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Criado no Brasil
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Notas iniciais
001
002
003
004
005
006
007
008
009
0010
0011
0012
0013
0014
0015
0016
0017
0018
0019
Epílogo
Agradecimentos
Notas finais
Contato
Outras obras
E aqui estamos nós, prontos para mais uma história juntos!
Aqui temos Noah e Cíntia, além de outros personagens que com certeza
vão ganhar seus corações. Os Broussard são uma família, que reside no sul do
nosso país e que vivem da produção das uvas e dos derivados. A história é
leve e divertida e espero que gostem.
A ideia dessa duologia, na qual o outro livro, Anthony, foi escrito pela
minha irmã, surgiu do nada e ganhou meu coração. Foi divertido e muito
gostoso narrar a trajetória de Noah até encontrar o amor e suas loucuras sem
fim.
Espero que se apaixonem por esse enredo, pelo cenário lindo e que, ao
final dele, sintam nos seus corações, que o amor é assim mesmo,
imprevisível, intenso e surge quando menos esperamos.
Um forte abraço,
Sara Fidélis
O dia amanheceu uma hora atrás, e posso ver os raios de sol incidirem
sobre as mesas de madeira, o chão e os balcões, deixando tudo em um tom de
dourado que sempre me faz suspirar.
Coloco a placa escrito open para fora, para que vejam que já estamos
atendendo, e volto para trás do balcão, amarrando novamente meu avental na
cintura, mais firme, alisando o tecido em seguida.
O frio já chegou no Sul e, apesar de ainda não estarmos nem perto das
baixas temperaturas que vão nos atingir em breve, prefiro trabalhar com as
portas fechadas.
A cidade é muito pequena, então trabalho com café e pão pela manhã,
Ouço o sinete da porta e ergo os olhos a tempo de ver Marisa passar por
ela, sorrindo enquanto esfrega as mãos, envoltas por grossas luvas de lã.
O assunto sempre eleva meu ânimo, já que é uma época bem agitada
para nós, o comércio recebe muitos turistas e com isso conseguimos suportar
os meses mais parados.
aquelas luzes que você adora para enfeitarmos seu jardim, acho que as
pessoas vão amar.
considerar o mesmo.
Marisa ergue os olhos de sua xícara de café, está tão empolgada que
nem nota a migalha de pão no canto de sua boca.
— Vou pedir que venham dar um jeito no quintal pra você, capinar
aquela grama que está alta e deixar tudo bem bonito.
— Já estou ansiosa.
— O que vai ser lindo? — Olho para trás e encontro George, o nosso
carteiro. — Bom dia, Cíntia, bom dia, prefeita.
— Não, minha filha. Vim mesmo atrás de um copo de café com leite.
Pode fazer pra mim?
— Claro…
Volto para trás do balcão e coloco o leite para ferver. Despejo o café na
caneca grande enquanto espero.
— Nada de ruim, as pessoas estão dizendo que logo o velho vai passar
de vez a diretoria pro neto, digo, se aposentar pra valer. Pelo menos foi o que
deu a entender em uma entrevista semana passada.
moradia no Brasil.
Ela dá de ombros.
— Imaginei que não, mas o tal Michael se formou fora do país, é muito
inteligente pelo que dizem, mas pra mim é tudo boato, não imagino o velho
abrindo mão do seu império de uvas.
As paredes são brancas e impessoais, mas os móveis têm aquele
aspecto de requinte, quando, na verdade, para olhos mais atentos, fica muito
claro que é só aparência. Juntos, não devem valer mais que minha moto.
Como sempre, meu avô inventando uma das suas para me punir. Não
que eu não me exceda em alguns casos, mas porra! Dessa vez eu não tive
culpa.
— O próprio.
— Pode entrar, por aqui, por favor — pede, voltando para sua cadeira
atrás da mesa de madeira.
— Pode me dizer do que se trata? Como deve saber, não sou muito
— Bom, acredito que deve ter notado o problema com seus cartões de
crédito.
Assinto sem dizer nada, já estou irritado desde que passei a merda de
um vexame ontem à noite, sem conseguir pagar a conta do bar.
— Pois bem — continua —, sua conta foi aberta por seu avô, quando o
senhor ainda era menor de idade e foi ele também que concedeu o crédito
para os seus cartões.
— Não, ele não ficou pobre. — O homem sorri, sem graça. — Mas ao
— Nesse caso, vai precisar falar com ele, Noah. Como foi seu avô
quem abriu a conta, no nome dele, não há nada que possamos fazer sem
autorização.
— Não posso ajudar, Noah. Mas tenho certeza de que existe algum
motivo por trás disso, seu avô deve ter tido suas razões.
Franzo o cenho ao ouvir o que ele diz.
O gerente aquiesce.
Meu avô e eu nunca fomos exatamente melhores amigos, não como ele
e Anthony, mas ele sempre me deu tudo que o dinheiro podia comprar.
Nunca fomos muito família, mas também não fui privado de nada, até agora.
— Não fui, mas devo ter feito uma merda das grandes. Vou ter que
fazer uma viagem não planejada, acredita?
— Não pergunta pra mim, ele não me disse nada. Tem certeza de que
não foi preso?
Aí, claro, a culpa foi minha por pegar as garrafas do bar e quebrar na
cabeça dele, mas que porra eu ia fazer? O cara tinha o dobro do meu
tamanho, no soco eu ia me ferrar.
Hesito por um instante. Fazia tempo que eu não ia pra uma festa assim
e não sou um viciado, só uso as vezes pra curtir com os caras.
— Eu vou tentar, mas primeiro preciso descobrir o que deixou ele tão
puto.
A verdade é que nem mesmo sei o motivo e como não sou bom em
pedir desculpas, fica pior ainda.
Meu avô veio dos Estados Unidos para o Brasil ainda muito jovem,
conheceu minha avó, se apaixonaram e se casaram, e ele decidiu ficar.
Naquela época ninguém além de John imaginava que as plantações de uva
virariam aquela vinícola e que o vinho Del Broussard seria conhecido em
todo canto.
Mas o cara era focado, não desistiu até enriquecer com isso. Não
desistiu quando minha avó morreu, mas perdeu um pouco o ânimo, deixou a
grande São Paulo para trás, delegou algumas funções para Anthony e se
enfurnou em Araucária, no interior do Rio Grande do Sul, onde fica a fazenda
Santa Inês e a vinícola Del Broussard.
Ele não me deserdou quando roubei o jatinho do amigo dele e fui pro
Rio com dois amigos, nem quando dei um perdido nas roupas da minha
prima Linda, enquanto a boneca nadava pelada.
Ligo outra vez pro Anthony, torcendo para que meu avô não tenha
chegado antes e proibido ele de me ajudar.
Então uma luz se acende na minha cabeça sem um único miolo intacto.
— Vou no posto de gasolina e peço a conta deles… Acho que não vão
— Tá bom, mas vê se resolve sua vida porque ter que ficar entre você e
o John é um saco.
A ideia de o arrancar da cama me faz sorrir. Ele vai ficar furioso e isso
é bom, porque eu estou irado.
A estrada está bem vazia, então acelero a quase duzentos por hora e,
por mais que sinta o vento cortando a pele exposta do meu pescoço, não
demoro tanto a chegar.
dela, suas preciosas uvas. Da varanda do seu quarto o homem tem vista para
tudo isso, inclusive para a estrutura gigantesca da vinícola.
Abro o portão lateral, que é fechado apenas com uma corrente que o
segura, e entro com a moto para o quintal, nos fundos da mansão.
acesa e pouco depois, ele e a esposa, Mila saem para o quintal, o homem
trazendo uma espingarda na mão.
— Claro. Vou pegar a chave da cozinha pra você entrar, mas deixa pra
conversar com ele de manhã… Sabe como ele fica quando o acordam.
realmente traz tanta gente a Rio Dourado, para o inverno, é nossa famosa
festa junina. E, para que tudo saia conforme o planejado, os enfeites são
essenciais.
pessoas acabem não vindo como o esperado, mas tenho tentado manter o
pensamento positivo.
— Salém! Vem aqui com a mamãe… — Procuro meu gato sob a mesa
da cozinha e o encontro deitado confortavelmente em cima das minhas
pantufas.
acabamos por encontrar um jeito de seguir juntos depois que minha mãe
faleceu.
Outra vez pego meu gatinho nos braços, mas agora o coloco dentro da
caixa, em cima das decorações.
— Graças a Deus a festa está chegando, a animação vai ser boa pra
— Eu adoro essa época, você sabe. Sou quase um esquimó, por mim
seria inverno o ano todo. As roupas, as botas, as comidas…
Jeni ri, mas não discorda, afinal eu sou mesmo a doida do inverno nessa
cidade. Bolachas, chocolate quente, chás, caldos, meias tricotadas à mão,
Mas, antes que possa sair correndo para verificar, a moto estaciona em
frente ao restaurante e um homem que não consigo ver bem através da porta
fechada, desce.
escuros, uma jaqueta de couro justa nos ombros largos e um perfume que se
espalha pelo local.
Nunca o vi por aqui e, com certeza, ele não é do tipo que se esquece
com facilidade.
Jeni desvia os olhos para o chão. Não era para ser algo constrangedor,
mas o modo arrogante com que ele fala, deixa tudo mais esquisito e quase me
— Também não temos. Não trabalho com máquina de café, apenas café
coado, mas posso colocar leite no seu, caso prefira.
— Era para viagem, mas tudo bem, agora que já colocou na xícara —
ele resmunga.
Ele estende a mão para pegar a xícara e posso ver as tatuagens que a
cobrem até o pulso; a jaqueta esconde o resto, mas chego a imaginar que
continuem até bem mais em cima.
Esse ridículo.
— Quer saber? É por conta da casa mesmo. Pode ir, passe muito bem.
na ponta do nariz, que, por sinal, combina muito com seu estilo “rebelde sem
causa”.
— Um imbecil?
— Um imbecil muito gato, você quer dizer. E o que foi aquele olhar no
final? Estou sentindo calor só de ver a interação entre vocês. Quanta química!
Dou de ombros.
— Ah, é? E onde é que você vê isso por aqui? Um gato daqueles, todo
tatuado e com aquele sorriso diabólico — comenta, gargalhando.
— Vai ficar um tempo aí? Se for, vou assar uma cuca enquanto você
vigia aí na frente — pergunto já caminhando para dentro —, sempre pode
aparecer um doido.
UM POUCO ANTES…
mais nervoso.
Dessa vez ele sorri minimamente, mas é o suficiente para que eu saiba
o quanto está se divertindo às minhas custas.
velho provoca.
— Não foi nada tão dramático. Estava em um bar, bebendo com meus
amigos e não pude pagar a conta.
— E o que foi que fiz? Ainda não entendi porque o senhor tirou meu
dinheiro.
— Já tentei todas as opções com você, Noah, mas nada deu certo até
agora. Então precisei ser mais determinado.
Abrindo, pega um envelope pardo de dentro dela e retorna com ele para
perto de mim. Sinto um arrepio de premonição. Sempre que John atira um
desses envelopes na minha cara, a caixa de pandora é aberta e encontro
minhas piores vergonhas.
— Essa foi possivelmente a pior coisa que você podia ter feito, Noah.
Eu estava muito doido naquele dia. Fui à praia com outras seis pessoas,
mas nenhuma delas aparece nas fotos, então com certeza é esperar demais
que, se não me recordo de terem ido embora, eu vá me lembrar do clima.
— Do jeito que o senhor está falando e agindo, pensei que estivesse
pelado com a mulher de alguém importante, ou sei lá, algo pior.
— Que porra é essa? Ele está achando que eu… Fiz sacanagem com o
cachorrinho?
— Ele sabe que não foi isso, Noah. Mas quantas vezes preciso dizer
que sempre tem gente querendo derrubar nossa família? E você só piora tudo!
Não importa o que o homem acha, mas o que ele vai dizer.
— Mas que merda! Isso é calúnia. Contra mim e o cachorro, que não
fez nada de errado. Quanto o senhor teve que dar pra ele ficar quieto? Vou
dar uma surra nesse desgraçado.
— Não tive que dar nada, Noah. A matéria vai ao ar pela manhã.
— O quê?! Como o senhor pôde fazer isso comigo? Por que não
pagou?
— Você foi quem fez isso e agora vai arcar com as consequências.
Encaro as fotos outra vez, furioso, e as atiro no chão.
— Vô… Por favor! — suplico. Só não me ajoelho porque sei que ele
odeia quem implora. — O senhor ainda pode ligar pro cara, pedir que não
publique a matéria, e eu faço o que quiser.
— Um restaurante?
Claro que não é o suficiente para as suas extravagâncias, mas vai dar pra
comer.
Merda.
É no espírito de fúria cega que pego a estrada na manhã seguinte, no
domingo bem cedo. Não consegui nem mesmo pensar em uma alternativa
para a minha situação ou no que poderia fazer com o tal cômodo.
de que disponho é uma nota de cem reais que meu avô me deu, alertando que
deve durar até que eu consiga me virar sozinho, ou vou passar fome. É mole?
Vai adorar as pessoas em Rio Dourado, guri — meu avô disse, antes
que eu deixasse a fazenda.
deixaram puto. E ser obrigado a ficar em um lugar que não tem uma boate,
um bar decente ou mesmo café expresso, é o cúmulo.
do restaurante.
— Pois não?
Afirmo com um gesto, como se não fosse muito além do que posso
pagar agora.
Decido que o jeito vai ser voltar para me encontrar com Címber, o que
me faz pensar na primeira impressão que passei a dona do lugar. Eu teria sido
mais gentil se soubesse que precisaria pedir um favor e não apenas mandar e
assistir enquanto ela obedecia.
Enrolo a tarde toda, vagando pela cidadezinha e os arredores, de moto,
esperando que o restaurante feche, para que eu possa aparecer e dar o golpe
fatal.
— Fui meio babaca, vamos concordar nisso. Eu não devia ter sido mal-
O sorriso que diz: sou um bom moço, mas sei ser cafajeste se você
quiser, não parece estar funcionando.
— Sabe que achei tri massa seu restaurante? — comento, dando uma
olhada mais demorada no lugar.
— Achou tri massa? Mais cedo disse que parecia uma vendinha de
esquina.
—É Címber, certo?
Prefiro não contar que foi o nome que meu avô me disse, pareceria
descaso considerando que, pelo que John disse, ela e a mãe alugam o imóvel
tem um bom tempo.
— Conhece? — insisto.
— Por enquanto não. Não tenho a menor noção do que fazer aqui,
então vou precisar me virar com o aluguel.
velho cortou todo meu dinheiro e me mandou pra esse fim de mundo, e
minha única fonte de sobrevivência é esse imóvel.
— Não é muito? Capaz... Essa porra não paga nem meu almoço pro
mês!
sobreviver.
quarto dela. Então em dez dias esse valor já teria ido embora e a comida nem
está inclusa.
