Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Esta é uma obra de ficção. Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou
transmitida, sejam quaisquer forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos,
fotográficos, gravação ou quaisquer outros, sem autorização por escrito da autora.
Para aqueles que já acharam que tinham se
quebrado para sempre, mas encontraram
forças o bastante para se reconstruírem.
“Me fale em quantos pedaços você foi partida antes que eu te
encontrasse, quero saber quantas versões suas terei que
amar.”
— FERNANDO MACHADO
SINOPSE
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Deixei Ana na casa dos meus tios sem dizer uma palavra.
Assim que cheguei na minha e entreguei as chaves do meu
carro para Macedo guardar, subi diretamente para o meu quarto,
ignorando as tentativas de David me chamar.
Me joguei na cama, pronto para ler um livro, mas meu primo
abriu a porta, subindo as escadas e me olhando com certa irritação.
— Porra, está se fingindo de surdo? — ele perguntou e eu
lhe ofereci um olhar indiferente.
— Não estou para papo, David. Graças a você sempre se
meter em confusões com o Nicolas, vou ter que fazer trabalho
voluntário e lidar com pessoas. Tudo que eu queria era sossego —
eu falei, a que provavelmente foi a maior frase que disse nos últimos
tempos.
— Ah, Santiago, você só está bravinho porque chateou sua
namorada — David provocou, fazendo uma careta.
Foi o suficiente para a paciência inexistente desaparecer,
considerando que ele estava parecendo um dos imbecis que
andavam com ele. Então eu apenas o olhei com raiva, antes de
dizer:
— Vai para a merda, David.
— Sinceramente, já cansei da sua grosseria.
— É, eu também cansei de você ser um folgado, mas olha
só, não estou reclamando.
Quando eu vi, já tinha falado e minha garganta quase se
fechava por conta da raiva. Consegui ver uma veia saltando na testa
de David, o que sempre acontecia quando ele chegava no máximo
de sua irritação.
— Você anda um bosta ultimamente — ele falou, me
fuzilando com o olhar e eu não pude controlar minha língua.
— Aprendi com você e seus amigos.
David deu uma risada sem mostrar os dentes e andou pelo
quarto batendo os pés, quase quebrando minha porta ao sair.
Inevitavelmente, resmunguei uma chuva de xingamentos
que eu não diria para ele, mas bem que estava com vontade. Talvez
as diferenças entre nós dois estivessem começando a se tornar
perceptíveis demais para nos aguentarmos.
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Já estávamos no carro e eu dirigia em direção a biblioteca,
pensando que deveria ter dado um jeito de passar para falar com a
minha mãe antes de sair.
— Ei, Santiago — David chamou, ganhando minha atenção.
Olhei na direção dele por dois segundos, o que foi o
suficiente para meu primo compreender que poderia falar porque eu
estava escutando.
— Queria saber se posso levar uma amiga na sua
apresentação de sexta.
— Você nunca me pediu isso, começou a namorar? —
perguntei, abaixando um pouco o volume do rádio para escutar
melhor.
— Não, é minha amiga — David respondeu, me fazendo o
encarar rapidamente, logo voltando a atenção no trânsito.
— Desde quando você tem amigas?
— Amiga, no singular — meu primo enfatizou, coçando o
nariz por um momento. — E faz um tempo curto, ela é legal.
— Ok, então leva, depois te dou outro convite.
Era surpreendente meu primo estar convivendo com
qualquer garota sem ser por estar ficando com ela, então eu não
poderia deixar de apoiar sua amizade.
— Na verdade, me dá mais dois?
Ergui uma sobrancelha, um pouco confuso, mesmo que ele
não pudesse ver.
— Vai levar sua amiga e quem mais?
— A amiga dela, elas são bem grudadas.
— Que seja, dois convites então — concordei, balançando a
mão como se não importasse.
David ficou visivelmente animado, até mesmo me
agradecendo e eu apenas continuei o caminho.
Assim que chegamos na biblioteca e descemos, não
consegui ver Melina do lado de fora, apenas Vitor encostado em
uma das pilastras, o que me fez automaticamente soltar uma lufada
de ar, irritado por já ter que aguentá-lo.
— Boa sorte — David murmurou, entrando na minha frente.
Andei até o Vitor, me castigando mentalmente por ter que
fazer isso e mais ainda por conta da pergunta que saiu da minha
boca:
— A Mattos já chegou?
— Não sabe onde está sua namorada? — Vitor debochou.
Conclui que não responder era a melhor opção e entrei na
biblioteca, procurando por qualquer sinal da garota. Afinal, nós
tínhamos muito trabalho para fazer. Assim que vi Nina, decidi
arriscar e perguntar para ela. Eu definitivamente não estava no meu
juízo perfeito.
— Oi — falei, mesmo que hesitante. A garota pareceu
surpresa, antes de me encarar.
— Oi.
— Por acaso sua amiga já chegou? Nós temos que fazer
nosso setor. — Que porra eu estava fazendo? Foi a primeira coisa
que passou pela minha cabeça.
— Ainda não, dormiu demais, então eu vim e ela ficou
terminando de se arrumar, mas… — Nina parou de falar, olhando
para a porta e apontando para lá com um sorriso. — Ah, já chegou.
Me virei, notando a garota entrar ali e por um segundo idiota,
eu prendi o ar. Nem sabia o motivo para fazer aquilo, mas apenas
tinha acontecido.
— Bom dia — Melina disse, assim que se aproximou,
olhando para mim e para Nina.
— Bom dia — a garota e eu respondemos ao mesmo tempo.
— Vamos para o nosso setor? — Mattos perguntou e eu
concordei, a seguindo assim que começou a caminhar para lá.
A expressão da garota estava um pouco estranha, como se
ela não soubesse o que estava fazendo, ou se sentisse perdida.
— Mattos! — A voz de Vitor nos fez parar.
