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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DE BELO HORIZONTE

INSTITUTO RENASCER DA CONSCIÊNCIA


Pós-graduação em Psicologia Transpessoal

Fernanda C. Braga Pereira

MANDALA
Um recurso transpessoal

Belo Horizonte
2017
Fernanda C. Braga Pereira

MANDALA
Um recurso transpessoal

Trabalho de conclusão de curso apresentado


à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas
de Belo Horizonte e ao Instituto Renascer da
Consciência como pré-requisito parcial para
a conclusão da pós-graduação latu sensu
em Psicologia Transpessoal.

Orientadora: Prof.ª M.ª Luciana Cangussu

Belo Horizonte
2017
Fernanda C. Braga Pereira

MANDALA
Um recurso transpessoal

Trabalho de conclusão de curso apresentado


à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas
de Belo Horizonte e ao Instituto Renascer da
Consciência como pré-requisito parcial para
a conclusão da pós-graduação latu sensu
em Psicologia Transpessoal.

Orientadora: Prof.ª M.ª Luciana Cangussu

Coordenadora Geral

____________________________________
Gislaine Maria D‟Assumpção

Coordenadora Pedagógica

____________________________________
Marisa Estela Sanabria Tejera

Belo Horizonte, 02 de maio de 2017.


Todo ser que entra no santuário inefável de sua própria
natureza encontra ali um símbolo do Pai de Todos.
Proclus
RESUMO

O presente estudo buscou compreender a mandala como uma ferramenta


transpessoal. Como estratégia metodológica, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica, a partir de livros e dissertações das áreas da Psicologia, da Religião e
da Arteterapia. Os referenciais teóricos que fundamentaram este trabalho
possibilitaram o delineamento das principais características presentes na mandala,
tais como: presença de um centro, aspecto harmonizador/reintegrativo e associação
com o sentido de "divino" (sagrado). Foram também apresentadas: “A grande roda
das formas mandálicas” e “A mandala da curva do desenvolvimento da consciência”
a fim de complementar a reflexão sobre o papel da mandala do nível pessoal ao
cósmico. Dessa forma, foi proposto, como conclusão, que a mandala configura-se
sim, como um recurso transpessoal, uma vez que apresenta características que
orientam o indivíduo, reorganizando-o no nível pessoal e impulsionando-o para além
deste.

Palavras-chave: Arteterapia, Consciência, Mandala, Psicologia Transpessoal,


Religião.
ABSTRACT

The present study tried to understand mandala as a transpersonal tool. As a


methodological strategy, a bibliographical research was carried out, based on books
and dissertations from Psychology, Religion and Art Therapy. The theoretical
references that provided the basis for this work allowed us to delineate the main
features present in the mandala, such as: presence of a center, harmonizer and
reintegrative aspects and association with the sense of "divine" (sacred). It was also
presented: "The great round of mandala forms" and "The mandala of the curve of the
developing of consciousness", in order to complement the reflection on the role of the
mandala from the personal to the cosmic level. Then, it was proposed, as a
conclusion, that the mandala is configured indeed as a transpersonal resource, once
it presents characteristics that orient the individual, reorganizing him/her on the
personal level and pushing him/her beyond.

Keywords: “Art Therapy”. “Consciousness”. “Mandala”. “Transpersonal Psychology”.


“Religion”.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................8
1.1 Objetivos......................................................................................................9
1.2 Justificativa...................................................................................................9
1.3 Metodologia................................................................................................10

2 DESENVOLVIMENTO.....................................................................................11
2.1 Psicologia Transpessoal............................................................................11
2.2 Psicologia Analítica Junguiana...................................................................16
2.3 Mandala......................................................................................................21

3 CONCLUSÃO...................................................................................................48

REFERÊNCIAS....................................................................................................50
8

1. INTRODUÇÃO

Inicio este trabalho, a partir da minha história pessoal. Graduei-me em


Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2009. E,
desde então, atuo na área, acompanhando indivíduos de todas as faixas etárias. Na
primeira consulta, a primeira pergunta: “o que te trouxe até aqui?”. E, diante dessa
questão, cada resposta traduzia uma demanda específica, mesmo que a queixa
fonoaudiológica fosse idêntica. Cada pessoa é única dentro dessa experiência. Por
isso, minha busca era tratar da maneira mais individual, mais humana, levando em
consideração a história e a trajetória dos pacientes.

Lidar com a perspectiva individual abriu-me para a possibilidade de enxergar meus


pacientes com outro olhar e, assim, surgiu minha necessidade em estudar a
Psicologia Transpessoal. Minha formação na Pós-graduação em Psicologia
Transpessoal ocorreu entre maio 2015 e outubro 2016, oferecida pelo Instituto
Renascer da Consciência em parceria com a FACISA-BH (Faculdades de Ciências
Aplicadas de Belo Horizonte).

A Psicologia Transpessoal ampliou minha percepção acerca não só dos meus


pacientes, como a minha percepção sobre minhas próprias questões. Nesse
contexto, surgiu a possibilidade de atuar não só como fonoaudióloga, mas também
como terapeuta transpessoal. E, dentro desse universo, cresceu dentro de mim o
interesse de atuar com Mandalas. Durante o curso de pós-graduação, vivenciamos
dois módulos sobre o tema e, no período entre um e outro, um intenso trabalho
interno e vivencial com mandalas livres.

Esse trabalho vivencial me fez resignificar vários processos e conflitos internos.


Pude entrar em contato com diversos sentimentos que estavam adormecidos ou
distorcidos. A mandala, como uma ferramenta de autoterapia, auxiliou-me a integrar
diversos aspectos do meu ser, trouxe-me mais harmonia e consciência para lidar
com a dicotomia da vida: prazer/desprazer, alegria/tristeza, bonito/feio, forte/fraco,
grande/pequeno, bom/ruim e uma infinidade de contrastes que modelam nossa
maneira de ver a vida.
9

Verificar como essas vivências transformaram a mim e aos meus colegas me


despertou para a importância do uso terapêutico das Mandalas dentro do consultório
e fora dele (como ferramenta de autoterapia). Esse fato serviu como um incentivo
para investigação do tema, bem como para a escrita sobre o assunto:

o Quais características da mandala a tornam um recurso transpessoal?

1.1 Objetivos

Geral:

 Apresentar as características da mandala que a tornam um recurso


transpessoal.

Específicos:

 Enfatizar as premissas que norteiam a Psicologia Transpessoal;

 Explicitar os elementos importantes da Psicologia Analítica que se vinculam

ao tema da pesquisa;

 Destacar a questão do centro da mandala;

 Apresentar os princípios da mandala, a partir da experiência dos Tibetanos e

dos índios Navajos;

 Contextualizar o Grande Círculo das Formas Mandálicas e a Mandala da

curva do desenvolvimento da consciência;

 Refletir sobre a importância do uso das mandalas no contexto terapêutico.

1.2 Justificativa

Carl G. Jung, psiquiatra e psicólogo fundador da Psicologia Analítica, foi responsável


por introduzir a mandala no Ocidente, termo que significa em sânscrito “círculo” e
“centro”. A mandala representa simbolicamente a totalidade psíquica do ser. Por
isso, encontra-se expressa nas formas mais variadas ao longo da historia da
humanidade.
10

Presente em diferentes culturas, a forma mandálica aparece em catedrais,


mesquitas, templos e monumentos. Os rituais dos povos antigos são constantes e
associam-se ao sentido de sagrado. Na criação humana, as mandalas aparecem na
arte, nos sonhos, nas fantasias, criando a possibilidade de reintegração do homem
com o universo.

A mandala regula a psique e restabelece a harmonia interna ao dissolver os conflitos


entre opostos. Além disso, é importante na estruturação e no desenvolvimento do
ego e nos oferece simbolicamente a sensação de proteção, pois nos remete à
experiência de útero. Sua criação é ao mesmo tempo conservadora e inovadora. Ela
restaura a ordem interna e simultaneamente, propicia-nos a possibilidade de
experimentar e criar algo novo e único.

Seu caráter intrínseco de regulação e inovação para a psique evidencia seu


potencial no contexto terapêutico. O uso da mandala como um recurso transpessoal
torna-se essencial ao terapeuta transpessoal, uma vez que, por meio dela, podemos
vivenciar experiências de transformação, expansão consciencial, meditação e
reintegração com o Todo.

O trabalho acerca do uso das mandalas como recurso transpessoal torna-se


relevante no ponto de vista acadêmico, pois, comumente, são encontrados trabalhos
que associam a mandala à Psicologia Analítica e à Arteterapia. Dessa forma, são
escassos os estudos que relacionem diretamente o uso da Mandala à Psicologia
Transpessoal, fato que justifica nossa proposta.

1.3 Metodologia

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, composta por livros e dissertações das


áreas da Psicologia, da Religião e da Arteterapia. Esta monografia encontra-se
estruturada em três grandes capítulos de apresentação: Introdução,
Desenvolvimento (refletindo sobre os temas Psicologia Transpessoal, Psicologia
Analítica e Mandala) e Conclusão.

O primeiro item do Desenvolvimento explicitará as principais ideias acerca da


Psicologia Transpessoal com suas principais bases de formação. O segundo item se
voltará à Psicologia Analítica, seus principais conceitos e a mandala dentro dessa
11

perspectiva. O terceiro item descreverá sobre a mandala: suas principais


características; seu papel regulador na organização psíquica do homem; seus
princípios; além da apresentação do grande círculo das formas mandálicas e da
mandala da curva do desenvolvimento da consciência. Por fim, por meio da
organização do material pesquisado, torna-se possível verificar a hipótese de que a
mandala é um recurso transpessoal.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Psicologia Transpessoal

Conforme relatam Walsh e Vaughan, organizadores do livro Além do Ego (1980), o


surgimento da Psicologia Transpessoal ocorreu na década de sessenta como:

(...) resposta à preocupação de que os principais modelos precedentes,


as três primeiras forças da psicologia ocidental – o
comportamentalismo, a psicanálise e a psicologia humanista -, fossem
limitados em seu reconhecimento dos níveis superiores de
1
desenvolvimento psicológico.