— Acho que a ideia do seu avô é que você não saia com seus amigos e
não compre nada. É para viver com o básico, entende?
— E o que quer que eu faça? Sinto muito, mas foi seu avô quem
definiu o valor do aluguel e o seu castigo, não tenho nada a ver com isso.
Os olhos dela se abrem ainda mais, se é que isso é possível, e ela franze
o cenho, como se eu fosse louco.
— Eu sei. Pode ter certeza de que li as leis sobre locação pra saber se
eu podia fazer isso.
Ela escancara a boca, ainda mais indignada, mas, antes que comece a
retrucar, continuo minha história e comunico a ela minha decisão.
— Não acha que é muito folgado? Agora tenho filho desse tamanho?
— Mas que barbaridade! Olha só, Cintia, você não gosta de mim, já
entendi... Também não é como se eu gostasse de gente azeda como você, mas
somos obrigados a conviver.
— Mas é você quem vai ter que ir para o olho da rua e abrir o
restaurante, tão famoso, em outro lugar, se não chegarmos em um acordo.
— Nem sei se você está dizendo a verdade! Como vou saber que é
quem diz ser?
Ela só falta bater o pé no chão, como uma criança birrenta, mas no fim
das contas, me dá as costas e começa a subir as escadas.
Ainda assim foi difícil adormecer e, por isso, quase impossível acordar
depois de descansar tão pouco.
— Quê? — Mal consigo acreditar na cara de pau dele, mas Jeni parece
— Não vai, não. Ele parece ser um pouco idiota, mas nem tanto...
Imagino que seja por isso que está de castigo.
Jeni ergue as mãos antes que ele retruque, o que claramente pretende
fazer.
— Isso não faz o menor sentido, o avô dele dorme em uma cama feita
de dinheiro e fez um pacto com o capeta — Jeni sussurra, como se Noah não
estivesse ouvindo tudo.
— Parece um tipo de teste, algo assim. Ele deve ter aprontado alguma
coisa bem feia — explico, com o que me foi informado.
— Você pode nos dar licença, senhor Broussard? Vamos ali no quarto
dela, já voltamos.
— Eu? Nada, mas é que saiu no jornal hoje de manhã, ele foi
encontrado pelado na praia, com um cachorro — comenta, em tom
preocupado.
— O Salém? Não aconteceu nada assim. Por que meu gato estaria na
praia com um cachorro? Ele não saiu do meu lado a noite. Eu acho...
— Não entendeu? O jornal disse que ele sente atração por animais e
abusou do pobre cãozinho. Por isso o avô deve ter o expulsado de casa.
Pego o celular da mão dela e leio por cima a notícia, realmente diz o
que Jeni afirma e tudo indica que o cachorrinho nem mesmo sobreviveu ao
ato abominável.
— O quê? — Jeni se inclina para ver o que me chocou, mas não é nada
em especial. É tudo.
defesa.
— O que você tá fazendo com isso? Ficou doida? Eu... Eu não vou
mais te beijar. Prometo, mas não pode me expulsar daqui a machadadas. Isso
é crime!
— Meu avô poderia abafar, mas ele não quis... Está cansado de mim —
revela, dando de ombros. — Olha, eu sou um pouco doido, não vou negar.
Estou sempre dando festas insanas, fico com mulheres que não deveria, já
usei todo tipo de droga que possa imaginar, mas só nas festas, ok? Mas é isso,
eu tenho uma vida louca, não sou mal caráter e nem nojento. Eu não faria
— Eu vou... Eu vou ligar pro meu primo! Ou para o meu avô, mas ele
tá puto comigo por causa das fotos, mesmo sabendo que é mentira.
— Sabe, mas disse que o jornalista queria nos ferrar e que a culpa era
minha, por me deixar ser fotografado em uma situação que podia parecer
outra coisa — ele responde, me olhando como quem diz: está vendo?
— É, foi golpe baixo até pra eles. Na próxima vão dizer que você curte
defuntos.
— Pois é. Bom, o fato é que ele me mandou pra Rio Dourado, disse
que preciso viver com o dinheiro do imóvel que ele tem aqui. Então ou eu
despejo a dona do restaurante, pra quem ele alugou o lugar ou vivo com
oitocentos reais por mês, que é o aluguel. Até eu me provar digno de ser um
Broussard.
— Despeje a moça.
— Ah, ela está me ouvindo... Bom, não sei o que mais você pode fazer,
sinceramente.
— Preciso ser visionário, Anthony, ter uma ideia boa para que o John
confie em mim.
Claro que ficar vagando pelado por aí com cachorros e cometendo todo
tipo de loucura não ajuda em nada, mas ele é jovem, solteiro e rico, estava
curtindo. Isso não faz dele menos capaz.
— Não é uma cidade grande, se não abrirmos não pago meu aluguel
ridiculamente baixo — comento, alfinetando.
— Então precisa mesmo abrir, porque o aluguel... Você sabe, tem que
ser pago em dia.
— Claro que tem — Jeni concorda, o encarando como se não
acreditasse na cara de pau do homem.
Jeni me olha de lado, surpresa por me ver cedendo tão fácil. Mas,
gente, é um cachorro, lógico que ele não fez aquilo, não é? Seria muito
bizarro e, apesar de um pouco abusado, com toda a história do beijo roubado,
ele não me parece uma pessoa ruim. Se fosse, nós saberíamos, certo? Ele é
um Broussard, afinal.
Não quero dar a entender que ele não saiba fazer nada disso, não depois
de ouvir o primo dele, então controlo a língua.
— Por que não? Ele quer comer aqui, então pode fazer alguma coisa.
Servir as mesas vai ser perigoso, mas que tal ir para trás do balcão e cortar os
pedaços de bolo e pão? Passar manteiga para os pedidos... Essas coisas, lá na
cozinha.
— Cíntia, o que você tá fazendo? — Jeni sussurra, para que ele não nos
ouça.
visto aquele jornal, sem falar na falação sobre ele estar dormindo aqui.
— Jeni! Não é ficar beijando. Foi só uma vez e foi uma babaquice,
ele... Sei lá, tem umas brincadeiras esquisitas, mas não vai mais fazer isso.
— Lógico que não! Ele é o dono... Não tem para onde ir e eu não quero
propositalmente.
Ela realmente parece estar com frio, quase tanto quanto eu, usando suas
meias compridas de lã sobre a calça grossa e um casaco pesado, marrom,
além das luvas pretas nas mãos.
para também levar para Marisa e então caminho para fora da cozinha, saindo
de trás do balcão e equilibrando a xícara e o prato.
— Ah, eu nem vejo diferença nos cafés das duas, devem seguir a
mesma receita.
Ainda estou sorrindo com o comentário, quando o sino da porta toca e
ela se abre novamente, revelando o padre Nelson, que acaba de chegar. A
— Bom dia, queridas. Que a paz do nosso Senhor esteja com vocês!
— Claro.
— Aqui, Cíntia. — Ouço a voz de Noah e me viro para encará-lo, com
os olhos arregalados.
Como está sem a jaqueta, as tatuagens estão bem evidentes. Claro que
hoje em dia, a parte sensata e jovem da humanidade já reconhece que não há
qualquer associação entre as tatuagens e o caráter, mas dizer isso ao padre de
setenta anos, à prefeita superconservadora e ao carteiro, que nunca se casou
porque — dizem as más línguas —, acha que sexo é pecado até mesmo com a
— Noah...
Noah parece perceber minha manobra e com certeza entende que estou
— Você...
— Minha defesa?
— Isso mesmo, pensa que vão te julgar e já coloca as asinhas de fora
antes que aconteça. Eles são meus clientes mais antigos, vem aqui todas as
manhãs, então se quiser continuar dormindo sob esse teto, faça o favor de
ficar aqui dentro e de não atrapalhar meu negócio.
não é mais possível, então mudo a estratégia e decido contar uma meia
verdade.
— Na verdade, ele deu o cômodo para o neto, então agora Noah vai
passar a receber o valor. Mas ainda não disse nada sobre um aumento.
desapercebido, não é?
Quase reviro os olhos, mas por sorte o próprio padre parece considerar
uma pergunta ridícula.
— Acho que não estamos em posição de julgar. Não quanto a isso, pelo
menos... Já sobre o cachorro, confesso que fiquei assustado, mas se você me
diz que é mentira, então eu acredito.
Parecem mais razoáveis que eu, que pouco tempo atrás estava
— Hum, logo... Creio que seja o tempo do novo contrato ficar pronto.
Sua atitude foi infantil, mas eu não esperaria nada muito maduro
devido ao histórico, ainda assim, começo a me preocupar comigo, por
perceber que não me importo muito com isso, até gosto do jeito despachado
Jeni vai embora perto das seis e fico com o jantar para servir, deixando
Noah responsável por picar alguns vegetais e frutas na cozinha, nada muito
complicado, mas em dado momento, quando já temos apenas uma mesa cheia
no salão, ele se oferece para recolher os pratos e acabo cedendo.
Está bem escuro lá fora, mas o céu está muito bonito, cheio de estrelas,
e a luz da lua reflete sobre Noah, conferindo a ele um ar fantasmagórico.
— Como assim?
— Provavelmente.
— Bom, Noah... Seu avô parece um pouco rígido, sim. Mas não é a
primeira vez que saem essas matérias sobre você, pode ser que ele não saiba
o que fazer...
— Sabe?
— Acha que não sei que sou um babaca? Que me meto em uma
confusão atrás da outra e que nem a minha família confia em mim?
— Não é assim. Acho que essa lição, ou castigo como você chamou,
foi a forma de ele demonstrar que se importa. Ele quer que você amadureça.
— Claro que não. Seus vinhos são caros, eu só vendo para clientes
especiais.
— É por pouco tempo. Você tá aí, todo reflexivo, acho que já está
começando a entender que se for um pouco menos... doido, seu avô vai
reconsiderar.
— Que já foi? Quer dizer que nem sempre usou drogas em festas
— Não. — Noah abre um sorriso e talvez seja o vinho, mas ele está
particularmente bonito assim, sob a luz das estrelas e diante do lago. Quase
como se fosse um quadro. — Eu e meu primo Michael, crescemos lutando
pela empresa, uma competição saudável. Nós dois queríamos assumir a Del
Broussard um dia.
— Então você e seu primo lutaram pela empresa à toa. Por isso você
ficou com raiva e começou a aprontar?
precisava de amigos, mas acabei encontrando uns que não tinham muito
juízo… e uma coisa levou a outra.
— Você estava triste e frustrado, não tinha muito apoio. Era natural que
acabasse indo por um caminho um pouco torto.
— Eu entendo. Sei que somos como água e óleo, mas também perdi
minha mãe, foi há quase um ano...
— Agora posso parecer bem, mas fiquei na cama por um mês inteiro,
sem comer, perdi uns quinze quilos... Depois fiquei mais um mês andando
pela cidade como se fosse um zumbi, sem vida nenhuma, não abria mais o
restaurante e não recebia visitas. Foi quando o aluguel e as outras despesas
começaram a acumular, que fui perceber que, na minha tristeza, estava
perdendo o que minha mãe tinha de mais importante. Então me obriguei a
sorrir de novo, abri os olhos e a porta da frente e voltei a trabalhar, assumindo
o lugar dela.
— Sua casa também fica fria e escura? — ele pergunta, muito baixo.
Seu rosto, de repente, está muito perto, e tudo que posso ver são seus
olhos escuros e hipnotizantes.
— Que promessa?
Noah inclina o rosto sobre o meu e, quando ergo os olhos outra vez,
seus lábios tocam minha boca com delicadeza.
Tem tanto tempo. Quanto? Uns dois anos desde a última vez em que
Percorro seu peito, ainda que sobre a camiseta e por baixo da jaqueta,
tentando sentir mais dele. Minha vontade é abrir o zíper da calça e acabar
com essa vontade aqui mesmo, no gramado, mas algo me detém. Uma
fagulha de bom senso, talvez, quando ele morde a pontinha da minha orelha,
— Não...
ofegante.
— Foi legal. Muito papo, muito vinho e uma atitude impensada, rapaz.
Boa noite...
Legal não chega perto de descrever o que aconteceu entre nós dois.
Não. Estávamos sozinhos e ela é gata pra caralho, não fica evidente à
primeira vista, mas quando se tem um pouco mais de tempo... E eu também
Mas o que aconteceu aqui fora foi mais que atração, foi uma conversa
real, com uma pessoa de verdade. Não como as que mantenho com as garotas
fúteis com quem costumo sair, não o papo que levo com a minha família, que
não dá a mínima. Mas eu, Noah Broussard, tive uma conversa séria e
Dou um tempo para que ela entre e suba para o apartamento, não
apenas para dar espaço, mas porque eu mesmo preciso de um instante pra
Depois que vejo a luz no andar de cima se acender, pego o cobertor que
ela deixou para trás, atiro sobre o ombro e deixo o gramado, lembrando de
levar comigo as taças e a garrafa praticamente vazia de vinho.
E se...
O que eu poderia dar a ela em troca disso? Cíntia não precisa de mim,
eu é que preciso dela. Preciso para me ajudar a convencer meu avô das
minhas qualificações para conseguir meu dinheiro de volta.
Não consigo pensar em uma razão que a convença a aceitar minha
loucura, mas a ideia tomou um formato perfeito na minha cabeça levemente
alcoolizada. Tão perfeito, que quase posso ver a cara do meu avô me
imaginando na cidade pequena, começando de baixo, trabalhando pesado no
restaurante e em um relacionamento sério. Sem manchetes, sem mulheres
comprometidas, sem drogas e festas doidas. Sem cachorros e nudes.
Ele com certeza iria sorrir e aprovar e depois diria algo como: Tá bom,
filho, já provou seu valor e é hora de voltar para a casa, aqui está seu cartão
e sua fortuna.
Adormeço com um sorriso no rosto, com certeza meu plano tem tudo
para dar certo, John Broussard nem vai saber o que o atingiu.
— Bom dia, gata — cumprimento de manhã, ao vê-la descer as
escadas.
Claro que ela vai aceitar minha proposta, agora estou ainda mais
confiante. E quem sabe ainda de quebra...
— Eu só dei bom dia, ontem à noite você estava bem mais receptiva.
Ela franze os lábios em uma risca fina e passa por mim, indo para trás
do balcão da cozinha.
— Sobre o beijo...
Cíntia se vira e solta um gritinho ao me perceber tão perto, o que me
faz abrir um sorriso, principalmente diante do olhar demorado que ela fixa na
minha boca.
cabelo escuro para trás. — Não sei quantos dias você pretende ficar por aqui,
mas não dá pra ficar me beijando... Somos só... Colegas de apartamento —
define, parecendo encontrar o termo que procurava.
— Isso não tem nada a ver. Por que uma coisa tem que impedir a outra?
Sorrio ainda mais ao perceber que ela fica sem jeito por ter se
antecipado.
— Noah!
