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CAPÍTULO 32

O problema do mal

Desidério Murcho | Aires Almeida


O problema do mal

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


O problema do mal

• Quer Deus impedir o mal, mas não pode? Então é impotente. Pode, mas não quer? Então é
malévolo. Quer e pode? De onde vem então o mal?
Hume, Diálogos sobre a Religião Natural,
X, § 25.

• Males naturais: doenças, cheias, terramotos.


• Males morais: guerras, homicídios, roubos.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


Dois problemas do mal

• Modus tollens agnóstico


• Se Deus existe, não há males gratuitos.
• Mas há males gratuitos.
• Logo, Deus não existe.
• Modus ponens teísta
• Se Deus existe, não há males gratuitos.
• Deus existe.
• Logo, não há males gratuitos.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Dois problemas do mal

• Problema probatório
• A existência de males aparentemente gratuitos prova (talvez indutivamente) a hipótese
de Deus não existir?

• Problema lógico
• A existência de males aparentemente gratuitos é logicamente compatível com a hipótese
de Deus existir?

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


O problema lógico do mal

1. Existe uma pessoa divina que é omnisciente.


2. Essa pessoa é omnipotente.
3. E é também sumamente boa.
4. Além disso, criou o Universo.
5. Existem males gratuitos.

• Os pensadores religiosos não teístas rejeitam pelo menos uma das outras.
• Os teístas rejeitam cinco.
• É o que faz Leibniz.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
O problema lógico do mal
A resposta de Leibniz

• A noção de Deus mais comummente aceite e a mais significativa que temos expressa-se muitíssimo
bem nestes termos: que Deus é um ser absolutamente perfeito; mas as consequências disto não
foram suficientemente bem pensadas. Para ir um pouco mais longe é de notar que há várias
perfeições completamente diferentes na natureza, que Deus as tem todas em conjunto, e que cada
uma lhe pertence no mais alto grau. É também necessário entender o que é uma perfeição. Eis um
indicador fidedigno: uma forma ou natureza que não possa ser tomada no seu mais elevado grau não
é uma perfeição — por exemplo, a natureza do número ou da figura. Pois o maior de todos os
números (ou melhor, o número total de todos os números), tal como a maior das figuras, implica
uma contradição, ao passo que o maior conhecimento, e omnipotência, não envolvem qualquer
impossibilidade. Logo, o poder e o conhecimento são perfeições, e na medida em que pertencem a
Deus, são ilimitadas.
Leibniz, Discurso de Metafísica, §1.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
O problema lógico do mal

A resposta de Leibniz

• Não é verdadeiro que se a ordem das coisas, ou a sabedoria divina, exigiu que Deus fizesse
quadrados perfeitos, então Deus, tendo resolvido fazê-lo, não poderia deixar de fazer linhas
incomensuráveis, apesar de terem a imperfeição de não poderem ser expressas de maneira exata?
Pois um quadrado não pode deixar de ter uma diagonal, que é a distância dos seus ângulos
opostos.
Leibniz, Diálogo sobre a Liberdade Humana e a Origem do Mal, pp. 116-117.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


O problema lógico do mal

A resposta de Leibniz

• Acredito que Deus criou coisas em perfeição última, apesar de não nos parecer isso ao
considerar partes do Universo. É um pouco como o que acontece na música e na pintura,
pois as sombras e dissonâncias melhoram verdadeiramente as outras partes, e o autor sábio
de tais obras obtém destas imperfeições particulares um benefício tão grandioso para a
perfeição total do seu trabalho que é muito melhor dar-lhes espaço do que tentar passar sem
elas. Assim, temos de acreditar que Deus não teria permitido o pecado nem teria criado
coisas que sabe que irão pecar, se não tivesse obtido delas um bem incomparavelmente
maior que o mal que daí resulta.
Leibniz, Diálogo sobre a Liberdade Humana e a Origem do Mal, p. 115.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


A dificuldade mortal

• Muito humildemente, Leibniz considera que somos demasiado limitados para saber em
pormenor quais são os bens que superam e tornam necessários os males evidentes.
• Porém, se somos limitados para saber isso, também somos limitados para saber se Deus
existe ou não.
• É incoerente, ou pelo menos arbitrário, aceitar que sabemos sem possibilidade de erro que
Deus existe, mas que somos demasiado limitados para saber quais são os bens que dão
sentido aos males e os anulam.
• Ou somos demasiado limitados nos dois casos ou em nenhum, porque é tão difícil saber se
Deus existe como difícil é saber quais são os bens que superam e anulam os males
evidentes, caso Deus exista.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano

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