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COPYRIGHT © 2021 THAIS LOUZADA

COPYRIGHT © 2021 INCREASY EDITORA

AS CONSEQUÊNCIAS DE AMAR VOCÊ

1º Edição Digital — Brasil


Todos os direitos reservados a Autora.

Produção Editorial

Preparação de Texto: GUTA BAUER


Revisão e Copidesque: GRAZI REIS
Capa: MARINA ÁVILA
Diagramação Ebook: DG DESIGN EDITORIAL
Assessoria Literária: INCREASY

Dados Internacionais De Catalogação Da Publicação (cip)

Louzada, Thais;
As Consequências de Amar Você
1. Ed. Virtual — Increasy Editora — 2021
1. Literatura Brasileira. 2. Romance I. Título
CDD. B869.3

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico.


São proibidos o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer
meios – tangível ou intangível – sem o consentimento prévio da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n° 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
ão! Eles estão mentindo, mãe! Não pode ser verdade! — gritei
e tapei os ouvidos com as mãos.
— Eu sinto muito, meu amor. Sinto muito... — disse ao tentar se
aproximar e me tocar com ternura, mas não permiti, dando passos para trás.
— Pare de repetir que sente muito! É tudo mentira! Uma grande
mentira! — gritei, arremessando, em um ataque incontrolável de fúria, o vaso
de flores que se espatifou no chão do meu quarto.
A raiva e a dor me cegavam, me sufocavam, enquanto a minha mente se
tornava a minha pior inimiga, alimentando tudo com lembranças. Ao mesmo
tempo, minha mãe tentava explicar algo que os zumbidos nos meus ouvidos
não me permitiam absorver.
— Filha, por favor... — Ela tocou em mim com cuidado, como se eu
fosse um animal arisco e assustado. — Tente se acalmar, Beatriz. Você
precisa respirar, filha. Só respire.
— Isso é um pesadelo! Alguém precisa me acordar, por favor! — gritei
de novo, ignorando sua súplica, e lançando ao chão os objetos que estavam
sobre a mesa de estudo.
Algo cortou meu antebraço, mas a dor não era nada comparada à que já
sentia, e ouvir a voz de minha mãe tentando me acalmar piorava tudo porque
não era a voz dela que gostaria de estar ouvindo ali. Eu estava sentindo tudo:
raiva, dor, medo, tristeza, arrependimento.
Eu estava sozinha.
Ciente da verdade, caí de joelhos junto aos objetos quebrados. Sentia o
gosto salgado das lágrimas escorrendo pelos meus lábios enquanto meus
olhos se fixavam na imagem protegida pela moldura quebrada e o vidro
trincado à minha frente.
— Eu e você, Tris. Agora e sempre.
Sua voz foi desaparecendo enquanto meus dedos sujos de sangue
corriam sobre a foto.
Sangue que sabia que nunca mais sairia de minhas mãos.
— Oh, meu Deus... é tudo minha culpa — murmurei.
s vezes, ficamos presos revivendo um momento de nossas vidas
e, não importa o quanto angustiante e doloroso seja, não conseguimos sair.
Talvez fosse um sonho, ou um pesadelo em looping eterno, do qual tudo que
eu desejava era acordar e me sentir livre.
— Tris! Eu sei que você está aí!
De longe, ouvi a voz da Ana enquanto ela esmurrava a porta do meu
apartamento como se o mundo estivesse próximo ao fim. As batidas ficaram
cada vez mais fortes e não demoraria até que os vizinhos começassem a
reclamar do barulho. Eu me encolhi na cama, puxei a coberta escondendo a
cabeça e fechei os olhos com força. Ignorar é sempre a melhor a opção.
— Beatriz Albuquerque Schimidt, abra essa porta agora!
Resmunguei alto.
Deus, me dê paciência, porque se o Senhor me der força é hoje que viro
filha única!
A chata da minha irmã caçula gritava meu nome completo em alto e
bom som repetidas vezes no corredor. Tirei a coberta de cima de mim, aos
chutes e resmungando reclamações, levantei pisando forte e atravessei o meu,
até então silencioso, apartamento pronta para puxar os cabelos daquela garota
que, por pouco, não me fez arrancar a maçaneta da porta da sala ao puxá-la
com força revelando a causadora do tumulto.
— Ana — disse seu nome entre dentes —, por acaso você dorme? —
questionei, sem esconder a irritação antes de permitir aquele ser
inconveniente de cabelos castanho-claros e ondulados, olhos cor de mel e
rosto parecido com o meu, atravessar pela porta.
Ana levou a mão ao peito parecendo ofendida e, honestamente? Não me
importei.
— Nossa, que mau humor! Bom dia pra você também — murmurou ao
passar por mim vestindo calça legging e um casaco de moletom. Calada,
acompanhei seus movimentos com os olhos e reparei que, em suas costas,
havia uma mochila com um macaquinho alegre pendurado, claramente
zombando de mim. Para completar, minha irmã carregava uma sacola
ecológica de mercado, o que significava que eu não conseguiria me livrar
dela pelas próximas horas.
— Você já deu uma olhada no calendário e viu que hoje é domingo,
certo? — Bati a porta com força, dando ênfase ao questionamento, e segui
atrás do despertador ambulante que não programei.
— Sei que é domingo — ela colocou a sacola sobre a mesa da cozinha e
começou a tirar de dentro frutas, pães frescos e uma infinidade de itens —,
mas para que ficar dormindo se lá fora está um dia lindo! — finalizou,
fazendo um gesto teatral enquanto apontava para a janela.
E foi quando me questionei, pela milésima vez, se nossa mãe não havia
deixado minha irmã cair de cabeça quando pequena.
— Está chovendo — retruquei entre dentes. — Rio de Janeiro num
domingo com chuva, cadê o dia lindo? — quis saber, ao perceber que
expulsá-la seria impossível.
Existia uma lista enorme de razões que me fizeram tomar a decisão de
sair de casa assim que completei dezoito anos, e essa coisa de ter que
interagir com outros seres humanos superfelizes logo cedo era uma delas, e
Ana encabeçava a lista das pessoas felizes.
Ela revirou os olhos.
— Sério, maninha, você precisa ser mais positiva — comentou enquanto
abria a geladeira e pegava tudo que avistava pela frente, se sentindo tão à
vontade que quase me questionei se a intrusa da dinâmica não era eu.
— E você, mais realista — rebati, mesmo sabendo que era inútil, porque
Ana nunca deixaria de ver o mundo com tom de cor-de-rosa, no seu
complexo de Poliana. Já o meu mundo, trabalhava em uma cartela de cores
mais acinzentadas. Tudo bem, confesso que nem todos os dias eram escuros,
mas as cores vivas e brilhantes foram desaparecendo com o tempo, e passei a
lidar bem com o fato.
— Por favor, pode me dizer, de uma vez, a que devo a honra de ter você
perturbando a minha vida tão cedo? — quis saber, esfregando os olhos com
as duas mãos.
Eu estava exausta. Não que minha irmã soubesse, mas eu tinha virado a
noite trabalhando. Isso porque uma aura de procrastinação tomou conta do
meu corpo na última semana e, como trabalho em sistema home office, deixei
tudo acumular e o prazo para entrega estava batendo à porta com tanta
violência, que parecia a Ana.
Ela me encarou, segurando duas cápsulas de café.
— São quase nove horas da manhã — disse devagar, como se estivesse
falando com uma criança de dois anos de idade, e depois voltou sua atenção
para a cafeteira. — Isso significa que já corri, fiz alongamento, yoga...
— Batizou seu suco verde com energético — murmurei, pegando as
xícaras e me rendendo de vez à sua invasão.
Ana pegou as xícaras das minhas mãos e me encarou, séria.
— Alguém já disse que, às vezes, você parece uma velha ranzinza no
corpo de uma mulher de 23 anos? — Ela colocou as louças sobre a tolha. —
Daquelas que levantam da cama carregadas de negatividade, dizendo a si
mesmas que o dia vai ser horrível e que nada de bom nunca acontece com
elas.
— Tudo que preciso é alguém me acordando e me cobrindo de elogios
em seguida... — murmurei, aparentemente apenas para Deus, porque Ana
pareceu nem perceber e continuou a falar.
— Eu só estou aqui porque a mamãe me ligou, preocupada. Ela me disse
que tentou o seu celular várias vezes e só dava desligado. E não vou nem
comentar sobre aquele aparelho sem utilidade que tem na sala, já que quando
toca nunca atende. — Seu tom demonstrava que a nossa mãe não era a única
que se preocupava comigo.
Eu tinha o hábito de desaparecer por algumas horas, ou dias, ok... talvez
semanas. Não que estivesse fazendo algo de errado ou colocando a minha
segurança em risco nesses momentos. Os desaparecimentos vinham da minha
necessidade de reclusão. Eu sabia que era uma atitude que preocupava os
meus pais e Ana, o que trazia o sentimento de culpa de volta à tona. E assim
eu seguia a minha vida, em uma gangorra eterna entre agradar a mim mesma
e ao mundo. Ignorei sua recriminação.
— Às vezes, é saudável desligar o celular. Dá uma sensação de paz e
tranquilidade incrível, você deveria experimentar, aliás — aproveitei a deixa.
— Mas, aconteceu alguma coisa com nossos pais?
— Quem, hoje em dia, ainda desliga o celular? — Ana murmurou,
parecendo não ter percebido a minha pergunta.
Estalei os dedos próximos ao seu rosto.
— Ana, foco.
Ela balançou a cabeça e moveu a mão no ar em negativa.
— Papai e mamãe estão ótimos. O motivo da ligação era para comunicar
que decidiram comemorar o aniversário de casamento em grande estilo esse
ano. E que estão querendo de presente apenas a nossa presença. Uma semana
inteirinha com os dois — contou, toda animada.
Larguei o corpo sentando na cadeira.
— O quê?
— Isso mesmo que ouviu.
— Eles vão fazer, dessa vez, uma festa que vai durar uma semana? —
questionei, incrédula com a notícia, mas sabendo que, em se tratando dos
meus pais, não era algo impossível de acontecer, afinal, eles são sociáveis,
divertidos e bem relacionados.
— Não, Tris. — Ana riu. — Será apenas um jantar em família e a festa,
é claro! — Minha irmã passava cream cheese no pão como se não tivesse
acabado de jogar uma bomba atômica sobre mim.
Sim, eu sabia que o aniversário de casamento dos meus pais estava
chegando e que a data esse ano seria ainda mais significativa e marcante, mas
imaginei que fariam um jantar reunindo a família e os amigos mais próximos,
uma noite para a qual me prepararia psicologicamente para sobreviver
distribuindo sorrisos, de tempos em tempos, e respostas muito bem decoradas
às perguntas sobre minha vida, que viriam pela frente nas quatro ou cinco
horas de tortura pré-agendada. Sim, eu era classificada como a filha Schimidt
antissocial, título que ganhei há alguns anos e do qual não planejo abrir mão
tão cedo. Mas, pelos meus pais, eu faria aparições ocasionais e cumpria o
meu papel de filha do melhor jeito que conseguia, porque Sérgio e Marina
Schimidt eram as pessoas mais dedicadas, amáveis e que sempre faziam das
filhas o centro do mundo dos dois, mesmo que, às vezes, os meus gestos
ficassem abaixo das expectativas.
— Tris, você ouviu o que eu disse? — Ana tocou em braço chamando
minha atenção.
— Sim. Quando teremos que ir?
E, pela primeira vez naquela manhã, Ana se calou por uns segundos.
— Então você já entendeu que... — Ela deixou a frase em aberto, sem
esconder uma ponta de tristeza e preocupação.
— Que a festa não será aqui? Sim, já entendi...
Ao ouvir Ana dizer que nossos pais estavam querendo a nossa presença
por uma semana, tive duas certezas: a primeira é que não haveria desculpa no
mundo que me tirasse daquela festa, e a segunda é que a comemoração não
seria na mansão em que moram num dos bairros mais nobres da cidade e,
sim, na propriedade que fica na região serrana. A casa, que parece um
castelo, pertence à nossa família há Deus sabe lá quanto tempo, e conta com
um jardim infinito, além de uma vista incrível para as montanhas.
Eu conhecia aquele lugar como a palma da minha mão.
E faria de tudo para esquecê-lo por completo.
— Vamos na sexta. — A voz de Ana me arrancou dos pensamentos e o
desespero tomou conta de mim.
— Sexta?! Isso me dá menos de uma semana. Estou com prazo curto pra
entregar o material da minha coluna, isso sem contar o conteúdo online e...
— E... ainda bem que você só precisa de um notebook e acesso à
internet para resolver esse problema, não é mesmo? E, olha só que legal, hoje
temos internet em todos os lugares — emendou sorrindo e abrindo os braços.
Ela não fazia ideia do que estava me pedindo. Não fazia ideia de que
nada seria tão fácil como demonstrava parecer. O prazo era curto, tanto para a
entrega dos meus trabalhos, quanto para que me preparasse para voltar àquele
lugar.
Eu a encarei, séria.
— Sabe que não é bem assim.
Ana devolveu o olhar e, depois, semicerrou os olhos.
— Você vai negar isso aos nossos pais? Tem certeza?
Seu questionamento tinha sido um golpe baixo. Muito baixo.
Como se diz não para quem te ama incondicionalmente?
Revirei os olhos e levantei da cadeira.
— É claro que vou com você — disse baixinho, me dando por vencida.
Sabia que Ana estava radiante com a minha resposta, mas eu não. E o
motivo era simples, minha irmã amava aquele tipo de aproximação com os
nossos familiares e amigos, quase na mesma intensidade que passei a não
suportar.
Puxei as mangas da blusa e liguei a torneira deixando a água cair sobre
minhas mãos, tentando ignorar o fato de que estavam trêmulas.
— Então, quem mais estará presente nessa adorável semana? — Peguei
a esponja e o detergente, e lavei a taça que ali havia deixado na noite anterior.
Ouvi quando Ana levantou da cadeira, e não demorou para que
aparecesse no meu campo de visão.
— O vovô, e acredito que Joana. — Ela abriu a geladeira procurando sei
lá mais o que para comer. Era incrível como um ser tão pequeno conseguia
consumir tantas calorias.
Sorri.
— Só o vovô será mais do que suficiente para colocar aquela casa de
cabeça para baixo — murmurei.
— Verdade. — A cabeça de Ana surgiu acima da porta da geladeira. —
Ele é um fofo — completou sorrindo ao fechar a porta, agora com uma maçã
em mãos.
— É um fofo que qualquer dia vai matar os próprios filhos de infarto
com suas loucuras — retruquei.
Ana deu de ombros.
— Ele só não é um velhinho muito convencional — disse com uma
naturalidade que poucos que conhecem o vovô conseguiriam, antes de
morder a fruta e se recostar ao meu lado da pia.
Dei uma gargalhada e peguei o pano de prato, enxugando as mãos em
seguida.
— Ana — segurei seus ombros, sem deixar o pano cair, e a observei
com ternura —, ele nos deu a ideia de comemorar o aniversário da filha no
clube das mulheres e incentivou que escolhêssemos homens com os corpos
mais sarados! Ele saltou de paqueradas e nos contou ao mostrar o vídeo na
noite de Natal. Ele quase incendiou uma árvore com o show pirotécnico que
tentou fazer em um réveillon há alguns anos. Não, definitivamente o vovô
não é um velhinho convencional.
Ela deu de ombros, como se fosse a coisa mais normal do mundo vindo
de um senhor com mais de oitenta anos. Eu amava o meu avô, mas era
assustador ver a facilidade com que ele conseguia nos chocar com suas
ideias.
— Sexta-feira pegamos a estrada, certo? — quis saber, me arrancando
dos pensamentos e me obrigando a encará-la.
Seus olhos brilhavam aguardando que eu reiterasse o compromisso,
provavelmente porque ainda não parecia real o meu “sim”. Sem coragem de
acabar com sua felicidade engoli as possíveis desculpas que poderia criar
para fugir daquilo tudo e forcei um pequeno sorriso.
— Claro.
Ela assentiu, dando-se por satisfeita enquanto observava tudo à nossa
volta. Eu sabia o que estava passando pela mente da minha irmã: meu
namoro havia chegado ao fim há poucas semanas, e era como se Miguel
tivesse partido há meses, ou quem sabe, nunca morado ali. Havia ordem, e
tudo estava no exato lugar em que deveria estar.
— E como você está? — quis saber, sem precisar ser específica no
assunto.
— Bem. Já me acostumei.
— Nossa, Tris... parece que o Miguel não teve a menor importância na
sua vida. — Ela me observava como se eu fosse algum tipo de aberração.
— Ana, relacionamos acabam. Vida que segue. — Dei de ombros e me
recostei na bancada de mármore ao lado da pia, de braços cruzados.
— Falando assim parece que não o amava — ela murmurou.
O silêncio recaiu sobre nós por um instante. Eu não havia conversado
com ninguém sobre o assunto, porque não fazia parte de mim compartilhar
coisas da minha vida com outras pessoas, muito menos quando se tratava de
sentimentos.
— Talvez não o amasse o suficiente para ficarmos juntos — murmurei a
confissão, e o silêncio prevaleceu. Desconfortável com a conversa, recolhi as
louças da mesa e as levei para a pia.
Ana percebeu e me ajudou com a tarefa.
— Então, podemos ligar para a mamãe e contar que concordou de livre
espontânea vontade passar a semana conosco? — quis saber com as mãos
ocupadas com a bandeja de frios atrás de mim, mudando o assunto, pelo que
agradeci mentalmente.
— Rá! Claro! Livre espontânea vontade — repeti rindo, enquanto
enxaguava a louça. — Não seria mais apropriado dizer livre espontânea
pressão? — Levantei as sobrancelhas.
— Qual é, vai ser muito legal, você vai ver!
— Impossível, Ana. Impossível — murmurei, colocando peça por peça
no secador.
Depois do nosso café, minha irmã invadiu meu banheiro e fez a sua
própria sessão de Spa. E foi assim que percebi que teria a presença da minha
hóspede o domingo inteiro. Sabendo que teria que encarar o assunto “mini
férias”, peguei o celular decidida a arrancar o band-aid de uma só vez. Sem
dúvida, o meu pedido pegaria Cintia, minha editora-chefe, de surpresa, mas
ela me concederia os dias de imediato.
Eu trabalhava em uma das revistas femininas de maior visibilidade do
país e, nos últimos anos, vinha ganhando cada vez mais espaço na coluna
sobre moda, assim como no blog, assinados por mim. Seguindo totalmente na
contramão do momento, eu influenciava mulheres sem usar a minha imagem,
apenas escrevendo sobre o assunto. Até porque, se dependesse da minha
imagem, estaria em maus lençóis, porque a vaidade que um dia existiu em
mim havia me abandonado por completo. E essa não havia sido a única
grande mudança em minha vida.
Instintivamente, meus olhos seguiram em direção ao corredor, mais
precisamente para a porta do banheiro em que Ana estava.
— Queria poder dizer “não quero ir” sem magoar você — disse baixinho
—, mas sei que não compreenderia os meus motivos — sussurrei
honestamente, sentindo o peso da tristeza em minha voz antes de finalmente
me dar por vencida e fazer a ligação que me daria a liberdade para voltar ao
lugar que eu lutava para esquecer.
seu atraso no total foi só de dez horas, hein, Beatriz! — Ana
reclamou assim que estacionei em frente ao prédio em que mora, e eu ignorei
sua revolta.
Passavam alguns minutos das oito da noite. De braços cruzados e com
uma mala monstruosa ao seu lado, ela batia a ponta do pé no chão.
— Você vai morar lá? — quis saber levantando as sobrancelhas antes
mesmo de abrir o porta-malas do carro.
— Não. É que gosto de ter opções — explicou, enquanto fazíamos força
juntas para içar tudo do chão e jogar para dentro do carro.
— Ana Clara — inspirei forte —, eu gosto de ter opções, já você parece
que não conseguiu se despedir do armário — reclamei, fechando o porta-
malas com força.
Ela revirou os olhos, seguindo para o banco de carona. Então partimos,
Ana, eu e uma playlist sem fim de músicas que gostávamos, mas que ali não
estava ajudando em nada a me distrair. A única coisa que prendia minha
atenção era a estrada à nossa frente e os números girando no marcador.
Qualquer pessoa diria que estávamos com sorte pela ausência do trânsito
intenso, mas eu nunca conseguiria enxergar a situação da mesma forma
porque, a cada quilômetro percorrido, me aproximava mais daquele lugar.
Três horas depois, estávamos passando pelo centro comercial da cidade
serrana. A densa neblina fez com que eu, instintivamente, diminuísse a
pressão do pé no acelerador, enquanto minhas mãos apertavam o couro do
volante com mais força. Dirigir à noite sempre me deixava apreensiva.
Atravessamos o portão duplo de ferro e seguimos até estacionar em frente à
casa que se assemelhava a um pequeno castelo de estilo europeu, e que estava
toda iluminada.
— Isso aqui não mudou nada — murmurei enquanto observava a
arquitetura e minha mente mergulhava no passado.

— Sei que já disse isso mil vezes, mas essa casa é a minha preferida em
todo o mundo. — Ela deitou no cobertor que havia estendido no gramado.
Revirei os olhos, sorrindo.
— Como se você conhecesse o mundo inteiro... — Deitei ao seu lado.
— Tudo bem. — Ela jogou as mãos para o alto. — Eu não conheço o
mundo inteiro, mas sem dúvida conseguir juntar as pessoas que amamos no
lugar mais perfeito que existe não é fácil — concluiu.
Apoiei o corpo sobre os cotovelos com um sorriso no rosto. — É... você
está certa. — murmurei observando à nossa volta. — E a melhor parte é que
sempre teremos esse lugar para compartilhar histórias.
Ela imitou minha posição.
— Amém para isso — disse, e tocou meu ombro com o seu. — Agora e
sempre?
Sorri.
— Agora e sempre.
— Tem bastante tempo que não vem aqui, não é mesmo? — A voz de
Ana me tirou de minhas lembranças.
Pisquei e movi a cabeça discretamente, na esperança tola da ação me
fazer esquecer. Derrotada, desliguei o motor do carro enquanto observava as
suntuosas janelas que decoravam a estrutura da casa.
— É... tem bastante tempo — respondi baixinho.
Eu sabia exatamente quanto tempo, só optei por não dizer.
Ana abriu a porta do carro quase no mesmo instante em que uma linda
mulher de cabelos castanhos e olhos verdes abriu a porta da casa.
— Elas chegaram! — animada, nossa mãe repetia. Pouco depois meu pai
surgiu sorrindo ao seu lado, e foi impossível não ser contagiada a ponto de
deixar surgir um sorriso em meus lábios também.
Sabe quando encontramos um casal na faixa etária próxima aos
cinquenta anos em um restaurante que são tão perfeitos juntos que chegamos
a nos questionar se não é gravação de comercial ou filme romântico? Meus
pais são exatamente assim. Amorosos, amigos, companheiros de vida, que
acreditam, que juntos, são capazes de enfrentar qualquer adversidade que
surgir pelo caminho. Ana correu em direção aos dois e abraçou nossa mãe.
Sem pressa saí do carro, tentando controlar as emoções que surgiram dentro
de mim antes de me aproximar.
— Beatriz — minha mãe me abraçou forte —, seja bem-vinda — disse,
e beijou meu rosto como se estivesse sem me ver há um século.
— Obrigada. Também estava com saudades, mãe — confessei antes de
desfazer o abraço, e meu pai, parecendo um urso, enlaçou Ana e eu ao
mesmo tempo.
— Fizeram boa viagem?
— Sim, pai. A viagem foi ótima, mas ficar sentada o dia inteiro
aguardando Tris sair do trabalho nem tanto — a chata reclamou.
Revirei os olhos.
— Dá um tempo, Ana Clara.
— O importante é que vocês estão aqui — minha mãe cortou a possível
briga entre nós com um sorriso nos lábios e sua voz doce.
— Exato — meu pai emendou. — Vamos entrar porque existe uma mesa
posta nos aguardando. — Ele abraçou Ana, direcionando-a para dentro da
casa. Minha mãe seguiu, e eu fique para trás, me dando um tempo para
absorver toda aquela familiaridade. O cheiro, a disposição dos móveis, o
arranjo de lírios sobre a mesa do hall. Tendo consciência de que estava
apenas começando, respirei fundo e dei o primeiro passo em direção a uma
vida que havia deixado para trás.

Não dava para negar que chegar à casa dos pais e encontrar tudo
quentinho e pronto para comer era uma delícia, e totalmente diferente da
minha realidade: ser salva por comida congelada e ter o micro-ondas como
auxiliar de cozinha. Isso sem falar no meu catálogo superorganizado de
cardápios delivery, que era de dar inveja a qualquer um.
— Então, Beatriz, como está o trabalho? Tem se alimentado direito?
Estou achando você tão magrinha — ela quis saber, enquanto colocava no
meu prato um pouco de tudo que havia sobre a mesa.
— Mãe, por favor, já chega. — Peguei o prato de volta, impedindo que
continuasse a me servir. — Estou comendo o suficiente, acredite. E sobre o
trabalhado, está indo muito bem. — Levei um pedaço de quiche à boca, na
esperança de não precisar falar mais.
Ela assentiu e pegou o copo de chá gelado à sua frente.
— E o Miguel? — indagou, levando o copo à boca.
Tossi e quase engasguei.
— Nós terminamos — soltei a frase e esperei por mais indagações.
Meu pai e Ana me olharam e não fizeram nenhum comentário, mas
duvido muito que minha mãe faria o mesmo. Porque foi naquele instante que
percebi que não conversávamos há semanas e, por isso, me preparei para as
reclamações de sempre: “Beatriz, você deveria ser mais presente. Deveria
compartilhar as novidades sobre sua vida. Nós sentimos muito a sua falta”.
Eu conhecia o discurso de cor.
Com cuidado, minha mãe depositou o copo de volta sobre a mesa, me
olhou com ternura e segurou minha mão.
— Sinto muito, minha filha. — Apertou carinhosamente. — Saiba que
tudo o que seu pai e eu mais desejamos é a sua felicidade e a de Ana. — Ela
soltou a minha mão, e mudou de assunto sem tecer mais nenhum comentário.
Meu queixo quase bateu na mesa.
Meus pais não conviveram com Miguel, não existia vínculo, só foi uma
grata surpresa perceber que o assunto não se tornou a porta de entrada para
uma série de questionamentos sobre a minha vida, algo que lutava
arduamente para evitar.
Passava da meia noite quando meu pai e eu fomos buscar as malas no
carro. Assim que retornamos, me despedi e fui para o meu antigo quarto. Ao
abrir a porta, descobri que tudo estava exatamente igual: as paredes pintadas
de lilás, a cama de casal branca com dossel, a penteadeira com os porta-
retratos em cima, cada detalhe no seu devido lugar. Tive a sensação de que o
tempo não havia passado. E eram muitas lembranças de um passado que nem
sempre era agradável recordar.
Instintivamente, toquei na pequena linha, quase imperceptível, em meu
braço.
Respirei fundo e, cansada do longo dia, tirei apenas a roupa de dormir e
a nécessaire da mala, acreditando que após um banho e uma bela noite de
sono, tudo ficaria melhor.

Passarinhos... Acordei com aquelas pequenas criaturas cantando. A cena


foi tão inusitada que não tive outra opção que não sorrir. Espreguicei-me e
peguei o celular na mesinha de cabeceira, verificando que já passava das
nove da manhã. Bem-disposta, dei um pulo da cama, troquei de roupa,
escovei os dentes, e fui direto para o ponto de encontro da casa, a cozinha.
Minha mãe e Ana conversavam enquanto o aroma do café pairava no ar. Dei
um beijo no rosto da minha mãe antes de me sentar ao lado da Ana, em um
dos bancos que contornavam a bancada.
— Querida, o que quer comer? — minha mãe quis saber.
— Não estou com fome. Só quero café mesmo. — Peguei a xícara e me
servi. — Então, como estão os preparativos para festa? No que podemos
ajudar? — perguntei sem rodeios, antes de levar a xícara à boca, sabendo que
o assunto a deixaria feliz.
— Bom, nós contratamos uma empresa para a organização da festa,
sendo assim não teremos muito há fazer. Só fiz questão de esperar a sua
chegada para escolher os docinhos, porque imaginei que gostaria de ir junto.
Agendei um horário na confeitaria da senhora Freitas para amanhã — minha
mãe comentou, e pude sentir o tom esperançoso em sua voz.
— Sem dúvida terei muito prazer em ajudar com isso — murmurei com
um leve sorriso nos lábios, enquanto pegava um pedaço de bolo do prato de
Ana. Não era segredo para ninguém quanto apaixonada por doces eu sou,
mas ainda assim, quando a frase saiu da minha boca, o silêncio pairou sobre
nós. Quando levantei os olhos, encontrei as duas me observando como se
tivesse surgido uma segunda cabeça sobre meus ombros.
— O quê? — quis saber antes de colocar a massa fofa de chocolate e
baunilha na boca, mudando de ideia sobre não comer nada.
Minha mãe moveu a cabeça em negativa, e pude perceber seus olhos
brilhando de um jeito diferente.
— Não é nada, filha. Na verdade, é muito bom ouvir que quer se
envolver com a festa. Isso me deixa muito feliz — comentou.
Ana, ao meu lado, relacionava o que mais estaria na agenda de afazeres
e, mesmo sem prestar muita atenção em suas palavras, assenti enquanto
pegava a xícara de café e me deliciava com o líquido, que tinha o poder de
me tornar uma pessoa mais simpática pela manhã.
— Podemos conversar mais sobre a festa após o almoço, já que alguns
amigos chegarão dentro de algumas horas. — A voz da minha mãe
interrompeu a de Ana.
— Desculpa, o que disse? — Coloquei a xícara sobre a mesa, e minha
atenção foi totalmente direcionada para a minha mãe e a novidade que surgiu.
Amigos? Mais pessoas naquela casa? Não. Aquele não era o combinado.
Em momento algum Ana disse que haveria outras pessoas, além do Vovô
Augusto e Joana. Os convidados chegariam um dia antes da festa e ficariam
hospedados em hotéis, certo? Hotéis! Não na nossa casa.
Minha mãe limpou a garganta, pegou um morango e o partiu com
precisão.
— Comentei que alguns amigos virão para me ajudar durante a semana,
Beatriz. E é claro que ficarão hospedados aqui conosco. Não existe razão para
que fiquem em hotel, essa casa é imensa!
Sim, a casa era imensa. Seria o Airbnb dos sonhos, mas isso não
significa que vamos nos inscrever no site.
Algo dentro de mim começou a mudar e não sabia bem o motivo. Tive
uma sensação estranha, algo que me deixou em alerta a ponto de dissipar, em
segundos, a tranquilidade que senti quando me juntei às duas, há poucos
minutos. Talvez fosse a casa, talvez fosse a presença de outras pessoas antes
mesmo que tivesse a chance de me adaptar completamente em ter a presença
dos meus pais e Ana tão perto de mim novamente.
— Então... Quem vai chegar hoje? — quis saber, intercalando o olhar
entre Ana e minha mãe.
— Se eu tivesse planejado... não teria conseguido chegar em um
momento tão oportuno.
Uma corrente fria atravessou meu corpo da cabeça aos pés em segundos,
o que me obrigou a reter todo o ar que tinha nos pulmões. Eu estava de
costas, mas não era necessário girar o corpo para me certificar de quem era
aquela voz. Porque era a mesma que eu não ouvia há anos, e algo muito,
muito ruim começou a se formar dentro de mim. Fechei as mãos sobre a
mesa, como se estivesse institivamente me preparando para dar um soco em
alguém, e soltei o ar lentamente enquanto girava o corpo na direção em que
veio a voz. E lá estava ele, o meu pesadelo em forma humana, encostado ao
batente da porta.
— Theo.
Falei seu nome como se fosse uma maldição.
E fiz por um único motivo.
Porque ele era.
u consegui enxergar a raiva cintilando nos olhos verdes de Beatriz.
Era como se eu fosse culpado de todos os problemas do mundo, e estivesse
sendo julgado mentalmente por cada um deles pela mulher à minha frente.
Ótimo, porque era tudo de que eu precisava depois de enfrentar de um
voo de doze horas com duas crianças pequenas que entraram em um processo
de revezamento infinito de lágrimas, resmungos e gritinhos. Não que eu fosse
um homem horrível ou insensível, gosto de crianças, mas ficar preso em uma
caixa pressurizada a 11 mil metros de altitude com elas chorando por horas
não é divertido para ninguém. Não importa quanto as ame. Será que Tris seria
gentil se soubesse do fato?
— O que você está fazendo aqui, Theo?! Não deveria estar do outro lado
do Atlântico? — ela quis saber.
Não. Definitivamente a qualidade do meu voo ou as horas que levei
dirigindo não fariam a menor diferença. Entretanto, não dava para negar que
era uma boa pergunta. O que eu estava fazendo no Brasil? Me questionei o
mesmo durante todo o trajeto. E a única resposta que encontrei foi que a
minha habilidade de dizer “não” para a minha mãe era nula. Somente ela, a
senhora Patrícia Piccolli Ferraz, tem tamanho poder de persuasão para me
fazer largar o meu trabalho, a minha vida em Londres, pegar um avião e
passar alguns dias em uma cidade pequena, a qual não visito há séculos.
Bom, eu não estava sendo justo com a minha mãe ao culpá-la de tudo.
Existiam questões a serem resolvidas nas próximas semanas que exigiam a
minha presença no Brasil, mas o fato era que nenhuma delas incluía a
necessidade de atravessar os portões da mansão dos Schimidt, que, pelo que
pude perceber, estavam me teletransportando de volta para uma época em que
os problemas da minha vida giravam em torno de estudos, amigos e garotas.
E, por falar em garotas, a que estava à minha frente continuava sem
fazer questão de disfarçar o quanto a minha presença a desagrada.
De melhores amigos a completos desconhecidos.
Não respondi ao seu questionamento, apenas tirei os óculos de sol e os
prendi na camisa enquanto, sem fazer questão de disfarçar, a observava de
cima a baixo. Em segundos, as chamas de raiva em seus olhos ficaram mais
intensas, e eu sabia que aquela cabecinha estava deslumbrando a
possibilidade de arremessar a travessa que estava sobre a bancada em minha
direção.
— Estou vendo que essa será a semana mais longa da minha vida... —
Tris resmungou me encarando. — Como o próprio não responde, alguém
pode me dizer o que esse homem está fazendo aqui? — perguntou parecendo
ser para Marina ou Ana.
Nenhuma das duas respondeu. Marina continuou com sua atenção
voltada para as frutas que cortava, e Ana colocou um pedaço descomunal de
bolo na boca.
— Fui convidado para a festa. — Dei um passo à frente. — Então
aproveitei para vir uns dias antes e visitar a família e os amigos — respondi a
Tris, mas olhando para Marina que sustentava um sorriso discreto enquanto
piscava para mim.
— Sua mãe não está aqui, querido — Tris me informou, mais furiosa
que antes.
— Vai chegar hoje, querida — devolvi.
E lá estamos nós. Frente a frente. Como em jogo de xadrez esperando
que o outro movesse a próxima peça.
— Você não deveria estar na Inglaterra ou algo assim? Bem, bem longe
daqui — quis saber, fechando os olhos com força, sem esconder a irritação.
— Estou de férias — respondi de imediato.
— Que pena — retrucou rápido.
Tudo bem que não era verdade, mas não estava ali para explicar em
detalhes sobre o que estava fazendo no Brasil. Primeiro porque ninguém
sabia o real motivo, e segundo porque Tris não fazia mais parte da minha
vida.
— Crianças, por favor... — Marina colocou a faca sobre a mesa e se
afastou de nós, enquanto Ana, discretamente, pegou o objeto e escondeu na
gaveta sem fazer barulho. Precisei me controlar para não revirar os olhos.
Alguém realmente acreditava que Tris iria me matar com uma faca de
cozinha?
Tudo bem, eu já tinha entendido a mensagem, em alto e bom tom, de
que a última coisa que a mulher desejava era me ver na casa dos seus pais,
mal sabia Tris que o sentimento era mútuo.
Tris acompanhou Marina com os olhos.
— Na verdade, a culpa disso aqui é sua, mãe. Já que deveria ter sido
mais criteriosa na hora de fazer a lista de convidados — reclamou enquanto
apontava para mim.
— Ai, meu Deus... — Ana murmurou, no intervalo entre um pedaço de
bolo e outro, e foi o que bastou para conseguir a atenção da irmã.
— E você nem começa, Ana Clara — disse, voltando o seu dedo
acusador agora para a irmã que se encolheu um pouco, parecendo desejar
sumir. — Porque esse Big Brother aqui que eu não sabia que ia existir vai
virar Jogos Vorazes a qualquer momento! — esbravejou, como se Ana
tivesse quebrado um tipo de pacto ou algo assim.
No meio da confusão, me mantive calado observando o quanto Beatriz
havia mudado fisicamente. Cabelos compridos, corpo muito mais sexy, já sua
voz... não tão doce, o que parecia combinar perfeitamente com a nova
personalidade. Mas, eu também não era o mesmo homem de antes para me
importar muito.
Ana ameaçou falar algo, mas a interrompi.
— Tris — caminhei lentamente em sua direção —, acho que
conseguimos sobreviver passando alguns dias juntos, não é mesmo?
Ninguém aqui é mais criança.
— Graças a Deus. — Ela jogou as mãos para o céu dramaticamente. —
Porque só com álcool para aguentar tamanho castigo — comentou, e me deu
uma boa olha de cima a baixo, e se fosse qualquer outra mulher eu diria que
estava observando o meu corpo com luxúria, mas, tratando-se de Tris, o olhar
era bem mais de desdém.
— Falando nisso, filha. Seu pai está na adega, não quer ver se ele está
precisando de ajuda?
Eu me controlei para não rir da tentativa bem-intencionada de Marina,
mesmo sabendo que a chance de sucesso para dar fim a discussão era quase
nula. Porque, pelo que conhecia de Tris, aquilo era só o começo, e como eu
ficaria hospedado na casa, o melhor a fazer era alguém enrolar logo a casa em
plástico bolha porque o estrago do furação Beatriz poderia ser grande.
— Vou fazer mais que isso, mãe — Tris pegou uma chave sobre a
bancada, e levantou —, vou dar uma volta.
No instante em que Tris passou ao meu lado, segurei seu braço sem
pensar duas vezes, surpreendendo a nós dois.
— Você está brava demais para dirigir. Vou com você. — Seja lá para a
porra do lugar que for — completei mentalmente.
As bochechas de Tris ficaram em um tom avermelhado, enquanto seu
peito subia e descia notoriamente. E eu? Me esforcei pra cacete para não fixar
os olhos naquela boca linda.
— O motivo pelo qual estou brava é a sua presença e quer que eu saia
daqui com você?
Engoli em seco e soltei seu braço.
Claro, como se todas as indiretas não tivessem sido suficientes.
Ignorei sua frase e respirei lentamente.
— Acredite — peguei a chave de sua mão com delicadeza —, prefiro
vê-la brava assim no banco do carona do que com um volante nas mãos —
comentei honestamente e em tom amigável, deixando a mesma novamente
sobre a bancada. — Vamos no meu carro — informei, tocando levemente em
sua cintura e apontando para a porta dos fundos da cozinha, a mesma pela
qual eu havia entrado há poucos minutos, sem ter certeza se ela continuaria
ou não lutando contra.
Quando dei por mim estávamos caminhando lado a lado pelo jardim.
Que porra estou fazendo? Não seria mais inteligente dar uma pausa na
hostilidade, dormir por algumas horas e só então voltar para o que parecia ser
a semana de terror que teria pela frente?
Tris sentou no banco de carona, a contragosto, mas em silêncio, e
daquela forma seguimos pelas ruas tranquilas da cidade, sem que eu soubesse
ao certo que rumo deveria seguir. Não demorei para perceber que seu silêncio
me incomodava mais do que quando estava querendo arranca meu fígado sem
usar um bisturi.
— E foi ali que você bateu com o carro do seu pai quando tinha 15 anos
—comentei baixinho, apontando para a rua de pouco movimento, e Tris
acompanhou com o olhar.
— Eu sei, Theo... eu estava lá.
Assenti.
— Quase derrubou o portão da casa do senhor Alves — completei no
mesmo tom, sem esconder a leve repreensão, mas, por dentro, me divertindo
com a lembrança.
Tris mordeu o lábio inferior, pensativa.
— Nem foi tudo isso. Só amassou um pouco — argumentou de um jeito
quase infantil, enquanto observava a casa de muro azul onde tudo aconteceu.
Gargalhei e passei a mão nos fios de cabelo, que caíam sobre a minha
testa, colocando-os para trás, e notei que ela acompanhou o meu movimento
com os olhos.
— Você praticamente destruiu um dos carros preferidos do seu pai!
Irritada, ela cruzou os braços e girou o corpo, evitando contato visual.
— E recebi uma bronca à altura do estrago — disse baixinho.
Assenti, e o silêncio retornou, quebrado apenas pelo barulho do motor
do carro. Fiz a curva à esquerda, entrando na avenida principal da cidade, e
suspirei.
— Ainda bem que depois teve um ótimo instrutor — soltei a frase e, no
mesmo instante, Tris bateu a mão na própria perna, como se tivesse levado
um choque.
— Nossa! Você realmente não precisa receber elogios de ninguém, não
é mesmo? Faz tão bem isso sozinho! — ironizou, e foi o bastante para me
fazer sorrir, de novo. Eu tinha esquecido de como era fácil e divertido
provocá-la.
— Linda, esse elogio foi você que me fez quando aprendeu a estacionar
de ré!
E foi assim, ao dizer uma simples frase, que tive um dos pontos altos da
minha manhã. Só porque a chamei de linda. E, como era uma verdade, não
me importei se ficou parecendo uma cantada barata, como se eu fosse um
playboy idiota de vinte e seis anos. Rá! Tão longe da minha realidade.
Emburrada, ela virou a cara, deixando seus cabelos se tornarem uma
cortina que bloqueava minha visão. Porra, mas Tris estava realmente linda.
Só não sorria como antes. Essa versão 2.3 era ainda mais mal-humorada e
com grande carga de agressividade. O que era uma pena, porque seu sorriso
tinha um forte poder de iluminar o mundo, já seus ataques de risos, sempre
fizeram o meu coração disparar.
Toda. Maldita. Vez.
— Você pode estacionar o carro próximo à loja de bebidas, por favor —
pediu, me arrancando dos pensamentos.
— Sua mãe comentou que seu pai estava na adega e você quer comprar
mais bebidas? — questionei, enquanto fazia o que me pediu, estacionando
próximo a uma das lojinhas do centro comercial.
— Theo — Tris girou o corpo em minha direção cruzando uma das
pernas sobre o banco —, vinho não vai ser suficiente. Preciso de uma opção
mais forte, acredite — anunciou, antes de tirar o cinto de segurança.
— Tipo o quê? — Desliguei o carro e apoiei o braço no encosto do
banco ao lado, próximo à cabeça da Tris, aguardando ansioso por sua
resposta. A conversa era boba, quase infantil (menos o álcool), mas era algo
que há tempos não vivia.
— Você vai ver. Agora me dê o seu cartão! — Ela estendeu a mão
próximo ao meu rosto. Próximo o bastante para me fazer pensar duas vezes
antes de negar.
— O quê?!
Tris revirou os olhos.
— O seu cartão! Preciso dele para pagar pelas bebidas que quero tirar de
dentro daquela loja. Caso contrário, não vão deixar que as leve.
Diante de seu jeito abusado e um tanto quanto mandão de falar, a encarei
e cruzei os braços, o que fez com que a camiseta branca que vestia há mais de
16 horas parecesse dois números menor do que eu deveria comprar. Tris
acompanhou meus movimentos com os olhos e, daquela vez, com um pouco
menos desdém e com um leve deslumbre de... luxúria, talvez? Não. Loucura
minha. Afinal, ela gritava seu ódio por mim segundo após segundo.
— Por que não usa o seu?
Ela balançou a cabeça e olhou para cima, resmungando alto palavras
incompreensíveis.
— Porque está dentro do carro que não me deixou dirigir! — respondeu,
sem esconder a irritação.
A mulher tinha razão.
Peguei a carteira no bolso da calça e puxei o primeiro cartão que vi.
— Toma. — Coloquei na palma de sua mão.
— Ah, para! — Com um sorrisinho no rosto, Tris movimentava o cartão
de um lado para o outro. — Você é bem-sucedido, tem mais dinheiro do que
consegue gastar e está reclamando de comprar algumas bebidas?
Ainda sério, cruzei os braços de novo, lentamente e sem quebrar o
contato visual. Os olhos verdes de Tris, que eram moldados com uma leve
olheira, estavam tão presos aos meus que nem piscava, e então deixei uma
sombra de sorriso surgir no canto da boca.
— Pelo visto alguém andou se mantendo informada — comentei com
falsa arrogância, sabendo do efeito que aquilo teria.
Tris semicerrou os olhos.
— Sabe que te odeio, não é? — disse entre dentes, e abriu a porta do
carro.
Ignorei seu comentário.
— A senha é a data do meu aniversário de trás para frente. Você lembra,
certo? — gritei enquanto ela saía do carro bufando, e o sorriso, que era algo
raro no meu rosto, voltou com força total enquanto a observava resmungar
reclamações se aproximando da loja de bebidas.
O celular tocou, me obrigando a deixar de acompanhá-la com os olhos.
Assim que vi quem era, tive vontade de arremessar o aparelho pela janela,
mas me limitei a ignorar a chamada pela quinta vez na última hora.
Joguei o celular no banco do carona, apoiei a cabeça no encosto e
esfreguei o rosto com as mãos. Eu estava exausto de tudo, se pudesse
desapareceria sem deixar rastros, mas sabia que não era uma opção. E, para
piorar, não podia me dar ao luxo de transparecer nada, para ninguém.
Ao menos por enquanto.
le é o ser mais irritante e convencido que já conheci na vida —
resmunguei, enquanto usava violência desnecessária para pegar o pequeno
carrinho de compras. — Por que ele está aqui? Por quê?
Droga! Não tive nem chance de tomar um café da manhã decente antes
do meu dia ser completamente arruinado. E, pior, sinto na minha alma que a
semana seguirá o mesmo caminho. Eu imaginei encontrar qualquer pessoa
naquele maldito lugar, menos Theo. Se minha mãe e Ana tivessem me dito
que a Beyonce havia confirmado presença para um pocket show, não teria
ficado tão surpresa. Aquelas traidoras. Estava estampado no rosto de Ana
que, no mínimo, minha irmã sabia que ele havia sido convidado. Logo ele.
Theo Piccolli Ferraz.
Só podia ser uma piada de muito mau gosto do Universo.
— Eu odeio esse homem — resmunguei.
Irritada, conduzi o carrinho pelos corredores da loja até encontrar o
vasto arsenal de bebidas alcoólicas. Focada em minha missão, peguei o que
só comprava em situações extremas. Quando coloquei as garrafas de tequila
na esteira do caixa, senti como se estivesse sendo julgada pela atendente.
Sorri.
— Feriado em família.
A atendente assentiu, como se tivesse compreendido o drama que viveria
pela frente. Não que as pessoas da minha família fossem horríveis de se
conviver, na verdade, talvez a pessoa horrível fosse eu.
Suspirei com pesar.
Sem ter o que fazer, desbloqueei a tela do celular e encontrei uma
mensagem de Cíntia, minha editora, agradecendo a matéria extra que forneci
para cobrir o buraco existente na próxima edição da revista. Por um instante,
tive vontade de voltar para a cidade, para o meu trabalho, para o meu
apartamento, para a minha vida.
— Qual será a forma de pagamento? — A voz da atendente me trouxe
de volta à realidade.
— Cartão. — Entreguei o cartão de crédito do Theo, e digitei, de trás pra
frente, a data de aniversário do maldito.
O funcionário ao meu lado prontamente embalou as garrafas e as
colocou em uma caixa. Quando me perguntou se precisava de ajuda, recusei e
saí da loja.
Mesmo distante, percebi que Theo acompanhava cada passo meu, até o
instante em que abri a porta de trás do carro e coloquei a caixa no assoalho.
— Meu Deus, Beatriz! Devo levá-la a uma reunião do AA? —
questionou, e seu tom parecia genuinamente preocupado ao olhar para a caixa
atrás do banco.
— Acredite, é um kit de sobrevivência para os próximos dias. — Sentei
ao seu lado e puxei o cinto de segurança. — Sabe quem vai chegar hoje? —
Travei o fecho de metal que, com um leve som, confirmou estrar travado.
— Não — ele virou lentamente em minha direção —, mas, pela
quantidade de garrafas que tem aí, não tenho vergonha nenhuma de confessar
que estou começando a ficar com medo — disse com leve humor, antes de
ligar o carro.
— Fique mesmo. Algo me diz que teremos longos dias pela frente —
comentei baixinho, no fundo sabendo que quis dizer que eu teria longos dias
pela frente, ao perceber que estava lutando para demostrar indiferença ao
pequeno sorriso que havia surgido em seu rosto. Sim, eu o odiava e existia
motivo, mas um fato não podia ser negado: o filho da mãe só tinha melhorado
com o passar dos anos. E é tão injusto quando Deus faz esse tipo de coisa:
pega um ser humano que já era bonito quando novo, e depois vai
aperfeiçoando o desgraçado com o passar do tempo. Vinho! Somente vinho
deveria melhorar com o passar dos anos, não homens. Não Theo.
Claramente Deus e eu estávamos precisando ter uma conversinha.
— Você sabe se Arthur e Pedro estão na cidade? — perguntou sem me
olhar, me arrancando dos pensamentos.
Mordi os lábios com força.
— Não sei. Cheguei ontem à noite, e essa é a primeira vez que estou
saindo de casa — disse, mantendo os olhos presos à paisagem que passava
pela janela lateral do carro.
— Quero encontrar com eles — comentou.
Permaneci com a cabeça apoiada no encosto do banco, tentando evitar
que Theo percebesse a mudança em meu semblante. Eu já estava sendo
obrigada a lidar com a cidade, a casa, a minha família, e agora com Theo,
mas até aquele instante não havia pensado nas outras pessoas que
possivelmente iria reencontrar.
— Pergunte a Ana, ela vem sempre aqui e mantém contato com todos —
comentei baixinho.
— E você? — ele devolveu mais rápido do que imaginei que faria.
— Não tenho motivos.
Theo não fez nenhum comentário, apenas dirigia e parecia fazer o
caminho mais longo para voltarmos para a casa dos meus pais. Era como se
estivesse me dando mais tempo para enfrentar uma realidade da qual não
podia mais fugir.
Assim que o carro atravessou o grande portão de ferro, avistei,
estacionado próximo à garagem, dois novos veículos.
— Acho que chegaram outros participantes desse reality show. —
Apontei com o queixo.
— May the odds be ever in your favor — sussurrou em um inglês
1

perfeito, mas com um forte sotaque britânico que me fez sorrir.


Sim, o homem tinha que fazer uma referência a Jogos Vorazes. Tudo
bem. Eu era a culpada por ter começado mais cedo na cozinha.
Theo estacionou, saiu e deu a volta no carro e, antes que eu tivesse
tempo de fazer alguma coisa, abriu a minha porta. Fingi não perceber sua
atitude extremamente educada e apenas murmurei “obrigada” quando saí.
Ele assentiu.
Por um instante observei os detalhes da fachada da casa, que a escuridão
da noite anterior não permitiu. As enormes janelas com adornos em madeira e
os tijolinhos em perfeito estado que cobriam as paredes externas davam a
casa o imponente ar de um castelo.
— Tris? — A voz de Theo me assustou e dei um passo para trás.
— Sim.
Ele estava parado à minha frente, me observando com curiosidade
enquanto segurava a caixa com as duas mãos, e então deu dois passos em
minha direção.
— Pega a chave no meu bolso e tranque o carro, por favor. — Theo
girou um pouco o corpo e afastou a caixa o suficiente para que eu fizesse o
que ele queria.
Meus olhos recaíram para o bolso de sua calça jeans, e depois voltei a
encará-lo. Ele não podia estar falando sério. Theo levantou uma das
sobrancelhas, como um silencioso questionamento sobre a minha demora.
Inspirei fundo, soltei o ar devagar e, usando apenas dois dedos, pesquei a
chave do seu bolso. Ele assentiu e seguiu pelo jardim, indicando que entraria
na casa pela cozinha.
Definitivamente não seria fácil ser obrigada a conviver com ele por uma
semana. Pensando no desafio, bati a porta do carro com mais força do que o
necessário.
Theo parou no meio do caminho e me olhou.
Levantei as mãos.
— Desculpa, foi sem querer! — disse honestamente enquanto ele, com
cara de poucos amigos, me dava as costas e continuava caminhando.
Sem disposição, subi os degraus da varanda e, assim que meus pés
tocaram o hall, encontrei vovô Augusto vestindo um conjunto de moletom
que tinha cores demais para ser usado em público por um senhor de 83 anos.
Na verdade, tinha cores demais para ser usado por qualquer ser humano com
mais de 5 anos de idade.
— Olá, minha boneca! — Ele veio ao meu encontro de braços abertos e
um sorriso no rosto.
— Oi, vovô. — Dei um abraço bem apertado naquele senhor de rosto
simpático, olhos cor de mel e cabeça tão branca que parecia coberta por
algodão.
— Você desapareceu. Deve ter meses que não a vejo! — reclamou,
ainda com os braços envolvendo o meu corpo carinhosamente.
— Eu não desapareci, vovô. Só estou trabalhando bastante —
argumentei sorrindo. E ele se afastou o suficiente para olhar em meus olhos.
— Ah, eu sei. Leio o seu blog toda a semana e ainda compro todo mês a
edição da revista, só para ler a sua coluna.
O sorriso incontrolável de gratidão e surpresa tomou conta do meu rosto.
Como atravessava vários períodos sem vê-los, a família nunca participava das
minhas conquistas profissionais, e ouvir tais palavras do meu avô fez o meu
coração aquecer. Porque se existia uma pessoa louca nesse mundo que eu
amava era o meu avô.
— Sério que o senhor está lendo revista de comportamento feminino que
fala de moda, beleza, relacionamentos e sexo? — quis saber, rindo.
Ele assentiu, entusiasmado.
— Claro! E estou aprendendo algumas coisas interessantes e...
O pavor tomou conta de mim e quase tapei os ouvidos com as duas
mãos, pois fiquei com medo do que viria a seguir, já que na última edição
tivemos um especial com riqueza de detalhes sobre Kama Sutra. Para falar a
verdade, às vezes nem eu tinha coragem de ler certas partes da revista. Por
sorte, fomos interrompidos pela minha mãe, que surgiu no topo da escada.
— Beatriz, veja só quem está aqui! — Minha mãe descia os degraus de
braços dados com uma mulher que aparentava ter quase a mesma idade.
Magra, de cabelos escuros em um corte Chanel, a mulher parecia desfilar de
tão linda que era.
— Patrícia! — Corri em sua direção, e nos abraçamos demoradamente.
Porque a mãe do Theo sempre foi como uma segunda mãe para mim.
— Olá, princesa — sussurrou no meu ouvido, antes de me dar um beijo
no rosto.
A sua forma doce e carinhosa de me cumprimentar fez meu coração
apertar de maneira quase insuportável, precisei me controlar para não
permitir que lágrimas se formassem nos meus olhos. Eu sabia que estar ali
não seria fácil, mas, em momento algum durante os dias que antecederam a
viagem, imaginei que seria tão desafiador. No entanto, mesmo sendo um
processo doloroso, sorri, me obrigando, mais uma vez, a guardar todos
aqueles sentimentos em uma caixa lacrada dentro de mim.

1 Que a sorte esteja sempre a seu favor.


or que Tris tem que mostrar que me odeia tanto?
Deixei a caixa sobre a bancada da cozinha. As garrafas fizeram barulho
ao tocarem umas nas outras. Sem cerimônia, abri a geladeira, peguei uma
garrafa de água mineral, abri e a levei à boca.
Ela me odeia a ponto de bater a porta do meu maldito carro!
Eu sabia dos meus erros. Sabia que o tempo não iria voltar, mas ainda
assim precisava me olhar como se não existisse nada de bom em mim? Era
como se tivéssemos vivido uma mesma história, mas guardado recordações
completamente diferentes.
— Vocês voltaram. — Ana surgiu ao meu lado, me pegando de surpresa.
Assenti, fechei a porta da geladeira e voltei para a caixa que aguardava
para ser esvaziada.
— E não estou vendo marcas de sangue ou arranhões, sua camiseta
continua inteira. — Ela prendeu os cabelos com um elástico e se debruçou na
bancada ao meu lado. — Devo deduzir que a Tris se comportou, certo?
Eu a busquei com o canto dos olhos e comecei a tirar as garrafas uma a
uma.
— Que tipo de questionamento é esse, Ana?
Ela me encarou, parecendo incrédula.
— Você viu o jeito como a minha irmã te olhou há uma hora e meia?
Porque sério, eu vi e imaginei que a Tris fosse voar no seu pescoço a
qualquer segundo — comentou baixinho, e continuei com a atenção voltada
para as garrafas, então Ana se ajeitou no banco ao meu lado. — É sério,
Theo! Eu estava preocupada. Sabe-se lá o que poderia ter acontecido quando
saíram juntos daqui. Tris poderia ter surtado de vez, puxado seus cabelos,
dado uns tapas, socos sei lá.
Apoiei as duas mãos sobre a bancada e me esforcei para não rir.
— Ana, não se preocupe. Beatriz não é uma pessoa violenta, ela não vai
me matar. — Pisquei e joguei a caixa no lixo.
Ela mordeu o lábio inferior, pensativa, e depois deu de ombros.
— Eu acho que não custa trancar a porta do quarto quando for dormir, só
por precaução — comentou, e pegou uma maçã na fruteira.
— Acredite — puxei o banco e sentei ao seu lado —, já sei lidar com a
sua irmã.
Ana afastou a maçã da boca e levantou o dedo indicador arqueando as
sobrancelhas claras que deixavam seu rosto ainda mais angelical.
— Você sabia lidar com a minha irmã, Theo. Ela mudou bastante e,
talvez, não seja mais a pessoa que você um dia conheceu — completou,
triste.
Eu sabia que a afirmação da Ana podia ter um fundo de verdade, mas
estava sendo difícil acreditar que Beatriz não fosse mais a mesma garota que
conheci.
— Ninguém muda tanto assim. Nós tivemos a prova bem aqui quando
cheguei. Você mesma escondeu a faca quando Tris começou a dar os ataques
— comentei com humor.
Ana ficou olhando para a fruta em suas mãos e seu pensamento parecia
distante.
— Essa é primeira vez, em anos, que Tris aceitou passar alguns dias
conosco — disse baixinho, e então levantou o olhar e o prendeu ao meu. — O
que aconteceu aqui na cozinha, quando chegou, foi caso isolado, Theo. Foi
quase uma exceção à regra. Já faz tempo que não vemos aquela Tris cheia de
vida, que desafiava a tudo e a todos. Confesso que sinto falta dela, sinto falta
da minha irmã.
Foi impossível dizer algo, já que as mudanças pareciam inegáveis.
Minha convivência com os Schimidt havia acabado há alguns anos. Minha
mãe se manteve por perto graças a amizade com Marina, mas eu me afastei
por completo, não havia mais nada que me prendesse ali.
— Imaginei que vocês estivessem dividindo apartamento.
Ana negou com veemência.
— Não. Eu moro no meu, mais perto da faculdade, e a Tris tem o dela.
Não é distante, mas desde que voltou para o Brasil mora sozinha, e não nos
vemos com frequência — confessou, e o seu tom era de profunda tristeza
com o fato.
— Quando foi que ela voltou?
Minha curiosidade falou mais alto do que meu racional. Sim, porque não
fazia a menor diferença saber quando tinha sido. A data não traria de volta
tudo o que foi perdido.
— Tem quase dois anos — respondeu sem me olhar, e o silêncio recaiu
sobre nós por alguns segundos. — Você não esperava vê-la hoje, não é? —
Sua voz surgiu doce e suave.
— Não — mal consegui ouvir minha própria voz e por isso limpei a
garganta ruidosamente —, mas, sendo honesto, também não esperava te ver.
— Passei a mão por sua cabeça carinhosamente e a puxei para um abraço. —
Você vai me chamar de velho se eu comentar o quanto cresceu, o quanto
mudou?
Ana apertou um pouco mais os braços em volta do meu corpo.
— Theo, você não é tão mais velho do que eu, sendo assim não deveria
fazer esse tipo de comentário — disse sorrindo, antes de me dar um beijo no
rosto.
Sorri e optei por não dizer a Ana quão velho, cansado, irritado e
revoltado com o mundo, eu me sentia. Ela desfez o abraço e levantou.
Acompanhei com os olhos aquela que havia se tornado uma mulher — que
sempre considerei como uma irmãzinha mais nova —, e se afastava de mim,
até que de repente ela parou na metade do caminho e se virou.
— Theo?
— Hmm?
— Nós sentimos a sua falta — Ana disse aquelas palavras carregadas de
ternura e verdade, como só ela sabia fazer. Depois saiu, me deixando
sozinho.
Apoiei os cotovelos na bancada e esfreguei o rosto com as mãos. Mesmo
sem confessar em voz alta, também sentia falta de todos, principalmente da
mulher que odiou me reencontrar. Talvez Ana estivesse certa e a garota que
um dia conheci tenha se tornado uma completamente estranha.
De longe, ouvi risadas e não demorei para reconhecer a voz da minha
mãe dentre as demais, o que me obrigou a deixar de lado as lembranças e
levantar do banco, encarando a realidade dos próximos dias.
Eu me aproximei da sala e encontrei Marina, Ana, Tris e minha mãe
conversando e sorrindo. Ao fundo, vovô Augusto, que há anos eu não
encontrava, andava de um lado para o outro, como se estivesse sem direção
definida, falando ao celular. Tudo era um pouco caótico e muito diferente da
minha realidade solitária. Quando me viu, Tris abraçou o próprio corpo e deu
um passo para trás. Como ninguém anunciou a minha presença para minha
mãe, eu a abracei pelas costas, surpreendendo-a.
— Alguém atrasou — disse baixinho no ouvido da minha mãe, antes de
beijar seu rosto. Ela segurou meus braços com carinho, se acomodando em
meu peito. Minha mãe parecia ainda menor e frágil entre meus braços.
— Meu amor. Desculpa, tive um imprevisto, mas sabia que não
precisava avisar sobre o meu atraso porque você estaria em casa aqui —
afirmou e beijou meu rosto.
Queria dizer que não estava me sentindo em casa porque nada daquilo
fazia mais parte da minha vida. Desconfortável, deixei a questão apenas na
minha mente e usei como desculpas o fato de que precisava pegar as minhas
malas no carro para me afastar por um instante. Ana se ofereceu para me
ajudar e mostrar qual quarto havia sido destinado para mim. E, só porque
Deus tem senso de humor, o quarto ficava a duas portas do quarto da Tris.
No mesmo corredor, alguns passos de distância.
Entrei e me joguei na cama.
E lá estava eu, mais uma vez, tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
Sem forças para levantar, tirei o tênis usando os pés. Sentia como se
tivesse envelhecido dez anos nos últimos quatro meses. Exausto, fechei os
olhos, e relaxei o corpo. Pelo menos até que batidas na porta me arrancaram
da contemplação do silêncio.
— Theo, está aí? — A voz da minha mãe vinha abafada do outro lado da
porta.
— Sim — respondi com os olhos fechados.
— Só para avisá-lo de que o almoço será servido dentro de três horas.
— Tudo bem, obrigado.
Peguei o celular no bolso da calça e programei o despertador para não
perder o almoço. Eu precisava dormir, o bastante para colocar a cabeça no
lugar e não perder o foco do motivo de estar de volta, e eu não poderia me
dar ao luxo de fazer com que a presença de Tris fizesse a diferença.

