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Philippe.

Ariès
História social da criança e da família.
Rio de Janeiro, Guanabara, 1981.
• Traduzido em várias línguas, Philippe Ariès (1914-1984) é autor de
História das populações francesas (1948), História Social da Criança e
da Família(1960), O homem diante da morte (1977) e História da vida
privada (em colaboração com Georges Duby e Michèle Perrot).

• Esta síntese da história moderna está na origem de um modelo


interpretativo da infância bastante utilizado em todas as disciplinas
de ciências humanas assim como entre os profissionais especialistas
em crianças.

Sobre a obra:

 Publicada : 1960 na França, 1979 no Brasil.


 Objeto: os sentimentos e as atitudes sociais em relação à
família e à criança, à morte.

 Ponto de partida: as pinturas do Renascimento de


crianças vestidas como adultos.

 Fontes: uso meticuloso de velhos diários, testamentos,


igrejas, túmulos, pinturas.

 Resultados: um quadro sobre a lenta transformação das


nossas atitudes em relação à criança e à família.
 Na sociedade medieval, a ideia
de infância não existia.
 A idade média foi o período da história da
Europa que se estendeu do século V ao século
XV, tendo início com o declínio do Império
Romano e termina com o renascimento.

 Situa-se entre a idade Antiga e época moderna.

 Philippe Ariès está tratando do período que vai


do século XII ao século XVI.
 Depois do ano 1000, durante a Idade Média, a
população europeia aumentou fortemente, graças às
inovações tecnológicas permitiram um aumento dos
rendimentos agrícolas.

 O sistema que se desenvolveu nesta época foi o


feudalismo: cavaleiros e nobreza serviam o exército e
seu suserano pelo direito de explorar os seus feudos.

 Forte controle da Igreja Católica.


 A principal forma de controle dos nascimentos e de
equilíbrio da população eram as altas taxas de mortalidade
infantil .
 A taxa de mortalidade cai com a melhoria da
alimentação, da higiene, com o progresso sanitário e
com o progresso da medicina.
 Como a natalidade se manteve alta, há um forte
crescimento populacional.
 Na sociedade medieval, a ideia de infância não existia.

 Na Idade Média havia um sentimento superficial em


relação à infância, mais forte em relação aos seus
primeiros anos.

 A família na Idade Média não teria uma função afetiva.


 É a de uma mudança capital em curso:
 A partir do século XVII, sob influência de uma
corrente de moralização da sociedade levada
à cabo pela Igreja e Estado : a transição de um
modelo de família aberta para um modelo de
família nuclear fechada, onde a criança torna-
se objeto de atenção.
 Estas são as linhas gerais do trabalho
organizado em três etapas:
 1) “O sentimento de infância”
 2) “A vida escolástica”
 3) “A Família” e sua sociabilidade
Um dos principais agentes da transformação da família é a
ideia de sucesso social, que se materializaria no processo de
educação dos filhos.

Esta revolução é acompanhada, no interior da família, de um


superinvestimento emocional em relação às crianças.

As crianças, retiradas da sociedade dos adultos, na qual elas


penetravam na Idade Média via aprendizagem direta, são
confinadas na família e na escola, o que retarda a passagem
para a vida adulta.
 A criança afastava-se cedo de seus pais . Durante séculos a
aprendizagem ocorria graças à convivência da criança ou do jovem com
os adultos.

 As crianças aprendiam as coisas que deviam saber ajudando os adultos a


fazê-las.

 A infância era reduzida a seu período mais frágil. Quando ela adquiria
autonomia física era logo misturada aos adultos e partilhava de suas
atividades, seus trabalhos e jogos.

 De criança pequena transformava-se em homem ou mulher jovem, sem


passar pelas etapas da juventude que se tornaram aspectos essenciais
das sociedades contemporâneas.
 Na Idade Média, no início dos tempos
modernos, e por mais tempo nas
classes populares, as crianças
misturavam-se com os adultos assim
que eram consideradas capazes de
dispensar a ajuda das mães ou das
amas, poucos anos depois de um
desmame tardio (7anos).
• O « sentimento de infância » não se confunde com o amor
em relação às crianças. Ele corresponde à consciência da
particularidade infantil.

• Particularidade que distingue essencialmente a criança do


adulto. Esta consciência é que não existia.

• A ligação dos pais às suas crianças nasce, realmente, com o


controle do nascimento e a queda na fecundidade, ou
seja, a partir do fim do século XVIII.