— Ok, vou focar agora. Seguinte — bato palmas para aliviar o clima, já
que começo a pensar de verdade na cena que desenhei —, meu avô quer um
neto mais responsável, trabalhador, que saiba se virar com pouco dinheiro e
tal, aprender a prosperar por conta própria, que não gere fofocas e manchetes.
— Sei. Não tá fácil pro seu lado — ela diz, enquanto abre o pote de
café.
— Aí entra você. Tive uma ideia durante a noite e acho que pode nos
beneficiar.
logo que acreditar, vai passar a me ver com outros olhos e devolver minha
grana, além de me deixar voltar pra casa sem essa coisa de lição, porque,
tecnicamente, eu já terei aprendido a ser responsável.
— Dinheiro.
Ela ergue o rosto para mim e estreita os olhos, o que me faz sentir que
estou perdendo essa batalha.
grana extra.
— Noah! Chega de loucura pelo amor Deus! O dia mal começou e você
já está me dando dor de cabeça.
chegou.
Isso deveria bastar para que eu quisesse me afastar, mas quando esse
defeito vem em um pacote como o que ele é, fica complicado. Principalmente
se ele começa a falar, a entregar mais do que o esperado, e fica quase
impossível quando decide se aproximar demais.
isso faz com que eu recupere parte do meu juízo. Me propor um contrato, um
relacionamento falso em troca de uma reforma... Francamente!
— Hum, acho que sim. O que vai querer comer? — Mudo de assunto,
torcendo para que ela não volte a falar disso.
Pego a bandeja, colocando uma xícara extra sobre ela, já que George
deve chegar logo.
Noah pega tudo com mais habilidade que o esperado e deixa a cozinha.
Cruzo os braços, aguardando o que Jeni tem a dizer, e ela não demora muito
para se explicar.
pia. — Eu sei que você está tentando arrumar as coisas desde que a sua mãe
se foi, mas parece que tá bem complicado.
mas se não conseguir pagar as coisas podem ficar piores do que estavam.
Suspiro, frustrada.
A alegria da vida do pobre, é que pelo menos ele não tem nada que
possa ser tomado. O restaurante é alugado, não tenho carro e não imagino que
alguém queira tomar meu gato como pagamento, principalmente se souberem
como Salém é temperamental.
— É que o movimento está fraco, a essa altura já era pra estarmos
cheios de turistas querendo o frio da Serra, mas não estão vindo — falo,
— Não tenho a menor ideia. Se continuar desse jeito, não vou pagar o
banco, nem seu salário... Daqui a pouco não vamos ter muitas opções no
cardápio também.
— Pensei que você estivesse na pior, deserdado — ela rebate, mas não
— E por que você ajudaria a Cíntia? Sei que ela é uma gata e tal,
mesmo que tenha um péssimo senso de moda, mas não vai me convencer que
se apaixonou em dois dias, guri.
minha personalidade.
Com essa eu não me aguento e começo a rir. Claro que ele não iria
dizer o que me pediu em troca, porque iria invalidar a relação verdadeira,
falsamente construída em favor de seu plano maluco.
— Certo, eu acho que deve ter algo a mais aí, mas não me importo. —
Jeni se volta para mim, com as sobrancelhas arqueadas. — Quando o santo é
demais, você sabe... Mas não está em posição de escolher muito de onde vem
a ajuda, amiga.
— Eu quero bolachas.
Jeni começa a rir, porque obviamente ninguém sabe lidar com a cara de
pau do homem.
Noah estreita os olhos na minha direção, mas não reclama. Acho que já
está entediado de tanto ficar aqui, sem ter o que fazer.
— Não seria nada mal, também. Gostar de comida caseira não elimina
meu bom gosto pro café.
interior e do caseiro, além disso, cápsulas são caras, mas não me nego o
pequeno luxo de vez em quando.
— Que pena que não temos, mas com seu trabalho duro, ao menos
vamos ter uma fornada de bolachas rapidinho — comento, desamarrando o
avental da cintura.
quiser? Porque se não me pagar, pode ser considerado roubo. A menos que
não queira preparar as bolachas porque sabe que não consegue.
Ele estende a mão e com fúria fingida nos olhos azuis, rouba o avental
dos meus dedos.
Ele faz o que digo e depois amarra o avental rosa na cintura. Apesar de
se sentir injuriado, pelo que percebo a péssima decisão vai me afetar mais que
quantidades.
Pego o caderno com a receita que já sei de cor e coloco em frente a ele.
cidade pacífica.
— Somos, e com certeza Rio Dourado também é uma cidade que não
quer se indispor com John Broussard, certo? Então melhor não destratarem o
Noah — defendo, sem nem saber direito por quê.
Marisa perde toda a pompa e tenta segurar o riso, mas não parece se
sair muito bem nisso.
— Bom, nós vamos nos sentar aqui e aguardar. Porque agora quero
comer — Marisa diz, voltando para a cadeira que deixou pouco antes.
— Tudo bem. Mas preciso avisar que é a primeira vez que ele faz
isso... Então não devem sair muito bonitas.
mostrando.
— Parece perfeita. Agora vem a parte boa, colocar pra assar e, depois,
comer.
— Você tirou uma foto, não foi, Jeni? — pergunta, fitando-a com
esperança.
— Exatamente! Vou mandar essa foto pro John, ele nem vai acreditar.
Será que... Ele não vai ter um ataque do coração, não é?
— Acho uma ótima ideia. Envia a foto pra ele, Jeni — incentivo —,
depois você apaga.
Não estranho quando meu celular vibra no bolso com uma mensagem
dela. Abro apenas para confirmar e me deparo com a foto, mas guardo o
aparelho outra vez, fingindo que não é nada demais.
As bolachas ficam prontas e retiro a forma do forno, colocando todas
em um pote sem tampa. Apenas por precaução, experimento uma antes de
— E então?
— Deliciosa!
Começo a rir, porque apesar de dizer que sabia, ele não tem um pingo
de confiança no trabalho que desempenhou. Noah rouba a bolacha da minha
mão e morde, se surpreendendo também.
— É a hora da verdade.
— Não sei. Vim por causa do meu avô, verificar o imóvel que ele
transferiu pra mim, mas gostei da cidade — comenta, mentindo.
Ele concorda. Prefiro não pensar que provavelmente não vamos ter
turistas o suficiente para que a festa seja um sucesso e não estragar o café da
manhã dos outros.
Deixo Jeni atendendo nossos poucos clientes e saio para o quintal a fim
de ter mais privacidade para a conversa. Infelizmente de nada adianta, eles
estão irredutíveis nos prazos, e eu simplesmente não encontro nenhuma
maneira honesta de começar a pagar minha dívida tão cedo.
— Eu… Não estou muito legal hoje. Toda essa história do banco me
deixou exausta.
— Tudo bem, boa noite, então — ele diz, me olhando com uma
expressão que não consigo identificar.
— Uma foto?
— É, pra mandar para o seu avô. Imagino que um padre do seu lado vá
causar muito impacto.
— Sabe que no momento em que sair por essa porta, nunca mais vou
me lembrar de você, não sabe?
— Impossível, bebê.
— Que… É você?
Ele aquiesce.
— Subornei a Jeni.
— Com o quê?
— Claro que é mentira, eu só pedi o número, mas acha que ela teria
aceitado?
— Enviei a foto, agora vou me deitar. Tenha uma boa noite e deixe o
fogo aceso, está frio demais.
Por que não ganhar algo com isso? Não é por mim, eu poderia trabalhar
em qualquer outra coisa e ganhar o que ganho no restaurante hoje, afinal não
é muito, mas minha mãe dedicou a vida a esse lugar, foi por ela que me
levantei do meu luto e arregacei as mangas, foi por ela que peguei o
empréstimo no banco, evitando ter que fechar o restaurante, e é por ela que
agora começo a cogitar a possibilidade de aceitar a proposta de Noah.
O frio está absurdo essa noite, olho no relógio e percebo que passa da
uma hora da manhã e consigo ouvi-lo andando de um lado para o outro, lá
embaixo. Fecho os olhos, sentindo a consciência pesada. O coitado deve estar
encarangando só com aqueles cobertores.
Seus passos ecoam mais alto, mais perto. Ele está… subindo as
escadas?
— Eu vou morrer de frio, Cíntia. Pelo amor de Deus, me diz que tem
um sofá, um colchonete… Qualquer coisa.
— Uma cama de casal — ele comenta, sondando por sobre meu ombro.
Ignoro o comentário.
— A mocinha diz: Ah não, só tem uma cama, vamos ter que dividir.
Ninguém parece querer e no outro dia acordam depois de uma noite de sexo
selvagem. Não vai acontecer.
— Não vai fazer uma muralha entre nós? Nos filmes as pessoas
Viro para o meu canto, forçando a minha mente a não pensar nele, do
meu lado e muito menos em como seria mais fácil o esquentar de outras
maneiras.
Foco minha atenção e mente na decisão que devo tomar. Aceitar ou não
a proposta ridícula, porém muito tentadora de Noah Broussard.
— Não…
— Esse restaurante era tudo pra minha mãe, essa cidade… Ela passou a
vida aqui, com meu pai, até que ele faleceu. Eu não quero perder esse lugar,
significa muito.
— Sei que não vai, estranhamente eu sei, mas não estou falando disso e
sim das contas. Sabe, acho que quero aceitar aquela sua proposta maluca.
Ouço o barulho que indica que Noah está se virando na cama e também
me viro em sua direção. Seus olhos escuros estão muito pretos no escuro do
— Você não tem ideia, Noah, eu devo uns dez mil reais.
— Como assim?
Ainda estou assimilando o que ele disse. Noah está mesmo dizendo que
dez mil reais não fazem a menor diferença?
Mas é difícil pegar no sono com ele ao meu lado. Viro de costas para
Noah outra vez, mas a presença dele é muito real.
Ouço o crepitar da lenha na lareira, estalando, o barulho do vento lá
fora e o som da respiração dele, atrás de mim. Ouço o ronronar suave de
Salém, o som do meu coração, mais acelerado que o normal, o farfalhar dos
lençóis, e tento adormecer.
Não sei também como foi que me desvirei e acabei nessa posição
constrangedora.
A lógica dos filmes e livros, deveria ter me mostrado que algo assim
aconteceria. A mocinha sempre acorda abraçada ao mocinho — nesse caso,
nem tão mocinho assim —, mas geralmente, a mão dela não está apoiada em
cima do que ele leva sob a cueca.
Ele está deitado, o braço cobrindo os olhos e posso ver o sorriso cínico
surgir.
— Se isso te tranquiliza, gata, pode dizer que fui eu que apertei sua
mão agora a pouco também.
— Idiota.
— Gostosa.
— O quê?
— É meu quarto dia aqui, talvez você não tenha notado, mas não tomei
banho ontem.
— Eu pego pra você, fecha o box que eu abro a porta e jogo a mochila
lá dentro — sugiro —, a porta não tem tranca, quebrou. Mas pode ficar
tranquilo que ninguém vai abrir.
Noah assente, satisfeito, e corre para o banheiro na mesma velocidade
que eu quando tem promoção no mercado, pouco se importando com a trinca
ou a falta dela.
Sinto-me mal por não ter pensado nisso. Coitado, eu podia ter
oferecido o chuveiro antes.
Ai, meu Deus. Ela está subindo as escadas, vai nos encontrar juntos no
E se ela abrir? Sem a tranca, ela vai entrar e me encontrar aqui, assim.
Ouço o ranger que indica que Jeni entrou no cômodo e Noah abre a
boca, pronto para me questionar, mas levo a mão aos lábios dele, o
impedindo.
— Pois é.
Espalmo as mãos no peito molhado dele, que agora está mais perto. A
intenção é afastá-lo, mas sua pele morena assim, escorregadia e cheirando a
sabonete, os cabelos escuros molhados e emoldurando o rosto esculpido.
— Desculpa, Cíntia.
— Pelo quê?
Engulo em seco. A negativa na ponta da língua, mas quem disse que sai
alguma coisa? Sinto o desejo se avolumando dentro de mim e se
concentrando entre as minhas pernas.
ereção de Noah contra meu sexo, enquanto ele me prende contra a parede.
A língua de Noah invade minha boca e busco o ar, lutando para respirar
e ao mesmo tempo não querendo perder um segundo da boca dele, do corpo
gostoso em cima do meu.
Seus lábios descem para o meu pescoço enquanto suas mãos ágeis
erguem minha blusa molhada e a passam pela minha cabeça. Seus dedos
envolvem meus seios e Noah afunda a cabeça entre eles, distribuindo beijos e
lambidas, me sugando e devorando.
Arfo diante do seu toque e minha boca procura a sua com anseio. Nos
beijamos, enquanto ele termina de empurrar minha calça até que ouvimos o
som do tecido encharcado caindo no chão.
— Eu vou te comer, Cíntia. Não vai ser como eu queria, com tempo,
mas você vai gostar e vai pedir de novo.
deveria rir e lembrar o quanto ele é convencido, mas só pela pegada, sei bem
que vou querer repetir a dose de verdade.
— Não. Preciso mesmo. Tem muito tempo que não sei o que é sexo e
você… Você está me enlouquecendo desde que entrou aqui, tão mal-
educado.
A boca dele se ergue de lado, achando graça, mas ele não tem noção do
quanto estou falando sério.
— Então não sou o único.
— Não estou sem sexo há anos, não foi o que quis dizer. Mas não
desejo uma mulher assim tem muito tempo… Acho que é esse seu jeitinho de
certinha, a resistência…
Minha mão agarra seus cabelos com firmeza, enquanto ele suga o bico
do meu seio com força, me deixando louca para tê-lo dentro de mim. Ergo o
— Você é maravilhosa.
— Ela volta quando isso aqui acabar. Por favor… — peço, e Noah não
parece precisar de incentivo.
— Não quero.
Enlaço outra vez as pernas em sua cintura e isso o traz para mais perto.
Noah se aproxima da minha entrada molhada e desliza para dentro de mim. É
uma sensação indescritível, não é sexo por fazer, é sexo com desejo, cheio de
tesão.
Ouço o gemido baixo, que escapa pela minha garganta enquanto Noah
me preenche devagar. Sinto-o completamente dentro de mim e é delicioso.
Ele estoca com firmeza, enquanto segura meu corpo erguido do chão,
se impulsionando cada vez mais fundo. Entra e sai repetidas vezes, duro feito
pedra e cada vez em um ritmo mais alucinante.
Ele toca meu sexo, pressionando no exato lugar que pulsa, inchado de
desejo, fazendo com que eu implore, chamando seu nome. Não devia,
conhecendo a arrogância dele.
— Noah, eu vou…
É tão… diferente de tudo que tenho vivido, que fico alguns instantes
encarando apenas o encarando, torcendo para que seja apenas um sexo muito
bom, porque no momento, me sinto como que sob um encantamento.
— Queria te levar pra cama… E continuar nela a tarde toda — ele diz,
ainda arfando um pouco.
— Foi…
— Hum, obrigada, é…
Meu rosto se tinge de vermelho e, quando ela começa a rir, fico ainda
mais constrangida.