Um barulho.
Um grito.
Deixei o controle do videogame cair no chão e corri em direção ao som.
Atravessei a casa e, ao passar pela porta da cozinha, encontrei Tris caída no
gramado, chorando e segurando o joelho sem esconder a dor.
Corri ainda mais.
— O que foi? — Eu me ajoelhei ao seu lado.
Sangue foi a primeira coisa que vi em seu joelho e braço, junto aos
arranhões e machucados em sua pele tão clara.
— O que você fez, Tris? — murmurei.
Ela soluçou e puxou o ar.
— Subi na árvore e caí de lá — respondeu, entre choros e mais soluços,
apontando para um galho bem acima da nossa cabeça. Era alto o suficiente
para ela entender que nunca, nunca deveria ter tentado subir.
— Tris, quantas vezes a sua mãe já disse que você não pode subir nessa
árvore? — Assustado, enxuguei com o dedo as lágrimas que caíam por suas
bochechas redondinhas e rosadas.
— Mas você sobe! E o Arthur também! — argumentou, chorosa.
Tirei sua mão de cima do machucado e tentei esticar sua perna, mas ela
reclamou de dor no mesmo instante.
— Você não pode fazer tudo que nós fazemos — alertei, mesmo sabendo
que já não adiantava muito.
— Posso, sim. Só porque sou menina você diz que não posso.
Coloquei-a no colo e a levantei.
— Além de você ser menina, só tem seis anos — comentei com ternura.
— Mas eu faço sete esse ano! — retrucou, irritada entre soluços.
— Todo mundo vai fazer aniversário esse ano, Tris. Tudo bem.
Desculpa, você tem quase sete, mas me promete uma coisa?
Parei no meio do jardim, ainda com ela no colo.
Tris me olhou, curiosa.
Seu rosto ainda estava vermelho do choro e a sua franja quase cobria os
olhos. Ela parecia uma boneca, igual às muitas que tem em seu quarto.
— O quê?
— Que você só vai subir na árvore se eu estiver embaixo para segurar
você.
Ela ficou calada por um instante e seus olhos ficaram arregalados, e
depois sorriu.
— Você vai me salvar, igual a um super-herói?
Assenti.
— Vou, Tris, vou ser o seu super-herói, mas só se me prometer que não
vai subir na árvore sem me avisar antes.
— Eu prometo.
Seguimos para dentro de casa.
— Theo?
— Humm.
— Você pode ser o meu príncipe encantado também?
Sorri.
— Sim. Posso ser o seu príncipe encantado também.
arecia inacreditável, mas existia um quarto de hóspedes pronto e
aguardando aquele homem na casa. Pelo visto tudo e todos estavam
preparados para Theo, menos eu.
Na primeira oportunidade que tive, saí da sala. O que foi fácil já que a
minha interação nas conversas era nula. Não que minha mãe e Patrícia não
fossem pessoas adoráveis, de forma alguma, eu só sentia que o mundo no
qual elas viviam não era mais o meu. Festas, eventos sociais, pessoas
importantes... nada daquilo fazia mais parte de mim.
Entediada, peguei o meu notebook no quarto e segui para a biblioteca,
que normalmente só era utilizada pelo meu pai, o que fazia do lugar um
esconderijo perfeito. Assim eu poderia trabalhar em paz e evitar reclamações
da Ana, já que eu havia prometido não trabalhar nos próximos dias, e, em
menos de 24 horas, já estava quebrando a promessa. Mas, como aquela era
uma das únicas que podia quebrar, decidi me dar ao luxo.
Sentei na poltrona e dediquei um tempo para responder e-mails, acessar
o blog, ler e responder comentários dos visitantes. Era gratificante e, de certa
forma, uma maneira de me aproximar das pessoas, sendo protegida por uma
tela.
Longe, porém perto.
Funcionava para o estilo de vida que escolhi ter.
Duas horas e meia depois, não havia mais pendência que me obrigasse a
trabalhar. Sem ter o que fazer, abri uma página em branco do editor de texto e
fixei o olhar no cursor. Eu apenas contava a quantidade de vezes que cursor
piscava na tela. 1, 2, 3, 4... e minha mente insistia em vagar em direção ao
passado que eu tanto lutava para esquecer.
*
— Você sabe que é péssima nesse jogo, não é? — comentou, enquanto
eu abafava os meus resmungos com uma almofada.
— Tem que apertar muitos botões ao mesmo tempo! — reclamei. — É
humanamente impossível.
Ela riu.
— Sério que como desculpa vai querer insinuar que não sou humana!?
Apontei para a televisão que repassava a abertura do jogo tocando uma
música irritante.
— Desisto! Eu odeio videogame! Acho melhor assistirmos a um filme,
seriado ou qualquer coisa.
Ela deu de ombros.
— Foi você que pediu que te ensinasse. Ninguém está te obrigando a
gostar ou aprender, Tris.
Irritada, cruzei os braços encarando a abertura que havia recomeçado e
me desafiando a tentar de novo.
— Mas, se eu não aprender a jogar essa droga, nós vamos perder para
eles —resmunguei.
Rindo, ela me abraçou.
— Não se preocupe. Se eles estiverem ganhando e não forem gentis ao
ponto de nos deixarem reverter à situação, nós podemos trapacear.
Eu a encarei, o sorriso em seu rosto brilhava tanto quanto os olhos.
— Uau... seu sobrenome deveria ser honestidade, sabia?
Ela deu de ombros.
— Acredite, de um jeito ou de outro, as histórias sempre terminam com
um final feliz.
*
— Aí está você!
A porta do escritório abriu de uma só vez batendo de encontro à parede,
me fazendo pular da cadeira e me puxando de volta para a realidade. Vovô
Augusto caminhava em minha direção depois de quase ter me matado de
susto.
— Oi, tudo bem com o senhor? — quis saber ao vê-lo apertando algo
nas mãos.
— Não, minha boneca. Estou com um problema sério aqui. — Ele se
aproximou da mesa e colocou sobre o meu notebook um iPhone do último
modelo. — Acho que a internet não está funcionando. Meu Face não abre.
Não consigo mandar zapzap, colocar foto no Instagram. Estou isolado do
mundo. — Cruzou os braços, revoltado, enrugando a testa. — Dá um jeito
nisso para o seu avô.
Um pouco assustada ao perceber que meu avô era mais ativo nas redes
sociais do que eu, peguei o aparelho, acessei o ícone de configurações e fiz as
mudanças para o Wi-Fi da casa, depois o devolvi.
— Aqui está, tudo funcionando direitinho.
Ele me agradeceu com um grande sorriso, me deu as costas e saiu do
escritório. Fiquei rindo sozinha enquanto ele se afastava, e só depois baixei a
cabeça.
— Ah, boneca! — chamou, e levantei a cabeça novamente. — Não fique
escondida aqui dentro por muito tempo, a vida está acontecendo lá fora.
Então, ele piscou para mim e saiu.
Fiquei sorrindo sozinha antes de voltar a atenção para a página que
continuava em branco à minha frente. Foco. Eu precisava trabalhar minha
mente para manter sempre o foco. O que era lindo na teoria, mas que, na
prática, parecia impossível. E, no fundo, sabia que estava desperdiçando o
meu tempo por completo. E o motivo? Meu pensamento estava no homem
que ressurgiu em nossas vidas. Theo era a única coisa que ocupava a minha
mente. O seu nome apareceu no meio das poucas frases que digitei, mesmo
não tendo nenhuma ligação com o assunto.
Tirei as mãos do teclado, apoiei os cotovelos na mesa e juntei as mãos
próximas à minha boca. Por quê? Depois de tantos anos, por quê? Meus
olhos continuavam fixos na tela como se resposta fosse surgir digitada num
passe de mágica.
Duas batidas na porta me trouxeram à realidade e, quando vi, Theo
estava entrando na biblioteca. Eu não confessaria para ninguém, mas meu
coração disparou.
— Legal aqui, hein? Eu não lembrava desse lugar. — Ele sentou no sofá
de couro marrom à minha frente, e apoiou um dos braços sobre o encosto.
— É porque meu pai usa a biblioteca como escritório e nós não tínhamos
autorização para entrar. Fora que, pelo que me lembro, manter contato com
os livros nunca foi o seu forte quando éramos crianças — provoquei com um
pequeno sorriso no canto da boca.
Theo observava a linda estante de madeira rústica repleta de livros que
ia do chão ao teto. Não era nada comparada com a biblioteca do castelo de A
Bela e a Fera, mas dava para ter orgulho também.
— Não era mesmo. Sempre preferi esportes e atividades ao ar livre —
disse, parecendo não ter tomado o meu comentário como um insulto.
Limpei a garganta.
— Posso ajudá-lo? — Projetei o meu corpo para frente e cruzei os
dedos, apoiando a mão sobre o teclado. Postura profissional, Beatriz.
Mantenha a postura.
— Não. Só estava andando pela casa — comentou, ajeitando a bainha da
calça jeans despretensiosamente, como se houvesse algo errado. E eu podia
afirmar, com toda a certeza do mundo, que não tinha nada de errado com
aquela calça. Ela era perfeita da cintura até a bainha e muito bem ajustada ao
corpo igualmente perfeito que envolvia.
Droga, de onde veio esse pensamento?
Balancei a cabeça, tentando apagar o meu comentário mental.
— Então pode continuar no seu tour, Theo. Assim me deixa trabalhar
em paz — disse, me obrigando a voltar o olhar para a tela do computador.
Com o canto dos olhos, vi quando um discreto sorriso surgiu em seu
rosto.
— Você não está conseguindo escrever nada — afirmou em tom suave.
— Quem disse? Eu estava desenvolvendo um ótimo texto, até ser
interrompida por você — soltei sem olhar para ele, pois sabia que, se fizesse,
haveria uma grande chance de ser pega na minha própria mentira.
Ele inclinou o corpo apoiando os cotovelos nos joelhos e me encarou.
— Fiquei parado na porta por quase cinco minutos antes de bater e você
olhava para tela como se estivesse com a cabeça em outro mundo. — Ele
levantou. — De qualquer forma, estão nos aguardando para almoçar —
chamou, já me dando as costas.
Sabendo que ele não iria ver, mostrei a língua, fazendo cara feia.
Sete dias.
Fechei o notebook com força.
Eu só precisava aguentar e conviver com ele por sete dias. E se, por
acaso, Theo decidisse atormentar o meu juízo, eu seria obrigada a transformar
os dias daquele homem num inferno na Terra.
Levantei da cadeira, abracei o aparelho contra o peito e saí rumo ao meu
quarto. Segura de que conseguiria sobreviver, deixei o material de trabalho
sobre a cama, abri o armário, peguei um cardigan e segui para o nosso
primeiro evento do dia. Enquanto caminhava, vestia o casaco como uma
armadura, como se estivesse me preparando para a guerra.
inalmente! Onde estava?
Ana apontou o lugar ao seu lado no banco de madeira assim que desci o
último degrau que dava acesso ao jardim. O sol brilhava e, mesmo sem muita
força para nos aquecer, deixava tudo ao nosso redor mais belo. Todos se
encontravam em volta da grande mesa preparada no gramado. A mesma
comportava confortavelmente dez pessoas. Quatro em cada lado em um
banco largo de madeira com futons, e dois bancos individuais nas cabeceiras.
Sentei-me ao lado da Ana e de frente para Theo.
— Trabalhando — disse, pegando uma taça com água e a levando à
boca. Eu já sabia o que viria a seguir, por isso nem me abalei.
Ana soltou o garfo no prato.
— Poxa, você prometeu!
Apoiei a taça de volta na mesa, sem pressa.
— Ana Clara, não vou trabalhar o tempo todo, mas em alguns momentos
sim — respondi, séria, e nossa conversa chamou atenção dos demais.
— Não se preocupe, Ana — Theo pegou a travessa que Patrícia lhe
entregava —, sua irmã não vai ficar muito tempo grudada naquele notebook
— completou despretensiosamente enquanto se servia, mas com aqueles
malditos olhos azuis presos aos meus.
Por que ele tinha que ser tão insuportavelmente gato e irritante de se
conviver? Precisei fazer um esforço sobrenatural para não cair no jogo do
sujeito.
— Ah, é mesmo? — quis sabe enquanto decidia o que iria comer, sem
encará-lo. — Vai me proibir? — deixei a perguntar no ar, sem nem me dar ao
trabalho de olhar em sua direção.
— Nunca.... — A palavra surgiu tão suavemente que me fez levantar o
olhar, então ele continuou: — Quem sou eu para proibi-la de algo. —
Levantou a taça de água e levou à boca, mas antes abriu um sorriso sexy, que
deveria ser proibido.
Ferrada. Eu estava completamente ferrada.
Alguém precisava me dizer com urgência desde quando Theo tinha
ficado sexy daquele jeito. Bonito? Sim. Ele sempre foi e era esperado que
continuasse a ser. Dos cabelos castanho-escuros, passando pelos olhos azuis,
nariz perfeitamente desenhado até chegar ao maxilar másculo bem marcado.
Ele poderia ser o queridinho de Hollywood. Agora, sexy? Aí já era demais.
Era um absurdo, uma audácia, ele ter melhorado a bela fisionomia que Deus
havia lhe dado se enfiando dentro de uma academia, crescendo músculos e
adicionando aquela áurea sensual que poucos homens conseguem ter sem
parecer forçado.
Eu não estava preparada para tudo aquilo.
Respirei fundo tentando aceitar que, pelos próximos dias, seria obrigada
a conviver com a beleza daquele homem. No entanto... algo precisava ser
feito a respeito da atitude e prepotência do rapaz.
Eu não lembrava daquele lado do Theo. Se bem que também não
lembrava dos bíceps enormes e das pernas torneadas que estavam escondidas
naquele jeans caro e todo rasgado. Pelo visto, eu havia perdido parte da
memória.
— Patrícia, marquei o brunch com as nossas amigas para depois de
amanhã — minha mãe comentou, me tirando de meus devaneios.
— Que ótimo! Assim, ficaremos sabendo de tudo o que aconteceu nessa
cidade nos últimos meses em apenas duas horas. — Patrícia riu.
— Tris, pode me passar o açúcar? — Theo esticou a mão em minha
direção enquanto prestava atenção em algo que meu pai dizia.
Ahhh Claro...
— Me passa o chá gelado, adoço para você. — Estendi a mão com um
sorriso angelical nos lábios. Dividindo sua atenção entre mim e meu pai,
Theo concordou e me entregou sua taça, sem nem ao menos me olhar. Ao
meu lado, Ana conversava com Patrícia e minha mãe voltava sua atenção
para Rosa, que se aproximava com mais uma travessa fumegando. Perfeito.
Adocei o chá gelado de Theo, mexi e devolvi em seguida. Ele me agradeceu e
continuei a comer em silêncio. Segundos depois, Theo cuspiu tudo em cima
do vovô Augusto, que estava ao seu lado, e todos na mesa se assustaram.
— Meu filho, você está bem? — Patrícia parecia genuinamente
preocupada.
Meu avô, pegou o guardanapo e enxugou o rosto enquanto Theo estava
quase se engasgando por conta do chá gelado e, muito provável, da vergonha.
Minha mãe rapidamente se levantou, pegou um segundo guardanapo de
pano e entregou a Theo, que olhava para mim como se quisesse me matar.
Ignorei e continuei comendo.
— Querido, você está bem? — Minha mãe dava tapinhas em suas
costas.
Levantei a cabeça e olhei para Theo, me juntando assim aos demais.
— Estou ótimo! — respondeu entre dentes. — O chá é que ainda está
um pouco amargo — completou, ainda me encarando.
— Se quiser, posso colocar mais açúcar — ofereci com um sorriso nos
lábios.
— Obrigado. Não é necessário — respondeu, entre dentes mais uma vez.
O almoço continuou após a comoção, mas, por dentro, fiz uma dancinha
da vitória.
Logo após a sobremesa, todos levantaram e cada um foi para um canto
da casa. Meu pai e meu avô foram assistir a um jogo de futebol na TV. Minha
mãe e Patrícia decidiram podar as flores do jardim, e Ana mal notou quando
passei ao seu lado porque estava agarrada ao celular, sabe se lá com quem,
distribuindo sorrisinhos.
A tarde estava agradável e tão convidativa que me deixei levar
caminhando sem rumo pelo jardim. E, ao me afastar cada vez mais da casa,
percebi que nada havia mudado por ali. Sorri por um instante, e corri em
direção a uma árvore enorme com troncos robustos e coberta de folhas
amarronzadas, que sempre estivera por ali. Institivamente, puxei as duas
cordas espessas e me sentei na tábua de madeira envernizada. Dei impulso
com os pés, fechei os olhos, e soltei o corpo, balançando para frente e para
trás no lugar que sempre fora o meu refúgio particular para tudo na vida.

— Tris, por que está aqui sozinha? Você está chorando? — Theo parou
ao lado do balanço.
— O Pluto morreu — murmurei, enxugando as lágrimas. — Meu
cachorro morreu.
— Ah, princesa, sinto muito, vem aqui. — Ele passou os braços pelo
meu corpo e me puxou de encontro ao seu. — Ele já estava ficando velho.
Estava muito cansado.
— Ele não estava tão velho assim! Ele tinha treze anos! Eu tenho doze
anos! — argumentei tomada pela dor.
Theo me afastou o suficiente para olhar em meus olhos.
— Sabe que não é a mesma coisa. O vovô Augusto explicou várias vezes
desde de que Pluto ficou doente. — Enxugou minhas lágrimas que caíam.
— Eu sei — respirei fundo e soltei o ar —, mas dói porque eu o amo.
— E você vai continuar amando, mas agora ele está no céu dos
cachorros e vai cuidar de você de lá. — Ele beijou a minha testa. — E eu
prometo cuidar de você daqui.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto enquanto a cena desaparecia bem
diante dos meus olhos. Eu a enxuguei rapidamente, mesmo não tendo
ninguém por perto para testemunhar. Muitos anos já haviam se passado, mas
lembrava daquele dia como se fosse ontem. O dia que perdi meu cachorro,
meu primeiro melhor amigo. Meu companheiro de todas as horas, protetor e
caçador de monstros invisíveis, que dormia todas as noites ao lado da minha
cama. Ele foi parte fundamental da minha infância feliz e nós vivemos
grandes aventuras juntos, até ele partir... E, quando se foi, o lugar de melhor
amigo já estava sendo ocupado por outro alguém, mas que, no final, também
perdi.
Eu os perdi porque a vida acontece. Porque ela nos permite sorrir,
sermos felizes, só para depois nos surpreender e partir nosso coração além do
irreparável. Com o passar dos anos, aprendi que a vida não permite que tudo
seja perfeito, ela nos concede momentos, apenas alguns momentos felizes, só
que, no final, ela me tirou muito mais do que eu podia imaginar, me deixando
sozinha.
uem chega aos 23 anos e ainda faz brincadeiras infantis como
trocar açúcar por sal? Beatriz. Só para me mostrar que pode e me colocar de
volta devido lugar. Sua brincadeira — que por alguma razão todos não
perceberam ou preferiram fingir não perceber — foi como se ela tivesse me
derrubando da cadeira, me fazendo cair de bunda no chão, só para ficar me
olhando de cima com um pequeno sorriso nos lábios. Em poucos segundos, a
mulher conseguiu me fazer ter vontade de rir de sua cara de boa menina ao
tentar disfarçar o que tinha feito, e desejar dar a volta na mesa e arrancá-la
daquele banco, jogá-la por cima do meu ombro, levá-la para o meu quarto e...
— Theo! Você ouviu o que disse? — O questionamento de Sérgio me
arrancou do sonho vívido que estava tendo com a filha dele.
Girei o corpo em sua direção.
— Não, desculpa. Estava distraído. — Passei a mão nos cabelos, como
se o ato fosse afastar Tris dos meus pensamentos e tudo mais o que gostaria
de fazer com ela. Nós estávamos na biblioteca há mais de meia hora, e eu
sabia que era questão de tempo até que tocasse no assunto Piccolli. — Mas se
estava relacionado ao conteúdo dessas pastas, sabe que não tenho interesse.
— Theo — ele inclinou o corpo para frente e apoiou os cotovelos nos
joelhos —, esses são os relatórios da última auditoria. Acho que deve dar
uma olhada — disse em tom amistoso.
Irritado, levantei do sofá e caminhei até a janela.
— Estou aqui apenas por alguns dias, Sérgio. Não quero me envolver
nisso.
— Eu sei, mas sabe tão bem quanto eu que a questão agora não é só essa
— ele emendou.
Fiz o possível para ignorar o comentário e foquei minha atenção no
jardim à frente. O gramado impecável, as jardineiras cobertas de flores e
plantas bem cuidadas, e as árvores que pareciam ter sido estrategicamente
plantadas, e então avistei o balanço preso a maior delas. E, mesmo distante,
tive absoluta certeza de que era Tris movimentando aquelas cordas.
— Podemos conversar sobre isso em um outro momento? — sugeri com
os olhos fixos na garota do balanço.
— Claro, temos tempo — respondeu de imediato.
Não. Não era verdade, porque se existia algo com o qual eu estava
lutando contra era o tempo. Sem dizer nada, saí da biblioteca e segui em
direção à única pessoa com quem realmente queria estar.
Com passos silenciosos, me aproximei a tempo de ver Tris levantando a
mão e passando o dedo próximo aos olhos. Seus ombros subiram e desceram
como se estivesse se esforçando para que o ar preenchesse seus pulmões.
— Então o saleiro estava ao lado do açucareiro e você não percebeu? —
Peguei as cordas, e Tris reagiu assumindo uma postura rígida, como se
estivesse tentando se proteger de mim, ou quem sabe do mundo.
— Foi um erro comum que qualquer pessoa poderia cometer — disse
baixo, com pequeno sorriso no canto da boca, e se inclinou para pegar
impulso e, com isso, acabou fazendo seu corpo se aproximar ainda mais do
meu.
Continuei a empurrá-la tocando de leve em suas costas. Eu conseguia
sentir o calor do seu corpo, só para segundos depois senti-lo escapar das
minhas mãos. Era como alternar verão e inverno, de novo e de novo.
Eu sabia que não deveria pegar as minhas fichas e apostar naquele jogo
com Tris. Porque, por mais tentador que fosse, era um jogo perigoso, que
tinha tudo para dar errado no final.
Muitas histórias.
Muito passado.
Muitos estragos.
Segurei as cordas do balanço e o fiz parar no alto. As costas de Tris
grudaram em meu peito e aproximei o rosto de seus cabelos. O aroma suave
de lavanda que vinha dos seus cabelos me atingiu como um maldito feitiço.
— Então me diga: devo esperar pegadinhas do tipo a semana toda? —
sussurrei em seu ouvido, fazendo com que meus lábios tocassem em sua
orelha.
Senti seu corpo responder na hora. A mudança da cadência de sua
respiração e seus lábios entreabertos por conta da surpresa, não tiveram
palavras de imediato para mim. Porque eu ainda a afetava. E foi assim que
surgiu a porra de uma ponta de esperança dentro em mim. Surgiu a porra de
um novo e se na minha vida. E se Tris sentisse por mim ao menos um terço
da atração que eu sentia por ela?
Ela girou o pescoço o suficiente para que aqueles olhos verdes se
prendessem aos meus.
— Se deixar de ser prepotente... pode ser que eu pare — comentou
baixinho.
Pensei em soltar as cordas e deixar que o balanço voltasse a se
movimentar, mas não consegui. Minhas mãos não responderam à ordem,
porque eu estava sentindo o calor do seu corpo e não queria abrir mão
daquilo. Continuei segurando Tris suspensa no ar.
— Continua atrevida e desafiadora, hein? — provoquei a garota que
subia escondida em árvores só para provar para todos que também podia.
Os olhos de Tris se prenderam ao pequeno sorriso que eu sustentava nos
lábios.
— Acredite, não sou mais a mesma garota, Theo — respondeu levantado
o olhar e me encarando de novo. — As pessoas mudam.
Sabia que dizer que nada havia mudado seria uma grande mentira, sem
dizer errado e utópico. Mas, por um instante, desejei acreditar que era
verdade. Talvez porque fosse um pouco mais fácil continuar de onde
havíamos parado, do que encarar a realidade atual da minha vida. Soltei as
mãos da corda, deixando o balanço voltar a se movimentar, e continuei a
empurrá-la no mesmo ritmo de antes, mas permitindo o silêncio nos proteger
do que poderia vir pela frente.
— Theo — sua voz me tirou de meus pensamentos —, você se lembra
do Pluto?
— Como iria esquecer, ele destruiu um dos meus tênis preferidos.
Ela sorriu, e ganhei meu dia.
— Se não tivesse o péssimo hábito de largar o tênis em qualquer lugar,
ele não teria destruído — comentou, parecendo se divertir com a lembrança.
Interrompi os movimentos do balanço. Dessa vez num ponto mais alto,
colando as suas costas no meu peito. Só porque estava gostando cada vez
mais de brincar com o perigo.
— Como sempre, defendendo todas as travessuras do seu melhor amigo?
— provoquei, e dessa vez deixei meus lábios correrem da sua orelha até a
bochecha.
Não. Eu não estava jogando limpo e sabia. Mas, como era bom sentir
aquele perfume. Tris fechou os olhos e senti sua pele esquentado perto da
minha.
Perto demais. Rápido demais.
— Ele sempre mereceu que o defendesse — disse baixinho, inclinando o
corpo para frente, tentando se afastar de mim, então lhe dei o espaço que
havia pedido.
— Eu lembro de encontrar você bem aqui quando ele morreu —
comentei em baixo tom, quase como se não quisesse que Tris ouvisse.
Ela assentiu, demonstrando que lembrava, e me perguntei se Tris ainda
se lembrava de absolutamente tudo entre nós.
— Já tem tanto tempo, mas sinto como se tivesse sido ontem — disse
baixinho olhando para as montanhas à nossa frente, como se estivesse
pensando alto. — Foi um dos dias mais triste que já tive. Pluto foi o primeiro
amigo que perdi, e nunca tinha imaginado a dor que sentimos até aquele
instante... — Tris se calou por um instante e depois suspirou. — Mal sabia eu
que podia doer ainda mais — completou no mesmo tom, perdida em suas
lembranças sem esconder a tristeza em sua voz.
Engoli a seco.
Sabia que aquele era um caminho perigoso, e eu não estava pronto. E,
pelo que percebi, nem ela, pois parecia fazer o possível para não chorar. No
fundo, esperava que Tris conseguisse, porque seu choro sempre fez com que
me sentisse impotente, como se aquilo fosse umas das minhas kryptonitas
pessoais.
Soltei o balanço e fui para a sua frente, para que pudesse me ver.
— Você ainda tem amigos — comentei com leveza.
Ela desviou o olhar para observar a paisagem.
— Tinha me esquecido o quanto isso aqui é lindo — murmurou,
mudando de assunto, e preferi não insistir.
— É... — Sentei na grama ao seu lado. — Esse lugar sempre me trouxe
paz — comentei enquanto observávamos as montanhas verdes que tocavam o
céu azul.
Tris se balançou suavemente com a ajuda dos pés, e suspirou.
— Paz... Uma palavra tão pequena que significa algo que nem sempre
conseguimos ter, não é mesmo? — disse baixinho, e assenti pela verdade que
nós dois parecíamos compartilhar. — Porque nem sempre é fácil acalmar a
tempestade que vive dentro de nós — completou num sussurro, e me calei,
deixando que a beleza da natureza preenchesse o silêncio entre nós.
ssisti ao pôr do sol ao lado do Theo, até que ele recebeu uma
ligação e se afastou para atender, me deixando só. A iluminação do jardim foi
sendo acionada conforme a escuridão tomava conta de tudo à minha volta.
Existia uma melancolia no ar, e eu não conseguia evitá-la. Quando o frio se
tornou incômodo, voltei para casa. E logo soube que meus pais e Patrícia
haviam saído para encontro regado a queijos e vinhos com alguns amigos. Eu
mal pude acreditar que o casal que perturbava minha mente dizendo que eu
nunca passava tempo com a família havia me abandonado na primeira noite.
Sem ter o que fazer me vi tirando todas as roupas da mala para arrumar
no armário. Como a porta do quarto estava aberta, percebi que Ana passava
de um lado a outro no corredor, falando ao celular. Minutos depois, surgiu
arrumada, enquanto eu vestia um moletom antigo, e meu cabelo já tivera dias
melhores.
— Tris — Ana encostou-se ao batente da porta —, me empresta o seu
carro?
Seu pedido veio de forma despretensiosa e inesperada. Sem olhar para
ela, peguei a jaqueta de couro e pendurei no armário.
— Por que não pega o da mãe? — quis saber ao tirar um dos vestidos da
mala e abrir sobre a cama.
Ana soltou um longo suspiro.
— Porque o carro da mãe é enorme e as vagas aqui são pequenas.
Minhas mãos pararam sobre o tecido delicado ao ouvir a resposta, e um
frio desceu na minha espinha. Tadinho do meu carro, seria severamente
castigado nas mãos daquela garota.
— Então — estendi o corpo, deixando de lado por um instante o que
fazia — você quer que eu empreste o meu carro para você, que aparentemente
comprou a carteira de habilitação? — Arqueei as sobrancelhas.
— Tris, por favor. Eu não dirijo mal! Eu juro! Por favooorrrr. — Ana
juntava as mãos próximas ao peito, e seu olhar era digno de filhote de gato
que se perdeu da família.
Engoli em seco e respirei fundo.
— Tudo bem, te empresto o meu carro, mas com algumas condições —
disse, enquanto buscava a bolsa.
— Sabia que isso não viria de graça — resmungou, cruzando os braços.
Ignorei o comentário, assim como ignorei o comprimento da saia e o
fato da maquiagem fazer com que parecesse bem mais velha.
— Primeira condição é — levantei o dedo dando ênfase — que não
coloque nem uma gota sequer de álcool na boca. Então, cuidado até com
quem for beijar! Segunda — levantei mais um dedo —, que o meu carro volte
sem um amassado! E terceira — completei com outro —, se for demorar
muito, você vai me ligar avisando.
— Prometo.
— Ana Clara, estou falando sério!
— Meu Deus, já disse que prometo! O que mais você quer?
— Se eu tivesse nesse momento uma bíblia por perto, faria você jurar
com a mão sobre ela — falei rapidamente.
Ana revirou os olhos e esticou o braço com a palma da mão para cima, e
eu, morrendo de medo, entreguei as chaves. Ela me abraçou, me deu um beijo
e saiu feliz da vida. A partir daquele instante, o silêncio tomou conta da casa,
e cheguei a me sentir como se estivesse no meu tranquilo apartamento.
Terminei a minha tarefa com as roupas, tomei um banho, vesti uma calça de
pijama e uma camisa fina de mangas compridas, e depois de uma hora estava
cansada do tal silêncio.
Entediada, peguei um livro e fui para a sala de estar. Decidida a sentar
na poltrona, que geralmente era a preferida de papai e, assim que me
aproximei dela, dei de cara com Theo, deitado no sofá. E mesmo depois de
passar o dia ao seu lado, juro por Deus, que não estava preparar para aquela
visão.
— O que você está fazendo aqui? — Minha voz saiu levemente
irritadiça.
Ele me olhou de cima a baixo, colocou as mãos atrás da cabeça, e se
ajeitou melhor no sofá.
— Estou hospedado aqui, não sei se lembra.
Meus olhos decidiram me trair e buscaram cada músculo que aparecia
ter sido desenhado a mão naquele braço, que, devido à posição, ficaram
muito evidentes. Para completar o meu sofrimento, a sua camisa havia subido
alguns centímetros, me dando um pequeno spoiler do quanto seu abdômen
era perfeito.
Engoli em seco.
— É, estou sabendo. Mas como todos saíram, achei que também tivesse.
— Sentei na poltrona ao lado de onde Theo estava confortavelmente deitado,
querendo manter uma distância um pouquinho mais segura daquele corpo
perfeito.
— Hoje não — respondeu olhando para a televisão.
Abri o livro com a intenção de começar a ler. E digo “intenção” com
ênfase, porque precisava ser honesta comigo mesma, como iria me concentrar
em uma leitura daquele jeito? Com Theo bem ali. Li o primeiro parágrafo,
duas vezes. Depois virei a página, depois fechei o livro e li a contracapa,
depois voltei para o primeiro capítulo.
— O que está assistindo? — perguntei, assumindo a derrota no quesito
leitura.
— Um filme que começou tem uns vinte minutos. — Ele levantou a
cabeça para olhar. — Quer assistir comigo?
Fechei o livro de novo e o coloquei sobre as pernas.
— Que tipo de filme?
— É um filme de investigação. Tem um suspense. Parece ser bom —
disse, depois deitou a cabeça de novo e sua atenção voltou para a televisão.
Pensei por alguns segundos, levantei da poltrona e fui até aonde Theo
estava. Pelo visto eu gostava de viver perigosamente.
— Vai, senta aí. Vou assistir ao filme com você — informei sem grande
animação.
Theo sentou, me dando um lugar ao seu lado. Eu me joguei no sofá e
cruzei as pernas no acento fofo. O aquecedor da sala estava ligado, mas nem
era necessário. Afinal, ao meu lado havia um aquecedor natural de quase um
e noventa de altura, usando uma calça de moletom e camiseta, que conseguia
muito bem manter ele, a mim e provavelmente a sala toda aquecida.
OK, Beatriz, aparentemente, você passou parte da vida com a
reencarnação de um deus grego ao seu lado e não percebeu.
Obriguei-me a manter os olhos presos na televisão, tentando me
concentrar no filme e ignorar que o braço do Theo tocava o meu toda vez que
ele se mexia, que minha perna estava levemente apoiada na dele, e que eu
estava a poucos minutos de me assumir viciada em seu perfume, ou talvez
aquele fosse seu cheiro natural.
Com o passar do tempo, o filme finalmente foi me envolvendo ao ponto
de que mal conseguia piscar. Assim que a cena do filme mudou, inclinei o
corpo para frente. A música ditava o suspense enquanto o professor
universitário entrava na biblioteca tarde da noite com sua pasta em uma das
mãos. De repente, uma de suas alunas atravessou a sua frente. Ele a segurou e
cortou a garganta da garota com uma faca enorme. O sangue espirrava
daquela abertura vermelha e nojenta.
Gritei, cobri os olhos com as duas mãos e escondi o rosto no peito do
Theo. E ele começou a gargalhar enquanto me abraçava e fazia carinho na
minha cabeça.
Sim, gargalhar! E a raiva tomou conta de mim.
— Seu idiota! Sabe que odeio esse tipo de filme! — disse, dando socos
inúteis no bíceps do Theo.
— Calma, mulher! Não é real. Para de me bater! — Theo ria e tentava
segurar a minha mão.
Quando me acalmei ele a soltou.
Cruzei os braços, emburrada.
— Você é horrível — falei entre dentes.
— Tris, não acredito que ainda tem medo desse tipo de filme —
comentou rindo.
— Não tenho medo! Só não acho graça nenhuma em ficar levando susto
— respondi, olhando para o outro lado da sala porque, na televisão, as cenas
nojentas continuavam sem dar trégua.
— Então, nada tem a ver com o fato de depois ter que dormir no escuro?
— quis saber, sem conseguir parar de rir.
Olhei para Theo de cima a baixo, e levantei as sobrancelhas.
— Claro que não! Tenho 23 anos e moro sozinha! Pelo amor de Deus!
Não tenho medo de nada! — disse, segura, antes de virar a cara novamente.
— Só de filmes de terror — sussurrou a provocação no meu ouvido, e
meu coração resolveu dar o ar da graça. Eu não estava gostando de como o
meu próprio corpo começava a me trair. Porque talvez não fosse só de filmes
de terror que estivesse com medo.
— Me dá o controle! Não vamos mais assistir a essa porcaria! — Joguei
meu corpo sobre o de Theo e estiquei a mão para pegar o controle que estava
do outro lado do sofá e... Minha Nossa Senhora! Pelo visto, Theo não sofria
mesmo de aversão a aulas de musculação.
— Mas eu quero saber como termina! — ele se queixou, apontando para
a televisão.
— Só lamento! — disse, lutando para ignorar o quanto o meu corpo
pareceu gostar do contato com o dele.
— Tris, é sério. — Ele virou na minha direção e apoiou o braço na parte
superior do sofá próximo à minha cabeça. — O filme é bom ― comentou,
enquanto alguns fios de cabelo caíam em sua testa.
Talvez ele devesse passar a máquina porque aquilo era irritante e
charmoso na mesma proporção.
— Não!
Comecei a passar rapidamente pelos canais, procurando outra coisa para
assistir, qualquer coisa estava valendo.
— Eu deixo o abajur do seu quarto aceso, se assistir ao filme comigo —
argumentou com doçura, colocando uma mecha dos meus cabelos atrás da
minha orelha, e eu usei toda a minha força e concentração para ignorar o
toque dos seus dedos em minha pele e continuar trocando de canal. Não
posso. Não vou olhar para ele. Eu não vou deixar que os olhos azuis ganhem
dessa vez.
— Rá rá! Hilário — retruquei, me sentindo vitoriosa por não ter olhado.
Encontrei um filme que estava começando. Titanic.
— Ahh... — Suspirei baixinho e sorri.
— Pelo amor de Deus, me diga que está brincando — ele demandou,
olhando para a televisão.
— Claro que não! — Dei o maior sorriso da noite. — Não vejo esse
filme há anos! Acho que essa é a oportunidade perfeita! — completei, me
divertindo com sua cara de espanto.
— Perfeita para me torturar — comentou com ironia.
— Imagina! Vai ser ótimo! — Dei um tapinha encorajador em sua
perna, e me ajeitei melhor no sofá satisfeita com a maldade que fiz.
Theo soltou o ar lentamente e se ajeitou no sofá, e começamos a assistir
sem que ele reclamasse. Depois de quase uma hora, minha cabeça estava
apoiada em seu ombro. Meus olhos ficaram cada vez mais pesados e não me
lembro nem de ter visto a cena do iceberg. Acabei dormindo. Afundei antes
do Titanic.
Senti quando ele me pegou no colo e, por instinto, meus braços
envolveram seu pescoço. Acomodei a cabeça em seu ombro e senti o cheiro
de Theo. Era uma mistura perfeita de perfume madeirado e Theo. Era novo e,
de certa forma, ao mesmo tempo familiar e nostálgico. Não demorou para que
eu sentisse o conforto da minha cama e, sem abrir os olhos, me ajeitei no
travesseiro e virei de lado pouco antes de sentir a coberta sendo colocada
sobre mim. Eu sabia que ele estava ali, e queria abrir os olhos, mas não
conseguia. Quando tentei, recebi um carinho na cabeça, de forma ritmada,
uma brincadeira com os fios do meu cabelo, fazendo com que fosse
impossível não me entregar ao sono. Senti um leve beijo na minha testa.
— Boa noite, princesa.
oi um dia muito, muito estranho.
Parado à porta entreaberta, fiquei observando Tris dormir. Porra, não foi
preciso nem 24 horas para perceber que Tris tinha tudo, tudo para ser o
problema que eu não precisava na minha vida no momento. Eu já tinha
bastante, e zero estrutura para adicionar relacionamento à lista. Até alguns
meses, minha vida estava focada apenas em conseguir a promoção no
trabalho que me colocaria passos à frente de me tornar sócio de umas das
cinco melhores empresas de consultoria de Londres, antes de completar 30
anos. Seria um enorme feito, que me garantiria o carimbo final para nunca
mais voltar para o Brasil. Mas, como a vida gosta de foder com os nossos
planos, algumas bombas foram jogas sobre mim. E a pressão vinha me
enlouquecendo um dia de cada vez. Ao ponto de ironicamente eu me
encontrar de volta ao Brasil, em um sábado à noite, na casa dos Schimidt,
assistindo a um filme com Tris ao meu lado. Infelizmente nós não éramos
mais melhores amigos, porque más escolhas têm mesmo o poder de destruir
tudo.
Fechei a porta do quarto de Tris e segui para o meu. Acendi a luz e
arremessei meu corpo na cama. Mesmo cansado, sabia que não dormiria
facilmente. Esfreguei o rosto com as duas mãos e resmunguei sozinho,
incomodado com a rapidez com que ela me afetou. Eu não contava com
aquilo. E, mais, sabia que, se permitisse que aqueles sentimentos voltassem à
tona, estaria em um caminho sem volta.
Suspirei e apoiei as mãos cruzadas atrás da nuca, olhando para o teto.
Quando minha atenção voltou para o móvel ao pé da cama, avistei uma pasta
vermelha ao lado do meu notebook. Sem opção, peguei tudo, abri o notebook
e acessei o pen drive que haviam deixado, junto com uma infinidade de
relatórios do último trimestre. A empresa mostrava bons resultados, mesmo
diante da crise que o país estava enfrentando. Eu lia atentamente as primeiras
páginas enquanto estendia a mão para pegar o notebook, quando ouvi me
chamarem.
— Theo?
Com o susto, deixei as folhas caírem sobre a cama e voltei minha
atenção para a porta.
— Oi.
Minha mãe entrou no quarto sem pedir autorização. O contato do salto
da bota com o chão quebrava o silêncio.
— O que você está fazendo? — quis saber, parando ao meu lado e
pegando as folhas soltas. — Theo...
Eu sabia com exatidão o discurso que sairia de sua boca.
— Só estou lendo — justifiquei de imediato, sem esconder o cansaço.
— Mas, por quê? Por que razão decidiu se envolver com esses assuntos
logo agora?
— Não é nada demais, mãe. Só estou matando tempo até pegar no sono.
E o que você está fazendo aqui? Não deveria estar em um jantar ou algo
assim?
Sua expressão se transformou, e me senti como se ainda fosse uma
criança e tivesse sido pego fazendo algo errado, deixando-a decepcionada.
Ela apertou a pequena bolsa que carregava com força.
— Não mude de assunto!
Levantei as mãos em rendição.
— Só fiz uma pergunta. — Eu me calei por um breve instante. — Na
verdade, duas.
— Você me prometeu. Por que não pode cumprir uma simples
promessa? — murmurou, decepcionada.
Levantei da cama deixando tudo para trás, e segurei suas mãos, fazendo
com que olhasse em meus olhos.
— Sim, estou aqui para passarmos alguns dias juntos, mas você não
estava em casa. E, falando a verdade, só estivemos juntos no almoço. Então,
que diferença faz?
— Faz muita! — retrucou de imediato.
— Mãe — calei-me por um instante —, por que não me contou que a
Beatriz estaria aqui?
Ela me olhou como se a pergunta mais absurda do mundo tivesse
acabado de sair da minha boca.
— Eu contei! E não mude de assunto!
Desconfortável por saber que ela estava mentindo, esfreguei as mãos na
calça de moletom como se o ato milagrosamente fizesse tudo ficar melhor.
— Não, a senhora não contou. E algo me diz que não estou mudando de
assunto. — respondi baixo, com todo o cuidado do mundo para não parecer
grosseiro.
Até porque, se a senhora tivesse feito isso, eu teria me preparado, e não
sido pego de surpresa.
Ela franziu a testa e seu olhar ficou distante.
— Que estranho. Achei que tivesse contado — murmurou mais para si
do que para mim, e depois seus olhos se prenderam aos meus. — De qualquer
forma, vocês sempre foram amigos. Fizeram parte da vida um do outro. Qual
é o problema em se reencontrarem?
Ela ficou me observando com atenção, aguardando uma resposta
plausível. O único problema é que eu não tinha como fornecer.
— Não é um problema a Tris estar aqui, mas também não será nenhuma
solução. Reencontrá-la é totalmente indiferente para mim, e preciso que saiba
disso.
Ela sorriu pela primeira vez desde que entrou no meu quarto.
— Ah, filho. Eu te amo mais que tudo nessa vida, mas você é um
péssimo mentiroso.
— Olha só quem fala! E não estou mentindo! — retruquei.
O sorriso se manteve em seu rosto.
— Sim, está. Porque você é qualquer coisa, menos indiferente àquela
garota —comentou com ternura.
E, por um segundo, odiei o fato de alguém me conhecer tão bem.
Por um instante me preocupei com a possibilidade de a minha mãe não
ser a única capaz de enxergar verdades que eu deveria esconder.
Soltei suas mãos e respirei fundo.
— Tudo bem. — Exausto, juntei os papéis sem me importar se estavam
na ordem certa e os coloquei de volta na pasta. — Desisto. Está feliz agora?
— Muito.
Nós ficamos ali, frente a frente. Existia uma tensão no ar entre nós, o
que não era algo que estávamos acostumados a vivenciar. Eu sabia que, no
fundo, a minha mãe estava irritada pelo mesmo motivo que eu, porque na
vida há poucas coisas que podemos controlar e é frustrante ser obrigado a
assumir tal fato.
Eu me aproximei e segurei seu rosto entre as mãos com cuidado.
— Sabe que não consigo ignorar tudo que vem acontecendo
simplesmente porque pediu, não é? Não foi porque concordei em passar
alguns dias aqui, nessa cidade, nessa casa, perto de pessoas que já saíram da
minha vida há séculos, e isso inclui a Beatriz, que vou esquecer a realidade
que estou vivendo.
— Você vai ter que tentar — disse baixinho, cobrindo as minhas mãos
com as dela, me fazendo encarar aqueles olhos azuis, que eram os originas
dos meus. — Theo, preciso que tente ignorar, porque o jeito com que estamos
atravessando os dias, os últimos meses, não é assim que se vive, filho. Sei
que um peso enorme vem sendo colocado sobre seus ombros, e parte disso é
culpa minha, mas não quero que se perca pelo caminho. Por favor, não
esqueça a diferença entre estar vivo e estar vivendo.
E aquela foi a minha vez de ignorar o que ouvi, ou ao menos tentar.
Sabia que ela estava certa, mas eu estava lutando todos os dias três batalhas
diferentes e, mais que isso, estava ficando cansado e desapontado com a
ausência de resultados positivos. Era como nadar em mar aberto agitado e
não sair do lugar.
— Por favor, nós precisamos conversar sobre as nossas opções — pedi
baixinho, segurando sua mão.
Ela sorriu e beijou meu rosto com carinho.
— Nós teremos tempo para isso.
Eu a conhecia tão bem que sabia que sua resposta seria aquela. A ideia
era postergar ao máximo. Ela não queria tocar em tantas feridas que estavam
abertas e, para falar a verdade, nem eu. Mas, a nossa maior diferença era que
o meu lado racional aprendeu a falar mais alto há anos, e da minha mãe, nem
tanto.
Ela voltou seu olhar para a cama.
— Foi o Sérgio que deixou isso aqui, não foi?
Deixei que o silêncio respondesse por mim. Não gostaria de fomentar
uma briga. Fora que ela sabia que tinha sido Sérgio, e mais, sabia que não se
tratava de um único assunto apenas.
— Filho, preciso que esqueça tudo. Ao menos por alguns dias. — Ela
tocou no meu rosto com leveza. — Eu sei que lhe fará bem.
Ri sem vontade.
Isso porque eu não conseguia ver como ficar ali, deixando a minha vida
de lado e fingindo que no céu existia a porra de um arco-íris e que unicórnios
corriam pelo jardim, iria me fazer bem.
— Ei — sua voz me trouxe de volta —, encare isso como férias! Eu
quero vê-lo sorrir novamente, filho. Sorrir de verdade, e não com ar de ironia.
Então, deixe de lado o seu notebook, não abra e-mails, não atenda ligações,
não fique buscando por soluções que...
Assenti, engolindo todos as razões para não concordar com aquele
absurdo que me pediu.
— Não precisa pedir novamente. — Dei um beijo em sua testa. —
Agora vá descansar que o dia foi longo, para nós dois.
Ela abriu um lindo sorriso.
— Tudo bem. Até amanhã. — E me deu um beijo no rosto. — Te amo,
filho.
Minha mãe saiu do quarto e fechou a porta, me deixando ali, sozinho,
sabendo que no fundo não conseguiria cumprir aquela promessa fielmente.
— Eu também te amo, mãe.
uente. Meu corpo parecia pegar fogo. Espreguicei-me ao mesmo
tempo em que tirava dois edredons que me cobriam. Suando, buscava
compreender por que tinha decidido tentar me matar de desidratação durante
a madrugada, e foi quando meus olhos recaíram sobre o abajur ao lado da
cama, estava aceso. Theo. Com um pequeno sorriso nos lábios, apaguei a luz
e saí da cama, bem-disposta. Corri até o banheiro, lavei o rosto, escovei os
dentes e me deixei apresentável. Pelo horário, sabia que conseguiria tomar
café da manhã com os demais. Entrei na sala de jantar e dei bom dia a todos
enquanto contornava a mesa e sentava ao lado de Theo.
— Bom dia — ele respondeu quase em um sussurro. E me ajeitei na
cadeira e Ana que me olhou sorrindo, e pisquei para ela em resposta.
— Como foi a noite de vocês? — perguntei aos meus pais e à Patrícia,
antes de me servir. Eu sabia que fariam a mesma pergunta de volta, mas o
que de emocionante poderia acontecer quando não se faz nada? Se bem que o
nada de ontem teve lá seu grau de emoção.
— Foi ótima. Nós encontramos...
Antes que a minha mãe tivesse a oportunidade de entrar nos detalhes,
nossa atenção foi direcionada à chegada triunfal do vovô.
— Bom dia, adorável família. — Vovô Augusto sorria com a sua
postura ereta e visual inusitado, que incluía um suéter em um tom de verde de
gosto duvidoso. Ele cumprimentou cada um antes de sentar ao lado de minha
mãe e beijar sua mão, como de costume.
— O senhor acordou tarde hoje — minha mãe comentou, enquanto
passava geleia em uma fatia de pão artesanal, e o vovô se ajeitava na cadeira.
— Eu fui dormir tarde. Muito tarde — respondeu, sem esconder uma
certa felicidade e bom humor. Ele pegou sua xícara e serviu o café. — Mas
não se preocupe, o motorista me levou — concluiu antes de tomar.
— O senhor saiu e não comentou com ninguém?! — Meu pai deixou o
jornal sobre a mesa e o encarou. Meu pai falava com o vovô Augusto da
mesma forma que costumava falar comigo quando eu saía escondida, e a
lembrança me fez encolher na cadeira. Eu tive um pequeno período de
rebeldia na adolescência, então conhecia muito bem a ira do senhor Sérgio
Schimidt.
Sem se abalar, vovô escolhia o que iria comer.
— Sim. Fui me encontrar com a Francisca e nós saímos — respondeu
com naturalidade, sem dar muita importância para o meu pai.
— E quem é Francisca? — intercalei o olhar entre minha mãe, meu pai e
Ana.
— Francisca é — vovô moveu a mão no ar lentamente — uma amiga.
Aceitei sua resposta, sem continuar a questioná-lo, porque se tinha uma
coisa que havia aprendido com o tempo era que, se fizesse muitas perguntas
para o vovô Augusto, corria o risco de não gostar da resposta.
— Que amiga é essa que não conhecemos? — Ana insistiu, antes de a
colher com cereal chegar à boca.
— É só uma amiga. Nós saímos, às vezes, e na noite passada fomos a
um motel — respondeu tranquilamente, como se estivesse nos contando que
os dois passaram a noite jogando bingo. E, mais, como se fosse o tipo normal
e apropriado de conversa para um café da manhã em família.
Pelo visto, minha irmã não havia aprendido a mesma lição que eu.
Meu pai cuspiu o café.
Minha mãe pálida, arregalou os olhos.
Ana tossiu parecendo engasgada, e os demais que estavam conosco à
mesa pareciam não respirar. E, juro, juro mesmo, dava para ouvir os
passarinhos cantando lá fora em alto e bom tom, tamanho era o silêncio.
Levantei o meu copo em direção ao Theo, com os olhos fixos no vovô.
— Pode colocar vodca no meu suco de laranja? — pedi baixinho, e ele
se aproximou de mim.
— Se tivesse forças para levantar da cadeira, juro que pegava a garrafa
para nós dois — respondeu no mesmo tom, falando no meu ouvido.
O som do guardanapo de pano batendo na mesa cortou o silêncio.
— Pai! Pelo amor de Deus! — meu pai gritou.
Vovô Augusto nos observava, parecendo genuinamente confuso.
— O que foi, meu filho? Qual é o problema? — Vovô se debruçou sobre
a mesa. — Vocês sabiam que tem um novo motel no início da cidade? Os
quartos são ótimos. Bem decorados, e tem até aquelas cadeiras eróticas
legais, e o espelho do teto é...
Vovô Augusto não calava a boca, e eu estava a poucos minutos de saber
sobre a vida sexual de um octogenário e provavelmente destruir a minha
saúde mental para todo o sempre.
Juntei as mãos cobrindo o rosto e fechando os olhos.
— Vovô, pelo amor que tem por nós, pare! Pare de falar agora! Apenas
pare! — implorei, e fiz uma oração silenciosa e especial para que Deus me
ajudasse naquele pedido.
Vovô balançou os ombros e concordou, um pouco contrariado em ter de
mudar de assunto. E o café da manhã seguiu sem novos assuntos impactantes.
Conversamos sobre coisas mais toleráveis para o horário, e que não fossem
desencadear um ataque cardíaco em ninguém. E depois Ana ainda me
questiona por que faço o possível para fugir dos encontros de família. Por
mais que esse não seja o único motivo, era inegável que fazia parte do top 5.
— Tris — minha mãe chamou ganhando minha atenção —, pode me
fazer um favor?
— Claro.
— A senhora Freitas está nos aguardando para a degustação dos doces
no fim da manhã, mas marquei com a organizadora da festa no mesmo
horário, tem como ir e fazer uma seleção dos que mais gostou?
— Posso sim — respondi e continuei comendo. — Que ir comigo, Ana?
Ela limpou a garganta e ficou inquieta na cadeira.
— Poxa... não vai dar. A Laura chegou e está com o meu vestido para a
festa. Vou encontrá-la para provar — explicou rapidamente.
— Tudo bem. Mande um oi pra Laura por mim.
— Theo pode ir com você! — Patrícia sugeriu de imediato, e dava para
ver o brilho em seus olhos. E eu? Me segurei para não revirar os meus.
Claro, alguém tinha que dar a ideia. E foi quando percebi que talvez
sugestões como aquela poderiam se tornar recorrentes durante a semana.
Todos pareciam aguardar o que eu diria, como se eu tivesse muitas opções.
Então o óbvio veio a seguir: convidei e ele aceitou.
Saí do café dos horrores direto para o meu quarto, me certificando de
trancar a porta. Deus, onde tinha me metido? Já me sentindo exausta sem que
o dia tivesse chegado a metade, suspirei. Escolhi uma roupa e, com toda a
preguiça do mundo, entrei no banheiro. Com as mãos apoiadas na bancada,
me encarei no espelho, e quase podia ler “Salve-me, por favor” escrito em
minha testa. Quarenta minutos depois, eu estava de banho tomado, vestida,
com as olheiras devidamente escondidas, batom nos lábios e pronta para
enfrentar o que viesse pela frente.
Ao me aproximar do hall de entrada, avistei Theo, que me aguardava
enquanto digitava o que parecia ser uma mensagem no celular. Ridiculamente
gostoso, vestia sua marca registrada para a semana: calça jeans, suéter gola V
e botas pretas. Seus cabelos castanho-escuros ainda molhados, e um tanto
quanto bagunçados, completavam aquele visual.
Não que eu estivesse reclamando. Deus, claro que não! Afinal, se Theo
desse um curso chamando “Como deixar seus cabelos iguais aos meus”,
garanto que teríamos turmas lotadas e fila de espera para as próximas.
Ele levantou o olhar assim que o som da minha bota fez contato com o
piso de madeira. Eu não estava vestindo nada de muito elaborado, além da
bota de couro marrom e calça jeans escura, uma camiseta de mangas
compridas branca, justa ao corpo, e com um decote que destacava meus seios.
Decote este que foi a primeira coisa que ele pareceu reparar. Homens.
— Vamos? — Levantei a sobrancelha, chamando sua atenção.
Theo balançou a cabeça, como se a minha pergunta o tivesse trazido de
volta à Terra, e limpou a garganta.
— Claro — disse, abrindo a porta de entrada da casa e permitindo que
fosse à sua frente. Passei por ele segurando firme minha bolsa e jaqueta de
encontro ao corpo, como se fosse uma barreira nos distanciando. Ele apertou
o botão do controle, abrindo as portas do carro, e entramos. Sentei ao seu
lado, no banco de carona e, em um gesto automático, coloquei a jaqueta no
banco de trás.
— Coloque o cinto — Theo mandou, antes mesmo de fechar a porta.
Por um segundo, o meu coração apertou, mas logo me recompus e, sem
dizer nada, puxei o cinto de segurança e o travei. Então, ele girou a chave na
ignição e colocou o carro em movimento. A manhã de céu claro e sol
combinava bem com a música que tocava no rádio. Leve, despretensiosa e
agradável.
— Então... aparentemente nem você aguenta assistir ao Titanic.
Seu comentário se sobrepôs à música que eu cantarolava baixinho, me
pegando de surpresa. Mordi o lábio inferior para não sorrir.
— É um excelente filme. Só estava muito cansada — argumentei,
observando a rua pela janela do carro.
— Deve ser excelente só na primeira vez, Tris. Porque você dormiu
rapidinho. — Ele riu, e fui obrigada a acompanhá-lo.
E aí veio o silêncio. O silêncio que eu deveria ter deixado perpetuar, mas
a minha necessidade de confirmar algo que já sabia falou mais alto.
— Você me levou para cama — falei calmamente.
Theo molhou os lábios com a língua, e eu acompanhei com os olhos o
movimento, que parecia acontecer em câmera lenta, então ele assentiu, com
as mãos firmes ao volante.
— Nunca a deixaria dormir desconfortável no sofá. — Ele me olhou
discretamente. — Fora que quando está dormindo é mais fácil ser gentil com
você — completou e sorriu.
Eu me controlei para não dar a ele o sorriso que passou a surgir
naturalmente em meu rosto, e virei a cabeça para a minha janela.
— Obrigada — murmurei, sem ter certeza se ele tinha conseguido ouvir.
Parada em frente às grandes janelas envidraçadas que foram
transformadas em vitrine de gostosuras, eu aguardava Theo que estacionava o
carro. A confeitaria havia crescido nos últimos anos e tinha se tornado uma
referência na região. Era tanta coisa para absorver que em alguns momentos
se tornava difícil até mesmo respirar.

— Ah, não Tris... hoje tem fila.


— Mas vale a pena — argumentei, puxando sua mão. — É o melhor
doce do mundo.
— Você sabe que muito açúcar faz mal, não é mesmo? — ela quis saber
com leve tom de recriminação, cruzando os braços.
Sorri.
— Ainda bem que está aqui comigo e não vai me deixa comer mais que
uns quatro. — Abri a porta, e o sino acima de nossas cabeças tocou. —
Talvez, cinco?
Ela passou à minha frente, revirando os olhos.
— O que seria de você sem mim... — resmungou.

— Você esqueceu isso no carro.


