, pois ela finalmente baixou a
guarda e se deu por vencida.
— Saiba que todo CEO que se preze é movido a desafios, e
ouso dizer que eu tenho diante de mim o mais prazeroso deles:
você.
Melissa arqueou uma sobrancelha para mim, com a expressão
de puro ceticismo, mas ela logo virou o rosto, incapaz de sustentar o
meu olhar invasivo, que tentava ir o mais fundo que pudesse até
alcançar a sua alma.
— Está bem, executivo da Faria Lima. Você venceu. Eu aceito
jantar com você.
Ela se despediu de Miguel, em seguida ajeitou a alça da bolsa
de palha no ombro, pegou o cesto de piquenique que estava no piso
do banco do carona e saiu do veículo, fechando a porta atrás de si.
Pelo canto olho, eu notei Miguel esticar o braço por cima do
encosto do banco para tocar em meu ombro.
— Tio Xandy, eu posso me juntar a vocês? — perguntou, cheio
de expectativas.
— Fica para a próxima, campeão — respondi, lançando um
olhar para ele através do espelho retrovisor interno. — Sabe as
vezes em que os seus pais saem juntos à noite? Então, eles
escolhem um restaurante para jantar a dois, compreende?
— E desde quando você e a tia Mel são um casal?
— O meu objetivo é justamente esse, Miguel — respondi,
dando a partida no carro e seguindo viagem. — Cris e eu não
estamos mais juntos, mas a amizade continua.
A minha relação com Cris Ventura não passava de um lance
casual, mas Miguel ainda é uma criança e não saberia distinguir um
romance de um relacionamento sério.
Jamais me passou pela cabeça ter que me submeter a uma
relação de exclusividade com nenhuma mulher. Porém, o cerco está
se fechando e as divergências com meu pai no tocante à minha vida
íntima, deixaram um gosto amargo na boca.
Ele não pensaria duas vezes em entregar a presidência a um
executivo de fora.
Eu preciso de uma esposa e a bela comissária executiva é a
candidata perfeita.
“Mil acasos me levam a você
O sábado, o signo, o carnaval
Mil acasos me tomam pela mão
A feira, o feriado nacional.”[13]

A última coisa que eu queria era interagir com Alexandre


Valadares até nos meus momentos de lazer, e em pleno Carnaval.
As investidas do milionário se intensificaram, desde que ele me
reconheceu no Aeroporto São Paulo Catarina. No entanto, aquela
mulher sedutora, que usava uma peruca azul em uma noite
efervescente de sexta-feira, não passava de uma personagem
criada por mim para fugir da realidade. Ela só queria aproveitar a
noite para relaxar e se divertir um pouco, na tentativa de esquecer
toda a merda que passou dias antes.
Se ela soubesse o que aconteceria horas depois, não teria
colocado os pés para forade casa... — pensei em voz alta, tratando
a mim mesma em terceira pessoa, enquanto secava os cabelos
diante de um espelho, com a ajuda do secador de viagem.
O meu ex-namorado se encarregou de arruinar qualquer
chance de eu voltar a me relacionar com alguém novamente.
Não ajudava em nada o fato de considerar Alexandre um
homem de alto valor. Ele demonstrou certo cuidado, atenção e
respeito para comigo, especialmente nos momentos em que ficamos
sós. E ter chegado a essa constatação só fazia eu me sentir culpada
por ter despertado o desejo nele. Eu posso tê-lo incitado ao flerte,
ainda que de maneira inconsciente, seja pelo tom de voz durante a
conversa ou pelos meus gestos ambíguos.
Considerava o jantar a ocasião ideal para desfazer aquele mal
entendido, antes que ele alimente falsas expectativas ao meu
respeito, a começar pela escolha da roupa. Separei as peças que
trouxe na mala e que serviam justamente para dar um passeio à
noite pelas ruas do centro turístico de Trancoso. Avaliei com olhar
crítico cada um dos vestidos: o modelo de alcinha era curto demais;
aquele outro de ciganinha deixava os ombros à mostra; o terceiro
era longo e transpassado e possuía um decote generoso no busto.
Sem condições.
— Se eu usar qualquer um desses, ele vai pensar que poderá
me levar para a cama esta noite — falei em voz alta, voltando a
dobrá-los antes de os colocar de volta na mala.
Só restava como opção uma calça modelo pantacourt de linho
e cintura alta, e por baixo uma blusa de malha justa na cor preta e
de manga curta. Por fim, eu coloquei um cinto com estampa de
oncinha além das rasteirinhas pretas com tiras delicadas.
Decidi fazer uma chamada de vídeo para o celular de minha
mãe, faltando apenas quarenta minutos para o horário combinado
do jantar. Por sorte, a cuidadora atendeu no terceiro toque e se
aproximou da poltrona, antes de pôr os fones de ouvido sem fio
nela, e encaixou o aparelho no tripé, de modo que eu pudesse ver a
minha mãe na miniatura de vídeo, exibida no canto direito da tela.
— Mamãe, a senhora está bem? — perguntei, enquanto
sentava diante da escrivaninha branca estilo vintage, para só então
posicionar o celular no suporte de mesa.
— Sim... amor meu. Co... como foi... a vi... viagem?
— A minha chegada aqui em Trancoso foi bem tranquila
ontem, e se Deus quiser amanhã à noite eu já estarei de volta.
— Vo... você... vai... sair? Está... tão..., mas tão... linda! —
levando a mão direita à boca na tentativa de soltar um beijo para
mim. Aquele gesto dela me emocionou sobremaneira e os meus
olhos se encheram de lágrimas.
— Eu vou sim, mãe — confirmei, pegando um lenço de papel
na caixinha e enxuguei as lágrimas sorrateiras para não borrar a
maquiagem. — Encontrei algumas amigas aqui, acredita? — menti,
sorrindo da maneira mais convincente possível.
Tantas coisas aconteceram nos últimos dias, que eu nem tive
tempo para visitá-la e contar a ela sobre o meu novo emprego, e
também sobre o término do meu namoro com Marcos Gonçalves.
Não sei ainda como eu vou transmitir essa notícia, porque mamãe
sente um apreço muito grande por ele. Eu decidi omitir dela muitas
coisas a respeito dele ao longo dos anos, e esse foi o meu maior
erro.
— Por... por que... chora, minha... que... querida? — Ela quis
saber, franzindo a testa, e imprimindo um tom de preocupação à
voz.
— Eu ando muito emotiva esses dias, mamãe. Do nada me
veio uma vontade de chorar, sabe?
— Não... está... feliz... nesse... no... novo... em... prego?
— Trabalhar na aviação executiva tem sido um divisor de
águas em minha vida, mamãe — respondi, mal contendo a
empolgação. — Eu não tenho do que me queixar. Os executivos da
Astramed e seus familiares são muito gente boa — prossegui, e em
seguida olhei para o meu relógio de pulso. — Mãe, eu preciso
encerrar a chamada agora porque o pessoal já deve estar quase
chegando. A gente vai se falando, está bem? Se cuida e um grande
beijo!
Voltei para o banheiro para conferir o visual pela última vez,
antes de deixar o quarto. Joguei os meus cabelos longos e
castanhos acobreados por sobre os ombros, os fazendo cair como
ondas, e retoquei a maquiagem de efeito marcante, mas sem pesar
o visual, com destaque para a área dos olhos, bem marcados pela
sombra escura, nas tonalidades marrom e preto. Depois foi a vez de
cobrir os lábios, usando um batom ultra matte vermelho escuro. E,
para finalizar, borrifei algumas vezes o meu perfume favorito com
fragrância floral amadeirada, tanto nos pulsos quanto em cada lado
do pescoço.
Avistei Alexandre do outro lado da rua, e ele estava de pé,
encostado em seu carro alugado. Ele usava uma combinação de
camisa branca clássica dobrada até os cotovelos, uma calça chino
bege, além do sapatênis na tonalidade marrom escuro, dando um
toque despojado e elegante ao look, na mesma medida.
Quando eu dei por mim, uma fantasia erótica começou a se
desenrolar em minha mente. Nós dois estávamos nus e abraçados
na cama Queen size do Lineage 1000E. Comecei a traçar um
caminho com os dedos, subindo pelo braço forte e coberto de pelos
dele, passando pelas dobras da manga e subindo pelo bíceps
rígido.Depois, eu fizo caminho inverso, descendo lentamente pelos
contornos do peitoral musculoso, até alcançar o abdome bem
definido. Então, eu passei a deslizar a minha mão, fazendo
movimentos circulares até os gominhos dele se enrijecerem ao
simples toque.
Só de vislumbrar a cena, eu já sentia o corpo enviar ondas de
prazer em meu clitóris, que pulsava como nunca, fazendo a
lubrificação escorrer até umedecer a calcinha.
Toquei instintivamente o escapulário preso à correntinha de
ouro e fecheios olhos de formamomentânea, deixando escapar um
longo suspiro, e me esforçando ao máximo para concentrar os
pensamentos em coisas triviais.
Não posso me dar ao luxo de alimentar devaneios eróticos,
ainda mais nas atuais circunstâncias.
Quando eu parei diante dele, tentei esboçar o meu melhor
sorriso, mas a vontade de chorar era maior. Engoli em seco e limpei
a garganta, antes de cumprimentá-lo com um rápido aceno de
cabeça.
Seria muito mais fácil refrear os meus instintos se eu não
estivesse tão atraída por ele.
— Você está incrivelmente linda como sempre, Mel... —
declarou Alexandre, imprimindo à voz um tom rouco, enquanto fazia
um gesto em minha direção, com a palma da mão voltada para
cima. — Acho que a maioria das pessoas costuma te chamar de
Mel, mas caso não se importe, eu pretendo tratá-la também pelo
apelido, pode ser?
— E como prefere que eu te chame, então? Pode ser Alex
mesmo?
— A minha famíliagosta mais de me chamar de Xandy, mas
fica a seu critério.
— Você já tem algum restaurante em mente para nós
jantarmos? — perguntei, mantendo as mãos ocupadas, segurando a
alça da pequena bolsa transversal junto ao peito.
— Sim, e inclusive já fiz as reservas. A gente vai fazer o
percurso caminhando mesmo. Até porque o Quadrado é pertinho
daqui e sei que você não se sentiria à vontade em ficar a sós
comigo no carro.
Nós dois seguimos lado a lado, observando o grupo de turistas
passarem, composto por jovens, casais com filhos pequenos além
dos idosos e pessoas de meia idade. O sol começava a se pôr no
horizonte, tingindo a praça central em tons de vermelho e laranja.
De tempos em tempos, eu precisava me desviar de alguém na rua
movimentada, fazendo os meus ombros quase se tocarem nos de
Alexandre. Ele também evitava se esbarrar nos outros, fazendo o
corpo dele se colidir com o meu no processo.
A sensação era o equivalente à de um imã gigantesco nos
puxando para junto um do outro, e quando isso acontecia, nós dois
pedíamos desculpas ao mesmo tempo, meio que constrangidos, e
caindo numa gargalhada gostosa.
Se ele for mesmo um cara formidável como eu imagino que
seja, eu estou fodida.
— Que imagem traz o escapulário preso ao pescoço? —
perguntou o CEO, de repente, enquanto enfiavaas mãos nos bolsos
da calça. — Não consegui identificar bem.
— A minha mãe é devota de Nossa Senhora Aparecida. Ela
me deu de presente quando eu fiz a primeira Eucaristia.
— Ela mora com você? — perguntou, inclinando a cabeça
ligeiramente para o lado para me sondar, curioso.
— Infelizmente,não. Mamãe vive atualmente numa casa de
repouso em Moema. Ela sofreu AVC isquêmico há pouco mais de
dois meses, na casa onde morava em Votuporanga, mas graças a
Deus, tem respondido bem ao tratamento de reabilitação.
— Não deve ter sido nada fácil lidar com a angústia de
acompanhar tudo à distância, não é mesmo?
— Quando mamãe passou mal, eu quase entrei em desespero
porque eu estava fora de casa há cinco dias, cumprindo uma chave
de voo bem desgastante. Precisei ligar para o meu supervisor, e por
sorte, ele conseguiu uma substituta de última hora. Voltei para São
Paulo num voo lotado, mas ocupei o jump seat[14]. Foram dias bem
difíceis mesmo, mas o pior já passou.
Reconheci uma ex-colega entre o grupo de turistas que
passava por mim e saudei, com um sorriso e um aceno de mão.
— Eu também passei por uma situação parecida, Mel. O meu
pai sofreu um infarto e, por muito pouco, não morreu. Ele ficou
internado por três semanas, quando foisubmetido a uma cirurgia de
alto risco. Foi muito duro ter que assumir o comando da companhia
naquelas circunstâncias. Passei anos da minha vida sendo
preparado para algo inevitável, ou seja, ser o sucessor dele no
cargo de CEO, mas ainda assim, tudo aconteceu de forma abrupta e
dolorosa demais.
— Felizmente, os nossos pais já estão se recuperando, Alex.
Precisamos aproveitar essa dádiva nos fazendo presentes na vida
deles, na medida do possível.
O restaurante se situava próximo à pequena igreja do famoso
Quadrado. Assim que nós dois entramos no estabelecimento, a
hostess nos conduziu escada acima até o terraço interno espaçoso
e muito aconchegante, com suas mesas e sofás de canto cercando
o espaço e proporcionando uma vista privilegiada da natureza
exuberante.
Alexandre fez um gesto, indicando o sofá para eu me sentar,
para em seguida ocupar uma cadeira, do outro lado da mesa. Nós
dois conferimos o cardápio e escolhemos as opções de entrada,
prato principal, sobremesa, além do vinho branco como
acompanhamento.
Achei o ceviche de lagosta uma delícia e aguardei ansiosa
pelo prato principal: arroz de polvo e camarões com arroz negro.
— Eu não sei nem o que pensar sobre o fato de você ter
sugerido esse jantar, quando poderia ter aproveitado a noite ao lado
da sua parceira, Cris Ventura — comentei, constrangida, entre um
gole e outro de vinho.
— Cris decidiu sair com as amigas influencers, que
organizaram uma festinha. Amanhã deve sair o registro dela aos
beijos com algum famoso, nas colunas sociais. Mas ela nunca fez o
tipo ciumenta, e além disso, nós dois chegamos à conclusão de que
devemos ser apenas bons amigos a partir de agora.
— Mas eu lembro de você ter falado sobre precisar se unir a
alguém em matrimônio ainda esse ano... Não pensou nela em
nenhum momento como sua futura esposa?
— Eu até pensei nela sim, a princípio, mas Cris está naquela
fase em que só quer curtir a vida. Essa superexposição também
poderia ser muito prejudicial para os negócios. Parte do meu
trabalho como CEO envolve análise de risco, e vários membros
importantes da equipe de gestão, além dos acionistas, se
posicionaram contra.
— Não me surpreende essa postura narcisista no ambiente
corporativo — Falei sem pensar e, quando dei por mim, percebi que
havia falado mais do que deveria. — Eu peço desculpas pelo meu
comentário... passei por uma situação bem delicada na companhia
aérea, onde eu trabalhei durante mais de sete anos. Foi horrível
constatar a frieza e desumanização relacionado ao meu caso.
— Eu tomei conhecimento disso através da minha irmã... Sei
que não há palavras que compensem o sofrimento pelo qual você
passou, mas eu posso te garantir que os pilotos que trabalham para
a Astramed são profissionais íntegros e respeitosos.
Desviei o olhar dele para o prato de arroz de polvo, e mexi na
comida com o garfo,distraidamente. Ele estava se saindo melhor do
que eu esperava, e ter chegado a essa constatação só fazia o meu
coração se apertar dentro do peito.
— Você pensa em se casar algum dia, Mel? — Ele disparou a
pergunta assim do nada, me fazendo tomar um susto a ponto de
sentir um tremor incontrolável nas mãos. Os talheres que eu
segurava caíram no prato, fazendo um ruído tão irritante quanto
desconcertante.
— Minha mãe nunca se casou, então isso jamais me passou
pela cabeça — respondi, tentando soar o mais natural possível,
enquanto observava o garçom dispor os dois pratos com a
sobremesa, uma cocada de forno com sorvete de tapioca.
Resolvi concentrar a minha atenção no prato para não me
deparar com o olhar invasivo dele. Afundei a colher na sobremesa,
mesclando o pedaço da cocada com o sorvete, antes de levá-la à
boca, e fiz uma expressão de prazer, enquanto saboreava o quitute.
Eu aparentava uma tranquilidade que estava longe de sentir e
para reforçar essa impressão, decidi cruzar as pernas em posição
de lótus, aproveitando o fatode ter optado em sentar no sofárústico
estofado.E mesmo baixando os olhos para o prato, ainda persistia a
sensação desconcertante causada pelo peso do olhar penetrante e
envolvente dele.
Uma brisa fresca noturna soprava no espaçoso terraço, mas
não foi o suficiente para refrear a onda de calor que preenchia todo
o meu corpo a ponto de queimá-lo feito brasa, reacendendo o
desejo feroz que tentei inutilmente reprimir, desde o nosso
reencontro.
Eu estava tão entregue aos meus próprios pensamentos, que
foi preciso Alexandre tocar o meu braço, suavemente, para me
chamar a atenção.
— Espero que tenha apreciado o jantar e a minha companhia,
Mel... — murmurou, com a voz dolorosamente rouca.

Tentei esboçar o meu melhor sorriso, mas a vontade de chorar


era maior. Não lembrava quando foi a última vez que Marcos
proporcionou um jantar romântico só para nós dois. Ele também
nunca foi de demonstrar afeto com atitudes simples, tampouco.

Eu me deixei cegar a tal ponto que achava o máximo quando


ele faziao mínimo.Aceitei receber migalhas de afetodo homem que
me tratava como estepe, tapa-buraco, ou qualquer outro termo
correspondente. Não sei como eu fui capaz de me anular desta
maneira, permitindo que o meu coração fosse ocupado por alguém
que jamais pretendeu se estabelecer nele.

Engoli em seco e limpei a garganta, antes de satisfazer a


curiosidade do CEO.

— Peço desculpas por ter causado uma impressão errada em


você, Alex. A comida estava bastante apetitosa, o ambiente em si é
espetacular, ainda mais com essa vista se descortinando atrás de
mim... E quanto ao meu acompanhante, o que posso dizer?

— O que pode dizer a respeito dele? — perguntou, com um


brilho de divertimento no olhar.
— Ele aparenta ser um mocinho de comédia romântica, mas
também pode facilmente ser confundido com algum CEO dos livros
de romance — respondi com um tom bem-humorado, antes de levar
a taça de água aos lábios e tomei um longo gole.

— Aposto que ele sempre consegue levar a mocinha para o


altar na reta final da história. Você pode ser a escolhida dele, sabia
disso?

Por pouco eu não me engasguei, ao ouvir as últimas palavras


daquele safado.
— Você está buscando uma esposa-troféu e candidatas não
faltam — comentei, torcendo um pouco os lábios numa expressão
mais próxima da ironia do que do divertimento. Depois eu levei o
guardanapo aos lábios, limpando-os com movimentos leves. — E
sendo bem sincera, um casamento de fachada só convém a você
porque há muitos interesses em jogo. Qualquer mulher sensata se
recusaria, pois os riscos de vir a se apaixonar são grandes.
— Odeio ter que admitir que ninguém está imune de se
apaixonar, Lissa. Até um malandrão pode bancar o rendido, quando
menos se espera. Todos os meus amigos são muito bem casados
hoje, por incrível que pareça. E se eu for o próximo?
Eu levantei a sobrancelha de forma sugestiva, e caí na
gargalhada a ponto de atrair a atenção de todos os clientes, que
passaram a me observar, demonstrando curiosidade em seus
semblantes.
Em determinado momento durante o percurso de volta, eu
parei diante de uma árvore cheia de luminárias pendendo dos
galhos, e estiquei bem o braço, mas sem literalmente tocar nelas,
enquanto girava o corpo de um lado para o outro, inundada por
aquela alegria transbordante que preenchia a minha alma.
De repente, senti Alexandre me puxar para junto de si,
enquanto me abraçava por trás, para em seguida encostar o queixo
em meu ombro, a respiração quente e ofegante fazia cócegas na
pele. O meu coração passou a bater em ritmo acelerado, prevendo
o que viria a seguir, mas eu não ousaria me mexer, ou sequer
respirar direito, enquanto ele continuasse tão próximo a mim. Por
fim, ele se afastou um pouco, mas manteve as mãos apoiadas em
meu braço.

— A gente pode se sentar um pouco naquele banco estofado


bem em frente à lojinha, o que acha? — sugeriu, apontando na
direção das casas coloridas em estilo colonial, e próximas às mesas
espalhadas dos restaurantes do Quadrado.

Eu me sentei ao lado dele, com uma perna dobrada sob a


outra, e encarei as minhas próprias mãos unidas no colo, enquanto
mexia os polegares, distraidamente.

— Sei que eu não deveria envolver uma pessoa que vem de


um término recente nesse imbróglio familiar... — comentou
Alexandre, se referindo a mim na terceira pessoa, possivelmente
com o intuito de sondar a minha reação.

De repente, Alexandre tomou a minha mão entre a dele, e a


apertou com força, como que ansiando poder sentir o calor daquele
contato tão íntimoe poderoso. Só então eu percebi que ele tatuou a
inicial do nome dele na base do polegar. Circulei a letra com a ponta
do dedo, provocando um tremor involuntário nele em decorrência da
delicadeza do meu gesto. Criei coragem para erguer o olhar na
direção dele, mantendo a respiração suspensa por uma fração de
segundo, cheia de expectativas.

O executivo me encarava com uma expressão indecifrável no


rosto, mas fui surpreendida quando ele se inclinou para a frente,
bem devagar, e sem desviar a atenção da minha boca, que estava
ligeiramente aberta, ofegante, movida única e exclusivamente pela
ânsia de ser beijada.

— Eu sinto que estou cada vez mais interessado em você, Mel


— murmurou Alex, tomando o meu rosto entre as mãos e fazendo
os dedos se afundarem em meus cabelos, provocando um arrepio
delicioso na nuca.

Quando eu finalmente senti os lábios firmes dele pressionados


contra a minha boca, eu gemi baixinho, e toda a resistência ao
contato íntimo se dissipou, conforme a língua dele se esfregava na
minha, exigindo maior acesso.
Por uma fração de minuto eu fui capaz de ignorar o alarme
interno, me entregando por inteiro ao contato íntimo que inebriava
os sentidos, ao aprofundar ainda mais o beijo, completamente
envolvida pela aspereza da barba dele roçando contra a minha pele.
Não demorou muito para o ponto sensível entre as pernas se
contrair, dolorosamente, o que me fez gemer contra os lábios dele,
mas um fio de bom senso aflorou, trazendo com ele o
arrependimento. Segurei os braços dele, disposta a interromper o
beijo e então eu os afastei do meu rosto, antes de me levantar do
banco estofado de maneira brusca, com o coração batendo
ruidosamente dentro do peito.

— Sinto muito mesmo ter que dizer isso, mas esse beijo foium
erro, Alexandre — murmurei, sentindo um bolo se formar na
garganta, e os olhos arderam pelas lágrimas que já se formavam.

Fiz um esforçosobre-humano para não desabar na frentedele.

Desviei o olhar e fechei os olhos com força, mas


inesperadamente eu fui atingida por uma súbita pontada no peito,
amargando uma onda de culpa e remorso por ter permitido que as
coisas fugissem do controle.

— O que pensou em falara seguir, Mel? — Percebi pelo canto


do olho que ele se levantou também e encolheu os ombros,
impotente. — Que o problema não sou eu, mas sim, você? —
insistiu, erguendo o olhar para o céu estrelado, e soltando um longo
suspiro. — É só um arranjo temporário e você pode estabelecer as
condições que quiser, acredite.

— Boa sorte na sua busca pela esposa-troféu, Alex —


comentei, determinada a encerrar a conversa. — De minha parte,
espere apenas uma relação estritamente profissional e nada mais —
prossegui, com ligeiro tremor na voz, o que não soou convincente
nem para os meus próprios ouvidos. — Mas eu agradeço a
gentileza e o jantar. Foi mesmo incrível. Até mais.

Então, eu me virei e fui embora, com os braços cruzados de


forma protetora sobre o peito, sem esperar por nenhuma reação da
parte dele. Conforme eu andava pelas ruas de Trancoso, senti um
vento de gelar a alma provocar um leve tremor pelo corpo.

Eu seria o elo mais fraco daquele acordo de conveniência, e


uma vez finalizado o prazo, Alexandre seguiria com a vida dele,
como se nada tivesse acontecido. E eu nem mesmo pude me
refazercompletamente, após o término do meu relacionamento com
Marcos. Consegui manter o pouco da dignidade que me resta, mas
o meu coração ainda está se refazendo do duro golpe sofrido.

Uma lágrima desceu pelo canto do olho, mas tratei de enxugar


o rosto com as costas da mão, respirando bem fundo para não
fraquejar, decidida a lutar ferozmente contra os sentimentos que já
ameaçavam vir à tona.
“Basta dizer:Eu aceito
Me diga agora, querida
Me diga agora, querida, querida
Basta dizer:Eu aceito
Me diga agora, querida[15].”

São Paulo, SP.

Costumo ter uma rotina bastante atribulada, com inúmeros


compromissos na agenda, um grande volume de trabalho, além de
lidar com as pressões constantes para apresentar resultados que
ultrapassem as expectativas dos acionistas, justificando o alto
salário que eu recebo todos os meses. Inicieia minha trajetória
acadêmica ao cursar Química na USP, e posteriormente, fiz uma
especialização em Engenharia Farmacêutica.
Para dar conta de tudo isso, sem entrar na estafa ou perder a
concentração nas tarefas, só fazendo uso de um coquetel diário,
contendo vitaminas, sais minerais, compostos para construção
muscular, e eventualmente uma microdose de uma substância
alucinógena, consumida em quase um único gole.
A discussão sobre casos envolvendo o uso de nootrópicos,
popularmente chamados de “drogasinteligentes”,costuma ser um
tabu nas grandes corporações. Apesar de o assunto gerar
controvérsias na comunidade científica,eu resolvi aderir à tendência
e obtive o acesso a eles quando eu morei nos Estados Unidos
durante três anos, onde fiz o MBA (Mestre em Administração de
Negócios).

Senti uma melhora significativa na concentração e na


performance cognitiva, mas realizo exames médicos
periodicamente, para evitar os possíveis riscos à saúde, algo que
nunca deve ser descartado. Por sorte, eu tenho o conhecimento
técnico necessário para fazer uso dessa substância na dosagem
segura, e com resultados bastante satisfatórios, visando ter menos
crises de ansiedade, melhor foco, sono melhorado, e maior
criatividade.

Convoquei o CFO[16] da Astramed, Sérgio Diniz, bem como a


vice-presidente e também minha irmã, Alessandra Loureiro, além do
Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&), Rubens Fortunato,
para uma reunião neste início da tarde, visando definir as diretrizes
para o mapeamento de moléculas, cujas patentes serão quebradas
daqui a cinco anos.
— A meta da Astramed é ampliar o portfólio de medicamentos
em 150 produtos, pelos próximos cinco anos — informei, enquanto
ocupava uma cadeira à cabeceira da mesa.

— E nós devemos priorizar justamente as pesquisas


relacionadas aos medicamentos de uso contínuo, mais
especificamente os que tratam as doenças crônicas — Alessandra
ressaltou, com voz firme e encarando cada um dos presentes,
diretamente nos olhos.

Cruzei as mãos sobre a mesa, antes de voltar a falar:

— Eu pretendo acompanhar pessoalmente a auditoria interna


na nova fábrica,junto com o Diretor de Garantia da Qualidade. E na
parte da tarde terei uma reunião com João Queiroz[17] e demais
gestores da nova unidade.

Quando a reunião terminou, cerca de quarenta minutos depois,


os membros do conselho corporativo deixaram a sala, e instruí o
meu assistente executivo a enviar um e-mail para os tripulantes,
convocando-os para o serviço, uma vez que decidi me apresentar
na inspeção, praticamente de última hora. Depois, eu fiz um sinal
para Alessandra permanecer na sala de reuniões, e me levantei da
cadeira, sentindo uma vontade irresistível de contemplar a paisagem
através da janela imensa, do tipo que começava do chão até
alcançar o teto. A chuva fina caía de forma intermitente lá fora, e a
sensação térmica de 27º deixava a cidade com aquela sensação de
mormaço.

Duas semanas se passaram, e desde então, eu aguardava


ansioso pelo dia em que a minha agenda de compromissos incluiria
um bate-volta até a fábrica de Pouso Alegre, quando eu poderia
finalmente reencontrar a mulher que não me sai dos pensamentos.

— Contemplar a avenida aqui do alto sempre me faz lembrar


dela... — comentei, abrindo um sorrisinho maroto nos lábios, e com
as mãos enfiadasnos bolsos da calça, sem deixar de observar o vai
e vem frenético dos carros. — Não sei se eu cheguei a te contar,
mas Melissa me deu o apelido de “executivoda Faria Lima”—
completei, lançando um olhar de soslaio para ela, que se posicionou
ao meu lado.

— A comissária tem um ótimo senso de humor mesmo... Sabia


que eu me simpatizei por ela logo de cara?

— Espero que nossos pais também gostem dela. Acho que


essa visita à fábricade Pouso Alegre veio bem a calhar. Até porque,
quanto mais os dias passam sem vê-la, menores são as chances de
conseguir conquistá-la.

— Você se recusou a me contar como foi o jantar no sábado


de carnaval... Percebi um clima constrangedor entre vocês até no
voo de volta. O que houve?

— Talvez eu tenha me precipitado em beijá-la, mas só o fiz


porque eu senti que houve abertura, entende? Preciso reverter a
situação a meu favor o quanto antes.

— Xandy, vai com calma, especialmente pelo fatode ela vir de


um término recente. Nem mesmo sabe ainda os motivos do
relacionamento dela ter chegado ao fim. Vivenciar esse processo
leva tempo, então eu sugiro que tente se aproximar dela, mas com
cautela.
— Como sempre me proporcionando os melhores conselhos,
não é mesmo? — Eu ergui a mão para lhe acariciar no rosto,
expressando a minha profunda gratidão.

De repente, eu senti o celular vibrar no bolso da calça e o tirei


dele, verificando o contato na tela: era a minha prima, Lara. Havia
várias notificações de chamada perdida dela e resolvi atender logo,
imaginando se tratar de algo sério, especialmente pelo fato de o
nosso contato ter se restringido mais às mensagens de texto.

— Xandy, eu quero te pedir desculpas antecipadamente pelo


incômodo, mas preciso muito da sua ajuda — A minha prima falava
baixinho ao celular, como que para evitar que alguém a escutasse.

Percebi nitidamente que havia certo nervosismo no tom de voz


dela.

— O que houve, Lara? — Eu quis saber, com a respiração


suspensa.

— Os nossos pais inventaram um pretexto e me fizeramvir até


a Rua Bom Pastor nº 800. Mas, qual não foi a minha surpresa ao
reconhecer a fachada do Palácio dos Cedros.

— Só um instante, por favor — pedi, afastando


momentaneamente o celular do rosto para poder falar com
Alessandra. — Conhece o Palácio dos Cedros?

— Você se esqueceu de que a minha cerimônia de casamento


foi realizada lá?
— Caralho, é verdade! — xinguei, passando as mãos
nervosamente pelos cabelos curtos, antes de voltar a encostar o
celular no ouvido. — O que os nossos pais andaram aprontando
dessa vez?

— Eu até já imagino... — Ouvi Alessandra dizer, enquanto


levava a mão direita à boca para conter o riso.

— Acho melhor você vir pessoalmente, primo. A cerimonialista


me fez várias perguntas e eu simplesmente não consegui falar
nada. Mamãe e tia Francine tomaram à frente de tudo. O que eu
faço agora?

— Se eu estivesse no lugar dela já teria feito o maior


escândalo — Ouvi Alê falar, bem alto, garantindo que a prima a
escutasse do outro lado da linha.

— Está certo, então. Continue perto delas e as distraia até a


minha chegada. Até mais — Foi tudo o que eu disse, antes de
encerrar a chamada. Depois, eu enfiei o celular no bolso e caminhei
em direção à porta, com passos duros. No entanto, antes de sair da
sala, decidi me virar e encarei minha irmã. — Alê, eu sei que posso
contar com você durante a minha ausência. Mas não hesite em me
ligar caso surja alguma eventualidade, ok?

— Boa sorte, mano. Você vai precisar — Foi tudo o que ela
disse, ao esboçar um sorriso encorajador, mas irônico ao mesmo
tempo.

O trajeto de carro até o bairro do Ipirangalevava cerca de


trinta minutos, a depender das condições de trânsito. O Palácio dos
Cedros é formado por dois casarões com estilo arquitetônico
mesclado entre o clássico, renascentista e o barroco, ladeado por
magníficos jardins e com duas fontes datadas do início do Séc. XX.

Saltei do veículoe contornei o casarão para acessar a entrada


lateral. Eu cumprimentei a simpática atendente e expliquei a ela o
motivo da minha visita. A mulher logo me conduziu por um extenso
corredor com piso em mármore, que levava até um dos salões de
eventos. Contemplei admirado os belos arcos, além das colunas
jônicas adornadas, com entalhes florais em relevo. Assim que eu
entrei na sala contígua ao salão, encontrei a minha mãe, Lara e a
minha tia conversando com uma mulher que imaginei ser a tal
cerimonialista.

Dessa vez, dona Francine e dona Ruth foram longe demais.

A última tentativa delas em planejar o “casamento” foi quando


agendaram uma data da cerimônia religiosa, junto à equipe de uma
das igrejas mais badaladas de São Paulo: a Paróquia Nossa
Senhora do Brasil. Por sorte, a minha prima descobriu dias depois, e
rapidamente entrou em contato com a secretaria, cancelando a
reserva e a matrícula no Curso de Noivos.

— Boa tarde a todas — saudei, com um breve aceno de


cabeça. Em seguida, eu encarei dona Francine, as minhas feições
se fecharam, assumindo uma expressão séria. — Mamãe, se
importa de me acompanhar um instante? Eu preciso conversar com
a senhora, agora mesmo — pedi, por fim, expressando os primeiros
sinais de impaciência.

A minha mãe é uma mulher de meia-idade, possui estatura


alta, o corpo magro, e os cabelos grisalhos e lisos chegam à altura
dos ombros. Ela usava um conjunto elegante, composto por blusa
branca social em tecido fluíd
o e saia midi preta com um cinto preso
à cintura, feita do mesmo tecido.

— Oh, querido! Eu não sabia que viria — Dona Francine


exclamou, estreitando os olhos em minha direção, com um misto de
culpa e nervosismo. — Se vocês me derem licença, eu não demoro
— completou, ao voltar a sua atenção para as mulheres presentes.

Assim que ela se aproximou de mim, eu a puxei para o canto,


antes de falar pausadamente, usando um tom de voz baixo, mas
suficientemente incisivo.

— Eu exijo que a senhora desfaça esse mal-entendido,


mamãe. Quantas vezes Lara e eu já dissemos a vocês para
desistirem de tentar interferir em nossas vidas?

— Ruth acredita que o namoro dela com o piloto da Stock Car


não tem futuro.

— Ninguém tem o poder de prever absolutamente nada, minha


mãe. A única coisa sobre a qual nós temos certeza é a de que um
casamento forçado nunca foi a solução.

— Quer dizer então que você vai se conformar em perder o


controle da empresa? — perguntou mamãe, com um leve levantar
de sobrancelhas, ao mesmo tempo curioso e incrédulo. — Essa
postura derrotista não combina com você, Xandy. Com certeza o
seu pai morreria de desgosto! Meu amor, você está perdendo um
tempo precioso.
Eu levantei a cabeça e olhei para o teto, com destaque para os
adornos em motivos florais, e deixei escapar um longo suspiro,
antes de voltar a encará-la.

— Quando eu assumi o cargo de CEO, eu já estava ciente das


minhas responsabilidades e continuo comprometido com os meus
deveres, mamãe. Eu vou cumprir com as disposições do plano
sucessório e já encontrei a candidata ideal a esposa inclusive.

Francine inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, e me


sondou com cautela.

— Então, Cris decidiu voltar atrás na decisão de não se casar?


— perguntou, ao que apenas neguei com um gesto de cabeça.
— Cris tem outros interesses, e além disso, a nossa relação
era puramente casual. Eu conheci uma mulher incrível durante um
happy hour semanas atrás. Ela se chama Melissa Albuquerque.
Mamãe franziu a testa ao ouvir a minha resposta, mas, no
momento seguinte o rosto dela se iluminou.
— Imagino que ela tem algum parentesco com os Cavalcanti
de Albuquerque, acertei?
— Lamento informar, mas a famíliadela não integra o clube
dos dez dígitos — Eu ironizei, com os lábios retorcidos em um
sorriso cheio de sarcasmo. — Melissa é comissária de bordo e foi
contratada recentemente como substituta de Cora Mantovani. A
senhora deve se recordar dela...
— Aquela aeromoça simpática, que se afastou por licença
maternidade? — perguntou, franzindo a testa, desconfiada. Eu só
me limitei mesmo a confirmar com um gesto de cabeça. — Lembro,
sim. Mas deixe-me ver seu eu entendi. Então, você está interessado
pela nova comissária executiva?
— Exatamente! — confirmei, com toda convicção. — Eu sinto
que sou correspondido por ela, embora ainda esteja relutante em
reconhecer isso.
— De todas as mulheres que poderia escolher, optou justo por
uma que não faz parte do nosso círculo social? — questionou,
inesperadamente, em um súbito rompante de irritação. — Você
perdeu completamente o juízo, Alexandre! E se ela for uma
golpista?
Eu ergui as sobrancelhas de forma especulativa, e a encarei
fixamente nos olhos, ao cruzar os braços sobre o peito.
— Você nem a conhece, mamãe! — rebati, defensivamente. —
Falando assim parece até que se esqueceu das suas origens... —
Eu voltei a falar, com ar pensativo, ao recordar que vovó Olívia
Campelo veio de uma famíliasimples do interior de Minas Gerais. —
Vovó não se casou com o filho de um rico proprietário de terras
apenas por interesse. Ela amava muito o seu pai. Vai dizer que
estou errado?
— Não, mas é claro que não! — respondeu, encolhendo os
ombros. Depois, ela deu um longo suspiro, como que admitindo a
derrota. — Você tem toda razão, querido. Eu não posso julgá-la,
sem ao menos ter a chance de conhecê-la melhor... Quando
pretende apresentar a sua nova conquista?
— Infelizment
e, ainda não sei. Acredito que será só uma
questão de tempo até convencê-la a se casar comigo. Mas até lá,
eu te peço que não interfira mais nos meus assuntos, ouviu bem?
Mamãe apenas se limitou a assentir com a cabeça, mesmo a
contragosto.
— Bom, eu acho melhor nós voltarmos ao salão para desfazer
todo esse circo — comentei, deixando escapar um longo suspiro, ao
dar o assunto por encerrado.
Uma vez no local, mamãe pediu desculpas à cerimonialista e a
pessoa responsável pelo buffet, pelo inconveniente causado. E
quanto a mim, decidi assumir a responsabilidade em fazer o
ressarcimento do serviço prestado. Já Lara e tia Ruth nos
observavam à curta distância, aparentando perplexidade e
assombro nos semblantes.

Caberia a minha mãe deixar as duas mulheres a par da


situação, pois eu ainda preciso voltar para o escritório, uma vez que
tenho algumas pendências para resolver, antes de retornar para
casa.

— Lara, você chegou a experimentar o bem-casado? —


perguntei, curioso, ao me aproximar da mesa redonda entalhada,
próxima à parede. Os doces estavam embrulhados em um papel
refinado e dispostos uns sobre os outros, formando um círculo ao
redor de um arranjo de flores, posicionado no centro da peça
decorativa.

— Sim, primo. Está uma delícia! — respondeu, com um sorriso


tímido nos lábios.

Alessandra me contou que Lara teve uma quedinha por mim


na adolescência. Se é verdade ou mentira, talvez eu jamais venha a
saber, mas de minha parte sempre prevaleceu um carinho enorme e
a vontade de compartilhar uma relação fraternal com ela, apenas.

— Eu vou levar alguns, com certeza — comentei, em voz alta,


cogitando se Melissa também apreciaria os docinhos típicos de
casamento. — Os meus tios ainda não aceitaram a sua relação com
Breno Nunes?

Breno é considerado um dos melhores pilotos da Stock Car na


atualidade. A equipe dele tem como patrocinadora a Ultra Pharma,
empresa pertencente ao pai dela. A Astramed por sua vez, continua
investindo na maior categoria do automobilismo brasileiro,
patrocinando a equipe rival há quase quinze anos.

— Os meus pais são bem cabeça dura, você sabe..., mas acho
que logo eles se darão por vencido — respondeu, enquanto remexia
na bolsa, possivelmente a procura de algo. — Eu tenho dois pares
de ingressos para a área VIPdo autódromo de Interlagos.Um para
você e outro pra Alessandra.

— Espero poder comparecer à corrida muito bem


acompanhado... — comentei, deixando um quê de mistério no ar,
enquanto guardava os ingressos no bolso da calça.

Percebi pelo canto do olho a aproximação de tia Ruth e


mamãe, sendo que a primeira parecia bem contrariada.

— Se eu soubesse que vocês dois acabariam causando esse


constrangimento, eu nem teria vindo até aqui — resmungou minha
tia, entredentes.
Lara e eu nos entreolhamos e explodimos numa sonora
gargalhada.

Eu deixei o condomínio em Cidade Jardim, nas primeiras horas


da manhã de quarta-feira, dia agendado para a auditoria na nova
fábrica de sólidos orais, e no laboratório de Controle de Qualidade,
localizado em Pouso Alegre, Minas Gerais.
O percurso até o Aeroporto São Paulo Catarina durou em torno
de 15 minutos de helicóptero, e assim que eu saltei no heliponto, fui
recebido pelos diretores da Astramed, Sérgio Diniz e Rubens
Fortunato. Eu os cumprimentei com um rápido aperto de mão, antes
de seguir junto com eles no veículo shuttle até a aeronave
posicionada na área externa do Hangar 2.
Avistei Henrique, o comandante Barroso e o copiloto, Bruno
Montes, que estavam à nossa espera, bem ao lado da escada de
acesso ao jatinho. Saudei os tripulantes e subi os degraus logo atrás
de Sérgio, mas contendo a expectativa de poder rever Melissa
Albuquerque.
De repente, o meu coração parou de bater por uma fração de
minuto até voltar a acelerar de forma incontrolável.
Melissa cumprimentou meus acompanhantes com um largo
sorriso no rosto no hall de entrada, e depois foi a minha vez de
apertar a mão pequena e macia dela. Esperei Sérgio, Rubens e
Henrique se afastarem para poder entregar a ela a sacolinha com os
doces que eu guardei, desde a minha visita inesperada ao Palácio
dos Cedros.
— Bom dia, Melissa — saudei, de modo gentil. — Espero que
goste de bem-casado — prossegui, estendendo o embrulho na
direção dela. — Foi uma cortesia da empresa do buffet contratado
por minha mãe para o meu suposto casamento com Lara.
— Nossa! Eu amo bem-casados, Alexandre. Muito obrigada
pela gentileza.
Pensei em dizer algo mais para puxar assunto com ela, mas
sabia que não seria prudente. A aeronave vai decolar dentro de
instantes, e ela ainda precisa realizar os procedimentos técnicos de
praxe, garantindo assim a segurança do voo.
Melissa continuava linda, exatamente como da última vez em
que a vi, com seus cabelos longos e acobreados, presos em um
coque com topete, mas os olhos verde-oliva revelavam o mesmo
brilho inocente e vivaz de sempre. Só senti falta da pinta
inconfundívelna lateral do rosto dela, e que acreditava ser a sua
marca registrada.
Algo me diz que a tonalidade do cabelo dela não é natural,
uma vez que dava para notar uma mudança sutil, mas perceptível,
entre a raiz e o comprimento dos fios.
Melissa deixou a mulher que eu conheci no bar da Faria Lima
completamente para trás, assumindo uma nova identidade, ainda
que simbólica. Mas por quê?
Decidi seguir até a área central e incrivelmente ampla, com
seus assentos reclináveis e mesas retráteis, além do sofá espaçoso
no lounge, contando inclusive com uma Smart TV em cima de um
amplo rack. Havia um discreto corrimão nas laterais e as janelas
eram agrupadas em duplas, proporcionando um aspecto visual mais
agradável para os passageiros.
O jato executivo possui dimensões equivalentes à de um
apartamento de 70 m²,todo personalizado e com a fuselagem
decorada com figuras geométricas que remetem à identidade visual
da Astramed. A aeronave é composta por cinco zonas distintas e
separadas por portas automatizadas, sendo que a primeira delas
representa a galley, e mais ao fundo uma suíte master, com uma
cama queen size e banheiro completo — são três no total, — além
do grande compartimento de bagagem.
Acionei o botão no painel, ao lado da confortávelpoltrona, para
abrir a persiana e observar a paisagem lá fora, enquanto a
tripulação do Lineage 1000E se preparava para a decolagem.
Então, eu me mantive em silêncio, assumindo uma postura de total
alheamento, embora escutasse os fragmentos de conversa que
flutuavam no ar entre os dois diretores, sentados um de frente para
o outro no lado oposto.
— A Astramed ultrapassou a marca de mais de 2 bilhões de
faturamento, e com um crescimento superior a 20% — Sérgio
comentou, com empolgação na voz
— Não resta a menor dúvida de que a fábrica nova vai
possibilitar um incremento significativo na capacidade produtiva
atual — ponderou, Rubens, com otimismo.
A minha mente fervilhava de ideias, ora buscando uma
maneira eficaz de ficar a sós com Melissa, sem que os gestores
percebam, e ora verificando os e-mails na caixa de entrada. De
repente, senti uma mão quente, tocando de leve em meu ombro.
Levantei a cabeça e me deparei com Melissa estampando um
sorriso cordial nos lábios. No entanto, observando mais atentamente
agora, dava para notar o olhar de cansaço, embora a maquiagem
bem elaborada ocultasse a possível palidez de seu rosto.
— Seu Alexandre, a mesa do café da manhã já está posta na
sala de jantar.
Agradeci a ela pela gentileza e guardei o celular no bolso da
calça social, antes de me levantar e seguir para a área do café,
acompanhado pelo meu assistente e executivos. Em determinado
momento, eu notei que a mão de Melissa começou a tremer,
enquanto servia as quatro xícaras de café, mas aquele não era o
melhor momento para saber se estava tudo bem com ela.
Quando finalizei a refeição, esperei Sérgio e Rubens se
dirigirem até a estação de trabalho, para puxar Henrique para o
canto, pois uma ideia me ocorreu naquele exato instante.
— Rick, eu preciso que você me faça um grande favor, tudo
bem? — Esperei meu assistente confirmar com um gesto de
cabeça, embora ele tenha passado a me encarar, com ar de total
perplexidade. — Eu quero que se dirija até a galley e peça para a
comissária executiva vir até aqui. Depois, permaneça na estação de
trabalho e tente manter os executivos ocupados até eu voltar.
O rosto dele se iluminou, como se de repente tivesse se
recordado de algo.
— Eu me lembrei daquela noite de sexta-feira, quando me
ligou pedindo para fazeruma pesquisa de voos, saindo do aeroporto
de Guarulhos... Agora tudo se encaixa.
— Depois eu te conto os detalhes, Rick — falei, com um
sorriso matreiro nos lábios. — Vai, anda logo!
Os minutos seguintes pareceram intermináveis, mas quando
Melissa finalmente apareceu, começou a recolher as xícaras e os
pratos, colocando-os na bandeja.
— Você está bem, Mel? — perguntei, inclinando a cabeça
ligeiramente para o lado, para sondá-la com cautela. — Parece
abatida...
— Sim, não se preocupe... — Melissa se limitou a responder
de forma evasiva, ao manter a atenção na tarefa, como se tentasse
evitar o meu olhar penetrante. Depois, ela suspendeu a bandeja e
fez menção de se virar para sair da sala de jantar, quando
subitamente recuou, demonstrando estar tonta com o movimento
brusco. Por sorte, eu consegui reagir a tempo, tirando a bandeja das
mãos delas, antes de colocá-la de volta na mesa.
— Nossa... eu não sei por que..., mas tudo começou a girar de
repente.
— Vamos, sente-se um pouco — Eu a incentivei, passando o
braço ao redor dos ombros dela, e fizmenção levá-la até a poltrona,
quando de repente eu senti o corpo dela amolecer e, no instante
seguinte, ela desmaiou.
Mais que depressa eu a tomei nos braços, e em seguida a
carreguei, seguindo em direção aos fundos da aeronave, onde se
situa a suíte master. Uma vez no quarto, eu a coloquei
cuidadosamente na cama, posicionei os travesseiros sob as pernas
dela, mantendo-as o mais elevado possível em relação ao corpo.
Relutei um pouco em afrouxar as roupas dela, mas não havia
outra opção. Desfiz o nó do lenço de seda preso ao pescoço, antes
de abrir os primeiros botões da camisa branca.
Melissa continuava inconsciente, mas ainda respirando, então
virei o rosto dela com o máximo de cuidado para facilitar a
respiração. As minhas mãos estavam trêmulas e suavam como
nunca, quando puxei a barra da camisa branca dela para fora da
saia, mesmo que desajeitadamente.
Conforme os segundos passavam, eu senti um sentimento de
angústia e impotência me invadir, sem nenhum controle. Caso ela
não recobre a consciência até o minuto seguinte, eu vou ter que
comunicar o fato ao comandante.
Oh, meu Deus! Isso não pode acontecer.
— Mel, reaja, por favor... — murmurei, passando
cuidadosamente a mão trêmula pelos cabelos dela.
“Tome minha mente e tome minha dor
Como uma garrafa vazia que apanha a chuva
E cure, cure. Me cure
E me diga algumas coisas que duram[18].”

Eu pisquei algumas vezes antes de abrir os olhos, tentando me


acostumar com a claridade ao redor. Ainda me sentia um pouco
desorientada e confusa, mas reconheci a suíte master do Lineage
1000E. De repente, eu me dei conta de que não estava sozinha.
Tomei o maior susto ao ver Alexandre sentado na beira da cama,
com o corpo curvado para a frente e a cabeça apoiada nas mãos.
Foi com tremendo esforço que eu consegui usar os cotovelos
para me apoiar. Porém, quando eu fiz menção de inclinar o corpo
para poder me sentar na cama, o CEO percebeu meu movimento e
rapidamente me puxou para junto de si, antes de envolver o meu
corpo em seus braços. Ele me apertava de encontro ao peito largo
com firmeza, mas se afastou um pouco, ciente de que ainda me
sentia fragilizada pelo desmaio.
— Desculpe o mau jeito, Mel — murmurou, com um sorriso
constrangido, ao passar a mão pela barba. — Você acabou de
recobrar a consciência e tudo o que eu faço é te dar um abraço de
urso? — completou, com um brilho de divertimento no olhar.
Recordei o calor e o atrito que emanou do corpo dele, um
toque tão reconfortante e perturbador ao mesmo tempo, a ponto de
me sentir incapaz de evitar aquele contato íntimo.
Não posso permitir que outro homem se aproveite da minha
fragilidade.
— Eu preciso voltar ao serviço, Alexandre — anunciei,
sentindo a minha voz vacilar, e a garganta se fechou subitamente,
sufocada por uma emoção nova que tanto reprimi dentro de mim.
Quando eu fiz menção de me levantar da cama, ele me deteve
segurando o meu braço de modo firme.— Foi só um leve mal-estar,
mas já passou.

Alexandre levantou o meu queixo com uma das mãos para me


forçar a encará-lo nos olhos.

— Não acho prudente, Mel. Quero ter a certeza de que está


bem — retrucou, usando um tom de voz baixo, mas suficientemente
incisivo. — Eu vou ajudá-la a se recostar na cama, e enquanto isso,
respire bem fundo e devagar. Vai ficar em repouso até segunda
ordem.

Um músculo se retesou no maxilar, quando eu emiti um


suspiro profundo, mas o longo sopro de ar foi incapaz de me
estabilizar. Não ajudava em nada o fato de o CEO ter demonstrado
nutrir um interesse genuíno por mim, desde que nos conhecemos no
bar.

— Está pensando em me fazer tomar um dos seus


medicamentos também? — perguntei de maneira cortante, mas
acabei me arrependendo amargamente, quando vi a decepção no
olhar dele.
— Eu posso até ter aval para prescrever certos medicamentos,
mas não quer dizer que eu o farei no seu caso, Mel. Só um médico
pode investigar as causas do desmaio.
— Me desculpe por ter te ofendido, Alex — Eu pus a mão no
braço dele, sentindo a voz mais embargada do que gostaria. — Não
acho isso justo, ainda mais quando tem sido tão gentil e cuidadoso
comigo...

Odiava demonstrar algum traço de vulnerabilidade na


presença de alguém, ainda mais se tratando de um homem. Marcos
se aproveitou justamente disso para me manipular por quase seis
anos. Ele sempre faziaeu me sentir culpada por não querer transar;
culpada por não ser boa o suficiente;culpada pelo estresse diário;
culpada pelo tempo ruim; culpada até por existir.

