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Curso de Capacitação em Terapia de Casal

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Sumário
1.0 CONCEITO DE CASAL ............................................................................................. 3
2.0 A INFLUÊNCIA DOS TIPOS PSICOLÓGICOS NO RELACIONAMENTO DE
CASAL NA VISÃO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA .............................................................. 6
2.1 Sobre os Tipos Psicológicos ................................................................................ 12
2.2 Tipologia e Relacionamento Amoroso ................................................................ 16
2.3 Tipos de Conflitos na Relação Conjugal ............................................................. 19
3.0 RELACIONAMENTO CONJUGAL E CARACTERÍSTICAS
SOCIODEMOGRÁFICAS DE CASAIS HETEROAFETIVOS .......................................... 22
4.0 CASAIS HOMOAFETIVOS ........................................................................................... 27
5.1 Casamento, uma invenção cristã ............................................................................. 41
5.1.1 Amor subversivo ................................................................................................. 43
5.1.3 Elogio da virgindade ........................................................................................... 48
6.0 DEMANDA E INDICAÇÃO DE TERAPIA DE CASAL ................................................ 50
6.1 Processo de terapia ................................................................................................... 58
7.0 TERAPIA DE CASAL E ABORDAGEM PSICANALITICA ..................................... 70
8.0 TERAPIA DE CASAL – COGNITIVO COMPORTAMENTAL .................................... 77
8.1 Terapia cognitivo-comportamental com casais: uma análise de publicações no
Brasil.................................................................................................................................. 79
8.2 O modelo cognitivo aplicado às relações conjugais ............................................... 82
9.0 TERAPIA DE CASAL E PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL.................................. 96
9.1 A comunicação peculiar dos casais ......................................................................... 98
9.2 As transformações da terapia de casal .................................................................. 104
9.3 Treino de resolução de problemas ......................................................................... 108
9.4 O treino de comunicação na clínica ....................................................................... 110
REFERÊNCIA .................................................................................................................... 115

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1.0 CONCEITO DE CASAL

Um casal é um par (conjunto de 2) de pessoas, animais ou coisas que


mantêm entre si algum relacionamento ou que têm semelhanças em comum.
O termo também é usado para fazer referência a cada um destes pares
relativamente a outros. Por exemplo: “Vejam só este casal de gatinhos tão
queridos!”, “A Fátima e o David fazem um casal muito bonito”.

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O termo tende a estar associado aos laços sentimentais que nutrem duas
pessoas e que as une. O namoro (ou compromisso), o noivado ou ainda o
casamento supõe a existência de um casal. A composição mais habitual dos
casais é homem-mulher (ou seja, casais heterossexuais), embora, hoje em
dia, os casais homem-homem ou mulher-mulher (casais homossexuais)
gozem de um reconhecimento social e jurídico cada vez maior. Convém
destacar que o termo casal prende-se com o vínculo amoroso e não com o
estatuto jurídico da relação: há casais circunstanciais, casais de amigos, de
namorados e outros que chegam a casar-se (casal de cônjuges ou esposos),
etc.: “Eu não conheço aquele casal de lado nenhum…”, “O meu irmão
acabou por vender a sua casa de férias a um casal recém-casado”.

No que diz respeito aos animais, um casal é composto por um macho e


uma fêmea. Estes não estão necessariamente unidos por laços afetivos, mas
tentam conjuntamente fazer as suas tarefas por questões de sobrevivência,
isto é, para se alimentarem (a eles e às respectivas crias), se abrigarem etc.
Os casais de pombos, por exemplo, para além de irem atrás de alimento
(insetos, neste caso), reúnem minuciosa e pacientemente pequenos paus
com vista a fazerem o seu ninho em sítios ao abrigo da chuva.

Há casais que se unem por fins políticos ou econômicos, esses são os


chamados casamentos de conveniência ou “casamentos de fachada”. O casal
que se une por esse meio tem o objetivo de conseguir vantagem social, política
ou econômica, sendo que em quase todas as vezes não existe um vínculo

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sentimental entre as partes envolvidas. E apesar dessa união ser feitas em
alguns países, ela é considerada crime em países como Portugal e Brasil.

Mas, geralmente, quando um casal é formado é porque aquelas duas


pessoas resolveram compartilhar a vida juntos, podendo eles estarem ou não
casados de forma legal. Desde que o homem existe os casais são formados,
sendo que o principal objetivo dessa união era a sobrevivência da espécie.

Pesquisadores descobriram que nessa época havia mulheres, na Europa


Ocidental, que viajam longas distâncias e casavam-se com homens de outros
locais, não se sabe se por vontade própria ou porque queriam. Nesse período,
que é chamado de “idade da pedra”, era comum que as mulheres viajassem por
quilômetros para encontrar locais para fixar família e troca objetos.

Foi na Alemanha também onde se descobriu a existência de casais e família


na época da pré-história, depois que fora, descobertos ossos que pertenciam a

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uma família com um homem, uma mulher e duas crianças. O parentesco deles
foi comprovado por meio de testes de DNA. Segundo pesquisadores, os restos
mortais dessa família remontam 4,6 mil anos.

Casal ainda é um termo usado para se referir a um povoado ou vilarejo,


contudo, esse termo é pouco empregado.

Por fim, chama-se casal agrícola a uma unidade constituída por uma casa
de habitação com dependências para fins de exploração rural e por terrenos
suficientemente amplos para a manutenção de uma família de cultivadores.

2.0 A INFLUÊNCIA DOS TIPOS PSICOLÓGICOS NO RELACIONAMENTO DE


CASAL NA VISÃO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Em “O Banquete”, Platão narra um antigo mito grego sobre a origem do


homem e da mulher. Nele, inicialmente os seres humanos eram andróginos. Por
desafiarem Zeus, estes são divididos ao meio, e assim surgem os gêneros

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humanos. A partir deste momento, cada metade tem o desejo de encontrar a sua
outra metade, a fim de se fundir em um único ser, de se religar, de se reunir em
um só. Cada ser humano busca reencontrar a totalidade primordial e resgatar a
unidade perdida. Essa incansável busca do ser humano foi que nos motivou a
buscar um maior conhecimento e maior compreensão sobre este fenômeno
psicológico.

Na psicologia junguiana, a personalidade é entendida como um todo e é


denominada psique. Para Jung (citado por Hall & Nordby, 1980), a psique possui
uma estrutura, cujos componentes interagem uns com os outros e com o mundo
exterior, e subdivide-se em diversos níveis, dentre os quais se distingue a
consciência e o inconsciente. Segundo Jung (1995), o inconsciente se estrutura
em duas camadas: uma formada pelo inconsciente pessoal e outra pelo
inconsciente coletivo, que seria um inconsciente impessoal ou transpessoal. O
inconsciente pessoal contém percepções dos sentidos que não ultrapassaram o
limiar da consciência por falta de intensidade, além de lembranças perdidas,
reprimidas ou recalcadas, evocações dolorosas, correspondendo àquilo que
Jung chamou de sombra. Por outro lado, o inconsciente coletivo é totalmente
universal, pois contém as imagens primordiais, ou seja, as formas mais antigas
da imaginação humana, imagens humanas universais e originárias, as quais
Jung denominou de arquétipos, e que jazem adormecidas nas camadas mais
profundas do inconsciente.

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Na imaginação de cada ser humano há uma aptidão hereditária de ser como
era nos primórdios. No entanto, Jung (1995, p. 57) alerta para uma diferença
importante: “Isso não quer dizer, em absoluto, que as imaginações sejam
hereditárias; hereditária é apenas a capacidade de ter tais imagens, o que é bem
diferente”. Os arquétipos mais importantes na formação de nossa personalidade
são: a persona, a sombra, anima e animus e o self.

A persona é o arquétipo da conformidade. A palavra persona era usada


originalmente para denominar a máscara utilizada por atores no teatro. Na
psicologia junguiana, o arquétipo da persona dá ao indivíduo a possibilidade de
compor uma personagem que necessariamente não seja ele mesmo. É a
máscara ostentada publicamente para provocar uma impressão favorável à
sociedade, de modo que ela o aceite. Ela nos torna capazes de conviver de
forma amistosa com as pessoas, inclusive com as que nos desagradam. É a
base da vida social e comunitária.

Muitas pessoas levam vidas duplas, uma dominada pela persona e outra que
satisfaz as demais necessidades psíquicas. Entretanto, uma pessoa pode usar
mais de uma máscara, porém, todas as máscaras, em conjunto, constituem a
sua persona.

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Além da persona, um outro arquétipo fundamental é a sombra. Conforme
lembra Henderson (1997), o conceito de sombra ocupa lugar vital na psicologia
analítica. A sombra projetada pela mente consciente do indivíduo contém os
aspectos ocultos, reprimidos e desfavoráveis da personalidade, mas não
representa simplesmente o inverso do ego consciente. “Assim como o ego
contém atitudes desfavoráveis e destrutivas, a sombra possui algumas boas
qualidades – instintos normais e impulsos criadores” (Henderson, 1997, p. 118).

No entendimento de von Franz (1997), a sombra não é o todo da


personalidade inconsciente, pois consiste em aspectos que pertencem
sobretudo à esfera pessoal e que poderiam também ser conscientes. A sombra
contém tendências e impulsos que negamos existir em nós, mas que
conseguimos ver perfeitamente nos outros, como egoísmo, preguiça,
negligência, fantasias irreais, intrigas, tramas, indiferença, covardia, apego ao
dinheiro e aos bens etc. Continua von Franz (1997, p. 168): “Se você se enche
de raiva quando um amigo lhe aponta uma falta, pode estar certo que aí se
encontra uma parte da sua sombra, da qual você não tem consciência”.

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A sombra é o arquétipo que possui a maior quantidade de natureza animal.
Contém os instintos básicos e é fonte de intuições realistas e de respostas
adequadas, importantes para a sobrevivência. É o arquétipo mais poderoso e
potencialmente o mais perigoso de todos.

Em contraposição ao inconsciente, encontra-se a consciência, que, segundo


Jung (1988), é sempre consciência do eu. Nesse sentido, o Eu (ou Ego) é o
sujeito da consciência, sendo ao mesmo tempo condição de consciência.

Na compreensão de Jung (2000), os processos inconscientes funcionam de


forma compensatória em relação à consciência, enfatizando que o consciente e
o inconsciente não se encontram em oposição, pois se complementam
mutuamente formando uma totalidade, à qual denominou de self (si mesmo).
Von Franz (1997) explica que Jung chamou de self o centro organizador de onde
emana esta ação reguladora, descrevendo-o como a totalidade absoluta da

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psique, para diferenciá-lo do ego, que constitui apenas uma pequena parte da
psique. Assim, o self é, a um só tempo, o núcleo e a totalidade da psique e neste
sentido, não podendo ser confundido como sinônimo de inconsciente. Ele pode
ser o inconsciente quando polarizado com o Ego, mas é também o todo por
incluir o Ego. Enquanto o Ego é o sujeito da consciência, o self ou si mesmo é o
sujeito de toda a psique.

No nível pessoal, a consciência é constituída pelos desejos, temores,


esperanças e ambições de caráter pessoal. Os processos inconscientes
constituem-se de motivos pessoais que a consciência desconhece, mas que
afloram nos sonhos ou são significados de situações cotidianas negligenciadas,
de afetos que não nos permitimos e críticas a que nos furtamos.

Por meio do autoconhecimento, tornamo-nos mais conscientes de nós


mesmos, reduzindo assim a camada do inconsciente pessoal que recobre o
inconsciente coletivo, colocando o indivíduo em uma comunhão incondicional,
obrigatória e indissolúvel com o mundo.

Há uma possível meta para cada ser humano, uma destinação, à qual Jung
(2000) denomina caminho da individuação. Podemos traduzir individuação como
tornar-se si mesmo (Verselbstung) ou o realizar-se do si mesmo
(Selbstverwirklichung). Jung (2000) enfatiza, no entanto, que individuação nada
tem a ver com individualismo, uma vez que a individuação significa a realização
melhor e mais completa das qualidades coletivas do ser humano. Esta realização
do self consiste em um processo de desenvolvimento psicológico que faculta a
realização das qualidades individuais dadas, tornando-se o seu único que de fato

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é., no entanto, o ser humano é composto de fatores puramente universais,
sendo, portanto, coletivo e de modo algum oposto à coletividade. O que ocorre
é que os fatores universais sempre se apresentam de forma individual, e por isso
Jung denomina este processo de individuação. Complementando essa ideia,
podemos dizer, conforme Vargas (1981, p. 24), que “todo o indivíduo possui uma
tendência para o desenvolvimento, o que o leva na vida a buscar realizar suas
potencialidades”.

O processo de individuação consiste na harmonização do consciente com o


self, este núcleo psíquico, centro da personalidade. Vargas (1981, p. 26) ressalta
que o “processo de individuação resulta então do interjogo constante entre
consciente e inconsciente sem que um reprima ou possua o outro”.

2.1 Sobre os Tipos Psicológicos

O modelo junguiano de tipologia nasceu de uma ampla revisão histórica,


de um estudo detalhado abordado pela Literatura, Mitologia, Estética, Filosofia e
pela Psicopatologia, e é considerado um dos principais frutos do
desenvolvimento dos estudos sobre o inconsciente. Segundo Staude (1988,
citado por Zacharias, 2006), a obra “Tipos Psicológicos” foi a primeira obra

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fundamental de Jung após o período de rompimento com Freud, da consequente
crise e da análise extensa dos conteúdos inconscientes.

Jung percebeu que as pessoas possuíam diferenças individuais de


personalidade. Essas diferenças típicas resultam em dois tipos psicológicos:
introvertido e extrovertido. A introversão e a extroversão são formas psicológicas
de adaptação. No primeiro caso, o movimento da energia psíquica é direcionado
para o mundo interior e no segundo caso para o mundo exterior. Como postula
Jung (citado por Sharp, 1987):

A introversão costuma ser caracterizada por uma natureza


vacilante, meditativa, reservada, que espontaneamente se mantém
isolada dos outros, recua diante dos objetos e está sempre um
pouco na defensiva. A extroversão, pelo contrário, costuma ser
caracterizada por uma natureza saliente, franca e obsequiosa, que
se adapta com facilidade às situações propostas, estabelece
rapidamente ligações e, pondo de lado qualquer tipo de apreensão,
arrisca-se, com despreocupada confiança, as situações
desconhecidas. (p. 13)

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Por meio de suas observações, Jung identificou quatro fórmulas de
atividades da psique em relação ao mundo, denominando-as de funções da
consciência. Essas funções foram divididas em dois grupos: as funções de
percepção – sensação e intuição – que são as duas maneiras de se receber
informações sobre algo; e as funções de julgamento – sentimento e pensamento
– as duas maneiras de se avaliar algo. Todas estas funções são necessárias,
conforme explica Jung (citado por Sharp, 1987):

Para que haja uma perfeita orientação, as quatro funções


devem contribuir igualmente: o pensamento deve facilitar a
cognição e o julgamento; o sentimento deve nos dizer como e em
que grau uma coisa é ou não importante para nós; a sensação deve
transmitir a realidade concreta através da visão, da audição, do
paladar, etc.; e a intuição deve capacitarmos a pressentir as
possibilidades ocultas, que se encontram em segundo plano, já que
estas também fazem parte do quadro completo de uma
determinada situação (p.15).

Para uma melhor visualização do que expomos até o presente momento,


vejamos um exemplo. No diagrama abaixo, a função principal é o pensamento,
a função auxiliar é a sensação, a intuição é a terceira função e o sentimento
constitui a função inferior.

Nesse exemplo, podemos observar que há uma função superior e uma


inferior, no entanto, isso não implica em um julgamento de valor. A função
superior é aquela que uma pessoa usa com mais frequência e a função inferior
refere-se àquela função utilizada em menor grau pelo indivíduo. A segunda

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função mais utilizada é chamada de função auxiliar, e a natureza desta
(percepção ou julgamento) se difere da função dominante. Por exemplo, quando
a função pensamento for dominante, o sentimento não poderá ser a função
secundária e vice-versa, pois ambos são funções de julgamento.

Nesse exemplo, podemos observar que há uma função superior e uma


inferior, no entanto, isso não implica em um julgamento de valor. A função
superior é aquela que uma pessoa usa com mais frequência e a função inferior
refere-se àquela função utilizada em menor grau pelo indivíduo.

A segunda função mais utilizada é chamada de função auxiliar, e a


natureza desta (percepção ou julgamento) se difere da função dominante. Por
exemplo, quando a função pensamento for dominante, o sentimento não poderá
ser a função secundária e vice-versa, pois ambos são funções de julgamento.

A função menos utilizada é denominada função inferior, que é aquela que


resiste particularmente à integração dentro da consciência, também chamada de
quarta função. Na tipologia de Jung (citado por Sharp, 1987), “A essência da
função inferior é a autonomia: ela é independente, ela ataca, fascina e nos rouba
o controle; dá-nos a impressão de que já não somos donos de nós mesmos, de
que já não podemos mais distinguir nossa pessoa da dos outros” (p. 22).

No modelo acima, a função inferior ou a quarta função possui


invariavelmente a mesma natureza da função dominante. Por exemplo, se a
função do pensamento for a mais desenvolvida, então, a função menos
desenvolvida ou inferior será a do sentimento. Se a sensação que é uma função

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perceptiva for a dominante, então a intuição será a quarta função, e assim por
diante.

2.2 Tipologia e Relacionamento Amoroso

Para compreender o relacionamento amoroso na psicologia junguiana,


dois arquétipos são fundamentais: a anima e o animus. A anima representa o
componente feminino na personalidade do homem e o animus o componente
masculino na personalidade da mulher. Não existe homem algum que seja
exclusivamente masculino nem mulher alguma exclusivamente feminina.
Todavia, o homem geralmente reprime da melhor maneira possível seus traços
femininos, da mesma forma que a mulher considera inconveniente ser máscula
e varonil. Esses traços reprimidos acumulam-se no inconsciente.

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No homem, o receptáculo destas pretensões constitui a imago da mulher,
uma espécie de imagem virtual à qual Jung denominou anima. É a anima que
orienta as escolhas amorosas, pois o homem buscará a mulher que melhor
corresponda à sua feminilidade inconsciente. O mesmo ocorre com a mulher em
relação ao animus. Como expõe Sanford (1997), os homens identificados com
sua masculinidade, tipicamente projetam seu lado feminino sobre as mulheres,
e as mulheres projetam seu lado masculino sobre os homens. A projeção é um
mecanismo psíquico inconsciente que ocorre quando um aspecto vital
desconhecido da nossa personalidade é ativado. Diz: “quando algo é projetado,
vemo-lo fora de nós, como se fizesse parte de outra pessoa e nada tivesse a ver
conosco” (p. 17). A pessoa que carrega a imagem projetada passa a ser
muitíssimo supervalorizada ou muitíssimo desvalorizada, causando-nos atração
ou repulsa, ficando assim obscurecida a imagem real do indivíduo.

Quando o homem e a mulher projetam suas imagens positivas


simultaneamente um sobre o outro, ocorre o estado de fascinação recíproca do
estar apaixonado (Figura 2). Nesse estado, existe um relacionamento a nível

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consciente entre as personalidades do ego do homem e da mulher (setas A).
Existe também, como foi dito, uma forte atração decorrente da projeção da anima
do homem sobre o ego da mulher e a projeção do animus da mulher sobre o ego
do homem (setas B). Contudo, a fonte do magnetismo do estar apaixonado
reside na atração totalmente inconsciente entre anima e animus (setas C), como
se a anima do homem e o animus da mulher estivessem completamente
apaixonados um pelo outro, e é por isso que Sanford (1987) denomina-os de
parceiros invisíveis.

O relacionamento amoroso pode propiciar a polaridade com o


inconsciente mais profundo de cada um, depois que o Ego já está estruturado.
O Ego passa a se relacionar com o arquétipo do animus-anima, que já vinha se
manifestando nos namorinhos de infância e adolescência. É, porém, na fase
adulta que o arquétipo do animusanima é muito ativado, levando o indivíduo à
busca do cônjuge. Dentro do processo de individuação, cada um deve passar
por vivências pelas quais integre este arquétipo .

