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Pe.

Fábio Vanderlei, IVE

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA

PRINCÍPIO E FUNDAMENTO I: DEUS

Princípio e Fundamento

Vejamos o texto do livro inaciano no n. 23:

O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e assim salvar a
sua alma. E as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem
a alcançar o fim para que é criado. Donde se segue que há de usar delas tanto quanto o ajudem
a atingir o seu fim, e há de privar-se delas tanto quanto dele o afastem. Pelo que é necessário
tornar-nos indiferentes a respeito de todas as coisas criadas em tudo aquilo que depende da
escolha do nosso livre-arbítrio, e não lhe é proibido. De tal maneira que, de nossa parte, não
queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que
breve, e assim por diante em tudo o mais, desejando e escolhendo apenas o que mais nos
conduz ao fim para que somos criados.

A importância da meditação destas verdades consiste em que, a plena convicção de qualquer destes
pontos bastaria, por si só, para santificar toda uma vida. É, por tanto, o fundamento de toda santidade.
O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e assim
salvar a sua alma. E as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem,
para que o ajudem a alcançar o fim para que é criado.

Aqui já aparecem os dois polos e personagens que realizam os Exercícios Espirituais: o homem e
Deus; e mais concretamente: eu e Deus; eu diante de Deus.

O homem foi criado e tem uma finalidade e isto será sempre assim: mesmo que passem os anos,
Deus é e será meu fim último, quem me criou para louvá-lo, reverência-lo e servi-lo. E quando
penso que já o conheço, não o conheço, porque Deus é Deus. Dele se sabe mais o que não é do que o
que Ele é. É inabarcável para uma inteligência limitada como a nossa. Só Deus se abarca totalmente.

Dizer que o homem é criado é afirmar implicitamente que ele tem um criador e aqui chegamos a uma
questão fundamental: Deus. Quem é meu Deus?

Caricaturas de Deus ou falsos deuses do mundo moderno 1


O mundo moderno como não pôde destruir a Deus, então inventou os deuses a seu bel-prazer. Essas
caricaturas são as que o homem contemporâneo está impondo no lugar de Deus na sociedade e na vida
privada das pessoas:
• O deus homem: “A religião de Deus que se faz homem encontrou a religião do homem que se

1 Pe. Antonio Rivero.


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faz Deus” (Paulo VI). Seu credo é: o homem é imanente, total e completo em si mesmo, não
existe nada acima dele. Ele é a medida de todas as coisas. Seu prazer, seu ter, seu eu, marcam
sua lei. Ele é o princípio supremo do direito. Deus é válido na medida em que o serve.
• O deus liberdade: cada homem, diz este deus, tem liberdade absoluta. Os valores brotam dessa
liberdade. Tudo que vai contra essa liberdade é anti-sagrado (moral, religião católica com seus
dogmas e mandamentos). Não há pecado. Não há limites. A liberdade salva, governa e condena.
• O deus da ciência
• O deus progresso: Seu credo é este: "Estamos caminhando em um progresso indefinido que não
vai parar. Houve guerras, genocídios e tragédias terríveis. Mas estamos progredindo. Tudo o que
é progresso é bom, mesmo que isso signifique sacrificar o presente por um futuro incerto. O
progresso deve ser adorado.
• O deus utilidade: sua lei é: o que é útil é o que é bom. Eficiência como o principal cartão de
visita. O homem como material humano, medido pelo desempenho (marxismo, capitalismo
liberal). Utilitarismo e pragmatismo.

Alguns subdeuses:
• Democracia liberal: é o engano da democracia onde o povo vota e fica sem voz e sem vez.
• Paz: somente como não-guerra ou não-conflito e não como fruto da justiça.
• A vida: na forma de hedonismo, ou seja, da forma mais baixa possível: sexo livre, drogas, usura,
viva e aproveite a vida.
• Moda: é um dos ídolos mais estúpidos, mas por causa de sua aparência feliz e inofensiva, ele é
talvez o que tem mais seguidores.
• Amor: é um ídolo do deus da liberdade absoluta, do culto total ao corpo, pregado do púlpito de
Hollywood.
• Ecologia: culto e proteção ideológica a natureza: mãe terra, pachamama, etc.
• Fraternidade universal: somos todos irmãos e não faz diferença ser católico, budista, islâmico
etc., o importante é que como irmãos vivemos na casa comum.

Assim aparecem as substituições ou suplências de Deus: fraternidade, progresso, paz, religiões orientais.
E nós: temos o sentido de Deus? Em outras palavras: o ambiente pagão que vivemos também nos
influencia? Deus é sempre Deus para nós, quem é Deus?
Para muitos, Deus está longe, encima lá no céu. Para quem não ama, Deus é uma coisa (Kierkegaard).
Quantas vezes nos esquecemos que devemos dar o nosso melhor a Deus: o melhor de nosso tempo e
o que pudermos, os melhores pensamentos, as melhores disposições, etc. e, no entanto, as vezes
vivemos como se Deus não existisse, ou como se fosse “um Deus cego” que nada vê, como se Deus
fosse “um Deus bobo” que premia e não castiga o injusto; como se Deus fosse “um Deus mendigo”,
a quem lhe damos tudo aquilo que nos sobra ou que não presta, como se Ele fosse o dono do brechó.
Para nenhum destes Deus é Rei e Soberano. Para algumas pessoas Cristo é só um homem. Para os
que não tem esperança, Cristo é um Deus distante. Para os que gostam de política Cristo é um
revolucionário. Para os que gostam da música Jesus é um cara com uma guitarra na mão, com cara
de bobo. Para os que querem cometer sempre pecados, Cristo é uma pessoa tão boa, quase um bobo
que não vê o que fazem os homens. Para muitos jovens Cristo só é um amigo. Para outros, Cristo é
aquela pessoa odiada. Para alguns cantores, como para John Lennon, Cristo é aquele guru a quem não
devemos acreditar.