—I magine, não me ofendeu em nada — Alexandre segurou o


meu rosto entre as mãos, fazendo os polegares deslizarem na área
abaixo dos olhos para enxugar as lágrimas, que teimavam em
descer. — Os diretores já devem estar preocupados com a minha
demora. Mas daqui a pouco eu volto com um copo de água com
açúcar, está bem?
— Não consegui me alimentar direito hoje... — revelei,
desviando o olhar, com ar pensativo.
— Então, eu já aproveito e vejo se encontro algo na galley
para você comer.
— Mas você não sabe como funciona a galley, Alex... —
protestei, soltando um riso abafado.
— Eu posso até ter sido criado a leite com pera, mas eu sei me
virar. E fique você sabendo que a pessoa que faz a comida lá em
casa sou eu mesmo, ok?
Olhei bem para ele e desatei a rir, incontrolavelmente.
Quando Alexandre saiu da suíte,eu fizum retrospecto de tudo
o que aconteceu nas duas últimas semanas. O meu advogado
comunicou a data da audiência de conciliação trabalhista, prevista
para ocorrer daqui a dois meses, em face do processo movido,
pedindo uma indenização por danos morais tanto pelo assédio
sexual sofrido, quanto pela conduta negligente da empresa.
O meu ex-namorado deixou de rondar o prédio onde eu moro
com a minha amiga Stefani, mas com a proximidade do aniversário
da minha mãe, ele passou a enviar presentes e flores,
exageradamente, tanto para o meu endereço quanto para o da casa
de repouso. Essa atitude repentina dele me fezretomar o estado de
alerta, a tal ponto que eu cheguei até a me arrepender por não ter
ido a uma delegacia no dia seguinte ao abuso. Agora que já se
passaram quase dois meses, talvez nem compense mais fazer um
registro de ocorrência e a solicitação de uma medida protetiva.
Resolvi seguir com a minha vida, como se nada tivesse
acontecido.
Visitei a minha mãe na casa de repouso e finalmente contei a
ela sobre o término do meu relacionamento com Marcos. Mamãe
reagiu aparentemente bem à notícia, e quis saber se era algo
definitivo, uma vez que já estava habitada às idas e vindas na
relação. Eu garanti que não havia a menor possibilidade de reatar o
namoro, mas evitei expor os motivos para ela, visando poupá-la da
dor de saber tudo o que enfrentei ao longo dos anos.
Norma passou boa parte da vida em Votuporanga, distante o
suficientepara não ser afetadapelos meus problemas pessoais. Ela
nem mesmo superou ainda as velhas dores, envolvendo o homem
que a engravidou, abandonando à própria sorte, tanto a mulher que
dizia amar quanto a mim, por assim dizer.
Nunca cheguei a conhecê-lo e nem aos meus avós, tampouco.
Os pais dela partiram, sem ao menos lhe conceder uma segunda
chance. Apesar de tudo, mamãe conseguiu perdoar seus falecidos
pais. Dona Norma é mesmo uma mulher admirável. Eu gostaria de
ter esse desprendimento que ela tem perante as vicissitudes da
vida.
Sei que o Acidente Vascular Cerebral reduz as expectativas de
vida, devido à probabilidade de reincidências, mas tento fazer o
possível para me manter otimista, vibrando pela total recuperação
da saúde dela.
Não deixei de me perguntar se a falta de apetite em
decorrência da dor de estômago aliada aos efeitos da
pressurização, foramo que me levaram ao desmaio. Quando eu me
levantei da cama mais cedo, senti fortes dores abdominais, mas
tomei logo um medicamento que o clínico receitou, para o
tratamento da síndrome do intestino irritável. Como eu senti certo
alívio,decidi seguir com a minha rotina habitual normalmente. Se eu
soubesse que passaria mal hoje, teria saído de casa apenas para ir
a um pronto-socorro solicitar o atestado médico.
Pisquei, sobressaltada, saindo completamente dos meus
devaneios, quando percebi a presença de Alexandre na suíte. Ele
trazia uma bandeja nas mãos, contendo salada de frutas com
iogurte natural, uma tigela com pãezinhos de queijo, além de suco e
uma garrafinha de água mineral.
— Já aconteceu alguma vez de você passar mal durante o
serviço? — Ele quis saber, ao posicionar a bandeja em meu colo.
— Por incrível que pareça essa foi a primeira vez... —
respondi, rasgando a ponta da embalagem do sachê de açúcar e o
joguei no copo com água. — Sempre tive uma saúde de ferro, ou
pelo menos era isso o que eu pensava — completei, antes de beber
uma parte do líquido.
— Caso o mal-estar volte, não hesite em ir ao pronto-socorro
de Pouso Alegre. Bem, acho melhor eu sair para que fique mais à
vontade — Ele fez menção de se levantar, mas eu o impedi ao
segurar no braço dele.
— Eu quero que fique mais um pouco e me faça companhia...
— Eu me apressei em dizer, olhando de modo suplicante para ele.
— Oh, meu Deus! — Bati a mão na testa, exasperada. — Peço
desculpas por ter sido inconveniente, afinal você só está viajando a
trabalho. Não quero mais tomar seu tempo.
— Você vai me dispensar justo agora que consegui avançar
duas casas em direção ao seu coração? — Alexandre inclinou a
cabeça para me encarar, com ar divertido. — Eu estava apenas
brincando, porém depende... fica a seu critério.
Tratei de enfiar um pãozinho de queijo na boca, mastigando-o
bem devagar, com o intuito de mantê-la o mais ocupada possível,
ciente de que o meu rosto já queimava de tanta vergonha.
— Ah, e a propósito, eu preciso te fazer um convite e não vou
aceitar um não como resposta — Comentou, de repente, enquanto
enfiava a mão no bolso interno do paletó. — A minha prima me deu
dois ingressos para assistir à etapa Interlagos da Stock Car. A
corrida será no último domingo do mês às 13:30. O que acha?
— Não pense que se trata de um pretexto, mas eu realmente
não vou poder ir. O aniversário da minha mãe cai justamente nesta
data e pretendo passar o dia todo com ela. Eu até já comecei a
organizar uma mini festa, com a ajuda das minhas amigas e
também com o pessoal da casa de repouso, é claro.
— É perfeitamente justificável. E por falar nela, quando eu vou
poder conhecer a minha futura sogra? — perguntou, perscrutando
em mim um olhar cheio de expectativas.
Eu quase me engasguei com o pedaço de pão de queijo que
coloquei na boca.
— Ficou louco, Alexandre? Quer me matar engasgada?
O CEO se apoiou no colchão antes de inclinar o tronco em
minha direção, mantendo os nossos rostos bem próximos um do
outro. O gesto audacioso dele foi o bastante para fazer o meu
clitóris pulsar, dolorosamente. Percebi que a respiração de
Alexandre estava acelerada, e o ar quente saía de suas narinas
num frenesi louco, antes de se fundir ao meu, que também já se
agitava.
Decidi respirar bem fundo e contive o ar nos pulmões, ante a
expectativa do que viria a seguir.
— Ah, eu bem que gostaria de te matar mesmo, mas te matar
de prazer... — admitiu, a voz revelando uma rouquidão sexy, com
intensidade suficiente para enviar ondas de prazer por todo o meu
corpo. E, para o meu completo desespero, ele deteve o olhar em
minha boca, esfregando os lábios um no outro, como que para
umedecê-los.
Até que eu gostaria de ser beijada, mas não aqui nesta suíte;
não agora que tem outras pessoas por perto. Então, sem nem
pensar duas vezes, eu peguei um travesseiro e bati no ombro dele,
apenas de leve.
— Só em seus sonhos mais insanos, acredite! — assegurei,
tentando imprimir à voz a firmezanecessária, mas um gemido baixo
acabou escapando dos meus lábios, vergonhosamente.
Após alguns segundos daquele embate silencioso, Alexandre
irrompeu repentinamente numa gargalhada insolente. Eu também
não me contive e acabei rindo junto com ele.

O jato executivo decolou do Aeroporto de Pouso Alegre no


final da tarde.
Fiz o serviço de bordo normalmente, mas ao voltar para a
galley, comecei a sentir um intenso mal-estar, e levei uma das mãos
à barriga, levemente inchada, me esforçando ao máximo para lutar
contra a ânsia de vômito.
De repente, o meu corpo passou a tremer de frio e
rapidamente cruzei os braços sobre o peito, antes de seguir em
direção ao banheiro, situado no hall de entrada. Não perdi mais
tempo e avancei em direção à porta, destravando-a rapidamente e
puxando a maçaneta para em seguida fechá-la atrás de mim.
Levantei a tampa do vaso sanitário e me agachei no chão,
colocando todo o almoço para fora até sentir o gosto da bile. Eu
estava ofegante, mas respirei profundamente e tossi para retomar o
fôlego.
Quando eu enfim reuni coragem para me levantar, andei até a
pia e acionei a torneira para lavar o rosto, esfregando-o com
movimentos rápidos e sucessivos. Sequei o meu rosto com uma
toalha de papel e contemplei o meu reflexo no espelho, com
reprovação no olhar.
A minha aparência não estava nada animadora, mesmo. Puta
que pariu!
Os meus olhos inchados e vermelhos, além da maquiagem
borrada, marcaram com nitidez a expressão de abatimento e
cansaço, em um curto espaço de tempo.
Posicionei as duas mãos na bancada, e inclinei o corpo para a
frente,mantendo a cabeça baixa a todo instante, na tentativa de não
ceder a vertigem que me invadia, sem o menor controle. Passei a
mão trêmula pelos cabelos e respirei bem fundo, tomada por um
pressentimento muito ruim. Cogitei se era algum processo de
retraumatização, uma vez que enfrentei episódios de náuseas,
amenorreia e vômitos, nas semanas seguintes ao abuso.

Uma comissária de bordo é treinada para colocar o seu melhor


sorriso no rosto, independente da situação — Pensei em voz alta,
endireitando a postura, antes de pegar o meu estojo de maquiagem
dentro do armário.
Espalhei bem a base com o auxílio de uma esponjinha, para
em seguida fazer o mesmo com o corretivo e finalizando com o pó
facial na sequência. Por fim, avaliei o resultado com satisfação no
olhar, pois pelo menos conseguiria disfarçar o cansaço e o
abatimento na presença dos executivos da Astramed.
Voltei para o hall de entrada e peguei a maleta com os itens de
primeiros-socorros da aeronave, incluindo alguns tipos de
medicamentos, mas buscava apenas um deles, em particular: o
Dramin.
Que dia mais atípico,meu Deus. Eu nem deveria ter saído de
casa — pensei, jogando um comprimido na boca e o engoli com um
pouco de água. Se a náusea persistir nos próximos dias, não terei
outra alternativa além de marcar outra consulta novamente.
Faz parte das minhas atribuições como comissária, prestar os
primeiros-socorros em casos emergenciais, sejam eles de origem
cardiovascular, psiquiátrica, trauma, emergência de fogo, entre
outros.
Passados alguns minutos, eu já me sentia mais disposta e
segui até a área que servia como sala de estar do Lineage, para
saber se os executivos precisam de alguma coisa, mas eles
negaram, educadamente. Alexandre e eu trocamos olhares
significativos, o que fez o meu coração subitamente acelerar dentro
do peito.
— Seu Alexandre, eu já fiz a reserva para uma estadia de três
dias no hotel Four Seasons, de Nova York — Ouvi Henrique dizer,
quando dei meia volta para retornar para a área de estar destinada
à tripulação.
— Sem dúvida essa viagem será um divisor de águas no
processo de internacionalização do grupo — Alexandre comentou,
com empolgação na voz.
— Ainda mais agora com a abertura do escritório para a
prospecção de negócios... — Consegui escutar o último comentário
de um dos diretores, antes de acionar o botão para fechar a porta da
cabine.
— Tripulação, preparar para o pouso — Anunciou o
comandante Barroso, através do sistema de alto-falantes da
aeronave.
Ocupei o jump seat da estação destinada aos tripulantes,
sentindo um imenso alívio pelo fim da jornada de trabalho.
Quando eu me posicionei diante da porta da aeronave para
poder me despedir dos executivos, sem deixar de estampar um belo
sorriso no rosto, como era de costume, fui surpreendida por um
gesto inesperado de Alexandre. Ele levou a mão ao bolso da calça e
tirou algo de dentro dele pouco antes de apertar a minha mão
estendida. Eu percebi que se tratava de um bilhete, e o guardei
discretamente, enfiando a mão por dentro da saia.
— Como está se sentindo? — Alex continuou me encarando
fixamente com seu olhar penetrante, e manteve o cenho franzindo,
expressando uma preocupação genuína por mim.
— Eu já me sinto bem melhor agora — respondi, com um leve
sorriso nos lábios. — Agradeço a gentileza e também quero te pedir
desculpas pelo inconveniente causado.
O CEO desviou o olhar do meu, assim que a porta do cockpit
foi aberta e os pilotos saíram, conversando animadamente. Notei
que a expressão dele mudou de maneira instantânea, antes
afetuosapara uma mais séria, quase indiferente,para não despertar
a desconfiança dos dois tripulantes.
— Por mais que eu represente uma indústria farmacêutica, não
significa que eu seja a favor do uso indiscriminado de
medicamentos. Sugiro que procure o seu médico, assim que puder.
Se cuida e até a próxima.
O último homem que demonstrou ser cuidadoso comigo não
passava de um cínico e narcisista. Marcos nunca me amou de
verdade e se ainda tentava manter contato comigo era apenas com
o intuito de voltar a assumir o controle da minha vida. Continuei
recebendo dezenas de mensagens de texto nas redes sociais,
enviadas a partir de perfis falsos. O teor era agressivo a princípio,
mas pouco tempo depois, passou a ser mais meloso, se dizendo
arrependido pelos erros e que merecia uma nova chance de se
redimir.
Devo ter mesmo um dedo podre pra homem, assim como a
minha mãe.
Observei Alexandre abrir a porta do sedã de luxo, sendo que
os diretores já estavam à espera dele no interior do veículo. De
repente, ele se virou e me viu parada no alto da escada, então abriu
um sorriso malicioso, antes de erguer a mão para acenar em
despedida.

Só decidi ler o bilhete durante o meu retorno para a zona sul


de São Paulo. As palmas das minhas mãos suavam, quando eu
desdobrei a folha do bloco de anotações, e li rapidamente o
conteúdo, escrito com letras legíveis. Lágrimas se formaram nos
olhos e escorreram pela lateral do rosto até cair sobre o papel,
formando pequenos círculos nele.

Espero rever você antes da viagem à NY...


E a minha proposta continua de pé.
Case comigo, Mel.

Por mais que seja difíciladmitir, eu estou me apaixonando por


ele, e sinto que será praticamente inútil tentar tirá-lo do meu
caminho, e até mesmo do meu coração.
“A culpa está queimando
Estou ferida por dentro
Não consigo suportar esse sentimento
Então, coloquem a culpa na noite
Não coloque a culpa em mim
Não coloque a culpa em mim”.[19]

Acordei na manhã do dia seguinte, passando muito mal e tive


que correr ao banheiro para vomitar. Comecei a pensar se a causa
para esses enjoos constantes era em decorrência das crises de
ansiedade ou se por algum outro fator de origem desconhecida.
Abri a torneira da pia e lavei bem o rosto. Em seguida, eu
fechei a mão em concha para encher a boca de água e fazer
bochechos, preferindo deixar a higiene bucal completa para depois
do café da manhã. Então, eu segui até a cozinha e preparei
algumas torradas, as coloquei em um prato sobre a mesa, junto com
uma maçã e bolachas. Decidi ingerir algo gelado dessa vez, então
eu abri o refrigeradore peguei uma garrafade iogurte natural, antes
de despejar parte do conteúdo no copo.
De repente, o meu celular começou a vibrar insistentemente
em cima da mesa. Eu já estava quase finalizando a refeição,
quando fui surpreendida por uma chamada de vídeo no Whatsapp.
Sorri internamente ao verificar o número da minha amiga Steh no
visor do aparelho. Terminei de beber iogurte e me levantei da
cadeira, antes de seguir até a sala de estar.
— Bom dia, amiga — Eu me endireitei no sofáde modo que eu
me sentisse mais confortável durante a chamada. Steh pegou uma
chave de voo de cinco dias e só deve retornar para casa no final da
semana. — Como foi o voo hoje?
— Cheguei aqui em Cuiabá faz uns 20 minutos e tudo o que
eu mais quero é poder dormir — respondeu, sem muito entusiasmo,
enquanto se espreguiçava. — Mas me fale de você, amiga. Eu
estou muito preocupada contigo. Como se sente?
— Como sempre tendo que enfrentar mais um enjoo matinal —
Deixei escapar um longo suspiro e encostei a minha cabeça no
encosto do sofá. — Agendei uma consulta médica para o início da
próxima semana.
— Amiga, você não acha muito estranho essas náuseas terem
se tornado frequentes nos últimos dias? Até desmaiou durante o voo
de ontem... sinceramente, você fez mal em não ir a um pronto-
socorro.
— Talvez você tenha razão..., mas o médico disse que o
ansiolíticopode ter agravado a síndromedo intestino irritável. Como
ele passou um medicamento para tratar o problema, acabei não
dando muita importância para isso.
— Algo me diz que esses sintomas não possuem relação
alguma com a crise de ansiedade. Você retomou a sua rotina
normalmente, passou por sessões de terapia e voltou até a correr
todas as manhãs... Eu te aconselho a descartar todas as
possibilidades, a começar pela gravidez.
— Gravidez? — Inclineio corpo para a frente, aproximando
bem o meu rosto da tela do aparelho. — Eu tomei a pílula do dia
seguinte e logo em seguida fiz o teste de farmácia e deu negativo,
esqueceu? Daí mais ou menos uma semana depois, eu fiz o Beta
HCG e o resultado deu inconclusivo.
— Mas, amiga eu te disse que é recomendável refazer o
exame nesses casos, lembra? — retrucou, deixando escapar um
longo suspiro. — Só que você desistiu, alegando que a menstruação
veio durante três dias.
Eu me levantei de um salto, e passei a andar pela sala de um
lado para o outro, tentando calcular a probabilidade de estar
grávida, quando de repente, tropecei no puff, fazendo o meu corpo
tombar para a frente, mas rapidamente consegui recuperar o
equilíbrio.
— O meu ciclo sempre foi irregular, raramente eu menstruo e
inclusive a minha ginecologista disse que eu estava com os
hormônios abaixo do normal — ponderei, passando as mãos pelos
cabelos, à medida que o nervosismo crescia dentro de mim.
— Amiga, fique calma, por favor. Não adianta sofrer por
antecipação. Faça o teste de farmácia só por desencargo de
consciência... E vamos torcer para o resultado sair negativo.
— Tudo bem, Steh. Farei o que me sugeriu e qualquer coisa
eu mando uma mensagem mais tarde.
— A minha apresentação será às 15:00 e quero dormir um
pouco antes do almoço. Mas, por favor, amiga, me mantenha
informada, ok?
Eu me despedi dela e encerrei a chamada de vídeo para em
seguida abrir o aplicativo de delivery, efetuando a compra do teste
de gravidez que gera o resultado em até 1 minuto.
Senti a vertigem me dominar novamente, mas eu me apoiei
logo à parede, respirando tão fundo quanto podia, com o coração
batendo descompassado e as lágrimas escorrendo pelo rosto.
Eu trato a Síndrome dos Ovários Policísticos desde os dezoito
anos de idade.
Quem convive com a SOP sabe que a indução de ovulação
pode ser necessária em alguns casos e a minha ginecologista já
tinha me alertado sobre esse fato,desde que eu iniciei o tratamento.
No entanto, faz dois meses que enfrentei uma infecção urinária
recorrente, tomando antibióticos e analgésicos, e por isso eu acabei
me esquecendo de tomar o anticoncepcional. Como Marcos se
recusou a usar o preservativo, eu não vi alternativa além de tomar a
pílula anticoncepcional de emergência. E fiz uso dela no menor
intervalo de tempo possível, ou seja, em menos de vinte e quatro
horas após a relação sexual desprotegida.
Nunca esperei tão ansiosamente pela chegada do entregador
quanto agora.
Decidi tomar logo um banho bem morno para relaxar um
pouco e troquei de roupa, optando por uma combinação de vestido
floral,jaqueta de couro preta, meia-calça fio80, além de coturnos da
mesma cor. Fiquei tão nervosa até poucos minutos atrás, que eu
quase me esqueci da sessão de terapia agendada para o final da
manhã.
De repente, eu escutei o som estridente do interfone soando
no apartamento, o que fez o meu coração sobressaltar dentro do
peito. Segui rapidamente até o elevador e uma vez no térreo,
cumprimentei o porteiro e o entregador de aplicativo, peguei a
sacola plástica e voltei para o meu apartamento.
Àquelaaltura, a minha garganta já estava tão seca de nervoso,
que achei melhor beber um copo com água, antes de fazer o
famigerado teste. Então, eu entrei no banheiro, mas tive que esperar
durante quase 1 hora até sentir a vontade de fazer xixi, demora essa
causada possivelmente pela ansiedade em conferir o resultado.
Como eu costumo checar o meu peso diariamente, subi na balança
do banheiro e notei uma mudança bastante significativa. Eu passei a
emagrecer muito e em um curto espaço de tempo. Aliás, eu notei
isso nas semanas seguintes ao término do relacionamento. Talvez
eu precise mesmo suspender a medicação que uso para o
tratamento da ansiedade.
Decidi voltar para a sala de estar e coloquei a caneta do teste
de gravidez em cima da mesinha de centro, antes de me sentar no
chão mesmo, com as pernas cruzadas e olhei para a caneta em
expectativa.
Toquei instintivamente o escapulário de Nossa Senhora
Aparecida, preso à correntinha de ouro, reforçando as minhas
preces para visualizar um sinal de (-) no visor do teste, enquanto o
coração batia ruidosamente no peito, cada vez mais aterrorizada
pela possibilidade de estar mesmo grávida.
E justo de quem? De Marcos Gonçalves, o meu ex-namorado
abusivo.
O sinal de (+) surgiu bem diante dos meus olhos, indicando um
resultado positivo no teste de gravidez. Toquei a têmpora com a
ponta dos dedos, e senti os meus olhos arderam, embaçando
parcialmente a visão ao observar de novo o resultado “positivo” no
visor do teste. As lágrimas não demoraram a descer pelo rosto, mas
eu as enxuguei com as costas da mão, a esfregando na pele, com
impaciência.
— Meu Deus, eu não posso estar grávida! — Gritei
desesperada, estapeando a própria testa com a mão esquerda,
enquanto segurava a caneta do teste de gravidez, com a outra.
No minuto seguinte, eu me levantei e joguei a caneta com
forçacontra a parede. Então, eu comecei a andar de um lado para o
outro da sala, passando a mão pelos cabelos, até parar
bruscamente, decidida a me aproximar do local exato onde a caneta
havia caído. Peguei a caneta do chão e voltei a me sentar no sofá,
antes de tirar o smartphone da bolsa para em seguida ativar a
câmera, posicionando a lente diante do teste de gravidez e fiz uma
captura dele.
Preciso avisar a minha amiga que as suspeitas dela se
confirmaram, para o meu completo desespero. Então, abri o
Whatsapp para em seguida tocar e segurar o ícone do microfone,
dando início à gravação da mensagem de voz, embora Stefani
esteja offline
.
— Eu estou muito fodida, mana! — balbuciei, com a voz
entrecortada por soluços que escapavam da garganta, sem nenhum
controle. — Eu vou te mandar uma imagem, ok? Infelizmenteeu
preciso sair, mas eu te ligo, assim que puder.
— Não é possívelque isso tenha acontecido — murmurei para
mim mesma, quase aos prantos e balançando as pernas cobertas
pela meia-calça, em um tique nervoso.
Não foi nada fácil ponderar se eu devo ou não transmitir a
notícia para Marcos. Só de pensar em restabelecer o contato com
ele já me causava um embrulho forte no estômago, mas pensando
racionalmente agora, eu não posso assumir sozinha as
consequências de uma relação desprotegida e imposta por ele
mesmo. Até imagino o que os nossos amigos em comum pensariam
disso. Qualquer um deles diria que eu mesma me coloquei nesta
situação. E ainda que eu pudesse formalizar uma denúncia, as
chances de desacreditarem do meu relato seriam enormes, já que
havia um vínculo afetivo de muitos anos com o meu agressor.
Marcos tinha livre acesso ao prédio, além de ter cedido a ele uma
cópia da chave do apartamento. Não foram raras as vezes em que
ele dormia aqui em casa e se sentia no direito de fazer o que
quisesse comigo, bem longe dos olhos dos outros.
A sociedade sempre encontra uma maneira de culpabilizar as
vítimas de violência sexual.
Apesar de a minha gravidez ter sido fruto de uma violência, eu
não penso em recorrer a um aborto, mesmo que por vias legais. A
minha mãe não pensou em interromper a gestação dela, quando os
pais a ameaçaram expulsar de casa. Ou eu nem mesmo teria
nascido para começo de conversa.
Apesar de tudo isso, eu o amava mais do que a mim mesma.
Entrei em uma relação de codependência afetiva pelo medo do
abandono e pela necessidade doentia de agradar o outro a todo
custo. Eu não me dei conta de que passei pouco a pouco a me
anular, achando que assim eu me tornaria a mulher que Marcos
tanto queria que eu fosse.
Marcos foi o primeiro homem da minha vida, e achava que ele
seria o único.
Peguei o celular de novo e procurei o contato do meu ex na
lista de bloqueios. Quando encontrei o número de Marcos, toquei e
segurei o íconedo microfonepara dar inícioa uma nova mensagem
de voz.
— Não pretendia desbloquear o seu número e ter o desprazer
de falar com você, mas eu estou passando por um problema muito
sério. Preciso te ver o mais rápido possível. Me avise quando tiver
um tempo livre, por favor...
Pretendo marcar um encontro com ele na praça de
alimentação do Morumbi.
Encerrei a gravação do áudio e joguei o celular na bolsa, junto
com o teste de gravidez para em seguida pendurar a alça no ombro,
antes de me aproximar do espelho oval preso à porta.
— Parece que eu estou vivendo um pesadelo, e justo quando
as coisas estavam começando a melhorar... — murmurei,
observando o meu reflexo no espelho com reprovação no olhar. As
minhas feiçõesestavam sombrias, com destaque para os olhos, que
estavam vermelhos e inchados de tanto chorar. — A minha mãe é
tudo o que eu tenho nesta vida... E ela vai morrer de desgosto se
souber...
Deixei o apartamento, decidida a ir a um laboratório realizar o
exame de sangue.

Marcos respondeu a minha mensagem e marcamos de nos


encontrar na praça de alimentação, um ambiente espaçoso e bem
movimentado, o que passaria certa segurança durante a conversa.
Ele não seria louco de tentar fazer algo contra mim, especialmente
na presença de tantas pessoas.
Eu o avistei no local combinado e fiz um sinal para ele,
indicando uma das mesas vazias para nos sentarmos. Marcos não
mudou em nada, definitivamente. A aparência dele continua a
mesma, e quanto a mim, emagreci a olhos vistos e passei a
disfarçaras olheiras e marcas de expressão com muita maquiagem.
— Já esperava que voltaria a me procurar mais cedo ou mais
tarde, Melissa — afirmou meu ex, com um sorriso presunçoso nos
lábios.
Apoiei os braços na mesa e inclinei o corpo para a frente,
sentindo o sangue ferver, e reuni coragem para encará-lo fixamente,
com os olhos faiscando de raiva.
— Acha mesmo que eu entrei em contato com você, com o
intuito de reatarmos? A melhor coisa que eu fiz em muitos anos foi
ter me libertado desse relacionamento de merda.
— Porra, Melissa, eu só voltei a ficar com a minha ex por
causa do meu filho!
— Acho lamentável que a sua ex-mulher tenha te aceitado de
volta na vida dela. Só fico triste por ela, sabe?
— Ela estava se sentindo muito sozinha e começou a me
seduzir durante as visitas... Bem, nós dois transamos e por um
descuido, ela acabou engravidando de novo.
Senti um embrulho no estômago, seguido pelo nó na garganta,
assim que escutei as últimas palavras dele. Por uma infeliz
coincidência, a ex-mulher dele também está grávida.
— Então, vocês dois se reconciliaram e resolveram desistir do
processo de divórcio litigioso? — perguntei, suspendendo a
respiração. Senti um enorme aperto no peito, que passou a me
sufocar demais, devido àquela surpreendente revelação.
Eu me vi paralisada por um torpor momentâneo, como se o
mundo tivesse parado de repente, me fazendo mergulhar fundo na
mente. Respirei fundo e pesadamente e baixei os olhos para a
mesa, antes de levar a mão à testa, pressionando-a com a ponta
dos dedos.
E o ciclo se repete novamente. A minha mãe se descobriu
grávida de um engenheiro, o primeiro homem da vida dela. Quando
resolveu procurá-lo para transmitir a notícia, nutrindo a vã
esperança de que seria acolhida por ele já que os pais a
ameaçaram colocar para fora de casa, o sujeito se eximiu de
qualquer responsabilidade e revelou que era casado há 10 anos e
tinha dois filhos, um menino e uma menina.
No meu caso teve uma pequena diferença.Quando eu conheci
Marcos o casamento dele já estava em crise, e ele deixou de residir
na mesma casa que a ex-mulher, portanto o casal realmente estava
separado de fato. Com uma rápida pesquisa, eu descobri que a
separação de fato costuma anteceder a separação judicial ou
extrajudicial ou o divórcio, colocando fim aos deveres conjugais,
inclusive no que diz respeito à fidelidade.
— Sim... Laura e eu decidimos voltar a ficar juntos e
recomeçar do zero, mas só fiz isso pelo meu filho.
Balancei a cabeça como que despertando daquele momento
de distração, e abri a minha bolsa, tirando um envelope de dentro
dela.
— Tudo bem, Marcos, o que você faz ou deixa de fazer não
me diz respeito. Eu vou direto ao assunto para não perder mais
tempo. Eu acabei de confirmar a minha gravidez.
Eu deslizei o resultado do Beta HCG sobre a mesa, sem
desviar os olhos dele. Marcos abriu o envelope e tirou o documento,
para em seguida ler as informações rapidamente, e sem expressar
nenhuma emoção.
— Pensou o quê, hein, Mel? Achou que eu ficaria feliz em
formar uma famíliacom você, sendo que eu já possuo uma com a
minha ex? — perguntou, a voz tão cortante quanto uma lâmina
afiada, causando um rasgo em meu peito. Ele continuou me
encarando com o semblante impassível, enquanto dobrava o papel
para colocá-lo de volta no envelope, e o estendeu em minha
direção.
— Já tive um dia muito cheio. Basta por hoje — Foi tudo o que
consegui dizer, com a voz quase inaudível, enquanto retirava o
envelope da mão dele de maneira brusca.
Quando eu fiz menção de me levantar para sair do local,
Marcos rapidamente me segurou pelo braço com força, e
instintivamente eu recuei, sentindo o corpo tremer da cabeça aos
pés, e tomada por um medo irracional.
— Não quero mais tomar o seu tempo... — murmurei, nervosa,
voltando a me sentar na cadeira.
— Você não pode ir embora, sem me dizer antes quanto tempo
tem de gestação.
— Entre cinco a seis semanas, mas ainda vou confirmar,
quando fizer a ultrassom.
— Se ela está no início, então dá para contornarmos a
situação... — comentou Marcos, enquanto sacava o celular do bolso
para possivelmente buscar algum contato na agenda. — Eu tenho
um amigo que pode me indicar o fornecedor de umremedinho...
Meu Deus, como ele se atreve a pensar que pode tomar
qualquer tipo de decisão por mim?
Não passou pela cabeça dele os riscos a que eu estaria
exposta se fizesse uso de um remédio abortivo, adquirido
clandestinamente e sem a menor ideia de sua procedência. Ele
deve ter cogitado que se as coisas saíssem do controle e eu viesse
a óbito, conseguiria a resolução de dois problemas pelo preço de
um. Desgraçado.
Uma onda de raiva me dominou e me deu forças para me
levantar da cadeira e rapidamente tirar o celular da mão dele,
desligando-o antes de enfiá-lo por dentro do sutiã.
— Esta mulher está louca! — sentenciou o meu ex, em alto e
bom som, chamando a atenção das pessoas que estavam sentadas
em outras mesas da praça de alimentação. — Surtou
completamente com seu ciúme doentio — prosseguiu, levantando
as mãos em um gesto de rendição, na tentativa de passar uma
imagem de “bommoço”.— Eu vou te pedir educadamente, Melissa.
Devolva o meu celular, por gentileza.
Os meus olhos ardiam com as lágrimas reprimidas, enquanto
lançava um olhar em torno, observando cada um dos curiosos, cujos
rostos exibiam claramente uma expressão de censura. O
descontrole emocional sempre foi mal interpretado, especialmente
quando partia de uma mulher perante o homem.
Essa reação instintiva sempre atua como um mecanismo de
defesa,mas isso acabou se voltando contra mim. A minha terapeuta
já havia me aconselhado a manter o equilíbrio de forças tão
antagônicas, usando a racionalidade na resolução de um conflito.
Então, eu encolhi os ombros, em sinal de rendição e devolvi o
celular dele. Voltei a me sentar na cadeira e passei os dedos
debaixo dos olhos para enxugar as lágrimas. Não me surpreendeu o
fato de ter sido completamente desacreditada pelas pessoas ao
meu redor. Essa constatação se fez presente no dia em que
denunciei o comandante Ricardo Tosta aos meus superiores.
Marcos também voltou a se sentar, sem deixar de me encarar
nos olhos, com aquele mesmo olhar dissimulado de sempre. Podia
jurar que ele estava sorrindo interna e desdenhosamente.
— Acha mesmo que vai levar essa gravidez adiante só para
mais tarde bater à minha porta exigindo uma pensão? — comentou,
assumindo uma postura relaxada na cadeira.
Acabei deixando escapar um riso irônico e cheio de dor,
porque aquele último comentário me atingiu em cheio na alma.
— A minha mãe não precisou bater na porta do meu pai para
exigir absolutamente nada, Marcos — Senti uma vontade irresistível
de pôr uma das mãos no ventre. — Posso até não estar
suficientemente preparada para ter um filho, mas eu o terei mesmo
assim — A minha voz ressoou com tanta convicção, a ponto de
sentir uma onda reconfortante percorrer por todo o meu corpo.
— Não quero correr nenhum risco no futuro, Melissa. Eu
preciso resguardar os meus direitos.
— Direitos? Eu não acredito que ouvi isso... — Balancei a
cabeça, incrédula, ainda sem acreditar que ele poderia descer a um
nível tão baixo. Depois, eu me inclinei para a frente, de modo que
ninguém pudesse ouvir o que eu diria a seguir. — Eu implorei tanto
para você usar uma camisinha quando praticamente me pegou à
força...
— Falando assim parece até que foia primeira vez... — Bufou,
visivelmente contrariado. — Você sempre me disse que era estéril.
— Ser estéril é uma coisa; outra totalmente diferente é ser
infértil. A Síndrome dos Ovários Policísticos dificulta muito uma
gravidez, mas isso não quer dizer que seja algo impossível.
— Quando você se livrar do problema, me avise que a gente
volta a se encontrar.
— Não pense você que voltaremos a nos ver de novo, Marcos
— informei,enquanto ajeitava a alça da bolsa no ombro. — O nosso
contato acaba aqui e agora — completei, me levantando da cadeira
de um salto, encerrando de uma vez aquela maldita conversa.
— Falando desse jeito só pode indicar que há outro homem na
jogada. Acha que eu vou permitir isso, Melissa? — Ele também
decidiu ficar de pé e fez que iria avançar em minha direção para me
impedir de ir embora, mas eu fui mais rápida e me desvencilhei dele.
Saí correndo e acabei me esbarrando em algumas mesas e
nas pessoas pelo caminho. As lágrimas preencheram os meus olhos
e voltaram a descer, de forma vertiginosa. Como se já não bastasse
ele se achar no direito de dispor do meu corpo como bem
entendesse, ainda queria violar a minha integridade e dignidade, me
privando do direito de escolha e me desumanizando no processo.
Uma gravidez inesperada pode ser uma bênção ou uma
maldição, depende do ponto de vista. Eu não pretendo interromper a
gravidez, porque isso vai de encontro aos meus princípios e fere as
minhas crenças. Algo me diz que vou amá-lo, apesar de tudo.
“Eu teria dado todo meu coração,
Mas há alguém que o dilacerou
E ele levou quase tudo que eu tinha
Mas se você quiser, tentarei amar novamente[20].”

A profissão do aeronauta é regulamentada[21] por uma lei


específica.O INSSconcede o auxílio-doença tão logo é constatada
a gravidez da tripulante, devido à impossibilidade de exercer as
atividades a bordo de aeronaves. Sendo assim, eu deveria
comunicar à empresa a minha nova condição, imediatamente, e
embora tenha redigido um e-mail para isso, eu não tive a coragem
de clicar no botão “enviar”.
Eu estava aterrorizada pela ideia de engravidar e ser
abandonada à própria sorte. Interromper a minha carreira na
aviação não estava nos meus planos. Ser afastada do serviço nas
atuais circunstâncias pode gerar consequências irreversíveis. A
minha mãe depende exclusivamente de mim e toda a assistência de
que precisa é fundamental para determinar se as sequelas podem
ser temporárias ou se permanecerão por toda a vida.
Pressionei as pontas dos dedos na testa, franzida de
preocupação. A minha cabeça estava a mil naquele momento, ainda
mais sentada na cama toda desarrumada e com as pernas cruzadas
em posição de lótus. Deixei o notebook com várias abas abertas no
navegador temporariamente de lado, e peguei a minha agenda na
mesinha de cabeceira. Então, eu comecei a folhear as páginas,
buscando algumas anotações importantes sobre as atividades do
dia, afinal o trabalho da tripulação na aviação executiva se estende
para além da aeronave.
Eu faço todo o planejamento do serviço de bordo, desde a
parte logística até a execução em si. Uma vez que os executivos
escolhem o cardápio, geralmente enviado com antecedência, eu
encaminho para os fornecedores responsáveis pela elaboração dos
pratos, o que na aviação é chamado de comissaria. No entanto, os
pedidos não se restringem à alimentação, e eventualmente realizo
compras pessoais, muitas vezes solicitadas de última hora.
Acho desafiador e excitante não saber quais solicitações
precisarei atender ou para onde voarei nas próximas semanas.
De repente, uma folha dobrada caiu sobre o meu colo, e senti
o meu coração disparar, descontroladamente. Reconheci o bilhete
escrito por Alexandre e decidi reler.

Espero rever você antes da viagem à NY...


E a minha proposta continua de pé.
Case comigo, Mel.

Não demorou muito até sentir uma lágrima solitária escorrer


pelo canto do rosto, mas tratei de a enxugar com as costas da mão.
Alexandre Valadares é o tipo de homem que eu sempre quis
ter em minha vida. Alguém que fariaeu me sentir acolhida, amada e
respeitada. Alguém que transmitiria segurança na relação,
valorizando a minha companhia, disponibilidade e total entrega. Só
que o vínculo entre nós dois não passaria de um acordo de
negócios, e cuja finalidade seria apenas para obtenção do controle
total da Astramed Medicamentos.
Uma esposa troféu pode acompanhá-lo nos eventos sociais,
passando uma imagem positiva para os investidores.
Abri algumas abas no navegador e comecei a pesquisar o
assunto mais a fundo. Parece que existe uma vantagem corporativa
em contratar um executivo que esteja em um relacionamento
estável e de longo prazo, se comparado a um solteiro, uma vez que
o segundo tem mais propensão a assumir riscos. Um CEO bem-
sucedido eventualmente pode adicionar um casamento à equação,
visando os benefícios a longo prazo para sua carreira.
Alexandre precisa de uma esposa;eu preciso de um pai para o
bebê que estou esperando. Fui criada para assumir o papel de
esposa e mãe, pois a minha sentiu que falhou nesse aspecto e teve
medo de que eu tivesse o mesmo destino dela. Tudo o que mais
desejo é poder satisfazer a minha mãe ainda em vida, podendo
formar uma família, ter um lar e a tão desejada segurança
financeira.
Coloquei o notebook novamente em meu colo e procurei na
caixa de entrada o e-mail dele de boas-vindas. Desci a barra de
rolagem até encontrar os dados de contato na assinatura de e-mail.
Peguei o meu celular e fiz uma chamada de voz para ele, que
atendeu no terceiro toque.
O CEO me cumprimentou em um tom de voz amistoso, e
engoli em seco, decidindo ir direto ao ponto:
— Desde já eu peço desculpas por incomodá-lo, Alex. Mas, eu
refleti muito desde a nossa última conversa. Só estou te ligando
para saber se a sua proposta ainda está de pé...
— Para você? Sempre — respondeu o milionário, sua voz saiu
dolorosamente rouca, ao frisar a última palavra, e com uma
intensidade que me fez estremecer. — Sabia que aceitaria, Mel. Eu
vou pedir ao meu advogado para redigir o contrato pré-nupcial. Você
pretende estabelecer alguma condição?
— Antes de mais nada, eu quero deixar claro que eu não estou
entrando nessa para ter uma vida de luxo, mas as minhas
economias cobriram os gastos com a internação de mamãe, e ainda
preciso manter a assistência continuada na casa de repouso. Os
custos são bem elevados, e tomei muitos empréstimos,
infelizmente...
— Eu cuidarei de tudo tão logo assine o contrato, Mel. Nós
vamos assumir o compromisso de fazer parte da vida um do outro,
então não acho justo que passe por algum tipo de dificuldade.
— Eu nem sei o que dizer... — A voz falhou e eu limpei a
garganta, sentindo o coração se apertar. Alexandre tem
demonstrado ser melhor do que eu pensava. Eu não mereço um
homem tão incrível assim ao meu lado. Foi por isso que eu tomei a
decisão de sair da vida dele tão rápido quanto entrei, ainda que me
doa muito. Eu funguei,sentindo o nariz escorrendo e passei o dorso
da mão de modo brusco, sufocando assim um choro inoportuno. —
Gratidão por tudo, de verdade. A gente vai se falando, não quero
mais tomar o seu tempo.
— Eu queria muito estar mais perto de você, Mel. Mas, eu
posso esperar... Se cuida, está bem?
Encerrei depressa a chamada, antes que ele me notasse
desabando em prantos.

A semana praticamente se arrastou, mas a Steh já estava de


volta a São Paulo. Aguardei a chegada dela, mal contendo a
ansiedade, afinal além de ser a minha melhor amiga, ela também é
quase como se fosse uma irmã para mim. Logo que eu cheguei na
Capital, passei algumas semanas vivendo na pensão próxima ao
aeroporto de Congonhas, mas foi graças à Steh que eu consegui
arrumar um emprego na companhia aérea como agente de
aeroporto. Stefani foi de uma generosidade tremenda, quando se
disponibilizou a dividir comigo as despesas do aluguel do
apartamento, e inclusive me emprestou todo o material do curso de
formação de comissários de voo.
As economias de mamãe foram suficientes para o pagamento
das mensalidades do curso de comissária de bordo, mas o
treinamento prático de sobrevivência na selva e no mar, além do
exame da ANAC, foram todos custeados por Steh. O salário de
agente de aeroporto só cobriu mesmo as minhas despesas
pessoais, bem como do aluguel, água, luz, telefone e condomínio.
Eu andei de um lado para o outro da sala, roendo a unha do
dedo mindinho até que de repente, eu ouvi o som da porta sendo
destrancada.
— Ah, finalmente, amiga do céu! — Gritei, dando pulinhos de
alegria, e avancei na direção dela para lhe dar um abraço apertado.
— Puta que pariu, que saudades, mana!
As minhas pálpebras já estavam úmidas das lágrimas que
escorriam pelo rosto, enquanto a minha amiga me enchia de beijos
estalados.
— Eu fiquei arrasada por ter estado tão longe, e justo no
momento em que você mais precisava de mim... — lamentou Steh,
ao se afastar um pouco para me encarar atentamente nos olhos. —
Me conte tudo o que aconteceu e não me esconda nada, por favor.
— Bem, você já sabe que o exame deu positivo... Então, eu
decidi marcar um encontro com Marcos no shopping e expus a ele
toda a situação.
— Como aquele desgraçado reagiu à notícia? — perguntou,
fazendo um sinal com a mão, indicando que eu deveria segui-la,
enquanto arrastava a mala de rodinhas até o quarto dela.
— Não esboçou nenhuma reação, mas exigiu que eu desse
um jeito... você já deve imaginar o que eu quero dizer...
— Você sabe que eu sou totalmente a favor, mas respeito a
sua decisão de levar essa gravidez adiante..., embora eu ainda ache
isso uma loucura! — Steh abriu a mala de mão e tirou uma valise de
dentro dela, antes de se aproximar da penteadeira. — Mas é como
diz aquela frase que eu amo: Seu corpo, suas regras — Despejou
um pouco de demaquilante no algodão e passou pelo rosto todo
para remover a maquiagem. — Você, mais do que ninguém, deve
saber o que é melhor para si mesma.
— É por isso que eu te amo tanto! — murmurei, me
encostando à lateral da porta, e passei a mão sobre o canto dos
olhos para enxugar as lágrimas. — Você acredita que ele ainda me
expôs ao ridículo na praça de alimentação? Foi muito degradante
perceber os olhares de julgamento das pessoas em volta...
De repente, Stefani bateu com o punho livre sobre o tampo do
móvel.
— Se eu o visse na minha frente, juro para você que eu não
responderia por mim. A situação já está ficando insustentável,
mana. Precisa tomar alguma providência!
— Como eu gostaria que as coisas fossem tão simples assim!
— Eu exclamei inesperadamente, em um súbito rompante de
irritação. — A gente assiste aos telejornais todos os dias e não se
surpreende mais com os números alarmantes de feminicídio. Eu não
quero entrar para as estatísticas... — Diminuí a distância entre nós
duas, sentindo as lágrimas inundarem os meus olhos. — Eu cheguei
até a pensar em mudar de cidade, Estado ou país, mas considero
inadmissível ter que fugir
, sendo que não sou nenhuma criminosa!
Desanimada, eu deixei os braços caírem na lateral do corpo.
Steh me lançou um olhar consternado através do espelho, mas ela
logo se virou e avançou em minha direção, antes de me puxar
suavemente para junto de si, e me envolveu num abraço apertado.
— Então, o que você pretende fazer agora? — perguntou
minha amiga, junto ao meu ouvido.
— Eu vou me casar com o CEO da Astramed, Alexandre
Valadares — respondi, tentando imprimir um tom animador à voz. —
Só um homem consegue impor respeito a outro, não é mesmo?
— Mas ele não é o seu chefe, ainda que indiretamente? —
Steh se afastou um pouco, apenas o suficiente para me lançar um
olhar aturdido. — Meu Deus, esse quebra-cabeças está muito
confuso. Até outro dia você garantiu que não se envolveria com
homem nenhum pelo resto de sua vida... O que te fez mudar de
ideia assim tão rápido?
— Sim, exatamente. Eu te contei que Alexandre me levou para
jantar no sábado de Carnaval, mas você sabe que não rolou nada
além de um beijo. Então, ele me deixou a par da situação
envolvendo os negócios da família,e me propôs um casamento por
contrato. É um arranjo temporário e que visa apenas atender às
exigências do plano de sucessão do falecido avô.
— Está ciente de que as chances de ter o coração partido são
enormes, não?
— Mais do que ele já está destroçado, amiga? — Rebati,
deixando escapar um suspiro cansado. — Eu escolhi assumir esse
risco porque há muitas coisas em jogo, agora. Antes de tudo, eu
prezo pela segurança da minha mãe, pela minha própria e também
pelo bebê que estou esperando.
— Espero que esteja fazendoa escolha certa, mana — Apoiou
as mãos em meus ombros, enquanto sorria de modo afetuoso. —
Eu só quero que você seja feliz — completou, com a voz embargada
pelas lágrimas que lhe preenchiam os olhos.
— Muito obrigada por tudo, amiga — sussurrei, embevecida
pelas palavras dela. De repente, eu escutei o alarme do meu Apple
Watch disparar, sinalizando o lembrete. — Eu preciso ir ao
supermercado comprar os snacks para abastecer a despensa da
galley. Quando eu voltar a gente retoma a conversa, ok? Não
demoro.
— Mas, como assim, Mel? — Piscou algumas vezes,
visivelmente confusa. — Você ainda não comunicou à empresa de
que está grávida? Você precisa ser afastada do serviço,
imediatamente, e sabe muito bem disso.
— Eu vou continuar trabalhando normalmente durante um
tempo... — revelei, desviando o olhar, e pigarreei, constrangida. —
Esse casamento não vai acontecer da noite para o dia, então eu
preciso agir o mais rápido possível, deu para entender?
— Você está mesmo disposta a seduzi-lo e levá-lo pra cama?
O milionário vai presumir que engravidou dele... Não seria mais fácil
contar toda a verdade?
— Esse enlace matrimonial não passa de uma mentira, Steh.
Que diferença faz se todo o resto for assim também? — Rebati,
sentindo a amargura voltar a preencher o meu íntimo. — Tudo isso
não passa de um acordo de negócios, então acho pouco provável
que ele estabeleça algum vínculo afetivo em relação a mim e ao
bebê que estou esperando. Eu só contarei a verdade no tempo
certo, apenas em consideração ao que foi investido.
— Mana, com um final desses você só vai quebrar a cara, vai
por mim! — Gritou Stefani às minhas costas, mas fiz que tinha
entrado num ouvido e saído no outro.
Fui direto para o meu quarto, tomei um banho rápido e escolhi
um dos meus vestidos midi em malha canelada, com mangas curtas
e uma fenda discreta na lateral, deixando parte da perna direita à
mostra, e completei o look com o tênis plataforma branco.
Cumprimentei o porteiro com um aceno e desci os degraus
que levavam até o portão, segurando a alça da pequena bolsa
transversal de couro. Nem bem eu dei os primeiros passos, alguém
agarrou o meu braço por trás e me puxou contra si de formabrusca.
O meu grito foi abafado por Marcos, que tapou a minha boca com a
mão livre. Percebi que o rosto dele estava coberto pela aba do
capuz de sua jaqueta bomber, evitando assim ser reconhecido por
algum morador do prédio. O desgraçado também usava óculos de
sol e um boné para completar o disfarce.

— Você já se livrou daquele problema? — O tom grave e


ameaçador dele foio suficiente para fazero meu corpo se contrair e
enrijecer de medo. O meu ex tirou a mão dos meus lábios, mas
manteve o aperto em meu braço, comprimindo-o de tal forma que
não pude conter um gemido de dor.

Um ou outro passante apareceu no meu campo de visão, mas


a rua em si estava praticamente deserta.
— Por que você não pode simplesmente me deixar em paz,
hein? Coloque de uma vez por todas nessa sua cabeça que eu não
te devo mais satisfações. Você não manda em mim!

Foi quando nós dois ouvimos o som de uma buzina estridente.


Marcos acabou se assustando com aquele barulho inesperado,
então aproveitei a deixa para me desvencilhar dele. Tentei correr na
direção oposta, mas Marcos rapidamente puxou o meu braço, e
passei a me debater e a chutá-lo, descontroladamente. Quando por
fim eu consegui me soltar, ouvi uma voz masculina gritando o meu
nome, mas eu já estava tão nervosa que nem pensei duas vezes e
voltei a correr. Acabei perdendo o equilíbrio ao tropeçar em um
buraco na calçada, mas instintivamente usei as palmas das mãos
para amortecer a queda, minimizando assim o impacto contra o meu
ventre.

Eu esqueci momentaneamente a dor, e apoiei o cotovelo no


chão, para em seguida me virar de lado com cuidado. Consegui me
virar bem a tempo de ver Alexandre desferindoum soco no rosto do
meu ex-namorado. Suspendi a respiração por uma fração de
segundo, quando ouvi a voz marcante do milionário reverberar de
forma ameaçadora.

— Não vou permitir que você toque num fio de cabelo dela
novamente, me ouviu bem, filho da puta?

Marcos arqueou as sobrancelhas, assumindo uma expressão


de profundo desdém, enquanto passava o polegar pelo canto dos
lábios e notei um filete de sangue escorrer por ele.
— Não pense você que vai se ver livre de mim, Melissa! —
gritou Marcos, lançando um olhar de puro ódio para mim, antes de
dar as costas e sair correndo pela calçada como se nada tivesse
acontecido.

Tentei fazerum esforçoextra para me levantar, mas Alexandre


rapidamente se aproximou de mim e se agachou ao meu lado,
fazendo os seus olhos percorrerem o meu corpo, o que me
provocou um arrepio ao longo da espinha.

— Mel, você está bem? — perguntou ele, inclinando a cabeça


para o lado e me sondou, com o cenho franzidode preocupação. De
repente, eu senti uma ardência na perna direita e afastei um pouco
a fenda, revelando uma leve escoriação no joelho.

— Ainda me doem os pulsos, mas fora isso está tudo sob


controle — respondi, soltando um longo suspiro, enquanto
massageava o punho dolorido.

— Eu vou levar você até o seu apartamento — informou


Alexandre, de repente. E antes que eu dissesse algo em protesto,
ele rapidamente me carregou em direção ao prédio onde eu moro.

— Por um minuto eu pensei que chamaria a polícia, Alex —


comentei, apoiando o meu braço no ombro do CEO. Os meus olhos
se fecharamde formamomentânea, ainda inebriada pela fragrância,
sensual, amadeirada e elegante do perfume importado dele.

— Eu imaginei que você se recusaria a prestar queixa contra


ele, mesmo apresentando os registros das câmeras de segurança
do prédio. Além do mais, a situação poderia se complicar mais pelo
fato de eu o ter agredido com um soco.
Nós dois seguimos em direção ao elevador e fomos os únicos
a entrar nele. Eu acionei o botão do andar correspondente, e passei
a observar o meu reflexo na parede espelhada, com reprovação no
olhar, ao perceber que o meu cabelo tinha ficado um tanto quanto
bagunçado. De repente, o meu coração parou de bater por uma
fração de segundo até voltar a acelerar de forma incontrolável. Eu
flagrei Alexandre direcionando um olhar duro, embora penetrante, e
com um brilho ardente inconfundível.

Uma vez no apartamento, Alexandre lançou um olhar em


torno, observando o espaço de 54 m²,composto por dois quartos,
sendo um deles com uma suíte, sala de estar, cozinha americana,
banheiro e varanda.

— Sei que esta humilde residência que compartilho com a


minha amiga não se compara ao seu imóvel em Alphaville, Alex —
comentei, com certo constrangimento.

— Sendo bem sincero, eu achei o apartamento bem espaçoso


e aconchegante, Mel — Ele se aproximou do sofá e me colocou
cuidadosamente nele, antes de pegar o puffpara em seguida usá-lo
como apoio, mantendo a minha perna direita elevada. — Onde
encontro o antisséptico para arranhões e ferimentos em geral?

— No armário do banheiro... Ah, eu vou precisar também de


gelo para fazer uma compressa fria nos pulsos.

Quando Alexandre voltou, trazendo uma bolsa térmica, o


antisséptico e uma gaze, ele se agachou diante de mim e procedeu
nos cuidados com o ferimento.
— Por que decidiu vir até aqui, Alex? Como conseguiu o meu
endereço?

— Eu trouxe o contrato pra você ler com calma antes da


viagem à Nova York — respondeu, sem desviar o olhar do meu
joelho, enquanto pressionava de leve a gaze sobre a pele, fazendo
o meus pelos se arrepiarem, involuntariamente. — O seu ex pensa
que te estragou para qualquer outro homem, Mel. Mal sabe ele que
eu não sou um homem qualquer.

Alex me fez sentir como se eu fosse desmontar inteira só de


ouvir suas últimas palavras.

Não pude resistir mais à vontade de beijá-lo, e o surpreendi


completamente, ao segurar o rosto dele entre as mãos, e fazendo a
minha boca sedenta capturar a dele, com impaciência. O CEO
soltou um gemido abafado e aprofundou o beijo, movimentando a
língua úmida num ritmo feroz e envolvente, e como resposta eu
entreabri mais os lábios, esfregando-os nos dele e exigindo maior
acesso. A sua língua de encontro à minha era tão quente e
convidativa, que eu não resisti e grunhi de prazer, enquanto sentia o
braço dele envolver a minha cintura, pouco antes de me puxar
delicadamente para junto de si.

De repente, Alex interrompeu o beijo apenas para sugar


provocativamente o meu lábio inferior e o mordiscou, provocando
um arrepio delicioso pela base da coluna.

— Eu estava louco para possuir a sua boca de novo, Mel... —


A voz dele vibrava com tesão incontido, enquanto sentia a aspereza
da barba dele roçando contra a minha pele, e enviando ondas de
prazer por todo o meu corpo.
— Amiga, como assim voltou tão rápido do supermer... — A
voz de Steh morreu antes de completar a frase, nos pegando
completamente de surpresa. — Oh... meu Deus, foi mal aí! —
Cobriu a boca, visivelmente constrangida, e passou a nos encarar
com os olhos arregalados. — Não sabia que estava acompanhada,
Mel.

Nós dois trocamos um longo olhar, como que reconhecendo a


fagulha de desejo pairando no ar e nos envolvendo, pouco antes de
explodirmos em uma sonora gargalhada.

— Steh, agora que nos interrompeu, faça a gentileza de


cumprimentar o meu chefe— comentei, gesticulando para chamar a
atenção dela, com um sorriso matreiro nos lábios.

— Adoraria poder ficar um pouco mais, só que eu preciso


chegar ao escritório antes da reunião com os diretores começar... —
informou Alex, batendo com as mãos sobre os joelhos e se
levantou, soltando um longo suspiro. — Depois da confusão toda
com o seu ex, acabei me esquecendo de pegar a pasta no carro...

