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Copyright © Sara Fidélis, 2021

Todos os direitos reservados.


Preparação: Grazi Reis
Revisão: Grazi Reis
Diagramação: AK Diagramações
Capa: Washington Rodrigues

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Esta obra segue as Normas da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados a autora. São proibidos o armazenamento e/ou a


reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios -
tangível ou intangível – sem o consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário

Notas iniciais

001

002

003

004

005

006

007

008

009

0010

0011

0012
0013

0014

0015

0016

0017

0018

0019

Epílogo

Agradecimentos

Notas finais

Contato

Outras obras
E aqui estamos nós, prontos para mais uma história juntos!

Aqui temos Noah e Cíntia, além de outros personagens que com certeza

vão ganhar seus corações. Os Broussard são uma família, que reside no sul do
nosso país e que vivem da produção das uvas e dos derivados. A história é
leve e divertida e espero que gostem.

A ideia dessa duologia, na qual o outro livro, Anthony, foi escrito pela
minha irmã, surgiu do nada e ganhou meu coração. Foi divertido e muito
gostoso narrar a trajetória de Noah até encontrar o amor e suas loucuras sem
fim.

Espero que se apaixonem por esse enredo, pelo cenário lindo e que, ao

final dele, sintam nos seus corações, que o amor é assim mesmo,
imprevisível, intenso e surge quando menos esperamos.

Um forte abraço,

Sara Fidélis
O dia amanheceu uma hora atrás, e posso ver os raios de sol incidirem
sobre as mesas de madeira, o chão e os balcões, deixando tudo em um tom de
dourado que sempre me faz suspirar.

O pão está assando no forno, e o chiado da panela de pressão indica que


logo o feijão vai estar pronto. Dificilmente tenho muitos clientes para o
almoço, é no jantar que o pequeno restaurante, que está na minha família a
mais de dez anos, fica lotado. Ou ficava, ultimamente o movimento não é
mais o mesmo.

Coloco a placa escrito open para fora, para que vejam que já estamos
atendendo, e volto para trás do balcão, amarrando novamente meu avental na
cintura, mais firme, alisando o tecido em seguida.

O frio já chegou no Sul e, apesar de ainda não estarmos nem perto das
baixas temperaturas que vão nos atingir em breve, prefiro trabalhar com as
portas fechadas.

A cidade é muito pequena, então trabalho com café e pão pela manhã,

sirvo almoço ao meio dia e jantar à noite. A Cantina é o único restaurante da


cidade, o que ajuda, ainda que não seja o bastante para me enriquecer.

Ouço o sinete da porta e ergo os olhos a tempo de ver Marisa passar por
ela, sorrindo enquanto esfrega as mãos, envoltas por grossas luvas de lã.

— Bom dia, Cíntia! Está gelado aí fora. — Ela arruma os cabelos


grisalhos que se bagunçaram um pouco com o vento. — Quero um copo do
seu café pra me aquecer e um cacetinho, com bastante manteiga, por favor.

— Bom dia, prefeita — respondo de volta. — Agora mesmo.

Enquanto preparo o prato, Marisa escolhe uma mesa e se senta em uma


das cadeiras, retirando as luvas.

— E então, Cíntia? Animada com a festa junina?

O assunto sempre eleva meu ânimo, já que é uma época bem agitada
para nós, o comércio recebe muitos turistas e com isso conseguimos suportar
os meses mais parados.

— Muito animada, a previsão é de que muita gente acabe vindo aqui,


mesmo com o hotel fechado. Como vão os preparativos?

Levo o prato e a xícara em uma bandeja e os coloco sobre a mesa.


Marisa arranca uma ponta do pão antes de me fitar com o olhar entristecido.

— Estão me enlouquecendo, mas vai ficar tudo muito lindo. Comprei

aquelas luzes que você adora para enfeitarmos seu jardim, acho que as
pessoas vão amar.

O terreno em que fica o restaurante não é realmente meu, mas minha


mãe, e agora eu, o alugamos tem muitos anos e o dono, um velho milionário
que mora na cidade de Araucária parece até mesmo ter se esquecido de nós.

Durante esse tempo em que o restaurante funciona aqui, já atrasamos o


aluguel algumas vezes e ele nunca nos cobrou, acho que mal se lembra desse
cantinho perdido, então é quase como se fosse meu, e toda a cidade parece

considerar o mesmo.

Marisa ergue os olhos de sua xícara de café, está tão empolgada que
nem nota a migalha de pão no canto de sua boca.

— Vai ficar maravilhoso, Marisa.

— Vou pedir que venham dar um jeito no quintal pra você, capinar
aquela grama que está alta e deixar tudo bem bonito.

Assinto, satisfeita, afinal, desde que perdi mamãe cerca de um ano


atrás, não tenho tido muitas alegrias e praticamente tenho vivido os últimos
meses na expectativa por essa época e pelo trabalho mais pesado, que sempre
me ajuda a não pensar na solidão que venho sentindo.

Era a festa preferida da minha mãe, e todos os anos ela adorava

preparar a decoração e receber os turistas para jantares, cafés e,


principalmente, para nossa tradicional festa junina.

O terreno é imenso, cheio de árvores altas, e termina na beira de um


lago, o que confere um charme ainda mais especial ao ambiente.

— Já estou ansiosa.

— Ah, vai ser perfeito. Já comprei os festões, as luzes já foram testadas


para decorar, e boa parte dos ingredientes para a comida já chegou. Ainda
temos que arrumar tudo, claro, mas vai ser tão lindo como todos os anos.

— O que vai ser lindo? — Olho para trás e encontro George, o nosso
carteiro. — Bom dia, Cíntia, bom dia, prefeita.

— Correspondência pra mim? — pergunto, ansiosa para que cheguem

os lampiões elétricos que comprei para colocar sobre as mesas.

— Não, minha filha. Vim mesmo atrás de um copo de café com leite.
Pode fazer pra mim?

— Claro…

Volto para trás do balcão e coloco o leite para ferver. Despejo o café na
caneca grande enquanto espero.

— Ficaram sabendo da última notícia sobre os Broussard? — ele


pergunta, se referindo ao dono do imóvel que alugo.

— O que houve? — Marisa pergunta, curiosa, e também me atento para


escutar a fofoca.

— Nada de ruim, as pessoas estão dizendo que logo o velho vai passar
de vez a diretoria pro neto, digo, se aposentar pra valer. Pelo menos foi o que
deu a entender em uma entrevista semana passada.

Essa é novidade. Os Broussard são praticamente os donos de Araucária,


uma cidadezinha que fica a cerca de uma hora daqui, mas a verdade é que o
patrimônio deles vai muito além, já que o vinho produzido pela família é

consumido no país todo e exportado também. Mas se tem algo que é de


conhecimento geral é que John Broussard governa tudo pessoalmente,
delegando poucas funções aos filhos e aos netos. Ele dirigiu a empresa com
punho de ferro desde que começou, quando veio de fora do país e fixou

moradia no Brasil.

— Isso é sério? — Marisa também se espanta. — Qual deles? O mais


velho, o gênio ou o arruaceiro?

— O mais velho, claro. Acha que o velho confiaria alguma coisa ao


marginal?

Ela dá de ombros.

— Imaginei que não, mas o tal Michael se formou fora do país, é muito

inteligente pelo que dizem, mas pra mim é tudo boato, não imagino o velho
abrindo mão do seu império de uvas.
As paredes são brancas e impessoais, mas os móveis têm aquele
aspecto de requinte, quando, na verdade, para olhos mais atentos, fica muito
claro que é só aparência. Juntos, não devem valer mais que minha moto.

Meia hora na sala de espera do banco, sentado em uma poltrona preta,

bem desconfortável, esperando para tratar com o gerente sobre um assunto


que não me informaram. Como se eu não tivesse mais o que fazer e fosse um
qualquer.

Como sempre, meu avô inventando uma das suas para me punir. Não
que eu não me exceda em alguns casos, mas porra! Dessa vez eu não tive
culpa.

Levanto para tomar um copo de água pela terceira vez, impaciente,


quando a porta da sala ao lado se abre e o homenzinho atarracado aparece.

— Noah Broussard? — Ele ajeita os óculos sobre o nariz enrugado.

Não deixo de notar o modo como abaixa os olhos, sem ousar me


encarar. É como se minha presença o deixasse nervoso, o que já me faz
pensar que se trata de algo desagradável. Ou talvez ele apenas não goste de
tatuagens.

— O próprio.
— Pode entrar, por aqui, por favor — pede, voltando para sua cadeira
atrás da mesa de madeira.

Entro em sua sala e me sento na poltrona em frente a ele, uma bem


mais macia que a do lado de fora.

— Pode me dizer do que se trata? Como deve saber, não sou muito

paciente com burocracias.

— Claro. Então, o senhor é o neto do senhor Broussard... — O


homenzinho se recosta na cadeira, me fitando com interesse.

— Acho que já sabe a resposta.

— Sim, sim, eu sei. — Ele ergue as mãos em sua defesa. —


Infelizmente, não tenho notícias muito boas — fala, abrindo uma pasta preta
sobre a mesa.

— Então pode ir direto ao ponto.

— Bom, acredito que deve ter notado o problema com seus cartões de
crédito.

Assinto sem dizer nada, já estou irritado desde que passei a merda de
um vexame ontem à noite, sem conseguir pagar a conta do bar.

— Pois bem — continua —, sua conta foi aberta por seu avô, quando o
senhor ainda era menor de idade e foi ele também que concedeu o crédito
para os seus cartões.

— Eu sei dessa merda toda — concordo sem grande interesse. — Mas


e daí? Meu avô não ficou pobre da noite para o dia. O que houve com meu
cartão?

— Não, ele não ficou pobre. — O homem sorri, sem graça. — Mas ao

que parece, o senhor sim.

— Eu? Como assim?

— O senhor Broussard bloqueou seus cartões e congelou sua conta.

— Que porra é essa? Por que ele fez isso?

— Nesse caso, vai precisar falar com ele, Noah. Como foi seu avô
quem abriu a conta, no nome dele, não há nada que possamos fazer sem
autorização.

— E o que eu vou fazer agora?

A expressão dele grita a palavra “trabalhar”, e isso não seria um


problema, não fossem as dívidas altas que fiz. Nenhum emprego que eu possa
arrumar por conta própria vai arcar com as minhas despesas.

— Não posso ajudar, Noah. Mas tenho certeza de que existe algum
motivo por trás disso, seu avô deve ter tido suas razões.
Franzo o cenho ao ouvir o que ele diz.

— Merda… Vou falar com ele.

O gerente aquiesce.

Levanto-me e aperto a mão do homem, que parece um pouco


constrangido com meu vocabulário.

Saio do escritório, totalmente aéreo.

Meu avô e eu nunca fomos exatamente melhores amigos, não como ele
e Anthony, mas ele sempre me deu tudo que o dinheiro podia comprar.
Nunca fomos muito família, mas também não fui privado de nada, até agora.

Alcanço o celular no bolso da calça e disco o número de Anthony, meu


primo, e ele atende no segundo toque.

— E aí, Noah? Não foi preso de novo, né?

Por aí se nota a imagem que minha família tem de mim.

— Não fui, mas devo ter feito uma merda das grandes. Vou ter que
fazer uma viagem não planejada, acredita?

— Viagem, é? O que aconteceu? — ele pergunta, parece interessado,


mas posso ouvir o som do teclado do computador.

Anthony trabalha dia e noite e, se continuar assim, será a cópia do


nosso avô em breve.

— O velho bloqueou minha conta e meus cartões. Que porra eu fiz


dessa vez?

— Não pergunta pra mim, ele não me disse nada. Tem certeza de que
não foi preso?

— Tenho, merda. Por que fica falando como se isso sempre


acontecesse? Foi só uma vez e nem foi culpa minha.

A garota era um pecado, gostosa pra caralho e ficou dando mole. A


safada só esqueceu de avisar que o namorado tinha dois metros de altura e
também estava na festa.

Aí, claro, a culpa foi minha por pegar as garrafas do bar e quebrar na
cabeça dele, mas que porra eu ia fazer? O cara tinha o dobro do meu
tamanho, no soco eu ia me ferrar.

— Claro que não. Te fotografaram cheirando pó? Não seria a primeira


vez.

Hesito por um instante. Fazia tempo que eu não ia pra uma festa assim
e não sou um viciado, só uso as vezes pra curtir com os caras.

— Acho que não foi isso…

— Então não sei. Vai pra Araucária?


Bufo, com raiva.

— Tenho outra opção?

— Deixa de ser turrão, Noah. Conversa com o velho, escuta o sermão e


pede desculpas pelo que for.

— Eu vou tentar, mas primeiro preciso descobrir o que deixou ele tão

puto.

A verdade é que nem mesmo sei o motivo e como não sou bom em
pedir desculpas, fica pior ainda.

Meu avô veio dos Estados Unidos para o Brasil ainda muito jovem,
conheceu minha avó, se apaixonaram e se casaram, e ele decidiu ficar.
Naquela época ninguém além de John imaginava que as plantações de uva
virariam aquela vinícola e que o vinho Del Broussard seria conhecido em
todo canto.

Mas o cara era focado, não desistiu até enriquecer com isso. Não
desistiu quando minha avó morreu, mas perdeu um pouco o ânimo, deixou a
grande São Paulo para trás, delegou algumas funções para Anthony e se
enfurnou em Araucária, no interior do Rio Grande do Sul, onde fica a fazenda
Santa Inês e a vinícola Del Broussard.

Ele não me deserdou quando roubei o jatinho do amigo dele e fui pro
Rio com dois amigos, nem quando dei um perdido nas roupas da minha
prima Linda, enquanto a boneca nadava pelada.

Aguentou firme as matérias nos jornais, falando da prisão e das drogas


e me perdoou por embebedar e depois filmar o padre, que foi benzer nossas
uvas. Não sei nem se Deus me perdoou, mas meu avô acabou esquecendo.
Depois de tanta merda que fiz, não consigo imaginar o que posso ter feito

dessa vez pra que ele tomasse essa atitude.

Dirijo para a casa rapidamente, costurando no trânsito e me esforçando


para chegar o quanto antes. Não quero perder muito tempo, então junto
algumas roupas na mochila e coloco nas costas, antes de pegar o capacete
outra vez e sair para a garagem.

Coloco a chave na minha BMW e só então me dou conta da dura


realidade.

Não tenho como abastecer.

Ligo outra vez pro Anthony, torcendo para que meu avô não tenha
chegado antes e proibido ele de me ajudar.

— Que foi agora, Noah? — ele atende, amistoso.

— Como vou abastecer sem o cartão? Me empresta algum dinheiro.

— E vou mandar pra que conta, se a sua foi bloqueada?


Merda.

— Não tem um amigo aí perto pra quem eu possa transferir? —


pergunta.

Então uma luz se acende na minha cabeça sem um único miolo intacto.

— Vou no posto de gasolina e peço a conta deles… Acho que não vão

recusar um favor pra mim. Só não pode enrolar.

— Tá bom, mas vê se resolve sua vida porque ter que ficar entre você e
o John é um saco.

Encerro a ligação e subo na moto, determinado a chegar em Araucária


ainda hoje, mesmo que eu acorde meu avô às três da manhã.

A ideia de o arrancar da cama me faz sorrir. Ele vai ficar furioso e isso
é bom, porque eu estou irado.

Apesar do constrangimento com a transferência, no fim tudo dá certo e

pego a estrada para Araucária pouco depois das oito da noite.

A jaqueta de couro é forrada e me aquece um pouco, ao menos o


necessário pra não morrer congelado na estrada, mas ainda assim sinto um
frio da porra.

Andar de moto tem suas vantagens. Evita o trânsito e é bem mais


rápido, mas a desvantagem é essa, congela até os ossos quando faz frio, e se
chover… aí a merda está completa.

A estrada está bem vazia, então acelero a quase duzentos por hora e,
por mais que sinta o vento cortando a pele exposta do meu pescoço, não
demoro tanto a chegar.

A casa de John fica afastada da cidade, no topo de uma colina e abaixo

dela, suas preciosas uvas. Da varanda do seu quarto o homem tem vista para
tudo isso, inclusive para a estrutura gigantesca da vinícola.

Subo o morro com o farol iluminando o caminho. As luzes da casa


grande estão apagadas, o que indica que com certeza ele já foi dormir.

Abro o portão lateral, que é fechado apenas com uma corrente que o
segura, e entro com a moto para o quintal, nos fundos da mansão.

O barulho alto do motor, na paz e calmaria que cercam a casa, é demais


para que alguém se mantenha dormindo. A luz da varanda do caseiro está

acesa e pouco depois, ele e a esposa, Mila saem para o quintal, o homem
trazendo uma espingarda na mão.

— Quem está aí?

— Sou só eu, o Noah.

— Noah? — dona Mila também deixa a casa e me olha de frente. —


Menino, por que não avisou que vinha?
Abro um sorriso ao ouvir o tratamento. Tenho vinte e seis anos, mas
pra ela sempre vou ser um menino.

— Quis fazer uma surpresa. O vovô está dormindo?

— Claro. Vou pegar a chave da cozinha pra você entrar, mas deixa pra
conversar com ele de manhã… Sabe como ele fica quando o acordam.

— Bah, se sei. Claro que sei.


Dezenas de papéis estão espalhados sobre a mesa, listas e mais listas de
coisas a fazer para a decoração do restaurante.
Todos os anos nessa época acendemos a lareira mais cedo, colocamos
marshmallows no cardápio e aumentamos os pedidos de vinho. Mas o que

realmente traz tanta gente a Rio Dourado, para o inverno, é nossa famosa
festa junina. E, para que tudo saia conforme o planejado, os enfeites são
essenciais.

Pode ser, que com o fechamento do hotel que havia na cidade, as

pessoas acabem não vindo como o esperado, mas tenho tentado manter o
pensamento positivo.

— Salém! Vem aqui com a mamãe… — Procuro meu gato sob a mesa
da cozinha e o encontro deitado confortavelmente em cima das minhas
pantufas.

Deixo as listas para depois e o pego no colo, colocando-o sobre minha


cama, no apartamento que fica sobre a Cantina e que tem um quarto — que
faz as vezes de sala de televisão também — e uma pequena cozinha, além do

banheiro. Depois alcanço a caixa que está em cima do armário, me apoiando


nas pontas dos pés. É o único local que tenho para guardar as decorações dos
anos anteriores, já que não tenho muito espaço.

Retiro de dentro da caixa algumas luzes e bandeirolas desbotadas, que


não vão servir mais, e tomo o cuidado de desembaraçar tudo, antes de
descartar ou guardar de volta na caixa.
Salém ronrona, subindo nas minhas pernas em busca de atenção, e faço
um carinho em sua cabecinha peluda. O ano não foi nada fácil para nós, mas

acabamos por encontrar um jeito de seguir juntos depois que minha mãe
faleceu.

— Vamos descer? A Jeniffer precisa ir pra casa.

Outra vez pego meu gatinho nos braços, mas agora o coloco dentro da
caixa, em cima das decorações.

Desço as escadas cantarolando enquanto ele me encara com aquele ar


de julgamento. Ao entrar no restaurante no andar de baixo, coloco Salém
sobre sua almofada no chão e assumo meu posto, atrás do balcão.

— Obrigada por ficar aqui, Jeni. Pode ir agora, se quiser.

Jeniffer sorri e me olha, meio de lado.

— Graças a Deus a festa está chegando, a animação vai ser boa pra

todos nós e você vai precisar de mim aqui o dia todo.

Concordo com um gesto de cabeça.

— Período integral, um pagamento mais gordinho... Posso entender por


que está tão empolgada — brinco.

— Pagamento mais gordinho significa um novo par de botas, Cíntia.


Quero uma daquelas que vai até o meio da coxa, amanhã já fico aqui desde
cedo até a noite.

— Eu adoro essa época, você sabe. Sou quase um esquimó, por mim
seria inverno o ano todo. As roupas, as botas, as comidas…

Jeni ri, mas não discorda, afinal eu sou mesmo a doida do inverno nessa
cidade. Bolachas, chocolate quente, chás, caldos, meias tricotadas à mão,

cachecóis e tudo que envolve a época, tem minha assinatura.

Ouço o ronco estridente de uma moto e um estalo alto. Levo a mão ao


peito, assustada. Será um acidente?

Mas, antes que possa sair correndo para verificar, a moto estaciona em
frente ao restaurante e um homem que não consigo ver bem através da porta
fechada, desce.

Jeni e eu ficamos em silêncio, aguardando o recém-chegado.

O homem entra no restaurante e caminha confiante até o balcão, óculos

escuros, uma jaqueta de couro justa nos ombros largos e um perfume que se
espalha pelo local.

Nunca o vi por aqui e, com certeza, ele não é do tipo que se esquece
com facilidade.

— Um expresso — diz apenas, a voz autoritária, parecendo irritado.

Não diz boa tarde e não me oferece um sorriso sequer.


— Me desculpe, não tenho expresso — respondo e, como ele não diz
nada, ofereço: — Uma xícara de café coado?

— Não. Pode ser um latte gelado, então.

Jeni desvia os olhos para o chão. Não era para ser algo constrangedor,
mas o modo arrogante com que ele fala, deixa tudo mais esquisito e quase me

sinto mal por não ter as bebidas que ele quer.

— Também não temos. Não trabalho com máquina de café, apenas café
coado, mas posso colocar leite no seu, caso prefira.

— Café preto, puro.

Ele me dá as costas, e ergo as sobrancelhas para não dizer nada. Que


homem mal-educado!

Encho a xícara de café e fito Jeni, que me encara com os olhos


arregalados.

— Era para viagem, mas tudo bem, agora que já colocou na xícara —
ele resmunga.

Minha expressão se fecha, afinal até minha paciência tem limites.

— O senhor não disse que era pra viagem.

Ele estende a mão para pegar a xícara e posso ver as tatuagens que a
cobrem até o pulso; a jaqueta esconde o resto, mas chego a imaginar que
continuem até bem mais em cima.

— E você, como atendente, não perguntou.

Abro a boca, completamente surpresa com tamanha falta de educação.

— Sinto muito — respondo, cruzando os braços para demonstrar que

não sinto é nada.

— Então aqui é o restaurante da Címber? — pergunta, dando alguns


passos para trás, como se analisasse o lugar.

Estreito os olhos, tentando entender porque ele sabe meu nome — ou


quase isso — e o motivo do interesse.

— Quem quer saber?

O mal-educado abre um sorriso cínico, meio de lado. Isso o deixa ainda


mais bonito e muito mais arrogante, se é que é possível.

— Imagino que você seja a Címber — repete o nome inusitado. —


Sabe que pensei que fosse um restaurante de verdade? — comenta, dando
uma volta pelo lugar e observando os detalhes, as mesas e até os enfeites
sobre elas. — Mas está mais pra uma vendinha daquelas de esquina. Você
serve café, almoço e jantar. Vende cachaça e balinhas também?

Babaca. Não respondo, porque se eu disser a verdade, vou ter de


admitir que, sim, tenho uma cachaça bastante procurada e balas macias que as
crianças sempre compram aqui.

— Moço, o senhor não pagou o café. — Crispo os dentes ao falar,


demonstrando que já é hora de ir.

— Ah! — Ele se vira, retirando a carteira do bolso. — Achei que fosse

por conta da casa.

Quê? Sorrio tentando parecer uma estátua, mas nem questiono o


absurdo que ele diz.

— E quanto é? — O indecente arranca uma nota de cem reais e me


estende.

Esse ridículo.

— Quer saber? É por conta da casa mesmo. Pode ir, passe muito bem.

O babaca retira os óculos escuros e vejo seus olhos escuros e o piercing

na ponta do nariz, que, por sinal, combina muito com seu estilo “rebelde sem
causa”.

— Então, obrigado. Depois eu volto — completa. — Vou arrumar um


lugar para dormir e venho mais tarde pra conversarmos.

Vejo-o sair pela porta e subir na moto, saindo em seguida na mesma


velocidade absurda que chegou.
— O que foi isso? — Jeni pergunta, tão chocada quanto eu.

— Um imbecil?

— Um imbecil muito gato, você quer dizer. E o que foi aquele olhar no
final? Estou sentindo calor só de ver a interação entre vocês. Quanta química!

— Ficou doida? Nunca vi um homem tão grosseiro na minha vida.

Mal-educado! Viu como falou do restaurante? E me chamando de Címber.

— Ver eu vi, mas você viu os braços dele?

Dou de ombros.

— Embaixo da jaqueta? Não vi nada demais.

— Ah, é? E onde é que você vê isso por aqui? Um gato daqueles, todo
tatuado e com aquele sorriso diabólico — comenta, gargalhando.

— Assisto muito nos filmes. — Acabo rindo junto.

— E eles sempre começam assim… — Jeni suspira, toda boba. — Um


bad-boy amargurado e a moça boazinha. Você é a boazinha, caso não esteja
acompanhando o raciocínio.

— Tá bom. E aí o homem passa de moto para comprar um café, ofende


ela e seu negócio e depois se apaixona e decide mudar por amor? Meio
controverso.
— Ah, me deixa sonhar. Coisa chata! Ele disse que ia voltar pra
conversar, não disse? Aí que vai rolar aquela faísca.

— Verdade — respondo, aturdida. Só então me dando conta do que ele


falou. — O que esse esquisito quer falar comigo?

— É o amor, amiga. Eu disse…

Meneio a cabeça, achando graça de seus comentários românticos, e


volto para a cozinha, tentando tirar o incidente estranho da cabeça.

— Vai ficar um tempo aí? Se for, vou assar uma cuca enquanto você
vigia aí na frente — pergunto já caminhando para dentro —, sempre pode
aparecer um doido.

UM POUCO ANTES…

Entro no casarão do meu avô tomando o cuidado de fazer bastante


barulho. Quanto antes ele acordar, melhor.
Subo as escadas batendo os pés em cada degrau e assobiando uma
música o mais alto que posso; antes mesmo de chegar ao topo da escadaria,

John Broussard em pessoa surge diante de mim, sem disfarçar a irritação.

— Não podia ter vindo mais cedo? Ou amanhã, Noah?

Abro um sorrisão e corro para abraçá-lo, porque isso só o deixa ainda

mais nervoso.

— Claro que não. O senhor chama, e eu venho na mesma hora.

— Não te chamei aqui — retruco, me afastando com um safanão.

— Bloqueou minha conta e meus cartões, o que é a mesma coisa.

Dessa vez ele sorri minimamente, mas é o suficiente para que eu saiba
o quanto está se divertindo às minhas custas.

— Então já soube. E como foi que descobriu? Fez compras e o cartão


foi rejeitado? Chamou umas garotas de luxo e não teve como pagar? — o

velho provoca.

Suspiro, relembrando a situação constrangedora.

— Não foi nada tão dramático. Estava em um bar, bebendo com meus
amigos e não pude pagar a conta.

— Podia ser pior — concorda, quase desapontado, enquanto amarra o


robe de seda na cintura, sobre o pijama.

Ele segue para o quarto, arrastando as calças de flanela atrás de si, e


isso me parece engraçado.

Antes de se enfurnar em Araucária, vovô estava sempre de terno e


gravata, mas aqui faz frio pra cacete e ele precisou ceder e passar a usar

roupas mais apropriadas.

— E o que foi que fiz? Ainda não entendi porque o senhor tirou meu
dinheiro.

John para no umbral da porta e se vira, me encarando com um olhar


meio triste.

— Já tentei todas as opções com você, Noah, mas nada deu certo até
agora. Então precisei ser mais determinado.

— De que por… Porcaria! — corrijo ao ver o olhar gélido dele. — De

que porcaria o senhor está falando?

— Vou mostrar. — Ele entra no quarto e caminha até a gaveta da mesa


de cabeceira, ao lado da cama enorme em que John dorme sozinho.

Abrindo, pega um envelope pardo de dentro dela e retorna com ele para
perto de mim. Sinto um arrepio de premonição. Sempre que John atira um
desses envelopes na minha cara, a caixa de pandora é aberta e encontro
minhas piores vergonhas.

— Essa foi possivelmente a pior coisa que você podia ter feito, Noah.

Pego o envelope das mãos do velho e retiro as fotos de dentro dele.

Encontro uma sequência de nudes. Fotos minhas em vários ângulos,


deitado na areia da praia, levemente alcoolizado e completamente despido.

— Vô, eu embebedei o padre que veio benzer a vinícola, com certeza


isso foi pior.

— Dá uma olhadinha na última foto.

Passo as imagens, procurando pelo que ele mencionou, mas apenas


encontro mais uma foto minha. Nessa estou abraçado com um cachorro de
rua.

— Dormi de conchinha com um cão sarnento. Tudo bem que é


constrangedor, mas provavelmente estava frio.

— Provavelmente? — ele bufa, irado. — Você nem se lembra.

Suspiro, também começando a me irritar.

Eu estava muito doido naquele dia. Fui à praia com outras seis pessoas,
mas nenhuma delas aparece nas fotos, então com certeza é esperar demais
que, se não me recordo de terem ido embora, eu vá me lembrar do clima.
— Do jeito que o senhor está falando e agindo, pensei que estivesse
pelado com a mulher de alguém importante, ou sei lá, algo pior.

— Mas foi pior, seu irresponsável! Fui ameaçado por um jornalista e a


matéria que ele vai publicar, diz que você é adepto de zoofilia.

Abro os olhos, finalmente entendendo a sugestão.

— Que porra é essa? Ele está achando que eu… Fiz sacanagem com o
cachorrinho?

— Ele sabe que não foi isso, Noah. Mas quantas vezes preciso dizer
que sempre tem gente querendo derrubar nossa família? E você só piora tudo!
Não importa o que o homem acha, mas o que ele vai dizer.

— Mas que merda! Isso é calúnia. Contra mim e o cachorro, que não
fez nada de errado. Quanto o senhor teve que dar pra ele ficar quieto? Vou
dar uma surra nesse desgraçado.

— Não tive que dar nada, Noah. A matéria vai ao ar pela manhã.

— O quê?! Como o senhor pôde fazer isso comigo? Por que não
pagou?

A revolta que sinto agora é inexplicável. Meu próprio avô me


obrigando a passar por uma humilhação como essa.

— Você foi quem fez isso e agora vai arcar com as consequências.
Encaro as fotos outra vez, furioso, e as atiro no chão.

— E ainda tirou meu dinheiro! Como vou viajar e me esconder agora?


Preciso sumir até a fofoca desaparecer.

Ele caminha até a cama e se senta nela, retirando os sapatos como se


planejasse voltar a dormir.

— Você vai se esconder na cidade aqui ao lado, em Rio Dourado. Vou


dizer exatamente o que vai fazer, Noah, e, se quiser ter seu dinheiro e sua
vida de volta, vai ter que me surpreender com seu potencial, meu filho. Ou
então não precisa nem aparecer na minha frente mais.

— Vô… Por favor! — suplico. Só não me ajoelho porque sei que ele
odeia quem implora. — O senhor ainda pode ligar pro cara, pedir que não
publique a matéria, e eu faço o que quiser.

— Não. — John se deita e ajeita o travesseiro sob a cabeça,

calmamente. — Eu tenho um imóvel em Rio Dourado, onde funciona um


restaurante. Era de uma senhora, mas a filha assumiu depois que a mulher
faleceu. Essa vai ser a única coisa que vai ter de mim por enquanto, até me
provar do que é capaz.

— Um restaurante?

— Não, Noah. O restaurante é da moça, que se chama Címber, ou algo


assim, o que você está recebendo de mim é o imóvel e te dou autonomia para
fazer o que quiser dele.

— Mas se é um restaurante, o que eu vou fazer?

— Ou você despeja a moça — ele fecha os olhos —, tira o restaurante


de lá e faz outra coisa, ou sobrevive com o valor do aluguel do cômodo.

Claro que não é o suficiente para as suas extravagâncias, mas vai dar pra
comer.

— E eu vou fazer o que, se despejar a moça? Vou vender meu corpo no


imóvel vazio? Porque se não tenho dinheiro, nem móveis, nem nada… Mas é
bem capaz!!!

— O que vai fazer lá é por sua conta — responde, indiferente. —


Negocie, compre, venda, não sei! Faça o que qualquer outro Broussard faria,
qualquer um com um pouco de tino para os negócios e bom senso! Sempre

pode vender sua moto — sugere, demoníaco.

Merda.
É no espírito de fúria cega que pego a estrada na manhã seguinte, no

domingo bem cedo. Não consegui nem mesmo pensar em uma alternativa
para a minha situação ou no que poderia fazer com o tal cômodo.

Não aceitei o café que me foi oferecido na fazenda — um


arrependimento que começo a ter logo depois de sair —, e o único dinheiro

de que disponho é uma nota de cem reais que meu avô me deu, alertando que
deve durar até que eu consiga me virar sozinho, ou vou passar fome. É mole?

Avisto a placa do tal restaurante pouco depois de entrar na cidadezinha,


piso no freio ao ver o estabelecimento, e os pneus cantam enquanto estaciono
diante dele.

Uma moça extremamente educada e desarrumada na mesma proporção


me atende. Ela está usando um suéter de lã e meias roxas também de lã, com
chinelos.

Vai adorar as pessoas em Rio Dourado, guri — meu avô disse, antes
que eu deixasse a fazenda.

O caralho que vou. Não tem a porra de um café expresso na cidade e a


atendente não pergunta nada direito. Além disso, não tenho a menor ideia de
como vou dizer a ela que o dono do lugar agora sou eu e me virar com
oitocentos reais por mês.
Volto para a moto cuspindo marimbondos. Não é culpa dela na
verdade, meu avô, a cidade e a propriedade já surtiram o efeito esperado: me

deixaram puto. E ser obrigado a ficar em um lugar que não tem uma boate,
um bar decente ou mesmo café expresso, é o cúmulo.

Subo a colina íngreme que leva à única pousada da cidade, disposto a


deixar minhas coisas e só depois voltar e ter uma conversa séria com a dona

do restaurante.

Uma mulher de meia idade, usando bobs nos cabelos e um vestido


muito florido atende a porta, me dirigindo um olhar de cautela.

— Pois não?

— Aqui é uma pousada? — pergunto, dando uma olhada na fachada do


lugar.

Não vejo um balcão ou uma placa, então posso ter me enganado.

— Sim, senhor. Precisa de um quarto?

— Preciso. Tem uma suíte disponível?

A mulher aumenta o sorriso.

— Tenho! Meu melhor quarto.

Isso também deve significar que é o mais caro.


— E quanto é? — faço a pergunta que nunca pensei em fazer na vida.

Nunca me importei com os valores, porque tudo estava dentro do meu


orçamento. Mas agora, para cogitar a diária em uma espelunca como essa,
preciso saber o preço.

— A suíte é cento e cinquenta reais por noite.

Afirmo com um gesto, como se não fosse muito além do que posso
pagar agora.

— E o quarto mais simples?

— Ah, esse é oitenta.

Agradeço e subo na moto outra vez. Onde já se viu? Cobrar oitenta


reais por uma cama? É meu dinheiro para o mês todo!

As coisas são muito incoerentes. Oitenta reais por uma noite em um


quarto sem banheiro e oitocentos reais por mês em um imóvel grande como o

do restaurante, com um pequeno apartamento em cima e um quintal gigante,


pelo que John descreveu. Não faz o menor sentido. Nunca entendi de
imóveis, mas algo me diz que o restaurante foi alugado quase de graça.

Decido que o jeito vai ser voltar para me encontrar com Címber, o que
me faz pensar na primeira impressão que passei a dona do lugar. Eu teria sido
mais gentil se soubesse que precisaria pedir um favor e não apenas mandar e
assistir enquanto ela obedecia.
Enrolo a tarde toda, vagando pela cidadezinha e os arredores, de moto,
esperando que o restaurante feche, para que eu possa aparecer e dar o golpe
fatal.

Imagino que talvez um pedido de desculpas seja o suficiente, na


verdade, estou torcendo para que seja, porque depois de pegar a estrada de
manhã e passar a tarde na rua com apenas um pacote de bolachas que
comprei em um mercadinho, estou faminto e muito cansado.

Quando a noite cai, desço com a moto para a entrada do restaurante e,


para minha sorte, por ser domingo, a Cantina não demora a esvaziar. Passa
pouco das nove da noite quando o último cliente sai e eu entro, antes que a
dona tranque a porta.

Címber está inclinada sobre uma das mesas, esfregando alguma


mancha que não consigo ver daqui, mas ergue o rosto ao ouvir o barulho da
porta se abrindo.

— O senhor voltou — cumprimenta, parecendo desanimada.

Geralmente não é a reação que causo nas mulheres, e isso me deixa um


pouco hesitante. Eu entenderia que estivesse brava e entenderia se sorrisse,
esquecendo o probleminha de mais cedo, mas desânimo não me deixa muito
confiante.

— Não é que voltei? — respondo, tentando encontrar a melhor


estratégia para lidar com a moça. — Sabe que acho que começamos com o pé
esquerdo?

— Acha é? Por que será?

Ofereço a ela meu melhor sorriso, um pouco ensaiado talvez, mas


sempre infalível.

— Fui meio babaca, vamos concordar nisso. Eu não devia ter sido mal-

educado, estava irritado com outras coisas e descontei em você.

Ela me dá as costas e volta a se concentrar na limpeza, mas ouço sua


voz claramente.

— E agora está sendo gentil até demais, o que me deixa desconfiada.

O sorriso que diz: sou um bom moço, mas sei ser cafajeste se você
quiser, não parece estar funcionando.

— Sabe que achei tri massa seu restaurante? — comento, dando uma
olhada mais demorada no lugar.

— Achou tri massa? Mais cedo disse que parecia uma vendinha de
esquina.

— Mas de um jeito bom. Uma venda bonita, grande e... eu disse


bonita? É aconchegante, como estar em casa! Uma casa um pouco mais
simples e rústica — digo, encontrando uma descrição bem próxima da
verdade.
— Tá bom. — Címber abandona a esponja cheia de sabão e cruza os
braços, me olhando de frente.

— O que você quer?

—É Címber, certo?

— É Cíntiaaaa — ela fala, dando ênfase ao nome —, não sei de onde

tirou esse Címber.

Prefiro não contar que foi o nome que meu avô me disse, pareceria
descaso considerando que, pelo que John disse, ela e a mãe alugam o imóvel
tem um bom tempo.

— Bom, Cíntia... Meu nome é Noah Broussard, imagino que reconheça


meu sobrenome.

A garota arregala os olhos e abre a boca para dizer alguma coisa, em


seguida a fecha outra vez.

— Conhece? — insisto.

— Claro que sim, seu avô é o proprietário desse lugar. E da cidade


vizinha — completa.

Acho graça no comentário dela, não é exatamente verdade, mas não


está muito longe disso.
— Estamos em uma situação complicada aqui, Cíntia. Meu avô decidiu
me dar esse imóvel, então a partir de agora você irá pagar o aluguel para

mim, até que eu decida o que fazer com o lugar.

Cíntia se aproxima um pouco mais, parecendo bem ameaçadora para


alguém da sua estatura. Os cabelos escuros são jogados de um lado para o
outro, enquanto ela fixa os olhos pretos em mim, de maneira nada gentil.

— Fazer? Quer que eu saia daqui? — Isso parece deixá-la apavorada,


mas também irritada, e a verdade é que não tenho ideia do que fazer com esse
cômodo.

— Por enquanto não. Não tenho a menor noção do que fazer aqui,
então vou precisar me virar com o aluguel.

— Se virar? Mas seu avô...

— Pois é. Chame de lição, castigo, ensinamento ou como quiser, mas o

velho cortou todo meu dinheiro e me mandou pra esse fim de mundo, e
minha única fonte de sobrevivência é esse imóvel.

— O aluguel não é muito...

— Não é muito? Capaz... Essa porra não paga nem meu almoço pro
mês!

Vejo-a revirando os olhos pra mim.


— Não exagere. A menos que você coma picanha no almoço e no
jantar todos os dias, oitocentos reais são mais que o suficiente pra você

sobreviver.

— É mesmo? Me diz como vou pagar um aluguel, comer, pagar água,


luz e essas coisas todas? Como vou sair pra beber e comprar minhas coisas?
Porque a moça da pousada disse que custa oitenta reais por noite, no pior

quarto dela. Então em dez dias esse valor já teria ido embora e a comida nem
está inclusa.

— Acho que a ideia do seu avô é que você não saia com seus amigos e
não compre nada. É para viver com o básico, entende?

— Não dá nem para o básico — retruco.

Ela parece não discordar, porque, convenhamos, não é nem um salário


mínimo!

— E o que quer que eu faça? Sinto muito, mas foi seu avô quem
definiu o valor do aluguel e o seu castigo, não tenho nada a ver com isso.

— Não posso chegar aqui e simplesmente te expulsar do lugar.

Os olhos dela se abrem ainda mais, se é que isso é possível, e ela franze
o cenho, como se eu fosse louco.

— Claro que não, é proibido por lei! — Suas bochechas ficam


avermelhadas de raiva e ela até que fica bem bonita assim.

Na verdade, dando uma boa olhada, ela é bonita, e a blusa de lã se


ajusta aos seus seios perfeitamente, ainda que os chinelos com meias não
sejam muito atraentes. Gostosa, com certeza, mas não é o assunto do
momento.

— Eu sei. Pode ter certeza de que li as leis sobre locação pra saber se
eu podia fazer isso.

Ela escancara a boca, ainda mais indignada, mas, antes que comece a
retrucar, continuo minha história e comunico a ela minha decisão.

— Não posso dormir na rua, principalmente tendo um imóvel desse


tamanho. Então, vou dormir aqui por uns tempos.

Estranhamente a risada aguda que Cíntia me oferece não parece um


bom indício.

— Ah não vai mesmo! Eu durmo aqui, moro em cima do restaurante,


não tem lugar pra você.

— Eu posso dormir aqui embaixo mesmo, aí atrás do balcão. Olha só,


estou me contentando com o aluguel por enquanto, mas posso mudar de
ideia. Não acha melhor ser um pouco mais legal comigo?

— Eu só estou retribuindo a sua falta de educação — alfineta, me


lembrando da minha atitude pouco civilizada.

— Tanto faz — respondo, cansado dessa discussão. — Vou dormir


aqui então. Acha que rola descolar um prato de comida pra mim no almoço e
um à noite?

— Não acha que é muito folgado? Agora tenho filho desse tamanho?

— Não, mas... É bíblico, e você tem cara de religiosa. Não se nega um


prato de comida nem ao seu maior inimigo, disse Jesus.

— Acho que não foi bem o que Ele disse.

— Interpretação de texto, guria.

— Você não é bem um necessitado, senhor Broussard.

Suspiro pesadamente, começando a me irritar com essa garota, que leva


tudo no sentido literal da coisa.

— Mas que barbaridade! Olha só, Cintia, você não gosta de mim, já
entendi... Também não é como se eu gostasse de gente azeda como você, mas
somos obrigados a conviver.

— Em primeiro lugar, eu sou gente azeda? Eu sou muito agradável, só


que você ficou me destratando e ofendendo meu restaurante, que por sinal é
muito famoso na região, e agora quer dormir aqui. Pra mim, azedo é você.
Como uma bergamota verde. E, em segundo lugar, não sou obrigada a nada,
não fui eu que perdi meu dinheiro todo.

— Mas é você quem vai ter que ir para o olho da rua e abrir o
restaurante, tão famoso, em outro lugar, se não chegarmos em um acordo.

— Nem sei se você está dizendo a verdade! Como vou saber que é
quem diz ser?

Tiro a carteira do bolso, pacientemente, e mostro minha identidade a


ela.

— Viu? Noah Broussard.

Ela só falta bater o pé no chão, como uma criança birrenta, mas no fim
das contas, me dá as costas e começa a subir as escadas.

— Cíntia? Temos um acordo? — pergunto, depois de vê-la sumir no


apartamento acima de mim.

Minha resposta demora alguns instantes, mas vem em forma de um

travesseiro e um cobertor velho, atirados sobre minha cabeça.


Acordar não foi fácil. Não depois de levar horas para conseguir
adormecer com um estranho sob meu teto. Claro que tranquei a porta do
apartamento e tomei o cuidado de arrastar a cômoda para escorar também,
como um reforço caso ele se mostrasse um doido no meio da noite.

Ainda assim foi difícil adormecer e, por isso, quase impossível acordar
depois de descansar tão pouco.

Desço as escadas para o andar de baixo e encontro Jeniffer, que já tem


uma cuia de chimarrão na mão e está analisando o semblante adormecido do
babaca, bem de perto. A expressão dela oscila entre fascinada e surpresa.

Ele realmente dormiu sob o balcão e usou um cobertor como colchão, o


que me deixa com uma pontinha de pena, ao vê-lo coberto pela jaqueta de
couro. Entro na cozinha, sem dizer nada, mas quando me vê, Jeni caminha até

onde estou, pé ante pé.

— Amiga, o que aconteceu? Eu falei da química inegável, mas não


pensei que fosse transar com o cara já assim, de primeira!

Ofereço meu olhar ferino a ela, que apenas dá de ombros e volta a


tomar seu chimarrão.

— Que transar o quê, tá doida? Ele só... — Me calo ao perceber que o


bonito já acordou e está sentado sobre o cobertor agora, nos encarando e
segurando o riso.

— Bom dia, senhor Broussard.

— Bom dia, gata! Foi sensacional.

