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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


CAMPUS DE MARÍLIA

BEATRIZ FURLAN DE CARVALHO

TRABALHO PARA DISCIPLINA TÓPICOS DE ÉTICA ANTIGA

Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Faculdade de Filosofia e
Ciências- UNESP- Marília

Professor: Reinaldo Sampaio Pereira

MARÍLIA
2022
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INTRODUÇÃO

Aristóteles é um dos principais filósofos gregos do período clássico da


Grécia Antiga, nascido em Estagira, no ano 384 a.C, produziu a Ética a Nicômaco,
seu tratado mais conhecido, onde estão contidos os problemas centrais da ética,
ligados a virtude moral e a liberdade de ação (ZINGANO, 2008, p.22). A importância
em estudar a ética aristotélica reside em compreender a influência do pensamento
grego na construção do pensamento moderno ocidental, nesse sentido, Aristóteles
está no cerne da história da ética e conhecer seu pensamento é relevante pois o
mundo grego tem muito a dizer, não apenas do ponto de vista da história da filosofia,
mas também dos problemas atuais.

Em Ética a Nicômaco, a noção que Aristóteles propõem enquanto modelo


ético não é algo simples, pois envolve uma série de elementos, como uma malha
que vai sendo costurada e só pode ser visualizada quando se entende como um
conceito implica e envolve outro conceito. Diz Zingano (2008, p.10) que o título da
obra não é claro, pode-se entender por Nicomachea tanto que o livro foi dedicado
(pelo próprio Aristóteles) a (com mais probabilidade) seu filho ou a (com menos
probabilidade) seu pai, ou mesmo que ele tenha sido editado por seu filho.

A possibilidade de tornar os agentes morais bons através da ação é que


movimenta a ética de Aristóteles, a práxis é um elemento fundamental e guia toda a
ideia do filosofo, nesse sentido, o tratado ético, não se traduz apenas como um
simples manual de como a ética é configurada e como segui-la, a ética deve não
somente ditar os princípios, mas sobremaneira educar os indivíduos para que eles
saibam como agir e para que de fato, ajam.

A ética visa precipuamente a organização social, em estabelecer regras


justas para que os seres tenham uma boa vida, desse modo, ela propõe ao menos,
que reflitamos como ter a melhor vida possível dentro das possibilidades e contextos
estabelecidos ao ser, a maior quantidade de seres, pois a ética não deve valer-se só
para um indivíduo, mas para o coletivo, assim sendo, pode-se pensar que o trabalho
dos filósofos é ao menos tentar engenhariar princípios universais, ou pelo menos
abarcar o maior número de pessoas possíveis, nunca valendo-se de apenas um
indivíduo.
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O livro Ética a Nicômaco, inicia-se estabelecendo a noção de fim, bem e


felicidade (eudemonista), a felicidade é uma atividade da alma segundo a virtude
perfeita, e assim passaremos a analisar a virtude moral para que se chega a
conclusão, que a virtude moral é uma mediedade definida como uma disposição de
caráter de escolher por deliberação. O objetivo deste trabalho, será além de
estabelecer a síntese das ideias gerais dos capítulos também correlacionas com
termos chaves extraídos do livro Ética a Nicômaco da felicidade, fim, bem, virtude
ética, virtude dianoética, disposição de caráter (hexis), justo meio (mesotés), escolha
(proaireses), deliberação, incontinência (acrasia), hábito, costume (ethos), racional
calculativa da alma, racional desiderativa da alma, prazer e dor, bem e mal,
voluntário e involuntário, e por fim relacionar o que foi exposto com as perguntas
finais.
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TEXTO

Podemos dize que a filosofia aristotélica se orienta pelo um fim (telos) e um


bem (aghatos). A estrutura ética, desse modo sempre visará um fim, “o bem é
aquilo que todas as coisas tendem” (EN, I.1,1094 a2-3). A finalidade assim descrita,
se identifica como um bem.