— Ah, não seja por isso — Steh se apressou em dizer,


possivelmente se disponibilizando a pegar o documento para mim.
— Eu te acompanho até o térreo, sem problemas.

— Não fosse o seu encontro com o carinha do Tinder, eu teria


perdido a oportunidade de conhecer a minha futura esposa — Alex
abriu um sorriso caloroso ao trocar um aperto de mãos com Stefani.
— Prazer em conhecê-la, Steh.
— Veja lá como vai tratar a minha amiga, hein? — advertiu,
gesticulando com o indicador na direção dele, expressando
seriedade. — Eu a amo muito e quero que ela seja feliz.

— Eu poderia dizer que você tem a minha palavra, mas eu


prefiro demonstrar isso com atitudes — A voz dele saiu baixa, mas
com intensidade suficiente para fazer o meu corpo estremecer,
sutilmente.

Steh arqueou as sobrancelhas, com um leve sorriso no canto


da boca, visivelmente impressionada pela postura firme e decidida
dele. Alexandre dirigiu um último olhar em minha direção, como se
estivesse carregado de magnetismo. Eu fiquei completamente
invadida pela intensidade ardente de seu olhar, provocando em mim
uma deliciosa onda de calor, e gerando uma sensação reconfortante
como há muito tempo não sentia.

Tirei o meu celular de dentro da pequena bolsa transversal e


comecei a checar as notificações, e entre elas estava a que eu
jamais previa receber: colegas relataram ter visto o meu nome
envolvido em boatos espalhados pela AFA, em que pilotos,
mecânicos de aeronave e comissários alegavam ter recebido
mensagens supostamente enviadas por mim, no Instagram. Apesar
de o perfil ter sido deletado pela rede social após denúncias, o
sujeito não se intimidou e criou outro fake, espalhando mensagens
de conotação sexual, conteúdo abusivo e fotos, com o intuito de me
difamar.

Será que o comandante Ricardo Tosta está por trás disso,


especialmente agora que foi demitido da empresa?
De repente, o meu celular começou a tocar, me tirando
abruptamente dos meus devaneios, mas mesmo se tratando de um
número desconhecido, eu resolvi atender a chamada e confirmar
logo se o responsável por violar a minha privacidade era mesmo o
piloto assediador.

— Acha mesmo que vai conseguir me intimidar, comandante?


— Eu me levantei de um salto, sentindo o sangue começar a ferver
em minhas veias e de tal forma, que acabei esquecendo
momentaneamente a dor no joelho.

A gargalhada do outro lado da linha fez o meu corpo se


enrijecer de medo. Não era o comandante Ricardo Tosta, mas sim, o
meu ex-namorado, Marcos Gonçalves.

— Sou eu meu amor. Sentiu falta de ouvir a minha voz? — Só


de ele ter simulado uma falsa amabilidade já me causava arrepios
— O seu comportamento daqui por diante vai determinar se as fotos
inofensivas podem ser trocadas por outras bem mais
comprometedoras...

— Desgraçado! — vociferei, cerrando os punhos com força,


num súbito acesso de cólera. — Você foi longe demais, Marcos. Eu
não formalizei nenhuma queixa até agora. Como ousa se fazer
passar por mim nas redes sociais? — prossegui, amargurada,
sentindo as lágrimas descendo pelo rosto, descontroladamente. —
Não pensou em nenhum momento que eu carrego um filho seu no
ventre? Eu te amava mais do que a mim mesma e durante anos eu
me senti culpada por não estar à altura de te merecer.
— Não chore, meu amor — Fiquei enojada com seu tom
paternalista. — Você não me deu outra opção além de acabar com
o seu sonho de princesa. Você é a única responsável por ter se
colocado nesta situação deprimente.

— Até quando pretende me infernizar, hein? — perguntei, mas


não esperei por uma resposta. — Você deveria se dar por satisfeito
porque está seguindo com a sua vida como se nada tivesse
acontecido, exercendo o seu papel de cidadão de bem, marido e pai
exemplar, além de profissional de prestígio — Não consegui
disfarçar a ironia no tom de voz, ao lembrar quantos homens com
esse mesmo perfil não são culpabilizados pelos seus crimes.

— Está tentando refazer a sua vida ao lado de outro homem,


não é mesmo? Mas satisfaça a minha curiosidade, Melissa. Ele já
sabe que você está grávida?

— Por tudo o que é mais sagrado, Marcos, esqueça que eu


existo e suma da minha vida de uma vez por todas — balbuciei,
nervosa, tremendo da cabeça aos pés.

— Aquele playboy se atreveu a me dar um soco na cara, sua


vadia. Achou que ficaria por isso mesmo? Conheço pessoas que
vão adorar receber nudes e vídeos íntimos seus, Mel.

— Você vai se arrepender se fizer isso, Marcos. Eu vou direto


pra delegacia!

O desgraçado desligou na minha cara.

Marcos continuou tentando entrar em contato comigo através


de fakes, mas como eu reforcei a segurança da minha conta,
tornando o perfil privado e impedindo que algum desconhecido
enviasse solicitações de mensagens, ele resolveu adotar outra
estratégia, criando perfis falsos com meu nome e minha imagem
para seguir nossos conhecidos em comum.

Quando Stefani retornou ao apartamento, contei para ela tudo


o que aconteceu e depois de muita insistência, eu acabei
concordando em prestar queixa na DDM[22].
“Agora você permanece com a língua presa
Você deveria ter aprendido melhor sua lição
Esconda o que tem para esconder
E diga o que tem para dizer
Você verá seus problemas multiplicados
Se você continuamente decidir
Perseguir fielmente
A política da verdade[23].”

Fiz uma rápida pesquisa no caminho até o bairro de Santo


Amaro. As denúncias podem ser feitas pessoalmente, nos casos
que a mulher necessite de agilidade nos efeitos cautelares ou
através do número 190, caso não precise de medidas protetivas de
urgência. A 6ª DDM funciona no mesmo prédio do 11º Distrito
Policial, com instalações novas como recepção, dezesseis salas,
sete banheiros além de brinquedoteca.
Uma vez no local, constatei que seria atendida pelo delegado,
que assumia o posto no lugar da colega, em virtude das férias dela.
A sala de espera estava lotada e algumas mulheres se mostraram
descontentes com a demora e com o descaso durante a triagem, o
que só as desestimulava em prosseguir com o registro da
ocorrência.
— Com certeza não vai dar em nada como sempre — Se
queixou uma jovem, sentada ao meu lado.
Toda aquela profusão de vozes, barulho de equipamentos
eletrônicos, além do vai e vem frenético de funcionários me deixava
atordoada demais. Somente saí do estado de torpor, quando Steh
segurou a minha mão entre as suas e a apertou, suavemente.
— Nós duas só vamos sair daqui com o boletim de ocorrência
nas mãos.
De repente, uma escrivã apareceu para colher alguns dados,
mas ela deixou transparecer a impaciência dela ao falar em tom
ríspido, chegando até mesmo a me interromper várias vezes, me
deixando ainda mais nervosa do que eu já estava.
— Então, por gentileza, me acompanhe até a sala de registro
de ocorrências, senhora. O delegado vai dar continuidade ao seu
atendimento.
Steh e eu nos levantamos ao mesmo tempo, mas a escrivã foi
bem incisiva ao dizer que a única pessoa que poderia me
acompanhar durante o depoimento seria um advogado.
— Eu vou continuar aqui, aguardando o seu retorno, está
bem? — Segurou a minha mão com força para me transmitir apoio.
— Muito obrigada por tudo, amiga — agradeci, e respirei bem
fundo, me enchendo de coragem para enfrentar o interrogatório.
Uma vez na sala de registro de ocorrências, o delegado me
cumprimentou, lançando um olhar inexpressivo, e fez um sinal na
direção da cadeira com um gesto impaciente.

— Doutor, se trata de mais uma denúncia, envolvendo


perseguição, lesão corporal, ameaça e difamação — informou a
policial, entregando uma ficha para ele, antes de ocupar a mesa
situada no canto da sala.
— Segundo consta nesta ficha, a senhora alega que está
sofrendo ameaças do seu ex-namorado por meio de mensagens de
texto, desde o término do relacionamento, correto? — perguntou o
delegado, com as mãos cruzadas sobre a mesa. Eu me limitei
apenas a confirmar com um gesto de cabeça. — Porém, a senhora
não conseguiu coletar nenhum registro dessas conversas, o que
possibilitaria anexar aos autos como prova documental.

— Ele utilizou outra rede social, que permite o envio de


mensagens autodestrutivas, contendo textos e até mesmo um vídeo
íntimo usando o modo temporário do chat. Bloqueei o perfil
imediatamente, mas hoje mesmo eu recebi uma ligação dele,
doutor. A essa altura ele já deve ter espalhado o material, usando
fakes para se fazer passar por mim.
— Então, a senhora tem como coletar essas conversas
compartilhadas em grupos de aplicativos, certo? A senhora está
ciente de que eu preciso ver essas imagens e/ou vídeos por mais
que elas lhe causem constrangimento? O juiz também vai pedir
detalhes por fazer parte do processo penal.
— Talvez eu consiga... Não posso garantir nada ainda —
Encarei as minhas próprias mãos unidas, com os dedos
entrelaçados, e mexi os polegares distraidamente. — Doutor, eu não
vim até aqui apenas para acusá-lo do crime de importunação
sexual. As ameaças não se restringiram ao meio virtual, muito pelo
contrário. Ele ficou aguardando a minha saída no prédio onde eu
moro hoje mesmo e me abordou de forma violenta.
— Quer dizer então, que ele também te agrediu fisicamente?
Tem testemunhas?
— Não, exatamente... — Eu cocei a cabeça, como se fizesse
um esforço para me lembrar de mais algum detalhe importante. —
Ele não me empurrou, mas quando tentei me desvencilhar dele e
correr pela calçada, eu acabei tropeçando e a queda causou
escoriações no joelho e também nas minhas mãos — expliquei,
ficando de pé para lhe mostrar o arranhão nas palmas além do
joelho ralado. — Com certeza as câmeras de segurança do prédio
registraram tudo. O problema é que o meu atual namorado tentou
me defender, dando um soco nele...
— Nesse caso, as coisas se complicam um pouco mais... —
comentou ele, se empertigando na cadeira.
— Eu não tive coragem de vir até aqui semanas atrás porque o
meu ex quis envolver minha família...a minha mãe sofreuum AVC e
desde então ela tem vivido numa casa de repouso. Ele tinha livre
acesso ao local, doutor. Eu entrei em desespero nesse dia.
— Pelo o que consta na ficha,a senhora se relacionou durante
mais de cinco anos com um engenheiro aeronáutico, que ainda
mantém o estado civil de casado — o delegado desviou a atenção
do papel, e as sobrancelhas se uniram numa expressão de censura.
Só faltou ele dizer que eu não passava de uma amante.
Só de estar aqui nesta sala já era humilhação suficiente para
uma vida inteira. Eu não pretendo sair até que se faça justiça.
— Esse engenheiro aeronáutico com quem eu mantinha um
relacionamento sério, e que até pouco tempo atrás estava se
divorciando, doutor, aproveitou a minha ausência numa noite de
sexta-feira para entrar em meu apartamento, ingeriu bebida
alcóolica até ficar bêbado e me forçou a ter relações sexuais.
— Ele tinha livre acesso à sua residência? Onde a senhora
estava e com quem na noite em questão?
— Sim, eu dei uma cópia da chave para ele... — confirmei,
desviando o olhar, constrangida. — Eu fui a um barzinho na Faria
Lima, acompanhar uma amiga para que ela pudesse se sentir mais
segura durante o encontro com um contato de aplicativo.
— A senhora ingeriu bebidas alcoólicas no local? — A julgar
pela sobrancelha arqueada e pelo olhar curioso, certamente os
julgamentos já se formavam na mente dele.
— Eu só tomei duas cervejas puro malte e uma taça de gin.
Precisava trabalhar nas primeiras horas da manhã seguinte.
— Ambos estavam sob efeito de bebidas alcóolicas, e talvez
quiseram curtir o resto da noite...
— O senhor está tentando distorcer os fatos, doutor —
Constatei horrorizada, sentindo uma onda de indignação irracional
me envolver.
Engoli em seco, tentando eliminar o nó da garganta, ao mesmo
tempo em que as lágrimas quentes e grossas brotavam e faziam os
meus olhos arderem, me obrigando a fechá-los com força.
Eu abri os olhos, passei a mão sobre o rosto para enxugar as
lágrimas e me levantei da cadeira, decidida a ir embora mesmo sem
o registro. Pensei em vir até aqui porque essa situação já estava
ficando insustentável. Eu nem sei mais se conseguirei ter forças
para suportar um longo processo até que a medida protetiva de
urgência seja concedida por um juiz. E para piorar, eu ainda seria
submetida a um exame de corpo de delito no InstitutoMédico-Legal
(IML),que a essa altura seria algo bastante constrangedor e inútil,
sem contar que ainda teria o ônus de provar na justiça que a minha
gravidez decorre de um estupro.
— Quantas mulheres precisam se calar para que apenas uma
possa falar por elas, doutor? — perguntei, erguendo o dedo
indicador, mas o deixei cair ao longo do corpo. — E quando essa
única mulher é deslegitimada?
Preferi deixar a sala de registro de ocorrências antes mesmo
de ouvir uma resposta ao meu questionamento. Encontrei Steh na
recepção e a puxei pelo braço, andando em direção à saída do
distrito policial. Quando alcançamos a rua, minha amiga estacou, de
repente, então eu parei de andar e me virei na direção dela,
aguardando um possível sermão.
— Por que você desistiu de prestar queixa contra Marcos,
mana?
— O delegado só faltou me perguntar: “V ocê tem certeza de
que não contribuiu para o seu então namorado agir dessa maneira?”
Desgraçados, todos eles!
Não pude conter o ímpeto de passar os braços em torno da
minha amiga, que me envolveu num abraço apertado. Caí num
choro convulso, com a cabeça encostada no ombro dela, o colo
subia e descia ao ritmo da respiração entrecortada. Subitamente, eu
parei de chorar e de soluçar, e me afastei um pouco para poder
enxugar as lágrimas com as costas da mão, cada vez mais decidida
a não fraquejar. Agora mais do que nunca eu preciso resistir, pelo
bem da minha mãe e também pela vida que está se formando em
meu ventre.
— O que pretende fazer agora, Mel? — Steh quis saber, me
lançando um olhar afetuoso, enquanto afagava os meus cabelos.
— Eu preciso me casar com o milionário o mais rápido
possível, Steh. Ele me garantiu que o processo de divórcio vai ser
rápido e compensatório para nós dois.
— Mas ele pode descobrir que você está grávida e presumir
que é o pai. Não parou pra pensar nos desdobramentos desse
acordo?
— É por isso que eu preciso agilizar esse processo, antes que
a minha gravidez se faça notar. Eu vou fazer todo o possível para
esconder a verdade dele pelo menos até o casamento.
Assim que tudo estiver finalizado, eu terei condições
suficientespara mudar de Estado ou até mesmo de país,garantindo
assim a chance de recomeçar a minha vida ao lado da minha mãe e
do meu bebê.
Alexandre é o único passageiro do voo com destino a Nova
York. O Embraer Lineage 1000E tem autonomia para fazer o trajeto
sem escalas, e com duração prevista de 8 horas e 28 minutos. Os
voos noturnos permitem aos clientes descansarem, para dessa
forma se sentirem mais produtivos durante o dia, e aproveitando
melhor o destino.
Uma ideia começou a se formar em minha mente, quase que
de forma obsessiva. Passei os minutos anteriores ao embarque,
deliberando em minha consciência, sobre o melhor momento de
levá-lo para a cama. Lembrei da passagem de um livro em que o
narrador dizia que uma situação desesperadora requer medidas
desesperadas. Afinal, garantir a segurança e o bem-estar da minha
mãe é a minha maior prioridade, independentemente dos
desdobramentos futuros.
Nada me tirava da cabeça que Alexandre foi ao bar da Faria
Lima com o intuito de se aproximar de alguma mulher minimamente
interessante, tendo em mente que buscava apenas uma candidata a
esposa-troféu. Foi o próprio milionário quem se deixou seduzir
porque viu em mim a oportunidade de conseguir o que queria nos
negócios, quando propôs um casamento por contrato. Uma relação
de aparências convém tanto para ele quanto para mim. Nós dois
vamos constituir uma família digna de comercial de margarina.
No que depender de mim, Alexandre só vai tomar
conhecimento sobre a verdadeira paternidade apenas daqui a
alguns meses.
E vai ser melhor assim.
Para todos nós.
Eu estava tão distraída com os meus próprios pensamentos,
que eu me assustei ao ouvir a voz marcante de Alexandre:
— Você tem alguma objeção a fazer, Mel? — Senti o toque
firme da mão dele sobre a minha, que ainda mantinha a caneta
esferográfica de luxo centímetros acima do papel. — O meu
advogado me orientou a assinar essa papelada antes de subir ao
altar, visando assim um processo de divórcio rápido, mas
compensatório para ambas as partes.
— Não, imagina — respondi, tentando imprimir firmeza à voz
vacilante. — Eu estou totalmente de acordo com os termos do
contrato — Eu me endireitei na poltrona, antes de assinar na linha
correspondente ao meu nome, embora tivesse sentido um leve
tremor na mão. Então, deslizei o documento sobre a mesa para ele
poder fazer o mesmo.
Para todos os efeitos, eu não estou em condições de exigir
absolutamente nada.
— Bem, eu preciso voltar ao serviço agora, Alex — Eu me
levantei da poltrona e alisei um vinco invisível da saia lápis, com as
mãos trêmulas de nervosismo.
— O comandante Barroso já está ciente de que terá que
selecionar uma nova comissária para assumir a sua função até o
retorno de Cora Mantovani.
— Perfeitamente... — engoli em seco e pigarreei, quando me
ocorreu a ideia de lhe fazer uma pergunta importante. Eu preciso
saber o que ele pretende fazer nas próximas horas, até para ter uma
noção de como posso proceder com o meu plano. — Pretende
descansar aqui mesmo no lounge ou na suíte master? — perguntei,
despretensiosamente, fingindo naturalidade.
— Eu vou dar continuidade à leitura de um livro no sofá e
talvez acabe dormindo por aqui mesmo...
— Eu posso deixar a cama pronta para quando quiser dormir
nela, está bem? Não deixe de me avisar, caso mude de ideia.
Alexandre se limitou a assentir com a cabeça, e cruzou uma
das pernas sobre o joelho para em seguida apoiar um braço sobre o
encosto da poltrona, numa postura relaxada de intimidade. Senti o
rosto queimar ao notar o brilho lascivo inconfundívelde seus olhos
castanhos, que se mantinham totalmente fixos em mim.
— Então, bom descanso, Alex... — Falei meio sem jeito, a voz
saindo pouco mais do que um sussurro. Decidi virar as costas e fiz
menção de me afastar, quando de repente ouvi a voz dele quebrar o
silêncio no lounge.

— Por que não me faz companhia, Mel? — perguntou em tom


suave, mas senti que foi entremeado por algo mais profundo, mais
urgente. Subitamente, um arrepio percorreu ao longo da lombar
devido à ansiedade crescente de colocar o meu plano em prática.

Jamais imaginei que voltaria a ter relações sexuais com um


homem de novo, especialmente após sair de um relacionamento
abusivo. Eu preciso me preparar psicologicamente para o ato. Não
posso me dar ao luxo de fraquejar, agora.

— Quem sabe num momento mais oportuno? Preciso ir agora


— Nem dei tempo para ele protestar, e andei depressa em direção à
parte dianteira do jatinho.

Destaco como principal vantagem de atuar na aviação


executiva, a possibilidade de conhecer os hábitos dos passageiros
frequentes. Alexandre costuma tomar suplementos antes de ir
dormir. Consultei o relógio de tempos em tempos, sentada no
pequeno sofá de canto na zona destinada aos tripulantes. O
comandante e o copiloto tiraram seus 40 minutos de intervalo,
separadamente, e eu servi a ambos uma xícara de café Nespresso.

A certa altura da madrugada, eu segui até o lounge para


verificar se Alexandre ainda estava acordado. Por sorte eu o
encontrei deitado no sofáde canto e parecia estar entregue ao sono
profundo. Ele usava um look composto por suéter de tricô, calça de
moletom e um par de tênis brancos, este último estava encostado
ao lado do sofá.

— A hora é agora, Melissa. E, cada minuto conta — pensei


comigo mesma, respirando bem fundo para ganhar coragem.
Acionei o botão para fecharas portas, mantendo a privacidade
da área do lounge, antes de entrar no banheiro e assim poder dar
sequência ao meu plano. Senti a necessidade de ver um vídeo
erótico como reforço adicional para ficar suficientemente excitada.
Felizmente, eu sempre dispenso o uso da calcinha quando utilizo a
meia-calça.
Comecei massageando os grandes e os pequenos lábios, e
em seguida, foi a vez de dar total atenção ao clitóris, usando os
dedos indicador e médio, intercalando movimentos rápidos e
sucessivos, com outros, mais suaves e lentos. Não desviei o olhar
do vídeo um segundo sequer, enquanto enfiava dois dedos na
entrada, que escorregaram pelo canal vaginal com a maior
facilidade,estimulando a lubrificação natural.
A minha libido, que já era alta, parecia que triplicou com a
gravidez.
Senti uma lágrima solitária escorrer pelo canto do rosto, mas
tratei logo de enxugá-la com as costas da mão. Considerei que já
estava lubrificada o suficiente para o processo da penetração
ocorrer da forma mais rápida e indolor possível. Fechei a porta do
banheiro cuidadosamente e tirei os sapatos de salto com os próprios
pés, e fiz o mesmo com o blazer e com o lenço preso ao pescoço.

Abaixei o zíperinvisívelda saia lápis de alfaiatariana cor preta


e puxei mais a barra, antes de seguir em direção ao sofá,sentindo o
coração disparar dentro do peito e a respiração já se tornando
irregular. Não deixei de me perguntar se o som das batidas poderia
se sobrepor ao do motor da aeronave. Apoiei o joelho direito no
sofá, e passei a outra perna para o lado oposto, sendo cuidadosa o
bastante para não impor muito o meu peso sobre ele. As minhas
mãos estavam trêmulas e suavam como nunca, mas consegui puxar
a barra da camisa branca para fora da saia, ainda que
desajeitadamente. De repente, senti um arrepio percorrer a coluna e
os pelos do corpo eriçaram, assim que o vento gélido do ar-
condicionado me atingiu em cheio na cintura.
Alexandre despertou no instante em que eu começava a
desabotoar a camisa branca do uniforme. Ele não disse uma só
palavra e permaneceu imóvel, direcionando um olhar duro, embora
penetrante, incapaz de ocultar o tesão que sentia. Reconhecer o
brilho ardente inconfundíveldos olhos deles serviu de estímulo para
a lubrificação fluir intensamente entre as minhas pernas. De
repente, eu senti as mãos dele tocarem as minhas coxas nuas,
deslizando os dedos para cima e para baixo numa lentidão
deliberada.

Não dá mais para voltar atrás, Melissa. Agora é tudo ou nada!

Como ele se mostrou bastante receptivo à minha investida, ao


fazerum simples gesto de cabeça, eu decidi terminar de desabotoar
a camisa branca do uniforme,e tirei o sutiã rendado, largando-os no
chão. Logo, as mãos grandes dele alcançaram os seios fartos, e
passou a massageá-los e a apertá-los de leve, me levando a um
misto de entorpecimento e excitação, a ponto de fechar
instintivamente os olhos. Os mamilos ficaram durinhos e sensíveis,
enquanto ele deslizava levemente o dedo à volta das aréolas.

Levei as mãos à cabeça e desfiz o coque, fazendo as


madeixas caíremdisplicentemente sobre os ombros. Abri os olhos e
mantive o contato visual, encarando-o de maneira provocante para
em seguida iniciar um movimento de vai e vem para estimular o pau
dele, embora sentisse que o membro já estava duro e pulsante,
enquanto a minha boceta encharcava cada vez mais. Alexandre se
livrou do suéter de forma brusca, então aproveitei para levantar um
pouco o quadril, mal contendo a ansiedade de fazê-lo gozar,
completamente dentro de mim.
Senti o corpo dele se enrijecer, quando as minhas mãos
alcançaram o cós da calça moletom e da cueca boxer para abaixá-
los bem devagar e sem tirar os olhos dele. Apalpei o pênis já
endurecido, pressionando-o delicadamente a ponto de arrancar um
gemido gutural bem fundo da garganta. A minha respiração foi se
tornando ofegante à medida que aumentava o estímulo em toda a
extensão do pênis, alisando a glande, e depois o envolvendo com a
mão direita, antes de torcê-lo para cima e para baixo. Notei que
Alexandre relaxava ainda mais no sofá, mantendo os olhos
semicerrados, e a boca ligeiramente aberta proferia o meu nome,
em um sussurro rouco.

Os meus gestos eram mecânicos, quase robóticos,


prevalecendo em mim o esforço sobre-humano de fazer o lado
racional sobrepor o emocional, independentemente de qualquer
coisa.

Decidi apontar logo o pênis ereto na entrada da vagina,


deslizando-o lentamente por toda a vulva úmida e quente. Quando
dei por mim, um gemido estrangulado escapou dos meus lábios,
pouco antes de abrir mais as pernas para fazer o pau dele penetrar
por completo em minha boceta, e assim poder dar início aos
movimentos da cavalgada. Eu comecei a quicar sobre o pau dele,
alternando entre movimentos ondulantes com a pelve, com outros
de subida e descida, rebolando suavemente, embora o pau dele
tenha perdido um pouco a rigidez.

Decidi ficar agachada para facilitar a ereção dele e apoiei as


mãos no peitoral musculoso, enquanto imprimia um ritmo mais forte
no pau grosso, sentindo o interior quente e molhado o recebendo
tão bem.

— Eu vou continuar quicando bem gostoso no seu pau até


fazer você delirar de prazer — A minha voz saiu dolorosamente
rouca, a ponto arrancar um gemido rude dele, vindo das
profundezas.

— Não sabe o quanto desejava ver o meu pau preenchendo a


sua boceta apertada... Ah, como você é gostosa, Mel... —
murmurou Alex, me segurando com firmeza pela cintura, enquanto
realizava os movimentos de subida e de descida. Continuei
quicando no pau dele até sentir a perna estremecer, mas logo
diminui o movimento com o quadril, ao ouvi-lo me chamar de ‘minha
gostosa’.

Não demorou muito para o milionário explodir num gozo


prolongado, fazendo o sêmen quente me preencher por inteiro,
como eu tanto ansiava esta noite. Quando eu estava prestes a me
virar para sair de cima dele, Alexandre segurou o meu braço de
modo firme e me puxou para mais perto dele. Um grito de surpresa
escapou dos meus lábios no exato instante em que os nossos
rostos ficaram a poucos centímetros um do outro.

— Não me contento com pouco e quero ter você por inteiro,


Mel — murmurou Alex, em um tom suficientemente duro, baixo e
rouco, enquanto roçava a boca na minha. — Não vou descansar até
que se permita estar entregue de corpo e alma ao ato — Inclinouo
rosto na direção do meu pescoço e passou a explorá-lo com os
lábios e a língua, numa lentidão deliberada. — Até que o seu corpo
estremeça sob mim, enquanto goza lindamente em meus braços.
O último comentário dele provocou uma fisgada
insuportavelmente dolorosa entre as minhas pernas.
Aquele era definitivamente o meu fim.
— Acho que nós dois estamos indo rápido demais... — Foi
tudo o que consegui dizer, em um sussurro débil.
— Eu estava dormindo, quando repentinamente acordei e me
deparei com uma comissária linda e seminua, montada em cima de
mim — comentou Alexandre, com um leve tom de divertimento na
voz grave. Ele se afastou um pouco, apenas o suficiente para me
encarar diretamente nos olhos. — Agora, a mesma pessoa me pede
para ir com calma?
Contemplei com admiração as marcas de expressão no canto
dos olhos dele, além das covinhas na bochecha sob a barba
aparada, que se formaram no rosto bronzeado assim que ele
esboçou um sorriso.
— Foi apenas um delírio momentâneo, Alex. Já passou... —
menti, descaradamente, e desviei o olhar, constrangida.
— Só olhe bem no fundo dos meus olhos e tente me
convencer de que foi só uma transa, Mel — Levantou o meu queixo
com o dedo indicador, esquadrinhando as minhas feições, na
tentativa de sondar a minha alma. — O que aconteceu agora há
pouco não foisexo de verdade. Foi mais um esquenta pra quebrar o
gelo entre nós. Ou vai me dizer que estou errado?
— Não... — respondi, ofegante. — Droga, eu quero retomar de
onde paramos!
Um gemido estrangulado escapou dos meus lábios, mas foi
logo abafado pela pressão implacável dos lábios de Alexandre
contra os meus, que estavam entreabertos e trêmulos, fazendo o
meu corpo inteiro arder em chamas. O beijo irradiava paixão, posse
e controle, de modo que eu sequer me dei conta de que estava
envolvida pela invasão da língua quente dele.
Alexandre comprimiu o corpo dele contra o meu, fazendo os
meus seios se espremerem contra o peitoral musculoso dele, e
então eu afundei as mãos em seus cabelos, enquanto sentia um
tremor me percorrer por inteiro. Logo, o milionário fez que iria se
levantar, de modo que eu tive que envolver as pernas ao redor da
cintura dele, enquanto era carregada até a suítemaster, situada nos
fundos da aeronave.
Que Deus me ajude!
“Me faz voar alto
Bem onde você me quer
Veja, me veja queimar
Bem onde você me quer
Diminua a luz, minha canção de ninar
Me toque agora, pare de fingir
Foda-se, me veja queimar[24].”

Apesar de ter sido surpreendido pela atitude ousada de


Melissa agora há pouco no lounge, eu não pretendia interromper o
ato sexual; muito pelo contrário, eu até apreciei o fato de a iniciativa
ter partido dela, pois superou totalmente as minhas expectativas. Na
verdade, eu anseio por mais, muito mais do que apenas desfrutar da
estonteante e atrevida comissária de bordo uma única vez.
Carreguei Melissa até a suíte master e a coloquei suavemente
na beirada da cama. Eu me ajoelhei diante da minha futura esposa,
para em seguida segurar o belo rosto entre as mãos, pressionando
as têmporas dela bem devagar, com a ponta dos dedos.
Não pretendia assustá-la, ainda mais estando ciente de que
ela acabou de sair de um relacionamento conturbado. Senti uma
vontade irresistível de acabar com a vida daquele desgraçado,
usando as minhas próprias mãos. A postura defensiva,e até mesmo
arredia de Melissa, derivava justamente da vivência traumática a
que foi submetida pelo ex-parceiro dela ao longo dos anos.
Melissa fechou os olhos e deixou as mãos caídas ao longo do
corpo, enquanto apertava o lençol bem forte entre os dedos, como
forma de refrear o impulso de estabelecer um contato mais íntimo
comigo. Inclinei o meu corpo para a frente e encostei os lábios ao
ouvido dela, fazendoo hálito quente contra a orelha lhe provocar um
leve estremecimento.

— Você me concede a chance de te proporcionar uma


experiência nova e muito prazerosa, Mel? — perguntei, com a voz
saindo pouco mais que um sussurro. Ela apenas se limitou a
assentir, com a cabeça, em um movimento tão rápido que era quase
imperceptível.
Resolvi sondá-la para ter a certeza de que ela não estava
reproduzindo o hábito de colocar as necessidades do outro acima
das suas próprias, algo que eu abominava completamente. Eu me
afastei um pouco para olhar bem no fundo dos olhos enigmáticos e
encantadores dela.
Caralho! Tudo nessa mulher me fascina, especialmente o jeito
doce e frágil. Ela cultiva uma simplicidade e inocência, suficientes
para despertar um senso de dever dentro de mim, e algo mais que
eu não ousei identificar. Decidi me comprometer a fazer tudo o que
estiver ao meu alcance para protegê-la, e essa determinação
inabalável me comoveu como eu jamais pensei ser possível.
— Você tem todo o direito de recusar, e de dizer não, se essa
for a sua vontade. Sabe disso, não sabe?
— Não sei por que motivo, mas sinto que eu devo confiar em
você, Alex — garantiu Mel, segurando o meu rosto e encostando a
testa na minha, sem deixar de me encarar nos olhos por um
segundo sequer. — Acho que não seria capaz de me machucar ou
de ultrapassar os meus limites...
O meu maxilar se enrijeceu e senti uma onda de indignação
irracional me envolver por inteiro. Não restava a menor dúvida de
que aquele desgraçado a forçou a ter relações sexuais com ele,
mesmo contra sua vontade.
— Você ainda pode voltar atrás, não importa a que ponto
chegamos, está bem? — Reforcei, a encarando atentamente, com o
semblante exprimindo preocupação. — Mel, preciso que me
prometa que não vai hesitar em me pedir para parar, por favor.
— O que eu mais quero agora é poder te sentir dentro de mim
— afirmou Melissa, capturando o meu lábio inferior com a boca e o
mordiscou, ao mesmo tempo.
Notei que os olhos verdes dela brilhavam de luxúria, enquanto
entreabria os lábios em forma de coração, fazendo um sorriso se
insinuar no canto deles, demonstrando estar completamente rendida
e disposta a se entregar para mim, sem medo ou reservas.
O meu pau que já doía de tanto tesão, se contorceu dentro da
cueca boxer.
— Então, tente relaxar e se abra para as sensações... —
sugeri, roçando a boca dela na minha com uma lentidão deliberada.
— Como sabe que eu nunca gozei? — O rosto corou de
vergonha e ela desviou os olhos, bruscamente. — Eu fingia tanto
que nem sei se sou capaz de sentir isso algum dia.
— Nem mesmo nos momentos em que dá prazer para si
mesma? — Eu quis saber, incapaz de conter a curiosidade, e
levantei o rosto dela para ter a atenção completa de seu olhar.
— Nem assim eu consigo, Alex. Até já tentei algumas vezes,
mas eu me sentia tão nervosa em ter que esperar... Achei melhor
desistir.
— O nosso sistema de crenças nos limita e nos sabota a maior
parte do tempo, Mel. Não permita que a sua mente te controle. Ouça
apenas a sua voz interior. Só assim poderá vivenciar o primeiro
orgasmo de muitos.
— Então me mostre o quanto isso pode ser prazeroso —
sussurrou, com a voz rouca de desejo.
Encostei o nariz na região macia entre o pescoço e o ombro
dela de forma instintiva. Em seguida, eu fechei os olhos, respirando
bem fundo para sentir o perfume dela, uma sensação de
descoberta, repleta de significados transpassou o meu ser.
— Espero que não se assuste com o que vou te dizer, mas
saiba que eu gosto de impor uma carga mais intensa já nas
preliminares.
— Oh, meu Deus! — arfou, meio engasgada.
As madeixas acobreadas cobriam parcialmente os seios
redondos e rijos dela, mas aquele jogo de mostra-esconde só fezos
músculos do pênis se contraírem dolorosamente, um claro sinal de
que seria impossível conter os meus instintos.
Ir com calma nunca foi o meu lema.
— Deus não vai te ouvir agora, pois ele deve estar bastante
ocupado... — Joguei a cabeça para trás, rindo alto. — Vire-se, Mel!
— eu exigi, em voz baixa. — Quero ter a bela visão do seu rabo,
enquanto tiro a sua saia apertada.
Melissa ficou de costas para mim e apoiou os cotovelos no
colchão, arrebitando bem a bunda firme e redonda, deixando-a
completamente à minha disposição. O rosto dela estava muito
vermelho, as mechas desgrenhadas se colaram ao pescoço devido
ao suor, e a julgar pelos seios subindo e descendo, podia apostar
que o simples ato de respirar exigiu um esforço maior de sua parte.
Mantive o meu olhar fixo, com os olhos vidrados, ardendo de
desejo por ela.
Fiquei de pé e puxei a saia dela para baixo, fazendo-a cair no
chão.
Resisti à vontade de estapear aquela bunda gostosa, e me
limitei apenas a fazer as minhas mãos deslizarem pela cintura,
antes de espalmar e pressionar bem os dedos na carne macia.
— Alex, anal não... — gaguejou, nervosa. — Por favor...
— Não farei nada que não queira, Mel. Confie em mim.
Ela não conseguiu reprimir o desejo ao deixar escapar um
gemido abafado, e se virou para ficar de frente para mim, para em
seguida inclinar o corpo para trás até se deitar sobre o colchão.
Passei a contemplá-la em todo seu esplendor, e inesperadamente
senti o meu coração parar de bater por uma fração de segundo até
voltar a bater, de forma incontrolável. O meu olhar passeou pelo
corpo esguio sem pressa, observando os seios grandes e os
mamilos ficando eretos de tão excitados, passando pelo abdome
liso e pela cintura fina, e pelas pernas torneadas até se deter nos
quadris arredondados, delimitando a região íntima.
Eu mal posso esperar para cair de boca na bocetinha dela.
Estou louco para sentir o mel escorrer pela minha boca. Será que
ela faz mesmo jus ao apelido?
De repente, ela ergueu o tronco e se apoiou em um cotovelo,
assumindo uma expressão de desafio descontraído.
— Você vai ficar aí parado só olhando, Alex? — provocou,
levando a ponta do dedo indicador aos lábios e o chupando de
modo provocante. Então, ela cruzou uma perna sobre a outra e a
balançou, suavemente, como que para me provocar. Observar o
menor dos gestos dela fazia todo o sangue correr direto para o meu
pênis.
Não suportaria um segundo a mais e avancei na direção da
cama e me debrucei sobre ela, para em seguida a puxar pelas
pernas, e as encaixei sobre os meus ombros, o que fez com que o
corpo dela se projetasse para trás até se deitar sobre o colchão de
novo.
— Eu estava louco para te pegar, e te comer de um jeito bem
gostoso em cada canto deste jatinho, sabia?
— Me chupa logo, gostoso —A voz dela saiu tão fraca,que era
quase um sussurro.
— Você é tão deliciosamente macia, Mel… — comentei, rouco
de tesão, fazendo os dedos deslizarem ao longo de suas pernas
para sentir a maciez de sua pele hidratada. Observei os pelos dela
se arrepiarem, enquanto distribuía beijos ao longo das pernas de
forma lenta e prazerosamente dolorosa até alcançar o quadril.
Melissa soltou um gemido alto, quando passei a língua pela
parte interna da coxa, subindo devagar até alcançar o meu objeto de
desejo. Percebi que ela acompanhava detidamente os meus
movimentos, e abriu mais as pernas num gesto involuntário,
permitindo maior acesso. Toquei a vulva com delicadeza, deslizando
a mão suavemente em toda a extensão até sentir que os meus
dedos se encharcaram. Quando inseri dois deles dentro da vagina,
eu os movi bem devagar a princípio, mas aumentei a pressão de
forma gradual.
Melissa respondeu a minha provocação de forma instantânea,
ao arquear as costas, gemendo alto em protesto.
— Oh, Alex, que delícia... — ofegou, com a voz estrangulada
de desejo.
— Quero prolongar um pouco o seu martírio, fazendo a sua
boceta pulsar de tesão... — Dei continuidade à carícia lenta e
gostosa pela vulva, antes de levar a mão encharcada aos lábios, e
chupei os dedos do meio além do indicador, sentindo o sabor
inebriante de lubrificação vaginal. — Estou louco para sentir o mel
escorrer em minha boca. Será que você faz mesmo jus ao apelido?
A minha boca salivava intensamente. Eu não perdi mais tempo
e coloquei a minha cabeça entre as pernas dela, cobrindo a boceta
com os meus lábios de tão sedento que eu estava. Melissa arqueou
mais o quadril, se mostrando receptiva, à medida que eu imprimia
um ritmo devagar e intenso nas chupadas, alternando com lambidas
e sucções no clitóris intumescido. Continuei chupando o clitóris com
vontade, enquanto fazia os dedos penetrarem mais profundamente
na vagina, mal contendo a ansiedade de sentir o meu pau no lugar
deles.
À certa altura, eu notei os primeiros espasmos sacudirem o
corpo dela, seguido de um grito, indicando claramente o prenúncio
de um orgasmo. Ela comprimiu as pernas contra o meu rosto, mas
eu não parei de dar continuidade à chupada naquela boceta
deliciosa, saboreando o fluídoque escorria pelo canto dos meus
lábios.
De repente, senti as mãos dela em minha cabeça, pouco antes
de afundar os dedos em meus cabelos, enquanto proferia
murmúrios delirantes de prazer.
— Esvaziei a mente e me entreguei como pediu, Alex..., mas
acho que eu vou morrer! — Ela se arqueou mais de encontro ao
meu rosto, que ainda estava colado entre as pernas dela. — Parece
que a minha alma vai se desprender do corpo... Oh, meu Deus... —
completou, aumentando a pressão da mão nos meus fios, puxando-
os com força.
Melissa vai gozar com a minha boca colada à sua boceta. Das
duas uma: ou o embuste do ex-namorado dela não sabia ou sentia
nojo de chupar boceta. Eu que não vou perder meu tempo tentando
adivinhar qual das duas opções ele se encaixa, especialmente
agora que a comissária está tão entregue a mim.
— Se permita sentir essa avalanche de emoções, Mel —
Intensifiqueia chupada nos grandes e pequenos lábios, antes de
concentrar a atenção no clitóris, sugando-o de forma cuidadosa. —
Você é toda minha, sua gostosa. Goza pra mim vai...
Observei pelo canto do olho Melissa apertar o lençol com tanta
força, para em seguida inclinar a cabeça para trás, pouco antes de
liberar um gemido estrangulado da garganta. Ela logo estremeceu,
completamente rendida e entregue ao êxtase.
Aproveitei o fato de ela ainda passar pela assimilação de toda
a experiência sensorial, e me levantei da cama, com o intuito de
pegar o preservativo dentro da minha necessaire de viagem.

— Você não se importa de usar? — Melissa se sentou na


cama e dobrou um tornozelo sobre o outro joelho, e me observou
colocar o preservativo em cima do console afixado à parede da
cabeceira da cama.

— Eu não abro mão de usar camisinha, especialmente se for


do tipo que deixa aquela sensação gostosa de pele com pele, sabe?
— respondi, me debruçando sobre o console para ajustar a
temperatura do ar condicionado. — É bem mais natural do que as
tradicionais de látex.

— Você é sempre tão precavido assim? Acho excitante


constatar que pensou em tudo nos mínimos detalhes, Alex.

— Mas você me pegou completamente desprevenido agora há


pouco no sofá...
— Aposto que deve estar me achando meio maluca... — Levou
as mãos ao rosto, rindo com certo constrangimento. — Issoé um
problema para você?

Apenas balancei a cabeça, em negativa, lançando um olhar


confuso para ela, antes de controlar o sistema de entretenimento a
bordo, escolhendo uma música ambiente, para tornar a ocasião
ainda mais especial.

— Gostou da trilha sonora que eu escolhi para embalar a


nossa noite, Mel?

— Justo a música mais sexy que existe? — perguntou Melissa,


jogando a cabeça para trás e caindo na gargalhada, assim que os
acordes iniciais de Sexual Healing, do Marvin Gayle, preencheram o
ambiente. — Como eu não poderia gostar?

Então, ela passou a balançar os braços de um lado para o


outro ao ritmo da música. De repente, senti o meu peito ser
preenchido por uma sensação indescritívelao vê-la tão solta, sexy e
divertida, exatamente como quando nos conhecemos. Não resisti
mais ao impulso de tê-la em meus braços, e avancei na direção
dela, antes de puxá-la de encontro ao peito, envolvendo-a num forte
abraço. Depois, eu me posicionei sobre ela em um rápido
movimento, a cobrindo completamente com o meu corpo firme e
musculoso, mal contendo a ânsia de invadir a boceta dela sem dó,
socando fundo até arrancar gemidos de dor e de prazer.

— Eu ainda não terminei com você, Mel — A voz saiu


dolorosamente rouca, e com uma intensidade que a fez estremecer
de leve.
Um gemido estrangulado quase escapou dos lábios dela, mas
eu decidi sufoca-lo, cobrindo a boca entreaberta e trêmula dela de
um jeito duro e possessivo. Senti que ela também se entregava ao
beijo numa ânsia febril, ciente da necessidade de sentir o calor
palpitante dos nossos corpos, unidos um ao outro na cama Queen
Size a 41 mil pés de altura.

Interrompio beijo momentaneamente e concentrei a atenção


no pescoço, explorando-o com os lábios e a língua, passando ao
longo da clavícula, e fazendo o caminho inverso, subindo pelo
queixo até encontrar a boca em forma de coração. Deixei escapar
um grunhido de prazer, quando senti as mãos delas deslizando
pelas minhas costas e ao longo das costelas.

Ela fechou os olhos e aprofundou o beijo, movimentando a


boca num ritmo voraz, e como resposta eu entreabri mais os lábios,
esfregando-os nos dela e exigindo maior acesso. Pude sentir a
umidade de sua língua explorando a minha e a envolvendo numa
dança erótica, que eu não pude mais resistir e puxei o lábio inferior
dela com os dentes, de modo provocativo. Segurei as mãos de
Melissa acima da cabeça, para em seguida entrelaçar os nossos
dedos, fazendo uma onda deliciosa de calor irradiar por todo o meu
corpo.

Faltava ainda explorar outras zonas erógenas dela e


interrompi o beijo, fazendo a minha boca descer sem pressa pelo
pescoço, sentindo a maciez incrível de sua pele que estava quente
e levemente suada, até atingir a ondulação suave dos seios. Melissa
arqueou o corpo de maneira instintiva, pouco antes de afastar as
pernas, e pressionar os quadris contra os meus de tal forma, que
me fez irromper um gemido alto bem fundo da garganta.

Não resisti à vontade de responder à provocação dela, caindo


de boca nos seios fartos, chupando um seguido do outro, que
endureceu ao simples contato dos meus lábios. Emiti um pequeno
grunhido de satisfação, quando escutei Melissa emitir um som doce
e erótico, enquanto puxava o bico intumescido com leves e
provocantes mordidas, para em seguida sugá-los de forma quase
brutal.

— Preciso de você, desesperadamente, Alex. Preciso te sentir


dentro de mim.
Esperei ansiosamente para poder ouvir Melissa implorando
para ter o meu pau enterrado bem fundo na boceta apertada dela.
Eu me livrei logo da calça moletom e da cueca boxer, expondo o
meu pau ereto, com as veias saltadas e pulsando violentamente de
tanto tesão, para em seguida esticar o braço na direção do console
e pegar o preservativo. Eu removi rapidamente a embalagem, e o
desenrolei sobre toda a extensão do pênis, com as mãos trêmulas.

Fiquei de joelhos sobre o colchão e pedi a ela para apoiar os


pés no meu peito, e com os joelhos levemente flexionados até
quase tocar os seios. Então, apoiei as mãos nos braços dela,
enquanto sentia as dela agarrarem o meu quadril para manter o
equilíbrio.

Quando apontei a cabeça do pênis em direção à vagina quente


e úmida, Melissa ofegou forte e pressionou os dedos bem fundo na
minha pele, a ponto de provocar uma descarga de eletricidade por
todo meu corpo, que se agitou com um tremor violento.

Introduzimeu pau aos poucos, enquanto sentia as paredes


internas dela se contraírem, involuntariamente. Deixei escapar um
grunhido de prazer e comecei a meter bem gostoso na boceta dela,
imprimindo um ritmo rápido e forte nas estocadas. Utilizei uma das
mãos para tocar e estimular o clitóris, ansiando pela oportunidade
de fazê-la atingir o orgasmo através da penetração. Não demorou
muito para sentir a boceta se contrair e relaxar a cada estocada
funda e vigorosa, fazendo o prazer fluir pelo meu corpo, em ondas
deliciosas de calor.

— Como é linda e gostosa pra caralho! — murmurei, arfando


de tesão.

Eu murmurei palavras obscenas à medida que metia cada vez


mais fundo, e sem deixar de estabelecer o contato visual com ela.
Senti o suor percorrer todo o meu corpo, a respiração se tornou
irregular, e o coração batia num frenesi alucinado. Não demorou
para os gemidos dela darem lugar aos gritos, ao fazer as minhas
bolas baterem contra a pelve dela a cada estocada firme e profunda,
mas gradualmente diminui o ritmo, ciente de que seria incapaz de
retardar a ejaculação. Tentei conter a ereção ao máximo, desejando
poder saborear o orgasmo junto com ela, mas logo liberei um
gemido rude, vindo das profundezas, enquanto um jato forte de
gozo preenchia a camisinha.

Deixei o meu corpo cair deliciosamente sobre o colchão, com


um sorriso triunfante estampado no rosto. Melissa se deitou sobre
mim de forma cuidadosa, e envolvi os braços ao redor dos ombros
dela, para em seguida traçar um caminho pelas costas, usando a
ponta dos dedos até alcançar o quadril. A pele quente se arrepiou
ao meu simples toque, seguido por um estremecimento involuntário,
que não me passou despercebido.

— Desculpe por não ter gozado, Alex... — Melissa se apoiou


no cotovelo, e me encarou nos olhos, visivelmente constrangida. —
Não conseguiria fingir para te satisfazer... Esse é um hábito muito
vergonhoso e estou me desfazendo dele aos poucos...

— Shh! — Coloquei o indicador nos lábios dela, com


delicadeza. — Eu não quero que se cobre por isso, Mel. O seu ex
namorado visava a própria satisfação sexual, e não se importava se
você sentiria prazer ou não durante a transa. Eu posso apostar que
ele agia no piloto automático com você, isso quando não empregava
a violência...

Senti o corpo dela se contrair sob o meu após proferir aquelas


últimas palavras. Decidi me afastar um pouco, apenas para olhar
bem no fundo de seus olhos, e determinado a dizer que eu jamais
infligiria algum tipo de dor nela.

— Espero que consiga estabelecer um nível maior de


intimidade comigo, Mel. Eu jamais tentaria impor as minhas
vontades na hora do sexo. Eu posso esperar até que confieem mim
e se entregue completamente.

Fiz as minhas mãos percorrerem os cabelos sedosos dela, e


senti o corpo esguio estremecer de leve, pouco antes de aproximar
o meu rosto e me apossar dos lábios em forma de coração,
arrancando um gemido abafado da garganta, conforme a minha
língua exigente invadia o interior úmido, o hálito doce e quente se
misturava ao meu, aprofundando mais o beijo.

Cogitei se um fio de bom senso aflorou nela, porque resolveu


inesperadamente interromper o beijo, e respirou bem fundo como
que para recuperar o fôlego.

— Meu Deus... Agora eu me dei conta de que passei tempo


demais aqui — Melissa se levantou da cama, puxando o lençol para
se cobrir e enrolando-o em volta do corpo, desajeitadamente. — Eu
ainda sou a responsável pela segurança do voo... e a essa altura os
pilotos já devem ter notado a minha ausência, puta que pariu! — Ela
se abaixou para pegar a saia, em seguida acionou o botão de
abertura da porta, e começou a catar as peças de roupa espalhadas
pelo lounge, aparentando um nervosismo crescente.

— Eu adoro quando você fica toda nervosinha, sabia? —


Encostei o corpo na lateral da porta e cruzei os braços sobre o peito,
com um sorriso matreiro estampado no rosto.

Melissa, inesperadamente, deu meia volta, e se aproximou da


suíte,pressionando o lençol contra o corpo com uma mão, enquanto
segurava as peças de roupa, com a outra.

— Espero que não se importe se eu usar a sua ducha


rapidinho...

Eu me afastei, dando passagem para ela, quando uma ideia


tentadora me ocorreu.

— Sabia que o box tem espaço suficiente para nós dois


tomarmos banho, ao mesmo tempo? — perguntei, erguendo a
sobrancelha e sorrindo de maneira sugestiva.

— Vai sonhando, espertinho, vai sonhando... — respondeu,


fazendo o lençol cair no chão, propositadamente, e acenou um
adeus enquanto seguia rebolando até o banheiro.

Eu me permiti um vislumbre de Melissa prensada à parede,


empinando bem a bunda para deixá-la totalmente à minha
disposição, o que sem dúvida alguma era uma visão tentadora dos
infernos. De repente, senti uma fisgada insuportavelmente dolorosa
nos testículos, e o meu pau reagiu de imediato, mal contendo a
ansiedade de comê-la por trás.

— Ah, não seja tão estraga-prazeres! — Torci os lábios, em um


sorriso contrafeito.
“Breve estarei entrando pela sua porta, ela vai abrir o meu zíper
Vai ser igual as corridas de quem consegue se despir
Não é irônico o quão erótico é te ver cheia de tesão
Me faz pensar na sua bunda depois de eu ter ido
Eu toco no seu ponto na hora certa[25].”

Nova York, NY.

Quando eu acordei nas primeiras horas da manhã desta


segunda-feira, enviei um e-mail para Henrique, informando a
necessidade de entrar em contato com o hotel Four Seasons,
solicitando o acréscimo de mais um nome à minha reserva.

Eu me senti um tanto quanto frustrado por não ter conseguido


conversar com Melissa durante o café da manhã. Ela preferiu
assumir uma postura profissional ao servir o café e se limitou
apenas a falar trivialidades, antes de retornar para a galley. Preciso
encontrar uma maneira de convencê-la a se hospedar no mesmo
hotel, e preferencialmente, na mesma suíte.

Ela vai se casar comigo em breve, então não vejo razão


alguma para adiar o nosso convívio como um casal. Considero
essencial passar o máximo de tempo livre possível na companhia
dela, pois só assim poderemos finalmente nos conhecer melhor.
Além do mais, a convivência também possibilita o enfrentamento
dos desafios diários, sem que eles acabem nos levando ao
rompimento do contrato, antes mesmo de chegar ao altar.

Se tudo der certo, uma vez consumado o meu casamento com


Melissa, o conselho de administração pode dar por encerrado o
processo de sucessão, dando a mim plenos poderes para fazer as
mudanças que eu julgar necessárias na Astramed Medicamentos.

Para enfrentar o frio que ainda predominava no Hemisfério


Norte, eu escolhi uma combinação de blusa de lã com um suéter,
calça jogger em moletom, jaqueta doudoune, — um tipo de casaco
acolchoado e forrado com material sintético — além de tênis com
solado antiderrapante. Conferi o meu visual no espelho, antes de
pentear os cabelos ainda úmidos e, para finalizar, borrifei algumas
vezes o meu perfume favorito, tanto nos pulsos quanto em cada
lado do pescoço.

Resolvi me comunicar com a minha mãe, aproveitando a


conectividade sem fio de alta velocidade, uma das diversas
comodidades do Lineage 1000E. Não demorou muito para a dona
Francine atender a chamada de vídeo, que se adiantou logo em
falar:
— Eu aguardei ansiosamente o seu contato, Xandy. Quer dizer
então que já providenciou um contrato pré-nupcial, aproveitando o
fato de estar em viagem com a sua futura esposa, não é mesmo?

— Bom dia para a senhora também, mamãe — saudei,


deixando escapar um longo suspiro. — Eu não tenho tempo a
perder, então cada minuto conta e espero poder contar com a sua
ajuda. A senhora tem boas notícias para mim?

— O que você me pediu é algo praticamente impossível,


Xandy. Casar em uma das igrejas mais concorridas de São Paulo
requer o tempo de espera de um ano, praticamente.