— Bom dia, Vitor — ela respondeu, fitando o rapaz.
— Com certeza é um bom dia, você é um colírio para os
olhos.
Tive que inclinar um pouco meu rosto para o lado, apenas
para garantir que não vomitaria. Como ainda tinha gente que caia no
papo desse imbecil?
Melina não chegou a responder, apenas o dando as costas e
voltando a caminhar, comigo atrás dela e Vitor logo atrás de mim.
Fomos exatamente para os carrinhos que tínhamos parado
no dia anterior e eu comecei a separar por ordem alfabética.
— Sabe, Mattos, não me respondeu ontem se está solteira
— Vitor afirmou e assim que olhei na direção, pude ver que o rapaz
me encarava, como se estivesse tentando me provocar.
— Porque não tem nada a ver com o trabalho — ela
respondeu, ainda sem olhá-lo.
— Podíamos sair depois daqui então, o que acha?
— Desculpe, já tenho compromisso — Melina falou, e eu
notei os lábios se curvando levemente, com desgosto.
— Aposto que vai se divertir muito mais comigo — ele disse,
aproximando os dedos do braço dela e começando a deslizar.
Melina enrijeceu a postura, claramente incomodada e foi o bastante
para que eu parasse de só observar a cena.
— Mattos — chamei e a garota me olhou, parecendo
totalmente surpresa. — Vamos para os últimos corredores, assim
terminamos mais rápido, o Vitor finaliza esse e depois passa para o
cinco, não é, Vitor?
Vitor ficou praticamente vermelho, como se estivesse
fervendo, mas antes que ele abrisse a boca, Melina pegou sua
mochila e foi até o meu lado. Andamos para o último corredor em
silêncio e assim que chegamos, a garota colocou a pequena coisa
brilhante no chão e me olhou. Eu apenas comecei a mexer no
carrinho de livros que estava ali, fingindo não me importar com sua
presença.
— Não imaginei que diria isso para você novamente tão
cedo, mas obrigada.
— Por que está me agradecendo? — perguntei, tentando
passar a ideia de que não entendia sobre o que ela falava.
— Eu não sou idiota, sei que inventou uma desculpa porque
viu que seu amigo estava me incomodando. Confesso que é
surpreendente ter feito isso, já que, sabe, você é um babaca e tudo
mais.
A encarei, com um sorriso cínico querendo brincar em meu
rosto.
— Está certa sobre quase tudo em sua frase — falei,
voltando a focar no carrinho.
— Ah é? Sobre o que eu errei? Você ser um babaca? — ela
questionou com um tom debochado.
— Não, Melina — neguei rapidamente, sem olhar em sua
direção. — Sobre eu ser amigo do Vitor.
A garota riu, não uma risada falsa, mas riu de verdade,
gargalhando e só pareceu notar o que tinha feito quando seus olhos
encontraram os meus, com um brilho divertido, que foi rapidamente
mudado para uma expressão séria, quando mordeu o lábio inferior.
Ela era bonita, eu não conseguia negar isso, nem tentando,
mas eu continuava incomodado com todas as situações passadas e
isso era suficiente para eu ficar com um pé atrás. Beleza nenhuma
poderia ser mais importante do que seguir com o que eu acreditava
ser correto, embora já nem tivesse certeza sobre o que pensar.
— Quer dizer que admite ser um babaca? — Melina levantou
uma sobrancelha, me fitando.
— Vai mudar sua percepção se eu disser que não sou?
— Não.
— Então por que perderia meu tempo? — Cerrei meus olhos
em sua direção.
— Grosso — ela resmungou. — Mas até que você pensa.
— E até que você se enrola — eu reclamei, em seguida
forçando um sorriso. — Volta a trabalhar, Mattos, se eu perder outro
final de semana nessa biblioteca por sua culpa, sou capaz de
derrubar uma estante em sua cabeça.
— Não me chame de Mattos — a garota pediu.
— Quer que eu fique te chamando de garota?
— Preferia que não me chamasse — Melina disse, fechando
um pouquinho os olhos quando me deu um sorriso debochado.
— Acredite, eu também, mas estamos sendo obrigados a
trabalhar juntos — expliquei, apontando em volta.
Senti seu olhar em cima de mim, antes de bufar, visivelmente
irritada.
— Então pelo menos me chame pelo nome.
Maldito ar, pensei, assim que senti falta dele.
— Como quiser, raio de sol — debochei. — Agora, por favor,
Melina, cale a boca para eu me concentrar.
— Palerma — a garota murmurou.
E foi suficiente para eu rir baixo, porque ela ficava fofa
dizendo xingamentos que talvez minha avó usasse.
Começamos a arrumar o mesmo carrinho, para podermos
terminar de uma vez e guardar os livros. Depois de um longo tempo
ali, notei Melina cantarolando alguma música e por um segundo,
não consegui controlar minha língua, que normalmente ficava bem
quieta.
— Quer escutar música? — perguntei e ela me encarou,
parecendo bastante confusa.
— Estamos em uma biblioteca — Melina disse, como se eu
fosse burro o bastante para não saber o que isso significava.
— Não sou idiota — resmunguei. — Tenho fone.
— E como exatamente vamos escutar em um fone e
trabalhar ao mesmo tempo?
Franzi o cenho, um pouco incerto sobre sua pergunta e tirei
meus Airpods do bolso, mostrando para ela.
Melina fez uma careta engraçada, que eu sinceramente não
saberia descrever, mas balançou a cabeça positivamente.
— É claro — ela sussurrou. — Bom, não sou eu que vou
negar uma música, só espero que seu gosto não seja péssimo.
— Não te vi reclamar ontem enquanto cantava no meu carro.
— Que coisa feia, Santiago. — Melina fez um barulhinho de
reprovação com a boca. — Virou do tipo que joga as coisas na
cara?
— Fazer o quê. — Dei de ombros. — David costuma
reclamar pela mesma coisa.