• Antes disso, a criança não era mais do que um adulto em


miniatura, um vir ser. A forte mortalidade infantil não
favorecia uma atenção maternal e paternal muito
importante.
• Até o séc. XII a arte medieval desconhecia a infância ou
não tentava representá-la.

• Por volta do séc. XV: as crianças grandes e pequenas


aparecem nas telas de pintura do período misturadas aos
adultos e às suas atividades: trabalho, jogos, festas, etc.

• Apenas o tamanho a diferenciava dos adultos;

• Nas pinturas de crianças nuas elas aparecem tão musculosas


como os adultos.
 A família tinha por missão a conservação dos bens, a
prática comum de um ofício, a ajuda mútua cotidiana
e ainda nos casos de crise, a proteção da honra e da
vida.

 Ela não tinha função afetiva.

 O sentimento entre os cônjuges, entre pais e filhos,


não era necessário à sua existência e equilíbrio: se ele
existisse tanto melhor.
• As trocas afetivas eram realizadas fora da família, em um
meio denso composto de vizinhos, amigos, amos e criados,
crianças e velhos, mulheres e homens.

• As famílias conjugais se diluíam neste meio.

• Uma sociabilidade marcada pela propensão das


comunidades tradicionais aos encontros, às visitas, às
festas.

• A transmissão dos valores e dos conhecimentos, a


socialização da criança, não eram asseguradas e nem
controladas pela família.

• Assim eram as velhas sociedades, muito diferentes das


nossas sociedades industriais.
Da indiferença aos dois sentimentos da infância:

Paparicação: a criança se tornava uma fonte de


distração e de relaxamento para o adulto.

Exasperação: irritação com a atenção dedicada às


crianças e disposição para controlar e disciplinar as
crianças. Conhecer a criança para corrigi-la.

O apego à infância e à sua particularidade mais através


da distração e da brincadeira, mas através do
interesse psicológico e da preocupação moral. P.
162
 Paparicação: surgiu no meio familiar, na
companhia das crianças pequenas.

 Exasperação: surgiu entre os eclesiásticos,


homens da lei e moralistas do séc. XVII,
preocupados com a disciplina e a racionalidade dos
costumes. Esse sentimento passou para a vida
familiar.

 Seria preciso submeter a criança a um regime


especial, uma quarentena antes de deixá-la unir-se
com os adultos. (ESCOLA)
 Ariès explica a importância dada às crianças em
nossas sociedades contemporâneas pelo fato de
que a mortalidade e a fecundidade tenham
diminuído sensivelmente.

 A criança com vida potencial real muito maior


permitiu um outro fenômeno: a nuclearização da
família em torno da criança.
Philippe Ariès não considera a idéia de uma
ruptura com as antigas tradições, mas sim de
uma evolução das mentalidades que estabelece
uma ligação entre mortalidade infantil e a
importância da criança.
 Nada no traje medieval, separava a criança do adulto.

A Idade Média vestia indiferentemente todas as classes


de idade, mantinha visível através da roupa apenas os
degraus da hierarquia social.

 Indiferenciação nos trajes de meninos e meninas.

 Séc. XVIII: diferenciação nos trajes das crianças, reflete


o fortalecimento da consciência da particularidade
infantil.
 Nas sociedades do Antigo Regime ,
monárquicas e rurais, o modelo de roupa das
crianças era o mesmo dos adultos.

 Apenas no século XVIII é que passou a se


considerar que a criança precisaria de um
guarda-roupa específico.

 O traje das crianças era percebido como uma


miniatura do adulto
• Seguramente, a partir do final do século XVII, a escola
substituiu a aprendizagem como meio de educação;

• A criança deixou de ser misturada aos adultos e aprender a


vida diretamente através do contato com eles;

• Apesar das reticências e atrasos constantes, a criança foi


separada dos adultos e mantida a uma distância, numa
espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo;

• Processo de enclausuramento das crianças e ao qual


chamamos de escolarização.
• O desenvolvimento da escola foi conseqüência:

1. Do movimento de moralização dos costumes


promovido pelos reformadores católicos (clero) ou
protestantes ligados à Igreja às leis e ao Estado;

2. Da cumplicidade sentimental das famílias que tornou-


se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges
e entre pais e filhos. Tal afeição se exprimiu pela
importância que se passou a atribuir a educação.