A voz de Theo me arrancou das lembranças. À minha frente, ele estendia
a mão em que segurava a minha jaqueta. E mais uma vez me vi tomada por
uma mistura de sentimentos que não sabia como lidar. Engoli em seco, e
precisei de alguns segundos para me recompor.
— Não está tão frio — comentei secamente, e nem me dei o trabalho de
pegar a jaqueta da sua mão.
Apressada, abri a porta do estabelecimento e, como se fosse um dèjá vu,
ouvi o sininho tocar acima da minha cabeça. Uma senhora que arrumava
compotas de geleia sobre a mesa de madeira olhou em nossa direção.
— Beatriz, é você? — Ela deixou de lado a pequena cesta de vime e
veio ao nosso encontro de braços abertos. — Menina, você ficou ainda mais
bela — comentou antes de me dar um abraço, que retribuí com carinho.
— Olá, senhora Freitas, como vai?
— Estou bem, estou muito bem. Nossa, mas você está linda! — disse, e
em seguida olhou para trás de mim. — Theo! Uau... — A doce senhora lhe
deu um abraço igualmente carinhoso.
— Bom dia, senhora Freitas.
Cruzei os braços, observando os dois se cumprimentarem como velhos
amigos.
— Como a senhora teve tanta certeza assim de que esse era o Theo? —
quis saber com humor.
Ela sorriu e passou a mão no avental que ostentava a logo de sua loja.
— Primeiro, porque vocês ficaram mais bonitos, mas não mudaram
tanto. E, segundo, porque estão juntos, como deveria ser.
Seu comentário pesou sobre nós e deixou um silêncio no ar que, se
durasse mais cinco segundos, teria ficado desconfortável além do imaginável.
— Nós viemos provar os doces para a festa — informei, tentando
melhorar as coisas.
— Claro! Venham comigo, vou levá-los à mesa e pegar os docinhos. —
Ela seguiu à nossa frente nos mostrando o caminho.
Sem demora, sentamos em uma área reservada com uma bandeja
repletas de doces para que escolhêssemos e assinalássemos os preferidos na
folha ao lado. E, sem demora, peguei um, porque aquele era o tipo de
trabalho que eu levava bem a sério.
— Vejo que continua apaixonada por doces — Theo comentou depois
de alguns minutos, enquanto pegava um e levava à boca, com toda a calma
do mundo.
— Algumas coisas que não mudam — respondi, marcando um “sim”
para um chocolate belga, que deveria ser proibido de existir.
— Ainda gosta de se isolar no balanço para pensar, tem medo de filmes
de terror, é apaixonada por doces... Pelo visto, na essência nada mudou, não
é? — comentou bem-humorado, pegando mais um docinho.
— Mudou, sim. Hoje tenho uma visão muito diferente da vida — disse
baixinho.
— Isso só demonstra que amadureceu — comentou ele.
Deixei de lado o que fazia e me debrucei sobre a mesa.
— E quanto a você? — quis saber, olhando em seus olhos azuis tão
intensos que pareciam ter o poder de enxergar a alma das pessoas.
Ele fez o mesmo, chegando perto de mim.
— Os acontecimentos nos obrigam a amadurecer, Tris. Com isso, leves
mudanças ou adaptações em nossas personalidades se tornam um processo
natural. A questão aqui, agora, é que estamos tendo que descobrir o quanto
ainda somos os mesmos de antes, concorda? — respondeu, olhando para os
meus lábios e depois para os meus olhos.
Ele estava certo.
E foi o que bastou para que tudo mudasse dentro de mim. A cadência da
minha respiração, as batidas do meu coração e, pela primeira vez após nosso
reencontro, desejei beijá-lo. E senti raiva. Raiva de mim por perceber que o
desejava. Eu havia planejado a minha vida para ficar longe de tudo o que
passou a me rodear nos últimos dias, e se a presença do Theo não era um tipo
de tortura pessoal, juro não saber o que poderia ser.
— Tudo bem por aqui? — A senhora Freitas bateu palmas, animada, nos
pegando de surpresa, e quase pulei da cadeira.
Qual era o problema daquelas pessoas?! Que mania horrível de ficar
dando susto nos outros! Se a senhora Freitas e o vovô passassem uma tarde
juntos na casa dos meus pais, eu teria problemas cardíacos antes dos vinte e
cinco anos!
— Está tudo ótimo. — Envergonhada e com as mãos trêmulas, peguei a
lista e marquei rapidamente outros sabores, sem ao menos provar, porque
confiava totalmente no poder daquela mulher em criar gostosuras. — Quero
esses aqui. A senhora já sabe as quantidades, então se puder fechar o pedido
deixarei pago.
Ela pegou de me minha mão.
— Claro, querida. Me dê um minuto. — A simpática senhora se afastou,
e a acompanhei com o olhar, porque eu, definitivamente, precisava ficar
alguns segundos sem focar no rosto do Theo. Quando virei de volta, ele
estava me olhando, e sorrindo.
— O que foi?!
Ainda sorrindo, balançou a cabeça.
— Não é nada. E só que — ele esticou a mão esquerda em direção à
minha boca — tem um pouquinho de chocolate aqui — comentou e, com
intimidade, seu dedo tocou levemente meu lábio e tirou o chocolate, depois o
colocou na própria boca, chupando o restinho do doce.
Ai. Meu. Deus.
Senti cada célula do meu corpo responder àquilo.
E senti inveja do doce, do seu dedo, de tudo.
Quente, eu estava tão quente por dentro, que acreditei que entraria em
combustão espontânea. Por sorte, a senhora retornou com o pedido em mãos,
bem como com uma linda caixa da confeitaria com seus famosos cupcakes de
chocolate. Devia estar escrito, na minha testa, que eu sou chocólatra, mas
julgo melhor manter o meu vício em chocolates do que transformar o Theo
em um.
Agradecemos o presente e saímos da loja. E em segundos, uma rajada de
vento me impossibilitou de esconder que estava tremendo de frio.
— Vai querer o seu casaco agora, teimosa? — quis saber, cheio de
ironia.
Eu o fuzilei com os olhos e só não joguei a caixa com os cupcakes nele
porque sabia que seria um pecado estragar aqueles doces. Irritada, parei no
meio da calçada e estendi a caixa, Theo a pegou, e puxei a jaqueta de sua mão
com violência.
— De nada — ele murmurou, me dando as costas e caminhando à minha
frente.
Vesti a jaqueta, e ajeitei os cabelos que ficaram presos na roupa
enquanto seguia Theo à curta distância, observando o jeito que caminhava.
Parecia que o mundo pertencia a ele, mas o interessante era que não o fazia
parecer arrogante.
— Theo? É você mesmo? — Uma voz feminina chamou nossa atenção.
Olhamos ao mesmo tempo para a mulher que havia surgido do nada e
caminhava ao nosso encontro jogando os cabelos de um lado para o outro e
mostrando todos os dentes para o Theo.
— Sim — respondeu, sem parecer saber ao certo para quem estava
respondendo.
— Não se lembra de mim? — Ela levou a mão ao peito. — Sou a Érica,
irmã do seu amigo de infância, Márcio. — A pessoa que não estava vestida
de acordo com a estação, explicou. E aí, chegou mais perto do Theo e
começou a passar a mão em seu braço.
Revirei os olhos.
Deus, dá para ser menos oferecida?
— Ah, Claro! Érica, tudo bem? Como vai o seu irmão? — Theo quis
saber, dando passos para trás, parecendo desconfortável.
Ela deu um passo à frente.
— Está ótimo! Casou e mora em São Paulo — contou, toda sorridente,
mas sem olhar na minha direção.
Nem. Uma. Vez.
Pronto, eu tinha o poder de me tornar invisível e não estava sabendo.
Respirei fundo.
Theo limpou a garganta e se aproximou de mim.
— Érica, você se lembra da Beatriz, não é? — perguntou, passando a
mão nas minhas costas e me trazendo para mais perto.
A mulher que só faltava subir em uma bandeja para se oferecer para o
Theo, me olhou de cima a baixo, sem esconder que não apreciava a minha
presença.
— Não. Não lembro — respondeu em tom de desgosto.
Semicerrei os olhos.
Ahhh resposta errada.
— Verdade? — quis saber em leve tom sarcástico. — Não lembra de
mim? — Apoiei a mão no abdômen do Theo enquanto juntava nossos corpos,
disposta a contrariar as leis da física. — Que estranho, porque sempre estive
bem aqui. — Dei uma piscadinha ingênua, mas com um sorriso levemente
malicioso nos lábios fazendo com que o queixo da tal Érica quase batesse no
chão.
Theo, ao meu lado, se controlava para não rir e acabar atrapalhando
minha a atuação. Então, olhei dentro daqueles lindos olhos azuis que era só
um bônus para o rosto perfeito que o insuportavelmente gostoso homem
tinha, e sorri.
— Vamos para casa? Estou louca para aproveitar o que ganhamos —
disse baixinho, e olhei para a caixa de doces em sua mão.
Sem pensar duas vezes entrelacei nossos dedos e o puxei para
continuarmos caminhando. Theo deu adeus para a nossa “amiga” que ficou
totalmente sem ação, nos acompanhando com os olhos até entrarmos no
carro.
— Então, vai me dizer o que pretende fazer comigo usando o cupcake?
— quis saber.
Revirei os olhos.
— Nada! — respondi, e entrei no carro, batendo a porta com força.
— Ah, entendi. Você só ficou com ciúme mesmo. — Ele colocou a
chave na ignição parecendo se divertir às minhas custas.
— Fala sério, Theo! Claro que não! Só não suporto essas mulheres que
ficam dando em cima de tudo que é homem! E ela me olhou com aquela cara,
você sabe, como se não tivesse me notado. Ela mereceu! — Irritada, puxei o
cinto e o travei.
— OK — ele ligou o carro sorrindo e engrenou a marcha —, não vou
falar mais nada. Só vou fingir que acredito que não ficou com ciúme —
comentou baixo, visivelmente achando graça, enquanto tirava o carro da
vaga.
Eu segurava a caixa da confeitaria com tanta força, que estava vendo a
hora de desmontar nas minhas mãos. Seria melhor mesmo Theo ficar calado,
pois aquele era o máximo de discurso pronto que tinha caso fosse
questionada sobre a cena que fiz. Se aquela conversa durasse mais um minuto
seria obrigada a assumir que, sim, estava morrendo de ciúme, e no fundo não
conseguia entender por que aquele sentimento ficou tão latente em mim, já
que Theo não era nada meu. Ele nunca tinha sido meu.
eguindo as instruções do meu amigo, estacionei o carro próximo ao
pub que costumávamos frequentar. Algo que parecia ter acontecido séculos
atrás, em outra vida, bem diferente da minha atual. Empurrei a porta de
madeira que rangeu anunciando a minha chegada, e foi o suficiente para
constatar que pouco havia mudado. O pub mantinha o mesmo clima rústico e
aconchegante. Uma música agradável vinha da máquina no final do corredor
e não atrapalhava a conversa dos clientes que lá estavam no meio da tarde
bebendo e comendo. Avistei Arthur sentado em um dos bancos altos do bar
conversando com a atendente. A dinâmica dos dois me fez acreditar que o
meu amigo continuava sendo frequentador do estabelecimento mesmo com o
passar dos anos.
Bati em suas costas com força, ele se virou e sorriu.
— A partir de agora acredito em milagres — comentou levantando. Ele
me deu um abraço e bateu forte em minhas costas. — E aí, como está vida?
— quis saber, e ri sem vontade.
A melhor forma de responder teria sido que estava tudo uma merda, mas
eu não precisava falar, Arthur sabia. Mesmo não morando no mesmo país,
falávamos com frequência e, quando ele precisava de tempo longe do
trabalho, surgia batendo na porta do meu apartamento com uma mala ao seu
lado para dar “Oi para Rainha” como gosta de dizer. Eu era o Airbnb do
Arthur em Londres, sem necessidade de reversa.
— Chegou quando? — quis saber, sentando ao seu lado.
— Ontem à noite — disse, pegando alguns amendoins do recipiente à
sua frente, e os levando à boca.
Pedi uma cerveja e prontamente fui atendido. Sem pensar muito, levei a
garrafa à boca e bebi quase a metade. Depois, com calma, eu a coloquei de
volta no balcão e, sério, encarei o meu amigo.
— Só uma pergunta: por que não me contou que a Beatriz estaria aqui?
— quis saber, sem fazer questão de esconder a indignação.
Arthur arregalou os olhos e esticou o corpo em alerta.
— Achei que soubesse!
— Você fala comigo ao menos duas vezes por semana. Como, e digo
como, preferiu supor que eu sabia de algo assim em vez de tocar na porra do
assunto — emendei a reclamação, me controlando para não aumentar o tom
da minha voz.
A expressão do meu amigo mudou, mas eu sabia que àquela altura não
fazia mais diferença. Só reclamei porque teria sido mais justo se alguém
tivesse me alertado. E só existiam duas pessoas na minha vida que poderiam
ter feito tal boa ação; minha mãe e Arthur.
— Theo, não foi por mal. Imaginei que a Patrícia fosse comentar.
Ri, mesmo sem achar graça, porque desconfiava que minha mãe não
tinha contado propositalmente.
Uma nova canção começou a tocar e a atendente cantarolava quando
trocou a garrafa vazia de Arthur por uma cheia. Calado, voltei o olhar para a
frente, observando as prateleiras preenchidas com todos os tipos de bebidas
alcoólicas já criadas pelo homem.
Arthur segurou no meu ombro.
— Theo, o importante é que está aqui — disse, dando o assunto por
encerrado. E apoiou os braços sobre o balcão, relaxando o corpo novamente.
— Agora me diga, como foi o reencontro? Teve trilha sonora ao fundo dando
o tom para a troca de olhares, sorrisos, abraços e...
Levantei a mão tentando interrompê-lo, porque ele só podia estar de
sacanagem comigo.
— Filme errado. O reencontro foi carregado de agressividade,
provocação e perguntas insistente do tipo “o que você está fazendo aqui”?
Arthur me olhava como se eu tivesse acabado de assumir ser de outro
planeta.
— Por favor — ele largou a garrafa sobre o balcão —, me diga que está
de brincadeira.
Levantei apenas uma sobrancelha.
— Você tem visto a Beatriz ultimamente? — perguntei com sarcasmo.
Ele ficou pensativo.
— Não muito. Uma das últimas vezes foi quando me ligou pedindo para
analisar um contrato de trabalho que recebeu, mas isso tem quase dois anos.
O que foi interessante, já que o Sérgio Schimidt deve ter uns seis advogados
na discagem rápida do celular e... de qualquer forma, você me fez prometer
que nunca falaria sobre Tris, então podemos dizer que cumpri bem a
promessa.
E, pela primeira vez na minha vida, quis que o meu melhor amigo não
tivesse feito ao pé da letra o que pedi. Porque foi por esse motivo que fiquei
no escuro sobre a vida de Tris por anos. E, ali, naquele instante, quis que
alguém me desse um curso intensivo sobre tudo o que aconteceu na vida
daquela mulher. Queria que alguém me contasse a partir do instante em que a
nossa história acabou.
— Mas vocês saíram juntos e, como não estou vendo nenhum olho roxo,
as coisas melhoraram em um segundo momento — Arthur comentou
brindando sua garrafa de cerveja na minha.
— Nós estivemos naquela Delicatessen que elas tanto gostavam de ir. —
Deixei um sorriso surgir no canto da boca ao lembrar da boca de Tris suja de
chocolate e da vontade que me deu de tirar o doce com a minha boca.
Arthur sorriu, mostrando todos os dentes e marcando a porra das
covinhas que sempre fizeram as mulheres babarem.
— Ah... vocês foram visitar a senhora Freitas.
Sim, ela fez o comentário de que Tris e eu estávamos juntos, como
deveria ser, e eu me perguntei se aquela não era a piada do século! —
respondi mentalmente, já que Arthur não me permitiu abrir a boca, pois não
parava de falar.
— Preciso ir lá qualquer dia, o cupcake daquela mulher é o melhor que
existe — ele completou com saudosismo.
Gargalhei.
— O quê? — ele quis saber, desconfiado.
— Se é o melhor que existe não sei, mas após assistir a uma mulher que
teoricamente conheço dar em cima de mim, Tris ameaçou espalhar a
cobertura de chocolate sensualmente pelo meu corpo — comentei rindo ao
lembrar da cena.
Arthur levantou a mão.
— Duas observações: a primeira — ele ergueu um dedo —, obrigado
por estragar o meu doce preferido com essa cena horrível que me fez
visualizar. E, segunda — ele levantou mais um dedo —, Tris já está sentindo
ciúme — destacou o fato e depois se calou por um momento. — Só não sei se
isso é bom ou ruim em se tratando de vocês dois. — completou baixinho, e
um incômodo silêncio surgiu entre nós.
— Muita coisa mudou, Arthur. E, por mais que esteja sendo interessante
estar na presença de Beatriz, não tenho certeza se a mulher que reencontrei é
a mesma de antes. — comentei baixo, porque era difícil admitir a
possibilidade de Ana estar certa.
— E aquela mulher com quem estava saindo quando fui visitá-lo?
Hannah, não é?
Balancei a cabeça em negativa e aproximei a garrafa da boca.
— Não durou nem dois meses. — Dei um gole.
— Uau... você realmente tem dificuldade em manter um relacionamento,
hein?! — comentou com ironia.
— Diz o homem que assumiu seriamente o primeiro relacionamento há
poucos meses — retruquei, e depositei a garrafa no balcão com mais força do
que necessário. — Fora que Hannah não era interessante o bastante — disse,
dando o assunto por encerrado.
Arthur bateu com o cotovelo em minhas costelas.
— Você quer dizer que ela não era Beatriz o bastante — disse rindo.
— Não foi isso que falei — emendei, entre os dentes.
— Não, mas é o que demonstra em todas as suas malditas atitudes —
retrucou, sério, de um jeito que só ele tinha o poder de fazer, graças ao vasto
conhecimento sobre o assunto.
— Tanto faz, Arthur — resmunguei.
— Tudo bem — ele suspirou. — Mudando de assunto: quando vai fazer
sua mudança definitiva para o Brasil?
— Já disse mil vezes que não quero e não tenho interesse em voltar. Eu
estou parecendo a porra de um disco arranhado, que inferno — disse, mal-
humorado.
— Theo, você sabe o significado da palavra legado, não é? Desculpa,
meu amigo, mas nesse caso a sua margem de “querer” praticamente não
existe.
Sentia como se o meu corpo fosse um vulcão pronto para entrar em
erupção. Eu estava cansado de ouvir que era a coisa certa a fazer e, mais que
isso, estava cansado e irritado de sempre fazer o que era certo. Era como se
todos à minha volta tivesse a prerrogativa de erro, menos eu.
Não me dei ao trabalho de responder, e Arthur acabou mudando de
assunto. Não que fizesse muita diferença porque àquela altura minha mente
não estava mais ali. Ela se revezava entre as obrigações que estava sendo
forçado a cumprir e Tris. Por mais que eu tentasse não conseguia parar de
pensar naquela mulher, pelo simples fato de Tris ser diferente.
Diferente da Hannah.
Diferente de outras que passaram pela minha vida.
Como imaginei, Tris era o desequilíbrio final que eu não precisava na
vida.
Senti a mão de Arthur pesar no meu ombro.
— Por mais que seja tentador ficar aqui falando sozinho enquanto você
olha para o nada com essa cara de idiota, preciso ir embora. — Ele pegou a
carteira do bolso e colocou algumas notas sobre o balcão. A mulher que nos
atendia pegou o dinheiro e piscou para ele em agradecimento.
— Vai contar pra Tris e pra Ana que nos encontramos? — quis saber ao
pegar a chave do carro.
— Não.
De pé ao meu lado, Arthur me encarava e não demorou para que
surgisse uma ruga em sua testa. — Theo... vocês dois precisam muito ter uma
conversa — disse, sem se preocupar em esconder a preocupação.
Revirei os olhos e não respondi.
— Estou falando sério — ele emendou, apoiando a mão no meu ombro e
me obrigando assim a lhe dar atenção. — Aquele dia — receoso, parou de
falar por um instante —, o que aconteceu não foi algo que se coloca numa
caixa e esquece para sempre. Não funciona assim.
Ficamos nos encarando, e eu sabia que Arthur esperava o momento em
que eu fosse assumir que tinha razão, mas não fiz.
Porque, com o tempo, nós havíamos criado um péssimo e complicado
hábito do qual não conseguíamos nos desvencilhar. Nunca falávamos em voz
alta o que deveria ser dito. Era como se todas as questões realmente
importantes ficassem suspensas no ar, para sempre.
Então, ele assentiu.
— Tudo bem. Faça como achar melhor. Só não esqueça que avisei.
Com aquela frase, meu amigo saiu do bar e me deixou para trás, sozinho
com os meus pensamentos, sabendo que inevitavelmente, em algum
momento, teria que voltar para aquela casa.
Voltar para aquela mulher que acabou estragando todas as outras para
mim.
oi uma sensação estranha ver o carro do Theo se afastar. Entrei em
casa sem demoras e segui para a biblioteca com o meu notebook. Não era à
toa o motivo pelo qual o lugar tinha se tornado um refúgio para mim. Aquele
era o único ambiente da casa do qual eu tinha zero memórias.
Buscando ocupar a mente, li e respondi todos os e-mails pendentes. No
processo, não demorei para perceber a mudança nas minhas respostas. Antes
os e-mails eram enormes, repletos de ideias e frases carregadas de
entusiasmo, mas, nas últimas semanas, eles foram diminuindo de tamanho,
assim como a motivação para continuar escrevendo conteúdos para revista.
Eu sabia que era um absurdo reclamar. Aos 23 anos, eu assinava uma coluna
de sucesso, e era a queridinha da mulher mais poderosa por trás da revista
Stylish. Eu deveria estar nas nuvens, mas não estava. Eu me sentia vazia.
— Então, é aqui que se esconde? — uma voz feminina chamou minha
atenção.
Patrícia estava à porta, de braços cruzados, e com um sorriso no rosto.
— Às vezes, é necessário se esconder quando o silêncio não é algo fácil
de se encontrar — comentei fechando o notebook sobre meu colo, e recostei
na poltrona. Sabendo que Patrícia não compreenderia abrangência do que
falei.
— Posso? — perguntou, antes de se aproximar.
— Claro.
Ela se sentou ao meu lado no sofá de couro, cruzou as pernas com
elegância e sorriu.
— Como está, princesa?
Seu jeito carinhoso fez com que eu sentisse um peso, uma dor enorme,
que me obrigou a fechar os olhos por um instante. Tentei disfarçar, mas sabia
que era inútil. Patrícia me conhecia a vida inteira.
— Não posso chamá-la assim? — Tocou em meu braço.
Abri os olhos e respirei fundo.
— Pode. É que... — deixei a frase em aberto enquanto minhas
lembranças me carregaram para uma época que me forçava a esquecer. —
Tem muito tempo que não sou chamada assim.
— Então ele deve estar se controlando bastante — comentou com um
pequeno sorriso nos lábios.
Neguei movendo a cabeça com veemência.
— Isso é passado — respondi, sucinta.
Sim, tive vontade de dizer que nem de longe eu era mais a mesma garota
que um dia ela conheceu, mas não fiz isso.
— E como está a sua vida no presente, querida?
Aquela era uma das perguntas mais difíceis de responder. O que eu
deveria dizer? A verdade? Que a minha vida estava vazia, triste, sem graça,
sem brilho? Devia comentar que estar naquela casa e lembrar, a todo instante,
tudo o que eu destruí era uma dolorosa e lenta tortura?
— Minha vida está — deixei a frase em aberto por um tempo — normal.
— Dei de ombros, enquanto contornava com o dedo o desenho em relevo no
meu notebook.
— Você está gostando do seu trabalho?
— Tenho me feito essa pergunta nos últimos meses.
— Por quê?
Só após ouvir seu questionamento foi que percebi que havia feito o
comentário em voz alta.
— Porque escrever sobre moda era algo divertido na faculdade. Hoje
não vejo graça, é vazio dentro de mim — admiti.
— Sabe, Tris — Patrícia passou os dedos entres fios dos cabelos e eu
acompanhei o movimento com os olhos —, para tudo na vida precisamos de
inspiração, entrega, amor. Talvez por essa razão fosse divertido.
Ao ouvir Patrícia falar de amor e entrega, pensei em mim quando mais
nova, porque era algo que eu falava, graças a grande influência do mundo de
conto de fadas que minha mãe nos mostrava. Mas isso ficou no passado,
junto com a possiblidade de merecer um amor.
— Quem sabe precise se apaixonar novamente para ter inspiração — ela
sugeriu, me arrancando dos pensamentos, e eu ri.
Me apaixonar? Eu poderia ter dito que tinha terminado um namoro há
poucas semanas. Mas, se tivesse falado, Patrícia me perguntaria se eu estava
sofrendo, e eu diria a verdade, que não estava. Sim, tinha sido pega de
surpresa com o término, mas não chorei, não fiquei com raiva ou sofri,
porque a verdade era que eu já estava fora daquela relação antes mesmo de
Miguel partir. E, sendo honesta comigo mesma, depois que terminamos,
comecei a me perguntar se em algum momento estive realmente dentro da
relação.
Um toque delicado no meu braço me trouxe de volta à realidade.
— O que quero dizer é que, às vezes, com o passar do tempo, fechamos
portas dentro de nós pelas quais o sol entrava em nossa vida. O amor é uma
porta que nunca deve ser fechada, Tris. Porque ela leva embora inspiração,
sorrisos, beleza, alegrias... Abrir a porta do amor para tudo em nossas vidas
nos traz riscos? Claro que sim. Mas nos traz um mundo de possiblidades e
talvez, apenas talvez, não esteja conseguindo ver amor no que faz porque não
está se permitindo senti-lo — Patrícia comentou com suavidade, permitindo
depois que o silêncio tomasse conta da biblioteca.
Foi como se ela tivesse conseguido sintetizar toda a minha história nos
últimos anos, sem nem ao menos ouvi-la.
— Acho que está na hora de se permitir amar novamente, querida — ela
completou antes de levantar do sofá, beijar a minha testa e sair.
Patrícia estava certa. Eu havia me fechado para o amor há muito tempo,
e o fato do término com Miguel não ter causado impacto nenhum em mim era
só mais uma prova da ausência daquele sentimento. Eu não correspondia o
que ele demostrava sentir por mim, e isso fazia com que me sentisse ainda
mais culpada.
Culpa.
Aquele era o sentimento mais presente na minha vida.
Aquela era a porta que estava aberta há tempos dentro de mim.
Abracei o notebook e levantei, mais uma vez fugindo. Fugindo de mim
mesma e de tudo que deveria enfrentar.
Deixei o notebook no quarto, peguei um casaco e segui pelo corredor.
Passava das oito da noite e tudo estava quieto por ali. Me perguntei onde
estavam os participantes barulhentos daquele “reality show”. A casa vazia me
fez lembrar do filme que Theo tentou me obrigar a assistir e, com isso, um
tímido sorriso surgiu em meu rosto. Mas, logo o sorriso foi desfeito porque
não fazia ideia de onde ele estava.
A claridade vinda da sala de estar chamou minha atenção, quando entrei
encontrei Ana deitada no sofá cantarolando com fones no ouvido.
Ela tirou os fones e sorriu.
— Oi! Achei que não estivesse em casa.
Tirei os pés da minha irmã do sofá e sentei.
— Estava respondendo alguns e-mails — disse, e apoiei os pés dela de
volta no meu colo, deixando o sorriso em seu rosto por mais tempo.
Não tínhamos aquela convivência diária há tempos, eu sabia que Ana
sentia falta, o interessante estava sendo perceber que no fundo, eu também
sentia.
— E aí? — Ana apoiou uma das mãos atrás da cabeça. — Está sendo um
sacrifício muito grande ficar em família? — quis saber, me olhando de canto
de olho.
Suspirei.
— Surpreendentemente, não.
E foi como se eu estivesse salvando o mundo com aquelas palavras pela
forma com que os olhos de Ana brilharam.
— Sabia que iria amar quando chegasse aqui — disse, presunçosa.
— Olha... Não força a barra, irmãzinha. Só tem dois dias que estamos
todos juntos. Me dê mais um tempo e me pergunte novamente — disse,
passando os dedos entre os fios do meu cabelo e com olhos fixos para a
televisão desligada, depois voltei o olhar para Ana, desconfiada. — O que
estava fazendo aqui sozinha?
Ela pegou o iPhone ao lado da cintura e se levantou.
— Estava ouvindo algumas músicas e fazendo uma seleção porque não
quero que fique tocando só música de velho na festa — comentou, fazendo
uma careta no final da frase, o que me fez sorrir.
— Ana, a festa é deles, se quiserem assim, não vai ter jeito.
E ela me pegou de surpresa quando sentou e cruzou as pernas.
— Que nada, Tris, mamãe está bem moderna para música, depois que
criei algumas playlists no Spotify para ela ouvir nas caminhadas, o gosto
musical dela se expandiu horrores!
— Que ótimo. Só estou um pouco preocupada com o rumo que essa
expansão tomou — comentei, o pensamento longe dali, mais precisamente no
Theo e no fato dele estar sumido há algum tempo.
— Por que está com essa cara? — Ela largou o aparelho, voltando sua
atenção para mim.
— Não é nada. Só estou pensando — disse, ainda brincando com os fios
dentre meus dedos. Eu não gostava e, mais que isso, não queria compartilhar
com outras pessoas, o que me atormentava.
— Em quê?
— Na minha vida, Ana.
— Quer me contar? Sou boa ouvinte.
Seus olhos me pediam para que falasse algo que permitisse que ela se
aproximasse mais de mim. Eu sabia que Ana me amava e que estava tentando
me mostrando que, além de irmã, ela queria muito ser minha amiga. E todos
sabiam que há muitos anos aquele lugar estava vago na minha vida. Por um
instante, cheguei a pensar na possibilidade, mas recuei.
— Quem sabe um dia — disse baixinho, talvez para mim mesma, e
limpei a garganta sem esconder o desconforto. — O que acha de criarmos
então uma playlist completa, podemos começar com músicas mais lentas no
início da festa e ir agitando no decorrer da noite.
Sim, eu estava mudando o assunto de forma nada sutil, mas não queria
continuar trilhando o caminho pelo qual Ana estava querendo seguir e, por
mais que eu soubesse que o seu intuito era ajudar, não me sentia pronta para
falar sobre determinadas coisas.
Ana apontou para a própria cabeça e depois para a minha.
— Estamos na mesma sintonia! — Ela mostrou a sua enorme lista de
músicas no iPhone. — Vamos começar com algumas lentas, mas só os
clássicos bons e algumas novas. E vamos depois abrir a pista com essa aqui
para levantar os velhos das cadeiras. — Ela deu um pulo do sofá enquanto
pedia para Alexa uma música específica. — O que você acha? — Sorriu para
mim no mesmo instante em que a voz robotizada do Smart Speaker repetia o
nome da música.
As primeiras batidas começaram a preencher o ambiente, e eu sorri,
imaginando a cena dos amigos dos meus pais dançando. Ana veio em direção
ao sofá saltitando, enquanto Uptown funk começava a tocar no último
volume.
Ela me puxou do sofá.
— Dança comigo!
Sem opção, levantei e me juntei a ela dançando e cantando de olhos
fechados, no meio da sala, como duas loucas vestindo leggings, casacos de
moletom enormes e meias nos pés. A música ecoava pela casa, mas nós não
estávamos nos importando.
— O que vocês estão fazendo? — alguém gritou chamando nossa
atenção.
Eu conhecia aquela voz, já estava me acostumando a ela.
Então olhei.
E lá estava ele.
Recostado no batente da porta, ele nos observava com a testa franzida e
braços cruzados, talvez se perguntando se havíamos perdido o juízo por
completo por estarmos dançando como se não houvesse amanhã, mas não nos
intimidamos, continuávamos pulando, balançando os braços e a cabeça, entre
risadas.
— Dançando! — Ana respondeu sem parar o estava fazendo.
— Isso estou vendo. Queria entender o motivo de tanta animação —
insistiu.
— Nós estamos esquecendo nossos problemas — respondi, enquanto
movia o quadril e levantava as mãos no ar.
— Estão com tantos problemas assim na vida? — Theo quis saber com
uma sombra de sorriso nos lábios.
A música continuava ecoando pela casa, e ele parecia fascinado com
aquela cena. Como se fosse algo extremamente interessante. O que era
estranho. Nós duas só estávamos nos divertido. De um jeito leve, livre e feliz.
Ok, pensando bem, dava para entender o fascínio. Afinal, eu não era nada
daquilo considerando os últimos dois dias. Ou melhor, os últimos anos.
— Posso saber o que vocês beberam?
— Nada! — respondemos juntas, rindo em seguida da nossa sincronia.
— Estou orgulhoso — comentou com humor.
Quando a música acabou, estávamos ofegantes e felizes. Meu coração
batia acelerado, uma sensação boa e completamente nova surgiu dentro de
mim, e eu não sabia dizer de onde, mas me fez sorrir. Por instinto, olhei para
Theo, que também sorria.
— Quero dançar — eu disse de repente.
Ele apontou para mim e depois para Ana.
— Achei que era isso que estavam fazendo.
— Não. Quero dançar mais — expliquei, e me virei para Ana. — Ainda
tem algum lugar legal por aqui?
O rosto da Ana se iluminou como uma criança encontrando múltiplos
presentes na árvore de natal.
Eu tinha feito a pergunta para a pessoa certa, afinal, se existia alguém
que poderia nos levar ao melhor lugar, era Ana. A vida noturna naquela
cidade não era algo a que Theo e eu estávamos acostumados, mas eu sabia,
mesmo sem estar presente na vida deles, que Ana, Arthur, Pedro e Laura
sempre vinham para um fim de semana de recordações quando tinham uma
chance.
— Claro que tem! — respondeu, animada, e pegou o celular. — Vou
falar com os meninos, Laura e Andressa. Hoje nós vamos curtir muito. —
Com os dedos nervosos sobre a tela do celular, ela se afastou.
— E aí, o que acha? — Caminhei ao encontro de Theo, curiosa para
saber se iria concordar em participar.
— Vamos — assentiu.
E foi o que bastou, uma palavra, cinco letras, para que eu sentisse um
leve frio na barriga. Para que algo como borboletas dessem pequenos sinais
de vida. Talvez eu estivesse girando a maçaneta de uma porta empoeira
dentro de mim.
Ficamos parados frente a frente, os olhos grudados um no outro. Theo só
desviou uma vez, e mesmo assim na direção da minha boca. Algo que vinha
fazendo com cada vez mais frequência desde que nos reencontramos.
Senti o coração acelerar. Isso pode não dar certo! Algo gritou dentro de
mim, me deixando confusa.
— Todos toparam! — Ana surgiu ao nosso lado, nos trazendo de volta à
realidade.
— Que bom — murmurei, olhando para Theo.
— Vamos, precisamos nos arrumar. — Ana me pegou pela mão e me
puxou, e assim me obrigou a quebrar o contato visual. Quase reclamei, mas
não tive tempo. Ao passarmos por Theo, ela parou e olhou para trás. —
Anda, Theo, vai tomar banho e se arrumar! Você também vai, não é? —
perguntou com um enorme sorriso.
— Não perderia por nada — ele disse, tão baixo que mal conseguimos
ouvi-lo.
Ana seguiu me arrastando pelo corredor em direção aos nossos quartos.
Sim, ela era um tanto quanto mandona e irritante às vezes.
— O que vai vestir? — quis saber assim que se acomodou na minha
cama e pegou um dos travesseiros para apoiar melhor a cabeça. — Vamos
ver as opções. — Bateu palmas, impaciente.
Eu abri o armário, dei uma olhada em todas as peças e tirei apenas duas
possibilidades de lá. Uma calça justa preta com blusa e um vestido. Arrumei
os looks sobre a cama.
— Só isso? — Ela fez uma careta de indignação. — Tem certeza de que
você trabalha com moda?
— Ana, por favor, vamos sair para dançar e não para a festa do Oscar —
retruquei.
Ela ficou olhando para as peças e suspirou.
— Ao menos vai sexy, não é, maninha — sugeriu, jogando o vestido
preto em cima de mim antes de sair do quarto.
Respirei fundo, deixei o vestido sobre a cama, peguei um conjunto de
calcinha e sutiã de renda para combinar e fui tomar banho.
Cinquenta minutos depois, sentia como se estivesse encarando uma nova
Beatriz no espelho. Ouvi batidas na porta e, assim que foi aberta, o reflexo de
Theo surgiu no espelho junto ao meu. Parado atrás de mim, vestindo calça
jeans e camisa social preta para fora da calça, e com dois botões abertos ele
estava lindo, gostoso e digno de qualquer passarela internacional.
Que Nossa Senhora do Corpo Perfeito me desse forças.
Precisei me controlar para não fazer papel de idiota e acabar deixando o
queixo cair, ou morrer por ter esquecido de respirar por tanto tempo. Mas a
melhor parte? Foi perceber que não era a única a gostar do que estava vendo,
rapidamente dei uma voltinha e mostrei o que estava vestindo.
— Uau... — Theo corria os olhos pelo meu corpo. — Você está linda!
Silenciosamente, agradeci a Ana. A escolha do vestido preto justo e
curto de mangas compridas tinha sido a melhor opção para a noite. Para
completar, calcei botas pretas até o joelho, deixando tudo ainda mais sexy.
— Obrigada. — Peguei a bolsa sobre a cama e me aproximei dele.
Theo não se moveu, e seus olhos pareciam grudados no meu corpo
quando parei à sua frente. Mesmo de salto alto eu estava apenas alguns
centímetros acima de seu peito, me obrigando assim a levantar a cabeça para
olhar em seus olhos azuis, que pareciam mais claros naquela noite, e, para
completar, o perfume daquele homem era maravilhoso.
Eu estava ficando intoxicada pelo jeito sexy de ser de Theo. E aquela era
só mais uma razão para sair daquele lugar bem rápido, porque ficar sozinha
com ele talvez não fosse uma boa ideia.
— Todos prontos?! — Ana surgiu atrás de Theo, nos tirando daquele
estado de inércia.
A minha irmãzinha estava com um timing perfeito.
— Sim — respondemos juntos, olhando um nos olhos do outro.
Ajeitei a bolsa sobre o ombro e peguei o sobretudo. Quando tentei passar
por Theo, ele me segurou pela cintura possessivamente, e institivamente
parei.
— Coloque o casaco, está frio lá fora. — Sua voz mal passava de um
sussurro, mas não escondia que aquilo não era uma sugestão, e sim uma
ordem.
Porque Theo era daqueles que não pedia quando tinha a certeza de que
estava certo. Tentei ignorá-lo e dei um passo à frente, e foi quando sua mão
me puxou para mais perto.
— Beatriz... — Com delicadeza ele pegou o casaco do meu braço e o
abriu. — Por favor.
Eu o encarei e fiz o que pediu, tendo a certeza de que a noite estava
apenas começando e que aquela poderia não ser a única chance de
desentendimento que teríamos.
última vez em que eu havia colocado os pés em uma boate
tinha sido para comemorar a minha formatura no Canadá, antes de retornar
para o Brasil. Aquele foi o meu primeiro pensamento enquanto Theo
estacionava o carro. Era notório que a The View tinha se tornado o lugar mais
cool da cidade. Impressionada, desci do carro sem tirar os olhos da fila que se
formava na entrada.
— Vejam só quem resolveu dar o ar de sua graça — uma voz masculina
comentou atrás de mim, enquanto eu admirava a arquitetura do prédio. Virei
rapidamente com um sorriso enorme no rosto.
— Arthur! — gritei, me jogando em seus braços.
— Hmm... — Ele me apertou forte. — Bom saber que sentiu minha
falta, Tris — sussurrou em meu ouvido.
Sorrindo, me afastei e dei um tapa em seu braço.
— Não seja nojento — disse sorrindo, e então observei meu amigo com
mais atenção. — Seu cabelo está diferente — comentei ao tocar os fios
negros e lisos, que estavam mais compridos do que costumavam ser no
passado. Os olhos castanhos de Arthur me brindaram com uma piscadinha.
Eu não o encontrava há muito tempo, anos. Mas, ele não havia mudado.
Alguns centímetros a mais que eu, com um belo corpo, apesar de não ser tão
forte quanto Theo, Arthur não deixava a desejar em nada no quesito beleza.
Porque, para completar, ele contava com duas covinhas lindas que apareciam
quando sorria, o que o deixava absurdamente charmoso.
Ele assobiou.
— Que isso, você está uma gata! — comentou segurando minha mão,
me obrigando a dar uma voltinha. — Está bem gostosa na verdade.
— Ei, ei, ei! Pode parar! — Ana gritou, caminhando em nossa direção,
com Theo ao seu lado.
— Desculpa, pequena, mas sua irmã realmente está gostosa. — Ele
soltou minha mão e foi até Ana, abraçando-a pela cintura e lhe dando um
beijo na boca, parecendo tentar sugar sua alma.
Fiquei em choque.
— Alguém pode me dizer o que significa isso? — Assustada, apontei
para o casalzinho apaixonado à minha frente.
— Pelo visto, eu que moro longe sei das novidades e você não. — Theo
parou ao meu lado para assistir à cena de agarramento.
— Isso está acontecendo desde quando? — perguntei, ainda sem
acreditar no Theo, enquanto minha irmã e Arthur continuavam se agarrando
de forma exagerada demais para o meu gosto.
— Ele me contou tem alguns meses — Theo comentou, também
observando os dois.
— Meses?!
— Bom revê-lo, meu irmão. Já estava na hora de voltar para casa.
Sentimos sua falta! — Arthur disse, visivelmente feliz, se aproximando de
Theo para cumprimentá-lo, que, em resposta, sorriu e ameaçou falar alguma
coisa.
— Fiquem quietos vocês dois! — Dei um tapa no braço do Theo,
cortando o momento reencontro dos dois de forma nada delicada, voltando a
atenção para minha irmãzinha. — Ana Clara, vocês estão juntos há meses!?
Eu ainda estava em choque com a notícia.
A sem-vergonha conseguiu parar por uns dez segundos de agarrar
Arthur. Sei lá, acho que lembrou que havia gente à sua volta.
— Ahh, cunhadinha, sabia que ficaria feliz com a notícia! Não? Muito
cedo para chamar você assim? Ainda não absorveu a novidade?
— Cala boca, Arthur! — Levantei o dedo em sua direção para não
arremessar a minha bolsa diretamente na cabeça dele.
Ana revirou os olhos dramaticamente.
— Sim, estamos juntos oficialmente há quatro meses. E você reclama
quando faço visita e sempre diz que falo muito — disse, fazendo cara de
pobre coitada. Aquela era a pior desculpa que a safada poderia me dar.
— Aparecer no meu apartamento do nada você gosta de fazer, mas me
contar que está namorado um dos meus amigos, não? — Cruzei os braços,
fuzilado os dois com o olhar e esperando que alguém me respondesse por que
eu estava sendo a última a ter conhecimento daquele namoro.
— Bom, agora já sabe. Já brigou comigo e com a Ana. Não ficou feliz
quando te chamei de cunhadinha... Então, vamos entrar ou não? — Arthur
apontava para a boate atrás deles.
Assenti.
Arthur e Ana seguiram à nossa frente, e não demorei para sentir a mão
de Theo nas minhas costas, me guiando, e ao mesmo tempo afastando os
homens que chegavam muito próximo a mim quando cruzamos o corredor de
entrada. Assim que acessamos a área principal da boate, me surpreendi. Além
de lotado, o lugar era lindo. Meus olhos corriam por cada canto até que
encontrei um bar enorme e supermoderno, repleto com todos os tipos de
bebidas alcoólicas já criada pelo homem. Sorri.
— Devo me preocupar com o seu excesso de felicidade ao ver álcool?
— Theo sussurrou no meu ouvido.
Olhei para ele, fazendo uma careta.
— Estou de férias essa semana, então mereço — respondi, seguindo em
direção ao bar.
Em pouco tempo eles se juntaram a mim, Ana e Arthur, cada um com
uma garrafa de cerveja na mão. Andressa, amiga, e Ana, que, pelo que
entendi era a novata do grupo, e Theo, que sentou em dos bancos do bar à
minha frente. Pedi uma cerveja, mas antes de conseguir pegá-la alguém me
agarrou pela cintura, me assustando.
— Olha só, a medrosa está na cidade — um homem comentou de um
jeito sexy no meu ouvido. Eu girei o corpo sorrindo e passei os braços pelo
seu pescoço.
— Pedro!
— E aí, Tris, como está? — Ele beijou meu rosto e me apertou forte e
com intimidade, de encontro ao seu corpo.
Pedro era o irmão mais novo de Arthur. Nós dois tínhamos a mesma
idade e o seu passatempo preferido na infância era de me dar sustos. E,
mesmo sendo fisicamente diferentes um do outro, Pedro e Arthur eram
igualmente lindos. Na verdade, sempre achei que a sociedade devia dar um
prêmio aos pais daqueles dois.
— Quando Arthur me disse que estava aqui, não acreditei — Pedro
comentou, próximo ao meu ouvido. E eu sorri e não consegui responder seu
comentário, porque a verdade é que nem eu estava acreditando que era real.
Theo, à nossa frente, esticou a mão para bater daquele jeito bruto e forte
que homem faz para cumprimentar.
— Cara, quanto tempo! — Pedro disse, parecendo mais supresso ao ver
Theo ali do que me ver.
O homem de olhos azuis que passou a ser meu vizinho de quarto
assentiu e forçou um sorriso, mas era notório que seus olhos estavam presos
na mão do Pedro em minha cintura. Minutos depois, Laura surgiu, em meio à
multidão, com Rodrigo, seu irmão, logo atrás. Pelo visto, o Universo não
estava de brincadeira comigo quando decidiu me fazer enfrentar o passado.
Porque Rodrigo e eu namoramos por um tempo. Nossas famílias se
conheciam a vida toda. Sendo assim, crescemos juntos. Eu só não esperava
revê-lo depois de tantos anos. Dei um abraço e um beijo em Laura, que era
amiga da Ana desde o berçário e, assim que ela se afastou, Rodrigo veio ao
meu encontro com o seu sorriso discreto, quase um metro e noventa, e muitos
músculos que não existiam antes.
— Seja bem-vinda — disse baixinho em meu ouvido, dando-me um
beijo rápido no rosto, e logo depois se afastou.
Os meninos fizeram novos pedidos ao barman. Então, levantamos as
garrafas para um brinde. E foi estranho ver sete garrafas de cerveja e uma de
água mineral.
— É sério que você vai beber água a noite toda? — quis saber,
incrédula, ao ver Theo levar a garrafa à boca.
Um sorriso ameaçou surgir em seus lábios.
— Alguém tem que ficar sóbrio aqui. Mas não se preocupe, amanhã eu
bebo e você fica sóbria — disse, antes de levantar sua garrafa de água para
brindar com a minha de cerveja.
— Você está muito convencido mesmo se acha que vou sair com você
amanhã novamente — comentei, e dei um pulo do banco em direção à pista
de dança, onde Ana, Laura e a amiga delas, Andressa, estavam.
Juntei-me a elas com o objetivo de dançar até que minhas pernas
reclamassem de dor. Porque fazia muito tempo que eu não me dava a
oportunidade de me divertir daquele jeito.
Depois de muitas cervejas, algumas doses de tequila e de ter prendido os
cabelos em um rabo de cavalo alto, lá estava eu, ainda na pista de dança com
a Laura. Nós ríamos enquanto brincávamos dançando sensualmente e, cada
vez que eu movia o meu corpo junto com o de Laura, meu vestido subia um
pouco mais. Mas eu não me importei, porque eu estava me divertindo, estava
feliz de verdade.
Até que, pela segunda vez na noite, senti a mão de um homem na minha
cintura. Era Pedro se aproximando de nós dançando. Na verdade, ele estava
dançando mais comigo do que com a Laura que, pouco depois, saiu da pista.
O meu amigo era o sonho de consumo de todas as mulheres, sem exceção.
Alto, cabelos castanho-claros arrepiados, olhos verdes. Pedro parecia um
modelo de tão lindo, e eu o conhecida bem o suficiente para saber o que
estava fazendo. Nunca tivemos nada, nem sequer um beijo roubado, e não
seria agora, mas dançar com um cara gostoso como ele não era algo que dava
para recusar. Ele juntou nossos corpos, e não demorei para descobrir que o
safado sabia o que estava fazendo. Pedro me girou em seus braços, colocando
um sorriso no meu rosto, até que meu olhar se prendeu a um par de olhos
azuis. Theo estava parado de braços cruzados no meio da multidão, com cara
de pouquíssimos amigos. Segundos depois fui puxada pelo braço, obrigando
Pedro a me soltar, e por pouco não perdi o equilíbrio, que já não era mais
cem por cento graças às doses de tequila.
— Ei! — reclamei enquanto era rebocada para um canto afastado,
próximo a um dos banheiros femininos.
— O que você está fazendo?! — Ana quis saber, assim que nos
afastamos do tumulto.
— Dançando — rebati olhando à nossa volta, para as pessoas que faziam
o mesmo.
Minha irmã semicerrou os olhos e suas bochechas ficaram mais rosadas
do que nunca, e não era por conta do blush.
— Aquilo não era dançar, Tris — recriminou, e mal pude acreditar. Era
só que o me faltava receber lição de moral da minha irmã mais nova.
— Ah, não?! O que era então? — rebati, irritada, cruzando os braços e
me preparando para o que viria. Sabia que a música alta não estava
permitindo que fôssemos ouvidas.
— Aquilo era um pré-beijo, pré-sexo, um pré-qualquer-indecência-que-
se-possa-imaginar — ela devolveu, brava.
Fechei os olhos, me obrigando a respirar fundo e me acalmar, porque
talvez, sem nem ao menos perceber, minha irmã estava estragando tudo.
— Ana — dei um passo me aproximando —, foi você que me
convenceu de que eu precisava me divertir e aproveitar o fato de estar aqui.
— Tris — ela segurou minha mão com carinho —, continuo afirmando
isso. Você pode se divertir o quanto quiser, mas dançar daquele jeito com o
Pedro... — Ela deixou a frase em aberto, e institivamente meu olhar seguiu
para área em que Pedro e os demais estavam, mesmo sem conseguir
identificá-los no meio de tantas pessoas.
— E qual é o problema? — quis saber, e tentei me afastar, mas Ana
segurou minha mão discretamente.
— O problema é que está provocando o Theo — ela disse baixo, mas
não conseguiu esconder o tom de recriminação, e então se calou por um
instante, antes de continuar: — Eu entendo que pode não estar sendo fácil,
mas...
— Ana, por favor, me deixa! — Ameacei puxar a mão, mas ela me
soltou antes, permitindo que me emaranhasse entre a multidão sem rumo, e
então um dos bares surgiu à minha frente. Incomodada com que ouvi, pedi
uma dose de tequila e fui prontamente atendida. Peguei o sal e o limão e virei
a bebida sem pensar.
— O que está fazendo? — A voz de Theo surgiu seca, próxima ao meu
ouvido.
Senti como se uma descarga elétrica tivesse atravessado o meu corpo,
gerando uma explosão de sentimentos dentro de mim, e nem todos foram
bons. Minha garganta queimava por conta da bebida e da raiva, enquanto eu
buscava respirar fundo me preparando para responder a ele.
— Nossa, essa deve ser a pergunta da noite! — ironizei, e me virei para
encará-lo levantando o copo vazio. — Bebendo tequila. — Coloquei de volta
o copo sobre o balcão e o encarei de novo. — E agora vou dançar.
Sim, eu iria dançar ou fazer qualquer outra coisa que colocasse uma boa
e saudável distância entre nós dois naquele instante. Porque a frase da Ana,
me acusando de estar provocando Theo, ainda ecoava em minha mente,
obrigando a me questionar se minha irmã não estava certa.
Dei o primeiro passo e senti a mão do Theo na minha cintura, segurando
com delicadeza.
— Vai dançar sozinha? — Sua voz rouca não escondia a repreensão.
Olhei para ele de cima a baixo.
— Por que a pergunta? — devolvi sem pensar.
— A sua ideia é dançar sozinha ou vai continuar fazendo aquele
showzinho com o Pedro?
Minhas sobrancelhas arquearam, sem esconder a minha surpresa. Será
que ouvi direito?
— Desculpa, mas pode me dizer em que lugar está escrito que lhe devo
algum tipo de satisfação? Porque acho que não recebi esse memorando —
disse, irônica.
Senti os olhos de Theo me fuzilando. E, se o lindo tom azul nos
próximos segundos começasse a se transformar em preto, eu teria a certeza de
que o homem estava possuído de tanta raiva. Ótimo, porque eu também
estava.
— Você realmente gosta de provocar, não é? — comentou baixo no meu
ouvido, sem esconder a irritação.
Levantei o queixo e o encarei com um pequeno sorriso nos lábios.
Nunca tive problemas em enfrentar ninguém, e não começaria ali.
— Vamos deixar uma coisa bem clara, Theo — fiz o mesmo que ele, dei
um passo à frente, o que fez com que nossos corpos quase se tocassem —, se
algum homem quiser dançar comigo e eu estiver a fim, vou dançar —
provoquei baixinho em seu ouvido, exatamente como falou.
— Ótimo. — Ele segurou a minha mão, me pegando totalmente de
surpresa, e me levou para a pista de dança, abrindo espaço entre os muitos
que ali estavam. Quando chegamos ao centro, Theo me puxou de encontro ao
seu corpo. — Porque o homem que está a fim de dançar com você sou eu —
sussurrou em meu ouvido, e na mesma hora soube que seria o meu fim.
Senti sua respiração queimando a minha pele no instante que Theo
juntou meu corpo ao dele e levantou meu braço, fazendo com que envolvesse
seu pescoço. Apoiei uma das mãos em seu peito e, lentamente, segui
descendo até que meus dedos correram por cada gominho perfeito do
abdômen. E, Deus, se aquele homem não era uma perdição, não sabia quem
seria. Theo enlaçou meu corpo com tanta facilidade, usando apenas um
braço, que, das duas uma: ou eu era muito pequena ou ele era enorme.
A música “Burn” tocava em um remix maravilhoso, e nossos corpos
pareciam vibrar com a batida, respondendo como se fosse apenas um. Se a
dança com o Pedro era quente, com Theo era puro fogo. Não existia uma
parte do corpo daquele homem que não estivesse em contato com o meu. E
ali em seus braços, pouco ficava necessário ser preenchido pela minha
imaginação sobre o quanto ele era perfeito. Sua mão segurava a minha bunda
e quadril, obrigando que me entregasse inteiramente a ele na dança, enquanto
simultaneamente ele parecia queimar a minha pele com o toque de seus
dedos, e eu me permiti ser levada por ele. Meu coração batia acelerado e
minha respiração ficava cada vez mais ofegante, enquanto meus dedos
passeavam pelo seu corpo por cima da camisa até chegar no cós da calça, ao
mesmo tempo que eu era torturada pelos seus lábios no meu pescoço. Tudo
era tão intenso, tão sexy e entregue, que aos poucos as novas sensações iam
se misturando às lembranças. Como se, a cada novo toque, ele transformasse
escuridão em claridade, resistência em desejo. Era como se Theo conhecesse
meu corpo melhor do que qualquer outra pessoa no mundo.
A música não tinha fim, e mentalmente eu agradecia. Porque queria
continuar me sentindo viva em seus braços. As nossas respirações estavam
igualmente pesadas, e a proximidade da minha mão em seu peito me permitiu
sentir o quanto seu coração estava disparado, não diferente do meu.
Quando seus dedos levantaram meu queixo, eu sabia o que viria a
seguir.
Porque o primeiro aviso foi quando seus olhos azuis se fixaram nos
meus. O segundo? Quando devoraram minha boca, como se fosse o bastante
para pedir permissão. Não tinha mais volta. Os lábios de Theo já estavam
presos aos meus. E tudo era igual. Tudo era exatamente igual. Na verdade,
não estava sendo justa, não era igual, era melhor. Seus lábios abrindo o
caminho para sua língua invadir minha boca de jeito possessivo. Theo não me
beijava, tomava, como se eu fosse dele e de mais ninguém. Era tão intenso
que parecia mistura de desejo e punição pelas nossas provocações. E eu
estava a poucos minutos de me tornar viciada ao leve sabor de canela que
vinha de brinde junto com cada investida de sua língua. Talvez o álcool
estivesse ajudando com que eu me entregasse tão de corpo e alma a quem
passei as últimas horas desejando. Senti suas mãos percorrerem o meu corpo
enquanto roçava os lábios nos meus com um leve sorriso, como se soubesse
que eu tinha esquecido de respirar, só para pouco depois ele morder
levemente o meu lábio, me provocando e fazendo gemer. E eu esqueci tudo.
Esqueci nosso passado.
O mal que fizemos.
Tudo que destruímos.
E então...
Não!
Quase sem forças, consegui interromper o beijo. Theo apoiou a testa na
minha e, de olhos fechados, senti a sua respiração curta e seus braços me
envolvendo possessivamente pela cintura. Eu nunca tinha vivido algo tão
intenso.
— Não posso, sinto muito — murmurei.
Theo me soltou e saí da pista de dança.
Para bem longe dele.
la me deixou sozinho.
Sim, eu a beijei por impulso. Não conseguia pensar em outra coisa. Tris
vinha me enlouquecendo aos poucos aquela noite. Porra, qual tinha sido a
última vez que uma mulher havia me deixado tão louco? Qual tinha sido a
última vez que alguém tinha conseguido me fazer esquecer de tudo e focar
minha total atenção em apenas uma pessoa?
Eu poderia mentir dizendo “nunca” mas teria sido ridículo mentir para
mim mesmo porque a última, e única vez que me senti assim, foi com a
própria Tris, anos atrás, quando tive certeza de que estava apaixonado por
ela. Mas, como o bom idiota que sou, demorei muito para assumir para mim
mesmo, e mais ainda para tomar coragem e agir. E o tempo é ingrato, e mais
do que isso, ele não volta. E, por essa razão, sabia que estava fodido. Sabia
que aquela noite não seria como outra qualquer no instante em que meus
olhos recaíram sobre Tris e o seu maldito vestido, que mal cobria um terço de
suas coxas e parecia ter sido costurado diretamente no corpo de tão justo.
Aquela mulher era perfeita. Tinha sido ingenuidade minha acreditar que,
com o passar dos anos, Tris não ficaria cada vez mais gata, e me destruía por
dentro perceber que os homens pareciam devorá-la com os olhos. Era como
se alguém sempre acendesse a porra de um holofote bem em cima da Beatriz
quando ela chegava aos lugares. E bastou dois dias para que passasse a odiar
o fato. Porque Beatriz era minha, e eu poderia ter morrido feliz ouvindo seu
gemido a cada leve mordida que dei em seus lábios até que ela se afastou, e
não tive outra escolha que não fosse permitir.
Ela vai embora!
A frase pareceu uma explosão em minha mente, me fazendo sair do meu
estado de torpor. Tomando novamente consciência da música alta e das
pessoas ao meu redor, segui impaciente, abrindo espaço entre os que
continuavam dançando. Ao afastar uma garota para procurar por Tris, senti
quando alguém apoiou a mão no meu peito, me impedindo de seguir.
— Ei. — Era Arthur. — Dê alguns minutos a ela.
— Você sabe que isso não vai acontecer — rebati o óbvio, enquanto
buscava por ela à nossa volta.
— Tudo bem, vá atrás da Tris. Mas, por favor, por favor... — Sério,
Arthur juntou as mãos próximo ao peito. — Não mate o meu irmão — pediu,
uma sombra de sorriso nos lábios.
Semicerrei os olhos e pela primeira vez na vida quis lhe dar um soco.
Arthur sabia que existia uma gigantesca diferença entre ele abraçar e
dançar com a Tris, e o Pedro fazer coisas do tipo. Arthur era o meu melhor
amigo, e sempre soube o quanto Beatriz significa para mim. Já com o Pedro a
conversa era outra. O cara parecia ter os níveis de hormônios trabalhando em
alta velocidade e não perdoava ninguém, nunca.
— Juro por Deus, Arthur, se o seu irmão decidir fazer a péssima escolha
de passar a mão no corpo da Beatriz de novo...
— Você vai meter a porrada no nosso projeto de modelo? — Rodrigo
emendou, completando a minha frase com tranquilidade e certo humor, com
uma das mãos no bolso da calça jeans e a outra segurando uma cerveja.
Rodrigo falava como se nada demais estivesse acontecendo, enquanto eu
estava pronto para ter um ataque de fúria só de vislumbrar a possibilidade de
outro homem, além de mim, tocando aquela mulher.
Voltei minha atenção para ele.
Sim, porque para completar a noite com chave de ouro, eu estava sendo
obrigado a lidar com a presença do ex-namorado da Beatriz. Nós crescemos
juntos, e de certa forma sempre fomos amigos, graças às nossas famílias
terem laços de convivência há gerações. Mas, a verdade era que Rodrigo e eu
sempre mantivemos um certo distanciamento, e todos sabiam.
— Não. Primeiro vou arrancar Beatriz dos braços do Pedro, depois vou
garantir que a cara do modelo não seja mais tão perfeita. Mas, se quiser levá-
lo para o hospital em seguida, não vou me opor — respondi, sem me dar
trabalho de esconder que estava puto.
Rodrigo levantou as mãos, em sinal de rendição.
— Não está mais aqui quem falou e... — Ele parou por um segundo e
sua expressão mudou. — Não que eu tenha algo a ver com isso, mas você e
Tris estão juntos?
Arthur e eu nos entreolhamos.
Porque lá estava o questionamento racional que eu estava fazendo
questão de ignorar desde o início da noite.
Não estamos juntos.
Não éramos um casal.
Nunca tínhamos sido.
— Não — respondi em seco. — Talvez porque nunca a mereci. Talvez
porque não tenha dito a verdade no momento certo — completei
mentalmente.
— Então todo esse ciúme por conta do Pedro e depois esse beijo entre
você e Tris é algo novo? — Rodrigo quis saber.
— Theo, seja racional — Arthur interrompeu, não me dando tempo de
responder. — Pedro nunca tentaria algo com a Tris. Sei que você entrou em
“modo ciúme cego automático”, mas meu irmão nunca iria se meter com uma
das garotas — completou, como se estivesse explicando o óbvio.
— Amém para isso — emendou Rodrigo.
Compreendia o alívio estampado na cara do Rodrigo, já que Laura, sua
irmã, era linda e começava a chamar atenção dos homens, mas àquela altura o
mais importante para mim era observar as pessoas que passavam por nós, na
esperança de encontrar a Tris.
— Não me importo se foi uma brincadeira ou não, desde que não se
repita. Já tenho problemas suficientes na vida para ter de me preocupar se
vou perder meu réu primário por enforcar o teu irmão — respondi, irritado.
Eu parecia louco ao procurar o rosto de Tris no meio de tantos
desconhecidos. A escuridão parcial junto com a música alta nos envolvia sem
dar trégua, e fazia com que fosse mais complicado processar os últimos
minutos. Eu a beijei por todos os motivos. Porque tenho um tesão louco por
ela, porque estava puto por ter sido provocado, porque estava morrendo de
ciúme, e porque sabia que ela era perfeita para mim. Mas, se tratando da
Beatriz e do nosso passado, talvez as justificavas não tenham sido suficientes
para agir com impulsividade.
— Merda. O que foi que eu fiz? — murmurei, procurando por ela. Eu já
tinha conseguindo localizar Ana, Laura e até mesmo o Pedro entre a
multidão, mas nada da Beatriz.
Arthur segurou o meu ombro, ganhando minha atenção.
— Vá procurá-la que vou ficar de olho na Ana e na Laura.
— Tris está aqui dentro em algum lugar, Theo. Não é como se ela fosse
desaparecer sem avisar ninguém — Rodrigo emendou.
Engoli em seco.
— É da Beatriz que estamos falando... — murmurei de novo, sabendo
que ele não conseguiria me ouvir.
Mesmo sem ter me ouvido por conta da música alta, Rodrigo pareceu
perceber a minha preocupação, porque deu uma batinha no meu braço e
assentiu.
— Vamos lá, te ajudo a encontrá-la — disse, e apontou para uma
direção.
Assenti e segui seus passos, mergulhando em um mar de corpos
dançantes que se embalavam entre músicas ensurdecedoras e luzes piscando.
Só faltou colocarmos a porra do lugar abaixo e não conseguimos
encontrá-la. Do jeito que estava a minha sorte, era bem capaz de Tris ter
voltado para casa andando, sozinha. Incomodado com o seu desaparecimento,
empurrei uma das portas de aço que dava acesso à rua, pronto para perguntar
ao segurança da portaria se ele tinha visto uma mulher linda de cabelos
castanhos compridos e ondulados, olhos verdes e que beijava incrivelmente
bem e por quem eu possivelmente cairia de quatro mais uma vez na vida,
quando avistei Tris. Sozinha, encolhida e tremendo de frio, alguns metros à
minha frente.
Suspirei aliviado, enquanto tirava o casaco e caminhava em sua direção,
fazendo o que eu sempre soube fazer de melhor.
Cuidar de Tris.
alívio que senti ao encontrá-la durou pouco. Não precisava ser
nenhum gênio para perceber que havia algo errado. E não, não era ao beijo
que me referia. Com o corpo curvado para a frente e apoiando as mãos nas
pernas, Tris parecia tentar controlar a respiração enquanto falava sozinha. Ao
me aproximar, consegui ouvir o final do que parecia ter sido uma frase.
“Como pude”.
Duas palavras, que juntas pareceram resumir bem seu sentimento de
arrependimento.
Ignorei.
Não havia ninguém na rua além de nós dois e o segurança, que da porta
da boate nos observava. Me aproximei devagar, dando mais alguns segundos
dos quais Tris parecia precisar. Ela estendeu o corpo e inspirou
profundamente o ar gelado trazido pela madrugada, enquanto abraçava o
próprio corpo.
— O que está fazendo aqui fora? — Minha voz saiu rouca e por um
instante pareceu ríspida.
— Por favor, não... — murmurou, fechando os olhos.
Ignorei mais uma vez sua reação e coloquei meu casaco sobre seus
ombros, que envolveu seu corpo com facilidade.
— Procurei por você em todos os lugares. Não deveria ter saído sozinha
— disse, esfregando as mãos sobre o casaco na esperança de que seu corpo
aquecesse mais rápido, porém parecia inútil, pois os espasmos continuavam.
Sem abrir os olhos, ela levou as mãos às têmporas.
— Estava muito quente lá dentro, não conseguia respirar. Sou uma idiota
e eu não estou... — A frase foi deixada em aberto.
Sem pensar, eu a segurei pelo braço e girei seu corpo, deixando-a de
frente para mim. Ela estava tão pálida que me assustou.
— Tris — minha voz era cautelosa —, você está bem? — quis saber,
afastando alguns fios de cabelo do seu rosto.
Ela balançou a cabeça em negativa.
— Beatriz, você se alimentou hoje? — Involuntariamente, meu tom
passou a ser levemente mais duro.
Seus ombros se encolheram, e ela fez que não, mais uma vez sem me
olhar.
— Olha para mim. Não vou brigar com você — comentei baixinho,
tocando seu queixo. Tris fez devagar o que pedi, então desabou em meus
braços perdendo o equilíbrio.
Merda!
Eu a peguei no colo e a acomodei em meus braços. Ela envolveu os
braços no meu pescoço e relaxou o corpo. Sabia que Tris tinha bebido
bastante durante a noite, mas nunca poderia imaginar que tivesse passado um
dia inteiro sem comer. Fora que não havia nada que eu pudesse fazer. Não era
como se eu tivesse o direito de questioná-la por estar virando shots de tequila
como se não houvesse amanhã. Ela não era minha, certo? Não era essa a
questão desde o início? Não foi isso que Rodrigo fez questão de me lembrar
ao me perguntar se Tris e eu estávamos juntos.
— Vou levá-la para casa — comuniquei, caminhando, apressado, para o
estacionamento.
— Ana. — Sua vou saiu abafada, pois seu rosto se afundava cada vez
mais no meu pescoço, como se não estivéssemos próximos o bastante.
Engoli em seco.
— Arthur vai levá-la, não se preocupe — respondi de imediato, afinal
precisava resolver um problema de cada vez, e a prioridade era ela.
Apoiei o corpo da Tris em uma das pernas para facilitar abrir a porta do
carro e, em seguida, eu a coloquei no banco do carona com cuidado. Ela
deitou a cabeça no encosto, de olhos fechados, e suspirou.
— Logo estaremos em casa. — Tirei alguns fios de cabelo que cobriam
seu rosto antes de passar o cinto de segurança pelo seu corpo e travá-lo, Tris
nem se moveu.
Dei a volta em torno do carro com o celular em mãos, enviando uma
mensagem para Arthur.

Ele mandou um Emoji com um dedo médio.


Parei ao lado do carro e reli a frase.
Recebi outro Emoji, dessa vez, revirando os olhos.