Ela deu uma risada baixa, sem mostrar os dentes, mas o
bastante para ficar sorrindo durante curtos segundos que pareceram
uma vida, um gostinho do que seria o paraíso.
Precisei me esforçar para desviar o olhar e focar no fone em
minha mão, que rapidamente entreguei um para a garota, colocando
o outro no ouvido, logo pegando meu celular para entrar no Spotify e
deixar no aleatório.
Lonely Eyes do Lauv começou a tocar e Melina me encarou,
dando um sorrisinho mais uma vez.
— Meu Deus! Eu adoro essa música — ela falou, parecendo
até mais leve enquanto arrumava os livros, como se a música a
acalmasse e eu não poderia julgá-la, pois tinha a mesma sensação.
— Eu também — respondi baixinho, prestando atenção em
meu trabalho e nos livros que guardava na estante.
Não demorou nem um segundo para Melina começar a
cantar baixo, não se importando nem um pouco com a minha
presença ali. Era como se um brilho novo tivesse aparecido nela e
aquele corredor se tornado o seu palco. Mesmo tentando, não
consegui desviar a atenção de cada movimento que fazia e
exatamente no instante em que começou a cantar o refrão, Melina
me encarou, e nossos olhares pareciam não querer se separar.
Tinha alguma coisa que nos conectava e naquele momento eu
soube que estava ficando maluco, além de doente, considerando o
quanto estava prestes a ter um ataque cardíaco.
— Oi, pombinhos — David disse, fazendo nós dois o
encarar, um pouco perdidos pela forma repentina pelo qual ele
apareceu.
— David?! — perguntei, soando um pouco irritado e nem
entendendo o porquê.
— Já é meio-dia, eu e a Nina estamos morrendo de fome e
vamos almoçar em uma cafeteria que ela conhece aqui perto,
querem ir junto?
— Com certeza! — Melina respondeu, se abaixando para
pegar sua mochila e eu fiquei mais surpreso do que gostaria de
admitir quando ela me olhou, inclinando um pouco a cabeça para o
lado e disse: — Você vem, Santiago?
Concordei e nós dois andamos até onde David estava. Ela
seguiu o caminho para encontrar com Nina e eu fiquei parado ao
lado do meu primo.
— Você vem, Santiago? — David repetiu, piscando os olhos
exageradamente. — Não eram vocês que quase saíram no tapa no
meio do shopping há uma semana?
— Bibliotecas são lugares neutros, David, se eu cometesse
um assassinato aqui, poderia manchar os livros.
— Está certo, prioridades, priminho. — O garoto me deu dois
tapinhas nas costas e nós caminhamos até Melina e Nina, que
estavam na porta nos esperando.
Embora eu tivesse respondido tranquilamente, a pergunta do
meu primo me fez pensar. Quando exatamente saímos de dedos
apontados na cara, brigas no shopping e xingamentos no ginásio
para pessoas que escutavam músicas juntos e tinham uma
conversa quase normal sem querer bater na cara do outro? Isso,
claro, falando por mim. Talvez Melina ainda estivesse com algum
instinto assassino para o meu lado e eu distraído demais para
perceber.
— Santiago — Melina chamou, me tirando do meio dos
meus pensamentos e me deixando com os olhos arregalados
quando ela segurou minha mão. Mas que porra ela está fazendo? —
Seu fone.
Demorei alguns segundos para olhar para baixo e notar que
segurava minha mão porque tinha colocado o fone ali. Dei um
sorriso, que deveria ter parecido uma careta e apenas assenti,
limpando a garganta e guardando os Airpods na caixinha.
— É longe essa cafeteria? — perguntei. — Podemos ir de
carro.
— Santiago, andar faz bem — David disse, balançando a
cabeça em negação para mim. — Sei que é difícil, mas acredito em
você.
— Vai se foder — murmurei, para apenas ele escutar e meu
primo sorriu.
— Para qual lado vamos, senhoritas? — o garoto perguntou.
E foi Melina que apontou o lado, fazendo com que
rapidamente estivéssemos os quatro seguindo para chegar na
cafeteria.
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Assim que o carro encostou na frente da casa amarela do
meu avô e eu paguei o motorista, não demorou muito para eu estar
pegando minha chave e entrando no quintal.
Caminhei diretamente até os fundos, onde meu avô cuidava
das plantas dele e normalmente passava grande parte dos dias.
Passei pelo caminho de tijolinhos brancos, observando as pequenas
árvores, que ele deveria ter plantado recentemente, e logo vi o
homem idoso sentado de frente para uma enorme mesa branca de
madeira.
— Melina! — ele exclamou assim que me viu, abrindo um
sorriso e se levantando, pronto para andar até mim.
Eu sorri também, caminhando em direção ao homem de
cabelos brancos, que um dia tinham sido tão escuros quanto os
meus. Seus olhos pareciam bolas de gude pretas, cobertas pelos
óculos de grau retangular.
Vovô me deu um abraço forte, que eu retribuí. Tínhamos
praticamente a mesma altura, já que eu era poucos centímetros
mais alta.
— Quanto tempo não vem aqui — ele falou, assim que se
afastou de mim, fazendo um sinal para que eu o seguisse.
— Queria ter vindo ontem, mas o senhor sabe… — Não
completei minha frase, apenas me sentando de frente para ele
assim que chegamos na mesa.
— Seu pai não devia ter te deixado de castigo — o idoso
disse, cruzando os braços.
— Ah, vovô, eu mereci, me meti em confusão — expliquei,
colocando minha mochila ao meu lado.
— O que importa é admitir seu erro, querida. — Ele sorriu. —
Está com fome? Comprei uma torta hoje.
— Claro — concordei, dando uma risadinha.