— Quê? — Mal consigo acreditar na cara de pau dele, mas Jeni parece

estar levando muito a sério, considerando a boca aberta e a expressão de


choque.

— Nossa... — Ele se levanta, caminha até onde estamos e apoia a mão


na base da minha coluna com muita intimidade. — Você só com esse avental,
vou te dizer... Foi quente pra caralho.

Fico tão surpresa com o comentário malicioso que demoro tempo


demais para me recuperar, e o doido — porque só pode ser doido —
aproveita o momento e me dá um beijo estalado na boca. Na boca!

Jeniffer engasga e quase engole a bomba do chimarrão e a situação


absurda parece finalmente ser registrada pelo meu cérebro. Eu o afasto com
um empurrão e começo uma sequência de tapas nas costas da minha amiga,
para que ela consiga se recuperar do susto.

— Não escuta ele, Jeni. É um idiota, não aconteceu nada.

— Mas e a história do avental?


— Fala sério. Acha que eu ia fazer essa cafonice?

— Mas... — Ela busca o fôlego. — Então o que ele tá fazendo aqui?

— Ele é o dono do imóvel. Neto do senhor Broussard e simplesmente


decidiu tomar posse do lugar, sem mais nem menos.

— Ele vai te expulsar? — Jeni o encara, como se agora o visse como o

próprio demônio, que ele é.

Estreito os olhos na direção do abusado e cruzo os braços.

— Não vai, não. Ele parece ser um pouco idiota, mas nem tanto...
Imagino que seja por isso que está de castigo.

Ouço a risada dele, mas não abro a cara.

— Eu poderia te expulsar — comenta, ameaçando.

— Não poderia. Você já não tinha chances, mas agora me assediou na

frente de uma testemunha. Acho que as coisas se complicaram, senhor


Broussard, então pegue aquele seu trambolho que estacionou aí na frente e dê
o fora.

Jeni ergue as mãos antes que ele retruque, o que claramente pretende
fazer.

— Espera aí, você disse Broussard? Como os de Araucária?


— É, o imóvel é deles, você sabe disso...

— É mesmo! Que legal! Então é como se fosse parte da nossa realeza,


ou algo assim.

— Isso mesmo, amor — ele se intromete —, sou um príncipe


encantado.

— Um príncipe que não tem um centavo além do dinheiro do aluguel


daqui — lembro a ele —, e como a única coisa que tem, é o imóvel e a moto,
teve que dormir no chão do restaurante.

— Isso não faz o menor sentido, o avô dele dorme em uma cama feita
de dinheiro e fez um pacto com o capeta — Jeni sussurra, como se Noah não
estivesse ouvindo tudo.

— Parece um tipo de teste, algo assim. Ele deve ter aprontado alguma
coisa bem feia — explico, com o que me foi informado.

Jeni abre os olhos, como se estivesse assustada de repente.

— Espera. Esse é o Anthony? Não, né?

— Que Anthony? — Se tem uma coisa para a qual nunca me atentei, é


a linhagem de John Broussard. Sei que são alguns filhos, uns netos com
nomes nada brasileiros, já que o velho não nasceu no Brasil e escolheu os
nomes dos netos — quem faz isso? — e absolutamente nada que me
interesse.

— O neto sério e trabalhador — ela explica, olhando-o de cima a baixo.


— Não acho que seja... Então ele... Ah merda, não vai dizer que ele é o
Noah?

— Melhor não dizer?

Olho de um para o outro, tentando entender qual o problema com o


nome do babaca.

— Sou eu, o próprio — Noah revela, abrindo os braços como se


estivesse em um espetáculo.

— Amiga! Cadê o Salém? — Jeni questiona, indo de um assunto ao


outro sem nenhuma explicação.

— O Salém? Lá em cima, eu acho... Estava lá quando desci.

Ela olha de mim para Noah, que parece irritantemente bem-humorado e

nada disposto a sair daqui para a rua, conforme mandei.

— Você pode nos dar licença, senhor Broussard? Vamos ali no quarto
dela, já voltamos.

Jeni me arrasta escada acima às pressas, segurando minha mão e entra


no apartamento procurando por meu gato, depois se abaixa para olhar
embaixo da cama, em seguida se levanta, com as mãos na cintura, parecendo
preocupada.

— Não está aqui.

— O que você quer com o Salém?

— Eu? Nada, mas é que saiu no jornal hoje de manhã, ele foi
encontrado pelado na praia, com um cachorro — comenta, em tom

preocupado.

Isso não faz o menor sentido.

— O Salém? Não aconteceu nada assim. Por que meu gato estaria na
praia com um cachorro? Ele não saiu do meu lado a noite. Eu acho...

— Não, Cintia! O Noah! — diz, sussurrando com bastante ênfase. —


Ele é que foi encontrado com o cachorro, peladão na praia. Se quer saber, eu
até tenho a foto, guardei porque... Você sabe. Mas ele estava de costas, não
reconheci de primeira.

— E o que isso tem a ver com o Salém?

— Não entendeu? O jornal disse que ele sente atração por animais e
abusou do pobre cãozinho. Por isso o avô deve ter o expulsado de casa.

— Ah, meu Deus! — grito, assustada. — Tem certeza disso? Porque é


horrível demais, não é possível que seja verdade.
— Tenho. — Ela pega o celular e começa a digitar nele freneticamente.
— Olha aqui...

Jeni me mostra a foto, bem reveladora por sinal.

— Só estão abraçados e dormindo. Não dá pra dizer...

— O jornalista afirmou e, você sabe, o avô dele conseguiria esconder

isso se fosse mentira. Dá uma olhada na manchete.

Pego o celular da mão dela e leio por cima a notícia, realmente diz o
que Jeni afirma e tudo indica que o cachorrinho nem mesmo sobreviveu ao
ato abominável.

— Ah, essa não...

— O quê? — Jeni se inclina para ver o que me chocou, mas não é nada
em especial. É tudo.

— Cadê o Salém? — questiono, agora me preocupando de verdade.

Por sorte deixei o martelo que pretendo usar para pendurar as


bandeirolas da decoração, ao lado da minha cama, então pego-o e desço as
escadas correndo, com Jeni logo atrás de mim.

Noah continua sentado no cobertor, agora sem a jaqueta, deixando em


evidência as tatuagens que cobrem os braços por completo. Para meu horror,
Salém está sobre as pernas dele, enquanto o homem acaricia os pelos pretos
do meu gato.

— Tira as mãos de cima dele, seu pervertido! — grito, brandindo o


martelo em uma ameaça que sei que não teria coragem de cumprir.

Noah me olha de lado, tranquilo, mas quando nota o martelo nas


minhas mãos se levanta, colocando os braços a frente do corpo em busca de

defesa.

— O que você tá fazendo com isso? Ficou doida? Eu... Eu não vou
mais te beijar. Prometo, mas não pode me expulsar daqui a machadadas. Isso
é crime!

— Zoofilia também é! Não quero que se aproxime do meu gato nunca


mais.

— Do seu... — O olhar dele parece confuso, mas aos poucos a


compreensão parece chegar até ele. — Saiu a matéria, não foi? Olha, abaixa

isso. Eu juro que é só fofoca.

— Você estava pelado! Como veio ao mundo!

— Você viu? — A expressão dele é puro desagrado. — Não era meu


melhor ângulo, eu malho bastante na verdade...

— Idiota! Você estava nu e com o cachorro. Seu avô teria abafado o


caso se fosse mentira — digo, repetindo o que Jeni me falou e vendo o gesto
dela, concordando comigo.

— Meu avô poderia abafar, mas ele não quis... Está cansado de mim —
revela, dando de ombros. — Olha, eu sou um pouco doido, não vou negar.
Estou sempre dando festas insanas, fico com mulheres que não deveria, já
usei todo tipo de droga que possa imaginar, mas só nas festas, ok? Mas é isso,
eu tenho uma vida louca, não sou mal caráter e nem nojento. Eu não faria

uma coisa horrível assim, juro... Eu praticamente cresci na casa da fazenda do


meu avô, adoro animais, mas não desse jeito bizarro.

— Como eu vou ter certeza de que está falando a verdade?

— Eu vou... Eu vou ligar pro meu primo! Ou para o meu avô, mas ele
tá puto comigo por causa das fotos, mesmo sabendo que é mentira.

— Então liga, quero ver.

— Você não pode acreditar em mim?

— Eu nem te conheço e tudo que você disse só te faz parecer mais


doido.

— Tá bom... — Ele pega o celular no bolso e disca um número, em


seguida coloca a ligação no viva-voz.

Esperamos em suspenso, até que uma voz grave atenda o telefone.

— E aí, Noah? Chegou em Araucária? Eu vi o jornal hoje cedo. Você


está bem?

— Anthony, cara... Você viu a merda que tão falando de mim?

— Do cachorro? — A risada do outro invade o cômodo. — Claro que


vi, por isso que o velho tá bravo com você? Ele sabe que é mentira.

— Sabe, mas disse que o jornalista queria nos ferrar e que a culpa era

minha, por me deixar ser fotografado em uma situação que podia parecer
outra coisa — ele responde, me olhando como quem diz: está vendo?

— Esses abutres — o primo concorda —, sempre querendo ferrar nossa


vida, e você não é nenhum santo, fica dando margem pra essa gente fazer
essas coisas. Sabe que o John está certo nesse ponto.

— Eu sei, mas um cachorro, Anthony?

— É, foi golpe baixo até pra eles. Na próxima vão dizer que você curte
defuntos.

— Pois é. Bom, o fato é que ele me mandou pra Rio Dourado, disse
que preciso viver com o dinheiro do imóvel que ele tem aqui. Então ou eu
despejo a dona do restaurante, pra quem ele alugou o lugar ou vivo com
oitocentos reais por mês, que é o aluguel. Até eu me provar digno de ser um
Broussard.

— Vai ficar aí pra sempre então?


— Idiota. Não sei o que fazer... Alguma ideia?

— Despeje a moça.

— Ei! — grito, quando percebo a ideia do outro.

Noah não parece se importar muito com minha interferência.

— Considerando que ela está me ameaçando com um martelo, pode ser

uma boa ideia.

— Ah, ela está me ouvindo... Bom, não sei o que mais você pode fazer,
sinceramente.

— Preciso ser visionário, Anthony, ter uma ideia boa para que o John
confie em mim.

— Você é esperto, cara. Empreende bem festas, sabe driblar situações


complicadas como essa da zoofilia e se envolve com mulheres de todos os
tipos. Mas negócios, não sei...

— Vou pensar em alguma coisa, valeu pela confiança — ele responde,


parecendo sentido com o primo.

Noah desliga o telefone e coloca o aparelho no bolso outra vez.

— Viu? Ninguém confia em mim com os negócios, sou o arruaceiro da


família, só dou desgosto pro meu avô e mesmo assim todo mundo sabe que
não fiz isso. Será que agora pode acreditar em mim?
Ele parece bastante chateado com a situação e, apesar de não ser nem
de longe minha realidade, posso entender perfeitamente as razões para que se
sinta assim.

Sua própria família não confiar em você, desmerecer suas capacidades,


não pode ser algo legal e fácil. Agora estou sozinha no mundo, mas sempre
tive minha mãe ao meu lado, me apoiando, incentivando, e acreditando em
mim.

Claro que ficar vagando pelado por aí com cachorros e cometendo todo
tipo de loucura não ajuda em nada, mas ele é jovem, solteiro e rico, estava
curtindo. Isso não faz dele menos capaz.

— Vai abrir? — Noah pergunta, apontando para a porta.

Aproveito a deixa para mudarmos de assunto, ainda que sua declaração


sobre sua família ainda paire sobre nós, enquanto sirvo um chimarrão para
mim.

— Sim, servimos o café da manhã e logo mais o almoço.

— E depois o jantar? O restaurante fica mesmo aberto o dia todo? —


Ele parece surpreso, olhando de Jeni para mim.

— Não é uma cidade grande, se não abrirmos não pago meu aluguel
ridiculamente baixo — comento, alfinetando.

— Então precisa mesmo abrir, porque o aluguel... Você sabe, tem que
ser pago em dia.
— Claro que tem — Jeni concorda, o encarando como se não
acreditasse na cara de pau do homem.

— Bom, tudo esclarecido sobre minha situação inadequada com o


cachorro? — Noah ainda está sem jaqueta, o que é péssimo.

Acabo de descobrir que homens lindos e muito tatuados me tiram um

pouco a sensatez, porque já parei de gritar, de o ameaçar e estou até mesmo


com um pouco de pena dele por perceber que ninguém acredita muito no que
diz.

Eu sei. Algumas mulheres tem um fraco pelos bad-boys, de olhar


intenso, sorriso e piadas sarcásticas e histórias complicadas e pelo jeito, sou
uma delas.

— Acho que sim...

Jeni me olha de lado, surpresa por me ver cedendo tão fácil. Mas,

gente, é um cachorro, lógico que ele não fez aquilo, não é? Seria muito
bizarro e, apesar de um pouco abusado, com toda a história do beijo roubado,
ele não me parece uma pessoa ruim. Se fosse, nós saberíamos, certo? Ele é
um Broussard, afinal.

— Não quero atrapalhar, eu só preciso mesmo ficar aqui. Que tal se eu


te ajudasse com alguma coisa? — oferece, para minha total surpresa.
— Como o que por exemplo?

Não quero dar a entender que ele não saiba fazer nada disso, não depois
de ouvir o primo dele, então controlo a língua.

— Não tenho a menor ideia. Colocar a louça nas mesas? Servir as


pessoas?

— Já fez isso? — Talvez não controle tanto assim.

— Lógico que não. Mas não deve ser tão difícil.

— Vai mesmo deixar ele ajudar? — Jeni me fita, incrédula, mas a


verdade é que fiquei comovida com a situação dele e a família, ainda que não
vá admitir.

— Por que não? Ele quer comer aqui, então pode fazer alguma coisa.
Servir as mesas vai ser perigoso, mas que tal ir para trás do balcão e cortar os
pedaços de bolo e pão? Passar manteiga para os pedidos... Essas coisas, lá na

cozinha.

— Tá ótimo — ele responde.

— Por que se ofereceu? — Jeni pergunta, curiosa. — Você é um bad-


boy, mas um bem riquinho. Seu papel de costume deveria ser colocar os pés
sobre a mesa e ficar nos olhando como se fôssemos suas inferiores.

— Eu, hein? Que visão limitada, guria — Noah responde, com


expressão cética. — Eu vou fazer o que aqui? Não conheço ninguém, não
tenho dinheiro e nem onde ir. Então é isso... Ou ajudo com alguma coisa ou

vou morrer de tédio nessa merda.

— Pra começar com o pé direito, pode não falar assim da cidade na


frente dos fregueses — instruo. — Melhor nem mesmo ver os clientes, pode
ir para a cozinha.

Noah concorda com um gesto e passa por mim, deixando um rastro do


perfume gostoso. Puxo o ar mais fundo que deveria, torcendo para que Jeni
não perceba. Que droga está acontecendo comigo?

— Cíntia, o que você tá fazendo? — Jeni sussurra, para que ele não nos
ouça.

— Escondendo o Broussard. Quer que eu o deixe aí sentado? A hora


que os clientes começarem a entrar não vai ser legal. Todo mundo deve ter

visto aquele jornal, sem falar na falação sobre ele estar dormindo aqui.

— Certo, melhor deixar ele na cozinha mesmo... Você tá caidinha por


ele, né?

— Eu? Ficou louca? Ele chegou ontem! Eu mal o conheço.

— E precisa conhecer? É um pouco idiota, não posso negar, mas tem


aquele olhar, né? E mesmo com essas meias de lã horrorosas e esse monte de
blusa que você usa, ele parece gostar de ficar te encarando. E te beijando.

— Jeni! Não é ficar beijando. Foi só uma vez e foi uma babaquice,
ele... Sei lá, tem umas brincadeiras esquisitas, mas não vai mais fazer isso.

— Tu deixou ele ficar por causa do beijo?

— Lógico que não! Ele é o dono... Não tem para onde ir e eu não quero

mudar o restaurante, vamos achar um jeito de resolver isso o mais rápido


possível.

Jeni meneia a cabeça e me encara, enquanto suspira.

— Conheço esse olhar — ela diz, resignada. — é o mesmo de quando


encontrou Salém. Não vai se livrar do Broussard tão cedo.

Antes que eu responda, a porta se abre e a prefeita entra. A primeira a


chegar, como em quase todas as manhãs.

— Bom dia, Marisa! Muito frio? — cumprimento, ignorando Jeni

propositalmente.

— Frio? Pensei que fosse congelar — comenta, passando as mãos pelos


cabelos grisalhos. — Vou confessar que sair da cama hoje não foi muito fácil,
mas uma boa xícara do seu café vai me ajudar a acordar.

Ela realmente parece estar com frio, quase tanto quanto eu, usando suas
meias compridas de lã sobre a calça grossa e um casaco pesado, marrom,
além das luvas pretas nas mãos.

— Pode sentar, já vou trazer o café. Quer pão hoje ou rosquinhas?


Tenho bolo também. E se quiser um chima enquanto espera, tenho aqui em
cima do balcão.

— Ahh, um pedaço do seu pão delicioso com manteiga seria ótimo. E

vou esperar pelo café. Já tomei chimarrão em casa antes de sair.

Entro na cozinha e encontro Noah compenetrado, passando manteiga


nos pães. Ele é bem generoso na porção que espalha, mas tudo bem, não
gosto de ser mesquinha com meus clientes.

— Já tem algum pronto?

— Claro. Aqui está... — responde, me entregando um prato com dois


pães prontos.

Coloco tudo em uma bandeja e encho uma xícara de café fumegante

para também levar para Marisa e então caminho para fora da cozinha, saindo
de trás do balcão e equilibrando a xícara e o prato.

— Marisa, o café hoje é da Jeni — conto, enquanto coloco a xícara


diante da prefeita. — Ela fez antes que eu descesse. Espero que goste!

— Ah, eu nem vejo diferença nos cafés das duas, devem seguir a
mesma receita.
Ainda estou sorrindo com o comentário, quando o sino da porta toca e
ela se abre novamente, revelando o padre Nelson, que acaba de chegar. A

batina continua no lugar, mas hoje ele acrescentou um cachecol grosso


enrolado em volta do pescoço.

— Bom dia, queridas. Que a paz do nosso Senhor esteja com vocês!

Ele é o responsável pela nossa única igrejinha e marca presença aqui


todas as manhãs. O café dele, com a prefeita e o carteiro, já é uma tradição
conhecida por toda Rio Dourado.

— Marisa, já pediu pão pra mim? — pergunta, arrastando uma cadeira


diante dela.

— Não, mas a Cíntia trouxe dois...

— Foi, é? Que bom. Eu vi o George dobrando a esquina, já vai entrar.

Dito e feito. Na mesma hora o sino se faz ouvir novamente e o carteiro

passa pelo batente.

— Dia... Traz um pãozinho pra mim, menina — pede, já se dirigindo à


mesa onde estão os amigos.

George coloca a bolsa cheia de cartas sobre o tampo de madeira e


também se senta.

— Claro.
— Aqui, Cíntia. — Ouço a voz de Noah e me viro para encará-lo, com
os olhos arregalados.

Eu não esperava que fosse, de repente, decidir aparecer. Pelo jeito,


Marisa, George e o padre Nelson também não, nem mesmo Jeni, que olha
dele para nós com o choque bem evidente.

— O pão... — ele diz, percebendo que não me movo.

— Ah, obrigada. — Me adianto para pegar o prato, mas a essa altura


ele já deixou a porta e caminha na nossa direção.

Como está sem a jaqueta, as tatuagens estão bem evidentes. Claro que
hoje em dia, a parte sensata e jovem da humanidade já reconhece que não há
qualquer associação entre as tatuagens e o caráter, mas dizer isso ao padre de
setenta anos, à prefeita superconservadora e ao carteiro, que nunca se casou
porque — dizem as más línguas —, acha que sexo é pecado até mesmo com a

esposa, é outra conversa.

— Bom dia — ele os cumprimenta, mas a expressão parece um pouco


constrangida.

Acho que percebeu o modo extremamente curioso com o qual o


encaram.

— Bom dia — Marisa é a primeira a se recuperar do choque. — E você


é? — ela questiona, o fitando com curiosidade.

— Noah...

— Isso! Noah, meu ajudante — interrompo, antes que ele diga o


sobrenome.

Noah parece perceber minha manobra e com certeza entende que estou

tentando escondê-lo. Todo o mau humor desaparece e até mesmo a timidez


inicial, quando ele abre um sorriso cínico e estende a mão para cumprimentar
a prefeita.

— Noah Broussard, prazer.

O padre arregala os olhos e o queixo do pobre vai ao chão. Não sei se


pela associação com os Broussard ou pelo lance da zoofilia.

— Você...

— Não, não transo com cachorros, apesar de considerar aquele em

especial bem bonitinho.

O coitado do padre tem um acesso de tosse, e Jeni vem correndo de trás


do balcão.

— Noah! — repreendo, mas obviamente não estou surpresa, ele adora


causar com cenas desnecessárias.
— Padre Nelson — Marisa grita, como se o homem estivesse entrando
em coma —, está me ouvindo?

— Ele está engasgado, não surdo — o carteiro comenta, devorando seu


pão, agora mais recuperado da novidade.

Quando o padre para de tossir, finalmente todos voltam a se acalmar.

— Hum, me desculpem — o religioso pede, erguendo a mão e


limpando a boca com um guardanapo. — Não estava preparado para ouvir
esse... comentário.

— Sobre sexo com animais? — Noah insiste, enfatizando a palavra


sexo.

O rosto do padre atinge uma coloração vermelha, e abro um sorriso


para os meus três clientes fiéis, antes de começar a empurrar Noah de volta
para a cozinha. Quando entramos, fecho a porta e o encaro com raiva.

— Você tem cinco anos, senhor Broussard?

— Tenho vinte e seis já, por quê?

— Acha que provocações são a sua defesa? Percebeu que iam te


encarar estranho por causa da matéria e atacou antes, não foi?

— Minha defesa?
— Isso mesmo, pensa que vão te julgar e já coloca as asinhas de fora
antes que aconteça. Eles são meus clientes mais antigos, vem aqui todas as

manhãs, então se quiser continuar dormindo sob esse teto, faça o favor de
ficar aqui dentro e de não atrapalhar meu negócio.

Deixo-o na cozinha e volto para a mesa, onde encontro-os aos


cochichos. Apesar da intenção inicial ter sido esconder Noah deles, agora isso

não é mais possível, então mudo a estratégia e decido contar uma meia
verdade.

— Sei que estão curiosos — chego falando. — O senhor Broussard


mandou o neto aqui, negociar comigo uma questão referente ao aluguel.

— O aluguel? — Marisa se inclina em minha direção, para que eu a


ouça, mas Noah não possa escutá-la da cozinha. — Vão subir o preço?

— Na verdade, ele deu o cômodo para o neto, então agora Noah vai

passar a receber o valor. Mas ainda não disse nada sobre um aumento.

Só sobre me despejar mesmo.

— Mas por que ele está na cozinha? — o padre é quem pergunta.

— Eu fiquei sabendo sobre a matéria, do cachorro... É mentira, não se


preocupem. Mas fiquei com receio de que ficassem assustados ao encontrar
com ele aqui, depois do jornal e aí o mandei pra cozinha.
— Estava escondendo o rapaz — comenta George, o carteiro,
parecendo achar graça nisso —, eu entendo. Ele não é alguém que passa

desapercebido, não é?

— Não mesmo — Marisa concorda —, viu a quantidade de tatuagens?


O senhor acha que são demoníacas, padre?

Quase reviro os olhos, mas por sorte o próprio padre parece considerar
uma pergunta ridícula.

— Acho que não estamos em posição de julgar. Não quanto a isso, pelo
menos... Já sobre o cachorro, confesso que fiquei assustado, mas se você me
diz que é mentira, então eu acredito.

— Claro que sim — o carteiro concorda —, jornalistas são cruéis.

— São mesmo. Eles atacam os ricos. — Marisa também aquiesce.

Parecem mais razoáveis que eu, que pouco tempo atrás estava

brandindo um martelo e o expulsando daqui.

— E quando ele vai embora? — é a prefeita quem pergunta.

— Hum, logo... Creio que seja o tempo do novo contrato ficar pronto.

— A Gertrudes deve estar feliz, um hóspede na pousada.

— Ou apavorada... — o padre comenta. — Ela tem seis cachorros.


Deixo-os a sós e volto ao trabalho. A manhã não é muito movimentada,
mas estou sempre procurando por algo que possa fazer fora da cozinha,

evitando um pouco estar sozinha com Noah.

Sua atitude foi infantil, mas eu não esperaria nada muito maduro
devido ao histórico, ainda assim, começo a me preocupar comigo, por
perceber que não me importo muito com isso, até gosto do jeito despachado

dele, divertido e inconsequente.

A tarde passa mais rápido, durante o preparo do almoço — e dessa vez


o coloco para limpar as mesas, enquanto faço a comida —, e o atendimento
aos poucos clientes que aparecem.

Jeni vai embora perto das seis e fico com o jantar para servir, deixando
Noah responsável por picar alguns vegetais e frutas na cozinha, nada muito
complicado, mas em dado momento, quando já temos apenas uma mesa cheia
no salão, ele se oferece para recolher os pratos e acabo cedendo.

Não é uma boa ideia. Uma das mocinhas na mesa acaba o


reconhecendo e cutuca a irmã, os pais, no entanto, não ficam muito felizes em
ter alguém como ele ajudando no restaurante.

Assisto do balcão enquanto Noah recolhe os pratos, um pouco


desastrado, e coloca sobre o balcão, sem nem mesmo entrar na cozinha. Ele
coloca as taças vazias do lado e sai do restaurante pela porta dos fundos, bem
irritado.

Fecho a conta da família e ainda preciso ouvir um comentário nada


educado do homem, que me diz que eu não deveria acobertar encrenqueiros e
arruaceiros em uma cidade como a nossa. Ao que respondi, que não deviam
acreditar em tudo que viam nos noticiários na televisão.

Quando a família deixa o restaurante, fecho e tranco a porta da frente e


me aproximo dos fundos, tentando ver se ele ainda está por lá. De longe, o
vejo sentado na grama, observando o lago que passa atrás do restaurante.

Está bem escuro lá fora, mas o céu está muito bonito, cheio de estrelas,
e a luz da lua reflete sobre Noah, conferindo a ele um ar fantasmagórico.

Eu deveria subir as escadas, me deitar e ignorar o homem, lá fora. Mas


não consigo fingir que está tudo bem, quando claramente ele está chateado.
Então pego uma garrafa de vinho e saio para os fundos também, enrolada na

manta que ofereci a ele para que dormisse, na noite anterior.


— O que eles te falaram que te irritou tanto? — pergunto, me sentando
ao lado dele na grama úmida.
Noah ergue os olhos ao me ver chegar, mas apenas por um instante e
volta a focar na água parada. Está tudo tão silencioso, que posso ouvir o som

de sua respiração entrecortada por causa do frio e os sons dos insetos na


noite.

— Fica todo mundo me olhando, eu já tô puto com essa história toda...

— Imagino, provavelmente o jornalista fez de propósito. Era alguém


que não gostava de você?

— Só se for meu avô.

— Como assim?

— Me diz se fosse com você, alguém da sua família. Se estivessem


inventando algo assim e você soubesse que era mentira e pudesse evitar, não
o faria?

— Provavelmente.

— Provavelmente? Eu, com certeza iria ajudar minha família —


retruca, pegando uma pedra do chão e atirando na água.

— Bom, Noah... Seu avô parece um pouco rígido, sim. Mas não é a
primeira vez que saem essas matérias sobre você, pode ser que ele não saiba
o que fazer...

— Comigo, né? Eu sei — responde. Ao contrário do que imaginei, que


fosse se irritar com meu comentário, ele suspira fundo, parecendo sincero.

— Sabe?

— Acha que não sei que sou um babaca? Que me meto em uma
confusão atrás da outra e que nem a minha família confia em mim?

— Não é assim. Acho que essa lição, ou castigo como você chamou,

foi a forma de ele demonstrar que se importa. Ele quer que você amadureça.

Ofereço a garrafa de vinho a ele, depois de arrancar a rolha com os


dentes. Noah toma um gole e faz uma careta.

— Definitivamente não é Del Broussard.

— Claro que não. Seus vinhos são caros, eu só vendo para clientes
especiais.

— Eu bebo o vinho Broussard como se fosse água da bica desde


adolescente, agora nem isso posso fazer.

— É por pouco tempo. Você tá aí, todo reflexivo, acho que já está
começando a entender que se for um pouco menos... doido, seu avô vai
reconsiderar.

— Não adianta falar isso a ele. — Noah nega com um gesto, me


devolvendo a garrafa. — Já prometi mudar milhares de vezes, então John não
vai acreditar. Preciso encontrar uma forma de provar que mudei, que agora
vou trabalhar, me esforçar de verdade... Que vou ser o neto que já fui. Só não
sei como.

Tomo algumas goladas do vinho, que desce me aquecendo um pouco


por dentro, antes de questionar sua fala.

— Que já foi? Quer dizer que nem sempre usou drogas em festas

insanas e apareceu pelado na praia?

— Não. — Noah abre um sorriso e talvez seja o vinho, mas ele está
particularmente bonito assim, sob a luz das estrelas e diante do lago. Quase
como se fosse um quadro. — Eu e meu primo Michael, crescemos lutando
pela empresa, uma competição saudável. Nós dois queríamos assumir a Del
Broussard um dia.

— E como foi que acabou com seu primo? O outro.

— Anthony é o mais velho e mesmo que Michael fosse o mais

inteligente de nós, mais preparado também, vovô é tradicional. Pra ele o


primogênito herda tudo, mesmo que Michael e Anthony tenham diferença
apenas de meses na idade.

— Então você e seu primo lutaram pela empresa à toa. Por isso você
ficou com raiva e começou a aprontar?

— Não. — Ele sorri. — Vovô passou a Del Broussard para o Anthony,


não é oficial, John ainda é o CEO, mas meu primo decide muita coisa
sozinho. No mesmo ano meus pais faleceram, os dois ao mesmo tempo, em

um acidente de carro. De repente, me vi sozinho, não tinha mais meus pais,


não tenho irmãos, meus primos brigavam muito entre eles, apesar de se
gostarem muito, eu não tinha a empresa para focar em algo produtivo e meu
avô só queria saber de mais dinheiro, das uvas e dos negócios. Acho que eu

precisava de amigos, mas acabei encontrando uns que não tinham muito
juízo… e uma coisa levou a outra.

Afirmo com um gesto, bebendo um pouco mais enquanto o escuto e


conseguindo compreender além do que ele diz. Noah era um garoto quebrado
e se deixou levar pela vida fácil que podia ter, ignorando os problemas e
apenas curtindo.

— Você estava triste e frustrado, não tinha muito apoio. Era natural que
acabasse indo por um caminho um pouco torto.

— Acho que o meu foi mais que um pouco — Noah pondera, me


fitando de lado. — A verdade é que não tinha nenhuma razão para mudar,
não tem ninguém esperando por mim, minha casa está sempre fria e escura
quando chego da noitada, e meu avô sempre me bancou, então também não
precisava trabalhar mais... Minha vida ficou um pouco sem sentido.

— Eu entendo. Sei que somos como água e óleo, mas também perdi
minha mãe, foi há quase um ano...

— E olha só pra você — ele diz, em um tom que mostra claramente o


quanto me acha diferente dele.

— Agora posso parecer bem, mas fiquei na cama por um mês inteiro,
sem comer, perdi uns quinze quilos... Depois fiquei mais um mês andando

pela cidade como se fosse um zumbi, sem vida nenhuma, não abria mais o
restaurante e não recebia visitas. Foi quando o aluguel e as outras despesas
começaram a acumular, que fui perceber que, na minha tristeza, estava
perdendo o que minha mãe tinha de mais importante. Então me obriguei a
sorrir de novo, abri os olhos e a porta da frente e voltei a trabalhar, assumindo
o lugar dela.

Noah me olha com intensidade, absorvendo a minha história. Estamos


em um momento surreal, íntimo demais para duas pessoas que mal se
conhecem.

— Sua casa também fica fria e escura? — ele pergunta, muito baixo.

Seu rosto, de repente, está muito perto, e tudo que posso ver são seus
olhos escuros e hipnotizantes.

— Sim... — respondo, sentindo sua respiração na minha pele.

— Bebeu o bastante para que eu quebre a promessa?


Desvio os olhos dele por um momento e fito a garrafa que tem pouco
menos que metade do líquido.

— Que promessa?

Noah inclina o rosto sobre o meu e, quando ergo os olhos outra vez,
seus lábios tocam minha boca com delicadeza.

Uma sutileza que não dura muito.

Quando não ofereço resistência, ele aprofunda o beijo e passa a língua


pelos meus lábios entreabertos, me invadindo sem reservas. Retribuo seu
beijo, com gosto de vinho barato, e passo as mãos pelo seu pescoço, ao
mesmo tempo em que ele me ergue do chão pelas coxas e me coloca sentada
sobre seu colo.

Meu sexo encontra sua ereção e deixo que um gemido me escape.

Tem tanto tempo. Quanto? Uns dois anos desde a última vez em que

estive com alguém, um namoro que não deu certo.

Suas mãos se embrenham por meus cabelos e Noah inclina minha


cabeça para trás, aproveitando o acesso para beijar meu pescoço. Seus lábios
molhados, estão quentes e deixam um rastro de desejo onde me tocam.

Percorro seu peito, ainda que sobre a camiseta e por baixo da jaqueta,
tentando sentir mais dele. Minha vontade é abrir o zíper da calça e acabar
com essa vontade aqui mesmo, no gramado, mas algo me detém. Uma
fagulha de bom senso, talvez, quando ele morde a pontinha da minha orelha,

me levando à beira da loucura.

— Não...

Empurro um pouco seus ombros, e Noah abandona meus lábios,

ofegante.

Seus olhos percorrem meu rosto e suas pupilas estão dilatadas.

— Por que não?

— Eu... Nós nem nos conhecemos.

— Acabamos de ter um momento, um bem íntimo para os meus


padrões.

— Não é o suficiente, Noah. Eu não saio transando por aí com


motoqueiros gostosos de quem não sei quase nada.

— Então me acha gostoso, eu também te acho uma delícia. Não estou


encontrando o problema.

Eu o empurro de uma vez, rindo enquanto ele cai deitado sobre o


gramado, e aproveito para me levantar.

— Foi legal. Muito papo, muito vinho e uma atitude impensada, rapaz.
Boa noite...

Legal não chega perto de descrever o que aconteceu entre nós dois.

Não a parte da excitação, porque nesse quesito preciso admitir que


geralmente me saio bem, até melhor, considerando que as mulheres não
costumam fugir de mim.

Não. Estávamos sozinhos e ela é gata pra caralho, não fica evidente à
primeira vista, mas quando se tem um pouco mais de tempo... E eu também

sou bonitão. A questão é que Cíntia parece me detestar desde o momento em


que entrei aqui e, para ser sincero, não me esforcei muito pra mudar isso,
afinal de contas ela é minha inquilina, uma que pode ser despejada se me der
na telha.

Mas o que aconteceu aqui fora foi mais que atração, foi uma conversa
real, com uma pessoa de verdade. Não como as que mantenho com as garotas
fúteis com quem costumo sair, não o papo que levo com a minha família, que
não dá a mínima. Mas eu, Noah Broussard, tive uma conversa séria e

transparente com uma pessoa que conseguiu me entender em poucos minutos,


coisa que a maioria não consegue nem em anos.

Dou um tempo para que ela entre e suba para o apartamento, não
apenas para dar espaço, mas porque eu mesmo preciso de um instante pra

assimilar a intensidade desse papo doido, que começou do nada e terminou de


repente, mas que me parece agora muito terapêutico.

Depois que vejo a luz no andar de cima se acender, pego o cobertor que
ela deixou para trás, atiro sobre o ombro e deixo o gramado, lembrando de
levar comigo as taças e a garrafa praticamente vazia de vinho.

Tranco a porta e arrumo minha cama improvisada. Está um frio da


porra, mas pelo menos a lareira do restaurante ainda está acesa e espero que
seja o bastante pra me manter aquecido durante a noite. Isso e o álcool.

Deito sobre o cobertor e coloco as mãos sobre a cabeça, refletindo


sobre o dia esquisito que tive hoje.

Primeiro a conversa com Anthony, as fofocas no restaurante e, por fim,


o momento com Cíntia. Desde que as coisas desandaram com meu avô e a
grana, não consegui pensar bem sobre tudo e bolar um plano, um contra-
ataque.
Preciso fazer algo que mostre ao meu avô que sei me virar, que sou um
Broussard e preciso fazer isso, sendo quem sou. Não o melhor para os

negócios, não o mais inteligente, mas o mais esperto e mulherengo, o mais


louco e cheio de ideias inesperadas.

Todo dinheiro de que disponho no momento vem de Cíntia, do aluguel.


Eu preciso ser mais como ela, mais centrado, mais batalhador e... estável.

E se...

Não. Péssima ideia.

Mas... Por que não? Talvez ela aceite algo assim.

Um plano tão brilhante quanto absurdo começa a se formar na minha


cabeça e, quanto mais dou asas a ele, mais se parece com algo que pode dar
certo.

E se eu oferecesse um acordo a Cíntia? Uma proposta. Fingiríamos

estar em um relacionamento sério, o que por si só já seria impressionante


considerando meu histórico, mas além disso fingiríamos tocar o restaurante
juntos, de modo que eu pareça responsável e empreendedor e em troca...

O que eu poderia dar a ela em troca disso? Cíntia não precisa de mim,
eu é que preciso dela. Preciso para me ajudar a convencer meu avô das
minhas qualificações para conseguir meu dinheiro de volta.
Não consigo pensar em uma razão que a convença a aceitar minha
loucura, mas a ideia tomou um formato perfeito na minha cabeça levemente

alcoolizada. Tão perfeito, que quase posso ver a cara do meu avô me
imaginando na cidade pequena, começando de baixo, trabalhando pesado no
restaurante e em um relacionamento sério. Sem manchetes, sem mulheres
comprometidas, sem drogas e festas doidas. Sem cachorros e nudes.

Ele com certeza iria sorrir e aprovar e depois diria algo como: Tá bom,
filho, já provou seu valor e é hora de voltar para a casa, aqui está seu cartão
e sua fortuna.

É isso! Se eu o convencesse, poderia depois recompensar Cíntia pela


ajuda. Ela não me parece uma pessoa interesseira, mas seria um trabalho
fácil, uma grana garantida e uma chance de melhorar os negócios.

Eu posso ao menos tentar.

Adormeço com um sorriso no rosto, com certeza meu plano tem tudo
para dar certo, John Broussard nem vai saber o que o atingiu.
— Bom dia, gata — cumprimento de manhã, ao vê-la descer as
escadas.

Cíntia finalmente trocou as meias e chinelos por um par de botas de


cano baixo e a calça estranha por um jeans. Está mais bonita ainda e o tecido
se molda as curvas dela as deixando mais delineadas. O que significa que ela
gostou do beijo e decidiu se arrumar para mim.

Claro que ela vai aceitar minha proposta, agora estou ainda mais
confiante. E quem sabe ainda de quebra...

— Não me chama de gata, Noah. Meu nome é Cíntia — responde de


mau-humor.

Talvez não seja tão fácil como supus a princípio.

— Eu só dei bom dia, ontem à noite você estava bem mais receptiva.

Ela franze os lábios em uma risca fina e passa por mim, indo para trás

do balcão da cozinha.

— Bom dia — murmura, finalmente —, sobre isso, acho melhor...


Você sabe.

— O quê? — Me aproximo um pouco mais, seguindo-a cozinha


adentro.

— Sobre o beijo...
Cíntia se vira e solta um gritinho ao me perceber tão perto, o que me
faz abrir um sorriso, principalmente diante do olhar demorado que ela fixa na

minha boca.

— Repetir? — Apoio as mãos na pia, circundando o corpo dela e me


aproximando um pouco mais.

— Repetir? — Ela arregala os olhos de repente, parecendo entender


meu plano. — Não! Para com isso, Noah. Olha só... — Cíntia passa por baixo
do meu braço e me dá as costas, começando a remexer nos armários. —
Temos que definir algumas regras aqui.

— Começou a chatice — resmungo, cruzando os braços.

Cíntia pega o pote de café no alto, o açúcar e começa a preparar tudo


para começar o dia.

— Escuta, eu tinha bebido muito vinho. — Ela coloca uma mecha do

cabelo escuro para trás. — Não sei quantos dias você pretende ficar por aqui,
mas não dá pra ficar me beijando... Somos só... Colegas de apartamento —
define, parecendo encontrar o termo que procurava.

— Isso não tem nada a ver. Por que uma coisa tem que impedir a outra?

— Não tem, mas eu prefiro assim.

Cíntia acende o fogo e coloca a vasilha cheia de água sobre a chama,


para ferver.

— Tá bom — respondo, suspirando como alguém muito chateado, mas


a verdade é que não esperava outra atitude da senhora certinha —, eu
entendo, mas quero te fazer uma proposta.

— Proposta? Não, não vamos transar sem compromisso.

Isso me arranca uma risada alta.

— Eu gostaria, mas não era no que estava pensando.

Sorrio ainda mais ao perceber que ela fica sem jeito por ter se
antecipado.

— Ah, não? Desculpe... eu pensei...

— Eu sei no que pensou. Eu e você, meu corpo em cima do seu, te


imprensando aí nessa pia...

— Noah!

As bochechas dela se avermelham, e Cíntia leva a mão ao rosto,


denunciando ainda mais a vergonha.

— Ok, vou focar agora. Seguinte — bato palmas para aliviar o clima, já
que começo a pensar de verdade na cena que desenhei —, meu avô quer um
neto mais responsável, trabalhador, que saiba se virar com pouco dinheiro e
tal, aprender a prosperar por conta própria, que não gere fofocas e manchetes.

— Sei. Não tá fácil pro seu lado — ela diz, enquanto abre o pote de
café.

— Aí entra você. Tive uma ideia durante a noite e acho que pode nos
beneficiar.

— A nós dois? Como assim?

— Você é perfeita, toda certinha, trabalhadora, caseira...

Cíntia solta uma risada esganiçada, enquanto enche a colher com o pó


escuro.

— Por que parece uma ofensa?

— Poderia ser minha noiva!

— O quê? Merda, me fez derrubar o pó de café!

Realmente o pó que antes estava na colher agora está espalhado pelo


chão da cozinha pequena. Em minha defesa, não tenho culpa de que ela se
assuste tão fácil.

— Pense bem, Cíntia. Eu digo a ele que estamos em um


relacionamento sério e que pretendemos nos casar. Meu avô vai achar
repentino, mas até aí eu sempre fui doido... Então conto sobre como estamos
tocando as coisas por aqui juntos, como te ajudo no trabalho pesado e na
administração do restaurante. Claro que uma hora ele vai querer ver isso, mas

logo que acreditar, vai passar a me ver com outros olhos e devolver minha
grana, além de me deixar voltar pra casa sem essa coisa de lição, porque,
tecnicamente, eu já terei aprendido a ser responsável.

Cíntia caminha até a porta da cozinha e volta de lá com uma vassoura,

sua expressão não parece das mais promissoras.

— Noah, tu é mesmo muito doido — ela diz, começando a varrer o pó.


— Não entendi porque acha que essa pode ser uma boa ideia, mas
principalmente não entendi o que eu ganharia com isso ou porque aceitaria.

— Dinheiro.

Ela ergue o rosto para mim e estreita os olhos, o que me faz sentir que
estou perdendo essa batalha.

— Escuta, não estou dizendo que tu é interesseira, não é isso. Mas


assim, o que tem a perder? Não é casada ou comprometida, então isso não
iria te prejudicar em nada. Além disso, uma grana pra reformar esse lugar e
deixar ele mais bonito ainda, não seria nada ruim. Seria?

— Acha que vou me vender pra você por uma reforma?

— Não. — Ergo as mãos em minha defesa. — Sexo não está no pacote,


gosto de mulheres que queiram dar pra mim, por livre e espontânea vontade,
mas pense bem, você não perde nada, ajuda um necessitado e sai com uma

grana extra.

— Eu não vou fazer isso, senhor Broussard — declara, irritada —,


arrume outra noiva de mentirinha, porque essa aqui tem muito trabalho a
fazer.

— Tá com medo de que eu te dê o calote? Podemos fazer um contrato.


Um contrato de noivado, no qual me comprometo a pagar...

— Noah! Chega de loucura pelo amor Deus! O dia mal começou e você
já está me dando dor de cabeça.

Penso em milhares de maneiras de retrucar sua resposta, mas antes que


eu comece a enumerar todas as vantagens ou, quem sabe, aumentar a
proposta, ouvimos o barulho da porta da frente se abrir, indicando que Jeni

chegou.

Talvez eu tenha subestimado minha oponente. Cíntia 1x0 Noah.


Noah Broussard é um perigo. Eu deveria ter sacado isso de primeira,
desde que meus olhos se demoraram tempo demais nas tatuagens dele ou
desde que me convenceu a deixar que ficasse aqui, mesmo depois de me
insultar no primeiro momento.

Talvez sejam os olhos intensos, ou o estilo de bad-boy que só convence


à primeira vista, porque depois fica nítido que ele foi criado nadando no
dinheiro do avô e está mais pra playboy inconsequente.