No entanto há diferença entre os fins, segundo Aristóteles “onde existem fins


distintos das ações, são eles por natureza mais excelentes do que estas.” (EN, I.1,
1094 a5). Pode-se dizer que a finalidade da medicina é mais importante que a ação
da medicina, a vitória é mais importante do que a estratégia. No entanto, segundo
Aristóteles é preciso que haja um termo para a cadeira de fins, isso significa dizer
que existe um fim que não é meio, e esse fim é o que deve ser buscado, e se todo
fim é um bem, esse fim último é o que limita a cadeia de fins, é o que Aristóteles
denominou de bem supremo:

Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele
mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade
que nem toda coisa desejamos com vistas em outra (porque, então, o
processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar),
evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. (EN, I.2, 1094
a20).

Mas o que seria esse bem? O que visa a nossa existência? Qual a finalidade
última? Para atingirmos esse bem, de acordo com o quê Aristóteles propõe, primeiro
precisamos saber o que ele é, “semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para
a sua pontaria, não alcançaremos mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar”
(EM, I.2, 1094 a25). O arqueiro nesse sentido, só pode acertar o alvo se enxergar
onde pretende acertar, enxergar o alvo nesse sentido é primordial, mas não é
suficiente, pois pode ser que o arqueiro seja um atirador ruim. Primeiramente então
cabe conhecer esse bem e depois examiná-lo para que assim o agente moral
analogamente acerte o alvo.

O melhor dos bens, o bem supremo, deve ser objeto de estudo de um saber
supremo, desta forma, a política enquanto arte engloba todas os outros saberes, ela
é mais importante porque é estrutural, todo arsenal humano está submetido a
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política porque ela pode propiciar uma boa vida, não só do indivíduo, mas da
coletividade:

Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é mais belo
e mais divino alcançá-lo para uma nação ou para as cidades-Estados. Tais
são, por conseguinte, os fins. visados pela nossa investigação, pois que
isso pertence à· ciência política numa das acepções do termo (EN, I.2, 1094
b)

Esses são os fins visados para investigação da ética aristotélica, “mas ações
belas e justas que a ciência política investiga, admitem grande variedade de
flutuação de opinião, de forma que se pode considerá-los como existentes por
convenção e não por natureza” (EN, I.2, 1094 b10). Aristóteles então descreve que
há uma variedade de opiniões sobre essas convenções, não é uma investigação
exata e precisa como por exemplo a Geometria em que seu objeto de estudo
permite precisão, diferentemente o objeto da ética nem sempre poderá ser preciso,
não será algo visível, por isso mesmo há uma grande flutuação de ideias do que
seja esse bem, e o que pode ser um para uma pessoa pode o não ser para outra. O
domínio ético trata assim da imprecisão, é um domínio pantanoso, como lembra o
filósofo:

“Ao tratar, pois, de tais assuntos, e partindo de tais premissas, devemos


contentar-nos em indicar a verdade aproximadamente e em linhas gerais; e
ao falar de coisas que são verdadeiras apenas em sua maior parte e com
base em premissas da mesma espécie, só poderemos tirar conclusões da
mesma natureza.” (EN, I.2, 1094 b20)

Aristóteles é enfático em não cobrar precisão do domínio ético, não há como


dar detalhamentos precisos como numa ciência exata, é preciso de experiência, o
contexto da ação é que vai determinar se uma ação é boa ou não, a experiência é
necessária e requer tempo, é por isso por exemplo, que não é possível ter bons
políticos jovens, pois a política depende necessariamente da experiência, e os
jovens tendem a seguir suas paixões. A falta de experiência na pessoa jovem faz
com ela não tenha autonomia, o indivíduo terá que passar por uma formação que
não é dada apenas de forma racional, há uma condução da heteronomia para
autonomia. E com a prática que se adquire a experiência, a experiência no modelo
aristotélico é algo que se repete, que vai se registrando na memória, e isso é
possível devido a racionalidade humana.
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E é através da razão que o filósofo diferencia os homens dos demais


animas, no homem a experiência deriva da memória e a chave para técnica e para o
conhecimento. A memória é primordial no modelo aristotélico, a experiência para o
filósofo significa empiria, algo que se retém na memória derivado de múltiplos
eventos e não um evento isolado.