— Eu tenho certeza de que Melissa sonha em se casar na


igreja, com tudo a que tem direito — Saí da suíte master, decidido a
passar o tempo restante do voo, sentado em uma das poltronas do
lounge. Observei as nuvens pela janela envidraçada do jato
executivo, tamborilando os dedos no apoio de braço, com
nervosismo crescente.

— Vocês já começaram o planejamento da cerimônia pelo


menos? Ela precisa estar ciente de que enfrentaruma longa lista de
espera será inviável nas atuais circunstâncias.

— Eu vou conversar com ela no momento mais oportuno, não


se preocupe.

— Não se esqueça de que ainda precisam definir todos os


detalhes para a festa de noivado. Não podem pular as etapas dos
preparativos para o casamento, Xandy. Vocês estão parecendo
aqueles casais do reality da Netflix: “Casamento às Cegas”.
Resta saber se Melissa e eu seremos um dos raros casais a
alcançar os tão desejados felizes para sempre.

— E por um acaso o meu finado avô me deu outra opção,


mamãe?

— Se bem que o seu pai me arrastou literalmente para o altar


há mais de trinta anos — revelou, inesperadamente, caindo na
gargalhada. — Mas a cerimônia relâmpago só combina com
celebridades, nem pense nisso! Outra coisa que eu não posso
deixar de mencionar é a importância de os noivos conhecerem os
respectivos pais. Este é o item número 1 da lista e o seu pai até
sugeriu um jantar aqui mesmo na mansão.

— E por falar em seu Carlos, como ele tem se sentido nesses


últimos dias?

Depois de infartar, o meu pai se viu obrigado a mudar


radicalmente o seu estilo de vida, adotando hábitos saudáveis, tais
como fazer atividades físicas regulares, ter uma alimentação
balanceada, além de tomar os remédios religiosamente, de acordo
com a prescrição médica.

— O seu pai continua fazendo 1h de esteira sete dias por


semana. Está se sentindo um garotão de vinte anos de idade,
acredita? — respondeu, enquanto caminhava pela casa,
possivelmente seguindo em direção à sala fitness da mansão. —
Carlos, você quer dar um alô para o seu filho?Eu estou falando com
ele por vídeo chamada.

— E aí, meu velho? Gostei de ver, hein? — comentei,


empolgado, sentindo o orgulho brotar no peito, quando a minha mãe
alternou entre as câmeras frontal e traseira.

Carlos corria em uma das esteiras ergométricas, e quando me


viu, acenou com a mão, sorrindo abertamente para mim.

— Bom dia, Xandão! — saudou, olhando diretamente para a


tela do celular da mamãe, antes de interromper a corrida na esteira
para beber água e poder falar comigo, sem se cansar muito. —
Espero que tenha lido o e-mail que eu enviei mais cedo.

Ele se referia ao convite para participar amanhã do Seminário


Internacionalde InsumosFarmacêuticos, junto a outros líderes do
segmento, visando estreitar as relações, bem como para aprender,
compartilhar e fortalecer os vínculos comerciais. Um dia inteiro de
evento com palestrantes do mundo todo e ao final haverá um
coquetel de encerramento.

— Sim, eu já confirmei a minha presença no Seminário, meu


pai. Eu espero inclusive contar com a companhia da minha futura
esposa.

— Querido, se me permite uma sugestão, eu acho melhor


levá-la apenas ao coquetel de encerramento. A jovem vai se sentir
bastante deslocada e eu falo isso por experiência própria — mãe
ponderou, esticando o pescoço para entrar no foco da câmera
frontal. — Levei algum tempo até me acostumar à dinâmica de
viagens de negócios e conferências.

— A sua mãe tem toda razão, Xandy. Você nem sabe ainda se
ela vai conseguir desempenhar bem o papel de esposa corporativa.
— Melissa é comissária de bordo, sempre viajou pelo mundo e
sabe socializar como ninguém. Ela vai ter muito jogo de cintura
perante os convidados, podem apostar.

— Não teria tanta certeza disso..., mas você decide o que


achar melhor — ponderou meu pai, esfregando o queixo, pensativo.
— Só não ouse perder o compromisso, afinal os riscos de se
envolver numa lua de mel antecipada são grandes... Juízo, hein?

— Avise a ela que eu mal vejo a hora de conhecê-la... Se


cuida, amor! — disse mamãe, encerrando a chamada de vídeo,com
um aceno de despedida. Senti o meu peito se encher de alívio ao
constatar que ambos pareciam empenhados em aceitar a mulher
que eu escolhi para ser a minha esposa de conveniência.

— E por falar na minha grande gostosa... — falei baixinho,


assim que ouvi a porta do lounge se abrir.

Impressionante como uma noite de sexo tórrido contribuiu


positivamente para nós dois, cada um à sua maneira. Eu me sentia
bastante animado e disposto a enfrentar horas de negociações, e
tive a certeza de que o tom ruborizado e radiante nas maçãs do
rosto dela não se devia apenas à maquiagem.

— O comandante acabou de anunciar o início dos


procedimentos de aterrissagem no Aeroporto de Terteboro — Ela se
referiaao aeroporto pertencente à New Jersey, e situado a 18 km ao
norte da ilha de Manhattan, em Nova York. — Se você deseja algo,
basta pedir.

Eu me levantei e andei na direção de Melissa, incapaz de


suportar por mais tempo aquele distanciamento emocional e físico
que ela impôs a mim. Notei o corpo dela se retesar,
perceptivelmente, mas ainda assim eu a puxei para junto de mim, e
a estreitei em um abraço apertado, antes de fechar os olhos,
respirando profundamente para sentir o perfume adocicado
embriagar os meus sentidos.

— Só de relembrar a noite passada já me vem uma vontade


louca de te comer bem gostoso, Mel — sussurrei, rouco no ouvido
dela, sentindo a vibração do corpo voluptuoso que estremeceu de
leve junto ao meu. — Não sabe o quanto ansiava poder te tocar... —
prossegui, as mãos percorrendo o corpo dela de cima a baixo,
desde os ombros, passando pelos braços e descendo pelas
costelas e sua cintura fina até espalmar a bunda, com força. Ela
ofegou em resposta ao toque ousado, e logo as mãos macias
deslizaram pelas minhas costas, enquanto arqueava o quadril de
encontro ao meu, fazendo o meu pau pulsar e inchar, pressionando
a cueca, dolorosamente. — Abraçar, sentir o cheiro, e a intensidade
do beijo — dei continuidade à fala, tomando o belo rosto entre as
mãos e Melissa fechou os olhos, deixando escapar um arquejo
rouco e desesperado.

Eu me inclinei para a frente, bem devagar, e sem desviar o


olhar da boca dela, que estava ligeiramente aberta, respirando
ofegante contra o meu rosto, movida única e exclusivamente pela
ânsia de ser beijada.

— Por favor, não se distancie de mim, não agora que aceitou


ser a minha esposa.

Cobri a minha boca na dela, envolvendo-a em um beijo


profundo e duro. Melissa entreabriu os lábios e pude sentir a
umidade de sua língua, tão quente e convidativa, que eu emiti um
gemido rude, angustiado, e soltei uma das mãos para envolver a
cintura dela, a puxando de modo firme contra mim, de modo que
pudesse sentir o latejar de desejo insatisfeito, causado pela ereção
dominante entre as minhas pernas.

Caralho, a minha vontade era de possuí-la agora mesmo, mas


a aeronave já estava prestes a pousar no aeroporto. Precisei conter
ao máximo o latejar do desejo insatisfeito e a ereção que
pressionava a minha calça.

— Escrevi um bilhete porque eu sei que não vou conseguir


falar contigo, quando desembarcar — informei, roçando a boca na
dela, com uma lentidão deliberada. O suave roçar da barba contra
os lábios finos provocou um sutil estremecimento pelo corpo dela.
Enfieia mão no bolso e retirei o papel dobrado, antes de segurar na
mão direita dela, erguendo-a até a altura do peito, e coloquei o
bilhete, fechando os dedos dela em torno dos meus, com firmeza.

Melissa rapidamente o desdobrou e correu os olhos pelo


conteúdo, escrito com letras legíveis.Notei as lágrimas se formando
e descendo pela lateral de seu rosto até cair sobre o papel, que
tremulava nas mãos dela.

— Pedi a Rick para incluir o seu nome em minha reserva —


Releu a primeira frase, a voz saiu fraca, era quase um sussurro
débil. — Eu vou te buscar no final da tarde. Nem pense em fugir de
mim — fungou, tocando com os dedos no nariz que escorria. —
Como sabe que eu tinha pensado em fugir de você? — perguntou,
rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Porque dar perdido nos outros é a sua especialidade, Mel
— respondi, erguendo a sobrancelha em tom de desafio
descontraído. — Aposto que pensou numa maneira de sair
disfarçadamentedo hotel, como nas vezes em que não estava a fim
de sair para jantar com seus colegas. A mim, você não engana,
espertinha.

— Você tem sido maravilhoso de um jeito que eu nem sei se


mereço, Alex...

— Sou eu quem devo me perguntar se eu sou mesmo


merecedor de ter uma mulher tão incrível assim ao meu lado. Não
deve ter sido nada fácil decidir dar um voto de confiança em mim,
mas eu espero poder corresponder às suas expectativas, Mel.

Eu não pretendia me apaixonar, mas aos poucos Melissa tem


feito todas as minhas defesas caírem por terra.

Pigarreei, enfiando as mãos nos bolsos da calça jogger. O


mais irônico de tudo isso foi constatar que jamais senti algo assim
por mulher alguma. O meu foco sempre se restringiu aos negócios e
eventualmente mantinha encontros casuais com parceiras
diferentes, embora a última delas tenha conseguido a proeza de
permanecer mais tempo na minha vida do que todas as outras
juntas. Até mesmo na faculdade eu me sentia meio deslocado
socialmente, como estudante de Química era considerado um nerd,
metido a intelectual, e tinha dificuldade para chegar nas meninas,
diferente dos rapazes da minha idade.

Tudo mudou quando eu passei a cuidar mais da minha


aparência, treinando pesado na academia e praticando artes
marciais. Sigo uma dieta balanceada contendo gorduras, proteínas
e carboidratos, elaborada pelo meu nutricionista e condizente com a
minha rotina diária de exercícios de alta intensidade.

— Eu quero que me acompanhe no coquetel de encerramento


do Seminário Internacional de Insumos Farmacêuticos, marcado
para amanhã à noite.

— Não tenho nem roupa para esse evento! — Apoiou as mãos


no meu peito e baixou o rosto, constrangida. — E não pense que é
meme, não, Alex. Eu estou falando sério.

— Não seja por isso, Mel — Eu me apressei em dizer, tirando


a minha carteira do bolso, com o intuito de entregar a ela o meu
cartão de crédito sem limites. — Você pode providenciar tudo o que
precisa para a ocasião.

— Não sei se devo aceitar isso... — murmurou, girando o


cartão entre os dedos, com a cabeça baixa. — Eu preciso assumir o
meu posto agora, Alex. Tenha um bom dia.

Melissa rapidamente esticou o pescoço, e encostou os lábios


nos meus, selando um último beijo, antes de voltar para a zona
destinada à tripulação.

Por que eu sinto a estranha sensação de que a minha futura


esposa aparenta estar tão íntima e, ao mesmo tempo, tão distante
de mim?
Quando eu desembarquei, segui direto até o Four Seasons e
consegui antecipar o meu check-in no local, uma vez que precisava
trocar de roupa, antes de comparecer à reunião no escritório. Optei
pela clássica combinação suéter por cima da camisa branca social e
gravata, além da calça em tom escuro, e um sobretudo de lã como
camada externa e sapatos pretos.

Verifiquei as notificações na tela do meu celular de tempos em


tempos, mas não recebi nenhum aviso de compras pela
administradora do meu cartão de crédito. Melissa certamente não se
sentiu à vontade para usá-lo, talvez imaginando que isso vai de
encontro aos seus princípios, ou o que quer tenha passado pela
cabeça dela. No entanto, o que mais me causou estranheza mesmo
foiter recebido uma mensagem de texto no Whatsapp, cerca de três
horas antes, contendo apenas uma imagem dela, na verdade era
uma selfie tirada em um restaurante, que de acordo com a
localização compartilhada em tempo real, ficava próximo à Times
Square.

Será que aquele desgraçado monitorava os lugares onde ela


se encontrava, em tempo real?

Preciso descobrir mais detalhes sobre a vida pessoal dela,


especialmente no que diz respeito ao ex-namorado abusivo.

Esperei a reunião de prospecção de negócios terminar para


seguir direto até o hotel onde os tripulantes estavam hospedados,
disposto a tirar Melissa de sua redoma e levá-la nem que seja
arrastada até a 5ª Avenida, ainda que precise passar a tarde inteira
entrando de loja em loja à procura de roupas, calçados e acessórios
que lhe agradem.

Uma vez no local, eu me aproximei do balcão e cumprimentei


a recepcionista, educadamente.

— Boa tarde, senhor — saudou a recepcionista, cortês. — Em


que posso ajudar?

— Olá, tudo bem? Caso não se importe eu vou aguardar uma


pessoa aqui no lobby. Ela está hospedada neste hotel, mas ainda
não retornou do passeio. Tudo bem?

— Pois não, senhor — respondeu, retribuindo o sorriso. —


Fique à vontade.

Escolhi uma poltrona para me sentar e tirei o celular do bolso


para verificar se o link de compartilhamento continuava ativo. Havia
uma marcação em vermelho, indicando que a localização em tempo
real estava indisponível, até então. Por sorte, mudou para a cor
verde, indicando que a informação de GPS estava atualizada, pois
ela voltou a se conectar à internet.

Eu me levantei de um salto, quando constatei que Melissa


entraria no hotel a qualquer momento. O meu coração disparou, de
súbito, assim que ela passou pelas portas giratórias. Melissa usava
uma composição para enfrentar o frio mais ameno na cidade: suéter
,
legging térmica e botas de cano médio. Parou no limiar de entrada
para retirar o casaco, uma vez que o ambiente interno estava
aquecido.
— Confesso que fiquei dividido entre te repreender e te
agradecer por ter compartilhado o link de localização em tempo real,
sabia? — Eu me adiantei na direção dela, a pegando totalmente de
surpresa. — Mas a gente pode conversar depois sobre isso porque
agora eu vou te levar às compras! — completei, antes de segurá-la
pelos ombros e a virei, empurrando o corpo dela suavemente em
direção das portas giratórias.

— Não quero ser inconveniente, Xandy — Ela tentou usar um


pretexto pouco convincente, mas não lhe dei ouvidos e a fiz
atravessar a porta giratória. — E além disso, eu não acho
apropriado acompanhá-lo neste evento, se nem mesmo
formalizamos o nosso compromisso ainda...

— Nem uma palavra a mais se não quiser que eu te cale do


meu jeito, Mel — assegurei, com leve rouquidão na voz, ao frisar as
últimas palavras. Notei que ela estremeceu, involuntariamente, e o
seu belo rosto se contraiu, ao direcionar um olhar irritado em minha
direção.

— Não sabia que era tão autoritário, executivo da Faria Lima


— Forjei um falso gemido dor, quando ela me deu um soco de leve
no peito, demonstrando irritação.

Foi puro fingimento porque ela logo passou o braço ao redor


da minha cintura, e me puxou para junto de si, enquanto
caminhávamos pela calçada.

— Eu estava mesmo me perguntando quando voltaria a me


tratar por esse termo de novo — comentei, jogando a cabeça para
trás e caindo na gargalhada.
Nós dois seguimos de mãos dadas até o veículoutilitário preto,
onde o motorista já nos aguardava.

— Eu quero que você esteja ainda mais deslumbrante no dia


do nosso noivado — comentei, durante o trajeto até a 5ª Avenida.
Decidi tomar a mão dela entre as minhas, e as entrelacei de modo
firme, sentindo o calor irradiar por todo o meu corpo, proporcionado
pelo entrelaçar dos nossos dedos. Os meus lábios lentamente
delinearam um sorriso exultante, assim que os nossos olhares se
encontraram. Ela retribuiu com a mesma intensidade e notei que os
olhos verdes reluziam com um brilho afetuoso e ardente, ao mesmo
tempo. — Os meus pais estão muito ansiosos para te conhecer e
propuseram um jantar na mansão deles.

— Confesso que nutro um pouco de receio com relação aos


dois... — A testa de Melissa se franziu de preocupação. — Você
acha que eles vão gostar de mim?

— Seja você mesma e te garanto que vai conquistar a


ambos... — Por pouco eu não disse:Assim como fez comigo. Deixei
escapar um longo suspiro, ainda mantendo a minha mão sobre a
dela e a apertei de leve, para lhe transmitir mais confiança.

Ela se aconchegou ainda mais ao meu corpo e encostou a


cabeça em meu ombro, antes de fecharos olhos e emitir um suspiro
profundo.

Existe algo em Melissa que abala todo o meu íntimo e de tal


forma que eu precisei me conter para não a puxar contra o meu
corpo, de tão necessitado que estava em poder sondá-la e saber se
essa sensação era recíproca.Senti uma espécie de estremecimento
involuntário, seguido pelas batidas fortes e descompassadas do
meu coração, como se o meu corpo inteiro quisesse sinalizar algo
que o meu consciente se recusava a identificar.

Pigarreei antes de falar novamente:

— Mel, eu estava aqui pensando se o pessoal da casa de


repouso pode autorizar a saída temporária da sua mãe, desde que
os médicos também a liberem, é claro — Levei a mão dela aos
lábios e a beijei, sentindo o metal frio do anel provocar um leve
arrepio pelo meu corpo. Foi quando me ocorreu a ideia de adquirir
logo o anel de noivado, sem que ela saiba, pois pretendo fazer o
pedido aqui mesmo, em Nova York. Retirei o anel de seu dedo
lentamente e o guardei no bolso do sobretudo, assim não correria o
risco de comprar a joia no tamanho errado.

Ela levantou o rosto e voltou a me encarar, prendendo uma


mecha solta atrás da orelha, com os dedos trêmulos. Não resisti e
tomei o rosto dela entre as mãos, antes de inclinar para a frente,
selando nossos lábios em um profundo e urgente beijo. Constatei
satisfeito que ela correspondeu com o mesmo ardor, permitindo que
a minha língua sedenta invadisse a boca dela, ansiando pelo hálito
quente e doce se mesclando ao meu.

— Não acho que seja seguro... — ponderou, com os lábios


ainda encostados aos meus, roçando de leve a boca. — Mas eu vou
me certificar se existe essa possibilidade, quando retornar a São
Paulo, está bem?

Decidi formular um pretexto, assim que Melissa parou diante


da vitrine de uma loja de calçados. Se ela desconfiou de algo, não
pareceu demonstrar e segui direto até uma renomada joalheria. A
Tiffany & Coé famosa pelas coleções de anéis, brincos e acessórios
de luxo diversos, embalados nas cobiçadas caixinhas azuis, e
enfeitadascom um laço de cetim branco. Também ficalocalizado na
5ª Avenida, mas na esquina com a rua 57. Uma vez no local, a
atendente me ajudou a escolher um modelo perfeitopara a ocasião:
um anel de platina fina cravejada de diamantes, e com um grande
solitário no centro, lapidado no formato retangular.
Cerca de vinte minutos depois, eu entrei em uma boutique que
oferece uma coleção de roupas, bolsas, sapatos e acessórios
modernos e sofisticados. A vendedora coincidentemente também é
brasileira e me conduziu até a ala dos provadores.
Nó dois entramos no exato instante em que Melissa saía do
provador exclusivo, usando um vestido de noite azul-escuro
deslumbrante, estilo sereia e salpicado de pedrarias cintilantes que
contrastavam com o corpete de renda, cuja leve transparência se
estendia até as mangas longas e justas. Ela girou o corpo
lentamente diante de um grande espelho e contemplei admirado o
decote acentuado nas costas, além do caimento perfeito da peça,
que se ajustava ao quadril, valorizando a bunda perfeita.
— O senhor pode ficarà vontade, seu Alexandre — informoua
vendedora, esbanjando simpatia. — Preciso conferirse outra cliente
precisa de algo, mas eu não demoro.
Esperei a mulher sair para me aproximar da comissária e me
posicionei bem atrás dela, para em seguida juntar as mãos sobre o
abdome, e entrelacei os dedos, antes de puxá-la delicadamente de
encontro ao meu corpo, o que provocou um leve estremecimento
nela.
— Estou louco para despir você e te comer bem gostoso, mas
de preferência contra a parede do provador — murmurei, rouco,
junto ao ouvido dela e então comecei a descer o zíperdo vestido de
noite, bem devagar.
— Confesso que eu fiquei bastante tentada agora, Xandy... —
confessou Mel, erguendo o braço direito e passando a mão por trás
do meu pescoço, e fez os dedos afundarem em meus cabelos,
antes de puxar os fios, com força.
— A atendente pode retornar a qualquer momento... Vamos
aproveitar cada segundo como se fosseo último, antes que sejamos
pegos. O que me diz?
Melissa se virou e me puxou pelo braço, andando na direção
de um dos provadores da sala, para em seguida fechar a cortina
com um gesto brusco. As minhas mãos tremiam de leve, quando
tirei o suéter e desafivelei o cinto, de modo que eu pudesse puxar
logo a barra da camisa, facilitandoassim a liberação da calça social.
Pude ver pelo canto do olho Melissa se despindo cuidadosamente,
fazendoo vestido deslizar pelo corpo até cair no chão, e para minha
surpresa notei que ela usava apenas uma calcinha de renda.
Não perdi mais tempo e me aproximei dela por trás
novamente, a puxando de encontro ao meu corpo e pressionei os
quadris contra a bunda redonda para que ela sentisse a ereção se
formandona calça. Melissa permaneceu de costas para mim, e logo
senti a mão por trás apalpando o pênis já endurecido, e
pressionando-o delicadamente a ponto de quase me fazer irromper
um gemido gutural bem fundo da garganta. Sufoquei ao máximo o
som rouco e profundo e respondi à provocação dela, fazendo as
minhas mãos percorrer o abdômen até alcançar os seios,
arrancando um súbito arquejo que escapou dos lábios delas. Não
sabia se o som era de dor ou de prazer e passei a acariciá-los bem
lentamente, sentindo a pele dela arrepiar, enquanto os dedos
brincavam com os bicos entumecidos e sensíveis.

Encostei os lábios na nuca, dando beijos quentes e úmidos,


entremeados de mordidas leves, para em seguida recuar um pouco
e virei o corpo dela, concentrando a sua atenção no pescoço,
repuxando a pele de modo provocante ao longo da clavícula.
Melissa não conseguiu mais resistir e puxou a minha calça e a
cueca para baixo, revelando o membro ereto, pulsando e com as
veias saltadas. Grunhi fortemente, ainda mais quando ela segurou o
meu pau e iniciou uma deliciosa punheta, alisando desde a glande,
passando por toda a extensão, e o torceu para cima e para baixo
com firmeza, mas sem apertar demais. Agarrei os cabelos dela com
uma das mãos, enterrando os dedos bem fundo a ponto de fazê-la
estremecer e ofegar contra os meus lábios, que pressionavam os
dela num beijo duro e possessivo, enquanto a outra segurava a
lateral de seu rosto.

O nosso beijo foise aprofundando e se tornando mais urgente,


conforme ela abria a boca, permitindo que eu a explorasse com a
língua. Decidi interromper o beijo, por tempo suficiente para encará-
la no fundo dos olhos verdes, que brilhavam intensamente, me
fazendo mergulhar direto nas profundezas tempestuosas deles.
Melissa se aproximou da parede junto ao espelho e apoiou uma das
pernas no puffestofado, a mantendo numa posição elevada para
facilitar a penetração por trás, um claro sinal de que não suportaria
nem um minuto a mais, sem sentir o meu pau enterrado bem fundo
na boceta gostosa.

— Estava louco para te comer por trás, socando sua boceta


com força,contra a parede, sua gostosa do caralho! — Enfieia mão
no bolso da calça à procura da camisinha, e removi a embalagem,
antes de encaixá-lo no membro rijo e pulsante.
Quando segurei bem firme na cintura esguia, ela empinou mais
a bunda, e abaixou a calcinha até os joelhos. Então, eu deslizei uma
das mãos pelo ventre, descendo pela virilha devagar, alcançando a
vulva encharcada. Dei início a uma carícia deliciosa no clitóris,
pouco antes de roçar o meu pau duro na entrada da vagina, e gemi
bem alto, proferindo o nome dela. Usei a mão livre para estapear a
carne macia de suas nádegas, fazendo ela soltar gritinhos abafados,
gemidos de prazer, além de palavras obscenas à medida que eu
introduzia o meu pau nela aos poucos, sentindo as paredes internas
se contraírem, involuntariamente. Impus um ritmo forte a cada
estocada, impulsionando o meu quadril contra a bunda dela e
enterrando o meu pau cada vez mais fundo, enquanto agarrava os
cabelos longos e os torci num rabo de cavalo, antes de puxá-los de
modo firme.
Senti o suor percorrendo todo o meu corpo, e logo a respiração
se tornou irregular, me envolvendo num frenesi alucinado. Melissa
parecia estar cada vez mais entregue, mantendo o rosto
pressionado contra a parede, e respirava ofegante pela boca
entreaberta, o belo rosto ficou vermelho e contorcido de prazer,
enquanto a garganta emitia um ruído semelhante a gemidos
sufocados. Continuei enterrando o meu pau bem fundo nela,
sentindo a boceta batendo contra as minhas bolas a cada estocada
firme e vigorosa. Não parei de socar, enquanto agarrava os seios
dela e os apalpei bem forte até atingirmos o orgasmo juntos.

Nós dois não conseguimos parar de rir, enquanto tentamos


recuperar o fôlego.Mantive o rosto encostado no ombro dela, o meu
peito preenchido por uma sensação indescritível, como que tomado
por uma emoção nova, ao constatar que pela primeira vez Melissa
conseguiu chegar ao ápice apenas com a penetração. Se bem que
transar em local público sempre oferece um estímulo adicional, em
virtude da intensa carga de adrenalina envolvida, mas prefiropensar
que ela está cada vez mais envolvida por mim.
“Quando penso em todos os anos
Que quero estar com você
Acordar todas as manhãs com você na minha cama
É exatamente isso que planejo fazer[26]”.

Após um longo dia, acompanhando as palestras com


especialistas em saúde, ciência e tecnologia, finalmente chegou o
momento do coquetel de encerramento do Seminário. Eu já estava
ansioso pela chegada de Melissa e desviava a atenção do grupo de
executivos de tempos em tempos, apenas para observar a entrada
do salão, cheio de expectativas.

Voltei a conversar com um dos palestrantes, quando de


repente senti alguém tocar em meu ombro, e imaginando ser a
minha futura noiva, eu me virei com um amplo sorriso nos lábios,
mas para minha surpresa dei de cara com um homem de meia-
idade. Era o meu professor, Paulo Resende Filho, Mestre e Doutor
em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo. Além de
presidir empresas petroquímicas e de Química Fina, ele também
fundou a maior fabricante de InsumosFarmacêuticos Ativos (IF
AS)
da América Latina, a Neotech Química.

— Que maravilha poder rever o senhor, professor! — Eu o


cumprimentei sorridente, tocando o ombro dele, com firmeza. — É
sempre um privilégio assistir à sua palestra.

— E quanto a mim, é sempre um prazer poder contar com o


meu aluno mais aplicado e distinto me prestigiando nos eventos —
Colocou a mão em meu ombro, retribuindo o meu gesto de forma
calorosa. — A última vez que encontrei o seu pai foi antes de ele
sofrer um infarto... Ele tem apresentado alguma melhora?

— Sim, graças a Deus ele está se recuperando. O meu pai tem


convivido bem com a insuficiência cardíaca, alterou toda a rotina
dele, quando implantou um stent e um marca-passo, começou a
fazer atividades físicas,com acompanhamento médico e também
tem controlado o estresse. Estou bastante otimista com o progresso
que ele tem feito.

— Então, o processo de sucessão na Astramed foi mesmo


antecipado? Eu soube que assumiu o cargo de CEO recentemente,
Alex. Meus parabéns! Você tem competência de sobra para
conduzir os negócios e fazer jus ao legado de seu pai.

— Sim, graças ao fato de o meu pai ter elaborado um plano


sólido e bem-sucedido, exatamente como meu avô fez, então o
processo transcorreu de forma tranquila.
Desviei o olhar dele para observar a porta de vidro, pela qual
entravam algumas pessoas, e entre elas estava Melissa
Albuquerque, que olhava para os lados como se estivesse à procura
de alguém. Esse olhar fixo nela involuntariamente atraiu a sua
atenção, como se estivesse carregado de magnetismo. Quando ela
enfim notou a minha presença, se aproximou com um amplo sorriso
nos lábios, provocando uma onda deliciosa de calor por todo o meu
corpo.

— Eu já estava ansioso à sua espera, amor — Avancei na


direção dela, antes de segurar seu rosto entre as mãos e selar
nossos lábios com um beijo rápido, mas suficientemente
apaixonado.

— Fiquei com medo de não te encontrar em meio a tanta


gente, Alex — revelou, sorrindo timidamente.

— Quero que conheça uma pessoa a quem eu admiro muito,


Mel. Ele foi o meu professor na USP, e se chama Paulo Resende
Filho.

— É aquele senhor alto e elegante? — Ela quis saber, curiosa,


fazendo um gesto com a cabeça na direção dele. — Não sei por
que, mas eu tive a leve impressão de já ter escutado esse nome em
algum lugar... — revelou ela, franzindo a testa com um ar pensativo.

— Professor, eu quero te apresentar a minha noiva... — Ela


nem me deixou completar, sussurrando ao meu ouvido que ainda
não oficializamos o compromisso, mas eu a repreendi logo em
seguida. — Shh... nem pense nisso. Isso é só um detalhe bobo.
— Boa noite, professor, como vai? — disse ela, amável,
estendendo a mão para um cumprimento formal. — Eu me chamo
Melissa Albuquerque.

Paulo apertou a mão dela de modo efusivo, um gesto que a


meu ver se estendeu para além do esperado. Ele passou a encará-
la com um brilho diferente no olhar. Seria de admiração, talvez?

— Engraçado dizer isso, mas você me faz lembrar alguém,


acredita? — comentou ele, passando a mão no queixo, com ar
pensativo.

— Bem, eu sou comissária de bordo, então vira e mexe as


pessoas me fazem esse mesmo comentário — ponderou Melissa,
com certo constrangimento.

— Você é de São Paulo mesmo? — perguntou Paulo, incapaz


de disfarçar a curiosidade.

— Sim, eu nasci na capital mesmo... — respondeu ela, a voz


vacilou por um instante, encarando-o com uma expressão
desconfiada. Um garçom passou naquele mesmo instante e ela
pegou uma taça de champanhe da bandeja, bebendo um longo
gole, aparentando estar nervosa. — Então, o senhor ainda leciona
na universidade?

— Mesmo aposentado, eu ainda atuo como Professor Sênior,


com projeto de permanência na Escola Politécnica da USP.

— Engenharia... — murmurou Melissa, e reparei que seu belo


rosto assumiu uma expressão sombria, de repente. — Senhores, se
me dão licença, preciso ir ao toalete.
Sem esperar por uma resposta, ela se virou e começou a se
afastar, então eu aproveitei o fato de estar a sós com Paulo para
sondá-lo, e quem sabe entender o motivo pelo qual Melissa parecia
pouco à vontade na presença dele.

— Professor, tanto o senhor quanto Melissa passaram a agir


de um jeito estranho. Poderia me explicar o porquê?

— Por alguns instantes a sua noiva me fez lembrar dela... —


respondeu, sorrindo e olhando para além do meu ombro, com ar
sonhador. Ele voltou a me encarar e piscou, como que despertando
de um sonho. — Alguém que eu conheci há muitos anos, mas não
acho que seja quem eu estou pensando, Alex. Só que não me sai
da cabeça o fatode as duas terem o mesmo sorriso, além dos olhos
verdes luminosos, com a diferença de que Norma possui uma pinta
na lateral do rosto... — não quis esperar ele terminar de falar e o
interrompi, encarando-o com um misto de surpresa e incredulidade.

— Melissa nasceu com essa mesma marca de nascença, mas


ela decidiu remover do rosto. Acredita que a mãe dela
coincidentemente se chama Norma?

— Alex, me confirma uma coisa, por gentileza — Ele me


segurou no braço, adotando uma postura mais confidencial. — Ela
já te contou algo a respeito do pai dela?

— Não exatamente, professor. Eu presumi pelas nossas


conversas que o pai a abandonou na infância, não sei bem... Ela foi
criada apenas pela mãe na cidade de Votuporanga, interior de São
Paulo.
— Meu Deus! — exclamou ele, com os lábios trêmulos e
balançou a cabeça, visivelmente transtornado. — Melissa é a minha
filha, Alexandre! Ela com certeza chegou a essa conclusão e por
isso saiu daquele jeito.

— Então, quer dizer que o senhor se envolveu com a mãe


dela, mesmo estando casado? Foi por isso que não quis assumir a
paternidade?

— Sim, exatamente... Tudo não passou de uma aventura, uma


coisa sem importância. Pelo menos era isso o que eu pensava,
Alex. Eu não esperava me apaixonar por ela, entendeu?

O meu professor relatou ainda que passou alguns meses em


São José do Rio Preto, acompanhando de perto a construção da
estação de tratamento de efluentes, e foi na mesma época em que
Norma fazia a pós-graduação na área de Pedagogia, mais
especificamente na Universidade Estadual Paulista - UNESP.

Paulo conheceu a mãe de Melissa quando foi convidado para


um ciclo de palestras em escolas de Ensino Médio, e entre elas
estava justamente a que Norma lecionava. Depois de alguns
encontros, Norma contou a ele que os pais dela, que eram católicos
praticantes, pensavam que o fatode ela não ter conseguido arrumar
um marido era um sinal de que a filha estava destinada a cuidar
deles na velhice. Norma tinha vinte e oito anos de idade e era
virgem, então certamente ele se aproveitou de sua ingenuidade e a
iludiu com falsas promessas.

— Eu falhei com as duas, Alexandre. Sei que nada justifica o


meu comportamento, porque eu realmente agi como um canalha,
assim que soube da gravidez, mas assumir uma filha fora do
casamento naquela época era algo inconcebível.

— Talvez esse encontro seja um sinal de que chegou o


momento de reparar os seus erros, professor.

— Por favor, me ajude, Alex... — Paulo fez menção de falar


algo mais, quando notou a aproximação de Melissa, que retornava
do toalete.

— Querido, sinto muito interromper a conversa, mas a gente


tem que ir embora.

— Você voltou a sentir mal-estar? — Segurei o rosto dela entre


as mãos, lhe dirigindo um olhar preocupado. — Você parece estar
prestes a desmaiar, Mel — comentei, constatando que nem a
maquiagem mais glamourosa para a noite foi capaz de ocultar a
palidez de seu rosto.

— Estou bem, Alex, não se preocupe. Pedi ao meu médico


para trocar meu ansiolítico... o que eu usava anteriormente causava
alguns efeitos porque fiz uso concomitante com outros remédios,
mas você entende disso melhor do que ninguém.

Melissa me informouque o médico prescreveu anteriormente o


cloridrato de Venlafaxina[27] para o tratamento de ansiedade
generalizada (TAG), mas como enfrentou uma infecção recorrente
no trato urinário, procurou outro especialista que receitou
amoxicilina sem saber que ela fazia uso de antidepressivos.

— Eu expliquei a ela que esse tipo de interação pode


desencadear uma síndrome serotoninérgica, o qual poderia
manifestar sintomas como tontura, agitação, taquicardia e delírio.

— No caso das mulheres, mas especificamente, os riscos são


ainda maiores se estiverem grávidas... — Paulo ponderou,
inclinando o rosto para sondá-la com seu olhar penetrante e vivaz.

— Se esse fosse o caso, ela já teria suspendido o tratamento...


— retruquei, inclinando a cabeça ligeiramente para o lado, a
perscrutando com cautela.

— Convivo com a Síndromedos Ovários Policísticosdesde os


18 anos, então no meu caso, teria mais dificuldades para
engravidar... — Melissa se apressou em dizer, encolhendo os
ombros e os olhos marejados. O tom de voz denotava pesar, eu
podia sentir isso. — Passei a tomar Fluoxetina, e por enquanto, não
estou sentindo nenhuma reação adversa.

— Posso voltar a te ver, Melissa? — perguntou Paulo,


subitamente, com certa cautela.

— Acho que está um pouco tarde para muitas coisas, e


Alexandre ficou de me levar para jantar ainda hoje... — respondeu
de forma evasiva, desviando o olhar, nervosa. — Nós precisamos ir
embora, Alex — completou, me puxando pelo braço, e andou na
direção da saída do salão de eventos, com uma expressão de raiva
bem visível.

Esperei nós dois alcançarmos a rua para impedir Melissa de


andar a esmo, pois precisava saber se ela desconfiava de algo, e
em caso afirmativo, se havia alguma possibilidade de ela vir a
perdoá-lo, concedendo a ele o direito de reconhecer a paternidade,
ainda que de forma tardia.
— Eu preciso que me esclareça qual é a sua relação com o
Paulo, por favor, Mel — insisti, ansiando por ela finalmente se abrir
comigo, afinal eu já havia feito um progresso significativo para
conquistar a confiançadela. — Você parecia bastante animada para
participar do coquetel, mas foi só conhecer o meu professor que
tudo mudou.

— Prefiro acreditar que se trata de um terrível engano e não de


uma infeliz coincidência, Alex — Andou de um lado para o outro,
passando a mão pelos cabelos soltos, com nervosismo. — Vocês
dois estavam conversando quando eu cheguei, por um acaso
falavam de mim?

— Você não me falou nada a respeito do seu passado, Mel.


Acha mesmo que eu sabia que estava cara a cara com o seu pai?

Melissa continuou me encarando diretamente nos olhos, e


percebi que havia neles mais dor do que alguém conseguiria
suportar.

— Eu me tornei uma pessoa estigmatizada pelo simples fato


de não ter o nome do meu pai nos meus documentos... — Fez uma
pausa, caindo num choro convulso, enquanto cobria o rosto com as
mãos. O corpo dela tremia de forma violenta, e mais que depressa
eu a puxei para envolvê-la num abraço apertado. Ela manteve o
rosto apertado contra o meu peito, e logo senti as lágrimas
umedecerem o tecido do smoking. — Aquele homem ignorou a
minha existência durante anos e não vou permitir que ele
comprometa a reabilitação de mamãe — voltou a falar, com a voz
abafada,devido ao fatode seu rosto ainda estar pressionado contra
o meu peito. — O emocional dela pode ficar abalado com essa
notícia. Ele que se mantenha bem longe de nossas vidas.

― Eu vou respeitar qualquer que seja a sua decisão, Mel ―


assegurei, enquanto afagava as costas dela, suavemente.

— Ninguém merece passar por esse sofrimento,


especialmente quando se trata de uma criança que não pediu para
vir ao mundo, Alex — Ela se afastou um pouco para me encarar
diretamente nos olhos, e notei que estavam injetados e vermelhos.
Reparei que o belo rosto assumiu uma expressão sombria, de
repente. — Você seria capaz de se recusar a reconhecer um filho,
negando a ele o direito básico à paternidade?

— Eu não pensava em me casar até outro dia, Mel — revelei,


em tom de brincadeira, para tentar descontraí-la um pouco. —
Também nunca me passou pela cabeça ter filhos, e acabei me
acostumando com a ideia de ser apenas o tio da Bia e do Miguel —
Percebi que ela não se aguentou e acabou rindo junto comigo. —
Mas falando sério agora, eu acho um absurdo os caras se eximirem
da responsabilidade de gerar um filho, abandonando as mulheres à
própria sorte. Agora, aqueles que honram as calças que vestem,
não fazem mais do que a obrigação deles em dar todo o suporte
emocional e financeiro que elas precisam.

— Quem dera eu pudesse ter um filho seu, Xandy... —


sussurrou ela, suave e apaixonadamente, com uma das mãos
segurando bem firme a minha nuca e em seguida me puxou para
junto de si, cobrindo sua boca na minha, em um beijo suave e lento.
Percebi que ela estremeceu de leve antes de interromper o beijo,
um suspiro profundo escapou de seus lábios. — Mas sabe do que
mais? Eu não quero mais saber de depressão e nem de coisas pra
baixo — Deixou escapar uma risadinha, enquanto enxugava as
lágrimas dos cantos dos olhos, com a ponta dos dedos, para não
borrar a maquiagem.

— Então, ainda se sente disposta a jantar comigo? —


perguntei, com as sobrancelhas levemente arqueadas, nutrindo
certo receio de não conseguir dar continuidade ao plano de
surpreendê-la com um jantar no One if by Land, Two if by Sea[28],
considerado o restaurante mais romântico da cidade.

— E perder a surpresa que preparou para mim? — perguntou,


chupando meu lábio inferior e o mordiscando ao mesmo tempo. —
Jamais,executivo da Faria Lima.
“Eu retiro a proteção, você é a única em quem eu apostaria
E eu só quero um bebê com a garota certa
(Só quero um bebê com a garota certa)
Porque eu jamais seria o cara que esconderia um.”[29]

Nós dois seguimos de mãos dadas até o veículo sedã preto,


uma vez que o motorista já estava à nossa espera, ciente de que
nos levaria até 17 Barrow Street, em West Village. Uma vez no local,
o maitre do restaurante feza gentileza de nos acompanhar, e puxou
uma cadeira para Melissa poder se sentar diante de mim.

— Confesso que eu não esperava essa surpresa, Xandy —


comentou Mel, colocando o guardanapo sobre o colo, enquanto
lançava um olhar em torno do ambiente iluminado à luz de velas,
deixando um clima charmoso e muito romântico no ar.
— Mas o meu objetivo era justamente esse, amor. Surpreendê-
la de um jeito inesquecível, e celebrando o nosso noivado,
antecipadamente — Repeti o gesto dela, com um brilho de
divertimento no olhar. O garçom trouxe alguns minis macarons e
biscoitos com uma mensagem de felicitações pelo noivado.

— Achei incrível a sua escolha, amor. Eu aprecio muito


ambientes mais intimistas.

Após consultarmos o menu disponibilizado pelo restaurante,


nós optamos pelo sashimi de cauda amarela com foie gras como
entrada, o peito de capão escalfado com trufa, medalhões de javali,
e a costela de cordeiro desossada para o prato principal, e por fim,
um pudim de brioche Bourbon e suflê de chocolate para a
sobremesa.

Uma vez finalizado o jantar, Melissa pediu licença, informando


que seguiria até o toalete, e nesse ínterim aproveitei para chamar o
garçom e solicitei uma garrafa de champanhe além de duas taças.
Quando ela retornou para o salão e se sentou novamente à mesa,
considerei que era o momento de enfiar a mão no bolso interno do
paletó para tirar de dentro dele a pequena caixa de veludo da
Tiffany & Co.

— Eu mantive a joia comigo desde ontem, aguardando


ansiosamente o momento de formalizar a minha proposta, amor ―
Eu logo me dei conta de que era a segunda vez que a chamava de
amor. Simplesmente a palavra saiu da minha boca, quase que de
forma involuntária.— Diga-me que ainda aceita ser a minha esposa,
Mel — murmurei, com um ligeiro tremor na voz, ao abrir a caixa
diante dela, revelando o anel de noivado.
Continuei segurando a pequena caixa, aguardando por uma
resposta, cheio de expectativas. Melissa ora olhava para mim ora
para o anel de noivado, o rosto se mantinha impassível, e o silêncio
se fezpresente por alguns instantes, prolongando de formasádica o
nervosismo crescente dentro de mim. Notei um sorriso de canto se
formando nos lábios sensuais pintados de vermelho dela, e ela
balançou a cabeça em concordância, com olhos se enchendo de
lágrimas.

— Sim, mas é claro que eu aceito, Xandy! — respondeu


Melissa, com entusiasmo, e estendeu a mão direita enquanto eu
retirava a joia cuidadosamente da caixa, antes de a colocar no dedo
anelar dela. A mão ficou trêmula e sensível sob o meu toque
carinhoso, capaz de despertar em mim um sentimento avassalador
e sublime, algo que eu julguei não ser capaz de sentir.

Era assustador e maravilhoso, tudo ao mesmo tempo.

— A confirmação que eu mais esperava ouvir de seus lábios,


amor.

Melissa aparentemente reprimiu um soluço inoportuno que


ameaçava brotar da garganta, ao cobrir a boca com a mão
esquerda, e nem eu me sentia capaz de disfarçar a emoção no olhar
que lancei para ela. Repetirei esse mesmo gesto no jantar em
famíliadaqui a um mês, com a mesma convicção de que não existe
nenhuma outra mulher no mundo capaz de reunir todos os
requisitos que desejo numa esposa. Além de dominar a minha
mente, Melissa tem ocupado cada vez mais espaço no meu coração
antes fechado e inacessível.
Em determinado momento, eu agitei com vigor a grande
garrafa do champanhe, fazendo a rolha saltar com um estalo forte,
para em seguida encher as duas taças, e passei uma dela para
Melissa, antes de erguer a minha para lhe propor um brinde. Bebi
um gole da bebida, enquanto a observava fazer o mesmo, sorrindo
internamente, ao perceber que ela retribuiu o olhar com a mesma
intensidade de antes.

Senti um impulso irresistível de demonstrar o meu afeto


genuíno por Melissa e me levantei, para em seguida contornar a
mesa, e estendi a mão na direção dela, atraindo a atenção de parte
dos clientes do restaurante. Apesar de aparentar estar constrangida
com o meu gesto inusitado, Melissa também se levantou e
rapidamente se lançou em meus braços, agarrando as abas do
paletó. Eu só me afastei o suficiente para tomar o rosto dela entre
as mãos, e me inclinei para a frente,cobrindo a boca dela na minha,
selando um profundo e rápido beijo.

Alguns casais se levantaram de suas mesas e começaram a


aplaudir com entusiasmo. A única reação dela foivirar o rosto e lhes
dirigir um olhar emocionado, antes de voltar a atenção para mim
novamente.

— Acho que eu ficarei mal acostumada por ter me tornado o


centro das atenções esta noite, Xandy ― murmurou Mel,
escondendo o rosto em meu peito, enquanto alisava a aba do paletó
de corte impecável.

— Eu não tenho a menor dúvida disso, amor ― assegurei, a


enlaçando pela cintura, e a puxei de encontro ao meu peito, com
suavidade. De repente, me veio à memória um detalhe importante, o
qual eu quase havia me esquecido de lhe perguntar. Assim, eu
abaixei a cabeça para sussurrar ao ouvido dela, rouco. — Fiquei
curioso para saber se está usando aquele pequeno acessório que
eu te dei de presente... — Ela gemeu em resposta, confirmando
com um gesto de cabeça de modo quase imperceptível.

Comprei um desses vibradores discretos, controlados por meio


de aplicativo para smartphone, bastando apenas deslizar os dedos
na tela que o vibrador reproduz os movimentos, em tempo real. Eu
já estava ansioso para convencer Melissa a testar o acessório e
felizmente ela concordou, se mostrando disposta a estar cada vez
mais consciente e sintonizada com a própria sexualidade, o que a
deixava ainda mais irresistível aos meus olhos.

Nós dois voltamos a ocupar a mesa, no mesmo instante em


que o garçom se aproximava, trazendo a sobremesa que
solicitamos: um pudim de brioche Bourbon e suflê de chocolate.
Aproveitei o fato de ela estar distraída, experimentando o doce, e
saquei o meu celular do bolso interno do paletó, digitei a senha de
desbloqueio para em seguida acessar o aplicativo. Decidi começar
pelo modo de vibração leve, aumentando gradualmente para uma
estimulação mais intensa, garantindo a ela o máximo de prazer.

Melissa levava a colher de sobremesa à boca, quando o


primeiro espasmo a percorreu, a obrigando a engolir um arquejo de
surpresa enquanto me dirigia um olhar constrangido. Senti a
excitação crescer num frenesi louco, e o meu pau reagiu de forma
instantânea, à medida que eu deslizava o polegar para cima e para
baixo pela tela do celular, atento à menor reação da parte dela.
— Oh, Xandy... — ofegou Mel, umedecendo os lábios e
arqueando o corpo de maneira instintiva contra a mesa para em
seguida agarrar a minha mão e a segurou, com força. Estremeci de
leve, sentindo uma onda de calor subir pelo estômago,
acompanhado pela pressão das bolas, que ameaçavam explodir
dentro da calça de tanto tesão acumulado. Melissa rapidamente
apoiou o cotovelo sobre a mesa e sua cabeça pendeu mole na mão,
enquanto me encarava com os olhos semicerrados, e mordeu o
lábio inferior daquele jeito sexy que só ela era capaz de fazer
.
Parei de executar os movimentos na tela, permitindo que ela
recuperasse um pouco o autocontrole. Melissa se empertigou na
cadeira e voltou a comer a sobremesa, mas notei que ela apoiou a
mão livre discretamente sobre o colo, antes de cruzar as pernas e
se inclinar para a frente, de tão excitada que ela estava.
— Vamos voltar para o hotel, Xandy — suplicou, com a voz
soando fraca e melodiosa. — Agora mesmo, por favor
.
— E perder o ponto alto da noite, amor? — Umedeci os lábios,
que se curvaram em um sorriso insolente, antes de tomar o restante
do champanhe. Peguei o celular de novo, com o coração batendo
loucamente dentro do peito. Agora eu conseguia entender porque
Miguel ficava tão afoito toda vez que instalava um joguinho novo no
aparelho. — Tudo o que eu mais queria era poder te abraçar, Mel.
Mas segure a minha mão e apenas se entregue ao momento, está
bem? — Ela apenas se limitou a anuir com a cabeça, murmurando
“uhum”, com um sorriso malicioso nos lábios.

Caralho, assumir o controle de seu orgasmo será


absurdamente viciante.
Melissa estendeu a mão e tocou na minha, assim que reiniciei
o aplicativo, e fiz o meu polegar subir e descer sobre a tela à medida
que eu queria aumentar ou diminuir a velocidade da pulsação do
vibrador, ao mesmo tempo em que segurava bem firme a mão dela,
que estava quente e suava um pouco. De repente, notei a cabeça
dela pendendo para o lado, mas ela usou a palma da mão como
apoio, enquanto arqueava o corpo sobre a mesa, quando
instintivamente soltou minha mão para colocar entre as pernas. Uma
expressão sexy tomou conta de suas feições, quando fechou os
olhos, indicando que estava cada vez mais entregue e a ponto de
gozar, silenciosamente.

Não demorou muito para notar um estremecimento rápido


percorrer o corpo dela e seu leve arfar era digno de nota. Melissa
apoiou os cotovelos na mesa e segurou a cabeça entre as mãos,
respirando lenta e profundamente para recuperar o fôlego e se
recompor de todo o êxtase provocado por mim, deliberadamente.

Segui até a janela que preenchia toda a parede frontal da sala


de estar, descortinando uma vista panorâmica do Central Park e do
Rio Hudson. Observei Melissa se sentar na poltrona e apoiar a
perna no puff
, facilitando assim a retirada da sandália de salto,
quando repentinamente ela levou a mão às costas, soltando um
gemido baixo de dor. Decidi transpor a pequena distância e
rapidamente me sentei no puff , levantando o pé dela com cuidado e
o apoiei na minha perna, antes de desapertar a fivela da sandália.

Ela está diferente, eu posso sentir isso.

Não sabia exatamente o que poderia ser, mas algo me dizia


que uma mudança estava se processando no organismo dela.

— Como se sente, amor? — Eu quis saber, a estudando


atentamente, com os olhos fixos nela, enquanto pegava o outro pé
dela. Tirei lentamente a sandália, puxando e a lançando ao chão.

— Senti uma dor fina bem no meio das costas, mas foi algo
passageiro mesmo — respondeu, abaixando a cabeça para evitar
me encarar nos olhos. — Alex, acredita que os meus pés já estavam
me matando, sendo que eu amo sandálias de salto alto? —
desconversou, e percebi logo que ela me escondia algo. Mas o que
poderia ser, exatamente? Decidi deixar as conjecturas de lado para
me concentrar única e exclusivamente em encerrar a noite com uma
fodamaravilhosa.

Fiz um rápido movimento, levantando as pernas dela para


rodeá-las na minha cintura, provocando um arquejo de surpresa de
seus lábios. Ela segurou em meus ombros, e cruzou os pés em
minhas costas como que buscando um apoio, e a puxei para mais
perto de mim, acomodando-a em meu colo, antes de me levantar e
seguir até o quarto.

— A gente tem tanta química que mais parece uma tabela


periódica ambulante.
Eu a coloquei suavemente na cama, no instante em que ela
desatou a rir do meu comentário.

— E de químicavocê entende bem, hein? — Apoiou as mãos


no colchão e ergueu a perna direita até a altura do meu peito,
deslizando a ponta dos pés sobre o peitoral, provocantemente. —
Você pode me ajudar a tirar o vestido, amor? — Se virou de costas,
permanecendo de joelhos, e com a coluna ereta. Eu me prostrei
atrás dela e desci o zíper do vestido lentamente, notando com
satisfação o colo subir e descer, ao ritmo da respiração ofegante,
em resposta ao leve roçar dos meus dedos na pele.

Melissa engatinhou até o meio da cama king size, voltou a ficar


de joelhos, ainda de costas para mim, afastou os cabelos dos
ombros, e abaixou uma manga do vestido, seguida da outra,
olhando de soslaio para mim. Os meus olhos se mantinham
vidrados, acompanhando o menor de seus gestos, e de repente, eu
senti uma fisgada insuportavelmente dolorosa nos testículos,
fazendo o meu pau reagir de imediato, diante daquela visão
tentadora dos infernos. E de quebra, ela inclinou o corpo para a
frente, jogando o quadril para trás e empinou bem a bunda,
enquanto abaixava a peça até fazê-la deslizar pelas pernas.

Tirei logo o paletó e a gravata borboleta, abri os primeiros


botões da camisa, para em seguida puxar a camiseta, passando-a
por cima da cabeça e jogando ambas longe. Depois foi a vez de
desafivelar o cinto para me libertar da calça social, com as mãos
trêmulas, mal contendo a ansiedade de enterrar o meu pau bem
fundo na boceta gostosa, imprimindo um ritmo feroz nas estocadas
até fazer Melissa se contorcer sob mim e gemer, cheia de tesão.
Eu me posicionei atrás de Melissa, ajoelhado na cama, e
deslizei as mãos pelos braços dela, descendo até alcançar a cintura,
pouco antes de segurar o cós de sua calcinha de renda, abaixando-
a e expondo sua bunda redonda e um pouco avantajada.

— Eu estou louco para fazer o meu corpo entrar em


combustão espontânea bem junto ao seu, Mel — sussurrei ao
ouvido dela, imprimindo à voz um tom rouco e urgente, e empurrei
gentilmente a parte superior de seu corpo, impondo o meu peso
sobre ela.

Melissa afastou um pouco as pernas, de maneira instintiva e


se inclinou sobre a cama, apoiando os cotovelos no colchão, e
empinou ainda mais a bunda gostosa, deixando a região íntima
inteiramente à minha disposição. Então, eu deslizei a mão pela
carne macia dos glúteos, passando pela parte interna da coxa, até
alcançar a vulva, recém-depilada e sensível e iniciei uma carícia
lenta nos grandes e pequenos lábios completamente úmidos, antes
de dar uma atenção especial ao clitóris, usando os dedos indicador
e médio, intercalando movimentos rápidos e sucessivos, com
outros, mais suaves e lentos.