Isso deveria bastar para que eu quisesse me afastar, mas quando esse
defeito vem em um pacote como o que ele é, fica complicado. Principalmente
se ele começa a falar, a entregar mais do que o esperado, e fica quase
impossível quando decide se aproximar demais.

Sim, talvez eu seja fraca e me pareça com as mocinhas de livros, que se


derretem diante de um homem bonito e espertinho, mas não consigo imaginar
uma mulher em sã consciência que fosse resistir tão facilmente a ele.

Graças a Deus, assim como é lindo e charmoso, o homem é louco, e

isso faz com que eu recupere parte do meu juízo. Me propor um contrato, um
relacionamento falso em troca de uma reforma... Francamente!

Observo-o, encostado do outro lado do balcão enquanto sirvo o café


quente da prefeita.

— Bonitão, o rapaz... — Marisa comenta, percebendo meu olhar.

— Hum, acho que sim. O que vai querer comer? — Mudo de assunto,
torcendo para que ela não volte a falar disso.

— Tem cuca de quê? — pergunta, mordendo a isca.

Abro um sorriso e me esforço para encarar apenas minha fiel cliente.

— De uva, goiabada também e tenho de coco.

A porta da frente se abre e o reverendo entra, batendo os pés molhados

do orvalho das ruas, no tapete.

— Quero de goiabada, por favor, Cíntia — grita, da entrada mesmo. —


Cadê o George? — ele questiona, já procurando pelo amigo.

— Disse que ia entregar umas encomendas antes de vir, mas já deve


estar chegando — Marisa explica, bebericando seu café. — Pra mim também
pode ser goiabada...

Deixo os dois a sós e sigo para a cozinha para preparar os pedidos


deles. Para minha surpresa, Noah deixou sua posição de expectador e já

colocou a água para o chimarrão no fogo.

— Mas bah, tchê! Que guri prendado — comento, tentando ignorar


nossa conversa estranha de antes.

Jeni, que chegou bem na hora e interrompeu o assunto, parece sentir


algo no ar, porque desde que colocou os pés no restaurante, fica olhando de
Noah para mim, com curiosidade.
— Te orienta, guria! Isso é o mínimo... Se eu não souber nem ferver
água, aí posso ser deserdado mesmo.

— Verdade, seria demais até pra você. — Corto os pedaços de cuca e


coloco sobre os pequenos pratos de porcelana e depois os posiciono na
bandeja. — Quando o chima estiver pronto, me avise. Acho que o padre vai
querer.

Pego a bandeja, colocando uma xícara extra sobre ela, já que George
deve chegar logo.

— Cíntia, precisamos conversar um minutinho... — Jeni fala, me


olhando de um jeito esquisito. Não sei se ela está triste ou se apenas não quer
falar o que quer que seja perto de Noah.

— Eu vou entregar o pedido na mesa e já volto.

— Quer que eu leve? — Noah oferece. — Posso servir a mesa

enquanto vocês duas conversam.

— Acho que não... — Hesito.

— Não é uma boa ideia? Eles já me acusaram de gostar de cachorros,


de um jeito nada bonito, então não pode ficar pior.

Jeni dá de ombros, como se estivesse de acordo.

— Tudo bem... — Entrego a bandeja a ele, torcendo para que não


derrube nada em cima dos clientes.

Noah pega tudo com mais habilidade que o esperado e deixa a cozinha.
Cruzo os braços, aguardando o que Jeni tem a dizer, e ela não demora muito
para se explicar.

— Ligaram do banco — diz, apontando para o telefone sem fio sobre a

pia. — Eu sei que você está tentando arrumar as coisas desde que a sua mãe
se foi, mas parece que tá bem complicado.

Apoio as mãos na mesa que divide a cozinha e abaixo a cabeça,


desanimada.

— Eu peguei um empréstimo — conto. — Você sabe que fiquei um


tempo sem abrir, as contas começaram a acumular.

— Sim, eu sei que precisava pagar os fornecedores, meu salário, as


bebidas... Você não agiu mal em pegar o empréstimo, era a opção que tinha,

mas se não conseguir pagar as coisas podem ficar piores do que estavam.

Suspiro, frustrada.

A alegria da vida do pobre, é que pelo menos ele não tem nada que
possa ser tomado. O restaurante é alugado, não tenho carro e não imagino que
alguém queira tomar meu gato como pagamento, principalmente se souberem
como Salém é temperamental.
— É que o movimento está fraco, a essa altura já era pra estarmos
cheios de turistas querendo o frio da Serra, mas não estão vindo — falo,

refletindo o pensamento incômodo que tem me perturbado.

O turismo no Rio Grande do Sul é muito maior nessa época do ano,


mas ainda que nas outras cidades tudo esteja acontecendo normalmente, em
Rio Dourado o comércio segue parado.

— O hotel fechou e só a pousada não consegue comportar as pessoas,


então estão ficando em Araucária. O que nós vamos fazer? — Jeni sussurra,
preocupada.

— Não tenho a menor ideia. Se continuar desse jeito, não vou pagar o
banco, nem seu salário... Daqui a pouco não vamos ter muitas opções no
cardápio também.

Dou as costas a ela, começando a preparar o chimarrão para os clientes,

tentando pensar em um milagre que possa nos salvar.

Noah abre a porta e entra com a bandeja vazia e um sorriso no rosto.


Pelo modo descarado com que me encara, sei que deve ter ouvido boa parte
da conversa e, por algum motivo, se acha o salvador da pátria, com suas
ideias malucas.

— Não, Noah — respondo à pergunta que ele não fez.


O descarado apenas dá de ombros e Jeni olha dele para mim, tentando
entender a conversa nas entrelinhas.

— Você quem sabe, eu já te dei a solução para os seus problemas — o


petulante declara, colocando a badeja na pia.

— E qual seria? — Jeniffer pergunta, sem resistir.

Ela solta os cabelos castanhos e cacheados e os rearruma em um coque


no alto da cabeça, enquanto espera uma resposta.

— Eu ofereci dinheiro — Noah diz —, você deve ter percebido que


rolou uma conexão entre a Cíntia e eu desde o primeiro momento em que nos
vimos, percebi que a situação dela não estava fácil e me ofereci pra ajudar.

Jeni cruza os braços, desconfiada, claro. Uma explicação absurda como


essa...

— Pensei que você estivesse na pior, deserdado — ela rebate, mas não

questiona o lance da conexão.

Como se fosse a parte mais crível dessa história.

— E estou, mas é temporário. Meu avô e eu somos muito próximos,


logo vai ter a festa de inverno e John sempre quer a família toda em
Araucária nesse dia, minha conta vai ser liberada em breve.

— E por que você ajudaria a Cíntia? Sei que ela é uma gata e tal,
mesmo que tenha um péssimo senso de moda, mas não vai me convencer que
se apaixonou em dois dias, guri.

Noah abre um dos seus sorrisos descarados e franze o cenho, como se


ouvisse algo surreal.

— E quem falou de paixão? Eu só sou muito generoso, faz parte da

minha personalidade.

Com essa eu não me aguento e começo a rir. Claro que ele não iria
dizer o que me pediu em troca, porque iria invalidar a relação verdadeira,
falsamente construída em favor de seu plano maluco.

— Certo, eu acho que deve ter algo a mais aí, mas não me importo. —
Jeni se volta para mim, com as sobrancelhas arqueadas. — Quando o santo é
demais, você sabe... Mas não está em posição de escolher muito de onde vem
a ajuda, amiga.

— É, quando a esmola é demais, não o santo — corrijo. — E na


verdade, vocês estão querendo que eu conte com um dinheiro que nem existe,
porque a expectativa do senhor Broussard aqui, é que ele recupere o dinheiro
futuramente, mas no momento está mais pobre que eu e você somando nossas
dívidas, Jeni.

— Bom, isso é...


— Tá certo. Vou deixar o assunto pra lá, por enquanto, se você me
ajudar com outra coisa, Cíntia — ele pede, suplicante.

— E com o que seria? — sondo, desconfiada.

Noah chegou tem dois dias e já me surpreendeu mais vezes do que eu


possa me lembrar. É uma mudança bem-vinda em meus dias monótonos, mas

já me gera suspeita antecipadamente agora.

— Eu quero bolachas.

— Bolachas? — Meneio a cabeça, negando. — Tem cuca, cacetinho e


manteiga, e eu nem estou te cobrando as refeições. Não tenho bolachas
prontas.

— Então é só fazer — o abusado responde.

Jeni começa a rir, porque obviamente ninguém sabe lidar com a cara de
pau do homem.

— Senhor Broussard — ela começa, mas logo dá risada sozinha, já que


as atitudes do sem-vergonha não combinam em nada com a palavra senhor.
— Noah, deixa de ser folgado! Você invadiu o restaurante, a casa dela e acha
que a Cíntia vai ficar cozinhando o que você quer? Parece doido!

— Eu não invadi a casa dela, ainda nem vi como é lá em cima. E vocês


falam como se fosse um hotel cinco estrelas, mas dormi no chão duro,
passando frio...

O comentário consegue me comover um pouco, porque realmente as


noites estão ficando mais frias e não deve ser nada confortável dormir no
chão.

— Isso... Você queria o quê? Chegou aqui, do nada — me defendo.

— Mas não custa fazer uns bolachas, tipo aqueles de Natal.

— O Natal está bem longe ainda.

— Então umas bolachas amanteigadas.

— Quer saber? Você vai fazer — decido, começando a gostar da ideia.


— Jeni, ensine a receita pra ele. Mas é só pra ensinar, não é pra fazer, o
playboy precisa aprender a se virar.

Noah estreita os olhos na minha direção, mas não reclama. Acho que já
está entediado de tanto ficar aqui, sem ter o que fazer.

O safado ainda tem o desplante de descer os olhos para minha boca, se


demorando ali mais que o normal. Meu coração se acelera um pouco — pelo
medo de que ele coloque fogo na cozinha, claro —, mas não tem nada a ver
com o porte altivo de Noah, ou com a jaqueta preta que se molda sobre os
ombros largos e, principalmente, não tem relação com o olhar intenso, com o
poder de derreter meu cérebro e minhas pernas.
— Eu preferia que você fizesse — comenta, ainda sem deixar de me
encarar —, estou apaixonado, seria perfeito.

Tenho certeza de que meus olhos só faltam saltar pelas órbitas,


principalmente porque ele começa a rir em seguida.

— Apaixonado pela sua comida — se explica —, seus bolos e pães, as

cucas... Fico só imaginando as bolachas.

— E em pensar que chegou aqui querendo um café expresso... — Jeni


comenta, me salvando do constrangimento.

— Não seria nada mal, também. Gostar de comida caseira não elimina
meu bom gosto pro café.

Abro um sorriso diabólico, com o pensamento de que disponho de uma


máquina de expresso no meu quarto, muito bem guardada, ao lado da caixa
de cápsulas de café e chocolate. A verdade é que gosto de manter o clima de

interior e do caseiro, além disso, cápsulas são caras, mas não me nego o
pequeno luxo de vez em quando.

— Que pena que não temos, mas com seu trabalho duro, ao menos
vamos ter uma fornada de bolachas rapidinho — comento, desamarrando o
avental da cintura.

Os olhos dele se estreitam em minha direção, entendendo minhas


intenções.

— Quer que eu coloque o avental e as mãos na massa, literalmente, não


é? Percebe que posso considerar isso como trabalho escravo? Porque não
estou sendo pago.

— Percebe que posso cobrar sua estadia e alimentação quando eu

quiser? Porque se não me pagar, pode ser considerado roubo. A menos que
não queira preparar as bolachas porque sabe que não consegue.

— Uma ova que não consigo!

Ele estende a mão e com fúria fingida nos olhos azuis, rouba o avental
dos meus dedos.

— Melhor tirar a jaqueta...

Ele faz o que digo e depois amarra o avental rosa na cintura. Apesar de
se sentir injuriado, pelo que percebo a péssima decisão vai me afetar mais que

a ele, porque encarar Noah Broussard, com os braços tatuados e musculosos à


mostra, cozinhando, é uma cena que causa impacto.

— Você o ajuda, Jeni?

Delego a missão, sabendo que ficar nessa cozinha minúscula, sozinha


com ele, pode não resultar em coisa boa.

— Mas é claro que sim — ela responde com um risinho descarado —,


tem certeza de que vai deixar a função pra mim?

Começo a pegar os ingredientes e colocar sobre a mesa, torcendo para


que Noah não entenda o que está implícito na conversa.

— São só bolachas, Jeni. Bolachas — repito. — Noah, você vai fazer a


massa, a Jeni vai te dizer a ordem dos ingredientes e te ajudar com as

quantidades.

Pego o caderno com a receita que já sei de cor e coloco em frente a ele.

— Aqui está, senhor Broussard. Hoje você é confeiteiro, então mãos à


obra!

Volto para o salão do restaurante e encontro Marisa encostada no


balcão. O reverendo vem logo atrás, cantarolando um hino, e se escora ao
lado da amiga.

— Terminaram? — pergunto, fitando a mesa que eles antes ocupavam.

— Não — a prefeita responde —, estamos apenas curiosos. Como vai


nosso menino do vinho? Bonitão e carrancudo? Já conseguiu convencê-lo a
se mandar e deixar você e o restaurante em paz?

Faço sinal de silêncio e sussurro em resposta:

— Noah está na cozinha.


— Eu sei, ele nos serviu agora pouco — A careta dela é inacreditável
—, mas o que ele ainda está fazendo aqui?

— Não precisa fazer essa cara, Marisa. Já esclarecemos o incidente


com o cachorro...

— Eu sei, eu sei... Mas esse menino é problema, Cíntia. Somos de uma

cidade pacífica.

— Somos, e com certeza Rio Dourado também é uma cidade que não
quer se indispor com John Broussard, certo? Então melhor não destratarem o
Noah — defendo, sem nem saber direito por quê.

A porta da frente se abre e o carteiro entra, atrasado e esbaforido.

— Bom dia... Demorei um pouco hoje, tive que entregar as


encomendas antes... O que você tem de comer aí?

— O senhor Broussard está fazendo bolachas — conto, em alto e bom

som, surpreendendo a todos. —, se esperarem uns minutos vão comer assim


que saírem do forno.

Marisa perde toda a pompa e tenta segurar o riso, mas não parece se
sair muito bem nisso.

— Tudo bem então, as coisas parecem interessantes.

— Então o rapaz está ajudando — o padre Nelson sorri, ao se


pronunciar.

Ou atrapalhando — reflito comigo mesma. Porque a intenção pode ser


boa, agora como vão sair essas bolachas, só o tempo irá dizer.

— Bom, nós vamos nos sentar aqui e aguardar. Porque agora quero
comer — Marisa diz, voltando para a cadeira que deixou pouco antes.

— Tudo bem. Mas preciso avisar que é a primeira vez que ele faz
isso... Então não devem sair muito bonitas.

— O que importa é o sabor — ela diz.

— Bom, também não vou garantir isso.

Com os três bem acomodados, decido voltar à cozinha e inspecionar o


progresso da coisa toda, preocupada com a receita e o talento — talvez
inexistente — de Noah.

— E ent... — Percebo que os dois estão empenhados em uma conversa

meio íntima, e me calo, ouvindo.

— Então você nunca sequer viu alguém fazendo bolachas?

— Não — ele responde —, ou comprava as latas no mercado ou então


a Mila fazia, na casa do meu avô, mas eu nunca fui de ficar perto,
observando.
— Ah, coitadinho... Você nunca lambeu a massa de um bolo então.

Por que essa frase de repente me parece muito sexual?

— E então? Como está se saindo, Noah? — pergunto, finalmente


anunciando minha presença.

— Acho que a massa está pronta. O que acha? — ele questiona, me

mostrando.

— Parece perfeita. Agora vem a parte boa, colocar pra assar e, depois,
comer.

Como são bolachas redondas, não precisamos de formas variadas, então


em questão de minutos espalhamos todos eles pela forma grande e depois
disso, levo-a ao forno sob os olhares atentos de Noah e Jeni.

Ele desamarra o avental e se joga em uma das cadeiras, esperando que


as bolachas assem, da mesma forma que Jeni e eu, a prefeita, o reverendo e o

carteiro, estamos todos esperando o resultado do evento que é Noah


Broussard, na cozinha.

— Sabe, nunca pensei que fosse assar bolachas — ele comenta,


pensativo.

— Isso os tabloides não mostram — brinco, sorrindo.

— Não! Você... É uma grande ideia, Cíntia — Noah se levanta,


animado.

— Que ideia? Eu não disse nada...

— Você tirou uma foto, não foi, Jeni? — pergunta, fitando-a com
esperança.

Já eu a encaro sem acreditar na cara de pau desse ser.

— Eu tirei — Jeni confessa, desviando os olhos dos meus —, mas foi


só pra ter uma prova.

— Exatamente! Vou mandar essa foto pro John, ele nem vai acreditar.
Será que... Ele não vai ter um ataque do coração, não é?

Começo a sorrir, imaginando a surpresa do avô dele e apoio a decisão,


realmente vai ser um choque e tanto.

— Acho uma ótima ideia. Envia a foto pra ele, Jeni — incentivo —,
depois você apaga.

Ela me fita com um sorrisinho cínico e me arrependo na mesma hora,


afinal, quem sou eu pra exigir que ela apague a foto dele? Eu, hein. Ciúmes
de uma foto.

Não estranho quando meu celular vibra no bolso com uma mensagem
dela. Abro apenas para confirmar e me deparo com a foto, mas guardo o
aparelho outra vez, fingindo que não é nada demais.
As bolachas ficam prontas e retiro a forma do forno, colocando todas
em um pote sem tampa. Apenas por precaução, experimento uma antes de

oferecer aos outros, enquanto Noah me encara cheio de expectativa.

— E então?

A massa ainda quente derrete na minha boca e abro os olhos um pouco,

surpresa com o quanto está gostoso.

— Deliciosa!

— Eu sabia — ele comemora —, tem certeza?

Começo a rir, porque apesar de dizer que sabia, ele não tem um pingo
de confiança no trabalho que desempenhou. Noah rouba a bolacha da minha
mão e morde, se surpreendendo também.

— Caralho! Tá boa mesmo!

Coloco algumas bolachas em um prato e faço um gesto para que Noah

me acompanhe de volta ao salão do restaurante. Noto que ele fica um pouco


constrangido ao se ver diante da prefeita e dos outros, quase como se tivesse
sido pego fazendo arte, mas abre um sorriso tímido.

— Bom dia, senhor Broussard — Padre Nelson sorri —, soube que é o


responsável pelo nosso café da manhã, hoje.

— Fui forçado — ele mente —, mas acho que me saí bem.


— Sente-se conosco, então, e vamos descobrir.

Com essa frase, Noah fica estático por um momento, completamente


sem reação, mas se recupera logo.

A única coisa em que penso ao vê-lo caminhar devagar, para se sentar


ao lado do padre, é que essa cena, sim, merece um registro, uma foto que com

certeza irá ameaçar a saúde do velho Broussard.


Noah puxa uma cadeira, me dirigindo um olhar meio amedrontado e se
senta ao lado do padre. Jeni também acaba deixando a cozinha e caminha até
onde todos estão reunidos, se sentando do outro lado dele.

Coloco o pote sobre a mesa e vejo a expressão de todos, que vão de


temerosas a cheias de expectativa. Também repouso sobre o tampo de
maneira a bandeja, com o chimarrão e Jeni faz o mesmo com a garrafa de
água quente.

— É a hora da verdade.

A prefeita é a primeira a provar uma bolacha abrindo um sorriso em


seguida.

— Está ruim? Está rindo porque ficaram péssimas, não é? — Noah


pergunta, mas não parece nada preocupado, por já ter experimentado.

Jeni estica a mão e alcança uma, de dentro do pote.

— Huuum... Que delícia! — declara, empolgada.

Ele ainda encara a todos com desconfiança, esperando que provem.

Todos fitam o padre, enquanto ele morde o primeiro pedaço, e sorrimos


juntos ao ver os olhos dele se arregalarem.

— Está uma delícia mesmo! — Ouvimos o som de sua risada. — Nem


acredito. Sabem que estou realmente impressionado? Não sabia que você
cozinhava, meu rapaz.

— Nem eu, padre — Noah comenta, sorrindo também.


A cena é tão caseira, que não resisto a oportunidade de tirar uma foto,
cedendo a ideia que se plantou em minha mente. Nem o senhor John

Broussard e nem os repórteres acreditariam sem uma prova.

— Então… Pretende ficar aqui até quando? — George questiona,


também comendo uma das bolachas.

— Não sei. Vim por causa do meu avô, verificar o imóvel que ele
transferiu pra mim, mas gostei da cidade — comenta, mentindo.

— E quem não gostaria? — a prefeita fala, satisfeita. — Precisa ver


nossas festividades de inverno, decoramos o quintal aqui da Cíntia e fazemos
uma festa como você nunca viu.

— Eles têm uma festa de inverno em Araucária, Marisa — o padre


lembra —, todos os anos.

— Não é a mesma coisa — ela insiste.

— Então vou ficar e descobrir — Noah comenta, sorrindo.

— Vai mesmo? Podia ajudar a Cintia com a decoração, já está na hora.

Ele concorda. Prefiro não pensar que provavelmente não vamos ter
turistas o suficiente para que a festa seja um sucesso e não estragar o café da
manhã dos outros.

A manhã se passa de maneira agradável, mas no meio da tarde recebo


outra ligação do banco.

Deixo Jeni atendendo nossos poucos clientes e saio para o quintal a fim
de ter mais privacidade para a conversa. Infelizmente de nada adianta, eles
estão irredutíveis nos prazos, e eu simplesmente não encontro nenhuma
maneira honesta de começar a pagar minha dívida tão cedo.

É início de semana e, se as coisas já não estão fáceis no final dela, nas


segundas e terças praticamente não temos clientes.

Então pouco depois das nove horas fecho o restaurante e me despeço de


Jeni. Conversamos sobre ela ficar em horário integral no inverno, mas estou
prestes a chamá-la para discutir isso outra vez. Infelizmente não há a menor
necessidade e é um gasto a mais com o qual não posso arcar agora. Ao
mesmo tempo, não consigo me sentir bem diminuindo a renda dela.

— Você já vai subir? — Noah pergunta, ao me ver recolhendo meu

celular e apagando a luz da cozinha.

— Eu… Não estou muito legal hoje. Toda essa história do banco me
deixou exausta.

— Tudo bem, boa noite, então — ele diz, me olhando com uma
expressão que não consigo identificar.

— Sabe, eu tirei uma foto sua de manhã, com o padre e o pessoal —


digo, me escorando no corrimão da escada.

— Uma foto?

— É, pra mandar para o seu avô. Imagino que um padre do seu lado vá
causar muito impacto.

— Genial, Cíntia! Principalmente considerando que da última vez

embebedei o padre que foi até a vinícola.

Isso me arranca uma risada, ele é mesmo uma figura.

— Você não presta, Noah.

— Olha só, em minha defesa, eu fiz bolachas hoje.

— Claro, ganhou muitos pontos com isso. — Pego o celular no bolso e


aponto para ele. — Me fala seu número, vou enviar a foto.

— Você quer é ter como me ligar depois que eu for embora.

— Sabe que no momento em que sair por essa porta, nunca mais vou
me lembrar de você, não sabe?

— Impossível, bebê.

— Sei… Anda com isso que eu quero subir.

Noah pega o próprio telefone e digita freneticamente alguma coisa.


Pouco depois, sinto o aparelho em minha mão vibrar com uma ligação de um
número desconhecido.

— Que… É você?

Ele aquiesce.

— Como tem meu número?

— Subornei a Jeni.

Ergo as sobrancelhas, mas não o encaro enquanto salvo seu contato e


envio a foto para ele.

— Com o quê?

— Uma foto, pelado.

— O quê? — Isso me faz encará-lo, mas Noah está rindo


descaradamente. — É mentira, não é?

— Claro que é mentira, eu só pedi o número, mas acha que ela teria

aceitado?

Prefiro não responder a essa pergunta.

— Enviei a foto, agora vou me deitar. Tenha uma boa noite e deixe o
fogo aceso, está frio demais.

Subo as escadas e arranco os sapatos. Acendo a lareira e me deito na


cama, ainda pensando sobre o dia de hoje, sobre a proposta absurda de Noah,
a alegria dele com as bolachas, a ligação do banco.

Ligo a televisão, mas não estou assistindo de verdade, percebo o pulo


de Salém para a beirada da cama e vejo-o girar em busca de um cantinho
confortável, antes de se encaixar aos meus pés. Não consigo me concentrar, e
as horas começam a correr enquanto a ideia do contrato me parece cada vez
mais atraente.

Eu deveria aceitar a proposta dele, não perco nada em ajudá-lo e ganho


muito, na verdade.

Tudo bem que é apenas uma possibilidade, a de que ele recupere o


dinheiro, mas de certa forma já estou ajudando-o a mostrar para o avô o que
tem feito. As fotos, uma preparando as bolachas e a outra com o padre, foram
o pontapé inicial.

Por que não ganhar algo com isso? Não é por mim, eu poderia trabalhar

em qualquer outra coisa e ganhar o que ganho no restaurante hoje, afinal não
é muito, mas minha mãe dedicou a vida a esse lugar, foi por ela que me
levantei do meu luto e arregacei as mangas, foi por ela que peguei o
empréstimo no banco, evitando ter que fechar o restaurante, e é por ela que
agora começo a cogitar a possibilidade de aceitar a proposta de Noah.

O frio está absurdo essa noite, olho no relógio e percebo que passa da
uma hora da manhã e consigo ouvi-lo andando de um lado para o outro, lá
embaixo. Fecho os olhos, sentindo a consciência pesada. O coitado deve estar
encarangando só com aqueles cobertores.

Não tenho um sofá, do contrário já teria deixado que subisse e a única


cama aqui é a de casal, que sempre dividi com a minha mãe, mas dividir com
Noah é outra história.

Seus passos ecoam mais alto, mais perto. Ele está… subindo as
escadas?

Sento na cama, completamente desperta.

— Noah? — chamo, ao perceber que os passos pararam.

— Sou eu — a voz dele responde, do lado de fora da porta —, pode


abrir? Queria falar com você só um minuto…

Atiro as cobertas para o lado, me repreendendo pela falta de senso, e


caminho até a porta, girando a chave e a destrancando.

Na penumbra, vejo o rosto dele na soleira da porta, o vulto envolto nas


cobertas, iluminado pela parca luz que vem no quarto.

— Eu vou morrer de frio, Cíntia. Pelo amor de Deus, me diz que tem
um sofá, um colchonete… Qualquer coisa.

Troco o peso do corpo de uma perna para outra. Eu não posso,


simplesmente não posso deixar Noah morrer congelado, seria desumano.
— Eu só tenho a cama... — falo, abrindo a porta para revelar o quarto.

— Uma cama de casal — ele comenta, sondando por sobre meu ombro.

— É… Eu sei que pareço insensível, te deixando dormir lá embaixo,


nesse frio. É que não achei muito prudente te convidar pra subir.

— Não é muito cristão me deixar morrer de frio.

— Você e essa apelação para os preceitos bíblicos, nem sei de onde


tirou que sou tão religiosa assim.

— O padre não sai daqui.

Ignoro o comentário.

— Olha só, eu já vi essa história nos filmes…

— Que história? — Ele franze o cenho, mas o coitado está batendo os


dentes.

— A mocinha diz: Ah não, só tem uma cama, vamos ter que dividir.
Ninguém parece querer e no outro dia acordam depois de uma noite de sexo
selvagem. Não vai acontecer.

Ele ri baixinho e aperta mais a coberta em torno do corpo.

— Cíntia — o tremor em sua voz quebra toda minha resistência —, eu


só quero me aquecer um pouco. Juro que não vou te agarrar.
— Promete?

— Se você não me agarrar primeiro, prometo.

— Então entra, deita daquele lado — falo, apontando para o lado da


parede.

— Não vai fazer uma muralha entre nós? Nos filmes as pessoas

colocam cobertores no meio.

— Não. Minhas trezentas roupas são muralha suficiente.

Assisto enquanto ele se deita, embolado embaixo das minhas cobertas e


sem tirar as que ele trouxe, e depois me obrigo a me deitar no meu canto.
Salém nem se mexe, não parece se incomodar com a presença de Noah na
nossa cama, afinal, não é como se fosse um sacrifício dormir do lado desse
homem, ainda que não seja nada sensato.

Eu me conheço bem o bastante pra saber que minha resistência é

melhor empregada sob a luz do sol e de preferência a alguns metros de


distância.

Viro para o meu canto, forçando a minha mente a não pensar nele, do
meu lado e muito menos em como seria mais fácil o esquentar de outras
maneiras.

Foco minha atenção e mente na decisão que devo tomar. Aceitar ou não
a proposta ridícula, porém muito tentadora de Noah Broussard.

Lembro da minha mãe, levantando todos os dias às cinco da manhã


para abrir nosso negócio, cortando batatas e preparando os legumes até tarde
da noite, para o dia seguinte. Sua empolgação todos os anos, com a festa no
inverno, o restaurante lotado e o rosto sorridente dela. Não posso perder tudo
isso.

— Noah, está dormindo?

Há algo de muito íntimo em se deitar ao lado de alguém no escuro,


minha voz sai baixa, sussurrada.

— Não…

— Você sabe que eu não sou interesseira, não sabe?

— Sei — ele responde, convicto, mesmo que tenhamos nos conhecido


há pouco tempo.

— Esse restaurante era tudo pra minha mãe, essa cidade… Ela passou a
vida aqui, com meu pai, até que ele faleceu. Eu não quero perder esse lugar,
significa muito.

— Eu não vou te despejar, Cíntia, pode dormir em paz.

— Sei que não vai, estranhamente eu sei, mas não estou falando disso e
sim das contas. Sabe, acho que quero aceitar aquela sua proposta maluca.
Ouço o barulho que indica que Noah está se virando na cama e também
me viro em sua direção. Seus olhos escuros estão muito pretos no escuro do

quarto e apenas as chamas da lareira, que fazem sombras em seu rosto, o


tornam visível.

E nos encaramos assim, frente a frente por um momento.

— Isso é sério? Vai aceitar fingir um relacionamento comigo e me


deixar agir como se te ajudasse com o restaurante?

— Vai me ajudar com as dívidas depois? Um contrato, foi o que você


ofereceu.

Ele sorri, lentamente, como se aos poucos assimilasse minha resposta.

— Um contrato. Ofereci a reforma do lugar, mas incluir suas dívidas no


pacote não vai fazer tanta diferença.

Talvez eu devesse ter mencionado o valor antes de mais nada.

— Você não tem ideia, Noah, eu devo uns dez mil reais.

Dessa vez sua risada gostosa invade o quarto.

— E eu gasto isso em três dias — fala, arrogante. — Não é nada pra


mim, Cíntia. Posso cobrir essa oferta, se você desempenhar seu papel.

— Como assim?
Ainda estou assimilando o que ele disse. Noah está mesmo dizendo que
dez mil reais não fazem a menor diferença?

— A festa de inverno em Araucária está chegando — comenta —, se


até lá ele não tiver me devolvido meu dinheiro, vamos ter que comparecer.
Como um casal.

— Certo. — Talvez eu esteja entorpecida pela sua voz mansa e ao


mesmo tempo rouca, ou talvez eu tenha finalmente enlouquecido. — Tudo
bem, eu acho… Dou conta disso.

— Então temos um acordo, vou redigir nosso contrato amanhã de


manhã, como uma segurança, tá bom? E assinamos. Melhor não levar em um
advogado, ou teremos mais alguém sabendo do nosso acordo e em cidades
pequenas…

— Sim, as coisas se espalham rápido. Tudo bem, eu sei o que fazer

com o documento e sua assinatura se tentar fugir, Noah.

— Eu não vou, já disse que não é muito o que está me pedindo.


Amanhã assinamos isso, boa noite, Cíntia.

— Boa noite, Noah.

Mas é difícil pegar no sono com ele ao meu lado. Viro de costas para
Noah outra vez, mas a presença dele é muito real.
Ouço o crepitar da lenha na lareira, estalando, o barulho do vento lá
fora e o som da respiração dele, atrás de mim. Ouço o ronronar suave de

Salém, o som do meu coração, mais acelerado que o normal, o farfalhar dos
lençóis, e tento adormecer.

Falho. Falho miseravelmente, até não falhar mais.

Não sei em que momento da noite adormeci, se levei horas para


conseguir dormir ou se aconteceu pouco depois de me virar.

Não sei também como foi que me desvirei e acabei nessa posição
constrangedora.

A lógica dos filmes e livros, deveria ter me mostrado que algo assim
aconteceria. A mocinha sempre acorda abraçada ao mocinho — nesse caso,
nem tão mocinho assim —, mas geralmente, a mão dela não está apoiada em
cima do que ele leva sob a cueca.

Arregalo os olhos ao me dar conta da situação e, em um reflexo, aperto


um pouco o pacote, que é bem grande por sinal.

— Se quiser apertar com a boca… — A voz rouca e sonolenta de Noah


me alcança.

Dou um grito, seguido de um pulo e cubro a boca com as mãos.

— Meu Deus, Noah! Eu… Eu estava dormindo. Você colocou minha


mão aí, não foi?

Ele está deitado, o braço cobrindo os olhos e posso ver o sorriso cínico
surgir.

— Se isso te tranquiliza, gata, pode dizer que fui eu que apertei sua
mão agora a pouco também.

— Não foi isso que aconteceu, foi um reflexo natural!

— E se testar de novo? — pergunta, tirando o braço de sobre os olhos e


me encarando com seriedade fingida. — Coloca a mão aí e vamos ver se o
reflexo acontece.

— Idiota.

— Gostosa.

— O quê?

— Você me ouviu bem. Vou parar de provocar agora, porque preciso


muito te pedir um favor.

Eu me afasto um pouco dele, voltando para o meu lado da cama e


puxando um cobertor comigo.

— Fala — digo, ansiosa por mudar de assunto.

— É meu quarto dia aqui, talvez você não tenha notado, mas não tomei
banho ontem.

— E antes de ontem tomou? — pergunto, começando a rir da cara dele


de desespero.

— Tomei antes de sair de Araucária e, depois, comecei a usar o


banheiro do restaurante para uma lavagem básica, de gato… Se é que me

entende, então não exagere me fazendo parecer tão imundo.

— O banho do gato é ficar se lambendo, então não sei se no seu caso


seria muito higiênico. Você passou a tarde toda sem banho e ontem também.

— Eu me lavei com aquele bidê que tem lá embaixo, mas aquela


torneirinha não está dando conta mais. Sabe que estou acostumado com
banheiras imensas de hidromassagem?

— Você deve estar muito sujo, eca.

— É o que estou tentando dizer. Pode me emprestar o chuveiro?

— Claro, vai lá… Você trouxe roupas?

— Estão na mochila, deixei lá na cozinha.

— Eu pego pra você, fecha o box que eu abro a porta e jogo a mochila
lá dentro — sugiro —, a porta não tem tranca, quebrou. Mas pode ficar
tranquilo que ninguém vai abrir.
Noah assente, satisfeito, e corre para o banheiro na mesma velocidade
que eu quando tem promoção no mercado, pouco se importando com a trinca

ou a falta dela.

Sinto-me mal por não ter pensado nisso. Coitado, eu podia ter
oferecido o chuveiro antes.

Calço minhas pantufas ao lado da cama e desço as escadas correndo


para buscar as coisas dele. Jeni ainda não chegou e, com isso, consigo subir
outra vez para o apartamento, evitando o interrogatório que logicamente viria
se ela nos pegasse aqui em cima, juntos.
Abro a porta do banheiro, os olhos semicerrados até ter certeza de que
ele realmente fechou o box. Como é feito de um acrílico escuro, não consigo
ver nada dentro dele, apenas ouço o chuveiro ligado.

— Vou deixar aqui, Noah.

— Cíntia? Cadê você? — A voz de Jeni me surpreende, perto demais.

Droga, droga, droga.

Ai, meu Deus. Ela está subindo as escadas, vai nos encontrar juntos no

banheiro, vai deduzir todo tipo de coisa que não aconteceu, e…

— Está aí em cima? Cadê o Noah?

Merda. Fecho a porta do banheiro e tento pensar em uma maneira de


me justificar, uma explicação.

E se ela abrir? Sem a tranca, ela vai entrar e me encontrar aqui, assim.

— Tá no banheiro? Amiga… — A voz dela agora está do outro lado da


porta do banheiro.

Abro o box e entro no chuveiro correndo, com roupa, pantufa e muito


desespero, fecho a portinha e sinto o jato de água quente caindo sobre o meu
rosto, ao mesmo tempo que um Noah muito assustado me encara com os
olhos arregalados.

Ouço o ranger que indica que Jeni entrou no cômodo e Noah abre a
boca, pronto para me questionar, mas levo a mão aos lábios dele, o
impedindo.

— Tá tomando banho? — Jeni pergunta.

— Estou! — respondo com a voz esganiçada. — Pode abrir lá


embaixo? Já vou descer.

— Posso, já coloquei a água pra esquentar. Cadê o Broussard?

— Foi… Pegar lenha.

— Pegar lenha? Esse cara é muito doido.

— Pois é.

— Tá bom, vou te esperar lá embaixo.

A porta se fecha e respiro um pouco mais aliviada.

Noah ergue as sobrancelhas, esperando que eu o libere e eu o faço,


livrando sua boca.

Desvio os olhos dos seus, constrangida, mas acabo abaixando-os


demais e me deparo com seu pau, um senhor pau, completamente duro e
apontando direto pra mim.

— Ah, o que… — gaguejo, sem saber bem o que falar.

— Você entrou no chuveiro comigo, gata. Pelado. Queria o quê? Já foi


difícil não pensar em nada assim, dividindo a cama com você.
— Noah… Eu…

— Estou aqui em cima — diz, em tom divertido, já que continuo


encarando o que não deveria.

— Ela ia nos descobrir aqui, então…

— Eu entendi, mas já que está aqui dentro, o que acha de…

Espalmo as mãos no peito molhado dele, que agora está mais perto. A
intenção é afastá-lo, mas sua pele morena assim, escorregadia e cheirando a
sabonete, os cabelos escuros molhados e emoldurando o rosto esculpido.

— Eu preciso sair daqui. Agora mesmo — declaro, sem me mover.

— Desculpa, Cíntia.

— Pelo quê?

— Prometi não te agarrar na cama, acho que não estou quebrando a

promessa se te agarrar no chuveiro.

Engulo em seco. A negativa na ponta da língua, mas quem disse que sai
alguma coisa? Sinto o desejo se avolumando dentro de mim e se
concentrando entre as minhas pernas.

Minhas mãos se movem pelo peito dele, os ombros, com vontade


própria, e não consigo me negar esse prazer.
Quando a boca dele toma a minha com voracidade e suas mãos
espalmam minha bunda, ergo as pernas e rodeio seu quadril, sentindo a

ereção de Noah contra meu sexo, enquanto ele me prende contra a parede.

Estou completamente encharcada, minhas roupas pesadas e meus


cabelos pingando, mas nada disso importa diante do momento mais erótico
da minha vida.

A língua de Noah invade minha boca e busco o ar, lutando para respirar
e ao mesmo tempo não querendo perder um segundo da boca dele, do corpo
gostoso em cima do meu.

Seus lábios descem para o meu pescoço enquanto suas mãos ágeis
erguem minha blusa molhada e a passam pela minha cabeça. Seus dedos
envolvem meus seios e Noah afunda a cabeça entre eles, distribuindo beijos e
lambidas, me sugando e devorando.

— Você… Não vai fugir, Cíntia — diz, entre um beijo e outro.

Fugir? Arqueio as costas em busca de mais e volto minhas pernas para


o chão. Então começo a abaixar a calça por conta própria. Noah percebe o
movimento e sua mão habilidosa escorrega para dentro da minha calcinha,
me tocando sem o mínimo pudor.

Arfo diante do seu toque e minha boca procura a sua com anseio. Nos
beijamos, enquanto ele termina de empurrar minha calça até que ouvimos o
som do tecido encharcado caindo no chão.

— Eu vou te comer, Cíntia. Não vai ser como eu queria, com tempo,
mas você vai gostar e vai pedir de novo.

O sorriso sacana que ele me oferece me deixa ainda mais excitada. Eu

deveria rir e lembrar o quanto ele é convencido, mas só pela pegada, sei bem
que vou querer repetir a dose de verdade.

Ele ainda nem começou e já estou ansiosa para a próxima vez.

— Quer que eu pare? Porque vou rasgar sua calcinha agora.

— Nem pensar — murmuro, decidida —, quando nosso contrato


terminar e você for embora, ninguém vai saber… Eu não tinha ideia, mas
preciso disso, Noah.

— Precisa? Eu também preciso — ele diz, de um jeito safado, o som do

chuveiro abafando um pouco nossas vozes.

— Não. Preciso mesmo. Tem muito tempo que não sei o que é sexo e
você… Você está me enlouquecendo desde que entrou aqui, tão mal-
educado.

A boca dele se ergue de lado, achando graça, mas ele não tem noção do
quanto estou falando sério.
— Então não sou o único.

Ergo a sobrancelha e o encaro com desconfiança, nem em sonho ele vai


mentir sobre isso.

— Não estou sem sexo há anos, não foi o que quis dizer. Mas não
desejo uma mulher assim tem muito tempo… Acho que é esse seu jeitinho de

certinha, a resistência…

Seus dedos continuam me tocando, a água bate em seus ombros e


respinga sobre meu rosto. Noah agarra as laterais da minha calcinha e as puxa
com força, rasgando o tecido conforme prometido.

Ele desce os lábios sobre meu mamilo outra vez e me arranca um


gemido ofegante.

Minha mão agarra seus cabelos com firmeza, enquanto ele suga o bico
do meu seio com força, me deixando louca para tê-lo dentro de mim. Ergo o

quadril, implorando e percebo seus olhos percorrerem meu corpo com


admiração.

— Você é maravilhosa.

Voltamos a nos beijar e, em um rompante de ousadia, levo a mão até o


membro rígido. Meus olhos estão fixos na ereção enorme e umedeço os
lábios, cheia de tesão.
— Não faz assim, Cíntia. Ou não vou conseguir ser bonzinho.

Abro um sorriso, malicioso, porque não consigo evitar.

— Fui boazinha por muito tempo, Noah, eu mereço esse momento e


quero que faça o seu pior. — Minhas mãos tocam-no com firmeza agora,
conhecendo toda sua extensão. — Ou o melhor.

Minhas palavras arrancam uma risada dele, e noto em seu olhar um


lampejo de surpresa.

— Onde ficou a doce comerciante, cozinheira e religiosa?

— Ela volta quando isso aqui acabar. Por favor… — peço, e Noah não
parece precisar de incentivo.

— Parece que nesse momento você é uma menina má e não quer


delicadeza — responde.

Mordo o lábio e passeio a língua por ele, enquanto Noah me encara

com os olhos famintos.

— Não quero.

— Então, doce Cíntia, vou te foder bem gostoso.

Enlaço outra vez as pernas em sua cintura e isso o traz para mais perto.
Noah se aproxima da minha entrada molhada e desliza para dentro de mim. É
uma sensação indescritível, não é sexo por fazer, é sexo com desejo, cheio de
tesão.

Ouço o gemido baixo, que escapa pela minha garganta enquanto Noah
me preenche devagar. Sinto-o completamente dentro de mim e é delicioso.

Noah se afasta, apenas para retornar com força.

Ele estoca com firmeza, enquanto segura meu corpo erguido do chão,
se impulsionando cada vez mais fundo. Entra e sai repetidas vezes, duro feito
pedra e cada vez em um ritmo mais alucinante.

Meus gemidos enchem o banheiro, assim como a fumaça quente


enevoa nossos corpos, conferindo ao ato um aspecto ainda mais erótico. É
muito rápido, acabamos de começar, mas tem tanto tempo que não faço algo
assim que poucos minutos depois, sinto a ânsia crescer dentro de mim.

Ele toca meu sexo, pressionando no exato lugar que pulsa, inchado de

desejo, fazendo com que eu implore, chamando seu nome. Não devia,
conhecendo a arrogância dele.

— Noah, eu vou…

Não termino a frase, mas sinto os espasmos do meu corpo ao redor


dele, apertando, enquanto Noah continua a investir, me enlouquecendo e
entregando tudo de si, sugando tudo de mim.
Gemo seu nome outra vez, pouco me importando em inflar o ego dele,
Noah merece por me dar um orgasmo tão intenso, que me deixa

completamente sem fôlego.

Quando meu corpo começa a relaxar, Noah investe mais fundo,


buscando o próprio alívio. Avança contra meu corpo mais algumas vezes,
antes de finalmente se libertar.

É tão… diferente de tudo que tenho vivido, que fico alguns instantes
encarando apenas o encarando, torcendo para que seja apenas um sexo muito
bom, porque no momento, me sinto como que sob um encantamento.

— Queria te levar pra cama… E continuar nela a tarde toda — ele diz,
ainda arfando um pouco.

— Foi…

— Incrível? Delicioso? Fantástico?

— Foi bom — minimizo, abrindo um sorriso, enquanto desço minhas


pernas para o chão outra vez, liberando a cintura dele —, agora preciso me
vestir e descer para a Cantina. Você fica aqui, vou pedir pra Jeni comprar
alguma coisa na rua e aí te aviso para descer.

