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VON SCHELLING, Friedrich.

Exposição da ideia universal da filosofia em geral e da


filosofia-da-natureza como parte integrante da primeira. In: TORRES FILHO, Rubens
Rodrigues (Comp.). Schelling: obras escolhidas. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p.
45-55. (Coleção: Os Pensadores).

Schelling aponta para a existência de duas correntes opostas de pensamento:


o realismo empírico e o idealismo igualmente empírico; ambas se autoproclamando
como desdobramentos da filosofia kantiana. O idealismo empírico admitia a teoria
kantiana de que “as determinações das coisas por e para o entendimento não atingem
[...] as coisas-em-si [...] no entanto, essas coisas-em-si tinham com o (sujeito)
representante a mesma relação que antes se atribuíra às coisas empíricas, a relação
do afetar, a relação de causa e efeito”. Schelling anuncia-se contrário à essas duas
correntes de pensamento tomando partido na ideia de uma filosofia em si e da
filosofia-da-natureza em particular, buscando refugiar-se da unilateralidade inerente
às duas correntes dantes apontadas. Assim, “o primeiro passo para a filosofia é a
condição sem a qual nem sequer é possível entrar nela – é a compreensão de que o
absolutamente ideal é também o absolutamente real, e de que, fora disso, só há, em
geral, realidade sensível e condicionada, mas nenhuma realidade absoluta e
incondicionada”.

A filosofia é uma ciência absoluta pois não toma seus princípios emprestados
de outras ciências, tendo, ao contrário, o próprio saber como um de seus objetos (não
podendo, portanto, ser um saber subordinado). Assim, a filosofia é incondicionada, e
só se pode saber de maneira incondicionada e absoluta de seus objetos, portanto,
saber apenas o Absoluto desses próprios objetos. Portanto, se a filosofia, para saber
de maneira absoluta, também só pode saber do Absoluto, e se, para ela, esse
Absoluto não está aberto a não ser através do próprio saber, então a ideia de uma
filosofia só pode repousar sobre a pressuposição de uma indiferença possível entre o
saber absoluto e o próprio Absoluto; portanto, de que o absolutamente ideal é o
absolutamente real – a condição de toda cientificidade superior. Segundo Schelling,
“somente sobre este terreno, onde, para uma realidade absoluta, nada mais é
requerido do que a idealidade absoluta, pode o geômetra atribuir a sua construção,

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que, contudo, é uma idealidade, absoluta realidade, e afirmar que o que vale para
aquela forma vale também, eterna e necessariamente, para o objeto”.

O absolutamente ideal (saber absoluto ou absoluto ato-de-conhecimento) é um


saber no qual o objetivo e o subjetivo inteiros possuem uma identidade absoluta. O
Absoluto é identidade pura de modo que, como tal, independentemente de
subjetividade e objetividade, ou, tanto em uma como na outra, deixe de sê-la para si
mesma matéria e forma, sujeito e objeto. A absolutez pura tem de ser independente
de ambas (subjetividade e objetividade) e se introduz para si mesma e por si mesma
em ambas como a mesma absolutez. Além de um eterno ato-de-conhecimento, o
Absoluto é um produzir eterno de si mesmo em sua totalidade como ideia, pura
identidade, real, forma e, inversamente – de maneira eterna também – dissolve a si
mesmo como forma, nessa medida como objeto, na essência ou no sujeito. Se o
Absoluto é pura identidade e sua essência é produzir, então sua forma tem essa
identidade, portanto, forma a essência são nele um e o mesmo.

“Quando ele [o Absoluto] fez de sua própria essência uma forma, aquela
subjetividade inteira, em sua absolutez, se torna objetividade, assim como, na
retomada e transformação da forma na essência, a objetividade inteira, em sua
absloutez, se torna subjetividade. Aqui não há nem antes e depois, não há um sair do
Absoluto para fora de si mesmo ou passagem ao agir; ele mesmo é esse agir eterno,
pois faz parte de sua ideia que ele também é imediatamente por seu conceito, sua
essência é para ele também forma, e a forma a essência [...] Como ele não é sujeito
nem objeto, mas somente a essência idêntica de ambos, ele não pode, como absoluto
ato-de-conhecimento, ser aqui sujeito puro, ali objeto puro; é sempre, e é como sujeito
(onde dissolve a forma na essência) e como objeto (onde forma a essência na forma)
somente a absolutez pura, a total identidade”.

O Absoluto não produz, a partir de si mesmo, nada além de si mesmo, portanto,


mais uma vez o Absoluto.

Três unidades: aquela em que a essência é absolutamente figurada na forma,


aquela em que a forma é absolutamente figurada na essência e aquela em que estas
duas absolutezes são, outra vez, uma única absolutez. A primeira é a natureza, a
segunda o mundo ideal e a terceira é distinguida como tal ali onde, nas outras duas,
a unidade particular de cada uma, na medida em que se torna absoluta para si, ao
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mesmo tempo se dissolve e se transforma na outra. A unidade particular compreende
também em si e para si todas as unidades. Aquilo que designamos aqui por unidades
é o mesmo que outros entenderam por ideias ou mônadas. “Toda ideia é um particular
que, como tal, é absoluto; a absolutez é sempre uma, assim como a sujeito-
objetividade dessa absolutez e s sua própria identidade; somente o modo como a
absolutez na ideia é sujeito-objeto faz a distinção”. As ideias são sínteses da
identidade absoluta (do universal e do particular, da essência e da forma), na medida
em que ela mesma é outra vez universal.