Trata-se de um sentimento inteiramente novo: os pais se


interessavam pelo estudo dos filhos e os
acompanhavam com uma solicitude habitual dos
séculos XIX, XX e XXI.
• A escola teria confinado a infância em um regime
disciplinar cada vez mais rigoroso (internato), privando
a criança da liberdade que ela gozava entre os adultos;

• Esse rigor traduzia um sentimento muito diferente da


antiga indiferença: uma amor obsessivo que dominou a
sociedade a partir do século XVIII;

• Essa revolução escolar e sentimental foi seguida de


uma redução voluntária da natalidade, observável a
partir do século XVIII;

• A conseqüência disso tudo foi a polarização da vida


social no século XIX em torno da família e da profissão
e o desaparecimento da antiga sociabilidade.
• A mistura de idades decorrente da aprendizagem
parece ter sido um dos traços predominantes das
sociedades européias da de meados da Idade
Média até o século XVIII;
• Nestas sociedades tradicionais, a prática da
aprendizagem consistia em crianças vivendo no
meio dos adultos e estes lhes transmitiam o saber-
fazer e o saber-viver;
• Nestas condições, as classificações atuais pela
idade eram embaçadas e não tinham razão de ser.

• As classificações persistiram no que se refere à


vigilância sexual e à organização das festas.
• A dificuldade, quando não a repugnância dos jovens para
passar para a idade adulta, nas sociedades industriais, para
Philippe Ariès, é uma conseqüência do isolamento do
prolongado dos jovens na família e na escola.

• O autor demonstrou como o sentimento da família e a


escolarização intensa da infância e da juventude eram um
mesmo fenômeno, um fenômeno recente, relativamente
datável.
• A família se distinguia mal dentro de um espaço social muito
mais denso e quente. (Ariès, p. 12)
 Para Ariès o fato de que antes da Idade Média
houvessem comunidades rurais e orais, nas quais havia
a existência de uma organização de comunidades em
classes de idade, com ritos de passagem, com a
aprendizagem de funções específicas, não significa que
a idade fosse um critério unívoco.

 O critério de formação das comunidades de jovens,


neste período, assentava-se muito mais em uma
oposição entre solteiros e casados, do que exatamente
na idade. (p. 15)
Modificações na família e nas formas de
sociabilidade.

• São raras as cenas de interior e de família (séc.


XVI).

• Na rua, nos campos, no exterior, em público, no


meio de uma coletividade numerosa – era aí que se
tendia a situar os acontecimentos ou as pessoas que
se pretendia retratar.

• A densidade social não deixava lugar para a família.


Ela podia existir como realidade vivida, mas não
como sentimento ou como valor.
 Nascimento e sentimento de família desde o século
XV até o XVIII.
 É o triunfo do individualismo?
 Mas onde está o individualismo das vidas
modernas, em que toda energia do casal é
orientada para servir os interesses de uma
posteridade deliberadamente reduzida?
 Não haveria mais individualismo na alegre
indiferença dos pais de família do Antigo Regime?

 Não foi o individualismo que triunfou foi a família.


 A família estendeu-se à medida que a sociabilidade se
retraiu.
 “É como se a família moderna tivesse substituído as
antigas relações sociais desaparecidas para permitir
ao homem escapar a uma insustentável solidão
moral.” p. 274
 A partir do século XVIII as pessoas começaram a se
defender contra uma sociedade cujo convívio
constante até então havia sido motivo de educação,
reputação e da fortuna.
 Esse movimento foi mais rápido nas cidades grandes
do que nas pequenas, entre a burguesia do que nas
classes populares.
Relação entre o sentimento de família e o sentimento
de classe:
 Durante séculos os mesmos jogos foram comuns
às diferentes condições sociais.

 No início dos tempos modernos, operou-se uma


seleção entre eles: alguns foram reservados aos
bem nascidos e outros aos pobres e às crianças.

 O mesmo ocorreu com as escolas: a partir do


século XVII as famílias burguesas passam a não
aceitar mais esta mistura.
O sentimento da família, o sentimento de classe e
talvez o sentimento de raça surgem como as
manifestações da mesma intolerância diante da
diversidade, de uma mesma preocupação de
uniformidade.

 “Ahistória dos nossos costumes reduz-se em parte a


esse longo esforço do homem para se separar dos
outros, para se afastar de uma sociedade cuja pressão
não pôde mais ser suportada.” p. 274

 “A vida profissional e a vida familiar abafaram essa


outra atividade que outrora invadia toda a vida: a
atividade das relações sociais.” p. 274.
 Pierre Riché, nascido em Paris em 1921, é um
historiador francês especialista na alta Idade
Média.
 Ele escreveu um livro sobre a infância na Idade
Média, no qual busca demonstrar, em oposição
à Ariès, que a criança ocupava um lugar
essencial tanto na afetividade como na prática
da sociedade cristã.

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