— Acha que isso é necessário?

— Quer que ela nos descubra?


— Somos um casal a partir de hoje, Cíntia — ele diz, e meu coração
falta saltar pela boca.

Do que ele está falando? Ah, o contrato.

— Vamos mentir pra Jeni também?

— Todo mundo precisa acreditar, ou não vai funcionar.

— Certo. Hoje nós vamos começar a decorar o lugar para a festa… Se é


que vai vir alguém, você pode, sei lá, me roubar um beijo quando perceber
que ela está vendo.

— Tá bom, se prefere a discrição pode descer na frente e fazer como


achar melhor — ele cede.

Saio do banheiro e me troco o mais rápido que posso. Quando desço as


escadas, me deparo com Jeni na cozinha, retirando um bolo do forno.

— Coloquei pra assar, já que você estava demorando.

— Hum, obrigada, é…

— Não precisa explicar nada, ouvi seu banho daqui.

Meu rosto se tinge de vermelho e, quando ela começa a rir, fico ainda
mais constrangida.

— Qual o plano? Vai me mandar a algum lugar pra que ele saia? — ela
questiona, adivinhando exatamente o que eu tinha planejado. — Depois ele
volta com um pouco de… lenha?

— Bom, era mais ou menos isso — admito.

— Então pode falar pra ele descer, porque essa desculpinha da lenha
não convence ninguém.

— Certo, vou dizer. Nós…

— Estão se conhecendo?

— Algo assim.

— Amiga, eu entendo que ele é um gato e, se seus gemidos forem


indício, deve mandar muito bem na cama, mas você sabe que o Noah não faz
o tipo, né? Namoro, casamento, filhos… Enfim, o grande sonho. Ele é só
curtição, consegue lidar com isso?

— Eu… As pessoas podem mudar — defendo, não porque acredite

nisso, mas porque preciso agir assim, ou jamais vamos convencer como
casal.

— Não se iluda, Cíntia.

O comentário me incomoda, talvez, porque no fundo, bem no fundo, a


iludida que habita em mim não tenha gostado muito.
Deixo a cozinha e grito para que Noah desça, ele olha de mim para Jeni
com curiosidade e é bastante constrangida que explico que ela nos ouviu.

— Jeni vai atender aos clientes, Noah. Nós vamos enfeitar esse lugar
para a festa, começando aqui dentro, e depois vamos lá fora, no quintal.

— Vamos enfeitar o quê?

— Tudo. As mesas, alguns enfeites pendentes vão descer do teto, a


lareira…

— Vamos enfeitar até a lareira? — ele pergunta, como se não fosse o


primeiro lugar em que pretendo pendurar bandeirolas.

— Claro.

Passamos pela cozinha e pego o material de limpeza. Quando


chegamos de volta ao salão, entrego um pano úmido a Noah e peço que ele
passe nos tijolos da lareira, para livrá-la do pó, antes de colocarmos os

enfeites.

— E então, Cíntia… — ele começa, como quem não quer nada. —


Você não se casou.

Eu o encaro sem entender o rumo da conversa.

— De onde saiu isso?


— Bom, agora que nós vamos… O contrato — sussurra, movendo os
lábios devagar —, quero saber mais sobre você.

Assinto, compreendendo o motivo.

— Quer saber porque eu, morando em uma cidade desse tamanho, não
tenho um namorado ou algo assim?

— Pra falar a verdade eu quero. Além das razões óbvias, estou


curioso…

— Tive um namorado na época do colégio e, depois, mais dois nos


últimos anos — conto, assistindo enquanto ele começa a limpeza. — Acabou
não dando certo, nenhum deles pretendia ficar pra sempre em Rio Dourado e,
eu, tinha minha mãe, não iria partir.

— Eu posso entender. Meu avô morou em São Paulo por muitos anos,
mas meus pais e eu ficávamos em Porto Alegre e passávamos os fins de

semana na fazenda, sempre. Eu pertenço a esse estado, acho que não saberia
viver em outro lugar. Mas e você? Ainda pensa assim?

— Não é como se eu nunca pudesse sair. Quero viajar, conhecer outros


lugares, mas não pretendo me mudar, se é o que está perguntando, eu vou
ficar, tocar a Cantina.

— Eu entendo, deve ter sido muito difícil quando sua mãe faleceu, em
uma cidade pequena, as pessoas adoram se intrometer nas vidas uns dos
outros.

— Não foi fácil a princípio — respondo, dando de ombros —, mas o


que as cidades pequenas têm de fofoca e intromissão, também têm de pessoas
acolhedoras, sabe? Acabaram me ajudando muito a superar, e assim que me
senti pronta para reabrir o lugar, todos os meus clientes estavam de volta.

— E isso é recente? Você me disse que ela faleceu um ano atrás.

— Sim, fiquei uns dois meses, quase três, sem trabalhar. Minha mãe
adorava essas festas… Eram nossos dias favoritos no ano.

— Entendo. Eu posso imaginar como se sente, como já comentei, perdi


meus pais também.

— Você tem seu avô, apesar de tudo e seus primos. Eu fiquei sozinha
definitivamente, somos só eu e o Salém.

Por algum motivo isso parece o incomodar, porque Noah muda de


assunto de repente.

— Acho que já está limpo — diz, olhando para o trabalho que


desempenhou.

— Com certeza. Agora vou pendurar as bandeirolas e você me ajuda


com as outras coisas depois.
— Deixa que eu penduro, sou mais alto — ele diz, como se isso
justificasse, porque vai ter que subir na cadeira de qualquer forma.

Não discuto, Noah se coloca embaixo da lareira, do lado de dentro,


aproveitando que ainda não a acendemos depois que o fogo se apagou a
noite. Ele está com a ponta do fio nas mãos, pronto para colocar as
bandeirolas na beirada, fixando-as por dentro para que a fita usada para

grudar não fique visível.

Noah se inclina para frente, na intenção de ver o trabalho, mas bate a


cabeça na quina da lareira e uma nuvem de cinzas cai sobre ele.

— Aiiiii — grita, assustado.

Começo a rir ao ver a cara dele, saindo de lá, coberto de fuligem.

— Eu bati a cabeça, não é legal ficar rindo assim — resmunga, como


um bebê chorão.

— Você… — tento me explicar, mas a expressão dele de raiva, com o


rosto todo marcado pelas cinzas, só me faz rir ainda mais.

— Ah, é, sua bruxa? — fala, com cara de quem pretende aprontar.

Noah volta para dentro da lareira e tento me controlar para pedir


desculpas, mas quando abro a boca, sou recebida com um punhado de cinzas
na cara.
Cuspo, tentando me livrar delas, já que a maioria acabou alojada na
minha língua e ouço a risada dele, em alto e bom som.

— Bem-feito, quem mandou rir de mim — o desaforado ainda diz,


saindo de seu esconderijo na lareira. — Vai ver o que te espera, senhorita
dona e proprietária de um restaurante.

Noah vence a distância entre nós dois e aproxima seu rosto devagar do
meu. Engulo a seco e o encaro, fitando seus olhos espetaculares, esperando
que ele me beije.

Ao invés disso, Noah me agarra pela cintura e me coloca por cima do


ombro, enquanto grito com o susto.

— Uma mulher saída coberta de cinzas da lareira? Está muito quente.


Precisa esfriar — fala, saindo comigo do salão e me levando para fora, para
os fundos.

— O que pensa que está fazendo, Noah? Me coloca no chão!

Para minha sorte, Jeni está na cozinha e não há ninguém por perto para
presenciar a ceninha.

— Seu desejo é com certeza, uma ordem, minha prenda.

Ele mira o lago e corre como se fosse me atirar na água, enquanto grito
desesperada, pedindo socorro.
Noah para às margens do rio e, gargalhando, finalmente me coloca no
chão. Eu o encaro com a boca escancarada, sem acreditar no que quase fez,

afinal de contas, ele é doido, como ia saber que estava brincando?

— Imbecil! — Ergo o punho, socando seu peito de leve.

Ainda rindo da minha expressão de ultraje, ele envolve minha cintura

com os braços, me imobilizando.

— Me larga, seu doido!

— Tu tava atucanada, precisando esfriar a cabeça, guria, mas é bem


capaz que eu ia jogar de verdade. Ficou louca? O lago está congelando.

Continuo a esmurrar seu peito, mas uma onda de risos me escapa.

— Você é definitivamente um idiota. — Apesar do frio que faz aqui


fora, tenho certeza de que minhas bochechas estão rosadas pela brincadeira e
as risadas.

— Quem mandou ficar rindo de mim? Ninguém ri de um Broussard,


nem mesmo dos deserdados.

— Ai, meu Deus! Você é muito bobo.

Sem avisar, Noah aproveita a proximidade e me beija. Enlaço seu


pescoço com as mãos, correspondendo, e ele me segura nos braços,
erguendo-me do chão e voltando para dentro do restaurante.
Estacamos diante da porta, nos deparando com a presença confusa de
Jeni, que nos encara com os olhos arregalados.

— Ok, foi uma cena e tanto — ela diz —, talvez queiram saber que a
prefeita e os outros já chegaram e, bom, eles se levantaram e assistiram a tudo
isso.
O trio fofoqueiro de Rio Dourado está parado atrás de Jeniffer, nos
observando com expressões que oscilam entre surpresas, apavoradas e
estáticas. A prefeita, o padre e o carteiro parecem ter sido pegos
desprevenidos, e aproveito o momento de vantagem para me livrar de uma

explicação.

— Vou fazer uma ligação, contar as novidades ao meu primo — aviso


e vejo Cíntia assentir, compreendendo minha estratégia de fuga.

— E eu, vou encarar a aristocracia de Rio Dourado.

Concordo com um gesto e volto a passos largos para a beira do lago,


tirando o telefone do bolso. Disco o número de Anthony e espero,
impaciente, que ele atenda minha chamada.

— Alô…

— E aí, cara — cumprimento ao ouvir meu primo do outro lado da


linha.

— Noah, e aí? Conseguiu pensar em alguma coisa desde que nos

falamos?

Abro um sorriso, imaginando a cara dele quando me ouvir. Anthony


não parecia colocar muita fé em mim e em minhas capacidades, mas um
namoro assim, do nada, com certeza vai deixar meu primo apavorado.

— Na verdade, algumas coisas mudaram.

— Que tipo de coisas?


Faço uma pausa ensaiada, a fim de dar mais suspense à história, assim
como a trilha sonora nos filmes é importante, no drama que estou criando

aqui, minha respiração, o silêncio quase audível dos meus pensamentos, é


importante pra caralho.

— Estou ajudando a Cíntia, com o restaurante — falo, finalmente. —


As coisas aqui andam meio paradas, o hotel que tinha na cidade fechou, a

pousada não comporta muitos turistas e com isso o movimento caiu. Ainda
assim, o restaurante tem clientes todos os dias… Estamos nos saindo bem, na
medida do possível.

Anthony se cala por um momento, provavelmente absorvendo as


informações.

— E você está ajudando como, exatamente? — pergunta, depois de


alguns instantes.

— Com tudo, ajudo na cozinha e a servir as mesas, estamos


organizando uma espécie de festa, celebrando o final do inverno, como a que
tem em Araucária no mês que vem.

— E... Por que você está fazendo isso? Não me leve a mal, mas não
entendo como isso cumpre com as ordens do John. Era pra você encontrar
algo pra mostrar a ele suas capacidades, a responsabilidade, mas nesse fim de
mundo...
Interrompo-o antes que Anthony termine de menosprezar minha nova
ocupação.

— Estou ajudando a administrar o restaurante e, claro, aprendendo um


pouco sobre como gerir um negócio, já que nunca fiz nada na vida.

— Certo, mas você ainda recebe apenas o aluguel — ele diz o óbvio,

como empresário e homem de negócios, Anthony, assim como nosso avô,


não vê muitas vantagens naquilo que não traz um lucro significativo.

— Não exatamente. Cíntia e eu… Nós nos entendemos — conto,


ansioso pela reação dele.

Ouço um barulho de algo caindo, e imagino que essa resposta tenha


sido demais até pra Anthony.

— Você quer… Noah, você está transando com a dona do restaurante?


— ele diminui o tom de voz, para um sussurro.

— Não fala assim — repreendo, segurando o riso para parecer mais


sério —, é diferente com ela.

— Como pode ser diferente? Vocês se conhecem a quanto tempo?


Cinco dias? — Sua voz me parece alarmada.

— Já tem quase uma semana que cheguei aqui — respondo, sem


confirmar que são exatamente cinco dias. — Eu não sei o que a Cíntia tem,
cara, mas mexeu comigo de um jeito que nunca tinha acontecido.

— O que isso quer dizer? Você está levando essa garota a sério? — O
tom dele de voz é carregado de descrença, como se estivesse esperando o
momento em que vou rir e dizer que é uma piada.

— Eu sou louco, não sou? — pergunto, mas não espero por uma

resposta. — Estamos namorando.

— Namorando? Tá brincando comigo…

— Você se lembra da última vez que tive uma namorada? — questiono,


ignorando a incredulidade dele.

— Claro que lembro, mas tem muito tempo. Anos! Tem certeza disso?

— Tenho, eu… É muito legal aqui, fiz amizades. No fim das contas,
acho que não foi uma ideia tão ruim ficar sem a grana.

— Estou ficando preocupado, você sofreu um acidente? Bateu a

cabeça?

— Não precisa se preocupar — solto uma risada, me divertindo com a


história toda —, vou mandar umas fotos do lugar pra você ter uma noção de
como é lindo.

— Está falando em um lugar lindo, em namoro e trabalho. Já conversou


com o John sobre isso?
— Não. Acha que ele vai se irritar?

— Por você estar em um namoro e tocando um restaurante? Não acho.


Era o tipo de coisa que ele queria, ainda que a guria não seja… Você sabe,
mais bem relacionada.

— Rica, você quer dizer. Isso não importa, você sabe.

— Eu não me importo com quem você… namora, Noah. Nem se a


moça é rica ou pobre, quis dizer que John pensaria assim, mas mesmo que ela
não seja a filha de um político importante ou de um empresário, o simples
fato de você estar comprometido já vai alegrar o velho.

Dessa vez permito que ele ouça minha risada, algo mais parecido com
um riso de felicidade.

— Tomara, quero muito que ele goste dela…

— Certo, estou mesmo ficando nervoso, Noah. Você está indo meio

rápido.

— Relaxa, cara… É o amor, você nunca se apaixonou?

— Bah, cara! Apaixonado em cinco dias? Eu vou ligar pro John.

— Aproveita e mostra pra ele as fotos do lugar, estou encaminhando


pra você… Até mais.
Encerro a ligação e, ainda rindo da reação de Anthony, encaminho as
fotos que Cíntia me mandou, esperando que tenham o efeito planejado.

Claro que nenhum deles é idiota, não vão acreditar em mim logo de
primeira, mas ao menos estou instaurando a dúvida, com o passar dos dias,
das semanas talvez, tudo vai ficar mais crível.

O lugar realmente é lindo, eu não estava exagerando quando disse isso.


Por mais que o restaurante seja simples, é aconchegante e a comida é
excelente.

Já o terreno atrás da construção… É onde a mágica acontece. Cheio de


árvores altas, todo gramado e com o lago o margeando, a vista é perfeita e
seria ideal para uma área de camping.

É como se, de repente, a ideia ganhasse vida e é uma ideia incrível.

O movimento caiu no comércio da cidade por falta de um lugar para os

turistas ficarem e a pousada não comportaria o fluxo de pessoas. Mas e se


abríssemos o espaço que temos para um acampamento? As pessoas pagariam
um valor simbólico para armarem suas barracas e isso com certeza iria agitar
o restaurante dia e noite, além de trazer o público para a festa de inverno.

Caminho de volta para dentro da Cantina, ansioso por contar a Cíntia


meu plano, e torcendo para que ela goste tanto quanto eu.
— Quer dizer que está namorando o Broussard? Justamente esse
Broussard? — Marisa pergunta, receosa.

Cruzo os braços, me preparando para defender meu relacionamento de


fachada, com um toque de verdade.

— Justamente esse, sim — falo, com veemência. — O padre Nelson


vai concordar comigo, porque as pessoas podem mudar, não é verdade,
padre? Podem se arrepender. O Noah aprontou muito sim, no passado, e eu

sei disso, mas ele quer ser diferente agora, se estabelecer e ser responsável.

Jeni me encara com o cenho franzido, claramente duvidando da minha


história, mas apesar da carranca que ela direciona ceticamente a mim, não diz
nada.

— Sim, sim minha filha, as pessoas mudam. Não sei se mudam tanto,
ou tão rápido assim, mas mudam — o padre diz, sem discordar de mim, mas
bem longe de concordar. — Deus pode perdoar os pecados dele, se estiver
realmente arrependido.

Marisa olha do padre para mim como se fosse uma traição que ele me
dê razão.

— Padre! Ele fez piada com a história do cachorro! Isso não mostra

arrependimento.

— Mas depois ele fez bolachas — o padre rebate.

— Ele fez piada, Marisa, mas sabemos que não fez aquilo com o
cãozinho — George diz e quase tenho esperanças —, mas e as drogas? —
sussurra, fitando os olhos arregalados em mim. — Eu sei que não somos seus
pais, mas amamos você, Cíntia. Só estamos preocupados com o seu bem.

Prefiro não dizer que Noah assumiu já ter se drogado em festas, então
me atenho apenas a parte em que ele mencionou não ser usuário. Não no dia

a dia pelo menos.

— Ele não usa drogas, é mais uma invenção dos jornalistas.

— Sei… — Dessa vez nem Jeni consegue ficar quieta.

— Gente, eu sou adulta e decidi começar esse… relacionamento. Se


não concordam, podem pelo menos respeitar? — falo, soando mais sensata
do que me sinto.
— Bom, ele é divertido, isso não posso negar — o padre diz, parecendo
procurar qualidades em Noah para aliviar o clima.

— E bonito — Marisa completa, dando de ombros.

— E fez as bolachas — o carteiro diz, como se isso fosse uma questão


de caráter.

Não consigo evitar a risada ao ouvir os comentários forçados.

— Olha, tratem bem ao Noah e aceitem minha decisão, mesmo não


concordando. Só peço isso e vai ficar tudo bem.

Os quatro aquiescem, uns olhando para os outros e, antes que alguém


possa dizer algo mais, Noah entra pela porta dos fundos, sorrindo. Os olhos
dele tem um brilho diferente, como se estivesse em êxtase.

— Que foi?

— Eu tive uma ideia, muito boa mesmo!

Os outros começam a se afastar, imaginando que o assunto seja


particular, mas Noah os impede.

— Esperem aí, principalmente a senhora, prefeita.

— Eu?

— Sim. Vai me dizer se não é uma ótima sugestão. — Noah gesticula


com as mãos, empolgado, e fico apenas observando, esperando a explicação.
— Vocês estão reclamando do movimento na cidade, os turistas que não

estão vindo por falta de hospedagem e o iminente fracasso da festa de agosto,


que ninguém admitiu até agora, mas todos estão já prevendo.

— Sabemos disso, rapaz, mas temos que ter fé, pensar positivo — o
padre comenta.

A verdade é que todos nós estamos cientes de que a situação não está
nada fácil, mas preferimos não dizer, como se o simples fato de falar,
piorasse tudo.

— Sim, eu sei, mas a questão é, se tivesse um lugar para as pessoas se


hospedarem, os turistas voltariam a vir.

— É verdade — Marisa concorda —, está um pouco em cima da hora


para a divulgação, caso tivéssemos um lugar, mas em teoria, sim, isso iria

ajudar.

— Divulgação é feita na internet, prefeita. Não vê como do dia para a


noite chegou até aqui a notícia sobre mim e o cachorro? Internet.

— Claro, mas notícias ruins voam, menino. E de nada adianta essa


conjectura toda, porque seguimos sem hotel.

— E se a Cíntia montasse aqui, no quintal, uma área de camping? As


pessoas armariam suas barracas aí nos fundos. Uma coisa bem de turista
mesmo, fica mais barato e geralmente quem está viajando gosta de

economizar em hospedagem, eu imagino — ele diz, dando de ombros,


deixando claro que nunca precisou economizar na vida, até agora. — Os
hóspedes iriam consumir no restaurante, mas também nos outros comércios
da cidade, os passeios pela região voltariam a ter movimento e o público para

a festa de inverno já estaria literalmente aqui.

— Noah... — digo, mas ele me interrompe.

— Eu sei, pode parecer uma loucura, né? Mas pensa, Cíntia, tem tudo
pra dar certo. Você além de conseguir melhorar o movimento, ainda vai tirar
uma grana com o aluguel do espaço. Tem algum lugar que venda barracas na
cidade? Porque o cara poderia fazer um bom dinheiro também, deixando
algumas aqui pra oferecermos.

— É uma ideia fantástica — a prefeita só falta pular de empolgação.

Marisa olha de um para o outro, fitando aos amigos, a mim e a Jeni,


como se procurasse ver se nós gostamos tanto da ideia quanto ela.

— Não é? — ele concorda, na mesma animação. — E o momento é


perfeito, porque logo tem a festa de inverno de Araucária, então as pessoas
podem transitar daqui para lá.
— Tem razão — o padre se pronuncia —, as festas do seu avô, tanto
essa quanto a da colheita no começo do ano, reúnem muita gente. Se formos

espertos podemos aproveitar o momento.

— O que acha, Cíntia? — Noah me encara, cheio de expectativa.

— O que eu acho? É perfeito, isso vai salvar nosso comércio, Noah.

E realmente vai. A ideia não é boa apenas para mim, mas para toda a
cidade, já que a maioria das pessoas aqui depende do turismo, considerando
que a cidade em si é pequena.

— Então tá, mãos à obra — ele diz, esfregando as palmas das mãos
uma na outra. — Você tem um computador? Vou pedir alguns favores,
conseguir artes para divulgarmos e pedir pra um amigo colocar no jornal.

— Você tem amigos no jornal? — pergunto, surpresa.

— Tenho, você acha que só porque sempre viro notícia eu não tenho

amizade na área? Na verdade, se não tivesse, provavelmente as manchetes


seriam piores. O Diego alivia as coisas pro meu lado quando pode.

— Então tá — concordo. — Vou pegar o notebook pra você usar.


Aliás, está na cozinha, tem uma gaveta naquela mesa, pode pegar lá.

Noah concorda e, acenando para os outros, se dirige para a cozinha, em


parte andando, em parte correndo.
— É, no fim das contas, o menino teve uma boa ideia — o padre
comenta, abrindo um sorriso contido.

— Não é completamente um inútil — Marisa resmunga, aquiescendo


também.

Jeni começa a rir ao ouvir a prefeita, que no fundo não é uma pessoa

ruim, só um pouco crítica demais. Os três amigos voltam para sua mesa de
costume, mas o caos já foi instaurado e não os ouço falar em outra coisa.

Quando terminam o café da manhã, já se decidiram sobre emprestar as


próprias barracas para que eu as alugue, investir um valor da prefeitura na
divulgação do evento e das novas acomodações, se é que podemos chamar
assim.

Enquanto Noah se dedica à sua parte do trabalho, Marisa envia dois


rapazes para capinarem o quintal, e ele decide se juntar a eles. Não posso

imaginar que seja algo que está habituado a fazer, mas não critico por razões
óbvias, ele está se esforçando.

Já é quase noite quando conseguem terminar o trabalho e observo da


porta enquanto os outros dois, filhos da Lúcia, que mora no fim da rua,
deixam o restaurante levando com eles os sacos de lixo cheios com o capim
cortado.
Noah volta para dentro do restaurante, completamente desordenado. O
rosto está suado e manchado com algo que imagino ser terra, já que ele havia

limpado a fuligem da lareira antes de sair, as roupas estão surradas e os


cabelos revoltos, e ele conseguiu ficar ainda mais lindo assim, com esse
aspecto meio selvagem.

— E então? — pergunto, enquanto ele observa os poucos clientes da

noite, sentados em uma mesa mais distante de onde estamos.

— Tudo limpo, amanhã vou me dedicar a essa questão da divulgação, o


Diego disse que se eu enviar as informações, não vai cobrar pela reportagem,
já que é cultura local.

— Certo, então falta a arte?

— Na verdade, não. Eu mandei uma mensagem pro Michael, meu


primo. Ele entende dessas coisas e vai me enviar até de manhã.

— Ah, que legal! Pelo visto ele é um cara legal.

— Ele está é se divertindo com a ideia de que eu esteja realmente


fazendo alguma coisa, mas prefere ajudar, pra poder assistir.

— Sei… O que importa é que ele vai fazer.

— Isso. Eu quero tomar um banho, posso subir?

— Claro, quando terminar aqui eu subo.


Noah sorri de lado, parece cansado, mas nunca perde a pose de
cafajeste.

— Se eu ainda estiver no banho, pode entrar sem bater.

— Obrigada pelo convite — respondo, achando graça. — E nosso


contrato? Fica pra amanhã? — pergunto, me lembrando que havíamos

combinado de fazer isso hoje.

— Eu cheguei a digitar, na cozinha. Será que você teria uma


impressora?

— Acho que aí já está querendo demais, mas amanhã damos um pulo


na prefeitura e uso a da Marisa emprestada.

— Combinado.
Saio com Noah de mãos dadas do restaurante. É exagerado e muito
esquisito, mas ele insiste que um casal que acaba de se descobrir apaixonado,
tem por obrigatoriedade andar de mãos dadas.

As pessoas desviam os olhos de seus caminhos para nós encarar e


enquanto me encolho, constrangida, Noah parece se divertir cada vez mais.

Passamos pela praça da cidade e o desafio só aumenta. Parece que


todas as pessoas de Rio Dourado decidiram sair para as ruas e estão nos

observando.

É com alívio que avisto o prédio da prefeitura que fica exatamente ao


lado da igreja.

— Prefere vir comigo à prefeitura ou esperar conversando com o


padre?

— O padre — ele diz na mesma hora. — Nunca pensei que faria essa
escolha, mas ele decididamente gosta mais de mim.

— É, nisso estamos de acordo.

Noah solta minha mão e cada um de nós sobe os degraus do prédio


escolhido.

Aceno para ele no topo da escada e entro na prefeitura, com o pendrive


seguro no bolso.

— Bom dia, Cíntia! — Daiane cumprimenta. — Veio ver a Marisa?


— Vim, ela está?

— Em uma reunião com o Juca, ele veio pedir alguma coisa. Sabe
como ele é… — comenta, e na verdade eu sei.

Juca é o diretor da escola de Rio Dourado e vive pedindo benefícios à


prefeitura, não que esteja errado.

— Vou esperar.

Eu me encosto no balcão em que Daiana trabalha, pronta para uns cinco


minutos de conversa jogada fora, mas não esperava que Noah fosse o
primeiro tópico.

— Fiquei sabendo que está namorando.

— É mesmo? Considerando que eu fiquei sabendo ontem, a notícia


correu rápido.

— Ah, todo mundo já sabe. E um Broussard, ainda por cima!

— É mesmo — respondo, por falta de alternativa.

— Ele vai ajudar na festa, não é? Me falaram que foi dele a ideia do
camping no seu terreno. Achei romântico ele pensar em você assim…

Abro um sorriso sem graça. A questão é que não é de todo mentira.

Por mais que minha história com Noah tenha a ver com o contrato que
combinamos, não se resume a isso, e sua ideia para a hospedagem dos turistas
foi mesmo incrível e, acredito eu, altruísta.

Não imagino que tenha pensado em tirar algum proveito financeiro


disso, talvez apenas umas fotos para o avô.

— Como foi que se conheceram? — ela insiste. — Você vive aqui,

enfurnada nessa cidade e ele é do mundão né? Vive nas manchetes.

— Vivia — defendo meu namorado regenerado e um pouco falsificado.


— Conheci Noah no restaurante, ele veio tratar um assunto relacionado ao
aluguel e foi assim.

— Amor à primeira vista! Ahh, que romântico… Toma? — ela enche a


cuia e me alcança.

— Obrigada — agradeço. — Não é? Caí de amores logo no primeiro


momento. — Sinto minhas bochechas se avermelharem de vergonha com a

mentira.

Não é como se eu não tivesse achado ele lindo já de cara, ainda que
mal-educado, mas cair de amores no primeiro dia beira o ridículo.

A porta da sala de Marisa se abre e ela sai de lá, acompanhada do seu


Juca.

Eles se despedem com um aperto de mão e ele passa por nós,


cumprimentando educadamente.

— Parabéns pelo namoro, Cíntia — diz, antes de sair pela porta,


seguindo para a rua.

Desvio os olhos para Marisa com a sobrancelha erguida e ela trata logo
de levantar as mãos em sua defesa.

— Não fui eu, juro! Eu não contei pra ninguém. — Então ela encara a
secretaria, atrás de mim e faz uma careta. — Talvez só pra Daiana.

— E como o Juca está sabendo?

— Provavelmente foi o padre, ele não para de falar nisso. Acho que
gosta mesmo do Noah.

— E o George disse que as bolachas dele são melhores que as suas.

— O quê? Era só o que me faltava — respondo, levemente irritada. —


Um bando de fofoqueiros. Mas olha só, preciso da sua impressora, Marisa.

Pode me emprestar? Se puder, vou esquecer sua língua solta.

— Claro que posso. É pra alguma coisa relacionada à festa?

— Isso. Vou imprimir uns folhetos com dicas de todos os


estabelecimentos da cidade, para os turistas e, assim, um comerciante sempre
pode indicar os outros.
Não é mentira, já que pretendo imprimir o contrato e os folhetos. Noah
me ajudou a reunir as melhores dicas de manhã e digitalizei tudo, afinal, era

óbvio que Marisa iria perguntar a respeito e que eu precisaria de uma


desculpa. Além disso, realmente é uma boa ideia.

— Entra lá então, fique à vontade — ela diz.

Não tenho a menor ideia de quando foi a última vez em que entrei em
uma igreja.

Talvez tenha sido quando meus pais morreram.

Passo pelas portas altas e tenho aquela sensação estranha que as igrejas
causam, é como se eu estivesse mesmo em um lugar diferente, o que só me
incomoda porque me sinto mais inadequado.

— Noah? — o padre chama, de algum lugar que não consigo


identificar.
Procuro com os olhos por ele, mas não o vejo a princípio, então a porta
do confessionário se abre e ele sai de lá de dentro.

— Veio se confessar?

— Acho melhor não — respondo, achando graça. — Não teria


penitência o bastante, padre Nelson.

— Ah, sempre tem. Tenho ótimas ideias pra você ser absolvido.

— Imagino que isso queira dizer que pensou muito nisso.

— Pensei, realmente pensei. Venha… — Ele convida com a mão, para


que eu me sente ao seu lado em um dos bancos.

Faço o que o padre pede, sem saber bem como agir diante dele, então
fico olhando para a igreja, analisando o teto e os desenhos pintados nele, os
santos que me olham com aquela carinha de reprovação.

— Então, senhor Broussard…

— Pode me chamar de Noah, senhor Broussard é meu avô — respondo,


rindo do tom formal.

— Certo, certo. Noah, você e a menina Cíntia estão namorando.

Sinto o cheiro do sermão de longe, afinal, Cíntia é uma garota toda


certinha e cresceu aqui, é natural que tentem protegê-la de alguém como eu.
— Estamos, eu garanto que é sério… — Xingo um palavrão
mentalmente, por mentir dentro da igreja e depois xingo outro, por praguejar

ao lado de um padre.

— Sei. Vou te contar primeiro como Cíntia e eu nos conhecemos — ele


começa, mesmo que eu não tenha demonstrado interesse na história. — Ela
tinha uns sete anos quando fui transferido para essa igreja. A maioria das fiéis

veio me ver, trouxeram presentes, participaram da missa… Uma espécie de


boas-vindas. Mas a mãe dela não veio.

— Não veio? Sempre achei Cíntia uma garota religiosa, por algum
motivo.

Pensando bem, minha ideia a esse respeito não tem nenhum


fundamento além do fato do padre tomar café na Cantina todos os dias.

— Não. Me senti na obrigação de ir até lá, cumprimentá-la e me

apresentar, já que tinham me dito que a família toda era católica. Então fui
tomar um café… Encontrei a mãe dela no balcão, o marido ainda era vivo e
estava na cozinha, preparando um assado e, perto da porta, atendendo a uma
mesa, estava a pequena Cíntia.

— Ela estava servindo os clientes?

— Sim. A família toda trabalhava junto, se revezavam nas tarefas e


como abriam de manhã, a tarde e à noite, não puderam assistir à missa — ele
conta —, mas a questão é que a pequena me viu, olhou a batina e abriu um

sorriso grande. Ela disse: manhê, o padre veio abençoar a gente.

— Gritou no meio do restaurante? — Começo a rir, imaginando a cena.

— Claro, crianças não tem muita noção de bons modos, mas o

importante é que ela logo correu para dentro da cozinha e me arrumou um


prato cheio de coisas gostosas e colocou em uma mesa. Depois me empurrou
para uma mesa e se sentou na minha frente.

Aquiesço, porque ainda estou ouvindo e esperando a lição de moral,


mas até agora parece ser apenas uma história.

— Uma mulher se levantou e começou a brigar com a mãe da Cíntia…


Falando que o café estava horrível e sem açúcar e a Dalva pediu desculpas,
sem grosseria e voltou pra cozinha pra preparar outro. Eu olhei para a menina

Cíntia, esperando ver aquela transparência que sempre vemos nas crianças,
porque elas não conseguem disfarçar muito bem a raiva, mas ela estava
serena.

— Assim como a mãe.

— Sim, eu perguntei se estava tudo bem e ela disse: Capaz que ela
dormiu mal essa noite… Como se isso justificasse a gritaria da mulher. — O
padre faz uma pausa e olha para o teto, medindo suas palavras. — O fato, é
que Cíntia sempre foi assim, ela procura o melhor nas pessoas e acredita na

mudança, ela encontra desculpas e motivos para as atitudes dos outros,


porque é boa, então acha que todo mundo é. Ela dificilmente julga e sempre
ouve as explicações e, quando preciso, é a primeira a perdoar.

— Entendo…

— Entende, não é? É exatamente o que ela está fazendo com você,


Noah. Todo mundo nessa região conhece seu nome, sabe de tudo que você já
aprontou. Me dói ser eu, um padre, a ter que te dizer isso, não quero que sinta
que o estou julgando, eu realmente acredito que as pessoas possam mudar,
possam melhorar, mas pelo bem daquela menina, me vi nessa situação de te
pedir isso.

— Pedir?

— Sim, se por acaso a Cíntia for só um passatempo, vá embora.


Estamos de braços abertos para receber você aqui, nessa comunidade unida,
que se ajuda, desde que seja sincero e honesto sobre os seus sentimentos,
desde que não a magoe.

A honestidade do padre me comove um pouco e talvez seja o ambiente


ou a conversa franca, mas decido ser sincero, na medida do possível.
— Padre, eu não estou enganando a Cíntia. O que posso dizer é que
estamos nos conhecendo, não sei ainda ao que isso vai levar, mas eu gosto de

estar com ela. A Cíntia tem esse dom de aceitar as pessoas, de ver o lado
bom, e sinto como se fosse tudo o que eu precisava. Alguém que me
escutasse, que me entendesse… Que não julgasse sem me conhecer de
verdade.

— Ela é mesmo assim, menino. Não quero que fique chateado comigo,
eu só não conseguiria dormir bem se não te dissesse isso, mas somos amigos,
tá bom?

Padre Nelson me dá dois tapas nas costas — fortes, para alguém da


idade dele —, e abre um sorriso largo.

— Tá bom, fico feliz que ela tenha alguém que cuide dela, que se
preocupe — respondo, e não menti em nenhuma palavra.

Deixo a igreja me sentindo mais estranho que quando cheguei. Em


partes porque não esperava uma conversa tão sincera, principalmente da
minha parte, mas também porque a culpa me atinge como um soco no
estômago.

Cíntia aceitou o contrato, temos um acordo, mas os beijos, o sexo, nada


disso faz parte do nosso combinado. É química, uma coisa que aconteceu
naturalmente.
Apesar de gostar dela, de passar esse tempo com Cíntia, sei bem que
meus planos não envolvem viver em Rio Dourado, construir uma família

aqui, não sou o tipo de cara que ela merece.

Sou egoísta e, por isso mesmo, não consigo pensar na possibilidade de


pararmos com o que estamos fazendo, de não transar mais com ela, de não
nos beijarmos, para que Cíntia não se magoe.

Mas consigo abrir o jogo e ser sincero e esperar que essa decisão seja
tomada por ela.

Cíntia desce as escadas da prefeitura, sorridente, e me encontra no


último degrau. Seguro a mão dela outra vez e caminhamos de volta para a
Cantina.

Quando entramos, ela pede que Jeniffer tome conta de tudo por mais
um instante e me convida a subir para o andar de cima, mostrando o contrato

em suas mãos com um gesto sutil.

Cíntia coloca os papéis sobre a mesa, duas cópias, e abre a gaveta do


armário, na pequena cozinha, procurando por canetas.

— Você está calado — comenta, me entregando a caneta que


encontrou.

— Só pensando.
— No contrato? Quer desistir? — Ela para a mão sobre a folha,
hesitando.

— Não. Sobre o contrato não, sobre nós… Eu sei que o que está
acontecendo é muito novo e muito bom, sei também que você disse que
entende, que vou embora depois. Isso ainda é verdade, Cíntia?

Ela inclina o rosto de lado por um instante e ameaça abrir um sorriso.

— Está com medo que eu sofra quando for embora, Noah?

— Só não quero que fique triste, ou que crie alguma…

— Expectativa. Bem capaz! Já te disse que você é convencido, não


disse? Sei bem onde estou me metendo, fique tranquilo quanto a isso, é só…
diversão.

Por alguma razão, as palavras dela não me despertam a sensação de


alívio que imaginei. Se as coisas fossem diferentes, se eu fosse uma outra

pessoa, com outra bagagem e história, com certeza poderia ser feliz aqui, com
ela, nessa cidade.

Mas eu sou Noah Broussard, a descrição perfeita de erro.


Alguns dias se passam, enquanto mergulhamos em divulgação e nos

preparativos para a Festa de Inverno. A de Rio Dourado acontece amanhã e a


de Araucária em uma semana, então estamos atolados de trabalho e também
me sinto um pouco ansioso, com a perspectiva de ver meu avô, levando
Cíntia comigo, muito em breve.

Coloco a caixa com os enfeites sobre a mesa enorme que foi posta no
quintal e encaro Cíntia, com as mãos nos bolsos, esperando os
direcionamentos. É muito estranho estar sob as ordens dela, mas é o que
tenho feito desde que cheguei aqui, uns quinze dias atrás.

— Bom, Noah. O que faz a nossa festa de inverno ser diferente de


todas as outras? Além desse espírito de comunhão que já constatamos que
você não tem — ela brinca.

— A comida? — É a melhor coisa da data de que consigo me lembrar.

— Claro que não. Também temos comida nas outras festas. O que faz
nossa festa especial é a decoração à beira do lago — ela diz, apontando com
o dedo para que eu note a pilha de madeira que já é bem visível, onde será
acesa a fogueira.

— Ah, isso. Sem falar no camping…

A ideia das barracas foi um sucesso absoluto. Nos últimos dias,


centenas de pessoas passaram pela cidade, aproveitando nossa área de

camping.

Passamos a semana com o restaurante lotado dia e noite e, com a grana


que Cíntia fez, ela nem vai precisar esperar o dinheiro do meu avô voltar a
circular para pagar as despesas no banco.

Mesmo com a festa no dia seguinte, apenas tomamos o cuidado de


mover o acampamento para um dos lados do terreno, deixando uma parte
dele livre para as pessoas circularem, para a fogueira e para as mesas de
comida.

— Sim. Então, aqui nessas caixas eu tenho luzes para colocarmos nas
árvores, quero que as espalhe, esticando os cordões como se fossem varais.
Na outra caixa — ela diz, apontando para a mesa —, tenho os lampiões que
finalmente foram entregues, eles vão ser colocados sobre as mesas para
ajudar na iluminação.

— E as bandeirinhas?
— A Marisa e a trupe dela já estão cuidando disso.

Do outro lado do terreno, a prefeita, o padre e o carteiro, esticam os fios


cheios de bandeirolas coloridas.

— Hum… Acha que devo trocar de roupa?

Ela me encara, observando a camisa xadrez que já vesti e abre um

sorriso. A mulher é sexy pra caralho e mal se dá conta disso, acho que a
ingenuidade é o que é mais fascinante.

— Vai sujar… Se não tiver outra pra amanhã, melhor trocar. Posso
ajudar…

Engulo em seco. Tenho certeza de que entendi errado, ela não pode
estar sugerindo tirar minhas roupas agora.

— O que disse?

Vejo seu rosto tingir-se de vermelho, quando ela percebe o que

pareceu.

— Quero dizer… Se quiser continuar com essa, posso colocar pra lavar
depois. Ajudar com as roupas, eu quis dizer, com a limpeza delas.

— Que pena. Onde estávamos mesmo? — pergunto, tentando focar.


Perdi a concentração depois que a ideia de nudez se instalou na minha mente
pervertida.
— As luzes, Noah. Troque a camisa e depois coloque as luzes nas
árvores. — Já que vai usar xadrez, deveria usar um chapéu de palha também

— sugere, me fitando com olhar travesso.

— Só se você se vestir com um vestidinho rodado e fizer duas


trancinhas.

— Eu até tenho uma fantasia dessas…

— Também tenho, estou fantasiando agora mesmo. — Me aproximo


para sussurrar em seu ouvido, de modo que mais ninguém escute a baixaria.
— Você sobe o vestido, eu seguro suas tranças e você monta em mim bem
gostoso.

Cíntia desvia os olhos dos meus e isso me faz sorrir. Ao menos minhas
intenções obscenas são bem claras e, apesar da timidez e do recato durante o
dia, nós nos entendemos bem na cama, todas as noites, desde aquela manhã

no chuveiro.

— Vamos começar… — Cíntia abre a caixa maior e começa a retirar


de lá várias luzes diferentes. — Se troca e traz logo uma escada.

Onde fui me meter? Essa doida parece disposta a colocar luzes até nos
banheiros. Sigo a ordem e corro até o quarto, substituindo a camisa por uma
camiseta mais velha, depois pego a escada na cozinha do restaurante e volto
para fora para cumprir minha tarefa.

Avanço para onde ela indica e posiciono a escada, enquanto Cíntia


passa por mim e apoia o pé no primeiro degrau. O cheiro dele invade meus
sentidos, tão perto que se eu me inclinasse um pouco poderia me afundar em
seus cabelos.

— Vou subir e colocar as luzes — falo, ao ver que ela parece planejar
subir por conta própria —, você me entrega as coisas, tudo bem?

— Não, mudei de ideia. Você não sabe enfeitar direito… Vou e você
me entrega as luzes.

Antes que eu retruque, vejo-a subir os degraus com rapidez.

— Pode me entregar aquelas que parecem lâmpadas? Vou começar


com elas… — A voz dela me alcança, vinda de cima, e ergo os olhos.

O sol está quase se pondo e os raios dourados incidem sobre os cabelos

dela, brilhando de uma maneira que faz com que ela se pareça com uma
pintura.

— Tá bom, vamos começar. Acho que vai esfriar e quero terminar tudo
antes de encarangar aqui fora…

Caminho até a mesa, onde ela deixou a caixa e começo a remexer,


procurando o que ela pediu.
— Sabe de uma coisa? Acho que merecemos um Del Broussard hoje,
Noah — ela grita, lá de cima —, depois de tanto trabalho e do lucro que

tivemos, uma garrafa não vai me falir.

Eu me viro para responder e percebo que a escada escorregou, Cíntia se


desequilibra e não consegue se segurar na árvore. Então corro, abrindo os
braços para tentar amparar sua queda.

Em dois passos eu a alcanço. O baque do corpo dela sobre o meu nos


atira ao chão, mas ao menos consigo amortecer o impacto.

Sinto o peso dela. Sua respiração acelerada faz com que os seios
fiquem mais visíveis enquanto seu peito sobe e desce e seus olhos se focam
nos meus.

Sobre nós, as folhas da árvore balançam com o vento, que também


bagunça os cabelos dela.

— Obrigada por me segurar. — Seus olhos escuros desviam para


minha boca e sinto meu pau tomar vida dentro das calças. A fricção deliciosa
de todas as partes dela em cima de mim me tira o raciocínio.

Levo a mão aos seus cabelos, prendendo-os atrás da orelha, e ela me


encara por um momento.

Antes que eu possa tomar uma atitude e avançar, Cíntia se inclina um


pouco e me beija. Sua boca gostosa se move sobre a minha rapidamente, mas
logo que cerco seu corpo com minhas mãos, ela sorri e se afasta.

— Muita gente perto, seu tarado — fala, se divertindo —, até o padre,


Noah! — Cíntia se levanta e estende a mão para que eu a segure.

— Estraga-prazeres. — Levanto também, e vejo o olhar de esguelha

que ela me lança, pouco antes de Marisa se aproximar, correndo.

— Vocês estão bem? — pergunta, assustada.

— Noah me segurou — Cíntia diz, como se eu fosse um herói. — Mas


acho que vamos ter que deixar as luzes para amanhã cedo. Meu pé está
doendo um pouco.