— Qual o plano? Vai me mandar a algum lugar pra que ele saia? — ela
questiona, adivinhando exatamente o que eu tinha planejado. — Depois ele
volta com um pouco de… lenha?
— Então pode falar pra ele descer, porque essa desculpinha da lenha
não convence ninguém.
— Estão se conhecendo?
— Algo assim.
nisso, mas porque preciso agir assim, ou jamais vamos convencer como
casal.
— Jeni vai atender aos clientes, Noah. Nós vamos enfeitar esse lugar
para a festa, começando aqui dentro, e depois vamos lá fora, no quintal.
— Claro.
enfeites.
— Quer saber porque eu, morando em uma cidade desse tamanho, não
tenho um namorado ou algo assim?
— Eu posso entender. Meu avô morou em São Paulo por muitos anos,
mas meus pais e eu ficávamos em Porto Alegre e passávamos os fins de
semana na fazenda, sempre. Eu pertenço a esse estado, acho que não saberia
viver em outro lugar. Mas e você? Ainda pensa assim?
— Eu entendo, deve ter sido muito difícil quando sua mãe faleceu, em
uma cidade pequena, as pessoas adoram se intrometer nas vidas uns dos
outros.
— Sim, fiquei uns dois meses, quase três, sem trabalhar. Minha mãe
adorava essas festas… Eram nossos dias favoritos no ano.
— Você tem seu avô, apesar de tudo e seus primos. Eu fiquei sozinha
definitivamente, somos só eu e o Salém.
Noah vence a distância entre nós dois e aproxima seu rosto devagar do
meu. Engulo a seco e o encaro, fitando seus olhos espetaculares, esperando
que ele me beije.
Para minha sorte, Jeni está na cozinha e não há ninguém por perto para
presenciar a ceninha.
Ele mira o lago e corre como se fosse me atirar na água, enquanto grito
desesperada, pedindo socorro.
Noah para às margens do rio e, gargalhando, finalmente me coloca no
chão. Eu o encaro com a boca escancarada, sem acreditar no que quase fez,
— Ok, foi uma cena e tanto — ela diz —, talvez queiram saber que a
prefeita e os outros já chegaram e, bom, eles se levantaram e assistiram a tudo
isso.
O trio fofoqueiro de Rio Dourado está parado atrás de Jeniffer, nos
observando com expressões que oscilam entre surpresas, apavoradas e
estáticas. A prefeita, o padre e o carteiro parecem ter sido pegos
desprevenidos, e aproveito o momento de vantagem para me livrar de uma
explicação.
— Alô…
falamos?
pousada não comporta muitos turistas e com isso o movimento caiu. Ainda
assim, o restaurante tem clientes todos os dias… Estamos nos saindo bem, na
medida do possível.
— E... Por que você está fazendo isso? Não me leve a mal, mas não
entendo como isso cumpre com as ordens do John. Era pra você encontrar
algo pra mostrar a ele suas capacidades, a responsabilidade, mas nesse fim de
mundo...
Interrompo-o antes que Anthony termine de menosprezar minha nova
ocupação.
— Certo, mas você ainda recebe apenas o aluguel — ele diz o óbvio,
— O que isso quer dizer? Você está levando essa garota a sério? — O
tom dele de voz é carregado de descrença, como se estivesse esperando o
momento em que vou rir e dizer que é uma piada.
— Eu sou louco, não sou? — pergunto, mas não espero por uma
— Claro que lembro, mas tem muito tempo. Anos! Tem certeza disso?
— Tenho, eu… É muito legal aqui, fiz amizades. No fim das contas,
acho que não foi uma ideia tão ruim ficar sem a grana.
cabeça?
Dessa vez permito que ele ouça minha risada, algo mais parecido com
um riso de felicidade.
— Certo, estou mesmo ficando nervoso, Noah. Você está indo meio
rápido.
Claro que nenhum deles é idiota, não vão acreditar em mim logo de
primeira, mas ao menos estou instaurando a dúvida, com o passar dos dias,
das semanas talvez, tudo vai ficar mais crível.
sei disso, mas ele quer ser diferente agora, se estabelecer e ser responsável.
— Sim, sim minha filha, as pessoas mudam. Não sei se mudam tanto,
ou tão rápido assim, mas mudam — o padre diz, sem discordar de mim, mas
bem longe de concordar. — Deus pode perdoar os pecados dele, se estiver
realmente arrependido.
Marisa olha do padre para mim como se fosse uma traição que ele me
dê razão.
— Padre! Ele fez piada com a história do cachorro! Isso não mostra
arrependimento.
— Ele fez piada, Marisa, mas sabemos que não fez aquilo com o
cãozinho — George diz e quase tenho esperanças —, mas e as drogas? —
sussurra, fitando os olhos arregalados em mim. — Eu sei que não somos seus
pais, mas amamos você, Cíntia. Só estamos preocupados com o seu bem.
Prefiro não dizer que Noah assumiu já ter se drogado em festas, então
me atenho apenas a parte em que ele mencionou não ser usuário. Não no dia
— Que foi?
— Eu?
— Sabemos disso, rapaz, mas temos que ter fé, pensar positivo — o
padre comenta.
A verdade é que todos nós estamos cientes de que a situação não está
nada fácil, mas preferimos não dizer, como se o simples fato de falar,
piorasse tudo.
ajudar.
— Eu sei, pode parecer uma loucura, né? Mas pensa, Cíntia, tem tudo
pra dar certo. Você além de conseguir melhorar o movimento, ainda vai tirar
uma grana com o aluguel do espaço. Tem algum lugar que venda barracas na
cidade? Porque o cara poderia fazer um bom dinheiro também, deixando
algumas aqui pra oferecermos.
E realmente vai. A ideia não é boa apenas para mim, mas para toda a
cidade, já que a maioria das pessoas aqui depende do turismo, considerando
que a cidade em si é pequena.
— Então tá, mãos à obra — ele diz, esfregando as palmas das mãos
uma na outra. — Você tem um computador? Vou pedir alguns favores,
conseguir artes para divulgarmos e pedir pra um amigo colocar no jornal.
— Tenho, você acha que só porque sempre viro notícia eu não tenho
Jeni começa a rir ao ouvir a prefeita, que no fundo não é uma pessoa
ruim, só um pouco crítica demais. Os três amigos voltam para sua mesa de
costume, mas o caos já foi instaurado e não os ouço falar em outra coisa.
imaginar que seja algo que está habituado a fazer, mas não critico por razões
óbvias, ele está se esforçando.
— Combinado.
Saio com Noah de mãos dadas do restaurante. É exagerado e muito
esquisito, mas ele insiste que um casal que acaba de se descobrir apaixonado,
tem por obrigatoriedade andar de mãos dadas.
observando.
— O padre — ele diz na mesma hora. — Nunca pensei que faria essa
escolha, mas ele decididamente gosta mais de mim.
— Em uma reunião com o Juca, ele veio pedir alguma coisa. Sabe
como ele é… — comenta, e na verdade eu sei.
— Vou esperar.
— Ele vai ajudar na festa, não é? Me falaram que foi dele a ideia do
camping no seu terreno. Achei romântico ele pensar em você assim…
Por mais que minha história com Noah tenha a ver com o contrato que
combinamos, não se resume a isso, e sua ideia para a hospedagem dos turistas
foi mesmo incrível e, acredito eu, altruísta.
mentira.
Não é como se eu não tivesse achado ele lindo já de cara, ainda que
mal-educado, mas cair de amores no primeiro dia beira o ridículo.
Desvio os olhos para Marisa com a sobrancelha erguida e ela trata logo
de levantar as mãos em sua defesa.
— Não fui eu, juro! Eu não contei pra ninguém. — Então ela encara a
secretaria, atrás de mim e faz uma careta. — Talvez só pra Daiana.
— Provavelmente foi o padre, ele não para de falar nisso. Acho que
gosta mesmo do Noah.
Não tenho a menor ideia de quando foi a última vez em que entrei em
uma igreja.
Passo pelas portas altas e tenho aquela sensação estranha que as igrejas
causam, é como se eu estivesse mesmo em um lugar diferente, o que só me
incomoda porque me sinto mais inadequado.
— Veio se confessar?
— Ah, sempre tem. Tenho ótimas ideias pra você ser absolvido.
Faço o que o padre pede, sem saber bem como agir diante dele, então
fico olhando para a igreja, analisando o teto e os desenhos pintados nele, os
santos que me olham com aquela carinha de reprovação.
ao lado de um padre.
— Não veio? Sempre achei Cíntia uma garota religiosa, por algum
motivo.
apresentar, já que tinham me dito que a família toda era católica. Então fui
tomar um café… Encontrei a mãe dela no balcão, o marido ainda era vivo e
estava na cozinha, preparando um assado e, perto da porta, atendendo a uma
mesa, estava a pequena Cíntia.
Cíntia, esperando ver aquela transparência que sempre vemos nas crianças,
porque elas não conseguem disfarçar muito bem a raiva, mas ela estava
serena.
— Sim, eu perguntei se estava tudo bem e ela disse: Capaz que ela
dormiu mal essa noite… Como se isso justificasse a gritaria da mulher. — O
padre faz uma pausa e olha para o teto, medindo suas palavras. — O fato, é
que Cíntia sempre foi assim, ela procura o melhor nas pessoas e acredita na
— Entendo…
— Pedir?
estar com ela. A Cíntia tem esse dom de aceitar as pessoas, de ver o lado
bom, e sinto como se fosse tudo o que eu precisava. Alguém que me
escutasse, que me entendesse… Que não julgasse sem me conhecer de
verdade.
— Ela é mesmo assim, menino. Não quero que fique chateado comigo,
eu só não conseguiria dormir bem se não te dissesse isso, mas somos amigos,
tá bom?
— Tá bom, fico feliz que ela tenha alguém que cuide dela, que se
preocupe — respondo, e não menti em nenhuma palavra.
Mas consigo abrir o jogo e ser sincero e esperar que essa decisão seja
tomada por ela.
Quando entramos, ela pede que Jeniffer tome conta de tudo por mais
um instante e me convida a subir para o andar de cima, mostrando o contrato
— Só pensando.
— No contrato? Quer desistir? — Ela para a mão sobre a folha,
hesitando.
— Não. Sobre o contrato não, sobre nós… Eu sei que o que está
acontecendo é muito novo e muito bom, sei também que você disse que
entende, que vou embora depois. Isso ainda é verdade, Cíntia?
pessoa, com outra bagagem e história, com certeza poderia ser feliz aqui, com
ela, nessa cidade.
Coloco a caixa com os enfeites sobre a mesa enorme que foi posta no
quintal e encaro Cíntia, com as mãos nos bolsos, esperando os
direcionamentos. É muito estranho estar sob as ordens dela, mas é o que
tenho feito desde que cheguei aqui, uns quinze dias atrás.
— Claro que não. Também temos comida nas outras festas. O que faz
nossa festa especial é a decoração à beira do lago — ela diz, apontando com
o dedo para que eu note a pilha de madeira que já é bem visível, onde será
acesa a fogueira.
camping.
— Sim. Então, aqui nessas caixas eu tenho luzes para colocarmos nas
árvores, quero que as espalhe, esticando os cordões como se fossem varais.
Na outra caixa — ela diz, apontando para a mesa —, tenho os lampiões que
finalmente foram entregues, eles vão ser colocados sobre as mesas para
ajudar na iluminação.
— E as bandeirinhas?
— A Marisa e a trupe dela já estão cuidando disso.
sorriso. A mulher é sexy pra caralho e mal se dá conta disso, acho que a
ingenuidade é o que é mais fascinante.
— Vai sujar… Se não tiver outra pra amanhã, melhor trocar. Posso
ajudar…
Engulo em seco. Tenho certeza de que entendi errado, ela não pode
estar sugerindo tirar minhas roupas agora.
— O que disse?
pareceu.
— Quero dizer… Se quiser continuar com essa, posso colocar pra lavar
depois. Ajudar com as roupas, eu quis dizer, com a limpeza delas.
Cíntia desvia os olhos dos meus e isso me faz sorrir. Ao menos minhas
intenções obscenas são bem claras e, apesar da timidez e do recato durante o
dia, nós nos entendemos bem na cama, todas as noites, desde aquela manhã
no chuveiro.
Onde fui me meter? Essa doida parece disposta a colocar luzes até nos
banheiros. Sigo a ordem e corro até o quarto, substituindo a camisa por uma
camiseta mais velha, depois pego a escada na cozinha do restaurante e volto
para fora para cumprir minha tarefa.
— Vou subir e colocar as luzes — falo, ao ver que ela parece planejar
subir por conta própria —, você me entrega as coisas, tudo bem?
— Não, mudei de ideia. Você não sabe enfeitar direito… Vou e você
me entrega as luzes.
dela, brilhando de uma maneira que faz com que ela se pareça com uma
pintura.
— Tá bom, vamos começar. Acho que vai esfriar e quero terminar tudo
antes de encarangar aqui fora…
Sinto o peso dela. Sua respiração acelerada faz com que os seios
fiquem mais visíveis enquanto seu peito sobe e desce e seus olhos se focam
nos meus.
— Isso é mais tarde, vou fazer um chocolate quente pra nós agora.
— Está bem tranquilo por enquanto, os pratos que eles pediram são
mais rápidos e a Cíntia e eu já deixamos tudo semipronto.
— Tá bom, qualquer coisa me chama então.
— Por enquanto nada… Vou fazer pra você o melhor chocolate quente
do mundo, com direito a marshmallows.
Não sou muito de comer doces, não é como se não gostasse, mas
também não faço questão alguma.
— Por que você faria isso? Virou religioso agora? — ela questiona,
com as duas mãos na cintura.
Solto uma gargalhada ao perceber que ela está falando sério e não
entendeu a piada.
— Claro que entrei, você chegou com essas tatuagens, esse abdômen e
esse sorriso. Ficou complicado pro meu lado.
— Então quer dizer que é tudo pelo meu corpo? — Me divirto com a
expressão de desgosto que ela faz.
— Claro que não, não sou fácil assim, Noah. É pelo dinheiro, meu caro.
— Quase lá, vou mexer mais alguns minutos e logo você vai provar
essa delícia.
Sorrio, ouvindo o tom triste na voz dela e ainda mais com o suspiro
pesado que Cíntia solta em seguida, como se a ideia partisse seu coração.
— De jeito nenhum! No meu celular não toca esse tipo de música, vou
colocar um funk proibidão.
Essa doida…
suspenso. É uma cena e tanto, bem engraçadinha apesar de não ser nada sexy.
— Bobo. Quero saber sobre o que você faz, quando não está aqui.
— Eu não fazia nada, Cíntia — respondo, e vejo o rosto dela se contrair
em uma careta. — Mas claro que eu gostava, acho muito bom colocar os pés
Abre o armário outra vez e logo volta com três canecas de porcelana,
vejo-a servir a bebida nas canecas e depois me entregar uma. Jeniffer entra na
cozinha, abrindo a porta com um estrondo.