Outros fatores que também facilitaram o surgimento dessa área do saber foram o uso
de psicodélicos e técnicas de alteração de consciência, como a meditação; e os
avanços da Física Moderna.2 Essa área do saber destaca a consciência como o
elemento mais central de seu estudo, pois é ela que oferece arcabouço para todas as
experiências que o indivíduo vivencia.3

A psicologia transpessoal também afirma que precisamos nos libertar do


condicionamento que nossa mente cria para alcançarmos outro tipo de percepção da
realidade e do sentido de vida. Por isso, em seu estudo, a personalidade é
considerada de forma menos significativa se comparada às psicologias ocidentais, e a
identificação exterior menos valorizada que os processos interiores (intrapsíquicos) do
indivíduo.4

1
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 21.
2
Ibid., p. 27.
3
Ibid., p. 60.
4
Ibid., p. 62-65.
12

As chamadas “disciplinas da consciência” podem ser definidas como “doutrinas e


práticas que garantem a possibilidade de obter, por meio do treinamento mental, a
percepção mais profunda da consciência, dos processos mentais e da realidade”.5

Essas matérias são orientadas por quatro afirmações importantes:

 Nosso estado comum de consciência está abaixo do nível ótimo;


 Existem múltiplos estados de consciência, incluindo estados “superiores”;
 Os estados “superiores” podem ser alcançados por meio de treinamento;
 A comunicação verbal a respeito desses estados é necessariamente
limitada.

Walsh e Vaughan (1980) apresentam as principais características presentes nas


experiências transcendentais:6

 Inefabilidade - a experiência vivenciada é tão diferente da experiência


ordinária que se torna indescritível;
 Condição noética - sentido aumentado de clareza e de compreensão;
 Percepção alterada do espaço e do tempo;
 Percepção da natureza integrada, holística e unitiva, do universo e da
própria unidade com ele;
 Intenso afeto positivo, incluindo um sentido da perfeição do universo.

A desidentificação progressiva do conteúdo mental em geral e dos pensamentos em


particular representa o despertar da consciência. Para a maioria das pessoas, esse é
um processo lento e árduo que resulta no aprimoramento gradual da percepção.7

A desidentificação total será uma mudança radical e duradoura da consciência -


iluminação. Nesse novo estado duradouro, o indivíduo passa a viver como nada e
tudo ao mesmo tempo, pois transcende a dicotomia do eu/não-eu; ele tanto é
percepção pura (nenhuma coisa) como todo o universo (todas as coisas).8

5
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 41.
6
Ibid., p. 52.
7
Ibid., p. 66.
8
Ibid., p. 66.
13

Sobre os mapas de estados de consciência

A consciência, em muitas psicologias orientais, é compreendida como elemento


central e ainda como o principal constituinte da realidade. A principal meta humana
seria, então, tornar a consciência clara por ela ser o caminho para a saúde psicológica
e para a iluminação.9

O interesse dos psicólogos transpessoais é compreender e resumir o conhecimento


oriental acerca da consciência, tornando reconhecida uma gama de estados
conscienciais alterados que anteriormente eram descartados pela psicologia ocidental.
Para alcançar essa meta, diversos autores criaram mapas que organizam os
principais estados de consciência.10

O espectro da consciência, desenvolvido por Ken Wilber, organiza os estados de


consciência ao longo de um espectro, associando a cada um deles um sentido único
de experiência e identidade.11

Stanislav Grof, a partir da pesquisa com psicodélicos, descreveu uma série de


estados de consciência. Esses estados correspondem, em progressão, a camadas
cada vez mais profundas do inconsciente, que se encontram divididas em quatro
níveis principais: experiências abstratas e estéticas, experiências psicodinâmicas,
experiências perinatais e experiências transpessoais.12

Outro mapa conhecido é a abordagem sistêmica dos estados alterados de


consciência, criado por Charles Tart. O autor dessa abordagem considera que o
estado de consciência é um sistema de grande complexidade composto por
atenção/percepção e identidade. A combinação de diferentes padrões dinâmicos gera
estados distintos.13

Física moderna e as Tradições Orientais

A Física moderna, ao transformar conceitos fundamentais como tempo, espaço e


casualidade, modifica nossa concepção de mundo aproximando-nos do misticismo

9
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 79.
10
Ibid., p. 79.
11
Ibid., p. 80-81.
12
Ibid., p. 81.
13
Ibid., p. 81.
14

oriental.14 Os místicos são capazes de alcançar estados não-ordinários de consciência


e vivenciam uma realidade superior, multidimensional, que como a Física Relativista,
não pode ser descrita em linguagem comum.15

A Física Clássica apresenta uma visão de mundo mecanicista originária da filosofia


dos atomistas gregos que “viam a matéria como composta por vários “blocos de
construção”, os átomos, de caráter passivo e intrinsecamente mortos”. Em oposição a
essa visão de mundo surgiu a visão orgânica que considera todos os fenômenos do
universo como parte integrante de um todo harmonioso e inseparável.16

Essa segunda visão se assemelha muito com a mística oriental que considera todas
as coisas e eventos percebidos pelos sentidos como interrelacionados e ligados entre
si. Para a tradição oriental, tudo tem um caráter fluido e em constante mutação, essa
visão é intrinsecamente dinâmica.17

Assim, a Física Moderna representa a matéria não como passiva e


inerte, mas em contínuo movimento de dança e vibração, cujos
padrões rítmicos dão determinados pelas estruturas moleculares,
atômicas e nucleares. Essa é, igualmente a forma pela qual os místicos
orientais encaram o mundo material. Todos esses místicos destacam o
fato de que o universo precisa ser apreendido dinamicamente à medida
que se move, vibra e dança, ou seja, que a natureza não se encontra
18
em equilíbrio estático mas dinâmico.

A Teoria Quântica enfatiza que a probabilidade é o elemento fundamental da


realidade atômica que organiza todos os processos, inclusive a existência da
matéria.19 Assim, os eventos atômicos não ocorrem com certeza em momentos
definidos e de maneiras definidas, mas sim tendências probabilísticas. Conforme
destaca Capra:

(...) as partículas não são grãos isolados de matéria, mas padrões de


probabilidade, interconexões numa teia cósmica inseparável. (...) As
partículas do mundo subatômico não são apenas ativas no sentido de
seu movimento ser extremamente rápido; mais que isso, elas mesmas
são processos! A existência da matéria e a sua atividade não podem

14
CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
p. 30; WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 70.
15
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 70.
16
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 71.
17
Ibid., p. 71; CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o
Misticismo Oriental, p. 37.
18
CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
p. 204.
19
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 71.
15

ser separadas: elas constituem aspectos diferentes da mesma


20
realidade espaçotemporal.

Na Física Moderna, as propriedades de uma partícula podem ser entendidas somente


a partir da sua atividade e da sua interação com o meio. O universo é visto como uma
complexa teia de relações. Os objetos dissolvem-se em padrões de probabilidades de
interconexões dentro da teia que forma o todo unificado.21

Assim, a medida que estudarmos os diversos modelos da Física


subatômica, veremos que eles expressam, com frequência, e sob
diversas formas, o mesmo insight, segundo o qual os componentes da
matéria e os fenômenos básicos que os envolvem acham-se todos
interligados, em mútua interação e interdependência, em outras
palavras, não podem ser entendidos como entidades isoladas, mas
22
unicamente como partes integrantes do todo.

Capra nos revela que “o universo é, pois, experimentado como um todo dinâmico e
inseparável, que sempre inclui o observador, num sentido essencial”.23 Assim, tudo
está interligado e o próprio observador participa ativamente no resultado dos
processos observados. Ao final dessa cadeia de eventos, está sempre a consciência
do observador humano. Tal fato apresenta ressonância com a forma como o
conhecimento místico é apreendido, pois esse nunca pode ser alcançado pela simples
observação, mas pela plena participação de todo o ser.24

Conforme a Teoria da Relatividade, segunda teoria básica da Física Moderna, “o


espaço não é tridimensional e o tempo não constitui uma entidade isolada. Ambos
acham-se vinculados, formando um continuum quadridimensional, o “espaço-
tempo”.25

A filosofia “Bootstrap” encara o universo como uma rede dinâmica de eventos


interrelacionados. As partes que compõem a rede são definidas a partir das
propriedades das outras partes e das interrelações mútuas entre elas. Essas
interrelações determinam a estrutura da rede como um todo.26 Da mesma maneira,

20
CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
p. 213.
21
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 72-73.
22
CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
p. 140.
23
Ibid., p. 95.
24
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 74.
25
CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
p. 76.
26
WALSH; VAUGHAN, Além do ego – dimensões transpessoais em psicologia, p. 72-73.
16

podemos conceber o Tao para os chineses, como o processo cósmico que envolve
tudo e que pode ser visto como um fluxo contínuo de mudanças.27

2.2 Psicologia Junguiana

Segundo Tolentino (2015), “a Psicologia Analítica é um conjunto de


conhecimentos (teoria) que procura investigar e explicar a estrutura e o
funcionamento da psique e uma categoria de psicoterapia (prática) formulada
inicialmente pelo psiquiatra e psicólogo Carl Gustav Jung”.28

A psique está estruturada em três elementos:

Consciente

O consciente é um sistema do aparelho psíquico que mantém contato com o mundo


interior e exterior do individuo, tendo como núcleo o “eu”. As atividades de
percepção, atenção, memória e raciocínio fazem parte do consciente.

Inconsciente pessoal

Composto pelos conteúdos, da vida pessoal do sujeito, criados após o seu


nascimento que foram reprimidos e tornaram-se inconscientes. Seus conteúdos
encontram-se nas camadas mais superficiais do inconsciente, no entanto, podem se
tornar conscientes se forem reconhecidos. Eles aparecem comumente na
consciência por meio de lembranças, sonhos e fantasias.29

Inconsciente coletivo

Representa a porção do inconsciente que ocupam as camadas mais profundas do


inconsciente, composta por conteúdos coletivos e impessoais, designados por
arquétipos. Os arquétipos são os princípios básicos do inconsciente, as estruturas
primordiais. Eles aparecem nas experiências universais da vida e estão organizados
na psique por meio de imagens.30 Eles aparecem espontaneamente nos símbolos,
nos mitos e nas religiões, e no universo pessoal surgem como imagens oníricas,

27
CAPRA, O Tao da Física: Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
p. 177.
28
TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica Junguiana, p. 5.
29
JUNG, O eu e o inconsciente, p. 24.
30
Ibid., p. 26.
17

delírios, êxtases e na produção de arte.31

Persona

É o arquétipo da adaptação social. Esse termo designava originalmente a máscara


usada pelo ator no teatro. Para Jung, “(...) a persona não passa de uma máscara da
psique coletiva. (...) ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade,
acerca daquilo que „alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo‟”.32

A Persona possui dois aspectos: positivo, quando favorece a adaptação do sujeito


ao meio social, sem prejudicar a expressão de sua personalidade e negativo,
quando esse se identifica com a máscara e deixa de expressar-se como antes.33

Sombra

É o arquétipo que esconde nossas virtudes e nossos defeitos. Frequentemente


encontra-se projetado nos outros, por apresentar-se de forma desconhecida para o
eu.34 No aspecto positivo guarda nossas virtudes. No aspecto negativo representa o
lado sombrio do ser humano, em que se incluem todos os gêneros de qualidades
negativas, como inveja, egoísmo, ciúme doentio, ódio, mesquinhez, falsidade.35