Voltando ao sumo bem, Aristóteles aponta que esse bem é a felicidade, o


mais alto bem a ser alcançado pela ação, “verbalmente quase todos estão de
acordo, pois tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem ser esse fim a
felicidade e identificam o bem viver e o bem agir como o ser feliz.” (EN, I.4, 1095
a20). A felicidade, entretanto, não é a mesma coisa para todas as pessoas, não
existe algo estabelecido a respeito do sentido que a felicidade tem para todos,
enquanto as pessoas sábias compreendem que a felicidade é um fim em si mesmo,
as pessoas vulgares nos dizeres do autor, entendem-na como algo simples, ligada a
uma ideia de falta:

“Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e óbvia, como o
prazer, a riqueza ou as honras, muito embora discordem entre si; e não raro
o mesmo homem a identifica com diferentes coisas, com a saúde quando
está doente, e com a riqueza quando é pobre.” (EN, I.4,

Aristóteles associa a vida feliz a vida virtuosa ou vida contemplativa, a


felicidade estaria assim na excelência da execução da função do homem, essa
função é a atividade do princípio racional. Os três tipos principais de vida se
relacionariam (ou não) com o bem em si. A vida dos gozos é a vida que a grande
maioria dos homens leva, de acordo com Aristóteles, uma vida bestial, e a compara
como a vida de escravos. A vida política seria levada por pessoas de grande
refinamento e índole, contudo essas pessoas tendem a identificar a felicidade como
honra, o que seria demasiado superficial, visto que “depende mais de quem a
confere que de quem a recebe, enquanto o bem nos parece ser algo próprio de um
homem e que dificilmente lhe poderia ser arrebatado” (EN, I.4, 1095 b20). A vida
contemplativa que é a vida de retidão moral, seria a preferível.

A ética é primordialmente visa a práxis, ela contempla a teoria e prática, e se


aprimora na própria práxis, assim há a necessidade de os agentes serem educados
nos bons hábitos, não é possível alcançarmos a felicidade sem agirmos
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virtuosamente, e a probabilidade da felicidade aumenta à medida que o agente se


insere num contexto virtuoso. É claro que a possibilidade de ser feliz será maior se o
agente tiver as ferramentas necessárias, a falta de bens externos pode dificultar o
alcance dessa felicidade, privando a atividade, ainda assim Aristóteles considera
mais propriamente e verdadeiramente os bens que se relacionam com a alma.

Até agora podemos entender que a felicidade é uma prática adquirível, a


virtude é um atributo sem o qual não é possível ser feliz, ser virtuoso é agir bem e ter
uma vida em atividade, “a felicidade é uma atividade da alma conforme à virtude
perfeita, devemos considerar a natureza da virtude pois: talvez possamos
compreender melhor por esse meio a natureza da felicidade” (EN, II.1, 1102, a5).

Aristóteles divide alma em duas partes, a parte racional e a parte privada da


razão (irracional). A parte irracional também se divide em duas, uma parte é a
vegetativa “causa da nutrição e do crescimento, pois essa espécie de faculdade da
alma devemos atribuir a todos os lactantes e aos próprios embriões, e que também
está presente nos seres adultos” (EN, I,13, 1102, b5). A parte vegetativa é comum a
todos os seres vivos e segundo o filósofo deve ser deixada de lado pois não
participa da excelência humana. A outra parte da alma irracional é o que Aristóteles
chama de parte apetitiva ou desiderativa, e que de certo modo, participa da razão.

