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BACHARELADO EM FILOSOFIA
BRASÍLIA/DF
2022
LUIZ FERNANDO GONTIJO DOS SANTOS
FIL000035
Brasília
2022
RESUMO
O problema do mal, que afirma que há uma incompatibilidade entre a existência de um
Deus onipotente e onibenevolente com a presença do mal no mundo, é um tema
bastante discutido dentro de meio filosófico acadêmico. Dentre as várias respostas que
já foram propostas a esse paradoxo, uma que vem ganhando destaque na atualidade é
aquela elaborada pela filosofia neotomista, que defende que as ditas contradições
presentes na posição teísta têm origem numa má compreensão dos conceitos de mal e de
Deus. Esse artigo se propõe a expor a visão do filósofo contemporâneo Edward Feser
sobre o tema, que haurindo dos escritos de santo Tomás de Aquino, escreveu sobre o
conteúdo em questão.
2. A ORDEM NATURAL
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característica necessária das mudanças é que elas possuem uma direcionalidade, e essa
direcionalidade está relacionada com a essência da substância, porque algo só pode
sofrer mudanças compatíveis com a própria natureza. Por exemplo, uma árvore não
pode sofrer mudança de modo a se tornar um golfinho, mas pode mudar de modo a
aprofundar as suas raízes no chão, isso porque a primeira mudança não é compatível
com a sua essência, mas a segunda sim.
Entendidos esses termos, finalmente podemos prosseguir para a definição
neotomista de bem e mal. De acordo com Feser, o bem seria a atualização das potências
às quais uma substância é inclinada naturalmente pela sua essência. Dessa maneira, o
bem de uma árvore pode ser exemplificado como o desenvolvimento de raízes que
penetrem o chão de modo a garantir sua sobrevivência, porque essa é a finalidade à qual
a sua essência a inclina. Por outro lado, o mal seria justamente a não atualização de tais
potências, o que no nosso exemplo consistiria na incapacidade da árvore em criar uma
raiz profunda o suficiente. Essas noções permitem compreender o significado de bem e
mal, mas ainda não são capazes de explicar o mal moral, porque ainda que possamos
dizer que uma árvore que não possua raízes profundas seja má, não é possível dizer que
ela seja moralmente má. Para entender como a maldade pode se dar no campo da moral,
é preciso compreender anteriormente a natureza humana.
Duas características que diferenciam o ser humano das outras substâncias
naturais são a inteligência e a vontade. Devido a ambas, eles são capazes de fazer
escolhas livres. Por esse motivo, os homens são naturalmente inclinados a adquirir
conhecimento e a agir de acordo com o seu entendimento de modo a buscar para si
aquilo que entendem como sendo o bem. A capacidade de escolher é o que faz com que
os atos de uma pessoa, ao contrário dos de uma árvore, possam ser classificados como
moralmente bons ou maus. Além disso, os seres humanos também são naturalmente
inclinados à vida em sociedade, motivo pelo qual a moralidade também diz respeito às
escolhas deles em relação às atitudes para com outras pessoas. Assim é possível
compreender que o bem moral é apenas uma instância particular do bem natural, que
por sua vez é dado pela ordem natural.
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substâncias naturais, o bem foi definido em termos da capacidade de atualização de suas
potências, mas Deus é entendido no tomismo como puro ato, sem nenhuma potência, o
que não apenas é melhor do que aquilo que se diz bom para as criaturas, como também
é propriamente a referência à qual todas elas podem ser ditas boas.