Para Vargas (1981), na dinâmica arquetípica da escolha do parceiro, a


busca é parcialmente inconsciente, presidida pelos arquétipos do animus e da
anima, onde, frequentemente, são os opostos que se atraem. Um cônjuge tem
na consciência o que o outro tem por se desenvolver, no inconsciente.
Fundamentalmente, a personalidade busca o desenvolvimento da sua outra
metade. Assim, o homem que tenha predomínio de um dos princípios (masculino
ou feminino) tenderá a se sentir atraído por uma mulher com predomínio do
princípio oposto na sua consciência.

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O mesmo fenômeno ocorre em relação à tipologia psicológica. Assim
sendo, aquele que tem o pensamento como função superior consciente tenderá
a sentir-se atraído por uma parceira cuja função principal seja o sentimento, pois
é exatamente esta a sua função menos desenvolvida, ou seja, sua função inferior
inconsciente. Analogamente, o tipo sensação sentir-se-á atraído pelo tipo
intuitivo e o tipo extrovertido tenderá a sentir-se atraído pelo tipo introvertido.

2.3 Tipos de Conflitos na Relação Conjugal

Devido à nossa cultura patriarcal, o homem torna-se depositário do


princípio masculino, sendo identificado com ele, e a mulher identificasse e torna-
se depositária do princípio feminino. Essa deposição exagerada do princípio
masculino no homem e feminino na mulher gera muitos distúrbios e conflitos na
relação conjugal. Assim, a mulher sente-se na obrigação de agradar, de atrair,
de fazer com que o homem se apaixone por ela, enquanto o homem sente-se na
obrigação de conquistar, de buscar, de possuir. Se o homem propõe que a
mulher escolha o que vão fazer ou espera que ela tenha iniciativa, ela pode senti-
lo como “desinteressado”. Por outro lado, a mulher que toma iniciativas e faz

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propostas pode ser vista como mandona e sentida como uma ameaça, pois pode
almejar o poder sobre o homem e sufocá-lo.

Não existe relacionamento conjugal sem conflitos. Alguns casais passam


por mais conflitos, outros menos, mas toda relação conjugal passa por conflitos
e crises. Para Jung (citado por Vargas, 1981), entretanto, o critério para um
relacionamento saudável não é a quantidade de conflitos e sim o
desenvolvimento da individuação, ou seja, o importante é saber se a vivência
conjugal está propiciando ou não a individuação dos parceiros.

O casamento representa, na nossa cultura, uma das situações mais ricas


para a vivência das polaridades e, portanto, para o desenvolvimento da
polaridade de cada um dos cônjuges. Entretanto, a união dos opostos pode ser
criativa ou patológica. Na união criativa, a relação entre os opostos tipológicos
dá-se em uma vivência dialética criativa, onde, segundo Vargas (1981), “Um
ajuda o outro a desenvolver-se naquilo que tem de menos desenvolvido, ou seja,
na sua função inferior, o que implica na diminuição do predomínio tão grande da
superior. Cada um integra ao seu consciente aspectos negados, rejeitados ou
não desenvolvidos e com isto o Ego e a personalidade com um todo crescem e
se desenvolvem em busca de sua individuação” (p. 31).

Podemos observar que enquanto o relacionamento estiver na fase da


paixão, sempre teremos uma situação de simbiose entre os cônjuges. Essa
simbiose poderá evoluir de maneira criativa e integradora, ou então tornar-se

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uma união completamente patológica, constituindo uma simbiose conflitiva.
Conforme Byington (citado por Vargas, 1981), a simbiose conflitiva pode
apresentar-se de duas formas: simbiose conflitiva criativa e simbiose conflitiva
dissociativa.

A simbiose conflitiva criativa caracteriza-se pela união das funções


tipológicas e das características latentes criativas complementares. Essa relação
é simbiótica porque o marido delega à esposa e ela desempenha a sua função
inferior, enquanto a esposa, por sua vez, delega ao marido e ele desempenha a
função inferior dela. Cada cônjuge cobre as deficiências do outro, podendo gerar
até uma unidade aparentemente feliz de bem-estar, mas não constitui uma união
criativa e integradora porque não propicia a individuação dos parceiros. Essa
relação é conflitiva porque, embora seja confortável delegar ao outro as funções
que não desempenha tão bem, a pessoa sente-se frustrada por seu cônjuge na
medida em que este, ao desempenhar estas funções de maneira tão mais
espontânea e fácil, inibe suas possibilidades de desenvolvê-las por si mesmo.
Entretanto, essa simbiose conflitiva é classificada como criativa porque um
cônjuge vivencia no outro o seu potencial criativo, aquilo que ele tem por se
desenvolver.

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Muito diferente é a simbiose conflitiva dissociativa. Nessa relação, um
cônjuge vivencia no outro suas partes inaceitáveis e sombrias. Assim sendo, a
simbiose conflitiva dissociativa caracteriza-se pela mútua projeção das sombras,
onde cada cônjuge dissocia-se de seus conteúdos inconscientes, inclusive de
suas funções inferiores, projetando-os no seu parceiro que é então atacado de
maneira terrível e destruidora. Essa relação constitui uma união patológica, onde
“o objetivo de minha paixão tem características que eu abomino e rejeito, mas é
justamente por aquela ‘porcaria’ que eu me apaixono” (Vargas, 1981, p. 121). A
ligação é mórbida, repetitiva e compulsiva, sem nenhuma criatividade, em total
e mútua dependência. O casal passa a vida toda se agredindo, se destruindo,
mas não se separa. “Cada cônjuge funcionará como tela das projeções de tudo
que está inconsciente e dissociado do outro e, portanto, de todo o lado mais
sombrio de cada um” (Vargas, 1981, p. 32).

3.0 RELACIONAMENTO CONJUGAL E CARACTERÍSTICAS


SOCIODEMOGRÁFICAS DE CASAIS HETEROAFETIVOS

Uma das tarefas mais difíceis e complexas do ciclo de vida familiar é


tornar-se casal (Carter & McGoldrick, 1995; Heckler & Mosmann, 2014; Rolim &
Wendling, 2013). O processo de formação da conjugalidade compreende
diferentes contextos e níveis da relação, o que deriva na acepção psicossocial
de um relacionamento afetivo estável (Féres-Carneiro & Diniz Neto, 2010). O
casamento, definido como um modelo adulto de intimidade (Bolze, Crepaldi,
Schmidt, & Vieira, 2013; Whitaker, 1995), exige que duas pessoas que possuem
vidas pregressas distintas, encontrem-se e renegociem uma série de questões
já anteriormente definidas para si de modo individual, ou por suas famílias de

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origem, envolvendo, por exemplo, como e quando comer, trabalhar, dormir,
recrear-se, conversar, discutir e fazer sexo (Carter & McGoldrick, 1995; Schmidt,
2012). Tais reordenamentos nas vivências individuais ocorrem no sentido de
buscar construir uma história de vida compartilhada e uma identidade conjugal
(Féres-Carneiro & Diniz Neto, 2010). Além dessas questões, são definidas ainda
as relações com as famílias de origem, amizades e vida social. De tal forma, o
casamento não se restringe exclusivamente aos vínculos interpessoais
estabelecidos por duas pessoas – ele diz respeito ainda a um contexto
ecossistêmico mais amplo, no qual o casal está inserido e interage (Willi, 1995).

O contexto de inserção dos cônjuges tem uma importante repercussão no


modo de organização do casal e da família (Vieira, Lacerda, Vieira, & Seidl-de-
Moura, 2011). Assim, ressalta-se que a maneira de pensar o casamento e a vida
familiar sofreu importantes modificações a partir das transformações
socioeconômicas e culturais desencadeadas em meados do século XX,
notadamente após a II Guerra Mundial (Coutinho & Menandro, 2010). Dentre os
fatores que se associam às novas demandas e à redefinição do casamento
contemporaneamente, destacam-se: maior liberdade sexual, emancipação da
mulher, duplo ingresso dos cônjuges no mercado de trabalho, possibilidade de
separação conjugal ou de divórcio e, adicionalmente, características
individualistas cada vez mais fortes em nossa cultura (Heckler & Mosmann,
2014).

Dado o processo de transformação pelo qual o casamento vem passando


nas últimas décadas, discute-se que os laços conjugais contemporâneos

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necessitam compreender um espaço em que as forças da conjugalidade e da
individualidade de cada membro da díade coexistam e interajam (Féres-
Carneiro, 1998; Féres-Carneiro & Diniz Neto, 2010; Scorsolini-Comin & Santos,
2011a). Assim, as relações conjugais se constituem a partir de identidades
particulares de cada cônjuge e se mantêm à medida que contribuem para a
promoção de crescimento pessoal (Féres-Carneiro, Ponciano, & Magalhães,
2007). Desse modo, além de almejarem casar-se e/ou recasar (Zordan, Wagner,
& Mosmann, 2012), as pessoas estão também motivadas a constituir uma
relação conjugal de qualidade, mutuamente satisfatória para ambos os cônjuges
(Perlin, 2006).

A satisfação conjugal se refere a um fenômeno complexo, que pode ser


definido como a avaliação pessoal de cada um dos cônjuges sobre a qualidade
do relacionamento de casal (Narciso & Ribeiro, 2009). A capacidade dos
membros da díade de se ajustar à vida conjugal em um dado momento é o que
define a qualidade conjugal (Askari, Noah, Hassan, & Baba, 2012). Dentre os
elementos que podem ser levados em conta no processo de avaliação subjetiva
da qualidade do relacionamento de casal, constam frequência e intensidade de
manifestações comportamentais de reciprocidade negativa, evitação e harmonia
conjugal (Bolze et al., 2013).

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Casais que se consideram infelizes parecem ser mais negativos
emocionalmente, bem como mais propensos a serem reciprocamente negativos
nas interações diádicas em comparação a casais que se consideram felizes
(Féres-Carneiro & Diniz Neto, 2010). Essas diferenças são constatadas inclusive
em situações de conflito conjugal, em que casais infelizes tendem a demonstrar
menos afeto positivo, concordância e aprovação, além de mais críticas ao
cônjuge do que casais felizes (Madhyastha, Hamaker, & Gottman, 2011).
Ademais, a evitação se refere à esquiva de conversas que exijam a exposição
de sentimentos e, eventualmente, de fraquezas pessoais, com o intuito de que
os problemas se resolvam ao longo do tempo (Bolze et al., 2013; Schmidt, 2012).
Os comportamentos evitativos são considerados disfuncionais, associando-se
ao maior risco de insatisfação conjugal, pois os descontentamentos com a
relação de casal são menos manifestados, mas não menos sentidos (Colossi &
Falcke, 2013).

A harmonia conjugal, por sua vez, pode ser definida por um sentimento
de empatia, o qual favorece que cada um dos membros do casal perceba-se
acolhido, validado em seus sentimentos e respeitado na relação com o parceiro
(Oliveira, Falcone, & Ribas, 2009). Desse modo, um casal pode ser considerado
harmônico se esse se percebe como feliz e ajustado, além de demonstrar um
alto nível de concordância nos vários âmbitos que concernem sua vida em
comum (Silvares & Souza, 2008). Além disso, a expressão do afeto nas
discussões e na ocorrência de discordâncias de ideias, com expressão de
preocupação, cuidado e respeito mútuo, parece ser uma forma mais positiva de
lidar com os conflitos (Bolze et al., 2013).

25
Posto isso, adiciona-se que múltiplos fatores se associam ao processo da
percepção da satisfação e da qualidade na conjugalidade, dentre os quais estão
experiências que cada cônjuge traz de suas famílias de origem (Wagner &
Falcke, 2001), características de personalidade dos membros de casal, forma
como eles constroem a relação amorosa, além de variáveis sociodemográficas,
como sexo, grau de escolaridade, nível cultural, nível socioeconômico, trabalho
remunerado, número e presença de filhos em casa (Norgren, Souza, Kaslow,
Hammerschmidt, & Sharlin, 2004; Scorsolini-Comin & Santos, 2011b).

O baixo nível socioeconômico, especificamente, vincula-se ao aumento


da hostilidade entre o casal (Dakin & Wampler, 2008), bem como à ocorrência e
à severidade dos casos de interações conjugais conflituosas. Nesse sentido, é
importante destacar que interações conflitivas estão presentes em todas as
relações interpessoais, incluindo as conjugais (Schmidt, 2012). Entretanto,
hipotetiza-se que a vulnerabilidade socioeconômica pode se constituir em um
fator de risco ao desenvolvimento de famílias e de casais, podendo
eventualmente fragilizá-los.

26
Desse modo, em face dos indicativos de que o contexto influencia as
interações dos membros da família, destacando-se dentre elas as interações dos
cônjuges, o estudo das relações entre conjugalidade e variáveis
sociodemográficas apresenta relevância. Isso ocorre, em primeiro lugar, à
medida que contribui para o processo de produção de conhecimentos úteis à
elaboração de estratégias de intervenção junto a casais, sopesando que a
qualidade da relação conjugal se constitui em fator de proteção ao
desenvolvimento individual e familiar: pessoas que estabelecem interações
conjugais satisfatórias são mais longevas, fisicamente saudáveis e
desempenham mais adequadamente suas funções parentais (Rauer, Karney, &
Gavan, 2008). Em segundo lugar, traz maior visibilidade ao fenômeno,
permitindo ampliar os conhecimentos referentes ao modo como essas relações
influenciam as trajetórias desenvolvimentais de indivíduos, casais e famílias. Em
terceiro lugar, dadas as particularidades do casamento contemporâneo, as quais
o tornam diferente do modelo tradicional e impactam a dinâmica da relação de
casal, evidencia-se a necessidade de novos estudos sobre a temática, sobretudo
considerando especificidades do contexto brasileiro (Heckler & Mosmann, 2014),
vez que os delineamentos das uniões conjugais vêm se transformando ao longo
dos anos (Scorsolini-Comin & Santos, 2011b).

4.0 CASAIS HOMOAFETIVOS

27
O interesse pela homossexualidade e pelas relações homoafetivas 1 vem
aumentando significativamente no decorrer dos últimos anos. Em 2003, quando
escrevi o artigo Terapia de casais do mesmo sexo, publicado no livro Laços
Amorosos (2004), este era um tema pouco abordado na literatura sobre casal e
família; encontrava-se pouco material sobre a homossexualidade e,
especialmente, sobre o relacionamento entre dois homens ou duas mulheres e
a prática terapêutica com casais e famílias homoafetivas.

Ao longo do tempo a homoafetividade foi se tornando cada vez mais


visível na sociedade, e mais aceita entre profissionais. No último Congresso
Brasileiro de Terapia Familiar (Gramado - agosto/2008) foram apresentados 08
trabalhos tendo como tema a homoafetividade, com grande
participação/interatividade do público presente. A discussão que se seguiu a

28
cada apresentação mostrou, por um lado, um grande interesse e envolvimento
dos terapeutas com a questão da homossexualidade, mas, por outro, ainda um
grande desconhecimento sobre esse mundo "tão diferente".

Diversos estudos antropológicos mostram que a homossexualidade


existiu desde os primórdios da humanidade, em diferentes culturas, sendo
considerada em muitas sociedades uma forma normal de vínculo amoroso. Em
um tempo mais recente, a partir da segunda metade do século XIX, o
homoerotismo foi condenado por razões variadas, sendo considerado crime,
depois doença, desvio da norma, perversão sexual...

Em 1948, com a divulgação do Relatório Kinsey, uma extensa pesquisa


sobre a sexualidade de homens e mulheres, realizada nos Estados Unidos, foi
constatado um universo de aproximadamente 10% da população com alguma
experiência homossexual. 25 anos mais tarde, em 1973, a Associação
Americana de Psiquiatria retirou o "Homossexualismo" da sua lista de distúrbios
psiquiátricos; entretanto, apenas em 1995 a OMS – Organização Mundial da
Saúde - deixou de considerar a homossexualidade uma doença 3. Abriram-se
então as portas para o indivíduo que tem relações afetivas e sexuais com um
outro do mesmo sexo passar a ser visto apenas como alguém com uma
orientação sexual diferente da maioria, o que vem acontecendo muito
lentamente.

29
Roudinesco (2003) afirma que as famílias homoafetivas estão se tornando
aceitas socialmente, pois os seus membros puseram-se a lutar por seus direitos
em vários países. Os casais homoafetivos, nesse momento, redefinem em certos
aspectos, os padrões de conjugalidade e parentalidade. Os padrões
tradicionalmente conhecidos pela nossa sociedade estão sendo rompidos, as
mudanças sociais e jurídicas passam a abrir espaço para a composição da
conjugalidade homoafetiva (Melllo, 2005).

Para Defendi (2010), a conjugalidade entre as pessoas do mesmo sexo


vem recebendo destaque e, principalmente, trazendo à tona a discussão de que
o direito de viver uma relação amorosa extrapola a orientação sexual, colocando
em pauta, nas pesquisas e estudos, o surgimento de novos núcleos familiares.
Assim, apesar dos integrantes das famílias possuírem diferentes expectativas e
formas de se relacionar, pode-se compreender parte de suas possíveis
demandas com os estudos sobre o ciclo vital familiar, que se constitui em um
conjunto de etapas ou fases definidas sobre critérios (idade dos pais, dos filhos,
tempo de união de um casal, entre outros) pelos quais as famílias passam, desde
o início da sua constituição, em uma geração, até a morte do, ou dos indivíduos
que a iniciaram (Cerveny, 2000).

5.0 A HISTÓRIA DO CASAMENTO

30
Na Idade Antiga (dos tempos mais remotos até a destruição do Império
Romano do Ocidente, em 476 a.C.), o culto religioso não era público, mas
professado no interior das casas em torno do fogo sagrado (lar). Não havia
regras comuns nesses rituais, e cada família acreditava em vários deuses. A
mulher passava do culto da família de origem, ou seja, do pai, para o culto da
família do marido, ou seja, para o marido. Provavelmente, é essa a origem do
acréscimo do nome da família do marido ao nome da mulher. A primeira
instituição estabelecida por essa “religião doméstica” foi o casamento, que teve,
por isso, um caráter religioso desde os primórdios da civilização.

31
Do ponto de vista prático, o casamento se assentava em um acordo formal
entre o noivo e o pai da noiva, que incluía o pagamento de um dote por parte do
pai. Esta forma de união conjugal não levava em consideração a vontade da
noiva nem dependia do seu consentimento para ser celebrada. Em outras
palavras, a mulher era dada pelo pai para o marido, representando,
consequentemente, uma simples transferência de casa e, sem dúvida, de
senhor.

A cerimônia dessa doação consistia em um cortejo noturno,


acompanhado por parentes e amigos, que ia de uma casa a outra, a pé ou em
carros puxados por cavalos. As pinturas da época procuram representar esse
cerimonial por uma porta de saída em que a noiva era entregue e uma porta de
chegada em que ela era recebida, como se tudo se passasse, como se diz, “de
porta a porta”. O cortejo nupcial garantia a publicidade do casamento
(representado, atualmente, pelos proclamas), e os participantes constituíam as
suas testemunhas. Como agora, a noiva recebia dos pais o enxoval e dos
parentes e amigos os presentes, como flores e objetos decorativos Nos
fundamentos da Igreja, foram instituídos apenas seis sacramentos, aos quais,
na Idade Média (que compreende o período que vai do final da Idade Antiga até
a conquista de Constantinopla pelos muçulmanos, em 1453), foi incluído, não
sem resistência, o casamento, a partir do Concílio de Florença, realizado em
1439, quando então o papa Eugênio IV conseguiu impor sua autoridade. Sob a
égide da Igreja, o casamento tornou-se indissolúvel, porque “o que Deus une, o
homem não separa”, e a poligamia e o concubinato foram proscritos.