A parte apetitiva ou desiderativa é vai ser descrita usando com exemplos o


sujeito continente e o sujeito incontinente (acrático), a continência é a
capacidade de seguir a razão e sentir-se bem com ela, o contrário, a incontinência é
a incapacidade do mesmo fato. A parte desiderativa, conforme Aristóteles define-se

[...] como a parte de sua alma que possui tal princípio, porquanto ela os
impele na direção certa e para os melhores objetivos; mas, ao mesmo
tempo, encontra-se neles um outro elemento naturalmente oposto ao
princípio racional, lutando contra este e resistindo-lhe. (EN, I,13, 1102, b20).

Esse elemento da alma, no sujeito incontinente e no sujeito continente, será


reagido de formas diferentes.

Já a parte racional da alma, também é divida em duas, quais sejam, a parte


científica cuja qual usamos para contemplar as coisas invariáveis e universais, e a
parte calculativa que comtempla coisas variáveis e contingentes, em ambas as
funções o que se busca é a verdade.
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Aristóteles também divide a virtude em espécies, “porquanto dizemos que


algumas virtudes são intelectuais(dianoética) e outras morais(ética); entre as
primeiras temos a sabedoria filosófica, a compreensão, a sabedoria prática; e entre
as segundas, por exemplo, a liberalidade e a temperança.” (EN, II.1, 1103, a30).

As virtudes segundo Aristóteles não são inatas e, portanto, são ensináveis,


“somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos pelo hábito”
(EN, II.1, 1103, a25) diferente dos sentidos que já existiam em potência e
posteriormente se transformam em atos, “não foi por ver ou ouvir frequentemente
que adquirimos a visão e a audição, mas pelo contrário, nós a possuímos antes de
usá-las e não entramos na posse dela pelo uso” (EN, II.1, 1103, a30).

Assim a virtudes são adquiridas pelo hábito (ethos), pelo exercício, não
nascemos naturalmente virtuosos e nenhuma virtude surgirá espontaneamente,
como sugere a proposta homérica, como exemplo Aquiles, considerado um exemplo
de figura virtuosa dentro dessa proposta, ligada a coragem e bravura, herdados de
sua mãe que era uma deusa. Aristóteles contrapõem-se a essa ideia, a virtude
surgirá da vida que o agente moral se propõe a levar, se as virtudes fossem inatas e
da ordem da natureza não poderiam ser modificas pelo hábito, nesse sentido será
mais fácil corrigir um comportamento vicioso vindo de uma pessoa mais jovem do
que em uma pessoa mais velha, visto que, em princípio, para uma pessoa mais
jovem haverá mais tempo para a prática do comportamento virtuoso e mais fácil ela
se desgarrará dos vícios, se assim ela se dispuser, do que alguém que já há muito
prática ações viciosas. A virtude é assim é uma formação que se dará pelo processo
de práticas virtuosas, como ressalta Aristóteles “tornamo-nos justos praticando atos
justos, e assim com a temperança, a bravura, etc.” (EN, II.1, 1103, b5).

E se a virtude não é algo inato e sim praticável, como se garantir a


realização dessa prática? Para Aristóteles essa é função de uma boa legislação, a
orientação moral para que o indivíduo haja bem é feita através da política, dentro da
pólis, “os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes
incutem. Esse é o propósito de todo legislador, e quem não logra tal desidrato falha
no desempenho da sua missão.” (EN, II.1, 1103, b5).

A disposição se forma com o hábito, a legislação na pólis é educativa na


medida que instaura o hábito. O proposito legislativo será o de criação de disposição
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no agente moral, até que seu desejo seja o mesmo da lei e seu agir se converta
naturalmente de acordo com a lei. É preciso assim, educar o agente moral do ponto
de vista virtuoso e voltar-se a qualidade das ações, desde a juventude é importante
que o agente seja habituado à boas atividades.