Um sorriso surgiu no meu rosto enquanto abria a porta do carro. Sentei,


coloquei a chave na ignição e, quando levantei o olhar, encontrei a garota
perfeita ao meu lado. Em segundos, minha mente embarcou em um túnel sem
fim em direção ao passado. Era como se estivesse repassando mentalmente
cada mudança que o seu rosto havia sofrido. Cada história que vivemos. Cada
decisão errada que tomei. Tris pode não ser minha, mas, a cada hora que
passávamos juntos, a certeza de que ela era tudo que eu queria aumentava.
Liguei o carro e seguimos para a casa dos Schimidt, e em poucos
minutos estava estacionando, pegando Beatriz no colo e abrindo a porta da
frente, fazendo o mínimo de barulho possível para subir a suntuosa escada,
seguindo direto para o quarto. Porque a última coisa que precisávamos era
que Sérgio ou Marina aparecesse e encontrasse a filha naquele estado.
Coloquei Tris deitada em sua cama e, de imediato, ela girou o corpo, se
encolhendo em posição fetal enquanto resmungava algo incompreensível.
Toquei em sua testa, colocando os fios de cabelo para trás.
— Volto em um minuto.
Eu conhecia aquela garota. Ao menos conhecia a versão anterior, e o seu
resmungo me dava a certeza de que acordaria com uma ressaca horrorosa e
mal-humorada. Tentado evitar, ou ao menos reduzir o impacto do tornado
Tris no dia seguinte, fui à cozinha e peguei um copo de água gelada e, antes
de voltar para o seu quarto, passei pelo meu, deixei o celular, a carteira e a
chave do carro ao lado da cama e, enquanto tentava me lembrar de onde
havia colocado o que precisava, dobrei mais as mangas da camisa e abri
alguns dos botões. Ao recordar o lugar em que havia deixado pela última vez,
abri uma das malas e peguei dois comprimidos para dor de cabeça e depois
voltei para o quarto de Tris, encontrando ela na exata posição em que a havia
deixado.
Sentei ao seu lado na cama.
— Tris, você precisa beber isso — disse baixinho, enquanto fazia
carinho em sua cabeça.
Ela se encolheu mais.
— Não aguento beber mais nada — resmungou, fechando os olhos com
força. E foi quase impossível não rir.
— Bom saber. Mas isso aqui é água, e você precisa beber.
Depois de reclamar mais algumas vezes, a contragosto, Tris finalmente
abriu os olhos, sentou na cama e ficou me observando, muito concentrada.
— Tris, está tudo bem? — quis saber, tentando me fazer de
desentendido.
— O seu corpo é tão lindo... Não me lembrava de você tão forte assim
— comentou baixinho, e parecia ser mais para ela mesma do que para mim
enquanto levantava a mão para tocar a parte do meu peito que a camisa
deixava exposta. Seus dedos tocaram com delicadeza a minha pele, subindo e
descendo, contornado o caminho que a camisa havia criado.
Tentei segurar o riso.
Ahh, seria tão bom se você lembrasse disso depois.
— Obrigado pelo elogio. E, não, eu não era tão forte assim — completei
com doçura, enquanto colocava alguns fios de cabelo para trás da sua orelha.
Tris aproximou o rosto da minha mão, me permitindo continuar com o
carinho.
— Por que está rindo de mim? — resmungou, manhosa.
— Porque duvido que vá lembrar dessa conversa amanhã — disse a
verdade.
Ela suspirou.
— Vou lembrar de tudo. Minha memória é fo-to-gê-nica — assegurou,
mas enrolando um pouco a última sílaba.
Sorri diante de sua certeza.
— Fico feliz de saber que adquiriu uma memória fotográfica com o
passar dos anos. Agora toma, beba isso aqui. — Empurrei o copo e dois
comprimidos em sua direção.
Com bastante sacrifício, Tris conseguiu pegar o remédio e colocar na
boca. Eu lhe entreguei o copo, mas fiquei segurando junto, tentado evitar
novos acidentes. Tris engoliu os comprimidos, bebeu toda a água e então
largou o copo como se estivesse me devolvendo.
Tris inspirou profundamente.
— Está tudo rodando — resmungou, tapando os olhos com as duas
mãos. — Acho que não estou bem.
— Isso vai passar. — Deixei o copo ao lado da cama. — Você só precisa
dormir — disse e a ajudei a deitar novamente.
Ela suspirou e relaxou o corpo.
Abri o zíper da bota que começava no joelho e seguia até o tornozelo.
Sim, eu estava oficialmente vivendo o meu próprio inferno pessoal. Tão perto
e ao mesmo tempo tão longe. Tirei cada pé de bota com cuidado, coloquei ao
lado da cama e levantei para pegar o edredom no armário. Enquanto o abria,
sua voz chamou minha atenção:
— Isso está me machucando — reclamou baixinho, levando a mão ao
pescoço.
Deixei o edredom sobre a cama e me aproximei, fazendo carinho em sua
cabeça.
— O que está machucando? — perguntei no mesmo tom.
Tris virou de lado, me mostrando o zíper do vestido.
Tombei a cabeça para frente e expirei soltando todo o ar de meus
pulmões.
Deus devia me odiar. Fantástico! A tortura não teria fim.
— Tudo bem. Vou tirar o vestido para não machucar, ok?
Ela assentiu, deitada de lado na cama, e deslizei o zíper com cuidado,
rezando para que ela ao menos estivesse usando sutiã. Aparentemente, Deus
estava ao meu lado daquela vez. Tirei o vestido, correndo as mangas pelos
braços e depois por seu corpo. Deixando Tris apenas com um conjunto preto
de renda, que deveria ser proibido de existir.
Peguei o edredom de novo e, antes que pudesse cobri-la, Tris virou de
lado expondo a costela, e algo próximo ao sutiã chamou minha atenção. Era
uma tatuagem pequena e delicada, porém com um significado forte demais,
que não estava esperando. “Agora e Sempre” Cobri o seu corpo com cuidado
e rapidamente Tris estava ressonado.
Ela estava em casa.
Segura.
Dormindo na própria cama, sem correr qualquer tipo de perigo. Eu podia
ir para o meu quarto, fechar a porta e fingir que a noite tinha sido exatamente
igual a anterior. Mas não conseguiria deixá-la. E se ela precisasse de mim de
madrugada? Quando dei por mim, estava terminando de desabotoar a camisa
e, sem demora, deitei na cama ao seu lado.
Passei os dedos pelos seus cabelos, fiz carinho em sua cabeça e lhe dei
um beijo na testa.
— Boa noite, princesa... — sussurrei e virei para o outro lado, dando as
costas para ela.
uxei o edredom para cima da cabeça e virei na cama, meu braço
esbarrou em algo quente. Abri apenas um olho e encontrei um bíceps
másculo perto do meu rosto.
Ai. Meu. Deus.
Lentamente, abri o outro olho e fui tirando o edredom só para encontrar
Theo, que dormia de bruços ao meu lado. Seu rosto estava sereno e suas
costas desenhadas por uma quantidade tão absurda de músculos que não
parecia possível, mas estavam todos ali, à mostra. E os meus olhos não
sabiam ao certo que rumo tomar.
Theo se mexeu na cama, sua perna tocou na minha, e notei que o homem
estava sem calça. Senti meu corpo gelar e, bem devagar, me afastei e fui
escorregando quase sem respirar para não ter chance de acordá-lo até sair da
cama. De pé, tapei a boca com as duas mãos enquanto olhava, assustada, para
o meu próprio corpo, coberto apenas pelo conjunto de calcinha e sutiã. Meu
vestido estava no chão ao lado da bota, mais adiante avistei a calça de Theo, a
camisa, os sapatos, tudo espalhado e... Era tudo culpa da tequila.
Meus Deus, o que foi que eu fiz?
Um pouco desorientada, sentia uma leve dor de cabeça e um enorme
incômodo por não conseguir lembrar de tudo da noite anterior, inclusive de
como tinha chegado em casa. Lembrava, vagamente, das infinitas doses de
tequila, das danças, e de ter beijado Theo. E quando digo beijado, me refiro a
um espetáculo com direito a censura para menores de 16 anos no meio da
pista para todos assistirem.
Nas pontas dos pés, peguei uma camiseta branca, uma legging preta, um
novo conjunto de calcinha e sutiã e corri para o banheiro. Com cuidado,
fechei a porta e me permiti soltar o peso do corpo na parede, e resmunguei ao
ver o meu reflexo no espelho.
Meus cabelos estavam tão desgrenhados que pareciam ter perdido em
uma briga feia para o travesseiro e, em volta dos olhos, havia gigantescos
contornos pretos. Eu estava perecendo um panda, e não no sentido de serem
adoravelmente fofinhos.
Tris, você é uma idiota! Como pôde?
Fechei os olhos e respirei fundo, tentando não entrar em pânico ao
pensar em Theo na minha cama usando nada mais do que uma boxer preta. E,
puta merda! Ele poderia fazer a campanha da Calvin Klein e ter um outdoor
gigante na Times Square.
Resmungando dos meus pensamentos de luxúria, peguei um lenço
removedor de maquiagem na pia e fiz o melhor que pude para tirar o excesso
de marca escura antes de ir para o chuveiro. Deixei a água morna me abraçar,
buscando relaxar, e acreditando que assim conseguiria lembrar de como
terminei a noite indo para cama com ele. Depois de uns vinte minutos, assumi
amnésia e saí do banheiro arrumada, só para encontrar o Theo dormindo na
mesma posição que o havia deixado. Abri a porta do quarto com cuidado, saí
e a fechei em seguida. Só então respirei. Quando dei o primeiro passo, dei de
cara com Ana tentando segurar um sorriso.
— Bom dia, maninha! — disse, cruzando os braços e levantando as
sobrancelhas.
Resmunguei.
— Café. Preciso de café bem forte — comentei, derrotada, desviando o
olhar.
Ana sorriu e pegou na minha mão, me puxando para cozinha. Assim que
entramos encontramos o lugar estranhamente deserto.
Rosa surgiu segundos depois e, sendo o anjo que sempre foi em nossas
vidas, colocou uma xícara à minha frente com o que eu tanto desejava, sem
que precisasse pedir. O lugar daquela mulher estava garantido no céu. Puxei
um dos bancos e me sentei, Ana fez o mesmo ao meu lado, em seguida serviu
um copo de suco e começou a mastigar um pão de queijo, me encarando. Eu
não precisava estar de olhos abertos para saber, muito menos levantar a
cabeça. Eu conseguia sentir o seu olhar.
— Pergunta logo — resmunguei antes de levantar a cabeça.
— É o Theo que está dormindo seminu na sua cama, ou vi errado?
— É.
— Devo supor que o restante da noite de vocês foi... Boa? — quis saber
enquanto levava o copo à boca.
— Não sei. — Minha resposta quase a fez engasgar.
— Oi? — Ana colocou o copo de volta na mesa e pegou um guardanapo
para limpar a boca. — Como assim, não sei?
— Eu... Eu não lembro muito bem de todos os acontecimentos da noite
passada — murmurei olhando para frente, tentado ao máximo evitar contato
visual.
Nunca mais iria chamar minha irmã de sem-vergonha por agarrar o
próprio namorado, pelo visto a sem-vergonha da família era eu.
— Hmm... Acho que deve cortar tequila da sua vida.
— Vou seguir um conselho seu pela primeira vez na minha vida —
respondi seu comentário pausadamente, demonstrando todo o meu
arrependimento por ter bebido tanto na noite anterior.
Ana assentiu, parecendo orgulhosa da minha decisão.
— Lembra ao menos da dança com Pedro? — perguntou, sem esconder
a recriminação, como fez na noite anterior.
— Vagamente...
— E de seu agarramento com o Theo?
— Uhum. — Tomei mais um gole de café, fixando o olhar num ponto
qualquer à minha frente.
— Posso pedir para se agarrar apenas com um deles da próxima vez?
— Ana... — supliquei para que ficasse calada.
Sim, eu estava arrependida de ter agarrado os dois na mesma noite, e de
possivelmente ter dormido com um deles, mas definitivamente não precisava
ficar ali levando puxão de orelha da minha irmã mais nova.
Pronto, se existia realmente um fundo do poço, eu tinha acabado de
chegar nele e já estava abraçando a Samara de O Chamado.
Droga, essas referências de filmes realmente pegam com o tempo.
Eu sabia que Ana estava brincando, mas vi o quando ficou chateada na
noite anterior. Mas, o que minha irmã não parecia compreender era que tinha
sido a primeira vez, depois de muitos anos, que me senti livre e feliz. Mesmo
que o fato não fosse a desculpa perfeita para as minhas atitudes.
— Pedro é um amigo. Sabe que nem o vejo dessa forma.
Ana levou a mão ao peito.
— Eu sei disso, mas parece que na hora você esqueceu que a
brincadeirinha de vocês poderia muito bem magoar outra pessoa que estava
perto.
Sem entender, me debrucei sobre a bancada.
— O que quer dizer?
— Alo-ou! O gato gostoso que está dormindo na sua cama agora? O seu
ex-namoradinho de infância! — gritou ao meu lado, e minha cabeça quase
explodiu.
— Pelo amor de Deus, não grita.
Ela se encolheu.
— Desculpa, esqueci que está de ressaca.
— Ana, isso não vai acontecer. Theo e eu, não vai rolar. — Peguei a
xícara e me levantei, mas antes que tivesse a chance de me afastar, Ana
segurou no meu braço.
— Por que não? Vocês se beijaram ontem — quis saber, me obrigando a
sentar novamente. — Por favor, me explica porque até hoje não consegui
entender o motivo de vocês não estarem juntos.
Depois daquela frase, um silêncio pesado e perturbador recaiu sobre nós.
— Porque viver em um castelo não fez de nós princesas. Então, por
favor, não começa com questionamentos — disse aquelas palavras
implorando para que desistisse do assunto.
— Tris, vocês são perfeitos um para o outro — ela insistiu.
E eu poderia dar a Ana todas as razões pelas quais Theo e eu não éramos
perfeitos juntos, mas não fiz porque nada mudaria o passado. Porque pessoas
que são destinadas a ficarem juntas, não geram destruição, perda, dor.
— Acredite, nós não somos perfeitos juntos, Ana. E não é tão simples
assim — respondi baixinho. — Ou fácil como quer que pareça — completei
mentalmente, sabendo que Ana não fazia ideia do que havia me dito.
— Compreendo que talvez não seja simples, mas... — disse com carinho
e tocou de leve em meu braço — poderia tentar, ao menos uma vez, não
dificultar tudo ainda mais na sua vida?
Cobri o rosto com as duas mãos e resmunguei baixinho.
— Por favor, não força essa conversa agora.
— Quanto tempo? — questionou suavemente, ignorando meu pedido.
Tirei as mãos do rosto em um rompante, sem esconder a irritação.
— O quê?!
— Quanto tempo acha que ele ainda vai esperar por você? — quis saber,
como falasse com uma criança de dois anos.
Empurrei o banco para trás ruidosamente e levantei, de novo.
— Não delira, Ana Clara. Theo não está esperando por mim — afirmei,
sem esconder o incômodo por conta da conversa.
— Fico impressionada com o quanto uma pessoa tão inteligente
consegue ser tão burra em determinados momentos — comentou com
serenidade, enquanto me observava.
Apoiei as mãos sobre a bancada e apertei com força.
— Sério? Sério que quer discutir comigo sobre a minha vida amorosa?!
Quer me dizer com quem devo ou não me envolver?! — quis saber,
colocando para fora toda a minha irritação.
— Não estamos discutindo, Beatriz — disse com toda a calma do
mundo, interrompendo a minha revolta. — Só estou tentando mostrar que
merece ser feliz. Mas, por algum motivo que nunca consegui entender,
acredita não merecer!
Ficamos olhando uma para outra sem dizer mais nada. Porque o melhor
a fazer era me calar e torcer para que os dias passassem o mais rápido
possível, e assim eu poderia sumir daquele lugar mais uma vez.
Ana contornou a ilha de mármore e parou ao meu lado. Seu toque em
meu braço era carregado de ternura, assim como o beijo que deu em meu
rosto.
— Eu te amo e quero vê-la feliz.
Assenti ao ouvir suas doces palavras.
— Agora vou acordar o Arthur — comunicou com um sorriso nos lábios
ao se afastar.
Franzi a testa, tentando absorver a informação.
— Ele dormiu aqui? Com você, no seu quarto? — quis saber, incrédula
enquanto ela terminava de beber o suco com os olhos brilhando de felicidade.
— Ok... — falei pausadamente. — E o nosso pai sabe?
Eu estava genuinamente preocupada. Tudo bem que meu pai conhecia o
Arthur desde criança, mas agora era diferente, Arthur estava dormindo na
cama da minha irmãzinha. Se bem que o Theo estava na minha cama, mas
enfim... Um drama de cada vez.
— Levou um tempo para se acostumar com a ideia, mas agora está bem
em relação ao nosso namoro — contou, e me abraçou rápido antes de sair da
cozinha, quase pulado em direção ao seu quarto.
Fiquei ouvindo ela cantarolar de longe. Ana realmente não existia.
Estava sempre sorrindo e tentando encontrar uma solução para todo e
qualquer problema. Até mesmo os meus. Ela era como o sol, iluminava tudo
e todos à sua volta, e fazia tempo que eu não era irradiada por sua poderosa
luz.
stiquei o braço sobre o colchão e senti o vazio ao meu lado. Abri
os olhos devagar e confirmei o que já suspeitava; ela não estava no quarto.
Ao menos eu não tinha sido acordado com a versão enfurecida de Beatriz
arremessando objetos na minha cabeça. Principalmente ao perceber que em
algum momento da madrugada, sonolento, acabei tirando a calça jeans, sem
me dar conta de que Tris estava dormindo ao meu lado.
Saí da cama vestindo a maldita calça, segui para o banheiro da suíte e
bati na porta. Ninguém respondeu, então abri. O lugar estava igualmente
vazio, mas envolvido por um cheio suave de lavanda. Como Beatriz não
estava, tomei um banho. Não demorei muito para me arrepender da decisão,
claro que tudo na porra daquele lugar tinha o seu cheiro. Acabou sendo uma
forma de começar o dia já me punindo.
Não bastava ter dormido na mesma cama? Não. Aparentemente, não.
Fechei a torneira, envolvi a tolha na cintura e voltei para o quarto na
expectativa de encontrá-la, mas isso não aconteceu. Decepcionado, peguei a
minha camisa e sapato no chão e, depois de ter certeza de que o corredor
estava vazio, saí do quarto. Antes de dar o segundo passo dei de cara com
Ana e seu sorriso, que ia de orelha a orelha.
— Bom dia, Theo — disse cantarolando.
Assenti.
— Ana.
— Dormiu bem? — quis saber em tom levemente humorado.
— Sim. — Revirei os olhos de costas para ela.
Entrei no quarto, fechei a porta e ouvi sua risadinha. Mal sabia ela que
não tinha acontecido um terço do que imaginou. Larguei a roupa da noite
anterior e busquei por peças limpas na mala. Me vesti rapidamente, escovei
os dentes e passei a mão nos cabelos de qualquer maneira. Quando estava
saindo, o celular tocou e, antes mesmo de pegá-lo, já imaginava quem
poderia ser.
Respirei fundo, me preparando antes de atender.
— Pode falar. — Minha voz soou qualquer coisa, menos amistosa.
— Bom dia para você também, Theo. Fiquei sabendo que vai passar a
semana inteira aí. — A voz dele era o oposto da minha; calma, controlada e
com um excesso de segurança que chegava a me irritar.
— Suas fontes são boas. — Meu comentário, como sempre, saiu
carregado de ironia. Afinal, ele sabia que não era o melhor momento para
falar comigo. Não que tivesse muita chance disso mudar dentro de um mês,
seis meses ou até mesmo um ano.
— Não precisa me tratar dessa maneira, Theo. Nós precisamos
conversar assim que voltar para a cidade. — Ele deu uma das suas habituais
pausas. — Você precisa assumir suas responsabilidades.
Não contive a risada.
— Desculpa, não pude evitar. — Sentei na cama porque o assunto estava
ficando interessante. — Eu preciso assumir minhas responsabilidades? Isso é
o que mais tenho feito, e me admira muito você fazer esse comentário.
O homem se calou por alguns segundos, mas não desliguei. A minha
curiosidade era grande para saber o que me diria a seguir.
— Você entendeu o que quis dizer. — Sua voz saiu quase como um
sussurro e gostei daquilo, mesmo não devendo. Para completar, eu o fiz
esperar pela resposta dando uma longa e torturante pausa.
— Teremos essa conversa em outro momento. Preciso desligar, sabe
como é, estou assumindo as responsabilidades que não assumiu — respondi,
antes de encerrar a conversa.
Desliguei e joguei o celular na cama descarregando a raiva no aparelho.
Quem era ele para falar daquela forma comigo?
Quem era ele para agir como se não estivesse acontecendo algo muito
mais importante.
Apoiei os cotovelos no joelho e segurei os cabelos com as duas mãos.
Ele falava como se o meu mundo não tivesse sido sacudido por um terremoto
da noite para o dia. Como podia ser tão mesquinho, tão frio? Eu sabia que
existiam decisões a serem tomadas e que o tempo não estava ao meu favor,
mas ao menos por uns dias ele não podia pegar leve? Não podia esquecer a
minha existência e me dar um tempo para pensar? A minha vida iria mudar
também!
Fechei os olhos e lutei para afastar a raiva que sentia.
Não era o momento para demonstrar todos os demônios com os quais
andava lutando. Eu havia feito uma promessa e precisava cumprir. Uma
semana sem problemas ou tristezas. Respirei fundo e saí do quarto.
Atravessei os cômodos em direção à cozinha, ainda incomodado com a
ligação. Por sorte, não encontrei ninguém pelo caminho. Mas, ao entrar na
cozinha, vi Rosa, a senhora que trabalhava para a família desde que éramos
crianças, lavando a louça.
— Rosa, bom dia. — Dei um beijo na sua cabeça.
— Bom dia, meu filho.
Peguei um pão de queijo na cesta sobre a bancada. Quando perdíamos o
horário do café, ela preparava a bancada da cozinha para nós, crianças, como
costumava dizer.
— Viu a Beatriz por aí?
— Foi pra piscina ainda agora — ela apontou para a porta que dava
acesso à área de lazer —, está com dor de cabeça, tadinha. Acho que a noite
de vocês ontem foi boa.
— Podemos dizer que sim — murmurei, a imagem vívida de Tris nos
meus braços e sua boca na minha.
— Bom dia, pessoas do bem! — Arthur entrou na cozinha, descalço,
vestindo calça jeans, camiseta cinza amassada e com os cabelos
despenteados.
— Arthur, já se olhou no espelho? — eu quis saber, observando o que
havia sobrado do meu amigo, fazendo Rosa gargalhar antes de nos deixar a
sós.
Ele sentou e apoiou os braços na bancada.
— Não, mas Ana disse que estou lindo — comentou, sorrindo.
— Por favor, não acredite em tudo que ela fala pra você — emendei
enquanto observava meu amigo servir o café, mantendo o sorriso ridículo no
rosto. — A sua noite foi boa pelo visto — afirmei.
— Não tenho do que reclamar.
Revirei os olhos.
Ao menos um de nós tinha tido a noite perfeita. Era visível o quanto
Arthur estava feliz, e passou a ser mais leve depois que começou a namorar
Ana. Enquanto eu, nem me lembrava mais como era ser leve. Quando você
passa a remoer mágoa, raiva e revolta por tanto tempo a leveza sai pela janela
da tua vida. Meus olhos seguiram em direção à área da piscina, então uma
ideia surgiu.
— Arthur, onde fica aquele restaurante que comentou?
Ele me olhou surpreso.
— O Canto do paraíso? É perto daqui. Envio o mapa por mensagem, se
quiser — sugeriu, sabendo muito bem quem eu iria convidar.
— Ótimo. Quero ir hoje.
Arthur me observava em silêncio, e eu sabia exatamente o que ele estava
pensando, que provavelmente eu havia me precipitado ao beijar Beatriz. Que
tivesse agido por impulso, ignorando o nosso histórico complicado, o que não
era a melhor estratégica de aproximação duradoura, se tratando de nós dois.
Mas eu não queria conversar sobre o assunto. Eu só queria um pouco de
leveza de volta à minha vida. Um pouco de luz no meio de tanta escuridão, e
eu tive lampejos dessa luz em alguns momentos nos últimos dias, e todos
foram ao lado de Tris. E eles me fizeram esquecer dos problemas, das
ligações insistentes do meu pai, e da raiva que vinha sentindo ao perceber
minha vida saindo dos trilhos.
— Não se preocupe. Está tudo bem — disse, como se estivesse
respondendo seus questionamentos silenciosos, acreditando que a ruga na
testa de Arthur fosse desaparecer.
Ele sorriu.
— Não, meu amigo, não está. Mas, se quer seguir por esse caminho, vou
respeitar.
Assenti e coloquei a mão em seu ombro.
— Obrigado — disse, me afastando e seguindo para o corredor que me
levaria ao encontro de Tris. Aquela estava sendo a segunda vez, em menos de
vinte e quatro horas, que ela fugia de mim, e eu esperava que aquilo não se
tornasse um hábito.
eitada na espreguiçadeira de olhos fechados, eu batia levemente as
unhas na xícara de porcelana em minhas mãos, tentando entender em que
diabos estava pensando quando decidi atravessar a noite bebendo como se o
fim do mundo estivesse próximo.
Resmunguei baixinho para mim mesma.
O leve enjoo que sentia me fez questionar se eu estava morrendo aos
poucos por dentro. Cansada, tudo o que desejava era voltar para a cama, mas,
como desgraça pouca é bobagem, isso significava ter que deitar ao lado de
Theo, e eu não sabia se estava pronta para encarar aquela cena, considerando
que não lembrava o que havia acontecido entre nós de madrugada.
As palavras de Ana ainda ecoavam na minha cabeça: “Vocês são
perfeitos um para o outro”.
Minha irmã não podia estar mais errada. Theo e eu não éramos perfeitos
um para o outro. Claro que sempre existiu amor entre nós. Até porque nos
conhecemos desde os meus três anos de idade. Nossas mães se tornaram
melhores amigas, então crescemos juntos. Frequentamos os mesmos colégios
e, mesmo com a nossa diferença de idade, de pouco mais de três anos, ele foi
meu primeiro namoradinho. Claro que já o amei. Mas, muitas coisas
aconteceram, coisas que Ana desconhece e que me fizeram mudar
profundamente.
— Então, você foge da cama e me deixa sozinho.
Sua voz fez com que todas as lembranças evaporassem no ar. Abri os
olhos e encontrei Theo segurando com força, os batentes da porta acima da
cabeça, fazendo com que seu braço ficasse ainda mais forte. Deus me ajude.
— Bom dia — disse baixinho, quase sem ar, e fazendo o possível para
controlar meus olhos que foram direto para aquele V perfeito que estava à
mostra, graças a bondade de sua camiseta que havia subido, e a cortesia da
calça de moletom que caía no quadril.
— Bom dia, como está se sentindo? — quis saber, vindo ao meu
encontro.
Pegando fogo por dentro? Com taquicardia? Com a respiração querendo
ficar visivelmente ofegante? Sério, Theo poderia escolher dentre tantas
opções.
Busquei forças sabe-se lá de onde e respondi:
— Achei que acordaria pior — confessei, no instante em que sentou na
espreguiçadeira, próximo à minha cintura.
— O que é isso? — Ele tirou a xícara da minha mão.
— Café.
— Hmm. — Ele já estava com a xícara na boca. — Que bom que você
não transformou em café irlandês.
Seu comentário me fez fechar os olhos com força, pois o meu estômago
entendeu na hora que Theo estava falando de mais álcool e não gostou.
— Está enjoada? — Ele passou as costas da mão na lateral da minha
bochecha e, involuntariamente, aproximei o rosto ainda mais de sua mão.
Quando percebi o que fiz, abri os olhos, mas não me afastei. E, então, notei
um leve sorriso em seu rosto e soube que era um péssimo sinal. Porque o meu
corpo estava sempre indo de encontro ao dele como se fosse um ímã.
Engoli em seco.
— Theo, preciso perguntar uma coisa... — Meus olhos se prenderam na
xícara em sua mão.
O que deveria perguntar? Theo, não me lembro muito bem de todos os
acontecimentos da noite passada e, como acordei quase nua, estou tentando
ter certeza se nós transamos ou não...
Deus, a que ponto havia chegado? O que ele pensaria? Que era um
hábito meu beber descontroladamente e acordar ao lado de um homem sem
saber ao certo o que fiz ou deixei de fazer? Se Theo soubesse o quanto todo
aquele cenário estava longe da minha realidade, se soubesse o quanto a minha
vida era monótona e sem graça, exatamente como a direcionei para ser, se
soubesse que...
— Não aconteceu nada depois que chegamos — informou, antes mesmo
de ouvir a minha pergunta.
Suspirei, aliviada. Graças a Deus.
— Nós só dormimos na mesma cama, fiquei apenas por receio de você
passar mal durante a madrugada — completou.
— Ok.
O que mais deveria ou poderia dizer? Ainda mais depois de perceber que
ele pareceu triste ao ver quão aliviada fiquei ao saber que nada de com o fato
tinha acontecido entre nós.
— Já na boate foi real — completou.
— Eu sei.
— Sobre isso podemos falar. — Ele se aproximou mais, fazendo com
que eu sentisse o calor do seu corpo.
Ele era lindo, charmoso, envolvente até quando não tinha a pretensão de
ser. Theo era tudo que qualquer garota no mundo desejava. E lá estava eu,
repetindo aquela maldita palavra...
— Não. Melhor não... — Sem conseguir me controlar, segurei sua mão e
entrelacei nossos dedos, e foi como se estivesse vendo, sentindo de novo suas
mãos pelo meu corpo, sua boca no meu pescoço, sua voz sussurrando o meu
nome.
Pisquei algumas vezes, e flashes de momentos que eu lutava para
esquecer voltaram involuntariamente. O que estou fazendo? Não! Levantei as
costas da espreguiçadeira rapidamente, e soltei sua mão tentando me afastar.
Assim que percebeu que eu estava tentando fugir, me segurou levemente pela
nuca e me fez olhar para ele.
— Nós temos tempo — disse em tom suave e envolvente, então seu
olhar recaiu sobre os meus olhos, e depois meus lábios. — Quais são os seus
planos para hoje?
— Nada que eu lembre. — As palavras saíram baixinho da minha boca
como se eu estivesse enfeitiçada.
— Ótimo. Agora tem. Vou levá-la para almoçar, e acredito que vai
gostar do lugar.
Pisquei, tentando compreender o que ele tinha dito.
— Você tem vindo aqui? — quis saber, sentindo uma ponta de decepção
por não saber muito sobre o que aconteceu na vida de Theo nos últimos anos.
Antes eu sabia de tudo. Das suas comidas preferidas e sonhos para o futuro,
até quando ele brigou na escola e foi suspenso por dois dias por defender
Arthur e teve que falsificar a assinatura do pai.
Seus olhos ainda estavam presos aos meus.
— Tris — disse meu apelido baixinho, como fosse algo muito gostoso
escorregando da sua boca —, assim como você, há anos não venho aqui.
Sua mão subia lentamente pela minha nuca até encontrar meus cabelos,
enquanto seus olhos recaíram para a minha boca, de novo, o que me fez
involuntariamente morder de leve o meu lábio inferior. Era como se ele
estivesse aos poucos jogando um feitiço em mim.
— Tudo bem, vou com...
A frase morreu pela metade, pois lá estavam seus lábios cobrindo os
meus mais uma vez. Mas, daquela vez, o nosso beijo foi suave, delicado, com
uma calma que carregava uma história que eu não esperava reviver. E o jeito
carinhoso que segurou o meu rosto, enquanto dava leve mordidas no meu
lábio inferior, foi o toque final para que eu quase derretesse em suas mãos.
Era tão fácil me entregar a ele, era tão familiar, que, involuntariamente, meus
braços envolveram seu pescoço no instante em que senti Theo tocar na minha
cintura para me colocar em seu colo. Minhas pernas se acomodaram em volta
da sua cintura enquanto ele me provocava, instigava lentamente a desejar
beijá-lo mais e...
— Bom dia, crianças!
Vovô Augusto gritou ao abrir a porta ruidosamente. No susto, Theo e eu
nos afastamos, enquanto vovô entrava na área de piscina vestindo um short
de surfista, uma camiseta e um casaco aberto, duas vezes maior que o
necessário, por cima.
— Bom dia, vovô — respondi ao vê-lo passar por nós, como se nada
tivesse acontecido. Como se eu não estivesse sentada no colo de um homem
com as pernas envolvendo a cintura dele.
— Bom dia, senhor Augusto. — Theo acompanhou com os olhos o vovô
caminhar para o lado oposto da piscina, segurando uma tolha.
— Hoje está um lindo dia para um banho de piscina, não é mesmo? —
disse, tirando o casaco e colocando na cadeira. — Nossa, o clima está quente
aqui dentro, hein?! — comentou, balançando a mão próxima ao seu rosto e
olhando diretamente para mim e Theo.
Com certeza ele não estava se referindo a temperatura da água, e isso me
fez ficar bem desconfortável. Que momento perfeito. Ser flagrada pelo avô
enquanto você é beijada pela segunda vez pelo seu ex-namoradinho de
infância, depois de séculos. Isso era o sonho de toda mulher! Só que não.
quela era uma das desvantagens de estar vivendo praticamente
em um reality show. As pessoas surgiam de onde menos se esperava. Talvez
fosse melhor começar a procurar por câmeras escondidas nos cômodos.
Vovô Augusto pulou na piscina, jogando água para todo lado, e mesmo
sentando longe do míssil — seu corpo arremessado na piscina — fui alvejado
pelos resquícios. Já Tris, sem graça após o comentário do senhor que estava
dando braçadas como se fosse o próprio Michael Phelps, levantou, me
deixando só. E não era para menos. Toda vez que vovô Augusto ameaçava
falar, conseguíamos sentir a tensão no ar. Fora que boa parte dos pequenos
acidentes que sofríamos durante as férias tinham suas impressões digitais.
Mas ele era a única referência de avô nas minhas lembranças. Já que o meu
avô materno estava sempre envolvido com trabalho, e com isso eu o
encontrava basicamente nas festas de fim de ano, e os meus avós paternos
morreram quando eu era pequeno.
— Ela está linda, não é mesmo? — A frase me arrancou dos meus
pensamentos.
— O quê?
— Beatriz, a minha neta — disse um pouco devagar, como se eu tivesse
alguma deficiência de aprendizado. — Não é nela que você estava aí
pensando com essa cara idiota?
Levei a mão ao peito.
— Obrigado por me chamar de idiota.
Ele apoiou os braços na borda da piscina e deu de ombros.
— Filho, se você não fizer nada para conquistá-la dessa vez, terei
motivos para chamá-lo de idiota eternamente — disse, e ficou pensativo. —
Acho que vou fazer com que todos o chamem assim. — Sorriu.
Depois disso apoiei as mãos nos joelhos e levantei. Eu sabia que no
fundo ele estava certo. Se eu perdesse aquela chance, a vida possivelmente
não me daria outra.
— Obrigado pela dica e o aviso prévio — disse, e dei as costas para sair
dali o mais rápido possível.
— Aproveite bem o meu conselho, Theo! Porque se demorar muito,
direi a mesma coisa a um outro homem. E nós sabemos muito bem quem é —
vovô disse em alto e bom tom.
Não me virei, apenas assenti, demonstrando que havia entendido o
recado. Claro que sabia de quem ele estava falando. Eu não era ingênuo para
acreditar que o fato de Rodrigo não ter tentado se aproximar na noite anterior
significava que havia esquecido Tris.
Fiz o possível para não pensar no assunto, e, quando entrei no quarto, a
primeira coisa que fiz foi pegar o celular, só para encontrar um e-mail do Dr.
Vargas, solicitando confirmação da consulta para a próxima semana. Com as
mãos trêmulas, confirmei e joguei o celular na cama. Talvez fosse melhor não
comentar sobre o assunto, porque mesmo negando constantemente, eu
precisava de alguns dias para me preparar para o que viria pela frente.
Eu me joguei na cama e senti o celular vibrar ao meu lado e, a
contragosto, peguei o aparelho, vendo que era uma mensagem do Arthur.
Não satisfeito em apenas enviar o mapa e endereço do restaurante, ele fez
questão de adicionar comentários sobre Tris e eu, que terminavam com
ameaças do tipo que se eu não fizesse o certo, ele começaria a torcer por
Pedro naquele novo, louco e totalmente desestruturado possível triângulo
amoroso. Por um instante, senti como se eles, Arthur e vovô Augusto,
estivessem tentando me motivar, mostrando que eu podia perdê-la
novamente. Se bem que na vida não se pode perder o que nunca se chegou a
ter de verdade.

— Ei! Beatriz! Volte aqui! — Enfurecido, segui pelo corredor do curso


atrás dela.
Tris se virou em minha direção.
— O que foi, Theo? — quis saber, falando alto, sem esconder a
irritação.
Vários alunos passavam por nós no corredor, mas era como se
estivéssemos apenas nós dois ali.
Furioso e ofegante, parei à sua frente.
— Que porra foi aquela que acabei de ver?! — Apontei para o pátio
atrás de nós.
Tris ajeitou a bolsa sobre o ombro e levantou as sobrancelhas.
— Acho que precisa ser mais específico.
— Que porra é essa de você e Rodrigo se beijando?! — esbravejei.
— Ahhhh — ela sorriu —, Rodrigo me pediu em namoro e eu disse sim!
— Ela deu um passo à frente, se aproximando de mim. — Algum problema?
— Seu olhar preso ao meu acompanhava o questionamento feito.
— Sim!
Tris riu enquanto os outros alunos iam se dispersando e entrando em
suas salas de aulas. O intervalo havia chegado ao fim, mas o meu pesadelo
não.
— Ah, é mesmo? Então me diga qual é o problema, Theo? Porque eu —
ela apoiou a mão no próprio peito — não consigo ver nenhum.
— Ele não é homem pra você! — A frase saiu da minha boca antes
mesmo que eu pudesse pensar.
Tris deu um passo para trás.
— Não?! Hmm, deixe-me pensar... Rodrigo é lindo, gentil, educado, me
trata com respeito e gosta de mim. Pode me explicar por que ele não é o cara
para mim?
Ouvir Tris relacionar as qualidades de Rodrigo era como se ela
estivesse me esfaqueando de novo e de novo, nos lugares que mais causavam
dor. Meu corpo tremeu de raiva. Eu me aproximei e segurei seu braço,
juntando o seu corpo ao meu.
— Eu não disse que ele é má pessoa, apenas que não é o homem para
você — sussurrei próximo ao seu ouvido.
Os alunos atrasados que ainda passavam por nós não pareceram
perceber nossa discussão, ou fingiram não notar. Tris puxou o braço me
obrigando a soltá-la. A minha intenção não era fazer com que ficasse com
mais raiva, mas foi o que aconteceu.
— É mesmo, Theo? Então, por favor, me diga quem é esse tal homem
perfeito para mim. Porque estou começando a achar que ele não existe!
Afinal, estou a um passo de entrar na faculdade, e até agora ainda não o
encontrei! — Tris esbravejou, e depois tentou me empurrar espalmando a
mão no meu peito. — E tem mais, o que você está fazendo aqui? Achei que
para conseguir um diploma universitário era necessário frequentar as aulas!
Tris me deu as costas e seguiu em direção à sala de aula.
— Beatriz, volte aqui! — gritei e corri no corredor, agora vazio, até
segurar sua mão, tentando fazer com que parasse.
— Não, Theo! Chega! Se não gosta de me ver com Rodrigo, sinto muito,
mas vai ter que aprender a esconder e conviver com o fato!
— Está tudo bem por aqui?
Uma voz suave e carregada de incerteza surgiu atrás de mim, me
fazendo soltar o braço da Tris.
Os olhos de Tris se suavizaram, e sua atenção voltou para outro
alguém.
— Está tudo ótimo. É só você mandar o seu namorado deixar de ser
irritante que tudo vai ficar perfeito. — Ela ajeitou os livros que carregava,
distribuindo o peso nos dois braços. — Agora vocês me dão licença porque a
aula de física me aguarda.
Tris deu as costas e se afastou, enquanto outra mão tocava meu braço
carinhosamente. Fechei os olhos no instante em que Tris bateu a porta da
sala de aula com força. E senti que meus problemas estavam apenas
começando.
e onde se tira forças para manter distância de um homem que está à
sua volta, te beijando o tempo todo?
Sabia que ficar hospedada na mesma casa que Theo não facilitaria a
minha vida, e o beijo na boate foi a comprovação final. Tudo bem que no
primeiro eu estava sob a influência de álcool, mas e no segundo? Que
desculpa poderia usar?
Droga, cadê a garrafa de tequila quando se precisa?
Talvez tivesse sido melhor recusar o convite de sair com ele, mas, se
tivesse feito isso, acabaríamos almoçando juntos de qualquer jeito em casa.
Ou, pior, era capaz de minha mãe me mandar sair para experimentar mais
doces, bolo ou sei lá o quê. Eu estava a segundos de sugerir que me mandasse
escolher os vinhos e assim anestesiar meu sofrimento. Mas, se Theo fosse
junto, corria o risco de acabar sendo colocada na cama, de novo, levemente
embriagada e aí, tudo voltaria como num círculo vicioso.
Eu me joguei na cama, de bruços, e afundei o rosto no travesseiro.
Péssima ideia, o travesseiro estava com o cheiro do homem que precisava
esquecer. Argh. Levantei a cabeça e o arremessei no chão, murmurando
reclamações para mim mesma, e quem sabe até para Deus.
— Tudo bem por aqui? — alguém perguntou, e levantei a cabeça.
— Oi, Arthur — Eu me virei de lado a tempo de vê-lo entrando no
quarto.
— Nossa, esse quarto não mudou nada — comentou, enquanto olhava à
nossa volta e sentava na cama.
— Me senti novamente como uma adolescente quando entrei aqui —
comentei baixo, irônica, e, no fundo, com certo pesar, porque antes de abrir a
porta pela primeira vez nutri a esperança de que o mesmo tivesse sido
reformado. Não que eu fosse confessar em voz alta tal desejo.
— Definitivamente agiu como uma ontem — rebateu com humor, dando
um tapinha de leve na minha perna.
Resmunguei.
— Sério? Lição de moral?
Arthur levantou as mãos e arqueou aquelas sobrancelhas perfeitas.
— Longe de mim, linda. Sabe que não faço isso.
Era verdade. Arthur nunca foi de nos julgar. E eu sentia sua falta, sentia
falta do meu amigo. Do seu bom humor discreto, dos sorrisos charmosos e de
seu apoio nas horas certas. E agora ele estava namorando a minha irmãzinha.
Era inacreditável, e no fundo me senti um pouco traída por nenhum dos dois
ter me contado, mas o sentimento passou rápido ao perceber o quanto
estavam felizes.
— Saiba que, se partir o coração da Ana, vou partir a sua cara! —
ameacei, sem esconder que estava feliz por eles.
Ele sorriu.
— Mensagem recebida. — Arthur sentou ao meu lado e apoiou as costas
na cabeceira da cama. — Mas saiba que estou completamente apaixonado
pela sua irmã, Tris — confessou em um tom carregado de amor e ternura, que
nunca tinha visto nele antes.
Apoiei a cabeça em seu ombro.
— Ótimo. Fico feliz.
— Fora que você não teria força nem habilidade para me dar uma surra
— comentou com humor.
— Mando alguém fazer esse trabalho sujo por mim, não se preocupe —
respondi, entrelaçando nossos braços.
— E qual dos dois vai fazer isso por você, hein? Theo ou Pedro? — Seu
olhar de curiosidade me irritou.
— Estava demorando... — murmurei.
— Desculpa, mas não tenho como deixar passar. Devo dizer que me
surpreendi porque imaginei que se algum tipo de flashback fosse acontecer
seria com o Rodrigo. Porque, pelo que lembro, vocês estavam namorando
antes... — Arthur parou e deixou a frase em aberto assim que fechei os olhos.
Eu não precisava de ninguém falando em voz alta. Não precisava de
ninguém me relembrando algo que estava gravado dentro de mim para
sempre.
Ele limpou a garganta.
— De qualquer forma, depois que aquele show começou, fiquei
esperando o meu irmão levar um soco quando percebi que Theo também
estava assistindo ao videoclipe versão sexy que estavam apresentando da
música que tocava. Juro, até parei para assistir — completou, visivelmente se
segurando para não rir.
Cobri o rosto com as duas mãos e resmunguei.
— Arthur... — Meu tom implorava para que calasse a boca.
— Por favor, não me entenda mal. Você e Pedro fazem um lindo casal.
Isso, é claro, se não se importar em dividir ele com a metade da população
feminina do mundo — ele me cutucou com o cotovelo e sorriu.
— Nós estávamos nos divertindo! — tentei vergonhosamente me
justificar. Mesmo sabendo que Arthur estava só me provocado, se divertindo
exatamente como sempre fez.
— Percebi. Mas me conte, com qual se divertiu mais? — Ele parecia
genuinamente interessado, como se eu estivesse no meio do Pedro e do Theo,
dois dos homens mais gatos do mundo, fazendo uni-duni-tê.
Como isso aconteceu na minha vida? Por que, de repente, Ana e Arthur
estavam querendo me colocar em um divã para analisar todas as minhas
atitudes? Por que eles não conseguiam compreender que eu só queria
sobreviver aquela semana, sem ser tão assombrada pelos fantasmas do
passado.
Incomodada, levantei da cama.
— Você combinou com a Ana de testar a minha paciência? — Abri o
armário, tentando me manter ocupada e na esperança de Arthur desistir da
conversa.
Ele riu.
— Ahh, linda, você é tão previsível — comentou, e ouvi quando
levantou da cama. — Sempre fugindo de perguntas que te assustam.
Perguntas que, quem sabe, possam trazer felicidade para sua vida se escolher
respondê-las verdadeiramente.
Seu comentário me pegou tão de surpresa que não consegui responder.
Porque foi naquele instante que percebi que Arthur sabia muito mais do
que eu imaginava. Ele sabia de tudo.
— Sério, já deu uma boa olhada no meu melhor amigo, e conferiu como
os últimos anos foram generosos com ele? — Arthur insistiu, e voltei a
encará-lo, mas, de novo, palavras não saíram da minha boca. Porque a
questão não era o quão lindo e perfeito Theo estava, e sim que o tempo não
tinha feito bem para mim, e não estava me referindo à beleza física, e sim ao
que havia por dentro. Toda dor, tristeza e gigantesco vazio que passou a
existir em mim depois daquela noite. Do que adianta ser linda por fora, se me
sentia feia, não merecedora, morta por dentro?
Então, como se tivesse compreendido que era melhor deixar o assunto
de lado, Arthur assentiu.
— Espero que se divirtam juntos hoje — disse, e beijou minha testa. —
Sua bolsa e o casaco estão no quarto da Ana. — E, com isso, ele saiu do
quarto.
Aproveitei a deixa para fechar e trancar a porta. Como se estivesse
desesperadamente precisando de um tempo longe de todos. Como se a
pressão de estar naquela casa na presença daqueles que sempre foram tão
importantes para mim, estivesse começando a me afetar além do suportável.
Meu coração disparou por um instante e minhas mãos ficaram trêmulas. Eu
estava com medo. Medo de que em algum momento alguém me julgasse pelo
erro que cometi e pelo mal que fiz.
izem que nosso pior inimigo é a nossa própria mente. Naquela
manhã, eu estava sendo obrigado a concordar porque não lembrava quando
tinha sido a última vez que revivi mentalmente os momentos em que fui
obrigado a presenciar Tris e Rodrigo juntos no passado. Foi um período que
me vi preso em um pesadelo diário, um inferno. Tanto que cheguei a cogitar
se iria enlouquecer no processo enquanto buscava compreender a explosão de
ciúme, desejo de proteção, e até mesmo o sentimento de posse que passou a
existir em mim em relação a Tris. Na época, vendei os olhos para o real
motivo, eu estava completamente apaixonado por ela.
Fiquei olhando para o teto, o pensamento distante perdendo a noção da
hora, até que o alarme do meu celular tocou, dei um pulo da cama e abri a
mala que havia deixado no chão, de onde peguei uma calça jeans e um suéter
cinza. Fui para o banheiro da suíte, ansioso em aproveitar a oportunidade de
passar mais tempo ao lado de Tris. Porque sentia como se estivéssemos
travando uma batalha não declarada. Então, cada “sim” recebido no lugar de
um “não” deveria ser considerado uma pequena vitória.
Apoiei as mãos no azulejo do box e deixei o jato forte de água cair pelas
costas na esperança de esquecer um período da minha vida do qual minhas
atitudes, ou a falta delas, ajudaram a definir o rumo de nossas vidas. Eu não
podia mudar o passado, com isso me restavam duas opções: ignorá-lo,
fingindo que nunca aconteceu, ou enfrentá-lo, trazendo, à superfície, feriadas
mal cicatrizadas. Não era difícil perceber qual parecia ser a mais atrativa.
Meia hora depois, eu estava seguindo para a varanda da casa para
aguardar Tris. Ao me aproximar da área externa, encontrei minha mãe e
Marina, sentadas lado a lado no sofá de vime, conversando baixinho e,
quando perceberam minha presença, pararam de falar.
— Filho — a senhora Patrícia disse, tocando em meu braço e me
observando com cuidado — está de saída?
Abaixei e dei um beijo em sua testa.
— Vou sair com a Tris — comentei, vestindo a jaqueta.
Eu sabia que o sorriso no seu rosto viria rápido, assim como o brilho em
seus olhos.
— Ah, isso é ótimo. Hoje teremos uma tarde linda, vocês devem
aproveitar — Marina comentou, antes de pegar a jarra de chá gelado sobre a
mesa de centro e completar seu copo com a bebida.
— Aproveitar o quê? — Sérgio surgiu caminhando pelo jardim à nossa
frente.
Marina sorriu para o marido e estendeu a mão, como se o chamasse
silenciosamente para se juntar a nós.
— Aproveitar o dia de sol, meu amor — ela explicou, enquanto Sérgio
sentava ao seu lado.
— Só espero que fique assim até o fim de semana, já você decidiu
espalhar tendas brancas por todo o jardim — ele comentou, bem-humorado, e
não demorou para começar a falar sobre a festa com o total apoio da minha
mãe.
E lá estava eu, observando os três em suas amenidades sem grande
importância, enquanto eu gritava por dentro, tudo o que não era dito em voz
alta por nenhum de nós.
— Vou contar para Beatriz.
Assim que a frase saiu da minha boca, os três se calaram.
— Não — minha mãe logo se pronunciou.
— Por que não? — irritado, cruzei os braços. — Esse não é o tipo de
segredo que será guardado para sempre!
— Isso é discutível — ela retrucou, séria.
Ri sem vontade.
— Você não está falando sério, não é? — eu me recostei em uma das
pilastras e passei a mão no cabelo, sem esconder a minha irritação. Só podia
ser uma piada.
— Theo... — Marina apoiou os cotovelos nos joelhos e inclinou o corpo
para a frente. — O que sua mãe quer dizer é que talvez esse não seja o melhor
momento. — Sua voz era séria e cautelosa.
— Como se tempo fosse um grande aliado — resmunguei baixo.
— Concordo com Theo.
Assim que as palavras saíram da boca de Sérgio, assenti e o agradeci
silenciosamente porque eu precisava de alguém ao meu lado.
Minha mãe suspirou e levantou do sofá. A cada passo dado por ela em
minha direção, eu repetia para mim mesmo, mentalmente, que nada do que
ela falasse mudaria a minha decisão.
— Filho, me diz que diferença vai fazer contar para Beatriz.
— Faria diferença para mim! — emendei, levantando a voz, e depois me
calei. Nenhum dos três quebrou o silêncio que veio em seguida. — Mas pelo
visto isso não importa — murmurei, derrotado, balançando a cabeça em
negativa.
— Por que vocês não vão se divertir? — minha mãe sugeriu
amorosamente, ignorando minha revolta, e me abraçou — Aproveitem para
conversar sobre o que fizeram nos últimos anos, tentar se reaproximar.
Tenham um dia leve, feliz e...
— Esqueça todo o restante. Não era isso que iria falar? — completei sua
frase, não me preocupando em esconder a decepção.
Ela levantou a cabeça que estava apoiada em meu peito e olhou dentro
dos meus olhos, que eram uma cópia fiel dos dela.
— Exatamente — respondeu sorrindo.
Fiz um carinho em seu rosto com as costas da mão.
— Será que algum dia vou conseguir convencê-la de algo, mãe? Só para
que nossas conversas acabem de uma forma diferente? Ou você sempre vai
conseguir que tudo saia do seu jeito — comentei com suavidade, me dando
momentaneamente por vencido.
Com isso, não contei sobre o e-mail e minha atitude de confirmar a
consulta. Também não comentei sobre as insistentes ligações do meu pai
desde que coloquei os pés no Brasil, e sua infeliz atitude de enviar seguranças
para me buscar no aeroporto e levar, de certa forma, a força para a empresa.
Fernando Ferraz não podia ter sido mais tolo em sua abordagem comigo.
Parecia insistir em ignorar o fato de que ele era a última pessoa no mundo de
quem eu ouviria lição de moral.
— Trate de se acostumar com isso, meu filho. Estar rodeado de
mulheres com temperamento forte tem suas desvantagens — minha mãe
comentou sorrindo, e beijou meu rosto, me arrancando dos meus
pensamentos.
E, então, percebi uma troca de olhar carregada de cumplicidade entre
minha mãe e Marina.
— Sei bem como é — resmungou Sérgio, fazendo cara de vencido.
Marina e minha mãe riram de Sérgio, e eu a deixei sair de meus braços e
voltar para os amigos, ciente de que o sorriso nos lábios da minha mãe não
chegava aos olhos.
E me doía perceber o quanto a separação não era algo que ela havia
superado. Acabava comigo vê-la triste, em alguns momentos, e não poder
fazer nada. Impotente. Era assim que me sentia. E quanto mais o tempo
passava, mais a revolta parecia crescer e se instalar permanentemente dentro
de mim.
Era como se, ao final de cada mês, eu me tornasse um homem um pouco
mais duro, impaciente, explosivo. Coisas que nunca tinha sido antes. E foi aí
que percebi que nos últimos dias não vinha agindo daquele jeito. Talvez fosse
o efeito de ter Beatriz por perto. Mesmo não a tendo como gostaria, próximo
a ela cheguei a sorrir, e fui além, porque senti esperança de que toda a forte
neblina de problemas que passou a envolver minha vida pudesse se dissipar
em algum momento.
— Sérgio, na próxima semana eu...
Deixei a frase em aberto, assim que meus olhos se prenderam aos de
Tris. Ela estava parada no vão da porta e me perguntei há quanto tempo ela
estava ali, e até onde tinha ouvido nossa conversa. Graças a Deus minha mãe
rapidamente tomou conta da cena, e fiquei grato por sua perspicácia em
contornar a situação, porque eu já estava pronto para colocar tudo a perder.
ocê tem certeza de que há algo muito errado acontecendo quando
alguém para de falar no instante em que percebe sua presença.
Desconfortável, apertei o casaco contra o peito e troquei o peso do corpo
de um pé para o outro firmando o salto da bota no chão. Eu estava atrasada.
Cansada, acabei dormindo mais do que havia planejado. Mas o fato ali era:
meu cérebro podia não estar trabalhando a todo vapor, mas estava acordada o
bastante para perceber que havia interrompido algo, e o silêncio fez com que
me sentisse uma intrusa.
— Tris, você está linda. — Patrícia beijou minha bochecha antes que eu
pudesse perguntar algo. Então, me abraçou e olhou para Theo, como se
estivesse dizendo algo a ele mentalmente. Será que as mães tinham esse tipo
de poder?
— Obrigada.
— Vamos? — Theo estendeu a mão, e aceitei, me despedindo de todos
enquanto descíamos as escadas e seguíamos para seu carro.
Como sempre, ele abriu a porta para que eu entrasse primeiro. A
curiosidade me corroía ao ponto de observar cada movimento que Theo fazia
ao contornar e entrar no carro.
— Então — disse, observando-o se ajeitar no banco do motorista e puxar
o cinto de segurança —, pode me dizer por qual motivo pararam de falar
assim que cheguei?
A mão do Theo pareceu congelar sobre a fivela do cinto enquanto os
segundos passavam. Era como se seu pensamento estivesse distante. Ele
levantou a cabeça e seus olhos se prenderam aos meus.
— O assunto terminou, Tris. Foi só isso. — Ele colocou a chave na
ignição, ligou a carro e manobrou, saindo da vaga.
Theo segurava o volante com força, fazendo com que o músculo do
antebraço saltasse. Ele não estava falando a verdade. O assunto não havia
terminado, o conhecia o bastante para saber que estava escondendo algo de
mim, mas por algum motivo queria que eu acreditasse, então não insisti.
Limpei a garganta ruidosamente e voltei a minha atenção para o que
acontecia do outro lado da janela.
— E aí, para onde vamos? — mudei o assunto.
Ele tocou no meu joelho e apertou de leve, me surpreendendo, e me
obrigando a encará-lo.
— Você vai ver, sua curiosa — provocou, uma sombra de sorriso nos
lábios.
E foi o que bastou. Uma leve mudança em seu humor para que a
apreensão que existia em mim fosse desaparecendo, enquanto meu coração
mais uma vez tentava me mostrar que continuava existindo.
— Odeio surpresas... — resmunguei, voltando a atenção para a janela.
— Ah, isso não é verdade. Quando fez 15 anos e o seu pai lhe deu de
presente aquela viagem surpresa para a Disney, você amou — ele retrucou
baixinho, bem-humorado.
Bati palma e dei um gritinho.
— Theo, você está me levando para Disney?! — disse, entusiasmada e,
surpreendendo a mim, ele gargalhou.
— Não dessa vez, linda. Quem sabe da próxima.
Deixei a cabeça cair no encosto do carro dramaticamente, simulando
uma expressão de tristeza.
— Ahh, que pena. Eu gostaria de reencontrar o Mickey, a Minnie, o
Pateta, as princesas...
— Ownnn — ele apertou minha bochecha, sem esquecer de fazer um
carinho com polegar antes de se afastar —, que bonitinho! Ela tem 23 anos e
quer ver o Mickey — brincou, e seu olhar mal desviou da estrada.
Semicerrei os olhos.
— Bom, acho que posso abrir mão do Pateta porque pelo visto ele está
bem aqui do meu lado — comentei baixinho, e vi seus lábios se curvarem em
um leve e lindo sorriso.
E foi impossível não ser contagiada ao ponto de deixar surgir um sorriso
em meu rosto também. Tentando me distrair, fixei o olhar à frente, e minutos
depois percebi que estávamos saindo da estrada principal, e pegando um
acesso de escolha questionável.
— Hmm, Theo... — Estiquei o pescoço quando começamos a subir entre
curvas estranhas. — Vai me dizer o que pretende fazer comigo? Porque estou
percebendo que está me levando pra dentro de uma floresta, e parece que vai
me arrancar do carro pelos cabelos, me jogar no chão e me matar. Depois vai
voltar pra casa e agir como se nada tivesse acontecido — murmurei olhando à
minha volta.
Ele me encarou, os olhos arregalados.
— Meu Deus. Pra quem não gosta de filme de terror, a sua imaginação é
assustadoramente fértil. Mas não se preocupe, está segura e... Nós já
chegamos.
Assim que Theo terminou a frase, viramos à direita, e uma enorme
clareira surgiu. Havia carros estacionados e uma construção metros à frente.
Theo estacionou junto aos demais e depois abriu a porta para mim. Sem
reação, fiquei parada ao lado do carro, observando à nossa volta.
— Isso é lindo — comentei, quase sem fôlego diante de tamanha beleza.
Estávamos cercados por montanhas verdes que pareciam se unir com
perfeição ao azul do céu. Não existia uma nuvem no céu e o sol brilhava
acima de nós. A sensação de paz era indescritível, e eu desconhecia a
existência daquele lugar quase mágico.
— Vamos.
Ele pegou na minha mão, e eu deixei que me levasse em direção à
enorme construção de madeira, com pé direto alto e paredes envidraçadas.
Era um restaurante, que tinha como decoração principal a deslumbrante
paisagem. Assim que entramos, formos direcionados à nossa mesa, que
ficava ao lado oposto à entrada. O lugar era encantador, com todos os móveis
em madeira e, no teto, lindos candelabros.
Theo puxou a cadeira para que me sentasse, e entendi o porquê da
especificação na reserva. Entre a nossa mesa e as montanhas que desenhavam
a paisagem ao fundo, existia um vale verde deslumbrante, que parecia uma
pintura de tão perfeita, ou algo que só poderia existir em nossos sonhos.
— Uau.... — Estiquei o corpo tentando observar melhor o abismo
através da parede de vidro, e Theo fez o mesmo.
O garçom se aproximou com os cardápios e nos deixou à vontade. Não
demoramos para fazer nossos pedidos, e, depois de alguns minutos, o garçom
retornou com as entradas e o vinho.
— Hmm, acho melhor não beber hoje — comentei ao ver a taça de Theo
sendo servida.
Ele pegou a garrafa da mão do garçom, não permitindo que o mesmo me
servisse.
— Tris, é só uma taça. Mas, se não quiser beber, não se sinta obrigada.
Fiquei olhando para Theo e para o vinho, era um dos meus preferidos.
Então, assenti.
— Então, me conte um pouco sobre sua vida. O que fez nos últimos
anos — Theo pediu ao me servir, colocando a garrafa sobre a mesa logo
depois.
É... Talvez uma taça fosse mesmo necessária, porque falar sobre mim
era o meu assunto menos favorito.
Peguei a minha taça e a aproximei da boca.
— O que quer saber exatamente?
— O que quiser contar. — Ele apoiou os braços inclinando o corpo, e
seus olhos não desviaram dos meus nem por um segundo.
O interesse de Theo era tão genuíno, que contei sobre o meu trabalho e o
que conquistei nos últimos dois anos. Ele se surpreendeu quando lhe disse
que escrevia sobre moda e que dentro de um mundo específico eu estava
ganhando relevância.
— Você ama o que faz? — ele quis saber, enquanto brincava com a taça
sobre a mesa.
— Gosto do meu trabalho — finalizei, antes de levar a taça à boca,
tentando desviar a atenção.
— Mas não ama — comentou, levantando uma sobrancelha.
Bufei perante sua insistência, colocando a taça de volta à mesa.
— Theo — entrelacei os dedos e antes de me perder naqueles olhos
irritantemente perfeitos —, eu não preciso amar o que faço, apenas acordar
todos os dias e fazer o meu papel. — Eu me calei por um instante. — A vida
não é o conto de fadas perfeito no qual eu vivia mergulhada, por conta das
histórias que minha mãe nos contava — completei baixinho.
— Acredite, eu sei... — ele devolveu com certo pesar. Então, se calou
por um instante. — Só acho que deveria fazer o que ama — continuou. — A
vida é muito curta para fazermos tudo por obrigação — argumentou, e pegou
a taça de água ao lado do vinho e a levou à boca.
— E como está a sua vida? — quis saber.
— Bem — ele passou discretamente a língua nos lábios —, assumi um
dos escritórios da empresa em que trabalho, moro em um bom apartamento,
gosto da cidade.
— Você não sente falta daqui, do Brasil? Da sua mãe, sua família, seus
amigos... — insisti, mesmo sabendo que não deveria, porque daria margem
para receber a mesma pergunta de volta.
Theo ficou calado, me olhando.
— É claro que sinto falta de todos. — A intensidade do seu olhar foi
tanta que me fez desviar para as minhas mãos sobre a mesa. — Sinto muita
falta — completou, tocando em meus dedos.
— Você pensa em voltar?
Theo sorriu de imediato.
Sim, questionei sem pensar. Porque o correto teria sido deixar o assunto
morrer ali. Morrer em seu comentário e tudo que ficou subentendido na frase.
Mas, foi mais forte que eu. Porque eu também sentia falta de muita coisa na
minha vida. Principalmente de uma época que nunca teria como reviver. Uma
época em que Theo era uma das pessoas mais importantes da minha vida, e
fazia parte do meu dia a dia. Mas, com o passar dos anos, aprendi a conviver
com a sua ausência, principalmente por ter a certeza de que seguir por
caminhos separados era o melhor, se tratando de nós.
— Se você tivesse me feito essa pergunta meses atrás, diria que não.
Mas, hoje... Sim, penso em voltar. — Sua resposta me arrancou dos
pensamentos, e sua frase passou a ser repetida como um eco em minha
mente.
Porque se Theo pensava em voltar, isso significava que aquela semana
não seria a única que o encontraria. Significava que estaria perto, morando na
mesma cidade que eu, de novo. Mas por que ele voltaria se está tão bem
morando na Inglaterra? Senti minha testa franzir, tentado buscar por respostas
até que...
— O que aconteceu nos últimos meses? — disse em voz alta, o que não
consegui responder sozinha.
A expressão de Theo mudou, assim como o jeito que me olhava. Era
como se eu tivesse arrancado algo de dentro dele com uma simples pergunta.
— Muita coisa, Tris... Muita coisa.
Por instinto, minhas mãos procuram as dele sobre a mesa.
— Quer me contar? — Assim que a frase saiu da minha boca e que
percebi o que estava fazendo, tive vontade de voltar no tempo e não ter
perguntado. Porque isso era só mais uma prova do quanto estava começando
a me envolver.
Ele sorriu e apertou a minha mão levemente.
— Prometo contar, mas não agora. Pode ser assim?
Assenti, e lentamente tirei minha mão da sua.
— Claro. Desculpa por ter sido tão indiscreta.
— Não — ele moveu a cabeça em negativa e se forçou a sorrir, mesmo
parecendo triste —, não peça desculpa. Gostei que tenha me perguntado.
Mas, hoje, quero saber mais sobre você.
Ótimo, ele não queria ser o foco da conversa e sim jogar o refletor sobre
mim. O problema era que eu odiava o refletor. Eu preferia a escuridão, mas
ali, por ele, podia tentar. E foi o que fiz, mesmo me sentindo desconfortável
em um primeiro instante contei que morava sozinha, que passava meus dias
na frente de um notebook e que a minha vida social era inexistente. Na
empolgação, contei que tinha terminado um namoro a pouco tempo. Quando
percebi o que tinha feito, peguei a taça novamente e bebi mais um pouco do
vinho, numa tentativa clara de me acalmar.
Puta merda! Por que razão falei do meu ex-namorado para o Theo?
— Então, você terminou com o seu namorado? — Vi surgir um leve
sorriso, quase imperceptível, em seu rosto.
Sim, Theo, estou solteira. O que não devia ser uma grande surpresa, já
que beijei você duas vezes nas últimas vinte e quatro horas.
— Na verdade, ele terminou comigo. — A frase saiu da minha boca e
percebi sua surpresa ao ouvir a informação. O que ele colocou no meu vinho?
— Você o amava? — quis saber, aparentemente ansioso pela resposta.
Demorei mais do que o normal para responder, pensando no que deveria
falar.
— Eu gostava, mas não o amava — disse a verdade, surpreendendo até a
mim.
— Então... Ele terminou porque percebeu que não tinha mais você? —
insistiu, enquanto brincava com a taça sobre a mesa.
Mordi o lábio inferior, pensando.
— Acho que terminou quando percebeu que nunca teve ― comentei
quase em sussurro.
Ficamos nos olhando em silêncio até sermos interrompidos pela chegada
do garçom à mesa.
Passamos as duas horas seguintes conversando sobre museus, arte,
viagens; tudo que não fosse tão pessoal. A companhia de Theo estava sendo
tão agradável que consegui enxergar o garoto que cresceu comigo, que no
passado me conhecia como poucas pessoas nesse mundo.
Theo pagou a conta e saímos do restaurante. Do lado de fora,
encontramos casais caminhando, grupos de amigos sentados em bancos de
madeira acolchoados com futon e algumas crianças brincando no parquinho.
Toda a área externa era tão agradável e convidativa quanto a interna. Theo e
eu nos afastando dos demais, ao meu lado ele nos guiava por onde seguir, até
que duas grandes árvores, com o que pareciam ser enormes casulos de vime
pendurados, chamaram minha atenção. Os casulos ficavam a mais ou menos
um metro e meio do chão e eram acolchoados por dentro. Em cada árvore,
havia três e pareciam bolas da decoração em uma árvore de Natal, que se
moviam delicadamente de um lado para o outro graças ao vento constante.
Um grande sorriso surgiu em meus lábios.
— Sabia que ia gostar — disse no meu ouvido, em uma leve e divertida
provocação.
— Eu amei! Vamos! — emendei eufórica, puxando-o pela mão.
Só faltei arrastá-lo para que andasse mais rápido. Quando parei ao lado
de uma livre, olhei para Theo e levantei as sobrancelhas. Claro que não
conseguiria subir sozinha, aquilo era mais alto do que tinha imaginado. Theo
revirou os olhos, me segurou no colo e me colocou sentada. Depois, se sentou
ao meu lado.
— É tão lindo — murmurei, admirada com a paisagem à nossa frente,
parecia uma pintura e não algo real.
— Eu disse que você gostava de surpresas — comentou baixo.
— É. Acho que gosto de surpresas. — Passei os dedos pelo teto de vime
sobre nossas cabeças. — Meu pai precisa colocar um negócio desse lá na
casa.
— Está pensando em voltar mais vezes? — Sua voz sexy e levemente
rouca cortou meus pensamentos.
Abaixei a mão e voltei minha atenção para ele.
— O quê?
Theo apoiou o cotovelo e girou o corpo em minha direção.
— Você está pensando em voltar outras vezes para ficar aqui, com seus
pais?
— Acho que sim — murmurei, sabendo que existia uma grande
distância entre pensar e conseguir fazer.
Apoiei a cabeça em seu ombro e relaxei o corpo. Tudo no lugar era tão
lindo, sereno, que me transmitiu uma paz poucas vezes vivenciada.
Ficamos os dois ali, cada um preso em seus próprios pensamentos, em
um silêncio reconfortador.
— Você deveria ser mais presente na vida dos seus pais e na de Ana.
Eles sentem a sua falta — comentou baixinho.
— Eu sei... — respondi no mesmo tom, como se ao falar mais alto, a
verdade fosse doer mais.
— Às vezes não valorizamos as pessoas que são as mais importantes em
nossas vidas, e assumimos uma postura errada ao acreditar que nunca nada
irá mudar. Mas... sabemos que a vida não é assim, não é? Então... Não seja
ingrata pelo que tem. Não dê as costas para as pessoas que querem participar
da sua vida. Seus pais são pessoas incríveis e estão parecendo duas crianças
planejando essa festa.
— Minha mãe tinha a minha idade quando se casou — lembrei ao
pensar em meus pais juntos por tantos anos, e depois sorri. — Ainda bem que
os tempos são outros, e tenho muitos anos pela frente até encontrar o homem
da minha vida.
Ele suspirou ao meu lado.
— Talvez... — disse, enquanto girava o corpo lentamente, e logo senti
sua mão em meu pescoço segurando com cuidado, me fazendo olhar em seus
olhos. — Talvez já o tenha encontrado, Tris. Só não se deu conta disso —
comentou baixinho enquanto aproximava seus lábios dos meus em uma lenta
tortura, me fazendo desejar aquele beijo mais, e mais. Seu polegar tocou meu
rosto, fazendo carinho no exato instante em que sua boca tomou a minha, e,
quando dei por mim, meus braços envolviam o pescoço de Theo e ele me
segurava firme pelo quadril, me levantando e levando para junto dele, me
fazendo sentar em seu colo. Seus lábios provocavam os meus sem me dar
tempo de pensar ou respirar, apenas corresponder gradativamente as suas
investidas. Com isso, o beijo foi se tornando mais intenso, possessivo e
delicioso, ao ponto me fazer gemer baixinho, enquanto mentalmente, eu
reclassificava o sabor do chocolate como o segundo mais gostoso do mundo
pra mim.
Como algo errado podia parecer tão certo? Então ele mordeu meu lábio
inferior enquanto me puxava para mais perto, me obrigando a sentir o calor
do seu corpo. Beijar Theo estava se tornando cada vez mais íntimo,
envolvente, e era torturante desejá-lo tanto e tão rápido. Não!
Ofegante, afastei os lábios, mas não tive coragem de abrir os olhos. Meu
coração batia tão acelerado que pensei que ele conseguiria ouvir. Theo apoiou
a testa na minha, e me sentia travando uma batalha interna, e de algum modo
ele parecia perceber, porque não tentou me beijar de novo. Então, tomei
coragem e abri os olhos, só para encontrar aqueles azuis que nunca esqueci, e
desejei que, de alguma forma, os meus pudessem expressar o que eu não
conseguia dizer em palavras.
— Me dê uma chance, Tris — sussurrou no meu ouvido, num misto de
doçura e devoção, antes dos seus lábios tocarem meu pescoço, numa
deliciosa tortura sem fim.
Era tão injusto não poder dizer o que Theo parecia implorar para ouvir.
Eu sabia que estava sendo egoísta por permitir aquela aproximação, por estar
desejando cada beijo que me dava, por estar me sentindo feliz de estar ali,
nos braços dele, mesmo sabendo que momentos era tudo o que poderia lhe
dar, e mais, por saber que não era suficiente para nós. Fechei os olhos com
força e apoiei a testa em seu peito, deixando que me abraçasse mais uma vez.
— Theo, por favor, por favor, não me peça...
Ele tirou alguns fios de cabelo que escondiam ainda mais o meu rosto e
colocou atrás da minha orelha, e eu amei sentir seu toque carinhoso. Uma
rajada forte de vento nos atingiu, e o meu corpo estremeceu junto ao seu.
— Talvez seja melhor nós irmos embora. Você está tremendo —
comentou, mudando o assunto, e me abraçou, me aquecendo com o seu
corpo. Levantei a cabeça e assenti, então ele fez carinho no meu rosto. — E
os seus lábios estão começando a ficar roxos.
E lá estava o meu egoísmo de novo.
Porque desejei que voltasse a me beijar.
Desejei que esquecêssemos todo aquele papo de ir embora, mas não era
certo, ou justo, com nós dois. Principalmente com ele.
E foi assim que seguimos, lado a lado, de volta para o carro sem dizer
mais nada um ao outro. Porque a verdade era que não importava o quanto o
desejava, Theo não era uma possibilidade na minha vida, e eu sabia há muito
tempo. Eu havia feito a promessa de ficar longe dele, mas a cada dia que
passávamos juntos se tornava um pouco mais difícil cumpri-la.
Afinal, como se diz não para a única pessoa que você gostaria de dizer
sim?
oltamos para a casa dos meus pais, e o restante do dia passou em
um piscar de olhos. Depois que chegamos, Theo desapareceu. Eu já estava há
horas sozinha na sala de estar. Eu e o meu livro, que por um milagre estava
conseguindo fazer com que eu parasse de pensar no homem que havia
beijado e precisava esquecer. Verifiquei a hora mais uma vez, passava das
oito e meia da noite, e a tranquilidade e o silêncio que eu gritava aos quatro
ventos que amava estava quase me enlouquecendo.
— Tris, você viu o vovô? — Ana perguntou assim que entrou na sala de
estar, e respirei aliviada por ter aparecido alguém. Logo depois surgiram
Arthur e Theo. Minha irmã carregava um pote de pipoca que seria capaz de
alimentar uma pequena cidade, enquanto Arthur trazia bebidas para os dois.
Theo, sem dizer nada, tirou meus pés do sofá, sentou e os colocou de volta
em seu colo. Fingi não perceber a intimidade do ato, enquanto Ana e Arthur
se acomodavam no sofá à nossa frente.
— Não — respondi, fingindo continuar a ler o que tinha em mãos.
Ana pegou um punhado de pipoca, mas sua mão parou no ar antes de
levá-las à boca.
— Será que o vovô foi encontrar a Francisca? — murmurou.
— Quem é Francisca? — Arthur perguntou automaticamente.
— Não! — Theo e eu falamos ao mesmo tempo, fazendo Ana rir.
Arthur franziu as sobrancelhas nos observando.
— Tudo bem... — disse baixinho e cutucou Ana com o cotovelo. —
Qual é o problema com essa tal de Francisca? — sussurrou no ouvido da
namorada sem desviar o olhar de nós, como se Theo e eu fôssemos ETs.
Deus, que homem fofoqueiro!
Fechei o livro com violência.
— Você quer mesmo saber? Ok — disse, enquanto sentava e dobrava as
pernas sob o sofá. — Francisca é mulher com quem meu avô deve estar se
divertindo agora no novo motel da cidade.
Assim que terminei a frase, vi Ana e Theo tapando os ouvidos. Os olhos
de Arthur se arregalaram e sua boca abriu fazendo a cara de espanto mais
engraçada que já tinha visto na vida. Mas, como eu havia começado, iria até o
fim. Se ele queria saber, que aguentasse.
— Mas a melhor parte foi ficar sabendo na mesa do café da manhã, com
a família reunida. Ah! E o vovô contou detalhes do motel e disse que gostou
da cadeira erótica. Agora, para colocar a cereja nesse bolo, fiquei sabendo
que ele lê a revista para qual trabalho e que gostou da edição desse mês que
tem um especial detalhado sobre Kama Sutra! — Meu tom de voz aumentava
a cada novo ponto da história.
— Para, Beatriz! Para, pelo amor de Deus! — Arthur implorava com as
mãos no rosto. — Nunca mais vou conseguir ouvir Kama Sutra sem pensar
no que acabou de contar! — resmungou de olhos fechados.
Dei de ombros.
— Foi você que pediu — devolvi, pegando o livro novamente e me
preparado para continuar a leitura.
— Nisso ela tem razão. — Theo apontava para Arthur, que agora
sacudia a cabeça como se aquilo fosse de alguma forma apagar as
informações.
— Sabe o que é o pior nisso tudo? — Ana levantou a questão.
— Tem como ficar pior? — devolvi, levantando a sobrancelha.
— Vovô está na farra e nós estamos em casa — ela comentou, fazendo
com que nos entreolhássemos e, diante da constatação, levantamos do sofá
praticamente ao mesmo tempo para trocar de roupa e sair.
Quarenta minutos depois, Arthur, Ana, Theo e eu estávamos entrando
em um bar recém-inaugurado na cidade. Não demorou para que Pedro,
Rodrigo, Laura e Andressa se juntassem a nós. Por escolha da minha irmã,
sentamos em uma das mesas externas. Era uma noite de céu claro e estrelado,
porém fria. Logo o garçom se aproximou para anotar nossos pedidos e, em
pouco tempo, surgiram as taças de vinho dos meus amigos e a minha água
com gás.
— Viu só, disse que o papel seria invertido em algum momento — Theo
sussurrou sua provocação no meu ouvido, com o sorriso sexy nos lábios, e eu
fiquei dividida entrar dar um soco naquele rostinho perfeito, ou puxá-lo para
junto de mim e beijar aquela boca desesperadamente, como se o mundo fosse
acabar nas próximas horas.
Para o bem de todos, decidi deixar passar a provocação e permiti que a
conversa dos demais tomassem conta da mesa e da noite.
— Então... — Andressa se debruçou sobre a mesa. — Vocês se
conhecem a vida toda? — quis saber sorrindo, e sem esconder o interesse.
Andressa estava sempre sorrindo, sempre parecendo simpática, mas
como eu não a conhecia, era estranho ter alguém que eu estava vendo pela
segunda vez na vida, ali, entre nós. Isso sem contar que na primeira havia
uma grande quantidade de álcool envolvida, o que facilitava a socialização.
Mas a verdade era que a única coisa que sabia sobre Andressa era que ela
havia se tornado amiga da minha irmã recentemente.
— Nós crescemos juntos — Pedro se antecipou.
Arthur bateu no ombro do irmão.
— E essa cidade sempre foi o nosso playground — completou.
— Ahhh... — Andressa nos olhava com curiosidade e então sorriu. —
Sendo assim já rolou namoro entre vocês, é claro. — Seu corpo se inclinou
ainda mais para frente e seus olhos passaram por cada um dos meninos. —
Digo, além de Ana e Arthur.
— Andressa, que pergunta é essa? — Ana a repreendeu.
Sua postura mudou de imediato.
— Desculpa — ela cobriu a boca por um instante —, não sabia que era
assunto proibido.
Aquela frase poderia ter sido dita de tantas formas diferentes, mas, por
alguma razão, não gostei de como saiu da boca de Andressa, só não sabia
bem o motivo.
— Não que seja assunto proibido, só não vemos razão para ficar
comentando — disse, na esperança de fazer o assunto chegar ao fim.
— Mas, para matar parte da sua curiosidade, Andressa — Rodrigo
emendou na minha fala —, Tris e eu já namoramos. E ela está certa, não há
necessidade de ficar contanto para você tudo o que foi vivido entre nós —
finalizou, olhando diretamente para mim.
A garota ficou boquiaberta, parecendo genuinamente surpresa com a
informação.
E eu sorri, agradecendo silenciosamente a Rodrigo, por ele ter, de certa
forma, colocado Andressa no lugar dela.
— Pedro nunca namorou ninguém do nosso grupo — Arthur fez a
afirmação bem-humorada, chamado a atenção de todos —, mas, em
compensação, já pegou todas as mulheres dos outros grupos. — Ele levantou
a taça para um brinde, deixando assim o clima leve.
— Tive bons momentos, não posso negar! — Pedro comentou ao
brindar com Arthur.
— E você, Theo. — Andressa quis saber, voltando atenção para o
homem de olhos azuis ao meu lado —, namorou quem?
O silêncio que recaiu sobre a mesa foi total, e a tensão no ar era tanta
que doía.
— Eu preciso ir ao banheiro... — disse baixinho, sem esconder o
desconforto, enquanto levantava da cadeira e saía de perto de todos, antes que
Theo ou outra pessoa pudesse responder.
Nervosa, entrei no banheiro e fui direto para a primeira cabine
disponível. Fechei a porta, baixei a tampa do vaso e sentei, apoiando os
cotovelos nos joelhos e segurando a cabeça com as duas mãos, sentindo as
palmas suadas em contato com a testa. Respire, apenas respire. Meu coração
estava acelerado, e sabia que só conseguiria fazê-lo voltar aos batimentos
normais se controlasse a respiração.
Meus ataques de ansiedade não era algo que eu comentava com as
pessoas, com o tempo aprendi a conviver com eles. Quando tudo se acalmou
dentro de mim, saí do banheiro sabendo que o meu destino seria o bar. Eu
estava pronta para pedir um shot de tequila, mas pensei melhor e pedi uma
Coca-Cola.
Enquanto aguardava, fiquei encostada no balcão, sozinha.
— Está tudo bem? — Rodrigo tocou em minhas costas antes de sentar
em um dos bancos altos ao meu lado. Girei o corpo e fiquei de frente para
ele.
— Claro — menti.
Rodrigo me olhou com os mesmos olhos do passado, com o mesmo
carinho, e afastou do meu rosto parte dos meus cabelos.
— Posso fingir que acredito, mas não esqueça que a conheço há anos e
sei que é uma péssima mentirosa — disse, uma sombra de sorriso no rosto.
Respirei fundo e fechei os olhos.
— Muita coisa ao mesmo tempo, Rodrigo. Muita coisa... — comentei
baixinho, sentindo todo o desgaste emocional que aquele dia estava sendo,
antes de levar o copo à boca.
Ele levantou a mão e pediu uma bebida para o homem que estava atrás
do balcão.
— É tão ruim assim voltar aqui?
Suspirei, pensando em como explicar de forma que fizesse sentindo, se
ele não conhecia toda a história.
— Confesso que não era algo que estava morrendo de vontade de fazer,
mas teria que acontecer. Mais cedo ou mais tarde — respondi, brincando com
o copo entre as mãos.
— Todos nós temos que enfrentar os nossos demônios em algum
momento — Rodrigo murmurou antes de levar o seu shot de uísque à boca,
conseguindo minha total atenção.
— Então...Você também não gosta de vir aqui?
Ele colocou o copo de volta no balcão.
— Gosto daqui, sempre gostei. — Ele molhou os lábios com a língua. —
O que falei foi que temos que enfrentar os nossos demônios em algum
momento — esclareceu, e colocou alguns fios de cabelo atrás da minha
orelha.
— Então — franzi as sobrancelhas, enquanto processava o que disse —,
você também está enfrentando os seus demônios?
Ele assentiu.
— Desde que a encontrei ontem — respondeu com um pequeno sorriso
triste.
E eu que imaginava que não tinha como meu coração ficar menor, mais
apertado, então, de repente todo o meu passado volta. Todo. O. Meu.
Passado.
— Rodrigo... — disse baixinho o seu nome, desviando olhar.
— Me dá um desconto, Tris. Você sumiu da minha vida. Terminou
comigo por uma mensagem na caixa postal enquanto estava do outro lado do
oceano — disse, e apoiou o dedo em meu queixo para que eu levantasse a
cabeça.
Fechei os olhos, na tentativa de esconder a vergonha que sentia pela
atitude.
— Eu sei. Eu fui horrível — disse honestamente ao lembrar o que fiz.
Não que Rodrigo soubesse o quanto estava me sentindo sozinha e
perdida na época, mas a grande verdade era que nada justificava partir o
coração, magoar, ferir alguém. Nada justificava o que eu havia feito. Ainda
mais com alguém como Rodrigo, que sempre tinha sido um amigo, e depois
um namorado perfeito. Que era bom e dizia e demostrava que me amava. E o
jeito, sem motivos, que terminei com ele tinha sido um dos meus piores
momentos. Eu estava tão perdida. E muitas vezes sinto que ainda estou.
— Verdade, não foi uma atitude legal da sua parte, mas tudo bem,
superei. Só não vou mentir dizendo que foi fácil porque aquele não foi o
melhor ano da minha vida.
E foi quando me senti a pior pessoa do mundo. A mais egoísta.
— Eu sei. Sinto muito. Sinto muito pela forma como terminei, e
principalmente, por não estar aqui quando precisou de mim. Sinto muito pelo
falecimento do seu pai. — Minha voz saiu carregada de emoção. Então,
peguei suas mãos, entrelacei nossos dedos e continuei: — Sei que agi errado,
muito errado, com nós dois. E... — Me obriguei a engolir o nó que se formou
em minha garganta. Eu sabia que ao continuar a fala acabaria chorando a
qualquer momento, mas ele merecia ouvir. Ao menos uma parte, ao menos o
meu mais sincero pedido de desculpas. — Eu devia ter tido tantas atitudes
diferentes na época, Rodrigo. Mas eu era mais nova, imatura, estava confusa
e passando por um momento tão ruim que...
Ele colocou dois dedos sobre meus lábios, e o agradeci em silêncio.
Rodrigo me conhecia e sabia que expressar sentimentos não era fácil para
mim.
— Eu sei, não precisa continuar. Só estou comentando que foi uma
surpresa grande na época, e eu te amava, então... Encontrá-la está sendo
como encarar um dos meus demônios de frente, pode acreditar — disse em
tom carinhoso, enquanto brincava com alguns fios do meu cabelo entre os
dedos, antes de colocá-los atrás da minha orelha novamente. — Você
continua linda, sabia?
— Você também continua lindo. Só muito, muito mais forte. O que anda
comendo? — Levantei do banco, ficando entre suas pernas e o abracei,
afundando o meu rosto em seu pescoço. Ele riu. — Sabe que te amo, não é? E
lamento muito, muito por ter agido errado com nós dois — sussurrei em seu
ouvido e beijei seu rosto. — Você me perdoa? — perguntei, e voltei a
afundar meu rosto em seu pescoço.
Rodrigo afastou nossos corpos e me segurou firme pela cintura, os olhos
fixos aos meus.
— Claro. Sei que o que tivemos foi especial, assim como sei que não
tenho mais a menor chance com você. — Tocou o meu nariz com o dedo
indicador e sorriu.
Enxuguei a lágrima em meu rosto discretamente.
— Acha que devo dar uma chance ao Pedro? Será que agora que esgotou
as possibilidades com todas as outras mulheres, ele vai se apaixonar por
mim? — brinquei, fazendo-o rir.
Rodrigo negou com veemência.
— Não. No caso do Pedro só uma intervenção divina. Já estamos em
busca de um seminário religioso para garantir — respondeu com humor,
passando o dedo em minha bochecha antes de completar. — Estou falando do
Theo.
— Por Deus, você não... — implorei baixinho.
— Como assim?
— Nada. — Tentei me afastar para fazer a conversa terminar, mas
Rodrigo me puxou de volta, me prendendo entre suas pernas.
— Beatriz — disse meu nome em tom de advertência. Eu odiava quando
ele e Theo faziam aquilo no passado e, pelo visto, nada havia mudado sobre a
questão.
— Você é a terceira pessoa em vinte e quatro horas que insinua a mesma
coisa — respondi, irritada, depois o encarei novamente.
— Então está na hora de começar a nos ouvir. — Deu um beijo em
minha testa e me abraçou.
Engoli em seco e não respondi, apenas envolvi os braços em seu
pescoço. Porque ali, em seus braços, me senti segura, protegida. Eu sabia
que, se tivesse continuado com Rodrigo no passado, tudo teria sido muito
mais fácil, leve e tranquilo. Ele faria de tudo para me fazer feliz, e nunca me
magoar. Mas também sabia que com o tempo não daríamos certo, porque eu
não conseguiria fazê-lo feliz. E precisei de poucos dias para compreender a
diferença. Rodrigo era a minha paz de um porto seguro amigo, enquanto
Theo fazia com que me sentisse viva, e colocava fogo no meu mundo. E
Rodrigo merecia encontrar alguém que fizesse o mundo dele pegar fogo.
Quando abri os olhos, encontrei Theo, parado a poucos metros de nós.
Pálido, ele me observava nos braços de Rodrigo. Meus olhos permaneceram
fixos nele, o que fez Rodrigo procurar o que tanto chamava minha atenção.
O homem parecia uma estátua nos observando a distância e, assim que
ameacei dar o primeiro passo na sua direção, Theo nos deu as costas, e saiu.
E foi a minha vez de ficar paralisada, congelada com os pés presos ao chão,
vendo-o voltar para a nossa mesa e depois sair do bar, definitivamente.
Rodrigo segurou a minha mão.
— Deve ir atrás dele.
— O quê?
— Vá atrás dele! — mandou, me tirando da inércia.
Apressada, segui entre as mesas buscando espaços nos corredores
movimentados. Quando passei pela nossa mesa ouvi Ana me chamando, mas
não respondi. Não dava tempo. Atravessei a rua sem olhar para os lados,
chamando atenção de alguns na calçada. Correndo, entrei no estacionamento
mal iluminado e lá estava ele, abrindo a porta do carro.
— Theo, espera! — gritei, correndo ao seu encontro.
Quando ouviu minha voz, ele parou, de costas para mim. Uma de suas
mãos segurava com força a porta aberta enquanto a outra estava apoiada no
teto do carro.
— O que você quer, Beatriz?! — esbravejou, sem se virar para me olhar.
— Por que está indo embora? — quis saber, quase sem ar ao me
aproximar.
— Não se preocupa, Arthur vai levá-la para casa.
— Eu não estou preocupada com carona. Não é por isso que estou
perguntando.
Theo se virou no mesmo instante.
— Então, para que quer saber? Faz alguma diferença?! — esbravejou de
um jeito que mal reconheci sua voz.
Mal reconhecia o homem que caminhava em minha direção. Theo nunca
havia falado daquela maneira comigo, nem uma só vez. Nem quando
brigávamos no passado.
— Claro que faz! Viemos aqui para ficarmos todos juntos, nos divertir
juntos.
Ele deu uma risada forçada.
— Todos juntos? — Sua voz estava carregada de ironia. — Então o que
estava fazendo no bar com o Rodrigo? Porque, pelo que pude perceber, você
estava se divertindo com ele! — comentou no mesmo tom.
— O que está insinuando?
Ele levantou as mãos.
— Só estou comentando o que acabei de ver. Agora me diz uma coisa,
Beatriz — ele se aproximou de mim —, cada dia vai se divertir com um?
Ontem foi o Pedro, hoje o Rodrigo. Vai se divertir com o namorado da sua
irmã também? — insinuou baixinho no meu ouvido.
O impacto de suas palavras me fez dar dois passos para trás.
— Você está me ofendendo.
— Estou falando o que vi! — retrucou entre dentes, e eu não conseguia
acreditar que aquele homem que estava ali, na minha frente, era o Theo.
— Rodrigo é meu amigo! Ele é meu ex-namorado! Que não vejo há
anos! Como pode falar algo assim? — gritei, magoada e enfurecida ao
mesmo tempo, chamando atenção de alguns.
— Ex-namorado?! — Theo ameaçou uma risada forçada. — Por favor,
pelo jeito que estava abraçando e olhando para você, esse prefixo vai ser
tirado logo, logo. E você não vai reclamar, não é mesmo?
E lá estava ele sendo irônico de novo, e me machucando com suas
palavras. E doeu. Doeu tanto que a mágoa e a raiva que sentia mal permitia
que eu respirasse, e a vontade de chorar beirava ao incontrolável.
— Não acredito que acabou de me dizer isso... não depois de tudo... —
Minha voz quase não saiu, tamanha decepção.
Estávamos frente a frente.
Menos de dois metros nos separava, mas, ali, parecia haver quilômetros
de vazio, silêncio e mágoas.
Theo diminuiu a distância entre nós, e eu consegui sentir o calor que
emanava do seu corpo.
— Só preciso saber quantas vezes mais serei obrigado a te ver nos
braços de outro homem. — Sua voz saiu como um sussurro, e ainda assim a
frase veio como um soco no meu estômago, me deixando sem ar.
— Vá embora, Theo — disse baixinho, olhando em seus olhos, me
controlando para não chorar. — Entra no carro e vá embora, porque quem
não quer ficar perto de você agora sou eu.
Dei as costas sem conseguir segurar as lágrimas, que passaram a correr
livremente pelo meu rosto. Não me importei com os olhares curiosos que
haviam testemunhando a cena que protagonizamos, só queria ficar longe dali,
longe dele. Porque, pela primeira vez desde que nos reencontramos, senti
como se Theo estivesse com raiva de mim, e quem sabe do mundo. E, de
certa forma, eu sentia o mesmo.
Aquela noite estava sendo só mais uma prova do que significava nós
dois juntos: perda, mágoa, dor e lágrimas. Exatamente como sempre foi.
noite acabou mais cedo por minha causa.
Quando chegamos em casa, Arthur e Ana foram para o quarto, e me vi
sentada na sala de estar, sozinha, nutrindo a esperança de que Theo
aparecesse, e, assim, eu poderia receber no mínimo um pedido de desculpas,
mas não aconteceu.
Decepcionada, segui para o quarto e me joguei na cama, tentando
compreender como um homem que tinha sido doce, meigo e envolvente, dava
um cento e oitenta na personalidade e me magoava tanto com palavras, como
fez.
A minha madrugada de questionamentos tinha sido tão longa, que tudo
que desejava era continuar na cama naquela manhã, sem ter hora para
levantar. No entanto, rapidamente percebi que seria impossível, porque
mesmo a casa sendo monstruosa e com áreas independentes, parecia que o
corredor que dava acesso ao meu quarto tinha se tornado uma estação de
metrô no horário de pico. Resmungando, peguei um segundo travesseiro e o
pressionei contra a cabeça, me forçando a ignorar os barulhos. Minutos
depois, desisti e levantei.
Alguém tinha ligado o som, aparentemente no último volume, e estava
tocando I gotta feeling, o que indicava que eu provavelmente cometeria um
homicídio nas próximas horas, com grandes chances de a vítima ter o mesmo
sobrenome que o meu. De mal humor, tomei banho, vesti a primeira roupa
que encontrei e saí do quarto. Tudo ao som da mesma música, que não
deveria ter durado mais do que quatro minutos, mas que tocava em um replay
infinito.
Atravessei o corredor a passos largos, decidida a declarar guerra a
qualquer um que surgisse à minha frente. Até que cheguei à sala de estar e
encontrei meu avô dançando sozinho, como se o mundo fosse acabar em uma
rave.
Incrédula, eu o observava balançar os braços, animado, vestindo mais
um de seus conjuntos de moletom chamativos e um par de óculos wayfarer
de armação colorida, enquanto cantava que I gotta feeling, that tonght’s
gonna be a good, good night , e era como se eu estivesse vendo três arco-íris
2