Para melhor entender a relação entre a bondade de Deus e a bondade das
criaturas, convém utilizar a distinção entre limite simpliciter e limite paradigma,
conforme proposta pelo filósofo Barry Miller. O chamado limite simpliciter se refere a
um elemento que ocupa um extremo de uma determinada série, mas sem ser
essencialmente diferente dos outros elementos dela, assim como a velocidade da luz é o
máximo de velocidade que um corpo pode atingir, mas é uma velocidade tanto quanto
outros elementos da mesma série. Já o chamado limite paradigma se refere a um ponto
de convergência ao qual a série tende, mas que não pode ser contado entre os elementos
da mesma. Também essa definição pode ser exemplificada com a velocidade: 0 km/h é
o limite máximo para quão lentamente um corpo pode se mover, mas esse valor não
pode simplesmente ser contado entre os elementos da série, porque não se trata de
apenas mais um exemplo de velocidade, mas sim de algo que se encontra fora dela. A
concepção teísta clássica entende a bondade divina como um tipo de limite paradigma,
porque a coloca como o ápice ao qual todas as bondades particulares convergem, não
apenas como um elemento melhor do que os outros. Por essa razão diz-se que Deus é de
fato a referência segundo a qual todas as outras coisas podem ser ditas boas.
Entendida como se dá a bondade em Deus, compreende-se finalmente que não se
diz que Deus é bom no mesmo sentido que se diz que um homem é bom. A bondade
moral do homem diz respeito às suas escolhas diante da ordem natural, enquanto que a
divina é o padrão último ao qual todas as bondades se referem. Além disso,
compreende-se que Deus não está submetido, assim como o homem, a cumprir a lei
natural. O argumento típico daqueles que propõem o problema do mal já pressupõe que
a divindade estaria obrigada seguir os critérios humanos para poder ser dita boa. É uma
perspectiva que enxerga Deus como um tipo de super-herói cósmico, que por ser
onipotente, deveria prevenir todos os tipos possíveis de maldade. A partir dessa
compreensão, percebe-se que o assim chamado problema lógico do mal logo deixa de
ser um problema, mas ainda assim a resposta neotomista vai mais além e pretende dizer
algo a respeito do sentido do mal no mundo.
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4. O MAL DENTRO DA CRIAÇÃO
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poder de moldar o próprio destino e ao mesmo tempo sistematicamente impedi-lo de
fazê-lo.
Contra esse argumento, poder-se-ia objetar que, ao restringir a liberdade de
indivíduos malignos, garantir-se-ia a liberdade de outros seres humanos. Feser responde
que, de fato, uma pessoa pode restringir a liberdade de outra ao cometer uma maldade,
mas é impossível que um indivíduo restrinja a liberdade alheia em sentido realmente
relevante, isto é, de modo a impedir alguém de fazer escolhas morais que o levem a
cumprir a sua finalidade última, que é a própria salvação. Os seres humanos de fato
estão moralmente obrigados a impedir um mal horrendo na medida de suas
possibilidades, e isso não é contrário à ordem natural, porque uma das funções da
liberdade humana é justamente agir em sociedade, mas o mesmo não se aplica a Deus.
Em síntese, o esclarecimento da concepção filosófica tomista sobre o bem, o
mal, o ser humano e Deus conduzem a uma explicação do chamado problema do mal
que não conduz a uma contradição. Os argumentos ateus que para a inexistência divina
baseados no mal normalmente pressupõem uma visão antropomorfizada de Deus, que o
enxerga apenas como mais um indivíduo que está sujeito à ordem natural. Essa
perspectiva, ainda que popular atualmente, não é aquela endossada por santo Tomás
nem pelo teísmo clássico. Por esse motivo, o argumento do mal não apresenta obstáculo
para a filosofia tomista ou neotomista.
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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FESER, Edward. The Thomistic Dissolution of the Logical Problem of Evil.
Disponível em: <https://www.mdpi.com/2077-1444/12/4/268>. Acesso em:
26 abr. 2022.
FESER. Edward. A Última Superstição: Uma Refutação do Neoateísmo. Belo
Horizonte: Cristo Rei, 2017.
MILLER, Barry. The fullness of being: a new paradigm for existence. Indiana:
University of Notre Dame, 2002.
PLANTINGA, Alvin. Deus, a liberdade e o mal.. São Paulo: Vida Nova, 2012.