A infidelidade tornou-se pecado. No entanto, mesmo tendo-se tornado


abençoado por Deus, o casamento preservava uma certa mácula, devido ao seu
caráter sexual, engendrado pelo pecado original. Por isso, devia ser estabelecido
32
em condições de pureza muito estritas, precavendo-se do incesto, mediante a
proibição do casamento entre parentes por afinidade e consanguíneos, até ao
sétimo grau.

O modelo conjugal cristão instituiu a liberdade e a igualdade no


consentimento, mas não concedeu espaço para o desejo. O conceito de casal
foi sobreposto pelo de família, estabelecendo que a relação sexual no
casamento, única permitida, não podia visar ao prazer, mas apenas à procriação.
A Igreja também subtraiu o direito ao erro e à mudança pela indissolubilidade do
casamento. Evidentemente, essa evolução quanto ao consentimento levou
alguns séculos para aplacar – e ainda não aplacou em diversas culturas – a
influência dos pais. Manteve-se dominante a indissolubilidade do casamento,
instituída para refletir a imagem de pureza da união de José com Maria e evitar
a manipulação dos interesses econômicos, tão comum naquela época. A
dominação da mulher, apesar de tudo, não diminuiu significativamente. Mesmo
no final da Idade Média, a frase “sede submissos uns aos outros no temor de
Cristo, as mulheres aos homens como ao Senhor”, extraída do Novo
Testamento, na prática, ainda vigorava

A importância do amor no relacionamento conjugal durante a Idade Média


era extremamente reduzida; a validade do sacramento do matrimônio residia na
fidelidade e filhos em comum. O amor entre os cônjuges era considerado mais
como resultado de uma vida em comum do que como base de um
relacionamento conjugal, ou seja, a regra era “primeiro casa e depois ama”, o
oposto do que começou a predominar no limiar do ano 2000: “primeira ama e
depois casa”. Para S. Jerônimo, amar-se ardentemente no casamento equivalia
a um adultério. Era menos pecaminoso obter prazer sexual com uma prostituta

33
do que com a própria mulher. O sentido original do ato do casamento era a
formação de um casal, mas a Igreja o equiparou à formação de uma família, a
qual deveria amar a Deus sobre todas as coisas.

Do período que foi da Renascença até a Idade Moderna, as mulheres


começaram a casar com um pouco mais de idade. Na França, por exemplo,
passou de 22 para 26 anos durante o período compreendido entre o começo do
século XVII e a Revolução Francesa. No entanto, nos países de economia mais
estável, como a Inglaterra e a Holanda, a idade média era mais baixa. As
mulheres da aristocracia e da classe média se casavam menos do que as da
classe operária, e isso se devia à questão dos dotes, cada vez mais elevados.
Em famílias cuja prole era muito grande, ocorria de haver condições econômicas
para casar apenas uma ou duas filhas, enquanto as demais permaneciam
solteiras. Consta que, no século XVIII, mais de um terço das filhas da aristocracia
escocesa ficava sem casar-se. De maneira geral, as mulheres não contraíam
matrimônio com homens de posição inferior à sua. Os aspectos sociais e
econômicos predominavam na escolha do cônjuge e só em alguns casos o amor
se sobrepunha a esses imperativos.

34
Enquanto a ética sexual da Idade Média se baseou na recusa do prazer e
na obrigação da procriação no contexto do relacionamento conjugal, a partir de
1500, por dois séculos, houve uma promoção radical da castidade e do
puritanismo em todas áreas da vida cotidiana, com fechamento dos bordéis e a
proibição de todas as formas de exposição do corpo, até mesmo nos balneários.
O pudor se tornou um símbolo de distinção social e moral, principalmente, na
classe média. Estado, Igreja e médicos da época apossaram-se do corpo e da
sexualidade, condenando o erotismo e restringindo o relacionamento sexual a
uma finalidade exclusivamente conjugal e reprodutiva. A partir do Concílio de
Trento (1563), a Igreja Católica empreendeu uma guerra sistemática a todas
formas de relações sexuais fora do casamento.

A paixão sensual passou a ser censurada mais radicalmente, até mesmo


dentro do casamento, pelo fato de enfraquecer o amor a Deus. O ato sexual,
para que não se constituísse em um pecado mortal, deveria realizar-se,
exclusivamente, em razão da reprodução. Além disso, difundiu-se a ideia de que
o calor do excesso amoroso poderia gerar crianças com doenças e enfraquecer
a descendência. Como consequência dessas restrições e do aumento da idade
em que homens e mulheres passaram a se casar, houve um incremento da
masturbação. No entanto, aos poucos, foi crescendo o que os ingleses
chamavam de bundling, e os franceses, de albergement, que consistia em uma
forma autorizada e controlada pelos pais de experiências amorosas pré-nupciais,
nas quais a virgindade era respeitada. O resultado dessa prática foi a valorização
do afeto e do erotismo como base do relacionamento conjugal, assim como o

35
aumento das práticas sexuais antes do casamento, observadas no início do
século XVIII.

Na área rural da França, cerca de 50% dos casamentos duravam menos


de 15 anos e, mais de um terço, menos de 10 anos, por causa da morte de um
dos cônjuges: as mulheres, em maior número, principalmente pelas
complicações relacionadas à gravidez, parto e puerpério, e os homens pelas
guerras e acidentes de trabalho. Os viúvos, homens e mulheres, antes dos 30
anos costumavam voltar a casar na mesma proporção, mas, após os 40, o
número de mulheres diminuía muito, além de levar mais tempo do que os
homens até alcançar um segundo casamento. Os homens tendiam a contrair
segundas núpcias com mulheres mais jovens do que a do casamento anterior, e
as mulheres, com homens mais velhos do que o primeiro marido.

No entanto, o segundo, terceiro ou quarto casamento não era bem-visto,


nem pelas autoridades eclesiásticas, nem pela comunidade. A Igreja se opunha
por causa da ressurreição – aqueles que se tivessem casado mais de uma vez
ressuscitariam polígamos –, e as pessoas, de maneira geral, pela dificuldade até
hoje observada de aceitar algo que não obedeça à tradição. A reação a esta
desobediência se encontrava representada por uma manifestação popular,
denominada na Itália de mattinata: desfiles barulhentos, organizados para
perturbar os casais que não se haviam casado dentro dos padrões socialmente
estabelecidos. Entre esses desvios encontravam-se casar grávida, casar-se com
pessoa cuja conduta era moralmente atacada, casar-se sem realizar a tradicional
festa de casamento e casamentos com diferenças significativas de fortuna e,
principalmente, de idade entre o marido e a mulher. A paz nupcial era
reconquistada com o pagamento de um tributo, representado por dinheiro,

36
comida e bebida oferecidos ao grupo responsável pela arruaça. Apoiadas pelas
autoridades civis e religiosas, ao longo dos séculos XIV, XV e XVI, aos poucos,
essas manifestações foram sofrendo um processo de policiamento, mas
permaneceram de forma mais moderada em algumas comunidades até quase o
século XX.

De acordo com os historiadores, o século XVIII representa o início do


florescer do casamento igualitário, baseado no afeto mútuo e na compatibilidade
sexual. Na verdade, somente a partir deste momento é que surgiu na história o
tão decantado, em nossos dias, “casamento por amor”, reunindo liberdade de
escolha, ternura, amizade e prazer sexual. A revolução industrial e o capitalismo
no século XVIII, ao aceitar a mulher no mercado de trabalho, paradoxalmente,
contribuiu para que ela deixasse de ser propriedade privada familiar e passasse
da posição exclusiva de reprodutora para se tornar também produtora, dando um
importante passo para sua libertação. No entanto, o século XIX, que assistiu a
esse avanço, é o mesmo que serviu de palco ao moralismo vitoriano, convidando
homens e mulheres a refrearem sua sexualidade e impondo uma nova prática
das relações sexuais. Simultaneamente com este movimento, houve um
incremento do relacionamento idealizado entre pais e filhas e mães e filhos, não
surpreendendo que Freud tenha descoberto o complexo de Édipo justamente no
final do século XIX.

Contudo, ao colocar o sexo e a sexualidade no centro de um sistema de


pensamento, a Psicanálise influenciou a grande mudança de comportamento
que se verificou no século XX. A relação conjugal e a família progressivamente
se diferenciarão ao longo deste período, criando a consciência de que a família

37
é indestrutível, mas o casamento nem sempre. Tornou-se claro que a biologia e
a hereditariedade ligam para sempre pais, filhos e irmãos, mas não marido e
mulher. A cultura do século XX, enriquecida pelos conhecimentos psicanalíticos,
a profissionalização da mulher, os métodos anticoncepcionais e a liberação do
divórcio afastaram o casamento da influência familiar, da religião e do Estado,
assumindo mais verdadeiramente sua condição de relacionamento amoroso de
conotação sexual. Na Suécia, por exemplo, um estudo realizado em 1985 entre
indivíduos com menos de 30 anos revelou que os casais não casados se
encontravam em maior número do que os casados. Na França, no final dos anos
de 1980, metade das mulheres com menos de 30 anos que viviam com um
companheiro não eram casadas.

Ao mesmo tempo, o número de separações cresceu rapidamente ao


longo do século XX. Nos Estados Unidos, daqueles que se casaram, em 1920,
cerca de 18% se divorciaram; para os casados, em 1950, 30%. Em 1970, havia
50% de chance de os casais se separarem e, para os que se casaram, depois
de 1980, mais de 60%. Nos últimos 20 anos, o número de divórcios triplicou
neste país. No Brasil, de acordo com o levantamento realizado pelo IBGE, o
número de divórcios cresceu 43% entre 1989 e 1994. Considerando os últimos
10 anos, o número quase dobrou, somando cerca de 200 mil por ano. No mesmo
período, o número de casamentos diminuiu quase 30%. Atualmente, o número
de famílias refeitas após o divórcio atinge, no Brasil, a cifra de 14 milhões,
representando 35 contra 65% de famílias nucleares, constituídas de pai, mãe e

38
filhos de um primeiro casamento. Conforme os profissionais da área, o número
de casamentos desfeitos segue crescendo, e esta relação tende a se inverter no
Brasil nos próximos 20 anos e na Inglaterra nos próximos 10. Essa constatação
é responsável pelo engano que se comete em acreditar que os casamentos de
hoje são piores do que os do passado. O que ocorre é que o relacionamento
conjugal se tornou mais transparente e, consequentemente, mais exposto às
mudanças. Homens e mulheres não aceitam mais jogar fora suas vidas em uma
relação que se tornou sem prazer ou que empobreceu do ponto de vista afetivo.
Essa possibilidade era tão ou mais frequente no passado do que agora, mas
uma rígida moral cristã escondia o sofrimento dos esposos, dando a impressão
de que as relações eram mais consistentes. Contrastando com essa atitude, uma
estatística americana realizada em 1991 revelou que 86% dos homens e 91%
das mulheres não responderiam “sim” à pergunta que, tradicionalmente, fazem
os padres e os juízes de paz na cerimônia de casamento se realmente achassem
que não amavam a pessoa com quem estavam se casando.

A verdade é que a maioria das pessoas esclarecidas se convenceu da


existência de apenas uma vida, esforçando-se para torná-la mais feliz. O
casamento deixou de ser representado por um ritual, originário da antiga religião
doméstica, para se tornar símbolo de união estável, conforme foi estabelecido,
recentemente, pela lei brasileira que, juntamente com este passo para frente no
que diz respeito ao reconhecimento de novas formas de relacionamento
conjugal, deu dois para trás em relação à questão do patrimônio. A importância
concedida ao amor, à individualidade, à independência emocional e econômica
e, principalmente, ao prazer sexual em um mundo agitado e transformado em
aldeia global, evidentemente, expuseram o casamento a uma gama bem maior
de exigências, gerando uma inversão, pelo menos curiosa: antes, o desejo era
reprimido e o preconceito consciente, enquanto hoje acontece o contrário, as
pessoas não têm dificuldade em revelar seus desejos e escondem seus
preconceitos.

39
Os desejos e escondem seus preconceitos. No início do século XXI,
finalmente, o casamento parece ter atingido sua maturidade, passando a
representar verdadeiramente um ato de vontade, regido por necessidades e
anseios de prazer e realização, definidos livremente pelo casal. Seu espaço se
ampliou quando comparado com o “lar” da Idade Antiga, podendo o casal habitar
a mesma casa, a mesma cidade ou casas e cidades distintas. O mesmo
acontece em relação a filhos: poderá decidir tê-los ou não. Os filhos participam
da configuração da família quando marido e mulher, também, tornam-se pai e
mãe. A separação diz respeito, exclusivamente, ao casamento, não aos filhos
que, mesmo após este evento, seguem pertencendo à família que lhes deu
origem e, na maioria das vezes, ampliam sua vida afetiva nas novas uniões dos
pais. Grande parte do sofrimento determinado por uma separação decorre mais
das dificuldades de relacionamento do casal, dos sentimentos de culpa e da
utilização dos filhos para ferir um ao outro do que da separação em si.

O casamento no segundo milênio encaminha-se para ser mais uma


incerteza que é estimulante e criativa do que uma certeza que entedia; na melhor
das hipóteses, uma promessa sempre presente, estimulada pela sexualidade, o
fogo original e primordial que, nas palavras de Octavio Paz, “levanta a chama
vermelha do erotismo e esta, por sua vez, sustenta outra chama, azul e trêmula:
a do amor”. Aproveitando o título de um livro de Joyce McDougall, diria que o
novo século agirá “em defesa de uma certa anormalidade” no casamento,
deixando para trás um modelo idealizado de união conjugal, que mais dificulta

40
os relacionamentos do que ajuda, pois se fundamenta na submissão e na
ocultação dos sentimentos, levando o ódio a se sobrepor ao amor. É fundamental
que não se perca de vista o que em versos nos esclarece o poeta com o
conhecimento que tem da alma humana: não é o amor que sustenta o erotismo,
mas o erotismo que sustenta o amor. Sempre nos disseram o contrário, e mudar
esta forma de pensar corresponde a um resgate da verdadeira essência do
casamento.

5.1 Casamento, uma invenção cristã

A união indissolúvel, celebrada por um sacramento, substituiu antigos


costumes de poligamia, provocando grande mudança nos hábitos europeus. Em
392, o cristianismo foi proclamado religião oficial. Entre 965 e 1008 eram
batizados os reis da Dinamarca, Polônia, Hungria, Rússia, Noruega e Suécia.

Casamento de Felipe da Macedônia com Olimpia. Miniatura do séc. XV

Desses dois fatos resultou o formato do casamento, em princípios do ano 1000,


com uma face totalmente nova. Durante o Sacro Império Romano Germânico -
que sucedeu ao desaparecido Império Romano -, dirigido por Oto III de 998 a
1002, houve uma fabulosa transformação das sociedades urbanas romanas e
das sociedades rurais germânicas e eslavas. As uniões entre homens e

41
mulheres eram, então, o resultado complexo de renitências pagãs, de interesses
políticos e de uma poderosa evangelização.
"Amor: desejo que tudo tenta monopolizar; caridade: terna unidade; ódio:
desprezo pelas vaidades deste mundo." Esse breve exercício escolar, escrito no
dorso de um manuscrito do início do século XI, exprime bem o conflito entre as
concepções pagã e cristã do casamento. Para os pagãos, fossem eles
germânicos, eslavos ou ainda mais recentemente vikings instalados na
Normandia desde 911, o amor era visto como subversivo, como destruidor da
sociedade. Para os cristãos, como o bispo e escritor Jonas de Orléans, o termo
caridade exprimia, com o qualificativo "conjugal", um amor privilegiado e de
ternura no interior da célula conjugal. Esse otimismo aparecia em determinados
decretos pontificais, por meio de termos como afeto marital (maritalis affectio) ou
amor conjugal (dilectio conjugalis). Evidentemente, o ideal cristão era abrir mão
dos bens deste mundo desprezando-os, o que constituía um convite ao celibato
convencional.

A Europa pagã, mal batizada no ano 1000, apresentava portanto uma


concepção do casamento totalmente contrária à dos cristãos. O exemplo da
Normandia é ainda mais revelador, por ser muito semelhante ao da Suécia ou
da Boêmia. Os vikings praticavam um casamento poligâmico, com uma esposa
de primeiro escalão que tinha todos os direitos, e com esposas ou concubinas
de segundo escalão, cujos filhos não tinham nenhum direito, a menos que a
oficial fosse estéril, ou tivesse sido repudiada. As cerimônias de noivado
organizavam a transmissão de bens, mas não havia casamento verdadeiro a não
ser que tivesse havido união carnal. Na manhã da noite de núpcias, o esposo

42
oferecia à mulher um conjunto muitas vezes bastante significativo de bens
móveis. Ele era chamado de presente matinal (Morgengabe), que os juristas
romanos batizaram de dote. Portanto, o papel da esposa oficial era bem
importante, sobretudo se ela tivesse muitos filhos, já que o objetivo principal era
a procriação.
Essas uniões eram essencialmente políticas e sociais, decididas pelos
pais. Tratava-se de constituir unidades familiares amplas, no interior das quais
reinasse a paz. Por isso, as concubinas de segundo escalão eram chamadas de
Friedlehen ou Frilla, ou seja, "cauções de paz". Na verdade, elas vinham de
famílias hostis de longa data. A partir do momento em que o sangue de ambas
as famílias se misturava, a guerra já não era mais possível. Assim, as mães
escolhiam as esposas dos filhos, ou os maridos, das filhas, sempre nos mesmos
grupos clássicos, a fim de salvaguardar essa paz. Se uma esposa morresse, o
viúvo se casaria com a irmã dela. Dessa forma, pouco a pouco as grandes
famílias tornavam-se cada vez mais chegadas por laços de sangue
(consangüinidade), pela aliança (afinidade) e, finalmente, completamente
incestuosas. Acrescentemos a esse quadro as ligações entre os homens, a
adoção pelas armas, o juramento de fidelidade e outras ligações feudais que
triunfaram no século X como um verdadeiro "parentesco suplementar", segundo
a expressão de Marc Bloch, e teremos a prova de que esses casamentos pagãos
não deixavam nenhum espaço livre para o sentimento.

5.1.1 Amor subversivo

Assim, quando o amor se manifestava, ele só podia ser adúltero, ou


assumir a forma de um estupro, maneira de tornar o casamento irreversível, ou
de um rapto mais ou menos combinado entre o raptor e a "raptada", a fim de

43
ludibriar a vontade dos pais. Nesses casos o amor era efetivamente subversivo,
uma vez que destruía a ordem estabelecida. Ele se tornava sinônimo de morte
e de ruína política, como prova o romance, de fundo histórico verdadeiro, Tristão
e Isolda, transmitido oralmente pelo mundo europeu de então - celta, franco e
germânico. Tristão, sobrinho do rei e seu vassalo, cometeu ao mesmo tempo
incesto, adultério e traição para com o rei Marco, o marido de Isolda. Aliás, ele
mesmo diz, após seu primeiro encontro: "Que venha a morte". Nas sociedades
antigas, obcecadas pela sobrevida, a vontade de potência, de poder, era mais
importante do que a vontade de prazer, pois aquelas tribos de imensas famílias
não conheciam nenhuma limitação administrativa ou externa.

Esse quadro deve ter sido abrandado pelo fato de eles terem estado em
contato com países cristãos, ou povos de regiões mergulhadas no cristianismo,
como por exemplo os normandos batizados do século X. Em decorrência, duas
estruturas coexistiam, mais ou menos confundidas. Por volta do ano 1000, o
bispo da Islândia teve muita dificuldade para separar um chefe de tribo, já
casado, de sua concubina, especialmente porque ela era sua própria irmã - fato
que sustentava a opinião de que seu irmão, o bispo, não passava de um tirano.
Nos séculos X e XI, os duques da Normandia tinham dois tipos de união,
regularmente: uma esposa oficial, franca e batizada, e uma ou várias
concubinas.