— Olha só, pra quem queria meus nudes, você anda meio arisca —
rebato.
— Eu já vi seus nudes, meu filho. Esqueceu que o país inteiro viu? Só
que apaguei em respeito à minha amiga, sua namorada aqui.
Olho dela para Cíntia, sondando se ela está falando sério, mas ninguém
nega.
resmungo.
Ela sempre faz isso, acho que se sente incomodada com a mentira.
— Caralho…
— Vai lá, Jeni. A propósito, quero ver as botas enormes que você ia
comprar.
— Vou vir com elas, claro. Vejo vocês amanhã — ela responde para
Cíntia e se abaixa para acariciar a cabeça do Salém, que de repente está em
uma das cadeiras, deitado confortavelmente. — Boa noite, Salém.
— Tá vendo?
— Alguém vende pizza aqui? — pergunto, faz tempo desde que comi
uma e, como recebi o dinheiro do aluguel tem dois dias, estou me sentindo
— Ótima ideia.
Nosso fim de noite é tranquilo. A pizza não demora nem vinte minutos
para chegar, uma das vantagens de cidades pequenas como Araucária e Rio
Dourado.
— Então, fui pra esse bar com uns amigos e estávamos bebendo todas e
nos divertindo, aí chegou uma mulher muito bonita e começou a conversar
comigo.
— Já estou prevendo.
— Que droga!
— Foi, ele tinha uns dois metros e era mais forte que eu. Quando ele
veio pra cima de mim, tive que pensar rápido, ou ia levar uma surra daquelas.
Então, já completamente chapado, eu achei que era uma boa ideia quebrar
— Noah!
— O dono do bar não achou uma ideia tão boa assim e chamou a
— Eu pedi desculpas, disse que não sabia que a garota tinha namorado.
No fim ele acabou assumindo que sabia que a culpa era da moça, acho que já
desconfiava que ela fazia essas coisas.
— Pois é, o cara era até bonitão, sabe? Ela que era doida mesmo.
— Como sabe?
— Você disse que ele estudou fora, é muito inteligente e tem cara de
— Ah, ele tem o porte, Noah! Sinto muito, mas esse olhar frio de quem
comanda com punho de ferro a empresa, mas manda muito bem na cama? A
cara de um CEO.
— Que sem-vergonha! Fala isso na minha cara? Essa sua visão de CEO
está muito limitada, senhorita proprietária de um restaurante. Meu avô é o
— É meu primo.
— Não seria mais feio nem se fosse seu irmão.
— Você vai ver, Cíntia. Vou te destruir na cama já, já. Não vai ficar
com essas ideias fracas mais.
— Hum, esse vinho é mesmo muito bom, fica melhor agora que
associo você a ele, Noah — ela diz, bebericando da taça.
repensado.
— Teria nada. Além disso, não estou cobrando pelo chocolate, é pelo
boquete.
de cabeceira.
— Fala logo, porra! Não pode brincar com uma pessoa ansiosa assim.
Começou, tem que terminar.
— Como assim?
Cíntia estica o braço para a mesa de cabeceira e abre a portinha sob ela,
revelando nada menos que uma máquina de café.
— Ah, nem é tanto tempo assim. Foi só por uns quinze dias, Noah.
— Mas foi porque eu havia dito que não tinha, aí se você visse, ia
pensar que eu menti na maldade e poderia entender mal. Então achei melhor
esconder.
— Estou fazendo massagem nos seus pés, Cíntia. Se você tirar uma
foto e vender para os jornais, vai ficar rica.
Ela encara meu pau cheia de tesão e ele cresce de expectativa, ainda
nem me tocou e já estou duro. Cíntia não me chupou nenhuma vez antes, e
tem dias que estou alucinando de vontade de me enterrar nessa boca gostosa.
Fico quieto, temendo que ela desista, mas um sorriso se abre em seus
lábios e então Cíntia me segura com firmeza e desce os lábios sobre mim,
enquanto um gemido rouco me escapa.
deixando louco.
Sua boca gostosa distribui lambidas e beijos molhados desde a base até
a cabeça, e ela brinca com a velocidade, me sugando com força e
rapidamente, para depois mudar para um ritmo lento e torturante.
Mas assim como vem, o pensamento se vai quando ela me suga com
força e sinto meu pau bater em sua garganta.
Solto seus cabelos, mas quando tento me afastar, Cíntia me segura com
as duas mãos e me leva fundo na garganta, chupando com força.
muito sexy.
abertamente.
— Sabe que tem razão? Já bebi vinho o bastante pra entrar nessa
furada, prefeita.
era eu.
— Como?
mais lento da música. Cíntia passa os braços ao redor do meu pescoço e apoia
a cabeça em meu peito.
Cíntia ri alto enquanto giro com ela sobre meus pés, tentando nos manter
equilibrados e não muito esquisitos, mas logo percebo que mais vozes se
uniram às gargalhadas dela, o que mostra que não fui bem sucedido.
— Seu avô mandou vinho pra um batalhão. Acho que está satisfeito
com seu progresso — ela comenta, observando enquanto um dos filhos da
nossa vizinha, repõe o barril de vinho.
— Ele me ligou de manhã.
— É, mas não foi só isso. Ele disse que espera que eu vá para a festa
semana que vem e que tenho me saído melhor do que ele esperava, o que é
um elogio e tanto.
— Fico contente que esteja dando certo. Nós íamos para a festa de
qualquer forma, mas com o convite tem um valor diferente.
— Exato. Sabe que agora, que acredito que logo ele vá reaver minha
conta e meus cartões, percebi que não estou sentindo tanta falta quanto
imaginei? Mas vai ser bom tirar essa preocupação da cabeça.
disse.
— Vai. De toda minha família, na verdade. — Giro com ela nos braços
e quase perco o equilíbrio, mas nos mantenho de pé antes que a dança se
transforme em tragédia.
Apesar de não dizer, fica implícita sua própria situação, já que após
perder a mãe, Cíntia não tem mais ninguém. Estranhamente sinto o desejo de
dizer alguma coisa, de falar que ela tem a mim, mas me calo.
Não somos um casal de verdade e eu não sou de dizer coisas que não
posso cumprir. Ainda assim, aqui dançando com Cíntia e me sentindo útil,
trabalhando em algo de que gosto pela primeira vez na vida, chego a pensar
que é uma vida que eu gostaria de viver. E talvez, se ela também estiver
disposta, possamos tentar.
A música termina pouco depois, e volto com Cíntia para perto da mesa
onde está a comida e o vinho. Sirvo mais um pouco para ela que parece estar
gostando mais do que geralmente, no entanto, antes que eu também me sirva,
a prefeita aparece toda faceira, sorrindo pra mim de orelha a orelha.
— Eu estou. E o senhor?
— Lembra que outro dia, Noah foi falar comigo na igreja? Tem uns
quinze dias, eu acho.
— Cheguei a conversar com ele naquele dia, sobre como nós amamos
você aqui e que não queríamos que ele te magoasse.
— Ele não me contou isso — comento, porque realmente ele não disse
nada.
Desvio os olhos para onde Noah dança animado com a prefeita, que
também ri, eufórica.
— Disse sim, eu falei que essa é uma das suas melhores qualidades,
— Só que você estava certa, Cíntia. Viu nele algo que nós não pudemos
ver a princípio e aí está. O verdadeiro Noah Broussard, uma pessoa disposta a
fazer parte de algo, a ajudar os outros e a se abrir para o amor. Fico feliz por
você ter dado essa chance a ele.
— Acha mesmo?
— Pode ser que já saiba disso, mas o Noah não tem mais os pais e o
avô é muito rígido, ainda que com certeza o ame. Eu sei que ele não precisa,
mas essa aprovação é um incentivo, sabe?
— Sei exatamente o que quer dizer. Noah não foi o único beneficiado
com esse namoro, Cíntia.
Talvez o padre não saiba, mas eu não preciso que alguém me diga isso,
consigo vislumbrar as diferenças na minha vida desde que ele chegou.
— Foi o que quis dizer. Faz tempo que não te vejo sorrir assim, desde
antes de perdermos a sua mãe — o padre comenta, meneando a cabeça. —
Você já havia voltado a trabalhar, a se esforçar dia após dia, mas foi esse
rapaz, com essa alegria contagiante, que te ajudou a deixar o luto, Cíntia. Isso
que vocês dois estão construindo é muito especial.
Mesmo depois que encerro a conversa com o padre Nelson e que Noah
para de dançar com a prefeita, não temos muito tempo juntos até o final da
festa. Os moradores de Rio Dourado o cercam por todo lado, agradecendo
pela ajuda com a festa, elogiando o vinho, tecendo comentários sobre o
— Acho que esse pessoal gostou muito, vão lotar isso aqui todo ano —
comento.
— Bah, mas é claro que vou! Se bobear em uns anos construo um hotel
aqui. Isso se o dono não me expulsar antes.
corpo. Não é comum que tenhamos esses gestos de carinho sem que outras
pessoas estejam vendo ou sem intenções sexuais, mas agora é realmente
apenas um abraço e tem um significado enorme por isso. — Vai ter sempre
um quarto aqui pra mim?
Minha vontade é dizer que não. Que ele deveria ficar aqui, ver isso
acontecer com os próprios olhos, fazer parte da mudança que ele mesmo
começou. Mas não posso. Noah foi muito claro desde o início, nosso
envolvimento não envolvia amor, paixão e teria um prazo para terminar.
Por alguns minutos ouço apenas o som dos insetos no mato ao nosso
redor, das pessoas conversando ao longe e o coaxar de um sapo do outro lado
do lago.
cômodos.
— E quem disse que vai ser meu amante? Eu sou fiel, guri. Não vou
trair o amor da minha vida.
— Quem disse isso? Pode ser que ele e eu já tenhamos nos esbarrado
por aí, e eu só não saiba.
— Só ouvi besteira até agora. Duvido que ele vai saber fazer aquele
negócio com a língua que eu faço e você adora.
— Eu ensino.
— Endoidou? Não pode passar meus truques por aí. Além disso, vai
falar o quê? Faz assim porque o Noah fazia e eu gostava? Divórcio na certa.
— Com a separação?
— Não. Vou ter que aprender a viver sem a coisa que você faz com a
língua.
— E se não tiver?
Noah me vira nos braços, de modo que nossos rostos fiquem de frente
um para o outro.
Ele me encara com seus olhos escuros, intensos e que agora estão
cheios de sentimento.
— Eu gosto de ficar com você, Cíntia. Gosto de você… Não sei direito
como fazer essa coisa de relacionamento, mas nós podemos tentar, se você
— Namorar?
Ele sorri de lado, tão lindo que meu estômago se contrai de excitação
com o momento.
— Vamos pra Araucária passar uns dias, ficar juntos o tempo todo, sem
o trabalho… E descobrir o que sentimos de verdade um pelo outro. Por mim
é isso, vamos namorar. Você quer?
Abro um sorriso imenso, que eu deveria tentar conter pelo bem do ego
desse homem, mas não consigo.
Ele disse que acontece, mas ficou vários minutos falando com a moto e
pedindo desculpas por deixá-la de lado. Ao que parece, a BMW entendeu,
porque depois de algumas tentativas, acabou ligando. Estou ansiosa e cheia
de medo, afinal, só andei de moto uma vez, muitos anos atrás, e sempre tive
um pouco de medo.
Ainda assim, fico nervosa quando penso que levamos nossa relação
para outro nível e que agora vou conhecer a família dele, toda de uma só vez.
Segundo Noah, as festas em Araucária são tradição para os Broussard e
todos eles comparecem tanto no inverno, quando na festa da uva no início do
ano. Então vou encontrar todos os tios e tias, os primos de quem ele tanto fala
e também o avô, sobre quem não tenho uma opinião muito formada ainda.
Coloco-o sobre meus cabelos que foram trançados para não embaraçar
com o vento e visto minha jaqueta mais grossa.
Subo na garupa e me agarro a Noah, sentindo um frio na barriga com a
ansiedade e o receio. Não tenho muito tempo de assimilar isso, porque Noah
logo sai acelerando, anunciando para toda Rio Dourado nossa partida.
Agora me arrependo de não ter saído com ele antes, passeado pelos
imponente. O portão da fazenda está aberto, o que indica que mais alguém
deve ter chegado pouco antes, então passo por ele com a moto e sigo para os
fundos, não sem antes notar que o carro de Michael já está parado na entrada.
— Tá nervosa?
— Menino, Noah! Que bom que você veio… — Ela seca as mãos em
um pano de prato na pia antes de abrir os braços para mim. — Pensei que
fosse ficar em Rio Dourado pra sempre.
Retribuo o abraço dela, que na verdade foi uma das últimas pessoas que
vi antes de viajar.
— E meus tios?
— Pra que essa cara de que viu fantasma, Mila? Uma hora eu tinha que
sossegar, não tinha?
— Michael!
Ando rápido até onde ele está e o abraço forte. Faz tempo desde a
última vez que nos vimos.
ao perceber que ele acha incrível que alguém aceite namorar comigo.
— Não, claro que não — Michael corrige. — Só não sabia que estava
namorando.
Cíntia começa a rir e nós dois a olhamos sem entender o que é tão
engraçado.
— Mas assim… Só por curiosidade, quando você diz que sabe quem
ele é… — Michael volta ao assunto.
A pergunta chega até nós antes dela, que caminha em nossa direção em
um vestido preto e muito mais justo do que deveria ser permitido a uma
garota e um par de botas verdes nada discretas.
E logo que nos soltamos, procuro pela mão de Cíntia, ao meu lado.
Linda se afasta por um instante e seus olhos se fixam em Cíntia e depois, nas
nossas mãos unidas.
— O que eu perdi?
perdido a voz.
— E você… — Ela se vira para Michael outra vez. — Por que não me
disse que o Noah estava namorando? Me deixou passar por essa vergonha
toda.
— Porque eu também fiquei sabendo só agora do namoro.
Viramos a tempo de ver Anthony passar pela porta dos fundos e dirigir
um cumprimento educado a Mila, antes se seguir até onde estamos.
— Espero que não guarde rancor por ter me ouvido falar para o Noah te
despejar.
Cíntia sorri abertamente. Se ele soubesse com quem está falando, nem
se preocuparia. Afinal ela é a pessoa mais aberta a esquecer os
desentendimentos que conheço.
— Está tudo bem, mas que bom que ele não te ouviu.
— Só porque você me ameaçou com um martelo — retruco.
Ignoro aos dois e puxo Cíntia pela mão, seguindo pela sala de estar, na
direção dos quartos.
— Não vamos falar com o seu avô? — Cíntia sussurra, com receio de
ser ouvida.
— Mais tarde, ele deve estar no escritório. Que tal sairmos por aí,
tomarmos um pouco de vinho, enquanto te apresento a propriedade?
— É uma ótima ideia, vou adorar! Pra falar a verdade já estava me
questionando onde estão as uvas e o vinho.