grudados se balançando à minha frente.


— Ei! — Vovô acenou. — Vai ficar parada aí ou vai dançar comigo?
Inspirei fundo e desencostei da parede.
— Tô fora. Preciso de café antes de chegar perto dessa felicidade toda aí
— disse, dando as costas a toda aquela animação matinal.
Na cozinha, Rosa cantarolava a maldita música que ecoava pela casa.
Tadinha, quem poderia culpá-la? Só Deus sabia há quanto tempo a pobre
mulher estava sendo obrigada a suportar aquela tortura.
— Bom dia. — Sentei no banco em volta da ilha central, e apoiei os
cotovelos na bancada, levando as mãos à cabeça. — Isso que o vovô está
fazendo deve ser considerado como um tipo de tortura de guerra.
A bancada do café da manhã estava posta, como sempre, para os que
acordavam tarde e perdiam a mesa que era preparada na sala de refeições.
Rosa riu, e colocou um prato enorme com uma torre de waffle à minha
frente.
— Então é melhor estar preparada — comentou baixinho, bem-
humorada, piscando o olho para mim, e depois seguiu em direção ao jardim,
me deixando sozinha.
Faltavam poucos minutos para as dez da manhã, e me perguntei por
onde andava o Theo. Repassei, mentalmente, tantas vezes os acontecimentos
dos últimos dias, durante a madrugada, que cheguei a cogitar se não seria
melhor fazer as malas, entrar no meu carro e esquecer tudo. Mas, ao mesmo
tempo, como poderia ter tal atitude e partir o coração dos meus pais e da
Ana? Por mais que odiasse aquela cidade, e tudo que ela passou a representar
para mim, não podia fugir novamente, não seria justo com eles se eu fosse
embora.
— Só mais quatro dias... — murmurei a contagem regressiva.
— Só mais quatro dias para quê? — Uma voz feminina surgiu e eu
gritei. Não que a música tenha permitido que as pessoas da casa ouvissem o
meu grito.
— Você quer me matar de susto, Joana? — reclamei com a mulher que
surgiu do nada ao meu lado, e beijou minha bochecha. — Claramente não
ouvi você se aproximar.
— Você estava distraída — comentou sentando ao meu lado, vestindo
uma calça de moletom, camiseta e, nos pés, pantufas.
— Não. Estou quase surda! — reclamei alto, apontando em direção ao
som.
Joana deu de ombros.
— Estou acostumada, morei anos com o papai — comentou, pegando o
prato para se servir. — Você está com uma cara horrível. O que aconteceu?
Olhei em seus olhos e sorri.
— Obrigada, tia. Também estou feliz em ver a senhora — respondi com
ironia, e sua expressão mudou de imediato. Justamente como imaginei.
— Nem vem com esse papo de tia. Isso não faz bem para o meu ego.
Fora que sou apenas sete anos mais velha do que você — resmungou,
mordendo um pedaço de waffle com violência. — Agora, sério, está tudo
bem? — perguntou de boca cheia, e uma ruguinha de preocupação surgiu em
sua testa.
— Está tudo fantástico — respondi entre dentes.
Segundos depois, o silêncio reinava na casa. Por um instante, achei que
tivesse ficado realmente surda, e então surgiram os gritos do meu pai
reclamando que era possível ouvir a música lá da esquina. Fato comprovado:
minha família não era normal.
— E, aí, o que tem acontecido de bom nessa cidade? Algum gato novo
na área? — Joana quis saber, como se a comoção entre meu pai e avô não
tivesse existido.
— Para mim ou para você?
— Para mim, é claro! — Ela abriu os braços como se estivesse me
apontando o óbvio.
Semicerrei os olhos.
— Você não estava saindo com um artista?
Ela levantou o dedo.
— Morando junto. O nome dele é Sebastian. Ele é um talentoso pintor, e
eu o peguei na cama com outra, na nossa cama — disse, me olhando com o
canto dos olhos.
Arregalei os olhos sem conseguir esconder o espanto, e ela continuou.
— Como pode imaginar, fiquei um pouco enfurecida. Então estraguei
quatro telas de trabalho dele, depois fiz minhas malas e voltei para o meu
apartamento.
— Sério, Joana. Tem coisas que só acontecem com você — comentei,
sabendo que não ficaria nem um pouco ofendida, porque toda vez que ela
terminava um relacionamento era uma história diferente.
Ela deu de ombros.
— Eu sabia que o Sebastian era um mulherengo e não perdia uma
oportunidade, mas doeu porque paixão cega a gente. Fora que o corpo
daquele homem me deixava louca. E, por falar em homem gostoso — ela se
ajeitou no banco ao meu lado —, o que é o Theo hoje em dia, hein? Encontrei
com ele quando cheguei ontem à noite e... Nossa! São homens como Theo
que me fazem ter a certeza de que Deus dedicou um tempo extra na criação
de alguns.
— Nem fala — murmurei suspirando, e ela ficou me observando.
— Está acontecendo alguma coisa entre vocês?
Dei de ombros.
— Tris...
— Nós nos beijamos algumas vezes nos últimos dias e dormimos juntos,
digo, na mesma cama, porque eu estava bêbada e ele ficou com medo de que
eu morresse de madrugada, ou algo assim. E, na noite passada, tivemos uma
discussão horrível, porque pelo que entendi ele ficou com ciúme de mim com
o Rodrigo — contei tudo de uma só vez, enquanto me preparava para afogar
a vergonha na calda do waffle, mas, ao mesmo tempo, me sentindo um pouco
mais leve por confessar em voz alta algo que seria tão normal e fácil para as
outras pessoas, mas que para mim não era.
Joana deu um gargalha.
— Finalmente está rolando algo entre vocês — ela me abraçou —, estou
tão orgulhosa.
Eu resmunguei.
— Odeio essa casa... Odeio essa cidade — confessei a verdade.
— Não, você não odeia. Agora me diga uma coisa, por que não foi até o
quarto do Theo e... fez as pazes? — disse sorrindo, e consegui ver toda a
intenção por trás da frase desenhada em seus olhos.
— Uau — disse baixinho, encarando a mulher que poderia facilmente se
passar por minha irmã todos os dias de sua vida. — Está sugerindo que eu
deveria ter entrado no quarto de um homem de madrugada, arrancado a
minha roupa e tê-lo feito gemer de prazer?
— Sim! — Assentiu com veemência. — É exatamente isso. Tris, pelo
amor de Deus! Theo é lindo e apaixonado por você desde quando você usava
prendedores de cabelo coloridos e andava de bicicleta da Barbie pelo jardim.
Então, sim. Por favor, se joga na cama desse homem. Ah, só não dê netos ao
seu pai, porque de algum modo ele vai dizer que a culpa foi minha.
Então gargalhei até meus olhos lacrimejarem. Pela primeira vez, depois
de muitos anos, alguém me fez rir daquela forma.
Eu a puxei para um abraço saudoso e beijei sua bochecha.
— Muito obrigada por ter me feito rir — disse honestamente e com
carinho.
— De nada, querida — disse, desfazendo-se do abraço e voltando sua
atenção para a comida. — Só espero que tome uma atitude, ou vai acabar
perdendo o doppelganger do Henry Cavill — comentou, terminando a frase
cantarolando.
— Acho que está na hora de deixar de assistir às reprises de The
Vampire Diaries — devolvi no mesmo tom, sabendo a razão pela qual aquela
palavra fazia parte do seu vocabulário.
Joana me olhou como se tivesse sido uma blasfêmia o que falei.
— Nunca! Enquanto Damon Salvatore estiver no Prime Vídeo estarei
assistindo todos os episódios — afirmou.
Revirei os olhos, sorrindo.
— Nunca rezei tanto para a luz acabar. — Theo entrou na cozinha
resmungando, interrompendo a nossa conversa. — Bom dia — murmurou,
mal-humorado.
— Bom dia — respondi, observando ele servir o café, sem parecer ter a
intenção de sentar ao nosso lado.
— Alguém não estaria de mal humor se tivesse recebido uma visitinha
no quarto de madrugada... — Joana comentou baixinho.
Pouco depois, Ana e Arthur surgiram conversando, se juntando a nós.
— Bom dia, dorminhocos! — Minha irmã sentou à minha frente, com
Arthur ao seu lado.
Levantei o garfo cumprimentando cada um, Joana deu um beijo em Ana,
e Theo respondeu um pouco mais simpático, mas continuava mantendo uma
saudável distância de nós.
Minha irmã pegou despretensiosamente uma framboesa no meu prato.
— Pedro, Andressa, Laura e Rodrigo vão chegar daqui a pouco —
informou, antes de levá-la à boca.
Theo começou a tossir, ganhando à atenção de todos.
— Tudo bem aí, amigo? — Arthur soltou de imediato.
— Está tudo perfeito — Theo devolveu.
— Precisa de ajuda? — perguntei a Arthur e Ana, voltando ao assunto
reunião de amigos, dando as costas para o Theo.
Ana negou.
— Está tudo pronto. Sala de jogos, sauna, piscina. Só estou comentando
porque levei o seu estoque de bebidas para o minibar.
— Todas as garrafas de Tequila — Arthur emendou com humor,
piscando para mim.
Joana segurou o riso.
Semicerrei os olhos.
— Não, obrigada. Decidi que não vou mais beber. Não quero correr
mais riscos a partir de hoje — comentei, e pude quase sentir os olhos azuis de
Theo sobre mim.
Então, o som de sua xícara sendo posta sobre a bancada ao meu lado
chamou nossa atenção.
— Preciso sair. Vejo vocês mais tarde — ele informou nos dando as
costas. Acompanhei com o olhar enquanto ele se afastava, e em um momento
de completa impulsividade levantei e fui atrás.
— Theo, espera. — Assim que ouviu minha voz ecoando pelo hall ele
parou, e me aproximei com passos receosos. — Acho que precisamos
conversar.
Ele assentiu, girando o corpo e me olhando de um jeito diferente. Não
havia raiva no olhar, ele era apenas... vazio.
— Concordo — disse, sério, e por um instante pareceu mais velho do
que realmente era. — Na verdade, lhe devo um enorme pedido de desculpas
pela maneira como falei ontem à noite. Pela forma como lhe tratei. Não sei
por que tive aquela reação. Você é uma mulher adulta, livre para fazer o que
quiser, com quem quiser. Respeito a sua escolha e peço mais uma vez
desculpas. Não irá se repetir.
Dei um passo à frente.
— Theo, eu não...
Ele levantou a mão.
— Você não me deve nenhum tipo de satisfação, Tris. Ontem nós
saímos, almoçamos juntos, e foi ótimo. Eu te beijei, de novo, e pedi uma
chance. Você disse não. Caso encerrado. Fora que precisamos encarar a
realidade aqui: estamos dividindo o mesmo teto apenas por alguns dias, então
não faz a menor diferença, não é mesmo? Não é como se fôssemos fazer
parte da vida um do outro daqui uma semana, ou um mês.
Sua postura e fala demostravam tanto distanciamento, tanta indiferença,
que não lembrava em nada o homem que havia me beijado a menos de vinte e
quatro horas. Não lembrava em nada o homem que conheci a vida toda.
Mas ele estava certo.
Não faria diferença dizer que na noite anterior, ao conversar com
Rodrigo, eu estava apenas fazendo as pazes com parte do meu passado. Que
estava procurando um jeito de me sentir mais leve, um pouco menos culpada.
Não faria diferença falar em voz alta para Theo que, por alguns instantes em
que estivemos juntos, esqueci completamente que ele, mais uma vez, sairia
da minha vida dentro de poucos dias, e que assim fecharíamos o círculo de
novo, bem como deveria ser.
Assenti.
— Sobre o Rodrigo — engoli em seco —, você deveria ser a primeira
pessoa a compreender o que aquele abraço significou, e o quanto estar aqui
não é fácil para mim — comentei em baixo tom, encarando meus pés. Então
levantei a cabeça, me obrigando a esconder o quanto suas palavras haviam
me afetado. — Mas, você está certo. Essa semana não significa nada além do
que uma fuga momentânea de nossas realidades.
Theo me encarou com um olhar triste, e assentiu me dando um pequeno
sorriso.
— Tris, você não poderia ter escolhido melhores palavras — comentou
com pesar, enquanto pegava a chave do carro no bolso da calça, e
acompanhei com os olhos seus movimentos.
— Em pensar que, por um segundo, cogitei que talvez devia mesmo ter
feito o que a Joana falou — murmurei, pensando alto, enquanto Theo abria a
porta e saía da casa. E, pelo visto, da minha vida.