44
Guilherme, o Conquistador, que tomou a Inglaterra em 1066, tinha o
codinome de bastardo, por ter nascido de uma união desse tipo. À entrada de
Falésia, seu pai, Roberto, o Demônio, teve a atenção chamada por uma jovem
que, no lavadouro da cidade, calcava a roupa com os pés, nua como suas
companheiras de tarefa, para melhor sovar a roupa. Naquela mesma noite, com
a autorização de seu pai, Arlette, a jovem, se viu no quarto do duque, usando
uma camisola aberta na frente, "a fim de que", nos diz o monge Wace, que
contou a história, "aquilo que varre o chão não possa estar à altura do rosto de
seu príncipe". Esses amores "à dinamarquesa" demonstram que as mulheres
eram livres, com a condição de aceitar uma posição secundária.

Essa duplicidade de situação num mundo ocidental oficialmente cristão,


mas ainda pagão, complicou-se quando as mulheres conquistaram poder, algo
facilitado pela matrilinearidade das origens germânicas. Algumas incentivavam
os maridos a se proclamarem reis, por serem elas de origem imperial carolíngia.
Castelãs, senhoras de grandes propriedades, ou mulheres de alta nobreza, elas
utilizavam o casamento como trampolim para sua ambição. Em Roma, Marozia
(ou Mariuccia) foi mãe do Papa João XI, filho de sua ligação com o também papa
Sérgio III. Viúva do primeiro marido, Guido da Toscana, meio-irmão do rei da

45
Itália, Hugo, ela convidou este a se casar com ela. Mas Alberico II, seu filho do
primeiro casamento, expulsou do castelo de Santo Ângelo onde foram
celebradas as núpcias, aquele intruso manipulado por sua mãe.

5.1.2 Punição para a libido

Aos olhos de inúmeros escritores eclesiásticos, como o bispo Ratherius


de Verona, a libido feminina era perigosa e devia ser reprimida severamente. O
fato de que velhos países como a Espanha, a Itália e o reino dos Francos,
embora cristãos havia já cinco séculos, não tivessem ainda integrado a doutrina
do casamento - a ponto, por exemplo, de o rei Hugo ter tido duas esposas oficiais
e três concubinas - prova o quanto essa doutrina estava na contramão de seu
tempo. E, contudo, ela fora claramente afirmada e repetida desde que Ambrósio
declarara em 390 que "o consentimento faz as bodas". A isso, o Concílio de Ver
acrescentara, em 755: "Que todas as bodas sejam públicas" e "Uma única lei
para os homens e mulheres".

Reclamar a liberdade do consentimento dos esposos e a condição de


igualdade do homem e da mulher era utópico, sobretudo numa sociedade
romana patriarcal. Todavia, progressos importantes ocorreram no século X,
graças à repetição da apologia do casamento, símbolo da união indissolúvel

46
entre Cristo e a Igreja. Após a atitude irredutível do arcebispo Hincmar e do papa
Nicolau I, o divórcio de Lotário II por repúdio a sua esposa Teutberga - devido a
sua esterilidade - tornou-se impossível após 869, ano de sua morte.
Incompreensível para os contemporâneos, o casamento não se baseava
somente na procriação. A aliança era mais importante do que um filho. Mais do
que ninguém, longe dos discursos sobre a superioridade da virgindade, Hincmar
havia demonstrado que um consentimento livre sem união carnal consecutiva
não era um casamento. Ele prefigurava assim a noção de nulidade instituída pelo
decreto de Graciano, em 1145. Em decorrência, os rituais, como escreveu
Burchard de Worms por volta do ano 1000, traduziam no nível da disciplina do
casamento a doutrina otimista dos moralistas carolíngios.

A união carnal, consequência do consentimento entre um homem e uma


mulher (e não várias), é o espaço de santificação dos esposos. O ideal de
monogamia, de fidelidade e de indissolubilidade tornou-se tanto mais possível
porque no final do século X desapareceu a escravidão de tipo antigo, nos países
mediterrâneos. Um novo espaço se abria para o casamento cristão, graças ao
surgimento do concubinato com as escravas, que não tinham nenhuma
liberdade. Essa foi também a época em que as determinações dos concílios
tornaram obrigatória a validade do casamento dos não libertos.

Mas um outro combate chegava a seu ponto culminante no ano 1000: a


proibição do incesto. Iniciada a partir do século VI e quase bem-sucedida na
Itália, na Espanha e na França, essa interdição enfrentou, contudo, forte
oposição na Germânia, na Boêmia e na Polônia. Proibidos em princípio até o
quarto grau entre primos irmãos, os casamentos de consanguinidade e de

47
afinidade foram punidos, e os culpados separados. Mais tarde, a partir de
Gregório II (715-735), a proibição foi estendida ao sétimo grau (sobrinhos à moda
da Bretanha), assim como aos parentes espirituais (padrinho e madrinha): não
haveria mais aliança a não ser com estranhos, com quem fosse outro (Deus ou
o próximo de sexo diferente), mas de modo algum com aquele ou aquela com
quem já existisse um tipo de ligação.

As consequências sociais de tal doutrina foram incalculáveis. Ela obrigou


cada um a procurar um cônjuge longe de sua aldeia e de seu castelo. Acabou
por destruir as grandes famílias, de dezenas de pessoas, que viviam sob o
mesmo teto, e por favorecer a formação de um grupo nuclear, do tipo conjugal.
Ela suprimiu, assim, as sucessões matrilineares e a escolha dos esposos pelas
mulheres. A exogamia tornou-se obrigatória. A Europa se abriria para o exterior.

5.1.3 Elogio da virgindade

Na Alemanha, desde os concílios de Mogúncia, em 813, e de Worms, em


868, os casos de casamentos incestuosos mantidos pela obstinação das
mulheres eram numerosos. Na Boêmia, o segundo bispo de Praga, Adalberto,
grande amigo do imperador Oto III, havia conseguido, em 992, um edito público
que o autorizava a julgar e separar os casais incestuosos. Foi um insucesso tão
retumbante que ele se desgostou para sempre de sua tarefa episcopal. Preferiu
ir evangelizar os prussianos, que o martirizaram em 23 de abril de 997.

A dinastia dos Oto, que havia restaurado o império em 962 na Alemanha


e na Itália, nem por isso deixou de apoiar a Igreja em sua empresa de
transformação e cristianização. E suas esposas deram o exemplo, já que edite
(946), Matilde (968) e Adelaide (999) foram consideradas santas. Os clérigos
que relataram suas vidas, em particular a de Matilde, insistem não na viuvez ou
nos atos de fundação de mosteiros, mas sim no papel de esposa e mãe. Sua
santidade provinha essencialmente do casamento e do papel de conselheira,
junto a seu imperial esposo. A leitura dos ofícios de passagens da vida de santa
Matilde não teve uma influência desprezível sobre as audiências populares.

Se a Alemanha foi então uma frente pioneira na cristianização do


casamento, não foi bem esse o caso do reino dos francos. Ema, esposa traída
48
do duque da Aquitânia, Guilherme V, vingou-se de sua rival mandando que ela
fosse violada por toda sua guarda pessoal. Berta, filha do rei da Borgonha, mal
tendo enviuvado, pousou seu olhar sobre o jovem Roberto, filho de Hugo Capeto,
para fazer um casamento hipergâmico.

Esse exemplo é revelador. A legislação da Igreja acerca do casamento


cristão ia de encontro à mentalidade da época. E no entanto o amor conjugal de
caridade (dilectio caritatis) começava a sobressair ao amor de posse (libido
dominandi). Por volta do ano 1000, a expansão urbana e o início do
desbravamento e da cultura dos campos permitiram que a família nuclear
monogâmica se multiplicasse. As células rurais foram destruídas pela
necessidade de ir buscar um cônjuge mais longe. Somente a nobreza e as
famílias reinantes mais antigas resistiram, fechadas em suas relações feudais,
ao contrário dos recém-chegados ao poder, os Oto, que acolheram e adotaram
a doutrina cristã como uma liberação e se lançaram com ousadia na direção do
leste, para além do rio Elba, a nova fronteira da expansão européia.

Dessa forma, da concepção do amor como subversivo e criador de morte


passamos à de um amor construtivo, promotor de vida. O desejo foi integrado no
casamento com a união carnal, espaço de gozo mútuo. A procriação tornou-se
um bem do casamento, entre outros. A poligamia desapareceu. A publicidade do
casamento se instalou. As proibições de incesto permitiram que se descobrisse
a necessidade de alteridade e a afirmação da diferença sexual como força de
construção. Esse momento de otimismo e de vitória sobre o amor de morte
pagão, à moda de Tristão, explica o elã prodigioso da Europa no início do ano
1000. Mas ele não iria além do final do século XI. Também por volta do ano 1000,
as diatribes de São Pedro Damião e Ratherius de Verona contra o casamento
dos padres anunciavam um outro combate que terminaria na reforma gregoriana
e no triunfo do celibato convencional.

Em consequência, o elogio da virgindade passou a ser mais e mais


preponderante, a ponto de fazer triunfar uma visão pessimista do casamento.
Tanto isso é verdade que a história do casamento cristão é feita de alternâncias
entre sucessos e crises.

49
6.0 DEMANDA E INDICAÇÃO DE TERAPIA DE CASAL

O compromisso da terapia é com a promoção da saúde emocional dos


membros do casal e não com a manutenção ou a ruptura do casamento. A
rigidez e a estereotipia quase sempre caracterizam a patologia, enquanto a
flexibilidade e a possibilidade de mudança apontam para a saúde. Em alguns
casos, a mudança de um dos membros do casal em terapia, ou da interação
conjugal, leva à ruptura do casamento. Em outros, é a rigidez e a impossibilidade
de mudar que levam a tal ruptura.

A terapia de casal pode ser considerada como um caso particular de


terapia familiar. As indicações de terapia de casal, para Lemaire (1982), estão
sobretudo relacionadas a certos tipos de funcionamento conjugal onde as
codificações tomaram-se mais complexas entre os cônjuges que, ou funcionam
de um modo simbiótico ou fusionai, ou, ao contrário, defendem-se intensamente
de tudo que poderia ser uma ameaça de funcionamento simbiótico ou fusional.
É o que leva certas pessoas a brigarem e a ficarem agressivas a partir do
momento em que experimentam ternura ou desejo de felicidade fusionai ou
regressiva. Para estas pessoas aparentemente tão "individualizadas", trata-se
de formações reativas muito marcadas.

Neuburger (1988), ao discurtir a questão da especificidade da abordagem


terapêutica - individual, familiar ou de casal ressalta que não se pode falar de tal
especificidade, sem se falar de especificidade da demanda. Para ele, a demanda
é constituída de elementos entre os quais figuram o sofrimento, o sintoma e a

50
queixa. Na clínica de casais constata-se um sofrimento referido especificamente
ao casal, sintomas conjugais e uma queixa centrada nos problemas do casal.

Lemaire (1987) mostra como a escolha entre terapia individual e terapia


de casal não é sempre evidente. Há os que demandam terapia de casal para
escapar a um questionamento pessoal, individual e, neste caso, o terapeuta deve
encaminhá-los a terapias individuais. Mas, inversamente, muitos terapeutas
desconhecem ainda o caminho clínico que a terapia de casal pode abrir para o
tratamento de pessoas mal individualizadas. Diante das disfunções individuais,
que estão relacionadas a um clima simbiótico entre os cônjuges, os terapeutas,
muitas vezes, indicam terapias individuais como solução para este problema.
Isto significa compreender mal o sentido da colusão inconsciente que presidiu à
fundação do casal. Por isto, muitas das terapias individuais são interrompidas
prematuramente.

Muitas vezes, é apenas no casal que alguns sujeitos podem metabolisar


um certo número de suas tendências arcaicas e regressivas, que ficariam sem
vir à tona, podendo se exprimir apenas de maneira patológica ou associai. Diante
do casal, o clínico tem um acesso privilegiado a uma mobilização psíquica
individual, que ficaria inacessível.

Para Eiguer (1984), a terapia de casal representa, muitas vezes, uma


demanda de um segundo e último ritual de casamento. Assim, o terapeuta de
casal estaria colocado, pelos cônjuges, mais perto da lei do que do desejo. Para

51
este autor, os problemas conjugais estão situados em relação aos dois universos
pessoais dos parceiros, à parte que não quer admitir a especificidade da outra.
Seria um combate entre dois narcisismos individuais.

Willi (1978) ressalta que o resultado mais importante da terapia de casal


é o conhecimento da temática fundamental do conflito colusivo vivido pelos
cônjuges. Os parceiros, antes, em suas posições polarizadas, acreditam que não
tinham nada em comum. A terapia vai mostrar que, com seus problemas, estão
no mesmo barco. O que antes consideravam que os separava é agora o que os
une. O objetivo é não tornar os temas fundamentais colusivos ineficazes, mas
levar o casal a um equilíbrio livre e flexível. São as posturas extremas rígidas,
nas quais os cônjuges se fixam, que tornam a relação menos saudável. Se
vividos com flexibilidade, os temas da colusão se convertem em enriquecimento
recíproco.

Em Féres-Carneiro (1980), ressaltamos a relação entre sintomas


apresentados por crianças e dificuldades existentes nas relações estabelecidas
pelos seus pais, sobretudo enquanto casais. Para propiciar um clima familiar
adequado ao desenvolvimento sadio das crianças é preciso que os pais
funcionem como o modelo de uma relação homem-mulher gratificante.

7.0 TERAPIA DE CASAL ABORDAGEM SISTEMICA

52
Diferentemente da teoria psicanalítica, que teve suas raízes no início
deste século, as teorias que influenciaram as formulações teóricas dos autores
das escolas sistêmicas em terapia de família e de casal desenvolveram-se na
segunda metade do século. Em 1948, Wiener publicou o livro Cybernetics e, na
década seguinte várias ciências começam a enfatizar os sistemas homeostáticos
com processos de retroalimentação (mecanismos de feedback) que tornam os
sistemas autocorretivos. No início da década de 50, Bertalanffy (Bertalanffy,
1973) desenvolve a Teoria Geral dos Sistemas que, juntamente com a
Cibernética e a Teoria da Comunicação, muito influenciaram os
desenvolvimentos teórico-técnicos da terapia sistêmica de família e de casal.

Os sistemas interacionais são conceituados como dois ou mais


comunicantes no processo de definição da natureza de suas relações (Féres-
Carneiro, 1983). O sistema familiar e o sistema conjugal são vistos como um
circuito de feedback negativo, constantemente regulado, na medida em que
tendem a preservar seus padrões estabelecidos de interação, buscando sempre
um equilíbrio, que é mantido pelas regras de interação familiar ou conjugal.

Os axiomas básicos da teoria da comunicação são apresentados por


Watzlawick et al. (1973), que discutem os efeitos comportamentais da
comunicação humana. Para estes autores, todo comportamento numa situação
interacional tem valor de mensagem, ou seja, é comunicação. Outro axioma
importante é o de que qualquer comunicação implica um envolvimento e, como

53
consequência, define a relação. Para Bateson et al. (1956), essas duas
operações constituem, respectivamente, os níveis de relato e de ordem
presentes em qualquer comunicação. Quando estes dois níveis se contradizem,
temos um paradoxo. Bateson e o grupo que com ele trabalhava no Hospital de
Veteranos de Palo Alto, numa pesquisa sobre comunicação e esquizofrenia,
desenvolvem o conceito de duplo vínculo, ou seja, um padrão comunicacional
repetitivo presente com frequência significativa nas famílias com pacientes
esquizofrênicos. Os estudos de Bateson (1935) deram origem à caracterização
da comunicação por Watzlawick et al. (1973) como simétrica ou complementar,
a partir de relações baseadas na igualdade ou na diferenciação. Tanto os
comportamentos complementares como os simétricos podem ser apropriados,
dependendo do contexto em que se colocam. O problema surge quando uma
relação, se cristaliza numa destas classes, tornando-se rigidamente simétrica ou
complementar.

A família e o casal são vistos como sistemas equilibrados e o que mantém


este equilíbrio são as regras do funcionamento familiar e conjugal. Quando, por
algum motivo, estas regras são quebradas, entram em ação meta-regras para
restabelecer o equilíbrio perdido.

A terapia desenvolvida a partir deste enfoque enfatiza a mudança no


sistema familiar e conjugal pela reorganização da comunicação entre os

54
membros. Não se trata de trazer conteúdos reprimidos à consciência. O passado
é abandonado como questão central pois o foco de atenção é o modo de
comunicação das pessoas agora.

Os terapeutas comunicacionais se abstêm de fazer interpretações na


medida em que assumem que novas experiências - no sentido de um novo
comportamento que provoque modificação no sistema familiar ou conjugal - é
que geram mudanças. Neste sentido, são usadas prescrições nas sessões
terapêuticas para mudar os padrões de comunicação e prescrições fora das
sessões com o objetivo de encorajar uma gama mais ampla de comportamentos
comunicacionais no sistema familiar e conjugal. Há uma concentração no
problema presente e o comportamento sintomático é visto como uma resposta
adequada ao comportamento comunicativo que o provocou.

Nas abordagens sistêmicas destacaremos a escola estratégica de Jay


Haley e a escola estrutural de Salvador Minuchin.

SCOLA ESTRATÉGICA

55
Para Haley (1979), o que caracteriza o sistema familiar e o sistema
conjugal é a luta pelo poder. O termo "estratégico" é utilizado por ele para
descrever qualquer terapia em que o terapeuta realiza ativamente intervenções
para resolver o problema. Para que uma terapia seja bem-sucedida é preciso
que comece adequadamente. Isto é, através da negociação de um problema
solucionável e da descoberta da situação social e familiar que o mantém.

Ao discutir o conceito de "diretivas terapêuticas", Haley (1973) fala da


influência que sofreu do trabalho de Milton Erickson. As diretivas ou tarefas
propostas à família ou ao casal têm, em primeiro lugar, o objetivo de fazer com
que as pessoas se comportem diferentemente e, como resultado, tenham
experiências subjetivas diferentes. Em segundo lugar, as diretivas são usadas
para intensificar o relacionamento com o terapeuta. E, finalmente, têm o objetivo
de obter informações sobre os pacientes e sobre como responderão às
mudanças desejadas.

A escola estratégica é também identificada com o trabalho de Weakland,


Fish, Watzlawick e Bodin que, em 1974, publicaram o artigo Brief therapy:
focused problem resolution, onde apresentam as idéias fundamentais de seu
trabalho, isto é, focalizam interações comportamentais observáveis no presente
e intervêem deliberadamente para alterar o sistema em andamento. Para estes
autores, a brevidade não é uma meta em si, embora traga vantagens práticas e
econômicas; mas o que postulam é que estabelecer limites de tempo no
tratamento tem influência positiva tanto no terapeuta como no paciente.

Os teóricos da escola estratégica apresentam alguns princípios


fundamentais do seu trabalho terapêutico: 1) a orientação franca para o sintoma;
2) a visão dos problemas como dificuldades de interação; 3) a visão dos
problemas como uma super-ênfase ou uma sub-ênfase nas dificuldades do viver
cotidiano; 4) a busca de resolução dos problemas através da substituição dos
padrões de comportamento; 5) a utilização de meios que podem parecer ilógicos
para promover mudanças; 6) o "pensar pequeno" focalizando o sintoma; 7) a
adoção de uma abordagem pragmática na terapia: abordam-se as interações e
os porquês são evitados.

ESCOLA ESTRUTURAL

56
O principal teórico da escola estrutural é Salvador Minuchin para quem a
família é um sistema e o casal um subsistema que se definem em função dos
limites de uma organização hierárquica. O sistema familiar diferencia-se e
executa suas funções através de seus subsistemas.

As fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa


e como participa de cada subsistema, e para que o funcionamento da família
seja adequado, elas devem ser nítidas. Em algumas famílias tais fronteiras são
muito rígidas e em outras muito difusas. Estes dois extremos de funcionamento
das fronteiras são classificados respectivamente como "desligado" e como
"aglutinado" e indicam áreas de possíveis patologias (Féres-Carneiro, 1983).

A terapia estrutural de família é definida por Minuchin (1982) como sendo


uma terapia de ação para modificar o presente e não para explorar ou interpretar
o passado. O objetivo da intervenção do terapeuta é o sistema familiar ao qual
ele se une, utilizando-se a si mesmo para transformá-lo. Mudando a posição dos
membros da família ou do casal no sistema, o terapeuta modifica as exigências
subjetivas de cada membro.