— Já está tão deliciosamente molhada, amor, que eu mal vejo


a hora de socar o meu pau bem fundo até preencher a sua boceta
de porra — Enfiei os dedos na entrada, que escorregou pelo canal
vaginal com a maior facilidade, e deixei escapar um grunhido gutural
de prazer, só de vislumbrar o meu membro grosso e latejante no
lugar deles.

— Não estou me aguentando! — Arfou,a voz saindo fraca,era


quase um sussurro débil, enquanto contraíaa pelve, se contorcendo
sob o meu corpo, que ardia com um desejo febril. — Oh, por favor,
Xandy...

Aquela entrega absoluta e incondicional dela me fez querer


possuí-la sem precaução alguma, a ponto de sentir uma vontade
irracional de engravidá-la o mais rápido possível. A possibilidade de
ter um filho com ela, ainda que remota devido às condições de
infertilidade, não poderia ser descartada. Eu estava bastante
tentado a colocar um bebê na equação, garantindo assim que o
comitê de sucessão reconheça os meus esforços para manter o
controle da Astramed nas mãos da minha família.

Apoiei as mãos no colchão e pedi a ela para erguer um pouco


a parte superior do corpo, apoiando um dos cotovelos na cama e
segurando em meu braço com a mão livre, enquanto mantém uma
perna estendida e a outra levemente flexionada, elevando o quadril
ao máximo, e permitindo que eu a penetre por trás, visando
estimular o ponto G e o clitóris, ao mesmo tempo.

Abaixei minha cueca de forma brusca até revelar o membro


ereto, pulsando e com as veias saltadas. Apontei a cabeça do pênis
em direção à vagina tão quente e úmida, introduzindo nela aos
poucos e a sentindo se contrair, involuntariamente. Deixei escapar
um grunhido de prazer e comecei a meter cada vez mais fundo na
boceta, enquanto o som do meu quadril se chocando na bunda dela
reverberava pelo cômodo, misturado ao frenesi mental dos meus
gemidos e pedidos ensandecidos.

— Me peça para fazer um filho em você, amor — Supliquei


repentinamente, no ouvido dela, fazendominha voz sair engasgada,
ofegante e quase sem fôlego.
Senti a boceta dela se contrair e relaxar a cada estocada funda
e enérgica, fazendo o prazer fluir pelo meu corpo, em ondas
deliciosas de calor.
— Quero ouvir dessa sua boca gostosa que quer ter um filho
meu, enquanto soco o meu pau bem fundo em você — Eu toquei
nos seios com uma das mãos espalmada de leve e deslizei o dedo
em volta do bico intumescido, arrancando um gemido de
descontrole seguido por um ronronar rouco. Ela agarrou ainda mais
o meu braço, a boca entreaberta emitia gemidos altos de prazer, a
cada lufada de ar, respirando debilmente.
— Vamos, diga que vai ter um filho meu, amor — exigi,
beijando a lateral do rosto dela, o meu pau continuava entrando e
saindo de sua boceta, em um vai e vem cadenciado e constante.
— Oh, Xandy... Eu quero muito... Deus, como eu quero... tanto
um filho seu — Melissa conseguiu dizer, pausadamente, em um
murmúrio débil, e notei a região do colo subir e descer, ao ritmo da
respiração ofegante,e inexplicavelmente, ela irrompeu em lágrimas,
deixando o corpo se afundarno colchão. — Faça um filhocomigo —
suplicou, com a voz soando fraca e melodiosa.

Enquanto Melissa gozava e se contorcia deliciosamente sob


meu corpo em chamas, continuei investindo repetidas vezes contra
a bunda dela até sentir a onda avassaladora do orgasmo me invadir,
e esporrei dentro dela até a última gota de sêmen.
— Posso não ter sido o seu primeiro amor, mas eu sou o mais
recente, e assim permanecerá até o seu último segundo de vida —
murmurei, me deitando sobre ela, e deslizei a ponta dos dedos
pelas costas, fazendo movimentos circulares até alcançar o quadril,
e provocando um arrepio delicioso por todo seu corpo.
“Eu não quero admitir algo
Se tudo que isso vai causar é dor
As verdades nas minhas mentiras
agora estão caindo como a chuva
Então, deixe o rio correr[30].”

São Paulo, SP.


1 mês e meio depois.

O que a Katy Perry, Rihanna, Beyoncé e Gigi Hadid têm em


comum?
Todas elas esconderam a gestação durante alguns meses.
Estou prestes a alcançar o final do 1º trimestre de gestação.
Foi um golpe de sorte a minha barriga ainda não ter despontado,
pelo menos não de formaperceptível.Porém, uma vez completadas
as 12 semanas, o útero já começa a se expandir em cima do osso
do púbis, e só a partir daí, eu começarei a adotar alguns hábitos
para esconder esse aumento progressivo, seja com roupas mais
largas ou até mesmo usando cintas modeladoras.
Foi um período marcado por muitos enjoos e vômitos, então
perdi alguns quilos. Quando comecei a fazer o pré-natal, a minha
médica informou que o fato de ter uma musculatura abdominal forte
poderia atrasar um pouco mais o crescimento da barriga.
A vontade de urinar ainda se fazia frequente, o que me fez
despertar mais cedo para ir ao banheiro. Alexandre continuava
deitado de bruços na cama e parecia entregue ao sono profundo.
Uma vez no local, eu levantei a tampa do vaso sanitário e me sentei,
liberando toda a urina acumulada.
Lavei as mãos na pia e encarei o meu próprio reflexo no
espelho, com satisfação no olhar. Impressionantecom a gestação
contribui positivamente para o bem-estar das mulheres. A minha
pele adquiriu um tom ruborizado e radiante, iluminando as maçãs do
rosto.
Eu escolhi exatamente o Dia das Mães para oficializaro nosso
noivado.
Comecei a morar com Alexandre poucos dias após o nosso
retorno, e precisei empacotar os meus pertences para a mudança,
praticamente às pressas. Quando eu transmiti a notícia para minha
mãe, ela ficou dividida entre estar feliz por eu ter decidido refazer
minha vida e estar preocupada por eu ter pulado etapas importantes
em um relacionamento. E por falar na mamãe, eu finalmente
consegui convencê-la a se mudar para um residencial de alto
padrão, após muita insistência de Alexandre, que expôs todas as
vantagens de transferi-la para uma instituição com melhor
infraestrutura, em Alphaville, que mais parecia um hotel 5 estrelas
da terceira idade, e com mensalidades três vezes maior do que eu
costumava pagar, em Moema. Duas semanas se passaram, desde
então, e aparentemente, ela tem se adaptado bem à nova moradia.
A mansão de Alexandre fica situada no ponto mais alto do
condomínio em Tamboré – Alphaville e possui 1.800m de área
construída. O pé direito triplo do living me impressionou pela
dimensão, trazendo a sensação de amplitude como se eu pudesse
tocar o céu. O paisagismo também se destacava na entrada da
propriedade, me fazendo lembrar dos filmes ambientados em
Beverly Hills. No entanto, eu não me importaria de morar na
cobertura triplex dele, localizada em Cidade Jardim, pois achei o
ambiente bem mais intimista, acolhedor e aconchegante.
Toquei instintivamente na barriga, embora ciente de que vai
demorar um pouco até conseguir sentir o bebê se mexer. Usava um
conjunto de camisola e robe de seda na cor bordô, proporcionando
um caimento leve e aveludado. Logo, um sorriso se insinuou nos
cantos dos lábios, incapaz de disfarçara emoção em poder alcançar
o primeiro trimestre da gestação sem grandes problemas.
— Espero que ele tenha mais sorte do que eu — pensei em
voz alta, alisando a barriga e observando o meu reflexo no espelho
pela última vez, antes de respirar fundo e voltar para o quarto
master.
O meu pai não quis saber da minha existência, então eu não
medirei esforços para o meu bebê não repetir este ciclo infeliz. Ele
merece ter um pai de verdade.
Como Alexandre continuava dormindo de bruços, eu me
acomodei na cama da forma mais cuidadosa possível para não o
acordar. Ele passou a semana inteira viajando a trabalho;esteve em
um evento a convite do Governador de Minas Gerais, onde
participou de um painel junto com outros empresários; também fez
um giro pelo Nordeste com a equipe de gestores, onde acompanhou
a inauguração de mais um centro de distribuição, colocando em
prática o plano de acesso aos pontos de venda em regiões mais
distantes do país.
Eu me recostei na cabeceira acolchoada da cama king size e
passei a mão na cabeça dele, acariciando lentamente seus cabelos
curtos e lisos, sentindo de repente uma onda avassaladora de
emoção me dominar, a ponto de os meus olhos ficarem marejados.
Fechei os olhos e soltei um longo suspiro, tomada por uma
sensação indescritível de descoberta. A descoberta de que estava
apaixonada pelo único homem capaz de derrubar todas as minhas
defesas emocionais, as mesmas que eu ergui em torno de mim,
após o término conturbado e muito doloroso do meu último
relacionamento. No entanto, um medo irracional começou a invadir
a minha alma, me fazendo crer que talvez não seja mais capaz de
amar alguém nesta vida. Não faltam textos na internet em que há
uma presunção de culpa para as mulheres na condução de seus
relacionamentos amorosos, recaindo sobre nós a responsabilidade
pelo sucesso ou pelo fracasso da vida afetiva.

Não é justo que a culpabilidade seja atribuída para apenas


uma das partes.
Alexandre tem se mostrado um homem respeitoso,
compreensivo e paciente. Eu me sinto à vontade para expor os
meus anseios, as expectativas e as vulnerabilidades, sem que haja
cobranças ou pressões. Encontrei nele a oportunidade de viver uma
relação saudável, embora ainda não me sinta merecedora de ser
amada, no fim das contas.

Caí num choro convulso, com as mãos cobrindo o rosto, de tal


forma que o meu peito subia e descia ao ritmo da respiração
entrecortada. De repente, uma súbita pontada de dor me atingiu,
mas tentei ao máximo retomar o autocontrole, respirando bem fundo
algumas vezes até gradualmente parar de chorar e de soluçar.
Reprimi as lágrimas e voltei a me afundar nos travesseiros,
fechando os olhos na tentativa de relaxar até pegar no sono de
novo.

Preciso quebrar de uma vez por todas as algemas invisíveis


que ainda me mantém ligada ao meu ex-namorado nesta espécie de
prisão mental.

Não demorou muito para eu sentir o sono chegar, já vencida


pelo cansaço.

Acordei com o barulho da porta se abrindo, e me levantei ainda


me sentindo meio sonolenta, quando a claridade da lâmpada atingiu
em cheio os meus olhos. Alex usava um suéter de cashmere na cor
bege, de manga longa e justa o bastante para evidenciar os braços
musculosos e o peitoral definido, além da calça de moletom e
cashmere na cor preta, e chinelos de couro da mesma cor.
— Bom dia, meu amor — Alexandre fechou a porta com o pé
direito porque trazia uma bandeja nas mãos.

— Bom dia, amor — Repeti a saudação, me espreguiçando


voluptuosamente e sorrindo para ele. O meu estômago roncou alto,
aprovando a ideia de fazer o café da manhã na cama. — Percebo
que preparou algo especial para mim, não foi? — Eu me recostei
logo na cabeceira capitonê, e esfreguei as mãos de contentamento,
a minha boca ficou encharcada de saliva. Alex ajeitou os pés da
bandeja entre as minhas pernas e dei uma boa olhada nos itens
dispostos: croissants, frutas vermelhas sortidas, iogurte natural com
granola, ovos mexidos, além de suco de laranja e café. Ele colocou
flores para enfeitar e uma plaquinha com os dizeres: Bom dia, flor
do dia. Outro dia a frase foi a seguinte: Bom dia, dorminhoca.
Sempre me surpreende de um jeito inesquecível como jamais
imaginei. — É capaz de eu comer por dois de tão faminta que eu
estou, sabia?

— Esse é o tipo de comentário que a gente só escuta quando


se refere às gestantes, ou eu estou enganado? — Ele se deitou ao
meu lado, se apoiando num cotovelo para me dirigir um olhar
desconfiado. O espertinho por pouco não me fez engasgar com o
pedaço do croissant, e tossi para disfarçar o constrangimento.

Será que ele suspeita da minha gravidez?

— A propósito, Mel, eu observei algumas mudanças no seu


corpo nos últimos dias, mas acabei me esquecendo de comentar
contigo.
— Sério mesmo, Xandy? — Tentei desconversar, fingindo
naturalidade, mas senti um arrepio percorrer ao longo da lombar. —
Que mudanças seriam essas? — perguntei, dando de ombros,
como se não desse importância ao que ele disse.

Alexandre prendeu seus dedos em uma das alças da camisola


e a fez deslizar pelo meu braço, expondo parcialmente o meu seio.
O modelo da peça íntima possui estampa floral, disfarçando a região
da barriga, além de um decote em ‘V’ discreto e com detalhe de
renda também na barra de comprimento midi.

— Os meus seios sempre foram grandes, amor — Um gemido


estrangulado escapou da garganta, quando ele traçou a ponta de
seus dedos pelo contorno do mamilo, bem por baixo da camisola.

— Pode até ser realmente, mas eles parecem um pouco


maiores que o normal — A mão dele penetrou mais pelo decote
rendado para espalmar e apertar de leve o seio, que já se
encontrava intumescido num misto de nervosismo e tesão. — Outra
coisa interessante que eu observei foi o bico dos seios e a aréola.
Eles estão mais escuros, percebe? — Puxou o decote da camisola
para revelar mais a mama, indicando que a desconfiança dele logo
passaria para a inevitável constatação de que estou grávida.

Eu reuni coragem e sustentei o olhar dele, embora a


aceleração das batidas do meu coração denunciasse o meu estado
emocional.

— Você está grávida, amor — garantiu, me segurando pela


nuca e encostando a testa na minha, sem deixar de me encarar nos
olhos por um segundo sequer. — Não me pergunte como e nem por
que isso me veio à cabeça.

— Mas a minha médica sempre me disse que é praticamente


impossível eu engravidar sem tratamento, Xandy — retruquei,
fechandoos olhos, com força,mas logo os senti úmidos, decorrente
da emoção proporcionada pela forma como eu proferi aquelas
palavras. Eu me sentia péssima em esconder dele a minha atual
condição, e já não tinha mais forças para continuar me justificando,
apenas para tentar adiar o inevitável.

Alexandre tomou o meu rosto entre as mãos e se inclinou,


selando os nossos lábios em um beijo suave e lento, mas as
lágrimas se intensificaram de modo que o gosto característico delas
se misturou ao hálito dele, quando passou pelos meus lábios. Ele
tomou a iniciativa de interromper momentaneamente o beijo,
roçando sua boca na minha de forma suave.

— Amor, se você estiver grávida e eu tenho quase certeza de


que está mesmo, essa será a melhor notícia que eu recebo em
meses!

— Ah, eu não acredito que vai superar até a notícia de que se


tornou CEO da Astramed — falei, deixando transparecer certa
incredulidade na voz.

— Você acha que eu comemorei essa conquista,


especialmente no momento em que o meu pai estava internado na
UTI? — Piscou os olhos por um momento, visivelmente aturdido.

— Desculpa, amor, eu falei sem pensar — Eu me apressei em


dizer, segurando o rosto dele entre as mãos. — Me perdoe... Eu
estou muito nervosa — completei, dirigindo um olhar cheio de
angústia silenciosa para ele.

— Sem problemas, amor. Posso imaginar o turbilhão de


emoções atravessando esse seu coraçãozinho — Abriu um amplo
sorriso para mim, ressaltando ainda mais as covinhas na bochecha.
Então, pegou um morango e o lançou para dentro de sua boca. —
Termine o seu café da manhã, enquanto providencio um teste de
farmácia, está bem? Vamos tirar a prova dos nove ainda hoje —
sugeriu, estendendo a mão na direção da mesinha de cabeceira e
pegou o celular, possivelmente com o intuito de comprar o produto
por meio de um aplicativo de delivery. — O entregador deve chegar
daqui a 15 minutos, então vou aguardá-lo lá embaixo — Ele me deu
um último beijo antes de sair do quarto.

Foi muita burrice de minha parte imaginar que ele não


perceberia a menor mudança no meu corpo, afinal a nossa relação
evoluiu muito nas últimas semanas, quando finalmente passamos a
morar juntos. Os homens costumam ser bem distraídos, e no caso
específicode Alexandre, existem outros fatores que dificultariam
essa percepção, como a rotina estressante e marcada por uma
agenda cheia de viagens e compromissos, próprio de quem ocupa o
cargo mais alto de uma empresa.

Pelos meus cálculos, uma vez marcada a data para a


cerimônia, prevista para acontecer em meados de setembro, e
contando com o posterior pedido de divórcio consensual, como
consta no termo do contrato pré-nupcial, algo que leva em média de
3 a 6 meses, talvez a minha gravidez ainda esteja em curso. De
repente, senti um aperto na garganta, dificultando que eu engolisse
a colherada de iogurte com granola, então deixei o copo em cima da
bandeja, ainda pela metade, e massageei instintivamente a base do
pescoço.

Alexandre tem demonstrado sentir muito mais do que mera


atração física,dando a entender de que os seus sentimentos por
mim podem evoluir para algo mais profundo. Se ele presumir que o
bebê que estou esperando é dele, então as coisas podem fugir do
controle, me levando a um caminho completamente sem volta. O
sonho de ter um homem formidável ao meu lado acabaria no
instante em que ele descobrisse a verdade.

Jamais tive a intenção de o enganar deliberadamente, a fimde


tentar prendê-lo com o bebê.

Tanto isso é verdadeiro que pretendo revelar o segredo apenas


após a consumação do casamento, dando a ele plenas condições
de assumir o controle definitivo da Astramed e com o caminho livre
para voltar ao estilo de vida a que estava acostumado. E quanto a
mim, eu conseguirei a compensação financeira e a chance de
recomeçar minha vida o mais longe possível de São Paulo junto
com a minha mãe e o meu filho.

Bebi o restante do café de uma só vez, tentando ignorar a


sensação incômoda no estômago, ciente de que posso acabar me
arrependendo amargamente dessa decisão, pelos próximos meses.
Deixei a bandeja de lado e me levantei da cama, passando a andar
de um lado a outro do quarto, avaliando todos os cenários possíveis.
Não consegui conter o choro, com o meu peito arfando em soluços
crescentes, que insistiam em irromper da garganta de forma
incontrolável.
O barulho ensurdecedor do celular vibrando me assustou,
sobremaneira. Peguei o aparelho de cima da mesinha e verifiquei
que se tratava de um número desconhecido. Pensei em recusar a
chamada, mas nas atuais circunstâncias isso seria muito arriscado.
Marcos possui muitos contatos até mesmo na aviação executiva, e
possivelmente, ele já tomou conhecimento do meu compromisso
com um dos homens mais ricos do país.

— Achei que o seu romance com o milionário fosse algo


passageiro, mas tal foi a minha surpresa ao saber que vocês estão
de casamento marcado. Meus parabéns!

— O juiz já decretou a medida protetiva, então pense bem


antes de voltar a me importunar, Marcos — falei, baixando o tom de
voz o máximo que eu pude, ao me aproximar do terraço, e destravei
a porta de correr. — Quer mesmo correr esse risco, quando existe
tantas coisas em jogo? — Eu a fiz correr sobre os trilhos e passei
para o espaço externo, decidindo me manter atenta e vigiando a
porta do quarto através do vidro.

— Acorda, Melissa! Nós vivemos no Brasil, se esqueceu? E


francamente,apelar para o golpe da barriga pra fisgarhomem rico é
algo tão novelesco, que chega a ser deprimente.

— E você mais parece um vilão caricato que usa a chantagem


para conseguir o que quer, não é mesmo? — Deixei escapar um
longo suspiro, enquanto as lágrimas inundavam os meus olhos, e
me encostei à porta, soltando a respiração devagar, e me
controlando para não permitir que a raiva me consumisse a ponto de
perder o controle. — O meu casamento não vai durar mais do que
alguns dias porque o contrato prevê um divórcio rápido. Ele nem
mesmo verá o meu filho nascer, Marcos. Está satisfeito agora?

— Não enquanto você não fizer o que eu vou te pedir, isso é


claro se não quiser que eu encontre o seu noivo para contar toda a
nossa linda história de amor que resultou numa gravidez.

— O que você quer? Dinheiro? — perguntei, sentindo uma


onda nauseante de vertigem me dominar.

— Eu exijo que fale com a sua advogada e peça a ela para


entrar com uma petição, pedindo a revogação da MPU. Mas não
posso negar que estou com problemas financeiros e uma graninha
extra será muito bem-vinda, Melissa. Preciso de R$100 mil.

Depois que retornei de Nova York decidi registrar um novo


boletim de ocorrência contra ele, quando finalmente consegui ser
atendida pela delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher.

— Eu posso fazer isso, desde que depois esqueça que eu


existo, Marcos. Mas eu não posso garantir que vou conseguir o
dinheiro tão rapidamente assim...

— Não me interessa como vai arrumar R$100 mil, Melissa.


Você tem três dias, acho bom se apressar — Dizendo isso, ele
encerrou a chamada, fazendo o som reverberar em meus ouvidos
de forma perturbadora.

Enviei uma mensagem de voz para minha advogada, que


respondeu de imediato, uma vez que estava online no aplicativo. Ela
me garantiu que Marcos pode ser preso em flagrante a qualquer
momento, pelo fato de ter descumprido a medida protetiva de
urgência, em face da ação judicial movida contra ele pelo crime de
importunação sexual, ameaça e identidade falsa.

Agora vai pesar sobre ele também os crimes de extorsão e


descumprimento de medida judicial. Eu me permiti ter um vislumbre
de esperança só em saber que a minha advogada vai entrar com o
pedido de prisão preventiva.

O som da porta se abrindo me tirou completamente dos meus


devaneios.

Voltei para o quarto e deixei o meu celular na mesinha de


cabeceira, torcendo para não ter que satisfazer a curiosidade de
Alexandre.

— Não vai me perguntar com quem eu estava falando ao


celular?

Alex diminuiu a distância entre nós dois, trazendo a sacolinha


de farmácia na mão direita, e sem deixar de me encarar com o seu
olhar penetrante.

― Parece ter chorado muito a julgar pelos olhos vermelhos...


― comentou, expressando preocupação no semblante. E para
minha surpresa, ele me puxou gentilmente pelo braço e me
conduziu até a cama, indicando com um gesto que eu deveria me
sentar no colo dele. — O fato de nós sermos um casal não me dá o
direito de exigir nenhum tipo de satisfação. Também não quero
impor um interrogatório sobre questões de foro íntimo, amor — Ele
fez questão de esclarecer, passando o braço ao redor da minha
cintura, e pressionou o seu corpo contra o meu, com firmeza.
Fechei os olhos, provocando mais uma torrente de lágrimas e
encostei minha testa na dele, incapaz de sustentar a intensidade de
seu olhar.

— Mas espero que confie em mim o suficiente para


compartilhar as suas questões por livre e espontânea vontade, Mel.
Saiba que os seus problemas serão os meus problemas assim que
nos casarmos.

Não quero envolvê-lo em meus problemas, o que só colocaria


em risco não apenas a integridade físicadele como também a de
toda sua família.

— Não está curioso para saber qual será o resultado do teste?


— perguntei, apenas para mudar de assunto, enquanto usava os
dedos para enxugar as lágrimas. Então, eu me levantei da cama e
estendi a mão na direção dele, respirando bem fundo. — Que tal
verificarmos isso juntos?

Alexandre abriu um sorriso matreiro e se levantou da cama,


para em seguida segurar a minha mão e entrelaçar os dedos nos
meus. Ele demonstrava estar tão confiantecom o resultado positivo,
que me veio logo à consciência uma sensação desconcertante, um
misto de remorso com culpa atravessava a minha alma e com ele o
tormento de ter que sustentar um segredo pelos próximos meses.

Uma vez no banheiro, Alex me entregou a caixa do teste de


gravidez, que por sinal constava a logo da Astramed no rótulo, e
retirei a caneta e o copo coletor, com o coração batendo acelerado
no peito. A respiração se tornou irregular à medida que lia as
instruções contidas na embalagem.
O nervosismo só fez apressar a vontade de fazer xixi, mas eu
me esforcei ao máximo para não deixar transparecer nas feições
enquanto realizava o famigerado teste.
— Preciso aguardar o tempo recomendado para verificar o
resultado, amor — informei, enquanto andava de um lado para o
outro do banheiro, cada vez mais apreensiva pela reação dele,
quando verificar o sinal de (||), indicador de positivo no visor do
teste.
— Eu sei como esses testes funcionam, Mel... — declarou
Alex, caindo na gargalhada. — Não me parece tão ansiosa assim
para saber o resultado — constatou, de repente, perscrutando o seu
olhar sobre mim, e ergueu uma sobrancelha, intrigado.
— Eu passei boa parte da minha vida convivendo com uma
disfunção ovariana relacionada à infertilidade, então acabei me
conformando com a impossibilidade de ter filhos, compreende?
O que era a mais pura verdade, pelo menos até descobrir que
tudo era possível.
Cerca de três minutos depois, tempo necessário para o aviso
indicado aparecer no visor de detecção rápida, eu pude ver as duas
linhas azuis começando a aparecer. O resultado não poderia ser
outro senão, grávida.
Detesto me colocar na condição de quem precisa fazer uma
atuação digna de Oscar, mas se eu não aparentar surpresa com o
resultado, Alexandre terá motivos de sobra para desconfiar de mim.
Coloquei a mão sobre a barriga em um gesto involuntário. Usaria a
estratégia de atores que sempre trazem à memória algum fato triste
quando choram em cena. Não demorou muito até sentir uma
lágrima solitária escorrer pelo canto do rosto, mas aos poucos os
olhos ficarammais úmidos, e sorri internamente, sentindo o coração
transbordar de emoção.
Decidi dar a mim mesma a chance de vivenciar uma
perspectiva ilusória, que correspondia exatamente ao sonho de
poder conceber um filho dele, de fato.
“Porque escondo tanto por tanto tempo
Eu não sei como me levantar de novo
Sim, escondo tanto por tanto tempo
Que eu não sei, não sei
Nada mais, não mais, não mais, não mais”[31]

Andei aos tropeços em direção à pia e me apoiei na bancada,


encarando o meu próprio reflexo no espelho com reprovação no
olhar. Os meus cabelos estavam desgrenhados, o rosto
convulsionado e os olhos injetados de lágrimas, diante do turbilhão
de emoções conflitantes lutando entre si em meu íntimo.
Uma parte de mim ansiava poder contar a verdade a ele, mas
a outra parte me paralisava de medo, impedindo que eu
racionalizasse, e não me dando outra escolha além da omissão.
Alexandre jamais aceitaria assumir o filho de outro homem,
fato incontestável.
Entretanto, a possibilidade de o meu filho vir ao mundo
carregando um duplo estigma ainda me assombra: o de ser fruto de
uma violência e por não ter o direito ao reconhecimento da
paternidade.
— Meu Deus, amor! ― Fiz um esforço tremendo para articular
as primeiras palavras, com a voz embargada e entrecortada pelos
soluços. — Eu estou mesmo grávida — completei, me virando para
encará-lo de frente, munida de uma resolução inabalável.
Pretendo mostrar a ele o meu primeiro exame de ultrassom,
especificamente o que sinaliza a idade gestacional de seis
semanas, tomando o cuidado de colocar um post-it para que ele não
veja a data impressa no topo da imagem.
Notei que o rosto dele se iluminava de contentamento, e
Alexandre rapidamente se aproximou de mim e me carregou,
erguendo o meu corpo bem alto, e me girou nos braços, sorrindo de
forma contagiante. Acabei soltando um gritinho abafado pelo susto
que tomei, mas logo passei a rir e a chorar, ao mesmo tempo.
— Nós teremos um bebê... — Notei que ele tentou imprimir um
tom firme, mas a voz saiu rouca, quase emocionada. — Apesar de
jamais ter pensado em me tornar pai, você nem imagina o quanto
estou feliz com essa notícia! — admitiu, me colocando de volta no
chão, e sorriu de um jeito tão inocente, o que só me fez sentir mal
por agir de forma dissimulada. Ver as lágrimas se formando no
canto dos olhos dele só fez o meu coração se apertar ainda mais,
com a culpa impondo o seu peso, pressionando a minha mente.
— O nosso casamento tem prazo de validade, Xandy — Fiz
questão de lembrá-lo dos termos do contrato pré-nupcial. Eu me
virei de costas, passando os braços em volta do corpo, e abracei a
mim mesma, sentindo um ligeiro tremor me sacudir. — Não
deveríamos ter colocado um bebê nesta equação, compreende?
Cheguei a pensar que o amor não caberia no meu coração tão
destroçado, mas sinto que Alexandre tem ocupado cada vez mais
espaço nele, juntando cada pedacinho dia após dia, com seu jeito
protetor, paciente, afetuoso, sexy e divertido.
Não suportaria perder você, Xandy — Pensei, lutando contra
uma onda de impotência que já invadia a minha alma.
Eu ofeguei debilmente, assim que senti os braços dele me
envolverem, me abraçando por trás, e com o queixo apoiado no
topo da minha cabeça.
— Então, o que te aflige é o receio de que eu te abandone,
acertei? — Eu me limitei apenas a confirmar com um gesto de
cabeça, de modo quase imperceptível. — Por que eu faria isso, se
tudo o que mais desejava era confirmarque está esperando um filho
meu, Mel? — Ele se afastou um pouco apenas o suficiente para me
virar, de modo que eu ficasse de frente para ele. — Não deveria
fazer mal juízo de mim, especialmente depois da nossa conversa
em Nova York — Agora podia ver bem a dor surgindo nos olhos
dele.
Senti que os meus ficaram úmidos, decorrente da emoção
proporcionada pela forma como ele proferiu aquelas palavras.
— Não sei o que deu em mim, Xandy... Tive muito medo por
mim e pelo bebê... — Ele me calou no instante seguinte, ao colocar
um dedo em meus lábios e dizendo Shh. De repente, Alexandre
trocou o indicador pela boca faminta dele, quando segurou o meu
rosto entre as mãos, impondo o seu silêncio com um beijo feroz e
necessitado, conforme sua língua exigente invadia o interior úmido,
meu hálito doce e quente se misturava ao dele, enquanto
aprofundava mais o beijo.
Senti o corpo dele se enrijecer, quando as minhas mãos
alcançaram o cós da calça moletom para em seguida abaixar a peça
num desespero irrefreável. Apalpei o pênis já endurecido, e o
pressionei delicadamente a ponto de arrancar um gemido gutural
bem fundo de sua garganta.

Interrompio beijo, apenas para me abaixar, ficando prostrada


de joelhos diante dele. Segurei bem firme o pau, que se enchia de
sangue e endureceu, deixando as veias bem aparentes sob a pele
rosada, e iniciei os movimentos da punheta, torcendo o membro
suavemente para cima e para baixo, estimulando a ereção pulsante.
Sorri internamente, antes de me inclinar para a frente e chupei a
glande bem devagar, para em seguida ir descendo, abocanhando
toda a extensão do pau, e o deixando molhado com minha saliva
abundante.

— Ah, porra, que delícia, amor… — Xandy gemia,


movimentando o quadril para a frente e para trás, fodendo minha
boca de forma cuidadosa.

Continuei a mamá-lo sem pressa, passando a língua no canto


dos lábios ao sentir o líquido pré-gozo escorrendo neles, e o envolvi
completamente de novo até alcançar o fundo da garganta. Poder
escutar o som de sucção que eu fazia no boquete, aliado aos
gemidos roucos dele, serviu de estímulo para a lubrificação intensa
fluir, encharcando a minha calcinha. Deixei escapar um arquejo
doce e, ao mesmo tempo erótico, comprimindo as pernas de forma
involuntária, com o clitóris latejando loucamente, devido à vontade
irresistível de transar com ele ali mesmo, no banheiro.

Intensifiqueio ritmo do boquete, fazendo os movimentos de


sucção forte na cabeça do pau, alternados com lambidas e
chupadas nas bolas, sem deixar de olhar nos olhos dele, fazendo
uma expressão sexy de fingida inocência.

— Eu pretendo gozar, sim, mas bem fundo na sua boceta


gostosa.

Alexandre me ajudou a ficarde pé e me puxou para mais perto


de si, antes de segurar a minha nuca, e me beijar de forma urgente
e desesperada. De repente, ele interrompeu o beijo e passou um
braço por baixo dos meus joelhos, e me carregou para a cama.

— Mas você está de banho tomado, ao contrário de mim, amor


— protestei, com certo constrangimento.

— Não quero sentir a fragrância do sabonete, mas sim o seu


cheiro de fêmea que exala por todos os seus poros — murmurou
Alex, a voz revelando uma rouquidão sexy, ao roçar a barba pela
lateral do meu rosto.

Eu engatinhei até o meio da cama king size, e me sentei de


frente para ele, que suspendeu a minha camisola, o jogando bem
longe, e rapidamente tirei a minha calcinha. Eu o ajudei a se livrar
das próprias peças de roupa e me sentei sobre ele, cruzando as
pernas em sua cintura, estabelecendo assim um contato visual
poderoso entre nós dois.
Alexandre segurou minha cintura e apoiei as mãos nos ombros
dele, erguendo mais os quadris para me encaixar melhor sobre sua
pélvis. Ele se inclinou em minha direção, encostando o rosto na
região macia entre o pescoço e o ombro, e começou a traçar um
caminho ardente na base dele usando os lábios e a língua, subindo
pela garganta, passando pelo queixo até encontrar a minha boca
sedenta. Fechei os olhos e aprofundei o beijo, movimentando a
língua num ritmo voraz, esfregando-a na dele e exigindo maior
acesso. Eu logo o enlacei pelo pescoço de tal forma que eu não
resisti e grunhi de prazer, sentindo aquelas mãos fortes deslizarem
em minhas costas nuas, com os nossos corpos unidos e se
movimentando de forma coordenada, como em uma dança erótica.

— Eu te amo tanto, Xandy! — A declaração inesperada causou


um abalo forte em meu corpo, como se todos os fogos de artifício
explodissem interiormente, ao mesmo tempo.

Senti seu peitoral pressionado contra os meus seios


intumescidos e eriçados ao simples contato contra a estrutura rígida
de seus músculos. Fechei instintivamente os olhos, dominada por
um desejo arrebatador que só uma posição íntima como aquela era
capaz de proporcionar.

Continuei levando o meu quadril de encontro ao púbis dele, e


espalmei as mãos no peitoral depilado, fazendo as unhas
deslizarem devagar pelos gominhos até ouvir um leve rugido de
prazer dele. Sem perder mais tempo, apontei a glande em direção à
vagina quente e úmida, introduzindo nela aos poucos. Deixei
escapar um gemido estrangulado ao sentir minha boceta se contrair,
involuntariamente, e passei a ondular o quadril, me movendo
lentamente para a frente e para trás. Em determinado momento, eu
fiz outras variações, ao levar minhas mãos para trás e as apoiei no
colchão, enquanto Alexandre segurava meus quadris e controlava
os impulsos do meu corpo, controlando a intensidade da
penetração. De repente, ele tirou as mãos de minha cintura e
passou a estimular o clitóris com uma delas, enquanto a outra
segurava o meu seio, massageando-o e o apertando de leve.

— Quero ouvir dessa sua boca gostosa a seguinte frase:eu


sou sua, Xandy — murmurou, com a voz dolorosamente rouca.
Senti as mãos dele se fecharem na minha bunda, apertando com
força, enquanto respirava fundo e pesadamente, com o suor
escorrendo pela lateral do rosto.

Um som estrangulado escapou da minha garganta à medida


que intensificava a ondulação da pelve contra a ereção dominante
dele, em um ritmo coordenado. De repente, Alexandre afundou os
dedos nos meus cabelos soltos, agarrando minha nuca com
impetuosidade, exigindo a atenção completa do meu olhar.

— Você é só minha, entendeu? — murmurou, encostando os


lábios em meu ouvido, fazendo o hálito quente contra a orelha me
provocar um leve estremecimento.

— Oh, Xandy... Sim, eu sou só sua. Apenas sua... — afirmei,


ofegante, e me arqueando toda contra ele, fazendo o calor de sua
pele se misturar ao suor do meu corpo. A sensação que eu tinha era
de que nós dois estávamos prestes a nos fundir um no outro.

Não demorou nada para sentir minha respiração se mesclar à


dele, ao investir a pélvis com mais ímpeto, e ainda agarrada ao
corpo viril, enquanto gemia bem alto o nome dele. Quando senti os
primeiros espasmos me sacudirem, olhei bem fundo nos olhos
castanhos, tomada pela nítida sensação de que ele estava tão
entregue à conexão poderosa quanto eu. Àquelaaltura, a contração
na região íntima, aliada ao estímulo visual e à profunda entrega ao
ato, foram suficientes para me levar ao orgasmo.

Duas vezes mais forte e insanamente intenso.

Alexandre me estreitou de encontro ao peito, e fechou os


olhos, urrando em prazer absoluto, pouco antes de explodir dentro
de mim num gozo prolongado. Ele me passou o braço ao redor dos
ombros, e me estreitou de encontro ao peito, em um forte abraço.

Deixei o corpo cair deliciosamente sobre o lençol macio, com


um sorriso exultante estampado no rosto. Alexandre se deitou ao
meu lado e me puxou gentilmente para junto de si e apoiei a cabeça
no peitoral definido. Eu logo senti os dedos dele deslizando pelas
minhas costas, percorrendo a linha da coluna de cima a baixo numa
carícia lenta, a ponto de me fazer estremecer inteira sob o seu toque
carinhoso.

— Mel, eu estive aqui pensando se não seria melhor


aguardarmos até o final do primeiro trimestre para anunciar a sua
gravidez... O que acha?

— Eu acho que você tem toda razão, Xandy — ponderei,


considerando que era o mais sensato a se fazer, embora o período
mais tenso da gestação tenha chegado ao fim.Só que ele não pode
saber disso, evidentemente. — Podemos esperar um pouco mais
para dar a notícia aos nossos familiares.
— Acho melhor nos apressarmos porque temos um
compromisso importante esta noite — Ele esticou o pescoço para
olhar o mostrador do relógio digital na mesa de cabeceira, se
referindo ao nosso jantar de noivado. Eu finalmente vou poder
conhecer a avó dele e rever também os meus futuros sogros, além
de Alessandra, o marido dela e as crianças.

Combinei com ele de nós dois irmos juntos buscar a minha


mãe na casa de repouso, para que ela passe o maior tempo
possível em minha companhia.

— Amor, me bateu um desejo agora de comer um sanduíche


de mortadela chapeada com queijo, tomate seco e orégano,
acredita? — falei, de repente, sentindo as minhas narinas se
dilatando, e trazendo consigo uma sensação estranha e inusitada.
Eu podia quase sentir o cheiro da iguaria no ar, e a boca se
encharcou de saliva, sendo que eu acabei de tomar o café da
manhã.

— Devo me preocupar, caso não consiga comer


imediatamente? — Ele se afastou um pouco, apenas para me
encarar nos olhos, com o cenho franzido de preocupação.

— Não acho que o bebê vai nascer com cara de mortadela por
causa disso.

— É aquele sanduíche que vende no Mercadão, não é?

— Exatamente o famoso lanche do Hocca Bar — Confirmeiao


me levantar da cama e segui em direção ao banheiro. Porém, eu
parei subitamente e me virei para encará-lo, antes de me encostar
no batente da porta. — Eu vou tomar uma ducha rápida, amor. Só
não te peço pra me fazer companhia porque senão a gente vai se
atrasar — Abri um sorriso meio maroto, meio safado para ele, que
continuava deitado na cama com as mãos atrás da cabeça e o
peitoral nu todo estufado, parecendo um pavão.

Cerca de quinze minutos depois de sair do banho, encontrei o


quarto vazio e cogitei se Alexandre tinha decidido usar outro
banheiro, mas ao me aproximar da mesa de cabeceira, notei um
bilhete escrito por ele, informando que precisava sair para resolver
um assunto urgente no escritório.

Que assunto poderia ter sido esse, a ponto de exigir a


presença dele no local, em pleno domingo de Dia das Mães?

Parei diante do espelho para avaliar o tamanho da minha


barriga em vários ângulos, e notei que a pequena protuberância só
ficavaperceptível quando vista de lado, o que poderia facilmente ser
interpretada como um estufamento abdominal provocado por gases.
Ainda assim, decidi escolher uma roupa com caimento mais leve,
como a calça pantalona listrada em preto e branco, com amarração
na cintura, combinando com uma blusa vermelha ombro a ombro de
malha canelada e sandálias plataforma.

Alexandre levou quase 1 hora e meia para voltar à Alphaville e


tal foi a minha surpresa ao descobrir que o real motivo de sua saída
inesperada foi o meu desejo em comer um sanduíche de mortadela
do Hocca Bar. Eu não me importei de comer o lanche dentro do
veículo esportivo de luxo da Mercedes-Benz, mas tomei o devido
cuidado para não sujar o banco revestido de couro.
— Quero só ver qual vai ser seu próximo desejo inusitado, Mel
— comentou ele, desviando a atenção do trânsito brevemente
apenas para me dirigir um olhar maroto.

— Se achou o Mercadão longe, imagine se você tivesse que ir


à Votuporanga só para comprar o torresmo da Dalva, o bolinho de
carne da Preta, ou ainda a moqueca de pintado, e até mesmo a
costelinha de pacu com pirão da Ilhado Pescador? — Enumerei
todas as iguarias que remetiam à minha infância no interior do
Estado.

Por sorte, os sintomas mais característicos da gravidez, como


náuseas e enjoos, só prevaleceram quando ainda morava com a
minha amiga, Stefani. E por falar nela, Steh conseguiu a folga para
este dia e foi visitar os pais em Sorocaba, mas garantiu que
retornaria a tempo para se arrumar na mansão. O jantar de noivado
será reservado apenas aos familiares e amigos íntimos, então não
poderia deixar de convidar as minhas melhores amigas. Afinal, não
fosse pela indicação de Cora, eu nem teria conseguido trabalhar
como sua substituta, possibilitando assim o meu reencontro com o
executivo da Faria Lima e meu grande amor.

O trajeto até a instituição de longa permanência não durava


mais do que 10 minutos. Esse foi o motivo principal que me levou a
escolher o hotel-residência como o novo lar de mamãe, pelo menos
até a completa recuperação dela.

Uma vez no local, Alexandre e eu seguimos de mãos dadas


pelo estacionamento e quando alcançamos a entrada do solar, o
meu olhar se deteve mais uma vez no átrio com seu pé direito alto e
o amplo salão de recepção. A área aberta possibilita a
intercomunicação com os cinco andares do prédio, sendo que
mamãe ocupava a ala dos dependentes de cuidados contínuos, em
um apartamento compartilhado com a cuidadora.

A recepcionista foi muito solícita como sempre e informou que


ela já estava à nossa espera, então decidimos subir pelo elevador
panorâmico até o apartamento. Assim que a auxiliar de enfermagem
abriu a porta, eu notei que mamãe já estava sentada na cadeira de
rodas. Eu me abaixei para abraçá-la suavemente e depositei um
beijo forte na testa dela.

— Feliz Dia das Mães, sua linda! — Segurei o rosto dela entre
as mãos e encostei minha testa na dela.

— Obrigada... minha querida — Norma já consegue articular


as palavras com pausas mais curtas, o que já considero um grande
avanço. Acredito que em poucos meses ela poderá se locomover
com a ajuda de uma bengala. Quando ela viu Alexandre parado
atrás de mim, pareceu não o ter reconhecido de imediato, mas logo
o rosto dela se iluminou, possivelmente com a lembrança da nossa
última visita. — Alex, que bom... que você... veio! — Ele nos
encarava de modo afetuoso a curta distância, mas logo se
aproximou, e se agachou diante da cadeira de rodas para em
seguida pegar na mão direita dela e a levou aos lábios, a beijando
com ternura.

— É sempre um prazer poder rever a senhora, dona Norma.


Feliz Dia das Mães.

— Vocês... formam... um lindo... casal — declarou mamãe,


olhando ora para mim ora para Alexandre, profundamente
comovida.

Uma onda avassaladora de emoção me dominou, a ponto de


os meus olhos ficarem marejados. Alexandre sorriu abertamente
para nós duas, e disfarçadamente virou o rosto, deslizando os
dedos para enxugar as lágrimas sorrateiras. Apertei os olhos e os
mantive fechados, mas as lágrimas começaram a descer, de forma
vertiginosa.

Acho pouco provável que Xandy ainda me queira em sua vida,


quando eu contar o segredo que me corrói a alma.
“Vá em frente e chore, garotinha
Ninguém faz isso como você
Eu sei o quanto isso significa para você
Eu sei que você tem problemas paternos[32].”

A noite chegou e com ela a celebração do nosso noivado. O


que seria um arranjo temporário a princípio, acabou tomando
proporções inimagináveis. Preciso reunir forças e me preparar
psicologicamente para um possível abandono, uma vez que
Alexandre saiba de toda a verdade. A minha mãe conseguiu me
criar sozinha, após o homem que amava ter lhe dado as costas,
então eu também seria capaz de superar qualquer abalo emocional.

O meu bebê ainda terá a mim, independentemente de


qualquer coisa. Eu vou resistir por nós dois até o fim.
— Percebi que as suas feiçõesnublaram com tristeza agora a
pouco, ou foi impressão minha? — Alexandre perguntou,
encostando os lábios ao meu ouvido, enquanto nos posicionamos
para uma foto diante da mesa posta.
Havia um bolo de três andares, doces personalizados com as
iniciais do nosso nome, na mesa toda decorada com muito requinte
e romantismo, representado pelas folhagens e com diversos tipos
de flores em arranjos, na área externa da mansão.
— Eu ando tão emotiva, sabe? — respondi, deixando
transparecer uma ligeira inflexão de nervosismo na voz. — Àsvezes
bate um medo bobo de que tudo isso não passou de um sonho...
— Mas tudo isso tem sido muito real e verdadeiro, amor. Não
há o que temer.
Senti a mão dele pressionar levemente a minha barriga,
enquanto a outra continuava enfiada no bolso da calça social, um
look composto por terno azul marinho de corte italiano slim e bem
ajustado ao corpo. Coloquei a minha sobre a mão dele e respirei
bem fundo, fazendo as minhas feições se suavizarem, após sentir
uma sensação reconfortante preencher o meu íntimo.
Eu optei por usar um vestido midi confeccionado em renda, na
cor off-white,e com modelagem godê e a cintura marcada, além de
possuir a gola alta e mangas 2/4.
A área externa recebeu uma atenção do cerimonial contratado
pela minha futura sogra, que propôs uma degustação de uísque,
vinhos e espumantes com ostras e caviar. Também estavam
presentes os principais diretores da Astramed, além de Alessandra,
o marido e seus dois filhos, bem como os tios e a prima dele, Lara
Valadares.
A avó de Alexandre é de uma simplicidade e simpatia bem
características do povo mineiro. Ela começou a conversar com
mamãe bem antes do jantar, e desde então, elas não se
desgrudaram mais.
— Ohsó, que casal mais lindo! — Dona Olíviafalou,assim que
Xandy e eu nos aproximamos da mesa onde ela, minha mãe e a
cuidadora estavam sentadas. A avó dele se levantou e me deu um
forte e caloroso abraço. — Dá até gosto de ver, Nossinhora! Não é
mesmo, Norma? — A minha mãe concordou com um aceno de
cabeça, esboçando um leve sorriso. — Xandy precisa levar você até
o Haras, minha querida. Faço muito gosto da sua presença lá, viu?
— Pode deixar dona Olívia, que eu farei questão de cobrar
essa promessa.
— Eu acho que você vai engordar uns 5 kg no mínimoquando
voltar de Minas. Como dizem os mineiros, é cumiria que não acaba
mais! Vovó vai te mimar bastante, especialmente agora que... — Ele
se interrompeu, subitamente, ao se dar conta do que estava prestes
a dizer. As três mulheres nos encararam, aparentando estar
confusas, mas eu resolvi contar logo sobre minha gravidez para
elas.
— Xandy e eu havíamos combinado de adiar um pouco a
revelação, mas acho que vai ser impossível esconder de todos algo
que significa tanto para nós dois... — Elas nos encaravam
sorridentes, e seus olhos brilhavam de expectativa. — Eu estou
grávida. Mas esse será um segredinho só nosso, tudo bem?
De repente, eu escutei Cora gritar bem atrás de mim, atraindo
a atenção dos convidados:
— Grávida? Foi isso mesmo o que eu acabei de ouvir? — Ela
começou a dar pulinhos como uma criança feliz e correu em minha
direção com sua barriga de pouco mais de 20 semanas já bem
visível no vestido de noite. Cora me abraçou efusivamente, e na
sequência, todos os presentes também fizeram o mesmo, me
felicitando com bastante entusiasmo, embora a minha intenção
fosse esconder deles a novidade pelo máximo de tempo possível.
Stefani puxou Cora pelo braço e lhe passou o maior sermão,
demonstrando estar indignada com a indiscrição dela, mas eu fiz
questão de desfazer o constrangimento que pairava no ar. Eu me
sentia um pouco culpada por não ter contado a Cora tudo o que
aconteceu nos dois últimos meses.
Não tinha como ela saber que decidi me preservar o máximo
possível, especialmente pelo fato de a minha gravidez ser
decorrente de um estupro.
— Steh, não a censure, por favor — Eu a puxei para um canto
e faleibaixinho para ninguém nos ouvir. — Você sabe que Cora não
tomou conhecimento de muitas coisas ainda, porque eu não quero
causar preocupações desnecessárias. Relaxe, amiga. Está tudo sob
controle... Eu já estarei bem longe daqui no dia em que o meu filho
nascer.
— Amiga do céu... — Steh cobriu a boca com a mão,
denotando consternação no semblante. — Precisa mesmo tomar
uma atitude tão drástica assim?
Eu apenas me limitei a confirmar com um gesto de cabeça, e
contei mentalmente até dez, porque a última coisa que eu queria era
desabar em lágrimas a ponto de chamar a atenção de alguém na
festa.
Alexandre vai me odiar pelo resto da vida, não restava a menor
dúvida disso.
— Acho melhor você agir naturalmente porque a sua sogra
está vindo aí — Ela me alertou, de repente, me tirando dos meus
devaneios. Consegui colocar o meu melhor sorriso no rosto, embora
um ligeiro tremor tenha sacudido o meu corpo, sem nenhum motivo
aparente.
— Stefani o seu nome, acertei? — A minha amiga confirmou,
com um leve sorriso. Se dona Francine percebeu o constrangimento
pairando no ar, ela não deixou transparecer. — Espero que você
não se importe se eu roubar a minha nora só por alguns
minutinhos...
— Quero expressar o meu mais sincero e profundo
agradecimento, Francine — Eu fiz questão de dizer, sentindo meu
coração transbordar de contentamento. — Eu amei cada detalhe da
festa de noivado, tudo é de extremo bom gosto.
Sorri timidamente, expressando a minha gratidão pelo seu
gesto tão amável.
— Impressionante como eu me afeiçoei a você em tão pouco
tempo, Melissa — O olhar dele transmitia sinceridade e isso fezcom
que eu me sentisse mais tranquila. — Faz mesmo jus ao apelido
porque tem adoçado as nossas vidas, minha jovem.
— Não sei se estou à altura de merecer tamanha
generosidade...
— Tudo o que eu mais quero nessa vida é ver os meus dois
filhos muito felizes em seus casamentos — Dona Francine enlaçou
o meu braço ao dela, olhando para mim com ar sonhador.
— Custei a acreditar que Xandy me daria um neto, minha
querida — comentou seu Carlos, caindo na gargalhada, assim que a
mulher se sentou ao lado dele na mesa. Alessandra e o marido
tentaram sufocar o riso, mas sem sucesso.
— Agora eu sou uma piada para o senhor, meu pai? — disse
Alexandre, fingindo se sentir ofendido, ao pegar a minha mão e a
colocar sobre o seu colo, e entrelaçou os nossos dedos com
firmeza.
— Desde já eu quero que saiba que estou vibrando muito para
sua gestação transcorrer da forma mais tranquila possível, Mel —
Alessandra declarou, sorrindo afetuosamente.
De repente, Miguel se levantou da cadeira, para em seguida
contornar a mesa e parar ao lado da mãe, antes de lhe sussurrar
algo ao ouvido.
— Fale em voz alta o que acabou de me dizer, Gueguel —
falou Alessandra, enquanto alisava as costas do filho.
— Eu disse à mamãe que eu fui testemunha da união do tio
Xandy com a Mel — informou o garoto, sorrindo timidamente. —
Tudo começou naquele passeio de quadriciclo em Trancoso,
lembram-se?
— E justamente para recompensá-lo, você terá a grande
missão de levar as alianças até o altar, na companhia da sua irmã
— Eu me inclinei na direção dele, adotando uma postura
confidencial. — Não acha isso o máximo? — Ele abriu um amplo
sorriso de contentamento e saiu correndo para contar a novidade
para Beatriz.
— Assim como foi com o noivado de vocês, também estarei à
frente dos preparativos da cerimônia de casamento — Francine fez
questão de salientar, sempre tão solícita. — Sei que sonhava poder
se casar na igreja, mas o Palácio dos Cedros é uma das melhores
casas de eventos de São Paulo. Alessandra se casou lá e pode te
deixar a par de todos os detalhes. Este será sem dúvida nenhuma o
evento do ano!
— Melissa, eu não posso deixar de alertar para o fatode que a
minha tia costuma agir pelas nossas costas, dando pitacos a torto e
a direito — Lara comentou, erguendo a sobrancelha para Francine,
como que ironizando seu comportamento.
— Achei que já tinha superado isso, Lara — repreendeu a mãe
dela, em voz baixa. — Francamente, querida, a sua tia e eu só
pensávamos no que era melhor para você e para o seu primo...
— Alexandre me contou algo em primeira mão, e embora a
minha língua esteja coçando agora, eu me comprometi a guardar
segredo… — Alessandra comentou, de súbito, possivelmente para
desfazero clima tenso no ar. — Não foimesmo, Xandy? — A minha
única reação foi encarar ora um ora outro, piscando os olhos,
surpresa e confusa com aquela informação.
De repente, a governanta dos Valadares se aproximou da
mesa para falar ao ouvido de Francine, mas a outra não parava de
olhar para mim, o que me fez esquecer momentaneamente sobre o
tal segredo que os irmãos compartilhavam.
Algo me diz que eu estou envolvida nisso de alguma forma.
— Mel, eu preciso que você me acompanhe até o hall de
entrada, tudo bem?
Eu direcionei um olhar indeciso para Alex, que me encorajou
com um sorriso.
— Paulo Resende Filho é um grande amigo do meu marido, e
nós o convidamos para o jantar, mas ele disse que só vai entrar na
residência se você não se opuser a presença dele... — Francine
explicou, com certo constrangimento, quando seguimos juntas para
o interior da mansão. — Não sabia que vocês dois já se conheciam,
Melissa.
— Ah, bem... — balbuciei, desviando o olhar, nervosa. — Sim,
nós dois fomos apresentados no coquetel do Seminário sobre
insumos farmacêuticos.
— Acho estranho o fato de ele precisar do seu
consentimento... — comentou ela, inclinando o rosto para me
perscrutar com seu olhar penetrante e vivaz.
— Eu preciso falar alguns instantes a sós com ele, caso não se
importe, é claro.
— Não, imagina, minha querida... — Ela se apressou em dizer,
compreensiva. — Eu vou retornar para a mesa, mas Fátima vai
conduzi-la até o living, está bem?
Esperei a governanta retornar para seus afazeres, e encarei o
homem que diz ser o meu pai, com os braços cruzados sobre o
peito. O meu semblante se tornou duro e impassível ao me inclinar
para a frente, mantendo o olhar fixo nele.
— Sabe muito bem que não deveria ter vindo até aqui, pelo
menos não nesta noite.
— Eu não poderia fazer a desfeita de recusar o convite de um
grande amigo, especialmente quando o filho dele está de
casamento marcado com a minha filha.
A minha única reação foi levantar as sobrancelhas de modo
irônico, e por pouco eu não bufei,tamanha a audácia dele de aceitar
o convite de vir ao jantar de noivado.
— Acho engraçada essa súbita vontade de verbalizar a sua
condição de pai da noiva, professor— falei,baixando mais o tom de
voz. Os meus olhos ardiam com as lágrimas reprimidas, mas virei o
rosto para não ter que sustentar o olhar dele. — Onde o senhor
esteve todos esses anos? Acha mesmo que será o senhor a me
conduzir até o altar?
— Eu vim até aqui porque estou mesmo disposto a reparar os
erros do passado, Mel... — assegurou Paulo, deixando escapar um
suspiro cansado. — Quero muito ter a oportunidade de me redimir,
construindo a nossa relação do zero, de modo que eu faça parte
tanto da sua vida, como a da sua mãe também.
— A minha mãe não está em condições de reencontrá-lo,
professor — Balancei a cabeça de modo veemente, desesperada
pela ideia de Norma reconhecê-lo, apesar de ainda sofrer de lapso
de memória em decorrência do AVC. — Ela sofreu um AVC há
poucos meses e continua em processo de reabilitação. Talvez não o
reconheça de imediato, mas também não posso garantir nada.
— Eu prometo que vou manter total discrição, não se preocupe
— assegurou, com veemência, erguendo as mãos, em sinal de
rendição. — Jamais colocaria em risco a saúde ou o bem-estar
emocional dela, Mel.
— Por que veio desacompanhado? — Eu quis saber, mal
conseguindo disfarçar a curiosidade. — A sua esposa não quis vir?
— Ela faleceu recentemente... — Percebi um lampejo de
tristeza no olhar dele.
Senti o meu celular vibrar dentro da bolsa-carteira e só lhe pedi
licença para atender a chamada, pois verifiquei que era a minha
advogada. Eu me afastei dele um pouco, falando o mais baixo
possível, desejando que a conversa fosse breve.
— Boa noite, doutora — saudei, educadamente, suspendendo
a respiração, em expectativa. — Espero poder ouvir boas notícias.
— A melhor de todas, inclusive. Marcos Gonçalves foi preso
esta tarde. Finalmente decretaram a prisão preventiva pelo
descumprimento das medidas protetivas de urgência. Mas
certamente o advogado dele deve entrar com um pedido de
liberdade provisória.
— Graças a Deus, doutora... — falei, notando pelo canto do
olho que Paulo não deixava de me observar, com uma expressão
intrigada no rosto. — Já me sinto um pouco mais aliviada pelo
menos. Agradeço o seu contato e tenha uma ótima semana.
— Desculpe a indiscrição da pergunta, Mel, mas você está
passando por algum problema jurídico? Eu quero reconhecer
formalmente a paternidade tão rápido quanto possível e me
disponibilizo para ajudá-la no que precisar.
Paulo parecia genuinamente preocupado comigo. Cheguei até
a pensar que talvez ele seja a única pessoa capaz de me ajudar
quando tudo desabar sobre minha cabeça. Se ele pretende reparar
o mal que fez, tanto a mim quanto a minha mãe, então que
demonstre isso com atitudes e não somente com palavras.
— Acho melhor a gente conversar em outro local porque o
assunto que tenho a tratar é bastante delicado — Olhei para os
lados para me certificar de que não havia ninguém por perto. — Me
acompanhe até o escritório de seu Carlos, assim não seremos
interrompidos, está bem?
Nós dois decidimos ocupar o sofá de canto, mas eu preferi
manter certa distância dele. Encarei as minhas próprias mãos,
enquanto girava o anel de diamantes no dedo anelar direito, com
crescente nervosismo.
“Não fode com o meu amor.
Baby, não me machuque.
Oh, não mais.
(Não fode com o meu amor
Baby, não me machuque.
Oh, não mais[33]).”