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Porém diante dessas falsas ideias devemos afirmar com fé:


Deus é acima de tudo o TRANSCENDENTE. É o Mistério, o inacessível "Ninguém jamais viu Deus",
diz São João. "Mostra-me o teu rosto", disse Moisés. A resposta de Deus é categórica: "Tu não
poderás ver meu rosto, pois nenhum homem pode me ver e viver". Por isso a inteligência o que mais
capta é o estupor diante de sua grandeza. O homem não compreende a Deus e não o percebe a não
ser sua sombra impressa nas coisas deste mundo. "Deus não é nada do que tu imagins, nada do que
tu pensas que entendes... Se tu entendes, Deus não é isso" (Santo Agostinho) Deus é escuridão.
Conhecer a Deus é saber que ele não é conhecido.

• Deus é espírito puro: não podemos ter uma experiência de Deus pelos sentidos. Portanto, o
contato que devemos ter com Deus é espiritual.
• Deus é livre: é livre para criar-nos, para redimir-nos, para santificar-nos, de escolher-me antes
que eu existisse. É impossível coagi-lo.
• Deus é pessoal, nela há três pessoas. Posso comunicar-me, ter uma relação pessoal com Ele.
Deus respeita o jeito de ser de cada um, e se comunica como Ele é e conforme cada alma.
• Deus é transcendente. Para todos dá e nada pede. Deus é infinito. Deus é simples (sem
composição), absolutamente.
• Deus é a bondade.
• Deus é belo.
• Deus é providente.
• Deus é atraente e atrai a todos.
• Deus é fascinante.
• Deus é sedutor: Seduziste-me, Senhor; e eu me deixei seduzir! (Jr 20,7).

As coisas que são mutáveis são imperfeitas, é sinal de imperfeição. Só Deus é absolutamente
imutável, não muda jamais (Cf. Tg 1,17b):
• Deus não ignora,
• não se cansa,
• não envelhece,
• não tem que se mover,
• não se arrepende (antropomorfismo na SE),
• não pode ser melhor.

“Se tivéssemos um conceito adequado de quem é Deus, se acabariam todos os nossos problemas e
dramas interiores” (Pe. Carlos Buela).

Não podemos ser como o bebê cético no ventre de sua mãe e não acreditava nela

No ventre de uma mãe havia dois bebês. Um perguntou ao outro:


"Vc acredita em vida após o parto?"
O outro respondeu: "É claro. Tem que haver algo após o parto. Talvez nós estejamos aqui para nos
preparar para o que virá mais tarde."
"Bobagem", disse o primeiro. "Não há vida após o parto. Que tipo de vida seria esta?"
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O segundo disse: "Eu não sei, mas haverá mais luz do que aqui. Talvez nós poderemos andar com as
nossas próprias pernas e comer com nossas bocas. Talvez teremos outros sentidos que não podemos
entender agora."
O primeiro retrucou: "Isto é um absurdo. Andar é impossível. E comer com a boca!? Ridículo! O
cordão umbilical nos fornece nutrição e tudo o mais de que precisamos. O cordão umbilical é muito
curto. A vida após o parto está fora de cogitação."
O segundo insistiu: "Bem, eu acho que há alguma coisa e talvez seja diferente do que é aqui. Talvez
a gente não vá mais precisar deste tubo físico."
O primeiro contestou: "Bobagem, e além disso, se há realmente vida após o parto, então, por que
ninguém jamais voltou de lá? O parto é o fim da vida e no pós-parto não há nada além de escuridão,
silêncio e esquecimento. Ele não nos levará a lugar nenhum."
"Bem, eu não sei", disse o segundo, " mas certamente vamos encontrar a Mamãe e ela vai cuidar de
nós."
O primeiro respondeu: "Mamãe, vc realmente acredita em Mamãe? Isto é ridículo. Se a Mamãe existe,
então, onde ela está agora?"
O segundo disse: "Ela está ao nosso redor. Estamos cercados por ela. Nós somos dela. É nela que
vivemos. Sem ela este mundo não seria e não poderia existir."
Disse o primeiro:" Bem, eu não posso vê-la, então, é lógico que ela não existe."
Ao que o segundo respondeu: " Às vezes, quando vc está em silêncio, se vc se concentrar e realmente
ouvir, vc poderá perceber a presença dela e ouvir sua voz amorosa lá de cima."
Este foi o modo pelo qual um escritor húngaro explicou a existência de Deus.

Nós temos duas vidas. A vida de agora é uma preparação para a outra vida, que é a Vida Eterna. Esta
vida da terra não é a vida verdadeira, a outra vida é a que Deus nos dará para sempre. Então eu venho
de Deus e vou para Deus. Deus é minha origem é meu fim. Dizia Santa Teresa de Jesus:
Vossa sou, para Vós nasci,
Que mandais fazer de mim?
Vossa pois me criastes;
vossa pois me redimistes,
vossa pois me sofrestes;
vossa pois me chamastes;
vossa pois me conservastes;
vossa pois não me perdi;
Que mandais fazer de mim?

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