57
Para Minuchin, a transformação do sistema familiar ou do sistema
conjugal inclui três passos importantes: o terapeuta deve unir-se à família ou ao
casal, desempenhando o papel de líder; deve descobrir e avaliar a estrutura
familiar ou conjugal; e deve criar circunstâncias que permitam a transformação
desta estrutura. Neste processo de reestruturação, o terapeuta então age tanto
como "diretor" quanto como "ator" no drama familiar. Como "diretor", ele cria
cenários, coreografias, dá realce a temas e leva os membros da família ou do
casal a improvisarem; como "ator", ele atua promovendo alianças e coalizões,
criando, fortalecendo ou enfraquecendo fronteiras, sempre tentando colocar
desafios aos quais os membros da família ou do casal devem se "acomodar"
para, com isto, "descristalizar" padrões transacionais desadaptativos.

As mudanças terapêuticas na escola estrutural são provocadas pelas


chamadas operações reestruturadoras. Mmuchin (1982) descreve as seguintes
operações de reestruturação: 1) efetivação de padrões transacionais; 2)
delimitação de fronteiras; 3) escalonamento de estresse; 4) distribuição de
tarefas; 5) utilização dos sintomas; 6) manipulação do humor; 7) apoio ou
orientação.

6.1 Processo de terapia

58
Em razão da complexidade relacional do casal, muitas vezes passa
despercebido pelas pessoas, que a crise de um dos parceiros é, na verdade, um
problema a ser encarado por ambos. Afinal, a relação de casal é dinâmica, e
está sempre em uma contínua construção tanto da relação a dois, quanto como
indivíduos. Para isso, muitas vezes é necessário “abrir espaço para um pedido
de ajuda e, também, oportunidade para que surjam possíveis modificações de
atitude: aceitar, decidir, ressignificar, negociar”. (PONTES, 2006, p.56).

A partir do ângulo sistêmico, o terapeuta de casal privilegia


o estudo das interações entre membros do par, mais do
que as especificidades de cada um dos parceiros. Cada
conduta é analisada em função da sua repercussão na
dinâmica conjugal e sobre o ecossistema no qual está
inscrito o casal. (MIERMONT, 1994, p.121)

Quando o casal encara o problema de um, como um problema de ambos,


estes tomam consciência da influência que têm um na vida do outro. Assim, a
tendência é que o parceiro que está em crise perceba no outro, e no casal em
si, forças para agir a favor da mudança como, por exemplo, a decisão em
procurar uma terapia conjugal. A terapia de casal “promove a oportunidade de o
cônjuge compartilhar com o outro o significado de sua depressão e suas
angústias, situações muitas vezes evitadas anteriormente, sem a presença de
um interlocutor”. (FRÁGUAS, 2006, p.195).

59
HALEY (apud MIERMONT, 1994) aconselha terapia conjunta do casal nas
seguintes situações: quando um dos cônjuges apresenta uma sintomatologia
que não é possível ser tratada fora do contexto conjugal; quando o parceiro é
inapto a realizar uma terapia individual, devido à pobreza das informações
apresentadas; quando o casal está em período de crise; quando os sintomas de
um dos parceiros coincidem com situações de conflito do casal; quando a cura
de um dos cônjuges tem chances de provocar o surgimento de sintomas no
outro, ou uma mudança tão grande que torna inevitável o divórcio.

A terapia de casal não pode ser vista como uma terapia individual de um
dos cônjuges com a presença do outro. Segundo Caillé (1994), a terapia conjugal
é uma intervenção na relação do casal com a presença de ambos que são, ao
mesmo tempo, criadoras e criaturas da relação. No entanto, se o trabalho for
realizado com apenas um dos membros do casal, “o outro pode, sem querer,
continuar a reforçar a construção que o terapeuta tenta tornar menos rígida”.
(ELKAÏM, 2008, p.105).

60
Geralmente, um casal procura terapia quando se encontra em conflito, ou
quando existe uma insatisfação com a vida conjugal, seja por dificuldade na
regulação da intimidade, disputa pelo poder, ciúmes, traição de um dos cônjuges,
insatisfação sexual. (MONTORO, 2006)

O conflito conjugal está entre os principais estressores na vida do ser


humano, sendo capaz de desencadear a depressão, além de ser considerado
responsável por recaídas e recidivas. Sendo assim, a procura por terapia de
casal, visando uma melhor qualidade de vida, principalmente nos momentos de
crise, vem crescendo. A terapia de casal vem se apresentando como um
importante instrumento capaz de auxiliar no tratamento de quadros de depressão
e, às vezes, pode ser mais eficaz que a própria medicação. (FRÁGUAS, 2006).

Muitos casais chegam à terapia com um discurso repetitivo, e o terapeuta


pode perceber a existência de algumas palavras “mágicas”, capazes de provocar
uma sequência de discussões e ofensas. Neste caso, a função do terapeuta é
modificar esse funcionamento, ou seja, “construir uma coreografia com novas
sequencias relacionais nas quais os recursos individuais e daquela relação
possam ser utilizados”. (COLOMBO, 2006, p.18). Ou, ainda, o terapeuta deve
ajudar na “ampliação da percepção do par, para criar formas de adaptação”.
(PONTES, 2006, p.59).

61
O terapeuta que adota o pensamento sistêmico não age como um expert,
que define as verdades e o caminho que o casal deverá seguir. Age como
participante ativo em uma conversa que, mediante seus conhecimentos e
habilidades, construirá melhores caminhos para o crescimento, juntamente com
o cliente. Para Elkaïm (2008), a psicoterapia é uma experiência por meio da qual
o indivíduo se abre para possibilidades que não se tinha acesso. E o terapeuta
irá abrir este caminho por meio dos recursos terapêuticos oferecidos pelo próprio
casal.

A terapia de casal e de família tem como função ajudar o cliente a revisar


os seus modelos de funcionamento do mundo e do self. Por isso, o terapeuta
busca promover uma comunicação aberta entre os membros, para entender a
opinião individual a respeito dos assuntos importantes para o casal, ou para a
família.

É por meio desta comunicação aberta, que o terapeuta irá co-construir


com o casal, alternativas, seja para darem continuidade a um projeto de vida
juntos, ou separados. Por isso, é necessário criar um espaço terapêutico
colaborativo e reflexivo, no qual os cônjuges se sintam à vontade para abrir as
bagagens que trouxeram para o casamento, bem como externalizar seus
pensamentos, e auxiliar o casal a estabelecer uma boa comunicação. Somente
assim, torna-se possível construir novos espaços relacionais e novos contratos
a respeito da rotina do casal, podendo incluir discussões a respeito do uso do
dinheiro, frequência sexual, colaboração nos cuidados da casa e dos filhos, com
o que e como empregar o tempo livre, dentre outros.
62
O espaço terapêutico de atendimento a casais é o
terreno, onde novas histórias podem ser escritas,
negociando-se o lugar que cada um ocupa, para que
legitimados na sua singularidade, ambos possam fazer
um pacto de parceria ou de separação. É o espaço,
onde amadurece a dança entre autonomia e fusão,
individualidade e pertencimento. (COLOMBO, 2006,
p.41).

Muitos terapeutas sistêmicos consideram desnecessário explorar o


passado dos membros do casal, e os significados ocultos (SOAR apud DUQUE,
2005), e acreditam ser o suficiente focar a ação terapêutica no aqui e agora. No
entanto, isso pode fazer com que o terapeuta deixe de identificar dados
importantes que enriqueceriam o trabalho terapêutico.

O terapeuta pode transformar suas intervenções


quando trabalha analiticamente dentro do sistema,
associando à compreensão sistêmica a leitura
psicodinâmica de fenômenos, tais como
repressão, negação, introjeção, projeção, entre
outros, utilizando-os como recursos para melhor
compreender o jogo interacional. (DUQUE, 2005,
p.87).

Sendo assim, além de trabalhar com o casal os aspectos conscientes do


contrato estabelecido por eles, para que possam reavaliar e renegociar as regras
com o objetivo de estabelecer uma relação mais satisfatória para o casal, o

63
terapeuta deve estar atento aos conteúdos inconscientes. Como, por exemplo,
procurar compreender o “jogo de projeções” que, segundo Duque (2005, p.88)
“fornece uma perspectiva de compreensão que desculpabiliza os envolvidos no
conflito: não se comportam de modo diferente porque não possuem em seus
repertórios um modelo de aprendizagem que forneça esta possibilidade”.

Nesses casos, o fazem, não somente por estarem


um contra o outro, mas também porque um
cônjuge desperta no outro sentimentos e reações
antigos, com os quais não soube ou não pôde lidar
e teve que esquecer ou não sentir para poder
sobreviver em seu meio familiar. (DUQUE, 2005,
p.88).

É fundamental que o casal compreenda que o parceiro, não é o grande


responsável pela sua infelicidade, ou pela crise em que se encontram. Ambos
cônjuges carregam, em si, imagens projetadas de figuras do passado no outro,
acreditando que este deve realizar as expectativas e necessidades, como
carência, culpa, rejeição, entre outras faltas do passado.

Ou seja, muitas pessoas se casam com imagens idealizadas do cônjuge


e acreditam que é função, e dever exclusivo, deste, lhe proporcionar felicidade.

64
Pincus & Dare (1981) afirmam que o objetivo consciente que faz grande parte
das pessoas se casar, é de tentar encontrar a felicidade e o conforto, e não de
resolver conflitos. No entanto, os autores consideram o casamento valioso
exatamente pelo “potencial que o casamento oferece para o desenvolvimento da
personalidade, e na ajuda de problemas emocionais passados”. (p.35).

Da mesma forma, Mengui (1995) acredita que as relações disfuncionais


entre um casal são uma forma de tentar resolver condições disfuncionais
precedentes. Por este motivo, o autor afirma não ser conveniente rotular os
casais como mais “sadio” ou “patológico”, mas questionar se a relação do casal
apresenta alguma utilidade para o desenvolvimento psíquico e para a evolução
de ambos os parceiros.

O terapeuta deve perceber os comportamentos “errados” do casal como


um “acordo subjacente, uma solidariedade genuína e testada ao longo do tempo,
que se manifesta de modo incongruente”. (ANDOLFI, 1995, p.112). E é essa
solidariedade que precisa ser desvendada pelo terapeuta, ao mesmo tempo em
que deve ajudar o casal a perceber que a tensão da crise conjugal deve ser
deslocada. Em suma, fazer que o casal se conscientize que os problemas não
estão no outro, mas nas relações desde a relação do casal, até nas relações
com a família de origem e com os filhos.

Uma vez que os problemas do casal podem ter influência dos padrões
relacionais das suas famílias, é de suma importância que o terapeuta investigue,
com o casal, a transgeracionalidade, ou seja, as repetições que vem sendo
passadas ao longo das gerações. Esses valores, que são transmitidos pelas
famílias de origem, podem tanto ajudar um indivíduo ao longo da sua vida, como

65
também podem impedir o desenvolvimento de relações familiares saudáveis,
isso dependerá dos modelos que forem transmitidos. Junto com os valores, são
transmitidos tanto os seus benefícios quanto seus malefícios. Na terapia de
casal:

Torna-se possível perceber as semelhanças e


diferenças existentes entre os sistemas
familiares de origem dos membros do casal e da
família por eles formada. Para que haja
mudança é fundamental que os membros do
casal examinem se estão presos a algum código
de lealdade de suas famílias de origem e que
movimento permitirá encontrar uma porta de
saída legitimada pelos autores da história da
qual fazem parte. (MATTOS, 2006, p.85)

Nagy (apud DUQUE, 2005) acredita que explorar os riscos da mudança


permite ao terapeuta acessar a lógica interna do casal ou da família,
desvendando as lealdades e fidelidades transgeracionais, e as realidades
construídas sobre imagens do passado. É válido acrescentar que os padrões
interacionais multigeracionais nem sempre são problemas. Estas repetições são
prejudiciais a partir do momento em que impedem que o indivíduo se desenvolva
ou que torne a família disfuncional.

66
Com base nesta conscientização da influência transgeracional, o casal
segue para a construção de um novo vínculo, porém agora, com um maior
conhecimento sobre as suas histórias, seu contrato secreto de casamento, e
suas bagagens acerca das famílias de origem, ou da família extensa.

O estudo da transgeracionalidade é tão importante, que um dos aspectos


fundamentais da formação de um terapeuta de família é o desenvolvimento e o
conhecimento do seu self. É fundamental que o terapeuta tenha passado por um
processo de identificação dos padrões predominantes e de repetição na sua
família. Isso se faz necessário para que ele possa ter consciência das possíveis
dificuldades e facilidades que pode encontrar durante o seu trabalho ao observar
a transgeracionalidade nas famílias. Com o conhecimento dos seus padrões
familiares, bem como as crenças, valores, conflitos, segredos, lealdades, torna-
se mais fácil para o terapeuta a autoavaliação das suas reações e sentimentos
durante o processo terapêutico com seus clientes.

67
Outra situação comum na terapia conjugal, é a queixa de que o cônjuge
reagiu de forma exagerada a uma determinada situação, fazendo uma
‘tempestade em copo d’água’. Segundo Elkaïm (2008, p.110), essas situações
ocorrem “pelo despertar de um elemento adormecido que permaneceu
inofensivo talvez por muito tempo, mas que, devido ao imprevisto de uma
situação, encontra toda a sua virulência”.

Elkaïm (2008) questiona “como compreender o que o indivíduo não


compreende, mas que tem sentido para o seu parceiro?”, se, muitas vezes, nem
mesmo o seu parceiro consegue explicar o motivo da sua reação. No entanto, o
que se sabe é que foi tocado em algum ponto importante, que é justificado pela
reação desproporcional. O autor relata ser fundamental que o cônjuge não só
ouça o que o parceiro tem a dizer (mesmo não compreendendo), mas que
também não desqualifique (mesmo que de forma imperceptível ao outro) a
mensagem enviada.

Por este motivo, entre outros, o terapeuta de casal não pode dar-se por
satisfeito com os conteúdos do contrato consciente do casal. É fundamental que
se investigue os motivos inconscientes dos conflitos, caso contrário, poderá, sem
querer, manter a “regra familiar não dita de que as emoções não podem ser
expressas por palavras – que o sofrimento deve ser suportado às escondidas e
em silêncio”. (DUQUE, 2005, p.89).

68
A terapia de casal pode melhorar a qualidade de vida de muitos casais, e
até mesmo salvar muitos casamentos. Porém, nem todos os casais conseguem
resolver os seus problemas ou, pelo menos, os mais importantes, e acabam
precisando optar pelo divórcio. Muitas pessoas custam a aceitar a separação,
até mesmo terapeutas de casal, que podem se questionar a respeito da sua
competência profissional.

No entanto, é fundamental que se aceite o fato de que, para alguns casais,


a melhor alternativa para a solução dos seus problemas é a separação. As
separações acontecem quando um dos parceiros, ou ambos, não consegue
encontrar, na relação, possibilidade de grandes mudanças, e percebem que a
única alternativa de resolver os seus problemas é estar fora do casamento.

Ferreira-Santos (2007), afirma que o fim de um relacionamento, muitas


vezes, independe da vontade dos cônjuges, pois não é possível controlar o
próprio sentimento, ou seja, acredita que amar, ou gostar de alguém, está além
da vontade do ser humano.

O autor apresenta como motivos que podem levar um casal à separação:


um crescimento emocional desproporcional entre os cônjuges; prática comum
de comunicação perversa e/ou de agressões físicas; escolha precipitada do
parceiro; visão excessivamente romântica do casamento; gênios incompatíveis;
abandono da relação por um dos cônjuges; ou quando o filho revela as rupturas,
pontos de conflitos e as incompatibilidades de um casamento.

69
Além destes motivos, a impossibilidade de perdão é outro fator comum de
aparecer como motivo de separação. O perdão é necessário, não apenas nos
casos de traições por relações extraconjugais, mas também nas traições em
outros aspectos do contrato. É comum as pessoas guardarem ressentimentos
durante anos, até que chegam ao ponto de “tolerância zero”, e a permanência
na relação torna-se inviável.

É como se o casamento fosse elástico, que estica e volta, de acordo com


as crises, com os problemas, e com a capacidade dos cônjuges de resolver seus
conflitos e de perdoar o outro. Durante um tempo, toleram suas insatisfações por
causa do amor, dos projetos de vida em comum com cônjuge, pelos filhos, e até
mesmo pelo comodismo. No entanto, com o tempo, passa a ser cada vez mais
difícil de conviver e tolerar, e o elástico se esgarça, se deforma, e perde sua
capacidade de reunir.

7.0 TERAPIA DE CASAL E ABORDAGEM PSICANALITICA

70
Nas abordagens psicanalíticas ou psicodinâmicas das terapias de família
e de casal há uma ênfase no passado, na história, tanto como causa de um
sintoma quanto como meio de modificá-lo. Para os teóricos destas abordagens,
os sintomas apresentados pelos membros da família ou do casal são
decorrências de experiências passadas que foram reprimidas fora da
consciência. Na maior parte das vezes, portanto, o método terapêutico utilizado
é o interpretativo e os tratamentos são de mais longa duração.

Diferentes autores podem ser agrupados nas escolas psicanalíticas ou


psicodinâmicas em terapia familiar e de casal. Destacaremos as propostas de
Lily Pincus e Christopher Daré e de Alberto Eiguer e André Ruffiot.

O CONTRA TO SECRETO DO CASAMENTO: PINCUS E DARE

Pincus e Dare (1981) baseiam seu estudo sobre o casamento em


princípios gerais que são maneiras de encarar qualquer relacionamento. O
primeiro deles é de que as motivações que levam as pessoas ao casamento,
sustentam suas perturbações e lhes dão qualidades particulares são, em grande
parte, inconscientes. Tais motivações podem ser mantidas fora da consciência
de modo que sua existência seja percebida somente indiretamente. Portanto,
para estes autores, raramente é possível saber, questionando diretamente,
qualquer razão convincente do porquê da escolha do parceiro, ou qual a
natureza do casamento.

71
Os processos de projeção que ocorrem em todo tipo de relacionamento
são especialmente poderosos nas relações que têm laços emocionais mais
fortes. O casamento oferece, portanto, um campo particularmente fértil aos
mecanismos projetivos. Na escolha original do parceiro, a projeção joga um
papel muito importante na medida em que um se encontra apto e desejoso de
aceitar e atuar, pelo menos em parte, algo daquilo que o outro necessita projetar
nele.

Tais escolhas podem ter aspectos profundamente terapêuticos se cada


um dos parceiros conseguir constatar no outro aqueles aspectos de si mesmo
que não conseguiu desenvolver. O uso da projeção no casamento não é apenas
uma tentativa de livrar-se de sentimentos indesejados ou de alguns aspectos
do self. Porque agora são vividos pela pessoa amada, tais sentimentos podem
perder um pouco da ansiedade que costumavam produzir e, com o tempo,
podem até parecer aceitáveis para retornar ao self. Às vezes, sentimentos ou
aspectos do self podem ser aceitos no parceiro, mas não podem ser
expressados diretamente pelo sujeito.

72
Por outro lado, a mesma dinâmica que levou à escolha original, na
tentativa de resolver ansiedades, pode conduzir o casal a um círculo vicioso: o
parceiro que projetou aspectos temerosos de si mesmo no outro pode dissociar-
se, cada vez mais, forçando assim o outro a expressá-los de maneira
exacerbada e o resultado é um aumento de ansiedade para ambos.

O segundo princípio que norteia a abordagem de Pincus e Dare, tanto no


casamento como nas relações humanas em geral, é que nos relacionamentos
duradouros, considerados importantes pelos participantes, há geralmente uma
complementariedade das necessidades, anseios e medos que fazem parte da
vida a dois. Este princípio é baseado no primeiro na medida em que deixa claro
que o acordo que mantém a complementariedade é inconsciente e, geralmente,
implica também o uso da projeção.