Anima

É a personificação da natureza feminina do inconsciente do homem. Podemos


enumerar as tendências presentes nessa personificação: “humores e sentimentos
instáveis, intuições proféticas, receptividade ao irracional, capacidade de amar,
sensibilidade à natureza, relacionamento com o inconsciente”.36

No aspecto positivo, o homem que se torna consciente de sua anima e dos aspectos
femininos de sua psique lida melhor com seus sentimentos, e assim, com a mulher e
com as pessoas em geral. No aspecto negativo, o homem que mantém a anima de
forma inconsciente, torna-se prisioneira dela. Assim, o que irá dominar a consciência

31
RAFFAELLI, Imagem e self em plotino e jung: confluências, p. 25.
32
JUNG, O eu e o inconsciente, p. 47.
33
TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica Junguiana, p. 18.
34
JUNG, Homem e seus símbolos, p. 222; TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica Junguiana,
p. 18.
35
TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica Junguiana, p. 18.
36
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 234.
18

desse homem serão os reflexos da ação da anima por meio de atitudes depressivas,
inseguras, melindrosas e irritadas, podendo levá-lo até ao suicídio.37

Animus

Segundo Jung “na mulher, a figura compensadora é de caráter masculino e pode ser
designada pelo nome de animus”.38 Em seu aspecto positivo oferece a mulher mais
recursos para lidar com suas reflexões, formando uma ponte para o Self por meio da
atividade criadora. O animus será responsável também por oferecer a ela uma série
de qualidades masculinas como a iniciativa, a coragem, a objetividade e a sabedoria
espiritual. É ele quem estabelece a relação da mulher com os homens e com as
pessoas em geral.39

Em seu aspecto negativo, a mulher torna-se subjugada por ele, por não tornar-se
consciente dessa força psíquica. Quando isso ocorre, o eu expressa-se na forma de
dependência, subserviência, juízos irrefletidos, preconceitos infundados, certezas
não fundamentadas.40

Self

O self ou si mesmo é a imagem da totalidade da psique, que abrange o consciente e


o inconsciente e o próprio eu. Ele é um princípio unificador da personalidade, que
integra as ações do indivíduo no todo.41 O self também apresenta dois lados. No
aspecto positivo, o self nos leva ao sentimento de totalidade psíquica, dá sentido à
vida e à morte. E no aspecto negativo, surgem fantasias megalomaníacas e
aparecem os mais variados tipos de fanáticos religiosos.42

Jung revela que “o self surge de todas as formas, das mais elevadas as mais
ínfimas, uma vez que tais formas ultrapassam as fronteiras da personalidade do eu,
à maneira de daimon (demônio socrático)”.43

37
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 236.
38
JUNG, O eu e o inconsciente, p. 96.
39
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 255.
40
TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica Junguiana, p. 20.
41
Ibid., p. 21.
42
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 287; TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica
Junguiana, p. 21.
43
JUNG, O eu e o inconsciente, p. 269.
19

Jung associa a mandala como símbolo do self, ao dizer que “o si mesmo manifesta-
se espontaneamente sob a forma e símbolos específicos: como totalidade, ele
emerge (como é fácil de provar) antes de tudo sob a forma de mandalas e suas
inúmeras variantes.”44

O processo de individuação

O processo de individuação é a busca pela totalidade psíquica. Esse processo é o


eixo central da Psicologia Analítica. Ele ocorre a partir de uma longa série de
transformações psicológicas que favorecem a integração de elementos opostos,
entre o consciente e o inconsciente.45

A individuação é o processo de uma maior integração da


autoconsciência com os níveis mais profundos da consciência.
Embora a pessoa individuada esteja ciente de sua singularidade,
ela é todos os seres, e tendo restabelecido suas raízes nas
profundezas da consciência, é capaz de fornecer-se uma base a
partir da qual explorar e expandir com maior equilíbrio. Seus atos
se tornam investidos de significado, e sua coragem e confiança
como uma entidade individual tornam-se abrangentes. Este é o
46
nascimento do homem inteiro.

A realização consciente do processo de individuação modifica as relações


humanas do indivíduo. Ele passa a descobrir pessoas com afinidades espirituais
semelhantes e vão integrando um novo grupo. Neste processo, “laços de
parentesco ou de interesses comuns são substituídos por um tipo de união
diferente, vinda do Self”.47

O desenvolvimento da personalidade da criança inicia-se a partir do inconsciente,


para, em seguida, surgir a consciência. Tal desenvolvimento torna-se possível a
partir da centroversão, uma função da totalidade, conforme nos indica Neumann:

Damos o nome de centroversão à função da totalidade, que na


primeira metade da vida leva, entre outras coisas, à formação de um
centro de consciência, posição esta que gradualmente vai sendo
assumida pelo complexo do ego. Com a formação deste centro, o Self
estabelece um "derivado" de si próprio, uma "autoridade", o ego, cujo
papel é representar os interesses da totalidade, defendendo-os das
demandas particulares do mundo interior e do meio ambiente (...)
Durante a primeira metade da vida predomina a psicologia do ego e

44
JUNG, Aion: Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo, p. 315.
45
JUNG, O Homem e seus símbolos, p. 219; TOLENTINO, Introdução à psicologia Analítica
Junguiana, p. 21.
46
ARGÜELES, Mandala, p. 111.
47
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 295.
20

da consciência, e a personalidade é centrada no ego e na


consciência. No processo de individuação da segunda metade da
vida, ocorre um deslocamento de foco do ego para o Self. Todos
esses processos, assim como a ampliação e a síntese da consciência
e a integração da personalidade, ocorrem sob o comando da
48
centroversão.

O ego, ao iluminar a realidade que estava inconsciente, torna possível a realização


da totalidade. Assim, a totalidade da psique emerge da consciência individualizada
do ego à medida que o indivíduo cresce.49 A forma como a criança experimenta o
mundo dentro de um sistema organizado, com espaço definido para pessoas,
atividades e lazer estabelece a base necessária para o ego se experimentar e se
desenvolver. Comumente em seus desenhos, observamos a presença da figura
circular. É a partir do círculo que o ego se autocentra, transformando-se num centro
do mundo, que representa a personalidade.50 Neumann comenta acerca do
desenvolvimento do ego:

Esse ego, que gradualmente vai ganhando independência, deve


consolidar-se reunindo e sistematizando os conteúdos da consciência
e experimentando a si próprio como centro de uma consciência que,
aos poucos, vai aprendendo a delimitar-se em relação ao mundo e ao
51
inconsciente.

Jung (2008) define o símbolo como “um termo, um nome ou mesmo uma imagem
que nos pode ser familiar na vida cotidiana, embora possua conotações especiais
além do seu significado evidente e convencional”.52 Indica que uma palavra ou
imagem é simbólica “quando implica alguma coisa além do seu significado manifesto
e imediato”.53

Em relação à nossa realidade, existem aspectos que escapam à percepção, ou seja,


que são inconscientes. O aspecto inconsciente nos é revelado por meio da imagem
simbólica nos sonhos;54 os símbolos da totalidade imergem também a partir de
visões e da imaginação ativa como produto.55

48
NEUMANN, A criança - estrutura e dinâmica da personalidade em desenvolvimento desde o início
de sua formação, p. 10-11.
49
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 213.
50
NEUMANN, A criança - estrutura e dinâmica da personalidade em desenvolvimento desde o início
de sua formação, p. 119.
51
Ibid., p. 119.
52
JUNG ET AL, O homem e seus símbolos, p. 18.
53
Ibid., p. 19.
54
Ibid., p. 22.
55
JUNG, Aion: Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo, p. 266.
21

Assim, o processo simbólico funciona como o mediador entre os conteúdos


inconscientes e a própria consciência, ao integrar razão e sentimento, o símbolo
favorece o autoconhecimento.56 Por condensar toda a experiência de vida pessoal
numa imagem, o símbolo pode ser interpretado analiticamente. Entretanto, cada
interpretação também possui um caráter individual, pois o símbolo é influenciado
pela diversidade cultural que gera diversidade simbólica. Assim cada indivíduo
atribui um valor específico para cada símbolo.57

Tucci (1993) comenta sobre o valor do símbolo e a importância da mandala na


Tradição religiosa indiana:

o neófito pode, dessa maneira, dominar este universo instável de


forças que lhe são simultaneamente exteriores e interiores; o símbolo
é para ele como que uma entrada mágica e irresistível para esse
emaranhado informe e tumultuoso de forças; graças ao símbolo, ele
as prende, domina e dissolve. Por meio do símbolo, ele dá forma às
infinitas possibilidades que jazem no fundo de seu inconsciente, aos
seus medos inexpressos, aos impulsos primordiais, às paixões
arcaicas. (...) Temos apenas uma vaga consciência da luz que banha
o nosso ser interior: ponto luminoso que brilha numa noite sem luar.
Mas como podemos atingi-la? Como podemos chegar até ela e nela
mergulhar? Nasce assim o esquema da complexa representação
simbólica desse drama de desintegração e da reintegração, isto é, a
mandala, na qual esse duplo processo é expresso por símbolos que,
lidos corretamente pelo iniciado, suscitam a experiência psicológica
58
libertadora.

A mandala foi introduzida na Psicologia Moderna por Jung para representar o Self.59
Ele designou a mandala como a representação simbólica do “átomo nuclear” da
psique humana.60 Outras contribuições da Psicologia Analítica, acerca da mandala,
serão apresentadas no capítulo seguinte intitulado “Mandala”, pelo motivo desse
símbolo ser o tema central do trabalho.

2.3 Mandala

A mandala, em sânscrito, significa “círculo” e “centro”.61 Observarmos o desenho do


círculo em povos antigos e, centenas de anos depois, numa criança que o produz

56
RAFFAELLI, Imagem e self em plotino e jung: confluências, p. 25.
57
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 122; RAFFAELLI, Imagem e self em plotino e jung:
confluências, p. 25.
58
TUCCI, Teoria e prática da mandala, p. 28.
59
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 19; ARGÜELES,
Mandala, p. 13.
60
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 285.
61
ARGÜELES, Mandala, p. 13.
22

espontaneamente durante o processo de estruturação de sua identidade.62


Considerada, ao mesmo tempo, imagem e motor da ascensão espiritual, esse
símbolo surgiu na historia da humanidade como um símbolo universal e essencial de
reintegração, harmonia e transformação.63

Nas palavras de Tucci (1993), a mandala é um “cosmograma, é o universo inteiro


em seu esquema essencial, em seu processo de emanação e reabsorção”.64 O autor
complementa e nos indica que a mandala é, na verdade, um psicocosmograma:

(...) é uma projeção geométrica do mundo, o mundo reduzido ao seu


esquema essencial. Identificando-se com o centro do mundo, a
mandala transformava realmente o adepto e propiciava-lhe as
condições primeiras para a eficácia da obra a realizar, assumindo,
dessarte, um significado mais profundo. Ela permaneceu como
paradigma da evolução e da involução cósmica, mas quem utilizava
procurava menos um retorno ao centro do universo do que o refluxo
das experiências da psique por meio da concentração, para
reencontrar a unidade da consciência, concentrada e coesa, e para
descobrir o princípio ideal das coisas. A mandala agora não é mais
um cosmograma, mas um psicocosmograma, o esquema da
desintegração da unidade na multiplicidade, e a reintegração da
multiciplicidade na unidade, na consciência absoluta, integral e
65
luminosa.