— Eu posso terminar, Cíntia. Você entra e descansa — sugiro.

— Claro que não! Está anoitecendo e esfriando, a festa é amanhã e só


faltam as luzes, então vamos parar por hoje.

Marisa aquiesce e com um gesto chama o padre e seu George.

— Vamos embora, a menina quer descansar um pouco. Amanhã


terminamos tudo.

Eles atendem ao chamado da prefeita e logo se despedem de nós,


deixando o gramado e saindo por dentro do restaurante.
— E agora? Quer tomar um banho? — pergunto, brincando com uma
mecha do cabelo dela.

— Tenho uma ótima ideia.


Cíntia caminha na frente, e noto que manca um pouco, o que reforça o
que disse sobre o pé machucado. Deixo a caixa com as luzes no chão e corro
para ajudá-la, oferecendo apoio.

— Volto pra pegar depois que você se sentar.

— E quem disse que vou me sentar agora?

Olho para ela, sem acreditar.

— Você machucou o pé, ainda tem cliente no restaurante. Descansa um

pouco pra bebermos nosso Del Broussard depois.

Ela faz um gesto de desdém com a mão.

— Isso é mais tarde, vou fazer um chocolate quente pra nós agora.

— Chocolate? Assim, do nada?

Passamos pela porta enquanto a seguro pelo braço.

— É, acho que o clima me influenciou.

Ajudo a teimosa a caminhar até a cozinha e deixo-a sozinha por um

instante para buscar a caixa, mas entro logo depois.

O restaurante já tem algumas mesas ocupadas, e Jeni está correndo de


um lado para o outro, entre preparar os pratos e servir.

— Vou levar isso na cozinha e venho te ajudar — ofereço.

— Está bem tranquilo por enquanto, os pratos que eles pediram são
mais rápidos e a Cíntia e eu já deixamos tudo semipronto.
— Tá bom, qualquer coisa me chama então.

Deixo-a no balcão e entro na cozinha, onde encontro Cíntia de pé, perto


dos armários.

— Voltei. O que precisa que eu faça pra te ajudar?

Ela apenas sorri.

— Por enquanto nada… Vou fazer pra você o melhor chocolate quente
do mundo, com direito a marshmallows.

— E posso batizar o chocolate? — pergunto.

Não sou muito de comer doces, não é como se não gostasse, mas
também não faço questão alguma.

— Por que você faria isso? Virou religioso agora? — ela questiona,
com as duas mãos na cintura.

Solto uma gargalhada ao perceber que ela está falando sério e não
entendeu a piada.

— Quis dizer batizar com álcool, guria.

— Ahh, agora sim estou vendo o verdadeiro Noah Broussard, aliciador


de boas moças.

Cíntia responde, também sorrindo enquanto amarra o avental rosa em


volta do corpo.

— Aliciador coisa nenhuma, você entrou nessa de livre e espontânea


vontade.

— Claro que entrei, você chegou com essas tatuagens, esse abdômen e
esse sorriso. Ficou complicado pro meu lado.

— Então quer dizer que é tudo pelo meu corpo? — Me divirto com a
expressão de desgosto que ela faz.

— Claro que não, não sou fácil assim, Noah. É pelo dinheiro, meu caro.

Sento em uma das cadeiras, observando-a retirar os ingredientes do


armário para começar o preparo da bebida.

— Então é isso… Sua interesseira. Só porque sou bonito, inteligente,


bom de cama e rico.

— E muito humilde — completa. — Preciso de uma panela agora, pode

pegar uma? Não quero forçar o pé.

Abro os armários nas paredes, enquanto Cíntia espera, sem me mostrar


exatamente onde está a panela que quer usar. Ainda assim, não demoro muito
a encontrar.

— Pronto. Agora vou começar minha mágica. — Ela ergue a panela no


ar como se fosse uma varinha.
— Depois o metido sou eu. Vou para o salão ver se a Jeniffer precisa
de ajuda, tá bom? Já volto, mas se precisar de ajuda com o pé é só gritar.

Como o movimento parece sob controle, decido ficar no caixa,


enquanto Jeniffer serve algumas mesas, atende aos pedidos dos nossos
clientes e da galera do acampamento.

Fecho algumas contas e, nos momentos livres, ajudo a retirar os pratos;


quando resta apenas uma mesa ocupada, volto para a cozinha.

— E então? — pergunto, ao ver que Cíntia ainda não terminou.

— Quase lá, vou mexer mais alguns minutos e logo você vai provar
essa delícia.

— Sei. E se eu não gostar? Não posso nem jogar vodca aí no meio.

— Vodca? Pelo amor de Deus — ela resmunga, ranzinza. — Se não


gostar, vou ter que aceitar que você é uma causa perdida.

Sorrio, ouvindo o tom triste na voz dela e ainda mais com o suspiro
pesado que Cíntia solta em seguida, como se a ideia partisse seu coração.

— Agora, preciso de música, ou o chocolate vai desandar — fala,


instantaneamente esquecendo a falsa tristeza.

— Música? O que isso tem a ver? — Franzo o cenho, aguardando uma


explicação.
— É o clima, Noah. Deixa de ser chato e coloca no celular aí uma
música legal. Pode ser aquela nã, nã, nãnãnã… — ela cantarola e, apesar da

falta de ritmo, consigo compreender perfeitamente a música bonitinha e


romântica que Cíntia está sugerindo.

— De jeito nenhum! No meu celular não toca esse tipo de música, vou
colocar um funk proibidão.

Cíntia bate a colher de pau na panela e me olha com ar de repreensão.

— Noah! Se o chocolate estragar vai ser culpa da música.

Essa doida…

— Então vamos ouvir Despacito, um meio termo — sugiro.

Ela revira os olhos, mas não me impede.

Coloco a música no celular e o som invade a cozinha, bem baixinho.


Pouco depois, Cíntia começa a dançar no lugar, o pé machucado meio

suspenso. É uma cena e tanto, bem engraçadinha apesar de não ser nada sexy.

Ela inala o aroma da bebida e solta um suspiro, contente.

— Huuum, sabe, Noah? Eu amo o que eu faço. E você?

— Também amo o que você faz, inclusive o cheiro está incrível.

— Bobo. Quero saber sobre o que você faz, quando não está aqui.
— Eu não fazia nada, Cíntia — respondo, e vejo o rosto dela se contrair
em uma careta. — Mas claro que eu gostava, acho muito bom colocar os pés

em cima de uma espreguiçadeira, na beira de uma piscina.

— Bom vai ser meu chocolate. — Cíntia retira a panela do fogo e


coloca sobre um pano, na pia.

Abre o armário outra vez e logo volta com três canecas de porcelana,
vejo-a servir a bebida nas canecas e depois me entregar uma. Jeniffer entra na
cozinha, abrindo a porta com um estrondo.

— Todos já saíram. Senti cheiro de chocolate?

— Já coloquei pra você. — Cíntia mostra a caneca em um canto.

— Vou pegar os marshmallows!

Jeni abre uma gaveta e pega um saco grande com os doces.

— Esse negócio já é açucarado, pra que colocar isso em cima? —

pergunto, notando que as duas são como formigas, ou crianças.

— Ô Broussard, não julgue antes de provar — Jeniffer reclama, com


seriedade.

— Olha só, pra quem queria meus nudes, você anda meio arisca —
rebato.
— Eu já vi seus nudes, meu filho. Esqueceu que o país inteiro viu? Só
que apaguei em respeito à minha amiga, sua namorada aqui.

Olho dela para Cíntia, sondando se ela está falando sério, mas ninguém
nega.

— Eu não quero que as pessoas fiquem me vendo pelado, merda —

resmungo.

— Mesmo que as fotos sumam, já rolaram muitos prints, então se


acostume. A Cíntia já se acostumou.

Arregalo os olhos diante da nova informação, por essa eu não esperava.

— Também vazaram nudes seus pela internet, Cíntia?

As duas começam a rir, como se eu fosse doido.

— Idiota. Ela quis dizer que me acostumei com o fato de as pessoas


terem visto meu namorado sem roupa — ela diz, mas desvia os olhos dos

meus na palavra namorado.

Ela sempre faz isso, acho que se sente incomodada com a mentira.

— Agora bebe, vai… — instiga.

Crio coragem para a bebida que deve estar quase um melado e


aproximo a caneca da boca. Ao menos o cheiro está bom.
Provo um gole e sou obrigado a dar o braço a torcer, está uma delícia.

— Caralho…

— Bom, não é? — Jeniffer pergunta, também bebendo da própria


caneca.

— Delicioso, parabéns Cíntia. Já pode vender aqui.

— Eu vendo — ela ri, se divertindo ao constatar que realmente gostei


—, e ninguém coloca vodca.

— Mas é sério, ficaria ótimo com vodca.

Jeni coloca a caneca vazia sobre a mesa, com um baque.

— Eu vou pra casa, amanhã tem a festa e quero descansar um pouco


antes do agito.

— Vai lá, Jeni. A propósito, quero ver as botas enormes que você ia

comprar.

— Vou vir com elas, claro. Vejo vocês amanhã — ela responde para
Cíntia e se abaixa para acariciar a cabeça do Salém, que de repente está em
uma das cadeiras, deitado confortavelmente. — Boa noite, Salém.

Jeni sai da cozinha e pouco depois ouvimos a porta da frente se fechar e


o barulho da chave, indicando que ela trancou.
— Sabe que o Salém é meio esquisito?

— Por quê? — Cíntia pergunta, terminando de tomar o chocolate.

— Ele não estava aqui, mas aí, surgiu do além.

— Ele sempre faz isso, e desaparece do mesmo jeito. — Ela aponta


para a cadeira vazia na qual ele estava pouco antes.

— Tá vendo?

— Ele é temperamental, você o chamou de esquisito, ele ficou sentido


— explica, como se o gato nos entendesse.

— Sei. Vamos subir? Tomar um banho e abrir aquele vinho?

— O que nós vamos comer?

— Alguém vende pizza aqui? — pergunto, faz tempo desde que comi
uma e, como recebi o dinheiro do aluguel tem dois dias, estou me sentindo

rico com meus oitocentos reais.

— Ótima ideia.

Nosso fim de noite é tranquilo. A pizza não demora nem vinte minutos
para chegar, uma das vantagens de cidades pequenas como Araucária e Rio
Dourado.

Comemos enquanto nos servimos de duas taças de vinho, e Cíntia se


diverte escutando minhas histórias malucas.

— Nós estávamos em um bar lotado, em Porto Alegre, eu morei lá a


maior parte da vida e nos fins de semana ia com meus pais pra Araucária,
mesmo antes do John se mudar de São Paulo e ficar de vez na fazenda.

— Tá, mas e a prisão?

— Quer mesmo que eu conte sobre isso?

— Claro que quero, me divirta!

— Então, fui pra esse bar com uns amigos e estávamos bebendo todas e
nos divertindo, aí chegou uma mulher muito bonita e começou a conversar
comigo.

— Lógico que teria uma mulher no meio…

— Ela era bonita e começamos de papo ali, ela me dando moral… Aí


nos beijamos… — Cíntia faz uma careta engraçada. — Que foi?

— Já estou prevendo.

— Previu certo. A safada não me falou que tinha namorado e que o


cara estava no bar também.

— Que droga!

— Foi, ele tinha uns dois metros e era mais forte que eu. Quando ele
veio pra cima de mim, tive que pensar rápido, ou ia levar uma surra daquelas.
Então, já completamente chapado, eu achei que era uma boa ideia quebrar

umas garrafas do bar na cabeça dele.

— Noah!

— O dono do bar não achou uma ideia tão boa assim e chamou a

polícia. Fomos pro xadrez, juntos na mesma viatura.

— E ele não te bateu na cela?

Começo a rir ao me lembrar de como tudo terminou.

— Eu pedi desculpas, disse que não sabia que a garota tinha namorado.
No fim ele acabou assumindo que sabia que a culpa era da moça, acho que já
desconfiava que ela fazia essas coisas.

— Que garota sacana!

— Pois é, o cara era até bonitão, sabe? Ela que era doida mesmo.

— Mais bonito que você?

— Aí já tá querendo muito, Cíntia. Meus genes só estão disponíveis na


família, é uma coisa exclusiva. Já viu meus primos?

Ela meneia a cabeça, rindo do comentário pretencioso.

Desbloqueio o celular e abro a galeria de fotos. Não demora muito e


encontro uma em que estou sorrindo, no meio dos dois.

— Michael e Anthony — digo, apontando para a tela.

— Uau! Quem é quem? O do olho claro e suéter deve ser o Michael.

— Como sabe?

— Você disse que ele estudou fora, é muito inteligente e tem cara de

certinho. Esse cara parece ser assim.

— É ele mesmo. O de cabelos escuros e terno é o Anthony, futuro CEO


da Del Broussard.

— Ah, ele tem o porte, Noah! Sinto muito, mas esse olhar frio de quem
comanda com punho de ferro a empresa, mas manda muito bem na cama? A
cara de um CEO.

— Que sem-vergonha! Fala isso na minha cara? Essa sua visão de CEO
está muito limitada, senhorita proprietária de um restaurante. Meu avô é o

CEO até então e ele já passa dos oitenta anos, ouviu?

— Mas aposto que quando jovem impressionou sua avó assim. E eu


não sou sem-vergonha, você acabou de me contar que foi preso por beijar a
namorada de outro cara e a safada sou eu?

— É meu primo.
— Não seria mais feio nem se fosse seu irmão.

— Você vai ver, Cíntia. Vou te destruir na cama já, já. Não vai ficar
com essas ideias fracas mais.

— Então vamos subir!

Com a garrafa de vinho e as taças nas mãos, subimos juntos a escada

que leva ao andar de cima. Tomamos um banho demorado juntos e nos


divertimos um pouco embaixo do chuveiro, apesar do pé dela, que começa a
inchar um pouco.

Depois dessa irresponsabilidade, Cíntia se senta na cama, com uma taca


de Del Broussard na mão e o pé apoiado sobre as minhas pernas.

— Hum, esse vinho é mesmo muito bom, fica melhor agora que
associo você a ele, Noah — ela diz, bebericando da taça.

— Se eu soubesse que o chocolate ia me custar massagem no pé, teria

repensado.

— Teria nada. Além disso, não estou cobrando pelo chocolate, é pelo
boquete.

Ergo os olhos para fitar a descarada, que na terceira — ou quarta —


taça de vinho já começa a se soltar.

— Que boquete? Porque não me lembro de ter recebido um.


— Porque o pagamento vem primeiro, depois cumpro com a minha
parte.

— Isso é uma promessa, Cíntia? Porque eu vou cobrar.

— Então faz minha massagem direito.

Ela vira o resto do vinho de um gole só e repousa a taça sobre a mesa

de cabeceira.

— Sabe, Noah, preciso te contar um segredo. — Cíntia continua a olhar


para o local onde colocou a taça. — Venho escondendo uma coisinha de você
e acho que pode ser que fique bravo…

Paro a massagem por um instante, curioso e levemente preocupado.


Cíntia apenas ergue as sobrancelhas, fazendo suspense.

— Fala logo, porra! Não pode brincar com uma pessoa ansiosa assim.
Começou, tem que terminar.

— Lembra que quando chegou aqui você pediu café expresso?

— Sim, e você me deu o coado e ficou me achando metido por


perguntar se tinha latte.

— Exatamente. Eu meio que tenho café expresso.

Fico confuso por um momento. Durante esse tempo todo, não me


recordo de termos servido café expresso nenhuma vez, não faz muito sentido
o que ela está dizendo.

— Como assim?

Cíntia estica o braço para a mesa de cabeceira e abre a portinha sob ela,
revelando nada menos que uma máquina de café.

— O quê? Sua bruxa! — exclamo, surpreso. — Cíntia! Como pôde me


enganar desse jeito?

— Ah, nem é tanto tempo assim. Foi só por uns quinze dias, Noah.

— Você literalmente escondeu a cafeteira de mim — respondo,


ultrajado com a cara de pau.

— Mas foi porque eu havia dito que não tinha, aí se você visse, ia
pensar que eu menti na maldade e poderia entender mal. Então achei melhor
esconder.

— Mas você mentiu mesmo!

— Não menti. A Cantina não tem café expresso e nem máquina de


café. Eu é que tenho, é um item pessoal, compro as cápsulas que quero e
bebo sozinha.

— Não acredito nisso, nunca vou poder te perdoar.


— Nunca, nunca? — questiona, com cara de boazinha.

Eu me inclino um pouco, notando as caixas de cápsulas empilhadas, ao


lado da máquina.

— Talvez eu perdoe, depois daquele boquete, mas isso só se for


garganta profunda — respondo, brincando. — E pra ter certeza do perdão

preciso de um café, de um capuccino, e vou aceitar duas cápsulas daquelas de


mochaccino ali no canto.

— Que roubo! Um perdão não vale tanto.

— Ah, o perdão é meu, eu defino o preço, guria.

— Eu posso aceitar, se também tiver um agrado.

— Estou fazendo massagem nos seus pés, Cíntia. Se você tirar uma
foto e vender para os jornais, vai ficar rica.

— Você se acha hein, subcelebridade? Não é nenhum cantor famoso

não, meu filho — diz, estourando minha bolha. — É o seguinte, eu aceito o


acordo, mas você tem que me prometer uma garrafa da melhor safra do Del
Broussard, semana que vem quando formos a Araucária.

— Feito. Acho melhor fazermos um contrato — sugiro, brincando.

— E eu acho que está na hora de você vir pra cama.


Não preciso de um segundo convite. Apoio seu pé no colchão e me
deito ao seu lado.

Cíntia engatinha na cama e se coloca de joelhos. Com agilidade, usa as


mãos para abaixar minha calça e a cueca, de uma só vez.

Ela encara meu pau cheia de tesão e ele cresce de expectativa, ainda

nem me tocou e já estou duro. Cíntia não me chupou nenhuma vez antes, e
tem dias que estou alucinando de vontade de me enterrar nessa boca gostosa.

Fico quieto, temendo que ela desista, mas um sorriso se abre em seus
lábios e então Cíntia me segura com firmeza e desce os lábios sobre mim,
enquanto um gemido rouco me escapa.

Testando minha sanidade, ela desce até onde consegue, me colocando


quase que inteiro na boca e depois sobe os lábios até a cabeça; passeando
com a língua de cima a baixo e lambendo toda minha extensão, quase me

deixando louco.

Sua boca gostosa distribui lambidas e beijos molhados desde a base até
a cabeça, e ela brinca com a velocidade, me sugando com força e
rapidamente, para depois mudar para um ritmo lento e torturante.

Cíntia abocanha meu pau e olha para cima, me encarando, cheia de


malícia. É tão incrível, que uma sensação incômoda me atinge em cheio. É
inevitável pensar em quantas vezes ela deve ter feito isso, pra ter ficado boa
assim.

Mas assim como vem, o pensamento se vai quando ela me suga com
força e sinto meu pau bater em sua garganta.

Prendo seus cabelos pretos em minhas mãos, dando uma volta, e

projeto o corpo pra frente, fodendo sua boca com vontade.

Poucos minutos nessa velocidade e já pressinto que vou gozar.

— Eu vou tirar, antes que encha a sua boca de porra.

Solto seus cabelos, mas quando tento me afastar, Cíntia me segura com
as duas mãos e me leva fundo na garganta, chupando com força.

— Ah, caralho! — Sinto os jatos saírem abundantes dentro da boca


dela, que engole sem hesitar.

Cíntia recebe cada gota e, quando termina, lambe os lábios de um jeito

muito sexy.

— Porra, o que foi isso?

— Isso fui eu pagando pela massagem.


A festa começou assim que o sol de pôs. Cíntia passou o dia me dando
ordens, e eu cumprindo cada uma delas, já que o pé dela ainda não está dos
melhores para sair subindo em árvores por aí.

No final do dia, temos o cenário perfeito e, com o melhor de tudo,


como ela mesma pontuou: o lago servindo como enfeite para a festa. As luzes
foram colocadas em um varal acima das nossas cabeças e iluminam o terreno
todo, mas além delas, a fogueira alta também clareia o ambiente e nos aquece
um pouco do frio que está fazendo.

Decidimos que ao invés de cobrarmos pelos alimentos, venderíamos


ingressos e a alimentação e bebida seriam inclusos no valor, a ideia de incluir
tudo por um preço único parece ter funcionado, considerando a quantidade de
pessoas aqui. A música está alta e, apesar das luzes acesas nas barracas dos
campistas, todos se juntaram a nós para a comemoração.

— Agradeça ao seu avô por mim. — A prefeita Marisa enlaça o braço


no meu, provavelmente um pouco bêbada com tanto vinho que já tomou.

— Não foi nada — respondo, me referindo aos barris de Del Broussard


que John me enviou hoje pela manhã.

Como esperado, ele ficou muito satisfeito com meu comportamento na


Cantina, depois que Anthony enviou as fotos que Cíntia tirou a ele e contou
um pouco sobre meu progresso — um pouco exagerado por nós — e nos deu
o vinho como uma atitude de boa-fé. Ele ainda não devolveu meu dinheiro,
mas está amolecendo o coração.
— Eu acho, que você deveria tirar sua namorada pra dançar — ela diz,
apontando para onde Cíntia está, conversando com a dona da pousada, rindo

abertamente.

— Sabe que tem razão? Já bebi vinho o bastante pra entrar nessa
furada, prefeita.

Seguindo o conselho de Marisa, me aproximo de onde Cíntia está e me


curvo em uma reverência ridícula.

— A senhorita quer me ceder o prazer desta dança?

— Dançar, Noah? Meu pé — ela responde, enquanto aponta para baixo


e sorri.

Dona Gertrudes por outro lado, a dona da pousada, fica séria de


repente, ela não parece ir muito com a minha cara, provavelmente porque
recusei a hospedagem da pobre mulher. Mal sabe ela que o pobre na ocasião

era eu.

— Confie em mim, vou te mostrar como se faz — brinco.

Cíntia olha para os outros casais que já se juntaram em volta da


fogueira e arriscam alguns passinhos.

— Como?

— Sobe em cima dos meus pés.


Ela começa a rir antes mesmo de subir, mas não se nega. Seguro suas
mãos, dando apoio para que se posicione e então enlaço sua cintura, nos

conduzindo passo a passo para mais perto dos outros casais.

— Isso vai ser engraçado — comenta, rindo do modo meio robótico


com que andamos.

— Não tem romantismo no seu sangue, mulher?

— Noah Broussard falando em romantismo? Nosso caso é movido a


cláusulas, meu rapaz — ela diz e, apesar do comentário me incomodar um
pouco, ainda que não tenha razão porque é a verdade, percebo que Cíntia está
sorrindo, então ignoro o incômodo que sua fala traz.

— Dança sob a luz das estrelas? É romântico, independente de que seja


com um canalha — respondo.

Começo a nos mover de um lado para o outro, acompanhando o ritmo

mais lento da música. Cíntia passa os braços ao redor do meu pescoço e apoia
a cabeça em meu peito.

— Acho que está certo, Noah…

Dançamos colados por alguns minutos e o cheiro gostoso do cabelo


dela me faz aproximar mais o rosto. É tão bom ficar assim, que não entendo
porque desprezei os abraços por tanto tempo. Uma boa foda tem mesmo seu
valor, mas essa sensação…

A música termina e começam a tocar uma mazurca, com os violinos e


gaitas gaúchas acompanhando a música agitada. Se estivéssemos em
Araucária, provavelmente as pessoas já estariam reunidas para a dança das
fitas a essa hora, mas aqui a maioria dos convidados são turistas que vieram
para o acampamento.

Ainda assim, vários casais começam a dançar a música, mostrando que


sabem bem as coreografias típicas e muitos deles estão vestidos de maneira
tradicional, como Cíntia e eu. Ela usa um vestido de prenda, longo e de
mangas compridas, que remonta à idade média, na Europa, já eu me vi sendo
forçado a vestir uma calça folgada, camisa e colete. Forçado talvez não seja
bem a palavra, já que Cíntia sugeriu e acabei acatando.

Mudo nosso ritmo também, de acordo com a música, e passamos a


dançar como um casal de bonecos de posto, completamente descoordenados.

Cíntia ri alto enquanto giro com ela sobre meus pés, tentando nos manter
equilibrados e não muito esquisitos, mas logo percebo que mais vozes se
uniram às gargalhadas dela, o que mostra que não fui bem sucedido.

— Seu avô mandou vinho pra um batalhão. Acho que está satisfeito
com seu progresso — ela comenta, observando enquanto um dos filhos da
nossa vizinha, repõe o barril de vinho.
— Ele me ligou de manhã.

— Você disse, pra avisar que tinha enviado o vinho.

— É, mas não foi só isso. Ele disse que espera que eu vá para a festa
semana que vem e que tenho me saído melhor do que ele esperava, o que é
um elogio e tanto.

Cíntia meneia a cabeça, sorrindo.

— Fico contente que esteja dando certo. Nós íamos para a festa de
qualquer forma, mas com o convite tem um valor diferente.

— Exato. Sabe que agora, que acredito que logo ele vá reaver minha
conta e meus cartões, percebi que não estou sentindo tanta falta quanto
imaginei? Mas vai ser bom tirar essa preocupação da cabeça.

— Eu entendo, vai ser bom ter esse reconhecimento do seu avô


também, não vai? — ela pergunta, compreendendo tudo aquilo que eu não

disse.

— Vai. De toda minha família, na verdade. — Giro com ela nos braços
e quase perco o equilíbrio, mas nos mantenho de pé antes que a dança se
transforme em tragédia.

— Opa! — Ela aperta mais os braços no meu pescoço. — Você estava


dizendo…
— Sim, minha família. Você vai adorar meus primos, acho que vai se
dar bem com a Linda, irmã do Michael. Eu adoro os três, apesar das brigas e

das intriguinhas, nós nos gostamos muito.

— Família é assim mesmo, Noah. Você está na vantagem, porque


apesar de tudo tem vários primos, seus tios e até o todo poderoso John
Broussard.

Apesar de não dizer, fica implícita sua própria situação, já que após
perder a mãe, Cíntia não tem mais ninguém. Estranhamente sinto o desejo de
dizer alguma coisa, de falar que ela tem a mim, mas me calo.

Não somos um casal de verdade e eu não sou de dizer coisas que não
posso cumprir. Ainda assim, aqui dançando com Cíntia e me sentindo útil,
trabalhando em algo de que gosto pela primeira vez na vida, chego a pensar
que é uma vida que eu gostaria de viver. E talvez, se ela também estiver
disposta, possamos tentar.

A música termina pouco depois, e volto com Cíntia para perto da mesa
onde está a comida e o vinho. Sirvo mais um pouco para ela que parece estar
gostando mais do que geralmente, no entanto, antes que eu também me sirva,
a prefeita aparece toda faceira, sorrindo pra mim de orelha a orelha.

— Que sorrisão é esse, prefeita? Gostando da festa?


— Vim te chamar pra dançar, você não se importa, não é, Cíntia?

Ela meneia a cabeça e as duas me encaram, esperando uma resposta.


Estico a mão para a mulher e ela a segura, animada.

— E então, minha filha? Gostando da festa? — Me viro e encontro o


padre Nelson atrás de mim, com a cuia de chimarrão na mão, sempre mais
presente do que a própria batina.

— Eu estou. E o senhor?

— Também, também… Escuta, queria te falar uma coisa.

A expressão dele é de seriedade.

— Lembra que outro dia, Noah foi falar comigo na igreja? Tem uns
quinze dias, eu acho.

— O dia que fui à prefeitura imprimir os cartazes da festa? Lembro sim


— digo, recordando bem da manhã em que assinamos nosso contrato.

— Cheguei a conversar com ele naquele dia, sobre como nós amamos
você aqui e que não queríamos que ele te magoasse.

— Ele não me contou isso — comento, porque realmente ele não disse
nada.

— Imaginei que não. Na ocasião Noah me disse que estavam


começando um relacionamento, mas que amava esse seu jeito de enxergar o
melhor nele, de acreditar que ele podia ser uma pessoa diferente. Disse que
você o entendia…

Desvio os olhos para onde Noah dança animado com a prefeita, que
também ri, eufórica.

— Ele disse isso?

— Disse sim, eu falei que essa é uma das suas melhores qualidades,

mas é um risco também.

O padre estende a mão, mostrando a cena que eu mesma acabo de


observar.

— Só que você estava certa, Cíntia. Viu nele algo que nós não pudemos
ver a princípio e aí está. O verdadeiro Noah Broussard, uma pessoa disposta a
fazer parte de algo, a ajudar os outros e a se abrir para o amor. Fico feliz por
você ter dado essa chance a ele.

Apesar de saber que meu relacionamento com Noah é indefinido, por


ser em parte apenas o contrato e em parte só sexo, ou assim deveria ser, sei
que o padre está certo. Noah é muito mais do que deixa transparecer a
princípio e mais capaz, inteligente e gentil do que se julga ser.

— O senhor deveria dizer isso a ele, tenho certeza de que significaria


muito.

— Acha mesmo?

— Pode ser que já saiba disso, mas o Noah não tem mais os pais e o
avô é muito rígido, ainda que com certeza o ame. Eu sei que ele não precisa,
mas essa aprovação é um incentivo, sabe?

— Sei exatamente o que quer dizer. Noah não foi o único beneficiado
com esse namoro, Cíntia.

Talvez o padre não saiba, mas eu não preciso que alguém me diga isso,
consigo vislumbrar as diferenças na minha vida desde que ele chegou.

— Eu sei… Ele me ajudou muito com o restaurante, mais do que ele


pensa. Me salvou das dívidas com a ideia do acampamento e fez essa festa
acontecer. Mas além disso, Noah conseguiu mudar a velha ranzinza em que
eu havia me transformado, em outra pessoa, resgatou a mulher de vinte e
cinco anos que eu nem conhecia mais.

— Foi o que quis dizer. Faz tempo que não te vejo sorrir assim, desde
antes de perdermos a sua mãe — o padre comenta, meneando a cabeça. —
Você já havia voltado a trabalhar, a se esforçar dia após dia, mas foi esse
rapaz, com essa alegria contagiante, que te ajudou a deixar o luto, Cíntia. Isso
que vocês dois estão construindo é muito especial.

Meus olhos se enchem de água de repente. Porque cada palavra é real,


Noah trouxe felicidade de volta para os meus dias e por mais que, em algum
momento, talvez muito em breve, ele vá partir, sempre serei grata a ele por
transformar meus dias.

Mesmo depois que encerro a conversa com o padre Nelson e que Noah
para de dançar com a prefeita, não temos muito tempo juntos até o final da
festa. Os moradores de Rio Dourado o cercam por todo lado, agradecendo
pela ajuda com a festa, elogiando o vinho, tecendo comentários sobre o

acampamento e, comigo, acontece a mesma coisa.

É apenas quando a maioria dos convidados já foi embora e os


campistas começam a se recolher, que voltamos a nos falar.

— Feliz com o resultado da festa? — ele pergunta, se aproximando de


mim por trás.
— Você está? Correu tudo muito bem, não foi?

— Sim. Todo mundo se divertiu muito, a Marisa saiu daqui escorada


pelos guarda-costas dela. Sorte que o padre não bebe.

Acho graça no comentário, mas é a mais pura verdade.

Daqui, embaixo da árvore que usei para prender as luzes, observo

alguns turistas entrando em suas barracas, rindo uns com os outros e


surrupiando ainda um pouco da bebida que sobrou.

— Acho que esse pessoal gostou muito, vão lotar isso aqui todo ano —
comento.

— Vai continuar com o acampamento? Nos próximos invernos.

— Bah, mas é claro que vou! Se bobear em uns anos construo um hotel
aqui. Isso se o dono não me expulsar antes.

— Depende. — Noah me abraça, e sinto um tremor percorrer meu

corpo. Não é comum que tenhamos esses gestos de carinho sem que outras
pessoas estejam vendo ou sem intenções sexuais, mas agora é realmente
apenas um abraço e tem um significado enorme por isso. — Vai ter sempre
um quarto aqui pra mim?

Minha vontade é dizer que não. Que ele deveria ficar aqui, ver isso
acontecer com os próprios olhos, fazer parte da mudança que ele mesmo
começou. Mas não posso. Noah foi muito claro desde o início, nosso
envolvimento não envolvia amor, paixão e teria um prazo para terminar.

— Mesmo depois que eu me casar? — pergunto, sondando sua reação.

Por alguns minutos ouço apenas o som dos insetos no mato ao nosso
redor, das pessoas conversando ao longe e o coaxar de um sapo do outro lado

do lago.

— E você vai se casar com quem?

— Isso eu não sei. Mas uma hora vai acontecer, não é?

— É, acho que sim… — Sua voz não me parece contente com a


constatação, e isso me anima um pouco. Talvez eu não seja a única a sentir
sua falta. — Seu futuro marido vai achar ruim se seu amante dormir aqui?

Noah brinca, mas apesar do tom divertido, já o conheço bem o


suficiente para perceber que usa o humor para escapar de assuntos pouco

cômodos.

— E quem disse que vai ser meu amante? Eu sou fiel, guri. Não vou
trair o amor da minha vida.

— Mas eu vim primeiro, Cíntia. Você nem o conhece — insiste.

— Quem disse isso? Pode ser que ele e eu já tenhamos nos esbarrado
por aí, e eu só não saiba.
— Só ouvi besteira até agora. Duvido que ele vai saber fazer aquele
negócio com a língua que eu faço e você adora.

— Eu ensino.

— Endoidou? Não pode passar meus truques por aí. Além disso, vai
falar o quê? Faz assim porque o Noah fazia e eu gostava? Divórcio na certa.

— Então eu estou encrencada.

— Com a separação?

— Não. Vou ter que aprender a viver sem a coisa que você faz com a
língua.

Noah me aperta mais forte e beija meu rosto. O ar gelado da noite


evidencia ainda mais o lugar em que ele pousou os lábios.

— E se não tiver?

Meu coração se acelera e me permito uma pontada de esperança.

— Como assim? — pergunto, em um fio de voz.

Noah me vira nos braços, de modo que nossos rostos fiquem de frente
um para o outro.

Ele me encara com seus olhos escuros, intensos e que agora estão
cheios de sentimento.
— Eu gosto de ficar com você, Cíntia. Gosto de você… Não sei direito
como fazer essa coisa de relacionamento, mas nós podemos tentar, se você

quiser. Descobrir o que somos.

— Namorar?

Ele sorri de lado, tão lindo que meu estômago se contrai de excitação

com o momento.

— Vamos pra Araucária passar uns dias, ficar juntos o tempo todo, sem
o trabalho… E descobrir o que sentimos de verdade um pelo outro. Por mim
é isso, vamos namorar. Você quer?

Abro um sorriso imenso, que eu deveria tentar conter pelo bem do ego
desse homem, mas não consigo.

Do outro lado do terreno, no acampamento, uma câmera se posiciona,


emoldurando o quadro perfeito.

Um jovem casal apaixonado, à beira do lago, se beijando sob a copa da


árvore frondosa e iluminados pelas luzes que formam uma corrente sobre
suas cabeças. Aplaudidos pelas estrelas.
Antes de sairmos para Araucária, Noah precisou dar um tranco na
moto, no fim da rua. Desde que ele chegou aqui, praticamente não andou nela
e, com isso, a bonita arriou a bateria.

Ele disse que acontece, mas ficou vários minutos falando com a moto e
pedindo desculpas por deixá-la de lado. Ao que parece, a BMW entendeu,
porque depois de algumas tentativas, acabou ligando. Estou ansiosa e cheia
de medo, afinal, só andei de moto uma vez, muitos anos atrás, e sempre tive
um pouco de medo.

Enquanto me despeço de Jeni e passo com ela todas as instruções outra


vez, sobre o restaurante, os horários e tudo que deixei pronto pra facilitar as
coisas pra ela, Noah deixa que o motor aqueça e pega sua mochila com suas
roupas e pertences, na qual coloquei também minhas coisas.

O plano não é ir apenas para a festa, vamos passar o fim de semana


todo em Araucária, na fazenda dos Broussard e voltaremos na segunda-feira
pela manhã.

Estou um pouco nervosa. Desde que conversamos sobre nós e


decidimos tentar um namoro, no último fim de semana, as coisas estão
funcionando perfeitamente. A verdade é que nada mudou. Desde que ficamos
juntos pela primeira vez já vínhamos levando uma rotina de casal, por causa
do contrato, então a única mudança é que tudo se tornou mais real.

Ainda assim, fico nervosa quando penso que levamos nossa relação
para outro nível e que agora vou conhecer a família dele, toda de uma só vez.
Segundo Noah, as festas em Araucária são tradição para os Broussard e
todos eles comparecem tanto no inverno, quando na festa da uva no início do

ano. Então vou encontrar todos os tios e tias, os primos de quem ele tanto fala
e também o avô, sobre quem não tenho uma opinião muito formada ainda.

— Está pronta, Cí? — ele pergunta.

Sim, desde o pedido de namoro, Noah deu pra me chamar de várias


coisas, acho que ele pensa que como namorado precisa me chamar de algo
diferente e as variações são, amor, bebê e Cí. Mas tenho fé nele e sei que logo
vai encontrar um apelido único e que considere especial o bastante pra
manter.

— Já pegou tudo? — devolvo a pergunta, olhando ao redor.

— Já. Seu capacete… — Ele me entrega meu novo presente.

Noah aproveitou o dinheiro que ainda tinha do aluguel e me comprou

um capacete especialmente para a viagem e porque, de acordo com ele, agora


sou sua copiloto. O capacete é preto com alguns rajados em rosa e é um
modelo parecido com o que Noah usa, mas bem mais barato, dadas as
diferenças das condições financeiras dele.

Coloco-o sobre meus cabelos que foram trançados para não embaraçar
com o vento e visto minha jaqueta mais grossa.
Subo na garupa e me agarro a Noah, sentindo um frio na barriga com a
ansiedade e o receio. Não tenho muito tempo de assimilar isso, porque Noah

logo sai acelerando, anunciando para toda Rio Dourado nossa partida.

O sábado amanheceu estranho. Apesar do sol que já vai alto no céu,


está frio e ventando bastante; eu e Noah estamos muito animados com a
viagem e meu coração bate descompassado enquanto saímos da cidade.

Apesar do temor, principalmente nas curvas e quando ele acelera com a


moto, seguro firme e observo a paisagem da serra.

A adrenalina toma conta do meu corpo aos poucos e o vento soprando


em meu rosto traz uma sensação indescritível; nunca fui a maior fã de motos,
sempre tive um pouco de preconceito, principalmente com essa de Noah, que
já chegou fazendo um barulhão.

Agora me arrependo de não ter saído com ele antes, passeado pelos

arredores de Rio Dourado como Noah faz de vez em quando.

Depois de algum tempo na estrada, me arrisco a erguer um braço por


um momento, sentindo a brisa passar por entre meus dedos. Um pouco
depois, já estou gritando, animada e aproveitando o momento para extravasar
meus sentimentos de inquietação e ansiedade.

Permito que os sentimentos ruins saiam e foco nas alegrias.


Vai dar tudo certo.

Subo a serra de Araucária com Cíntia na garupa.

Ela pareceu animada a viagem toda, gritando na traseira da moto apesar


de ter dito que morria de medo, mas desde que chegamos a Araucária ela está
calada, o que me faz imaginar que esteja nervosa com a ideia de conhecer
minha família. Não é pra menos, John Broussard assusta qualquer um.

Da estrada podemos avistar a casa grande no topo da colina, poderosa e

imponente. O portão da fazenda está aberto, o que indica que mais alguém
deve ter chegado pouco antes, então passo por ele com a moto e sigo para os
fundos, não sem antes notar que o carro de Michael já está parado na entrada.

Estaciono no quintal mesmo e desço da moto, com Cíntia ao meu lado.

— Tá nervosa?

Ela apenas balança a cabeça, afirmando com um gesto.


— Não precisa, todo mundo vai adorar você.

Seguro a mão dela e a arrasto comigo na direção da porta da cozinha.

Quando entramos, a primeira pessoa que vejo é Mila, uma das


funcionárias mais antigas do meu avô. A família dela é quase parte da nossa.

— Bom dia, Mila!

— Menino, Noah! Que bom que você veio… — Ela seca as mãos em
um pano de prato na pia antes de abrir os braços para mim. — Pensei que
fosse ficar em Rio Dourado pra sempre.

Retribuo o abraço dela, que na verdade foi uma das últimas pessoas que
vi antes de viajar.

— Sabia que ia sentir saudades, Mila. E quem está aí? Já chegou


alguém?

— Seus primos já chegaram, menos o Anthony. Mas os outros já estão

aí com o seu avô.

— E meus tios?

— Provavelmente só vão vir à noite, pra festa. — Ela finalmente parece


notar Cíntia atrás de mim e ergue as sobrancelhas, surpresa.

O que é natural, porque nunca trouxe uma guria para casa,


principalmente em uma festa.

— Essa é a Cíntia, Mila, minha namorada.

Agora é que os olhos dela se abrem mesmo.

— Namorada é? Hum, muito prazer, Cíntia — cumprimenta, abismada.

— O prazer é meu — Cíntia responde, tímida.

— Pra que essa cara de que viu fantasma, Mila? Uma hora eu tinha que
sossegar, não tinha?

— Deus é pai! Nem acredito que estou ouvindo isso.

Nem Cíntia consegue se manter séria diante disso e começamos a rir.

— Bah, mas olha só quem chegou… — Ouço a voz de Michael antes


de vê-lo.

Olho ao redor procurando por ele e encontro o galã encostado na mesa,

alguns metros à frente.

— Michael!

Ando rápido até onde ele está e o abraço forte. Faz tempo desde a
última vez que nos vimos.

— Pensei que estivesse preso — ele cumprimenta.

— Só quando vender teus órgãos no mercado clandestino.


Ele pega meu rosto entre as mãos, me olhando como se eu fosse um
moleque e ele um pai orgulhoso.

— Como está bonito, primo. Andou malhando? Não lembro desses


braços aí não.

— Fazer muito sexo conta?

O comentário faz Michael gargalhar, mas direciono um olhar de


desculpas a Cíntia que parece constrangida com a cena toda.

— E quem é a moça bonita? — meu primo pergunta, percebendo meu


olhar.

— Vem cá… — Cíntia ainda está parada na entrada da cozinha, perto


de Mila.

Quando chamo, no entanto, ela se apressa a caminhar até onde estou.

— Essa é a Cíntia, minha namorada — apresento, enlaçando-a pela

cintura —, e esse é meu primo Michael, o gênio de Princeton e o nerd da


família.

— Muito prazer, Michael. Noah falou muito bem de você.

— Namorada? — A expressão dele é impagável.

— Ela está te cumprimentando, mal-educado.


— Ah, sim. Desculpe, Cíntia, só fiquei meio surpreso por um instante.

— Tudo bem — ela responde, com um sorriso —, eu posso entender


por quê.

— Pode, é? Então você sabe quem ele é?

— Isso é uma tentativa de queimar meu filme por acaso? — pergunto

ao perceber que ele acha incrível que alguém aceite namorar comigo.

— Não, claro que não — Michael corrige. — Só não sabia que estava
namorando.

— O vovô não contou?

— O John sabe? Mas olha… A coisa só fica mais interessante.

Cíntia começa a rir e nós dois a olhamos sem entender o que é tão
engraçado.

— Que foi? — pergunto, curioso.

— Pelo jeito, todas as vezes que me apresentar as pessoas vão reagir


assim, não é? Primeiro a Mila, agora o Michael. Estava só imaginando a cara
dos seus tios quando disser que está namorando.

— É, acho que vão ficar assustados — concordo, entendendo a graça.

— Mas assim… Só por curiosidade, quando você diz que sabe quem
ele é… — Michael volta ao assunto.

— Eu quero dizer que sei da prisão, das drogas, do padre, do roubo do


jatinho do John e de todas as outras coisas — ela enumera, se divertindo.

— Caralho, eu achava que o Noah ia morrer solteiro! Ou preso.

— O Noah foi preso de novo?

A pergunta chega até nós antes dela, que caminha em nossa direção em
um vestido preto e muito mais justo do que deveria ser permitido a uma
garota e um par de botas verdes nada discretas.

Principalmente por se tratar de Linda, nossa caçula.

— Eu estou aqui, merda — respondo, fingindo uma careta. — Por que


acham que vou ser preso a todo instante? Só aconteceu uma vez.

— Noah! — ela exclama, como se não tivesse me notado antes. — É


que com seu caso com o cachorro, pensei que talvez…

— Mas que abusada! — Abraço minha prima também, feliz por


podermos nos ver depois de tanto tempo.

E logo que nos soltamos, procuro pela mão de Cíntia, ao meu lado.
Linda se afasta por um instante e seus olhos se fixam em Cíntia e depois, nas
nossas mãos unidas.
— O que eu perdi?

— Eu sou a namorada dele. Eu sei, é surpreendente — Cíntia responde,


arrancando risadas de Michael e de mim.

Linda, no entanto, nos encara estática.

— Linda? — chamo, ao perceber que ela não responde, parece ter

perdido a voz.

— Acho que entrei em algum universo paralelo. — Linda se vira para o


irmão. — Um mundo alternativo, no qual Noah tem namorada e ela ainda
parece decente.

— Eu sou decente! — Cíntia contesta.

Linda abre um sorriso um pouco sem graça e estende a mão para


cumprimentá-la.