Não demorou muito para ele voltar com a torta e nós ficamos
ali mesmo, com a iluminação das lanternas do jardim, enquanto
vovô me contava algumas histórias de quando era mais novo, como
sempre fazia e me mostrava as novas suculentas que tinha
comprado com um rapaz que sempre comentava ter feito amizade e
acabava indo nas feiras acompanhado. Mesmo não o conhecendo,
era grata por fazer companhia para meu avô às vezes.
CAPÍTULO 12
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Hyeon acabou no banco do meu lado no ônibus, já que
David tinha aberto mão de seu lugar para que o rapaz não ficasse
sozinho.
Dez minutos que o ônibus tinha saído e dez minutos que
Hyeon não fechava a boca. Eu sabia que estava animado por ser
seu primeiro acampamento, já que ele tinha falado isso oito vezes
no caminho até o colégio. Chegou em certa altura que sua
animação foi tanta, que ele começou a misturar o português e o
coreano enquanto falava, de forma que me castiguei por saber falar
sua língua materna, já que se não soubesse, pelo menos não
estaria entendendo e poderia ficar em paz.
— Aish! — ele exclamou, mais uma vez confundindo o que
dizia. — Como demora para chegar.
— Michyeosseo? — perguntei baixo se ele estava ficando
doido, em coreano. — Faz dezesseis minutos que saímos, Hyeon —
expliquei, assim que olhei a hora em meu relógio de pulso.
— Chincha? — Hyeon arregalou os olhos, realmente
surpreso e eu confirmei que era sério, fazendo um sinal positivo
para ele, esperando que fosse o bastante e coloquei meus fones,
encostando no banco e desejando que conseguisse dormir.
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
“Conversa de travesseiro
Meu inimigo, meu aliado
Prisioneiros
Então estamos livres, é excitante”
— Pillowtalk, Zayn
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Nina tinha ido para a minha casa na noite anterior e ter ela
pulando em cima de mim logo cedo me fez lembrar disso.
— Bom dia, Mel! — Nina gritou, me obrigando a resmungar,
antes de abrir um pouco os olhos, observando meu relógio e
notando que eram oito horas. De um domingo!
Minha melhor amiga deveria ser presa por atrapalhar o
soninho dos outros em pleno final de semana.
— O que foi? — perguntei, um pouco sonolenta, enquanto
ela tirava a coberta de cima do meu corpo.
— Puta merda! — Nina exclamou e eu a fitei, confusa.
— O quê?
— O que é essa marca na sua bunda?
Me curvei o suficiente para tentar enxergar que marca ela
poderia estar falando e arregalei os olhos ao perceber o quase
hematoma que se fazia presente na lateral da minha bunda.
Ah, merda, eu mataria aquele desgraçado.
— Devo ter batido em algum lugar — respondi, tentando
parecer indiferente. — Você sabe que sou desastrada.
— Faz sentido. Sinceramente, achei que fosse uma mordida,
a marca está meio estranha — Nina disse e minha expressão se
modificou, formando um sorriso tenso em meus lábios. — Ah, eu
descobri uma coisa!
— O quê? — questionei, me sentando na cama e a fitando,
totalmente aliviada por termos desviado daquele assunto.
— Lembra do bailarino mascarado?
Meio que não tinha como eu esquecer, porque durante dias
aquela dança ficou presa na minha cabeça e quando finalmente me
distraí, Santiago soltou a bomba sobre existir a possibilidade de ser
ele, o que depois de sexta-feira ficou presente em meio aos meus
pensamentos com ainda mais frequência do que gostaria.
— Sim.
— Era o Santiago!
Eu não estava surpresa, na verdade, acho que praticamente
tinha certeza desde que disse “eu estava de máscara” e saiu
andando, não teria bem um motivo para soltar essa informação se
não fosse por David possivelmente ter aberto a boca, e Santiago
acreditar que seria uma boa oportunidade para mexer com a minha
cabeça.
— Você não parece surpresa — Nina falou, me tirando
daqueles pensamentos conturbados.
— Meio que ele tinha levantado essa possibilidade no
acampamento, você só confirmou — expliquei, pegando meu celular
que estava no carregador ao lado da cama.
— Olha, mas agora a sua ideia absurda de tentar ter aulas
com o bailarino pode funcionar, considerando que não é um
desconhecido, mas sim o Santiago.
Soltei uma risada fraca, desbloqueando o aparelho e
revezando minha atenção entre a minha melhor amiga, sentada de
pernas cruzadas em minha frente e a tela brilhando em minhas
mãos.
— Acho que eu tinha uma chance maior de receber ajuda de
um desconhecido. Não nos damos bem, Nina.
Se nem nossas duas péssimas experiências no
acampamento, onde fomos obrigados a um ajudar o outro, foram
capazes de apagar completamente o quanto não nos entendíamos,
com certeza não seria o acontecimento inesperado de sexta que
mudaria alguma coisa, embora o clima entre Santiago e eu
estivesse até aceitável no dia anterior.
— Mas Melina, pense na oportunidade.
— Se nem vendo ele com tanta frequência, nós já brigamos,
imagina se tivéssemos que nos encontrar para aulas, isso nunca
funcionaria.
Desviei minha atenção para a mensagem que meu celular
notificou.
Hyeon: Bom dia.
Hyeon: Quer sair para tomar um café?
Hyeon: Santiago acordou estressado hoje.
Melina: Bom dia.
Melina: Um cafezinho sempre cai bem, com certeza.
Melina: Existem dias em que ele não é estressado?
Hyeon: Você tem um ponto.
Melina: Tem motivo pelo menos?
Hyeon: Tomou uma bronca da coreógrafa.
Hyeon: E ela disse que se ele não ensaiar o dobro nas próximas
semanas, estará fora da apresentação de Natal.
Hyeon: Pelo que entendi, ele e a dupla não conseguem se conectar
direito, porque ele costuma dançar sozinho.
Hyeon: Porém, eu só sei disso tudo porque escutei durante a
ligação, Santiago não conta nada.
Melina: A mulher ligou em um domingo para dar bronca?