Não sabia exatamente por onde começar, mas esperava não


me arrepender de depositar minha total confiança em um homem
que até pouco tempo atrás ignorava a minha existência. Só que eu
não tenho mais ninguém a quem recorrer, e ele parece mesmo
disposto a fazer algo por mim, então o jeito será assumir esse risco
e torcer pelo seu apoio.
— Eu estava falando com a minha advogada ao celular —
Decidi ir direto ao assunto para não estender muito a nossa
conversa, afinal todos estavam no jardim aguardando por mim. —
Ela está me representando criminalmente contra o meu ex-
namorado.
— Ele submeteu você a um relacionamento abusivo? Faz
quanto tempo, Mel?
— Durou quase seis anos, mas os abusos não aconteceram
no início, mas sim, ao longo do tempo. Marcos não se conformou
com o término e tem feito muitas ameaças — Contei ainda que o
meu ex tentou ver a minha mãe na casa de repouso algumas vezes,
mas felizmente o pessoal impediu o acesso dele. Deixei escapar um
longo suspiro antes de prosseguir. — Achei que Marcos me deixaria
em paz após ter voltado para a ex-mulher, mas isso não aconteceu.
Encostei a cabeça no encosto do sofá e fechei os olhos com
força, enquanto as lágrimas escorriam silenciosamente pelo meu
rosto. Quando eu os abri, pisquei rápido algumas vezes,
surpreendida, ao perceber que o meu pai estava de pé, com um
lenço estendido em minha direção. Notei que ele me encarava com
um olhar compassivo, antes de se sentar ao meu lado. Hesitei por
uma fração de segundo, mas estendi o braço para pegar o lenço,
tentando esboçar um meio sorriso de canto de boca para expressar
a minha gratidão pelo seu gesto.
— Sinto muito por tudo isso, minha filha... — murmurou,
comovido, tomando a minha mão entre as suas, com firmeza. — Eu
me sinto culpado por não ter estado presente. Quem sabe assim
teria evitado que você se tornasse vítimada dependência emocional
desse homem... — admitiu, com o semblante exprimindo
consternação, ao contrair o maxilar, o que me fez sentir uma súbita
pontada de dor e um aperto asfixiante no peito.
A figura paterna é a primeira referência masculina de uma
mulher, e como o meu pai marcou negativamente a minha vida,
passei a buscar inconscientemente na relação amorosa uma forma
de preencher o vazio deixado por ele.

— Foi um namoro cheio de idas e vindas, marcado por


mentiras e acessos de ciúme doentio. Eu passei a me anular, ao
satisfazer todas as vontades do meu ex, muitas vezes
ultrapassando os meus próprios limites, simplesmente por achar que
a minha felicidade dependia exclusivamente dele.

— Além das ameaças o que mais aquele desgraçado foicapaz


de fazer contra você? — Levantou o meu queixo com o dedo
indicador, esquadrinhando as minhas feições,na tentativa de sondar
a minha alma. — Ele te agrediu físicae psicologicamente, disso eu
não tenho a menor dúvida.

— Preciso que me dê a sua palavra de que vai manter o meu


segredo, por favor. Contei apenas para minha melhor amiga, e se
decidi compartilhar contigo também foi apenas porque se
disponibilizou a me ajudar...

— Eu não pretendo te deixar desamparada de forma alguma,


Mel. Mas e quanto ao seu futuro marido? Alexandre estabeleceu o
regime de separação total de bens?

— Não quero envolvê-lo nos meus problemas, afinalexiste um


contrato em vigor que precisa ser cumprido — esclareci, com o olhar
perdido em algum ponto do escritório. — A nossa união de fachada
vai durar até o instante em que eu disser que o filho que estou
esperando não é dele — admiti, voltando a encará-lo com o rosto
contorcido de tristeza. — Descobri a gravidez há três meses e
mesmo ciente de que teria direito ao aborto legal, eu decidi manter a
gestação até o fim — Levei o lenço aos olhos para limpar as
lágrimas cada vez mais abundantes. — Eu sinto que ser mãe ainda
que nessas condições não deixa de ser uma benção, sabe?

O meu amor pela vida que está se formando cresce dentro de


mim, e a cada dia que passa eu a vejo mais como um anjo que
anseia poder vir ao mundo.

— Por Deus, Mel! — Paulo quase gritou, me encarando com o


semblante lívido de pavor. — Mas esse desgraçado não pode ficar
impune.

— Ele agora está preso, mas não duvido nada de que consiga
pagar uma fiança.

Não resisti mais e caí num choro convulso, com os cotovelos


apoiados nos joelhos e a cabeça entre as mãos, tremendo
incontrolavelmente. De repente, eu senti a mão dele em meu ombro,
então ergui os olhos e o vi de pé ao meu lado. Paulo estendeu as
mãos em minha direção e após hesitar um pouco, decidi me apoiar
nelas para me levantar. Ele me puxou para junto de si e envolveu o
meu corpo em um abraço apertado. Eu necessitava ser confortada,
que me agarrei a ele, caindo num choro convulso, com meu peito
subindo e descendo no ritmo dos soluços entrecortados pelas
lágrimas, que umedeciam o tecido do terno.

— Sei que não cabe a mim fazernenhum tipo questionamento,


mas você e Alexandre não sentem nada um pelo outro? — Ele me
estreitou mais de encontro ao peito, oferecendo o conforto e a
proteção que eu tanto precisava. — Quando eu os encontrei em
Nova York me fez pensar que pareciam aqueles casais quando
estão em lua de mel...

— Ele sempre deixou claro que só precisava se casar para


cumprir com as disposições do plano de sucessão do pai dele —
expliquei, me afastando um pouco para levantar o rosto na direção
dele. — E quanto a mim, eu estava disposta a me casar apenas
para garantir a segurança de mamãe e também a do bebê que
estou esperando.

— A questão é que nenhum dos dois previu se envolver


emocionalmente... — concluiu, deixando escapar um longo suspiro.

— Agora que ele supõe ser o pai do meu filho, começou a


estabelecer planos para o futuro, inclusive no que diz respeito à
empresa. Não posso sustentar uma mentira. Seria cruel e injusto
demais, ainda mais com alguém que significa muito para mim...

— O que pretende fazer, então? Está pensando em abandoná-


lo no altar?

— Não, de forma alguma! — Neguei, balançando a cabeça,


sem hesitar. — Não sou tão covarde a esse ponto e continuo
comprometida com o acordo. Alexandre merece realizar o maior
sonho da vida dele.

— Você acha que ele não vai querer assumir o filho de outro
homem? — Eu apenas balancei a cabeça em negativa, de modo
quase imperceptível. — Honestamente, eu acho melhor você contar
logo a ele toda a verdade — aconselhou, tocando o meu rosto, com
ternura. — Quanto mais o tempo passa, mais ele vai se acostumar
com a ideia de ser pai... Veja bem, será que vale a pena correr esse
risco?

— Quis o destino que o meu caminho se cruzasse com o seu


porque já não sabia mais a quem recorrer, pai — Custava a
acreditar que conseguiria chamá-lo de pai em voz alta, assim tão
rapidamente. — Eu vou precisar de uma grande quantia em
dinheiro... Assim que Marcos for solto, ele certamente vai querer se
vingar de mim e a primeira coisa que vai fazer é tentar revelar esse
segredo. Eu não posso permitir que Alexandre descubra dessa
maneira.

— Ele está te chantageando para manter o silêncio sobre este


assunto? — indagou, franzindo a testa, dava para notar a
indignação tomando conta de seu semblante. — Então, não espere
nem mais um dia, Melissa. Você precisa expor toda a situação para
Alexandre ainda esta noite.

Ele está coberto de razão. Não posso omitir mais a verdadeira


paternidade, especialmente levando em conta o tempo que falta
para a cerimônia de casamento ocorrer. E quando eu alcançar as 20
semanas de gravidez, a minha barriga pode ficar mais visível, o que
dificultaria esconder a verdadeira idade gestacional durante um
exame, por exemplo.

Eu vou ter que antecipar essa revelação, mesmo ciente de que


existe o risco de perder o grande amor da minha vida, para sempre.
Engoli em seco, tentando eliminar o nó da garganta, ao mesmo
tempo em que as lágrimas quentes e grossas brotavam e faziam os
meus olhos arderem, me obrigando a fechá-los com força.
Como eu vou conseguir lidar com o desprezo do homem que
eu amo?

— Acho melhor nós nos reunirmos aos convidados, minha


querida — sugeriu meu pai, tocando o meu braço suavemente e me
tirando abruptamente dos meus devaneios.

— Sim, claro... — concordei, soltando um longo suspiro de


resignação. — Espere só eu retocar a minha maquiagem no
banheiro, está bem?

Quando Paulo e eu alcançamos o jardim, todos passaram a


nos observar, expressando curiosidade nos semblantes, mas eu não
dei muita importância porque a minha atenção se voltou
exclusivamente para minha mãe, pois estava ansiosa em saber qual
seria a reação dela ao ver o meu pai, mesmo após mais de vinte e
oito anos.

Será que a memória dela não apagou completamente a


recordação do amor do passado?

Paulo fez menção de se aproximar da mesa onde a mamãe e


a avó de Alexandre estavam, mas eu o detive, segurando o braço
dele com firmeza.

— Aonde o senhor pensa que vai? — perguntei, com o


coração aos pulos.

— Norma aparenta estar tranquila, Mel, o que significaque ela


não me reconheceu por ora — ponderou, em tom decidido, antes de
se desvencilhar de mim. — Então, eu não vejo nada demais em
cumprimentá-la e quem sabe poder conversar um pouco, como se
fosse a primeira vez... — Sorriu para mim, com ar sonhador.

— Tudo bem, então... Apenas tenha cuidado com o que vai


dizer para ela. Eu não quero que mamãe sofra um abalo emocional,
Pedro.

Na verdade, sou eu que corro o risco de sofrer um abalo


emocional esta noite.

Continuei parada durante um tempo, observando os dois


conversarem a curta distância, agindo como conhecidos de longa
data, rindo um pouco e até mesmo trocando confidênciasao ouvido.

De repente, eu senti Alexandre me puxar para junto de si,


enquanto me abraçava por trás, e em seguida encostou o queixo em
meu ombro, com a respiração quente e ofegante fazendo cócegas
na pele. O meu coração passou a bater em ritmo acelerado, ante a
expectativa de fazer a revelação que mudará as nossas vidas para
sempre, nas próximas horas.

— Você e o seu pai conversaram bastante pelo visto... Vocês


se reconciliaram?

— Pode-se dizer que sim... — respondi, encostando a cabeça


no peito dele. — A minha mãe sempre foi muito discreta e evitava
entrar em detalhes a respeito de seu passado, então acredito que
eu nutri mais mágoa e rancor por ele do que ela própria, sabe? —
Inclinei a cabeça ligeiramente para o lado e o encarei, pensativa.

Depois que minha mãe sofreu o AVC, eu percebi que algo nela
havia mudado. Conseguiu perdoar os falecidos pais, então imaginei
que fez o mesmo por Paulo, possivelmente motivada pelo
entendimento de sua condição diante da transitoriedade da vida. Ela
sentiu que era o momento de resolver as questões mal resolvidas
que a impediam de se libertar para poder estar em paz.

Acho que essa mudança de mentalidade propiciou o


reencontro com ele.

— Você também mudou de certa forma, amor. Imaginoque se


descobrir mãe também contribuiu para o seu amadurecimento
emocional. Fico muito felizem poder fazerparte dessa nova faseda
sua vida.

— Agora terei o registro de reconhecimento de paternidade,


Xandy — revelei, sentindo uma onda de alívio me preencher por
inteiro. — É um desejo antigo se realizando, então eu não poderia
estar mais feliz, sabe?

— Os dois parecem estar bem à vontade, conversando um


com o outro, mesmo com as limitações... — comentou Alex,
observando os dois atentamente. — Será que o amor resistiu ao
tempo e às circunstâncias?

Fiz menção de dizer a Alexandre que eu precisava conversar


com ele o quanto antes, embora tomada por uma angústia
crescente só de imaginar ter que confrontara expressão de dor e de
revolta nele, assim que eu revelasse toda a verdade. Porém, antes
mesmo que eu pudesse falar qualquer coisa, a cuidadora se
aproximou de nós dois, informando que mamãe aparentava estar
sonolenta, um efeito colateral dos medicamentos.
Talvez essa interrupção seja um sinal do Universo, me
alertando de que ainda não era o momento certo de contar toda a
verdade para ele.

— Amor, você se importaria de avisar aos convidados que eu


não poderei ficaraté o finalda festa?— sugeri, alisando a lapela de
seu terno para não ter que olhar nos olhos dele. — Eu vou
acompanhá-las até a instituição para idosos e de lá eu retorno direto
para casa. Estou um pouco indisposta...

— Não, de formaalguma, Mel — respondeu Alex, depositando


um beijo suave em minha testa. — Eu posso pedir ao motorista dos
meus pais para levar vocês, está bem? — sugeriu, selando nossos
lábios em um beijo rápido.

Quando eu me aproximei do meu pai, ele se levantou e me


deu um forte abraço.

— Você refletiu bem sobre o que a gente conversou minutos


atrás, querida?

— Pensei muito a respeito e ainda não me sinto


suficientemente preparada para fazer essa revelação, Paulo —
respondi, baixando o tom de voz para minha mãe não escutar,
embora ela já estivesse se despedindo da minha sogra e de dona
Olívia.

— Dona Norma quer fazer um convite para o seu Paulo, Mel —


informou a cuidadora, enquanto se aproximava de nós dois,
empurrando minha mãe na cadeira de rodas.
— Você pode... ir me... vi... visitar... no sol... solar... qual...
quer... dia desses? — Os olhos dela brilhavam de admiração,
enquanto olhava para ele, aquele tipo de olhar doce de jovem
apaixonada. O fato de mamãe não associar a imagem dele ao
homem que conheceu no passado já me fazia sentir certo alívio no
peito. Ela merece vivenciar um amor maduro, preferencialmente ao
lado de alguém com quem possa contar sempre, seja nos bons
quanto nos maus momentos.

— Eu adoraria rever você, Norma — respondeu meu pai,


sorrindo abertamente para ela. — Melissa pode me passar o seu
contato depois e daí nós combinamos certinho.

Decidi olhar na direção de Alexandre e notei que ele já me


observava à certa distância, apesar de estar em uma roda de
conversa, composta pelo pai, Alessandra, o marido, além de três
diretores da Astramed e suas respectivas esposas. Sorri para ele e
acenei em despedida, mas quando eu segui em direção à garagem,
me veio à mente o fato de ter esquecido de pegar a minha cópia da
chave de casa.

— Acabei de me lembrar que eu esqueci de pegar a chave


com Alex, mas podem me aguardar no carro mesmo, está bem? Eu
não demoro.

Só quando cheguei mais perto que consegui escutar uma parte


do diálogo deles.

“Sinceramente, eu custei a acreditar que Paulo Resende Filho,


um homem tão culto e respeitado na comunidade científica,se
deixou envolver por uma moça simples do interior” — comentou a
esposa de um dos diretores, causando desconfortoentre os demais.
“Aquela senhora tão simpática, quem diria que ficou com um homem
casado?”

Tomada por um sentimento de raiva e repulsa, dei mais alguns


passos e parei atrás de uma pilastra, atenta à conversa
comprometedora do grupo.

“Então, quer dizer que a filhaque ele teve forado casamento e


a sua noiva são a mesma pessoa, Alexandre? A sua mãe nos
contou esse babado quentíssimo!” — Outra mulher quis saber,
esboçando um sorriso maldoso.

“Não sei dizer, Simone... Isso não nos diz respeito” —


Alexandre respondeu o questionamento da segunda mulher,
visivelmente constrangido.

“Imagine só se a esposa dele ainda estivesse viva, a ruptura


que essa revelação causaria na família...Os efeitos disso seriam
devastadores. E os filhos dele já sabem?”

“Mas, veja bem, o cenário poderia ter sido bem pior” — o


marido da primeira ponderou, esfregando o queixo, pensativo. “A
fofocase restringiria ao fato de Alexandre se casar com alguém de
fora do seu círculo social. Pelo menos ela terá direito à uma parte da
herança do pai”.

“Eu já tinha alertado Alexandre sobre a necessidade de


priorizar os negócios em detrimento da família que vai formar,
especialmente nesse período de transição no comando da
Astramed” — Seu Carlos revelou, com voz mais dura e o semblante
repentinamente sério.
“Será que ela vai aguentar a pressão, ainda mais estando
grávida?” — Alex pensou alto, com a voz tensa, e cruzou os braços
sobre o peito.

Eu preferi me manter parada atrás da pilastra, torcendo para


não ser vista por nenhum deles.

O efeitoproduzido pelas palavras dele foiquase instantâneo:o


meu rosto se contorceu e ficou muito vermelho, como se eu tivesse
acabado de levar uma bofetada no rosto. A minha boca abriu e
fechou várias vezes, mas nenhum som saiu dela, dando lugar a uma
espécie de bolo na garganta, que insistia em me sufocar,
dificultando a passagem de ar para os meus pulmões.

A conversa inteira parecia ecoar em minha mente sem parar.


Apertei os olhos e os manteve fechados, dominada por uma
vertigem súbita, e rapidamente me afastei do local, andando meio
cambaleante. Senti um aperto enorme no peito, ciente de que
aquela constatação me afetou bem mais do que eu gostaria de
admitir.

Se ele considerava o nosso vínculo afetivo tão frágil assim,


não duvido que levaria adiante a ideia de se divorciar de mim, afinal
um escândalo de falsa paternidade vir à tona poderia rapidamente
arruinar a imagem dele.

— Alexandre não me ama tanto quanto imaginava! —


murmurei comigo mesma, sentindo as lágrimas embaçando a minha
visão, enquanto lutava contra uma onda de impotência que já
invadia a minha alma.
O meu segredo poderia até colocar em risco o futuro da nossa
relação, mas ela realmente estava fadada a não ter futuro algum.
“Mas você nunca ficará sozinha
Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer
Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer
Amor, eu estou bem aqui[34].”

1 mês depois.

Nos dias que se seguiram ao jantar de noivado, precisei


resolver inúmeras pendências no escritório da Faria Lima, aqui em
São Paulo, bem como no complexo fabril de Pouso Alegre (MG) e
no centro de distribuição central, em São Sebastião da Bela Vista,
também no Estado de Minas Gerais.
Pensei em antecipar a lua de mel, mesmo faltandopouco mais
de três meses para a cerimônia de casamento, tendo em vista
outras viagens de negócios previstas na agenda até o final do ano,
embora tenha delegado algumas reuniões de trabalho e visitas
técnicas à minha irmã, que tem competência de sobra para assumir
o comando da empresa na minha ausência.
Melissa e eu ocupamos o banco de trás do luxuoso sedã
conduzido pelo meu motorista particular, com destino à cobertura
triplex em Cidade Jardim. Ela tinha acabado de sair da clínica após
ter passado pela consulta médica com uma ginecologista.
— Alex, você disse que queria dar uma olhada nos meus
exames de rotina, lembra-se? — Melissa comentou, me fazendo
desviar momentaneamente a atenção do laptop.
Peguei a pasta com o resultado do Ultrassom, que indicava a
10ª semana de gestação e notei uma folhade bloco de notas, preso
ao cabeçalho, contendo os dados pessoais dela. Quando eu fiz
menção de tirar a folha, o meu corpo se projetou para a frente de
modo brusco no banco de trás do veículo. Um motociclista tentou
uma ultrapassagem e por pouco não se chocou com a lateral do
carro, mas felizmente o meu motorista freou a tempo.
— Meu Deus! — Melissa balbuciou, assustada. Deixei o laptop
e o documento de lado para dar atenção a ela, que passou a
respirar profundamente na tentativa de se recuperar do susto.
— Você está bem, amor? — perguntei, olhando bem nos olhos
dela com o cenho franzido de preocupação, e instintivamente fiz
menção de tocar na barriga, mas ela afastoudiscretamente a minha
mão, e me lançou um olhar inexpressivo.
— Sim, foi só um susto mesmo — respondeu Melissa, de
modo seco e direto.
Fiquei ressentido pelo fato de ter notado uma mudança muito
significativa no comportamento dela nas últimas semanas.
Melissa aparentava estar radiante e amorosa no jantar de
noivado, mas conforme os dias passavam, ela se distanciou
emocionalmente de mim e não quis estabelecer nenhum contato
íntimo, alegando que era normal o desejo diminuir durante a
gravidez.
Como a nossa viagem de lua de mel foi antecipada, prefiro
conversar antes com ela para que todas as questões sejam
esclarecidas e assim desfazer esse clima pesado que pairava entre
nós.
Fiz um avanço bastante significativo e não posso colocar tudo
a perder agora.
Quando nós chegamos ao apartamento, Melissa seguiu direto
ao banheiro da suítemaster para tomar banho, então decidi solicitar
os pratos do menu noite através do aplicativo de um restaurante da
alta gastronomia. A entrada era composta por salada de folhas com
queijo de cabra, pera e nozes, o Penne Alla Baccalá, que leva
bacalhau, brócolis, tomate cerveja e azeitonas como prato principal,
além do Tiramisu para sobremesa.
Caprichei na arrumação da mesa, posicionando bem os pratos,
talheres, taças, guardanapos, os arranjos de flores, além de outros
itens decorativos e utensílios. Depois, eu segui até a suíteadjacente
e fui direto até o banheiro tomar uma ducha rápida antes do jantar.
Cogitei se Melissa ainda estava se arrumando em nosso closet,
então peguei um roupão no suporte e o vesti, amarrando-o
frouxamente,para em seguida pegar uma toalha, e comecei a secar
com suavidade o cabelo encharcado.
Quando entrei na suíte master, me aproximei do closet sem
fazer barulho, quando surpreendi Melissa tirando algumas fotos de
perfil, possivelmente para registrar a fase atual da gestação. Fazia
um mês que não a vejo completamente nua, então fiquei surpreso
em vê-la usando apenas as peças íntimas. Eu passei a ficar no
escritório até tarde da noite, quando todos os colaboradores já
estavam em suas casas descansando após mais um dia de
trabalho. Como eu não queria atrapalhar o sono dela, precisei
alterar minha rotina, e passei a tomar banho em outra suíte,
chegando até mesmo a dormir sozinho algumas vezes.
Melissa costumava usar roupas de modelagens mais largas
em cores escuras e feitas com tecidos fluídose quase não dava
para notar sua barriga, mas observando mais detidamente à curta
distância, tive a leve impressão de que ela aparentava estar com
mais de 13 semanas de gestação, o que não fazia o menor sentido.
Sei que cada mulher é única e que ter ou não uma barriga
mais visível no início da gestação vai depender de uma série de
questões que apenas os médicos podem relatar.
Melissa passava por acompanhamento médico contínuo,
desde que descobriu a gravidez, e mantém uma dieta equilibrada
para que o bebê se desenvolva sem intercorrências, especialmente
após ter perdido peso progressivamente ao longo dos meses.
O peso dela era adequado para uma gestação normal, mas
notei que a barriga parecia quase do mesmo tamanho da de sua
amiga, Cora Mantovani, que até o mês passado informou ter
alcançado o 5° mês. Porém, eu também não poderia descartar a
possibilidade de uma gravidez gemelar, uma vez que a barriga
aparentava estar maior do que o normal para a idade gestacional.
Melissa continuava parada em frente ao espelho de corpo
inteiro, usando apenas o conjunto de lingerie rendada na cor preta,
olhando para o próprio reflexo enquanto girava o corpo de um lado
para o outro, com ar sonhador.
Decidi ficar em silêncio para não atrapalhar o estado de
contemplação dela, que esbanjava sensualidade e beleza
extraordinárias. O meu olhar passeou de cima a baixo, desde os
longos cabelos castanhos acobreados e soltos, passando pelas
longas costas delineadas, se detendo por mais tempo na cintura fina
e acompanhando a ondulação sedutora dos quadris até parar na
bunda redonda e firme. Quando ela ficou de lado novamente, notei
que os seios estavam mais volumosos e realçados pelo decote
generoso do sutiã rendado.
Passada a comoção inicial em notar que a barriga dela estava
mais visível do que antes, senti o meu corpo inteiro estremecer
perceptivelmente. Um desejo insuportável me consumiu e o meu
pau já doía de tanto tesão acumulado só de ver aquela beldade
carregando o meu filho no ventre.
— Como consegue ficar ainda mais linda a cada dia que
passa, amor? — perguntei, me encostando à soleira da porta.
Melissa deixou o celular escapulir da mão, caindo no carpete com
um baque surdo. Quando ela fez menção de se abaixar, eu
rapidamente o peguei e o devolvi para ela. — Jápensou se ao invés
de um tem dois bebês a caminho?
— Issonem me passou pela cabeça, Xandy — respondeu Mel,
sorrindo timidamente. — A ultrassom indicou apenas um feto,mas o
curioso é que realmente na minha famíliatem gêmeos por parte da
minha mãe, mas são parentes distantes.
— Acho que ainda não sabe, mas Alê e eu somos gêmeos
bivitelinos — Ergui as mãos e passei a acariciar os cabelos dela,
com a ponta dos dedos. — Seria pedir muito poder tocar em sua
barriga, amor? — perguntei, incerto, aguardando uma permissão,
cheio de expectativas. Ela fechou os olhos e assentiu, soltando um
longo suspiro.
Notei as lágrimas escorrendo pela bochecha rosada dela de
tão comovida que ela estava pelo meu singelo pedido.
Melissa ofegoudebilmente, assim que os meus dedos tocaram
os ombros, deslizando ao longo da clavícula, para em seguida
descer as mãos pelos braços, traçando um caminho pelas costelas
até alcançar a cintura esguia. Eu me abaixei, ficando de joelhos
diante dela e espalmei minhas mãos cuidadosamente na barriga,
antes de acariciá-la com movimentos suaves e provocantes, usando
a ponta dos dedos, a ponto de provocar nela um leve
estremecimento.
— Não sabe o quanto ansiava poder tocar cada parte sua,
amor — Eu a segurei pela cintura dela, e me inclinei, encostando a
lateral do rosto na barriga e fechei os olhos, tomado por uma
sensação indescritível de completude e de realização plena.

Daqui para o finalano, o bebê estará em nossos braços, e nós


dois juntos seremos contagiados pela emoção a ponto de não
conseguir parar de rir e de chorar, ao mesmo tempo. Um sorriso se
insinuou em meus lábios, cada vez mais convencido de que amo
profundamente a minha noiva e não quero que haja mais nenhum
contrato entre nós.

Prevalecia em meu íntimo a vontade de formar genuinamente


uma família,e sinto que seja um desejo recíproco, embora eu sinta
certa insegurança da parte dela, talvez duvidando do meu grau de
comprometimento em estabelecer uma vida em comum, ou supondo
que o meu único interesse fosse cumprir à risca os termos do
contrato que visava uma união de fachadapor tempo determinado.

Fui surpreendido pelo toque suave da mão dela em minha


cabeça, que passou a acariciar os meus cabelos suavemente.
— Xandy, eu preciso... — Ela se calou de forma abrupta, e
pude ouvir um soluço estrangulado escapar da garganta, antes de
cair no choro. Eu me levantei de um salto, assustado demais com a
possibilidade de ela ter começado a se sentir mal de repente.
— Você está sentindo alguma dor? O que houve, Mel? —
Segurei o rosto dela entre as mãos, esquadrinhando suas feições,
na tentativa de sondar o que se passava no íntimo.
— Não, eu estou bem... De verdade. — respondeu ela, meio
constrangida. — É só que eu pensei se a gente poderia jantar logo,
amor. Eu estou faminta!— explicou, sorrindo de formaquase tímida.
— Sendo assim, você me ajuda a escolher uma roupa? Em
troca, eu te ajudo a decidir o que vestir para o jantar.
Nós dois começamos a vasculhar o closet à procura do look
ideal para um jantar romântico. Em determinado momento, um
vestido verde de malha fria e mangas longas chamou a minha
atenção. Tirei o cabide do suporte e o observei atentamente,
satisfeito por se tratar de um modelo sensual, com recortes nas
laterais e discreta abertura nas costas. O decote drapeado valoriza
o colo e o pescoço, com destaque para a saia esvoaçante,
proporcionando leveza e movimento na peça de comprimento midi.
— Que tal este modelo para combinar com a cor dos seus
olhos, Mel? — perguntei, estendendo o vestido na direção dela.
Melissa o colocou diante de si, e se olhou no espelho, avaliando-o
de forma atenta. Uma ansiedade deliciosa me invadiu, mas ela logo
curvou os lábios, esboçando um sorriso radiante.

— Pronto, acho que já temos um escolhido — Andou saltitante


em minha direção, e em seguida se inclinou para a frente, me
segurando pela nuca. Ela logo aproximou os lábios dos meus, que
já estavam sedentos por um beijo longo e profundo.
Um gemido abafado escapou da garganta dela, conforme a
minha língua invadia, se esfregando na dela e exigindo maior
acesso naquela boca gostosa. Passei os braços ao redor da cintura
fina e investi o meu quadril contra o dela, de modo que ela sentisse
o latejar da ereção dominante, ansiando poder se libertar,
esporrando bem fundo na boceta molhada. As minhas mãos
contornaram a cintura e subiram ao longo de suas costas,
proporcionando uma onda deliciosa de calor pelo meu corpo. O fato
de seu hálito quente e doce ter se misturado ao meu quase me
levou à loucura, levando em conta o fato de que apenas um roupão
felpudoe uma lingerie estabeleciam um limite seguro entre nós dois.

Decidi tomar a iniciativa de interromper o beijo, quando um fio


de bom senso aflorou na mente, mas mantive Melissa agarrada a
mim, percorrendo minhas mãos pelo quadril dela até alcançar a
bunda parcialmente coberta pela calcinha rendada. Apertei a carne
firme e macia, a ponto de arrancar um gemido bem fundo de sua
garganta.

— Amor, se não quiser que eu me sirva de você, acho bom se


vestir imediatamente! — murmurei, rouco, com os lábios ainda
encostados aos dela.
Melissa apenas se limitou a anuir com a cabeça, murmurando
“uhum”, com um sorriso malicioso nos lábios.
— Veja o que acha da combinação que eu escolhi pra você,
Xandy — sugeriu Mel, mostrando um suéter de gola alta off-white
em cashmere e calça chino na tonalidade verde escuro. Fiz um
gesto com a mão, levantando os dedos e fazendo o sinal de OK,
acatando a sugestão dela. — Quero te propor um desafio: Quem se
arrumar por último terá que lavar a louça após o jantar — falou,
repentinamente, ao me passar as peças de roupa escolhidas.
Tirei o roupão branco felpudo, expondo o meu corpo nu para
ela, que passou a percorrer o olhar sobre mim, com a cabeça
ligeiramente inclinada para o lado, e os lábios em forma de coração
se entreabriram, demonstrando estar absorta em seu estado de
contemplação. E, para completar, ela deteve o olhar no meu pau,
esfregando os lábios um no outro, como que para umedecê-los, um
gesto despretensioso e sexy, ao mesmo tempo.
O tesão acumulado se intensificou, provocando uma fisgada
dolorosa nos testículos.
Fiz questão de acariciar meu pau bem devagar, que se encheu
de sangue e endureceu de tão excitado que estava, um claro sinal
do acúmulo de tesão decorrente de longas semanas sem sexo.
Deixei escapar um gemido estrangulado, quando notei os lábios
dela esboçando um sorriso malicioso, demonstrando estar satisfeita
com meu gesto lascivo.
— Por que não experimenta se servir de mim antes do jantar,
amor? — perguntou Mel, imprimindo à voz uma inflexão de fingida
inocência e ergueu a sobrancelha, sugestivamente, enquanto
passava as mãos por trás das costas para desatar o fecho do sutiã,
e o fez deslizar pelos braços até cair no chão.
Não pensei duas vezes e avancei na direção dela, que passou
a rir quando eu a pendurei nos ombros e a carreguei em direção ao
quarto.
Eu a acomodei na cama espaçosa e tomei o rosto dela entre
as mãos, antes de me inclinar para a frente, selando nossos lábios
em um profundo e urgente beijo. Depois, eu concentrei minha
atenção no pescoço dela, explorando-o com os lábios e a língua, e
desci sem pressa até atingir a ondulação suave dos seios fartos,
produzindo um estremecimento perceptível nela, que se arqueou
toda contra mim, de modo instintivo. Continuei descendo
lentamente, percorrendo o caminho até a barriga com os lábios,
enquanto minhas mãos se ocupavam em acariciar os contornos
suaves da cintura, dando uma atenção especial à maior saliência e
ao baixo-ventre. Escutei um arquejo doce e erótico, pouco antes de
sentir mão dela pelos meus cabelos, enterrando os dedos bem
fundo nos fios a ponto de me fazer estremecer de leve.

— Você quase me levou à loucura ao se distanciar de mim,


quando tudo o que eu mais desejava era poder te tocar, sentir o seu
cheiro, te abraçar, beijar e fazer aquele amor gostoso, Mel —
Levantei o rosto e dirigi um olhar ressentido para ela, que se limitou
a deixar um som escapar de seus lábios, que era quase um lamento
rouco.

— Xandy... — A voz dela saiu fraca, em meio às lágrimas. —


Eu sinto muito...

Encostei a cabeça na barriga, sendo cuidadoso o bastante


para não tornar o meu posicionamento incômodo demais na atual
condição dela. A ponta dos meus dedos deslizou pela curva do
quadril dela, subindo lentamente pela cintura até concentrar a
atenção na pequena saliência, mal ansiando poder escutar os
primeiros sons provenientes do nosso bebê.

— A emoção de poder sentir nosso filhose mexendo dentro de


você será indescritível demais, amor — declarei, incapaz de
disfarçar a comoção na voz. — Eu mal posso esperar por esse
momento!

— Eu quero que me chupe com vontade, Xandy — Melissa


exigiu, se apoiando nos cotovelos, enquanto abria bem as pernas,
fazendo sua boceta lisinha ficar inteiramente à minha disposição. —
Me faça gozar intensamente nessa sua boca gostosa.

— Quero que enlouqueça de expectativa, enquanto meus


dedos manipulam seu clitóris, fazendo a sua boceta pulsar de
tesão... — provoquei, percorrendo os dedos pela calcinha rendada,
antes de puxá-la pela lateral e deslizar dois dedos na região íntima,
iniciando uma carícia lenta e gostosa pela vulva, completamente
úmida e quente.
Melissa respondeu a minha provocação de forma instantânea,
ao arquear as costas, gemendo alto em protesto.
— Está me torturando, Xandy! — arfou, debilmente, revelando
os primeiros sinais de impaciência, provocado pelo leve roçar da
barba contra a pele lisa e sensível da virilha.
— Tão deliciosamente molhada e minha, caralho! — falei,
conforme penetrava as pontas dos dedos ainda mais na vagina
quente e apertada, sentindo a lubrificação já escorrendo pela minha
mão.
Quando finalmente me livrei da peça íntima, encostei os lábios
na vulva, sentindo uma onda de luxúria avassaladora percorrer por
todo o meu corpo. Então, eu pressionei a boca nos grandes e
pequenos lábios, alternando entre lambidas e sucções por toda a
extensão, estimulando ainda mais a lubrificação natural. A invasão
da minha línguaexigente e voraz fezcom que Melissa pressionasse
mais o quadril contra meu rosto, passando a ondular em um vai e
vem cadenciado e constante. O gesto dela serviu de estímulo para
continuar concentrando minha atenção no clitóris, reduzindo e
aumentando gradualmente a pressão da chupada nele, de forma
cuidadosa.
— Você chupa uma boceta com gosto mesmo, porra! Que
delícia, amor.
Em determinado momento, introduzi cuidadosamente os dedos
indicador e médio na vagina, fazendo movimentos circulares e de
vai e vem intercalando movimentos rápidos e sucessivos, com
outros, mais suaves e lentos.
Deixei escapar um gemido rude, quando Melissa pressionou
as pernas contra o meu rosto, tremendo com a força avassaladora
de seu orgasmo. Em determinando momento, ela se deitou de lado
e apoiou a cabeça no antebraço, mantendo os joelhos dobrados e o
quadril projetado na diagonal, permitindo que eu a penetre por trás.

— Me coma bem gostoso, Xandy... Agora mesmo! — exigiu,


fazendo a voz soar como um ronronar de uma gata no cio.

Apoiei bem as mãos no colchão e me inclinei sobre ela, antes


de apontar a glande na entrada da vagina quente e úmida,
introduzindo meu pau aos poucos, respirando fundo e pesadamente,
com o suor escorrendo pelo rosto, ao sentir o interior quente e
molhado o recebendo tão bem. Soltei um gemido estrangulado ao
sentir a boceta se contrair involuntariamente à invasão do meu
membro rijo e pulsante. Levantei a perna dela, aprofundandomais a
penetração, o que a levou a coordenar os movimentos, ao
impulsionar o quadril de encontro ao meu, movimentando-o no
mesmo ritmo.

Passei então a abocanhar o mamilo endurecido e sensível, o


sugando com suavidade e depois transferi minha atenção para a
boca entreaberta dela, a cobrindo com um beijo rude e profundo, a
ponto de sufocar um gemido rouco que brotava da garganta. As
estocadas se aprofundaram, intensificando o ritmo antes lento até
arrancar um grito rouco dela a cada investida dura contra sua
boceta, mas gradualmente diminui o ritmo ao envolver os nossos
lábios novamente em um beijo voraz.

Melissa se contorcia, estremecendo sobre mim e gemendo


bem alto meu nome, cada vez que investia meu pau ainda mais
fundo, fazendo as bolas baterem contra a bunda dela. Eu rosnei
roucamente e a abracei por trás, sentindo um jato quente e longo de
porra a preencher internamente.

Continuei olhando para ela, que respirava debilmente, com o


rosto a poucos centímetros do meu, e notei uma sombra se
formando, endurecendo suas feições em um curto espaço de tempo.

— Não sabe o quanto eu te amo, Mel... — Aquela declaração


inesperada me assustou, sobremaneira, mas precisava abrir o meu
coração, desejando poder dissipar qualquer resquíciode dúvida que
a impedisse de estar inteiramente entregue a mim.

Percebi quando ela levou uma das mãos à barriga em um


gesto involuntário. Os olhos se encheram de lágrimas, assim que eu
cobri a mão dela com a minha, e apertei com firmeza.

— Xandy, não acho que deveria... — Não deixei concluir


Melissa concluir a frase. Encostei o dedo indicador nos lábios dela,
com um toque gentil, mas firme o bastantepara fazê-la se calar.

— Eu sei que gravidez deixa as mulheres mais vulneráveis,


devido às oscilações hormonais. É absolutamente normal se sentir
assim, amor. Mas saiba que mesmo nos momentos mais loucos do
dia, você pode sempre contar comigo.

Eu a puxei para junto de mim, e a fiz apoiar a cabeça em meu


peito largo. Deslizei os dedos pelas madeixas sedosas, desfazendo
o coque bagunçado dela. De repente, Melissa ergueu o rosto para
me encarar, com um brilho intrigado nos olhos verdes.
— Eu também te amo muito, Xandy... — sussurrou ela, com os
lábios trêmulos. — Eu espero que se lembre de cada palavra porque
talvez não a escute mais... — Ela se calou, de repente, assim que
um som muito familiar reverberou pelo quarto.
— Parece que nosso bebê quis se manifestar, fazendo o seu
estômago roncar de fome, Mel — Desconversei, rindo à gargalhada
e aliviado em poder desviar o assunto, que possivelmente nos
levaria a uma DR (Discutir a Relação), situação essa que poderia
nos causar um profundo mal-estar, especialmente às vésperas do
casamento
Então, eu me levantei para em seguida passar os braços ao
redor do ombro e por baixo de suas pernas, a pegando
completamente de surpresa. Melissa reagiu soltando gritinhos
abafados, enquanto a carregava até o banheiro da suíte master
.

— Vamos tomar uma ducha rápida e jantar porque ainda


pretendo meter bem gostoso na sua boceta pelo resto da noite —
anunciei, com uma leve rouquidão na voz a ponto de fazê-la
estremecer de prazer.
Prevalece em mim a intenção real de permanecermos juntos
pelo resto de nossas vidas. Pelo menos da minha parte, agora mais
do que nunca, formar uma famíliacom Melissa tem sido a minha
maior prioridade.
“Olho do chão para cima
E vejo seus olhos tristes e marejados
Você desvia o olhar de mim
E vejo que há algo que você está tentando esconder
E eu busco sua mão, mas ela está fria
Você se afasta de novo
E eu me pergunto no que está pensando[35].”

Fernando de Noronha, PE.


3 meses depois.

Faltam quinze dias para a celebração do casamento civil, no


Palácio dos Cedros, em São Paulo, levando em conta a proximidade
do prazo final para passar à condição de casado perante o
Conselho de Administração da Astramed.
Alessandra sugeriu a realização de uma cerimônia religiosa de
caráter intimista, satisfazendo assim aos anseios da minha noiva,
que sempre sonhou poder se casar na igreja. Foi ela quem me
apresentou um conceito de casamento ainda pouco conhecido no
Brasil, chamado de Elopement Wedding, um termo em inglês que
designa um casamento a dois, visando proporcionar uma
experiência mais reservada ao casal, seja ela com ou sem a
presença de convidados. Os nossos familiares e amigos estarão
presentes apenas na cerimônia oficial em São Paulo, deixando a
troca de votos em Fernando de Noronha uma ocasião mais voltada
para nós dois enquanto casal. Considerei o arquipélago o local ideal
para celebrar minha união com Melissa, bem como aproveitando as
belezas do lugar em nossa lua de mel.
Melissa aprovou a ideia da cunhada, especialmente por estar
mais de acordo com seus gostos pessoais, pois se considerava uma
jovem simples, criada no interior de São Paulo, que não vivia de
aparências e nem gostava de ostentação. Um evento luxuoso só
condizia mais com os desejos dos nossos pais, que tornaram a
minha união com Melissa um dos casamentos mais esperados da
alta sociedade paulistana.
Nas primeiras horas da manhã de sexta-feira, nós dois
seguimos até o Porto Santo Antônio, onde o condutor da lancha
privativa de 39 pés já nos aguardava para nos levar para um
passeio pelo mar de dentro, passando pelas ilhas secundárias,
morros e baías do arquipélago. A embarcação conta com um quarto,
banheiro, cozinha, sala, proa acolchoada, além de flybridge, uma
área aberta, localizada acima do cockpit, e que pode ser usada
tanto para pilotar a embarcação quanto como área de lazer.
Durante a parada para mergulho, nós colocamos a máscara, o
snorkel e os pés de pato. A prática do snorkel não tem
contraindicação para gestantes, desde que tomando os devidos
cuidados. Nós mergulhamos apenas na superfície na Praia da
Conceição, apreciando a rica vida marinha ao redor, pelo menos até
onde era possível ver.
— Obrigada por me proporcionar o melhor fim de semana em
anos, Alex — comentou Mel, com a voz embargada. Ela deslizou os
dedos suavemente pela linha do maxilar, passando pelo queixo e
lábios, um gesto suave que enviou ondas de prazer até ao centro do
meu corpo.
Ela gemeu, quando as nossas bocas se tocaram. Eu entreabri
os lábios para aprofundar o beijo, percorrendo os cabelos sedosos
dela com as mãos. E, como eu ansiava poder sentir novamente a
umidade quente e doce de sua língua, conforme ela explorasse a
minha, com o ardor da paixão que a consome.
— Que tal uma aposta para ver quem consegue segurar o
fôlego, beijando dentro d'água por mais tempo? — propus a ela,
erguendo uma sobrancelha em desafio descontraído.
— Para quem teve que aprender a sobreviver na selva e no
mar, pode apostar que eu levo vantagem, amor!
Então, passei o braço ao redor da cintura dela, e a puxei
suavemente contra o meu corpo firme e musculoso, antes de me
apossar dos lábios em forma de coração. Foi um beijo intenso,
sensual e apaixonado. Pedi a ela para contar até três, antes de
encher o peito de ar, e tomar impulso para mergulhar. Nós
suspendemos a respiração pelo máximo possível, enquanto a
segurava pelos braços, e mantendo os lábios ainda colados ao dela.
Quando voltamos para a superfície,não conseguimos parar de rir e
respirar bem fundo, para recuperar o fôlego.
Nós desfrutamosdo almoço já incluso no passeio, e descemos
os degraus que levavam até a cabine privativa, com seu sofá de
canto espaçoso, para descansar um pouco e evitando assim a
exposição prolongada no sol escaldante da tarde. Melissa se
acomodou melhor em meu colo, ficando de frente para mim e
segurou minhas mãos para em seguida apoiá-las na lateral do
biquíni de tirinhas, sem deixar de manter contato visual comigo,
lançando um olhar cheio de tesão.
— Só de pensar em dar bem gostoso pra você, aqui mesmo no
camarote, eu já fico toda molhadinha, Xandy — murmurou, em tom
rouco e suave, com os lábios bem próximos ao meu ouvido. Ela logo
começou a remexer o quadril contra a minha ereção, se movendo
lentamente para a frente e para trás de modo provocante.
Melissa passou a rebolar tão gostoso, que o volume de meu
pênis respondeu de imediato ao estímulo, provocando um espasmo
de desejo violento contra o calção de banho. A barriga um tanto
acentuada se chocava suavemente em meu abdome, provocando
uma onda de pura lascívia percorrendo o meu corpo. Eu não resisti
e grunhi de prazer, ao deslizar a mãos pela concavidade inferiordas
costas até alcançar sua bunda firme e macia. Espalmei e a apertei
bem forte, arrancando um gemido rouco e profundo de sua
garganta.
Decidi concentrar a atenção no pescoço esguio, explorando-o
com os lábios e a língua, e descendo sem pressa até atingir a
ondulação suave dos seios. Logo, eu circulei o bico escuro e
intumescido com a ponta da língua,antes de abocanhar o volumoso
mamilo. Observei a expressão genuína de prazer e os gemidos
incontidos dela, que não queria se fazer ouvir pelo condutor da
embarcação. Chupei um seio seguido do outro, e os mordisquei,
sentindo o gosto da secreção branca característica, indicando que
as mamas já estavam produzindo leite materno. Os meus testículos
se contraíram dolorosamente, assim que Melissa aumentou a
pressão contra o meu quadril, se esfregando em mim de tal forma
como se mal pudesse conter a ansiedade de cavalgar.
Desfizos laços da parte de baixo do biquínidela com as mãos
trêmulas, mal contendo a ansiedade de manipular a vulva sensível
com meus dedos ágeis. Comecei massageando os grandes e os
pequenos lábios, estimulando a lubrificação natural que já
encharcava meus dedos. Depois, foi a vez de dar toda a minha
atenção ao clitóris, usando os dedos indicador e médio, intercalando
movimentos rápidos e sucessivos, com outros, mais suaves e
lentos. Quando finalmente enfiei os dedos na entrada, os fiz
escorregar pelo canal vaginal com a maior facilidade, enquanto
vislumbrava o meu pau grosso e latejante no lugar deles.
— Já está tão molhada, que eu mal vejo a hora de socar o
meu pau bem fundo em você até fazer minha porra escorrer por
essa boceta gostosa, amor — sussurrei ofegante,contra a lateral do
rosto dela, e logo o suor se espalhou pela testa, fazendoalguns fios
de cabelo grudarem na pele. O meu pau, que já doíade tanto tesão,
se contorceu dentro da sunga.
Melissa segurou o meu rosto entre as mãos, e se inclinou para
a frente, cobrindo sua boca na minha em um beijo voraz. O beijo se
tornou ainda mais ardente e apaixonado, quando ela começou a
passar as mãos pelo meu peitoral, fazendo as unhas deslizarem
bem devagar pelo abdômen definido, até apalpar o pênis por cima
do tecido leve do short. Senti o meu corpo inteiro enrijecer, quando
as mãos dela alcançaram o cós do calção de banho e da sunga
boxer. Então, ela se afastou um pouco, permitindo que eu me
livrasse logo das peças de banho. Arqueei as costas contra o
encosto do estofado, erguendo um pouco o quadril para segurar as
peças pelas laterais, as abaixando até os joelhos.

Ela apalpou o pênis já endurecido, pressionando-o


delicadamente a ponto de arrancar um gemido gutural bem fundoda
minha garganta. A minha respiração foise tornando mais ofeganteà
medida que ela aumentava o estímulo em toda a sua extensão,
alisando a glande, e depois envolvendo todo o pênis com a mão
direita, torcendo-o para cima e para baixo, enquanto direcionava um
olhar cheio de tesão para mim.
Deixei escapar um gemido estrangulado ao sentir a boceta
dela se contrair involuntariamente, enquanto o meu pau a preenchia
por completo. Melissa começou a cavalgar, se movendo lentamente
para a frente e para trás, mas aos poucos foi intensificando os
movimentos dos quadris, incapaz de diminuir o ritmo.

— Oh, sua gostosa... — Grunhi roucamente, ao alisar a


barriga, quando de repente tive a sensação de que nosso bebê se
mexeu. Podia jurar que ele se movia dentro dela, mesmo que de
maneira sutil — Continue rebolando bem gostoso no meu pau, amor
— Apoiei as mãos na cintura dela, realizando os movimentos de
subida e de descida, comendo a boceta em um ritmo frenético.
Essa manifestação do bebê no ventre dela vai me fazer gozar
rápido demais.

Melissa jogou a cabeça para trás e gemeu alto, estremecendo


sobre mim, e gozei logo em seguida, emitindo um urro grave e
esporrando até a última gota de sêmen na boceta gostosa.