Mas não basta apenas que as virtudes sejam colocadas em práticas,


existem maneiras corretas de se colocar em prática e há que se fazer da melhor
maneira possível, pois dá prática surge não somente os bons, mas também os maus
atos, como na arte e demais saberes, bem discorre Aristóteles:

[...] é das mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói
toda virtude, assim como toda arte: de tocar lira surgem os bons e o maus
músicos. Isso também vale para os arquitetos e todos os demais;
construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus. Se não
fosse assim não haveria necessidade de mestres, e todos os homens teriam
nascidos bons ou maus em seu ofício. (EN, II.1, 1103b 10).

E qual seria então, as maneiras corretas de se colocar as virtudes em


práticas? É isso que Aristóteles propõem-se a examinar no livro segundo da Ética,
em seus dizeres:

[...]muitos chegam a definir as virtudes como certos estados de


impassividade e repouso; não acertadamente, porém, porque se exprimem
de modo absoluto, sem dizer “como se deve”, “quando se deve ou não se
deve” e as outras condições que se podem acrescentar. (EM, II.3, 1104
b25).

Para o filósofo, a virtude se encontraria no meio termo entre o excesso e a


falta de um comportamento, esse meio termo é definido por ele como mediania, ideia
melhor fixada nos capítulos posteriores. Outro ponto fundamental para entender a
virtude é que devemos tomar como sinais indicativos dela, o prazer e a dor, a
capacidade que o agente moral tem de lidar com prazer e a dor é uma reflexão
recorrente na ética, as “virtudes dizem respeito a ações e paixões, e cada ação e
cada paixão é acompanhada de prazer ou dor, também por este motivo a virtude se
relacionará com prazeres e dores” (EN, II.3, 1104 b15). Assim, prazer e dor são
grandes motores do agir “a excelência moral relaciona-se com prazeres e dores, é
por causa do prazer que praticamos más ações, e por causa da dor que nos
abstemos de ações nobres”. (EN, II.3, 1104 b10).
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Aristóteles coloca que existem três objetos que buscamos, que seriam o
nobre, os vantajosos, e o agradável, e três objetos os quais rejeitamos, o vil, o
prejudicial e o doloroso, “a respeito de todos eles o homem bom tende a agir certo e
homem mau a agir errado, e especialmente no que toca ao prazer”. (EN, II.3, 1104
b35). O prazer também é comum aos animais que não são racionais e está ligado a
parte desiderativa da alma. Em suma, o prazer e a dor tem efeito grandioso sobre as
ações dos agentes morais, saber regrá-los e mensurá-los é fundamental para busca
do sumo bem, a felicidade, dizer isto, não significa abstenção do prazer ou ao
contrário confundi-lo com a própria busca da felicidade.

Conforme Aristóteles, “essa também é a razão por que tanto a virtude como
a ciência política giram sempre em torno dos prazeres e dores, de vez que o homem
que lhes der bom uso será bom e o que lhe der mau uso será mau” (EN, II.3 1105
a10). O filósofo também reforça nos capítulos seguintes, que a ética não depende só
do conhecimento, teórico e vazio, e sim do conhecimento juntamente com prática, a
prático é algo que fundamentalmente se faz necessário.

No que se segue, Aristóteles classifica a virtude de acordo com seu gênero a


diferenciando de outros aspectos contidos na alma, “visto que na alma se encontram
três espécies de coisas- paixões, faculdade e disposições de caráter-, a virtude deve
pertencer a uma destas.” (EN, II.5, 1105 b20). As paixões são as emoções que nos
acometem, de forma apetitosa, como a cólera, o medo, a inveja, o ódio, o desejo, a
compaixão, geralmente sentimentos acompanhados de prazer e dor, as faculdades,
são os mecanismos inatos para lidar com as paixões, como exemplo nos
magoarmos, nos aborrecermos, e por fim, as disposições de caráter (héxis), o
nosso modo de lidar com as vicissitudes, a intensidade a qual agimos perante as
emoções.