Hyeon: Pois é.
— Por que está tão atenta? — Nina perguntou, desviando
minha atenção, revelando um sorriso sugestivo. — Com quem está
conversando?
— Hyeon, ele quer sair para tomar café.
— Ui ui ui, com o Hyeon — minha melhor amiga disse,
piscando os olhos demoradamente e em seguida pressionando os
indicadores contra a minha perna, como uma cosquinha sutil. —
Está rolando algo? Achei que era com o Santiago, me enganei?
Revirei os olhos, deixando que uma lufada de ar escapasse
pelos meus lábios, enquanto encarava Nina com certo deboche.
— Hyeon está se tornando um ótimo amigo, nos falamos
com bastante frequência e ele meio que tem me dado muitos
conselhos sobre o Nicolas.
— Isso é ótimo, no último ano você se limitou a ter apenas
Nicolas e eu em seu círculo de amizades, fico feliz que Hyeon esteja
fazendo parte, ele parece ser uma boa pessoa.
Hyeon: O café perto da sua casa é uma boa, né?
Hyeon: Aquele que você gosta.
— Eu também acho — falei depois de ler as últimas
mensagens dele. — Vamos ao Café Literário? Hyeon está
chamando.
— Sim, vou colocar uma roupa — Nina concordou, já indo
até o meu guarda-roupa, onde ela sempre deixava algumas peças.
— David vai também?
Melina: Combinado.
Melina: Nina perguntou se David também vai.
Hyeon: Ele não dormiu em casa.
Melina: Certo.
Hyeon: Passo encontrar com vocês em trinta minutos.
Melina: Até.
Me levantei, parando ao lado de Nina e pegando a primeira
calça que vi ali, uma pantalona rosa, que foi complementada por um
cropped branco.
— Não vai, Hyeon disse que dormiu fora de casa —
expliquei, respondendo sua pergunta.
Por um segundo, pude jurar que os olhos de Nina se
arregalaram, antes dela soltar uma risada.
— Não me surpreende — Nina afirmou, se afastando e
colocando as peças que tinha separado em cima da cama. — Eu já
tomei banho, você vai também?
Assenti, erguendo minha toalha que peguei no armário para
que ela visse e sai do quarto em direção ao banheiro.
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Não fazia a menor ideia de que horas eram, mas sentia meu
corpo todo cansado.
— Melina — uma voz distante me chamou e eu abri os olhos
com um pouco de dificuldade, antes de enxergar Santiago.
Minha boca se curvou em um sorrisinho.
— Oi.
— Chegamos, vem, precisa descer — ele pediu e eu tive um
pouco de dificuldade de associar, antes de ver a porta do carro
aberta e seus braços esticados e prontos para me pegar.
Acho que eu tinha bebido demais.
Ele soltou um suspiro, antes que eu sentisse suas mãos
firmando meu corpo e me tirando do carro. Santiago fechou a porta
com o pé, porque suas mãos me mantinham em seu colo e eu notei
que estávamos no estacionamento do meu prédio.
— Onde está sua chave? — o rapaz perguntou e eu pensei
um pouco.
— No bolso do meu casaco — resmunguei, me agarrando a
ele.
— Acha que consegue ir para o chão?
— Não — murmurei, o apertando mais e poderia jurar que
escutei uma risadinha saindo dele. Deveria ser alucinação por culpa
do álcool. — Me carrega.
Eu mataria Hyeon no dia seguinte por ter me dado tanta
tequila achando que era Vodka.
O tempo parecia desajustado para mim e quando abri os
olhos novamente, já estava na porta do meu apartamento. Santiago
pegou a chave e abriu com calma, como se tentasse não fazer
barulho.
— Onde é seu quarto? — questionou baixinho.
— No andar de cima — falei, um pouco atordoada, enquanto
ele me carregava.
Logo Santiago me colocou na minha cama, tirando meu
tênis, enquanto eu me abraçava ao meu travesseiro.
— Vou embora antes que seu pai me veja, mas amanhã
trago um remédio para você, ok? — ele perguntou e eu me forcei a
abrir os olhos, o encarando, notando que estava realmente perto de
mim.
— Você é tão lindo, por que tem que ser tão mal-humorado?
— a pergunta deixou meus lábios, mesmo que fosse apenas um
pensamento.
Ele riu, uma risada de verdade, não do tipo que sempre
tentava segurar.
— É melhor ficar quietinha, ou vai se arrepender amanhã,
isso se você lembrar. Hyeon não entende nada de álcool, ele não
podia beber na Coreia — Santiago disse, me deixando surpresa por
estar tão falante. Droga, só porque eu estava bêbada demais para
manter uma conversa. — Enfim, deixei a Nina em casa também,
durma sem se preocupar com ela, certo?
Eu concordei e Santiago colocou a coberta em cima de mim,
cobrindo meu corpo e me fazendo aconchegar na cama.
— Não faça nenhuma besteira, só descanse — ele pediu,
passando a mão na minha testa para tirar as mechas de cabelo que
tinham se aglomerado ali. — Até amanhã, raio de sol.
Não consegui responder e nem manter meus olhos abertos o
suficiente para vê-lo ir embora.
CAPÍTULO 29
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Já estávamos em casa, embora meus primos tivessem saído
para ir ao mercado, mas fazia algum tempo que Santiago se
encontrava dentro do quarto que foi oferecido para ele, o que
acabou me fazendo andar até lá, notando que uma fresta da porta
estava aberta, o bastante para conseguir ver o rapaz guardando as
coisas na gaveta que Ariella liberou, enquanto falava irritado no
telefone. Tudo parecia muito particular, mas não consegui segurar
minha vontade de saber o que estava acontecendo, principalmente
por a chamada ter ficado no viva-voz.
— Fala de uma vez. O que você quer? — Santiago
questionou para seja lá quem estivesse do outro lado da ligação.