Nós dois seguimos de mãos dadas até a área da piscina de


borda infinita do Nannai Resort, com seu deck de madeira de
reflorestamento e sua vista espetacular da Praia do Sueste. Eu me
sentei na espreguiçadeira, posicionando o laptop em meu colo, uma
vez que costumava cumprir algumas demandas de trabalho, mesmo
durante as folgas. Melissa ocupou a espreguiçadeira ao lado e tirou
a saída de praia, aproveitando o dia ensolarado.
De repente, o celular de Melissa tocou na mesinha, o que me
fez desviar momentaneamente a atenção do laptop.
Melissa pegou o aparelho depressa e conferiu o contato no
visor, assumindo uma expressão aflita no rosto. Então, ela se
levantou, decidindo atender a chamada um pouco afastada da área
da piscina. Eu não deixei de observar o menor de seus gestos, com
um olhar fixo e inquisitivo às costas dela. Quem quer que estivesse
do outro lado da linha a fez se alterar, pois ela passou a gesticular
bruscamente, mantendo o tom de voz baixo e tornando difícila
tarefa de descobrir qual era o teor da conversa.
Quando ela encerrou a chamada, deixou o aparelho em cima
da espreguiçadeira, com a piscina à sua frente,e em seguida correu
e se jogou de cabeça na água morna. Ela mergulhou por um
momento, antes de subir à superfíciee começou a nadar até a
borda, permanecendo debruçada sobre ela, observando o mar azul
e as formaçõesrochosas ao fundo.Deixei o laptop de lado, e resolvi
me juntar a ela na piscina de borda infinita. Dei algumas braçadas
para me aproximar dela, e em seguida, eu a abracei por trás,
descansando o queixo sobre o ombro macio.
— O que houve, amor? Recebeu alguma notícia ruim de sua
família? — perguntei, perscrutando meu olhar sobre ela, com
cautela. — Nós assumimos o compromisso de fazer parte da vida
um do outro, e não acho justo que passe por algum tipo de
dificuldade — completei, me afastando um pouco, apenas o
suficiente para virá-la, de modo que eu pudesse encará-la
diretamente nos olhos.
— Não há nada com que se preocupar, Xandy —
Desconversou, desviando o olhar de modo brusco. Percebi logo que
ela me escondia algo. — Eu ando com os nervos à flor da pele com
a proximidade da cerimônia de casamento.
— Foi por isso que eu quis antecipar a nossa lua de mel, já
prevendo que a ansiedade e o estresse pudessem afetar a sua
saúde e a do bebê também. A minha mãe e Alê já estão cuidando
dos preparativos há meses, então não há com que se preocupar.
— Mas eu mesma fiz questão de acompanhar tudo de perto,
amor.
— Você deu o seu melhor na medida do possível, Mel. Não se
cobre tanto, apenas relaxe e aproveite este lugar paradisíaco.
— Não posso negar que as questões pessoais tem me tirado o
sono ultimamente...
— Com o quê, por exemplo? — perguntei, aproveitando a
deixa para tentar ir a fundo, e quem sabe assim poder dissipar seus
temores.
— O processo que eu abri contra a companhia aérea segue
parado junto à justiça comum, porque as testemunhas ainda
trabalham lá e temem represálias. E com isso o piloto voltou a
espalhar comentários desagradáveis ao meu respeito nos grupos.
De repente, notei que os olhos dela começaram a ficar
marejados de lágrimas, e como que por impulso, ela segurou o meu
rosto entre as mãos, selando um beijo longo e urgente, que por
pouco não me fez perder o fôlego.
— Por favor, me abrace, Xandy, mas me abrace bem forte,
sim? — suplicou, com a voz embargada, enquanto colocava os
braços ao redor do meu pescoço, e se agarrando a mim de tal
forma, que quase afundamos na piscina.
Quando subimos à superfície,eu a puxei delicadamente e a
envolvi em meus braços, oferecendo o meu peito como abrigo e
disposto a encorajá-la a se manter forte.
— Eu pretendo ter uma vida conjugal comum à de todo e
qualquer casal, Mel — Falei, me afastando um pouco para erguer o
rosto dela e a encarei atentamente nos olhos. — Os casais
compartilham os problemas e tentam resolvê-los em conjunto. Não
se esqueça de que assumimos o compromisso de estar na vida um
do outro, tanto nos bons quanto nos maus momentos.
— Eu tenho as minhas razões, Xandy. Espero que não me leve
a mal por isso, por favor...
— Tudo bem, Mel... — Segurei o rosto dela entre as mãos e a
beijei nos lábios com suavidade. — Eu respeito a sua decisão,
embora eu não ache justo que queira carregar sozinha todo esse
peso que tem sobre as costas — Eu a abracei pela cintura,
enquanto nós dois flutuávamos na água morna. — Precisa confiar
em mim, assim como eu confio em você, amor.
— Há muitas coisas em jogo, que você jamais entenderia,
Xandy — Eu reparei que o belo rosto dela assumiu uma expressão
sombria repentinamente. Soltou um suspiro trêmulo e se aninhou
ainda mais em mim, antes de apoiar a cabeça em meu ombro.
Eu estou cada vez mais convencido de que Melissa tem
enfrentado alguma situação extrema que ia além da ação judicial
envolvendo o antigo emprego. Tentei investigar a vida de Marcos
Gonçalves mais a fundo, mas tudo o que descobri foi a existência de
um processo movido contra ele, embora desconheça o teor dos
inquéritos, processos e ações penais, pois estes tramitam sob
segredo de Justiça.
O sujeito exigia a localização em tempo real dela, o que já era
um forte indício de abuso. Sabe-se lá quais outras formas de
violência ela sofreu durante o relacionamento.
Talvez Melissa não queira quebrar o sigilo processual, evitando
colocar em risco a própria integridade, mas eu me sinto mal por não
poder oferecer meu apoio da forma como gostaria, especialmente
agora que a condição dela inspira cuidados.
Odiava experimentar o sentimento de frustração e impotência,
mas como poderia ajudá-la se ela ainda se recusava a compartilhar
os problemas que tem enfrentado nos últimos meses? Não resta
outra alternativa além de aguardar o matrimônio, quando então terei
condições de saber o que realmente se passa na vida dela.

A pequena capela de São Pedro dos Pescadores serve de


cenário para muitos casamentos, devido ao aspecto bucólico e
rústico, além de proporcionar uma das vistas mais espetaculares de
Fernando de Noronha, como o Morro do Pico, Dois Irmãose ainda
as ilhas secundárias. O local perfeito para se apreciar o pôr-do-sol,
uma vez que fica isolado no alto de um morro, próximo ao porto de
Santo Antônio.
A equipe do cerimonial contratado por Alessandra cuidou da
decoração do local, usando folhagense florescampestres formando
um arco na porta da capela, que davam um aspecto romântico à
fachada branca. Havia um grande tapete de fibra natural, formando
um caminho até o altar, com alguns arranjos floraisem tons de rosa,
branco e lilás, colocados em cestos de vime para dar um toque
rústico ao ambiente.
A cerimônia costuma ocorrer na área externa da capela e
como se trata de um casamento intimista, disponibilizaram algumas
cadeiras de madeira para os poucos convidados, que se restringiam
apenas aos nossos pais, com a exceção de dona Norma, além dos
meus sobrinhos, os pais deles. Cora e o marido dela foram
escolhidos como padrinhos da noiva. Stefani ficou de fora porque
preferiu deixar a folga para o dia oficial da cerimônia. Ela estava
fazendo uma série de pernoites, seguindo a escala do mês. Com
relação à Cora Mantovani, apesar de estar entre a 36ª e a 37ª
semanas de gestação, ela conseguiu um atestado médico e
preencheu uma declaração de responsabilidade fornecida pela
companhia aérea para poder viajar.
Como eu não abri mão de usar o terno, optei por um traje
semiformal,dispensando o uso da gravata, mas em tonalidade clara
e feito com um tecido bem leve como o linho. Decidi me adiantar e
cheguei ao local com certa antecedência para não correr o risco de
ver Melissa vestida de noiva, embora não me considere uma pessoa
supersticiosa, por assim dizer.
Felizmente, o tempo estava a nosso favor, com a temperatura
beirando os 26°, e o céu ensolarado do meio da tarde permitia um
espetáculo de luz natural, favorecendo o trabalho dos fotógrafose
do videomaker.
Passei a andar de um lado para o outro à medida que os
minutos passavam. Não parei de conferir se o par de alianças
continuava no bolso interno do paletó, de forma quase obsessiva.
Segurei o porta-joias feito em madeira de reflorestamento e abri o
fecho de imã, com as palmas suando de nervosismo. Praguejei
baixinho por sentir na pele a insegurança de qualquer noivo minutos
antes do famigerado 'sim'.
Não sossegaria até o carro despontar no morro, trazendo a
minha mulher e o pai dela. Só assim para o meu coração voltar a
bater no ritmo normal. Até o momento, ele parece estar prestes a
arrebentar o peito porque batia descontroladamente.
À medida que os minutos passavam, eu mudava o peso do
corpo de um pé para o outro, com crescente nervosismo.
Alessandra se posicionou no lado direito da capela, acompanhada
pelo marido, ambos na condição de meus padrinhos de casamento.
Logo, ela se aproximou de mim com um sorriso matreiro nos lábios
e não deixei de me perguntar qual seria a piada da vez.

— Eis que hoje alguém vai pagar com a língua, quando disse
que não se sujeitaria às disposições “malucas”
do vovô. Quem diria,
hein, Xandy?
— Eu realmente não esperava engatar um relacionamento
exclusivo de longo prazo, mana — admiti, dando uma rápida olhada
na direção dela, e coloquei as mãos nos bolsos frontais da calça de
tão trêmulas que estavam. — O contrato pré-nupcial definia um
prazo para o divórcio, porque o meu objetivo era uma união de
fachada, mas ele já deixou de fazer sentido pra mim.
— Então, você já conversou com Melissa a respeito? Porque
cá entre nós, a minha cunhada mudou muito nos últimos dias... Ela
parece bastante abatida, Xandy.
— Na verdade, eu resolvi adiar um pouco, especialmente
agora que ela está enfrentandoos desafiosda gravidez, tem a nova
etapa no tratamento da mãe dela e o reencontro com o pai... A vida
de Melissa deu um giro de 360º num curto espaço de tempo.
— Eu estou tão orgulhoso de você, meu irmão! — Alê ficou de
frente para mim e estendeu os braços. Eu a envolvi num abraço
apertado, longo e emocionado.
A minha irmã realmente não mediu esforçospara concretizar o
meu plano mirabolante, convencendo o pároco da ilha a celebrar a
minha união com Melissa, algo que os cerimonialistas só
conseguem com meses de antecedência.
Eu pretendo rasgar o contrato tão logo o Conselho de
Administração oficialize a minha continuação no cargo de CEO da
Astramed.
O meu cunhado também repetiu o gesto da esposa, rindo e
dando tapinhas no ombro, murmurando palavras de incentivo e
felicitações. De repente, Alê fez um gesto com a cabeça para que
eu olhasse para trás, e notei Beatriz e Miguel caminhando juntos
pelo grande tapete de fibra natural, na condição de dama e pajem,
respectivamente.

A minha sobrinha usava um lindo vestido branco e seus


cabelos estavam presos em tranças ao redor da cabeça, e
enfeitados com uma coroa de flores. Notei que Miguel usava um
traje composto por camisa branca, calça clara preso por
suspensórios, além da gravata borboleta. Ele segurava uma placa
com os dizeres “Dindo,lá vem o amor da sua vida!”,enquanto Bea
trazia um cesto nas mãos, e jogava as pétalas de floresao longo do
caminho.

Um bugue branco apareceu ao longe, anunciando a chegada


da noiva. O motorista parou diante da capela, e o professor saiu do
veículo, ajudando a filha a descer logo em seguida.
Melissa estava deslumbrante com seu vestido de noiva longo e
volumoso, sem mangas e com delicadas flores em 3D caindo em
cascata sobre o corpete, com leve transparência no busto, e na
parte de cima da saia, criando uma silhueta estilizada. Ela deixou os
cabelos presos em um coque alto, e enfeitado com flores brancas
naturais, além de trazer uma maquiagem leve e iluminada ao rosto,
que realçou ainda mais a sua beleza.

Paulo conduzia lentamente a filha em direção ao altar


improvisado, demonstrando serenidade e alegria por ter obtido o
perdão dela, e se mostrando merecedor da oportunidade de estar
presente na ocasião mais significativa de nossas vidas. Melissa
trazia nas mãos um pequeno buquê de flores silvestres e esboçava
um sorriso largo e radiante, o qual foi prontamente retribuído por
mim, expressando toda a felicidade em poder selar o compromisso
de uma vida inteira juntos. Quando Mel parou diante de mim,
segurei o rosto dela entre as mãos, e me inclinei lhe dei um beijo na
testa de forma afetuosa, antes de tocar a barriga, que cresceu um
pouco mais para cima. Ela fez um novo ultrassom recentemente,
mas eu não pude acompanhá-la no dia, pois estava em Minas
Gerais.

Realmente não se trata de uma gravidez de gêmeos, mas


ainda não sabemos o sexo, pois decidimos fazer o chá revelação
mais precisamente durante a recepção de casamento, no Palácio
dos cedros, ocasião em que todos os familiares e amigos estarão
reunidos.

Melissa entregou o buquê para a melhor amiga dela, que já


estava bem na reta final da gestação. Por mais que Melissa e eu
precisemos repetir todo o rito daqui a poucos dias, ainda sinto que
passarei pelo mesmo turbilhão de emoções, como se fosse a
primeira vez.

— Você pensou em tudo nos mínimos detalhes, amor — Os


olhos verde-oliva dela brilhavam com lágrimas contidas, e o lábio
inferior tremia, involuntariamente. — Casar numa capela no alto do
morro, com o melhor mirante de Noronha, tendo o mar ao fundo e
em pleno pôr-do-sol... — prosseguiu, olhando em volta, admirada.
— Hoje é sem dúvida o dia mais feliz da minha vida... Só faltou
mesmo a minha mãe aqui, mas faz parte.
— Dona Norma está assistindo nesse exato momento, sabia?
— Indiquei com um gesto de cabeça Miguel posicionado
estrategicamente, registrando a cerimônia intimista com seu celular,
e transmitindo ao vivo através de uma rede social.
O rosto dela se iluminou de alegria, assim que soube da
surpresa que preparei. Então, ela se virou na direção da câmera,
acenou com a mão, e soltou um beijo, enquanto fazia um coração
com as mãos unidas.
A seguir, nós dois nos posicionamos diante do padre, antes de
nos ajoelharmos no genuflexório, dando início à cerimônia intimista.
Mantive as minhas mãos unidas no apoio de madeira, quando senti
Melissa passar o braço direito por baixo do meu para entrelaçá-los,
enquanto segurava um terço entre os dedos.
— Alexandre Campelo Valadares e Melissa Albuquerque
Resende, vocês vieram aqui livremente e sem reservas para se
darem um ao outro em casamento? — questionou o padre Flávio,
mencionando o nome completo de Melissa, que fez a retificação do
registro de nascimento por via judicial, fazendo a inclusão do
sobrenome do pai.
— Sim, padre! — Nós dois respondemos, em uníssono, no
instante em que os nossos olhares se encontraram.
— Vocês vão se honrar como marido e mulher pelo resto de
suas vidas?
— Sim! — respondi, tomado pela emoção a ponto de a voz ter
saído fraca.
— Claro que sim — Melissa confirmou,em um sussurro quase
inaudível.
— Vocês vão aceitar os filhos com o amor de Deus e criá-los
de acordo com a lei de Cristo e da Igreja?— o padre perguntou,
esboçando um sorriso.
— Sim! — Nós dois respondemos, em uníssono.
Depois, o sacerdote nos orientou a colocar as alianças,
fazendo em seguida os votos do matrimônio.
— Melissa Albuquerque Resende, receba esta aliança como
símbolo do meu amor — declarei, colocando a aliança em ouro
branco e amarelo no anelar esquerdo dela. — Eu prometo ser fiel,te
amando e te respeitando, ao longo de toda a minha vida e quem
sabe por toda a eternidade. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo.
Notei um leve tremor na mão dela, assim que fez o metal frio
da aliança deslizar no espaço entre os dedos. Ela engoliu as
lágrimas e fechou os olhos, a expressão se contorceu de tristeza de
repente, o que me fez sentir um estranho aperto no peito. Ainda
assim, Melissa repetiu o meu gesto, colocando a aliança em meu
dedo, com as lágrimas insistindo em inundar os olhos verdes. Os
meus também se encheram de lágrimas, e internamente fuiinvadido
pela emoção avassaladora daquele rito religioso.
— Alexandre Campelo Valadares, receba esta aliança como
símbolodo meu amor — A voz dela saiu fracaem meio às lágrimas,
mas respirou bem fundo, tentando se controlar. — Eu prometo ser
fiel, te amando e te respeitando, ao longo de toda a minha vida... —
Notei o peito dela subir e descer pela força avassaladora dos
soluços que entrecortavam a voz. — Em nome do Pai e do Filho e
do Espírito Santo.
— E eu os declaro marido e mulher. Agora, os dois finalmente
podem se beijar.
Quando eu a tomei nos braços, encostei nossos rostos e falei,
roçando a minha boca na dela de forma suave:
— Pertencemos um ao outro, Mel. E em breve nosso bebê se
juntará a nós — Eu inclinei o corpo para a frente, e me debrucei
completamente sobre minha esposa. Então, a beijei com tamanha
intensidade, que por pouco ela não perdeu o fôlego.
Quando eu interrompi o beijo, Melissa se virou e levantou a
mão esquerda, mostrando a linda aliança para nossos padrinhos,
que passaram a aplaudir, com fervor.
“Seu beijo e o desejo em seu olhar
As flores no altar / Véu e grinalda
Lua de mel / Chuva de arroz
E tudo depois / Dama de honra / Pega o buquê
Ninguém mais feliz que eu e você[36].”

São Paulo, SP.


2 semanas depois.

Sou capaz de fazer qualquer coisa para proteger o ser que


carrego em meu ventre.
A defesa do meu ex-namorado recorreu à Justiça para tentar
substituir a prisão preventiva por medidas cautelares, dias depois de
oficializado o meu noivado com Alexandre. Felizmente, o pedido de
habeas corpus foi negado.
Eu estava muito feliz em poder me casar no religioso na
pequena capela de São Pedro, em Fernando de Noronha, ainda
mais pelo fato de Marcos ter sido detido durante pouco mais de três
meses. Porém, eu fui surpreendida por uma chamada originada de
um número restrito, enquanto curtia a piscina do Nannai Resort, o
meu ex informou que o juiz lhe concedeu a liberdade provisória,
determinando o uso de uma tornozeleira eletrônica para fins de
monitoramento.
Como se essa medida inibisse o meu agressor de prosseguir
com as ameaças.
A partir de então, passei a enfrentar um estresse enorme e
minha pressão arterial começou a oscilar. Consultei um médico,
quando passei mal nos dias subsequentes à viagem, ciente de que
essa crise colocava em risco tanto a minha saúde quanto a do bebê,
evoluindo para a pré-eclâmpsia. Uma vez realizado o diagnóstico
precoce, ele prescreveu uma medicação via vaginal, para evitar o
trabalho de parto, além de passado a monitorar a minha pressão
arterial, redobrando os cuidados por ter dado início ao terceiro
trimestre da gestação.
A ex-mulher de Marcos me procurou recentemente para me
agradecer pela iniciativa de denunciá-lo às autoridades. Ela perdeu
o bebê e decidiu reabrir o processo de divórcio, seguindo as
orientações de um advogado, requisitando a guarda unilateral do
filho deles.
Apesar de a medida protetiva continuar em vigor, ele não se
intimidou em manter contato tanto comigo quanto com a ex-mulher,
mesmo à distância. Dias atrás voltou a exigir a quantia cobrada
anteriormente, e também tentou entrar em contato com pessoas
próximas a mim, especialmente com a minha amiga Stefani.
Não tive coragem de pedir dinheiro ao meu pai, ainda mais
após conhecer os filhos dele, que se mostraram pouco à vontade
em estabelecer um vínculo comigo, talvez em respeito à memória da
mãe, que jamais aceitaria conviver com o fruto de uma traição.
Eu pensei a princípio em voltar para a cidade natal da minha
mãe, mas como minha gestação era considerada de risco, me
distanciar muito da capital estava fora de cogitação. O meu pai
possui uma fazenda em Porto Feliz, distante 118 km da Capital, e
com tempo de viagem em torno de 1 hora e meia.
Passar alguns dias em contato com a natureza certamente vai
me fazer bem.
Ele providenciou tudo o que fosse necessário para minha
estadia no local, garantindo assim a minha segurança e o meu bem-
estar. Eu também contarei com o apoio da minha prima e da filha
dela, que concordaram em me fazer companhia na reta final da
gestação.
Fiz todo o possívelpara Alexandre não tomar conhecimento de
absolutamente nada e por sorte ele não fez nenhum
questionamento, quando certo dia arrumei as malas, alegando ter
separado algumas roupas para doação. A minha intenção era sair
do Palácio dos Cedros pelos fundos, seguindo direto até a
propriedade do meu pai, junto com mamãe, a minha prima e a única
filha dela, que tinha dezessete anos de idade.
Enfim, chegou o momento de tentar reconstruir a minha vida
em outro lugar.
A avó de Alexandre era, sem sombra de dúvida, a única
pessoa da famíliaque não me julgaria quando soubesse de toda
verdade. Qualquer um diria que eu poderia ter feito um aborto, ou
até mesmo tentaria me convencer a colocar o bebê para adoção,
opções essas que eu jamais cogitei fazer desde que descobri a
gravidez.
Eu farei o meu melhor para cuidar dele, com ou sem um
homem ao meu lado.
A profissionalque presta o serviço de assistência ao vestir, me
ajudou a colocar o vestido longo de alcinhas bem finas e de
aparência delicada e com toque acetinado, proporcionando um leve
caimento na barra. Uma vez maquiada, faltava apenas o
cabeleireiro dar os últimos retoques no penteado, um coque baixo e
polido, posicionando a tiara toda trabalhada com strass e cristais, no
topo da minha cabeça.
Eu me levantei para conferir o resultado diante do grande
espelho de corpo inteiro, quando de repente escutei o barulho da
porta sendo aberta, e me virei no mesmo instante, observando
mamãe entrar no local, se apoiando na bengala e acompanhada de
perto por meu pai. Ela conseguiu voltar a andar, sentar e a se deitar
sozinha, praticamente.
Mamãe estava deslumbrante, usando um vestido longo rosê,
com mangas borboletas e a cintura marcada alongando a silhueta
dela. Os cabelos grisalhos estavam mais curtos, adotando o corte
Chanel assimétrico, e o cabeleireiro a convenceu a deixá-lo
semipreso, proporcionando leveza e elegância às madeixas dela.
Dona Norma se aproximou de mim a passos lentos e notei que seus
olhos estavam bem marejados.
— Você está... tão linda... meu amor! — declarou, com a voz
embargada.
Eu segurei o rosto envelhecido entre as mãos, encostando a
minha testa na dela, e fechei os olhos, tomada pela mais profunda
gratidão em poder contar com a presença dela no momento mais
especial da minha vida.
— Eu já me sinto profundamente feliz só de ver o quanto a
senhora progrediu na reabilitação, mamãe — A minha voz falhou um
pouco por estar prestes a irromper em lágrimas, mas tentei eliminar
o nó na garganta antes de voltar a falar. — Nossa Mãe maior nos
proporcionou mais uma graça alcançada: a recuperação quase
integral após o AVC.
Quando revelei à mamãe tudo o que aconteceu nos últimos
meses foi como se eu tivesse tirado um grande peso das costas,
apesar de a formacomo ela reagiu à avalanche de informações não
ter sido das melhores. A pressão arterial subiu e ela sentiu um
pouco de tontura, mas a cuidadora prontamente ministrou o
medicamento, contornando a situação a tempo.
— Não pensou em nenhum momento em voltar atrás em sua
decisão, Mel? — Paulo perguntou, inclinando a cabeça ligeiramente
para o lado, para me perscrutar com cautela.

Continuo com o firme propósito de conversar com Alexandre


minutos antes de subir ao altar.
— Eu vou contar a verdade para ele agora mesmo, meu pai —
assegurei, em tom firme, mas as palavras soaram pouco
convincentes até para os meus próprios ouvidos. — Não tenho
forças para enfrentar todas as pessoas lá embaixo, ciente de que
tudo não passa de uma farsa.
— Acho pouco provável que Alexandre leve adiante os termos
do contrato pré-nupcial, especialmente agora que se deu conta do
grande amor que sente por você, querida — supôs Paulo, franzindo
o cenho, pensativo.

— Eu não teria tanta certeza disso, papai — Balancei a


cabeça, duvidosa. — Ele só se comprometeu em formaruma família
comigo porque supôs ser o pai do bebê. Eu me sentiria péssima em
sustentar essa mentira a festainteira... — Usei o lenço para enxugar
o canto dos olhos, me esforçando ao máximo para conter as
lágrimas.
Esta farsa já foi longe demais. Tudo o que eu consegui fazer
foi gerar ainda mais complicações para minha gestação, portanto
precisava resguardar a pouca integridade físicae mental que me
resta, dando plenas condições de o bebê vir ao mundo, sem
maiores intercorrências.
Optei pela omissão ao sentir um medo irracional de perder o
grande amor da minha vida, mas estou em vias de perdê-lo pelo
mesmo motivo.
Parei diante da porta do quarto de vestir, situado no final do
extenso corredor da casa de eventos, e bati rapidamente nela duas
vezes. Não esperei nem um segundo a mais e segurei a maçaneta,
entrando de rompante no cômodo, pegando Alexandre
completamente de surpresa.
— Meu Deus, Melissa, o que faz aqui? — perguntou Alex, ao
se virar para me encarar com os olhos arregalados de espanto.
Notei que ele não estava completamente arrumado, uma vez
que a gravata borboleta pendia solta em torno do pescoço e os
punhos de sua camisa ainda estavam abertos, deixando-o
incrivelmente sexy e charmoso.
— Não quero que haja mais segredos entre nós dois.
— Não dizem que ver a noiva antes do casamento dá azar?
— Eu não estou usando o vestido oficial e nem mesmo me
importo com superstições, Xandy — respondi, me aproximando dele
com rosto contorcido de tristeza. — O que tenho para te dizer é
muito importante... Se eu perceber que não terei o seu perdão após
a nossa conversa, saiba que sairei por aquela porta e nunca mais
voltará a me ver novamente.
— Assim você me assusta, Mel — murmurou ele, fazendo a
sua voz rouca sair arrastada, enquanto me encarava com a testa
franzida. — O que você fez de tão grave assim?
— Eu... na verdade... — Nem bem eu comecei a falar, a porta
do quarto se abriu e Stefani, além de mais quatro meninas, que
também trabalham como comissárias de bordo, já foram logo
entrando de supetão, sem nem pedir licença.
Todas elas usavam vestidos na mesma tonalidade rosé, uma
vez que representavam minhas madrinhas de casamento.
— O seu pai me informou que eu te encontraria aqui, Mel —
Steh falou, ao se aproximar de mim, e me segurou pelo braço,
assumindo uma expressão aflita no rosto. — Peço desculpas pela
interrupção, Alexandre, mas você sabe que a noiva não pode se
atrasar para a cerimônia.
— Será que alguém poderia me dizer o que está acontecendo?
— perguntou Alex, cruzando os braços sobre o peito e direcionou
um olhar cheio de desconfiança para mim.
— É uma longa história, mas prometo que eu contarei tudo
mais tarde — falei bem alto por sobre o ombro, enquanto as
meninas me puxavam pelo braço, me conduzindo para fora do
quarto. — Espero que vocês tenham um bom motivo para me
impedir de conversar a sós com ele, meninas.
Stefani apenas se limitou a andar apressada, quase correndo
na verdade, enquanto me puxava pelo braço, com firmeza. As
meninas nos seguiam logo atrás pelo extenso corredor do
imponente Palácio dos Cedros. Ela me levou até a sacada, com sua
vista privilegiada do enorme jardim da propriedade e pude observar
as cadeiras sendo ocupadas pelos convidados, em sua maioria
pertencentes à alta sociedade paulistana.
A cerimonialista propôs uma decoração clássica na entrada do
Palácio, distribuindo flores, em ânforas e plantadas na passadeira
da escadaria, fazendo um degradê em tons de rosa, nude e chá. O
mobiliário todo em off-whiteproporciona ainda mais delicadeza e
romantismo ao evento do ano.
— Amiga, eu decidi te trazer até aqui para que se conscientize
da grandiosidade da celebração do seu casamento com o grande
amor da sua vida — comentou Steh, alisando o meu braço com
ternura. — Está mesmo disposta a deixar tudo isso para trás?
— Nada e nem ninguém vai me fazer voltar atrás em minha
decisão, Steh — Ergui as sobrancelhas, assumindo uma expressão
sombria. — Não importa se agora ou se mais tarde, tudo o que sei é
que de hoje não passa.
— Fiquei indecisa se eu deveria te contar o que uma das
meninas me disse agora a pouco, Mel... — Ela falou, de repente,
desviando o olhar, constrangida. — Achei que adiar a revelação por
algumas horas fosse o melhor a se fazer diante das circunstâncias,
mas essa decisão só caberá a você mesmo.
— Como assim? — Pisquei algumas vezes, aturdida. — O que
quer dizer exatamente, Steh?
— Marcos foi visto rondando o local e adivinhe só, amiga —
informou, olhando cautelosamente para os lados. — Começou a
circular no grupo a informação de que o juiz autorizou a remoção da
cautelar[37] — prosseguiu, mantendo o tom de voz baixo. — Ele
começou a dizer que a justiça tinha sido feita,quando na verdade foi
uma liberação provisória para uma viagem a trabalho. Pelo visto, ele
retornou a tempo para vir até aqui.
— Então, ele deve ter lido as notícias sobre o meu
casamento... — Pressionei os dedos na testa, sentindo uma leve
tontura, mas respirei bem fundo para me manter calma. — Preciso
pedir ao meu pai para a segurança ser reforçada,mana. Aposto que
o meu ex vai tentar entrar e se misturar aos convidados...
Marcos vai encontrar uma maneira de me atingir, não resta a
menor dúvida disso.
— Eu já falei com o pessoal da segurança, amiga, não se
preocupe. Acho que a cerimônia vai transcorrer tranquilamente, mas
não dá para prever os desdobramentos nas próximas horas.
— Eu vou seguir com o plano, aconteça o que acontecer... —
Falei, desviando o olhar, com o rosto banhado em lágrimas. O vento
cortante do final de tarde fez os pelos dos braços eriçarem, e logo
um arrepio percorreu minha coluna. Cruzei rapidamente os braços
sobre o peito para me aquecer, mas não pude evitar o mau
pressentimento.
Retornei ao quarto e dei continuidade ao processo de
preparação para a cerimônia contando com a ajuda dos
profissionaisenvolvidos na assessoria. O modelo escolhido era bem
comprido e foi confeccionado em tecido mais leve e fluído,com
renda e aplicações de bordado no busto, nas mangas curtas e nas
costas. Como já alcancei o início do terceiro trimestre e desejava
disfarçar o volume da barriga, o decote em “V” no busto e nas
costas poderia concentrar a atenção dos olhares das pessoas
presentes.
Minutos depois, aceitei o braço que o meu pai me ofereceu e
descemos juntos a escadaria da mansão. Nós caminhamos
vagarosamente até o gazebo de arquitetura renascentista ao som
de uma orquestra tocando a marcha nupcial e lancei o olhar por
sobre o ombro, enquanto distribuía sorrisos discretos aos
convidados presentes na cerimônia. Eu logo senti os músculos da
face dormentes de tanto que forcei um sorriso para eles. Pisquei os
olhos depressa, mas as lágrimas começaram a descer
silenciosamente pelo rosto, tomada pela dor de ter que enfrentar as
consequências das minhas ações, levando um evento tão
significativo quanto aquele a uma interrupção abrupta.
O meu coração ficou apertado só de relembrar que duas
semanas atrás eu esbocei um sorriso largo e radiante, expressando
toda a felicidade em poder celebrar a minha união com o homem
mais formidável que eu já conheci e que passaria a me odiar pelo
resto da vida.
Não sei se ele me ama o suficiente a ponto de assumir a
paternidade do bebê, levando em conta que o pai biológico era o
meu então namorado. Considero revoltante o fato de estupros
dentro de relacionamentos amorosos serem pouco debatidos,
simplesmente porque a sociedade naturaliza a violência de gênero,
quando na verdade toda relação sexual não consentida
expressamente pela outra parte se configura numa forma de abuso.
Observei cada um dos rostos conhecidos e desconhecidos,
imaginando quantos deles viriam a saber da minha história,
invalidando que eu realmente fui estuprada, e espalhando
comentários maldosos, com acusações de que enganei Alexandre
deliberadamente, a fim de tentar prendê-lo com o bebê.
E se entre eles estivesse algum membro da família dele?
Esse pensamento me devastou mais do que imaginei ser
possível.
“Eu tentei te assustar, te afugentar
Te mostrei a porta, você me adorou do mesmo jeito
Quando eu estava despedaçada
Você era minha paz de espirito,
Você era minha paz de espirito.”[38]

O meu pai me entregou para Alexandre, após me beijar na


testa de modo afetuoso. Quando finalmente me posicionei à
esquerda dele, o juiz de paz deu início à cerimônia, proferindo o
seguinte discurso:
— Família e amigos, obrigado a todos e todas pela presença
nesta maravilhosa ocasião. Hoje estamos aqui, juntos, para unir
Alexandre Campelo Valadares e Melissa Albuquerque Resende, em
casamento.
A seguir, o magistrado voltou a sua atenção para Alex, antes
de continuar a falar:
— Alexandre Campelo Valadares, você aceita Melissa
Albuquerque Resende como sua companheira em matrimônio?
— Sim, certamente! — respondeu Xandy, abrindo um amplo
sorriso, o que fez reacender uma fagulha de esperança em meu
peito.
— Melissa Albuquerque Resende, você aceita Alexandre
Campelo Valadares como seu companheiro em matrimônio? —
perguntou o juiz de paz, me encarando atentamente por sobre os
óculos.

— Sim, eu aceito — respondi, em um sussurro quase


inaudível.
— Ao longo desta cerimônia, os noivos formalizaram a
existência do vínculo com palavras, e escolheram as alianças como
um símbolo de amor. Ao olharem para elas, lembrem-se do
compromisso selado em compartilhar suas vidas deste dia em
diante, enquanto vocês dois viverem.
— Melissa, com este anel, eu te caso e prometo o meu amor
agora e para sempre — repetiu Alex, colocando a aliança no meu
dedo anelar esquerdo. Senti que a mão ficoutrêmula e sensívelsob
o toque carinhoso dele, estimulando um leve tremor pelo meu corpo.
— Alexandre, com este anel, eu te caso e prometo o meu amor
agora e para sempre — repeti, colocando a aliança no dedo anelar
esquerdo dele, enquanto as lágrimas insistiam em inundar os meus
olhos.
— Pela autoridade que me foi concedida pelo Estado de São
Paulo, eu os declaro marido e mulher. Agora, ambos podem se
beijar!
Era a deixa que faltava para Alexandre me tomar nos braços,
encostando nossos rostos e falou,roçando a minha boca na dele de
forma suave:
— Nós somos oficialmentemarido e mulher, Mel — murmurou,
com a voz rouca e cheia de tesão. Então, ele inclinou o corpo para
frente, se debruçando completamente sobre mim, e me beijou com
tamanha intensidade, que por pouco eu não perdi o fôlego.
Eu tomei a iniciativa de interromper o beijo e segurei o rosto
dele entre as mãos, somente para encará-lo diretamente nos olhos.
— Xandy, jamais duvide do meu amor por você, independente
do que aconteça... — declarei, com firmeza o suficiente para não
deixar nenhuma dúvida sobre a veracidade de minhas palavras.
Não sei se consegui me fazer ouvir, pois nossos convidados
começaram a aplaudir e a formar um círculo à nossa volta para nos
felicitarpelo matrimônio. A seguir, o juiz de paz se aproximou de nós
dois, solicitando a assinatura no livro de casamento, pois só assim a
certidão poderia ser emitida posteriormente. Alexandre e eu
posamos para as lentes dos fotógrafostanto na área externa quanto
na interna da mansão, com seus belos arcos, além das colunas
jônicas adornadas, com entalhes florais em relevo.
Em determinado momento, uma integrante do cerimonial me
conduziu ao quarto de vestir, pois precisava trocar de traje para a
recepção de casamento. Quando eu finalmente fiquei sozinha no
cômodo, peguei o meu celular e verifiquei as últimas notificações,
fora as chamadas perdidas, quando uma delas me chamou a
atenção. A mensagem originada de um número desconhecido foi
enviada minutos atrás. Acessei o aplicativo com o coração batendo
ruidosamente dentro do peito, ciente de que Marcos estava por trás
daquela tentativa de contato.

Nº Desconhecido: Deveria ter sido sensata para o seu próprio


bem, Mel.
Já sabe o que precisa ser feito. Ou prefere que eu faça isso
em seu lugar? A escolha é sua.

Como eu pude amar um homem, que não pensava duas vezes


em destruir a vida de alguém, simplesmente por vingança? —
pensei, me sentindo profundamente culpada por ter sido incapaz de
enxergar os sinais de um relacionamento abusivo.
As minhas mãos tremiam tanto, que eu quase não consegui
digitar uma mensagem para o meu pai, pedindo a ele para monitorar
a circulação de convidados no salão de festas, bem como ficar de
prontidão para o caso de avistar alguém com atitude suspeita.
Qualquer coisa bastava sinalizar os seguranças sobre a
necessidade de agir com discrição, pois não me convinha chamar a
polícia.
Até porque se trata de um assunto particular e não quero
causar nenhum transtorno a ninguém, muito menos à famíliade
Alexandre.
Toquei instintivamente a base do pescoço, dando falta do
escapulário de Nossa Senhora Aparecida, e preso a um colar
delicado folheado a ouro, que mamãe me deu de presente quando
eu completei 15 anos de idade.
Não acredito que deixei o meu amuleto de proteção na casa de
Alexandre. Agora não dá mais tempo — pensei, andando de um
lado para o outro do quarto e passei a tirar e a colocar a aliança no
dedo anelar, com crescente nervosismo.
Conferi se todos os meus pertences estavam dentro da
pequena bolsa de viagem e andei em direção à porta, com passos
incertos de quem procurava adiar ao máximo o momento de deixar
tudo para trás.
Minutos antes eu tinha entrado no quarto do noivo de maneira
intempestiva, mas daquela vez faria diferente. Respirei fundo,
ganhando coragem e bati duas vezes à espera de que alguém
abrisse a porta. Alexandre aparentou estar surpreso em me ver, mas
abriu um amplo sorriso para mim, ressaltando ainda mais as
covinhas de sua bochecha.
— Achei que eu só a veria no salão de festas, amor —
comentou ele, antes de abrir a porta, permitindo a minha entrada no
quarto de vestir. Soltei o ar que havia prendido, me sentindo aliviada
ao perceber que não havia mais ninguém no local. — E por que
trouxe sua bolsa de viagem?
Alexandre tirou algumas partes do traje, como a gravata, o
terno e o colete, ficando apenas com a camisa branca, com as
mangas dobradas até o os cotovelos, e os botões superiores
estavam abertos, deixando parte do peito à mostra.
— Eu decidi vir logo porque Steh e as meninas impediram que
conversasse com você antes da cerimônia — expliquei, esfregando
as mãos uma na outra, incapaz de disfarçar o crescente
nervosismo. — O que eu tenho a tratar contigo é algo muito
delicado, Xandy.
— Você está bastante pálida, Mel ― comentou, expressando
preocupação no semblante. E para minha surpresa, ele me puxou
gentilmente pelo braço e me conduziu até o sofá, posicionado no
lado oposto do cômodo. — Melhor se sentar um pouco...
— Vou direto ao ponto com você, porque estou sentindo um
bolo enorme na garganta, e não aguento mais omitir a verdade
sobre... — Eu me calei de repente, desviando o olhar, com o rosto
banhado em lágrimas. — Não estou esperando um filhoseu, Xandy.
Sinto muito mesmo, você não sabe o quanto...
Alexandre se levantou de um salto do sofá e passou a andar
de um lado para o outro, com os braços cruzados sobre o peito.
— Você me fez acreditar que esse filho que está esperando é
meu, Melissa — O que era para ser uma pergunta, soou mais como
uma afirmação, dita com tamanha frieza, a ponto de fazer o meu
corpo inteiro estremecer. — Faz ideia da gravidade disso? — Ele
parou diante de mim e lançou um olhar amargurado, mas eu me
sentia incapaz de encará-lo nos olhos e os fechei, com toda força,
enquanto sentia as lágrimas quentes descendo vertiginosamente
pelo rosto.
— Tentei te dizer desde o início, mas eu não tive escolha... —
Fui interrompida novamente por ele, que se prostrou de joelhos à
minha frente e me segurou pelos ombros de modo brusco. Virei o
rosto e o encarei, ciente de que veria a dor e a mágoa em suas
feições.
— Também mentiu sobre o tempo de gestação, não foi? —
Dava para notar o músculo latejando no maxilar dele. Eu apenas me
limitei a confirmar com um gesto de cabeça. Alexandre bufou com
desdém e ergueu as sobrancelhas de modo especulativo.
— Entrei na 30º semana de gravidez, Xandy — informei,
encolhendo os ombros, impotente.
Alexandre se inclinou para a frente, mantendo os olhos fixos
em mim e seu rosto se contorceu numa expressão de repulsa.
— Agora tudo se encaixa... você mudou de ideia sobre a
proposta que eu fiz porque já sabia que estava grávida. Acreditou
que fisgar um milionário era a resolução definitiva para os seus
problemas. Parabéns pela conquista!
Apertei os lábios, colocando a mão no ventre e respirei longa e
profundamente, fazendo um esforço enorme para controlar minhas
emoções e não deixar transparecer a dor que eu estava sentindo.
Imagineise ele tinha percebido algo porque afrouxou o aperto em
meu braço, então aproveitei para tirar as mãos dele de cima de mim,
e me apoiei no sofá, tomando impulso para poder ficar de pé.
— No fim das contas, você conseguiu o que queria — Segui
em direção à janela, desejando tomar um pouco de ar puro. Talvez
aliviasse um pouco a sensação de ardência no estômago. — Agora
já possui o controle definitivo da Astramed, afinal o nosso
casamento não passou de um acordo de negócios, não é mesmo?
Alexandre também decidiu ficar de pé e diminuiu a distância
entre nós dois.
— Então foipor isso que esperou o casamento ser consumado
para revelar esse segredo... Que tipo de mulher desceria tão baixo?
— O tipo de mulher que fariaqualquer coisa para proteger a si
mesma e àqueles que ama — respondi, me esforçando ao máximo
para fazer com que minha voz soasse o mais natural possível,
embora o questionamento dele tivesse me atingido em cheio como
um soco no estômago.
— Se proteger contra quem, exatamente? Marcos Gonçalves?
— Notei que a tensão diminuiu um pouco no rosto dele, assim que
ouviu minhas últimas palavras.
— Passei a sofrer ameaças desde o dia em que contei a ele
sobre a minha gravidez... — respondi, sentindo de repente um frio
inquietante percorrer o meu corpo. — Eu fui forçada a ter relações
sexuais completamente desprotegida, Xandy — completei,
esfregando os braços para me aquecer, e me afastei da janela,
evitando receber um olhar de pena, ou pior do que isso, me deparar
com um olhar acusador e descrente.
— Por que você não recorreu a um... — Eu não o deixei
concluir a frase. Sabia exatamente qual era a palavra que viria a
seguir.
Eu esperava ouvir esse tipo de questionamento de qualquer
uma das pessoas presentes na cerimônia, exceto dele. Issome
afetou ainda mais do que imaginei ser possível.
— Decidi prosseguir com a gravidez por diversos motivos,
Xandy — Levantei três dedos para enumerar os principais. —
Primeiro, eu me senti responsável pela vida que está sendo gerada
dentro de mim;segundo, o pai biológico foio meu primeiro amor e o
terceiro, mas não menos importante: o aborto viria de encontro às
minhas crenças...
Alexandre esfregou o queixo e olhou para mim em silêncio,
então virou as costas e parou diante do grande espelho de moldura
dourada, pendurado na parede acima do aparador, observando o
próprio reflexo, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça social.
— A solução é simples: basta prosseguir com o que foi
proposto no contrato pré-nupcial, pedindo o divórcio... — sugeri,
passando as mãos no rosto para enxugar as lágrimas. — Eu vou
assumir as consequências legais das minhas ações, afinal você
investiu tempo e dinheiro nessa união de fachada.
— E quanto ao bebê que está esperando? — A voz dele falhou
um pouco ao formular a pergunta.
Jamais exigiria que ele assumisse o bebê e o registrasse com
seu sobrenome.
— Ele vai continuar se desenvolvendo dentro de mim, não se
preocupe. O meu filho tem a mim, Alexandre. A minha mãe não
precisou do meu pai; eu não precisei dele até outro dia, e tampouco
precisarei de você — E dizendo isso, eu segui até o aparador, tirei a
aliança e o anel de noivado, que estavam unidos no dedo anelar e
os coloquei sobre o móvel.
Os nossos olhares se encontraram, então escutei o eco de um
suspiro, inconformado e perfeitamente audível vindo dele.
— Foi um duro golpe saber que não sou o pai do bebê que
está esperando, não posso negar isso, mas essa sua falta de
confiançadepois de tudo o que vivemos nos últimos meses também
me afetou profundamente.
— Não sei se o que vou te dizer vai mudar o que pensa a meu
respeito, mas eu quero que saiba de uma coisa, Xandy. Eu passei a
amar você de verdade, quando poderia simplesmente ter me
fechado para o amor.
— Melissa... — Alex começou a falar, a voz pouco mais que
um sussurro, mas de repente se conteve.
Achei melhor encerrar a conversa, então eu segui até o sofá
para pegar a bolsa de viagem e sair dali de uma vez por todas.
— Espero que me perdoe algum dia, pelo menos... — Fiz
questão de dizer, lançando um último olhar na direção dele. —
Ainda que não fiquemos juntos.
Quando segurei a maçaneta e entreabri a porta para sair do
quarto, deixei escapar um longo suspiro, sentindo o rosto banhado
pelas lágrimas, mas eu contive um soluço inoportuno a tempo.
Então, fechei a porta e me encostei na madeira, soltando a
respiração devagar, e me controlando ao máximo para o estado
emocional não provocar outro pico de pressão.
— A última coisa que você precisa agora é baixar ao hospital,
Melissa — pensei em voz alta, tratando a mim mesma em terceira
pessoa.
Encontrei minha amiga Stefani no corredor, que me abraçou
longa e afetuosamente, e me deixei confortar nos braços dela,
enquanto era conduzida por ela até os fundos da imponente
propriedade.
O meu pai me convenceu a passar a noite na mansão dele,
situada no bairro Jardim América, um percurso com duração de 30
minutos. Imaginavaque seguir até a fazenda apenas nas primeiras
da manhã seria o certo a se fazer, pois já passava das 18 horas,
mas quando o veículopassou pelo Parque Ibirapuera,eu comecei a
passar mal e fui levada às pressas para a maternidade Pro Matre,
distante 3,5 km e considerada referência em neonatologia e de alto
risco.
Quando cheguei no local, eu fui prontamente atendida pelos
profissionais de saúde do hospital, mas minha pressão estava tão
alta que consideraram melhor me internar, imediatamente. Pediram
para eu aguardar na enfermariaaté a internação sair, então a minha
prima Mabel e a filhadela me ajudaram a sentar na poltrona até que
uma das enfermeiras trouxe um cobertor, o que seria de grande
valia para enfrentar o frio cortante do ar condicionado.
A minha mãe começou a ficarnervosa e insistiu para ficar, mas
eu não permiti.
— Pai, leve mamãe para sua casa e se mantenha atento a
qualquer alteração no estado emocional dela, por favor— falei,com
voz tão baixa, que era quase um sussurro.
— Não precisa nem pedir, minha querida. Também não acho
conveniente que ela permaneça aqui, pois não sabemos quando
terá o bebê. A sua prima vai nos manter atualizados, fique tranquila
quanto a isso.
Dona Norma me deu um longo abraço em meio às lágrimas,
mas aparentava estar mais calma.
— Pedirei fervorosamente à minha Nossa Senhora Aparecida
que interceda em seu favor, concedendo um bom parto, minha
querida — mamãe declarou, comovida.
— Gostaria de te pedir mais um grande favor, meu pai —
comentei, fazendo um gesto para que ele se aproximasse. —
Ninguém pode saber que ficarei internada neste hospital pelos
próximos dias, nem mesmo a minha amiga Stefani, está bem? —
Segurei o braço dele, com firmeza.
Papai fez menção de dizer algo possivelmente para tentar me
fazer mudar de ideia, mas acabou ficando em silêncio e se limitou
apenas a concordar com um gesto de cabeça.
De repente, uma enfermeira se aproximou, avisando que
chegou o momento de realizar os exames de sangue, de urina, além
do ultrassom, dando sequência aos procedimentos de rotina, antes
da minha internação. Os meus pais se despediram de mim e antes
de saírem, passaram algumas instruções à Mabel.
Quando nós duas ficamos à sós, conversamos um pouco,
relembrando alguns acontecimentos do passado, como quando nos
interessamos pelo mesmo colega de escola. Eu me permiti rir um
pouco daquela situação constrangedora, o que aliviou
momentaneamente a tensão de estar em um ambiente hospitalar.
— Não faz mesmo ideia se será menino ou menina, Mel? —
Luísaquis saber, se sentando ao lado da mãe e me encarou, com
os olhos brilhando de curiosidade.
— Nenhuma, minha prima — Balancei a cabeça em negativa.
— A única pessoa que sabe é a minha amiga Cora porque foi ela
quem propôs fazer um “chárevelação”.Saí do Palácio dos Cedros
sem avisar a ela... Não pude me expor no salão de festas, e ainda
me sinto muito mal por isso...
— Sei que o intuito dela era fazer uma surpresa para você e
Alex, mas também não haveria a menor condição de realizar essa
festa, prima. Ela vai compreender, acredite — Mabel ponderou,
apoiando a mão em meu braço, o apertando suavemente para me
confortar.
Mabel Albuquerque sempre foi muito próxima a mim, uma vez
que crescemos praticamente juntas, em Votuporanga. Quando ela
se casou, o marido a convenceu a se mudar para São José do Rio
Preto, cidade mais desenvolvida economicamente, e desde então
perdemos contato. Foi nesse período que eu decidi sair do interior
em busca de melhores condições de vida, e realizar um sonho de
longa data.
O meu vestido foi trocado pela vestimenta do hospital, e após
coletar urina para o exame, aguardei apreensiva pelo resultado, mas
o diagnóstico não foi outro senão pré-eclâmpsia.
O parto vai ocorrer ainda esta noite, dois meses antes do
esperado. Santo Deus!
O médico plantonista pediu o pessoal de apoio me colocar
numa maca. Eles me conduziram às pressas pelo longo corredor,
possivelmente em direção à sala de parto. Mabel e Luísa puderam
nos seguir até o elevador do prédio, e me encorajaram com um
sorriso no rosto além de proferir palavras edificantes. O meu rosto
se iluminou tomada pela mais profunda gratidão por elas
gentilmente terem se disponibilizado a acompanhar minha
internação, o que proporcionou o alívio e o conforto de que tanto
precisava.
Quando as portas do elevador estavam quase se fechando,eu
me despedi delas, com um leve sorriso e um aceno de mão. Levei a
mão à barriga e fechei os olhos com força, fazendo uma prece em
silêncio, de forma fervorosa, pedindo à Mãe Maior que zele pelo
bem-estar e pela saúde do meu bebê.
Senti os olhos se encherem de lágrimas, provocada pelas
lembranças recentes de quando estive no interior, mais
precisamente quando eu estava no jardim da casa de Mabel.

— Eu vou me casar, prima — anunciei, com um sorriso,


exibindo o meu anel de noivado.

— Mas, o quê? — gaguejou Mabel, observando minha mão


direita, e em seguida cobriu a boca, enquanto me encarava com os
olhos arregalados de espanto. — Como assim, se casar? — Eu
baixei os olhos, sufocando um riso, constrangida. — E você só me
conta agora? — Cerrou os dentes, fingindo estar contrariada, e deu
um tapa de leve em meu braço. Eu me limitei apenas a inclinar a
cabeça para o lado, caindo na gargalhada.

— Fico tão feliz por você, Mel! — declarou, empolgada,


segurando minha mão direita, e observou o solitário de diamantes
com admiração no olhar.

A presença dela me deu forças para enfrentar as possíveis


consequências de um parto prematuro, mas quem eu mais queria
que estivesse presente era o meu grande amor.
— Xandy... — murmurei, chorando baixinho. Não consegui
mais me segurar.

Dei livre curso às lágrimas, inconsolável, e o meu peito arfava


em soluços crescentes, que insistiam em irromper da garganta, sem
nenhum controle.
“Você acha que eu te abandonaria, baby?
Você me conhece melhor do que isso
Pensou que eu te desapontaria nos momentos difíceis?
Eu não faria isso.”[39]

Minutos antes...