— Me desculpe pela grosseria, eu só fui pega desprevenida. Sou a

Linda, é um prazer conhecer você…

— Cíntia. O prazer é meu, Linda.

— E você… — Ela se vira para Michael outra vez. — Por que não me
disse que o Noah estava namorando? Me deixou passar por essa vergonha
toda.
— Porque eu também fiquei sabendo só agora do namoro.

— Namoro de quem? — Outra voz se junta às nossas.

Viramos a tempo de ver Anthony passar pela porta dos fundos e dirigir
um cumprimento educado a Mila, antes se seguir até onde estamos.

— Meu — respondo, recebendo o abraço desajeitado dele.

— Eu sabia. Só eu sabia? — pergunta, olhando para as expressões


chateadas dos nossos primos.

— Só, e não teve tempo de mandar uma mensagem contando a fofoca


— Linda resmunga.

— E eu sou fofoqueiro por acaso? E você deve ser a Cíntia. — Ele se


inclina e a cumprimenta com um beijo no rosto. — Sou Anthony.

— Sim, sou a Cíntia.

— Espero que não guarde rancor por ter me ouvido falar para o Noah te
despejar.

Cíntia sorri abertamente. Se ele soubesse com quem está falando, nem
se preocuparia. Afinal ela é a pessoa mais aberta a esquecer os
desentendimentos que conheço.

— Está tudo bem, mas que bom que ele não te ouviu.
— Só porque você me ameaçou com um martelo — retruco.

— Que história é essa? Eu quero saber os detalhes, Noah — Linda se


intromete. — Além de não nos falar nada sobre o namoro, ainda fica dando
respostas vagas.

— Depois eu conto, agora quero guardar nossas coisas e levar a Cíntia

pra um passeio pela vinícola, antes da festa.

— Humm, passeio romântico — Michael solta, rindo. — Parece que


nosso menino está apaixonado, Anthony.

Ignoro aos dois e puxo Cíntia pela mão, seguindo pela sala de estar, na
direção dos quartos.

— Qual quarto posso usar, Mila? — grito, no meio do caminho.

— O último, menino. Já está pronto — ela responde, também gritando


para que eu possa ouvir.

A casa é enorme, considerando os dois andares e as varandas, mas


deixo o tour interior para outra hora.

— Não vamos falar com o seu avô? — Cíntia sussurra, com receio de
ser ouvida.

— Mais tarde, ele deve estar no escritório. Que tal sairmos por aí,
tomarmos um pouco de vinho, enquanto te apresento a propriedade?
— É uma ótima ideia, vou adorar! Pra falar a verdade já estava me
questionando onde estão as uvas e o vinho.

— Tem uma estradinha aqui nos fundos, que leva até a vinícola,
passando pelos vinhedos. Vem que eu mostro.

Noah me fez subir outra vez na moto. Ao invés de sairmos pelos


vinhedos de mãos dadas, passeando com calma, saímos desembestados
ziguezagueando no meio das parreiras, com o sol alto no céu.

— Vai devagar, Noah — grito por sobre seu ombro. — Se você destruir
as uvas seu avô nunca vai te perdoar.

Ele ri, endiabrado. Dizem que John Broussard fez um pacto com o
diabo e, por isso, conquistou a fortuna que tem hoje e obteve sucesso com o
vinho, mas quando vejo as atitudes de Noah, sempre à beira do perigo,
sempre se arriscando um pouco mais que o sensato, penso que ele é que
parece endiabrado.

— Vamos na vinícola buscar nosso almoço, Cí. Na volta venho mais


devagar — responde, continuando na mesma loucura de antes.

— Não vamos almoçar com seus primos?

— Claro que não. Eu disse que íamos passar tempo juntos, depois

falamos mais com eles.

As plantações se erguem dos dois lados do caminho, se é que posso


chamar assim. Está mais para uma fileira na qual Noah insiste em passar com
a moto.

É muito bonito, por onde quer que eu olhe vejo apenas o verde, nas
duas laterais e atrás de nós. Mas à nossa frente, está uma imensa estrutura,
cercada por altos muros e cinzas.

A casa da fazenda ficou para trás faz muito tempo, do outro lado dos

vinhedos.

— Vamos entrar. — Noah estaciona no pátio, do lado de fora, e então


entramos. — Daqui temos acesso a todos os setores da vinícola — conta,
animado.

— E quais são eles? — pergunto.

Não é que eu não tenha estado em uma vinícola antes, mas perceber
que apesar da resistência, existe certa paixão em Noah, pelas terras, as uvas e
o vinho, pelo processo, o que me deixa animada.

— Aqui temos três repartições, Cí. A cantina, que é onde as uvas são
recebidas e processadas.

— Então tudo começa ali… — comento, observando o corredor que

conduz até lá.

— Exatamente, em época de colheita, milhões de quilos de uvas


passam por aqui, são selecionadas, passam pela fermentação e, por fim, pelo
engarrafamento.

— E o que mais?

Noah desvia os olhos para mim e abre um sorriso, entendendo meu


estratagema.

— Tu tá gostando de me ver dar essas explicações, safada? Virei guia

turístico agora?

— É que você fica uma delícia falando assim.

— Se te excita eu continuo. — Ele arruma a pose para parecer mais


sério. — Este hall também vai conduzir a um outro local, onde são
preparados os demais produtos — fala, a voz anasalada, e me arranca uma
risada. — Temos sucos, doces e geleias.
— Que interessante, senhor Broussard.

Ele apenas estreita os olhos.

— E, por fim, temos a parte mais interessante. No subsolo estão as


adegas, são centenas delas, separadas de acordo com o tipo de vinho,
espumante, uva e claro, a safra.

— Por que é a parte mais interessante?

— Porque é onde fica a essência Del Broussard, aquela capaz de te


deixar alegrinha e te tornar uma boqueteira de primeira categoria.

— Noah! Se alguém te escuta… — Olho ao redor, procurando por um


ouvinte inconveniente, mas somos só nós dois. — Te orienta, não pode falar
essas coisas em voz alta!

Ele abre um sorriso, mostrando todos os dentes.

— Agora nós vamos pegar o almoço — diz, segurando em minha mão

para que eu o siga.

Nós entramos através de duas portas de madeira muito altas, e Noah me


arrasta até o balcão de atendimento.

Como o lugar é aberto ao público para visitação, aqui dentro também


funciona uma loja, responsável por vender um pouco de tudo para que os
turistas possam degustar e adquirir.
É tudo muito bonito, os móveis rústicos por si só já chamam atenção e
as embalagens são um charme à parte.

— Noah! — uma mulher de meia idade cumprimenta, animada. —


Todos já chegaram pra festa?

— Meus primos já estão na casa, mas os meus tios ainda não. Como

você está? — cumprimenta, sorrindo.

— Muito bem, que bom que vocês vieram. De que tu precisas?

— Quero uma cesta, daquelas que vocês vendem pros idiotas


apaixonados que trazem as namoradas pra uma volta nos vinhedos.

A mulher começa rir e percebe, pelas nossas mãos unidas, que ele se
refere a si mesmo, de certa forma. Apesar de ser uma brincadeira, sinto minha
pulsação assumir um ritmo mais agitado diante da palavra “apaixonado”.

Noah não parece nem se dar conta do que disse, enquanto batuca com

os dedos sobre o dorso da minha mão, em uma canção que só existe na


cabeça dele.

Ironicamente, a mulher que nos atende, e que não é da família dele, é a


única que não nos encara como se fosse estranho Noah estar namorando.

Pouco depois ela retorna com uma cesta de vime nas mãos, coberta
com um pano xadrez e entrega nas mãos dele.
— Colocou o vinho? — ele pergunta, sondando o interior.

— Claro, o melhor.

— Aí sim! Obrigado. Nos vemos na festa à noite — Noah se despede e,


do mesmo jeito que veio, sai me arrastando pela mão para fora.

— Onde nós vamos agora?

— Ah, você não imagina meus planos, Cíntia! Só siga o mestre!


— Você não disse que íamos passear nos vinhedos? Por que vamos de
moto? — pergunto quando Noah me entrega o capacete outra vez.
— Nós vamos, mas quero te levar pra última fileira, lá nos fundos.

Olhando daqui, as fileiras não parecem ter muita diferença entre si,
então a princípio não entendo o motivo da escolha.

— Por quê?

— Porque sou mal-intencionado e quase ninguém se aventura até lá

porque é distante da vinícola. Mas minha razão principal, é que John não vai
conseguir nos enxergar da varanda.

— Ele fica olhando as plantações da varanda? — pergunto, relanceando


os olhos na direção da fazenda.

— É o império dele, como um bom narcisista meu avô adora


contemplar suas posses.

— Sei. — Subo na garupa outra vez, mas Noah não arranca de


imediato.

Ele estende a mão para trás, me entregando a cesta com nosso almoço.

— Vai ter que ser corajosa agora.

— E por quê?

— Porque vai levar a cesta, então não tem como se segurar com as duas
mãos.
— Vai mais devagar — alerto, aceitando a tarefa com aquele frio na
barriga.

Noah finalmente sai com a moto e, como disse, ao invés de entrar no


primeiro corredor da plantação, segue por trás da vinícola até chegar no
último deles e, então, continua por ele até perto do fim, nos distanciando
ainda mais da residência dos Broussard e também das outras pessoas.

Ele para a moto quando já estamos bem longe e desço, tomando todo
cuidado com a cesta.

Olho ao redor e constato que realmente não há mesmo ninguém por


perto, nem mesmo ouço as vozes animadas dos turistas, que ouvia perto da
vinícola.

Noah retira o capacete e os cabelos escuros caem um pouco sobre seus


olhos, ele fecha um deles em um reflexo diante do sol que o cega por um

momento.

Depois, abre o zíper da blusa de frio que está usando e, para meu total
espanto, se livra dela.

— Você não está com frio?

Apesar do sol, a temperatura não está das mais altas.

— Vamos beber, então vou esquentar logo, logo — responde, estirando


a blusa no chão. — Senta aí.

Sorrio feito uma boba com o gesto fofo e, sem discutir, sento em cima
da jaqueta que ele usou para forrar a grama baixinha.

Noah senta ao meu lado, sem se importar com a terra ou em sujar a


roupa, e abre a tampa da cesta, começando a retirar tudo que havia dentro

dela.

Primeiro o pano xadrez, que estende à nossa frente como uma toalha de
mesa. Em seguida, uma garrafa de Del Broussard, duas taças bonitas, um
queijo defumado e já fatiado, alguns cachos de uva e fatias de pão.

Noah coloca desorganizadamente tudo sobre a toalha e pega a garrafa,


arrancando a rolha dela, nos dentes. Por um momento, o único som que
ouvimos, é o do vinho enchendo as taças.

— E então? O que está achando dessa versão do Noah romântico? —

pergunta, falando de si mesmo na terceira pessoa.

Noah me entrega uma das taças e pega a outra nas mãos.

— Tri legal! Gosto muito dele. Apesar dos gestos doces, ele consegue
manter a essência.

— É mesmo? E qual seria minha essência?

Tomo um gole do vinho e sinto o sabor frutado e delicioso aguçar meu


paladar.

— Huuum, você tem cheiro e gosto de diversão — respondo, sorrindo.

Noah também bebe um pouco do líquido em sua taça, mas franze o


cenho com minha resposta.

— Não sei se me sinto elogiado ou ofendido, Cíntia — comenta,

aparentando confusão. — Diversão é uma coisa boa? Geralmente a ideia está


ligada ao que é passageiro. — Ele fica uma graça com esse ar de
preocupação.

— É um elogio e não quer dizer passageiro no meu vocabulário. Ao


menos, não mais.

— Desenvolve isso aí, ainda não me convenceu. — Noah estica as


pernas e cruza os pés, ficando um pouco mais à vontade.

Penso bem no que eu disse, na minha conversa anterior com o padre, e

suspiro profundamente, antes de admitir para Noah aquilo que já é conhecido


dentro de mim.

— Eu me fechei por muito tempo. Não só pelo luto, mas mesmo antes
disso, por causa do trabalho. Você, seu humor contagiante, suas
brincadeiras… Você me fez sentir felicidade outra vez, fez com que eu me
lembrasse de como a vida pode ser divertida.
— Então melhor me manter por perto. — Ele me dá uma piscadela e
me rouba um beijo rápido.

— Também acho.

Noah sorri, satisfeito, e toma um longo gole de vinho. Imito seu gesto,
saboreando o líquido delicioso.

— Olha, seu avô pode até ser controlador, mas se tem uma coisa que
não podemos negar, é que sabe fazer um bom vinho.

— Realmente. Quando se fala de vinho, nada como um Del Broussard


— responde, pegando um pedaço de queijo e o atirando na boca.

Alcanço um cacho de uvas de cima da toalha e começo a comê-las,


sentindo o calorzinho gostoso do sol sobre meu rosto e uma sensação
maravilhosa de tranquilidade.

Noah termina sua taça de vinho e enche outra logo em seguida.

— Sabe o que é uma combinação perfeita pra essa safra? — pergunta,


olhando para a garrafa.

— O quê?

— Sua boca.

Eu me inclino para mais perto dele para lhe dar um beijo e sinto seus
dedos na minha nuca, me puxando para mais perto. Noah aprofunda aquele
que era pra ser apenas um beijo singelo, deslizando a língua por entre meus

lábios abertos.

Seu toque firme no meu pescoço, enquanto com a outra mão ele me
toca sob a blusa, faz com que uma onda elétrica percorra meu corpo, o desejo
crescendo dentro de mim como uma chama alimentada.

Noah circunda minha cintura me puxando para seu colo, e apenas me


deixo ir, monto sobre suas pernas, cercando com as minhas o seu quadril.

Ele ergue minha blusa por baixo da jaqueta, até que meus seios fiquem
livres. Sinto o ar gelado sobre eles, eriçando meus mamilos antes de Noah os
beijar com uma lentidão torturante.

Atiro a cabeça para trás, gemendo sob seus beijos indecentes e


deliciosos.

Noah encontra caminho com a mão para dentro da minha calça e me


toca sobre o tecido da calcinha.

— Noah… — chamo, arfando e prestes a perder a razão. — Não


podemos.

Ele beija meu pescoço e então morde minha orelha.

— Claro que podemos, gata — sussurra. — Eu quero te comer aqui.


A palavra suja só me deixa mais excitada, mas ainda sinto receio de
que alguém nos descubra, assim, a céu aberto.

— Mas e se…

— Ninguém vai te ver, bebê. Só eu.

Assinto, porque seus toques em meu sexo estão me levando a loucura e

me vejo me retorcendo sobre sua mão, louca para que ele mergulhe os dedos
dentro de mim.

Enquanto Noah me estimula mais e mais, solto meus cabelos da trança


que os prendia e deixo que caiam sobre meus seios. Depois, abro com pressa
o zíper do jeans que ele está vestindo.

— E disse que não queria… — Noah ri da minha urgência.

— Anda, Noah.

Ele me ajuda com a calça e em instantes retira seu pau de dentro da

cueca.

Ergo o quadril, apoiando os joelhos no chão para que ele faça o mesmo
comigo e por sorte escolhi hoje uma calça que se estica, então só preciso
abaixar um pouco, na altura das coxas. Então Noah se posiciona na minha
entrada e me sento sem muita delicadeza sobre ele.

Os gemidos escapam da minha garganta quando me sinto ser invadida


por ele. Noah estoca forte, me arrancando um som ainda mais alto.

— Senta bem gostoso — ele pede, a voz rouca de desejo.

Não preciso de outro comando. Desço e subo sobre ele, cada vez com
mais força e mais rápido.

Os barulhos dos nossos corpos se chocando ecoam pelos vinhedos,

enquanto Noah brinca com meus seios e projeta o quadril pra cima, me
alcançando mais fundo.

— Isso, amor… — incentiva.

Ergo sua camiseta, e ele se inclina para me ajudar a retirá-la. Assim, a


luz do sol incide sobre suas tatuagens e sobre o abdômen trincado, e suspiro
de prazer apenas de olhar pra ele.

Rebolo sobre ele, sentindo sua ereção preencher cada pedacinho dentro
de mim e, em meio ao sexo bruto, um de nós acaba por derrubar a garrafa

aberta.

Atrás de nós, o vinho se derrama pelo chão e o vento traz o cheiro para
o ar, mas isso está em um segundo plano. O cheiro que realmente inebria
meus sentidos é o que vem dele, seu corpo, o cheio da sua pele, seu
perfume…

Noah enrola meus cabelos na mão e puxa minha cabeça para trás,
expondo meu pescoço, que ele chupa e morde com força.

— Você gosta assim?

Apenas movo a cabeça um pouco, concordando. Os movimentos


restringidos pelo seu aperto forte em meus cabelos.

— Então engole meu pau com essa bocetinha, vai.

Noah adora me dar essas ordens cheias de sacanagem e falar besteira na


hora do sexo, e eu não sabia que gostava tanto, antes dele.

Quanto mais Noah diz essas coisas, mais tesão sinto. Aperto seus
braços fortes com minhas mãos, sentindo seus músculos e, com as pontas das
unhas, arranho seus ombros no calor do momento.

Estou tão alucinada em cima dele, que mal percebo o orgasmo chegar,
avassalador. Gozo, gemendo tão alto que em muitas fileiras de distância as
pessoas poderiam nos ouvir.

Noah grunhe meu nome e enlaça meu quadril, enquanto impulsiona o


corpo com força para dentro de mim, metendo rápido e duro, para instantes
depois, se retirar em um ímpeto e se derramar sobre a terra.
Estaciono outra vez nos fundos da casa, mas dessa vez, ao entrar pela
porta dos fundos, Mila me avisa que meu avô está esperando por mim na sala
da lareira.

Seguro a mão de Cíntia e a arrasto comigo, porque não temos mesmo


como prorrogar o momento, então que seja agora.

— Que bom que chegou, Noah… — Ele ergue os olhos do jornal que
tem nas mãos, ao nos ver entrar.

A lareira já está acesa, apesar de não estar tão frio ainda, e John está

usando um de seus suéteres que agora parecem combinar tanto com ele.

— Cheguei. O senhor está bem? — pergunto, por educação.

Meu avô está sempre bem.

— Estou. — Ele desvia os olhos para Cíntia e abre um meio sorriso,


que por alguma razão não me parece muito sincero. — E trouxe uma amiga.

Antes que eu a apresente, ele recomeça a falar, um pouco mais alto.


— O presidente Ramon já chegou e a Mariana também — diz, se
referindo a um amigo dele de longa data, proprietário de uma grande

construtora na região, e a filha dele.

— Chegou? Eu não sabia que eles viriam.

— Sim, eu disse que você vinha e parece que a Mariana queria te

reencontrar. Faz muito tempo que vocês não se falam, não faz?

Meu avô não tem o menor tato, tocando nesse assunto na frente da
Cíntia. Ou talvez saiba exatamente o que está fazendo, o que torna tudo ainda
pior.

— Faz sim, muito anos, vô. Aliás, já conhece minha namorada? —


pergunto, cortando o assunto chato.

— Não tive o prazer — ele diz, mas sua expressão demonstra


claramente o desagrado.

E eu que pensei que ele estivesse gostando disso, pelo visto não poderia
estar mais enganada.

— Você deve ser a Címber — comenta, repetindo o nome que me disse


na primeira vez que me falou sobre ela.

— É um prazer, senhor Broussard. — Cíntia não se preocupa em


corrigir.
— O nome dela é Cíntia, John — explico, começando a me irritar. —
Eu a trouxe para conhecer vocês e a nossa festa. Vamos tomar um banho pra

encontrarmos meus tios. Podemos conversar mais tarde?

John dobra o jornal com calma e depois cruza as mãos sobre o colo.

— Você poderia deixar a Cíntia ir tomar um banho com calma,

enquanto nós conversamos. Não vai demorar, Noah.

— Mas…

— Tudo bem, converse com seu avô, nós nos falamos já, já — ela
interrompe.

Cíntia deixa a sala tão rápido que não consigo impedi-la. Por algum
motivo pressinto que a conversa não vai ser o que eu esperava.

— Sente-se, Noah.

Faço o que ele diz, me sentando em um poltrona em frente a que ele

está, porque não é do meu feitio contradizer meu avô tão diretamente.

— Estou orgulhoso do que tem feito em Rio Dourado — ele começa, e


não posso deixar de sorrir com a massagem no ego, ainda que o receio
continue presente. — Não esperava que fosse se sair tão bem, ainda que o
negócio não seja seu. Gostei de ver que, quando quer, consegue tocar um
projeto, assim como todo Broussard precisa saber.
— Obrigado, vô.

— Você se provou, meu filho. Se mostrou responsável, dedicado e saiu


dos holofotes. Nada dessas festas e das matérias que aumentaram tanto os
meus cabelos brancos. Estou muito satisfeito.

Talvez a conversa não seja tão ruim quanto eu esperava.

— Percebi que essa vida calma não é tão ruim — respondo, arrancando
uma risada dele.

John assente, concordando.

— Estou disposto a reaver sua conta bancária, seus cartões e todo o


dinheiro, para que continue vivendo sua vida, agora com mais
responsabilidade.

Por alguma razão, não sinto a euforia esperada. Talvez eu tenha


crescido no último mês, mas agora consigo perceber que isso não é o mais

importante, ainda que seja uma notícia boa.

— Eu… Obrigado. Aprendi a viver com pouco, a me virar, mas fico


feliz com isso porque me mostra que consegui provar minha capacidade.

— Sim, meu filho. Só tenho um pedido.

— Qual?
— Já percebi que você consegue se manter em um relacionamento, não
é mesmo? — Ele gesticula com a mão, mostrando o caminho pelo qual Cíntia

acaba de sair. — Uma pena que a garota não seja a pessoa ideal pra você. —
Ele deve perceber minha expressão, porque continua logo, antes que eu o
interrompa. — Não é nada contra a menina, Noah, tente entender. Ela apenas
não soma em nada à nossa família.

— E nós precisamos somar alguma coisa, John?

— O poder só se mantém com alianças, Noah. Relacionamentos sérios


atrasam os negócios, mas, com seu histórico, concordo que seja a melhor
opção. Mas que seja com alguém do seu nível.

— Do meu nível? — cuspo a palavra. — O senhor não pode estar


falando sério. Nós voltamos à idade média? Nem a conhece, a Cíntia é muito
melhor do que eu.

Ele aquiesce.

— Esforçada, de boa família, trabalhadora e muito bonita. Não estou


tirando o mérito dela, mas não tem contatos, berço, recursos… Já a
Mariana…

— Não acredito nisso. Trouxe essa garota aqui por isso? Eu não a vejo
tem anos, vô! Não tenho nada a ver com ela.
— Vocês tiveram um namoro, quem sabe possam reacender alguma
coisa?

— Eu tinha treze anos e ela era doida.

— Noah, ouça o que tenho a dizer…

Levanto bruscamente da poltrona, decidido a deixá-lo falando sozinho.

— Não vou fazer isso. — Então me lembro do contrato com Cíntia,


chegou a hora de me utilizar do plano inicial. — Eu gosto dela, vamos nos
casar.

— Casar? — John arregala os olhos, assustado. — Ficou louco, Noah?


Você conheceu essa garota um mês atrás. Não vou aceitar uma coisa dessas.

— Que bom então que tenho idade pra decidir por mim mesmo.

Deixo a sala da lareira sem me importar com os gritos dele, e quando


entro no quarto encontro Cíntia se arrumando em frente ao espelho.

— E aí? Correu tudo bem?

— Você se importa se ele nunca me devolver o dinheiro, Cíntia?

Ela sorri.

— Mas claro que não, não se trata mais de um acordo, Noah.

— Era o que eu esperava ouvir.


Noah entra no banho pouco depois de chegar ao quarto. Sento na cama,
aguardando por ele, e encaro o relógio para conferir as horas.
Ainda falta algum tempo para o início da festa, mas a ideia dele é ir um
pouco mais cedo e aproveitar para passar um tempo com os primos.

Ouço uma batida na porta e me levanto para abrir, me deparando com


Michael do outro lado.

— Oi, Cíntia, cadê o Noah?

— No banho, ele já vai sair.

Ele passa a mão pelos cabelos curtos e me fita com o belo par de olhos
azuis.

— Posso entrar? Quero falar com ele.

Faço que sim com um gesto, e Michael caminha até a porta do


banheiro, do outro lado da suíte.

— Noah? — Ele bate na porta, com força.

— Quê?

— Meus pais chegaram perto de Araucária, mas o carro quebrou. Pode


ir comigo buscar os dois?

— Claro, peraí que já vou sair — ele grita de dentro do banheiro.

Michael me olha um pouco sem jeito e abre um sorriso tímido.

— É que eu não entendo nada de carros, o Noah é bem melhor que eu


nisso.

Aquiesço, concordando, e abro um sorriso para que ele fique tranquilo.

— Não tem problema, eu espero por vocês aqui.

— Tá bom, eu pago a bebida, ok? Fala pro Noah que vou esperar por
ele na sala.

Michael deixa o quarto e, pouco depois, Noah sai do banho, enrolado


na toalha. O torso respingado e os cabelos molhados.

— Vai ser rápido, tá bom? — Ele abre a mochila e pega a cueca boxer.

— Não tem problema, quando você voltar nós vamos.

Noah se veste com rapidez e calça o par de tênis em seguida. Ele só


arruma o cabelo com as pontas dos dedos e observa seu reflexo no espelho.

— Quer ir comigo?

— Não, Noah. Pode ficar tranquilo, vou esperar quietinha aqui.

Ou ao menos esse era o plano.

Noah sai pela porta às pressas, e aproveito que a bateria do meu celular
ainda não acabou para enviar uma mensagem a Jeniffer, lembrando a ela de
alimentar Salém. Estou distraída esperando a resposta dela, quando alguém
bate na porta.
Franzo o cenho, pensando se Noah esqueceu alguma coisa, porque não
pode estar de volta tão rápido, mas quando a abro, encontro John do outro

lado.

— Boa noite, senhor Broussard — cumprimento, um pouco sem jeito,


já que nosso primeiro encontro não foi dos melhores.

— Podemos conversar um momento?

Aquiesço, sem conseguir responder uma só palavra.

— Cíntia, certo? — O homem passa pela porta do quarto, o porte


altivo, apesar da idade avançada. — Não temos muito tempo, então vou
direto ao ponto e espero que não fique chateada.

— Por que eu ficaria chateada? — Um alerta começa a soar dentro de


mim.

Alguma coisa não me parece bem.

— Você tem suas qualidades, reconheço isso. E também tem garra, o


que admiro, mas ainda assim, não posso aprovar sua relação com meu neto.

— Não estou entendendo.

Ainda que eu esteja. A fala me parece tão surreal, que chego a


desacreditar do que meus ouvidos captaram.
— Noah e Mariana, a filha do amigo sobre o qual falei, eles tiveram um
relacionamento sério, que durou bastante tempo, mas ela o deixou.

John Broussard balança a cabeça de um lado para o outro, como se


estivesse se recordando de um momento muito triste.

Sinto minhas mãos suarem frio cruzo-as para que ele não perceba o

leve tremor.

— Quando isso aconteceu Noah ficou arrasado — ele continua. —, foi


por isso que passou a se comportar como... bom, você sabe.

Essa história não bate com o que Noah me disse, ele ficou assim depois
da morte dos pais, ele nem mesmo chegou a mencionar essa garota e gosto de
pensar que construímos uma relação de franqueza. Não havia motivos para
que me escondesse algo assim.

— Mas Mariana está disposta a voltar atrás, a aceitar se casar com

Noah.

— Casar? — A palavra me atinge com força.

— Ah, sim. O plano era esse desde o início, mas eles se afastaram e
então você apareceu. Isso parece tê-lo confundido.

Suspiro, com pesar. Estou chateada com toda essa narrativa, mas
principalmente por perceber o quanto ele quer me ver longe de Noah, isso
sem que eu tenha feito nada.

— Senhor Broussard, me desculpe, mas creio que seja Noah quem deva
decidir isso.

Ele aquiesce, parecendo concordar por um instante.

— Sabe qual a questão, menina? Você veio de uma família sem

recursos e seu restaurante vai de mal a pior.

— As coisas melhoraram… — retruco, me sentindo ofendida.

— Imagino que o próximo passo seja engravidar — ele diz, e


finalmente compreendo. — Agarrar um Broussard pode ser atrativo, e muitas
se deixam levar pelo desejo de uma vida melhor. Eu não julgo, mas não
posso permitir que um dos meus caia em golpes assim.

— O senhor… O senhor acha que quero engravidar do Noah por causa


de dinheiro? Que quero dar um golpe?

— Talvez não seja preciso, não é? Ele já está falando em casamento


mesmo sem um filho.

— Casamento? Senhor Broussard, eu amo o Noah — admito, pra ele e


pra mim mesma, pela primeira vez. — Não estou planejando um golpe e não
preciso de nada disso.

— Amor? Em um mês? Isso não existe, querida. Mas entendo que ame
a vida que ele poderia lhe proporcionar — fala, cruel.

— Sinto muito por desapontá-lo, mas não vou largar o Noah porque
essa é a sua vontade.

— E se… Bom, você precisa de dinheiro — comenta, sombriamente.


— E aquele restaurante é meu.

— Está ameaçando me despejar?

— De jeito nenhum, eu nem poderia, já que dei o cômodo para o Noah;


mas se desistir dele e for embora da minha casa, posso fazer uma troca em
breve e passar o imóvel para o seu nome. Considere como um presente de
consolação pelo seu amor desfeito. — Apesar das palavras, seu tom é
recheado de cinismo, ele não acredita que eu realmente goste de Noah.

Sinto-me humilhada e indignada. Quem esse homem pensa que é para


sair comprando o amor dos outros?

— Senhor Broussard, eu não ficaria mais nenhum minuto na sua casa


depois de ser tratada dessa forma. Então pode estar certo de que vou embora
agora mesmo, mas com certeza não aceito sua proposta. Vou voltar para o
meu restaurante e continuar pagando meu aluguel na data combinada. E que
fique claro, estou deixando sua casa, não o Noah. — Dou as costas para ele e
começo a recolher minhas coisas imediatamente. — Estou assustada por
perceber que o senhor realmente acha, que eu fosse aceitar uma coisa
assim… Eu nunca fui rica, senhor Broussard. Não preciso do seu dinheiro.

— Mas o Noah precisa.

Eu me viro para encará-lo, meus olhos que já estavam marejados, não


comportam as lágrimas, que descem pelo meu rosto diante da humilhação.

— O que o senhor quer dizer?

— Acha que seu amor vai durar quanto tempo? Noah sempre usou meu
dinheiro para bancar suas extravagâncias.

— Ele mudou.

— E acha que ele vai culpar a quem quando quiser alguma coisa e não
tiver como comprar? Quando passarem necessidades ou alguns apertos? A
única culpada, vai ser a mulher que ele escolheu em detrimento da família.

As palavras dele martelam em minha mente e tentam se esgueirar para

o meu coração. Não vou ficar mais um minuto ouvindo esses desaforos.

Recolho a mochila do Noah de cima da cama, com minhas roupas


dentro e a coloco nas costas.

— Já vou indo senhor, Broussard. Espero de verdade que uma hora


entenda que esse seu modo de pensar só vai afastar as pessoas do senhor,
dessa casa. E não pessoas como eu, que pouco te importam, mas sua
família…

Saio pela porta do quarto sem esperar uma resposta. Continuo a chorar
porque, infelizmente, ele conseguiu penetrar minha muralha de autoestima
com relação a Noah e nosso namoro tão recente.

Entre mim e a vida que ele sempre teve, não sei até que ponto os

sentimentos dele podem resistir.

Deixo a casa pela porta da cozinha, sem saber exatamente que rumo
tomar. Estou a pé e a noite já chegou, mas se apertar o passo posso chegar em
Araucária em uns vinte minutos.

Vou procurar o terminal rodoviário e ir para casa. Pego o celular no


bolso, pronta para mandar uma mensagem a Noah, mas, como o azar vem de
caminhão, minha bateria escolheu esse momento para acabar.

Suspiro, sem saber o que fazer.

Não posso falar com ele, explicar o que aconteceu e não posso voltar
para a casa. A única alternativa que tenho é ir embora e esperar que ele me
procure.
— O senhor acha que, só por ser novo, seu carro não precisa de revisão,
tio Cristóvão? — pergunto, enquanto ele dá de ombros, um pouco
constrangido.

— Eu nem imaginava que algo pudesse não estar certo. Bem que Odete
disse que o barulho estava estranho…

Tia Odete ainda está dentro do carro, mas nos observa pelo para-brisas,
completamente maquiada e batucando as enormes unhas vermelhas no painel.

— Deu certo, Michael? — ela grita pelo filho.

Desvio os olhos para meu primo, que me olha esperando uma resposta.
Michael nunca foi bom em consertar coisas, e tanto ele quanto Anthony,
esperam sempre que eu resolva esse tipo de situação.

Não é como se eu fosse um especialista, mas me viro melhor que os


dois.

— Tudo certo, tia Odete — respondo por ele, abaixando o capô do


carro. — Querem saber o que houve?

— Eu vou entender? — meu tio pergunta, rindo.

— Provavelmente. O senhor só esqueceu de colocar água, por isso o


carro começou a apitar.

— Não acredito que era só isso… — ele resmunga, chateado.

— Então vamos? A festa já está começando e minha namorada está me


esperando — falo, observando o choque atingir as feições dos dois.

Michael começa a rir, ao perceber o quanto ficaram surpresos, e me


divirto ao ver tia Odete sair do carro pela primeira vez.

Ela caminha até onde estamos, os saltos finos e caros afundando um


pouco na terra, mas de repente, isso parece ter perdido a importância.

— Você disse namorada?

— Eu disse, tia. Achou que eu fosse morrer solteiro?

Ela desvia os olhos para meu tio e então, ambos assentem.

— Na verdade, achamos sim.

— Vocês vão conhecê-la. O Michael já conheceu…

— Não acredito — minha tia continua cética —, isso quer dizer que
ainda tem esperança pros nossos filhos, Cristóvão! Se o Noah decidiu
sossegar, podemos ter fé nesses dois teimosos.

— Claro que podemos, Odete. — Meu tio me abraça repentinamente.


— O Anthony nos disse que você tem trabalhado, está voltando a ser o rapaz
que era, meu filho. Fico feliz por te ver tão bem... — Pode ser impressão, mas
sua voz parece embargada. — Seu pai teria orgulho de você, Noah.

Merda, agora eu também estou quase chorando.

— Obrigado, tio.

Apesar do momento, logo meus tios voltam para o carro e Michael e eu


subimos na moto, pegando a estrada de volta para a Santa Inês.

Acelero pela estradinha um pouco esburacada na entrada de Araucária


e passo pela cidade sem prestar muita atenção ao movimento. Pouco depois
estamos na estrada que conduz à fazenda.

As luzes da varanda estão acesas e os carros diante da casa me mostram

que os pais de Anthony também estão aqui, assim como alguns amigos do
meu avô, o que deve incluir o Ramon e a Mariana. Só de pensar na conversa
com meu avô, mais cedo, sinto a raiva voltar.

Sorte dele que suas ideias malucas me entraram por um ouvido e


saíram pelo outro, assim nem consegui me manter chateado, preferi ignorar.

Paro a moto diante da varanda, dessa vez, e Michael e eu descemos. O


carro de tio Cristóvão estaciona logo atrás de nós, e ele e tia Odete também
descem.

Subimos as escadas da casa enquanto ouço Michael contar sobre uma


garota que entrou na empresa e seu interesse, superficial de acordo com ele,
por ela.

Encontramos os outros reunidos na sala. Anthony e os pais, meu avô,


Mariana e o pai, e um outro senhor que não conheço.

Cíntia deve ter ficado com vergonha de se juntar a eles sem mim, então
apenas os cumprimento e passo direto na direção do quarto.

— Noah, venha aqui um minuto — meu avô chama.

Como imagino que seu plano seja me forçar a uma conversa com a
garota que nem mesmo conheço mais, ignoro e finjo não escutar.

Abro a porta do quarto, chamando por ela, mas Cíntia não está. Entro

no banheiro, mas não a encontro em parte alguma.

Onde ela se meteu?

— Noah — meu avô aparece na porta —, vamos descer para a festa.

— Eu já vou, só vou encontrar a Cíntia.

— Ela foi embora, Noah.


Relanceio os olhos para a porta, onde ele está escorado, e o encaro,
confuso.

— A Cíntia? Por que ela iria embora, de repente?

— Bom, eu e ela tivemos uma conversa e acho que sua namorada não
gostou de ouvir algumas verdades.

— Verdades? O senhor por acaso não foi falar sobre essa besteira com
a Mariana, foi?

— Não foi isso, não só isso, pelo menos. Eu disse a ela que você estava
acostumado a essa vida que sempre teve e contei a verdade. Não vou bancar
você se insistir nessa ideia de casamento e sem meu dinheiro, vivendo com
oitocentos reais por mês, seu amor não iria mesmo durar.

Fico mudo por quase um minuto inteiro. Não sei nem mesmo o que
responder a ele, porque não consigo acreditar que tenha feito algo assim, não

consigo entender o que leva alguém a se intrometer dessa maneira na vida


dos outros e achar que está tudo bem. Mas John fez isso, porque a única coisa
que importa pra mim, a seu ver, é manter o dinheiro.

Passo a mão pelos cabelos, frustrado, e o encaro outra vez. Minha voz é
contida, a princípio, mas carregada da raiva que estou sentindo.

— Onde ela está?


— E eu sei? Pegou a mochila e saiu por essa porta. — Ele me dá as
costas, como se não fosse nada demais. — Anda logo, a festa vai começar e

precisamos estar todos lá.

— ONDE ELA ESTÁ? — grito, perdendo a paciência.

— Eu já disse que não sei. — Dessa vez a expressão dele também é de

irritação. — Vai fazer escândalo agora por causa de uma garota? Você sabe o
quanto prezo pelo nome da nossa família, Noah. Não ouse me envergonhar
por uma besteira dessas.

— O senhor acha que vou descer pra festa depois disso e posar para as
fotos como se fôssemos a família perfeita?

— Eu acho, sim. Acho que se quer ter sua conta e seus cartões de volta,
você vai se comportar direito essa noite. Depois pode fazer o que quiser.

Solto um riso, desprovido de qualquer traço de humor.

— Eu quero que essa festa se foda! — grito outra vez.

A discussão atrai a atenção dos outros, porque logo meus tios e primos
estão na porta do quarto, tentando entender o que está havendo.

— O que é isso? — Anthony nos olha, sério. As mãos no bolso e a


expressão de quem planeja resolver a briga com seu bom senso.

— Foi ele! — Aponto com o dedo em riste. — Acreditam que ele


expulsou a Cíntia daqui? No escuro e sozinha, porque ela É POBRE! Não é
isso, John? Ela não serve pra mim porque não tem dinheiro.

— Não me faça parecer o vilão, Noah. Eu não sou o diabo aqui, só


quero o melhor para a minha família.

— Pai? — tio Cristóvão o encara boquiaberto. — O senhor fez isso?

— Bom, não sei se foi bem como ele está dizendo.

Tia Renata me encara com pena e até mesmo tia Odete, que muitos
acham que é superficial e fútil, parece chocada com a atitude dele.

— Não acredito nisso — tio Caleb encara o pai com decepção.

— Vocês todos, tenham calma — meu avô pede —, vamos descer para
a festa e, depois, conversaremos sobre essa besteira.

Ainda que aparentem discordar dele, ninguém ousa dizer nada.

Passo pela porta, completamente transtornado e saio da casa. Subo na


moto e coloco o capacete.

Desço na direção de Araucária sem olhar para trás. Enxergo pouco da


estrada porque meus olhos estão cheios de lágrimas, um choro de raiva.

Não apenas porque tenho medo de que ela acredite no que ele disse,
porque eu realmente não tenho o melhor dos históricos, não apenas por receio
de perdê-la, mas principalmente porque sinto que ele quer controlar minha
vida como se eu fosse uma marionete, sujeita aos seus caprichos.

Procuro por Cíntia na estrada, mas não tem ninguém. Quando chego na
entrada da cidade, ligo em seu celular, mas ela o desligou.

Onde será que ela se meteu?

Não sei se Cíntia voltaria para casa sem falar comigo, ou se pode estar
em um hotel. A cidade está cheia por causa da festa e não tem a menor
condição de encontrá-la em meio a tantos turistas nas hospedagens. O que me
resta, é ir para a festa, torcendo para que ela me dê um voto de confiança e
apareça por lá.

Ainda estou um pouco aéreo com a quantidade de vinho que tomei


mais cedo e não ajuda a clarear minhas ideias que a primeira coisa que eu
faça ao entrar na festa seja pegar uma garrafa de cima da bancada.

As pessoas já estão por toda parte, conversando e rindo, se divertindo,


enquanto eu só penso em como vou fazer para encontrar a Cíntia nessa
merda. No meio de tanta gente.

De onde estou, observo o camarote reservado para minha família e vejo


quando a maioria deles chega, tomando seus lugares como acontece em todos
os anos.
Faço uma careta de raiva e sinto uma mão em meu ombro.

— Noah. — Anthony está parado de pé, me olhando com apreensão. —


Eu sei que está com raiva, mas o John…

— Ele te pediu pra me chamar? Eu não vou subir lá, Anthony. Não
acredito que vão ficar do lado dele.

— Claro que não, cara. Tá todo mundo com raiva, tio Cristóvão e meu
pai estão furiosos com ele, mas é a festa de inverno, você sabe como ele fica
louco quando um de nós não aparece e se você der um vexame… — ele diz,
observando a garrafa na minha mão.

— O quê? — Tomo um gole longo de uma vez só. — John vai ficar
bravo se eu der um vexame? Seria muito bom igualar as coisas, pra variar.

— Noah…

— Ele não tem ideia, Anthony. Não faz a menor ideia de com quem

mexeu.

— Você tá bêbado? Não vai fazer bobagem, guri. Vai conversar com a
garota e pronto, esquece isso.

Eu me afasto dele, seguindo para o meio da multidão, não estou a fim


de conversar. Nem um pouco, mas Anthony me segue de perto, tentando me
alcançar, no entanto, somos interceptados por um homem de óculos enormes
e cabelos grisalhos. O mesmo que estava na fazenda, com meu avô, um
pouco antes.

— Com licença, senhor Noah. Eu sou o Matias, repórter do telejornal


de Porto Alegre, sou um convidado de seu avô para a festa de inverno — ele
se apresenta, a câmera enorme em suas mãos enfatizando sua fala.

Estaco, erguendo a sobrancelha cheio de descrença. Um repórter.

— Inferno… — Ouço Anthony resmungar atrás de mim.

— Sei. Se me dá licença, estou com um pouco de pressa.

— Só vai levar um momento. — Ele se coloca no meu caminho outra


vez. — John Broussard me falou sobre você, sobre como desempenhou um
bom trabalho nos negócios da família recentemente e seus possíveis planos
de casamento com a filha de um amigo em comum. Queria fazer uma matéria
sobre esse novo Noah, vamos apagar de vez da lembrança das pessoas o

boato sobre a zoofilia — ele conclui, com um sorriso amarelo, como se


estivesse me fazendo um favor.

— Acho melhor deixarmos isso pra depois — Anthony se adianta,


percebendo que estou prestes a perder o controle.

Depois de tudo que fez, John ainda tem a coragem de tentar forjar uma
matéria sobre mim, criando um romance que nem existe e propagando esse
novo eu como se fosse uma vitória sua.

Se John quer uma matéria, se o que quer é uma manchete, eu posso dar
isso a ele com prazer.

— O senhor quer saber o que exatamente? — pergunto, soando calmo


demais.

Anthony se coloca entre nós e meneia a cabeça, se desesperando.

— Merda, Noah. O que você está fazendo?

O jornalista não entende bem nossa conversa paralela, mas dá um passo


para o lado, para voltar a me encarar e, então, me oferece a pior resposta em
que ele poderia pensar.

— Quero saber o que Noah Broussard tem a nos mostrar.

Abro um sorriso, antes de dar as costas para o homem, desafivelar meu


cinto e descer as calças até os pés.

— É isso o que tenho a mostrar, senhor repórter — grito, cruzando os


braços e deixando que registre minha nudez.

Tomo o cuidado de cobrir o nu frontal com a mão e a garrafa de vinho,


mas deixo o traseiro bem a mostra para que ele veja.

As pessoas começam a falar mais alto e de repente estão gritando, mas


acima de todas elas, Anthony grita, transtornado por eu me atrever a mostrar
a bunda diante de toda essa gente.

Em alguns segundos, os celulares estão todos apontados para mim e


percebo quando a câmera do repórter consegue captar meu traseiro, pelo
barulho do flash.

E me divirto com a loucura instaurada, enquanto as pessoas se


aglomeram aos gritos.

— O que você pensa que está fazendo, Noah?

E então Cíntia está parada à minha frente, e ela não parece estar
achando graça nenhuma.
Subo as calças em uma velocidade ímpar, não por me envergonhar do
que fiz, mas porque Cíntia já está me dando as costas, saindo, e preciso
alcançá-la.

Não sou uma celebridade, logo, ninguém se importa que eu saia


correndo de repente, nem mesmo o repórter, afinal ele já tem suas fotos pra
manchete do dia seguinte e para a televisão.