A coisa singular é apenas um momento daquele ato eterno da transformação


da essência na forma, mas aquilo que se torna objetivo através dessa forma é
somente a própria unidade absoluta. Mas como nessa figuração absoluta todos os
momentos e graus estão contidos na figuração absoluta (o particular está acolhido na
ideia do universal ou essência), então, em sai, algo finito ainda não surgiu
verdadeiramente, mas está expresso na unidade, em que está absorvido de modo
absoluto. Assim, “as coisas em si, portanto, são as ideias no eterno ato-de-
conhecimento e, como as ideias, no próprio Absoluto, são de novo uma só ideia,
também todas as coisas são verdadeiramente e interiormente uma só ciência [...]” e
toda diversidade entre estas é meramente inessencial e quantitativa, repousando
sobre o grau da figuração do infinito no finito.

A filosofia-da-natureza integra o todo da filosofia (ciência do Absoluto), uma vez


que o Absoluto em seu agora eterno compreende, embora como um só no absoluto
ato-de-conhecimento, dois lados (um real e um ideal). A natureza é o espírito trazido
à luz na objetividade e nela essa introdução compreende imediatamente a outra
unidade – o mundo ideal – e ambas, no Absoluto, constituem uma unidade única, o
ideal e a natureza como mundo único; mas, a natureza enquanto unidade particular já
está fora do Absoluto (não é a natureza como próprio ato-de-conhecimento absoluto,
mas a natureza como corpo ou símbolo daquela). Portanto, se a filosofia é o ato-de-
conhecimento absoluto (que expõe e intui tudo) do qual a natureza é um dos lados,
então ela é idealismo também (o idealismo é e permanece toda filosofia), “e somente
sob si este compreende outra vez realismo e idealismo, desde que aquele primeiro
idealismo absoluto não seja confundido com este outro, que é de espécie meramente
relativa”.

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Na natureza, o Absoluto se oculta em um finito, um ser que é seu símbolo e
que, como tal, adquire, como todo símbolo, uma vida independente daquilo que
significa; já no mundo ideal ele cospe o invólucro e aparece também como o que é,
como ideal (como ato-de-conhecimento), deixando para trás o outro lado e assumindo
apenas o lado da re-dissolução da finitude na infinitude, do particular na essência.
Essa sua aparação na forma ideal fez com que esse ideal ganhasse uma prioridade
em relação ao real, confundindo muitas vezes o idealismo relativo com a filosofia
absoluta.

“Essas unidades, cada uma das quais designa um grau determinado da


figuração do infinito no finito, são expostas em três potências da filosofia-da-natureza.
A primeira unidade, que, na figuração do infinito no finito, é, mais uma vez, essa
própria figuração, expõe-se no todo pela estrutura do universo, no singular pela série
dos corpos. A outra unidade, da re-figuração do particular no universal ou essência,
exprime-se – mas sempre em subordinação à unidade real, que é dominante na
natureza – no mecanismo universal, em que o universal ou essência se projeta como
luz, o particular como corpos, segundo todas as determinações dinâmicas. Enfim, a
absoluta uni-figuração ou indiferenciação das duas unidades, embora no real, é
expressa pelo organismo, que, por isso, mais uma vez, só que não considerado como
síntese, mas como primeiro, é, ele mesmo, o em si das duas primeiras unidades e a
perfeita contra-imagem, o perfeito correlato do Absoluto na natureza e para a
natureza”.

“Aquilo em que a filosofia-da-natureza se distingue de tudo o que, até agora, se


denominou teorias dos fenômenos naturais é que estas inferiam dos fenômenos aos
fundamentos, pautavam as causas pelos efeitos, para, posteriormente, derivar estes
daquelas. Sem levar em conta o círculo eterno em que giram aqueles esforços
estéreis, as teorias dessa espécie, mesmo quando alcançavam seu (ponto) supremo,
só podiam demonstrar uma possibilidade de que fosse assim, mas nunca a
necessidade. Os lugares-comuns contra essa espécie de teorias - contra as quais os
empiristas se exaltam constantemente, sem, entretanto, conseguir reprimir a
tendência a elas - são os mesmos que ainda hoje se fazem ouvir contra a filosofia-da-
natureza. Na filosofia-da-natureza há tão pouco lugar para explicações quanto na
matemática; ela parte dos princípios certos em si, sem que nenhuma direção lhe seja

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eventualmente prescrita pelo que aparece; sua direção está contida nela mesma, e,
quanto mais fiel ela permanece a esta, mais seguramente os fenômenos, por si
mesmos, vão colocar-se no único lugar em que podem ser compreendidos como
necessários, e este lugar no sistema é a única explicação que ela fornece sobre eles”.

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