— Fale direito comigo, garoto. — Era a voz de um homem,
claramente adulto.
— Eu estou ocupado.
— Semana que vem acho que vou para Vila dos Anjos.
Santiago não respondeu de imediato, mas sua postura se
enrijeceu de uma forma que quase me fez andar até ele e o abraçar.
— Decidiu dar as caras depois de dois anos? — ele
perguntou. Tinha um misto de deboche e alguma outra coisa que eu
não conseguia interpretar direito.
— Vou ignorar sua falta de educação — o homem afirmou.
— Quanto ao ballet, já que realmente quer continuar com essa coisa
de marica, pelo menos vai fazer direito.
Ele parecia ser uma pessoa horrível e eu só quis socar sua
cara mesmo que virtualmente por dizer uma merda daquelas.
— Que merda está falando agora? — Santiago questionou,
bastante impaciente e eu dava total razão.
— Tem uma academia na Rússia que está interessada em
você, uma representante deles viu alguma apresentação sua e
gostou.
Tive que colocar minhas mãos na boca para não emitir
nenhum som de surpresa. Isso significava que Santiago iria
embora?
— Não quero ir para a Rússia.
— Pareço estar perguntando?
Senti o sangue fervendo em meu corpo. Quem aquele merda
pensava que era para falar com Santiago daquele jeito?
— Olha, eu nem estou em Vila dos Anjos, então não enche
meu saco, não vou discutir isso porque nem é da sua conta, eu sou
maior de idade, posso tomar minhas próprias decisões, nem preciso
de você, porque tudo o que tenho minha mãe deixou para mim e,
graças aos céus, falta pouco para você não ter poder nenhum sobre
as últimas coisas dela que seus dedos podres ainda tem acesso —
Santiago disse cada palavra com uma cautela fora do comum,
mantendo uma pose séria e concentrada a todo segundo.
— Onde você está?
— Tchau, Archibald, não me ligue.
Ele se inclinou o suficiente para desligar a ligação e eu pude
ver o momento que suas pernas cederam, levando Santiago
diretamente ao chão. Tentei me controlar e não invadir sua
privacidade, mas quando percebi que estava chorando, não
consegui.
Entrei naquele quarto como se a minha vida dependesse
daquilo e o abracei com a mesma intensidade, sentindo seus
músculos hesitarem enquanto eu o apertava, antes de ceder, me
abraçando de volta e afundando a cabeça em meu ombro. Eu queria
poder tirar seja lá o que estivesse o machucando, queria poder
acalmá-lo, assim como fez comigo.
Afaguei suas mechas loiras, tomando cuidando para não
bagunçar seus cachinhos perfeitos, enquanto o apertava mais,
como se aquilo fosse suficiente para lhe dar algum tipo de
tranquilidade. Suas mãos me soltaram um pouco e eu me afastei o
bastante apenas para conseguir olhar para seu rosto. Ele parecia
perdido, como uma criança que se desencontra da mãe em um
supermercado, o que me fez colocar as mãos em seu rosto,
secando aquelas lágrimas.
— O que aconteceu? — não pude conter a pergunta, mesmo
que eu soubesse que era mais um passo em direção a total falta de
respeito com a privacidade dele.
Santiago respirou fundo, parecendo tentar conter as lágrimas
e então foi como se aquele olhar perdido se transformasse um
pouco, deixando toda aquela intensidade azulada fria como gelo. Eu
não tinha a menor ideia de como ele conseguia se modificar tão
rapidamente.
— Por que você se importa? — ele questionou e a voz era
um misto de rancor e mágoa que eu não sabia se realmente estava
sendo direcionado para mim, o que apenas me deixou confusa.
— O quê?
— Por que está se importando, raio de sol?
Por quê?
Talvez essas duas palavras rondassem mais os meus
pensamentos do que eu jamais fosse admitir. Por que ele não saía
da minha cabeça? Por que tinha conseguido invadir a minha vida?
Por que eu queria passar tanto tempo ao seu lado? Por que cuidava
de mim, mesmo dizendo me odiar? Por que encaixávamos tão
perfeitamente? Por que sempre nos encontrávamos quando um
precisava do outro? Por que eu me deixei entregar quase
completamente para ele?
Acho que saber o porquê eu me importava era uma delas,
mais uma na lista que eu não sabia quando conseguiria responder,
então deixei que a desculpa mais idiota deixasse mais lábios.
— Porque precisamos um do outro.
Ele me encarou com atenção, mesmo que as lágrimas ainda
brilhassem em seus olhos, que estavam ainda mais azuis por conta
do choro. Eu nunca o vi tão frágil, não quando tudo o que Santiago
normalmente se permitia mostrar era uma casca fria e gélida.
— Você precisa de mim? — o questionamento deixou seus
lábios de uma forma quase desesperada.
— Você está me ensinando ballet — murmurei, secando o
restante das lágrimas que restavam em seu rosto.
Isso o fez soltar uma risada fraca, uma que deixava muito
claro que minhas palavras beiravam o absurdo, mas eu não poderia
lidar com seja lá o que fosse a resposta para todas as minhas
perguntas, não quando continuava quebrada e sem saber se
poderia me reconstruir.
— Não precisa fingir que se preocupa — ele resmungou, o
que me fez soltar uma lufada de ar, ficando um pouco impaciente.
— Por que você tem que ser assim? — perguntei, ainda sem
tirar a mão do rosto dele e isso fez Santiago franzir o cenho.
— Eu sou assim, Melina — ele esbravejou. — Imaginei que a
essa altura você já teria entendido.
— Ah então me diga, como exatamente você é?
— Como eu sou?! — sua fala estava carregada de deboche,
um do tipo que me fazia perder o resto da pouca paciência que tinha
restado.
— Sim, me explique já que eu não entendo.
— Eu não gosto que queiram se meter na minha vida —
afirmou, cerrando os olhos e isso me fez revirar os meus.