— Tem uma estradinha aqui nos fundos, que leva até a vinícola,
passando pelos vinhedos. Vem que eu mostro.
— Vai devagar, Noah — grito por sobre seu ombro. — Se você destruir
as uvas seu avô nunca vai te perdoar.
Ele ri, endiabrado. Dizem que John Broussard fez um pacto com o
diabo e, por isso, conquistou a fortuna que tem hoje e obteve sucesso com o
vinho, mas quando vejo as atitudes de Noah, sempre à beira do perigo,
sempre se arriscando um pouco mais que o sensato, penso que ele é que
parece endiabrado.
— Claro que não. Eu disse que íamos passar tempo juntos, depois
É muito bonito, por onde quer que eu olhe vejo apenas o verde, nas
duas laterais e atrás de nós. Mas à nossa frente, está uma imensa estrutura,
cercada por altos muros e cinzas.
A casa da fazenda ficou para trás faz muito tempo, do outro lado dos
vinhedos.
Não é que eu não tenha estado em uma vinícola antes, mas perceber
que apesar da resistência, existe certa paixão em Noah, pelas terras, as uvas e
o vinho, pelo processo, o que me deixa animada.
— Aqui temos três repartições, Cí. A cantina, que é onde as uvas são
recebidas e processadas.
— E o que mais?
turístico agora?
— Meus primos já estão na casa, mas os meus tios ainda não. Como
A mulher começa rir e percebe, pelas nossas mãos unidas, que ele se
refere a si mesmo, de certa forma. Apesar de ser uma brincadeira, sinto minha
pulsação assumir um ritmo mais agitado diante da palavra “apaixonado”.
Noah não parece nem se dar conta do que disse, enquanto batuca com
Pouco depois ela retorna com uma cesta de vime nas mãos, coberta
com um pano xadrez e entrega nas mãos dele.
— Colocou o vinho? — ele pergunta, sondando o interior.
— Claro, o melhor.
Olhando daqui, as fileiras não parecem ter muita diferença entre si,
então a princípio não entendo o motivo da escolha.
— Por quê?
porque é distante da vinícola. Mas minha razão principal, é que John não vai
conseguir nos enxergar da varanda.
Ele estende a mão para trás, me entregando a cesta com nosso almoço.
— E por quê?
— Porque vai levar a cesta, então não tem como se segurar com as duas
mãos.
— Vai mais devagar — alerto, aceitando a tarefa com aquele frio na
barriga.
Ele para a moto quando já estamos bem longe e desço, tomando todo
cuidado com a cesta.
momento.
Depois, abre o zíper da blusa de frio que está usando e, para meu total
espanto, se livra dela.
Sorrio feito uma boba com o gesto fofo e, sem discutir, sento em cima
da jaqueta que ele usou para forrar a grama baixinha.
dela.
Primeiro o pano xadrez, que estende à nossa frente como uma toalha de
mesa. Em seguida, uma garrafa de Del Broussard, duas taças bonitas, um
queijo defumado e já fatiado, alguns cachos de uva e fatias de pão.
— Tri legal! Gosto muito dele. Apesar dos gestos doces, ele consegue
manter a essência.
— Eu me fechei por muito tempo. Não só pelo luto, mas mesmo antes
disso, por causa do trabalho. Você, seu humor contagiante, suas
brincadeiras… Você me fez sentir felicidade outra vez, fez com que eu me
lembrasse de como a vida pode ser divertida.
— Então melhor me manter por perto. — Ele me dá uma piscadela e
me rouba um beijo rápido.
— Também acho.
Noah sorri, satisfeito, e toma um longo gole de vinho. Imito seu gesto,
saboreando o líquido delicioso.
— Olha, seu avô pode até ser controlador, mas se tem uma coisa que
não podemos negar, é que sabe fazer um bom vinho.
— O quê?
— Sua boca.
Eu me inclino para mais perto dele para lhe dar um beijo e sinto seus
dedos na minha nuca, me puxando para mais perto. Noah aprofunda aquele
que era pra ser apenas um beijo singelo, deslizando a língua por entre meus
lábios abertos.
Seu toque firme no meu pescoço, enquanto com a outra mão ele me
toca sob a blusa, faz com que uma onda elétrica percorra meu corpo, o desejo
crescendo dentro de mim como uma chama alimentada.
Ele ergue minha blusa por baixo da jaqueta, até que meus seios fiquem
livres. Sinto o ar gelado sobre eles, eriçando meus mamilos antes de Noah os
beijar com uma lentidão torturante.
— Mas e se…
me vejo me retorcendo sobre sua mão, louca para que ele mergulhe os dedos
dentro de mim.
— Anda, Noah.
cueca.
Ergo o quadril, apoiando os joelhos no chão para que ele faça o mesmo
comigo e por sorte escolhi hoje uma calça que se estica, então só preciso
abaixar um pouco, na altura das coxas. Então Noah se posiciona na minha
entrada e me sento sem muita delicadeza sobre ele.
Não preciso de outro comando. Desço e subo sobre ele, cada vez com
mais força e mais rápido.
enquanto Noah brinca com meus seios e projeta o quadril pra cima, me
alcançando mais fundo.
Rebolo sobre ele, sentindo sua ereção preencher cada pedacinho dentro
de mim e, em meio ao sexo bruto, um de nós acaba por derrubar a garrafa
aberta.
Atrás de nós, o vinho se derrama pelo chão e o vento traz o cheiro para
o ar, mas isso está em um segundo plano. O cheiro que realmente inebria
meus sentidos é o que vem dele, seu corpo, o cheio da sua pele, seu
perfume…
Noah enrola meus cabelos na mão e puxa minha cabeça para trás,
expondo meu pescoço, que ele chupa e morde com força.
Quanto mais Noah diz essas coisas, mais tesão sinto. Aperto seus
braços fortes com minhas mãos, sentindo seus músculos e, com as pontas das
unhas, arranho seus ombros no calor do momento.
Estou tão alucinada em cima dele, que mal percebo o orgasmo chegar,
avassalador. Gozo, gemendo tão alto que em muitas fileiras de distância as
pessoas poderiam nos ouvir.
— Que bom que chegou, Noah… — Ele ergue os olhos do jornal que
tem nas mãos, ao nos ver entrar.
A lareira já está acesa, apesar de não estar tão frio ainda, e John está
usando um de seus suéteres que agora parecem combinar tanto com ele.
reencontrar. Faz muito tempo que vocês não se falam, não faz?
Meu avô não tem o menor tato, tocando nesse assunto na frente da
Cíntia. Ou talvez saiba exatamente o que está fazendo, o que torna tudo ainda
pior.
E eu que pensei que ele estivesse gostando disso, pelo visto não poderia
estar mais enganada.
John dobra o jornal com calma e depois cruza as mãos sobre o colo.
— Mas…
— Tudo bem, converse com seu avô, nós nos falamos já, já — ela
interrompe.
Cíntia deixa a sala tão rápido que não consigo impedi-la. Por algum
motivo pressinto que a conversa não vai ser o que eu esperava.
— Sente-se, Noah.
está, porque não é do meu feitio contradizer meu avô tão diretamente.
— Percebi que essa vida calma não é tão ruim — respondo, arrancando
uma risada dele.
— Qual?
— Já percebi que você consegue se manter em um relacionamento, não
é mesmo? — Ele gesticula com a mão, mostrando o caminho pelo qual Cíntia
acaba de sair. — Uma pena que a garota não seja a pessoa ideal pra você. —
Ele deve perceber minha expressão, porque continua logo, antes que eu o
interrompa. — Não é nada contra a menina, Noah, tente entender. Ela apenas
não soma em nada à nossa família.
Ele aquiesce.
— Não acredito nisso. Trouxe essa garota aqui por isso? Eu não a vejo
tem anos, vô! Não tenho nada a ver com ela.
— Vocês tiveram um namoro, quem sabe possam reacender alguma
coisa?
— Que bom então que tenho idade pra decidir por mim mesmo.
Ela sorri.
Ele passa a mão pelos cabelos curtos e me fita com o belo par de olhos
azuis.
— Quê?
— Tá bom, eu pago a bebida, ok? Fala pro Noah que vou esperar por
ele na sala.
— Vai ser rápido, tá bom? — Ele abre a mochila e pega a cueca boxer.
— Quer ir comigo?
Noah sai pela porta às pressas, e aproveito que a bateria do meu celular
ainda não acabou para enviar uma mensagem a Jeniffer, lembrando a ela de
alimentar Salém. Estou distraída esperando a resposta dela, quando alguém
bate na porta.
Franzo o cenho, pensando se Noah esqueceu alguma coisa, porque não
pode estar de volta tão rápido, mas quando a abro, encontro John do outro
lado.
Sinto minhas mãos suarem frio cruzo-as para que ele não perceba o
leve tremor.
Essa história não bate com o que Noah me disse, ele ficou assim depois
da morte dos pais, ele nem mesmo chegou a mencionar essa garota e gosto de
pensar que construímos uma relação de franqueza. Não havia motivos para
que me escondesse algo assim.
Noah.
— Ah, sim. O plano era esse desde o início, mas eles se afastaram e
então você apareceu. Isso parece tê-lo confundido.
Suspiro, com pesar. Estou chateada com toda essa narrativa, mas
principalmente por perceber o quanto ele quer me ver longe de Noah, isso
sem que eu tenha feito nada.
— Senhor Broussard, me desculpe, mas creio que seja Noah quem deva
decidir isso.
— Amor? Em um mês? Isso não existe, querida. Mas entendo que ame
a vida que ele poderia lhe proporcionar — fala, cruel.
— Sinto muito por desapontá-lo, mas não vou largar o Noah porque
essa é a sua vontade.
— Acha que seu amor vai durar quanto tempo? Noah sempre usou meu
dinheiro para bancar suas extravagâncias.
— Ele mudou.
— E acha que ele vai culpar a quem quando quiser alguma coisa e não
tiver como comprar? Quando passarem necessidades ou alguns apertos? A
única culpada, vai ser a mulher que ele escolheu em detrimento da família.
o meu coração. Não vou ficar mais um minuto ouvindo esses desaforos.
Saio pela porta do quarto sem esperar uma resposta. Continuo a chorar
porque, infelizmente, ele conseguiu penetrar minha muralha de autoestima
com relação a Noah e nosso namoro tão recente.
Entre mim e a vida que ele sempre teve, não sei até que ponto os
Deixo a casa pela porta da cozinha, sem saber exatamente que rumo
tomar. Estou a pé e a noite já chegou, mas se apertar o passo posso chegar em
Araucária em uns vinte minutos.
Não posso falar com ele, explicar o que aconteceu e não posso voltar
para a casa. A única alternativa que tenho é ir embora e esperar que ele me
procure.
— O senhor acha que, só por ser novo, seu carro não precisa de revisão,
tio Cristóvão? — pergunto, enquanto ele dá de ombros, um pouco
constrangido.
— Eu nem imaginava que algo pudesse não estar certo. Bem que Odete
disse que o barulho estava estranho…
Tia Odete ainda está dentro do carro, mas nos observa pelo para-brisas,
completamente maquiada e batucando as enormes unhas vermelhas no painel.
Desvio os olhos para meu primo, que me olha esperando uma resposta.
Michael nunca foi bom em consertar coisas, e tanto ele quanto Anthony,
esperam sempre que eu resolva esse tipo de situação.
— Não acredito — minha tia continua cética —, isso quer dizer que
ainda tem esperança pros nossos filhos, Cristóvão! Se o Noah decidiu
sossegar, podemos ter fé nesses dois teimosos.
— Obrigado, tio.
que os pais de Anthony também estão aqui, assim como alguns amigos do
meu avô, o que deve incluir o Ramon e a Mariana. Só de pensar na conversa
com meu avô, mais cedo, sinto a raiva voltar.
Cíntia deve ter ficado com vergonha de se juntar a eles sem mim, então
apenas os cumprimento e passo direto na direção do quarto.
Como imagino que seu plano seja me forçar a uma conversa com a
garota que nem mesmo conheço mais, ignoro e finjo não escutar.
Abro a porta do quarto, chamando por ela, mas Cíntia não está. Entro
— Bom, eu e ela tivemos uma conversa e acho que sua namorada não
gostou de ouvir algumas verdades.
— Verdades? O senhor por acaso não foi falar sobre essa besteira com
a Mariana, foi?
— Não foi isso, não só isso, pelo menos. Eu disse a ela que você estava
acostumado a essa vida que sempre teve e contei a verdade. Não vou bancar
você se insistir nessa ideia de casamento e sem meu dinheiro, vivendo com
oitocentos reais por mês, seu amor não iria mesmo durar.
Fico mudo por quase um minuto inteiro. Não sei nem mesmo o que
responder a ele, porque não consigo acreditar que tenha feito algo assim, não
Passo a mão pelos cabelos, frustrado, e o encaro outra vez. Minha voz é
contida, a princípio, mas carregada da raiva que estou sentindo.
irritação. — Vai fazer escândalo agora por causa de uma garota? Você sabe o
quanto prezo pelo nome da nossa família, Noah. Não ouse me envergonhar
por uma besteira dessas.
— O senhor acha que vou descer pra festa depois disso e posar para as
fotos como se fôssemos a família perfeita?
— Eu acho, sim. Acho que se quer ter sua conta e seus cartões de volta,
você vai se comportar direito essa noite. Depois pode fazer o que quiser.
A discussão atrai a atenção dos outros, porque logo meus tios e primos
estão na porta do quarto, tentando entender o que está havendo.
Tia Renata me encara com pena e até mesmo tia Odete, que muitos
acham que é superficial e fútil, parece chocada com a atitude dele.
— Vocês todos, tenham calma — meu avô pede —, vamos descer para
a festa e, depois, conversaremos sobre essa besteira.
Não apenas porque tenho medo de que ela acredite no que ele disse,
porque eu realmente não tenho o melhor dos históricos, não apenas por receio
de perdê-la, mas principalmente porque sinto que ele quer controlar minha
vida como se eu fosse uma marionete, sujeita aos seus caprichos.
Procuro por Cíntia na estrada, mas não tem ninguém. Quando chego na
entrada da cidade, ligo em seu celular, mas ela o desligou.
Não sei se Cíntia voltaria para casa sem falar comigo, ou se pode estar
em um hotel. A cidade está cheia por causa da festa e não tem a menor
condição de encontrá-la em meio a tantos turistas nas hospedagens. O que me
resta, é ir para a festa, torcendo para que ela me dê um voto de confiança e
apareça por lá.
— Ele te pediu pra me chamar? Eu não vou subir lá, Anthony. Não
acredito que vão ficar do lado dele.
— Claro que não, cara. Tá todo mundo com raiva, tio Cristóvão e meu
pai estão furiosos com ele, mas é a festa de inverno, você sabe como ele fica
louco quando um de nós não aparece e se você der um vexame… — ele diz,
observando a garrafa na minha mão.