A mandala está presente em diversas culturas. Dahlke (2007) lista diversas culturas
que tiveram suas mandalas destruídas pelos povos dominadores nas Américas, na
Europa, na África, na Austrália e na Ásia.66 Ele também apresenta diversos
exemplos de rosáceas, presentes nas igrejas góticas.67 Tucci (1993), em seu livro
intitulado Teoria e prática da Mandala, apresenta-nos em detalhes o uso da mandala
como rito nas tradições orientais da Índia e do Tibet.68 Argüeles (1985) descreve
Stonehenge como uma construção essencialmente mandálica:

A mandala é símbolo da roda de vida e morte, da procissão cósmica


de seres, planetas e estrelas, de estações terrenas e ciclos
galácticos. Nesse espírito, os Druídas da antiga Inglaterra, antes da
vinda dos romanos, construíram o monumento de Stonehenge. Esta
concentricidade maciça consiste essencialmente em dois círculos: o
círculo interno ou Sarsen, que originalmente continha trinta pedras
eretas; e o externo, ou círculo das Trilithins, número cinquenta e seis.
Ambos os círculos continham passagens entre cada uma das pedras

62
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 4.
63
CHEVALIER; GHEERBRANT, Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números, p. 585; ARGÜELES, Mandala, p. 15.
64
TUCCI, Teoria e prática da mandala, p. 28.
65
Ibid., p. 30-31.
66
DAHLKE, Mandalas: formas que representam a harmonia do cosmos e a energia divina, p. 62.
67
Ibid., p. 82-109.
68
TUCCI, Teoria e prática da mandala, p. 77-94.
23

individuais. Visto do Centro deste complexo, essas passagens criadas


podiam ser vistas, seguidas, medidas e veneradas. Como foi
recentemente observado, Stonehenge não é apenas uma colossal
estrutura megalítica que comemora alguma concepção primitiva das
forças solar e vital, nem simplesmente um templo com funções
religioso-estéticas, seria magnífico o suficiente. Mas foi também a
característica básica e o marco do conhecimento sistematizado pelos
69
Druidas, pois serviu como um calendário e guia astronômico.

A mandala pode ser composta por uma série de formas concêntricas que sugerem a
passagem entre dimensões. Partindo do micro em direção ao macro ou do macro
em direção ao micro, o homem pode ser projetado no universo e o universo no
homem.70

Eles estão presentes no micro e no macrocosmo. Na dimensão do microcosmo,


podemos verificar a mandala na composição dos cristais, que constituem os
minerais, bem como nos seres vivos – plantas, animais e o próprio homem –
constituídos por células que possuem um núcleo. Esse núcleo é um mandala. Tudo
em nosso planeta é constituído por átomos e todos os átomos são mandalas. Na
dimensão do macrocosmo podemos compreender o universo como uma mandala
composta por inúmeras mandalas, entre elas, a espiral nebulosa e o nosso sistema
solar.71

A própria explosão que é tida como o início da nossa criação nos remete ao
desenho da mandala. A tradição hindu, a partir do mito da criação, descreve a
expansão do nosso universo como o ritmo respiratório de Brahma. Também são
descritas a criação do mundo a partir do verbo, e outros mitos, a partir da luz. O som
é formado por ondas sonoras que se expandem em forma de esferas a partir de um
centro e a luz é composta por ondulações que se expandem uniformemente a partir
de um centro.72

Ao estudar mandalas, é possível observar três características básicas: a formação


de um centro, o padrão de simetria e os pontos cardeais. A primeira característica é
constante e as outras duas, variáveis. A presença do centro é uma característica
universal e constante relacionada ao eterno potencial. A simetria pode ser dinâmica

69
ARGÜELES, Mandala, p. 34.
70
Ibid., p. 12.
71
ARGÜELES, Mandala, p. 12; DAHLKE, Mandalas: formas que representam a harmonia do cosmos
e a energia divina, p. 16-24.
72
DAHLKE, Mandalas: formas que representam a harmonia do cosmos e a energia divina, p. 38.
24

ou bilateral, rígida ou fluida. E, por fim, os pontos cardeais podem ter um número
definido e preciso ou infinito ou, ainda, não existir.73

Centro da mandala

Argüeles (1985) nos diz que “o centro é o começo da mandala, pois é o início e a
origem de toda forma e de todos os processos, incluindo as extensões da forma no
tempo”.74

Dahlke (2007), ao falar do ponto primordial, indica-nos que é impossível representar


um ponto verdadeiro, uma vez que, apesar de todas as formas originarem do ponto,
o ponto em si não tem forma. Ao desenharmos um ponto numa folha, por menor que
seja, ele ganhará uma dimensão espacial e por isso não é mais um ponto, mas sim
um círculo ou uma esfera. Se adicionarmos o tempo, teremos nossa criação. Se
desenvolvermos esse ponto no espaço, ele formará uma reta, e, se continuarmos
com essa reta surgirá um círculo. Novamente, a mandala aparece.75

Segundo definição contida no dicionário de Chevalier e Gheerbrant (2015), o círculo


é um ponto estendido. Ambos, ponto e círculo possuem propriedades simbólicas
comuns: perfeição, homogeneidade, ausência de distinção ou de divisão. O círculo
também representa os efeitos criados, assim, pode simbolizar o mundo. O
movimento circular é perfeito, imutável, sem começo nem fim, e nem variações: o
que o habilita a representar o céu, de movimento circular e inalterável, e o tempo. O
tempo é definido como uma “sucessão continua e invariável de instantes, todos
idênticos uns aos outros.76 Para Argüeles (1985), o círculo é o “símbolo original, o
símbolo primário do nada e do tudo”.77

O centro existe continuamente, da semente à flor que germina, e de onde nova


semente surge. O homem é definido não apenas pelo lugar que ocupa no nível
físico, mas pela posição de sua consciência. É a consciência que representa essa
fonte semente. Ela manifesta-se por meio de todos os seus sentidos como
elementos de consciência. Similar às ondulações formadas ao arremesso de uma

73
ARGÜELES, Mandala, p. 13.
74
Ibid., p. 12.
75
DAHLKE, Mandalas: formas que representam a harmonia do cosmos e a energia divina, p. 42.
76
CHEVALIER ; GHEERBRANT, Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números, p. 250.
77
ARGÜELES, Mandala, p. 33.
25

pedra no lago, cada momento da consciência movimenta de forma expansiva todos


os fenômenos no universo, sejam eles materiais ou imateriais. Esse movimento dá
origem, a cada instante de tempo, a uma nova mandala.78

O centro das rosáceas nos apresenta um fenômeno relacionado ao tempo.


Externamente, tudo se movimenta e se desenvolve, enquanto o centro se mantém
em “eterna quietude atemporal”. Nesta perspectiva, só há um caminho. Caminho
que nos leva de volta a unidade. A rosácea, assim como qualquer mandala
representa um mapa que orienta o mundo interior de nossa alma.79 Argüeles (1985)
explica a função do centro da mandala:

O centro da mandala não é apenas a constante externa do espaço,


mas também do tempo. O centro do tempo é a ponta ardente da
consciência, indefinível, pois qualquer definição no tempo esgota o
que é agora, e ainda assim não há nada, mas agora e agora é tudo o
que existirá. Embora possamos falar de passado e futuro, os
aspectos de simetria de agora, estes só existem em virtude dos
eventos contemporâneos, simultâneos. Vivendo totalmente agora, a
sua existência se desdobra como uma mandala. No centro, cada
homem é o centro de sua própria bússola e experiências, seus
80
próprios pontos cardeais - norte, sul, leste e oeste.

O princípio do centro é um, no entanto, a forma e os processos que são gerados


pelo e por meio do centro são infinitos. Embora em número infinito, os centros
formados são em essência um. Cada um desses centros é nas palavras de Argüeles
(1985): “(...) o mesmo ponto irredutível, a sílaba primaria, a palavra, o Logos, através
do qual todo é proferido e através do qual todos devem passar”.81

Assim, o centro da mandala representa o “eterno potencial”, que sustenta e organiza


todos os processos de transformação em tudo. A criação de todas as coisas só se
torna possível porque o mesmo centro que atua na transformação do homem,
também se manifesta numa flor ou numa estrela, dando origem a uma comunidade
cósmica.82

A origem da consciência nos remete a formações mandálicas, conforme nos


descreve Neumann:

78
ARGÜELES, Mandala, p. 13.
79
DAHLKE, Mandalas: formas que representam a harmonia do cosmos e a energia divina, p. 101.
80
ARGÜELES, Mandala, p. 13.
81
Ibid., p. 16.
82
Ibid., p. 13.
26

Na mandala da psique, o Self forma o centro, enquanto o ego é o


centro da mandala da consciência. Em ambos os casos, o círculo é
uma defesa, uma fortaleza do conteúdo psíquico. Mas os dois
círculos pertencem um ao outro, pois o de baixo forma a base para o
de cima, o Self é a raiz do ego e o vínculo entre os dois centros é o
eixo ego-self. Mas, por essa mesma razão, o eixo ego-self se
estabelece como o eixo da personalidade que, ao alcançar sua
83
independência, coloca-se à parte da realidade unitária.