— Se meter na sua vida, ou cuidar de você? — questionei,
tirando as mãos de seu rosto e me inclinando para trás o bastante
para cruzar os braços.
— Dá na mesma.
— Não, não dá. — Bufei, desviando o olhar por um
momento, tentando me recompor. — Porra, eu só quero que você
fique bem, por que isso é tão ruim?
— Por que você está se aproximando e eu não odeio isso!
— Santiago exclamou, parecendo um pouco alterado, a voz ficando
alta, enquanto se levantava, passando a mão pelo rosto de uma
forma nervosa.
— O quê? — perguntei, ficando em pé também, tentando me
aproximar, mas ele parecia agitado. Talvez eu só tivesse piorado a
situação.
— Todo dia, Melina — sussurrou, me causando uma onda de
estranheza por escutar meu nome daquela forma baixa e calculada.
— Todo santo dia eu acordo esperando que chegue de noite e eu
possa te ver. E aí você vai embora ou eu te deixo em casa e espero
uma oportunidade de te mandar mensagens ou receber alguma.
Fiquei quieta, tentando encontrar exatamente as palavras
apropriadas, mas não sabia o que dizer.
— Eu tentei, tentei ao meu máximo não deixar você cruzar
nenhuma barreira, te tratei mal, fui grosso, distante, mas nada te
impediu de perfurar a porra do meu escudo.
— Santiago…
— Eu não deixo ninguém chegar perto, Lia, não deixo
ninguém saber demais, nem deixo usarem meu nome desde que a
minha mãe morreu. — Uma risada saiu de sua garganta, rouca e
carregada de dor. — Mas você? Porra, eu quero que você saiba
tudo. Quero te ligar quando estou triste, e quando estou feliz
também, até quando eu nem tô sentindo nada, só quero escutar sua
voz, ver seu rosto, ou sentir seu cheiro. Que, aliás, não é nada justo
um ser humano cheirar tão bem mesmo depois de ensaiar ballet por
horas.
Dei alguns passos em sua direção, tentando entender onde
queria chegar.
— Mas eu odeio isso, odeio o que você me faz sentir, odeio
estar tão vulnerável, odeio...
Ele hesitou e eu engoli em seco. Santiago era confuso o
suficiente para eu saber que mesmo com todas aquelas palavras,
poderia ser apenas um sinal de que ele me mandaria ir para o mais
longe possível.
— Me odeia? — as palavras saíram cortantes quanto eu falei
e seus olhos se encontraram com os meus.
Eu poderia olhar para ele o dia todo e não cansaria nunca,
no máximo ficaria sem ar, já que aquele simples contato era capaz
de me tirar o fôlego.
— Nem que eu quisesse poderia te odiar. Não mais.
Continuei parada, desejando fazer alguma coisa, mas não
conseguindo. Por que era tão difícil? Tão complicado apenas me
deixar levar e aceitar seja lá que coisa maluca estivesse
acontecendo entre nós dois?
— Eu não quero ser um fardo — ele murmurou. — Você não
merece ter que aturar alguém como eu.
— Alguém como você?
— Sim, raio de sol.
— Como exatamente? Extremamente talentoso em qualquer
coisa? Com um humor levemente questionável e piadinhas bem
ruins? Ou um bom primo e bom amigo, mesmo tentando com muita
vontade demonstrar o contrário? Talvez um mau-humor
insuportável, mas que consegue ser fofo mesmo bravo? — Eu não
sabia de onde aquilo tudo estava vindo, mas apenas tinha saído,
enquanto Santiago me encarava com curiosidade, os olhos ainda
estavam vermelhos graças ao choro e eu não conseguia deixar de
pensar o que tinha o levado a chorar daquela forma. — Uau, que
fardo gigante você é.
— Não tente brincar, estou falando sério. — Ele pareceu
impaciente, massageando as têmporas. — Você merece um amigo
melhor, um parceiro melhor e um... — Santiago hesitou, pelo menos
o bastante para engolir em seco, antes de terminar. — Um cara
melhor.
— Eu não quero ninguém melhor.
— Então você é uma tola, já que obviamente merece algo
melhor.
— Me insultar não vai fazer eu ir embora.
— E por que não?
— Porque eu não desisto facilmente.
— Talvez deva começar.
— Não combina comigo.
— Eu estou falando totalmente sério, é melhor para você se
afastar de mim enquanto ainda dá, eu sou uma bomba e se
continuar perto, essa merda vai explodir na sua cara. — Ele apontou
para si mesmo enquanto falava, o que me fez revirar os olhos mais
uma vez.
— Uau, seu discurso é quase impressionante, mas não me
convenceu, vou ficar bem aqui — falei, dando alguns passos em sua
direção e ficando bastante próxima, antes de complementar: — do
seu lado.
— Por que tem que ser tão teimosa? — Santiago questionou
baixinho e isso me fez sorrir.
— Aprendi com meu parceiro.
Escutei a porta da entrada se abrindo e logo em seguida o
conjunto de vozes dos meus três primos tagarelando, o que me fez
me afastar de Santiago, pronta para deixar o quarto, mas parando
na porta.
— Sei que você não é do tipo que fala as coisas, mas se
precisar desabafar, você sabe onde estou dormindo e também tem o
meu número.
— Vai realmente embora da nossa discussão assim? — ele
perguntou, cerrando um pouco os olhos e eu sorri, assentindo.
— Você sabe que eu ganhei, então só aceite como um bom
menino.
— Eu não sou um bom menino.
— É, eu sei bem.
Isso fez Santiago rir, antes de umedecer os lábios e eu
deixei o quarto de hóspedes, pronta para tentar controlar as batidas
frenéticas do meu coração e acalmar aqueles pensamentos que
estavam quase me enlouquecendo.
Eu não sabia que merda era aquela, mas tinha consciência
que estava fodida.