— O quê? — Tomo um gole longo de uma vez só. — John vai ficar
bravo se eu der um vexame? Seria muito bom igualar as coisas, pra variar.
— Noah…
— Ele não tem ideia, Anthony. Não faz a menor ideia de com quem
mexeu.
— Você tá bêbado? Não vai fazer bobagem, guri. Vai conversar com a
garota e pronto, esquece isso.
Depois de tudo que fez, John ainda tem a coragem de tentar forjar uma
matéria sobre mim, criando um romance que nem existe e propagando esse
novo eu como se fosse uma vitória sua.
Se John quer uma matéria, se o que quer é uma manchete, eu posso dar
isso a ele com prazer.
E então Cíntia está parada à minha frente, e ela não parece estar
achando graça nenhuma.
Subo as calças em uma velocidade ímpar, não por me envergonhar do
que fiz, mas porque Cíntia já está me dando as costas, saindo, e preciso
alcançá-la.
Não tenho coragem de olhar pra onde meu avô está. Ele pode até ter
merecido um escândalo, mas ainda bota medo com aquela carranca que faz.
— Cíntia! Cíntia... — Ela nem olha pra trás. — Amor, volta aqui!
Aquele vinho todo está cobrando seu preço, porque não estou andando
exatamente em linha reta. Linda surge à minha frente, direto do além. De
onde foi que ela saiu?
— Vou pedir, sim, mas desculpas pelo que o vô fez, porque acho que
não fiz nada demais.
— Relaxa, ela vai ficar com a Olívia essa noite, o vovô nem vai ver —
ela explica, se referindo a filha do caseiro e nossa amiga de infância.
— E o que mostrar a bunda tem a ver com isso? — Linda destrava seu
carro quando chegamos diante dele e abre a porta do passageiro.
lá dentro.
— E o Michael pode voltar nela, você não está legal pra dirigir.
— Casar? Olha, Noah… Eu gostei dela, parece ser bem legal e apoio
seu namoro, mas não tá muito cedo?
— Não era nossa intenção de verdade. Falei pra que ele visse que era
sério, mas agora…
— O quê?
— Não vou querer o dinheiro do John mais, vou me virar sozinho, com
— Não sei se venho também — ela diz, o cenho franzido. — Isso que
ele fez hoje… Deixou todo mundo em choque. Acho que o vovô finalmente
extrapolou todos os limites do aceitável, controlar sua vida assim, expulsar a
guria… Não tem defesa.
— E por que nós estamos subindo pra lá, então? — De onde estamos,
já consigo ver a luz da varanda acesa.
— Porque a Cíntia está com a Olívia na casa dela. Você vai tomar um
— Ele não vai sair antes que a festa termine, principalmente depois do
seu show, vai ficar lá apaziguando as coisas, a festa mal começou…
— Tô ferrado.
— Olha, sorte que você não é um bêbado que se parece com um, então
se mantiver as calças no lugar, já ajuda. É só não pegar a estrada hoje…
— Certo, glicose.
Talvez ela me perdoe, não porque eu mereço, mas porque Cíntia é assim, tem
um coração disposto a dar outra chance.
Ainda assim, há certo temor dentro do meu peito. Talvez isso seja
demais pra ela.
— Não acredito que ele fez isso! — Olívia ainda está em estado de
choque. — Quer dizer… Noah sempre fez o que deu na telha, mas dessa
vez…
Ele afirmou que Noah iria voltar para a vida antiga, que nosso romance
estava perto do fim e o que mais me irrita é pensar que talvez ele tenha razão,
que talvez nós sejamos mesmo muito diferentes.
— Não sei.
— Não sabe? Olha, eu adoro o Noah e acho que vocês vão se entender,
mas se fosse comigo eu estaria possuída!
— Primeiro, Cíntia, ele disse que vocês são diferentes por causa da
conta bancária, isso é preconceito! Segundo, olha só, se você consegue
Começo a rir, porque do jeito que ela fala parece que vou viver
perdoando as loucuras de Noah.
— Não é assim também, Olívia. Eu quis dizer que consigo dar uma
segunda chance, não que ele vai poder ficar andando pelado por aí pra
sempre.
— E se fosse traição? — ela me sonda, curiosa.
— Eu acho que…
— Oi, meninas. O Noah está aí fora e quer falar com você, Cíntia.
Cíntia está linda. Com toda a correria da noite nem tive tempo de
observar como estava bonita com o sobretudo preto, comprido e as botas de
cano alto.
— É isso que você quer? Eu nem sei pelo que estaria brigando…
— Como ignorante?
Desvio os olhos para o chão, porque sei que nada que eu diga vai ser
aceitável.
— O John não é um vilão de novela, amor, ele faz e fala que fez. Não
— Estou vendo.
mencionasse você.
— Não, não justifica. Fui infantil e eu sei disso, poderia dizer que
estava bêbado, mas acho que você não vai comprar essa desculpa também.
— Acho que o álcool pode ter ajudado a te dar coragem, mas você
sempre foi impulsivo.
que você fosse acreditar nas coisas que ele disse, sobre aquela Mariana.
— E são mentiras?
— Ele disse que você se transformou depois que ela te deixou, porque
estava muito apaixonado.
Ergo as sobrancelhas e tenho que me segurar para não rir. Não é o
momento certo, mas a ideia é tão ridícula que não consigo ficar tão sério
como deveria.
— Não com alguém que não representa nada pra mim, Cíntia e tenho
certeza de que isso tudo é história dele, não acho que Mariana sequer tenha
pensado nisso.
— Bom, eu pude deduzir que parte disso fosse mentira, Noah, e disse a
ele que se fosse verdade, você que deveria me dizer. O que mais me
incomodou foi o que ele disse depois.
— Ele disse que eu estava com você por interesse e que, se fosse o
caso, deveria desistir porque não te devolveria o dinheiro se fosse ficar
comigo.
— Eu sei, te disse isso antes de sair, que ficaríamos sem grana, mas e
daí? Não precisamos.
— Foi o que eu disse, e seu avô me falou que você pensaria diferente
logo, logo. Que quando as coisas ficassem apertadas, voltaria atrás e iria se
arrepender da escolha que fez, de ter me escolhido.
Cíntia percebe minha irritação com o assunto, mas ela não hesita em
continuar.
— Você pensa que não, mas olha só o que aconteceu, na primeira crise
você me aprontou essa, no meio da festa.
— Não tem nada a ver com deixar você, eu só sou um idiota. Cí, eu
dormi no chão, com um cobertor fino no restaurante, fiquei três dias sem
tomar banho e fiz bolachas na cozinha. Passei com você por esse momento
— Quer dizer que se me quiser, vamos voltar pra Rio Dourado, juntos,
e eu vou pra ficar. Significa que vou deixar o dinheiro do meu avô pra trás e
vamos trabalhar juntos todos os dias pra fazer seu negócio crescer. Que vou
viver do aluguel de oitocentos reais, ou de aluguel nenhum se você me der
comida e cama… Eu só quero ficar onde você estiver.
— Me desculpe pelo que fiz essa noite — solto, por fim. — Não pensei
naquilo como algo… Indecente. Eu só queria estragar a matéria dele e
mostrar pro repórter que era tudo balela do John. — Como ela me encara,
esperando que eu conclua, decido continuar. — Mas Linda me abriu os olhos
para a situação.
Noah está calado desde que deixamos Araucária, e imagino que esteja
remoendo tudo que aconteceu. Já notei que é um hábito dele conversar
enquanto dirige, mas hoje não.
Retiro o capacete, para entrarmos, mas ele me segura pelo braço antes
que eu abra a porta.
Ainda é cedo e, pelo horário, imagino que talvez a notícia ainda não
tenha se espalhado, mas é lógico que vai acontecer, afinal são as
consequências, e infelizmente ninguém está isento delas.
— Acho que ainda não — respondo, mas ele entende o que isso quer
dizer.
Olho para os meus clientes que tentam segurar o riso e tento entender o
motivo do dramalhão.
minha cara que a cuca não estava boa e ainda reclamaram do arroz que eu fiz,
acredita?
— Tá vendo? Foi isso que eles fizeram comigo enquanto você não
estava.
— É sério?
— Claro, aqui é assim. Posso reclamar, mas também ajudo — a prefeita
diz, mostrando mais uma vez a frente unida que nós somos.
— E então? Como foi lá? — É George quem pergunta agora, ele está
Fico observando enquanto tento entender o que ele está fazendo, qual o
seu plano.
expectativa.
— Que tipo de problema? Não que seja da minha conta, mas como
você já está contando mesmo, então nos dê os detalhes, rapaz.
— Ele mandou aquele monte de vinho na nossa festa, então pensei que
tudo estivesse bem. Por que vocês brigaram? — George pergunta. — Ou não
brigaram?
Noah sorri.
— O que foi que você fez? — o padre indaga, olhando para Noah com
certo temor.
— Eu fiquei… um pouco…
— Ah! Não vai dizer que vocês estavam… — Jeni não conclui a frase,
mas olha para o padre com as bochechas muito vermelhas por causa da
sugestão.
— Não foi nada disso — interrompo —, foi por uma razão totalmente
não sexual — falo, me embolando toda.
— Então o que foi? — O padre olha de Noah para mim, curioso, mas
também parece aliviado por não ser o que Jeni sugeriu. Se ele soubesse o
quanto corremos risco nos vinhedos, não estaria tão tranquilo.
se desvia desse tópico e vai além. — Aos poucos fomos nos envolvendo, os
sentimentos não foram instantâneos como vocês pensaram, mas cresceram
rápido e fortes. De repente, o dinheiro dele já não me importava mais.
— Mas seu avô não devolveu o dinheiro — Jeni adivinha, pelo rumo
que o assunto tomou.
— Não — ele sorri —, mas não pensem que tirei a roupa por causa da
grana. Desde que chegamos na fazenda, ele deixou muito claro que, se eu
ficasse com a Cíntia, se insistisse no relacionamento, não iria me devolver o
dinheiro. E eu disse que tudo bem, que não precisava. Hoje eu sei que nós
podemos construir o que quisermos juntos.
— Seu avô não aprova o namoro porque ela é pobre? — Jeni é quem
pergunta agora, e vejo suas narinas se dilatarem de raiva.
quando precisasse de dinheiro, falou que ela era interesseira… E sugeriu que
eu ia me casar com uma guria que não vejo desde a adolescência, ou ao
menos não via até ontem.
— Isso é… Eu não sei nem o que dizer. — Marisa, que já está de pé, dá
a volta na mesa e caminha até onde estou, me abraçando pelos ombros. —
Nunca ouvi algo tão preconceituoso assim.
Seguro a mão dele, que ainda está batucando sobre a perna, e Noah
aperta meus dedos entre os seus.
sobre esse tempo que passei trabalhando na empresa do meu avô e fiquei
cego de raiva.
— Não é isso, ele se referia ao tempo que Noah passou aqui, comigo —
conto. — Ou seja, John Broussard estava me varrendo e também a Rio
Dourado para debaixo do tapete, como se o Noah nunca tivesse vindo até
aqui.
— Eu entendo que o que seu avô fez foi errado — o padre diz,
meneando a cabeça e ignorando a amiga. — Posso entender por que ficou tão
chateado. Mas ainda não entendi por que ficou nu, ou onde isso aconteceu.
— Algo assim. Olha, eu estou envergonhado e sei que não deveria ter
feito isso, mas preciso dizer mais uma coisa antes que comecem a falar de
como eu sou descarado e tudo. Primeiro, que não pensei nessa questão de…
safadeza, como a Cí chamou. Eu só queria envergonhar meu avô, fiquei
muito nervoso e fiz isso sem pensar.
Noah.
— Acho que concordamos que foi uma atitude desnecessária, mas acho
que está se preocupando com a questão errada nessa história, Noah.
— Não acha preocupante ele ter ficado pelado no meio da festa, padre?
— a prefeita pergunta, tão surpresa quanto eu.
— Pois bem. Seu avô não quer devolver o dinheiro, mas você não está
se importando com isso. Ele não aceita a Cíntia, mas quem tem que querer e
aceitar é você. Não há razão para revidar, ficar com raiva e se vingar, é só
seguir com a sua vida aqui, ao lado dela, e deixar seu avô com suas opiniões
irrelevantes.
— Podia. Eu fui imaturo, outra vez, mas não pretendo continuar agindo
assim. Vou ficar aqui com a Cíntia e deixar que meu avô se preocupe em
mandar nos meus primos por enquanto.
— E tente não guardar rancor. Sei que está recente, você também,
Cíntia… Mas o perdão é mais benéfico pra quem o libera do que pra quem é
preocupou o bastante pra te castigar. Não quero ser o motivo pelo qual vocês
não se falam.
— E não vai ser, mas o John precisa entender que não podemos
controlar as pessoas que amamos.
— Seu avô está velho, menino — o padre volta a falar —, viveu a vida
toda com esse tipo de pensamento, mas quando estiver sozinho, sem a família
por perto, ele vai entender o que fez. Vai perceber como está se sabotando
com essas atitudes, e eu não tenho dúvidas de que quando isso acontecer,
nossa Cíntia vai ganhar o coração dele, porque não há quem resista a essa
menina.
rapaz tivesse bebido um pouco além do adequado. De uma bebida que não
levava o selo dos Broussard.
Se eu pudesse imaginar que minha vida iria mudar tanto quando ele me
mandou pra Rio Dourado, talvez não tivesse vindo. O velho Noah jamais
conseguiria imaginar que a vida em um lugar assim, sem as noites permeadas
por drogas e festas loucas, poderia ser tão boa. Tão melhor.
Ainda bem que não fui avisado. Cair de quatro por essa mulher, foi a
coisa mais intensa que aconteceu na minha vida. Rápido, surreal e incrível.
O restaurante está lotado essa noite. Passa pouco das oito horas, e os
campistas, além de um grupo de turistas que se hospedou na pousada, estão
todos aqui para o jantar.
Uma ideia nova começou a martelar na minha cabeça desde ontem, mas
não sei bem como Cíntia vai reagir a ela, então por enquanto ainda não
compartilhei.
— Te achei.
Anthony caminha até o balcão e saio de trás dele para abraçar meu
primo.
— Eu vim jantar. Você não disse que sua namorada cozinha muito
bem? Eu estava com fome e pensei em vir.
— Você estava com fome? Lá em São Paulo, e aí decidiu vir até aqui?
— pergunto, rindo da mentira descarada.
pra mim?
— Del Broussard?
— Está brincando?
Um casal chega ao caixa para fechar a conta e corro até lá, fazendo
sinal a Jeni para que atenda Anthony.
Um pouco depois ela deixa a cozinha e segue até a mesa dele. Cíntia
ainda tem o avental amarrado na cintura e está usando um blusão de lã
enorme, ainda assim, é a criatura mais linda do mundo.
— Oi, amor…
— Já terminei na cozinha. Vou ficar no caixa, pode sentar aqui com o
Anthony.