Na mandala existe um caminho em direção ao nascimento, que se distancia do


ponto central para a diferenciação e o outro em direção à morte ou reabsorção.
Esses movimentos e seus pólos, nascimento e morte, definem as polaridades
básicas que norteiam nossa existência no presente. Toda nossa estrutura, nosso
entendimento encontra-se ancorado nessa polaridade elementar.84

Dahlke (2005) nos descreve esses dois movimentos a partir do ciclo de vida e morte
do ser humano. Como ovo fecundado, somos gestados seio materno e recebemos o
que precisamos. Nesta fase ainda estamos muito próximos do centro, entretanto o
mergulho na polaridade é inevitável. Nascemos e a nossa primeira respiração nos
liga a polaridade. Aprendemos a respirar sozinhos, somos alimentados, mas após
um tempo, também o faremos sozinhos e por fim, teremos de nos colocar em pé e
nos sustentar. Ao encerrar a fase infantil, a puberdade marca uma distância
considerável desse centro e ao seu final damos mais um passo para a
independência; mais tarde o casamento e a formação da própria família. A
polaridade nesse ponto é nitidamente percebida. Agora o único progresso possível é
o retrocesso. Todos os caminhos só levam de volta, para o lar, na direção do ponto
central da mandala e à despedida da polaridade na morte. O ciclo da mandala se
fecha.85

Na arte moderna, frequentemente observamos que a falta de conexão entre o


círculo (símbolo da psique) e o quadrado (símbolo da matéria terrestre). Mesmo
quando ocorre conexão, em geral, essa é acidental. Tal fato parece refletir o estado
da psique humana no século XX, em que o homem “perdeu suas raízes e encontra-

83
NEUMANN, A criança - estrutura e dinâmica da personalidade em desenvolvimento desde o início
de sua formação, p. 119.
84
ARGÜELES, Mandala, p. 17.
85
DAHLKE, As crises da vida: como oportunidades de desenvolvimento, p. 21-22.
27

se ameaçado de uma dissociação”86 Tucci (1993) reflete sobre o sentido da mandala


e a vida psíquica do homem:

(...) convivem no homem luz e treva, consciência e paixão, bem e


mal, irremediavelmente unidos. Com a vida, ele aceita seu destino de
luta; sua tarefa é equilibrar os dois mundos, tal como a simbologia da
mandala os representa, deus e deusa abraçados no amplexo,
sentados no mesmo trono. Se um prevalecesse sobre o outro, a
mandala perderia a simetria de suas partes e a vida psíquica do
87
homem seria perturbada.

A vivência da polaridade origina conflitos e desintegração. Ao desvendar a


linguagem da mandala, a partir da observação do seu centro e de suas polaridades,
o homem compreende e torna-se capaz de se libertar do conflito interno, pois a
compreensão da mandala possibilita uma nova visão de mundo no qual as
polaridades podem ser harmonizadas.88

Assim, a mandala capacita o indivíduo a aceitar melhor suas experiências e a


compreender o esquema geral no qual ele pode ser projetado em relação aos
opostos. Isso torna possível a integração da totalidade de qualquer circunstância.
Quando a união de opostos é alcançada, outra fase de crescimento é iniciada. A
interação mútua dos componentes da mandala auxilia o indivíduo a desenvolver
relacionamento consigo mesmo e por isso serve como uma ferramenta de
crescimento.89

A mandala apresenta um caráter conservador, pois restabelece uma ordem


preexistente, mas ao mesmo tempo, possibilita a criação de algo novo e único, que
ainda não existe. Assim, o esquema antigo retorna em um nível mais elevado,
processo que se assemelha a uma espiral que cresce em direção ao alto, e
simultaneamente, retorna ao mesmo ponto.90

Ao concentrar energia no próprio organismo, o indivíduo torna-se capaz de curar a si


mesmo, crescer e expandir para além de si. Cura e crescimento têm sentido apenas
como resposta às crises que cada organismo encontra. Entretanto, é a resposta do
indivíduo à crise que define se ele continua a se desenvolver em direção a uma nova
capacidade ampliada de seu ser ou em direção a uma condição de parada ou
86
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 334.
87
TUCCI, Teoria e prática da mandala, p. 52.
88
ARGÜELES, Mandala, p. 17.
89
Ibid., p. 17.
90
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 301.
28

decaimento. Na perspectiva da mandala não existem boas ou más situações, nem


boas ou más experiências. É tarefa do indivíduo aceitá-las e assimilá-las,
entendendo a lição que elas possuem.91

As construções configuradas, a partir da mandala, representam a projeção da


imagem arquetípica do inconsciente humano no mundo exterior. Mandalas abstratas
aparecem na arte cristã europeia, nas rosáceas das catedrais e nas auréolas de
Cristo e de todos os Santos Cristãos pintadas nos quadros.92 Tucci (1993) nos
explica que o “templo é uma mandala. O ingresso no templo não é apenas o
ingresso no lugar consagrado, mas a entrada no Mysterium magnum”.93 Para
Fincher (2010), Stonehenge é um “reflexo terrestre da roda celestial”, um centro de
celebrações ritualísticas.94 Argüeles (1985) explica a semelhança entre diversas
construções em diferentes culturas:

Apesar do isolamento geográfico, um propósito, um projeto e um


significado unitários humanos tornam-se evidentes no soerguimento
de catedrais, de mesquitas, e de templos no período geral dos
séculos X ao XV: Kajuraho em India; Borrobadur em Java; Ankor Wat
na Indochina; Chartres na França; Córdoba na Espanha islâmica; e
Chichen Itza em Yucatan. A visão de mundo que esses edifícios têm
em comum é que cada homem é uma unidade cósmica e que a
95
sociedade em que ele vive é um reflexo de um mapa do cosmos.

Iantra é um tipo de mandala comum na Índia, no Tibete e no Nepal usado para


rituais religiosos. Essa estrutura representa a união do quadrado (e por vezes, do
retângulo) com o círculo nos evoca a ideia de movimento e de mudança de ordem.
Os iantras podem ser vistos também em construções islâmicas, principalmente nas
rosáceas.96 Chevalier e Gheerbrant comentam sobre a mandala tradicional hindu:

É o símbolo espacial de Purusha (Vastu-Purusha mandala), da


Presença divina no centro do mundo. Ele se apresenta como um
quadrado subdividido em quadrados menores; os mais simples têm
quatro ou nove casas (dedicadas a Xiva e Prithivi); os mais utilizados,
sessenta e quatro e oitenta e uma casas. O (ou os) quadrado (s)
elementar (es) do centro são o lugar de Brama (Bramasthana); eles
comportam a sala principal (Garbhagriha), a cella do templo; as

91
ARGÜELES, Mandala, p. 17.
92
JUNG, O homem e seus símbolos, p. 324.
93
TUCCI, Teoria e prática da mandala, p. 30.
94
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 8.
95
ARGÜELES, Mandala, p. 44.
96
Ibid., p. 324.
29

fileiras concêntricas de quadrados estão em relação com os ciclos


97
solar e lunar.

A mandala tântrica deriva do mesmo simbolismo que a mandala tradicional hindu e


serve de suporte para meditação seja pintado ou desenhado. Comumente é usado
para ritos de iniciação risco no chão.98

(...) trata-se essencialmente de um quadrado orientado com quatro


portas contendo círculos e lótus, povoado de imagens e de símbolos
divinos. As portas dos cinturões exteriores são providas de guardiães:
o seu acesso progressivo corresponde portanto às etapas na
progressão espiritual, aos graus de iniciação, até que seja atingido o
99
centro, o estado indiferenciado do Buda-chakravarti.

O Budismo do extremo oriente (Shingon) apresenta mandalas pintados em forma de


lótus. Cada componente desse lótus, formado pelo centro e pelas pélatas, apresenta
a imagem de um Buda ou de um Bodhisattva. As mandalas representam a imagem
de aspectos complementares e finalmente idênticos da realidade suprema, conforme
comenta Chevalier e Gheerbrant:

Aspecto da razão original, inata dos seres, utilizando as imagens e as


ideias do mundo ilusório; aspecto do conhecimento terminal,
produzido pelos exercícios adquirido pelos Budas e que se fundem
uns com os outros na intuição do Nirvana. (...) O mandala “representa
e tende a superar as oposições do múltiplo e do uno, do decomposto
e do integrado, do diferenciado e do indiferenciado, do exterior e do
interior, do difuso e do concentrado, do visível aparente ao invisível
100
real, do espaço-temporal ao intemporal e extra-espacial.

Na tradição tibetana, a mandala é “o guia imaginário e provisório da meditação”,101 é


por meio delas que os tibetanos experimentam sua “relação essencial com os ritmos
cósmicos”. Eles compreendem, de forma intuitiva, que não só ele (o meditador) é um
conjunto de interrelações contínuas de estruturas e sistemas, mas que esse
conjunto existe dentro de um esquema maior de referência.102 Tucci (1993) revela
como surge a mandala tibetana:

A representação dos ciclos divinos na forma de mandalas não


procede de uma construção arbitraria, mas é o reflexo, em
paradigmas apropriados, de intuições pessoais; por uma
predisposição quase nativa. (...) a introspecção, descobrindo essas
formas e refletindo sobre esses elementos, fixou, em consequência,

97
CHEVALIER; GHEERBRANT, Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números, p. 585.
98
Ibid., p. 585.
99
Ibid., p. 585.
100
Ibid., p. 585.
101
Ibid., p. 586.
102
ARGÜELES, Mandala, p.18.
30

em paradigmas fixos, o modelo, determinando-lhe as regras (...)


classificou as medidas e as cores; e procurou também canalizar a
espontaneidade dessas imagens para limites precisos: a mandala que
assim nasceu de um impulso interior transformou-se por sua vez num
103
suporte para a meditação.

A mandala tibetana apresenta variadas combinações entre círculos e quadrados que


correspondem ao universo espiritual e material, respectivamente, bem como a
dinâmica das relações que os unem dentro do plano tríplice: cósmico, antropológico
e divino.104

Segue abaixo exemplos de mandalas construídas por diferentes culturas:

105
Figura 1: Catedral de Chatres

106
Figura 2: Índios Navajos

103
TUCCI, Teoria e prática da mandala, p. 39.
104
CHEVALIER; GHEERBRANT, Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números, p. 586.
105
CAMPBELL, O poder do mito, imagem 7.
106
Ibid., imagem 6.
31

107
Figura 3: Mandala de Vishnu

108
Figura 4: Mandala Indígena

O grande círculo de formas mandálicas

Fincher (2010) compara os ciclos de crescimento presentes nas estações do ano:


“plantio da semente, a planta em crescimento, a maturação da planta e a colheita,
seguida da quebra e do retorno da semente para a terra a ser cultivada para um
novo ciclo” ao processo de individuação na qual ocorre “uma relação dinâmica entre
o ego e o eu que exibe um ritmo natural de alternância de proximidade e
separação”.109 O grande círculo das formas mandálicas, criados por Kellogg e DiLeo
(1982) é composto por doze estágios que refletem a relação dinâmica entre o ego e
o self, um "caminho em espiral do desenvolvimento psicológico” que se repete

107
CAMPBELL, O poder do mito, imagem 3.
108
Ibid., imagem 8.
109
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 144- 145.
32

muitas vezes ao longo da vida.110 Argüeles (1985) explica que não existem duas
mandalas iguais, pois em cada lugar há uma cultura que se desenvolve de maneira
única a partir da lei da natureza de constante evolução.111

As mandalas prototípicas (mandalas correspondentes à cada estágio) raramente são


observadas isoladamente numa mandala individual, porém, acredita-se que a
identificação dos padrões mais aproximados pode nos orientar em relação à posição
do nosso ego em relação ao nosso self. Tal fato nos possibilita “fazer escolhas que
alinham nossas energias com o processo de crescimento psicológico indicado.”.112
Kellogg apresenta, a seguir, um esquema representativo das mandalas arquetípicas
dos doze estágios que compõem a Grande Roda das formas mandálicas:

113
Figura 5: Mandalas Arquetípicas

Estágio 1: O Vazio

Esse estágio está relacionado ao período anterior ao nosso nascimento, anterior à


“divisão da realidade nos opostos”, período que “marca o início das dualidades que
coram a existência humana.”. Essa etapa se aproxima da mentalidade do “feto no
ventre de sua mãe”.