2 Eu tenho uma sensação, que hoje à noite vai ser uma boa, boa noite.
la não é minha. Ela não é minha. Ela não é minha.
Repetia aquelas palavras mentalmente, como se fosse o meu novo
mantra, enquanto descia os degraus da varanda. Tive uma das piores noites
da minha vida depois da discussão no estacionamento. Não era minha
intenção levantar a voz para a Beatriz, mas ela conseguiu me fazer perder a
cabeça, me desestruturar por completo. Foi como se toda a raiva que existia
em mim tivesse sido canalizada diretamente para ela. Todas as palavras que
saíram da minha boca foram ríspidas e carregadas de ironia. Eu a machuquei
porque ela havia me machucado, e no final me senti um merda, mas o estrago
estava feito.
Passei a madrugada pensando no quanto estava sendo estúpido ao
imaginar que poderia conquistá-la daquela vez. Era uma perda de tempo. A
imagem de Tris sendo abraçada por Rodrigo me fez ter o pior Flashback de
todos os tempos. Porque era um abraço íntimo, e presenciei vários como
aquele no passado, o que acabou fazendo com que sentisse que os últimos
dias que passei ao lado de Tris tivessem sido uma brincadeira fútil e sem
futuro, e não estava ali para ser usado por ninguém. Com isso, senti raiva por
ter me hospedado naquela casa e me permitido reviver algo que me fez tão
mal, e estava cansando de me sentir sobrecarregado daquele sentimento o
tempo todo.
Raiva do meu pai.
Raiva de ter visto Tris nos braços do Rodrigo.
Raiva da Tris por ter me seguido até o estacionamento.
Raiva de mim, pela dor que sei que causei.
Eu amava aquela garota, e não precisei de cinco minutos para destruir o
que havíamos conquistado nos últimos dias.
Caminhei pelo gramado, e ainda distante acionei o controle e abri a porta
do carro.
— Qual foi a merda que você fez ontem à noite? — A voz de Arthur
surgiu atrás de mim.
— Obrigado pelas palavras gentis — comentei com ironia, e nem me dei
ao trabalho de olhar para trás, porque sabia que ele viria ao meu encontro.
Arthur parou ao meu lado de braços cruzados.
— Não é difícil deduzir que fez alguma merda pela cara de choro com
que a Tris voltou para mesa ontem, e pela sua cara de culpado hoje. Além do
mais, também vi Tris e Rodrigo conversando no bar.
Fechei a porta e encostei na lateral do carro, ao seu lado, incomodado
por que sabia que falaria algo que iria doer em mim.
— Não consigo. Não posso lidar com a presença da Tris na minha vida
hoje. Eu sabia que ela poderia ser um problema no dia em que cheguei nessa
casa. Ela está perdida, não sabe o que quer, e a minha paciência não é mais
como era antes. O que eu fiz foi só mais uma prova disso — confessei sem
esconder o cansaço.
— Theo, não me venha com essa! Vocês dois estão perdidos na vida por
motivos diferentes — argumentou, e depois veio o silêncio. — Nós sabemos
os seus motivos, e os de Tris... Porra, às vezes sinto como se fosse o único
que tivesse presenciado de verdade o que aconteceu! — comentou, irritado.
— Talvez ela queira o Rodrigo, porque com ele é mais fácil.
Arthur riu.
— Você é cego?! — quis saber. Eu não respondi, então ele resmungou
alto. —
— Tris não quer o Rodrigo, nunca quis. Ela o ama tanto quanto ama a
mim ou Pedro, não como o homem dela. Não para ela — completou como se
estivesse dizendo o óbvio.
Antes que pudesse responder, o meu celular vibrou no bolso. Peguei e li
o nome que apareceu no visor, depois mostrei para Arthur, sem atender a
ligação.
— Essa é a porra da minha realidade agora. Meu pai me ligando todo
santo dia, e eu ignorando noventa e nove por cento do tempo. Eu tenho que
tomar uma decisão, para que ele marque uma reunião com o conselho da
empresa sobre o assunto. Tenho que decidir se vou jogar fora a carreira que
venho construindo sozinho, da qual me orgulho, para assumir algo que não
sei nem se desejo. E esse nem é o maior dos meus problemas hoje — disse,
sem esconder minha irritação.
Meu amigo ficou quieto, apenas me ouvindo, então continuei:
— Estou cansado, Arthur — confessei, sabendo que entenderia. — E tão
fodido que... pedi a Tris por uma chance ontem.
Arthur respirou fundo.
— Sei que está cansado, estressado. Sei que o Fernando não está
facilitando a situação com a pressão que vem fazendo, e sabe que pode contar
comigo para o que precisar. Agora, em relação a Tris. Não se esqueça de que
as segundas chances precisam de mais paciência, justamente porque existem
muitas memórias.
— Toda vez que me aproximo demais, ela se afasta — desabafei.
— Theo, essa atitude não é exclusivamente com você. Tris se afastou da
própria família. Ela nem sabia que estou namorando a irmã dela! Qual é, a
quem estamos tentando enganar? Ela não é a mesma pessoa há anos! E só o
fato de ter vindo aqui...
— Eu sei — emendei.
Tudo o que sabíamos permaneceu no ar, não dito por um instante, e fez
com que me sentisse desconfortável na minha própria pele.
— Tris não está lutando contra você, e sim contra ela mesma. ― Arthur
comentou com suavidade, quebrando o silêncio, e continuou: ― Sei que
talvez, aos seus olhos, esse não seja o melhor momento da sua vida para
reencontrá-la, mas às vezes as melhores coisas na vida surgem em meio a
algo doloroso, sofrido, caótico, e quando não conseguimos enxergar uma
saída. Porque no final, a grande verdade é que você precisa da Tris, tanto
quando ela precisa de você.
Eu me calei.
Porque Arthur estava certo, mesmo que eu não admitisse em voz alta.
— Vou visitar um terreno aqui na cidade. Sérgio me contou que meu pai
comprou a área e está planejando construir um condomínio de luxo. Não
devo demorar — comentei, mudando completamente de assunto, sem
esconder o cansaço.
Eu vinha há semanas me questionado como me sentia em assumir o
legado da minha família, e, com aquela atitude, estava dando um passo na
direção.
Arthur assentiu.
— Isso, vá esfriar a cabeça. Nos vemos mais tarde. — Ele desencostou
do carro e deu alguns passos em direção a casa, então parou e virou para
mim: — Ah, só mais uma coisa: cuidado com a Andressa. Viu o que ela
perguntou ontem. Sabemos que isso não vai acabar bem — alertou com um
leve tom de humor no final da frase.
Revirei os olhos e abri a porta do carro.
— Claro, porque sou o homem mais social do mundo, e vou permitir
uma grande aproximação — comentei com ironia, fazendo Arthur rir.
Entrei no carro com a certeza de que me ausentar por uma hora ou duas
era o melhor a fazer. Eu precisava mesmo esfriar a cabeça, porque o dia
estava só começando e, pelo que Ana comentou, seria desafiador para mim
ter como certa a presença de Tris e Rodrigo no mesmo ambiente por um dia
inteiro.
a janela da biblioteca, observei Theo sair de carro. Isso depois de
ele ter delimitado bem a nossa relação em seu discurso. O que não consegui
compreender foi por que doeu tanto em mim ouvir que não faríamos parte da
vida um do outro quando a semana chegasse ao fim. Afinal, em muitos
momentos eu fui a primeira a afastá-lo, justamente por saber que o
distanciamento entre nós era a coisa certa a fazer. Não importava quão
divertido estavam sendo aqueles dias perto de todos.
Suspirando, me joguei no sofá. Diversão. Eu nem lembrava qual tinha
sido a última vez que fiz algo que me deixou verdadeiramente feliz. Eu tinha
transformado nos últimos anos a minha vida em algo chato e monótono, e o
pior foi perceber que estava sempre sozinha. Depois quase uma hora fui
tirada dos meus pensamentos pelo barulho do motor de um carro. Levantei e
avistei Rodrigo saindo do SUV com a Laura e a Andressa. Logo depois o
carro do Pedro surgiu. Acompanhei os quatro se aproximando da casa,
Andressa ria ao lado dos meus amigos, e tentei afastar a sensação estranha
que tinha em relação à garota. Sabendo que não poderia me esconder para
sempre, fui para o quarto e troquei de roupa, colocando um biquíni por baixo
da camiseta e da calça legging preta.
Quando cheguei à área de lazer, encontrei Ana, Laura, Andressa e Pedro,
conversando nas espreguiçadeiras, e, no bar, Rodrigo pegava algumas
bebidas.
— Oi. — Apoiei os braços no balcão do bar de frente para o Rodrigo.
— Oi, linda. Tudo bem? — Ele me deu um beijo no rosto.
— Tudo ótimo — disse, forçando um sorriso, e meu olhar voltou para o
grupo, que, afastado de nós, se divertia, agora sentados na borda da piscina
com os pés na água.
— Tem certeza? — insistiu, debruçando-se sobre a bancada, se
aproximando de mim, e balancei a cabeça em afirmativo, quase como o robô
que me tornei.
Então, fui surpreendia quando Theo surgiu com Joana ao seu lado. Eles
estavam sorrindo, mas assim que Theo me viu com Rodrigo, o sorriso
desapareceu do seu rosto. Eles foram ao encontro dos nossos amigos,
ignorando Rodrigo e eu.
— Já conversou com ele sobre ontem? — Rodrigo chamou minha
atenção, e virei o corpo para poder olhar em seus olhos.
— Sim, hoje pela manhã. Nós chegamos a um ótimo acordo. Iremos
coexistir nessa casa sabendo que quando a semana acabar não continuaremos
na vida um do outro — comentei, buscando Theo com o canto dos olhos só
para encontrá-lo sentando em uma das espreguiçadeiras, com Andressa ao
seu lado.
— Se a minha opinião vale de alguma coisa, vejo que fizeram um
acordo de merda — ele comentou.
— Por que está insistindo nesse assunto? — quis saber, sem conseguir
esconder quão confusa e irritada estava.
Rodrigo pegou uma cerveja e girou a tampinha com um pequeno sorriso
no rosto, como se já não fosse lindo, sério.
— Porque vi vocês dois juntos na boate, se beijando. E você nunca foi
comigo como é com ele. Nunca me olhou como olha para o Theo — Rodrigo
comentou, e desviei o olhar, envergonhada. Ele tocou no meu queixo fazendo
com que o encarasse. — Não estou comentando para deixá-la desconfortável,
Tris. O que tivemos já acabou. Só estou te provando que eu sei que o acordo
que fizeram é um acordo de merda — disse com suavidade, olhando nos
meus olhos e com o rosto muito próximo ao meu, e não consegui responder.
— Ai, Rodrigo! Vem aqui! Você precisa ouvir essa! — Pedro gritou,
interrompendo a nossa conversa.
Sem dizer mais nada, Rodrigo beijou minha testa, pegou algumas
garrafas de cerveja e seguiu em direção ao Pedro e aos demais, me deixando
sozinha observando de longe todos interagirem. Por mais que tentasse evitar,
meus olhos procuraram pelo Theo só para encontrá-lo com Andressa tocando
seu braço.
Incomodada com a cena, fui para a cozinha. Se ficasse lá, acabaria
arrancando aquela garota de perto do Theo pelos cabelos. Era assustador
perceber que todo o meu autocontrole parecia ter sido jogado pela janela do
carro no exato instante em que passei pelos portões daquela casa. Eu não
estava mais conseguindo esconder ou fingir as emoções, que borbulhavam
dentro de mim.
— Tris! Ainda bem que chegou — Joana gritou assim que coloquei os
pés na cozinha. — Leva essa bandeja e coloque na mesa para o pessoal —
disse, já me entregando, e assim me obrigando a voltar para onde havia
acabado de sair.
Eu arrumei todos os petiscos sobre a mesa e decorei em volta com os
pequenos arranjos de flores, objetos decorativos e guardanapos. Quando
terminei, levantei o olhar só para encontrar Theo me observando, mas ele
rapidamente desviou o olhar dando atenção para Pedro, Laura e Andressa, e
sua atitude doeu. Porque me senti invisível, ignorada, sem importância.
Tentando não demonstrar, dei as costas e me afastei, dizendo a mim mesma
que o melhor era ter raiva dele, e da garota que não saía do seu lado.
— Pode me explicar por que razão Ana é amiga dessa Andressa?! —
Entrei na cozinha reclamando, sem esconder a desaprovação, fazendo Joana
me olhar parecendo confusa.
— Desculpa, mas de onde veio essa revolta toda? — quis saber, abrindo
a geladeira e pegando uma cerveja.
— Não gosto dela — retruquei, segurando a embalagem enorme de
batata frita que estava na mesa. — Andressa parece falsa com esses
sorrisinhos constantes, fica perguntando sobre nossas vidas, tocando no Theo
o tempo todo e... — resmunguei enquanto apertava o saco com as duas mãos.
— Ok — Joana me interrompeu, rindo. — Já entendi o real motivo pelo
qual não gosta da garota, não precisa transformar o salgadinho em farofa —
comentou com humor, e tirou delicadamente a embalagem das minhas mãos.
— Não — emendei apontando em sua direção. — Não ouse insinuar que
estou com ciúme — ameacei.
Joana me olhou levantando as sobrancelhas, como se fosse resposta o
bastante.
— Não tem nada a ver com ciúme, e sim com observação de
comportamento e preocupação em relação às amizades da minha irmã! —
afirmei me defendendo, então uma sombra de sorriso surgiu em seus lábios.
Revirei os olhos, jogando as mãos para o alto e resmungando, e saí da
cozinha. Ela não conseguia enxerga o meu ponto de vista. Não adiantava
ficar e insistir. Irritada, sentei em um dos sofás de vime da varanda, abracei
as pernas e apoiei o queixo nos joelhos. Meus olhos se fixaram no lindo
jardim florido do qual minha mãe tanto se orgulhava de cuidar.
— O que está acontecendo com você? — Joana parou ao meu lado,
recostando-se na parede.
Suspirei, ainda irritada.
Como poderia explicar, de um jeito que fizesse sentido, algo que nunca
contei a ninguém?
— Estou aqui faz alguns dias, e ainda não consegui decidir se foi uma
boa ideia ter vindo — admiti, sem fazer contato visual, porque sabia que
meus olhos iriam me entregar. Sabia que Joana conseguiria ver com clareza a
tristeza que havia habitada dentro de mim.
Ela se sentou ao meu lado e cruzou as pernas sobre a almofada.
— Não acha que talvez esteja na hora de parar de se insolar do mundo?
Quem sabe conversar com alguém sobre o que tanto parece te incomodar.
— Não — disse com suavidade. — Existem coisas que prefiro deixar
enterradas dentro de mim — completei, buscando o meu balanço preferido
com olhar.
— Fingir que algo não existe ou aconteceu, não resolve a questão, Tris.
Muitas vezes os fantasmas só desaparecem por completo quando os
enfrentamos — comentou com carinho e tocou na minha mão, fazendo com
que a olhasse. — Se decidir conversar com alguém, saiba que estou aqui —
completou, fazendo com que surgisse um pequeno sorriso em meus lábios.
Aquelas eram palavras de uma amiga, uma irmã mais velha que se
importava comigo, e mesmo que eu não fosse abrir a caixa de pandora que
existia escondida em mim, significou muito sentir que eu poderia ter uma
amiga.
Um ronco alto de motor chamou nossa atenção, interrompendo o nosso
momento. Segundos depois, uma moto vermelha atravessou o portão e parou
diante de nós. O homem que pilotava desligou o motor e tirou o capacete em
seguida.
— Arthur! — disse seu nome sem esconder a surpresa, levantando do
sofá.
Ele sorriu.
— Sexy para cacete isso, hein? — Joana comentou, acompanhando
meus passos em direção ao meu amigo.
E eu sorri, deixando assim para trás a conversa pesada que estamos
tendo.
u fugi.
Na primeira oportunidade que tive, saí de perto de Andressa e de suas
insistentes tentativas de se insinuar para mim a cada chance que tinha. Estava
sendo um inferno ficar ao lado dos meus amigos, tendo aquela garota por
perto. Como se já não bastasse ter que ver Rodrigo e Tris tão envolvidos em
uma conversa, que fazia parecer que os dois estavam vivendo em mundo
particular só deles. Porque, por mais que Arthur tenha me dado um puta
discurso sobre o assunto, não era uma cena agradável de assistir.
Segui pelo corredor da área de lazer que desembocava na cozinha,
imaginando que encontraria Tris, mas não havia ninguém. Continuei até o
hall de entrada e, quando olhei para o jardim, meu sangue gelou.
— Beatriz, o que você pensa que está fazendo? — esbravejei, descendo
os degraus da varanda o mais rápido que pude, seguindo em direção a Tris,
Arthur e Joana.
— Vou aprender a pilotar — comentou, animada, sentada no banco da
moto e com os pés apoiados nas pedaleiras. — Veja, é uma Ducati! — Ela
apontou para o nome escrito na lateral.
— É uma moto de mil cilindradas! — esbravejei parando próximo aos
três, não permitindo que ela continuasse a falar. — Você perdeu
completamente o juízo, Arthur?! Beatriz não pode subir nisso — disse, com
vontade de matar o meu amigo com as próprias mãos, pela primeira vez na
vida.
— Ei. Calma aí. A chave está comigo. — Arthur levantou a mão, me
mostrando a porra da chave.
— Mas ela vai acabar querendo que a ensine e, pela sua cara, vejo que
concordaria com essa loucura — rebati, e sentia como se estivesse quase
gritando.
— Pare de falar como se eu não estivesse aqui, ou fosse incapaz de
tomar as minhas próprias decisões! — Tris esbravejou e levantou do banco,
apoiando os pés na pedaleira, ficando da minha altura e me encarando. —
Qual é o seu problema? Eu quero aprender e Arthur vai me ensinar, sim! —
disse, enfurecida.
— Isso — apontei para a moto — não é brinquedo.
— Eu sei! — ela gritou.
— Você não pode! É pesada demais para você, vai acabar se
machucando — esbravejei.
— Claro que eu posso! Você mesmo me disse que sou livre para tomar
minhas próprias decisões. Livre para fazer o que eu quiser, com quem eu
quiser — ela emendou, cruzando os braços, me encarando visivelmente
magoada, enquanto usava as minhas palavras contra mim.
Arthur e Joana, ao nosso lado, permaneciam calados, e a tensão era
palpável.
— Não quando é algo que pode colocar a sua vida em risco. Arthur, me
dê a chave — exigi, ele a jogou na minha direção, e eu a peguei no ar. — Se
quiser dar uma volta de moto, eu levo você. Mas não vou deixar Arthur lhe
ensinar a pilotar uma desse porte — disse a ela, olhando em seus olhos.
— Tris... talvez seja melhor começar com uma menor — Joana
comentou, se aproximando e se posicionado entre nós dois.
— Eu posso trazer outra moto, assim nós poderemos te ensinar com
mais segurança — Arthur sugeriu, e me olhou em seguida. Eu não sabia se
ele estava buscando convencer a Tris de desistir, ou me acalmar, evitando
assim que eu a tirasse dali à força.
A mulher mais teimosa do mundo, que adorava dificultar a minha vida,
continuava sem desviar o olhar do meu. Eu sabia que ela estava enfurecida,
mas nem fodendo iria permitir que a vida da garota que amo corresse risco.
— Está bem! — ela esbravejou e, com ajuda do Arthur, desceu da moto,
e eu respirei aliviado. Então, ela levantou o dedo em minha direção. — Mas
não se atreva a dar um sorrisinho por ter conseguido o que queria. Nem
unzinho — completou parando à minha frente por um instante, então nos deu
as costas e voltou para a casa pisando forte, nos deixando para trás.
— Cara... você está ressignificando algumas palavras como possessivo,
superprotetor, ciumento, mandão... E não é no bom sentido — Arthur
comentou ao meu lado, enquanto eu observava Tris desaparecer porta a
dentro.
Eu sabia que ele estava certo, mas aquela cena me fez perder a cabeça.
Porque, por um instante, me vi atormentado com a possibilidade de perdê-la,
e não suportaria correr tamanho risco.
Era como se todo o restante da minha vida estivesse de pernas para o ar,
e a Tris fosse a minha chance de gravidade, a única coisa que pudesse me
ajudar a manter os pés no chão. Só que, infelizmente, na dinâmica que
sempre existiu entre nós, era eu que ocupava o papel de pessoa forte. Eu era o
garoto que a protegia de tudo e de todos. Que enxugava suas lágrimas, que
corria quando ouvia seus gritos e choro. Tris sempre foi a minha princesa em
apuros, e fiz questão de crescer tratando ela como tal. Por esse motivo,
muitas vezes era devastador perceber que todas aquelas lembranças pareciam
existir somente nas minhas memórias.
— Se o seu objetivo é conquistá-la — a voz da Joana me arrancou dos
pensamentos, me trazendo para o momento presente —, acho melhor
repensar a sua estratégia — disse em tom de advertência, me olhando nos
olhos.
— Eu sei. — Limpei a garganta ruidosamente, sem esconder o
desconforto. — Eu não pensei. Só enlouqueci quando vi a cena. Peço
desculpas por isso — disse com sinceridade, sabendo que Tris estava furiosa,
e que eu havia acabado de criar mais um abismo entre nós.
— Só pra deixar uma coisa bem clara aqui, Theo — Arthur cruzou os
braços —, você me conhece o bastante para saber que eu nunca faria nada
estúpido para colocá-la em risco.
— Eu sei.
— Então, por que razão decidiu fazer mais essa idiotice? Já não basta a
que fez ontem à noite? — Arthur emendou, e seu tom acusatório foi um soco
silencioso na minha cara.
— Não precisa me lembrar — resmunguei.
— Querido, ela não tem mais cinco anos — Joana comentou cruzando
os braços. — E isso aqui não é uma árvore da qual pode ficar embaixo por
horas tomando conta para Tris não cair — completou, arqueando as
sobrancelhas ao me dar aquele conselho, bronca, esporro, ou quem sabe um
pouco de cada.
— Não, Joana. É muito pior. Porque durante anos Tris contou comigo
para pegá-la. Ela queria que eu estivesse lá. E agora... nem tenho certeza se
me quer por perto — disse com pesar ao chegar àquela conclusão.
Arthur segurou forte em meu braço, me obrigando a encará-lo.
— Já te disse que não poderia estar mais errado. Então, faça o correto e
pare de ignorar a porra do elefante branco do passado que existe entre vocês
dois! Porque de todas as merdas que estão acontecendo na sua vida, essa você
pode resolver, aqui, agora. E, mais que isso, é sua chance de ter finalmente
quem sempre quis — disse, sem fazer questão de esconder a irritação.
A expressão de Joana deixava claro o seu não entendimento do que
Arthur havia dito.
— O que você quis dizer com... — Joana começou a formular uma frase,
mas antes que tivesse tempo de completar, Arthur pegou o celular no bolso.
— É melhor nós entrarmos. Ana já me ligou duas vezes, e não atendi
com todo esse drama aqui fora. — Ele colocou o aparelho de volta no bolso e
nos encarou. — Vamos, antes que tenhamos mais uma mulher da família
Schimidt gritando e dando ataque hoje. — Ele passou por nós e eu entreguei
a chave da moto.
Eu sabia o que ele tinha acabado de fazer. Mais uma vez estava
protegendo um segredo que não podia continuar enterrado, e fazendo isso por
pedido meu. Porque não cabia a ele dizer em voz alta.
unca imaginei que fosse desejar estrangular uma pessoa usando as
minhas próprias mãos, mas, naquele instante, eu odiava o Theo o bastante
para fazer isso.
Ele me tratou como se eu fosse uma criança, e por mais que estivesse
certo, não tinha o direto de me proibir de fazer algo. Eu estava fervendo de
raiva, por todos os motivos. Ele me magoou com palavras, então me pediu
desculpa e disse friamente que não existia nenhum tipo de relação entre nós
quando tentei conversar. Depois, deu atenção a sonsa da Andressa e, para
completar, me proibiu de aprender a andar de moto aos gritos!
Entrei na cozinha lutando para me calmar e não colocar o desejo de
apertar seu pescoço em prática. De longe, conseguia ouvir as vozes das
meninas, assim como as risadas de Rodrigo e Pedro. Abri a geladeira, peguei
uma cerveja, encostei na bancada e tomei um grande gole do líquido gelado,
de olhos fechados. Eu tinha imaginado algo diferente para aquela semana.
Algo um pouco mais tranquilo, menos desafiador.
Ouvi os passos de alguém se aproximando.
— Oi! — A voz da insuportável da Andressa me obrigou a abrir os
olhos.
— Oi — respondi, olhando para a garrafa em minha mão.
— Você viu o Theo? — perguntou se debruçando na bancada, e faltou
pouco para que seus seios pulassem do minúsculo biquíni que usava. Na parte
de baixo, o short curto não melhorava a situação.
A garota tinha perdido totalmente a noção do perigo falando comigo
justamente quando eu estava a ponto de explodir.
Eu olhei para ela de cima a baixo.
— Você não está com frio não? — perguntei com ironia.
— Nem um pouco. Só quero saber se viu o Theo — disse, me encarando
de jeito provocativo, como se eu precisasse de mais alguma coisa para me
irritar.
— Olha só — coloquei a garrafa sobre a bancada, e a encarei —, ainda
não percebeu que o Theo não quer nada com você?
Andressa arqueou as sobrancelhas e sorriu.
— Ele não quer? Tem certeza?
— Tenho. Fica longe dele — ameacei.
— Qual é o seu problema, Beatriz? — Ela cruzou os braços, como se
fosse a própria dona do mundo. — Desde que chegou parece que a cada dia
quer um diferente, escolhe de uma vez! Volta para o Rodrigo ou pega logo o
Pedro, e deixa o Theo para mim. Porque sei muito bem fazer ele me querer.
— Seu tom era carregado de malícia, e então ela abriu um sorrisinho irônico.
— Saia da minha casa agora! — gritei apontando para a porta, e ela riu.
Todos apareceram quase que ao mesmo tempo. Pedro, Rodrigo, Laura e
Ana vieram da área de lazer. Pouco depois, Theo, Arthur e Joana surgiram do
hall de entrada. Eles pareciam não compreender o que estava havendo, mas
ninguém disse uma palavra.
— Você não pode fazer isso. — Ela sorriu, me encarando.
— Tanto posso que estou fazendo — emendei, dando dois passos e me
colocando ainda mais próxima dela.
— Tris, o que está acontecendo aqui? — Ana veio para o meu lado.
— Não acredito que essa garota seja uma boa companhia pra você —
comentei, encarando Andressa.
Andressa deu outra gargalhada.
— Ahh, eu não sou “boa companhia” para a sua irmã porque quero o
Theo? Engraçado isso porque quem anda agindo como uma piranha nos
últimos dias é você, queridinha.
Sem pensar fui para cima da Andressa levantando a mão, e ela veio ao
meu encontro, e tudo aconteceu muito rápido.
Pedro segurou Andressa.
Arthur se colocou à frente de Ana.
Theo me segurou pela cintura e girou, me obrigando a ficar de frente
para ele e de costas para Andressa.
Levantei a cabeça aos poucos, e meus olhos correram por seu peito,
pescoço, boca até que me deparei com um par de olhos azuis semicerrados.
Rapidamente ele passou a mão pelo meu corpo e me colocou em seu ombro.
Pega de surpresa, gritei.
— Theo, me solta! Me coloca no chão agora! — eu gritava e esperneava
enquanto ele me tirava da cozinha, sob o olhar de todos.
— Não! — esbravejou e continuou andando pela casa comigo de cabeça
para baixo, e agindo como se o meu peso não fosse nada.
— Me solta, Theo, estou falando sério! — gritei de novo, e dei um soco
inútil em suas costas, quando ele começou a subir os degraus da escada.
— Já disse que não! — repetiu, enquanto segurava as minhas pernas
com firmeza, impedindo que continuasse me debatendo.
Dei um tapa em sua bunda.
Ele fez o mesmo comigo em resposta.
De repente nós paramos, ele abriu uma porta e em seguida fui
arremessada sobre uma cama.
— Agora pode me dizer que porra foi aquela na cozinha?! —
esbravejou, batendo a porta com força.
— Aquela garota é uma ridícula e estava falando o que não devia, o que
não sabe! — respondi aos gritos, ajoelhada na cama... dele. Em um dos
quartos de hóspedes que já estava sendo dominado pelo cheio do seu
perfume.
— E você ia avançar nela por isso?!
— Sim! Você não sabe quem ela é!
— Sei exatamente quem ela é, e o que estava tentando fazer! Você acha
que sou idiota? — emendou gritando, gesticulado à minha frente.
— Ela passou a maior parte do tempo se jogando em cima de você! —
comentei aos gritos, ao ficar de pé na cama, ciente de que a casa inteira
possivelmente estava conseguindo ouvir nossa discussão. Mas, não me
importava porque eu estava cansada de viver escondendo tudo.
— Eu sei! Eu estava lá! E daí? — Theo gritou de volta.
— E daí que ela é uma oferecida! — gritei, irritada, e bati o pé no
colchão.
Eu estava com tanta raiva que havia me tornado o tipo de garota que
batia com o pé quando está brava e fazia cena de ciúme. Eu não estava mais
me reconhecendo. Quem era aquela nova Beatriz Schimidt? Porque
definitivamente não era eu.
— Já disse que estava lá, Beatriz, eu sei disso!
— Você estava gostando?! É isso o que está me dizendo? — falei alto.
Theo cruzou os braços e ficou me olhando. — Por que você está me olhando
desse jeito?! — emendei no mesmo tom.
— Que jeito? — quis saber, mais calmo.
— Como se eu fosse uma bomba relógio a ponto de explodir na sua
frente! — gritei para ele, gesticulando com os braços.
— Porque é exatamente isso que está parecendo. Se eu estivesse
interessado na Andressa estaria com ela, e não aqui com você. Não existe
motivo para essa cena de ciúme — respondeu em um tom mais próximo ao
seu normal.
— Não estou com ciúme! Não tenho ciúme de você! — afirmei aos
gritos, completamente irritada, mas nem eu conseguia acreditar naquelas
palavras.
— Ah, não? Então me diz o porquê disso tudo? — ele emendou, olhando
diretamente em meus olhos, e não consegui responder.
Porque eu estava mentindo, e muito mal. Tentando enganar mais a mim
mesma do que ao Theo, porque me sentia fervilhando por dentro de ciúme.
Tinha sentido ciúmes de todas as mulheres que demostraram qualquer tipo de
interesse nele desde o primeiro dia que o reencontrei. Só não queria que ele
soubesse.
— Quer saber, Theo, sai daqui. — Dei as costas, ainda de pé sobre a
cama.
O silêncio prevaleceu, e esperei ouvir a porta bater me indicando que
estava só.
— Beatriz, você vai me deixar maluco... — Sua voz surgiu quase em um
sussurro. — Pelo amor de Deus, decide o que quer. Digo que te quero, você
me rejeita. Outra mulher demonstra interesse e você faz isso. Porra, minha
vida já está fodida o bastante para ter você me enlouquecendo — confessou
baixinho, e girei o corpo a tempo de vê-lo passando a mão pelos cabelos com
os olhos fechados.
— Não, Theo. É a sua presença nessa casa que vai deixar maluca —
confessei, irritada, ao perceber como me sentia perto dele.
Pisando forte, desci da cama, parando à sua frente apenas para empurrá-
lo para fora do meu caminho, mas Theo agiu rápido e, sem que percebesse
como, eu estava em seus braços e sua boca devorava a minha, e eu
correspondi. Ele me ergueu pelo quadril e me imprensou contra a parede,
minhas pernas envolveram sua cintura, e em segundos eu estava sendo
esmagada no melhor sentido possível por aquele homem. Theo me beijava
com tanta intensidade que eu não conseguia respirar. Era como se aquele
fosse o nosso primeiro, ou quem sabe o último beijo, sempre tomando um
pouco de mim para si. Seus dedos apertavam meu quadril a cada investida da
sua língua em minha boca, e eu o trazia mais para perto, puxando seu cabelo,
como se não estivéssemos próximos o bastante. Eu estava completamente
sem ar quando seus lábios se afastaram dos meus, apenas o suficiente para
que tocassem meu pescoço, fazendo o meu coração disparar um pouco mais.
— Pare de tentar lutar contra nós — sussurrou, ofegante, e beijou em
uma lenta tortura meu pescoço, enquanto tirava minhas pernas com cuidado
de sua cintura até que meus pés tocaram de volta ao chão. — E decide de
uma vez o que quer — pediu baixinho no meu ouvido, e antes de se afastar
me beijou de novo, com suavidade.
Meus lábios estavam formigando, e eu, tendo dificuldade de me manter
de pé sozinha e de respirar ao mesmo tempo, que dirá compreender o que
havia acabado de acontecer.
— Está tudo bem aqui? — A voz da minha mãe surgiu na porta do
quarto.
Theo se afastou.
— Está tudo bem sim, Marina — respondeu por nós, sem tirar os olhos
de mim antes de sair do quarto, me deixando para trás.
E pela primeira vez tive vontade de dizer a verdade à minha mãe. Que
não, nada estava bem. Que eu estava confusa, com medo. Que não conseguia
lidar com a certeza que havia surgido dentro de mim. Não estava
conseguindo lidar com o fato de assumir para mim mesma que eu amava o
Theo.
— Filha, o que aconteceu aqui? — quis saber, assim que Theo fechou a
porta.
Sentei na cama sem saber por onde começar. Porque o que aconteceu foi
que minha vida virou de cabeça para baixo desde que pisei naquela casa. O
que aconteceu foi que todos os muros que construí estavam caindo pouco a
pouco. Tijolo a tijolo.
— Não sei, mãe — disse baixinho, apoiando os cotovelos no joelho e
escondendo o meu rosto com as mãos.
— Beatriz, eu nunca vi você brigar ou gritar dessa maneira com alguém!
— me reprendeu, e se calou por um instante. — O motivo da briga foi mesmo
o Theo? — quis saber, sem esconder a desaprovação. Sem dúvida a Ana
contou tudo.
Assenti.
— Olha, eu não sei o que está acontecendo entre vocês dois, mas hoje
tudo pareceu fora de controle. Ele carregando você no ombro pela casa
porque estava brigando com Andressa, depois a discussão que nós ouvimos
de longe, e quando entro no quarto vejo vocês se beijando.
— Mãe...
— Não! Vocês não estão agindo de maneira normal. Se não quiser me
contar o que está havendo com você vou respeitar, mas a última coisa que o
Theo precisa é desse tipo de descontrole da sua parte — afirmou, brava,
parecendo falar por impulso, e eu fiquei sem compreender.
— Mãe, o que quer dizer com isso?
Ela respirou fundo, inquieta à minha frente, e rapidamente percebi uma
leve mudança em sua expressão.
— Theo precisa de uma amiga, precisa de você — afirmou, e então se
calou. — Estou ultrapassando uma linha que havia sido delimitada ao dizer
isso, mas precisava perguntar ao Theo sobre Patrícia — comentou em tom de
voz mais suave, e eu não gostei da sensação estranha que tive.
— O que está acontecendo, mãe? — quis saber, sem esconder a
preocupação. Porque senti que poderia ser algo ruim.
— O que está acontecendo é que às vezes precisamos deixar o nosso
mundo de lado por um tempo, e abraçar com força o de outro alguém —
disse baixinho, tocando meu rosto com carinho, e colocou alguns fios de
cabelo atrás da minha orelha. — Agora vá e procure o Theo.
Sem perguntar mais nada, levantei e saí do quarto correndo. Passei pela
Joana no corredor, que me disse algo que não compreendi e segui para a
cozinha apenas para encontrá-la vazia. Fui apressada até a piscina, mas Theo
também não estava lá. Depois de alguns minutos procurando
desesperadamente pela casa, corri para o jardim e caminhei em várias
direções sem saber o que pensar, até encontrá-lo sentando na grama ao lado
do meu balanço. Suas pernas estavam dobradas e os braços apoiados sobre
elas. Com uma garrafa de cerveja na mão, ele observava as montanhas verdes
à frente.
uvi passos se aproximando, mas não virei para ver quem era. Não
me importava. Eu queria ficar sozinho. Precisava me acalmar para lidar com
o que estava acontecendo na minha vida, ou iria enlouquecer no processo.
De cabeça baixa, continuei brincando com a garrafa em minha mão.
— O que está acontecendo com a Patrícia? — A voz da Tris surgiu
suave, e logo pude ver seus pés surgirem ao meu lado.
Sem conseguir levantar o olhar, passei a língua nos lábios, como uma
preparação para as palavras que precisaria pronunciar em voz alta, e respirei
fundo.
— Ela está doente. Tumor no cérebro e... o prognóstico não é dos
melhores — disse baixinho, soltando todo o ar dos meus pulmões, e me calei.
Deixei que o silêncio completasse que aquilo significava que existia uma
grande chance da minha mãe não sobreviver.
— Ai, meu Deus, Theo. — Seu sussurro foi carregado de surpresa,
tristeza e dor.
Meu olhar se prendeu nas montanhas à frente, na calma do verde
constante, me recursando a encará-la por medo de encontrar o pesar pela
notícia em seu olhar. Eu não suportaria recebê-lo de Tris, porque nunca fui de
me vitimizar na vida. Eu era o oposto, àquele que lutava, que segurava o meu
mundo e o das outras pessoas. Eu era aquele que fazia os problemas
desaparecer, e não o que os criava.
— Theo — ela sussurrou e se abaixou à minha frente, apoiando as mãos
nas minhas pernas —, por que não me contou? — quis saber, tentando fazer
com que olhasse em seus olhos.
E, quando finalmente fiz, os encontrei cheios de lágrimas, e aquilo
acabou comigo.
Como. Toda. Maldita. Vez.
— Minha mãe pediu segredo total. Não tive como negar — confessei
com tristeza.
Também não podia negar que me sentia um pouco mais aliviado por
finalmente alguém ter pensado em mim, no meio de tudo o que estava
acontecendo. Porque, independentemente das brigas ou de qualquer situação
de gato e rato que estivesse acontecendo entre nós, ela era minha amiga.
Sempre foi e muitas vezes é só disso que precisamos.
— Como ficou sabendo? — quis saber, soltando todo o ar dos pulmões
na esperança de colocar parte da pressão, da raiva e da angústia que estava
sentindo, para fora do meu peito.
— Minha mãe disse que eu deveria te perguntar. — Tris sentou ao meu
lado. — Só queria entender por que você não me contou algo tão... — Ela
deixou a frase em aberto enquanto passava a mão nos meus cabelos, como se
seu toque tivesse o poder de fazer tudo ficar um pouco melhor.
— Tris, nós não nos víamos há anos. Como eu poderia chegar para você
e perguntar; e aí como vai a vida? Ah, esqueci de comentar, minha mãe está
com um tumor no cérebro e, devido à localização, os médicos não estão
aconselhando cirurgia, e disseram que mesmo fazendo químio e radioterapia,
ela não deve ter mais que um ano e pouco de vida — despejei tudo olhando
em seus olhos, sabendo que ela estava a ponto de chorar.
— Theo. Eu... eu sinto muito. Sinto muito — murmurou, chorosa,
deixando uma lágrima cair.
Larguei a garrafa no chão, no mesmo instante, e a coloquei em meu
colo. Tris passou os braços pelo meu pescoço e escondeu o rosto, se
permitindo chorar por alguns minutos, dividindo a dor que eu estava
sentindo. Chorando parte do que não me permitia chorar na frente de
ninguém, deixei, porque foi a primeira vez desde que soube do diagnóstico
que me permiti sentir a dor, o pesar do que a doença significava.
— O que posso fazer por vocês? — Sua voz saiu abafada de encontro ao
meu corpo.
O seu carinho e o apoio era tudo que eu desesperadamente precisava e
nem havia percebido. Só de estar ali, em meus braços, Tris já estava me
dando força para continuar a lutar, mesmo sem saber se faria diferença no
final.
— Vocês já estão fazendo. Seus pais são amigos incríveis, sabia? —
comentei, e ela levantou a cabeça olhando nos meus olhos. — Quando fiquei
sabendo da doença — continuei —, eu quis que a minha mãe ficasse comigo
em Londres, que fizesse o tratamento lá. Mas, ela preferiu voltar para o Brasil
e fazer o tratamento aqui, tendo os amigos por perto — expliquei, enquanto
enxugava, com o polegar, as lágrimas que continuavam a cair pelo seu rosto.
— Vou ficar ao lado de vocês para o que precisarem — disse, cheia de
segurança, enquanto assentia afirmativamente.
Beijei sua testa.
Porque em pouco minutos vi diante de mim a Tris com quem cresci,
com quem convivi boa parte da minha vida, vi a minha amiga. Uma mulher
que, além de briguenta, atrevida, e de temperando forte, era também doce,
decidida, amorosa e empática.
— Minha mãe foi enfática ao dizer que eu não poderia contar nada para
você. Insistindo que essa semana era para ser uma grande diversão, e que não
queria ver lágrimas ou tristeza — comentei, apoiando a minha testa na sua.
Tris se afastou de mim, o suficiente para olhar em meus olhos.
— Era sobre isso que estavam conversando na varanda no outro dia? —
quis saber, desconfiada.
Assenti.
Porque não esconderia mais nada. Se aquela era nossa primeira
oportunidade de uma conversa sincera, não iria desperdiçá-la.
— E o seu pai? — continuou questionando.
— Ele sabe — emendei, e Tris ficou me olhando. — Você quer mesmo
ouvir tudo o que aconteceu?
Ela assentiu, e se acomodou melhor no meu colo.
— Minha mãe descobriu a doença há cinco meses, mas só contou para a
Marina e para o Sérgio. Ela levou dois meses para me contar. Caramba, Tris,
meu mundo caiu. Meus pais haviam se separado havia um ano, e a minha
mãe mal estava se reconstruindo do impacto do divórcio quando soubemos da
doença. Eu fiquei revoltado. Primeiro com Deus, por permitir que ela ficasse
doente, e depois com o meu pai por ter sido um marido de merda no final.
Então, fiquei revoltado com a minha mãe, por ter demorado meses para me
contar — contei com tristeza, enquanto Tris apertava a minha mão com mais
força.
— Ela não sabia como — ela disse, como se estivesse me mostrando o
absurdo que eu tinha acabado de falar. Aquilo, de alguma forma, me fez dar
um pequeno sorriso.
— Eu sei — disse, e beijei sua testa, de novo. — Depois, liguei para o
meu pai e despejei o que estava acontecendo com a minha mãe, sem prepará-
lo antes. Como se ele fosse o grande e único culpado de tudo. Quando meu
pai se recuperou do susto, me disse que faríamos absolutamente tudo por ela.
Disse que minha mãe teria os melhores médicos, tratamentos, que
buscaríamos o melhor cirurgião do mundo se preciso fosse, e que ela ficaria
curada. A melhor assistência do mundo nós iriamos prover. — O tom da
minha voz foi diminuído a cada frase pronunciada.
Tris apoiou a cabeça em meu ombro e entrelaçou nossos dedos. Ficamos
em silêncio por um instante.
— Pelo visto é isso que se ganha depois de ser traída: um câncer e um
ex-marido rico com peso na consciência querendo comprar seu perdão. Como
se a minha mãe já não tivesse dinheiro suficiente — completei com ironia e
tristeza, pensando alto.
— Theo, não diga isso. — Ela levantou a cabeça para olhar em meus
olhos. — Não julgue o Fernando desse jeito. Eles se amaram no passado, e
não é por que a relação acabou de um jeito ruim que ele não iria se preocupar
com a vida da Patrícia. Seu pai nunca se sentiria feliz ao ver sua mãe sofrer
— comentou com delicadeza, tocando em meu peito.
— Honestamente, não me importo com ele. Só com a minha mãe —
respondi olhando em seus olhos, e Tris assentiu.
Sabia que ela não estava defendendo o que meu pai fez, mas não era o
momento de tentar me fazer vê-lo de outra maneira, a não ser como o canalha
que estava comendo uma das executivas da empresa e traindo a minha mãe.
— O que vai fazer? — ela quis saber, e contei a verdade.
Que deixaria a minha vida atual para trás e voltaria para o Brasil para
cuidar da minha mãe, e aos poucos me preparar para assumir a presidência da
empresa da minha família, porque não seria algo que aconteceria do dia para
a noite.
Segurei seu rosto com as duas mãos, fazendo com que me olhasse.
— Tris, mas se em algum momento eu tiver que escolher entre assumir a
empresa, ou encontrar uma forma de salvar a minha mãe. Bom... digamos
que, foda-se o legado da família — confessei, e ela assentiu.
— Entendo, mas sei que vai conseguir. Ainda mais tendo o apoio total
do Fernando — disse, confiante, colocando a mão sobre a minha.
Fechei os olhos e respirei fundo, lutando para não explodir e acabar
sendo um babaca com ela, porque Tris não sabia de toda a história.
— Fui eu que flagrei o meu pai transando com uma das executivas da
empresa na sala dele — contei, o que, até aquele momento, só meu pai e eu
sabíamos.
Tris fechou os olhos na mesma hora, percebendo que talvez fosse levar
muito tempo até surgir alguma chance de haver um bom entendimento entre
meu pai e eu.
— Ele não importa agora, só a Patrícia — repetiu a minha frase, e eu
sorri.
— Eu quero tanto conseguir curá-la, Tris. Quero tanto conseguir
enxergar uma luz no fim desse túnel — confessei baixinho, sem esconder
toda a minha tristeza.
Tris envolveu os braços no meu pescoço e escondeu o rosto em meu
corpo. Eu a acomodei no meu colo e a abracei forte, recebendo parte da sua
força junto com carinho.
Meu coração ainda estava apertado, mas ao dividir a história, contar tudo
para Beatriz, fez com que eu me sentisse um pouco mais leve, e me fez
acreditar que as coisas poderiam ficar um pouco mais fáceis para mim.
Minha mãe estava morrendo, aquilo era um fato. E me destruía por
dentro saber que eu ainda não tinha conseguido encontrar uma forma de
salvá-la.
Não falamos mais nada por muito tempo, e quando Tris levantou a
cabeça e me olhou com tristeza, enxuguei suas lágrimas e ficamos
observando o entardecer juntos.
Eu não a tirei do meu colo, e nem ela tentou se afastar de mim. Tris
reagiu como se aquele lugar pertencesse a ela.
O vento fazia com que o balanço ao nosso lado se movesse para frente e
para trás, repetidas vezes, dando uma sensação agridoce ao momento que
estava vivendo, mas ao mesmo tempo a certeza de que aquele era exatamente
o lugar em que eu deveria estar.
irei de lado na cama pela centésima vez, sem conseguir dormir.
Com tantos acontecimentos, a minha cabeça parecia não desacelerar. Em
menos de uma semana, fui bombardeada por todos os tipos de informações,
tanto da minha família quantos dos amigos, e me sentia emocionalmente
exausta. A notícia da doença da Patrícia tinha caído sobre mim como a maior
delas, e havia me devastado. Repassei os momentos que conversamos e toda
a história de vida que compartilhamos até ali. Ela é amiga da minha mãe
desde que nasci, e eu a amo. Por mais que desejasse conversar e dar todo o
meu apoio, ainda não me sentia forte o bastante para não desabar em lágrimas
à sua frente, e Patrícia precisava do meu apoio, e não de ser a pessoa a
confortar.
Deus, o que eu tinha feito da minha vida ao me afastar de todos que
amava? Ao vendar meus olhos para tudo, passei a não saber de coisas
simples; como que minha irmã estava namorando um dos meus melhores
amigos. Nem tinha percebido o quanto minha mãe estava abatida com a
doença da melhor amiga, e que meu pai estava trabalhando mais tempo de
casa para apoiá-la. Deus, como eu não havia reparado que, mesmo com toda
sua energia, vovô estava mais envelhecido, e como havia magoado Rodrigo
ao sumir sem dar nenhuma explicação. E para completar tudo, doeu ouvir
Theo contar sobre a doença da mãe com lágrimas nos olhos, sabendo que não
estive ao seu lado quando recebeu a notícia.
Verifiquei a hora no celular. Passava da meia-noite. Sabendo que dormir
não seria uma possibilidade, levantei. Eu precisava espairecer de alguma
forma. Suspirei pegando o biquíni, me troquei, vesti o roupão por cima,
agarrei uma toalha limpa e saí do quarto.
Sem fazer barulho, atravessei a casa com o destino definido em mente.
Apertei o interruptor e alguns spots em volta da piscina se acenderam, sorri.
Sempre achei linda a piscina iluminada daquela forma, com apenas algumas
luzes direcionadas para água. Eu tinha visto aquilo em uma foto, numa das
muitas revistas de decoração da minha mãe, e mostrei ao meu pai. Eu tinha
uns 16 anos na época, e disse que deveríamos ter uma piscina chique e sexy.
Sorri com as minhas lembranças ao deixar a toalha na espreguiçadeira e
desamarrar o roupão, imersa em um silêncio que não lembrava em nada com
o dia intenso que tivemos.
— Tris — uma voz murmurou.
Virei na direção.
— Meu Deus, que susto, Theo! — comentei, levando a mão ao peito,
sentindo que estava disparado.
— Desculpa — disse baixinho, se aproximando lentamente. — Entrei na
cozinha e vi quando a luz acendeu — explicou, parado a pouco mais de um
metro de mim.
— Não consigo dormir — confessei, apertando os ombros tensos e
doloridos.
— Nem eu — comentou baixinho, enquanto seus olhos percorriam
suavemente meu corpo, e depois o silêncio veio. — Posso me juntar a você?
— Apontou para a piscina.
Olhei para a água, depois para Theo, e assenti.
— Claro.
Dei as costas e, apressada, segui para a escada da piscina, porque
imaginei que vê-lo tirar a roupa seria distração demais para mim, e já bastava
saber que estávamos sozinhos e que provavelmente ninguém apareceria
àquela hora. Desci os degraus com cuidado e mergulhei. Quando voltei à
superfície e abri os olhos, ele estava à minha frente. Lindo, com o peito à
mostra e os cabelos molhados e bagunçados, como se tivesse acabado de
passar a mão nos fios. Eu movimentava as pernas lentamente para me manter
flutuando, já que meus pés não alcançavam o fundo.
Theo me segurou pela cintura e me aproximou de seu corpo e, em
seguida, nos afastou suavemente, como se estivéssemos numa pequena
dança, sem música, só nossa. Com um leve sorriso no rosto, abri os braços
sobre a água e inclinei o corpo para trás, e, parecendo ler meus pensamentos,
Theo apoiou as duas mãos nas minhas costas para sustentar o meu corpo, me
deixando na horizontal sobre a água. Fechei os olhos e ficamos assim. Eu só
ouvia o som da minha respiração e do meu coração, que batia mais forte a
cada minuto. Senti o corpo de Theo se aproximar de mim quando,
delicadamente, me colocou na vertical de novo e me abraçou pela cintura.
— Não tinha ideia do quanto sentia a sua falta até te reencontrar — ele
sussurrou.
— Theo, eu... — A frase morreu em aberto, enquanto meus dedos
faziam uma trilha nos relevos dos músculos de seu peito, até chegar em seu
braço.
Havia tanta coisa que gostaria de dizer a ele. Tantas confissões a serem
feitas. E meu coração parecia saber porque lutava tentando sair do peito,
enquanto o meu corpo inteiro denunciava o quanto me sentia atraída por ele.
Era uma batalha inútil àquela altura tentar esconder, tentar enganar a nós
dois. Theo me puxou até meus seios colarem em seu peito, e seus lábios
percorreram o meu pescoço, quase queimando a minha pele.
— Por favor, não minta. Não minta dizendo que não sente a minha —
sussurrou em meu ouvido, me provocando, me seduzindo ainda mais.
— Não vou mentir. É claro que sinto sua falta — confessei baixinho,
fechando os olhos e com a respiração pesada enquanto inclinava levemente a
cabeça para trás, porque precisava de um segundo, um segundo longe de seu
feitiço para não perder completamente o controle sobre mim mesma. Mas,
com isso, meu pescoço e seios ficaram expostos, e quando olhei para Theo
novamente ele estava observando cada parte do meu corpo, como se eu fosse
tudo que mais desejava, e o sentimento era mútuo, mesmo que eu lutasse para
esconder, para negar, e vinha fazendo daquilo um trabalho de tempo integral.
Ele envolveu o meu corpo com um dos braços, me segurando tão forte,
que seus dedos pareciam tatuagem em minha pele. Enquanto a outra tocava
meu pescoço, sua boca passou a se aproximar da minha sem pressa, como se
estivesse aguardando qual seria a minha reação daquela vez, e foi quando
surpreendi a nós dois tomando a iniciava e o beijando vagarosamente,
acariciando sua língua, saboreando seu gosto, até que em poucos segundos
ele tomou o controle do beijo de um jeito delicioso, possessivo, e me vi mais
uma vez completamente entregue a nós.
Sem deixar de me beijar, ele caminhou comigo abraçada ao seu corpo,
como se eu fosse um coala, até chegarmos à borda da piscina. Então, fui
imprensada contra a parede de azulejos, que era exatamente onde eu tanto
desejava estar, em seus braços, sentindo suas mãos e boca pelo meu corpo.
Tudo o que vinha lutando para afastar e do que desesperadamente precisava.
Ele mordeu meu lábio inferior enquanto seus dedos desfaziam o laço do
biquíni em meu pescoço, e pouco depois a peça flutuava sobre a água. Ele
beijava o meu colo, meus seios, seguindo em uma lenta tortura descendo em
direção ao abdômen, enquanto me suspendia pouco a pouco, me tirando da
água para que pudesse continuar trilhando o caminho com seus beijos. E,
com cada um, ele parecia despertar, acender e incendiar um novo centímetro
do meu corpo. Era como se Theo o conhecesse melhor do que eu mesma, e
estivesse disposto a me provar o quanto realmente éramos perfeitos juntos.
— Tris... se quiser que eu pare precisa me dizer — disse baixinho, os
lábios próximos aos meus enquanto sua mão segurava minha nuca e seus
dedos se entrelaçavam nos fios do meu cabelo, como se ele estivesse lutando
para se controlar.
— Não quero que pare. — E como resposta cruzei os calcanhares em
torno de sua cintura, com mais força para não o deixar se afastar de mim.
Meus braços se fecharam de novo com o mesmo nível de posse em seu
pescoço e o sorriso que surgiu em seus lábios só foi mais uma prova do
quanto tudo era certo.
— Quero tanto você — sussurrou em meu ouvido, enquanto sua mão
subiu pela minha perna até o quadril, desfazendo o laço da parte de baixo do
meu biquíni, sem deixar de me beijar. Primeiro um lado, depois o outro. O
calor do seu corpo junto ao meu e a água morna da piscina me faziam suar.
Theo segurou meus cabelos me fazendo levantar a cabeça, e mordeu
levemente meu lábio inferior antes de tomar a minha boca possessivamente.
E, naquele momento, soube que nada mais me faria voltar atrás, não havia
motivos.
Eu era dele, tanto quanto ele era meu.
A língua de Theo invadia a minha boca com fervor, ao mesmo tempo,
meus dedos desapareciam entre seus cabelos. Meu coração batia em completo
descompasso, e meu corpo ansiava por mais.
Mais de seus toques. Mais de seu corpo. Mais de nós dois.
― Temos que sair daqui... ― ele disse, próximo aos meus lábios.
Afastei o corpo, confusa e ofegante, olhando em seus olhos. ― Quero você
na cama, onde possa beijar cada parte do seu corpo ― explicou em tom tão
seguro, tão sexy, que a única coisa que consegui fazer foi assentir.
Theo mordeu levemente o meu lábio inferior, antes da sua língua invadir
a minha boca de novo, e não demorou para que os meus gemidos surgissem.
Ele xingou baixinho e se afastou.
― Vamos ― disse, e começou a caminhar em direção à escada, comigo
grudada em seu peito.
— Theo, eu estou nua — comentei o óbvio, baixinho e escondendo o
meu rosto em seu pescoço.
Seus braços me apertaram ainda mais.
― Acredite, estou muito ciente disso ― sussurrou, e o meu corpo
arrepiou em resposta.
Theo saiu da piscina em toda a sua glória e perfeição, pegou a minha
toalha e envolveu na cintura, agarrou o meu roupão, voltou e parou perto da
escada, aguardando que eu saísse. Assim que parei ao seu lado, meu corpo
estremeceu, reagindo à diferença de temperatura.
— Aqui. — Ele me vestiu com o roupão, e me puxou para junto de si. —
Vamos.
Abraçados e com passadas cuidadosas, seguimos pela casa no escuro,
evitando ao máximo que fôssemos ouvidos. Quando finalmente chegamos ao
meu quarto, todo o cuidado que estávamos tendo foi esquecido. Theo me
puxou e esmagou sua boca de encontro a minha, sem ao menos se preocupar
em acender a luz. Sua língua invadiu a minha boca possessivamente, e um
gemido abafado surgiu em minha garganta enquanto eu envolvia os braços
em seu pescoço, o trazendo para mais perto de mim. Era como se
estivéssemos desesperados um pelo o outro, buscando, naqueles poucos
segundos, dissipar parte da tensão sexual que vinha crescendo entre nós. Ouvi
quando ele trancou a porta, mas o meu foco continuava no seu beijo
possessivo. Theo me abraçou forte, juntando seu corpo ao meu por completo,
enquanto me fazia caminhar de costas, nos levando para cama.
Quando senti a proximidade do colchão em minhas pernas, já estava
completamente sem ar. Theo roçou seus lábios nos meus com um pequeno
sorriso sensual e extremamente convencido, enquanto desfazia o nó que
mantinha o meu roupão fechado, e logo a peça felpuda foi ao chão, e, mais
uma vez, fiquei completamente nua na sua frente.
O abajur ao lado da cama era o único ponto de luz no quarto, mas era
mais que o suficiente para que pudéssemos nos observar. Ofegante, molhei os
lábios sentindo que estavam levemente inchados. Os olhos do Theo estavam
presos aos meus, seu cabelo úmido e extremamente bagunçado, por minha
culpa, e ele exalava um grau de sensualidade que eu nunca tinha visto antes.
A minha respiração ficava cada vez mais pesada, e o coração batendo tão
acelerado, que era como se estivesse correndo a maratona da minha vida.
Aquela que há anos desejava completar. Theo tocou o meu rosto com
delicadeza e seu beijo seguiu o mesmo o ritmo. Enquanto ele explorava a
minha boca sem pressa, minhas mãos faziam o mesmo com seu corpo, meus
dedos percorriam as cegas seu peito, os músculos do abdômen até que eu
encontrasse a boxer preta e começasse a tira-la do seu corpo. Ele me ajudou
com o trabalho, sem deixar de me beijar, e não demorei para sentir a maciez
do lençol em minhas costas.
Eu sentia o ar carregado de excitação e desejo que havia entre nós. Eu
não conseguia pensar em mais nada que não fosse Theo, e em como o meu
corpo parecia gritar pelo dele.
Ele se afastou de mim, ajoelhando-se na cama, e completamente
ofegante o vi me devorando com os olhos. Até que sua mão tocou o meu
rosto, e com suavidade contornou meus lábios, queixo, pescoço, descendo
para os seios, os contornando preguiçosamente. Era uma lenta e deliciosa
tortura.
— Tem ideia do quanto é linda? — disse baixinho e mordeu o lóbulo da
minha orelha, deitando sobre mim, mas apoiando o peso do corpo no braço.
Tomada pela necessidade de tê-lo, o puxei para beijá-lo. Theo aceitou de bom
grado os meus lábios, mas o beijo durou bem menos do que eu desejava. Ele
segurou as minhas mãos com delicadeza e tirou de seu rosto, e com a uma
sombra de um sorriso cheio de promessas não verbalizadas, seus lábios
percorreram o meu pescoço, enquanto ele juntava as minhas mãos a cima da
minha cabeça. ― Agora você vai ficar quietinha, porque eu quero te mostrar
quão linda você é... ― sussurrou o seu pedido/ordem, e logo seus lábios
começaram a trilhar o mesmo caminho que sua mão tinha feito há pouco.
Quando sua boca tocou meu seio, involuntariamente minhas costas
arquearem em sua direção, e eu tentei soltar minhas mãos, mas ele não
deixou e seguiu descendo lentamente pela minha barriga, passando pelo
umbigo e descendo, até que senti sua língua me saboreando como se eu fosse
sua sobremesa preferida. Minhas mãos seguraram seus cabelos, quando
tentava sem sucesso controlar os gemidos e a respiração, tomada pelas
sensações que ele provocava em mim. Quando ameacei me mover, não sei se
para fugir ou me aproximar mais, Theo segurou o meu quadril e o senti sorrir.
― Não terminei ― comentou baixo, em tom sensual, divertido e
levemente prepotente.
E se eu tivesse forças, ou lembrasse de como se pronunciava algo além
de seu nome, teria respondido a provocação. E não demorou para que eu
perdesse completamente o controle, como se os meus gemidos e a forma com
que o meu corpo respondia aos seus toques já não fossem indícios o bastante
de que eu estava totalmente entregue a ele.
― Quero você, Theo ― pedi baixinho, entre um gemido e outro,
enquanto tocava seus braços, tentando puxá-lo para mim, e logo a boca do
Theo encontrou a minha. Seu beijo passou a ser mais possessivo, dominador.
Minhas mãos subiram pelo seu pescoço, meus dedos desapareceram entre os
seus cabelos, enquanto juntava o meu corpo ao dele. Sua mão subia pela
perna, me atiçando mais, deixando um rastro de calor, até agarrar a minha
coxa para que me acomodasse entre elas. Era como se cada célula do meu
corpo estivesse ciente do seu toque, da sua respiração pesada de desejo, do
seu corpo. E eu o queria mais do que tudo. Queria naquele instante.
Entrelacei minhas pernas nas dele, o puxando para junto de mim, e mais uma
vez senti surgir o sorriso em seus lábios, ainda junto aos meus.
― Não estou com pressa.... ― disse com doçura, antes da ponta do seu
nariz percorrer um caminho pelo meu pescoço. ― E não me importaria de
ouvi-la dizendo novamente que me quer ― finalizou no mesmo tom, antes de
beijar a minha testa e seus olhos encontrarem os meus, enquanto continuava
me provocando esfregando levemente o seu corpo no meu.
Era como se ele estivesse esperando que eu entrasse em erupção como
algum vulcão do Havaí, mas eu já estava queimando de desejo, por dentro e
por fora. Impaciente, usei toda a minha força para girar nossos corpos na
cama, invertendo a posição. E parecendo ter gostado da impulsividade, Theo
permitiu que eu fizesse. Eu sentei em suas pernas no mesmo instante em que
ele sentou na cama, e sorrindo me segurou pelo quadril.
― Talvez eu deva assumir o controle ― disse, ofegante, sentido o
coração disparado, e sem conseguir esconder que estava a ponto de implorar
de novo.
Theo colocou alguns fios de cabelo atrás da minha orelha, depois me
levantou pelo quadril e me levou ao seu colo. Seus olhos não desviaram dos
meus, enquanto minhas mãos subiam pelos seus ombros até que estivéssemos
próximos o bastante para abraçá-lo.
― Eu não quero o controle, Tris.... ― sussurrou no meu ouvido. E, ao
senti-lo, um gemido baixinho saiu de meus lábios. ― Eu só quero você... ―
disse em devoção, no mesmo tom, enquanto nos tornávamos um só. Ele me
beijou, abafando nossos gemidos, enquanto voltava a atear fogo no meu
mundo, e me fazendo explodir em mil pedacinhos de prazer.
Eu a deixei dormindo, e pela segunda vez naquela madrugada estava no
meio da cozinha, sozinho, recordando as últimas horas como se fosse um
filme, e não algo real.
Nem nos meus sonhos mais loucos poderia imaginar que no mesmo dia
conseguiria brigar com a Beatriz, contar sobre a doença da minha mãe, viver
um dos momentos mais sexys que já tive com a mulher mais linda do mundo
na piscina e, no final, tê-la nua em meus braços.
Sorri ao lembrar de tudo.
De como fiquei hipnotizado ao vê-la com um biquíni que deixou pouco
trabalho a ser feito pela minha imaginação.
De como o seu corpo reagiu ao meu toque.
De como nos encaixamos perfeitamente.
De como junto a ela eu estava no meu paraíso particular.
Talvez aquele fosse o motivo pelo qual não era fácil para mim me
envolver com outras mulheres. Porque a referência que existia, a idealização
que eu havia criado e que tanto buscava, sem sucesso, em outras mulheres,
nunca seria preenchida.
E mesmo me sentindo próximo à insanidade com ela na piscina, valeu a
pena parar e esperar um pouco mais. Porque nós merecíamos e precisávamos
que fosse especial. Eu não podia nos roubar, não podia trapacear com a nossa
história.
— Está tudo bem? — A voz de Arthur cortou o silêncio.
Com o susto, girei o corpo em direção à porta.
— Porra! Seus pés não tocam no chão? — reclamei, e ele riu.
De calça de moletom, camiseta e os cabelos despenteados, ele sentou em
um dos bancos da ilha central.
— Eu flutuo, não caminho — disse, enquanto eu abria a geladeira e
pegava uma garrafa de água. — Me dê uma também.
Assenti.
— Bom saber que daria um excelente ladrão — resmunguei baixo, e
entreguei a garrafa a ele.
— Sou advogado. Prendo os maus elementos — comentou, abrindo a
garrafa.
Sentei ao seu lado, mesmo estando morrendo de vontade de voltar para o
quarto e deitar ao lado da mulher nua que me aguardava dormindo. Só de
pensar em Tris, um sorriso bobo surgiu em meu rosto.
— Conversou com ela? — Arthur quis saber, me puxando para a
realidade.
Engoli em seco.
— Sim. Contei sobre minha mãe, que estou voltando para casa, e que
vou assumir a Piccolli.
Arthur ficou me olhando fixamente, esperando que eu continuasse, mas
me calei.
— Isso é um ótimo começo, mas não é tudo — alertou.
— Eu sei.
— Tem certeza de que sabe? — retrucou com preocupação.
Mordi o lábio para não acabar dizendo que ele estava sendo um filho da
puta em estragar a madrugada perfeita que eu estava tendo. Me segurei para
não dizer que o importante era que Tris e eu estávamos juntos, e que tudo
ficaria bem.
Então, meus pensamentos voltaram para a minha mãe, e a voz de um dos
médicos nos dizendo que, no caso dela, a porcentagem de sucesso não era
animadora. E a tristeza voltou, porque talvez nem tudo seria perfeito no
futuro.
— Por favor, não conte a Ana, nem a ninguém sobre a minha mãe. Devo
isso a ela. Só de você e Tris já estarem sabendo... — Deixei a frase em aberto
e tomei um gole de água para ajudar a empurrar um incômodo nó que vivia
em minha garganta.
— Não se preocupe. Sabe que sou ótimo em guardar segredos — ele
emendou, em leve tom de recriminação sobre minhas escolhas.
Assenti e lhe dei um triste sorriso, deixando claro o meu entendimento
do que estava implícito na sua resposta.
— Acredito que agora será mais fácil conversar sobre isso também —
comentei enquanto brincava com a garrafa, passando de uma mão para a
outra na esperança de ser o suficiente para ele deixar o assunto de lado.
Arthur me deu uns tapinhas nas costas.
— Sei que vai! Só tente engatinhar antes de correr. Sabe como é, se
tratando de vocês dois... Parece que em segundos colocam tudo a perder —
comentou apontando para mim com a garrafa.
Levantei as sobrancelhas após o tapa na cara invisível que levei.
Será que Arthur sabia que eu estava ali porque não conseguia dormir por
ainda sentir o cheiro da Tris na minha pele, seu gosto em minha boca? Por
sentir toda a excitação, desejo e por querê-la mais e mais?
— Nossa, obrigado pelo papo motivacional — murmurei ao sair do
choque inicial com o seu comentário.
Arthur sorriu, marcando suas covinhas, e levantou as mãos.
— Só falando a verdade, meu amigo. E como quero muito ver vocês
dois juntos espero que não faça nenhuma merda no meio do caminho. — Ele
bateu com a sua garrafa na minha e senti um calafrio correr pela minha
espinha.
— Aí está você...
A doce voz de Ana flutuou cortando a tensão em mim. Ela se aproximou
de nós, esfregando os olhos e bocejando. Arthur sorriu como um grande
idiota apaixonado — não que pudesse criticá-lo —, e se ajeitou no banco,
dando espaço suficiente para que Ana se aproximasse. Ele a abraçou e a
colocou sentada em seu colo.
— Você deveria estar dormindo — comentou carinhosamente, e
sorrindo beijou a cabeça de Ana, que envolveu o pescoço de Arthur.
— Acordei e você não estava na cama — ela disse, e mesmo sem
parecer ser sua intenção, fez charminho.
Arthur sorriu e beijou sua testa, de novo.
— Vim me hidratar, sabe como é — provocou, e levou um soco fraco no
peito o que nos fez rir.
Arthur estava completamente apaixonado, o que me deixava feliz,
porque Ana merecia um homem bom, que a respeitasse, amasse e cuidasse
dela, e Arthur cumpria todos os quesitos da lista. Ela apoiou a cabeça no
ombro dele e bocejou e, na mesma hora, Arthur pegou a garrafa e segurou
Ana no colo.
— Meu amigo, preciso levar essa aqui de volta para cama antes que ela
durma toda torta aqui no meu colo — disse, rindo.
Ana bocejou novamente, já fechando os olhos.
— Gosto de dormir no seu colo — murmurou.
Nós rimos.
Arthur revirou os olhos como resposta, e acenei para os dois enquanto
saíam da cozinha.
Sorrindo, joguei a garrafa no lixo e voltei para o quarto de Tris, abrindo
a porta com cuidado, apenas para encontrá-la na mesma posição que eu a
havia deixado, dormindo nua e com uma expressão tão tranquila, que me fez
sentir como se não houvesse nada de errado no mundo. Como se não existisse
motivos para ter sido tão amargo nos últimos meses. Como se não houvesse
problemas para os quais não encontraríamos solução.
Deitei ao seu lado com cuidado. Tris suspirou e me abraçou por instinto,
apoiando a cabeça no meu peito e, pela primeira vez em meses, me senti
feliz. Era como se as peças do quebra-cabeça da minha vida começassem a se
encaixar.
A vida podia não ser perfeita, mas sem dúvida aquele era o único lugar
no mundo em que eu gostaria de estar.
cordei sentindo um peso enorme sobre meu corpo.
Quando abri os olhos encontrei os dedos de Theo entrelaçados aos meus,
e senti sua respiração no meu pescoço. Toda aquela parede de músculos, que
passei a conhecer tão bem, estava sobre mim. Não tinha como fingir que nada
havia acontecido entre nós, era impossível ignorar a noite inesquecível que
tivemos. Ao mesmo tempo, o aperto que sentia constantemente no peito veio
com uma pontada insuportável de dor, fazendo com que meus olhos
lacrimejassem. Tudo era intenso demais. Real demais.
Tentei me mover, e Theo me libertou dos seus braços virando para o
outro lado. Repetindo o que fiz na primeira noite que acordei ao seu lado, saí
da cama, fui para o banheiro, tomei um banho e voltei para o quarto, na ponta
dos pés para não o acordar. Com cuidado, peguei no armário uma calça jeans,
camiseta, tênis e um moletom. Me vesti sem fazer barulho, fazendo o
possível para sair sem que ele me visse.
As lembranças do passado me castigavam sem perdão. Desci a escada
correndo com a chave do carro em mãos, passei por Rosa e saí de casa. Segui
dirigindo pela cidade relembrando tudo, como se tivesse acontecido ontem,
até estacionar em uma rua tranquila que, com o tempo, aprendi a odiar. Então
caminhei sozinha, exatamente como fiz questão de ficar.
Fazia cinco anos e vinte dias dá última vez que estive ali, mas sabia o
caminho. Assim que me vi diante da lápide com o nome Daniela T. Costa, caí
de joelhos, sem conseguir controlar as lágrimas, repassando mentalmente
aquela noite, e todas as possibilidades usando o famoso e se...

E se eu tivesse ido...
E se eu não tivesse aberto a porta...
E se eu tivesse atendido sua ligação...
E se...

Eram tantos. Tantas possibilidades de mudar o rumo do que acontecera.


Mudar tudo para um futuro melhor, e nenhuma delas tinha chance de se
tornar realidade. Eram apenas formas de continuar a me maltratar, me torturar
todos os dias. E lá estava eu, ajoelhada, chorando pelos últimos anos que
bloqueei tudo dentro de mim. A última vez que chorei daquela maneira tinha
sido no dia do enterro. Depois, a apatia, a tristeza e a depressão tomaram
conta de mim por um longo tempo.
— Sabia que estaria aqui... — sussurrou tocando no meu ombro.
Não precisei levantar a cabeça para saber que era Theo. Solucei ao ouvir
a sua voz e tentei abafar o som com a mão. Ele me puxou, me levantando da
grama e me envolvendo em seus braços, beijando a minha cabeça enquanto
eu afundava o rosto em seu peito.
— Eu acordei e... — tentei explicar entre lágrimas e soluços.
— Está tudo bem — disse baixinho, e beijou a minha cabeça, de novo.
— Me assustei quando não te vi na cama, e Rosa me disse que parecia que
você tinha chorado. Imaginei que estaria aqui. — Seu comentário veio em um
sussurro no meu ouvido, enquanto fazia carinho nas minhas costas.
Theo me deixou chorar. Chorar tudo o que eu não vinha me permitindo.
Aos poucos o meu desespero foi passando, e fui acalmando até o choro
diminuir. Sua camisa estava molhada, onde apoiei meu rosto, e eu mal sentia
meu corpo. Estava sem forças, e sabia que só estava de pé porque ele
sustentava o meu peso em seus braços. Me forcei a encher os pulmões de ar,
permitindo que tudo queimasse dentro de mim.
Tudo doía de um jeito inexplicável.
Fechei os olhos tentando me concentrar apenas nos lábios do Theo em
minha testa e em sua voz que repetia calmamente que estava tudo bem, de
novo e de novo, mas por mais que eu quisesse acreditar, sabia que nem
remotamente era verdade. E, pela primeira vez, assumiria em voz alta o que
sempre soube.
— Não está tudo bem — sussurrei, tentando me afastar de seus braços.
— Theo, eu não posso. Nós não podemos ficar juntos — disse, me forçando a
abrir os olhos e encará-lo pela primeira vez desde que havia chegado ali.
— Por que está dizendo isso? — quis saber com doçura, enxugando as
lágrimas do meu rosto.
— Porque é muito errado — disse, fechando os olhos com força.
Ele não fazia ideia do quanto dizer aquilo em voz alta era difícil para
mim. O quanto me afastar dele me destruía por dentro, mas mesmo assim lá
estava eu, fazendo mais uma vez.
— O que está dizendo, Tris? Você não pode fazer isso de novo. — Ele
segurou os meus braços, me forçando a olhar em seus olhos, e enxergar a sua
dor acabava comigo ainda mais.
— Preciso fazer — respondi baixinho.
Dei um passo para trás.
— Você já me afastou da sua vida uma vez. Não nos deu uma chance.
— Theo me soltou, e sua expressão era como se eu tivesse lhe dado um soco
no estômago.
— Como?! — gritei chorando. — Como poderia ter nos dado uma
chance depois de tudo o que tinha acontecido, Theo! Como?
— Você me amava! Sei disso, senti isso. E ainda assim foi embora! —
afirmou, acabando com a distância que eu havia criando entre nós.
Sua última frase tinha um peso enorme, que só nós dois conhecíamos.
— O que queria que eu fizesse?! — devolvi gritando, com olhos coberto
de lágrimas e não me importando se seríamos vistos ou não.
— Que ficasse! Que ficasse comigo! — emendou, magoado.
Fechei os olhos, e mais uma lágrima correu pelo meu rosto.
Eu não queria magoá-lo. Nunca quis ferir ninguém, mas como poderia
ter ficado? Mesmo sendo tudo o que mais queria, era errado demais.
— Não tinha como ficar depois de tudo — sussurrei, sabendo que
partiria seu coração e o meu junto, mais uma vez.
— O que aconteceu não foi sua culpa — ele disse lentamente. — Não
foi nossa culpa — comentou baixinho, dando um passo à frente, e ao sentir
compaixão em sua voz, dei um passo para trás, mantendo a distância entre
nós.
— Eu poderia ter impedido! Eu poderia tê-la salvado — afirmei,
gritando e batendo a mão em meu peito com força.
Theo me puxou pelo braço.
— Isso não é verdade, princesa — disse com doçura, me apertando forte
contra seu peito.
— Por favor, por favor, não me chame assim. — Minha voz saiu
abafada em seu peito. Porque eu não mereço.
Não merecia tanto carinho, cuidado, amor, bondade, proteção. Eu não
merecia tudo o que significava o apelido carinhoso que me deu, e sempre
tinha sido só nosso. Ao mesmo tempo, por mais vontade que eu tivesse de
afastar meu corpo do de Theo, não tinha forças, porque aquele ainda era o
lugar onde eu me sentia mais segura em todo o mundo.
Ele beijou minha testa.
— Se é isso que vem fazendo esse tempo todo, precisa parar e deixar de
se maltratar dessa forma, de se culpar.
Assim que as palavras saíram de sua boca, me desvencilhei de seus
braços.
— Eu matei a Dani! Matei aquela família, Theo. Eu destruí tudo —
afirmei, levantando a voz e batendo a mão contra o peito, como se me
machucando fosse me fazer pagar parte do mal que fiz.
— Não, meu amor... Você não matou ninguém. — Sua voz era suave e
carinhosa e não merecia aquilo. Eu não o merecia. Não merecia ser feliz.
— Eu deveria ter ido encontrá-la, Theo! Deveria estar dirigindo o carro
em que ela estava! Como a culpa não é minha? — emendei, e era possível
sentir amargura e dor em cada palavra que saía de minha boca.
— Meu amor... — Ele deu um passo cauteloso em minha direção. —
Dani estava com os pais. Aquele acidente foi horrível e nunca iremos
esquecer, mas você não matou ninguém. E se estivesse lá, não conseguiria
salvar ninguém. Quem sabe até... você poderia ter morrido... — A voz de
Theo terminou quase com um sussurro.
— Eu estava na cama com você quando ela morreu! — gritei a verdade.
— Estava na cama com o namorado da minha melhor amiga quando ela
morreu! A pessoa que eu amava como se fosse minha irmã. Como não devo
sentir culpa? — soltei aumentando o tom da minha voz a cada passo que dava
para trás.
— Ex-namorado, meu amor. Ex-namorado. Dani e eu não estávamos
mais juntos, e você sabia porque eu mesmo te contei — corrigiu, tentando se
aproximar de mim e tocar meu rosto.
— Eu a traí de todas as formas. Escolhi você naquela noite no instante
em que te beijei, Theo. E ela morreu! Eu traí a Dani. Traí o Rodrigo, o meu
namorado! Destruí tudo à minha volta aquela noite. Destruí todos. Perdi
todos! — disse a verdade, exausta, levando as mãos ao rosto, e ao fechar os
olhos consegui ver claramente tudo o que tinha acontecido.
Todos os meus momentos com o Theo. Cada beijo. Cada toque. Cada
declaração apaixonada. Cada promessa de que tudo ficaria bem. A nossa
noite perfeita. A minha primeira vez perfeita, e depois, a manhã seguinte e
tudo que foi desencadeado. A dor, o vazio, o peso insuportável da culpa que
não me permitia respirar e a vontade que tive de morrer.
— E por isso se sentenciou? Assumiu a culpa pelo acidente e me tirou
da sua vida?!
— Theo, por favor... — implorei, e minha voz saiu abafada entre as
minhas mãos.
— Não! — Ele me fez tirar as mãos do rosto para que pudesse encará-lo
e, quando fiz isso, pude ver a mistura de sentimento em seus olhos. — Nada
de por favor agora! Você me deixou, Tris! Foi isso que aconteceu. Quando
ela morreu, não foi só você que perdeu uma amiga! Dani e eu namoramos,
mas antes disso todos nós éramos amigos, sempre fomos! Eu também estava
sofrendo a morte da minha amiga, e você não se importou! Você me deixou!
Eu perdi uma amiga naquele acidente, e perdi você! Perdi a mulher que
amava! A mulher que ainda amo! — gritou pela primeira vez.
— Theo, por favor, não faz isso. — Solucei, e não consegui dizer mais
nada.
Se ao menos ele soubesse o quanto tinha sido difícil ir embora. Se
soubesse que não deixei de pensar nele nem por um segundo nos últimos
anos, se ao menos ele soubesse.
— Tris, você me disse que precisava de um tempo para ficar sozinha, e
mesmo quase enlouquecendo dei esse tempo. Uma semana depois fui à casa
dos seus pais para que pudéssemos conversar, porque precisava saber como
você estava, precisava te abraçar, ouvir sua voz, e eles me disseram que você
tinha ido embora! Como acha que fiquei? — ele disse, e pude sentir a mágoa
em suas palavras enquanto apontava para o próprio peito que subia e descia
com força.
— Eu não conseguiria ver você — confessei.
Sua expressão era de dor, decepção.
— Tem alguma ideia de como me senti quando passei por aquela porta
dias atrás e te vi? Eu sabia que estaria aqui no dia da festa, não sou idiota,
mas passar a semana toda ao seu lado? Cinco anos e você nunca saiu de
dentro de mim, Tris!
— Acha que para mim foi fácil?! Tem ideia do quanto estava doendo?
Do quanto eu estava sofrendo? — emendei, sem esconder a dor.
— Eu imaginava que poderia estar sofrendo. Porque ao invés de
demonstrar para todos, você fugiu por mais três anos! — devolveu,
aumentando o tom da voz e abrindo os braços.
— Eu precisava ficar longe — me defendi, mas minha voz era um sopro
e, por um momento, não soube nem se Theo tinha conseguido me escutar.
Ele me deu um sorriso triste.
— Percebi quando a sua mãe me contou que você tinha conseguido uma
bolsa de estudo no Canadá, e que não voltaria — emendou, sem esconder a
mágoa.
— Lidei com o que aconteceu da melhor forma que pude! Sinto muito se
não foi do jeito que queria! — rebati, nervosa, me afastando.
Theo segurou minha mão.
— Princesa, você não lidou com a morte da Dani. Você fugiu, o que é
bem diferente.
— As pessoas não são iguais, Theo. Fiz o melhor que pude na época.
Quando voltei, perguntei por você, e Ana disse que não morava mais no país
— confessei.
Ele engoliu em seco e tirou alguns fios de cabelo do meu rosto.
— Por que perguntou por mim depois de tanto tempo?
— Porque queria te ver, dizer que sentia sua falta — admiti, sem
conseguir olhar em seus olhos.
— E por que não foi atrás de mim?
— Porque tive medo, ok?! Medo de te encontrar e de ter ainda mais
certeza de que te amava, medo de ouvir que me odiava! — contei, me
afastando.
Theo negou, balançando a cabeça com veemência.
— Nunca faria isso — disse baixinho, com suavidade, se aproximando.
— Depois da forma como agi, depois de ter desaparecido por tanto
tempo, aparecer na sua porta e ouvir que me odiava era o mais provável —
comentei, triste.
— Não. Não era. Estou percebendo que não acreditou quando disse que
te amava naquela noite, não é? Você realmente não acreditou — comentou
com pesar, fazendo carinho no meu rosto com as costas da mão.
Soltei completamente o ar dos meus pulmões.
— Nunca imaginei que teria simultaneamente a melhor e a pior noite da
minha vida. Ter você, sentir você... Theo, consciente ou não, eu sempre te
amei. Você foi o meu primeiro tudo. Meu primeiro amigo, o meu primeiro
beijo inocente, o meu primeiro amor. Não me arrependo nem por um segundo
de termos dormido juntos, mas estava doendo demais perder a Dani. Eu
estava perdendo parte da minha vida. Parte de mim. Sentia o peso de tudo
aquilo em minhas costas. Eu tinha traído minha melhor amiga de todas as
maneiras, e causei a morte dela.
Ele segurou meu rosto com as duas mãos e beijou de leve meus lábios.
— Eu te amo. Sempre foi você. Sempre — ele confessou baixinho, e
puxei o ar com força ao ouvir sua declaração, me preparando para o que
poderia vir a seguir. — Quando Dani e eu terminamos — continuou —, ela
me disse que nós nunca daríamos certo, porque eu era destinado a ser seu,
Tris — disse, me presenteando com um triste sorriso, e enxugou uma teimosa
lágrima que caía pelo rosto. — Dani era tão mais esperta e inteligente que
percebeu que eu te amava, antes mesmo que eu tivesse certeza disso. Ela
conseguiu ver que o nosso namoro bobo de infância, nunca deveria ter
terminado — comentou, olhando em meus olhos, e seus dedos passavam
sobre meus lábios. — A única que não acreditou em nós dois foi você —
sussurrou, finalizando com a testa grudada à minha.
Tentei falar algo, mas nada parecia certo o bastante.
Eu tinha passado os últimos cinco anos me culpando todos os dias por
não ter salvado minha melhor amiga. Por amar seu ex-namorado, com quem
ela havia terminado dias antes de morrer, e que sempre amei.
Eu tinha passado anos fugindo daquela cidade pequena repleta de
histórias com todos eles. Fugindo do lugar onde Dani morreu e foi enterrada.
Fugindo do lugar onde descobri quem eu amava.
Porque tudo naquele lugar era intenso demais.
Sofrido demais para mim.
E ali, estava sendo obrigada a encarar todos os sentimentos ao mesmo
tempo e sem saber como fazer. Mesmo com tudo que Theo me falava, a culpa
por ter matado uma família inteira, por ter tirado a vida da pessoa que era
como uma irmã para mim, me corroía por dentro. Eu não conseguia deixar de
acreditar que se eu estivesse dirigindo aquele carro, o final daquela história
poderia ter sido diferente e a minha melhor amiga ainda estaria ao meu lado.
— Eu preciso ficar um pouco sozinha — murmurei, exausta.
Theo fechou os olhos, e vi o quanto era doído para ele ouvir aquela frase
novamente.
— Não vou fugir, só preciso de um tempo para processar tudo que
aconteceu aqui — expliquei, segurando seu rosto com as duas mãos, fazendo
com que olhasse em meus olhos.
Theo assentiu, e o beijei com suavidade, demorando a separar meus
lábios dos seus.
Saímos do cemitério juntos e em silêncio. Theo apertava a minha mão,
parecendo não ter o desejo de largar, demonstrando que no fundo tinha medo
de acreditar em mim. Tinha medo de que eu o magoasse outra vez.
Eu não poderia culpá-lo.
Quem poderia garantir a ele que a única diferença entre essa vez e a
anterior era que agora teríamos apenas uma despedida mais justa, coisa que
não lhe dei no passado.
Acionei o controle do carro e as portas forma destravadas. Assim que me
sentei, Theo se abaixou ao meu lado, segurou minha cabeça com as duas
mãos e me fez olhar em seus olhos.
— Eu te amo, mas preciso saber se me ama também. Não posso passar a
vida toda esperando por você, princesa. Simplesmente não posso —
confessou baixinho, e roçou de leve seus lábios nos meus.
Ele levantou, fechou a porta do carro e se afastou.
Fiz o possível para não observá-lo parado ao meu lado. Me forcei a focar
na rua vazia à minha frente. Liguei o carro e o som foi acionado, e os
primeiros acordes suaves de Poison & Wine do The Civel Wars fizeram meus
olhos embaçarem novamente, com o peso de estar partindo o coração de
Theo em mil pedaços novamente, assim como o meu.
Mais uma vez, me senti a pessoa mais perdida do mundo, e me recusava
a arrastá-lo junto comigo para a dor e a culpa que sempre senti. E aquele
tinha sido o motivo desde o início; o amava demais para fazê-lo sofrer.
Meus olhos se prenderam no retrovisor e eu acompanhava Theo ficar
cada vez menor. Nós nos distanciávamos cada vez mais um do outro, me
fazendo chorar mais.
Como eu podia estar deixando, mais uma vez, a pessoa que eu amava?
ris, espera! — Eu a puxei pelo braço. — Nós precisamos
conversar.
Minha respiração estava ofegante, meu coração acelerado e a mente
não conseguia processar direto as últimas horas.
— Não, Theo. — Ela puxou o braço de volta. — Por favor, por favor,
me deixe ir. Me deixe em paz e não diga nada! — implorou com os olhos
lacrimejando, me doía ver seu rosto tão abatido e pálido, algo que o vestido
preto que usava deixava evidente para todos.
— Não faça isso, Tris. Estou implorando — disse, trazendo ela para os
meus braços e envolvendo seu corpo de encontro ao meu. — Eu preciso de
você — sussurrei em seu ouvido.
Não havia ninguém à nossa volta para ouvir aquela confissão. Por
alguns segundos ali, no meio de tanta dor e escuridão, só existiu nós dois.
Tris colocou a mão em meu peito, pedindo silenciosamente que a soltasse, e
assim fiz.
Seus olhos percorreram com tristeza cada detalhe à nossa volta. Tudo
era tão surreal que eu não consegui dizer uma só palavra. Então, outra
lágrima escorreu pelo seu rosto. Enxuguei com cuidado e segurei sua mão
entrelaçando nos dedos.
— Sinto muito, mas não posso ficar aqui. Eu preciso... preciso que me
dê um tempo, Theo.
Ela beijou o meu rosto, soltou minha mão e seguiu em frente, sem olhar
para trás.