E, com isso, ela assume meu lugar no caixa e me sento em uma cadeira
— Não fala assim que você me ofende, guri — ele responde, sorrindo.
— E ele não quer que você volte, o John ainda está irado com o que
você fez.
— Então o quê?
— Podia, mas era pra ver, não pra ouvir. Além disso, queria conhecer o
lugar.
— Estamos bem, Anthony. Tem um apartamento pequeno aqui em
cima, onde a Cíntia sempre morou e onde agora moro com ela. E o
— Aqui está seu comprovante, foi o que vim fazer. — Ele me entrega o
papel e eu o abro, curioso.
— O que é… É a escritura?
— Sim, está no seu nome definitivamente. Não precisa vender a moto.
— Eu… Não sei se eu quero assim. Depois do que ele fez, Anthony.
— Eu sei, mas entenda isso como uma espécie de atitude de boa fé.
John é cabeça-dura, ainda não vai admitir que errou, mas está te dando apoio
discretamente. Ele é sua família, Noah, e ama você.
— Cem.
— Vai ficar ótimo. Eu sei que está com raiva do John, mas pense que
parte do dinheiro dele era herança do seu pai e, consequentemente, é sua
também. Não é um favor.
— Eu sei disso, é que… Não sei, cara, queria me virar sozinho.
— Herança é herança. O seu pai deixaria tudo pra você, como filho
único. Pense então na sua namorada, no seu futuro e aceite essa
documentação. Na verdade, é só burocracia, porque em teoria ele já te deu o
imóvel tem muito tempo.
Ela realmente merece isso, esse lugar não é pra mim, é pra ela, pela
mãe dela. John também sabe disso e esse é o jeito dele de se desculpar.
Não que eu vá ligar para ele, aceitar esse pedido informal de desculpas
ou aparecer na próxima festa da uva. John vai ter que ser mais humilde e se
desculpar com a Cíntia pra que isso aconteça, mas vou aceitar o gesto de boa-
fé por enquanto.
— Talvez seja, mas se o louco da família não for eu, quem vai ser?
— Então é verdade?
— É verdade que tenho essa pretensão e é sério que vou pedir que ela
se case comigo. Mas não quer dizer que vamos nos casar agora.
— Dez anos? Pra que ficar noivo, então? Estava pensando em um ano,
ou quase isso.
O dia amanheceu nublado, um pouco frio, mas não está ventando, o que
já contribui muito com os planos para a manhã.
— Como assim não vamos? — Ela está rindo. — Quem é que vai,
então?
— A Jeniffer dá conta. Hoje eu vou te levar para um piquenique à beira
do lago.
— Claro que é do nosso lago. Por que os turistas podem e nós não? Já
— Vamos?
Pego na mão de Cíntia, antes que ela invente algum motivo pra
trabalhar, e a arrasto pela porta dos fundos. Caminhamos de mãos dadas,
passando pelas árvores no gramado e seguindo adiante, até estarmos diante
do lago.
Optei por suco de laranja dessa vez. Estou tentando diminuir um pouco
a bebida, e a essa hora da manhã não seria muito saudável. Coloco a jarra
então sobre a toalha e tiro de dentro da cesta o pão, a cuca que Cíntia mesma
fez, uma geleia e também os pedaços de queijo. Também peguei algumas
frutas e quadradinhos de chocolate que ela ama e, por último, o chaveiro que
tem a cópia da chave do apartamento, que ela me deu e a chave da moto
sobre a cesta fechada.
— Que lindo, Noah! Estou sentindo que você está feliz demais…
— Claro que não, mas mais feliz que o normal, desde que seu primo
esteve aqui ontem. Tudo isso era saudade? — ela brinca.
— Como sabe?
— Sério? — Os olhos dela se arregalam, e Cíntia coloca uma uva
dentro da boca.
— Não foi bem assim. Ele me mandou um papel e, pro John, isso
indiretamente é como um pedido de desculpas.
— Que papel?
— Esse…
— Isso é… A escritura?
por um contrato.
— Noah! Seria incrível, mas acho que está indo meio longe. Do jeito
que fala parece que vamos ter grana pra tudo isso…
— Mas — apesar da teimosia, percebo pelo brilho nos olhos dela que já
ganhei essa —, o apartamento está bom, não precisa mexer nele também.
— Ele é ótimo, mas é pequeno pra uma família. Quando você se casar
comigo e começar a ter um monte de pequenas Cíntias correndo por aí, onde
elas vão dormir?
quanto mais demorar com isso, mais o padre Nelson vai ficar desconfortável
e dando aquelas indiretas sobre fornicação.
Ela continua rindo, mas sabe que é verdade. Desde que assumimos o
namoro, sempre que pode ele faz um comentário ou outro sobre o pecado e a
tentação da carne.
Por esse motivo, foi bom que demorasse quase dez meses até John
Broussard entrar por essa porta. Nunca imaginei que o homem um dia estaria
no meu restaurante, sentado em uma mesa e observando a tudo em silêncio.
Noah está servindo uma mesa no andar de cima e ainda não o viu, mas
como não sou covarde, me aproximo de onde ele está e ofereço um sorriso
contido.
Ele sorri, do mesmo modo que eu, mas, ao contrário de mim, que o
faço por educação, ele parece quase com medo de mim.
muito bonito.
— Que eu vim até aqui. Dizer que esses meses provaram que o que eu
disse sobre vocês não era verdade… Você ficou ao lado do Noah
independentemente do dinheiro e ele não foi embora, não desistiu, muito pelo
contrário.
com alguém que tivesse dinheiro, pra evitar mulheres interesseiras. Afinal, se
a moça já fosse rica…
— Entendi, sim. Mas o senhor sabe que não justifica, certo? Da mesma
forma que nada justifica o que o Noah fez na festa.
— A palavra desculpa não saiu da sua boca, mas vou relevar porque
tenho essa mania de perdoar as pessoas. Mas se o senhor quer o convite do
casamento, vai ter que se esforçar mais com o Noah. — Me abaixo para que
só ele me escute. — Tem que falar me desculpe, mesmo, com todas as letras.
— Nada disso, senhor Broussard. Vai ter que falar, mas pode escrever
também se preferir.
Ele desvia os olhos dos meus, e então percebo que Noah está parado
atrás de mim, o rosto branco como se tivesse visto um fantasma.
Acho que John Broussard nunca esperou nada na vida, mas enquanto o
vejo comer a refeição que preparei e bebericar de uma taça do próprio vinho,
ele não parece muito ansioso ou irritado.
quero perder minha família… A Cíntia é uma boa moça e eu fui cruel, pode
esquecer o que eu fiz?
— Eu…
— Ele pediu, sim — respondo, dando uma força, afinal o homem está
se esforçando.
— Tudo bem, vô. Eu não estou com raiva já tem muito tempo, mas não
podia te dizer isso antes que se desculpasse.
mas agora…
John sorri e coça a cabeça, do mesmo jeitinho que Noah faz quando
fica sem jeito.
mas hoje vejo como estava errado, como afastei minha família — ele diz,
refletindo exatamente as palavras que padre Nelson disse que ele falaria um
dia. — Quero vocês todos por perto…
— Então nós vamos, velho. Não precisa mais se torturar com esses
pedidos de desculpas — Noah cede, aliviando o clima.
— Ufa…
Depois desse encontro, que acabou de vez com os problemas familiares
dos Broussard, já que até mesmo os primos do Noah, que andaram brigados
Mas o último mês, antes dela, foi um mês cheio de trabalho, mudanças
e muito frio. E por falar em mudanças, a última delas virou nosso mundo de
ponta cabeça.
Foi só quando coloquei todo meu café da manhã pra fora, assim, do
nada, que comecei a desconfiar que alguma coisa pudesse estar… Diferente.
Demorei três dias para contar ao Noah, surtando com medo da reação
dele. Uma pequena parte de mim, ainda tinha receio de que algo assim fosse
demais para ele. Evidentemente que não foi, eu estava enganada.
Noah ficou tão feliz, que a vontade dele era sair contando pra todo
mundo, incluindo nossos três fofoqueiros particulares, mas assim, em vinte e
quatro horas, toda a cidade estaria sabendo.
justo que serem os primeiros a saber, ainda que eu esteja ciente de que
Jeniffer vai me matar quando descobrir.
— Sério? Ela sempre foi louca por ele — Linda comenta, levando um
empurrão da amiga.
— Acho que eu estava preocupada demais com a minha situação pra
perceber. Que bom que no final as coisas deram certo.
— E quem disse que eles iam me ver? Só ia ficar no quarto. Mas talvez
fossem me ouvir.
— Por falar nisso — comento, um pouco sem jeito —, não vai demorar
muito.
— Você está grávida? — Olívia parece ainda mais feliz que antes.
Olívia segura a mão de Anthony e sorrio ao ver os dois. Eles são tão
fofos juntos, que acho difícil acreditar que tenham demorado tanto pra
perceber isso.
— Vamos logo, seu avô está chamando — Olívia diz, e desvio os olhos
para onde John acena, efusivo.
Não entendo a que ele se refere, mas quando Kaio chama Anthony de
lado, pedindo para conversar, me lembro da história que ouvi sobre isso.
Nós nos afastamos na direção dos outros, onde a mesa foi montada e
nos sentamos lado a lado, perto de John, que está ao lado de Linda. Olívia se
— Vocês vão se casar, que coisa linda — diz, parecendo mesmo feliz
por nós.
John se inclina um pouco para ouvir também, mas parece não ligar
muito para o fato de Noah ter mentido a princípio. Mesmo por que a mentira
logo se tornou verdade.
Ficamos em silêncio, esperando pelo que ele tem a dizer, e Noah aperta
minha mão na sua.
quero passar meus últimos dias junto de vocês — diz por fim, se referindo a
doença que chegou de mansinho.
Linda diz alguma coisa que não consigo entender direito, mas ouço em
seguida a voz de Noah se elevar, em uma brincadeira.
vinho.
dele, que fizeram questão de se deslocar até aqui. Do outro lado, Gertrudes da
pousada e a Lúcia, minha vizinha, conversam animadas. O padre Nelson já
está a postos, esperando que a cerimônia comece.
ter um filho…
Desvio os olhos para Linda, que meneia a cabeça, mas antes que uma
de nós o corrija, ele percebe a confusão.
Noah.
— Isso, vô — Linda apoia. — Agora vão, antes que o Noah venha ver
o que aconteceu.
Não que tenha outra maneira de estar, afinal ele é lindo mesmo quando
não está tentando. Mas de terno e gravata, com os cabelos alinhados, ele fica
espetacular, ainda que eu prefira o estilo despojado que geralmente usa.
— Obrigada, amor.
Padre Nelson diz, mas com certeza nenhum de nós estava preparado
para o beijão de cinema que Noah me dá. Ainda que surpreendidos, os
Sempre com uma taça de vinho nas mãos, não demora muito e percebo
que ele está um pouquinho bêbado, mas dessa vez estou por perto e suas
calças estão bem presas no cinto.
Graças a Deus ninguém consegue ver nada além, porque isso seria
constrangedor em um nível que prefiro não imaginar. Noah se desculpa e
ergue o pobre padre Nelson do chão, mas ele não parece se importar muito.
Apenas sorri e volta a dançar sozinho.
Outro que se soltou, foi John. Mas ao invés de arrumar uma parceira de
dança, decidiu valsar ao redor da fogueira, com Salém no colo.
Talvez ser uma Broussard não seja tão agitado quanto previ a princípio
e os escândalos tenham ficado para trás.
19 DE AGOSTO
CAXIAS INFORMA
“Tal neto, tal avô. Os defensores dos direitos dos animais estão agitados.
John Broussard pode estar de fato cometendo abusos contra um gato preto?
Ao que parece, o flagra foi filmado na cerimônia de casamento do neto, já
conhecido como adepto da prática abominável.”
É ser Broussard.
Quero agradecer a Deus em primeiro lugar. Sempre! São dois anos
como autora e este é o décimo terceiro romance que publico. Então quero
acreditarem tanto em mim e nos meus sonhos, ao meu pai agradeço por betar
esse livro — ainda que ele só quisesse ler antes mesmo. Minhas irmãs e
minha sogra e a todos os outros que torcem por mim.
Letti Oliver, obrigada por ser meu ombro amigo, que ouve as lamúrias
e ri comigo, de desespero, em certos momentos e por achar que meus enredos
sempre merecem o Nobel.
Washington por essa capa linda, Lari e Pry, obrigada pelo material de
divulgação e pelas artes incríveis.
Agradeço as parceiras que me ajudam a mostrar meus livros por aí, que
compram minhas ideias malucas e que com seus olhos brilhantes e
expressões de carinho, despertam em outras pessoas o interesse pelas minhas
Além disso, caso tenha gostado, que tal agora conhecer a história de
Anthony Broussard? Lançada pela minha irmã, Melissa Fidélis e disponível
no kindle unlimited. Garanto que você vai se apaixonar.
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Conheça Outras Obras da Autora
TESEU: O PASSADO SOMBRIO DO CEO
Quando ela descobre que o mesmo destino aguarda Davi e Martina, um casal
de irmãos, ainda bebês, decidi interferir e determinar ela mesma um futuro
muito melhor para as crianças.
Julia Foster é uma mulher determinada a ter o que deseja: uma família e
Tudo isso apenas serviu de material para moldar quem ele é e em cada
um dos momentos difíceis que viveu, Ashton Ray, seu grande amigo, esteve
ao seu lado e a família dele se tornou a sua própria.
Por isso, nada fica fácil quando Josh começa a sentir-se atraído por
Anelyse Ray, a irmã virgem de seu melhor amigo e a garota por quem sempre
jurou sentir apenas afeto fraternal.
Venha descobrir o amor com Josh Nicols e seu Anjo impuro e infernal.
RITMO IMPERFEITO – AMOR & RITMO 3
Os dois então se veem na mesma casa e sem uma solução imediata para
seus problemas. E a única maneira de despistar a família de Azal é criando
um falso noivado, que garanta a ela, além de um lugar para ficar, férias
Cinco anos após a fatídica noite que fez o futuro arquitetado de Robin
ruir, ela tenta sobreviver em meio a dificuldades, cuidando sozinha de seu
filho, Bernardo, e trabalhando em um emprego que odeia, após abandonar o
sonho de abrir a própria doceria.
Decidida de que não há espaço e nem tempo para paixões em sua vida,
a confeiteira faz de tudo para não ser notada, mas o acaso se encarrega de dar
a Robin uma transferência no emprego, que a leva para outra cidade.
E ele, poderá manter seu juízo diante dessa mulher que o tira do sério
com tantas loucuras?
menos que Lorde Gregor MacRae, o libertino mais viril e belo no qual já pôs
os olhos.
Mas então, ela decide se casar e a mera ideia de que todo aquele fogo
indomado estará nos braços de outro homem faz com que o guerreiro
highlander que habita nele, desperte.
O DUQUE E A FUGITIVA - PAIXÕES IMPROVÁVEIS 3