CAPÍTULO 34
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Nunca imaginei que voltar para Vila dos Anjos seria tão
entediante. Tinha ficado mal-acostumado com Melina vinte e quatro
horas por dia na mesma casa que eu, tanto que não existir a
possibilidade de continuar daquela forma estava me deixando
maluco.
Eu queria vê-la logo, o que me fez sair apressadamente da
academia, pegando meu celular no bolso da calça e já abrindo seu
chat, antes mesmo de terminar de entrar no carro.
Santiago: O que está fazendo?
Melina: Oi para você também.
Melina: Dando uma volta no shopping.
Melina: Por quê?
Santiago: Vou te buscar.
Santiago: Para ensaiarmos.
Melina: Eu ainda ia em casa, mas ok.
Melina: Chega em quanto tempo?
Santiago: Cinco minutos.
Santiago: A academia fica bem perto.
Melina: Estava malhando para ficar mais gostoso para mim?
Santiago: Academia de ballet, raio de sol.
Melina: Também é útil.
Melina: Vou te esperar na entrada principal.
Não respondi a mensagem, mas entrei no carro com pressa,
dando partida com a mesma rapidez, sentindo toda a ansiedade me
dominando.
Normalmente eu era o tipo de pessoa controlada até demais,
sempre fui do tipo racional, mas Melina me fazia deixar de pensar,
permitindo que minhas emoções tomassem conta.
Cada minuto pareceu uma eternidade e eu agradeci aos
céus quando finalmente cheguei na entrada do shopping e consegui
ver aqueles cabelos lindos e compridos balançando com o vento,
enquanto um sorriso enorme começava a fazer presença no rosto
da dona de todos os meus pensamentos.
— Oi, chegou fácil? — ela perguntou assim que abriu a
porta, esticando a bolsa para eu segurar, enquanto se sentava no
banco.
— Sim, David sempre me faz buscar ele aqui — expliquei,
devolvendo a pequena peça amarela assim que colocou o cinto de
segurança.
— Por que veio me buscar? — o questionamento tinha um
pouco de curiosidade presente, como se ela soubesse que eu só
estava ali porque já não aguentava mais ficar longe, mas quisesse
que eu admitisse.
— É caminho — falei, dando partida no carro e voltando para
a rua, não deixando que Melina descobrisse meus reais motivos.
Eu poderia ser um idiota apaixonado, mas não entregaria
isso de bandeja.
— Ué, meu pai me ligando, que esquisito — Melina
resmungou ao olhar para o celular, parecendo ser mais uma
observação para si mesma do que algo que quisesse me falar. —
Oi, pai!
Não escutei a resposta dele, mas a garota pareceu quase
congelar, ficando com um sorriso travado no rosto, tensa demais,
antes de me encarar, enquanto eu tentava dividir minha atenção
entre o trânsito e ela.
— Estou com um amigo — foi o que disse para o homem,
me deixando com o cenho franzido, antes de uma longa pausa,
seguida de um: — Ok, chego logo.
Aquilo me deixou apreensivo. Significava que Melina já iria
me fazer deixá-la em casa? Sem nem ao menos conseguir admirá-
la por algumas horas? Ah, porra, era tortura demais.
— Vamos lá para casa — a garota afirmou assim que
desligou a ligação e embora eu precisasse focar em dirigir, acabei
olhando para ela por um breve momento, um pouco confuso.
— Vamos? — repeti a palavra que não fez sentido na minha
cabeça.
— Sim, meu pai quer que eu jante com ele.
— E você quer que eu vá junto? — minha voz pareceu tão
baixa que até me surpreendi, parecia que eu estava nervoso,
mesmo que não fizesse sentido algum o nervosismo surgir por um
jantar.
— Ué, nós somos amigos, isso é normal — ela disse,
parecendo confiante.
Apenas amigos não seria um termo que eu usaria para
definir nossa situação, mas se era o que Melina queria, eu iria
apenas aceitar, mesmo que isso me levasse diretamente ao diretor.
— Claro.
E depois de uma concordância não muito certeira, eu fiz o
retorno para mudar a minha rota e dirigir até o apartamento, onde
provavelmente um homem me olharia como se estivesse prestes a
me matar.
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
“Eu tenho cicatrizes, mesmo que nem sempre elas possam ser vistas
E a dor fica difícil, mas agora você está aqui e eu não sinto nada
Preste atenção, eu espero que você escute, porque eu abaixei minha guarda
Agora eu estou completamente indefeso”
— If I Could Fly, One Direction
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
1 ANO ATRÁS
Quarta-feira, 10 de junho de 2020
✽ ✽ ✽
Domingo, 14 de junho de 2020
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
✽ ✽ ✽
Bru Souza
ABOUT THE AUTHOR
Bruna Souza
Bruna Souza nasceu em Curitiba, Paraná. Estava conectada com a
leitura desde muito nova, já que seu principal hobbie era ler para os
mais novos. Aos 11 anos, começou a colocar no papel o que
normalmente ficava guardado em sua cabeça e descobriu o amor
pela escrita.
Sempre foi apaixonada por romances, tanto nas telas como nos
livros, e ama escrever sobre isso, já que vê como uma forma de
compartilhar com outras pessoas os mundinhos que ficam em sua
mente.
Instagram/Tiktok: @bsouzaautora
BOOKS BY THIS AUTHOR
Herdeira
ELEMENTAIS - 2019
Mas será que escutar o seu coração será o suficiente para salvar
seu reino?
30 Dias
FILHOS DA ILHA - 2020
Joshua não imaginou que aos dezoito anos sua vida ganharia um
rumo tão complicado, principalmente considerando o quanto sempre
priorizou não se envolver em problemas.
Talvez por esses motivos, Lívia nem poderia cogitar que logo estaria
em um avião indo diretamente para a neve do Canadá, perdendo
todas as festas, o sol do Rio de Janeiro e tendo que aguentar um
bando de vizinhos e parentes intrometidos.