110
FINCHER apud KELLOGG; DI LEO, Archetypal Stages of the the Great Round of Mandala. p.38
111
ARGÜELES, Mandala, p. 35.
112
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p.149.
113
FINCHER apud KELLOGG; DI LEO, Archetypal Stages of the the Great Round of Mandala, p. 38.
33

Kellogg (1982) nomeia de “vazio branco” o estágio que representa a obtenção da


consciência divina. Normalmente, ele pode ser conhecido por “momentos fugazes
como uma experiência de pico quando passamos do fim do ciclo na grande roda
para a fase um novamente” e são acompanhados por sentimentos de "salvação,
redenção, alegria, liberdade, reconciliação, amor e êxtase".114 O “vazio branco”
tende a ser representado nas mandalas por uma área em branco, geralmente na
porção central.

O indivíduo pode também, ao entrar no estágio um, denominado “Vazio escuro”,


experimentar “uma queda na escuridão”. Ele corresponde ao “estágio transpessoal
da ignorância, da escuridão, da confusão, da alienação, da dor, da agonia, da
opressão e da constrição em que a consciência cai na criação da matéria". 115
Fincher (2010) compara o estágio do “vazio escuro” ao sono, pois nesse período, o
indivíduo tende a comprimir as atividades de funcionamento motor, mental e
emocional.116

As mandalas dessa etapa podem ser escuras ou completamente pretas, ou


apresentarem círculos deixados em brancos ou com a cor muito pálida. Além disso,
apresentam pouca ou nenhuma forma, uma vez que a “atividade de desenho torna-
se difícil quando se experimenta o vazio”. Esse estágio ativa memórias intra-uterinas
e por isso, por vezes é possível observar nas mandalas formas parecidas com a teia
117
de aranha que lembram a conexão fetal com as paredes do útero.

Estágio 2: Felicidade

Essa fase corresponde à experiência intra-uterina vivenciada como um “estado de


união e contenção felizes de todas as coisas”. Nela, a consciência é difusa e o não
existe um senso claro dos limites do ego, pois o que importa é o prazer da
experiência. Essa etapa é caracterizada por imagens de água, e pode ser
representada pelo uroboros. A meta dessa etapa é “começar a discriminar entre as
inúmeras possibilidades”.118

114
FINCHER apud KELLOGG; DI LEO, Archetypal Stages of the the Great Round of Mandala, p.40.
115
Ibid., p. 40.
116
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 154.
117
Ibid., p. 154.
118
Ibid., p. 155.
34

As mandalas são caracterizadas por “falta de forma e um sentimento de fluidez nos


desenhos”. Aparecem também formas minúsculas e semelhantes que se
assemelham a “ovos de peixe dentro de um aquário”. Algo está sendo desenvolvido,
porém ser saber exatamente o quê.

Estágio 3: Labirinto ou espiral

A etapa três representa nossa conexão intra-uterina com o útero por meio do cordão
umbilical e o corte dessa conexão durante o processo de nascimento. A consciência
torna-se alerta, intuitiva e focada e experimenta-se por meio da “ativação ou
reativação da força vital na psique”. O labirinto ou espiral sinaliza o “início de um
processo que culmina em uma consciência individualizada; (...) é o começo de uma
viagem, cujo objetivo final ainda é um mistério”.119

Fincher (2010) complementa que nesse estágio “os limites do ego são difundidos”,
portanto, não temos um “sentido definido do nosso eu”. Tal fato nos dá a impressão
de que estamos numa “busca sem uma ideia clara do que é procurado”. É também
nessa etapa que sentimos uma aceleração, que estamos crescendo e assim, temos
a sensação de que algo importante já começou.120

As mandalas apresentam um padrão espiral comumente relacionado à profundidade


ou à dimensionalidade; suas cores são geralmente pastéis e, por vezes, brilhantes.
Nota-se ainda ausência de um centro.121

Estágio 4: Início

O estágio quatro é aquele que corresponde a escolha e o início do desenvolvimento


de apenas uma das possibilidades que estavam presentes no estágio três. Nessa
fase nos sentimos como a criança separada, mas contida no mundo materno.122

Comumente, temos o prazer de nutrir algo novo, honrando esse crescimento e nos
tornando um bom pai para nós mesmos. Esse estágio é agradável, e seu desafio
reside em não permanecer nele mais tempo que o necessário. Devemos nos

119
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 156.
120
Ibid., p. 157.
121
Ibid., p. 157.
122
Ibid., p. 158.
35

diferenciar, e separar de nossos pais para alcançarmos uma consciência


individual.123 Fincher (2010) descreve como são as mandalas do estágio quatro:

As mandalas criadas por pessoas que vivem no início têm uma forma
central, como um ponto, um círculo, um feto ou um triângulo
apontando para cima. Um pequeno barco flutuando no mar tranqüilo,
outro desenho típico desse estágio. Às vezes a figura oito aparece
nestas mandalas, sugerindo o vínculo estreito entre uma mãe e um
bebê. Quando o centro de sua mandala contém um círculo, talvez
você esteja simbolizando o deus interior, de quem derrama uma
experiência que lhe traz uma nova vida. Linhas nas mandalas da fase
quatro são tipicamente curvas. As cores tendem a ser rosa pastel,
lavanda, e azuis, especial quando você é nostálgico para sua
124
experiência como uma criança.

Estágio 5: Alvo

Esse estágio corresponde à sensação/momento em que o útero inicia as contrações


e impulsiona o bebê para fora, uma experiência desagradável, porém necessária
para estabelecermos nossa identidade. Essa fase é caracterizada por uma
experiência de mãe negativa. A impressão do Eu é que ele está em sofrimento e não
entende o motivo disso; há também uma sensação de luta para manter o controle,
sendo comum a projeção de nossas raivas e agressividade nos outros. Nessa etapa
o ritual e a rotina são importantes para nos “dar senso de ordem”.125

As tarefas para lidar com a fase do Alvo são: “ter coragem, enfrentar nossos medos
de modo a recuperar projeções, e entregar nossa reivindicação sobre o estado de
felicidade da infância”. Complementa ainda que precisaremos de uma grande
quantidade de energia “para deixar esta posição, porque temos de abandonar o
sonho de se fundir com a mãe, mesmo que não tenhamos nada para colocar no seu
lugar”.126

As mandalas são parecidas com um alvo – círculos concêntricos de cores e padrões


irradiam para fora do centro, e suas cores, geralmente brilhantes. Essa etapa no
pressiona exatamente como precisamos para crescer.127 Nas palavras de Kellogg e

123
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 158.
124
Ibid., p. 159.
125
Ibid., p. 160.
126
Ibid., p. 160.
127
Ibid., p. 160.
36

Dileo: “É no meio da oposição, dos paradoxos, da ansiedade e dos conflitos que a


mente humana pode transcender suas limitações”.128

Estágio 6: A luta do dragão

Nesse estágio somos influenciados pelos pais arquetípicos. A luta é a separação do


ego em relação à “matriz do mundo de ideias dos pais”. Quando alcançamos essa
separação, ocorre uma transformação, em nós e na nossa relação com nossos pais
(tanto os pais arquetípicos como com os pais reais). Como Neumann (1974)
comenta, "eles não são mais hostis, controladores, mas companheiros, concedendo
suas bênçãos sobre a vida e a obra do herói-filho vitorioso (e heroína-filha)”.129

As tarefas correspondentes dessa fase são “cessar nossas reivindicações infantis


sobre os pais, arriscar a desobediência, e contar a responsabilidade para nossa
própria vida”. Tipicamente vivenciamos essa fase na adolescência, porém
retornamos diversas vezes para retrabalhar essa experiência ao longo da nossa
vida.130

Comumente, aparecem mandalas com “divisão em duas metades e, por vezes, um


terceiro objeto aparece sobreposto à divisão entre as metades, (...) às vezes serão
paisagens”. Essa etapa indica um “tempo de conflito interno”, em que diferenciamos
nossas qualidades internas, dando origem a um novo sentido para nós mesmos.131

Estágio 7: A quadratura do círculo

Conforme nos explica Fincher (2010) essa etapa “marca o estabelecimento pleno do
ego”. Nesse período, incorporamos as qualidades necessárias para que nos
sintamos adultos plenamente; é o “lugar do equilíbrio entre o poder materno e o
poder paterno”. A tarefa reside em realizamos nossos melhores esforços em uma
missão: “para encontrarmos nossa alma gêmea, para identificar o nosso trabalho de
vida, para fazer um compromisso.”. As mandalas dessa fase apresentam cruzes,
quadrados, estrelas e flores caracterizadas pelo número quatro. Essas formas

128
FINCHER apud KELLOGG; DI LEO, Archetypal Stages of the the Great Round of Mandala, p. 42.
129
FINCHER apud Neumann, Art and the Creative Unconscious, p. 22.
130
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing, and Self-Expression, p. 161.
131
Ibid., p. 161
37

representam a “integração do masculino (linhas retas) com o feminino (curvando


linha do círculo)”.132

Estágio 8: O funcionamento do ego

Essa etapa representa a realização da consciência individual. Nessa realização nos


tornamos ativamente envolvidos com a realidade, nosso trabalho é agradável e
mesmo sozinhos, não nos sentimos solitários. Apresentamos a capacidade de fazer
e ser e ainda de trabalhar dentro de um grupo e colocar nossos ideais em ação. A
meta é equilibrar objetivos individuais com as necessidades do grupo. Observa-se
frequentemente presente nas mandalas dessa fase desenhos de estrelas de cinco
pontas e flores de cinco pétalas e a suástica de quatro braços.133

Estágio 9: Cristalização

Esse estágio aponta para a conclusão dos esforços criativos, e por isso, nos causa
um sentimento de harmonia e realização. A cristalização, nas palavras de Fincher
(2010) é uma “reminiscência da meia-idade”. Nela sentimos a realização e também a
atuação da lei da natureza que indica: “tudo o que é criado deve eventualmente ser
destruído”.134

As mandalas desse estágio tendem a ser simétricas e equilibradas, com números


maiores que quatro, apresentam também um centro e projeções expandindo para
fora. Essas mandalas dão a impressão de estarem paradas, como se tivessem
capturado um instante do tempo.135

Estágio 10: Portões da morte

Essa etapa está associada ao fim de um ciclo; representa o “grande círculo da vida,
morte e renascimento” e pode “revelar uma mudança para o eu como o verdadeiro
centro da vida psíquica”. O modo habitual torna-se sem sentido, o que antes era
visto como perfeito, agora não é mais.136 Fincher (2010) comenta ainda:

132
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing, and Self-Expression, p. 162.
133
Ibid., p. 163 -164.
134
Ibid., p. 164.
135
Ibid., p. 165.
136
Ibid., p. 166.
38

A crise da meia-idade tipifica o estádio dez. Sentimentos de perda,


depressão e ajuda não são incomuns aqui. A perspectiva em Portões
da morte é caracterizada por um sentimento de estar preso,
desamparado e forçado a fazer um sacrifício (...) As tarefas são
reavaliar nossos objetivos de vida, entregar idéias ultrapassadas
137
sobre quem somos e suportar a dor da rendição.