73
O terceiro princípio que norteia a abordagem destes autores sobre a
relação conjugal, é o de que muitos dos anseios e medos inconscientes que
fazem parte do "contrato secreto" do casamento provêm, principalmente, dos
relacionamentos da infância. Isto significa que todas as pessoas tendem a
padrões repetitivos de relacionamento, que são motivados pela persistência dos
desejos numa forma de fantasia inconsciente e derivados da forma como as
primeiras necessidades foram satisfeitas. No casamento, muitas vezes, o
aspecto repetitivo da sequência da escolha é literal, como por exemplo, quando
uma mulher cuja infância foi prejudicada por um pai alcoólatra acaba casando-
se com um alcoólatra, divorcia-se dele e novamente repete a situação.

O quarto e último princípio, descrito por estes autores, é o de que estes


padrões repetitivos de relacionamento são sobretudo derivados da época em
que a criança se dá conta da intensidade dos seus anseios em relação aos pais,
ao mesmo tempo em que reconhece que estes formam um casal do qual ela é
excluída, ou seja, da vivência do Complexo de Édipo.

A abordagem terapêutica com casais proposta por estes autores leva em


conta, ao longo de todo o processo terapêutico, o resgate da histórica de cada
cônjuge e da história da relação conjugal norteada pela consideração dos quatro
princípios acima descritos.

74
TERAPIA PSICANALÍTICA DE CASAIS: RUFFIOT E EIGUER

André Ruffiot e Alberto Eiguer são os principais representantes da


abordagem psicanalítica de família e de casal também chamada de abordagem
grupalista. Os desenvolvimentos teóricos propostos por Bion (1965). Anzieu
(1975) e Kaês (1976) para os grupos terapêuticos são aplicados pelos
grupalistas à clínica do grupo familiar e do grupo conjugal, considerando que o
funcionamento psíquico inconsciente destes grupos apresenta peculiaridades
que os distingue do funcionamento do indivíduo.

Para os grupalistas, o casal é concebido como uma estrutura com


características próprias e interações peculiares sem desconsiderar as
particularidades dos indivíduos que o compõem. Se, por um lado, o cônjuge
funciona como um suporte real para o objeto interno e nele são depositados os
aspectos narcísicos do sujeito, por outro, ele não é um objeto passivo e seu
funcionamento tem consequências na relação.

Ruffiot (1981) postula o conceito de aparelho psíquico familiar que se


edifica na zona psíquica obscura, indiferenciada, dos diferentes membros do
grupo familiar e ressalta que a terapia familiar psicanalítica trata tal aparelho e
não os psiquismos individuais.

75
Eiguer (1984) identifica três organizadores da vida conjugal inconsciente:
a escolha de objeto no momento da instalação da relação amorosa, o eu conjugal
e os fantasmas partilhados pelos membros do casal.

O primeiro organizador, a escolha do parceiro, é articulado ao complexo


de Édipo de cada cônjuge e tem um valor semelhante ao das formações de
compromisso inconsciente, como o sintoma ou o lapso. Possui, portanto, uma
função defensiva e contribui para a economia libidinal.

O segundo organizador, o eu conjugal, é formado pela consonância dos


vínculos narcísicos e compostos por representações compartilhadas pelos
cônjuges que levam a um ideal de ego conjunto. Ele é responsável pelo
sentimento de pertencimento, pela formação de uma "pele conjunta “na
expressão criada por Anzieu (1975).

O terceiro organizador, a interfantasmatização, é definido como o ponto


de encontro dos fantasmas individuais, próximos por seu conteúdo, que
organizam os vínculos libidinais e os vínculos narcísicos do casal.

A proposta da terapia psicanalítica de casal é a de tratar conjuntamente


os dois parceiros, como um todo, através da relação transferencial. Neste
trabalho Ruffiot (1981) privilegia as produções imaginárias informando a família
ou o casal, desde o início do processo terapêutico, da importância de relatar seus
sonhos nas sessões com o objetivo de tornar conscientes os vínculos que os
unem e de retomar a interfantasmatização psíquica. Desde a primeira entrevista
também é enunciada a regra da associação livre que aciona mecanismos
regressivos permitindo perceber o funcionamento do aparelho psíquico do grupo
familiar ou conjugal.

76
A terapia psicanalítica de casal tem, portanto, como objeto de trabalho o
inconsciente conjugal, mundo fantasmático compartilhado, assim como afetos,
tensões e defesas comuns. Um de seus principais objetivos é a percepção das
forças inconscientes que originaram a relação, provocaram a escolha amorosa
e contribuíram para os atuais conflitos do casal. O trabalho clínico pretende, a
partir daí, restabelecer a circulação fantasmática e instaurar um novo equilíbrio
entre os vínculos narcísicos e objetais. É também proposta de a terapia reduzir
as identificações projetivas, transformando não ditos em palavras, e restituindo
a cada cônjuge o que fora depositado no outro, para que a relação deixe de ser,
assim, um sintoma das patologias individuais.

8.0 TERAPIA DE CASAL – COGNITIVO COMPORTAMENTAL

77
Aaron T. Beck criou a terapia cognitiva nos Estados Unidos da América,
na década de 1960. Beck, até então um psicanalista, identificou certas
características de humor de seus pacientes deprimidos, como, por exemplo, uma
visão pessimista de si, do mundo e do futuro. Beck começou, então, a estudar
esses pacientes de forma mais detida e, com base nesse estudo, elaborou um
modelo cognitivo da depressão (Beck, 1967). Posteriormente, Beck, Rush, Shaw
e Gary (1979/1997) publicaram um livro mais detalhado sobre a terapia cognitiva
da depressão. Atualmente, aproximadamente meio século após sua criação, a
modalidade de terapia cognitiva de Beck vem sendo utilizada no tratamento de
diferentes problemas psicológicos e de populações (Falcone, 2001).

A abordagem comportamental teve grande influência no desenvolvimento


de técnicas utilizadas no tratamento de casais em desalinho. Inicialmente, as
técnicas comportamentais foram empregadas, principalmente, no
desenvolvimento do intercâmbio social simples e do contrato marital (e.g.,
Baucom & Epstein, 1990). Posteriormente, a Teoria da Aprendizagem Social
(Bandura, 1977) também foi aplicada ao tratamento de casais. Dentro desse
modelo teórico, ganhou destaque o exame das atribuições ou explicações,
enquanto processos cognitivo-perceptivos, que pessoas dão para os
comportamentos de seus parceiros (Jacobson & Holtzworth-Munroe, 1986;
Schmaling, Fruzzetti & Jacobson, 1997). Por exemplo, o esquecimento de uma
data por parte de um cônjuge pode ser interpretado pela sua companheira da
seguinte forma: “ele já não me ama mais”.

A Terapia Racional-Emotiva-Comportamental (Ellis, 2003) foi uma das


primeiras a destacar a relevância das cognições disfuncionais para os problemas
conjugais. Segundo essa abordagem, as crenças disfuncionais de cada cônjuge
influenciam negativamente o relacionamento amoroso, pois são importantes
fontes geradoras de conflitos e desentendimentos. Dessa forma, o processo

78
terapêutico consistiria em identificar e alterar essas crenças ou pensamentos
inadequados, levando a mudanças emocionais e comportamentais nos parceiros
(Dattilio, Epstein & Baucom, 1998).

A utilização da terapia cognitivo-comportamental com casais, com base


nos conceitos desenvolvidos por Beck, mais especificamente, começou a ser
mais pesquisada e utilizada na América do Norte por volta de 1980, e, desde
então, vem se desenvolvendo de forma gradual e constante (Dattilio, 2004).
Determinados procedimentos e técnicas que antes vinham sendo aplicados no
tratamento de transtornos mentais específicos – depressão e ansiedade –
começaram a ser adaptados para a intervenção em problemas de ordem marital
(Beck, 1995). Processos cognitivos, fatores emocionais e comportamentais
capazes de intervir indevidamente na qualidade das relações amorosas
passaram a ser objeto privilegiado de investigação e tratamento de casais
(Baucom & Epstein, 1990). Os primeiros livros e capítulos de livro sobre o
assunto começaram a ser publicados no Brasil especialmente a partir da década
de 1990 (e.g. Beck, 1995; Dattilio & Padesky, 1995; Rangé & Dattilio, 2001).

8.1 Terapia cognitivo-comportamental com casais: uma análise de publicações


no Brasil

Com o objetivo de traçar um perfil das pesquisas sobre terapia cognitivo-


comportamental com casais publicadas no Brasil, foram conduzidas múltiplas

79
buscas sistemáticas em diversos bancos de dados bibliográficos. Considerando
que artigos publicados em periódicos vêm sendo apontados como uma das
principais formas de divulgação de pesquisas científicas (ver, e.g., Garfield,
1977), a maior parte das buscas focalizou artigos publicados em periódicos
nacionais e internacionais. Adicionalmente, foi realizada uma busca de teses
publicadas no Brasil sobre o assunto. Basicamente sete bases de dados
bibliográficas foram utilizadas com o objetivo de identificar literatura relevante:
1) Psycinfo da American Psychological Association, 2) Pubmed-Medline da U.S.
National Library of Medicine, 3) Scielo - Scientific Electronic Library Online, 4)
Index Psi Periódicos Técnico - Científicos, 5) LILACS - Literatura Latino-
americana e do Caribe em Ciências da Saúde, 6) Index Psi Periódicos de
Divulgação Científica, e 7) Index Psi Teses. As quatro últimas ferramentas
estavam disponíveis na Biblioteca Virtual de Saúde em Psicologia.

No caso das buscas em banco de dados internacionais (e.g., Psycinfo e


Pubmed), foram utilizadas palavras-chave como marital therapy, couple therapy,
marriage therapy e marriage counseling. Foram sistematicamente identificados
artigos escritos por autores filiados a instituições brasileiras (author affiliation)
que apresentassem qualquer uma dessas palavras-chave. Nenhuma outra
limitação (e.g., ano de publicação) foi aplicada. Os artigos identificados foram
posteriormente examinados para verificar se tratava de estudos sobre terapia
cognitivo-comportamental com casais.

80
No caso da busca realizada no Psycinfo, por exemplo, foram identificados
apenas 12 artigos escritos por autores filiados a instituições brasileiras e que
focalizaram a terapia de casais (e.g., Carpilovsky, 1984; Diniz Neto & Feres
Carneiro, 2005; Feres Carneiro, 1995). Nenhum desses artigos envolvia
especificamente a terapia cognitivo-comportamental

No Pubmed-Medline da U.S. National Library of Medicine foram


encontrados 14 artigos relacionados às palavras-chave marital therapy, couple
therapy, marriage therapy, marriage counseling, em combinação com Brazil e
Brasil. Nenhuma das publicações foi realizada por autores brasileiros ou
focalizou a terapia cognitivo-comportamental

No Scielo (Scientific Electronic Library Online) empregaram-se as


palavras-chave terapia de casal, terapia conjugal e terapia marital Foram

81
encontrados 12 artigos. Não existiam publicações vinculadas à terapia cognitivo-
comportamental com casais.

Nas bases de dados bibliográficas, incorporadas à Biblioteca Virtual de


Saúde em Psicologia, foram utilizadas palavras-chave como terapia de casal,
terapia conjugal, terapia marital, terapia cognitiva e terapia cognitivo-
comportamental foi encontrado um total de 263 artigos nessa busca inicial foi
realizada a leitura de cada um dos resumos disponíveis nesses artigos obtidos.
Foram encontrados apenas dois artigos relacionados à terapia cognitivo-
comportamental que pesquisavam de alguma forma o tema casal Cortez,
Padovani e Williams (2005) avaliaram a eficácia da terapia cognitivo-
comportamental com um grupo de agressores conjugais, com o objetivo de
eliminar ou reduzir violência doméstica. Os resultados indicaram que, de um
modo geral, as agressões diminuíram após o tratamento. Dattilio (2006), um
pesquisador norte-americano, discutiu a utilização da terapia cognitivo-
comportamental para a reestruturação de esquemas disfuncionais nos conflitos
familiares.

Pode-se dizer que o número de artigos publicados sobre terapia de casais


no Brasil é relativamente pequeno. Esses resultados são, em ampla medida,
similares aos obtidos por Ferreira (2005), que conduziu uma busca de
publicações sobre terapia familiar e de casal em sua análise, Ferreira apontou
que, apesar da literatura psicológica ser extensa no Brasil, poucos estudos são
dedicados ao processo terapêutico. Vale ainda mencionar que, dos artigos
identificados por Ferreira, poucos estavam vinculados à abordagem cognitivo-
comportamental

Em resumo, aponta-se que os resultados das buscas realizadas nas sete


bases de dados mencionadas (Psycinfo, Pubmed-Medline, Scielo, Index Psi
Periódicos Técnico-Científicos, LILACS, Index Psi Periódicos de Divulgação, e
Index Psi Teses) foram consistentes e indicaram que o número de publicações
em revistas científicas nacionais e internacionais sobre a terapia cognitivo-
comportamental aplicada a casais com a população brasileira ainda é bastante
reduzido.

8.2 O modelo cognitivo aplicado às relações conjugais

82
O modelo cognitivo de Beck tem sido aplicado a diferentes transtornos
mentais e populações específicas (Falcone, 2001). Beck et al. (1979/1997), por
exemplo, colaboraram para o entendimento do ser humano ao apresentar alguns
processos cognitivos como influenciadores das emoções e comportamentos.
Segundo esses autores, cognições inadequadas ou disfuncionais –
pensamentos automáticos e crenças – estariam na base de uma variedade de
desordens psicológicas.

Beck (1995) apontou que muitos problemas vivenciados dentro do


casamento também poderiam estar relacionados às cognições disfuncionais de
ambos os parceiros. Alguns estudos ratificaram essa hipótese sobre o papel
negativo dos pensamentos, crenças, expectativas, atribuições, entre outros, na
qualidade dos relacionamentos maritais (ver, e.g., Baucom, Epstein, Sayers &
Sher, 1989; Eidelson & Epstein, 1982; Epstein, Baucom & Rankin, 1993). A
seguir, serão apresentados alguns exemplos dessas cognições, lembrando que
elas estão relacionadas entre si (Baucom & Epstein, 1990).

83
Os pensamentos automáticos vêm sendo concebidos como ideias ou
imagens que passam despercebidas e de forma muito rápida na mente das
pessoas. Esses pensamentos por si sós não são adequados ou inadequados.
Devido ao fato de esses tipos de pensamento não serem sempre racionalmente
avaliados, eles tendem a ser aceitos como algo razoável, em situações
específicas. Tem sido apontado que esse fluxo de ideias instantâneas, que pode
passar na cabeça de um dos cônjuges, pode influenciar seus estados
emocionais e suas ações negativamente. Por exemplo, quando uma esposa não
recebe a atenção que gostaria de receber de seu marido, a respeito de um
problema de trabalho, pode chegar à seguinte conclusão: “ele nunca me ouve”.
Nessa situação, a parceira pode sentir raiva e gritar com seu companheiro,
dizendo que ele é um imprestável (Dattilio et al., 1998).

Os pensamentos automáticos disfuncionais podem ser influenciados por


distorções cognitivas. Estas seriam distorções sistemáticas no processamento
da informação, falhas de interpretação e raciocínios desprovidos de lógica (Beck
& Alford, 2000). A leitura mental, por exemplo, é um tipo de distorção segundo a
qual uma pessoa acredita ser capaz de ler os pensamentos de alguém. Por
exemplo, quando um homem está falando com a esposa e essa boceja por estar
cansada, ele pode pensar: “ela está achando chato conversar comigo”. Ele,
então, pode ficar magoado e evitar sua parceira ao longo do dia. Existem
inúmeras outras distorções relatadas na literatura especializada que podem ter
influência sobre o relacionamento de casais (Beck, 1995; Dattilio, 2004).

84
Beck et al. (1979/1997) apontaram que o surgimento das crenças
intermediárias e centrais ocorre durante a interação das crianças com pessoas
significativas em suas vidas e estão associadas a fatores socioculturais. São
ideias que uma pessoa tem sobre si mesma, sobre as pessoas de uma maneira
geral, sobre o mundo, sobre relacionamentos, entre outros aspectos. Crenças
mais centrais têm maior impacto sobre o pensamento de uma forma geral, são
mais rígidas e mais difíceis de mudar do que crenças mais periféricas. Ambos
os tipos podem ser inadequados e levar ao aumento de conflitos em um
relacionamento amoroso. Por exemplo, um marido pode ter a seguinte crença
central, “não sou uma pessoa digna de ser amada”. Para tentar não acreditar
nesse pensamento, o esposo pode desenvolver uma crença intermediária do
tipo, “se eu sempre recebo apoio em todas as minhas decisões, então eu sou
amado”, ou do tipo “se minha esposa não concorda comigo a todo o momento,
então estou sendo rejeitado”. Uma vez que a esposa não endossa todas as
ideias do marido, este pode ficar triste e não expressar seus pensamentos, por
acreditar que realmente não pode ser amado por alguém (Beck, 1995).

85
Baucom et al. (1989), Baucom e Epstein (1990) e Epstein e Baucom
(2002) afirmaram que outros tipos de cognições também podem influenciar de
maneira negativa a vida matrimonial Entre elas, podem-se citar a atenção
seletiva, as atribuições, as expectativas, os pressupostos e os padrões.

A atenção seletiva é entendida como um processo de percepção no qual


uma pessoa capta informações de uma situação de acordo com categorias que
fazem sentido ao seu ponto de vista. Além disso, ignora os dados que não se
encaixam em seu perfil de relacionamento. Por exemplo, uma mulher quando
acredita que é fraca, pode ficar atenta aos comportamentos do seu marido que
julgue serem de dominação. Quando ela pede ao parceiro para visitar os pais
dela, e ele não quer ir, a esposa pode pensar que ele nunca atende aos seus
desejos por não respeitá-la. Então, ela pode sentir-se frustrada e passar a evitar
o marido. Entretanto, o parceiro não aceitou o convite por estar sentindo
enxaqueca. Em diversas situações, essa mulher busca fazer diferentes
solicitações que em sua maioria são atendidas pelo marido. Contudo, ela
geralmente presta atenção aos seus próprios desejos, que ele não atende (e.g.,
Baucom et al., 1989).

As atribuições dizem respeito às inferências que os parceiros fazem sobre


a causa e a responsabilidade do acontecimento de determinada situação. Por
exemplo, um parceiro pode culpar sua esposa por todos os problemas conjugais
e não perceber que ele também contribui. As expectativas referem-se ao que um
indivíduo acha que vai acontecer no seu relacionamento. Por exemplo, uma

86
mulher pode esperar que seu marido sempre pergunte como foi seu dia de
trabalho (e.g., Baucom & Epstein, 1990).

Os pressupostos são crenças que as pessoas mantêm sobre a natureza


dos relacionamentos e das pessoas em geral Por exemplo, um homem pode
pressupor que a existência de desacordo entre parceiros é algo prejudicial para
a relação. Os padrões são crenças que um indivíduo tem sobre como “deveria”
ser uma vida conjugal Por exemplo, uma mulher pode acreditar que, numa
relação amorosa, deveria haver o eterno sentimento de paixão (e.g., Epstein &
Baucom, 2002).

Epstein e Baucom (2002) apontaram que as emoções têm um papel


igualmente relevante no funcionamento da vida amorosa. Sentimentos como
raiva, medo, ansiedade e tristeza podem influenciar de forma negativa as
cognições e os comportamentos de ambos os parceiros. Por outro lado,
emoções como amor e felicidade podem influenciar positivamente o convívio
conjugal Casais que há muito tempo estão vivenciando grandes níveis de
estresse em seus relacionamentos tendem a ter mais os primeiros sentimentos
do que os segundos. Por exemplo, uma parceira que solicita a ajuda do marido
para carregar um objeto pesado, e esse não a atende por problemas de saúde
que ela ainda desconhece, pode ficar com raiva ao não ser atendida em sua
solicitação. Ela pode pensar: “ele nunca me ajuda” e gritar que ele é egoísta.