Não tenho coragem de olhar pra onde meu avô está. Ele pode até ter

merecido um escândalo, mas ainda bota medo com aquela carranca que faz.

Abro caminho entre as pessoas, chamando por ela, desesperado.

— Cíntia! Cíntia... — Ela nem olha pra trás. — Amor, volta aqui!

Aquele vinho todo está cobrando seu preço, porque não estou andando
exatamente em linha reta. Linda surge à minha frente, direto do além. De
onde foi que ela saiu?

— Deixa ela, Noah. Você precisa ficar pensar direito… — fala, me


barrando com as duas mãos no meu peito.

— Eu nem bebi — retruco, mentindo.

Linda apenas me encara, como se debochasse da minha óbvia tentativa


de a enganar.

— Não vai pedir desculpas assim, ela vai só se irritar mais.

— Vou pedir, sim, mas desculpas pelo que o vô fez, porque acho que
não fiz nada demais.

Linda ergue a sobrancelha arqueada e apoia as mãos na cintura.

— Claro, porque se sua namorada ficasse pelada na frente de todo


mundo você iria adorar.

Isso me faz pensar um pouco. Talvez eu seja um pouco inconsequente e

tenha enfim razões para me desculpar.

— Merda. Será que ela tá muito brava?

— Brava, não sei, mas chateada com certeza.

— Ela foi embora? A Cíntia veio comigo pra Araucária, Linda, e o


John a expulsou da fazenda, pra onde ela vai? Preciso encontrá-la.

— Relaxa, ela vai ficar com a Olívia essa noite, o vovô nem vai ver —
ela explica, se referindo a filha do caseiro e nossa amiga de infância.

— Por que vai ficar com a Olívia? Elas nem se conhecem.

Linda me pega pela mão e começa a me arrastar para longe da praça,


me forçando a deixar a festa.

— Quando ela saiu da casa, a Olívia se encontrou com ela e me ligou


— ela diz. — A Cíntia veio comigo e com a Olívia pra cá, te achar, mas aí
você tinha que mostrar o traseiro pra todo mundo…
— Eu sou idiota, Linda — admito, finalmente. — Estava com ódio do
John porque ele falou na minha cara que tinha mandado ela embora.

— E o que mostrar a bunda tem a ver com isso? — Linda destrava seu
carro quando chegamos diante dele e abre a porta do passageiro.

— Eu vim de moto — falo, percebendo a intenção dela de me colocar

lá dentro.

— E o Michael pode voltar nela, você não está legal pra dirigir.

Aceito a sugestão, porque já fiz besteira demais pra uma noite.

Linda pega a chave da moto e o capacete das minhas mãos, fecha a


porta do carro e sai correndo para onde minha família está reunida.

Ela não demora a voltar, e estou de olhos fechados, a cabeça recostada


no banco, quando a ouço abrir a porta do lado do motorista.

— Então — Linda se senta e liga o carro em seguida, começando a

dirigir —, você ia me explicar porque ficou pelado.

Bufo de frustração, lembrando da cena.

— O John chamou um repórter pra fazer uma matéria sobre como eu


mudei, acredita? — Linda não responde, porque claro que acredita. —
Finalmente ele achou uma boa ideia abafar aquela fofoca do cachorro.
— Tá, vovô foi oportunista, mas ainda não justifica — ela diz, prática
como sempre.

Esfrego o rosto com as mãos para tentar desanuviar as ideias.

— Ele disse pro repórter que trabalhei na empresa no último mês e


ainda tentou me juntar com a Mariana.

— A filha do Ramon? Mas vocês…

— É, foi um namorico de adolescente, nada a ver isso agora. Foi só


porque falei que ia me casar com a Cíntia.

— Casar? Olha, Noah… Eu gostei dela, parece ser bem legal e apoio
seu namoro, mas não tá muito cedo?

— Não era nossa intenção de verdade. Falei pra que ele visse que era
sério, mas agora…

— O quê?

— Eu casaria mesmo — respondo, dando de ombros. — Você sabe que


sempre ajo no impulso, faço umas coisas doidas como o que fiz agora a
pouco, mas a Cíntia... É a primeira coisa real que me acontece em anos, a
única pessoa que conseguiu me entender de verdade, exceto por vocês, mas
nem sempre estamos juntos, então é diferente.

— Na verdade, primo, nem nós te entendemos bem — ela diz, sorrindo.


— Então agarra a namorada mesmo.

— Se ela me perdoar, Linda, eu vou sumir por uns tempos.

— Como assim? — Linda me olha de lado e depois volta a focar na


estrada.

— Não vou querer o dinheiro do John mais, vou me virar sozinho, com

ela, e não venho mais aqui na Santa Inês.

— Não sei se venho também — ela diz, o cenho franzido. — Isso que
ele fez hoje… Deixou todo mundo em choque. Acho que o vovô finalmente
extrapolou todos os limites do aceitável, controlar sua vida assim, expulsar a
guria… Não tem defesa.

— E por que nós estamos subindo pra lá, então? — De onde estamos,
já consigo ver a luz da varanda acesa.

— Porque a Cíntia está com a Olívia na casa dela. Você vai tomar um

banho, um café forte e, se melhorar, vai lá falar com ela.

— Obrigada, Linda. — Me inclino e dou um beijo estalado na


bochecha dela. — Você é demais! A melhor prima que eu tenho.

Ela sorri, meio de lado e meneia a cabeça.

— Quase me enganou, Noah. Sou sua única prima.


— Só tem um problema nesse seu plano, eu estou bêbado, mas tenho
meu orgulho. Não quero que o John veja que voltei pra fazenda.

— Ele não vai sair antes que a festa termine, principalmente depois do
seu show, vai ficar lá apaziguando as coisas, a festa mal começou…

Assinto, focado. O objetivo agora é simples, deixar de estar bêbado o

mais rápido possível, ir atrás da Cíntia e resolver as coisas e, depois, dar o


fora da fazenda sem olhar para trás.

Linda estaciona na porta da casa grande, e entramos rapidamente. Sento


no sofá, preparado para a sessão de desintoxicação.

— Bom, como sua melhor prima, pesquisei na internet e parece que o


lance do café é mito. Mas o banho pode ajudar um pouquinho… — Pelo
modo como Linda fala, percebo que não vai ajudar em absolutamente nada.

— Tô ferrado.

— Olha, sorte que você não é um bêbado que se parece com um, então
se mantiver as calças no lugar, já ajuda. É só não pegar a estrada hoje…

— E eu vou pra onde?

— Pra um hotel, tem um monte na cidade. Você tá sem grana? Eu te


empresto.

— Não, eu trabalhei e tenho meu próprio dinheiro — falo, feliz porque


é a primeira vez que posso dizer isso.

— Noah Broussard evoluindo! Então tá. A internet diz que glicose


ajuda um pouco, já deve ser o suficiente pra você falar com a Cíntia sem
estragar tudo — ela conclui, guardando o celular no bolso.

— Certo, glicose.

— É. Eu trouxe uma caixa de bombom pro John, mas como ele


obviamente não tá merecendo, vamos comer ela agora mesmo.

Linda me deixa na sala e corre até seu quarto, voltando com os


chocolates prometidos. Ela se senta ao meu lado no sofá e cruza as pernas, a
meia arrastão confere o estilo meio gótico que ela adora ostentar.

Linda retira a tampa da caixa e praticamente me enfia uma trufa na


boca.

— Anda, come! A Mila dorme cedo, não vai acordar a mulher.

— Mas eu quero é a Cíntia — reclamo.

— Que está na casa da Mila, inteligente.

É, acho que estou meio lerdo. Mastigo um chocolate e depois outro e


mais outro. Realmente o efeito é bom e até rápido, não é como se eu estivesse
são de repente, mas bem menos bêbado.
— Agora o banho, bonitão. Anda…

Faço o que ela diz e corro para o quarto, entrando no banheiro em


seguida. Olho minha expressão no espelho e quase tenho pena de mim, só
não tenho porque não estou merecendo.

Não choro, não me sinto depressivo, porque ainda tenho esperanças.

Talvez ela me perdoe, não porque eu mereço, mas porque Cíntia é assim, tem
um coração disposto a dar outra chance.

Ainda assim, há certo temor dentro do meu peito. Talvez isso seja
demais pra ela.

— Não acredito que ele fez isso! — Olívia ainda está em estado de
choque. — Quer dizer… Noah sempre fez o que deu na telha, mas dessa
vez…

Olívia é filha de Mila e do caseiro da fazenda. Quando John me


expulsou, sem lugar para ir, ela me encontrou.

Não nos conhecíamos ainda, mas no estado em que eu me encontrava,


qualquer ajuda era bem-vinda e, como eu disse que era namorada de Noah e
ela me contou que era amiga dele desde criança, acabei aceitando a ajuda
momentânea.

Ela ligou pra Linda e as duas me levaram até a festa, determinada a


encontrar ele. Eu só não esperava que fosse pelado. Pensando em como tudo
aconteceu, Olívia me parece uma garota legal. Não é qualquer pessoa que,
quando encontra uma desconhecida perdida e meio desconsolada, oferece
ajuda e arrasta pra casa.

— Eu nem sei o que dizer — respondo.

— Você tá muito irritada?

Penso na resposta. Eu estou? O problema não é o fato de Noah ter

abaixado as calças, isso eu conseguiria perdoar com base em uma promessa


de não repetir a idiotice. O problema de verdade são as coisas que John me
disse antes.

Ele afirmou que Noah iria voltar para a vida antiga, que nosso romance
estava perto do fim e o que mais me irrita é pensar que talvez ele tenha razão,
que talvez nós sejamos mesmo muito diferentes.
— Não sei.

— Não sabe? Olha, eu adoro o Noah e acho que vocês vão se entender,
mas se fosse comigo eu estaria possuída!

— Isso depende de quem é seu namorado — respondo, em meio a um


sorriso. — Essas coisas doidas são parte do pacote que é o Noah. Eu

perdoaria se ele prometesse parar de se exibir por aí… O que está me


irritando não é isso.

— Ah, não? — Ela se senta ao meu lado na cama.

— John me expulsou com todo aquele papo de que Noah e eu somos


muito diferentes e ele vai e me faz isso. E se formos mesmo diferentes
demais?

— Primeiro, Cíntia, ele disse que vocês são diferentes por causa da
conta bancária, isso é preconceito! Segundo, olha só, se você consegue

relevar a nudez do seu namorado, vocês vão durar é a vida toda.

Começo a rir, porque do jeito que ela fala parece que vou viver
perdoando as loucuras de Noah.

— Não é assim também, Olívia. Eu quis dizer que consigo dar uma
segunda chance, não que ele vai poder ficar andando pelado por aí pra
sempre.
— E se fosse traição? — ela me sonda, curiosa.

— Aí está um limite que eu não ultrapassaria. Mas não sei… O Noah


vinha se comportando de maneira tão sensata, não consigo entender o que
deu nele.

— Sensato? O Noah? — Ela parece duvidar.

— Ele é doidinho, sei disso, mas é a personalidade. Mas Noah tem


trabalhado, me ajudou muito no restaurante, não fez nada nem remotamente
errado no último mês, muito pelo contrário.

— Eu acho que…

Ouvimos uma batida na porta e ficamos atentas, ouvindo. Pouco depois


Mila coloca a cabeça pra dentro do quarto.

— Oi, meninas. O Noah está aí fora e quer falar com você, Cíntia.

— Eu acho que vamos descobrir o que deu nele — Olívia completa.


— Oi… — digo ao vê-la sair de dentro da casa.

Cíntia está linda. Com toda a correria da noite nem tive tempo de
observar como estava bonita com o sobretudo preto, comprido e as botas de
cano alto.

— Então você me achou — ela diz, como resposta.

Cíntia cruza os braços ao me encarar, e sua expressão não parece das


mais promissoras.

— Linda me disse que estava aqui. Em uma escala de 0 a 10, o quanto


você está brava com meu showzinho?

Fecho um olho, como se não olhar diretamente no rosto dela fosse


reduzir o impacto quando ela disser “dez”.

Mas ao invés disso, Cíntia suspira profundamente.

— Brava não é bem a palavra, Noah.

— Então não vai me xingar, brigar ou me bater?

— É isso que você quer? Eu nem sei pelo que estaria brigando…

— Então está tudo… bem?

Dessa vez ela abre um sorriso triste e meneia a cabeça.


— De jeito nenhum. Não estou brava, o que não quer dizer que não
esteja chateada, decepcionada e ignorante nessa situação toda.

— Como ignorante?

— Porque não sei por qual motivo você fez isso.

Levo a mão aos cabelos, tentando colocar os pensamentos em ordem.

Por que inferno foi que eu fiz?

— Meu avô disse que tinha te mandado embora, me contou as coisas


que te falou e eu fiquei puto.

Desvio os olhos para o chão, porque sei que nada que eu diga vai ser
aceitável.

— Ele te contou? Isso… Não faz muito sentido.

— O John não é um vilão de novela, amor, ele faz e fala que fez. Não

se importa em esconder — conto, meu pé batendo na terra do lado de fora da


casa. Não consigo ficar parado, considerando o nervosismo.

— Estou vendo.

— Eu desci pra te encontrar na festa, ao menos tentar, porque seu


celular estava desligado. Só que um repórter me encontrou, começou a falar
sobre uma matéria que meu avô tinha pedido, que iria falar sobre o trabalho
que desenvolvi na empresa, no último mês.

— Na empresa? Mas você estava…

— Em Rio Dourado. Foi aí que fiquei mais irritado, ele tinha te


mandado embora e ainda estava tentando fazer parecer que fiquei em São
Paulo esse tempo todo, pra não falar sobre a lição que me deu e evitar que eu

mencionasse você.

— Eu entendo que seja frustrante e, honestamente, nunca vi alguém tão


manipulador quanto seu avô. Mas não justifica, Noah.

— Não, não justifica. Fui infantil e eu sei disso, poderia dizer que
estava bêbado, mas acho que você não vai comprar essa desculpa também.

— Acho que o álcool pode ter ajudado a te dar coragem, mas você
sempre foi impulsivo.

— Eu estava sem cabeça, não conseguia te achar e comecei a pensar

que você fosse acreditar nas coisas que ele disse, sobre aquela Mariana.

— E são mentiras?

— Que eu tive um namorico com ela na adolescência? Isso é verdade,


mas todo o resto não.

— Ele disse que você se transformou depois que ela te deixou, porque
estava muito apaixonado.
Ergo as sobrancelhas e tenho que me segurar para não rir. Não é o
momento certo, mas a ideia é tão ridícula que não consigo ficar tão sério

como deveria.

— Cíntia, a única pessoa por quem eu sou apaixonado é por você.

Ela hesita um pouco, antes de abrir um meio sorriso.

— Escolheu um bom momento pra se declarar.

Talvez eu tenha ganhado uns pontinhos por dizer a verdade.

— Eu namorei essa menina quando tinha uns treze anos e já te contei o


que me fez ficar assim, inconsequente. Não tem nada a ver com ela, e tudo
em relação aos meus pais.

— E sobre o casamento? Ele disse que ela se arrependeu de ter deixado


você e agora quer se casar.

— Você acha que eu me casaria com alguém assim, do nada?

— Não se casaria? Você faz umas coisas…

— Não com alguém que não representa nada pra mim, Cíntia e tenho
certeza de que isso tudo é história dele, não acho que Mariana sequer tenha
pensado nisso.

— Bom, eu pude deduzir que parte disso fosse mentira, Noah, e disse a
ele que se fosse verdade, você que deveria me dizer. O que mais me
incomodou foi o que ele disse depois.

— E o que foi? — Começo a sentir a mesma raiva de antes. Quando


penso que acabou, tem mais história por trás da confusão que John me
arrumou.

— Ele disse que eu estava com você por interesse e que, se fosse o
caso, deveria desistir porque não te devolveria o dinheiro se fosse ficar
comigo.

— Eu sei, te disse isso antes de sair, que ficaríamos sem grana, mas e
daí? Não precisamos.

— Foi o que eu disse, e seu avô me falou que você pensaria diferente
logo, logo. Que quando as coisas ficassem apertadas, voltaria atrás e iria se
arrepender da escolha que fez, de ter me escolhido.

— O caralho que vou.

Cíntia percebe minha irritação com o assunto, mas ela não hesita em
continuar.

— Você pensa que não, mas olha só o que aconteceu, na primeira crise
você me aprontou essa, no meio da festa.

— Não tem nada a ver com deixar você, eu só sou um idiota. Cí, eu
dormi no chão, com um cobertor fino no restaurante, fiquei três dias sem
tomar banho e fiz bolachas na cozinha. Passei com você por esse momento

difícil da Cantina e não é como se estivesse nadando em dinheiro quando me


envolvi com você, mas eu quis ficar. Não vou me afastar se as coisas se
complicarem, eu estou escolhendo você… Então me escolha também.

— O que isso quer dizer? Me escolher?

— Quer dizer que se me quiser, vamos voltar pra Rio Dourado, juntos,
e eu vou pra ficar. Significa que vou deixar o dinheiro do meu avô pra trás e
vamos trabalhar juntos todos os dias pra fazer seu negócio crescer. Que vou
viver do aluguel de oitocentos reais, ou de aluguel nenhum se você me der
comida e cama… Eu só quero ficar onde você estiver.

Ela morde a pontinha do lábio, pensativa. Tão linda que quase me


inclino para roubar um beijo, mas preciso antes ouvir que Cíntia está comigo
nessa.

— Me desculpe pelo que fiz essa noite — solto, por fim. — Não pensei
naquilo como algo… Indecente. Eu só queria estragar a matéria dele e
mostrar pro repórter que era tudo balela do John. — Como ela me encara,
esperando que eu conclua, decido continuar. — Mas Linda me abriu os olhos
para a situação.

— O que ela disse?


— Que eu não ia gostar que você mostrasse seu corpo por aí, pra todo
mundo ver.

— Eu prefiro que, de agora em diante, você guarde tudo bem dentro da


calça, Noah. Consigo entender que não fez por safadeza e posso lidar com
isso, mas não vou aceitar meu namorado oferecendo nudes de graça por aí.

— Então se eu vender, tudo bem?

É com alegria que recebo um soco dela bem no meio do estômago.


Depois que recolhemos nossas coisas, Linda leva Noah e eu de volta
para Araucária, onde encontramos a moto no mesmo lugar de antes e as
chaves com Michael.

Não ficamos mais tempo na festa, principalmente depois de tudo que


aconteceu, decidimos que o melhor seria procurarmos uma pousada para
passar a noite e encontramos uma, não muito distante da praça. Depois do
escândalo, John não ligou ou tentou falar com Noah nenhuma vez e talvez
seja melhor assim, ao menos por enquanto.

Estamos tão cansados que apagamos quase que imediatamente, mas, na


manhã seguinte, pegamos a estrada de volta para Rio Dourado bem cedo.

Noah está calado desde que deixamos Araucária, e imagino que esteja
remoendo tudo que aconteceu. Já notei que é um hábito dele conversar
enquanto dirige, mas hoje não.

É apenas depois de algum tempo, quando estacionamos diante da


Cantina, em casa, que consigo entender o motivo de sua preocupação.

Retiro o capacete, para entrarmos, mas ele me segura pelo braço antes
que eu abra a porta.

— Cí, será que já estão sabendo do que eu fiz? — ele sussurra. —


Agora que vou ficar aqui, não queria que ficassem pensando mal de mim…

Ainda é cedo e, pelo horário, imagino que talvez a notícia ainda não
tenha se espalhado, mas é lógico que vai acontecer, afinal são as
consequências, e infelizmente ninguém está isento delas.

— Acho que ainda não — respondo, mas ele entende o que isso quer
dizer.

— Certo. — Noah também retira o capacete e desce da moto. — Então


acho que tenho um plano.

Ele não se explica. Noah caminha à minha frente e abre a porta da


Cantina. Não é nenhuma surpresa que encontremos Marisa, o padre Nelson e
George sentados no lugar habitual, conversando animadamente e tomando
chimarrão.

— Bom dia, pessoal — cumprimento, assim que passamos pela porta.

— Ah! Vocês já voltaram — Marisa responde, sorrindo.

Pelo comportamento natural deles, a notícia realmente não chegou até


aqui ainda.

— Voltamos — Salém passeia entre as minhas pernas, me


cumprimentando ao mesmo tempo que faz pouco de mim e me abaixo para
pegá-lo. — Aposto que esse aqui nem sentiu minha falta… — A cara dele
entrega sua indiferença.

— Mas sabe quem sentiu? — Jeni sai de dentro da cozinha correndo e


me abraça apertado. — Eu! Nem parece que você ficou fora um dia e meio,
sofri muito sem você, Cíntia!

Olho para os meus clientes que tentam segurar o riso e tento entender o
motivo do dramalhão.

— E por que sofreu tanto?

— Esses três — ela aponta para a prefeita e sua dupla —, disseram na

minha cara que a cuca não estava boa e ainda reclamaram do arroz que eu fiz,
acredita?

— Em nossa defesa, ela colocou meio pote de sal na comida — o padre


se defende, rindo abertamente.

— Foi mesmo, intragável — Marisa concorda.

— Tá vendo? Foi isso que eles fizeram comigo enquanto você não
estava.

— E os clientes que podem não voltar? Porque os três reclamaram, mas

estão aqui — comento, abraçando Jeni de volta, mas começando a me


preocupar. — O pessoal do camping…

— A Marisa invadiu a cozinha e refez o arroz — Jeni admite —, não


tivemos reclamações.

— É sério?
— Claro, aqui é assim. Posso reclamar, mas também ajudo — a prefeita
diz, mostrando mais uma vez a frente unida que nós somos.

Jeni abre um sorriso, acabando com o falso drama.

— Eles me ajudaram muito — conta, enviando um beijo ao trio.

— E então? Como foi lá? — É George quem pergunta agora, ele está

sorvendo um gole de chimarrão, enquanto os outros beliscam um pedaço de


pão que está sobre a mesa.

Noah, que se manteve de pé e em silêncio até então, coloca o capacete


sobre o balcão e depois segue até a mesa deles, com as mãos no bolso e a
cabeça abaixada.

Fico observando enquanto tento entender o que ele está fazendo, qual o
seu plano.

— Posso me sentar com vocês? — pergunta, olhando para o trio com

expectativa.

— Claro, menino, você já é de casa. — O padre faz um gesto com a


mão, indicando o assento ao seu lado.

Noah arrasta a cadeira e se senta, apoiando as mãos sobre as pernas,


tamborilando os dedos sobre elas, nervoso. Jeni e eu nos mantemos de pé,
observando a interação deles.
— Olha, foi bom em Araucária — Noah conta —, até não ser mais.

— Como assim? — Marisa para com a bomba de chimarrão a caminho


da boca.

— Aconteceram uns probleminhas com meu avô e acabei fazendo uma


besteira.

A prefeita olha dele pra mim e de volta para Noah.

— Que tipo de problema? Não que seja da minha conta, mas como
você já está contando mesmo, então nos dê os detalhes, rapaz.

Como os outros dois se mantêm em silêncio, Noah encara aquilo como


incentivo para começar a contar tudo.

— Ele mandou aquele monte de vinho na nossa festa, então pensei que
tudo estivesse bem. Por que vocês brigaram? — George pergunta. — Ou não
brigaram?

Noah suspira e me encara, como se pedisse apoio. Abro um sorriso de


incentivo, mas não digo nada, porque é algo que ele precisa fazer sozinho se
quiser remediar o falatório e salvar a visão que o povo de Rio Dourado veio
construindo desde que chegou aqui.

— Eu fiz uma besteira grande, daquelas que saem na televisão… Vocês


sabem.
— Ah, não! Outro cachorro? — A prefeita pergunta, desanimada.

Noah sorri.

— Só se eu for o cachorro — responde, e não consigo deixar de sorrir


também.

— O que foi que você fez? — o padre indaga, olhando para Noah com

certo temor.

Eu me aproximo da mesa e arrasto uma cadeira também. Sento ao lado


dele, com Salém no colo, em uma tentativa de demonstrar apoio.

— Eu fiquei… um pouco…

— Pelado — solto, porque o suspense já está me matando.

Além disso, a televisão está ligada e o jornal acaba de começar, o que


significa que logo, logo o mistério vai ser desnecessário.

— De novo? — Jeni e a prefeita questionam ao mesmo tempo.

— É, mas ele teve seus motivos — explico.

— Pra ficar sem roupas? — George pergunta, um tanto cético.

— Ah! Não vai dizer que vocês estavam… — Jeni não conclui a frase,
mas olha para o padre com as bochechas muito vermelhas por causa da
sugestão.
— Não foi nada disso — interrompo —, foi por uma razão totalmente
não sexual — falo, me embolando toda.

— Então o que foi? — O padre olha de Noah para mim, curioso, mas
também parece aliviado por não ser o que Jeni sugeriu. Se ele soubesse o
quanto corremos risco nos vinhedos, não estaria tão tranquilo.

— Eu vou contar pra vocês como tudo aconteceu desde o começo,


assim vão entender melhor essa história toda.

— Vai contar tudo? — pergunto, com um olhar significativo.

Noah apenas aquiesce e então começa a falar.

— Eu não vim para ver o imóvel a mando do meu avô. Na verdade,


depois daquela fofoca do cachorro ele ficou muito irritado e tirou meu
dinheiro, meus cartões, e me disse que precisaria viver com o dinheiro do
aluguel desse cômodo, que a Cíntia aluga.

— Ele te deserdou? — George está de boca cheia, mas não resiste à


pergunta.

— Temporariamente. Ele estava me dando uma espécie de lição, me


ensinando que dinheiro não cai do céu e esperando que, com isso, eu me
tornasse mais responsável.

— Era um bom plano, na verdade — a prefeita fala, pensativa.


— Era mesmo. E aí quando cheguei aqui, conheci a Cíntia… — Penso
que ele vai falar do contrato e já espero os olhares de julgamento, mas Noah

se desvia desse tópico e vai além. — Aos poucos fomos nos envolvendo, os
sentimentos não foram instantâneos como vocês pensaram, mas cresceram
rápido e fortes. De repente, o dinheiro dele já não me importava mais.

— Você amadureceu — Marisa diz, emocionada. Mas acho que se

lembra do porquê iniciamos essa conversa. — Ao menos um pouco…

— Eu amei fazer parte disso tudo, dessa… comunidade, como o padre


me disse uma vez. Me senti em casa, fui acolhido, aprendi como é
recompensador ver o fruto do meu trabalho, ajudei a Cíntia como pude e
aprendi a me virar também. Quando fomos para Araucária, confesso que
tinha esperanças de que meu avô devolvesse o dinheiro, mas por motivos
diferentes dos que eu tinha no começo. Eu queria ajudar a Cíntia, reformar a
Cantina, expandir, ajudar a cidade de modo geral. Não sei bem o que eu faria,

mas não era mais uma vontade egoísta.

— Mas seu avô não devolveu o dinheiro — Jeni adivinha, pelo rumo
que o assunto tomou.

— Não — ele sorri —, mas não pensem que tirei a roupa por causa da
grana. Desde que chegamos na fazenda, ele deixou muito claro que, se eu
ficasse com a Cíntia, se insistisse no relacionamento, não iria me devolver o
dinheiro. E eu disse que tudo bem, que não precisava. Hoje eu sei que nós
podemos construir o que quisermos juntos.

— Ele disse o quê? — A prefeita se levanta, revoltada. — Como ele


pôde dizer uma coisa dessas? A Cíntia é uma moça de respeito, de caráter!
Por que ele não iria querer seu namoro com ela?

— Ele acha que… Eu deveria namorar alguém em uma situação


financeira mais próxima da minha.

— Seu avô não aprova o namoro porque ela é pobre? — Jeni é quem
pergunta agora, e vejo suas narinas se dilatarem de raiva.

Noah concorda com um gesto, mas a raiva da noite anterior já se foi.


Agora ele sorri.

— Então nada mais justo que eu ficar pobre também e me equiparar a


ela, se esse é o problema — Noah conclui.

— Não posso acreditar nisso — o padre resmunga, chateado —, sempre


admirei seu avô, o trabalho que ele vem fazendo ao longo dos anos, e preferi
ignorar as fofocas sobre o pacto dele com o diabo, mas isso…

— Não é o pior — Noah o interrompe —, eu disse que tudo bem, que


ficaria sem o dinheiro, mas então precisei sair pra socorrer meu tio. O carro
tinha estragado na estrada e, quando voltei, Cíntia não estava lá mais.
— Onde ela estava? — George pergunta.

— Onde você estava? — a prefeita se volta pra mim.

— John a tinha expulsado da fazenda e falado um monte de merda. —


Noah direciona ao padre um olhar, como um pedido de desculpas pela
palavra. — Disse que o relacionamento não ia durar porque eu ia sair fora

quando precisasse de dinheiro, falou que ela era interesseira… E sugeriu que
eu ia me casar com uma guria que não vejo desde a adolescência, ou ao
menos não via até ontem.

— Isso é… Eu não sei nem o que dizer. — Marisa, que já está de pé, dá
a volta na mesa e caminha até onde estou, me abraçando pelos ombros. —
Nunca ouvi algo tão preconceituoso assim.

— Eu sei — Noah concorda —, e é horrível, principalmente porque se


alguém não merece nossa relação, sou eu. A Cíntia é uma pessoa muito

melhor que eu jamais vou ser.

Seguro a mão dele, que ainda está batucando sobre a perna, e Noah
aperta meus dedos entre os seus.

— Isso não é verdade — retruco.

— E o que houve depois? — George não quer saber do nosso


romantismo agora, não antes que a história seja concluída.
— Eu não conseguia encontrá-la, fiquei muito nervoso e o telefone dela
estava descarregado. A gente tinha feito um passeio pelos vinhedos mais

cedo — ele diz, me dirigindo um olhar significativo —, bebemos bastante


vinho, e desci pra festa de inverno procurando pela Cíntia levemente alterado
pelo álcool. Logo que cheguei comecei a beber mais, eu estava com medo de
que ela desistisse de mim… Mas aí apareceu um repórter me perguntando

sobre esse tempo que passei trabalhando na empresa do meu avô e fiquei
cego de raiva.

— Você passou um tempo trabalhando na empresa? — o padre


pergunta, sem entender.

— Não é isso, ele se referia ao tempo que Noah passou aqui, comigo —
conto. — Ou seja, John Broussard estava me varrendo e também a Rio
Dourado para debaixo do tapete, como se o Noah nunca tivesse vindo até
aqui.

— A minha cidade? — A prefeita ergue a voz outra vez, me libertando


do abraço que ainda me apertava. — O que tem de errado com Rio Dourado?

— Eu entendo que o que seu avô fez foi errado — o padre diz,
meneando a cabeça e ignorando a amiga. — Posso entender por que ficou tão
chateado. Mas ainda não entendi por que ficou nu, ou onde isso aconteceu.

— No meio da festa — Noah revela, constrangido.


— Da festa de inverno?

Noah coça a cabeça, desanimado por ter que contar tudo.

— O repórter queria uma declaração, e eu me declarei ficando pelado.

— Você simplesmente abaixou as calças no meio de toda aquela gente?


— O padre parece mais chocado que decepcionado.

— Algo assim. Olha, eu estou envergonhado e sei que não deveria ter
feito isso, mas preciso dizer mais uma coisa antes que comecem a falar de
como eu sou descarado e tudo. Primeiro, que não pensei nessa questão de…
safadeza, como a Cí chamou. Eu só queria envergonhar meu avô, fiquei
muito nervoso e fiz isso sem pensar.

Os três o encaram sem dizer uma palavra, como se não soubessem


como responder a isso tudo, e Jeni olha pra mim, sondando minha reação.

Depois de um longo silêncio, o padre junta as mãos e fixa os olhos em

Noah.

— Acho que concordamos que foi uma atitude desnecessária, mas acho
que está se preocupando com a questão errada nessa história, Noah.

— Não acha preocupante ele ter ficado pelado no meio da festa, padre?
— a prefeita pergunta, tão surpresa quanto eu.

— Isso foi a consequência de um sentimento, o que importa aqui é o


motivo pelo qual Noah fez isso e, nesse caso, foi a raiva, a decepção com o
avô e o desejo de se vingar envergonhando sua família.

— Mas padre — Noah interfere —, ele humilhou a Cíntia antes!

— E você tinha que retribuir? Sentiu essa necessidade? Porque eu


encaro sua situação do seguinte modo, rapaz. Você veio para Rio Dourado

como um castigo, mas se apaixonou aqui, cresceu, evoluiu como pessoa e


agora quer ficar. Então o que começou como uma lição, acabou sendo um
ponto de virada na sua vida.

— Até aí estamos de acordo.

— Pois bem. Seu avô não quer devolver o dinheiro, mas você não está
se importando com isso. Ele não aceita a Cíntia, mas quem tem que querer e
aceitar é você. Não há razão para revidar, ficar com raiva e se vingar, é só
seguir com a sua vida aqui, ao lado dela, e deixar seu avô com suas opiniões

irrelevantes.

— É o que pretendo fazer.

— Mas podia ter feito antes de abaixar as calças.

— Podia. Eu fui imaturo, outra vez, mas não pretendo continuar agindo
assim. Vou ficar aqui com a Cíntia e deixar que meu avô se preocupe em
mandar nos meus primos por enquanto.
— E tente não guardar rancor. Sei que está recente, você também,
Cíntia… Mas o perdão é mais benéfico pra quem o libera do que pra quem é

perdoado. Guardar mágoa só faz mal.

— Eu não vou dizer que não fiquei chateada, mas consigo


simplesmente ignorar, mas você… É seu avô, Noah — falo, dando razão ao
padre. — O homem que, apesar do jeito controlador, cuidou de você, se

preocupou o bastante pra te castigar. Não quero ser o motivo pelo qual vocês
não se falam.

— E não vai ser, mas o John precisa entender que não podemos
controlar as pessoas que amamos.

— Seu avô está velho, menino — o padre volta a falar —, viveu a vida
toda com esse tipo de pensamento, mas quando estiver sozinho, sem a família
por perto, ele vai entender o que fez. Vai perceber como está se sabotando
com essas atitudes, e eu não tenho dúvidas de que quando isso acontecer,

nossa Cíntia vai ganhar o coração dele, porque não há quem resista a essa
menina.

Sorrio em resposta ao elogio, e então o repórter na televisão chama


nossa atenção.

A festa de inverno de Araucária está na boca do povo e não apenas


pelos vinhos finos e presenças ilustres, mas porque, em dado momento, Noah
Broussard, um dos herdeiros da empresa responsável pelas bebidas Del
Broussard, decidiu ficar nu em plena praça, sem nenhuma razão aparente.

Uma foto tirada de um ótimo ângulo ilustra as palavras do homem.

Quando confrontado sobre o ocorrido, John alegou que o neto havia


tomado atitudes que ele não podia compreender, mas sugeriu que talvez o

rapaz tivesse bebido um pouco além do adequado. De uma bebida que não
levava o selo dos Broussard.

— Bom, apesar disso, vejo uma vantagem nessa situação — a prefeita


fala, ainda que seus olhos estejam um pouco tristes.

— E qual é? — O padre está muito vermelho, provavelmente por conta


da foto reveladora que toma conta de metade da televisão.

— O bumbum dele é bonito.

— Marisa! — George repreende, também constrangido.

— O quê? Imagina se fosse o seu? Ou o meu bumbum enrugado? Ao


menos o dele está inteirinho…

O comentário é o que precisamos para rir e para que o clima fique um


pouco mais leve.
Não tive notícias do meu avô desde a festa em Araucária, uma semana
antes e, por mais que o silêncio me deixe um pouco apreensivo, as coisas não
poderiam estar melhores.

Se eu pudesse imaginar que minha vida iria mudar tanto quando ele me
mandou pra Rio Dourado, talvez não tivesse vindo. O velho Noah jamais
conseguiria imaginar que a vida em um lugar assim, sem as noites permeadas
por drogas e festas loucas, poderia ser tão boa. Tão melhor.

Ainda bem que não fui avisado. Cair de quatro por essa mulher, foi a
coisa mais intensa que aconteceu na minha vida. Rápido, surreal e incrível.

O restaurante está lotado essa noite. Passa pouco das oito horas, e os
campistas, além de um grupo de turistas que se hospedou na pousada, estão
todos aqui para o jantar.

Cíntia está na cozinha, enquanto Jeniffer serve as mesas. Eu estou no


caixa, fechando as comandas e observando o movimento para ajudar onde for
preciso. Temos apenas uma mesa vazia. Se continuar assim, logo o espaço

não vai mais comportar os clientes.

Uma ideia nova começou a martelar na minha cabeça desde ontem, mas
não sei bem como Cíntia vai reagir a ela, então por enquanto ainda não
compartilhei.

A porta da frente se abre e um cara bonitão, usando um terno


perfeitamente cortado e um sobretudo escuro, entra. Seus olhos procuram por
alguma coisa, até que ele me vê e, então, um sorriso se abre, animado.

— Te achei.

Anthony caminha até o balcão e saio de trás dele para abraçar meu
primo.

— O que veio fazer aqui?

— É assim que você vai tratar toda a família agora?

— Claro que não, idiota. Só estou surpreso.

— Eu vim jantar. Você não disse que sua namorada cozinha muito
bem? Eu estava com fome e pensei em vir.

— Você estava com fome? Lá em São Paulo, e aí decidiu vir até aqui?
— pergunto, rindo da mentira descarada.

— Mais ou menos — ele responde, rindo também. — Tem uma mesa aí

pra mim?

— A melhor de todas. — Mostro o único lugar vago em um canto e


caminho com Anthony até a mesa. — Senta aí.

— Você não pode se sentar comigo? Quero conversar.

— Vai ter que esperar, senhor Broussard, estou trabalhando.

— Então tá. Vou querer… O que vocês servem aqui?


— Vou pedir que sirvam o melhor prato. Quer beber alguma coisa?

— Del Broussard?

Fecho a cara pra ele, como se estivesse irritado.

— Não tenho isso aqui.

— Está brincando?

— Estou, mas ultimamente não ando muito animado em servir esse


vinho. Vou abrir uma exceção.

Um casal chega ao caixa para fechar a conta e corro até lá, fazendo
sinal a Jeni para que atenda Anthony.

De onde estou, vejo-a servir o vinho e, um tempo depois, a comida.


Pela expressão dele posso imaginar que Cíntia o tenha fisgado pelo estômago
também.

Um pouco depois ela deixa a cozinha e segue até a mesa dele. Cíntia
ainda tem o avental amarrado na cintura e está usando um blusão de lã
enorme, ainda assim, é a criatura mais linda do mundo.

Ela sorri e estende a mão, e Anthony se levanta para cumprimentá-la.

Depois disso, Cíntia faz sinal para que eu me aproxime.

— Oi, amor…
— Já terminei na cozinha. Vou ficar no caixa, pode sentar aqui com o
Anthony.

— Não posso te deixar fazer tudo, Cíntia — retruco, baixinho.

— Ele veio pra te ver, não seja mal-educado.

E, com isso, ela assume meu lugar no caixa e me sento em uma cadeira

de frente para Anthony.

— E então pau mandado? O que foi que o vô te mandou fazer aqui? —


pergunto, me recostando na cadeira.

— Não fala assim que você me ofende, guri — ele responde, sorrindo.

— Eu não vou voltar.

— E ele não quer que você volte, o John ainda está irado com o que
você fez.

— Então o quê?

— Ele se preocupa, Noah. Só queria que eu viesse ver se você estava


bem.

— E você podia ter ligado.

— Podia, mas era pra ver, não pra ouvir. Além disso, queria conhecer o
lugar.
— Estamos bem, Anthony. Tem um apartamento pequeno aqui em
cima, onde a Cíntia sempre morou e onde agora moro com ela. E o

restaurante, como pode ver, está supermovimentado.

— Estou vendo — ele concorda —, e a comida, cara, é deliciosa.

— Se as coisas continuarem assim, logo não vai caber clientes.

— O imóvel é seu agora, você pode expandir — ele sugere.

Encaro meu primo nos olhos e apoio às mãos sobre a mesa.

— Estou pensando nisso, mas sabe o que me incomoda? O lugar não é


meu de verdade. John me deu em teoria, mas não tenho documento que
comprove isso. E se ele surtar e decidir me dar uma lição?

— Ele não vai fazer isso.

Fixo meus olhos em Anthony, cético.

— Ele já fez primo. Pode fazer de novo… Tenho pensado em vender a


moto e oferecer a ele como pagamento pelo imóvel.

Anthony coloca a mão no bolso do terno e tira de lá um papel.

— Aqui está seu comprovante, foi o que vim fazer. — Ele me entrega o
papel e eu o abro, curioso.

— O que é… É a escritura?
— Sim, está no seu nome definitivamente. Não precisa vender a moto.

— Eu… Não sei se eu quero assim. Depois do que ele fez, Anthony.

— Eu sei, mas entenda isso como uma espécie de atitude de boa fé.
John é cabeça-dura, ainda não vai admitir que errou, mas está te dando apoio
discretamente. Ele é sua família, Noah, e ama você.

— Eu sei, mas… Se eu vender a moto…

— Pode colocar o dinheiro na reforma, ou expansão. Sua moto vale o


quê? Oitenta mil?

— Cem.

— Dá uma reforma e tanto.

Abro um sorriso com o comentário, porque de repente meus planos


parecem mais palpáveis.

— Pensei também em construir uns chalés aí em frente ao lago, ainda


podemos manter o espaço para camping, mas vamos expandir as
possibilidades de hospedagem.

— Vai ficar ótimo. Eu sei que está com raiva do John, mas pense que
parte do dinheiro dele era herança do seu pai e, consequentemente, é sua
também. Não é um favor.
— Eu sei disso, é que… Não sei, cara, queria me virar sozinho.

— E está se virando. Todas as pessoas herdam alguma coisa das suas


famílias, Noah. A Cíntia por exemplo, esse restaurante era da mãe dela pelo
que eu soube, não era?

— Era, mas ela trabalhou muito por ele.

— E eu não? Porque a Del Broussard é do John, mas eu trabalho dia e


noite. Não é como se eu não merecesse.

— Claro que você merece, mas não é o meu caso.

— Herança é herança. O seu pai deixaria tudo pra você, como filho
único. Pense então na sua namorada, no seu futuro e aceite essa
documentação. Na verdade, é só burocracia, porque em teoria ele já te deu o
imóvel tem muito tempo.

Desvio os olhos pra Cíntia, no balcão.

Ela realmente merece isso, esse lugar não é pra mim, é pra ela, pela
mãe dela. John também sabe disso e esse é o jeito dele de se desculpar.

— Tudo bem — concordo.

Não que eu vá ligar para ele, aceitar esse pedido informal de desculpas
ou aparecer na próxima festa da uva. John vai ter que ser mais humilde e se
desculpar com a Cíntia pra que isso aconteça, mas vou aceitar o gesto de boa-
fé por enquanto.

— Isso — Anthony comemora. — É por ela, certo? Você está tão


diferente, Noah. Fico feliz que tenha encontrado essa garota, ela te fez bem…
Você evoluiu, cara.

— Eu sei, ela é incrível.

— Por falar nisso, a Linda me disse que está pensando em casamento.


Isso é sério? Porque assim, talvez seja um pouco cedo. — O olhar dele me
sonda, especulativo.

— Talvez seja, mas se o louco da família não for eu, quem vai ser?

— Então é verdade?

— É verdade que tenho essa pretensão e é sério que vou pedir que ela
se case comigo. Mas não quer dizer que vamos nos casar agora.

— Menos mal. Já vi noivado de longos dez anos, acho que assim…

Dou uma risada com o comentário.

— Dez anos? Pra que ficar noivo, então? Estava pensando em um ano,
ou quase isso.

— Melhor que um mês, creio eu…

Continuamos conversando por um tempo e secamos a garrafa de vinho.


Depois que o último cliente vai embora, Anthony também se despede e volta
para casa.

Demorei a dormir, mesmo depois que a respiração de Cíntia se tornou


profunda e o ronronar de Salém, ritmado. Fiquei até tarde pensando em
minha conversa com Anthony e na maneira que escolhi para dar a boa notícia
a Cintia.

Decidi que um piquenique, parecido com o que fizemos no vinhedo,


seria um bom jeito de criar um cenário. Conversei com Jeni, antes que ela
fosse embora, e pedi ajuda com a comida, com a cesta e com o restaurante
no café da manhã, pra que Cíntia e eu pudéssemos ter um tempo livre.

O dia amanheceu nublado, um pouco frio, mas não está ventando, o que
já contribui muito com os planos para a manhã.

Cíntia enrola um pouco no chuveiro, antes de sair para o quarto e eu a

espero sentado na cama, já vestido.

— Pensei que já tivesse descido — ela diz, se inclinando para me dar


um beijo rápido.

— Não. Não vamos trabalhar agora de manhã.

— Como assim não vamos? — Ela está rindo. — Quem é que vai,
então?
— A Jeniffer dá conta. Hoje eu vou te levar para um piquenique à beira
do lago.

— Do nosso lago? — Cíntia pega um conjunto de moletom da gaveta,


ainda sem me dar muita credibilidade.

— Claro que é do nosso lago. Por que os turistas podem e nós não? Já

estou com a cesta pronta.

Finalmente ela para e me olha, percebendo que estou falando sério.

— Não está brincando?

— Não. Se veste logo que vou esperar lá embaixo.