As mandalas dessa etapa podem apresentar a cruz da crucificação e a


fragmentação pode estar simbolizada nas cores diferentes aplicadas a cada
quadrante. As cores mais comuns nessa fase são o azul escuro e os tons de
vermelho. Outros desenhos também são comuns, como a roda sinalizando martírio e
o giro contínuo da roda da vida; o “X” como encruzilhada; e o triangulo para baixo.
Comumente, surge um quinto elemento nesses desenhos, que serve como um
núcleo unificador.138

Estágio 11: Fragmentação

Estagio onze, traduz um tempo de “medo, confusão, perda de sentido e


desorientação”.139 Comumente "as experiências transpessoais, sonhos e fantasias
de mutilações, morte, contorção, decaptação, humilhação, desintegração (e)
castração abundam nesta fase". Ela pode também representar purificação. Kellogg e
Dileo (1982) explicam que "várias questões encontradas nos estágios anteriores do
desenvolvimento consciente agora devem ser experimentadas mais uma vez, desta
vez, no entanto, para que possamos ser libertadas delas, em vez de ser
condicionadas por elas".140 Assim a tarefa é “render-se, enfrentar as sombras, ouvir
o trapaceiro e, em suma, deixar a antiga ordem se desintegrar”.141

As mandalas podem se assemelhar com uma torta com fatias coloridas ou uma
“colcha louca” sem harmonia. As mandalas típicas da fragmentação não apresentam
um centro, dão a impressão de algo confuso, desordenado e desagradável e suas
cores tendem a ser escuras ou excessivamente brilhantes. Segue trecho que reflete
sobre esse período e sua importância no ciclo da vida:

Mitologicamente, essa passagem é mediada por monstros escuros e


poderosos que devoram e destroem o que tem forma para reduzi-lo
novamente à falta de forma. Só assim pode ser recebida pela grande

137
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing, and Self-Expression, p. 166.
138
Ibid., p. 166.
139
Ibid., p. 167.
140
FINCHER apud KELLOGG; DI LEO, Archetypal Stages of the the Great Round of Mandala, p. 45.
141
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing,and Self-Expression, p. 167.
39

mãe. Pode ser reconfortante lembrar que este é um processo natural


e necessário que possibilita a regeneração milagrosa do novo. Nossa
fé em uma ordem mais profunda pode florescer para nos sustentar
142
neste tempo de transição.

Estagio 12: Êxtase transcendente

Fincher (2010) nos descreve o período, indicando suas características que trazem a
sensação de integração e pertencimento:

Marca o feliz regresso a casa, a união de um ego fragmentado em um


novo alinhamento. (...) Nossa vida psíquica organiza em torno do eu
como seu centro verdadeiro. O ego funciona como uma expressão do
dinamismo do eu. (...) Paradoxos que antes eram perturbadores são
resolvidos por meios não racionais, pela Graça. O mundo irradia
perfeição, e nós somos ambos elementos nativos e infinitesimais
dentro dele. Esta etapa é uma reminiscência da quintessência
alquímica, uma síntese altamente refinada resultante de muitos
143
procedimentos complicados.

São mandalas luminosas, estimulantes e inspiradoras. Elas apresentam desenhos


de fonte de luz, pássaros em vôo, e por vezes um cálice recebendo algum fluido.
Suas cores comumente são combinações entre azul claro e escuro e o amarelo
pastel. Pode haver um símbolo central, mas normalmente existe um ponto focal
perto do topo dessas mandalas. Elas possuem também um efeito perolado que dão
a impressão da experiência numinosa.144 Fincher (2010) comenta ainda sobre a
tarefa dessa etapa e sua importância para a formação de um novo ciclo:

As tarefas desse estágio são aceitar o dom da Graça com gratidão,


humildemente, como o fruto da vida plenamente vivida. Devemos
levar a memória da experiência como uma semente brilhante para a
escuridão. Lá nós vamos plantá-lo para um novo ciclo. A semente do
transcendente nos leva adiante para um novo começo no grande
145
círculo.

Os princípios da mandala

A partir da maneira como os yogis e xamãs compreenderam o ritual da mandala,


Argüeles (1985) destaca sua importância na vida dos homens:

O meio pelo qual os homens podem recuperar algum sentido daquela


fonte renovadora da vida. O caos é, e a ordem é, e ambos existem
simultaneamente um dentro do outro. É apenas uma mudança de
consciência que vê em cada um reflexo do outro. É este salto -

142
FINCHER, Creating Mandalas – for Insight, Healing, and Self-Expression, p. 168.
143
Ibid., p. 168.
144
Ibid., p. 168-169.
145
Ibid., p. 169.
40

silenciosamente e como uma oração - que faz para a visão de


totalidade. E é a visão de totalidade que cura e é auto-cura. Viver
mandalizado é ver no caos os raios de luz da ordem brotando do
centro da meia-noite e em cada momento e espaço de tempo para
reconhecer que somos nós mesmos que nos encontramos espelhos
146
quádruplos no centro de cada ação.

Existem vários tipos de rituais que utilizam a mandala, seja a sua visualização ou
construção: mandalas para meditação, para cura, iniciação na puberdade,
nascimento, passagem dos mortos, para e oração, entre outras. A partir do
conhecimento dos princípios presentes na mandala, o homem pode descobrir os
tipos de rituais que se associam a sua cultura e história. Essa descoberta possibilita
ao homem alinhar-se sua fonte interior ao ritmo cósmico.147

Argüeles (1985) apresenta os princípios gerais presentes nos rituais com mandalas,
derivados dos Tibetanos e dos Índios Navajos: Purificação, Centralização,
Orientação, Construção, Absorção, Destruição, Reintegração e Atualização.

Purificação

A purificação significa uma limpeza completa do corpo que pode ocorrer de muitas
maneiras e em graus distintos de intensidade. O jejum purificatório oferece “uma
oportunidade para chegar a um contato mais direto com as forças espirituais.”. Os
índios norte-americanos costumam jejuar antes de eventos importantes, como a
criação da pintura de areia, pois compreendem que a purificação tem o efeito
adicional de estimular o sentido, tornando-os mais sensíveis durante o ritual.148

Centralização

Esse princípio relaciona-se com a função de purificar mente e tornar o corpo


centrado, apto à meditação; o objetivo é reciclar as energias biopsíquicas. Muitas
vezes esse centramento é alcançado por meio da criação manual como cerâmica,
escultura, tecelagem e pintura. Em outros, por meio da meditação facilitada com o
uso de ferramentas de concentração: mantras ou imagens (sol ou uma flor); e o
labirinto. Argüeles (1985) explica que a “tarefa básica da centralização é realizar a

146
ARGÜELES, Mandala, p. 99.
147
Ibid., p. 83.
148
Ibid., p. 85.
41

mente em seu estado natural, “não-criado” – sem forma ou identificação – e atualizá-


la para além do chamado período de meditação”.149

Orientação

O princípio da orientação é o processo de criação e realização do padrão coerente e


organizado que foi alcançado durante a centralização. Argüeles (1985) detalha mais
sobre esse princípio:

Orientação requer uma posição central. Para testemunhar o sol


nascente necessita um ponto de consciência que se define pelo sol
nascente. A partir deste ponto os outros pontos cardeais são então
definidos - leste, sul, oeste e norte. Este ato consagra. Consagrar é
fazer sagrado, separar no sentido de devotar algo. O território da
Mandala real - seja no chão, no papel ou na tela - é o espaço em que
e através do qual a oferta e a devoção ocorrem. (...) Orientação pode
ser decretada por dançar também. No yoga tibetano do não-ego, uma
dança e canto das cinco direções realizam a cerimônia de
150
orientação.

Argüeles (1985) explicita que os rituais de orientação enfatizam a utilização do corpo


purificado e de todos os seus sentidos. Os rituais dos índios Navajos são realizados
com cantos e o uso de sinos, flautas e tambores. O olfato é estimulado pelo incenso,
o gosto pelo uso de alucinógenos como o peyolt. A visão reforçada naturalmente
pelas cores e formas que compõem a mandala. O sentido do tato estimulado pela
dança. A finalidade é oferecer “uma harmonia psicofísica completa”.151

Construção

Argüeles (1985) explica que a construção da mandala pode ocorrer de maneiras


diferentes:

A construção real da mandala pode assumir diferentes formas - tanto


formas como situações. Alguns tipos básicos tendem a se destacar, e
dentre estes, desejamos distinguir dois gêneros fundamentais: a
mandala como fortaleza cósmica e a mandala como a transmutação
152
de forças demoníacas.