A disposição de caráter é assim a própria virtude, “as coisas das quais nossa
posição com referências às paixões é boa ou má” (EN, II.5, 1105 b25). As paixões
não podem ser consideradas virtudes nem vícios, pois não são escolhas qual
fazemos e por isso mesmo, não é algo a ser considerado bom ou mau, o mesmo
vale para as faculdades pois somente é a capacidade de sentir as paixões, a virtude
é assim as disposições de caráter, a forma como escolhemos reagir diante do que
somos expostos.
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Contudo não basta definir a virtude como uma disposição de caráter, é


preciso dizer a qual espécie ela pertence, sabemos que a ação bem executada leva
a excelência e nesse sentido também levará a excelência a própria faculdade que a
possibilitou “toda virtude ou excelência não só coloca em boa condição a coisa de
que é a excelência como também faz com que a função dessa coisa seja bem
desempenhada.” (EN, II.6, 1106 a15).

Existe, pois, uma medida para que as coisas sejam melhor desempenhadas,
e aqui retomemos a ideia de mediania, que designará o justo meio (mesotés), “em
tudo que é contínuo e divisível pode-se tornar mais, menos ou uma quantidade igual,
e isso que em termos da própria coisa, que relativamente a nós; e o igual é um meio
termo entre o excesso e a falta” (EN, II.6 1106 a20). No objeto, Aristóteles define o
meio-termo como “aquilo que é equidistante de ambos os extremos, e que é um só e
o mesmo para todos os homens; e por meio-termo relativamente a nós, o que não é
nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este não é um só e o mesmo para
todos.” (EN, II.6 1106 a20).

Assim, de modo absoluto podemos falar das classificações das virtudes,


como exemplo “em relação aos sentimentos de medo e confiança, a coragem é o
meio-termo” e “em relação aos prazeres e dores- não todos, e menos no que tange
às dores- o meio-termo é a temperança e o excesso é a intemperança” enquanto
pessoas deficientes no tocante aos prazeres são insensíveis. (EN, II.7, 1107 b1).
Mas as práticas especificas requerem uma medida relativa, vai depender de cada
pessoa, como exemplo não é a mesma quantidade de alimento que levará diferentes
tipos de atletas à excelência.

Tanto as virtudes morais como no que tange as ações, devem visar o meio-
termo, a virtude, é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e
consiste numa mediania, o excesso ou a falta são características viciosas, conforme
Aristóteles:

[...]é assim, pois, que cada arte realiza bem o seu trabalho - tendo diante
dos olhos o meio-termo e julgando suas obras por esse padrão; e por isso
dizemos muitas vezes que às boas obras de arte não é possível tirar nem
acrescentar nada, subentendendo que o excesso e a falta destroem a
excelência dessas obras, enquanto o meio-termo a preserva.
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Adentrando ao terceiro livro, Aristóteles julga necessário distinguir as ações


voluntárias das ações involuntárias, visto que:

“a virtude se relaciona com as paixões e as ações, e é as paixões e a ações


voluntárias que se dispensa louvor e censura, enquanto as involuntárias
merecem perdão e às vezes piedade, é talvez necessário a quem estuda a
natureza da virtude distinguir o voluntário do involuntário. Tal distinção terá
também utilidade para o legislador no que tange à distribuição de honras e
castigos”. (EN, III.1109, b30).

O motor da ação está interno ou externo ao indivíduo e isso definirá a ação.


No caso das ações involuntárias, o motor está fora do agente, ele não conhece as
particularidades da ação, e essas ações ocorrerão “sob compulsão ou por
ignorância; e é compulsório ou forçado aquilo cujo· princípio motor se encontra fora
de nós e para o qual em nada contribui a pessoa que age e que sente a paixão”.
(EN, III.1110, a1). Já no caso das ações voluntárias, é o contrário, o motor está no
agente, ele conhece as particularidades da ação e nele se encontra “o princípio que
move as partes apropriadas do corpo em tais ações; e aquelas coisas cujo princípio
motor está em nós, em nós está igualmente o fazê-las ou não as fazer.” (EN,
III.1110, a15).