87
Fatores de ordem comportamental também estão relacionados com os
conflitos conjugais. A má comunicação entre os parceiros é um dos principais.
Algumas pessoas têm dificuldades para expressar o que pensam e o que
sentem. Uma esposa pode expressar-se em demasia ou mesmo não mencionar
determinado sentimento, como, por exemplo, raiva (e.g., Baucom & Epstein,
1990).

A resolução inadequada de problemas cotidianos é outro fator


comportamental que também pode ter consequências indesejáveis para os
parceiros em seu relacionamento. Por exemplo, um marido pode ter dificuldade
em definir um problema de ordem financeira com sua esposa, o que pode acabar
por manter o casal mergulhado em dívidas. Além disso, os casais têm de lidar
com temas específicos que podem ser conflitantes, como a educação dos filhos
(Dattilio & Padesky, 1995).

8.3 A terapia cognitivo-comportamental no tratamento de casais: objetivos e


etapas

Diversos autores (e.g., Baucom & Epstein, 1990; Epstein & Baucom,
2002; Dattilio, 2004; Rangé & Dattilio, 2001) têm apresentado sugestões acerca
de como a terapia cognitivo-comportamental pode ser aplicada no tratamento de
casais. A seguir, são discutidos alguns dos principais objetivos e etapas do
tratamento de casais nessa abordagem. Dada a natureza deste artigo, não será
possível fazer uma descrição mais detalhada de todos os procedimentos.
Contudo, literatura disponível em português para os interessados é indicada
(Dattilio & Padesky, 1995; Peçanha, 2005).

88
Pode-se afirmar que os principais objetivos da terapia cognitivo-
comportamental, no tratamento de casais em conflito, são a reestruturação de
cognições inadequadas, o manejo das emoções, a modificação de padrões de
comunicação disfuncionais e o desenvolvimento de estratégias para solução de
problemas cotidianos mais eficazes (e.g., Beck, 1995). Outros procedimentos
utilizados são as alterações de comportamentos que formam padrões
negativamente específicos (Dattilio, 2004).

A avaliação é normalmente a etapa inicial e fundamental do tratamento de


problemas de qualquer natureza dentro da abordagem cognitivo-
comportamental São utilizados diferentes tipos de entrevistas, inventários e
escalas. Um instrumento de avaliação muito utilizado nos Estados Unidos é
o Relationship Belief Inventory - RBI (Eidelson & Epstein, 1982). Outra escala
bastante empregada é a Dyadic Adjustment Scale – DAS (Spainer, 1976;
Spanier & Thompson, 1982). Alguns instrumentos foram validados para a
população brasileira, como o Inventário de Satisfação Conjugal (Dela Coleta,
1989) e a Medida da Satisfação em Relacionamento de Casal (Wachelke,
Andrade, Cruz, Faggiani & Natividade, 2004).

89
Usualmente, a primeira sessão é realizada com a presença de ambos os
cônjuges. Essa é uma oportunidade para o terapeuta verificar as áreas
problemáticas no relacionamento, a interação entre o casal, o modo como eles
se comunicam, os pontos fortes da relação, os fatores externos que possam
estar estressando os parceiros etc. As informações que são obtidas nessa
sessão irão auxiliar no processo de formulação de hipóteses preliminares sobre
os motivos do conflito conjugal (Schmaling et al., 1997).

Após a entrevista inicial, duas sessões costumam ser conduzidas. Cada


uma contando com a presença de apenas um dos parceiros. O objetivo seria
coletar informações que talvez não tenham sido apresentadas inicialmente. Um
parceiro poderia ficar inibido na presença do outro e não revelar situações como,
por exemplo, abuso na infância, violência intrafamiliar, adultério e desejo de se
divorciar. Algumas questões éticas se impõem nessas entrevistas individuais. As
informações prestadas nessas sessões só podem ser reveladas com a
autorização dos participantes, exceto em alguns casos específicos. Por exemplo,
no caso de violência física é necessário que o cônjuge abusado seja
encaminhado para instituições competentes (Dattilio & Padesky, 1995).

Um dos principais alvos da terapia é promover a reestruturação de


cognições disfuncionais. Esse é um processo realizado em diferentes etapas. O
objetivo é fornecer ao casal habilidades que possam diminuir os seus conflitos.
Inicialmente, o terapeuta explica a relação entre as ideias, sentimentos e
comportamentos durante a interação conjugal destrutiva. Cada parceiro aprende
a identificar, a avaliar e a responder aos pensamentos distorcidos que podem

90
estar influenciando de forma negativa o relacionamento. As técnicas mais
utilizadas são os registros de pensamentos automáticos, diários,
questionamentos na sessão, recordações (e.g., Beck, 1995; Rangé & Dattilio,
2001).

A identificação das distorções cognitivas é outra etapa relevante. O


terapeuta ensina o casal a relacionar essas distorções com os pensamentos
automáticos. A apresentação de uma folha contendo uma lista de distorções é
bastante eficaz para atingir esse objetivo. Ambos os cônjuges aprendem também
a verificar e questionar suas crenças intermediárias e centrais. São empregadas
algumas técnicas específicas, como, o questionamento socrático, a técnica da
flecha descendente, e dramatizações (Dattilio, 2004).

São ainda identificadas e questionadas cognições específicas, como


atribuições, pressupostos, atenção seletiva, padrões e expectativas. Alguns
desses padrões podem ser identificados através da aplicação do Relationship
Belief Inventory (Eidelson & Epstein, 1982). Podem ainda ser questionadas as
vantagens e desvantagens da manutenção de certos pressupostos para
satisfação dos cônjuges em seu casamento. As atribuições que os cônjuges
fazem sobre os problemas do seu relacionamento também podem ser
trabalhadas a partir da apresentação de um folheto informativo. Cada parceiro
pode verificar quais das atribuições costumam ser mais freqüentes em relação
ao seu casamento (Baucom & Lester, 1986; Baucom et al., 1989).

91
Parece óbvio dizer que, durante uma conversa, uma pessoa deve ouvir
enquanto a outra fala e vice-versa. Contudo, não é o que parece acontecer com
casais com alto nível de conflito. Muitas vezes, os parceiros falam ao mesmo
tempo e não prestam atenção no que dizem um para o outro, tornando cada vez
mais insuportável a relação. Na parte comportamental do tratamento, destaca-
se o treinamento em comunicação. O foco central desse procedimento é fornecer
ao casal habilidades de escuta e fala que podem auxiliar na diminuição das
brigas e aumentar a satisfação e ajustamento conjugal (Rangé & Dattilio, 2001).

Existem algumas regras básicas que costumam ser discutidas com casais
como pertinentes e úteis para aquele parceiro que deseja falar. Discute-se que
relatos breves, objetivos, claros, descritos em termos comportamentais e
focados em problemas específicos costumam ser os primeiros passos no sentido
de uma comunicação mais eficaz. Além disso, destaca-se a apresentação de
pensamentos e sentimentos pessoais, enfatizando os aspectos positivos e
negativos em um determinado contexto. Por último, enfatiza-se a comunicação
gentil e polida, como é empregada na interação social em geral (Schmaling et
al., 1997).

Por sua vez, o parceiro que está ouvindo precisa ter uma escuta empática.
Denotar atenção ao que a outra pessoa está falando é o ponto inicial de um
diálogo construtivo. Esse comportamento atentivo pode ser realizado através de
verbalizações (ex.: hum-hum) ou mesmo de gestos corporais (ex.: balançar a
cabeça, olhar nos olhos). Folhetos com instruções podem ser utilizados para

92
exemplificar essa técnica e auxiliar no desenvolvimento das habilidades por
parte do casal além disso, o próprio terapeuta pode servir como modelo para os
casais em termos de escuta e fala (Beck, 1995).

De um modo geral, os problemas fazem parte do cotidiano das pessoas.


A convivência de duas pessoas exige que inúmeras questões sejam
compartilhadas. O manejo das finanças do casal é um dos principais pontos que
se apresenta no relacionamento. Quanto, como e em que vai gastar? Fazer
dívidas ou não? A frequência e o estilo do sexo são outros tópicos relevantes no
relacionamento, como, por exemplo, posições preferidas, dias e horários da
semana para a prática sexual os casais ainda precisam decidir sobre ter ou não
filhos e o modo de educá-los. As atividades de lazer compartilhadas costumam
também ser um outro tema relevante a ser solucionado, pois as pessoas
possuem gostos diferentes (Dattilio, 2004).

É comum um parceiro se sentir atraído pelo outro devido a suas


habilidades em manejar determinados assuntos. Por exemplo, uma mulher ao
conhecer seu futuro esposo fica admirada com a capacidade de ele levar uma
vida financeira equilibrada, já que ela, desde sua família de origem, sempre tinha
suas contas repletas de dívidas. O homem, por sua vez, gosta do jeito mais “livre”
93
dela lidar com o dinheiro. Contudo, ao longo dos anos de convivência, a
admiração mútua pode se perder e começar uma série de acusações mútuas.
Ele passa a receber o rótulo de “pão-duro” e ela, de “irresponsável” (Beck, 1995).

Um procedimento largamente empregado para tratar essas questões que


podem ser fonte de graves conflitos para o casal é a técnica de resolução de
problemas. Duas etapas marcam a solução de impasse entre os parceiros. A
primeira refere-se à própria definição do problema. Muitos casais têm
dificuldades para delimitar o que está gerando conflitos. O problema será
definido em termos claros, específicos e comportamentais. Contudo, é comum
um indivíduo fazer uma declaração geral, superficial e não específica ligada a
um atributo de personalidade. Por exemplo, uma mulher que está incomodada
com o fato de o marido gritar com as crianças quando está aborrecido com elas,
diz para ele “você é um troglodita e não vai mudar nunca”. A segunda etapa é a
definição dos passos para a resolução do problema em si mesmo. Em linhas
gerais, são a discussão das possíveis soluções, a adoção de uma das
alternativas e o estabelecimento de um período para a sua implementação. Por
fim, é verificado se essa opção foi eficaz, em caso contrário outro procedimento
é adotado nos mesmos moldes anteriores (Hawton & Kirk, 1997).

94
É importante ressaltar que todo relacionamento tem seus pontos fortes e
fracos. Sabe-se que os anos de casamento conturbado levam a percepção
apenas do lado ruim da vida a dois. O terapeuta aponta e reforça as ações
positivas dos parceiros entre si. Além disso, procura modificar alguns padrões
de comportamentos negativos que estão prejudicando a relação (Epstein &
Baucom, 2002). As interações negativas serão os alvos principais de intervenção
terapêutica (Epstein et al., 1993). Por fim, é importante incentivar os parceiros a
demonstrarem comportamentos mais amistosos um para o outro,
independentemente. Por exemplo, um marido pode esperar que a esposa
modifique primeiro seus comportamentos para, depois, ele alterar os dele. O
terapeuta aponta que esse tipo de postura traz desvantagens e, através, de
breves relatos pode sinalizar a importância da modificação do próprio
comportamento da pessoa para o aumento da satisfação conjugal (Schmaling et
al., 1997).

Intervir nas reações emocionais excessivas ou deficitárias é um ponto


relevante na terapia cognitivo-comportamental com casais. O tratamento de
casais busca auxiliar os parceiros a desenvolver habilidades para manejarem e
expressarem suas emoções funcionalmente. Algumas pessoas tendem a não
tolerar emoções desagradáveis e expressar seus sentimentos de uma forma
exagerada. Por exemplo, uma esposa que não recebe atenção de seu marido,
quando expõe um problema em seu trabalho, pode sentir raiva e começar a
hostilizar seu companheiro. Outros indivíduos apresentam déficits na percepção
de suas próprias emoções, podem negligenciá-las e, em consequência disso,
não as expressar de forma funcional esses fatores podem derivar do modelo

95
educacional recebido em cada contexto familiar original de ambos os parceiros
(Epstein & Baucom, 2002).

Uma técnica utilizada é a identificação de uma emoção e sua relação com


os pensamentos automáticos. Outra é avaliar o grau de intensidade dos
sentimentos em uma situação específica. O paciente aprende, ainda, a
expressar seus sentimentos, ou seja, a direcionar sua fala para problemas
específicos e comportamentais. O role-play é um procedimento utilizado ao logo
do tratamento e que, na interação entre cliente e terapeuta, é possível treinarem-
se essas habilidades específicas (Dattilio, 2004).

No trabalho com casais em conflito utiliza-se, ao final, a técnica de


prevenção de recaídas. Esse é um procedimento importante, dentro da terapia
cognitivo-comportamental, para o tratamento de diferentes transtornos
psicológicos. A partir da primeira sessão, os pacientes são preparados para
eventuais recaídas e vão sendo ainda orientados para o término dos
atendimentos. O objetivo é a antecipação de prováveis “quedas” e retomadas de
alguns comportamentos que eram responsáveis pelos conflitos conjugais
(Schmaling et al., 1997).

9.0 TERAPIA DE CASAL E PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL

96
A intervenção terapêutica com casais tem sido uma área de interesse de
teóricos e clínicos. A preocupação com a qualidade matrimonial é fundamentada
em décadas de pesquisas que indicam que o bem-estar individual está
fortemente relacionado a estar casado. Além disso, estes estudos apontam que
a satisfação conjugal é muito mais importante para o bem-estar da pessoa do
que fatores como sucesso profissional, religião, moradia e finanças (Fowers,
2001).

Tipicamente, quando os casais se apresentam para a terapia conjugal,


cada membro, de algum modo, culpa o outro pelos problemas que estão tendo,
não reconhecendo a sua participação na perpetuação do sofrimento em que eles
se encontram. Os parceiros acabam se apegando mais às suas posições,
aumentando a polaridade entre eles, e é justamente através de tais padrões
destrutivos que as duas pessoas, que inicialmente estavam apaixonadas, se
tornam tão polarizadas como exércitos contrários (Cordova & Jacobson, 1999).

A incapacidade de resolver problemas é um fator característico de casais


perturbados que vão acumulando brigas e problemas não resolvidos durante o
relacionamento (Schmaling, Fruzzetti & Jacobson, 1997). A comunicação
ineficaz é outro problema comumente encontrado nesses casais que, na
tentativa de resolverem seus conflitos, acabam por agravar ainda mais a
situação, ou desencadeiam um novo problema. Desta forma, a falta de
habilidade de comunicação se torna particularmente destrutiva, podendo gerar,

97
potencializar ou manter problemas conjugais. Por outro lado, a comunicação
eficaz pode ser um dos pré-requisitos para uma boa negociação.

A princípio, a promoção da satisfação conjugal pela melhora da


comunicação parece ser tão simples e direta que pesquisadores conjugais
concentraram os esforços em seu estudo. Assim, ensinar habilidades de
comunicação passou a ser uma das abordagens mais comuns utilizadas para
melhorar o relacionamento de casais (Fowers, 2001). Apesar de muitas
discordâncias sobre as fontes e processos de sofrimento conjugal, ensinar
habilidades de comunicação e solução de problemas, de alguma forma, é parte
das terapias comportamentais dos cônjuges (Gottman, Notarius, Gonso &
Markman, 1976; Jacobson & Christensen, 1996; Schmaling et al., 1997;
Shoham, Rohrbaugh & Patterson, 1995).

9.1 A comunicação peculiar dos casais

A comunicação envolve um falar e o outro ouvir, e vice-versa. Tal fato tão


corriqueiro e estrutural na vida de todas as pessoas adquire elementos
peculiares quando se trata de casal. A conversação entre o casal possui
características e componentes bastante diferentes de qualquer outra (Otero &
Guerrelhas, 2003). Pesquisas apontam que a diferença da comunicação entre
pessoas estranhas e a de casais é que, durante uma conversação entre
cônjuges, um dos parceiros interrompe mais o outro; "puxa o parceiro pra baixo";

98
fere mais os sentimentos um do outro e; são mais rudes entre si. O que não
ocorre entre pessoas estranhas (Gottman et al., 1976).

De acordo com Christensen e Jacobson (2000), na interação do casal


existem alguns comportamentos desencadeantes de conflitos, denominados de
gatilhos. A crítica, a exigência, o acúmulo de aborrecimentos e mágoas e a
rejeição são eventos que desencadeiam desavenças. Um dos cônjuges pode
fazer uma observação que em seu ponto de vista seja uma sugestão construtiva,
mas que para o seu parceiro é uma acusação injusta ou difamação. Outras
vezes, o companheiro faz observações com a intenção de magoar ou puxar o
outro para baixo. As solicitações e pedidos de um podem ser interpretados pelo
outro como exigências injustas e ilegítimas. Quando ocorrem repetidamente,
estes eventos tornam a pessoa mais sensível aos gatilhos, até que, com o passar
do tempo, qualquer provocação acende uma discussão.

Outros problemas de comunicação também são enfatizados por Carey,


Wincze e Meisler (1999): discutir um assunto e desviar para outro, adivinhar a
intenção da declaração do parceiro, por achar que o conhece muito bem; embutir
uma queixa em cada resposta dada ao parceiro e reproduzir a mesma discussão,
repetidamente, sem progresso ou solução.

99
A comunicação tende a se tornar aversiva, até que um dos parceiros
passa a se esquivar dessa interação incômoda em lugar de enfrentar o problema
e tentar resolvê-lo. A esquiva impede a solução satisfatória do problema, que
resulta de seu enfrentamento, tirando a chance do indivíduo de obter acesso a
reforçadores maiores futuramente, e/ou agravando ainda mais o conflito.
Comportamentalistas entendem que este problema é resultado natural do
grande poder do reforço negativo imediato comparado ao reforço positivo de
longo prazo, que possui um efeito fraco (Rabin, Tsai & Kohlenberg, 1996).

Não é raro ver, no atendimento a casais, como a escalação de conflito


inicia e termina. A conversa começa com os parceiros compartilhando, na
maioria das vezes, o mesmo objetivo: o de resolver um problema; mas termina
em "situação de guerra", um tentando convencer o outro a mudar de lado. A cada
troca de fala aumenta o tom agressivo da conversa. Neste processo, sobram
acusações ao companheiro e a quem mais, de alguma forma (familiares, amigos,
etc.), estiver do mesmo lado dele.

100
A conversa termina em discussão porque o efeito agressivo de um
comentário provavelmente é subestimado pelo falante. O indivíduo não pode
retribuir uma resposta de agressão na mesma proporção em que recebeu,
porque não é fácil fazer essa comparação. Então, cada um pode desprezar a
força da resposta agressiva que deu, sendo o efeito final deste sistema de
interação instável a ligeira tendência de dar um pouco mais do que recebeu.
Ademais, consequências punitivas repetidas provavelmente geram uma
disposição emocional na qual naturalmente aumenta a agressão (Skinner, 2000).

Outro efeito colateral produzido pela punição é o comportamento de fuga.


Se a vítima de punição puder, de algum modo, sair da situação, há de fazê-lo.
Assim a punição, além de reduzir a conduta indesejável, também aumenta a
probabilidade do comportamento de fuga, que, entretanto, pode não ser o
resultado desejado pelo punidor, o qual pode nem saber da conexão entre a
punição e a fuga. Incontáveis casamentos terminam por causa da confiança
excessiva em controle coercitivo de um ou de ambos os parceiros. O punidor
não percebe que o desejo do outro de romper o casamento é resultado das
próprias estratégias de controle (Sidman, 1995).

Muitas vezes, quando um parceiro quer algum tipo de mudança do outro


e este resiste, sua primeira reação é recorrer à coerção, podendo ela tomar a
forma de induzir culpa, chorar, ameaçar, negar o carinho, ou até de agressão
verbal e física. Usualmente o parceiro se engaja numa dessas técnicas, até que

101
o outro finalmente se renda. Um parceiro é reforçado a ser coercitivo pela
submissão do outro, cujo comportamento de submeter-se é reforçado por não
mais ficar sujeito ao comportamento coercitivo do parceiro. Assim, o uso da
coerção dentro de um relacionamento facilmente leva à escalada do conflito,
porque formas cada vez mais acentuadas de coerção se tornam necessárias
para alcançar um resultado similar (Cordova & Jacobson, 1999).