De um jeito ou de outro, a história sempre se repete. Aquela era a única


certeza que estava tendo. E é por essa razão que entregar seu coração de
forma tão completa e intensa nas mãos de alguém é uma péssima ideia.
Porque a chance de tê-lo estraçalhado, e os pedações espalhados à sua volta
em algum momento é gigantesca. Ser obrigado a assistir à mulher que eu amo
ir embora, de novo, foi uma das piores coisas que poderia acontecer comigo
naquele momento. Afinal, todo o restante da minha vida já estava uma merda.
Fiquei parado no meio da rua, sozinho, vendo o carro da Tris seguir para cada
vez mais longe de mim.
Eu sabia que deveríamos ter conversado sobre a morte da Dani antes de
dormirmos juntos novamente, considerando que havia sido depois da nossa
primeira vez que tudo tinha sido destruído entre nós. Em um piscar de olhos
nossas vidas foram sacudidas por uma tragédia, e Tris e eu terminamos antes
mesmo de termos tido a oportunidade de começar. Ela simplesmente me
deixou, sem permitir que lhe desse todos os motivos do mundo para ficar.
Após o enterro, quase enlouqueci por não conseguir falar com Tris.
Minha cabeça não conseguia processar tudo que havia acontecido nas últimas
quarenta e oito horas, e eu não sabia o que fazer, ou como agir. Poucas
pessoas sabiam que Dani e eu havíamos terminado na semana anterior, então,
para muitos, quando tudo aconteceu eu ainda era o namorado dela, e recebi
toda atenção, como tal, no velório. O que fez daquele momento uma tortura
ainda mais dolorosa e surreal, porque Tris estava diante de mim, perdida,
assustada, sofrendo e eu não podia confortá-la, abraçá-la e beijá-la como
gostaria para tentar amenizar a dor que sentia. Porque para todos, Tris era a
minha melhor amiga, mas eles desconheciam o fato de que ela era a garota
que eu amava, com quem eu tinha ido para cama horas antes, e não
imaginavam que tudo que eu mais queria era demonstrar, através de ações, o
quanto compreendia sua dor, a nossa perda.
O choque da notícia recaiu sobre mim com tanta força que Arthur
precisou repetir mil vezes a frase, para que eu acreditasse que o acidente tinha
sido real, e o pior havia acontecido. Eu não deveria estar na cidade naquele
fim de semana, mas como não conseguia tirar a Beatriz da cabeça, peguei o
carro e passei quase três horas dirigindo e pensando em como confessar para
ela que a amava. Que não conseguia ficar longe. Que ela era tudo para mim.
Já fazia dias que Dani e eu decidimos terminar o namoro. Então, não existia
culpa em mim por ter ido atrás da Beatriz. O que vinha me impedindo de me
declarar era a falta de coragem, pelo medo de ser rejeitado, e a fato de que eu
não podia ignorar a existência do Rodrigo. Eu sabia que ele estava fazendo
intercâmbio, e que os dois não se viam há mais de três meses, mas não sabia
em que pé estava relação. E ainda assim, eu estava pegando qualquer código
de ética e rasgando ao meio com o que estava fazendo.
Eu roubaria a namorada de um cara que cresceu comigo, que mesmo não
sendo tão próximo a mim, era um amigo.
Na verdade, no meu ponto de vista, não estaria roubando Tris do
Rodrigo, e sim assumindo o lugar que sempre deveria ter sido meu ao dizer
que a amava.
Tudo o que eu precisava era fazê-la me ouvir.
Na minha cabeça, se tivesse a oportunidade de dizer o quanto a amava, e
que ela deveria escolher a mim e não Rodrigo, tudo daria certo. Nós
seguiríamos o caminho que estávamos destinados a seguir.
Aparentemente, eu era inocente pra caralho aos 21 anos porque tudo
acabou dando tão errado que, cinco anos depois, eu estava ali, parado no
meio da rua, vendo Beatriz ir embora, mais uma vez.
A nossa noite juntos acabou sendo o gatilho para algo que passamos os
últimos dias evitando. Tudo por conta do meu medo do que poderia acontecer
se eu tocasse no nome da Dani, por não saber como seria o final da conversa.
Durante o curto trajeto até o cemitério, só conseguia pensar que precisava ter
a certeza de que Tris estava bem, e quando a encontrei de joelhos, chorando,
senti como se alguém tivesse pego o meu coração e apertado até a minha
morte.
E como a vida tem os seus próprios planos, no final acabou que fomos
obrigados a enfrentar a realidade no exato lugar que tínhamos nos encontrado
pela última vez. E o choro da Tris me levou diretamente para aquela manhã
em que sepultamos a Dani, e que definiu a direção de nossas vidas a partir de
então. Ouvi-la se culpar pelo que havia acontecido chegou a ser assustador
para mim. Porque Tris se colocou na posição de ré, testemunha, advogada,
júri e juíza naquele tribunal. E a sentença final? Se afastar de mim para
sempre.
Eu nunca enxerguei os acontecimentos por aquela ótica, nunca culpei o
que vivemos, porque sabia que não havia existido qualquer traição de nossa
parte em relação a Dani. Então, como Tris pôde fazer isso? Como pôde me
deixar mesmo me amando? Ou será que me deixou porque culpava a mim?
Afinal, se eu não tivesse ido até a sua casa naquela noite, Tris teria saído com
a Dani e estaria dirigindo, não necessitando que os pais da Dani fossem
buscá-la na festa.
Porra, toda vez que eu pensava naquela possibilidade me dava um
calafrio, porque era inevitável pensar que talvez nem Beatriz estivesse viva.
Será que aquele pensamento fazia de mim uma pessoa tão má assim?
Pensar que com a minha atitude de dizer que amava e ter passado a noite
com ela, ao menos uma delas acabou sobrevivendo? Meu Deus, por que tudo
precisa ser tão difícil, tão sofrido?
Se eu tivesse o poder de apagar todo aquele sofrimento, se pudesse
apagar absolutamente tudo que aconteceu aquela noite, faria. Porque faria
qualquer coisa para não precisar vê-la tão frágil, perdida e sofrida à minha
frente, mesmo cinco anos depois. Ao mesmo tempo, finalmente eu estava
começando a compreender por que Tris havia se afastando de mim. E
destruindo uma das crenças a que tanto me prendi nos últimos anos, porque a
verdade era que ela não tinha indo embora por não me amar, e sim pela
guerra que passou a travar com ela mesma, entre o amor que sentia pela Dani,
e o que sentia por mim.
A vida às vezes é uma grande merda.
Voltei para o carro, dei partida e fiquei olhando para a frente. Afinal,
para onde devia ir? Eu estava hospedado na casa dela! Beatriz me pediu um
tempo. Queria ficar longe de mim. Como eu iria voltar para aquela casa e
correr o risco de encontrá-la e não colocá-la em meu colo e tentar fazer
absolutamente de tudo para essa dor passar? Mas se eu fizesse não estaria
respeitando o tempo que havia me pedido.
Levei as mãos à cabeça e passei os dedos com força para frente e para
trás.

E se ela estiver se preparando para ir embora?

Imaginei Tris entrando em seu quarto, jogado todas as suas coisas na


mala, com a única intenção de desaparecer e esquecer que aqueles últimos
dias existiram.
Resmunguei sozinho, sabendo que era o tipo de risco que precisava
correr.
Peguei o celular no bolso da calça e fiz a ligação.
— Oi, sou eu. Preciso de um lugar para ficar.
em me lembro de como cheguei à casa dos meus pais. Quando
percebi estava abrindo a porta e correndo pelo hall de entrada.
— Menina, está tudo bem? — A voz de Rosa não escondia a
preocupação. Sem conseguir responder, movi a cabeça em negativa e segui
para o meu quarto.
Não. Nada estava bem porque me sentia exausta emocionalmente.
Eu me arremessei na cama e afundei a cabeça no travesseiro, me
permitindo chorar e soluçar alto o bastante para abafar até mesmo os meus
pensamentos, e colocar para fora tudo que esteve me sufocando, durante
tantos anos.
— Beatriz? Filha, abre a porta, por favor.
A voz da minha mãe soava abafada do outro lado. Tentei ignorar
enquanto continuava chorando copiosamente, e ainda assim, a dor parecia
não me deixar. Depois de muita insistência de sua parte, me vi levantando e
abrindo a porta só para encontrá-la com Patrícia ao seu lado. Surpreendendo
minha mãe e a mim mesma, me joguei em seus braços e continuei a chorar,
algo que nunca havia feito até então.
— Calma, filha. Está tudo bem — sussurrou enquanto me abraçava
forte.
— Não, não está — disse, entre soluços e lágrimas. — Eu destruí tudo,
mãe — confessei, enquanto Patrícia nos direcionava para dentro do quarto de
novo e fechava a porta.
— Meu amor, eu sei que você não destruiu nada, mas me conte por que
acredita que sim — ela disse amorosamente, ao me fazer sentar na cama, e eu
deitei a cabeça em seu colo, enquanto Patrícia fazia carinho nas minhas
costas.
Era como se as duas estivessem pacientemente esperando que eu me
acalmasse, esperando o meu tempo para falar. Quando parei de soluçar,
respirei fundo e confessei baixinho:
— Dani morreu por minha causa.
Senti a mão da minha mãe parar sobre meus cabelos, levantei lentamente
a cabeça para olhar em seus olhos, e só encontrei ternura e amor. O que fez
tudo doer mais, porque eu não me sentia merecedora aquele tipo de resposta.
— Não, meu amor. Dani não morreu por sua causa. Não importa o
quanto acredite que poderia ter feito algo para mudar o que aconteceu
naquela noite. Digo isso porque a vida acontece do jeito que tem que ser.
Sobrepondo-se ao nossos desejos e vontades, e nós não podemos nos torturar,
imaginando que podemos controlar o incontrolável — disse mantendo o tom
de voz carregado de ternura, e eu levantei a cabeça de seu colo, com novas
lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
— Dói tanto estar aqui e lembrar de tudo. Reviver tudo mentalmente a
cada instante — confessei, apoiando a cabeça em seu ombro.
— Tris... — Patrícia fez carinho nas minhas costas. — Às vezes a dor é
necessária no processo de cura, e tentar fugir dela significa ficar presa em um
momento de nossa história por mais tempo do que deveríamos. E... às vezes
precisamos de ajuda para atravessar esse momento e chegar do outro lado da
ponte — comentou baixinho, chamando a minha atenção.
— O que quer dizer com isso? — perguntei, sabendo que a ruga na
minha testa não escondia quanto confusa estava.
— Quer dizer que nós estamos aqui para você, por você, meu amor. E
que.... temos uma confissão a fazer... — minha mãe comentou com
suavidade, e olhou para Patrícia com cumplicidade, me deixando sem
entender nada.
— Confissão? Que confissão que vocês têm a fazer?
— Filha, confesso que já sabia que você e Miguel tinham terminado.
Ana me contou — ela disse com um pequeno sorriso triste nos lábios. — E
durante nossa conversa, Ana também me disse que estava muito preocupada
com o fato de você estar se distanciando emocionalmente cada vez mais das
pessoas, inclusive da gente, da sua família — comentou com carinho.
— Ana disse isso? — quis saber, sem reconhecer minha própria voz.
Ela assentiu.
— Sim. E eu fiquei angustiada ao perceber que a sua irmã estava certa.
Você se afastou de nós, e foi se fechando no seu mundo solitário, filha.
— Eu sei — admiti.
— Então... nós precisávamos tentar fazer você sair do seu mundo
solitário, e retornar para o nosso... — Patrícia comentou suavemente,
cortando o silêncio criado por mim. Franzi a testa sem compreender, e ela me
presenteou com um pequeno sorriso e continuou: — Querida, muita coisa
aconteceu na vida de todos nós. Cada um enfrentou, ou vem enfrentando,
suas próprias batalhas. Seus traumas, medos, perdas, dor. E há algumas
semanas, conversando com a sua mãe sobre o passado, falamos sobre o
momento da ruptura onde tudo mudou em relação a você, e nós percebemos
que talvez você não o tenha atravessado, fazendo com que houvesse o
processo de cura, e com isso, deixou de viver um momento que deveria ter
vivido, experiências que deveria ter tido — finalizou no mesmo tom, e
colocou um fio de cabelo atrás da minha orelha.
Minha mãe apertou de leve minha perna, chamando minha atenção.
— Quando a Dani morreu, quando lhe dei a notícia bem aqui nesse
quarto, vi você desmoronar à minha frente. Eu nunca tinha visto você tão
desesperada. Tão perdida. É claro que sabia que estava sofrendo, e que ela era
uma irmã pra você. Mas a forma como assumia a culpa quando soube do
acidente, é algo que nunca consegui entender, não era racional para mim,
confesso que ainda não é. Então, na época, imaginei que se afastar daqui seria
o melhor pra você. Por essa razão nós permitimos, seu pai e eu, que você
fosse morar em outro país por um tempo. Nós acreditamos verdadeiramente
que iria ajudar fazer novas amizades, ter novas experiências, e quem sabe
assim, a ferida que tinha sido aberta cicatrizaria, e ficariam apenas as boas
lembranças e a saudade de uma pessoa que sempre foi muito importante na
sua vida. Mas acho que agi errado. Eu não deveria ter permitido que fosse
embora. Porque não te ajudei a lidar com o que estava sentido, eu te ajudei a
fugir, meu amor — disse com lágrimas nos olhos.
— Fui ao cemitério hoje — contei baixinho, olhando para as minhas
mãos enquanto apertava uma na outra. — Foi a primeira vez em que entrei lá
depois... Depois de tudo. Foi tão doído, mãe.
— Eu posso imaginar, filha. Mas chega de fugir, não acha?
Assenti.
— Eu repassei a noite do acidente mil vezes na minha cabeça, como se
fosse um filme. Eu estava pronta para sair daqui de casa e encontrar Dani na
festa. Nós voltaríamos juntas no meu carro e ela dormiria aqui. Esse era o
combinado quando nos falamos ao telefone. Eu estava sozinha. Você, papai e
Ana estavam em outra festa. E eu... estava com a chave do carro na mão para
sair, quando abri a porta, mas Theo estava lá. Ele me disse que precisava falar
comigo, então o deixei entrar. Ele me contou que tinha terminado com Dani
há alguns dias, e que o motivo de não conseguir ficar com outra pessoa era
porque o seu coração era meu. Theo disse que me amava, que tínhamos sido
feitos um para o outro... E... Nós acabamos passando a noite juntos. Ele foi
embora bem cedo, antes de você e o papai levantarem. Pouco depois você
entrou no meu quarto dizendo que Dani tinha sofrido um acidente de carro
durante a madrugada e que tinha morrido — contei e cobri o rosto, ciente da
lágrima que caiu. Respirei fundo antes de continuar. — Eu vi meu mundo
desabar. Porque eu tinha matado a minha melhor amiga. Deveria ter ido à
festa encontrá-la, e ter voltado com ela de carro para casa. Mas, em vez disso,
eu estava com Theo. Eu a atraí e a matei! — confessei, e minha mãe e
Patrícia não disseram uma só palavra.
Eu conseguia ver tudo bem diante dos meus olhos. Cada passagem do
que contava as duas. Eu estava tão presa em minhas memorias que só percebi
que estava chorando novamente pois sentia o gosto salgado das lágrimas em
minha boca.
— Depois do enterro, peguei o celular e encontrei as ligações e as
mensagens da Dani na caixa postal me perguntando onde eu estava. Ouvi
aquela mensagem mil vezes me torturando e me sentindo um monstro. Ouvi
Dani repetir “onde você está? Estou esperando você. Você se esqueceu de
mim”? Depois desse dia, prometi a Dani que iria me afastar do Theo por
completo. Que nunca mais a trairia novamente — falei olhando para Patrícia,
que estava com os olhos cheios de lágrimas. — E eu consegui! Não tive
contato com ele durante todos esses anos. Mantive a minha palavra! Mantive
a minha promessa! Até ele passar por aquela porta alguns dias atrás... —
Minha voz mal saiu.
As duas permaneceram caladas, mas eu conseguia ver claramente, que
compartilhavam a minha dor.
Minha mãe fazia carinho na minha cabeça, e Patrícia segurava a minha
mão.
— Na noite passada. Theo e eu... — deixei a frase em aberto, não
precisava falar, elas sabiam. — Quando acordei com ele me abraçando, me
senti culpada. Senti como se a tivesse traído mais uma vez. Saí sem acordá-lo
e acabei parando no cemitério — compartilhei mais um segredo íntimo de
nossa história.
— Nós imaginamos que algo havia acontecido, meu amor. Porque o
Theo ligou para a Patrícia.
— Ele ligou? — quis saber, intrigada e surpresa.
Patrícia sorriu para mim.
— Sim, para dizer que ficará na casa do Arthur. Ele pediu para que eu
colocasse algumas peças de roupas na mochila, que pegaria com a Ana mais
tarde.
— Theo não vai voltar? Não vai voltar para casa? — perguntei, nervosa,
magoada e confusa, olhando para as duas.
— Você quer que ele volte, Tris? — Patrícia quis saber, e não consegui
responder. — Theo disse que vai ficar lá por hoje. Amanhã será outro dia —
completou, e deixei uma lágrima cair.
— Eu disse a ele que precisava de um tempo.
— Então filha, se disse é porque sabe que precisa se entender e resolver
algumas questões com você mesma hoje — minha mãe comentou com
leveza, e assenti.
— Meu filho te ama, Tris. Todos nós sabemos disso, mas ele não quer
sofrer novamente também. Ainda mais agora... — Patrícia comentou, me
dando um triste sorriso.
— Eu nunca tive a intenção de fazê-lo sofrer, Patrícia — emendei
honestamente.
— Eu sei, querida. Só que às vezes, infelizmente, acabamos magoando
as pessoas que mais amamos, sem ter a intenção de fazer. Porque somos
humanos — disse com carinho, e beijou a minha testa. — E, hoje, percebo
que a pessoa que você mais vem ferindo, magoando durante esse tempo todo
é você mesma. E assim continuará, se não compreender verdadeiramente que
não provocou a morte de ninguém, e finalmente se perdoar.
— Foi um acidente na estrada, meu amor — minha mãe emendou. —
Infelizmente aconteceu. Dani estava com os pais, a neblina estava muito
densa na cidade, e uma caminhonete veio em sentido contrário, eles não se
enxergaram a tempo e acabaram batendo violentamente. Sem dúvida foi uma
fatalidade horrível que nos chocou muito, mas nós não sabíamos até esse
momento que a razão da sua fuga, do seu afastamento, era o Theo. Eu
desconfiava que algo poderia ter acontecido entre vocês, mas não que tinham
passado aquela noite juntos. Muito menos como se você sentia a respeito de
tudo. Por favor, minha filha. Tire essa culpa que vem carregando no coração,
porque ela não é sua. E ela vem te impedindo de viver — comentou, como se
pela primeira vez em anos se sentisse próxima de mim verdadeiramente.
— Eu amo o Theo — confessei.
As duas sorriram pela primeira vez desde que entraram no quarto.
— Isso nós sempre soubemos, meu amor. E foi por esse motivo que nós
planejamos tudo isso — minha mãe emendou a confissão, outra confissão, e
eu fique sem reação após ouvir.
— Desculpa, o que disse? — Intercalei o olhar entre as duas que, mesmo
tristes com tudo que contei, faziam o possível para manter um doce sorriso
nos lábios. — Como assim? Nós quem? Planejaram o quê? — quis saber,
insistentemente.
Patrícia sorriu.
— Sua mãe, Ana e eu. Juntas planejamos esse encontro entre você e o
Theo. É claro que tivemos ajuda de muitas outras pessoas — contou, com
uma sombra de sorriso nos lábios.
— O quê?!
Encarei minha mãe, completamente perplexa.
— Filha, você precisava parar de fugir desse lugar. Foi por isso que
decidi criar toda essa história da festa.
— A festa não é real? — quis saber, em choque.
— Sim, é real — emendou, sorrindo. — E foi planejada por sua causa.
Porque eu sabia, que seu pai e eu éramos os únicos que conseguíramos fazer
com que você retornasse para essa cidade, para essa casa, para junto de nós,
nem que fosse por alguns dias. Se Ana tivesse sugerido um fim de semana
qualquer, você facilmente encontraria uma desculpa. Então, pensei em fazer
das minhas bodas de casamento a celebração de um recomeço para você, para
a nossa família. E assim convidei os seus amigos, que sempre foram parte da
família, e com o tempo se tornaram os melhores amigos da sua irmã, e no
final deu certo. Conseguimos trazer você — explicou, sorrindo.
— Eu não acredito que fizeram tudo isso por mim — murmurei,
perplexa, e ao mesmo tempo me sentindo extremamente amada, ao começar a
compreender algumas coisas que vinham acontecendo. — O Theo também
sabia tudo isso?
— Não. Theo é tão inocente nisso quanto você — Patrícia chamou a
minha atenção. — Eu o convenci a vir porque precisava ter certeza de que o
meu filho ficará bem quando eu não estiver mais aqui... — disse, me fazendo
abraçá-la.
— Por favor, não diga isso — pedi baixinho, sentido o coração ficar
apertado.
Patrícia desfez o abraço e passou o dedo na minha bochecha, enxugando
uma lágrima.
— Tris, eu tenho consciência do meu prognóstico e, no fundo, Theo
também. Quando estive com ele em Londres, alguns meses atrás, eu vi a
verdade, porque, por mais que tudo estivesse parecendo perfeito para quem
enxergava de fora, vi que o meu filho não estava feliz. Em todos esses anos,
não consegui conhecer uma namorada dele. Theo não se permite dar tempo
para amar alguém, todos os relacionamentos foram curtos, sem importância.
Quando conversamos, ele me disse que achava que nunca seria feliz
novamente porque não conseguia te esquecer. — Patrícia enxugou mais uma
lágrima teimosa em meu rosto.
— E foi por isso que resolvemos juntar vocês dois por uma semana ao
menos, minha filha. Porque acreditamos que vocês merecem essa segunda
chance de ser feliz — minha mãe concluiu, sorrindo.
— Eu honestamente não sei o que dizer... — comentei, quase sem ar.
Porque não conseguia acreditar que as três haviam criado tudo aquilo por nós
dois. Minha mãe, Ana e Patrícia haviam mobilizado pessoas que eu tanto
amava para me mostrar a realidade que eu vinha me recusando a enxergar.
Que eu estava presa no tempo, com os pés enterrados firmemente no
chão e as três me fizeram sair do lugar escuro e solitário em que me obriguei
a ficar por muito tempo. Elas despedaçaram a máscara que passei a usar ao
fingir que tudo estava bem. Que eu estava bem. Mas era uma gigantesca
mentira. Eu estava apenas deixando que os dias passassem, um a um, e
sobrevivendo da forma que aprendi a fazer. Naquele momento, elas estavam
lutando para me trazer de volta à vida.
iquei na dúvida se deveria vir com uma xícara de café ou uma
garrafa de vodca na mão — Arthur comentou ao descer últimos degraus da
varanda da casa de seus pais.
Fechei a porta do carro e fui ao seu encontro. Não existia outra pessoa
para quem pudesse recorrer, que não fosse o meu melhor amigo, o irmão que
escolhi na vida.
Ele me abraçou, batendo forte nas minhas costas.
— Porque sei que não existe possibilidade dessa sua ligação trazer boas
notícias — ele comentou.
Assenti, derrotado.
— Desculpa tirar você da cama, mas não posso voltar para a casa dos
Schimidt por enquanto.
Ele moveu a mão no ar e balançou a cabeça em negativa.
— Não se preocupe — disse, e apontou para a mesa de madeira no meio
do jardim, como um convite. — Eu deixei um bilhete para a Ana, quando ela
acordar vai me ligar, então explico melhor. — Deu de ombros, caminhando
ao meu lado.
Sentamos sobre a mesa no jardim da frente de sua casa. Apoiei os pés no
banco e inclinei o corpo para trás, sustentando o peso nos braços. Estava
acordado há duas horas e me sentia exausto.
— O que aconteceu? — Arthur quis saber.
— Você se lembra de ter me dito há algumas horas que Beatriz e eu
devíamos engatinhar antes de correr? — Olhei para ele com o canto do olho.
Arthur assobiou baixinho ao entender.
— Merda, vocês já tinham corrido — afirmou, e não respondi. — E é
obvio que o tombo foi feio agora pela manhã — completou, afirmando como
se não fosse uma grande novidade ou que estivesse esperando acontecer.
Assenti.
Arthur inspirou e expirou forte.
— Quantas vezes alertei que, enquanto vocês não falassem sobre a
morte da Dani, enquanto continuassem agindo como se nada tivesse
acontecido, não daria certo? Você escolheu ignorar o maior problema de
todos entre vocês dois, Theo.
— Eu sei.
— Você deu importância à presença do Rodrigo, e ignorou a morte da
melhor amiga de Tris, sua ex namorada.
— Eu sei, Arthur! — Levantei a voz, nervoso, e passei a mão nos
cabelos com força. — E o que faço agora, hein? É isso que quero saber. Ela
vai embora! Isso se já não foi — desabafei, trazendo o corpo de volta para a
frente, apoiando os braços nas pernas. — Tris acredita que se nós não
estivéssemos juntos naquela noite, o acidente não teria acontecido.
Arthur suspirou pesado e imitou minha posição.
— Ou teria acontecido da mesma forma e Tris também teria morrido —
disse emendando, com o olhar preso à nossa frente. — Sabe, ficar pensando
nas possibilidades seria algo como naquele filme Efeito borboleta. Se Tris
pudesse voltar no tempo e mudar algo, se ela estivesse dirigindo o carro, as
duas poderiam estar aqui hoje, ou nenhuma das duas. Ou Dani poderia ter
sobrevivido e a Tris não. São muitas as possibilidades. Teoria do caos total
— Arthur explicava murmurando, mais para ele mesmo do que para mim.
Mas ainda assim suas palavras pareciam a continuação da minha própria
tortura mental. Do meu maior pavor, que era perdê-la. Eu tinha feito escolhas
erradas. Tanto no passado, quando no presente. Se eu tivesse feito o certo, se
não tivesse ficado com tanto medo de Tris se afastar novamente no instante
em que eu tocasse no nome da Dani, os últimos dias poderiam ter sido
diferentes, ou ao menos nossa manhã poderia ter sido diferente. Eu sentia
como se tivesse vivendo um daqueles momentos em que absolutamente tudo
na minha vida estava em processo de mudança, e eu não queria perdê-la
novamente sem nem ter a oportunidade de mostrar a ela o quanto a amo.
— Por favor, já estou com problemas suficientes com a situação atual.
Não vem com os e se, agora. Primeiro porque não estou com cabeça para
isso, e segundo que pelo que percebi foram esses e se fizeram parte do
processo de tortura que Tris veio se colocando — pedi, apertando as minhas
têmporas e fechando os olhos.
Ele deu um tapinha nas minhas costas.
— Desculpa, eu sei. Então digo que, se a minha opinião tem algum peso
nesse momento, não acredito que Tris vai fugir dessa vez.
— Espero que esteja certo porque não vou passar por isso novamente. Se
ela for embora dessa vez, sigo a minha vida e não vou olhar para trás. Eu a
amo mais do que imaginei ser possível, mas se não for dessa vez preciso
esquecê-la — comentei, sem esconder a tristeza, sabendo que não suportaria
passar por tudo novamente.
E se existia algo muito claro para mim, era que a próxima mulher que
entrasse na minha vida teria o meu corpo, minha companhia, mas não o meu
coração, não a minha alma.
Recebi uma mensagem da minha mãe, perguntado se estava tudo bem.
Liguei de volta informando que não voltaria para casa dos Schimidt, e ficaria
no Arthur. Assim que desliguei, o carro de Pedro parou a poucos metros de
nós. Ele saiu, com a camisa social amarrotada e um sorriso que mal cabia na
cara. O filho da mãe tinha se dado bem na noite anterior, e não estava
fazendo questão de esconder. Quase senti pena pela garota, porque quem quer
que fosse, iria sofrer no final, sem dúvida.
— Nossa... que cara a de vocês. — Pedro parou à nossa frente, cruzando
os braços. — Alguém morreu? — quis saber, olhando para Arthur e eu.
O seu comentário seria cômico se não fosse trágico, em tantos níveis
diferentes. Se ao menos Pedro soubesse...
Semicerrei os olhos em sua direção, e se não estivesse tão derrotado teria
lhe dado o soco. Aquele que deixei de dar na boate.
Arthur e eu ficamos apenas o encarado.
— Sério, estou ficando preocupado. A cara do Theo está horrível, e olha
que isso é praticamente impossível de acontecer. — Pedro apontou para mim
enquanto falava com Arthur.
Pedro sentou entre Arthur e eu, e nós contamos tudo o que tinha
acontecido. Deixei de fora detalhes sobre a minha noite com Tris. Afinal, ele
já olhava para ela o suficiente para o meu gosto, e dizer em voz alta que a
minha noite havia sido, sem dúvida, muito melhor do que a dele, não seria
uma boa ideia.
Não existia grau de comparação porque havia levado qualquer uma para
cama, já eu, estava com a mulher que amava. Por outro lado, a outra grande
diferença entre nós estava sendo a manhã seguinte. Pedro estava com um
sorriso enorme estampado no rosto, já eu me sentia como se tivesse sido
atropelado por um caminhão, mais de uma vez.
— Então, o Rodrigo ficou meses com a Tris e não conseguiu nada e
você, com uma noite apenas, tirou a virgindade dela? Amigo, você merece
um prêmio, sério, na boa, te dedico — disse Pedro, olhando para a frente,
enquanto me dava dois tapinhas nas costas e assentia com a cabeça, como se
estivesse impressionado.
— Porra, Pedro! — esbravejou Arthur.
— O quê? — Pedro arregalou os olhos para o irmão.
— Sério? — Eu o encarei. — Depois de tudo que acabei de contar foi só
essa parte que absorveu o suficiente para fazer um comentário? — questionei
pausadamente, cerrando os olhos para ele.
Pedro expirou forte.
— Alguém tem que comentar essa parte! — disse, jogando as mãos para
o alto.
— O meu irmão tem razão — Arthur assentiu. — Precisamos dele para
os comentários idiotas, inapropriados e fora de hora — completou, e deu tapa
na cabeça de Pedro.
Pedro resmungou e passou a mão esfregando o local no qual havia
apanhado.
— Nem vem, Arthur. Você sempre soube disso, e não me contou nada!
— Sempre soube, mas não cabia a mim contar nada para ninguém. Essa
história não é minha — Arthur confirmou com o olhar perdido.
— Porra, eu sou sempre o último a saber... — Pedro reclamou baixinho,
e o silêncio prevaleceu entre nós. — Se bem que tecnicamente, nesse caso, o
Rodrigo será o último a saber — completou, e aquela foi a minha vez de lhe
dar um tapa. — Desculpa, não está mais aqui quem falou — murmurou seu
arrependimento sincero.
— Você é inacreditável... — Arthur comentou baixinho, encarando o
irmão.
— Tudo bem. — Pedro bateu palmas, e depois esfregou uma mão na
outra. ― Então, o que vamos fazer para você ter a Tris de volta? —
perguntou sorrindo e esperando ansiosamente a minha resposta.
— Nada — respondi sem fazer contato visual, e pude sentir o olhar dele
sobre mim como se eu tivesse dito o maior absurdo do mundo.
— Como assim nada? Você vai deixá-la ir embora? Se ela está perdida,
você a salva! Não é assim que sempre funcionou essa dinâmica entre vocês?
Cadê o Theo que fazia absolutamente tudo pela Beatriz? Que só faltava
colocá-la em uma redoma quando éramos criança? Que me fazia perder no
videogame ameaçando me bater se ela chorasse por que eu tinha ganhado
dela? Que quebrou o skate do Arthur quando Tris disse que queria descer a
ladeira também?
— Acredite, ele ainda está aqui — emendei baixinho e respirei fundo. —
Mas dessa vez Beatriz precisa fazer isso sozinha. Porque às vezes a melhor
forma de salvar e demostrar que ama alguém é dar espaço para que ela lute e
faça tudo por conta própria.
inha mãe e Patrícia me deixaram sozinha, e com o passar das
horas adormeci. Não foi um sono tranquilo, mas o cheiro do Theo no
travesseiro parecia ajudar para que me acalmasse. Na verdade, na noite em
que dormi em seus braços senti que, se o mundo por acaso estivesse
desabando à nossa volta, nada de mal aconteceria conosco, porque ele nunca
permitiria. Ao mesmo tempo, não conseguia deixar de pensar no acidente, no
enterro, na Dani e na saudade que sentia.
Todos diziam que, com o tempo, a dor melhorava, passava. Que
acostumávamos com a realidade, e aceitávamos melhor os fatos. Pelo visto
aquilo não valia para mim, porque a dor parecia igual.
Obriguei-me a levantar da cama no início da noite. A luz do abajur
estava acesa e tive uma pequena esperança de ter sido Theo, mas ao ver o
suco e sanduíche ao meu lado tive certeza de que tinha sido minha mãe.
Peguei o copo e, percebendo que o líquido estava gelado, levei à boca.
Mesmo sem comer o dia inteiro, estava sem fome. Um pouco mais disposta
fui ao banheiro e, ao me encarar no espelho, encontrei um rosto inchado de
tanto chorar. Tentando melhorar o meu reflexo, lavei o rosto, escovei os
dentes e prendi os cabelos. Eu continuava horrível, mas parecer bonita não
me importava, porque a parte de fora era um reflexo de como me sentia por
dentro.
Deixei meu quarto e bati na porta da Ana, quando entrei encontrei minha
irmã saindo do banheiro, enrolada na toalha.
Quando se aproximou de mim, o carinho e amor em seu olhar
confessava tudo.
— Como está se sentido? — quis saber em um tom de voz meigo, ao
sentarmos na cama.
Apoiei a cabeça em seu ombro e ela segurou minha mão. Tive vontade
de dizer que estava me sentindo anestesiada, mas não consegui, não tinha
forças.
— Então, tudo foi ideia sua? — eu quis saber.
— Sim.
— Por quê? — quis saber, quase em um sussurro.
— Porque existem pessoas em nossas vidas pelas quais vale a pena lutar
até o fim. E eu nunca iria desistir de você, Tris. Só não sabia como provocar a
explosão que a traria de volta à vida. E... como o vovô é especialista em
explosão e causar confusão, ele foi o primeiro para quem contei que gostaria
de bagunçar um pouco as coisas — ela respondeu em um tom de voz muito
tranquilo.
Levantei a cabeça e olhei em seus lindos olhos cor de mel.
— E assim vocês decidiram bagunçar a minha vida colocando Theo e eu
juntos nessa cidade? — Eu sabia que estava correndo o risco de voltar a
chorar, só não me importava.
Ana suspirou e mordeu o lábio inferior, pensativa.
— Tris, tudo aconteceu ao mesmo tempo. Fiquei sabendo do término do
seu namoro na mesma semana que Arthur e eu viemos para cá. E, por algum
motivo, comentei sobre uma foto antiga nossa, que papai tirou na neve
quando éramos criança e que ficava no seu quarto. Então, fui ao seu quarto e
procurei nas gavetas até que encontrei uma coisa, e quando me dei conta de
quem era, me perguntei se você tinha pessoalmente recebido, ou se
desconhecia a existência.
— Do que você está falando?
— Uma carta — disse baixinho, receosa, e se calou por uns segundos
antes de continuar. — Me perdoe, sei que fiz algo totalmente errado. Que foi
uma invasão de privacidade, mas quando li o remetente não tive como
ignorar. Eu nem lembrava que vocês duas faziam esse tipo de coisa. Era uma
carta da Dani — sussurrou, como se estivesse me contanto um segredo.
Fechei os olhos, sabendo exatamente a que Ana se referia.
A carta me foi entregue dias após sua morte e não tive coragem de ler.
Assim que recebi gritei, briguei e a joguei no fundo de uma gaveta para que
suas palavras fossem esquecidas para sempre. Já me bastava a dor de ter
ouvido as mensagens após sua morte. Eu não suportaria ler nada que me
mostrasse que ela não estava mais ali, viva, por minha culpa.
— Eu não sabia se você tinha conhecimento da existência, mas acho que
precisa ler. — A voz suave de Ana me trouxe de volta para o presente.
Pisquei algumas vezes, tentando processar o que me foi dito enquanto
observava o envelope um pouco amarelado em sua mão. Peguei, receosa,
com medo de que o teor tivesse o poder de piorar tudo ainda mais.
— Leia, Tris. Dani queria compartilhar algo importante com você. Se
precisar de mim é só chamar — minha irmã disse com doçura, antes de beijar
a minha testa e voltar para o banheiro.
Meu coração passou a bater acelerado, era estranho imaginar ouvir sua
voz em minha mente, algo que diferente das recordações de momentos que
vivemos, como vinha acontecendo.
Fechei os olhos, abri o envelope às cegas e desdobrei o papel, respirando
fundo, buscando coragem.
Então a caligrafia de Dani surgiu à minha frente.

Tris, eu te liguei ainda agora chamando para vir ficar aqui


em casa comigo, mas você recusou. Disse que precisava estudar e
por isso não viria. Eu sabia que estava mentindo, mas fingi
acreditar. Parece até que esqueceu que a conheço melhor do que
você se conhece. Sei que imaginou que, com o meu convite, seria
obrigada a ficar sentada no sofá vendo filme, possivelmente,
entre Theo e eu, mais uma vez. Como me disse várias vezes,
segurando vela. Mas a verdade é que terminei com Theo há três
dias, e não queria contar para você por telefone. Não que contar
por carta seja o ideal, mas eu precisava contar agora, e pode até
ser que eu conte pessoalmente antes mesmo de que leia isso aqui,
mas...
Droga. Olha só, eu e meus devaneios fugindo do que
realmente importa aqui. Voltando ao assunto, nos últimos meses
em que Theo e eu estivemos juntos tive a comprovação do quanto
ele é bom, e o quanto se esforçou para me fazer feliz, me fazer
sorrir. Aí, comecei a me perguntar se ele realmente deveria se
esforçar tanto assim. Afinal, isso não deveria acontecer de forma
natural? Esse amor não deveria ser leve, divertido e cheio de
risadas? E foi quando comecei a observar ainda mais a forma
como Theo sempre agiu com você. Como tudo sempre foi sem
esforço. E vamos combinar que não existe ninguém melhor do
que eu para saber, porque convivi a vida inteira com vocês dois.
Com todas as implicâncias, as brigas, os choros, os risos, a
diversão, a superproteção de Theo em relação a você. Porque eu
estava lá, bem ao lado de vocês. Até quando ele te beijou pela
primeira vez, lembra? Já sei o que vai me dizer: “Fala sério,
Dani, eu tinha 13 anos”! Sim, mas e daí? A maneira como vocês
se olham, o jeito como Theo consegue, em poucos segundos, ler
sua mente e antecipar suas ações. Hoje nós temos 18 anos e isso
não mudou! Já sei... Já sei... Agora você vai começar a ficar
emburrada, olhando com cara feia, revirando os olhos e vai
dizer: “Nós somos amigos e nada mais! Eu estou namorado o
Rodrigo! Não é porque o cara me deu o meu primeiro beijo que
vou ter de ficar com ele para sempre”! Ok, sei que isso faz muito
sentido na maioria dos casos, não vou negar. Normalmente é
assim que funciona, esses namorinhos de infância ficam por lá
mesmo, e depois, quando passamos para a adolescência e a fase
adulta, conhecemos um monte de cafajestes pelo caminho, até
dar a sorte de encontrar algum que preste de verdade.

Mas o caso de vocês é diferente.

Vocês são a exceção à regra!

Tris, eu descobri que quero isso! Quero isso para mim


também! Quero esse amor de infância que não ficou na infância.
Quero um Theo na minha vida, assim como você tem, e nem ao
menos percebe.

Quando eu disse ao Theo que queria terminar o namoro ele


levou um susto. Não conseguia entender a minha atitude. Na
verdade, não conseguia nem falar, você sabe bem como ele é. O
único jeito que consegui explicar foi que na vida nós não
podemos perder tempo. Que ele é precioso demais para ser
desperdiçado. Então, nós não deveríamos continuar tentado algo
que sabíamos que não teria futuro. Eu sei disso! Está na cara! E
você sabe como sou, gosto de planejar a minha vida. E, ao
terminarmos a faculdade, sei o que quero fazer depois. Assim
como sei que quero me casar com o homem dos meus sonhos, ter
filhos e morar numa cidade tranquila. E, para isso acontecer, não
posso continuar com Theo simplesmente enganando a ele e a
mim mesma. Agindo como se ele fosse o homem dos meus
sonhos. Porque ele não é, Tris! E eu sei, mesmo que você não
tenha percebido ainda, eu sei que o Theo é o homem dos seus
sonhos. Aquele que Deus mandou exclusivamente para você.
Então, espero que depois de terminar de ler essa carta, você
converse com Rodrigo e diga a verdade a ele também. E sim, eu
sei que Rodrigo está a sei lá quantos mil quilômetros de distância
daqui, mas explique que, mesmo gostando muito dele, vocês estão
perdendo tempo nesse namoro morno e um tanto quanto sem
graça de vocês. Você sabe que acho Rodrigo um fofo,
supergatinho e o namorado perfeito. Mas, vocês dois juntos? Não
dá não, né, amiga?! Depois, quero que vá atrás do Theo e o beije.
O beije de verdade. Com vontade. Se entregando. Porque tenho
certeza de que quando o beijar dessa forma vai perceber e sentir
exatamente o que estou tentando dizer. Que Theo é a sua alma
gêmea. E depois venha correndo até mim, sorrindo, é claro,
dizendo que eu tenho razão. Primeiro, porque sabe o quanto amo
estar certa, e segundo, porque da mesma forma que você fica feliz
com a minha felicidade eu fico com sua.