Depois de delimitar as ações voluntárias e involuntárias, Aristóteles passa a


analisar a escolha (proaireses) que “parece estar mais estreitamente ligada a
virtude do que as ações”, pois a escolha evidencia melhor o caráter do agente.
Aristóteles elenca algumas diferenças sutis para explicar o que é e como funciona a
escolha para isso usa da comparação, como exemplo das crianças e os animais que
não possuem autonomia logo não se fala em escolha “com efeito, tanto as crianças
como os animais inferiores participam da ação voluntária, porém não da escolha; e,
embora chamemos voluntários os atos praticados sob o impulso do momento, não
dizemos que foram escolhidos” (EN, III.2, 1111, a10). Também cita como exemplo o
sujeito incontinente que age com apetite, porém não com escolha; e o sujeito
continente ao contrário, age com escolha, porém não com apetite.

Aristóteles também diz que a escolha não se confunde com a opinião, a


opinião se distinguiria da escolha, “pela verdade ou falsidade, e não pela bondade
ou maldade, enquanto a escolha se caracteriza acima de tudo por essas últimas.”
(EN, III.2, 1111, b25).
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A opinião nesse sentido não comporta determinar se um sujeito é bom ou


mau, não somos bons ou maus por sustentar uma opinião, o mesmo não acontece
com as escolhas, que determinarão nosso caráter.

A diferença entre escolha e deliberação, é que a escolha é posterior a


deliberação, na escolha há o querer agir depois do processo racional deliberativo, a
deliberação é apenas o processo racional.

Definido a conceito de deliberação aristotélica, o filósofo questiona se todos


os assuntos seriam dignos de serem deliberados, “não deliberamos acerca dos fins,
mas a respeito dos meios”, o fim é da ética é a felicidade, e ninguém colocar isso em
questão, a proposta aristotélica é então deliberar sobre os meios, como alcançar a
felicidade. Nesse sentido, alguns assuntos são mais deliberados que outros, mais,
porém quanto às artes do que quantos as ciências” (quanto menos exato o saber,
mais espaço à deliberação); as artes estão mais abertas ao debate, pois são abertas
ao desconhecido, as ciências enquanto saberes regrados por metodologias
garantem estabilidades que são lhes próprias.

Aristóteles também se mostra consciente que um bem é um conceito relativo


entre nós seres humanos, qual será o critério, pois, de quem pensa a virtude, do
legislador, para que os cidadãos se tornem melhores? Aristóteles discorre que ele
focará no comportamento das pessoas que vivem melhor em todos os sentidos.
Apesar de ser um critério relativo, o filósofo discorre sobre as pessoas tem um
melhor desempenho, quem ele chamou de sábios.

O assunto da Ética, como já vimos, não incide em uma ciência exata, como
saber então a verdade sobre uma reflexão do viver melhor? Através da observação
dos homens bons que vivem em harmonia:

“O homem bom aquilata toda classe de coisas com acerto e em cada uma
delas a verdade lhe aparece com clareza; mas cada disposição de caráter
tem suas ideias próprias sobre o nobre e o agradável, e a maior diferença
entre o home bom e os outros consiste, talvez, em perceber a verdade em
cada classe de coisas, como quem é delas a norma e a medida. (EN, III.4,
1113, a30).
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Aristóteles irá centrar uma ideia de como agente moral irá agir uma vez a
escolha deliberada implica também responsabilidade do agente sobre sua conduta,
ainda que o fim esteja ligado a uma ideia, uma representação a escolha dos meios
para realiza-lo lhe é possibilitado, a razão prática assim apresenta um uso
deliberativo, o agente poderá escolher os meios relevantes e concluir sobre essas
escolhas, a prévia deliberação permite assim que o agente moral escolha os meio
que ira utilizar, e fazer uma escolha.
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PERGUNTAS

1- Como educar o agente moral segundo a proposta aristotélica?