O aumento na troca de estímulos aversivos leva a uma redução


concomitante na habilidade dos parceiros para mudar o comportamento um do
outro. Patterson e Hops (1972) supõem que as exigências para mudar
comportamento acompanhadas por estimulação aversiva são mais aptas a
produzir o contra-ataque do que alguma interação relacionada ao problema
existente. Por sua vez, o contra-ataque leva a um ataque adicional e o casal se
torna, efetivamente, impossibilitado de solucionar o problema. Esse problema
pode ser semelhante ao enfrentado de maneira construtiva por outros casais.
Segundo Gottman et al. (1976), casais com ou sem conflitos parecem ter
precisamente os mesmos conjuntos de problemas. Possivelmente o que os
diferencia sejam, entre outros fatos, as habilidades de comunicação e de solução
de problemas.

Não obstante, não é correto afirmar que somente os casais que dispõem
de habilidades de comunicação muito sofisticadas gozam de maior satisfação

102
conjugal. De acordo com McNulty e Karney (2004), as habilidades precisam
emparelhar-se com as regras (expectativas, exigências etc.) que os parceiros
têm a respeito do casamento; ou seja, se os cônjuges esperam muito do
casamento, é importante que tenham habilidades altas. Por outro lado, se
esperam pouco do casamento, a exigência quanto às habilidades não será tão
alta para se alcançar uma maior satisfação. Expectativas positivas podem levar
a circunstâncias melhores porque elas afetam e melhoram o comportamento;
porém, se as pessoas têm expectativas altas e não alcançam resultados bons,
elas podem ficar muito desapontadas. Assim, expectativa positiva quanto ao
casamento nem sempre prediz uma satisfação conjugal, sendo mais importante
que a expectativa do casal seja realista e compatível com suas habilidades e
nível de estresse ambiental.

Além disso, há uma tendência a que o bem-estar no casamento tende a


piorar. Para algumas pessoas o casamento começa como fonte de satisfação,
mas termina como fonte de frustração e desesperança. Existe a tendência dos
reforçadores diminuirem sua eficácia com as repetidas experiências. Como os
parceiros se habituam um com o outro e se tornam saciados com o reforço que
o outro fornece, as experiências que uma vez foram excitantes podem se tornar
rotineiras e comuns. Se o casal tem uma gama limitada de reforços e é inábil
para expandir seus repertórios de reforços, os parceiros podem experienciar a
perda da satisfação (Christensen, Jacobson & Balcock, 1995).

103
Karney e Bradbury (1995) apontam que a satisfação matrimonial tende a
amortecer os cônjuges do impacto dos eventos negativos da vida, tendo as
interações cotidianas do casal um impacto importante na estabilidade e saúde
do relacionamento (Driver, 2004). Por outro lado, as consequências negativas
da instabilidade e do sofrimento conjugal se refletem no bem-estar físico e
emocional dos cônjuges e dos seus filhos e se constituem na principal razão que
leva as pessoas a buscarem psicoterapia (Koerner, Jacobson & Christensen,
1994).

9.2 As transformações da terapia de casal

A terapia comportamental tradicional de casal (TCTC) surgiu na tentativa


de aplicar a teoria comportamental em trabalhos terapêuticos com casais. Com
base nos princípios operantes e na teoria das trocas sociais, a TCTC possibilita
a ligação entre a satisfação conjugal e a proporção de comportamentos positivos
e negativos trocados pelo casal. Quando um desequilíbrio ocorre, sendo
trocados mais comportamentos aversivos do que aprazíveis, o casamento
provavelmente é instável e insatisfatório. Intervenções focando as trocas entre
os parceiros (contratos de intercâmbio comportamental) são usadas para
aumentar a frequência de trocas positivas. Os parceiros aprendem a interagir da

104
maneira especificada no contrato, praticando as lições de casa apresentadas
pelo terapeuta (Stuart, 1969).

Aumentar a frequência de trocas positivas de comportamentos propicia


algum alívio ao sofrimento causado por um problema específico. Não obstante,
as interações positivas podem produzir mudanças rápidas, porém, passageiras.
Na literatura aposta-se mais na possibilidade de obter mudanças duradouras
pelo uso de técnicas de comunicação e solução de problemas (Berns, Jacobson
& Christensen, 2000). Nessas abordagens, os companheiros aprendem a ser
seus próprios terapeutas, aplicando as habilidades aprendidas às discussões
futuras e promovendo mudanças de maneira não coercitiva. Entretanto, para
alguns problemas de casal, estratégias de mudança não surtem efeito. Um terço
dos casais tratados com TCTC não obtém nenhum benefício com a terapia.
Dentre os que se beneficiam, aproximadamente um terço recai entre um ou dois
anos. Assim, apenas a metade dos casais tratados com TCTC melhora e
mantém os resultados ao longo do tempo (Chistensen et al., 1995).

A revisão de pesquisas sobre os resultados da TCTC revela que os casais


que obtiveram maior sucesso eram os que, antes de iniciar o tratamento, tinham
menos sofrimento conjugal, eram jovens, mais engajados emocionalmente e
menos polarizados quanto às questões básicas. Isso porque casais mais

105
compatíveis e com menos sofrimento conjugal podiam trabalhar juntos os seus
problemas, enfrentando-os de pontos de vista similares; já os casais jovens
ainda não estavam presos à rotina de comunicação ineficaz e assim se
empenhavam mais no compromisso; e finalmente, a "química" de casais
emocionalmente engajados os mantinha interagindo, ao contrário de evitar
conflitos. Quando todos estes fatores se combinavam, o resultado era um casal
que podia colaborar, adaptar-se e equilibrar o dar-e-receber da relação (Berns
et al., 2000).

Objetivando alcançar os outros casais, bem como aumentar o poder do


tratamento em geral, o grupo de Jacobson desenvolveu a terapia
comportamental integrativa de casal (TCIC), na qual intervenções que geram
aceitação emocional são combinadas com terapia comportamental de casal
orientada à mudança (Otero & Ingberman, 2004).

No nível teórico, a TCIC representava um retorno à filosofia básica do


behaviorismo moderno, o que significa que é uma abordagem contextual, em
que o comportamento de cada indivíduo - portanto, o de cada casal - é formado
e mantido por eventos ambientais singulares e somente pode ser compreendido
quando considerado no interior de seus contextos pessoais únicos. Em outras
palavras, dentro de um casal particular, cada membro aprendeu como se
comportar num relacionamento íntimo por intermédio das diferentes experiências
de uma vida inteira, inclusive de suas experiências contínuas dentro do
relacionamento presente (Cordova & Jacobson, 1999).

106
As estratégias de mudança da terapia comportamental de casal são
dependentes da capacidade de cada um dos parceiros para colaborar. Assim
sendo, os casais que possuem dificuldades em se conciliar e colaborar entre si
se tornam mais arraigados às suas posições, quando submetidos a essas
técnicas. Os autores mostraram que esses casais estariam em melhores
condições usando seus problemas como veículos para um autoconhecimento
mais profundo do que tentando livrar-se deles. Assim, a TCIC originou-se desse
deslocamento da ênfase, integrando estratégias que promovem aceitação dos
problemas com estratégias de mudança (Cordova & Jacobson, 1999).

Muitas estratégias de mudança da TCTC também aparecem na TCIC -


por exemplo, os procedimentos referentes à troca comportamental e ao treino de
comunicação e resolução de problemas (Jacobson & Holtzworth-Munroe, 1986).
Dentro da TCIC, trabalhar a aceitação usualmente precede a troca
comportamental e o treino de comunicação e resolução de problemas, em razão
do que o casal se torna mais propenso a colaborar, levando o foco para o nível
da relação, e não do individual (Berns et al., 2000). Todavia, o terapeuta decide
se começa o tratamento com ênfase na mudança ou na aceitação. Na maioria
dos casos, o plano terapêutico consiste de alguma combinação das estratégias
de aceitação e mudança. Para o clínico decidir como integrar a mudança e a
aceitação, em um caso particular, os indicadores mais úteis são o nível de crise
do casal, o compromisso, o envolvimento emocional, a compatibilidade e a
colaboração. Se esses indicadores tenderem a uma direção positiva, sugere-se
a ênfase na mudança; se se inclinarem em direção ao negativo, geralmente é
melhor iniciar a terapia com ênfase na aceitação.

Não existe evidência de que as habilidades ensinadas no treino de


comunicação e resolução de problemas se assemelhem às estratégias usadas
espontaneamente por casais felizes em lidar com conflito. De fato, a maioria das
pesquisas existentes diz que nossas regras de engajamento são bastante
arbitrárias. Contudo, alguns casais vão à terapia solicitando especificamente
uma abordagem estruturada para lidarem com conflitos. Assim, o treino de
comunicação e solução de problemas continua exercendo papel importante
dentro da TCIC (Jacobson & Christensen, 1996).

107
No treino de resolução de problemas, o casal define uma questão
conflitual, negocia a solução para o problema e estabelece um contrato ou pacto
para mudança (i.e., uma regra). O terapeuta reforça a complacência com a regra,
mas espera que reforços naturais mantenham o comportamento. No treino de
comunicação, o objetivo é treinar sistematicamente habilidades de comunicação
no casal que possam ser usadas para interações mais proveitosas no cotidiano.
(Christensen et al., 1995). Apesar de alguns investigadores os tratarem como um
único módulo, os dois tipos de treino são realmente bastante diferentes e podem
ser distinguidos quanto ao conceito e ao procedimento (Jacobson & Christensen,
1996).

9.3 Treino de resolução de problemas

Os pequenos problemas do cotidiano podem aparecer no foco de uma


crise de casal. Questões como planejamento financeiro, a educação dos filhos e
as atribuições domésticas podem acarretar sentimentos de raiva e ressentimento
e acabar impregnando todo o relacionamento. O treinamento em resolução de
problemas ensina aos casais estratégias concretas para lidar com esses
problemas, que invariavelmente afloram durante um relacionamento. As
estratégias destinam-se especificamente a promover a mudança, e são
utilizadas apenas naquelas circunstâncias em que se acredita que a mudança
seja possível mediante uma negociação direta (Cordova & Jacobson, 1999).

108
O treino em resolução de problemas não é indicado para qualquer
problema, somente para comportamentos que estejam sob controle voluntário
dos parceiros, tais como, organizar a casa, planejar as férias ou o orçamento,
cuidar dos filhos etc. Por outro lado, desejo sexual, confiança, amor ou algum
tipo de experiência afetiva não estão sob controle voluntário, por isso são pobres
candidatos ao treino de resolução de problemas (Jacobson & Christensen,
1996).

No treino de resolução de problemas os casais são ensinados a seguir


passos formais durante a negociação de uma solução para o problema. A
primeira diretriz geral é a definição do problema, que tem como objetivo alcançar
uma descrição clara e específica do mesmo problema. Depois de definido o
problema, o casal passa para a tempestade de ideias. O objetivo desta fase é
chegar a tantas soluções diferentes quantas for possível. Durante a tempestade
de ideias, o casal gera a maior diversidade possível de soluções para o
problema, sem se preocupar com a sua qualidade. Até soluções engraçadas e
absurdas são encorajadas para evitar qualquer autocensura ou o risco de excluir
uma ideia que poderia ser valiosa. Esgotadas as possibilidades imaginadas, o

109
casal avalia cada proposta. Ideias absurdas são eliminadas e soluções possíveis
são consideradas pelas suas vantagens e desvantagens. Por último, a escolha
da solução possível deve enfatizar a negociação e o compromisso mútuo e o
acordo alcançado deve ser concretizado nos aspectos da sua execução prática
e formalizado por escrito (Christensen et al., 1995).

9.4 O treino de comunicação na clínica

De acordo com Berns et al. (2000), o treino de comunicação é tão


amplamente usado por terapeutas de casal que é quase impossível revisar todas
as diferentes formas que emergiram. Sherman, Oresky e Rountree (1991)
enfatizam os seguintes aspectos específicos do treino de comunicação: criar um
ambiente seguro; enviar mensagens claras sobre o que se quer em lugar do que
não se quer; dar, e não reter informações; ser específico e não vago; informar
em lugar de esperar que o outro saiba; eliminar mensagens duplas, tais como
"sim, mas" ou palavras com tom de voz ríspido; e corrigir suposições sobre o que
eu acho que o outro acha de mim. Assinalam também a importância de o casal
se comunicar na mesma linguagem. O exemplo da esposa que continua se
queixando da ausência do marido, que diz passar bastante tempo ao lado dela,
ilustra esta afirmativa, já que a simples presença do companheiro pode ter pouco
significado para alguém que quer fazer coisas junto com o outro. Então, se
sentimentos não forem expressos na linguagem particular do ouvinte, o impacto
será bem menor que o planejado, pois o marido não entenderá a queixa da
esposa, uma vez que está sempre ao lado da mulher.

110
O parceiro deve aprender a dizer sem ambiguidade o que querem do
outro, abrindo mão de estratégias de controle aversivo. A contribuição de uma
precisa ser reconhecida pelo companheiro. Isto pressupõe que o parceiro
adquira a capacidade de tomar a perspectiva do outro (Stuart, 1969). Essas
ideias foram desenvolvidas por Rose (1977) na forma de uma oficina de
habilidades de comunicação. Em seu trabalho, a comunicação foi definida como
o processo pelo qual cada parceiro interpreta os estímulos originados pelo outro.

Embora os parceiros possam tentar transmitir mensagens durante a


interação, os terapeutas consideram que a comunicação é o resultado da
interpretação criativa dos estímulos. Esse processo pode não ser o resultado de
intenções conscientes, e é necessariamente influenciado pela história dos
parceiros e do contexto em que a comunicação ocorre. A meta do treino de
comunicação é aumentar a correspondência entre o significado que o ouvinte
atribuiu aos estímulos recebidos e o significado do que o falante queria passar.
Três características de comunicação efetiva são propostas: consciência da
intenção - saber a consequência que se quer produzir com a comunicação (gesto
ou fala); abertura para feedback - aceitar que o outro corrija a interpretação; e
qualidade positiva ou negativa da comunicação - facilitar a responsabilização do
emitente pela intenção e aceitação de eventual correção de interpretações, por
exemplo, pela formulação positiva de pedidos de mudança, que torna o falante
mais propenso a assumir a responsabilidade pelo seu pedido (Rose, 1977).

As oficinas descritas por Rose (1977) são um exemplo típico do treino de


comunicação. Elas têm como meta ensinar habilidades de troca de mensagens
positivas, de comunicar-se de maneira focalizada e específica, e habilidades de
dar e receber feedback. Tipicamente, trabalha-se com grupos de três a cinco

111
casais. Os métodos são discussões didáticas, modelação pelos terapeutas e
dramatizações no grupo. A modelagem é frequentemente necessária tanto para
melhorar uma habilidade durante uma sessão, quanto para, gradualmente,
construir uma nova habilidade no decorrer de várias sessões.

A primeira sessão das oficinas programadas de Rose (1977) serve


principalmente para introduzir o tema do trabalho a ser desenvolvido. O conceito
de comunicação direta é exposto e o método de treino, explicitado. Depois, são
apresentadas as habilidades básicas descritas por Stuart (1969), que são:
solicitar uma resposta do ouvinte depois de ter falado; parafrasear o que o outro
falou; introduzir momentos planejados que são dedicados exclusivamente à
comunicação. É sugerido em seguida que os participantes pratiquem tais
habilidades em casa. Assim, os casais ganham uma primeira experiência direta
e pessoal com os assuntos que serão elaborados a seguir.

112
Na segunda sessão, as experiências em casa são usadas como
ilustrações da teoria que embasa as oficinas. É discutido que mensagens
ambíguas causam mal-entendidos. A troca de papéis (em que o ouvinte faz o
papel do falante repetindo a mensagem) é usada como método de aprender a
emitir mensagens claras. Depois, dramatizações são usadas para mostrar as
vantagens do controle por reforço positivo em comparação com a interação
coercitiva. Finalmente, cada participante é instruído a compor uma lista de
atividades prazerosas, que é deixada à disposição do parceiro para ser usada
no cotidiano como lista de reforçadores. Usando os itens da lista, o parceiro pode
reforçar determinados comportamentos no repertório de quem fez a lista.

Na terceira sessão, trabalha-se mais detalhadamente a possibilidade de


substituir padrões dolorosos de interação por padrões positivos. O procedimento
de comunicação seletiva (Stuart, 1969) é treinado. Cada parceiro, antes de
encaminhar um recado, primeiro se pergunta: "É verdade?"; "Está na hora de
falar isso?"; "Será que é construtivo falar isso?". As mensagens são formuladas
de maneira positiva, visando à interação recíproca e, de maneira específica, ao
favorecimento da clareza. Perguntas usando "por que" são reformuladas em
perguntas questionando "o que" e "como", possibilitando uma comunicação mais
objetiva e útil.

A quarta sessão é dedicada à identificação de problemas e conflitos nos


relacionamentos dos casais participantes, e sua operacionalização. O maior
número possível de soluções alternativas é gerado numa tempestade de ideias.

113
A quinta sessão é dividida em duas partes. Na primeira, as soluções
propostas na sessão anterior são avaliadas de acordo com as consequências a
curto e longo prazo. A partir das soluções escolhidas, formulam-se planos de
ação nos termos de um contrato entre os parceiros (cada parceiro promete emitir
o comportamento que o outro deseja, quando ele cumprir o que foi estipulado).
Finalmente, critérios específicos e explicitamente observáveis são formulados
para avaliar a aplicação prática do contrato. Na segunda metade da sessão os
exercícios de comunicação inspirados no trabalho de Stuart (1969) são
novamente aplicados. Nesta parte os participantes aprendem as seguintes
habilidades: não atender a gestos que contradizem os conteúdos verbais (é o
que a pessoa fala que deve ser levado em conta); interpretar estímulos ambíguos
sempre positivamente (um sorriso significa felicidade, e não sarcasmo); pedir
clarificação quando o recado não é de fácil interpretação (a dupla verificação:
quem tenta interpretar o recado pergunta se o emitente quis dizer o que entendeu
e o emitente reformula o recado, pedindo ao receptor que resuma com outras
palavras o que entendeu desta vez); e tomar a perspectiva do outro (colocar-se
no lugar do parceiro, tentando relatar o ponto de vista deste). A sexta e última
sessão trata da aplicação das habilidades aprendidas nas áreas de conflito no
relacionamento. Nesta última etapa, as oficinas acabam por ensinar diretamente
como as estratégias de comunicação devem ser aplicadas quando o casal tenta
solucionar seus conflitos.

Jacobson e Margolin (1979) usaram o treino de comunicação como uma


abordagem didática para ensinar aos casais como ouvir melhor e como se
expressar mais diretamente e de modo menos capaz de gerar comportamento
defensivo no parceiro. Empregaram o treino de escuta ativa, em que o ouvinte
era estimulado a comunicar o que ouviu, resumindo o que o falante disse. Em
um estágio de aprendizado mais avançado, o ouvinte tentava captar o estado
emocional do falante, além de resumir o conteúdo do que ouviu e validar o ponto
de vista e sentimentos do falante. Semelhantemente, Gottman et al. (1976)
trabalhavam a habilidade de expressão, que envolvia declarar sentimentos de
forma clara e objetiva, dizendo ao parceiro o que está sentindo, em lugar de dizer
o que ele está fazendo de errado, e para evitar comportamento defensivo no
parceiro, usar declarações com "eu" ao invés de "você", ser polido e fazer críticas
às ideias, e não à própria pessoa.

114
REFERÊNCIA

- https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19793/19101

- https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/19417/14010

- https://www.larpsi.com.br/media/mconnect_uploadfiles/c/a/cap_01xxo.pdf

- https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/casamento.htm

- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1994000200006

-http://institutofamiliare.com.br/wp-content/uploads/2018/10/Marina-Vieira-de-Araujo-B%C3%BArigo-
2010-TERAPIA-DE-CASAL-Uma-vis%C3%A3o-sist%C3%AAmica.pdf

- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872008000100009

- http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722008000100019&script=sci_arttext

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