Te amo, irmã.
Agora e sempre.
entia os músculos reclamando de dor, mas não conseguia parar.
Estava focado e não ouvia nada além do som provado pelo impacto das
minhas mãos.
— Teremos algum evento do UFC no fim de semana e não fiquei
sabendo? — Arthur entrou sala de musculação que ele e Pedro construíram
na casa dos pais.
— Não! — resmunguei.
— Então, passar mais de quatro horas aqui dentro hoje foi porque... —
Arthur deixou a frase no ar esperando que eu a completasse, mas não fiz,
continuei socando o saco de areia, ignorando-o totalmente — você comeu
muito e está com medo de ter engordado? — sugeriu ironicamente.
Parei com os socos e olhei em sua direção.
— O que você quer?! — esbravejei.
Ele levantou as mãos e deu um passo para trás.
— Só vim conferir se ainda estava vivo.
Irritado, tirei as luvas e as joguei no chão. Arthur arremessou uma
garrafa de água mineral em minha direção, e a peguei no ar. O suor cobria o
meu corpo inteiro e estava visivelmente ofegante. A minha ideia era ficar
fisicamente exausto na esperança da mente cansar no processo e desacelerar.
— Está tentando quebrar algum recorde pessoal, irmão? — Arthur
cruzou os braços e se sentou em um dos aparelhos de musculação.
— Tentando não pensar.
— Então ela ainda não ligou? — quis saber enquanto eu terminava de
beber toda a água da garrafa de uma só vez.
Neguei com a cabeça.
— Já se passou mais de trinta e seis horas, Arthur. E se não tivesse
repetido mais de mil vezes que ela ainda está na cidade, não acreditaria.
Ele apoiou as mãos na perna, levantou e se aproximou de mim.
— Tris passou o dia com a Joana. Não sei se deveria ficar passando
informações, mas cheguei à conclusão de que pela quantidade de vezes que a
minha namorada já te ligou, é indiferente.
Irritado, apertei a garrafa com força.
— Então, por que a Beatriz ainda não entrou em contato?
— Se tivesse que tentar adivinhar o motivo, chutaria que tem a ver com
o fato de não saber como — disse, com tranquilidade.
— Não sabe como? — repeti suas palavras, e cruzando os braços. —
Desculpa, Arthur, mas a Tris soube me dar as costas e ir embora, duas vezes.
Quem sabe ir embora, tem que saber como voltar — comentei, sem esconder
que estava quase enlouquecendo por precisar me manter distante dela.
— Na teoria, sim — ele emendou. — Mas Tris nunca precisou, ou quis,
lutar por alguém. Nós sabemos que os relacionamentos que ela teve foram
mais por conveniência do que qualquer coisa. Porque o único cara que a Tris
realmente amou fez a besteira de namorar a melhor amiga dela! Por um bom
tempo diga-se de passagem. E quando o desgraçado caiu na real e foi se
declarar, quando finalmente teve a chance de tê-la em seus braços e em sua
cama, escolheu a pior noite possível, porque para a merda ficar completa, a
ex-namorada dele que era melhor amiga dela, morre! Porra, dá um tempo e
espera porque ela vai aprender a chegar até você! — ele terminou de falar,
quase aos gritos.
Arregalei os olhos.
— Vem ensaiando esse discurso há muito tempo? — quis saber com
humor.
— Não. Sou apenas ótimo em fazer resumo — respondeu no mesmo
tom, e foi a minha vez de baixar a guarda.
— Tudo bem, mensagem recebida. Preciso ser mais paciente.
Arthur assentiu.
— Paciência é uma arte difícil, mas acredito que seja capaz —
comentou, dando dois tapinhas nas minhas costas, depois limpou a mão suada
na toalha. — Acho que deve tomar um banho frio e sair um pouco. Vá beber
uma cerveja com Pedro, ou algo assim — sugeriu, antes de se afastar, me
fazendo rir pela primeira vez no dia.
— Estou tentando imaginar se terei a Beatriz de volta, e me manda sair
com seu irmão? Essa é uma das piores ideias que já teve na vida! — gritei,
vendo Arthur sair da sala.
No final, mesmo sem vontade, concordei em sair, e decidimos ir a um
bar que havia sido inaugurado a pouco tempo na cidade. Assim que Pedro
estacionou o carro, avistei um familiar SUV preto, metros à frente. Fuzilei o
meu amigo com os olhos e apontei para o carro do Rodrigo.
— O quê? Você disse que seria uma noite entre amigos para beber e
conversar. Arthur está com Ana então... — disse, mostrando seu ponto de
vista.
Não respondi, apenas revirei os olhos e saí do carro, deixando de lado a
resistência inicial à presença do Rodrigo, e seguimos para o bar. Quando
percebi, estávamos os três conversando sobre esportes, viagens, trabalho... e
me surpreendi com fato do quanto era fácil interagir com ele também. Perdi
as contas de quantas vezes fomos abordados por mulheres, mas, assim que
percebiam que não conseguiriam nada, acabavam indo embora.
— Pedro deve estar doente hoje — Rodrigo comentou, antes de levar o
copo à boca.
— E por que estou doente? — Pedro volto sua atenção para o amigo.
— Porque não está se agarrando naquele canto com nenhuma mulher —
Rodrigo comentou, apontando para uma área reservada.
— Rá-rá-rá. Tão engraçado você!
Poderia ser loucura minha, mas por um segundo senti como se Pedro
tivesse ficado sem graça com o comentário feito por Rodrigo. Então decidi
colocar mais lenha naquela fogueira.
— Quer saber do que mais? Ontem sugeri que ele saísse com alguma
mulher, mas o nosso amigo preferiu ficar em casa, vendo filme, comigo —
comentei, apontando para Pedro com a garrafa que estava em minha mão.
Rodrigo riu, e apoiou os cotovelos no bar.
— Olha... Se não o conhecesse bem, diria que o Pedro está apaixonado
— comentou baixo.
Pedro cuspiu boa parte da cerveja que estava em sua boca.
Rodrigo e eu o encaramos sem esconder o espanto.
— O quê?! — Pedro esbravejou.
— Quem é ela? — perguntei, direto.
Pedro revirou os olhos e bufou.
— Não existe ela nenhuma, porra! Eu só quis passar alguns dias com os
meus amigos. Não é porque não transei nas últimas semanas que tem algo
errado comigo — ele resmungou.
— Cara, se você não transou nas últimas semanas, definitivamente tem
algo muito errado com você — Rodrigo concluiu, e concordei.
— A última vez em que isso aconteceu você tinha o quê? Dezesseis
anos? — debochei dele.
— Rá-rá! Vocês dois, hoje, estão cômicos! — comentou, deixando a
cerveja sobre o balcão. — Vou ao banheiro e já volto — Pedro levantou,
resmungando sozinho, que não estava apaixonado merda nenhuma, e
acompanhei ele se afastar, rindo de sua reação.
— Theo, existe algo que gostaria de falar antes do Pedro voltar —
Rodrigo disse, chamando minha atenção, e eu apoiei os braços no balcão e o
encarei.
— Claro.
— Eu sei o que aconteceu entre você e Tris. Sei que dormiram juntos,
antes da Tris terminar comigo — ele afirmou, tranquilo, sem mudar o tom da
voz.
Pego de surpresa com a bomba que foi a mudança total da conversa,
fiquei sem reação e o silêncio permaneceu entre nós por mais do que deveria,
e a verdade provavelmente estava estampada em meu rosto.
Um pequeno sorriso surgiu no rosto do Rodrigo.
— Obrigado por não negar.
— Não faria isso — respondi honestamente.
Rodrigo assentiu.
— Sempre soube que existia algo diferente entre vocês. Eu estava
apaixonado pela Tris, mas não era burro ou cego — comentou, com leve
humor.
Atônico com a confissão, olhei à minha volta e depois voltei a encará-lo.
— Como você...
— Tris me contou — respondeu, antes que eu terminasse a frase. — Não
diretamente, mas quando deixou o recado na caixa postal terminando comigo,
ela me contou. No início da mensagem, eu só conseguia ouvir seu choro —
comentou, parecendo perdido em suas lembranças. — Depois, ela repetia,
atropelando as palavras, que precisávamos terminar, que não queria ter me
magoado e que tinha arruinado tudo. Tris me pedia desculpa, perdão. — Ele
inspirou profundamente, e então continuou: — Não foi difícil de entender
que ela não estava pedindo perdão por estar me magoando por terminar o
namoro, e sim, por algo que havia feito antes.
Ficamos em silêncio, olhando um para outro.
— Ela estava pedindo perdão por ter ido pra cama comigo — afirmei.
Rodrigo assentiu.
— Ver vocês se beijando na boate foi apenas a confirmação final. Sem
contar que você praticamente assumiu quando me encontrou a primeira vez,
porque me olhou como se tivesse se sentindo culpado, não muito diferente da
Tris.
— No meu caso era uma mistura de culpa e ciúme — emendei a
confissão, pegando a garrafa de cerveja sobre o balcão. — Porque sabia que
não tinha jogando limpo quando decidi ir atrás da Tris e confessar que a
amava, mas o que aconteceu depois não foi premeditado. Agi por impulso,
me joguei de cabeça naquela noite.
Rodrigo riu.
— Theo, não foi a descoberta do milênio, não é mesmo? Todo mundo
sabia! Eu sabia! Mas preferi me enganar na época acreditando que... —
Rodrigo balançou a cabeça em negativa. — Isso não importa mais. A verdade
é que sim, eu a amo. E nos últimos dias percebi que provavelmente sempre
amarei. Mas no final tudo gira em torno desse sentimento, não é? Porque a
amo o bastante para saber com quem ela deve ficar. Quem a fará feliz, e isso
me basta. Só estou contanto tudo isso porque quero que sabia que não existe
razão para que sinta ciúme de mim, ou tenha reações como teve no bar.
Porque a Tris não me quer, acredite. E atitudes como aquela só irão magoá-la.
E duvido que esse seja o seu desejo, porque não é o meu. Ela é sua, sempre
foi.
— Bom... isso ainda está sub judice, Rodrigo. Infelizmente, ainda está
sob judice — comentei baixo, levando a garrafa à boca.
toque do meu celular gritava ao lado da cama. Sem abrir os olhos
estiquei o braço e tateei procurando o aparelho. Resmungando, virei a tela
para ver quem era. Fantástico.
— Oi — disse com a voz rouca.
— Bom dia, Theo. Desculpa por ter te acordado. Não imaginei que
estivesse dormindo até a essa hora — meu pai disse educadamente.
Suspirei enquanto sentava na cama, a claridade invadia o quarto pela
cortina entreaberta. A noite com o Rodrigo e Pedro no bar terminou bem
mais tarde do que eu havia planejado, mas valeu muito a pena por ter me
proporcionado, ainda que de forma inesperada, a oportunidade de encerramos
aquele assunto por completo, com respeito e a verdade que Rodrigo e eu
merecíamos.
— Não tenho sido beneficiado com boas noites de sono — disse
honestamente, tendo consciência do meu tom de voz cansado.
— Compreendo. Estou ligando porque gostaria de saber se tem algo
programado para hoje, agora no fim da manhã.
Esfreguei os olhos, tentando despertar o suficiente para compreender o
que dizia.
— Você está aqui?
— Sim — ele emendou, e ficou calado do outro lado da linha por alguns
segundos, então pigarrou. — E gostaria de saber se há a possibilidade de
almoçarmos juntos.
Suspirei, me ajeitando melhor na cama, completamente desconfortável
com a conversa. Essa coisa de momento pai e filho nunca existiu muito entre
nós. Nem mesmo antes. Era como se não existisse aquela conexão básica de
amor entre nós, ou que ela tivesse se perdido em algum momento da minha
infância. E, depois de tê-lo visto com outra mulher, traindo a minha mãe, foi
como se a admiração e respeito que existia em mim tivesse se desfeito no ar,
tamanha a amplitude do peso que aquela traição teve.
— Olha só. Eu realmente não estou com disposição para almoçar com
você e a sua... — Deixei a frase em aberto tentando não ser ou parecer
grosseiro daquela vez. O que era algo inédito se levássemos em consideração
todas as últimas conversas que tivemos.
— Estou sozinho, Theo. Só estou pedindo uma hora ao seu lado, filho —
ele emendou.
Surpreso, me calei, e conseguia ouvir a respiração do meu pai do outro
lado aguardando a minha resposta. Eu não contava em vê-lo aquela semana.
Imaginei que eu teria tempo para me preparar melhor, e escolheria um lugar
mais profissional para esse encontro, algo como uma das salas de reunião da
empresa, mas eu não estava com energia nem mesmo para discutir.
— Claro. Podemos sim.
Ele soltou o ar.
— Ótimo. Vou enviar o nome do hotel em que estou hospedado por
mensagem, o restaurante daqui é excelente.
Revirei os olhos.
Claro que o restaurante é excelente, todo os lugares que você frequente
tem que ser, no mínimo, excelente.
Mordi minha língua e controlei a vontade imediata que tive de retrucar e
respirei fundo antes de responder.
— Tudo bem, nos encontramos daqui a pouco.
Finalizei a ligação e fiquei encarando o celular, me perguntando se a
conversa tinha sido mesmo real, ou se eu ainda estava dormindo e tendo um
sonho, ou pesadelo. Verifiquei a hora, e vi que já passava das 11 da manhã.
Eu finalmente havia tido a primeira noite de sono decente depois de dias.
Então, acessei a caixa de mensagens na esperança de encontrar alguma uma
palavra vinda de Beatriz, mas ela continuava em silêncio. Incomodado,
larguei o celular na cama. Porque, de uma forma ou de outra, iria encontrá-la
à noite. A festa era a desculpa que eu estava aguardando para voltar para a
casa dos Schimidt. Levantei e fui para o banho. Apressado, peguei uma
camiseta branca e calça jeans na bolsa de viagem que Arthur havia pego com
a minha mãe, e vesti. Calcei o All Star e, por sorte, o blazer preto estava na
bolsa.
Quando coloquei os pés na cozinha, dei de cara com o Pedro brigando
com a máquina de café expresso, enquanto Arthur digitava algo no celular.
— Bom dia. — Deixei o blazer no encosto da cadeira e o celular sobre a
mesa.
— Uau. — Pedro me olhou de cima a baixo. — Vejam só! Theo acordou
pronto para conquistar o mundo — comentou com uma cápsula de café na
mão, ainda tentando abrir o compartimento da cafeteira.
Tirei a cápsula da mão do Pedro sem gentileza, coloquei no lugar e
apertei o botão. Em segundos, o aroma de café estava à nossa volta.
— Primeiro você aprende como se faz café. Depois, quem sabe, ganha o
direto de me zoar — devolvi.
Pedro bufou.
— Essa máquina é nova! Por isso que eu não sei! — justificou, sem
esconder o leve tom de mágoa sobre sua falta de habilidade, antes de me dar
as costas e sentar à mesa.
Arthur colocou o iPhone sobre a mesa com força.
— Isso é tudo igual, Pedro. Você que não sabe fazer porra nenhuma
sozinho. Acha que a garota que trabalha no Starbucks é mágica, e fica igual
um idiota olhando para ela, enquanto prepara seu pedido.
— Ei! — Ele bateu forte na mesa. — O cardápio é enorme e ela sabe
fazer todos! Fora que ela é linda — retrucou.
— É claro que ela sabe fazer todos, seu idiota; ela trabalha lá! — Arthur
gritou, e eu fiquei ali, de pé entre os dois.
— Por mais que seja uma ideia tentadora ficar aqui ouvindo a discussão
totalmente sem importância de vocês, tenho que sair. Meu pai está na cidade
e quer almoçar comigo. — Assim que terminei a frase, a cozinha foi tomada
pelo mais absoluto silêncio.
— Uau. Deus não está dando uma trégua para você essa semana, hein?
— Pedro murmurou, solidário.
— Aparentemente, não — emendei, derrotado, antes de me despedir dos
dois e sair para encontrar o meu pai pela primeira vez depois de um ano e
meio.
Não foi exatamente uma surpresa descobrir que o meu pai, o
megaempresário Fernando Ferraz, estava hospedado no melhor hotel da
cidade. Atravessei o hall imponente e segui em direção ao restaurante, que
ganhara grande destaque graças ao estilo clássico e sua porta dupla
envidraçada. Sem demora o avistei sentado em uma área reservada, e parecia
me procurar. Assim que me viu e se levantou. Alto, de corpo atlético e
cabelos levemente grisalhos, estava impecável de calça escura e camisa social
clara. Era como se estivesse sempre pronto para uma videoconferência de
emergência, ou qualquer coisa relacionada a trabalho. Porque a vida dele
sempre foi focada só nisso. Trabalho.
Ele sorriu, e me deu um abraço desajeitado. Mesmo surpreso, não recuei.
— É muito bom ver você, filho — disse, antes de me soltar.
E me senti na obrigação de concordar, surpreso e assustado com a sua
demonstração de afeto, principalmente por ter sido feita em público. Meu pai
era zero sentimental comigo. Aprendi o que era dar e receber carinho com a
minha mãe. E nunca ouvi meu pai dizer um “eu te amo”. Sentei à sua frente
na mesa, e um garçom surgiu nos entregando os cardápios. Meu pai já estava
com uma taça de vinho à sua frente e, se eu não tivesse pulado o café da
manhã, teria pedido o mesmo, porque sem dúvida o momento pedia álcool.
— Eu não sabia que você viria — comentei ao abrir o cardápio.
Meu pai se aproximou da mesa.
— Marina e Sérgio me convidaram para a festa. Mas antes, é claro,
perguntaram se a Patrícia estaria de acordo com a minha presença.
Levantei as sobrancelhas, surpreso.
— Minha mãe sabia que você viria? — Minha voz deve ter saído um
pouco mais alta que o normal, devido a surpresa da informação.
Ele assentiu.
— Claro. Eu nunca faria algo se fosse desagradá-la — emendou de
imediato.
— Interessante o seu comentário — murmurei ironicamente, lendo as
sugestões do chefe para o dia.
— Theo — ele juntou as mãos sobre a mesa entrelaçando os dedos, e sua
postura me mostrava que ele estava ali para tratar de assuntos sérios —, sei
absolutamente tudo de errado que fiz com sua mãe. Tudo de errado que fiz
com a minha mulher.
Levantei o dedo, o encarando.
— Ex-mulher.
Ele assentiu.
— Sim. Com a minha ex-mulher — se corrigiu, como se a palavra não
fosse agradável para ele. — Sei principalmente que não terei como desfazer
toda a dor que a causei. Mas, isso não vai me impedir de tentar.
Fechei o cardápio calmamente e o coloquei sobre a mesma.
— É mesmo? E como pretende fazer isso exatamente? — quis saber, me
controlando para não falar alto e chamar atenção de todos à nossa volta. Era
óbvio que muitos ali sabiam quem nós éramos. Cidade pequena, um dos
empresários mais conhecidos do país, era só fazer as contas.
Meu pai ficou calado, e não recriminou a forma como me dirigi a ele. O
que era basicamente o que eu estava esperando que ele fizesse. Porque seria a
porta de entrada para toda uma discussão que viria depois.
— Eu terminei tudo com a...
Levantei a mão.
— Por favor, nem diga o nome.
Ele assentiu.
— Terminei o relacionamento em que estava, de forma completa e
definitiva, há alguns meses. Essa pessoa saiu da minha vida de todas as
maneiras, acredito que esteja compreendendo o quero dizer.
— Sim, claro. Você está me dizendo que terminou com a sua amante, e
que a demitiu da empresa também — retruquei.
— Theo — seu rosto não escondia o cansaço que o trabalho na empresa
exigia —, estou dizendo que terminei, e não sei se faz alguma diferença pra
você, mas a decisão profissional foi tomada muito antes. A pessoa não faz
parte do quadro de funcionários desde quando você nos viu juntos.
Eu não sabia. Ao menos ele teve o bom senso de tirar aquela mulher da
empresa, mas a verdade era que nada mudaria o que meu pai tinha feito.
— Eu vou voltar. Vou assumir a empresa — comuniquei, totalmente
seguro da minha decisão.
Fernando sorriu pela primeira vez.
— Fico feliz em ouvir isso, filho.
— Deixando claro que a minha prioridade será a minha mãe. Vou
trabalhar na empresa e aprender tudo o que puder, mas sempre pronto para
me ausentar quando for necessário.
— Não imaginava nada diferente — ele se apressou em dizer. — Estarei
ao seu lado pelo tempo que for preciso. Pelo tempo que me quiser por perto.
Quero deixar a presidência da empresa para você, mas só quando se sentir à
vontade para assumir sozinho.
— Sendo assim, concordo — finalizei o assunto e levei a taça de água à
boca, deixando o líquido limpar parte dos sentimentos ruim que ainda sentia
pelo que ele fez.
— Tem mais uma coisa... — ele começou a falar, mas antes de continuar
tomou um gole de vinho que fez a quantidade na taça chegar próxima a zero.
— Quero ajudá-la. Quero cuidar da sua mãe, junto com você.
E foi quando quase me engasguei e tive a impressão de que o inferno
havia congelado. Choque. Não havia outra palavra que pudesse descrever
minha expressão. Total e completo choque.
— Me desculpa, acho que não ouvi direto. Pode repetir?
— Quero estar presente na vida da sua mãe. Sei que não mereço perdão,
sei o que a fiz passar. Mas, se Patrícia permitir, quero ajudá-la de todas as
formas que puder. Seja para levá-la ao médico ou fazer um exame, ir ao
mercado comprar algo que queira, dirigir para ela. Sei lá, Theo, qualquer
coisa que ela precisar e eu puder fazer — disse, passando a mão nos cabelos,
parecendo nervoso.
— Resumindo, você quer ser o que nunca foi. Fazer tudo que nunca fez
— comentei, seco.
— Todos cometemos erros na vida, Theo. Eu cometi vários, uma
infinidade deles e não nego. Isso não quer dizer que eu não esteja cem por
cento empenhado no longo processo de me tornar um homem melhor — ele
devolveu de imediato.
Debrucei-me sobre a mesa, pasmo.
— Então, você está em busca de redenção. Mas, e a empresa? — Devia
estar escrito na minha cara que eu não estava reconhecendo o homem à
minha frente.
— Como disse, Patrícia é a prioridade — devolveu de imediato e se
calou, pensativo. — Ela é a nossa prioridade — finalizou seguro.
E foi quando me questionei se tinha acordado em um mundo paralelo.
Eu não conseguia acreditar. Porque a frase foi dita pelo homem que não fez
outra coisa na vida, além de colocar negócios à frente da família em sua
escala de prioridades. Seus olhos procuravam em meu rosto por sinais da
resposta que daria. Quem era aquele homem que estava à minha frente?
Porque definitivamente não era o meu pai.
— Essa resposta não deve vir de mim — disse rapidamente, desviando o
olhar.
— Eu sei. Só queria comunicar a minha intenção antes de conversar com
a sua mãe — emendou.
Mordi o lábio, desconfortável com o assunto.
— Não sei se gosto disso. Então, o máximo que posso dizer é que vou
respeitar a decisão dela.
Eu poderia ter dito que não acreditava que ele era capaz de qualquer ato
altruísta na vida. Não acreditava que tivesse mudado tanto a ponto de fazer de
outro ser humano sua prioridade, mas se minha mãe concordasse com o meu
pai iria lhe propor, eu estaria por perto para impedir que ele fizesse mal a ela
mais uma vez.
— É o máximo que posso pedir — disse, se dando por satisfeito.
Ótimo, porque era o máximo que poderia oferecer. Porque a verdade era
que a confiança que exista entre nós havia sido quebrada, e meu pai se
esforçou muito durante a vida para chegarmos a esse ponto. E seria
ingenuidade da parte dele, acreditar que algo tão valioso fosse ser recuperado
do dia para a noite, com uma simples conversa recheadas de promessas que
poderia muito bem ser vazias. Ele nunca ganharia o prêmio de pai do ano,
nem de marido, pelo seu retrospecto, mas se existe algo que aprendi nos
últimos dias, é que o único jeito de termos a chance de um futuro diferente é
enfrentando o passado, colocando todas as questões sobre a mesa, e
destruindo os fantasmas de uma vez por todas.
ris, vamos brincar?
A voz da Dani me chamou entre risos. Abri os olhos e estava no meu
quarto de infância. Levantei da pequena cama na qual dormia encolhida, e,
descalça, segui pelo corredor da casa. De repente, cenas da nossa infância
começaram a surgir como grandes quadros à minha frente. Dani e eu, ainda
crianças, correndo pelo jardim, disputando o balanço onde nos
intercalávamos entre empurrar e ser empurrada. Nós duas comendo doces
na confeitaria. Depois, estávamos sentadas ao lado da piscina rindo e
conversando sobre garotos. Jogando videogame, cantando no karaokê,
fazendo guerra de balões de água no jardim. Era como se eu estivesse
assentindo a um filme da história de nossas vidas. E, em um piscar de olhos,
a nossa festa de boas-vindas da faculdade, nós estávamos sorrindo,
dançando e bebendo tequila pela primeira vez, sempre juntas. E depois...
tudo ficou branco. Não havia mais histórias. Quando a névoa branca se
dissipou, vi Dani se divertindo sozinha distante de mim. O lugar era lindo,
ela dançava com outras pessoas em um vestido esvoaçante rosa-claro, e
rodopiava sorrindo.
Tudo era tão mágico que meus pés me levaram em direção à festa, para
perto da Dani. Então, ela me viu e sorriu.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei baixinho, e quase não
reconheci minha voz.
Dani olhou à nossa volta e sorriu.
— Estou vivendo — disse com doçura, mas como se estivesse me
apontando o óbvio, depois tocou meu rosto com carinho. — Devia fazer o
mesmo, Tris.
*
Abri os olhos e percebi que um novo dia estava começando. Tudo
pareceu tão real que precisei de alguns segundos para processar que tinha
sido apenas um sonho, enquanto sentia uma lágrima escorregando pela minha
bochecha. Eu sentia terrivelmente a falta da Dani, mas, de alguma maneira, a
dor não parecia ser a mesma de dois dias atrás. Era como se algo estivesse
começando a mudar aos poucos dentro de mim. Talvez, no meu tempo,
conseguiria transformar a dor em saudade, com boas lembranças, e a
compreensão de que eu sempre a teria perto de mim. Porque a marca da nossa
amizade, do nosso amor de irmã, estava tatuada no meu corpo. Agora e
Sempre.
A carta permanecia no travesseiro ao meu lado, agora mais amassada do
que antes. Eu a peguei com cuidado, dobrei e guardei, como uma relíquia que
preservaria para sempre com carinho.
Sentada na cama, suspirei, observando à minha volta e relembrando
todos os acontecimentos da minha história que ali haviam sido escritos. Ao
mesmo tempo, ciente de que a razão inicial pela qual estava na cidade havia
chegado. Tentando evitar ser tomada pela ansiedade, levantei e segui para o
banho, permitindo que a água morna abraçasse o meu corpo com carinho, e
foi inevitável pensar no Theo, e na noite que passamos juntos. Estávamos
completando dois dias sem nos ver. Mais de quarenta e oito horas desde que
o deixei para trás naquela rua vazia, triste e solitária após confessar que o
amava. E ali, de olhos fechados, com água escorrendo pelo meu rosto, me
sentia vazia, como se nada tivesse graça, ou fizesse sentido sem a presença
dele. Como se parte do meu coração tivesse ficado com ele quando o meu
carro se afastou.
Passava das nove e meia da manhã, e a movimentação do lado de fora da
casa era intensa, devido ao evento da noite. Ouvi caminhões e vans
estacionando, enquanto eu escovava os cabelos e os prendia em um rabo de
cavalo alto, olhando o meu reflexo no espelho. Eu estava pálida e parecendo
um pouco sem brilho, sem vida. Talvez fosse pela enxurrada de informações
e emoções da semana, ou pela falta do Theo.
O barulho de um carro se aproximando me arrancou dos pensamentos, e
movida pela esperança de ser Theo, corri para a janela do quarto a tempo de
avistar Arthur estacionar. Sem pensar, saí correndo em direção à entrada
principal da casa, e encontrei ele e minha irmã na varanda conversando.
— Oi, bom dia. — Ana sorriu.
— Bom dia — respondi, apressada, e me aproximei de Arthur. — Theo
veio com você? — quis saber, procurando ver se tinha mais alguém no carro.
Arthur me olhou sem conseguir esconder que eu, certamente, não
gostaria da resposta.
— Não, linda, ele está na minha casa. Theo e Pedro saíram ontem.
Senti meu coração partir em mais um pedacinho porque Theo já estava
se divertindo, vivendo a própria vida. E eu não poderia culpá-lo por decidir
seguir em frente. Talvez eu tenha demorado demais para lidar com as minhas
próprias questões, para dar valor a nós dois.
— Pelo visto já me esqueceu — murmurei o meu pesar por ter demorado
demais a acreditar em nós dois.
— Tris, não fala assim. — Ana passou a mão no meu braço, tentando me
consolar.
— O cara continuou te amando por anos sem ao menos te ver. Acha
mesmo que te esqueceu, e está superbem em quarenta e oito horas? — Arthur
me recriminou de imediato.
— Vamos falar a verdade, Arthur. Ele não voltou — comentei com
lágrimas nos olhos, sem esconder a decepção. Sem esconder o quanto
desejava que Theo tivesse retornado, entrado no meu quarto de madrugada e
me abraçado até que eu dormisse, me dando a certeza de que está tudo bem.
Que ainda existia uma chance para nós dois.
Arthur respirou fundo.
— Tris, olha só... — Ele entregou, para Ana, um cabide coberto por uma
capa preta, que me pareceu ser um terno, e segurou a minha mão entre suas
mãos, me obrigando a olhar em seus olhos. — Theo só está lhe dando o que
pediu. Se acha que ele está feliz, não o conhece tão bem quanto achei que
você o conhecesse.
Concordei, balançando a cabeça.
— Sei que ele só está fazendo o que pedi, mas eu queria que ele tivesse
voltado. Queria que tivesse vindo atrás de mim — confessei, e Arthur riu.
— Sempre achei tão errado o que Theo fazia com você — ele comentou,
e a minha expressão de não entendimento deve ter ficado evidente, porque
Arthur continuou: — Ele passou tempo demais transformando você em uma
princesa. Te colocando em uma redoma perfeita de vidro quando éramos
novos, agora deu nisso. Você acha que é ele que deve vir até você, mais uma
vez. — Balançou a cabeça em negativa, com um pequeno sorriso no rosto e
beijou minha testa. — À noite estaremos aqui. — Piscou para mim e me
soltou.
Depois Arthur beijou Ana e seguiu para o seu carro. Minha irmã e eu
ficamos lado a lado vendo o carro se afastar. Talvez Arthur estivesse certo.
Eu não podia continuar permitindo que Theo fizesse tudo por mim, ele
precisava saber que não era só ele que lutaria por nós dois. Ana passou a mão
no meu braço, chamando a minha atenção, e eu olhei para ela, assustada.
— O que acha de um tratamento de beleza antes da festa? — Piscou e
sorriu.
Assenti sem animação, e ela segurou minhas mãos.
— Ei, Theo vai estar aqui! Então, por que não ficar linda, e provar que é
possível fazer um homem de vinte e seis anos ter um ataque cardíaco —
sugeriu, os olhos brilhando.
Revirei os olhos.
— Eu o amo. Não quero que ele morra — retruquei baixinho com leve
humor, enquanto era rebocada para dentro de casa, sem nem ao menos ter
certeza de que Ana havia percebido o peso e a importância daquele momento.
Tinha sido a primeira vez que assumia em voz alta para ela o meu sentimento
mais verdadeiro por Theo. O sentimento que sempre existiu dentro de mim, e
que lutei com tanta energia para sufocar. Mas ali, as palavras saíram dos
meus lábios com leveza e naturalidade, porque quando se diz algo tão
verdadeiro é assim, leve e sem esforço, vem com coração, nos mostrando o
que os olhos embaçados pela dor não nos permite enxergar.
Ainda tínhamos umas boas dez horas até a festa começar. A
movimentação de caixas, arranjos de flores, mesas e cadeiras no jardim
continuava, e como minha mãe havia contratado uma empresa de eventos,
ela, Patrícia e Joana decidiram passar o dia em um SPA. Claro que o convite
foi estendido a nós, mas, como recusei, Ana fez o mesmo para não me deixar
sozinha. Eu era uma pessoa de sorte por ter a irmã mais doce, compreensiva e
companheira do mundo que, ainda por cima, sem que eu soubesse, havia
contratado uma equipe de profissionais de beleza, que apareceram como num
passe de mágica, no melhor estilo fada madrinha. Durante horas conversamos
e rimos, o que ajudou que a minha ansiedade em relação ao Theo diminuísse.
Nós iríamos nos encontrar, e não adiantava sofrer por antecipação, palavras
da Ana, que tentei internalizar aos poucos.
Horas depois eu estava observando meu reflexo no espelho, vestindo
algo que não era exatamente o que havia pendurado no armário assim que
cheguei. Isso porque minha mãe, no dia anterior, tinha entrado no meu quarto
com uma caixa preta enorme nos braços dizendo que ficaria feliz se eu
escolhesse usar, na festa, algo que havia comprado para mim, e eu concordei
antes mesmo de abrir a caixa, porque depois de tudo que compartilhamos
naquela semana, nos aproximamos como nunca imaginei ser possível, e
queria deixá-la feliz.
— Uau! Tris, você está linda.
Ana apareceu na porta do meu quarto, e eu continuava admirando meu
presente através do reflexo no espelho. Um vestido off-white com mangas
longas e um decote absurdamente profundo na frente, repleto de pequenos
pontos de brilho. Ajustado ao meu corpo, ele abria em uma saia em forma de
A. Os detalhes eram incríveis e parecia ter sido feito para mim. Era perfeito
além das palavras. Um conto de fadas de tão perfeito. Com pouca maquiagem
no rosto e os cabelos presos em uma bela e volumosa trança lateral, não havia
nada a fazer. Além de arrematar a trança com a flor natural que estava em
minhas mãos.
Engoli o nó de emoção que se formou.
— Eu estou... — murmurei, ainda me olhando no espelho.
— Parecendo uma princesa — ela completou sorrindo, enquanto
caminhava em minha direção, e a acompanhei pelo espelho.
Seu vestido era lilás de um ombro só, delicado e esvoaçante. Ana estava
linda e, de certa forma, nossos vestidos combinavam em uma perfeita
harmonia. Ela optou com um coque alto no melhor estilo Audrey Hepburn,
deixando-a, elegante e mais adulta.
Girei o corpo com rapidez e segurei a sua mão.
— Ana, você está deslumbrante! — Ela abriu um enorme sorriso. —
Nossa, você está um mulherão... — comentei, percebendo naquele momento
o quanto a minha chatinha tinha mudado nos últimos anos, e eu não havia
percebido.
— Obrigada. — Ela abaixou levemente em reverência. — Então, vamos
ver o que está faltando agora... — Seus olhos corriam por meu vestido e
rosto. Levantei a mão mostrando a flor.
— Hmm.... As flores são lindas, mas tenho uma ideia. Me espera aqui —
comentou com um sorriso que iluminou seu rosto antes de sair apressada e
me deixar sozinha para trás sem entender nada.
Em menos de dois minutos, Ana estava de volta com algo nas mãos e
com um sorriso de quem estava aprontando no rosto.
— Que tal trocar a flor por isso. — Ela abriu a caixa de veludo vermelha
à minha frente. — É só uma ideia.
— Ana... — sussurrei, maravilhada, sentindo o peso da emoção e
nostalgia, enquanto observava a tiara que ela havia dado de presente quando
fiz 15 anos. A mesma tiara em que ela fez o vovô Augusto gastar uma
pequena fortuna, e a qual eu usei apenas uma noite. Tudo porque o Theo me
chama de princesa, e como dançamos juntos no meu aniversário de 15 anos,
minha irmãzinha, com 11 anos na época, achou que era necessário. Foi um
dos melhores presentes de aniversário que já ganhei, repleto de significados.
— Algo lindo assim merece sair da caixa de tempos em tempos. E
imaginei que hoje poderia ser um bom momento para usar de novo — ela
comentou, e piscou para mim, sorrindo.
Eu não conseguia parar de sorrir. Parecia a pessoa mais idiota, boba e
feliz do mundo. Ana encaixou na minha cabeça a delicada tiara coberta por
cristais, e os lindos pontos de luz se destacaram nos meus cabelos.
— Perfeita — disse, sem esconder o orgulho, e girou meu corpo para
que eu pudesse ver no espelho, e fiquei sem palavras.
— Você é incrível, sabia? — comentei, sem esconder o orgulho pela
mulher que ela havia se tornado.
— Eu sei! — concordou, convencida, me fazendo rir. — Só espero que
dessa vez você vá atrás da sua felicidade e do seu príncipe encantado —
sussurrou em meu ouvido e beijou me rosto.
Abracei minha irmã.
De verdade.
Com toda a força de amor que existia dentro de mim.
— Eu te amo tanto — disse baixinho em seu ouvido, e era algo que
devia ter feito todos os dias da minha vida, mesmo às vezes querendo
enforcá-la.
Porque era a verdade.
— Também te amo muito. — Ela saiu do meu abraço e me encarou,
séria. — Estou esperando o convite para ser a madrinha desse casamento! —
disse, as mãos na cintura no seu jeito mandona de sempre, e gargalhei de
verdade.
— Eu prometo que será madrinha desse casamento.
stá acontecendo uma festa lá fora, sabia? — Uma voz
feminina chamou minha atenção, fazendo com que meus olhos deixassem de
acompanhar os convidados que seguiam por um tapete vermelho em direção
às grandes tendas brancas do outro lado da janela. Patrícia descia as escadas
em um longo e lindo vestido cinza.
— Uau, você está linda — comentei, indo ao seu encontro para abraçá-
la, depois ela se afastou e segurou minhas mãos.
— Obrigada, querida. Mas, espero que tenha se olhado no espelho antes
de sair do quarto porque a mais bela, sem dúvida, é você. — Ela arrumou a
trança no meu ombro, depois o enfeite em minha cabeça, e sorriu. — Vamos?
— Seus olhos brilhavam e, por um instante, pensei que fosse chorar de
emoção.
Seguimos até os convidados de braços dados, eu não sabia por quanto
tempo minha mãe estava organizando tudo, mas fiquei encantada com o que
criaram no jardim da casa. Eram arranjos de flores brancas, velas, e árvores
cobertas por pequenas luzes por toda parte. Era tão mágico que parecia um
sonho. Assim que minha mãe nos viu chamou a Patrícia, que foi ao seu
encontro, me deixando sozinha entre tantas pessoas desconhecidas para mim.
Por sorte, avistei Joana e seu vestido preto, que contava com um decote
vertiginoso nas costas. E se existia uma pessoa que sabia explorar sua
sensualidade com classe, era ela.
— Tris, você está incrível. Amei o vestido! Sexy e romântico —
comentou, parecendo orgulhosa, enquanto sorria para mim.
— Veja só quem fala. Está querendo provocar um ataque cardíaco em
alguém hoje? — perguntei, observando suas costas nuas e a fazendo rir.
Ela passou a mão sobre a seda, orgulhosa.
— Vai que dou sorte de encontrar alguém interessante. Comprei como
investimento — comentou ao pegar duas taças de champanhe na bandeja que
passava por nós, e eu aceitei uma, sorrindo.
— Boa noite, senhoritas. — A voz masculina e sexy surgiu atrás de nós.
Joana e eu viramos juntas e encontramos Pedro e seu terno slim escuro,
camisa branca e uma gravata fina preta que faria qualquer modelo da Armani
chorar de depressão. Nosso queixo caiu e consegui ouvir Joana suspirando ao
meu lado, e Pedro rindo baixinho.
— Querido... — Joana correu os olhos sobre Pedro. — Você veio direto
das passarelas de Milão? — quis saber, nos fazendo rir.
— Oi, Pedro. — Sorrindo beijei seu rosto, ele pegou a minha mão e me
fez dar uma voltinha.
— Nossa, Tris, você está uma arraso! — comentou, e se afastou para me
observar melhor. Depois, se virou para Joana, e deu a mesma conferida. —
Como vocês ainda não estão rodeadas de homens?
— Também não sei — Joana emendou, parecendo perplexa, e levemente
revoltada, com o fato.
Revirei os olhos.
Eles eram loucos, mas eu os amava imensamente, porque a conversa
com Pedro e Joana era sempre leve e divertida, o que me ajudava a não
enlouquecer de ansiedade aguardando Theo chegar.
— Tris.... — Pedro apontou para um ponto distante trás de mim. —
Aquele ali não é o vovô Augusto? — E me virei para olhar.
— É ele mesmo — comentei ao ver meu avô se aproximar da tenda
principal, vestido com um elegante terno escuro e com um grande sorriso no
rosto.
— Quem é a mulher que está ao lado do papai? — Joana olhava
intrigada para a morena de vestido longo preto, que devia ter na faixa de uns
50 anos e que acabara de dar o braço para o vovô, sorrindo.
— Ai... Meu... Deus... — sussurrei, enquanto acompanhava com os
olhos o vovô de cabeça erguida e peito estufado acenando para algumas
pessoas com a mulher ao seu lado, como se estivesse na festa do Oscar, e
aguardando os flashes dos fotógrafos registrando o momento.
— Ai meu Deus, o quê? — Pedro me olhou sem entender.
— Tris... você conhece essa mulher? — Joana olhava para a direção do
vovô e depois para mim.
— Hmm — cobri a boca uma das mãos, não acreditando no que eu diria
a seguir —, acho que é a Francisca — comentei, com dificuldade para
absorver as palavras que tinham saído da minha boca, enquanto vovô
segurava a mulher pela cintura e fazia um carinho bem íntimo em seu rosto, o
que só comprovava ainda mais a minha teoria.
— Francisca?! A tal amiga de quem ele tanto fala? — O tom de voz de
Joana foi bem mais alto do que costumava usar, e nem a maquiagem
conseguiu esconder o fato que o sangue parecia ter desaparecido de seu rosto
por completo, graças a informação que dei.
De queixo caído, não tive outra opção que não fosse assentir.
— Gente, do que vocês estão falando? — Pedro quis saber, enquanto
observávamos o vovô cumprimentar minha mãe e Patrícia, e em sequência
parecia apresentar a Francisca às duas.
— Aquela mulher é a namorada do vovô — comentei apontando para o
mulherão de cabelos pretos e batom vermelho que beijava o rosto da minha
mãe, quanto o vovô Augusto vergonhosamente descia sua a mão pelas costas
até apoiá-las no quadril, e eu desejei não ter visto aquela cena.
Joana respirou fundo ao meu lado.
— Não pode ser. Isso é um completo pesadelo. Eu não tenho companhia
para a noite, e meu pai vem com uma mulher que tem uns trinta anos a menos
que ele, e ainda quase passando a mão na bunda dela como não houvesse
ninguém ao redor. — Joana pegou outra taça na bandeja do garçom que
passava por nós. — Para o mundo que eu quero descer... — resmungou e
voltou a beber.
Eu ri, porque não havia nada mais a se fazer.
— Se quiser posso ser seu acompanhante — Pedro disse para Joana com
a voz mais sensual do mundo, e nós duas o encaramos. Porque o sem-
vergonha estava dando aquele sorriso, que as mulheres se apaixonam em
menos de trinta segundos.
Intercalei o olhar entre Pedro e Joana, e percebi que ela estava cogitando
a proposta.
Respirei fundo, e toquei em seu braço com delicadeza.
— Se resolver aproveitar o convite, boa sorte com esse aí.
Deixei os dois conversando e me afastei, porque nos últimos dias eu
estava tendo acesso a informações pessoas demais para o meu gosto, em
relação aos relacionamentos da minha família. Dei minha cota por encerrada.
Se Joana estivesse a fim de embarcar naquela, eu não iria me meter. Fora que
se o meu avô tinha uma queda para ser papa anjo, imagino que, se tratando
de Joana, o fruto não devia ter caído muito distante da árvore.
Circulei pela festa por quase uma hora, completamente impaciente
porque Theo ainda não havia chegado. Segui caminhando pelo jardim, me
afastando da aglomeração, até encontrar uma das tendas de open bar. Peguei
uma taça de champanhe e, quando virei para continuar vagando, avistei Theo
e Arthur metros à minha frente. Meu coração literalmente parou por alguns
segundos. Então, virei o líquido de uma só vez na boca e devolvi a taça ao
barman. Não havia mais tempo a perder. Eu precisava agarrar a minha
chance, e falar tudo o que Theo merecia ouvir.
Precisava, ao menos uma vez na vida, não dar as costas e fugir de quem
eu mais amava. Eu me aproximei com passos receosos, parando a menos de
dois metros deles.
— Oi... — disse baixinho, e vi a postura de Theo mudar ao ouvir minha
voz, demostrando que tinha sido pego de surpresa.
Arthur sorriu para Theo, depois piscou para mim e seguiu caminhando
despretensiosamente com as mãos nos bolsos da calça em direção à tenda
principal, nos dando privacidade.
Theo virou em minha direção e fiquei sem ar. Ele parecia um deus grego
vestindo um terno azul-marinho, mas meu coração disparou de vez quando
seus olhos azuis se prenderam aos meus.
— Você está linda — disse em tom de adoração, enquanto seus olhos
pareciam absorver cada detalhe, do vestido em meu corpo até a cor do meu
batom, e percebi o exato instante em que seu olhar se prendeu ao que Ana
havia colocado na minha cabeça, e sem dúvida ele lembrou do único dia em
que a usei. — Tris... — sussurrou quando o seu olhar desceu da tiara para os
meus olhos.
Eu me aproximei e coloquei o dedo sobre os seus lábios.
— Não. Agora é a minha vez de falar, e você vai só ouvir por enquanto,
ok? — Ele moveu a cabeça de forma afirmativa, e eu tirei o dedo de seus
lábios respirando fundo, e olhei em seus olhos.
— Theo, quando a Dani morreu, meu mundo desabou. Depois do
enterro, quando voltei para casa, eu estava devastada, sentindo uma dor que
nunca imaginei existir. Mas você precisa saber que sim, eu peguei o celular
com a intenção de te ligar. Porque queria dizer que te amava, que eu estava
confusa e sofrendo, e que precisava de você ao meu lado. Mas, acabei
encontrando mensagens da Dani na caixa postal e... ela me perguntava onde
eu estava, se eu havia esquecido dela. Aquelas frases, na minha cabeça me
fizeram sentir tão culpada por tudo, que acreditei verdadeiramente que a
morte dela era o meu castigo por ter passado a noite com você. Como se ficar
com você fosse uma maldição.
Theo ameaçou abrir a boca para falar, e mais uma vez coloquei o dedo
sobre os seus lábios.
— Então, fiz a única coisa que consegui na época. Fugir. De você, da
cidade, dos nossos amigos, que me faziam tanto lembrar da Dani e de como
éramos felizes. Eu fugi de mim mesma, Theo — confessei, levando a mão ao
peito. — Quando o reencontrei, senti tanta raiva de você. Raiva de mim. Era
como se tudo que eu tinha feito tivesse sido em vão, porque na primeira vez
em que coloquei os pés nesse lugar, você reapareceu. Mas, agora sei por que
você está aqui, por que eu estou aqui. E sei principalmente o quanto essa
jornada foi importante, e necessária para nós dois, principalmente para mim.
Porque desde que entrei nessa casa, senti raiva, briguei, chorei, tive medo,
sorri, me diverti, compartilhei segredos, fui amada, amei e cresci. Fiz tudo
isso bem aqui, ao seu lado. Nos últimos sete dias fiz tudo que não me permiti
nos últimos anos. Todos os sentimentos e emoções que, de alguma forma,
aprendi a bloquear com o tempo. Theo, eu fui mais feliz em uma semana do
que nos últimos cinco anos.
Theo permanecia imóvel à minha frente, e prestava atenção a cada
palavra que saía da minha boca. E eu me agarrei a chance de fazê-lo me
conhecer por completo.
— Eu sei, que quando o deixei sozinho no meio daquela rua, você
também estava ferido e magoado, e peço perdão por isso. Sei que me disse
que não me esperaria para sempre, mas estou nutrindo a esperança de que
tenha me esperado só mais um pouquinho, só por mais dois dias, porque eu
desejo ficar ao seu lado para sempre — confessei, e dei mais um passo em
sua direção. — E se algum dia fui uma princesa foi porque você me fez ser
sua princesa, com suas atitudes, cuidados, sua força, sua habilidade de saber
sempre o que estou pensando, por me desafiar e, principalmente, por me
amar. Sou mais eu mesma ao seu lado do que sozinha. Sou uma pessoa
melhor, uma irmã melhor, uma filha melhor, uma amiga melhor. E a partir de
agora quero ser uma mulher melhor para você. Porque você inspira querer
ser. Porque essas são as consequências de amar você.
Sentia sua respiração ficando cada vez mais intensa. Seus olhos
demostravam o que sua boca não podia falar por conta do meu pedido de
apenas me ouvir.
— Ouvi da minha mãe, e da sua mãe, que tudo que elas mais desejam na
vida é ver a felicidade dos filhos. Eu descobri que a minha felicidade é ao seu
lado, só preciso saber se a sua ainda é ao meu. Preciso saber se ainda sou a
mulher da sua vida, tanto quanto você é o único homem da minha.
Eu não tive certeza se as últimas palavras haviam de fato saído da minha
boca, porque Theo me calou esmagando a minha boca com a dele, e eu estava
em casa. Porque ele era a minha pessoa no mundo. E eu só tinha a agradecer
por ter tido por perto pessoas tão maravilhosas, que nos amam ao ponto de
nos ajudar a corrigir erros do passado.
Ele me levantou, tirando meus pés do chão, enquanto sua língua invadia
de novo e de novo a minha boca possessivamente, demonstrando desejo,
saudade, amor, e um certo alívio, me deixando completamente sem ar. Me
fazendo gemer baixinho, ao ponto de me fazer esquecer que existiam outras
pessoas no mundo além de nós dois. Eu poderia ficar ali, em seus braços,
para sempre. Como se também não quisesse que o beijo chegasse ao fim, ele
roçou os lábios nos meus.
— Eu te amo. Sempre foi você, Tris — ele sussurrou em devoção e me
beijou, daquela vez com suavidade, enquanto uma sombra de sorriso tentava
surgir em meus lábios.
— Fico feliz de ouvir isso... — emendei no mesmo tom, de encontro aos
seus lábios, e subindo a mão pelo seu pescoço, fazendo com que meus dedos
desaparecerem entre seus cabelos. — Porque vai ter que me aturar para
sempre, porque eu te amo também — disse baixinho, daquela vez em seu
ouvido, e pude sentir seu sorriso antes de beijar meu pescoço.
— É tudo que mais quero. Tudo que sempre quis, pode acreditar.
E ali pude ver em seus olhos, e sentir no tom de sua voz, que os últimos
dois dias também não tinham sido fáceis para ele. Como se tivesse tido medo
de que eu fosse, mais uma vez, desistir de nós dois.
— Me perdoa por ter demorado tanto? — quis saber, enquanto meus
dedos contornavam os traços de seu rosto. Ele era ridiculamente lindo, por
dentro e por fora. Theo beijou a minha testa.
— Tudo aconteceu como deveria ser. O que importa é que escolhemos
um ao outro — disse com doçura, antes de me beijar de novo, sem pressa,
como se fosse algo que já havia decidido fazer o tempo todo a partir daquele
momento.
E Deus do céu, nunca imaginei que algum dia fosse me sentir daquele
jeito. Tão viva, tão inteira.
— Finalmente! — Arthur gritou vindo em nossa direção com duas taças
de champanhe nas mãos, ao seu lado Ana, dava gritinhos e batia palmas,
animada. Theo me colocou no chão e fiquei envergonhada pelo show que
tínhamos acabado de dar.
— Estou tão feliz! — Ana abraçou Theo e a mim ao mesmo tempo. —
Eu amo vocês.
— Agora temos mais um motivo para comemorar. — Pedro se
aproximava com uma bandeja com várias taças de champanhe cheias,
acompanhado por Rodrigo, Laura e Joana.
— Não sabia que mamãe tinha contratado um garçom mulherengo —
comentei pegando uma das taças, e todos fizeram o mesmo.
— Ahh, Veja só... — ele apertou minha bochecha — ela e essa língua
afiada. Que tal uma dancinha, só nós dois? — sugeriu, piscando para mim.
— Nem sonhando, Pedro! — Theo rosnou e me prendeu em seus braços,
fechando as mãos sobre a minha barriga. Apoiei as costas em seu peito e
revirei os olhos enquanto todos riam.
— Estou feliz por vocês. — Rodrigo levantou a taça em nossa direção,
Theo fez o mesmo.
— Agora a nossa noite está perfeita! — Laura sorriu, e deu um beijo no
meu rosto e no de Theo. Então segurou a mão do Pedro e da Ana. — Vamos
dançar! Precisamos comemorar! — disse, animada, e Pedro a puxou de volta
e a abraçou pela cintura, fazendo com que ela desse um gritinho.
— Calma aí, minha linda, vamos todos juntos — Pedro respondeu
extremamente carinhoso, sorrindo e quase me engasguei com o champanhe.
— Disfarça melhor... — Theo sussurrou no meu ouvido.
— Não. Vamos logo! — Laura reclamou, do seu um jeitinho meigo,
entrelaçando seus dedos aos de Pedro e o puxou. Ana concordou e levou
Arthur. Os quatro seguiram aos risos para a pista de dança nos deixando para
trás no meio do jardim todo iluminado com velas suspensas e flores brancas.
— Bom — Joana parou ao meu lado —, acho que perdi o meu
acompanhante antes de ter a chance de pensar se aceitaria ou não —
lamentou, com a taça já cobrindo sua boca. E eu sorri.
— Como assim? — Rodrigo parou ao lado de Joana, genuinamente
confuso.
Arregalei os olhos, implorando silenciosamente para que Joana não
explicasse, pois a chance do Pedro levar alguns socos estava aumento
exponencialmente a cada segundo.
— Não é nada. Besteira minha — ela disse enquanto passava a mão no
braço musculoso de Rodrigo, parecendo reparar pela primeira vez o quanto
ridiculamente lindo ele era.
— Bom, já que não tem acompanhante, quer dançar comigo? — Rodrigo
estendeu a mão para Joana, que não hesitou em aceitar o convite, e os dois
seguiram para o grande tablado montado como pista de dança.
— Hmm, Pedro e Laura? — comentei baixinho, quase sem acreditar, a
cabeça apoiada no peito de Theo.
— Não sei se está acontecendo alguma coisa entre eles, mas, quando
Rodrigo perceber, não dou cinco minutos para encontrarmos Pedro sangrando
no chão — Theo comentou, apoiando o queixo na minha cabeça, e eu ri.
— Não sei se Rodrigo vai perceber algo essa noite. Acho que estará
ocupado dando atenção à Joana — comentei, apontando para os dois na pista
dançando uma música lenta.
— Ela não é uns três ou quatro anos mais velha do que ele? — Theo
perguntou, sem ter certeza.
— Sim — confirmei, saindo de seus braços e o puxando para caminhar
junto comigo. — Mas, eu descobri hoje que ser papa anjo pode estar no DNA
de nossa família — completei, com humor.
Theo franziu a testa.
— O quê?
— Acredite, você vai descobrir durante à noite, mas nesse momento
tudo o que quero é ir para aquela pista — apontei em direção às luzes — e
dançar com você até não aguentar mais.
Ele sorriu.
— Princesa... não vai ser na pista de dança que vou te deixar cansada
hoje, e sabe disso — disse com o sorriso mais sensual do mundo estampado
na cara, e eu levei a mão ao meu peito teatralmente.
— Theo! Que horror!
Ele me puxou para seus braços.
— Vai me dizer que não é exatamente isso que quer? — sussurrou em
meu ouvindo, pretensioso demais para o seu próprio bem, antes dos seus
lábios tocarem o meu pescoço. E quase me derreti em suas mãos.
— Não direi nada por enquanto, porque a festa mal começou, e não
posso sumir com você... — devolvi, sem esconder a decepção por não poder
correr para o quarto com ele naquele segundo.
— Tem certeza de que não pode fugir? — provocou, enquanto sua mão
passeava pela lateral do meu corpo suavemente.
Resmunguei baixinho e ele sorriu.
— Eu te amo — confessei, antes de roçar meus lábios no dele.
— Sinto que esperei uma vida inteira para ouvir isso.
i.
Nunca pensei que uma palavra tão pequena fosse fazer com que meu
coração parasse por alguns segundos. Que um simples oi, que deveria ser
apenas o início de uma conversa, fosse se transformar no primeiro capítulo de
um novo livro na história da minha vida, nas nossas vidas.
Aguardei por torturantes dois dias, mas não para ouvir Tris dizer que me
amava, e sim que se perdoava, que estava se libertando da culpa, da dor, do
sofrimento que sentia e estava destruindo sua alma, sem que percebesse.
Esperei porque Tris precisava arrebentar, sozinha, as correntes que foram
postas em seus tornozelos por ela mesma. Porque precisava permitir se amar
primeiro. Ouvir que me amava foi o final, a última coisa, dentro de uma
jornada tão mais importante.
Mas, sim. Sentia como se tivesse esperado a vida inteira por aquelas
palavras.
Nossas atitudes não foram perfeitas em nenhum padrão. Cometemos
erros, fizemos escolhas erradas e, como resultado, ferimos outras pessoas e a
nós mesmos, cientes ou não. Mas não é assim que aprendemos,
amadurecemos e nos lapidamos nos tornando pessoas melhores? E foi ao
repassar mentalmente o que vivemos que percebi que Arthur estava certo; às
vezes as melhores coisas na vida surgem em meio a algo doloroso e sofrido.
Porque talvez não seja na perfeição que nossas vidas façam sentido, e sim no
caos.
De mãos dadas com mulher mais linda da festa, subi no tablado, me
juntando a tantos casais. Quando chegamos ao centro, Tris veio de encontro
ao meu corpo e, sorrindo, colocou a mão no meu peito, enquanto eu envolvia
seu corpo em meus braços e uma nova música lenta começava a tocar. A
nossa volta, encontrei sorrisos em rostos conhecidos. A felicidade dos nossos
amigos nos apoiou nos últimos dias, cada um ao seu jeito. E era possível
sentir o amor e torcida de cada um deles.
— Já disse que te amo hoje? — sussurrei ao seu ouvido, e Tris levantou
a cabeça com um sorriso no rosto.
— Sim, mas fique à vontade de repetir quantas vezes quiser —
comentou carinhosamente e me beijou com suavidade.
— E... já disse o quanto está transformando os meus sonhos em
realidade essa noite? Que é a mulher da minha vida? Que é a minha melhor
amiga, e que está incrivelmente deslumbrante e sexy nesse vestido?
Ela sorriu.
E não só com lábios, mas com os olhos, com alma.
Dançamos duas músicas até que Ana batesse com o dedinho no meu
ombro dizendo que estava na hora de trocar de par. E assim, Tris dançou com
Arthur, e eu com a Ana. O rodízio de casais continuou, e dancei com Laura,
Joana e com a minha mãe.
— Então, podemos dizer que conseguiu sorrir essa semana? — quis
saber, falando baixinho em meu ouvido, e dei uma gargalhada. Pela primeira
em muito tempo. Porque minha mãe, pelo que percebi, havia se tornando uma
mulher muito manipuladora, e digo no melhor sentido possível.
— Eu devia ter percebido que tinha suas impressões digitais por trás de
tudo isso — comentei com humor, e dei um beijo em sua testa.
Ela estava linda, e parecia feliz.
— Meu amor, quando um filho precisa de ajuda, nós mães, fazemos
absolutamente tudo que estiver ao nosso alcance — comentou, sorrindo.
— Percebi — disse, sem conseguir parar de sorrir.
Minha mãe apoiou dois dedos no meu queixo e levantou o meu rosto.
— Quero te ver feliz. Porque se estiver feliz, se o seu coração estiver
transbordado de amor e paz, tudo no nosso caminho dará certo. — Ela se
calou por um instante, mas seus olhos não desviaram dos meus. — E, se não
der, vamos todos ter a certeza de que lutamos e ficaremos bem — finalizou
antes de me dar um beijo.
— Eu te amo, mãe. E nunca deixarei de lutar com você.
— Eu sei que não — disse tocando no rosto com carinho, e olhou na
direção em que meu pai estava. De pé, sozinho, ele parecia aguardar por uma
oportunidade. — Fernando conversou comigo. Vou permitir que esteja
presente na minha vida. Espero que possam cuidar de mim juntos. Porque
quando não sabemos quanto tempo de vida temos, percebemos que é besteira
nos prender ao que aconteceu no passado — disse, voltando o olhar para
mim.
Calado, encarei meu pai, e mesmo não tendo certeza se daria certo, fiz a
única coisa que poderia fazer.
— Se é assim que quer, é assim que faremos. — Dei um beijo em sua
testa, e logo meu pai surgiu ao nosso lado.
— Me concede a próxima dança? — Ele estendeu a mão, aguardando se
minha mãe iria aceitar ou não.
Ela olhou para mim, beijou o meu rosto e piscou, antes de pegar na mão
do meu pai, e eu me afastei dos dois.
Minha mãe estava certa, seria muito injusto revirar o passado e trazer
sofrimentos à tona quando tudo que ela mais precisa é paz, amor e cuidado.
Caminhei entre os que dançavam até que meus olhos se fixaram em um
dos casais na pista. Beatriz e Rodrigo. Ele levantava a mão para que Tris
rodopiasse abaixo de seus braços sorrindo, e mesmo sabendo que era apenas
uma dança entre dois amigos, precisei respirar fundo para não deixar a porra
do ciúme tomar conta de mim. Levaria um tempo até que me adaptasse à
amizade dos dois. Mas começaria esse processo aguardando que eles
dançassem mais uma música.
u não imaginava que a vida poderia voltar a ser simples, leve e
linda. Que eu poderia voltar a sorrir e transbordar de felicidade. Se alguém
tivesse me dito que isso era algo possível há 10 dias atrás, eu diria que a
pessoa era louca. Porque eu só conseguia enxergar a vida nos tons
acinzentados, tudo era frio, triste e opaco. Eu acreditava que, aos olhos de
todos, eu não merecia ser feliz. Mas bastou que eu desse uma chance, um
passo em direção às pessoas que me amavam para que me provassem como
eu estava errada. Foi voltando para casa que meus pais, minha irmã, meus
amigos, familiares e o Theo, cada um ao seu modo, foram trazendo de volta
as cores para a minha vida, graças a esse laço que nos une chamado amor.
— Não importa o quanto insistimos em seguir por caminhos errados, em
algum momento seremos redirecionados ao correto — Rodrigo disse
baixinho no meu ouvido enquanto dançávamos.
Eu me afastei o suficiente para levantar a cabeça e buscar os seus olhos,
que rapidamente se prenderam aos meus.
— Você está bem com tudo isso? — quis saber, sem esconder a
preocupação com seus sentimentos ao me ver agora com o Theo.
Rodrigo deu um de seus sorrisos discretos e carregados de chame.
— Claro que sim, minha linda — ele disse com segurança, me afastou
delicadamente, levantou minha mão e me fez rodopiar à sua frente. Então, me
puxou de volta e avançamos na dança.
Assenti, e com um suspiro apoiei a cabeça em seu peito.
Não tive coragem de confessar a ele o que tinha acontecido entre Theo e
eu no passado porque sabia que não mudaria nada, então seria um segredo
que guardaria para sempre.
— Sabe que eu amo você, não é? — quis saber olhando em seus olhos.
Rodrigo sorriu, de novo, e piscou para mim. Ele deveria sorrir daquele
jeito mais vezes porque ficava ainda mais lindo.
— Também te amo, linda.
— Me promete uma coisa?
— Claro.
— Promete que não vai sair da minha vida, que não vamos nos afastar e
que sempre será meu amigo. Você sabe que não tenho muito amigos, e não
quero perder nenhum de vocês — confessei, sem esconder o amor e carinho
que sentia.
— Você não vai perder ninguém. — Ele beijou minha testa. — E se
Theo, algum dia, aprontar alguma coisa é só gritar que prometo meter a
porrada nele — completou com humor.
Eu ri alto e continuamos dançando até o fim da música.
— Posso interromper? — A voz surgiu de trás de mim.
Rodrigo e eu nos separamos.
Ele beijou minha testa mais uma vez e sorriu.
— Claro — respondeu segurando minha mão, me entregando para Theo.
— Obrigado pela dança, Tris. Estou feliz por vocês. — Ele colocou as mãos
no bolso da calça e se afastou de nós.
Delicadamente Theo me puxou para os seus braços e me envolveu. Nada
parecia tão certo quanto aquilo; eu nos braços dele. A voz de Ed Sheeran
cantando Kiss Me embalava os casais. Mas, para nós dois, era como se não
existisse ninguém à nossa volta. Sentia seus lábios em meu pescoço, e o meu
coração em paz pela primeira vez depois de muito tempo. Era como se tivesse
acabado de voltar para o meu lar, para o lugar de onde nunca deveria ter
saído. Todo o peso da dor e tristeza que sentia passou a não existir mais. A
saudade da Dani ficaria para sempre, mas ali eu estava cercada por pessoas
que tanto amava. Dançando, sorrindo em uma comemoração que relutei
enormemente em participar e nunca poderia imaginar que seria perfeita. O
aniversário de casamento de meus pais ganhou uma proporção ainda maior
nos mostrando o que é o amor e a busca pela felicidade.
Abracei Theo, fechando meus braços em seu pescoço e unindo nossos
corpos o máximo possível. Passei tempo demais sentido como se estivesse
me afogando em um mar de dor e tristeza, mas ali Theo era o meu bote salva-
vidas, sem o qual não queria mais viver. Amor é uma escolha, e eu havia
escolhido o meu desde muito novinha.
— Não vou a lugar algum nessa vida sem você — prometeu baixinho,
como se soubesse, mais uma vez, exatamente o que eu estava pensando.
Assenti com um sorriso discreto nos lábios permitindo que Theo
continuasse a me guiar em nossa dança.
A festa seguiu, e nós bebemos, comemos, conversamos, e nos
divertimos. E quando o dj nos informou que iria agitar a nossa noite ainda
mais, o vovô Augusto levantou da cadeira direto para pista, dançando ao som
das primeiras batidas de Uptown funk. Não sei se essa era bem a cena que
Ana tinha em mente quando sugeriu a música, mas ela acabou se rendendo e,
no final, ele nos chamou, então Ana, Laura, Joana e eu seguimos para a pista
e demos um show, especialmente para os meninos que ficaram da mesa nos
observando.
Passava das três e meia da manhã, e eu estava pronta para dar a festa
como encerrada. Sentada no colo do Theo apoiei a cabeça em seu ombro e,
parecendo ler meus pensamentos, ele se despediu de todos que estavam à
mesa e levantou da cadeira comigo no colo, me levou de volta para casa.
Quando chegamos no meu quarto, me colocou na cama e se afastou.
— Não vai tirar o meu vestido dessa vez? — quis saber, sem esconder o
desapontamento, e foi quando surgiu a sombra de um sorriso, carregado de
malicia, em seus lábios enquanto fechava a porta e vinha ao meu encontro.
— É claro que vou tirar esse seu vestido lindo — disse, passeando
lentamente os dedos pelo meu pescoço, depois pelo espaço entre meus seios
até o final do decote. — Aliás, ele é sexy para cacete.
Assenti com firmeza.
— Ele fez muito sucesso hoje — comentei, um sorriso nos lábios.
Theo me olhou com o canto dos olhos, talvez com um leve ciúme ou
desaprovação pelo meu comentário. Eu levantei da cama com dificuldade,
graças à volumosa saia, e sentei em seu colo, envolvendo as pernas em sua
cintura.
— Mais um motivo para arrancá-lo do seu corpo — disse, enquanto
descia preguiçosamente o zíper nas minhas costas. — Porém, preciso que
tenha um pouco de paciência comigo essa noite, e entenda que esperei o que
parece ter sido a vida inteira por esse momento — comentou baixinho, e senti
seus dedos tocando suavemente a minha nuca e descendo o relevo da minha
coluna, fazendo com que meu corpo todo arrepiasse de antecipação e desejo.
Minha respiração ficou mais pesada e meu olhar se prendeu ao dele.
— Theo, essa não é a nossa primeira vez... — comentei em um sussurro,
e foi quando o sorriso com um certo pesar surgiu em seus lábios.
— A questão é que de certa forma é a nossa primeira vez sim, Tris. É a
nossa primeira vez entregue verdadeiramente um ao outro. É a primeira vez
que posso dizer que te amo sabendo que você é minha, que você quer ser
minha, e esperei a vida toda por isso. Eu cuidei de você durante toda a nossa
infância, te amei do jeito mais puro e simples que podia te amar. Te beijei
quando éramos adolescentes sabendo no fundo meu coração que você era
para ser minha, mas simplesmente a vida não acontecia para nós dois
seguirmos por esse caminho. Fui o seu primeiro homem e não pude te amar o
quanto você merecia naquele instante. E quando tive você novamente nesse
quatro há alguns dias, no fundo estava o tempo todo com medo, porque por
mais que estivesse tentando criar o momento perfeito para nós dois, eu sabia
que estávamos ignorando algo muito importante, que moldou os últimos anos
de nossas vidas. Então, sinto que de certa forma nunca conseguimos viver
esse momento em sua totalidade. Por isso, peço que me perdoe se eu quiser
prolongá-lo ao máximo. Se eu quiser te beijar um pouco mais, te provocar em
pouco mais com meus toques. E, acredite, isso não será a coisa mais fácil do
mundo para mim, porque não tenho feito outra coisa nos últimos dias, na
verdade nos últimos anos, além de desejar sentir você. Eu te amo, e quero te
marcar do melhor jeito que puder para que nunca se questione sobre o quanto
é a mulher da minha vida.
Eu fiquei sem palavras. Eu nunca me senti tão importante, tão preciosa,
tão amada por alguém. Eu engoli toda a emoção que senti e tentei acalmar
meu coração.
— Então, essa será a nossa terceira primeira vez... — comentei com
doçura, passando a mão em sua cabeça fazendo meus dedos desaparecerem
em seus cabelos.
Ele assentiu, e um sorriso absurdamente sensual surgiu em seus lábios
me deixando sem ar. Theo era sexy demais para o próprio bem.
— Todas exatamente no mesmo quarto, na mesma cama, e te garanto
que essa será a melhor delas — disse beijando o meu ombro, e seus lábios
seguiram descendo pelo meu braço enquanto ele tirava o tecido do vestido,
revelando a minha pele pouco a pouco. Ele fez isso nos dois braços até que
eu ficasse completamente nua da cintura para cima. Theo parecia controlado
e seguro, e eu estava sentindo a minha pele em chamas e o desejando
desesperadamente. Seus olhos corriam por cada detalhe do meu corpo,
acompanhando a mão que desenhava a curva da minha cintura, meu abdômen
até o contorno dos meus seios.
— Você é tão linda, Tris. Tão perfeita — disse em devoção, levantando
da cama comigo no colo apenas para que pudesse me colocar novamente
deitada.
Meus olhos passeavam por cada detalhe de seu rosto enquanto meus
dedos os contornava. O rosto que eu tanto amava estava um pouco mais
velho, mais sério e ainda mais lindo. O rosto que nunca saiu da minha
memória, e que aparecia todas as vezes em que eu fechava os olhos.
— Eu te amo tanto — disse baixinho, olhando em seus olhos.
Theo sorriu.
— Valeu a pena esperar por nós dois — afirmou, antes de me beijar com
tanta intensidade que me roubou o ar. Sua língua invadia a minha boca
enquanto suas mãos trabalhavam em arrancar o vestido do meu corpo,
enquanto eu, ao mesmo tempo, buscava desabotoar sua camisa com o pouco
espaço que existia entre nós.
— Porra, o que falta de pano entre os seus seios, sobra na parta de baixo,
hein... — ele reclamou quando precisou se afastar por um instante.
Então meu vestido foi arremessado no chão.
E sua roupa tomou o mesmo destino em segundos.
Sorri.
— Ciumento, hein? — comentei com leve humor.
Ele segurou minhas mãos ao lado da minha cabeça.
— Não gosto que fiquem olhando e desejando o que é meu — se
defendeu, seguindo uma trilha de beijos começando nos meus lábios e
passando meus seios, abdômen, umbigo e lentamente, quase como uma
tortura, seguiu descendo pelo corpo enquanto segurava a minha perna com o
corpo me obrigando a ficar parada. Fazendo com que eu perdesse o ar e
qualquer possibilidade de raciocínio.
— Ah... o que... o que é seu? — repeti a frase com muita dificuldade.
Theo continuou a me torturar, jogando pela janela qualquer habilidade
minha em falar ou pensar, me mostrando que nossa terceira primeira vez seria
muito mais inesquecível, e que me marcaria para sempre.
— Sim. O que é meu.
u acordei com um sentimento novo e delicioso dentro de mim. Eu
estava genuinamente feliz, o que fez o meu coração preencher de amor e paz.
Sonolenta, abri olhos e recebi de presente o sorriso mais lindo do mundo de
bom dia. Theo estava deitado ao meu lado e fazia carinho nos meus cabelos.
E aquela era uma cena que não imaginei ser possível viver nem um milhão de
anos.
Sorri de volta.
— Bom dia — murmurei ao meu espreguiçar.
— Bom dia, princesa. — Ele beijou o meu nariz e boca.
— Você ficou me observando dormir? Isso é muito estranho... e um
tanto quanto assustador — resmunguei de olhos fechados, virando o corpo,
para que ficássemos frente a frente.
Theo riu baixinho e beijou minha testa, enquanto delicadamente fazia
com que minhas costas nuas voltassem a tocar o colchão.
— Sabe como é, foi irresistível. Porque foi a primeira vez que abri os
olhos e encontrei você ao meu lado na cama — sussurrou, todo sedutor no
meu ouvido, enquanto seu corpo pressionava o meu na cama.
Eu sorri, e não contive o pequeno gemido de aprovação pelo que fazia.
— Faz sentido — comentei, lutando para manter a coerência nas
palavras já que sua mão passeava despretensiosamente por um dos pontos
mais sensíveis do meu corpo.
— Me promete uma coisa? — quis saber, mantendo a mesma cadência
de voz, e sem deixar de beijar o pescoço e me torturar com seu toque. —
Promete que nunca mais vai sumir da minha cama?
Ele levantou a cabeça o suficiente para olhar nos meus olhos, me
permitindo perceber o quanto aqueles olhos azuis precisavam de reafirmação,
o que fez com que o meu coração ficasse apertado. E acho que é isso que
acontece quando amamos muito alguém, o medo de perder algo que parece
ser tão certo, tão perfeito, sempre existe. Mas nos últimos dias eu havia
aprendido que não devemos ter medo de algo que dá sentido e propósito à
nossa vida, e não compreender isso significa que renegamos a oportunidade
de ser feliz.
Sorri e rocei os meus lábios nos dele antes de responder.
—— Prometo não sumir da sua cama, da sua casa, da sua vida... —
sussurrei, e a sombra de um sorriso apareceu em seu rosto. Eu fiz o juramento
enquanto girava o corpo, invertendo a nossa posição na cama, e beijei
lentamente o seu pescoço, depois seu peito e cada músculo desenhado do
abdômen, explorando seu corpo sem pressa.
— Bom saber — disse, a respiração ficando cada vez mais pesada graças
às provocações que estava fazendo com a boca.
— Se bem que — comecei, levantando a cabeça repentinamente para
olhar em seus olhos — isso sempre pode mudar se eu estiver muito brava
contigo por não me deixar fazer algo que quero muito. Tipo aprender a
pilotar uma moto, talvez. Aí, vou desaparecer por horas e esquecer o celular
em casa de propósito, é claro. Só para torturá-lo lentamente, minuto a minuto
— sussurrei a provocação em seu ouvido.
Theo girou o corpo, e em um segundo eu estava com as costas de volta
no colchão e com o seu corpo sobre o meu, como se estivéssemos em um
tatame lutando.
— Ah, é?! São coisas do tipo que devo esperar na nossa relação? Sua
ideia é adotar como forma de tortura me deixar louco de preocupação? —
Theo me fazia perguntas enquanto me atacava fazendo cócegas
impiedosamente, e eu chorava de tanto rir, tentando agarrar as suas mãos.
— Theo, para! — gritei, entre uma gargalhada e outra.
— Não. Não vou parar. Você acabou de dizer que vai me deixar
preocupado por pura e simples maldade. Como se atreve? — cochichou no
meu ouvido, sem parar o ataque nem por um segundo.
Lágrimas rolavam pelo meu rosto e a minha barriga doía de tanto rir. Ele
parou quando me viu com dificuldade de respirar e enxugou as lágrimas,
dessa vez de alegria, que caíam pelo meu rosto.
Ainda com dificuldade para respirar, respondi:
— Tá bom! Prometo que nunca vou fugir ou desaparecer. Por motivo
algum. — Fiz um X com o dedo sobre o coração, e aquela era uma promessa
que eu não nunca iria quebrar.
— Melhor assim — emendou, orgulhoso de sua conquista, e me beijou
enquanto subia a mão pela minha perna, fazendo com que envolvesse sua
cintura encaixando o seu corpo no meu perfeitamente.
Theo tinha razão, nossa terceira primeira vez foi perfeita, e era incrível o
quanto natural e entregue era estarmos juntos. O quanto fazia total sentindo, e
eu sabia que nunca conseguiria explicar racionalmente a alguém algo que era
baseando totalmente em sentimentos, e que vinha das nossas almas. Era como
se sempre tivesse existido uma linha, um fio condutor entre Theo e eu nos
unindo, e nem mesmo nossos erros, nem mesmo a dor, o sofrimento e as
perdas tinham o poder de arrebentar. Sim, ele era a minha alma gêmea. E eu
nunca acreditei que tal coisa pudesse existir.
Ouvimos três batidas na porta.
— Vá embora — Theo resmungou, sem separar sua boca da minha. Ele
mordeu o meu lábio inferior antes de seguir beijando meu pescoço, enquanto
sua mão tomava um caminho bem mais ao sul do meu corpo nu, me
provocando ao ponto de que eu estava quase implorando por ele.
Mais três batidas, altas e insistentes, sugiram.
— Beatriz Albuquerque Schimidt e Theo Piccolli Ferraz, parem de
tentar me ignorar porque sei que estão aí, isso não é uma atitude muito
inteligente da parte de vocês. — A voz da Ana vinha abafada, levemente
irritadiça do outro lado porta, obviamente tendo o pior timing do mundo e
destruindo o nosso clima.
E eu tentava desesperadamente ignorar sua voz, enquanto me controlava
para não gemer vergonhosamente alto graças ao Theo, que continuava
empenhado em me torturar de prazer com sua mão entre as minhas pernas e
boca descendo pelo meu pescoço.
— Mamãe quer todos que dormiram aqui em casa sentados à mesa para
o café da manhã. Então, vou dar 15 minutos para que fiquem decentes e
saiam desse quarto. — A ordem da minha irmã interrompeu mais uma vez a
minha sequência dos pequenos gemidos de prazer.
— Juro por Deus que às vezes tenho vontade de esganar essa garota —
resmunguei, completamente frustrada.
— Eu ouvi isso! — ela gritou, parecendo magoada.
— Ótimo. Agora saia daí senão vai ouvir bem mais que isso! — gritei de
volta.
— Só 15 minutos, hein!? — ela gritou, então o silêncio voltou, indicado
que ela havia partido.
— Não é bem o que eu tinha mente, mas consigo fazer bastante coisa em
15 minutos... — Theo comentou, não sei se mais para ele do que para mim.
Então ele levantou da cama me levando junto —, mas é melhor otimizarmos
esse tempo te levando de uma vez para o chuveiro — concluiu, me pegando
no colo nua e me colocando sobre seu ombro de um jeito adoravelmente
troglodita de ser e que passei a conhecer nos últimos dias, e me levou
sorrindo para o banheiro até que meus pés tocaram o piso frio. Então, ele
girou a torneira do chuveiro.
— 15 minutos... — ele sussurrou em um tom rouco e sensual e me
beijou, e eu soube no mesmo instante que todo o seu lado troglodita
desapareceria e daria lugar ao homem deliciosamente sexy que me mostrava,
a cada vez que estávamos juntos, que conhecia o meu corpo melhor do que
eu, que fazia de tudo para demostrar que amava de todas as formas.
Infelizmente os maravilhosos minutos chegaram ao fim e fomos
obrigados a nos vestir, algo que há horas havíamos decidido abrir mão por
completo. Theo rapidamente foi ao quarto dele e vestiu uma roupa limpa,
voltando para o meu a tempo de me ajudar a fechar o zíper do vestido curto
florido que havia escolhido. E me pegando totalmente de surpresa ele me
imprensou contra a parede segurando pela cintura e beijando o meu pescoço.
— Após o café da manhã ― disse entre um beijo e outro ―, vamos
retornar para esse quarto, trancar a porta e só vou abrir novamente se a porra
dessa casa estiver em chamas — fez seu juramento sem esconder a revolta
com a interrupção.
Será que algum dia será o bastante? Será que algum dia vamos cansar de
desejar nos beijar, de nos tocar, de querer ouvir a voz um do outro? Eu não
conseguia imaginar algo assim acontecendo, era intenso e verdadeiro demais.
Eu sorri, concordando com a sua ideia antes de beijá-lo, e meus dedos
passearam lentamente pelo cós de sua calça jeans tocando levemente sua
pele, o provocando.
Algo que estava aprendendo a amar mais a cada minuto.
— Tem noção do quanto te quero de novo nesse exato instante? —
resmungou sua frustração, sua voz e seu corpo mostrando claramente o
quanto ele me queria.
— Só temos que esperar uma horinha ou duas — comentei baixinho,
colocando a mão por baixo da camiseta sentindo o calor da sua pele.
— Por mim não esperaria nem a porra de um minuto — devolveu de
imediato, me fazendo sorrir.
Não era uma de suas frases mais românticas, mas ainda assim, de certa
forma, foi. E eu gostava disso, Theo era ele mesmo comigo o tempo todo. Ele
tirou alguns fios de cabelo que esconderam parte do meu rosto, enquanto me
observava como se eu fosse a pessoa mais preciosa desse mundo.
— Vamos morar junto — ele disse sem hesitar, em tom total de
afirmação, não de pergunta.
Meus olhos se arregalaram, me impossibilitando esconder a surpresa e o
impacto da sua frase, mas ainda assim o sorriso não saiu do meu rosto.
— Tem certeza? Nós estamos juntos a menos de vinte e quatro horas,
Theo — pontuei a questão com leveza e sem deixar de sorrir.
Ele colocou uma mecha de cabelo atrás de minha orelha, e seu olhar era
tão carregado de carinho quanto seu gesto.
— Eu te amo e sou seu a vida inteira, princesa. Por qual motivo
deveríamos esperar? Eu não quero voltar para Londres nem para fazer a
minha mudança. O meu lugar é aqui, ao seu lado — disse baixinho, antes dos
seus lábios tocarem os meus.
Sabia que o meu sim tinha saído abafado, enquanto sua língua invadia a
minha boca, mas não me importei. Theo sabia que eu diria sim. Eu sabia que
diria sim. Então, interromper o beijo para falar três letras parecia ser
desperdício de tempo. E nós já havíamos perdido muito tempo. Theo me
levantou para que eu pudesse envolver sua cintura com as pernas e me
encostou de novo na parede, sem deixar de esmagar sua boca contra a minha.
Seu jeito, a sua mistura de atitudes carinhosas com as possessivas na hora
certa, me deixavam em êxtase e eu não conseguia parar de tocá-lo, beijá-lo,
desejá-lo. Eu amava aquela química tão perfeita que descobrimos existir entre
nós.
Três batidinhas na porta interromperam o nosso momento, de novo.
— Estão 12 minutos atrasados. — A voz da minha irmã surgiu irritada
do outro lado da porta, como se ela estivesse apenas passeando no corredor.
Sem interromper o beijo, resmunguei, enquanto Theo soltava um
xingamento abafado.
Então nos afastamos apenas o suficiente para que pudéssemos olhar nos
olhos um do outro.
— Talvez devêssemos passar uns dias bem longe das nossas famílias...
— sugeri, enquanto Theo me tirava de seu colo e ajudava para que ficasse
novamente em pé.
— Eu voto para ser algumas semanas, talvez meses — emendou, de um
jeito que me fez acreditar que ele era grato por ser filho único.
Suspirei ao imaginar como se seria passar meses sozinha com o Theo,
mas talvez eu não precisasse, afinal iríamos morar juntos e teríamos toda a
privacidade do mundo. E, por mais que as nossas famílias e amigos fossem
um pouco intrometidos e loucos, eu os amava. Cada um deles.
— Calma. Nós vamos morar juntos, então foca nisso — afirmei,
afastando seu corpo com delicadeza, colocando uma distância segura entre
nós. — Mas antes precisamos enfrentar esse café da manhã. E você sabe que
além da refeição mais importante do dia, é sem dúvida a que mais gera
polêmica na família Schimidt. Fora que mal posso esperar para saber o que
vovô Augusto vai dizer sobre sua noite com a Francisca. Porque quando
passei por ele na festa ouvi algo sobre ele ter lido a trilogia de cinquenta tons
de cinza recentemente, e algo me diz que ele pode estar cogitando a
possiblidade de tornar o Christian Grey da terceira idade — comentei, sem
me dar ao trabalhado de esconder a enorme preocupação com as possíveis
conversas.
— Que Deus nos proteja. Porque dizer que a vida do vovô Augusto é um
livro aberto seria o eufemismo do século... — murmurou derrotado.
Assenti.
— Acho que devemos deixar uma garrafa de vodca ao lado do suco de
laranja, só para garantir — comentei com humor.
— Definitivamente — finalizou me dando um beijo rápido e segurou
minha mão antes de abrir a porta.
Sim, sem dúvida precisaríamos de sorte para sobreviver àquela manhã.
Se bem que, ao lado de Theo, me sentia pronta para enfrentar o mundo.
Porque, pela primeira vez depois de muitos anos, eu estava me permitindo
viver, ser feliz, me perdoar e estar rodeada das pessoas que tanto me amavam.
Pessoas que estiveram dispostas a me resgatar e trazer de volta à vida, e eu
não poderia pedir por um presente melhor.
FIM
screver os agradecimentos desse livro é algo muito especial para
mim. Digo isso porque a história do Theo e da Tris ficou na minha vida
durante anos. Sendo imaginada, reescrita e editada. Houve um momento em
que cheguei a imaginar que nunca voltaria a ser lida por vocês, queridos
leitores.
Sei que, para alguns, a história não foi cem por cento uma novidade, já
que esteve no Wattpad há alguns anos. Com outro título, em uma versão bem
rústica, sem edição e com alguns “furos”, mas repleta de amor e carinho.
Tanto que alcançou a marca de quase 1 milhão de leituras. Ciente de que a
história merecia um cuidado maior, tirei da plataforma e a vida seguiu até
chegarmos aqui. E só posso dizer o quanto sou grata.
Grata a Deus, que é quem me dá força e esperança todos os dias. Grata a
minha família, que me incentiva e principalmente grata por ter conhecido
tantas pessoas incríveis através da história da Beatriz e do Theo.
Se não fosse por esse casal, eu não teria conhecido minhas primeiras
leitoras. E aqui fica o meu muito obrigada a todas que conheci através do
Wattpad. Vocês me fizeram acreditar que era possível a cada mensagem de
incentivo, a cada: Eu amei a história. Eu chorei em determinada cena. Eu
amo o Theo. Você vai escrever o livro do Pedro agora? Eu quero um livro do
Rodrigo. Sério, vocês são tão incríveis que mantiveram o nosso grupo do
WhatsApp ativo, mesmo quando eu não pude estar presente. Juliana Mayumi,
Jô Gomes, Prih Maia, Fernanda Rezende, Vanessa Roseto, Karen Cristina,
Adriana Barros e Bruna Priscila. Vocês estão aqui representando todas as
leitoras que me apoiam das formas mais diversas. Sou grata pelo carinho, e a
paciência que tiveram para esperar o meu momento de voltar.
Tudo que escrevi até aqui já seria motivo suficiente para que o livro do
Theo e a da Tris voltasse à vida, não é? Sim, é claro! Mas esses personagens
foram além e me deram outro superpresente, uma mulher incrível chamada
Guta Bauer (Increasy Consultoria Literária), que acreditou em mim ao ler a
história, e se tornou minha agente. Guta, obrigada por me ensinar tanto. Por
ter apontado meus erros e acertos, e ter se empenhado para extrair de mim o
melhor para o bem da história. Obrigada por me ajudar a evoluir um pouco a
cada dia. Quero aproveitar e agradecer a Grazi Reis, por ser sempre tão
querida e cuidadosa para deixar a história mais redondinha para vocês,
leitores.
Ainda falando da família Increasy, Alba Milena e Mari Dal Chico, deixo
aqui todo o meu carinho e admiração.
À minha amiga Ana Carolina Almeida, que ama ler os manuscritos das
minhas histórias, espalhando folhas A4 sobre a cama. Obrigada por acreditar
em mim todas às vezes que duvidei que conseguiria.
Clara Oliveira, você foi a minha primeira leitora, que, empolgada,
mergulhou de cabeça na minha ideia ao ler o rascunho do rascunho, quando
trabalhávamos juntas, e nunca esquecerei tuas palavras encorajadoras.
Clara Savelli, Giulia Cavalcante, Igrainne Marques, Aimee Oliveira,
Aione Simões e Deborah Strougo obrigada pelo apoio, vocês são
maravilhosas. Deborah, sou super grata a você por ter topado ler a história
assim que finalizamos, e por enviar áudios com comentários a cada avanço na
leitura.
Por último, mas não menos importante, a todos os leitores que
dedicaram seu tempo para conhecer a história da Tris e do Theo. Obrigada,
por terem embarcado comigo nessa jornada de amor, amizade, perda e cura.
é carioca, ariana, ama sentar nas cafeterias do Rio para
observar as pessoas e tentar imaginar como são suas vidas. Apaixonada por
livros, filmes e séries, não abre mão de histórias que a fazem suspirar, e
acredita que todo mundo merece ter um final feliz. Formada em
administração de empresa, viveu anos mergulhada no mundo das exatas, e no
final, se descobriu no mundo das humanas. Em 2016, se arriscou ao adentrar
em terras desconhecidas ao publicar o seu primeiro original no Wattpad.
Depois de dois anos afastada da escrita retornou com a novela As Surpresas
do Natal, lançado em formato e-book na Amazon em dezembro de 2020.
Thaís Louzada é autora agenciada pela Increasy Consultoria Literária.
Para mais informações sobre seus trabalhos entrar em contato com no
contato@increasy.com.br
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Contents

1. Folha de Rosto
2. Ficha Catalográfica
3. Quote
4. Prólogo
5. Capítulo 1
6. Capítulo 2
7. Capítulo 3
8. Capítulo 4
9. Capítulo 5
10. Capítulo 6
11. Capítulo 7
12. Capítulo 8
13. Capítulo 9
14. Capítulo 10
15. Capítulo 11
16. Capítulo 12
17. Capítulo 13
18. Capítulo 14
19. Capítulo 15
20. Capítulo 16
21. Capítulo 17
22. Capítulo 18
23. Capítulo 19
24. Capítulo 20
25. Capítulo 21
26. Capítulo 22
27. Capítulo 23
28. Capítulo 24
29. Capítulo 25
30. Capítulo 26
31. Capítulo 27
32. Capítulo 28
33. Capítulo 29
34. Capítulo 30
35. Capítulo 31
36. Capítulo 32
37. Capítulo 33
38. Capítulo 34
39. Capítulo 35
40. Capítulo 36
41. Capítulo 37
42. Capítulo 38
43. Capítulo 39
44. Capítulo 40
45. Capítulo 41
46. Capítulo 42
47. Capítulo 43
48. Capítulo 44
49. Agradecimentos
50. Sobre a Autora
51. Redes Sociais

Landmarks

1. Cover
Table of Contents
Folha de Rosto
Ficha Catalográfica
Quote
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Agradecimentos
Sobre a Autora
Redes Sociais

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