A ética aristotélica está intrinsicamente relacionada com a educação,


Aristóteles em toda reflexão ética desenvolve análises e métodos visando
sempre que o agente moral se torne bom e virtuoso através da práxis. Através
das varias situações cotidianas da vida, o filósofo trata do agir corretamente,
pois é essencialmente esse agir corretamente que levará o bem supremo, a
felicidade, e o conceito de felicidade, em Aristóteles não só pode como está
ligado fundamentalmente como uma derivação da prática, do agir. Não basta
somente o conhecimento teórico e intelectual do que é bom, Aristóteles
demonstra que é preciso agir, pra saber agir é preciso agir, assim desde
jovens precisamos ser treinados aos bons hábitos, nesse sentido a ética é
educativa, e não deve orientar-se somente o indivíduo, mas o coletivo,
através da Política, da boa legislação, diz Aristóteles que esse é o papel da
legislação, criar a disposição de caráter, converter a vontade do agente na
vontade da lei virtuosa, no agir virtuoso, trazer os bons sentimentos desse
agir ao agente, e isso só é possível mediante o hábito que é educativo. É
primordial o vínculo entre educação e ética, pois é preciso que direcionamos
corretamente nossos prazeres e dores, porque muitas vezes sem a
orientação virtuosa, essas emoções nos levam ao agir equivocado, e elas
também podem levar as ações viciosas. A disposição, o hábito, a deliberação,
a reflexão, o justo meio se unem não apenas para motivar o agente com
vistas na prática imediata, mas para que se consolide o bem agir virtuoso
como uma motivação que se usufrua durante toda a vida e assim alcance o
bem viver.

2- Porque a vida feliz é necessariamente uma vida prazerosa?

Os conceitos expostos no trabalho se unem para formar uma ideia e os


elementos expostos implicam uns nos outros pra constituição dessa ideia, dessa
forma todas as coisas tendem a um bem, a felicidade é o sumo bem, o mais alto
bem a ser alcançado pela ação, e necessariamente é um atributo que se liga a
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atividade virtuosa, a felicidade só é possível vinda da vida contemplativa, nesse


sentido uma vida feliz é indissociável do hábito, da atividade repetida, da escolha
que temos diante da prática da virtude, e através da prática dessa virtude que nós
tornaremos excelentes, buscando ao justo meio, a forma como iremos reagir diante
do contexto nos apresentado. A felicidade como dito anteriormente se encontrará na
excelência da execução da atividade do princípio racional, e toda este processo não
está separado da ideia do encontro do prazer, pois embora Aristóteles alerte que o
prazer não se confunde com a própria felicidade, isso não afasta o surgimento do
prazer na atividade virtuosa. A virtude também se liga às ações e emoções uma vez
que a ação também é acompanhada de prazer, isso supõe dizer que o prazer terá
efeito na execução das ações morais, e o tipo de comportamento em relação ao
prazer que surge, será fundamental na constituição da disposição. Assim, excelência
moral não se dissocia dos prazeres e dores, a felicidade como o fim supremo
atingível da excelência moral, contém o prazer, dentro do contexto virtuoso ele é
alcançado na prática da virtude que constituirá a felicidade, pois segundo Aristóteles
não é somente por aprendê-la que a virtude se torna prazerosa, ela á o assim por
natureza e por ser prazerosa por natureza que o agente pode aprende-la enquanto
tal, esse aprendizado, entretanto é mediado através da educação certa.
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REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ethica Nicomachea I 13 – III 8: tratado da virtude moral. Trad., notas


e comentários de Marco Zingano. São Paulo: Odysseus, 2008.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco.Coleção:Ospensadores.SãoPaulo:NovaCultural,


1973.

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