Deixo-a no quarto e desço até a cozinha para pegar o que Jeni me


ajudou a preparar. Quando Cíntia desce, já estou impaciente esperando por
ela.

— Vamos?

Ela desvia os olhos para Jeniffer.

— Tem certeza que posso ir?

— Claro, as manhãs são tranquilas.

Pego na mão de Cíntia, antes que ela invente algum motivo pra
trabalhar, e a arrasto pela porta dos fundos. Caminhamos de mãos dadas,
passando pelas árvores no gramado e seguindo adiante, até estarmos diante
do lago.

Estico a toalha que coloquei na cesta. Ela é grande o bastante para


caber a comida e para que nós nos sentemos nas pontas.

Optei por suco de laranja dessa vez. Estou tentando diminuir um pouco

a bebida, e a essa hora da manhã não seria muito saudável. Coloco a jarra
então sobre a toalha e tiro de dentro da cesta o pão, a cuca que Cíntia mesma
fez, uma geleia e também os pedaços de queijo. Também peguei algumas
frutas e quadradinhos de chocolate que ela ama e, por último, o chaveiro que
tem a cópia da chave do apartamento, que ela me deu e a chave da moto
sobre a cesta fechada.

— Que lindo, Noah! Estou sentindo que você está feliz demais…

— Queria que estivesse triste? — Sorrio com a perspicácia dela.

— Claro que não, mas mais feliz que o normal, desde que seu primo
esteve aqui ontem. Tudo isso era saudade? — ela brinca.

— Não. O Anthony veio me trazer uma notícia boa.

— Seu avô se arrependeu de nos enxotar, ou me enxotar e resolveu


pedir desculpas?

— Como sabe?
— Sério? — Os olhos dela se arregalam, e Cíntia coloca uma uva
dentro da boca.

— Não foi bem assim. Ele me mandou um papel e, pro John, isso
indiretamente é como um pedido de desculpas.

— Que papel?

Pego o documento no bolso da calça e entrego nas mãos dela.

— Esse…

Cíntia desdobra a folha, o cenho franzido de curiosidade, e então ela


ergue os olhos pra mim.

— Isso é… A escritura?

— Sim, desse imóvel.

— Eu pensei que ele tivesse te passado apenas em teoria, que te

permitisse viver do aluguel, mas não que a propriedade tivesse sido


transferida mesmo. — Ela ainda parece em choque.

— Porque não tinha sido. Eu encontrei um comprador pra minha moto


e ia vender pra tentar comprar o terreno, estava meio preocupado…

— Com receio dele nos despejar? Também pensei muito nisso.

— Foi. Mas então o Anthony veio com o documento.


Cíntia fica de joelhos sobre a toalha e me beija delicadamente.

— Isso é maravilhoso, amor! E nem precisou vender a moto.

— Quanto a isso, eu decidi vender, se você concordar com meu plano.

Ela ergue a sobrancelha e esboça um sorriso.

— Na última vez que concordei com um plano, acabei amarrada a você

por um contrato.

— Não me lembro de te ouvir reclamando.

— Ah, mas eu reclamei, só foi pelas suas costas — ela brinca.

— É mesmo? Então provavelmente você vai achar uma péssima ideia


construir alguns chalés aqui na propriedade para hospedagem.

— Chalés? — Cíntia leva a mão aos lábios.

— E com certeza é uma ideia horrível fazer aquela reforma no

restaurante, aumentar o espaço. Melhorar o apartamento — comento,


ironicamente.

— Noah! Seria incrível, mas acho que está indo meio longe. Do jeito
que fala parece que vamos ter grana pra tudo isso…

— Se eu vender a moto, vamos.

— Não quero que venda. Você adora essa moto.


— Eu adoro motos de modo geral, posso muito bem ter uma muito
mais barata e ainda fazer tudo isso.

— Mas — apesar da teimosia, percebo pelo brilho nos olhos dela que já
ganhei essa —, o apartamento está bom, não precisa mexer nele também.

— Ele é ótimo, mas é pequeno pra uma família. Quando você se casar

comigo e começar a ter um monte de pequenas Cíntias correndo por aí, onde
elas vão dormir?

— Casar? Noah Broussard, quem te viu e quem te vê… Falando em


casamento! Eu te fisguei mesmo, não foi?

— Completamente. Inclusive pensei em ficarmos noivos logo de uma


vez, mas você pode escolher a data do casamento.

— Ah, eu posso? — Ela ri.

— Em um mês ou em um ano. Você que sabe, mas preciso avisar que

quanto mais demorar com isso, mais o padre Nelson vai ficar desconfortável
e dando aquelas indiretas sobre fornicação.

Ela continua rindo, mas sabe que é verdade. Desde que assumimos o
namoro, sempre que pode ele faz um comentário ou outro sobre o pecado e a
tentação da carne.

— Padre Nelson já vai ficar satisfeito com um noivado. Ao menos ele


vai sentir que tem esperança para as nossas almas.

— Então ainda bem que você disse sim.

— Eu disse? Mas você nem pediu.

Pego o molho de chaves que coloquei antes em cima da festa e arranco


a argola do chaveiro, me divertindo com a expressão dela de espanto.

— Aqui está. Se aceitar se casar comigo, prometo que quando o cara


me pagar pela moto, te dou um anel decente — falo, erguendo a argola de
arame. — Sei que meu pedido não é dos mais poéticos e que não sou o cara
mais romântico, mas eu amo você, Cíntia, e prometo que a nossa vida juntos
vai ser foda e uma aventura eterna.

Os olhos dela estão marejados e encaro isso como algo positivo.

— Vamos sempre rir juntos quando um de nós se sujar de cinzas, vou


te apoiar quando cair das árvores e massagear seu pé depois — enumero,

lembramos do que já passamos. — Vamos transar em vinhedos, em chuveiros


e ao ar livre, vamos nos apoiar quando surgirem os problemas e vamos
crescer juntos. Tudo que já temos feito, porque o que estamos vivendo é amor
verdadeiro. Ainda que o anel que te ofereço seja uma porcaria.

— E você diz que não é romântico.

— Então é um sim? Pra tudo isso?


— Mas é claro que é um sim.

E quando eu a beijo, tenho absoluta certeza de que estou em casa, ela é


minha casa, meu lar, meu sim.
Foram longos dez meses até que ele finalmente aparecesse. O que foi
bom, considerando tudo que fizemos, tudo que Noah fez nesse tempo, porque
assim, independente do propósito da visita, podemos nos orgulhar do que
fizemos e mostrar a ele os resultados do nosso empenho.

O restaurante agora tem dois andares e onde antes era o apartamento,


agora é uma ala mais reservada, com móveis mais elegantes. Nos fundos do
lugar, mantivemos a parte que foi reservada aos campistas, mas construímos
oito chalés enfileirados um ao lado do outro e desde que ficaram prontos, três

meses atrás, estão sempre lotados.

Um pouco mais afastada, na outra ponta do terreno Noah ergueu nossa


casa, não pessoalmente, claro, mas ele até ajudou como servente! Não é nada
muito grande, mas é maior que o apartamento que dividi com minha mãe por
tantos anos.

Estamos bem e pretendemos nos casar em mais alguns meses. As


coisas ficaram um pouco complicadas com a reforma e todo nosso lucro foi
reinvestido na Cantina, mas agora que as coisas começaram a se estabilizar,

podemos voltar a pensar nisso.

Por esse motivo, foi bom que demorasse quase dez meses até John
Broussard entrar por essa porta. Nunca imaginei que o homem um dia estaria
no meu restaurante, sentado em uma mesa e observando a tudo em silêncio.

Noah está servindo uma mesa no andar de cima e ainda não o viu, mas
como não sou covarde, me aproximo de onde ele está e ofereço um sorriso
contido.

— Boa noite, senhor Broussard.

Ele sorri, do mesmo modo que eu, mas, ao contrário de mim, que o
faço por educação, ele parece quase com medo de mim.

— Boa noite, Cíntia. — E ainda acerta meu nome! — Seu restaurante é

muito bonito.

— Obrigada. — Não acho de bom tom começar me gabando pela


reforma, então apenas agradeço. — O senhor veio falar com o Noah? —
questiono o óbvio.

— E com você. Soube que pretendem se casar logo…

Ergo a sobrancelha, apreensiva.

— E está aqui para nos dizer que é contra?

Ele meneia a cabeça, parecendo um pouco sem jeito. Não é a imagem


de John Broussard que tenho em mente quando me lembro de quando nos
conhecemos.

— Vim garantir que eu seja convidado, apesar de tudo.

— Mas é claro que o senhor vai ser convidado — falo. — Eu o


chamaria nem que fosse de pirraça.
Isso faz com que ele sorria com vontade, abertamente.

— Você é esperta, menina — ele diz, me lembrando um pouco o modo


como o padre costuma falar comigo. — Bom, Cíntia, espero que não diga
nada por aí, porque eu não gosto de destruir minha fama, estou acomodado
com os boatos sobre o meu pacto com o diabo…

— Não dizer o quê?

John abaixa a cabeça e fita o prato sobre a mesa, brinca com os


talheres, me evitando.

— Que eu vim até aqui. Dizer que esses meses provaram que o que eu
disse sobre vocês não era verdade… Você ficou ao lado do Noah
independentemente do dinheiro e ele não foi embora, não desistiu, muito pelo
contrário.

Cruzo os braços me divertindo com os rodeios dele para se desculpar.

— O senhor nunca se desculpou com alguém, não é?

— Na verdade, acho que não. Me sai muito mal? Em minha defesa, eu


realmente achei que você estivesse interessada no dinheiro, estou acostumado
a pessoas que se aproximam por interesse, Cíntia, desde que eu tinha a idade
dos meus netos.

— Faz sentido, mas o senhor também foi preconceituoso.


— Não é preconceito pelo seu berço, ou família, ainda que tenha
parecido isso pelo que eu disse. Sempre pensei que eles deveriam se casar

com alguém que tivesse dinheiro, pra evitar mulheres interesseiras. Afinal, se
a moça já fosse rica…

— Não poderia estar se aproximando com segundas intenções.

— Isso. Você entendeu.

— Entendi, sim. Mas o senhor sabe que não justifica, certo? Da mesma
forma que nada justifica o que o Noah fez na festa.

Dessa vez John Broussard sorri, como se a lembrança o divertisse.

— Esse menino é meio maluco… — Ele meneia a cabeça e então me


olha, finalmente. — Então aceita meu pedido?

— A palavra desculpa não saiu da sua boca, mas vou relevar porque
tenho essa mania de perdoar as pessoas. Mas se o senhor quer o convite do

casamento, vai ter que se esforçar mais com o Noah. — Me abaixo para que
só ele me escute. — Tem que falar me desculpe, mesmo, com todas as letras.

— E se eu passar o fim de semana aqui? Dormir em um dos chalés de


vocês, conversar com as pessoas. Ele vai entender como uma grande tentativa
— sugere, tentando escapar.

— Nada disso, senhor Broussard. Vai ter que falar, mas pode escrever
também se preferir.

Ele desvia os olhos dos meus, e então percebo que Noah está parado
atrás de mim, o rosto branco como se tivesse visto um fantasma.

— Boa noite, Noah — John cumprimenta, altivo como sempre, ainda


que parte da pose tenha ido embora.

— Tá tudo bem? — Noah me olha, preocupado comigo.

— Está sim, não brigamos ainda — digo, abrindo um sorriso.

— E nem vamos — John fala, mostrando ao neto que veio em paz. —


Podemos conversar, Noah?

— Claro. Depois que fecharmos, se o senhor puder esperar. — Noah


não facilita.

— Tudo bem, então. Eu espero.

Acho que John Broussard nunca esperou nada na vida, mas enquanto o
vejo comer a refeição que preparei e bebericar de uma taça do próprio vinho,
ele não parece muito ansioso ou irritado.

Finalmente, quando o último cliente vai embora, Noah se senta com o


avô para conversar e faz sinal para que eu também participe. Não sei se devo,
mas sendo o que ele quer e ciente de que os planos de John para a noite não
envolvem brigas, decido me juntar a eles.
— Eu estava errado, Noah — John fala, logo que Jeniffer fecha a porta
da frente, nos deixando a sós. — Estou ficando velho, já perdi sua avó e não

quero perder minha família… A Cíntia é uma boa moça e eu fui cruel, pode
esquecer o que eu fiz?

— John… — chamo, lembrando a ele que essas não são as palavras


mágicas.

— Hum, é… Me desculpe, Noah. — As bochechas dele estão coradas


pelo constrangimento.

— Já pediu desculpas pra Cíntia? Porque na verdade, foi ela que o


senhor ofendeu.

— Eu…

— Ele pediu, sim — respondo, dando uma força, afinal o homem está
se esforçando.

Noah abre um sorrisão, maravilhado com a versão bondosa e


desconhecida do avô.

— Tudo bem, vô. Eu não estou com raiva já tem muito tempo, mas não
podia te dizer isso antes que se desculpasse.

— Quer dizer que vai pra casa na festa de inverno? — Os olhos do


velhinho até brilham. — Vocês não foram na festa da uva no começo do ano,
só o Anthony foi.

— Nem os tios foram — Noah comenta, demonstrando que sabe do


fiasco que foi a última festa. — Quem diria hein, vô? Que o senhor ia me
pedir desculpas, que ia aceitar o relacionamento do Anthony…

— Eu gosto daquela menina, não achei que fosse o ideal a princípio,

mas agora…

— O senhor não disse que ela era interesseira também? — pergunto,


cruzando os braços.

John sorri e coça a cabeça, do mesmo jeitinho que Noah faz quando
fica sem jeito.

— Eu já a conhecia, sabia que não era o caso.

— Então por que não queria?

— Estava pensando na empresa, queria que ele se dedicasse totalmente,

mas hoje vejo como estava errado, como afastei minha família — ele diz,
refletindo exatamente as palavras que padre Nelson disse que ele falaria um
dia. — Quero vocês todos por perto…

— Então nós vamos, velho. Não precisa mais se torturar com esses
pedidos de desculpas — Noah cede, aliviando o clima.

— Ufa…
Depois desse encontro, que acabou de vez com os problemas familiares
dos Broussard, já que até mesmo os primos do Noah, que andaram brigados

já fizeram as pazes, a festa de inverno não demorou muito a chegar.

Mas o último mês, antes dela, foi um mês cheio de trabalho, mudanças
e muito frio. E por falar em mudanças, a última delas virou nosso mundo de
ponta cabeça.

Já tinha mais de uma semana que minha menstruação estava atrasada,


mas eu não havia nem notado, considerando minha atenção aos detalhes no
meio da alta temporada e com o restaurante lotado e os chalés todos
ocupados.

Foi só quando coloquei todo meu café da manhã pra fora, assim, do
nada, que comecei a desconfiar que alguma coisa pudesse estar… Diferente.

Demorei três dias para contar ao Noah, surtando com medo da reação

dele. Uma pequena parte de mim, ainda tinha receio de que algo assim fosse
demais para ele. Evidentemente que não foi, eu estava enganada.

Noah ficou tão feliz, que a vontade dele era sair contando pra todo
mundo, incluindo nossos três fofoqueiros particulares, mas assim, em vinte e
quatro horas, toda a cidade estaria sabendo.

Seguramos a notícia entre nós até o dia da festa. Os Broussard podem


não ser perfeitos, mas são nossa única família agora, já que não tenho mais
meus pais e que John finalmente nos acolheu como deveria, então nada mais

justo que serem os primeiros a saber, ainda que eu esteja ciente de que
Jeniffer vai me matar quando descobrir.

Quando chegamos a Araucária, a praça já está tomada por todas as


pessoas que vieram para a festa. Ainda que alguns olhares ainda se fixem em

Noah, provavelmente se lembrando da última vez em que ele esteve aqui, as


pessoas nessa cidade parecem ter grande facilidade para perdoar um
Broussard.

Linda e Olívia nos encontram logo que chegamos e me obrigam a


deixar Noah um pouco de lado para colocar a conversa em dia. Não as vi
mais desde o que aconteceu um ano antes, mas é bom reencontrá-las e saber
que também ficaram felizes em me ver.

Enquanto Noah se afasta para falar com os primos, Olívia me apresenta

Clarice, sua amiga, e nos aproximamos todas da fogueira, procurando nos


aquecer um pouco.

— Você está linda, Olívia — comento, admirando seu sorriso radiante.


— Sabe que quando estive aqui, nunca pensei em você e no Anthony?

— Sério? Ela sempre foi louca por ele — Linda comenta, levando um
empurrão da amiga.
— Acho que eu estava preocupada demais com a minha situação pra
perceber. Que bom que no final as coisas deram certo.

— E como deram, não foi? — Linda ergue as sobrancelhas, para


parecer mais admirada. — Fiquei sabendo de tudo que fizeram no
restaurante, dos chalés… Ah, só me falta um namorado maravilhoso assim
pra eu ir pra Rio Dourado me enfiar lá no seu quintal por uma semana!

— Ela não ia te aguentar uma semana, Lindinha — Olívia brinca.

— E quem disse que eles iam me ver? Só ia ficar no quarto. Mas talvez
fossem me ouvir.

— Ai, Linda! — Nem Clarice resiste.

— São só sonhos, minha gente. O namorado ainda precisa aparecer,


enquanto isso, aceito ser tia dos bebês que vocês vão ter…

— Por falar nisso — comento, um pouco sem jeito —, não vai demorar

muito.

— Como assim? — Linda me olha em choque.

— Você está grávida? — Olívia parece ainda mais feliz que antes.

— Descobri tem alguns dias, Noah está surtando um pouco, querendo


me colocar dentro de um pote de vidro, de tanta preocupação, mas estamos
felizes com a notícia, ainda que não seja na ordem ideal.
— E quem se importa com a ordem? — Olívia ri, animada. — Vocês
vão se casar quando?

— No próximo mês, o quanto antes…

— O Anthony já sabe do bebê? — ela pergunta, olhando para onde os


rapazes estão, rindo de alguma coisa.

— Acho que o Noah deve ter contado agora.

— Vamos lá, então. Quero participar da fofoca — ela diz. — Vocês


vêm? — pergunta às outras duas.

— Encontramos vocês na mesa, depois — Linda responde.

Noah está na rodinha com os primos e, assim que Olívia e eu


chegamos, corro para abraçá-lo, tentando me esquentar um pouco.

Olívia segura a mão de Anthony e sorrio ao ver os dois. Eles são tão
fofos juntos, que acho difícil acreditar que tenham demorado tanto pra

perceber isso.

— Vamos logo, seu avô está chamando — Olívia diz, e desvio os olhos
para onde John acena, efusivo.

Mas antes de sairmos, um amigo dos meninos se aproxima. Pelo modo


exultante que Noah o cumprimenta, imagino que seja alguém de quem ele
gosta muito. Michael também parece contente em vê-lo, ainda que Anthony
se mantenha mais sério.

— Cíntia, esse é o Kaio, nosso amigo de infância — Noah apresenta.

— Oi, Kaio. É um prazer — cumprimento.

— O prazer é todo meu, senhorita de Rio Dourado — responde,


porque, ao que parece, já ouviu falar de mim. — Já almocei no seu

restaurante e preciso dizer que a comida é deliciosa.

— Pronto, assim você já ganhou a amizade dessa aqui — Noah diz, me


apertando um pouco contra o corpo. — Só não mentiu em nada, pelo menos
não dessa vez.

Não entendo a que ele se refere, mas quando Kaio chama Anthony de
lado, pedindo para conversar, me lembro da história que ouvi sobre isso.

Nós nos afastamos na direção dos outros, onde a mesa foi montada e
nos sentamos lado a lado, perto de John, que está ao lado de Linda. Olívia se

senta de frente para nós, enquanto espera por Anthony.

— Vocês vão se casar, que coisa linda — diz, parecendo mesmo feliz
por nós.

— Não vejo a hora — comento, animada. — Os preparativos são de


enlouquecer qualquer pessoa.

— Imagino. Casamento também é muita burocracia, não é?


— Bah, já estamos acostumados com contratos — Noah fala, sem se
importar que o avô esteja do lado.

— Como assim? — Olívia, que nunca ouviu essa parte da nossa


história, pergunta curiosa.

— Tudo começou com um contrato, Olívia — ele diz —, vou te contar

como foi que essa dona aqui fisgou meu coração.

John se inclina um pouco para ouvir também, mas parece não ligar
muito para o fato de Noah ter mentido a princípio. Mesmo por que a mentira
logo se tornou verdade.

Anthony também se junta a nós, pouco depois, e todos ouvimos com


atenção ao discurso de John. Infelizmente, os médicos constataram que ele
está em um estágio inicial de alzheimer, mas ele parece estar lidando bem
com a novidade, dentro do possível. Mais que os netos, que se recusam a

acreditar que John Broussard, esteja de fato ficando velho.

A festa está animada, muitas pessoas que passam ao redor da nossa


longa mesa, conversando, e a banda ainda nem começou a tocar. O churrasco
no chão está fazendo o maior sucesso, como sempre acontece nas festas de
inverno pela região, mas John bate com o garfo em sua taça, chamando nossa
atenção para o momento, para que nos concentremos no que ele tem a dizer.
— Quero falar algumas palavras antes que a música comece, se
puderem me dar um minuto de atenção — ele pede.

Ficamos em silêncio, esperando pelo que ele tem a dizer, e Noah aperta
minha mão na sua.

— Quero agradecer por estarem aqui, por não desistirem da família.

Olívia e, é claro, Cíntia, sejam muito bem-vindas à família Broussard. Meus


netos escolheram vocês, assim como Caleb escolheu a Renata, Cristóvão
escolheu a Odete, Clayton escolheu a Fátima e eu escolhi a Marta. — Ele
desvia os olhos marejados para Noah, ao mencionar seus pais, que faleceram,
e a avô, que também não está mais aqui. — Por falar em Clayton, Fátima e
minha Marta, devo dizer que as pessoas que nós amamos jamais nos deixam
e sei que os três estão olhando por nós. Sinto a falta deles todos os dias.
Talvez eu pudesse ter feito mais, e por isso me arrependo. Eu estou ficando
um pouco confuso, é verdade, mas uma coisa de que tenho certeza é que

quero passar meus últimos dias junto de vocês — diz por fim, se referindo a
doença que chegou de mansinho.

Linda diz alguma coisa que não consigo entender direito, mas ouço em
seguida a voz de Noah se elevar, em uma brincadeira.

— Eu até acho que o senhor vai ser o protagonista do próximo


escândalo: Bonitão, solteiro, milionário… — ele diz, e tento disfarçar o
sorriso, mas não sei se fui bem-sucedida.

Não me importo muito, já que até mesmo John ri da piada.

— Pode ser, quem sabe? Aprontar muito e culpar a idade. É mesmo um


bom plano. — Ele levanta sua taça e nós o acompanhamos. — Proponho um
brinde, aos Broussard, que nunca nos falte saúde, tempo, amor e, é claro,

vinho.

Ao fundo, a banda começa a tocar e Noah se levanta, assumindo o lugar


de John.

— Quero dizer uma coisa também. — Os tios dele se concentram, com


expressões um pouco temerosas, afinal, nunca se sabe o que esperar de Noah
em uma festa de inverno. — Nós vamos ter um bebê, mais um Broussard no
mundo! — conta, quase gritando. — E o casamento é no próximo mês, estão
todos convidados, até mesmo o vovô.

Em meio às risadas e aos votos de felicidade, sinto que realmente estou


em casa, que tenho outra vez uma família e nada, absolutamente nada, me
sugeriu que esse dia fosse acontecer, quando um homem lindo e muito mal-
humorado passou pela porta do meu restaurante, exigindo um café expresso.
18 DE AGOSTO

O dia do casamento amanheceu lindo. Ainda está frio em agosto, mas

ao menos o sol surgiu, passando à frente das nuvens e nos aquecendo um


pouco.

Escolhi um vestido de manga longa, para me proteger um pouco, ele é


justo na cintura — porque ainda não tenho barriga aparente — e rodado na
saia. Meus cabelos foram presos em uma trança comprida e bem intrincada e
a maquiagem leve, para o dia, ficou perfeita.
Apesar de termos optado por nos casarmos em Rio Dourado, porque
seria mais fácil trazer a família Broussard em peso do que levar toda a cidade

para Araucária, o casamento não é exatamente algo íntimo é pequeno.

John enviou meia dúzia de repórteres para a pousada e nós cedemos,


porque ele pareceu tão feliz em mostrar ao mundo que o neto baderneiro
finalmente sossegou. Com isso, onde quer que eu olhe, tem alguém tirando

fotos minhas, de Noah ou de nós dois juntos. Graças ao nosso empenho,


conseguimos driblar bem a situação e nada digno de atenção aconteceu.

A decoração foi montada na área de camping, perto do lago, já que


reservamos o espaço para hoje, apenas os convidados estão presentes.

Da porta dos fundos do restaurante, observo o lugar tomado pelas


pessoas.

Vejo os tios de Noah sentados à frente, perto do altar, além de amigos

dele, que fizeram questão de se deslocar até aqui. Do outro lado, Gertrudes da
pousada e a Lúcia, minha vizinha, conversam animadas. O padre Nelson já
está a postos, esperando que a cerimônia comece.

Eu me viro para minhas madrinhas atrás de mim e abro um sorriso,


nervosa.

Jeni está fantástica em seu vestido amarelo, no mesmo tom que as


roupas de Olívia, Linda e Marisa.

Noah se arrumou na nossa casa, acompanhado pelos primos, por Kaio e


o George, que também entrou no time de padrinhos.

— Não precisa ficar nervosa — Linda fala, fazendo um gesto com a


mão, como quem diz que não é nada demais —, vocês já moram juntos, vão

ter um filho…

— Não estou nervosa, só fico pensando em como parece um sonho —


admito, um pouco nostálgica. — Queria que minha mãe estivesse aqui e visse
isso.

— Ela ficaria tão feliz — Marisa me acompanha, os olhos cheios de


lágrimas.

— Minha esposa também está sorrindo, do céu — John aparece atrás


delas, ostentando um sorriso. — Você está linda, menina, e já está na hora.

Decidimos que John entraria comigo na cerimônia, tivemos nossas


diferenças no passado, mas ele realmente se arrependeu do modo como me
tratou e, com a doença que começa a avançar, preferimos mantê-lo por perto
sempre que possível.

Ele me oferece o braço e o aceito, respirando fundo.

— Noah já está lá?


— Claro que sim, muito bonito, e tão nervoso quanto Michael ficou
quando se casou.

Desvio os olhos para Linda, que meneia a cabeça, mas antes que uma
de nós o corrija, ele percebe a confusão.

— Michael é solteiro, quis dizer quando Claiton se casou, o pai do

Noah.

— Isso, vô — Linda apoia. — Agora vão, antes que o Noah venha ver
o que aconteceu.

A marcha nupcial começa a tocar e John e eu saímos do restaurante,


para o tapete vermelho que foi colocado percorrendo todo o caminho até o
altar.

Os repórteres tiram nossas fotos e John acena, como se fosse uma


celebridade.

Seguimos devagar, enquanto carrego meu buquê em uma das mãos, o


que ajuda a disfarçar o leve tremor. Quando fazemos a curva e ficamos de
frente para o altar, que está no fim dessa trilha, tenho a primeira visão de
Noah, que está realmente lindo.

Não que tenha outra maneira de estar, afinal ele é lindo mesmo quando
não está tentando. Mas de terno e gravata, com os cabelos alinhados, ele fica
espetacular, ainda que eu prefira o estilo despojado que geralmente usa.

Quando chegamos perto do altar, John pega minha mão e a coloca


sobre a mão de Noah.

— Que vocês sejam muito felizes.

Com essa sentença, ele encontra um assento na primeira fila e Noah e

eu nos voltamos para o altar.

— Você está maravilhosa — ele sussurra.

— Obrigada, amor.

— Boa tarde a todos — o padre assume o microfone. — É um prazer


estar aqui hoje, para celebrar a união de Cíntia e Noah, finalmente... — A
alfinetada vem.

Padre Nelson nunca concordou com o fato de morarmos juntos antes do


casamento.

— Quando esse rapaz chegou na cidade, pensei que fosse encrenca.


Temi que ele magoasse nossa Cíntia, mas ele se provou digno dela todos os
dias. Por isso, é motivo de grande alegria, pra mim, unir os dois em
matrimônio.

A cerimônia me emociona em vários momentos e percebo, pelo sorriso


constante no rosto de Noah, que ele está tão feliz quanto eu. Quando o padre
diz que podemos trocar as alianças, Noah desliza o anel dourado pelo meu
dedo e faço o mesmo com ele.

— Eu os declaro, marido e mulher. Podem se beijar…

Padre Nelson diz, mas com certeza nenhum de nós estava preparado
para o beijão de cinema que Noah me dá. Ainda que surpreendidos, os

convidados aplaudem e gritam, empolgados, eu também sorrio, contente.

Logo em seguida, a festa tem início. Preparamos uma churrascada para


alimentar todo esse povo e barris e mais barris de Del Broussard foram
entregues para embebedar os convidados.

A banda contratada começa a tocar e Noah dança comigo, o que me


lembra quando dançamos naquela noite, quando nossa relação deixou de ser
apenas um contrato e passou a ser real.

Sempre com uma taça de vinho nas mãos, não demora muito e percebo

que ele está um pouquinho bêbado, mas dessa vez estou por perto e suas
calças estão bem presas no cinto.

Noah me gira no ar e volta a dançar, me arrancando gargalhadas com


os rodopios inesperados.

Tão inesperados que quando esbarramos no padre, derrubando o


coitado no chão, ele também não consegue prever o tombo e cai com as
pernas bem abertas, revelando os joelhos ossudos e as coxas peludas.

Graças a Deus ninguém consegue ver nada além, porque isso seria
constrangedor em um nível que prefiro não imaginar. Noah se desculpa e
ergue o pobre padre Nelson do chão, mas ele não parece se importar muito.
Apenas sorri e volta a dançar sozinho.

Outro que se soltou, foi John. Mas ao invés de arrumar uma parceira de
dança, decidiu valsar ao redor da fogueira, com Salém no colo.

A festa é um sucesso e finalmente quando todos vão embora e Noah e


eu nos vemos sozinhos, consigo relaxar. Tudo correu muito bem e não
tivemos um único escândalo.

Talvez ser uma Broussard não seja tão agitado quanto previ a princípio
e os escândalos tenham ficado para trás.

19 DE AGOSTO

DIÁRIO DE PORTO ALEGRE


“Figurão do vinho, John Broussard também é adepto a zoofilia.”

CAXIAS INFORMA

“Cerimônia de casamento dos Broussard terminou com striptease do padre. O


que esperar dessa união?”

BENTO GONÇALVES NEWS

“Tal neto, tal avô. Os defensores dos direitos dos animais estão agitados.
John Broussard pode estar de fato cometendo abusos contra um gato preto?
Ao que parece, o flagra foi filmado na cerimônia de casamento do neto, já
conhecido como adepto da prática abominável.”

Enquanto assistimos ao telejornal e somos informados pelos amigos


dos desdobramentos das manchetes, percebo que não, as coisas nunca serão
tediosas e isso…

É ser Broussard.
Quero agradecer a Deus em primeiro lugar. Sempre! São dois anos
como autora e este é o décimo terceiro romance que publico. Então quero

agradecer por me agraciar com a capacidade de criar histórias, pelas ideias


que povoam minha mente e por, incrivelmente, tanta gente gostar delas.
Obrigada por me permitir trabalhar com o que amo e viver disso. A gratidão é
tão grande que não cabe em mim.

Agradeço ao meu esposo, Gustavo, por ser meu referencial de amor.


Por inspirar tantos romances no meu coração e pelo booktrailer incrível, que
captou tanto a essência do nosso casal!

Obrigada aos meus pais, pelo apoio em todos os lançamentos, por

acreditarem tanto em mim e nos meus sonhos, ao meu pai agradeço por betar
esse livro — ainda que ele só quisesse ler antes mesmo. Minhas irmãs e
minha sogra e a todos os outros que torcem por mim.

Grazi, minha agente incrível e a toda a equipe da Increasy. Agradeço


por acreditarem em mim e erguerem as armas ao meu lado, nessa batalha tão
linda que é sobreviver no meio literário, haha.
Maria Vitória, obrigada pelo material lindo de divulgação, pelo
empenho em tornar minhas histórias mais conhecidas e por se dedicar tanto,

para que eu possa focar em escrever. Você já chegou arrasando!

Letti Oliver, obrigada por ser meu ombro amigo, que ouve as lamúrias
e ri comigo, de desespero, em certos momentos e por achar que meus enredos
sempre merecem o Nobel.

April, essa diagramação linda captou exatamente o que essa trama


precisava. Obrigada!

Washington por essa capa linda, Lari e Pry, obrigada pelo material de
divulgação e pelas artes incríveis.

Agradeço as parceiras que me ajudam a mostrar meus livros por aí, que
compram minhas ideias malucas e que com seus olhos brilhantes e
expressões de carinho, despertam em outras pessoas o interesse pelas minhas

histórias. Obrigada, antes de mais nada, por se apaixonarem pelos


personagens tanto quanto eu e depois, por divulgarem ao mundo. Obrigada
por nesse caso, se emocionarem comigo, se divertirem, aderirem aos filtros,
as dancinhas animadas e ao vinho, claro. Anny, Lih, Rachel, Rose, Vivi, Ana,
Anathielle, Anna Bia, Ariadny, Carla, Cláudia, Dri, Hayane, Ingrid, Isabele,
Jaque, Jessica, Joseany, Julia, Lari Caren, Lola, Luh, Maria, Nicole e Ray,
vocês são incríveis.
E a você, leitor, obrigada pela oportunidade, por segurar esse livro —
ou kindle — nas mãos e acompanhar Noah e Cíntia nessa jornada em busca

do felizes para sempre. Obrigada por fazer de mim uma autora.


Que bom, nos encontramos de novo!

E então? O que você achou da história? Não deixe de avaliar no site da


Amazon e dar sua opinião sobre o livro. É importante para mim e para que
outros leitores saibam se vale a pena dar uma chance.

Se quiser acompanhar meu trabalho, conhecer mais sobre os


personagens e sobre os futuros projetos, me acompanhe nas redes sociais.

Além disso, caso tenha gostado, que tal agora conhecer a história de
Anthony Broussard? Lançada pela minha irmã, Melissa Fidélis e disponível
no kindle unlimited. Garanto que você vai se apaixonar.

Até a próxima história!


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Conheça Outras Obras da Autora
TESEU: O PASSADO SOMBRIO DO CEO

Teseu Demetriou é um CEO milionário, que coordena sua empresa com


muita garra e determinação.

No entanto, em sua vida pessoal só há espaço para a família.


Reservado, frio e discreto, ninguém conhece o passado do homem que
dominou o mundo dos negócios.
Lívia cresceu em um orfanato, junto com seu irmão, mas eles foram
separados ainda muito jovens e isso culminou em uma tragédia.

Quando ela descobre que o mesmo destino aguarda Davi e Martina, um casal
de irmãos, ainda bebês, decidi interferir e determinar ela mesma um futuro
muito melhor para as crianças.

Teseu tinha apenas três regras. Lívia quebrou todas elas.

Quando todas as partes dessa trama se envolvem, sob o mesmo teto, o


desfecho pode ser surpreendente.
A ESTRELA QUE EU DESEJO – VALE DO RECOMEÇO

Levi e Clara se conheceram e apaixonaram-se repentinamente na


cidadezinha de Vale do Recomeço. O destino, no entanto, cuidou de separá-
los.

Anos depois, Clara se tornou uma atriz de sucesso internacional e Levi


toca a fazenda que reergueu com muita dedicação, mas nem tudo é o que
parece e ambos fazem questão de fugir aos estereótipos.

Outra vez o destino interfere em suas já planejadas vidas, colocando-os


frente a frente para reviver e relembrar que para um grande amor, nunca é
tarde demais.

O fazendeiro e a estrela de cinema poderão encontrar um caminho


juntos?

E Clara? Poderá viver bem com as escolhas de um passado, vivido por


uma versão dela da qual não se lembra?

Um único desejo que arde em dois corações e um ponto brilhante no

céu, capaz de realizá-lo.


RITMO ENVOLVENTE – AMOR & RITMO 1

Ashton Ray é o vocalista da Dominium, uma das maiores bandas de


rock da atualidade e aproveita ao máximo o que a vida de rockstar oferece:
festas, mulheres e brigas também.

Em seu último excesso, Ash se viu diante um problema maior, um


processo que pode destruir sua imagem e a da banda.

Festas estão proibidas e manchetes vetadas!

Julia Foster é uma mulher determinada a ter o que deseja: uma família e

uma carreira de sucesso.

Grávida e trabalhando como estagiária em uma grande firma de


advocacia, Julia vê as coisas saírem do eixo ao ter que mudar sua vida para
vigiar o astro do rock arruaceiro e auxiliar em sua defesa diante dos tribunais.

Para vencer o caso ela precisará mantê-lo na linha, porém, ao contrário


do que imagina, será muito mais complicado controlar seus próprios
instintos.

Acompanhe a história desse casal completamente oposto em meio a

muito rock, romance e bem… roupinhas de bebê.


RITMO SENSUAL – AMOR & RITMO 2

Josh Nicols é o baterista da Dominium, mas apesar de todas as loucuras


advindas disso, é um homem sensato e que pesa muito bem cada uma de suas
decisões.

Um passado doloroso, uma família destruída…

Tudo isso apenas serviu de material para moldar quem ele é e em cada
um dos momentos difíceis que viveu, Ashton Ray, seu grande amigo, esteve
ao seu lado e a família dele se tornou a sua própria.

Por isso, nada fica fácil quando Josh começa a sentir-se atraído por
Anelyse Ray, a irmã virgem de seu melhor amigo e a garota por quem sempre
jurou sentir apenas afeto fraternal.

Mas, Anelyse o conhece como ninguém e nada pode ser mais


inevitável, que uma mulher decidida.

O que fazer quando os dois lados da balança têm o mesmo peso?

Quando a distinção do certo e do errado, não é mais tão visível e o


desejo se torna mais forte que o senso de lealdade?

Venha descobrir o amor com Josh Nicols e seu Anjo impuro e infernal.
RITMO IMPERFEITO – AMOR & RITMO 3

O guitarrista da Dominium está sempre sob os holofotes e tem seus dias


regados à farra, irresponsabilidade e sexo.
Jasmim é responsável e prioriza família e trabalho duro.
Apesar de hoje serem muito diferentes, nem sempre foi assim. Os dois já

foram os melhores amigos um do outro e, apesar de terem se distanciado,


nem mesmo a fama mudou esse fato. Mas agora, Jasmim esconde segredos e
Tray não vai descansar até descobri-los.

O grande problema é que alguns mistérios, quando revelados, podem

colocar amizades à prova e trazer sentimentos adormecidos à tona.


Tray Anders pode ser considerado um deus do sexo e o maior astro da
guitarra, mas quanto mais alto o sucesso, maior pode ser a queda.
RITMO DAS ARÁBIAS - AMOR & RITMO SPIN OFF

Azal Patel, milionário, figurão do petróleo e, nas horas vagas, anfitrião


das melhores festas, está com problemas familiares, já que os pais pretendem
casá-lo com uma prima e os irmãos estão em pé de guerra.
Andy não sabe o que aconteceu, mas de repente se viu literalmente enjaulada

em Abu Dhabi, longe da Dominium e de toda sua rotina.

Os dois então se veem na mesma casa e sem uma solução imediata para
seus problemas. E a única maneira de despistar a família de Azal é criando
um falso noivado, que garanta a ela, além de um lugar para ficar, férias

espetaculares, e a ele, um escape para o casamento arranjado.

Felizmente para os dois, as coisas fogem muito ao plano inicial e, em


meio a situações inusitadas, invasões musicais e muitos animais selvagens, o
desejo irá ditar as regras. Em um país desconhecido e longe de tudo que ela
conhece, Andy vai descobrir o amor, e que, talvez, apenas o homem mais
exótico do mundo tenha o poder de colorir sua alma.

Ashton, Josh e Tray estão de volta, preparados para assistir de camarote

a queda do amigo, em um show único, no ritmo das arábias.


QUE SEJA DOCE

Cinco anos após a fatídica noite que fez o futuro arquitetado de Robin
ruir, ela tenta sobreviver em meio a dificuldades, cuidando sozinha de seu
filho, Bernardo, e trabalhando em um emprego que odeia, após abandonar o
sonho de abrir a própria doceria.

Decidida de que não há espaço e nem tempo para paixões em sua vida,
a confeiteira faz de tudo para não ser notada, mas o acaso se encarrega de dar
a Robin uma transferência no emprego, que a leva para outra cidade.

Para outra pessoa.

Dominic é apaixonado por palavras e vê nelas, sejam faladas, escritas


ou cantadas, uma chance de mudar vidas. Com a carreira de psicólogo em
ascensão, ele está de volta à sua cidade natal e deseja apenas um colega para
dividir o aluguel.

Uma confusão com os nomes desses dois e voilà: temos a receita


perfeita para cenas hilárias, fortes emoções, um romance com cheirinho de
chocolate e potência para aquecer os forninhos.
O OGRO E A LOUCA - PAIXÕES IMPROVÁVEIS 1

Mathew Calston, o marquês de Wheston vive recluso em sua mansão


no campo desde que acontecimentos em seu passado o fizeram repensar a
vida e mudar completamente sua visão do mundo e das pessoas.

A senhorita Nicole Smith, aceita o cargo de governanta na mansão,


porém ela não esperava que houvesse tanto trabalho para tão poucos criados.

Também não esperava conhecer o patrão em circunstâncias impróprias


que o levassem a crer que ela era uma louca, desvairada.

Mas foi o que aconteceu.

Agora, com a pior impressão possível um do outro, eles terão que


aprender a conviver, superando a aversão inicial e descobrindo um desejo
incontrolável que aumenta a cada embate entre eles.

Será que a linda governanta conseguirá colocar ordem, tanto na casa


quanto no coração desse marquês turrão?

E ele, poderá manter seu juízo diante dessa mulher que o tira do sério
com tantas loucuras?

Venha conhecer o marquês ogro e sua governanta louca e se apaixonar


por este casal.
O HIGHLANDER E A DEVASSA - PAIXÕES IMPROVÁVEIS 2

A senhorita Juliette Smith sempre se orgulhou de seguir seus instintos e


desejos.
Convencida de que nunca se casará ou poderá desfrutar dos prazeres
dentro da proteção de um matrimônio, ela decide conhecê-los com ninguém

menos que Lorde Gregor MacRae, o libertino mais viril e belo no qual já pôs
os olhos.

Porém, contrariando as expectativas da moça, um belo dote lhe é


cedido e junto com ele a oportunidade de se casar.

Agora ela precisará atrair a atenção de um cavalheiro disposto a se


comprometer, o que pode não ser nada fácil quando se tem a lembrança de
olhos azuis e selvagens para assombrá-la.

Lorde Gregor é imprudente e adora ostentar suas conquistas amorosas,


mas não essa. Se possível levará o segredo para o túmulo para não perder os
amigos que tanto estima.

Mas então, ela decide se casar e a mera ideia de que todo aquele fogo

indomado estará nos braços de outro homem faz com que o guerreiro
highlander que habita nele, desperte.
O DUQUE E A FUGITIVA - PAIXÕES IMPROVÁVEIS 3

Maryelen Lorena Somerset, filha do distinto duque de Beaufort,


cresceu sob a mão rígida de seus progenitores e foi preparada desde o berço
para um casamento político que tornaria sua família ainda mais poderosa.

Sebastian Cavendish, o filho mais novo do duque de Devonshire surge


em sua vida e ao vê-lo Maryelen sente que encontrou alguém especial.

Em meio ao florescer dos sentimentos, descobrem que uma união entre


os dois não é bem quista pela família da jovem e o destino com suas

intempéries os separa em uma sucessão de tragédias.

Agora, anos depois, Sebastian é o novo duque de Devonshire e um


reencontro inesperado o coloca frente a frente com a moça que acreditava
estar morta ou algo ainda pior.

As circunstâncias não são adequadas e a mulher que agora atende pelo


nome de Helen não é mais a menina que um dia conheceu, mas uma fugitiva
que forjara a própria morte impiedosamente.

Após um acidente que poderia ter fatalmente lhe tirado a vida,

Sebastian tem um novo objetivo, um motivo para persistir: encontrá-la e


descobrir quais outros segredos oculta e por quais razões o deixou.
UM BÁRBARO DE JOELHOS – SPIN OFF DE PAIXÕES
IMPROVÁVEIS

Lorde Ian MacRae não é exatamente o que se espera de um nobre. Com


um desprezo transparente por regras da alta sociedade, o escocês prefere a

vida nas highlands, acompanhado de seu bom whisky e sua família.


Apenas poucos britânicos conseguem sua confiança e boa vontade, mas em
um ato generoso no passado, livrou a tímida Lady Mariane Stanford das
garras de sua progenitora.

No entanto, seu gesto isolado de cavalheirismo ocasionou uma série de

situações em que se viu vítima de perseguição e obsessão, por parte da jovem


dama.

Ou não seria paixão, o real motivo pelo qual a irrepreensível Lady


passou a vasculhar seus pertences e analisá-lo com mais atenção que o
adequado?

Mistérios, romance e muitas reviravoltas. Nesse jogo, quem se


ajoelhará primeiro?

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