Melissa foi embora e levou junto uma parte de mim. Levou


nosso filho junto.
Que estúpido eu fui! Ela deixou bem claro que eu não sou o
pai! Meu Deus...
Por um breve momento, imaginei que tudo não passava de um
delírio, mas a verdade me atingiu como um tapa na cara, me
trazendo de volta à realidade.
Eu expus os meus sentimentos de forma livre e totalmente
desinteressada, respeitando o processo dela de superação das
questões traumáticas. Se bem que no fundo o que eu esperava
mesmo era ser digno de alguma consideração, mas ela preferiu
esconder os fatos importantes de sua vida como se não fizesse
tanta questão assim de me ter ao lado dela no futuro.
Como se o que nós dois tivemos não significasse
absolutamente nada!
De repente, eu escutei uma leve batida na porta, e toquei
minha testa, pressionando os dedos nela por um instante, saindo
dos meus devaneios, com um longo suspiro. Stefani colocou a
cabeça pela fresta, pedindo permissão para entrar no quarto de
vestir, o qual foi prontamente aceito. Considerei a presença de Steh
bastante oportuna para preencher as pontas soltas deixadas pela
amiga dela, e quem sabe assim poderia tirar minhas próprias
conclusões, em definitivo.
— Eu quero tentar entender as razões dela, Stefani. Estou
realmente disposto a me esforçar ao máximo, acredite.
— Tive esperanças de que ela ainda estivesse aqui... — Steh
fechou a porta atrás de si, e lançou um olhar furtivo em torno. — O
que você quer saber, exatamente?
— Melissa disse que essa gravidez resultou de uma relação
sexual não consentida...
— Não invalide o que ela afirmou corajosamente, Alexandre.
Se uma mulher disse que foi estuprada é porque de fato ela sofreu
essa violência. O ex-namorado dela apareceu no apartamento justo
naquela noite em que a conheceu no bar, lembra-se?
— Sim... — confirmei, baixando o olhar para o chão,
envergonhado.
— Esse sujeito estava bêbado, mas consciente de suas ações
— explicou Steh, com a voz tensa, e cruzou os braços sobre o peito.
— Eu a encontrei no quarto em um estado deplorável, quando
cheguei pela manhã. Ela não tinha condições de assumir o serviço
na base de Guarulhos. Aliás, ela não conseguiu voltar ao trabalho
nos dias subsequentes ao estupro.
Eu bem que gostaria de acabar com a vida desse desgraçado
usando as minhas próprias mãos.
— Meus Deus, agora tudo passou a fazer sentido… —
murmurei, passando as mãos trêmulas pelos cabelos. — E eu que
pensei que aquele desgraçado só apareceu no prédio onde vocês
moram naquele dia porque estava inconformado com o término do
relacionamento... Então, ela já tinha prestado queixa contra ele?
— Não, na verdade Melissa só foi à delegacia recentemente...
— respondeu Steh, com ar pensativo. — Alexandre, você já sabia
que ela passou por um relacionamento abusivo durante anos, e
mesmo assim desacreditou dela? — indagou, deixando transparecer
certa incredulidade na voz.
— Não foibem assim, Stefani— retruquei, cruzando os braços
na defensiva. — Eu até imaginei que Mel tinha sido coagida a
transar com ele diversas vezes, só não esperava que ela seria
capaz de criar toda uma situação, me levando a crer que engravidou
de mim e não dele.
Stefani estava prestes a dizer algo, quando nós dois ouvimos
uma batida à porta. Deixei escapar um suspiro impaciente com
aquela interrupção repentina, mas achei melhor atender de uma
vez. Era a cerimonialista que apareceu para saber por qual motivo
os noivos ainda não se apresentaram no salão de festas. Eu me
limitei apenas a inventar um pretexto até bem convincente, dizendo
a ela que Melissa ficou indisposta e quis descansar um pouco.
— Peço que por gentileza distraia os convidados o máximo
que puder.
Uma expressão de desconfiança tomou conta de suas feições,
mas ela não se opôs ao meu pedido.
— Ela duvidou que pudesse engravidar algum dia,
compreende? — Steh voltou a falar, assim que voltamos a ficar a
sós. — Não que isso justifique, mas eu acredito que o medo a
impediu de racionalizar, levando em conta que o ex poderia fazer
algo contra ela e o bebê. Se quer saber, eu também teria feito o
mesmo.
— O tal Marcos Gonçalves voltou a procurá-la, não foi? —
perguntei, engolindo em seco para tentar desfazer o grande nó que
se formava em minha garganta.
— Marcos foi solto há poucos dias e passou a usar uma
tornozeleira eletrônica. Só que o desgraçado se atreveu a ameaçá-
la de novo, e inclusive uma das meninas o flagrou rondando o
Palácio dos Cedros.
— Então, nós precisamos avisar a polícia imediatamente —
Saquei o celular do bolso e estava prestes a discar para o número
do Disque-Denúncia, quando Stefani me deteve, segurando o meu
braço com firmeza.
— A advogada dela já está cuidando disso, Alexandre —
protestou ela, com veemência.
— Onde a sua amiga está agora? — Eu a encarei com
expressão intrigada, cogitando se Melissa a impediu de passar sua
localização para mim. — Eu quero me certificar de que ela está em
segurança, Steh.
— Melissa se sentiu profundamente rejeitada por você,
Alexandre. Não acho que esse seja o melhor momento, e acredito
que a essa altura ela já deve ter seguido viagem.
Eu me senti invadido por uma onda de remorso, e fechei os
olhos com força, assim que ouvi as últimas palavras dela.
― O quê? ― perguntei, meio engasgado, piscando várias
vezes, confuso.
— Não posso informar para onde ela foi, eu sinto muito...
Agora eu preciso ir.
Então, Stefani me deixou sozinho, e entregue aos
pensamentos conflituosos.
Passei a massagear os nós de tensão na nuca, na tentativa de
me acalmar e pensar melhor no que faria a seguir. Não me
conformocom o fatode Melissa ter evitado compartilhar os detalhes
sobre os contornos dramáticos do seu envolvimento com aquele
homem.
Será que ela ainda o ama apesar de tudo o que ele fez?
Senti um profundo despeito e o orgulho ferido já consumia as
entranhas até me cegar, por completo.
Eu me aproximei do aparador e peguei a aliança de casamento
e o anel de noivado dela e os guardei dentro do bolso da calça
social. Então, o meu olhar recaiu na pequena caixa personalizada
que recebi de cortesia da empresa responsável por confeccionar as
lembrancinhas dos padrinhos de casamento, contendo uma garrafa
de whisky Jack Daniels, um charuto, o cortador dele, uma gravata,
com as iniciais M & A além da data do casamento. A inicial do meu
nome me fez lembrar da noite de sábado de Carnaval, quando levei
Melissa para jantar em um dos melhores restaurantes de Trancoso.
Melissa se surpreendeu ao ver a letra A tatuada na base do
meu polegar, e seu simples gesto de circular a letra com a ponta do
dedo, provocou um tremor involuntário por todo o meu corpo, e foi
justo no dia em que nos beijamos pela primeira vez.
Apanhei a garrafa de uísque, abri a tampa para em seguida
encostar a boca dela nos lábios, bebendo um longo gole da bebida.
Soltei um suspiro trêmulo, andei até o sofá e me sentei na beirada,
curvado o corpo para a frente, e com os cotovelos apoiados nas
coxas.
Então, a minha memória foimais além, especificamenteno dia
em que viajei à Nova York. Eu estava dormindo, quando de repente
acordei e me deparei com Melissa seminua e montada em cima de
mim. Afinal, ela não tinha mais tempo a perder e só voltou atrás na
minha proposta de assinar o contrato, visando apenas atribuir uma
paternidade falsa.
Uma foda rápida e desprotegida garantiria que o otário aqui
passasse a acreditar que seria pai — ironizei, com os lábios
retorcidos em um sorriso cheio de sarcasmo. Os meus olhos ardiam
com as lágrimas reprimidas, mas eu as sufoquei, entornando a
garrafa num só gole.
De repente, a porta se abriu e minha irmã já foi logo entrando
de rompante, e se aproximou do sofá, sem deixar de me encarar
com uma expressão de assombro no rosto.
— O que houve, Xandy? — Gesticulou, nervosa, ao falar. — A
cerimonialista se mostrou bastante preocupada com a ausência de
vocês no salão de festas.Achei que Melissa estivesse com você. Eu
não encontrei os familiares dela em parte alguma...
— Não sei para onde ela foi... — murmurei, a voz pouco mais
que um sussurro. — Eu vou descer e avisar a todos que a recepção
do casamento está cancelada.
— Como assim? — gaguejou ela, me encarando como se eu
tivesse enlouquecido de repente. — Que loucura é essa, mano?
— A minha adorável esposa esperou oficializar a união para
me contar que eu não sou o pai do bebê que está esperando —
respondi, com a voz um pouco mais sarcástica do que gostaria.
— Me conta essa história direito, Xandy — pediu, sacudindo a
cabeça, assumindo uma expressão confusa no rosto — Onde ela
está agora?
— Ela foi embora, Alê, simples assim... — Eu dei de ombros,
mostrando indiferença. — Só esperou o casamento ser consumado
para me contar, porque possivelmente o ex-namorado ameaçou
revelar toda a verdade no lugar dela.
— Mas que barbaridade, meu Deus... — Alessandra cobriu a
boca, horrorizada.
Quando ela se sentou ao meu lado, e colocou uma mão em
meu ombro, eu não me contive e cobri o rosto com as mãos, me
rendendo ao choro silencioso. Alessandra me fez apoiar a cabeça
no ombro dela, tentando me confortar, mas o meu peito arfava em
soluços crescentes, que insistiam em irromper da garganta, de
forma incontrolável.
Eu nunca me permiti ficar vulnerável na presença dela antes,
mas a dor já me consumia tanto por dentro, que em algum momento
eu extravasaria, colocando todo meu autocontrole à prova.
— Você não pode ficaraíparado, enquanto ela desaparece da
sua vida, Xandy — ponderou Alê, afagando minhas costas com
suavidade, enquanto os soluços me sacudiam. — Então, o que
ambos viveram juntos ao longo dos meses não significou nada para
você?
— Ela me enganou durante todo esse tempo, Alê! — protestei,
profundamenteressentido. — Como você esperava que eu reagisse
ao saber de toda a verdade?
— Melissa errou ao omitir essa informação, eu concordo com
você, mas tente se colocar um pouco no lugar dela, por favor —
ponderou, se afastando um pouco, apenas o suficiente para erguer
meu rosto, me forçando a encará-la diretamente nos olhos. — Ela
estava sendo chantageada pelo ex-namorado e encontrou em você
um porto seguro, ainda mais quando você presumiu que ela
esperava um filho seu — prosseguiu, esboçando um sorriso
encorajador. — Se ela não o denunciou antes foi por medo de
enfrentartodo o escrutíniodas autoridades e de conhecidos, porque
nós dois sabemos bem como a sociedade trata as mulheres vítimas
de violência.
Deve ter sido mesmo desesperador para Melissa se deparar
com uma série de problemas financeiros assim que descobriu a
gravidez, levando ao seu afastamento do trabalho, sem contar a
responsabilidade de arcar com os tratamentos da mãe doente.
— Sempre tão sensata, mana — declarei, tomado pela mais
profunda gratidão e dei um beijo afetuoso na testa dela. — Stefani
me contou que Marcos foi visto rondando a casa de eventos.
Preciso me certificarde que esse sujeito não faránenhum mal a ela.
Coloquei a garrafa de uísque no chão e tirei meu celular do
bolso, então disquei o número do professor, o de Stefani, e por fim,
o de Melissa, mas nenhum deles atendeu a minha chamada.
— A ligação está caindo direto na caixa postal, mana. Issoé
muito estranho...
— Então, nem adianta enviar mensagem porque eles
certamente não estão online.
— Eu vou te pedir um grande favor, Alê — Dei um salto, me
levantando do sofá. — Eu vou até a casa do pai dela tentar obter
alguma informação com os empregados. Enquanto isso, você
poderia informar os convidados sobre o cancelamento da festa,
juntamente com um pedido de desculpas?
— Pode deixar que eu cuidarei de tudo aqui, até você voltar —
Ela também ficou de pé e me deu um abraço apertado. — Vou ficar
na torcida para vocês dois se acertarem.
Encontrei os meus pais, vindo na direção oposta, mas como
não tinha mais tempo a perder, disse a eles que Alessandra poderia
explicar toda a situação, posteriormente.
Quando eu alcancei o estacionamento, pedi para o manobrista
pegar o meu carro, mas repentinamente senti alguém cutucar o meu
ombro, e quando me virei para ver de quem se tratava, reconheci de
imediato o ex-namorado de Melissa, Marcos Gonçalves.
Como da última vez em que o vi, Marcos mantinha o rosto
coberto pelo capuz de sua jaqueta bomber, além de usar um boné
na cabeça, completando assim o disfarce.
— Eu estava mesmo louco para rever você, seu desgraçado!
— murmurei, entredentes, fechando os punhos com firmeza até
sentir os dedos formigarem.
— Fiz questão de vir dar meus parabéns aos recém-casados
— disse o sujeito, batendo palmas, numa ironia e deboche
evidentes. — Melissa conseguiu mesmo o que queria. Conseguiu
fisgar um dos homens mais ricos do país, com uma gravidez de
brinde.
— Mantenha o nome da minha mulher fora da porra da sua
boca! — ameacei, sentindo o rosto queimar, convulsionado pela
raiva.
— E por falar nela, eu não a vi em parte alguma — falou,
ostentando um sorriso cínico, enquanto olhava para os lados.
Depois, ele voltou sua atenção para mim e notei que o maxilar dele
enrijeceu, perceptivelmente. Olhei para os pés dele, mas não pude
ver se usava uma tornozeleira eletrônica ou não, mas o mais
provável era que o juiz tenha determinado a remoção da cautelar.
Ele não seria louco de se expor tanto ao vir até aqui. Ou seria?
Havia um brilho perigoso nos olhos dele, mas não me deixaria
intimidar por isso.
— Fique bem longe dela, me ouviu bem? — Eu levantei o
braço e apontei o dedo em riste na direção dele e lhe lancei um
olhar furioso. — De quanto você precisa para sumir de uma vez por
todas? Diga-me qual é o seu preço, Marcos.
Ele assobiou, visivelmente impressionado, e enfiou as mãos
nos bolsos frontais de sua jaqueta bomber.
— Você a ama tanto assim, playboy? — Cruzou os braços
sobre o peito, e lançou um olhar inquisitivo para mim. — Eu pedi
R$100 mil, o que convenhamos é um valor bem razoável, mas ela
preferiuassumir o risco de ser desmascarada em plena recepção de
casamento, acredita?
— Eu poderia fazer uma transferência eletrônica agora
mesmo, mas quem me garante que vai cumprir com sua parte do
acordo? — perguntei para além do ombro dele, e percebi os
seguranças olhando em nossa direção, e rapidamente fiz um sinal
discreto para eles se aproximarem.
Marcos olhou para mim com desconfiança, depois se virou,
observando os seguranças vindo em nossa direção, e tentou me
empurrar, na tentativa de fugir pelo lado oposto, mas eu
rapidamente o agarrei e desferium soco bem no meio do rosto dele.
Era a deixa que faltava para ter o prazer de quebrar a cara
daquele desgraçado.
Fechei o punho de novo e esmurrei o queixo dele por mais três
vezes, descarregando todo o ódio que sentia, um instinto feroz se
apoderou de mim, me cegando completamente. Eu estava prestes a
desferir um soco pela quarta vez, quando senti alguém agarrar
firmemente o meu braço por trás.
— Já é o bastante, seu Alexandre — Um dos seguranças
disse, em tom incisivo.
— Os policiais já estão vindo, não se preocupe — Disse o
colega, que virou Marcos de costas e se ajoelhou sobre ele, o
mantendo imobilizado no chão.
Já esperava ter que ir à delegacia para prestar depoimento,
pois pesava sobre mim a acusação de agressão. Mas eu não me
arrependo do que fiz, muito pelo contrário, eu me sinto aliviado em
tê-lo surrado com minhas próprias mãos.
Uma vez no local, os policiais nos conduziram até a sala do
delegado, e explicaram a ele resumidamente tudo o que aconteceu.
Então, o oficial consultou o sistema e informou que outra equipe já
estava em diligências desde cedo, na tentativa de localizá-lo, mas
sem sucesso.
— Esse sujeito já esteve preso após ter descumprido a medida
protetiva de urgência, em face da ação judicial movida contra ele
pelos crimes de importunação sexual, ameaça, difamação, e
identidade falsa.

Quer dizer então que pesava sobre ele todos aqueles crimes?
Meu Deus!
Olhei bem para Marcos Gonçalves, que permanecia sentado
no canto da sala, com as mãos algemadas atrás das costas. Uma
onda de repugnância profunda se abateu sobre mim, me fazendo
sentir uma leve tontura.

Eu não vou sossegar até ver esse desgraçado apodrecer atrás


das grades.

— A vítima é a minha esposa, doutor. Esse sujeito conseguiu


entrar no Palácio dos Cedros, apesar de a segurança ter sido
reforçada, e ainda por cima tentou me extorquir, exigindo que eu
transferisse R$100 mil.

— Mesmo assim, o senhor agiu errado ao partir para a


agressão, seu Alexandre. O advogado dele já está a caminho e
pode até mover um processo em defesa do cliente, uma vez que o
ato praticado se enquadra no crime de lesão corporal de grau leve.
Mas não se preocupe, o máximo que pode acontecer é a pena ser
revertida em multa.

Permaneci na sala durante quase uma hora, prestando meu


depoimento, acompanhado pelo meu advogado, e este último me
alertou sobre a possibilidade de vir a ser intimado a comparecer a
uma audiência no juizado especial criminal, uma vez que Marcos
decidiu prestar uma queixa de agressão.

Já passava das oito da noite, quando deixei o distrito policial,


mas eu me sentia tão esgotado físicae psicologicamente, que achei
melhor voltar para casa. Tomei um banho rápido e conferi as
notificaçõesrecebidas no meu celular, mas não considerei nenhuma
delas importante. Os meus pais e Alessandra fizeram várias
tentativas de contato, mas o meu celular ficou no modo silencioso
durante boa parte do tempo. Eu me limitei apenas a enviar uma
mensagem de texto no grupo da famíliapara tranquilizá-los, embora
a situação envolvendo Melissa continue indefinida, pelo menos até
que eu descubra o paradeiro dela.

Decidi ligar para o número fixo do meu professor, e uma


empregada atendeu ao telefone, informando que o patrão fez uma
viagem, com retorno previsto para o final do dia seguinte. Como ela
não soube me dizer para onde ele foi, eu lhe pedi que pelo menos
me passasse o contato de um dos filhos dele. O meio-irmão de
Melissa atendeu a chamada e se mostrou um pouco reticente, mas
eu não desistiria de arrancar qualquer informação sobre o paradeiro
da minha mulher.

— Eu estou desesperado, Felipe! — A minha voz saiu


estridente e alta, tamanha angústia que estava sentindo. — Por
favor eu imploro, me diga para onde eles foram!

— Meu pai me pediu para não revelar a localização deles para


ninguém, e muito menos a você, Alexandre. Eu sinto muito mesmo,
mas não posso te ajudar.

— Você se tornou pai recentemente, então deveria se colocar


um pouco em meu lugar, Felipe. Eu me sinto culpado por ter
deixado minha mulher ir embora com o estado emocional abalado.
Só queria me certificar de que ela está bem, especialmente agora
que entrou na 30º semana de gestação.

— Eu compreendo perfeitamente,mas... — Houve um instante


de silêncio do outro lado da linha, seguido por um longo suspiro.
Suspendi a respiração, com o coração batendo descompassado
dentro do peito, consumido pela ansiedade em não saber o que ele
diria a seguir. — Tudo bem, eu vou te passar por mensagem o
endereço da fazendadele, no municípiode Porto Feliz — Esgotado,
eu me deixei cair sobre o colchão e agradeci a ele quase aos
prantos.

Não demorou muito para sentir o sono chegar, já vencido pelo


cansaço.
“Você é o meu número um
E você pode segurar meu dedo com seus dedinhos
E apertar bem forte
Oh, você é o meu número um
E você pode segurar meu dedo com seus dedinhos
E apertar bem forte
E você ficará bem[40]”.

O som intermitente do toque do celular me despertou, embora


tivesse a leve impressão de não ter dormido mais do que três horas.
Eu me sentei na cama e olhei em volta, tentando me situar no tempo
e no espaço, enquanto os olhos se acostumavam à claridade
artificial que fazia no quarto. Então, os acontecimentos da noite
anterior vieram à mente em um turbilhão, e rapidamente eu estendi
o braço para pegar o aparelho na mesa de cabeceira. Franzi a testa,
me sentindo ainda meio sonolento, ao constatar que a chamada
vinha de um número desconhecido.
— Bom dia, Alexandre, tudo bem? — A voz feminina parecia
vagamente familiar, mas não reconheci de imediato. Decidi aguardar
que ela mesma se identificasse. — Eu sou Mabel Albuquerque, a
prima de Melissa, não sei se ainda se lembra de mim...

— Graças a Deus alguém decidiu me dar notícias dela! —


Relaxei os ombros e soltei um longo suspiro de alívio. — Eu soube
que vocês seguiram para Porto Feliz... É verdade?

— Não conseguimos prosseguir viagem... — respondeu, com


certa cautela. — Melissa deixou o celular dela comigo e nem
imagina que estou falando contigo agora. Mas eu não achei justo
esconder uma notícia tão importante, especialmente diante das
circunstâncias.

— Co...como assim? — balbuciei, piscando várias vezes,


confuso. — Onde vocês estão, Mabel? — Eu praticamente dei um
salto da cama, fazendo o meu coração bater disparado dentro do
peito.

— Nós estamos na Pro Matre — respondeu ela, em tom grave.


— O bebê veio ao mundo por meio de uma cesárea de emergência
por causa da pré-eclâmpsia, Alexandre.

Sequer me passou pela cabeça a possibilidade de o bebê


nascer antes da hora, afinal, Melissa aparentemente teve uma
gestação tranquila, sem ganho de peso significativo, pois seguiu
todas as orientações da ginecologista durante o acompanhamento
do pré-natal, além de ter realizado algumas atividades normalmente.

— Então, por favor, me diga que eles estão bem, sim? —


supliquei, com a voz embargada pela emoção de saber que o meu
filho acabou de nascer.

Meu filho! — Pensei, comigo mesmo, sentindo um profundo


estremecimento se espalhar sutilmente pelo corpo. Tão natural
quanto a luz do dia foi a forma como essas duas palavras me vieram
à mente.

— Ela nasceu com 1,5 quilo e 41 centímetros e permanece na


UTI neonatal.

— Então, minha mulher deu à luz a uma menina? Eu vou até


aí agora mesmo.

— Espero que não me leve a mal, Alexandre, mas eu sugiro


que aguarde pelo menos mais três dias, antes de vir visitá-la. Ela
continua sendo monitorada na UTIAdulto, pois foi diagnosticada
com a síndrome de HELLP
, uma complicação grave da pré-
eclâmpsia.

Santo Deus! Não vou aguentar ficarlonge delas duas nem por
um dia sequer.

— Fico muito grato por você ter me ligado, mas eu não ficarei
aqui de braços cruzados à espera de notícias— E, dizendo isso, eu
encerrei a chamada e corri até o closet. Optei em usar uma calça
chino de sarja na cor cáqui, combinando com a camisa polo azul-
escuro da Lacoste, além do tênis de cano baixo na cor branca.

Permaneci na sala de espera até o médico plantonista


aparecer para dar o boletim médico, uma vez que Melissa autorizou
apenas a prima dela a permanecer no hospital na condição de
acompanhante.
— Uma pena o senhor ter chegado após o horário
estabelecido para visitas na UTI Adulto. É permitida a presença
todos os dias, das 14h às 15h, e das 20h às 21h.
A minha única reação foipassar a mão pelos cabelos, sentindo
um misto de impotência e frustração, ao mesmo tempo.
— Eu entendo perfeitamente, doutor — falei, fingindo uma
aparente naturalidade. — Jáserá de grande valia se o senhor puder
me informar o estado de saúde da minha esposa e do nosso bebê.
— O senhor, sendo o marido da paciente, não sabia que ela
estava enfrentando uma gravidez de risco? — perguntou o médico,
incapaz de conter a curiosidade.
— Eu fui pego de surpresa e não sabia a real dimensão das
condições dela durante a reta final da gestação — expliquei, unindo
as mãos atrás das costas, visivelmente constrangido.
— Bem, mesmo após o parto, a pressão dela chegou a 18 por
9. Desde então, ela segue em observação, mas geralmente o
quadro das parturientes se reverte em melhora clínica após alguns
dias.
O médico relatou ainda que as 72 horas subsequentes ao
parto são extremamente críticas, tendo em vista a possibilidade do
agravamento do quadro da Síndrome HELLP , decorrente do
consumo de plaquetas e fatores de coagulação. Felizmente, a
equipe multidisciplinar mantém um acompanhamento constante,
garantindo todos os cuidados necessários.
E quanto à minha filha,o fatode ela ter nascido com menos de
34 semanas de gestação exigiu sua permanência na UTINeonatal,
acomodada no berçário e ligada a um aparelho para manter a
função respiratória. A perspectiva é a de que ela seja liberada, tão
logo atinja o peso ideal, mas até lá ela vai receber o leite materno
por meio da sonda gástrica.
— Sei que se sente bastante ansioso nesse momento, mas
precisa ser paciente e ter plena confiança em nosso trabalho — Ele
apoiou a mão em meu ombro, e me dirigiu um sorriso reconfortante.
— Toda a equipe médica e multiprofissional está empenhada no
pleno restabelecimento de mãe e filha. Retorne daqui a três dias,
quando possivelmente o bebê estará mais estável, permitindo que
vocês possam estabelecer o contato pele a pele.
O meu rosto se iluminou ainda mais como resposta, me
permitindo sentir um vislumbre de esperança preencher o meu peito.

O meu pai já tinha agendado uma reunião na sede


administrativa da Astramed Medicamentos, uma vez que faltavam
apenas três meses para o períodode transição chegar ao fim,como
resultado de sua saídarepentina do comando por motivos de saúde.

Todos os membros do conselho corporativo além dos


principais diretores e acionistas estavam presentes, pois finalmente
decidiram pela minha permanência no cargo, validando os esforços
empreendidos por mim durante o período em que estive à frente do
comando da empresa.
— Alexandre assumiu o cargo às pressas, mas ao longo dos
meses se mostrou capaz de continuar o meu legado, preparando
um terreno fértil para as futuras gerações — meu pai declarou,
assumindo à cabeceira da mesa da sala de reuniões. — Portanto,
na condição de Presidente do Conselho de Administração, informo
que os membros decidiram com unanimidade pela promoção de
Alexandre Campelo Valadares como CEO definitivo do grupo
Astramed.

Os presentes aplaudiram entusiasmados e me parabenizaram


pela conquista.

Decidi ficar de pé, levei a mão direita ao peito, e inclinei minha


cabeça, em sinal de gratidão.

— Quero informá-los de que o plano de sucessão passará por


mudanças, dando aos herdeiros plenas condições de competir pelo
cargo mais elevado da empresa, sem que haja nenhuma imposição
discriminatória. Alessandra assumiu o comando diversas vezes,
sempre com muita competência e comprometimento, portanto todos
devem continuar se reportando diretamente a ela, em minha
ausência.

Quando a reunião terminou, e os membros do conselho


corporativo deixaram a sala, eu resolvi me despedir logo do meu pai
e de Alessandra, uma vez que assumi o compromisso de ficar o
mais perto possível da minha esposa e do bebê,
independentemente das circunstâncias.

— Mande lembranças por mim, e avise a ela que pretendo


visitá-la tão logo seja possível, mano — Alessandra apoiou a mão
em meu ombro, com suavidade.

— Parabéns, papai! — meu pai disse, fervorosamente e me


puxou para um longo abraço. — Boa sorte! — Saber que ele torcia
pela minha felicidade, acima de qualquer outra coisa, fez com que
eu sentisse a esperança renovada dentro do peito.

E pensar que eu nem consegui dormir direito nos últimos dias,


mas felizmente a espera parecia ter chegado ao fim.

Decidi comprar uma lembrancinha na loja da maternidade. Saí


de lá com um urso de pelúcia tamanho mini e uma ursa maior
agarrada ao seu filhote. Assim que a recepcionista autorizou a
minha entrada, encontrei Mabel e a filhadela na cafeteria,e as duas
me cumprimentaram de maneira cordial.

A minha intenção era convencer a prima dela a realizar uma


troca, permitindo que eu a substituísse como acompanhante, uma
vez que os visitantes possuem restrição de horário.

— Você chegou em boa hora mesmo, Alexandre — disse


Mabel, animadamente. — Melissa foi transferida para a Unidade
Semi-Intensiva do hospital.

— Não sabe o quanto eu fico feliz em saber disso! — declarei,


com empolgação na voz, enquanto faziao meu pedido no balcão. —
Eu quero passar a maior parte do tempo no quarto dela, caso não
se importe, é claro... — completei, olhando para ela, cheio de
expectativas.

— Bem, Melissa deu o meu nome no momento da internação...


Além disso, a gente ainda não sabe como ela vai reagir à sua
presença, Alexandre.

— Ah, compreendo perfeitamente — falei, com certo


constrangimento, enquanto adicionava um sachê de açúcar na
xícara de café. Em seguida, peguei uma colher e mexi o líquido
fumegante, distraidamente.

Poucos minutos depois, uma das enfermeiras apareceu na


sala de espera, perguntando se eu tinha interesse em fazer o
método canguru, e prontamente eu aceitei, sentindo uma emoção
indescritível brotar no peito. Durante o caminho até a UTIneonatal,
ela explicou no que consiste este método, que visa estreitar ainda
mais os laços entre os pais e o recém-nascido, visando a plena
recuperação dele através do contato pele a pele. Essa prática
também possibilita o desenvolvimento neuropsicomotor e o ganho
de peso, diminuindo assim o tempo de internação.

Ela me entregou um kit composto por roupa hospitalar e touca,


e deu algumas orientações sobre tudo o que poderia ser feito
durante o tempo de visita. Eu me sentei na poltrona ao lado da
incubadora, sentindo o meu coração disparar dentro do peito, ante à
expectativa de ter a minha filha nos braços, estabelecendo um
vínculo maior com ela e lhe transmitindo o calor e o afeto de que
tanto precisava, embora prevalecesse a angústia por não saber se
poderei fazer parte da vida dela.

Quando minha filha deitou a cabeça em meu peito, a


enfermeira ajeitou os cobertores pesados e quentes para nos
envolver, uma vez que ela estava fora da incubadora, um meio
aquecido e que simula um ambiente semelhante ao intraútero para
manter a temperatura corporal adequada. Senti um calor imediato
irradiar entre nós dois, seguido por uma sensação indescritível de
descoberta preenchendo cada célula do meu corpo.

A descoberta de que o amor é um sentimento tão sublime, algo


que nos preenche e nos leva a compartilhar livremente de boa
vontade, sem estabelecer limites ou qualquer tipo de condição.

— Você e sua mãe passaram por algumas turbulências, mas


graças a Deus já estão fora de perigo — sussurrei, lançando um
olhar amoroso para o bebê, e deslizei a ponta dos dedos
suavemente pelos fios ralos e finos de seu cabelo. Ele mantinha os
olhos fechados e a boca levemente entreaberta, mesmo estando
entubado, uma vez que necessitava da ventilação mecânica para
poder respirar melhor. — E de turbulências a sua mãe entende bem,
sabia disso? — complementei, rindo e chorando ao mesmo tempo.
Senti uma vontade irresistível de beijar o topo da cabeça, em meio
às lágrimas.

— Alexandre, o que está fazendo aqui? — perguntou Mel, com


um tom de voz débil, e ao virar meu rosto na direção da porta, notei
que ela estava parada nos observando, visivelmente assustada.

Melissa se aproximou lentamente, enquanto segurava o


suporte para medicação, uma vez que a veia dela foi puncionada
para o alívio das dores do pós-parto.
— Eu entrei em desespero quando soube que passou por uma
cesárea de emergência, Mel — A voz saiu como um lamento rouco,
tomado por uma sensação angustiante, devido ao receio de ela
impedir minha presença no local. Senti os meus olhos arderem
pelas lágrimas reprimidas, seguido por um forteaperto no peito, que
insistia em me sufocar, dificultando a passagem de ar para os
pulmões.
Pensei em falar algo mais, quando de repente a enfermeira
retornou, informando que precisava verificar a temperatura da
recém-nascida, e mesmo com cobertores pesados e quentes nos
envolvendo, ela acabou sendo colocada de volta na incubadora.
— Vocês já escolheram o nome dela? — perguntou a
enfermeira, encarando ora para mim ora para Mel, com evidente
curiosidade no semblante.
Melissa passou o braço pela portinhola do tipo “íris”
da
incubadora, que permitia o contato direto com o bebê, e logo a
pequena mão agarrou o dedo dela bem forte, desencadeando em
mim uma nova torrente de lágrimas. Eu me posicionei diante da
cúpula e também enfiei o meu braço pela abertura, tocando
suavemente os dedinhos do pé de nossa filha. Como os recém-
nascidos possuem a capacidade visual reduzida, eles precisam usar
uma venda nos olhos, enquanto estiverem na UTI neonatal.
Eu me atrevi a lançar um olhar de esguelha para Mel, e senti
um profundo alívio ao notar um sorriso se insinuando no canto dos
lábios dela.
— A gen...te não sabia se seria um menino ou uma menina...
— Minha esposa quase gaguejou, constrangida.
— Vocês nem mesmo chegaram a discutir os possíveisnomes
para o bebê? — perguntou a enfermeira, o tom de voz denotando
surpresa e incredulidade ao mesmo tempo.
Nós dois nos entreolhamos em um momento de cumplicidade
mútua.
— A minha féem Nossa Senhora me deu forçaspara enfrentar
o parto prematuro, por isso eu quero homenageá-la, escolhendo um
nome composto por Maria... — Mel perscrutou em mim um olhar
cheio de expectativas. — O que acha, Xandy?
— Então, que tal Maria Ísis?— sugeri, buscando a mão dela, e
entrelacei seus dedos aos meus, com firmeza. — Pesquisei o
significado de alguns nomes e gostei bastante de Ís
is porque
simboliza o amor maternal e a fertilidade.
— Maria ÍsisResende... — Melissa começou a falar, mas se
deteve no sobrenome dela, então rapidamente eu complemente em
alto e bom som:
— Valadares — Encostei os lábios ao ouvido, fazendo o hálito
quente contra a orelha provocar um leve estremecimento nela. —
Maria Ísis Resende aladares.
V
— Não acho que seja... — Havia uma nota de apreensão na
voz, mas não esperei ela terminar a frase.
Eu senti um impulso irresistível e segurei o rosto dela entre as
mãos, tomando o devido cuidado para não provocar nenhuma dor
além da que era inerente do pós-parto.
— Pretendo criar o bebê como sendo meu, porque eu amo
tudo o que vem de você, amor — murmurei, roçando a minha boca
na dela de forma suave. — Peço perdão por ter duvidado das suas
motivações, e espero que não me impeça de fazerparte da sua vida
e da pequena Maria Ísis.Suplico que me perdoe, eu não suportaria
viver sem vocês duas... — Os meus lábios se apossaram dos dela,
fazendo pressão suficiente para dissipar todas as angústias e os
receios que ela ainda sentia dentro de si.
De repente, alguém pigarreou, quebrando todo o clima e nos
trazendo de volta à realidade.
— Mãezinha, não se esqueça de que ainda está em fase de
recuperação... — repreendeu a enfermeira, fingindo seriedade. —
Precisa voltar para o leito da Unidade Semi-Intensivaagora, mas se
preferir o seu esposo pode lhe fazer companhia.
— Não sabe o quanto desejei que pudesse estar aqui, Xandy
— Mel parecia ignorar o alerta da enfermeira, desabafando com a
voz embargada e quase inaudível.

Ela abriu os braços e se moveu em minha direção, mas eu


rapidamente a envolvi num abraço, sendo cuidadoso o bastante
para não provocar uma dor além da que já era decorrente do pós-
operatório.

— Eu jamais vou me distanciar de você, amor — Fiz questão


de assegurar, com a voz abafada de encontro ao ombro dela e
respirei bem fundo, sentindo o cheiro delicioso de sua pele.

Nós dois nos afastamos um pouco, apenas o suficiente para


lançar um último olhar na direção da nossa pequena Ísis,que
dormia placidamente na incubadora. Eu constatei naqueles
preciosos segundos, a dádiva de poder formar uma famíliacom a
mulher que eu amo.
“Por um instante minha vida
Se fez mais bonita
Quando você chegou
Lá onde as estrelas dormem
A gente tem sorte
De encontrar amor[41].”

1 ano e meio depois...

Maria Ísisfoi liberada da UTINeonatal, quando os médicos se


certificaram de que ela havia atingido o peso ideal, e seus órgãos já
estavam mais fortalecidos, dispensando o auxílio da sonda e
respirando sem a ajuda de aparelhos. Eu felizmente consegui
proporcionar leite para minha filha, em algumas mamadas durante
as quatro semanas de internação dela na maternidade.
E por falar na amamentação, as primeiras semanas foram
difíceis,eu senti muita dor, porque o simples ato de sugar o leite
provocou fissuras no mamilo, uma vez que a boca do bebê
prematuro por ser muito pequena não envolve completamente a
aréola. Consegui me adaptar aos poucos, graças à equipe de
enfermagem, que me ensinou a maneira correta de amamentar.
Resolvi dar de mamar durante a decolagem, pois a pressão
nos tímpanos pode ser prejudicial à audição do bebê, e o pediatra
me aconselhou a mantê-lo sempre sugando algo até mesmo
durante a aterrissagem. Mantive Ísisdeitada em meu colo, com a
cabeça apoiada no meu braço esquerdo, e passei a observá-la
mamando no seio, sorrindo internamente, com o coração
transbordando de emoção.
A turbulência já passou e agora vejo minha vida numa
perspectiva nova, com mais leveza e positividade. Suspirei bem
fundo, e me permiti relaxar um pouco, encostando a cabeça na
poltrona de couro do jato executivo. Havia outras pessoas no
lounge, e elas conversavam animadamente: Stefani, Alexandre,
Mabel, Luísa,os meus sogros, os meus pais, a minha cunhada, o
marido dela, os dois filhos e a babá deles.
Nós vamos passar o final de semana no Haras da vovó Olívia.
Quando Ísisterminou de amamentar, a deixei em pé no meu
colo e ela começou a olhar a paisagem, esticando o bracinho na
direção da janela, como se quisesse tocar as nuvens brancas
amontoadas no céu, parecendo algodões doces gigantes. Ela agora
está com está com 1 ano e 3 meses, e graças a Deus segue
saudável, com acompanhamento pediátrico constante.
— Gosta do que vê, hein, meu amor? — perguntei, sacudindo
levemente o corpo dela. De repente, Xandy se levantou da poltrona
e se aproximou com os braços estendidos, ansiando poder carregar
nossa pequena nos braços.
Ele me deu um beijo rápido nos lábios e a ergueu nos braços,
andando de um lado a outro do lounge, com uma mão apoiando a
cabeça do bebê e a outra sustentando suas perninhas finas.
— Eu vou viajar de avião, porque o senhor vai me levar pelas
nações[42]! — cantarolou, me fazendo lembrar um meme que
viralizou nas redes sociais.
— Ah, tio Xandy, eu também quero planar, por favor! —
protestou Beatriz, ao cruzar os braços, assumindo uma expressão
emburrada, de repente.
Quando Miguel e eu nos entreolhamos, explodimos numa
gargalhada gostosa.
Eu me sinto a mulher mais afortunada deste mundo, só de
poder desfrutar uma viagem de avião com toda minha família
reunida. Alexandre fez o reconhecimento de Paternidade
Socioafetiva diretamente no Cartório de Registro Civil. Um homem
de verdade só mostra o seu valor quando assume a criação de uma
criança, independentemente de laços de sangue.
A minha filhamerecia ter um pai de verdade, que não era outro
senão o grande amor da minha vida.
O tempo de deslocamento entre Belo Horizonte e Esmeraldas
durava em torno de 1h30min.
Quando eu saltei do veículo conduzido pelo administrador do
Haras e tio materno de Alexandre, aguardei os demais descerem
também, enquanto segurava Maria Ísis acomodada no bebê
conforto. Cruzei o gramado que levava até a varanda da casa
principal, com uma alegria transbordante no peito.
— Ô de casa! — gritei, ao bater os pés no batente da porta. —
Uai, mas cadê o povo? — perguntei, tentando reproduzir o sotaque
mineiro, embora tenha soado ridículo até para os meus próprios
ouvidos.
— Ah, amor, vovó deve estar na cozinha, ajudando a preparar
o almoço.
Seguimos por um longo corredor, passando pela sala de jantar
até chegar à cozinha espaçosa, com seu pé direito alto e bem
equipada, contando inclusive com um fogão a lenha. Uma vez
transposto o limiar da cozinha, senti logo o cheiro delicioso de
frangocom quiabo, feitonuma panela de barro. Notei também que a
mesa de madeira maciça já estava posta, com a travessa de arroz,
o angu cremoso de milho verde, além do feijão e a farinha de
mandioca.
— Parece que nós chegamos em boa hora mesmo! — falei,
em alto e bom som.
— Jáestava com uma baita saudade de comer galinha caipira,
deu até água na boca agora, minha avó — Xandy comentou,
afagando as costas dela, com suavidade.
— Nossinhora! — vovó falou, com seu costumeiro sotaque. —
Já eu tava ansiosa por demais pra ver minha netinha, Xandy! —
Vovó Olívia tirou a netinha cuidadosamente do bebê conforto,
passando a embalá-la com carinho.
Contemplei o prato de feijão tropeiro, esfregando as mãos de
contentamento, e logo senti a minha boca encharcada de saliva. Um
tropeirão leva calabresa, cheiro verde, couve e torresmo por cima e
tem o arroz como acompanhamento.
— É capaz de eu comer por dois de tão faminta que eu estou,
sabia? — Respirei fundo o cheiro delicioso de comida caseira.
— A última vez em que ouvi minha mulher dizer isso, foi
quando suspeitei que ela estava grávida — comentou Xandy,
casualmente, com o orgulho transparecendo nos olhos.
— Alexandre quase me fez engasgar com uma porção de
torresmo enfiada na goela — protestei, cobrindo a boca com um
guardanapo e passei a tossir, constrangida.
— Mas não podemos descartar essa possibilidade, minha
querida — Minha mãe ponderou, se sentando ao meu lado na mesa.
Dona Norma praticamente não possui mais nenhuma sequela
decorrente do AVC e voltou a levar uma vida normal. O pronto
atendimento de emergência reduziu os riscos de danos
permanentes, permitindo que o processo de reabilitação fosse bem-
sucedido.
— Não quero criar falsas expectativas, mãe — comentei,
mexendo a refeição com o garfo, distraidamente. De repente,
mamãe tomou a minha mão entre as delas, as entrelaçando com
firmeza, como que para transmitir seu apoio.
Um silêncio esmagador se instalou na sala de jantar, quebrado
apenas pelo choro baixinho da pequena Maria Ísis.
A minha médica associou a ansiedade como a causa provável
pela demora para conceber mais um bebê. Confesso que fiquei
desestimulada a engravidar pelo processo doloroso e exaustivo do
pós-parto, além do medo de vivenciar um agravamento da gestação
que culminou na Síndrome HELLP , uma das causas da mortalidade
materna e fetal.
O silêncio pesado e constrangedor foi quebrado por vovó
Olívia.
— Uai, acho bão que ôces comam logo antes que a comida
esfrie!
— Acho melhor não despertar a ira da minha sogrinha — Seu
Carlos comentou, ocupando uma das cadeiras, depressa. Todos
prontamente arrastaram as cadeiras, ocupando seus respectivos
lugares à mesa.
— Miguel não desgruda desse celular nem por um minuto,
caramba! — reclamou Alessandra, soltando um suspiro cansado.
— Guel, obedeça a sua mãe, por gentileza — o pai pediu,
educadamente.
— É por essas e outras que prefiro ser a Dinda, Mel — Steh
declarou, sussurrando ao meu ouvido.
Minutos mais tarde, Alexandre me levou até os estábulos de
tão ansioso que estava para me apresentar o melhor garanhão do
Haras e seu maior confidente, o Apolo.
Senti Alex me puxar para junto de si, enquanto me abraçava
por trás. Ele logo roçou a boca na têmpora, a respiração quente e
ofegante de encontro ao meu ouvido fez o meu coração bater em
ritmo acelerado, ante à expectativa do que ele diria a seguir.

— Perguntei a ele se existia alguma possibilidade de eu rever


a bela comissária de bordo — confessou Alex, com a voz rouca o
suficientepara provocar uma fisgadainsuportavelmente dolorosa no
clitóris, que já pulsava de desejo.
— E qual foia reação dele, amor? — perguntei, virando o rosto
de lado para encará-lo, curiosa.
— Como Apolo relinchou em resposta, eu considerei que era o
prenúncio de um sim.
Eu me aproximei da baia, peguei uma maçã do balde e a
oferecipara Apolo, que abocanhou a frutacom voracidade, antes de
passar o focinho pelo meu ombro, relinchando algumas vezes,
alegremente.
— Será que Apolo pode prever se eu estou mesmo esperando
um filho seu?
Apolo relinchou mais uma vez, batendo o casco suavemente
no chão.
Assustada, dei um pulo para trás, o que quase me fezperder o
equilíbrio, mas Alexandre rapidamente me amparou em seus
braços, rindo à gargalhada, indicando claramente que se divertia às
minhas custas.
— Ele quase me matou de susto, Xandy! — protestei,
respirando bem fundo, enquanto escutava o coração bater alto
contra os tímpanos.
— Apolo faz questão de te mostrar a propriedade como um
pedido de desculpas pelo mal jeito dele — Ele abriu a portinhola e
desamarrou o nó da rédea que prendia o cavalo de pelagem
castanha, para em seguida me ajudar a montar nele, antes de se
posicionar atrás de mim.
Quando nós dois alcançamos o majestoso lago, esperei
Alexandre saltar do cavalo e contemplei maravilhada a imensidão do
lugar, com suas margens desaparecendo no horizonte e cercado por
imponentes palmeiras-imperiais.
Alexandre me ajudou a descer do animal, e prendeu Apolo ao
tronco de uma árvore. Decidimos nos sentar ali mesmo,
aproveitando a sombra que fazia no final da tarde.
— É uma pena mesmo que não exista uma farmáciapor essas
bandas, senão eu compraria um teste de gravidez agora mesmo!
Fiquei de frente para ele e passei a mão suavemente pelo
tórax musculoso, moldado pelo suéter preto de malha, antes de
deslizar a palma por dentro da peça, acariciando o abdome com os
dedos espalmados. Soltei um arquejo de satisfação ao notar que o
peito dele, recoberto por pelos curtos e espessos, subia e descia, ao
ritmo da respiração ofegante, em resposta ao toque suave na pele.
Então, comecei a desabotoar os três botões da gola em “V”, e
inclinei a cabeça na direção da curva de seu pescoço, dando beijos
quentes e úmidos, entremeados por mordidas leves.
— Vai ter que segurar a ansiedade, amor — insinuei, com a
voz rouca de desejo.
— Você vai me fazer roer as unhas o final de semana inteiro?
— perguntou, num murmúrio rouco, passando o braço ao redor da
minha cintura, e me puxou com força, de modo que eu acabei
sentada no colo dele.
Ele começou a fazer cócegas em minha barriga até me fazer
gritar de tanto rir.
As tentativas de gravidez pós-parto se reduzem nos casos em
que a mulher enfrenta a Síndrome dos Ovários Policísticos. Pelo
menos eu passei a ser acompanhada pela minha médica, quando
dei início ao tratamento de estimulação ovariana.
Coloquei uma das mãos sobre a barriga em um gesto
involuntário, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas, e sorri
internamente, com o coração transbordando de emoção. Senti algo
muito profundo e íntimo, me levando a ter esperanças de que
finalmente conseguirei ter um filho de Alexandre.

O fato de eu ter concebido um bebê prematuro já era um fator


de risco por si só para uma nova gestação. No entanto, e para
minha total felicidade, consegui ser a exceção da regra, e estou
prestes a dar à luz ao meu segundo bebê no tempo regular e de
parto normal.
Felizmente, a pressão arterial, mesmo com algumas
oscilações, não gerou nenhuma intercorrência. Foi bem traumático
vivenciar um quadro de pré-eclâmpsia que evoluiu para a Síndrome
HELLP
, mas pude contar com o apoio psicológico e afetivo do meu
marido, algo crucial na luta pela superação do medo de ter que
enfrentar as mesmas complicações da primeira gestação.
Às vésperas de completar as 23 semanas, eu fiz um
procedimento para ajudar na sustentação do peso da gestação
chamado de cerclagem, possibilitando que o bebê nascesse a termo
e de parto normal. Agora, o meu bebê vai nascer com 37 semanas,
período adequado para ele vir ao mundo, sem grandes
complicações.
Quando começou a contração mais aguda, segurei a mão de
Alexandre com mais força ainda, e consequentemente, usei toda a
minha energia para forçar a saída do bebê.
— Você está fazendo um excelente trabalho, amor. Aguente
firme!
E pensar que minha mãe não teve a sorte de contar com meu
pai quando eu vim ao mundo, me fezsentir a mais pura gratidão por
ter sido agraciada com a oportunidade de ter um homem formidável
ao meu lado e que me ama verdadeiramente.
— Eu já consigo ver nosso filho... O bebê mais lindo do
Universo vai se juntar à nossa pequena Ísis,preenchendo nosso lar
com leveza e alegria.
Então, e quando menos esperava, passei a relaxar aos
poucos, me entregando totalmente a indescritível emoção de sentir
o corpo pequeno e frágil de Gael deslizar para fora do meu corpo.
Gael saiu escorregadio e se debateu um pouco nos braços da
enfermeira. O meu coração começou a bater acelerado, mal
contendo a expectativa de tê-lo logo em meus braços.
A enfermeiraprocedeu com os cuidados na limpeza do recém-
nascido, e depois de envolvê-lo em um lençol azul, permitiu que eu
o segurasse, mesmo que por um breve momento. O choro dele
passou a ficarmais agudo e alto, reverberando por todo o ambiente.
Alexandre permanecia ao lado do leito desde o início, e
estendeu o braço para tocá-lo de leve, fazendocom que ele parasse
de chorar, quase de forma instantânea. Contemplamos as
bochechas rosadas e arredondadas dele com admiração, além do
corpo pequeno e frágil que cabia completamente em um dos
braços.
— O nosso filho é perfeito, amor ― murmurei, com a voz
embargada, enquanto aninhava o bebê ainda mais de encontro ao
peito.
O meu marido, mais conhecido como executivo da Faria Lima,
fez o que todo CEO que se preze faz quando assume um desafio:
Não mediu esforços para despertar em mim um sentimento tão
sublime que julguei não ser capaz de sentir, após ter enfrentado
tantas turbulências no campo afetivo.
“Às vezes quando você aceita uma turbulência é incrívelcomo
o céu pode clarear” — A fala de Ted Stewart (Mark Ruffalo) no filme
Voando Alto, me veio logo à mente naquele mesmo instante.
O meu agradecimento inicial vai para a minha Leitora Beta
querida, Tuísa Sampaio, blogueira (IGliterário @tracinhadelivros),
que gentilmente se disponibilizou a acompanhar o desenvolvimento
da história ao longo de quatro meses. As observações dela foram
bem pertinentes e de grande valia para mim. Tuísa, a sua
contribuição foi muito importante durante o processo de escrita e
quero reiterar a minha profunda gratidão!

Quero expressar minha gratidão também à Vanessa Pavan,


que me recebeu de braços abertos na VP Assessoria Literária, e
tem cuidado da minha carreira até pouco tempo. O seu apoio e
dedicação ao meu trabalho são imprescindíveis e espero que a
nossa parceria perdure por longos anos.

Agradeço também às minhas novas parceiras, que se


disponibilizaram a me ajudar na divulgação do lançamento,
publicando posts nas redes sociais. Eu tenho um carinho enorme
por todas vocês! São elas, Paty @paty_bookslove, Diana
@criatividade_do_subconsciente, Mell @book_da_mell, Fah
@leiturasdafah, Naty @natyleitora, Tay @cantinholovebook, Fran
@leiturasesonhos, Nara @seducaoliteraria, Gaby
@leitoraa.compulsiva, Fer @lidosdafer, além de Maria
@readingbyamaria.

Também quero agradecer à capista, Ellen Ferreira, pela arte de


capa do livro, bem como a Laizy Shayne (Layce Design), pela
diagramação incrível que fez. Ambas são excelentes profissionais,
sempre atenciosas e dedicadas a oferecer o melhor resultado, que
satisfaça às expectativas dos autores. Eu recomendo muito o
trabalho delas.

Gratidão imensa à minha leitora Carmélem, que tão


gentilmente me ajudou a corrigir às falas da Vovó Olívia, para se
adequar mais ao jeitinho mineiro de falar. As suas sugestões foram
de grande valia, amiga!

Não posso deixar também de demonstrar minha profunda


gratidão à minha equipe de divulgadoras, que sem dúvida alguma
faz toda a diferença durante o lançamento dos meus livros. São
elas, a Chris Leitora, Duda Literária, Nay Literária, Antônia (Lobas
Divulgação), Bela e Nalva Souzza, além do time Amor a Leitura
Divulgação (Jay Feitosa, Kiti Miguel e Mari Canan).

Agradeço também a cada leitor, leitora, e leitore que deu um


voto de confiança em mim, se disponibilizando a ler os meus livros.
Terei o maior prazer em atender cada um de vocês. Fiquem à
vontade para entrar em contato a qualquer momento através das
redes sociais.
Antes de finalizar, eu quero fazer um pedido muito importante:
Avalie o livro antes de sair da tela, seja atribuindo apenas a nota de
sua preferência, ou escrevendo um breve comentário, com as suas
impressões da leitura. A avaliação na Amazon é imprescindível
para dar mais visibilidade ao livro, e assim ampliar o alcance
dele para mais leitores. Eu fico muito grata desde já pela atenção
e confiança. Até breve!
M. R. Barbosa é o pseudônimo utilizado por Mariana Ribeiro,
que escreve desde a adolescência, quando criava histórias de
próprio punho em cadernos pequenos, e inspirada em romances de
banca. Não sabe ainda ao certo de onde vem a sua inspiração, mas
as ideias costumam surgir em sua mente quando ela menos espera
em um insight rápido e tem a absoluta convicção de que escrever é
a sua missão de alma.
Ela já possui dois livros de ficção histórica, lançados de forma
independente na Amazon, mas usando o nome Mariana Ribeiro.
Confinada com o Chefe marcou a sua estreia em Ficção
Contemporânea/Hot.
Para saber mais sobre meus outros e-books, aponte a câmera do
seu celular para o QR Code abaixo e acesse a minha loja na
Amazon:

Ou clique aqui -> Amazon


Para saber mais sobre as obras e a autora, aponte a câmera do seu celular para
o QR Code abaixo e fique por dentro dos lançamentos, eventos, sorteios e muito
mais em suas redes sociais:

Ou clique aqui -> https://linkfly.to/autoramrbarbosa

Gostou do livro? Compartilhe seu comentário nas redes sociais e


na Amazon indicando-o para futuros leitores. Obrigada!
[1]
Trecho da música Woman in Chains –Tears for Fears.
[2]
Trecho da música Sign OfThe Times –Harry Styles.
[3]
Representa cada etapa que o tripulante faz na rota de ponte aérea. Ex:Voo
CGH –SDU (1 perna). Voo SDU –SGH (2 pernas), e assim sucessivamente até
completar a chave de quatro no total.
[4]
Trecho da música Learn to Fly –Foo Fighters.
[5]
CEO interino se refere a uma pessoa indicada pelo Conselho de Administração
de uma empresa para assumir o cargo durante um período de transição ou em
virtude da saída repentina do CEO anterior.
[6]
Trecho da música Learn to Fly –Foo Fighters.
[7]
Trecho da música Deep End –Spicyverse.
[8]
Trecho da música Break my Soul –Beyoncé.
[9]
Trecho da música The Greatest –Sia.
[10]
Trecho da música Big Jet Plane –Angus & Julia Stone.
[11]
Trecho da música Zóio de Lula –Charlie Brown Jr.
[12]
Trecho da música Bad Liar –Imagine Dragons.
[13]
Trecho da música Mil Acasos –Skank.
[14]
Trata-se do tipo de assento designado para o uso da tripulação de cabine,
esteja ela a serviço da companhia aérea ou não. Também se refere ao assento
que os comissários de bordo ocupam durante o pouso e a decolagem.
[15]
Trecho da música Marry You –Bruno Mars.
[16]
ChiefFinancial Officer (Diretor Executivo de Finanças).
[17]
ChiefOperation Officer (Diretor Executivo de Operações).
[18]
Trecho da música Heal –Tom Odell.
[19]
Trecho traduzido livremente da música Blame - Calvin Harris & John
Newman.
[20]
Trecho da música The First Cut Is The Deepest –Sheryl Crow.
[21]
Segundo a Agência Nacional da Aviação Civil - ANAC, “a gravidez, durante
seu curso, é motivo de incapacidade para exercício da atividade aérea, ficando
automaticamente cancelada a validade do CCF (Certificado de Capacidade
Física)”. Portanto, as aeronautas gestantes são consideradas incapazes para
exercício da atividade aérea e gozam de benefício previdenciário, conforme
Convenção Coletiva de Trabalho da Aviação Regular 2017/2018 e Regulamento
Brasileiro da Aviação Civil) nº 67.
[22]
Delegacia de Defesa da Mulher.
[23]
Trecho da música Policy ofTruth –Depeche Mode.
[24]
Trecho da música Watch me Burn –Michele Morrone.
[25]
Trecho da música Candy Shop –50 Cent (feat Olivia).
[26]
Trecho da música Marry Me –Jason Derulo.
[27]
Fonte:Blog Artmed.
[28]
Tradução literal:“Um se for por terra, dois se for por mar.”
[29]
Trecho da música Lost in The Fire –The Weeknd (part. Gesaffelstein).
[30]
Trecho da música River –Eminem (feat Ed Sheeran).
[31]
Trecho da música Ocean –Elsa & Emilie.
[32]
Trecho da música Daddy Issues - The Neighbourhood.
[33]
Trecho da música Baby Don’t Hurt Me –Kapa Boy.
[34]
Trecho da música Dusk Till Dawn –Zayn Malik (feat. SIA).
[35]
Trecho da música Be Alright –Dean Lewis.
[36]
Trecho da música Aliança –Tribalistas.
[37]
Monitoramento por tornozeleira eletrônica.
[38]
Trecho da música Unstable –Justin Bieber.
[39]
Trecho da música By Your Side –Sade.
[40]
Trecho da música Small Bump –Ed Sheeran.
[41]
Trecho da música A Vida é Boa com Você - Bryan Behr.
[42]
Meme do avião se tornou viral nas redes sociais, graças a um vídeo da
cantora gospel Ana Paula Valadão.

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