O primeiro tipo refere-se à “projeção do mapa do cosmos – uma plena realização de


todos os processos cosmogênicos dinâmicos: a criação dos sistemas mundiais,

149
ARGÜELES, Mandala, p. 85- 86.
150
Ibid., p. 87.
151
Ibid., p. 87.
152
Ibid., p. 89.
42

idades, estações e vários ciclos de elementos e hierarquias orgânicas”. O segundo


tipo trata-se do “reconhecimento e aceitação da existência de forças negativas em
ação dentro de si mesmo”. Nesse tipo de mandala, o objetivo não é eliminar essas
forças, mas antes transformá-las dentro de nós por meio da harmonia dos
opostos.153

Absorção

Esse princípio associa-se à intensa concentração e meditação sobre a mandala


finalizada. Tal ação tem por objetivo a transferência do conteúdo trabalhado para a
mente e o corpo do espectador que, após esse processo, alcança um novo sentido,
pois a consciencia foi expandida. Assim, o que era “relativamente inconsciente foi
agora trazido à luz e elevado a um novo nível, com um consequente aumento da
iluminação – para a consciência como um todo”. Nesse processo, é importante que
o indivíduo compreenda que os conteúdos da mandala são “projeções dos vários
níveis de sua própria vida consciente” e que procure entender a interface intuitiva
presente nas várias partes e funções da mandala e seu próprio corpo.154

Destruição

A fase de destruição pode ser a destruição literal ou o desprendimento da


construção da mandala. Comumente, os Navajos destroem as pinturas de areia,
pois acreditam que “a pintura em areia em si é o símbolo final da sacralidade da
função particular, sua existência seria profanada se não fosse "destruída" após a
cerimônia.”. O homem medicina ou o iogue compreendem de forma distinta, uma vez
que acreditam que o “verdadeiro espírito já foi liberado no processo de abosrção, e
assim ocorreu a transformação essencial na transferência do mapa cósmico para as
partes e funções do corpo e seu ciclo de vida”.155

O desprendimento do trabalho criado é o fator principal dessa fase. O desapego é


destacado no ponto de vista ideal “não há ator e nenhuma ação, embora exista
ação”, pois a fonte é universal e comum a todos. O conteúdo da mandala foi
absorvido, assim a mandala externa torna-se um ponto de partida. Muitas mandalas

153
ARGÜELES, Mandala, p. 92.
154
Ibid., p. 96.
155
Ibid., p. 97.
43

pintadas em tecidos, lona ou papel são utilizadas como objeto de meditação ou


“lembrança”.156

Reintegração

A reintegração acontece na própria ação de elaborar a mandala, porém realmente


se realiza quando o desapego ocorre. Nesse processo se restabelece a conexão
direta com a fonte, nele o organismo torna-se capaz de “experimentar-se como um
fluxo contínuo de energias”. Nas palavras de Argüeles, nessa etapa vivenciamos o
caminho da beleza:

Ser inteiros é ser voluntariamente e conscientemente sintonizados


com as grandes forças do universo - reconhecer, elogiar e dar graças
a essas forças: este é o caminho da beleza. (...) O ritmo do caminho
da beleza é comparado a um pássaro, uma de cujas asas simboliza o
processo de pensamento físico consciente; e o outro, o espiritual,
incluindo os padrões inconscientes. O ritual da mandala é um meio
pelo qual ambas as asas podem ser coordenadas e usadas para que
157
o pássaro possa voar, inteiro e livre.

Atualização

Argüeles (1985) descreve o sentido dessa fase e sua relevância:

Atualizar a mandala é deixar o mundo da fragmentação e da


alienação e passar para outra dimensão de ser, saber e fazer. Todo
conhecimento novo vem na forma de uma iniciação; Ao restaurar-lhe
os meios para a fonte da visão do todo, o ritual da mandala pode dar
ao homem o conhecimento necessário para fazer o próximo passo
evolutivo. Pois agora o homem deve encontrar em si a visão de ir
além do mundo que criou para escapar do destino de espécies
anteriormente extintas e se transfigurar novamente à imagem do
158
propósito divino.

A mandala da curva do desenvolvimento da consciência

Argüeles (1985) expõe como o processo de mandalização do homem modifica sua


realidade coletiva:

A mandalização do homem é um processo pelo qual as polaridades


do individualismo e do coletivismo se unem, criando uma síntese
distinta. Como uma única pessoa começa a ver, perceber e
compreender a si mesmo como uma reflexão única e repositório das

156
ARGÜELES, Mandala, p. 97.
157
Ibid., p. 98.
158
Ibid., p. 99.
44

forças e energias de toda a natureza - o homem o microcosmo


consciente - então ele começa a agir como um agente liberando e
atraindo energias radiantes. Não é criar um sistema de satélites sobre
ele, mas insuflar essa realização nos outros, para que todos possam
se manter juntos como centros conscientes, cada um com uma
função única e consciência universal e capacidade de transformação.
A força coletiva da mandala é possibilitada pela diferenciação auto-
159
definida e mutuamente auto-aceita dos indivíduos que a compõem.

Argüeles representa a partir da imagem mandálica, a curva do desenvolvimento da


consciência, conforme vemos a seguir:

160
Figura 6: Mandala da curva do desenvolvimento da consciência

A mandala da curva do desenvolvimento da consciência relaciona nossa situação


presente à uma realidade maior. Assim, essa mandala apresenta uma forma global
correspondente a três círculos concêntricos (A, B e C):161

 A corresponde ao “domínio central da consciência”, as regiões corticais mais


profundas do cérebro. Ela é responsável por “recapitular as primeiras fases
evolutivas da vida”.
 B indica o nível intermediário da consciência, corresponde ao inconsciente
coletivo de Jung. Nele reside todas as ideias, sonhos, mitos, símbolos e

159
ARGÜELES, Mandala, p. 108.
160
Ibid., p. 109.
161
Ibid., p. 109-110.
45

arquétipos e também as experiências coletivas acumuladas ao longo do


desenvolvimento.
 C – Consciência superficial, responsável pelas nossas ações comuns e em
que o ego tem mais controle.
O desenvolvimento real da consciência é indicado pela linha em curva, que se inicia
a partir do centro (0) e segue para fora até o ponto (4). Seus números (0 a 4) e
intervalos serão apresentados:162
 Ponto 0 - apresenta as primeiras manifestações da consciência, é o
centro.
 Curva entre 0 e 1 – indica o desenvolvimento da consciência por meio das
primeiras fases da vida, como estágios tribais da comunidade humana.
 Ponto 1 – faz referência ao marco em que se rompe os níveis coletivos da
consciência tribal até o início da autoconsciência individual.
 O intervalo entre 1 e 2 – orienta o desenvolvimento da consciência desde
os estágios individualistas da cultura até o ponto máximo do
individualismo.
 Ponto 2 – define o limite da autoconsciência individual e o início do
caminho da integração.
 Curva entre 2 e 3 – marca o desenvolvimento por meio das fases
individuantes e unitivas da cultura humana. Nela, a atividade consciente
volta-se ao nível coletivo.
 Ponto 3 – indica o início da individuação coletiva. O indivíduo se baseia
firmemente nos níveis mais profundos da consciência e nesse ponto seres
individuados tornam-se regra.
 Curva 3 e 4 – aponta para a aparição coletiva de uma raça de seres
humanos individuados; inaugurará o desenvolvimento de uma cultura
integrativa.
 Ponto 4 – reflete o restabelecimento da harmonia, um estado de união /
libertação que significará uma entrada em uma nova dimensão, para a
qual uma mandala como esta já não será suficiente.

162
ARGÜELES, Mandala, p. 109-111.
46

Argüeles (1985) indica que “o processo real de desenvolvimento da consciência é


tanto uma exploração quanto uma definição das zonas intermediárias e periféricas
para que um retorno possa ser embarcado.”. Uma característica comum das
sociedades tecnológicas é o sentimento de “dessarraigamento cultural” que ocorre
durante as fases de individuação. A partir desse contexto, surge um “sentimento de
autoconsciência acompanhado de um crescente sentimento de alienação” que, ao
atingir seus limites, torna conscientemente manifesto o processo de individuação. 163

O processo de desenvolvimento é “parte inexorável de um todo orgânico maior”. Ele


nos indica o caminho ao informar que devemos buscar “as sementes da mudança
dentro das mutações silenciosas de indivíduos que estão sendo lentamente
transformados em seres individuados”. Esse caminho corresponde à mandalização,
processo que renovará a visão de totalidade e fraternidade entre as consciências. 164
A mandala, além de uma constante universal é também “um ato de fé e parte
integrante de uma busca de visão pessoal”.165

163
ARGÜELES, Mandala, p. 111.
164
Ibid., p. 112.
165
Ibid., p. 116.
47

3. CONCLUSÃO

O objetivo geral deste trabalho foi apresentar as principais características que


tornam a mandala um recurso transpessoal. Esse questionamento surgiu a partir da
minha experiência pessoal com mandalas ao longo do curso de Pós-Graduação em
Psicologia Transpessoal realizado entre 2015 e 2016.

O conhecimento acerca do contexto de surgimento e das principais bases de


formação da Psicologia Transpessoal nos sugere que essa área do saber indica um
marco de mudança no desenvolvimento da consciência, ao contemplar o sentido
transpessoal do ser.

O estudo sobre a Psicologia Analítica e seus principais conceitos, norteiam nossa


percepção individual para um quadro maior, para um sentido coletivo. Assim, o
processo de individuação como meta do sujeito, ao ser integrado com o
conhecimento sobre a mandala e sua simbologia nas tradições orientais, evidencia
um caminho de individuação coletiva, conforme nos foi apresentado na Mandala da
curva do desenvolvimento da consciência por Argüeles (1985).

As características evidenciadas neste trabalho em relação a mandala foram:

 A presença de um centro, que origina e norteia nossos movimentos de


diferenciação a fim de nos tornar consciências individuadas;

 O aspecto harmonizador que modifica nossa forma de experienciar os


opostos;

 O sentido reintegrativo, que impulsiona o indíviduo à experiência desde o


início de seu desenvolvimento, conforme nos indica Neumann (1991);

 A simbologia associada ao sentido divino que favorece nosso processo de


expansão consciencial;

A descrição da grande roda das formas mandálicas, com seu paralelo em relação ao
processo de individuação, evidencia como o conhecimento individual sobre nossas
criações mandálicas pode direcionar nossa escolhas, tornando-as mais alinhadas à
Totalidade. Os princípios, verificados nos rituais em torno da mandala, destacam
48

também um ciclo presente em nossas vidas que, quando compreendido e


assimilado, coloca-nos em ressonância com o ritmo cósmico.

O universo, ao ser experimentado como um todo dinâmico e inseparável evidencia


cada mandala, de cada pessoa, em cada instante de existência como parte de um
todo interligado que se influencia mutualmente. Portanto, cada sujeito desempenha
um papel único, não só no seu percurso individual, mas também como colaborador
daquilo que é transcendente ao seu próprio ego.

A mandala da curva do desenvolvimento da consciência descreve a trajetória da


humanidade desde os tempos mais primitivos (tribais) até um futuro que um dia
chegaremos enquanto coletividade. Compreender a maneira como estamos
interligados e o nosso papel nesse caminho faz com que a mandala seja um
instrumento pessoal, enquanto criação individual no contexto terapêutico, mas que
se torna transpessoal, quando dimensionamos a força e a importância do nosso
crescimento para o todo integrado. Assim, a partir do trabalho apresentado, é
possível afirmar que a mandala configura-se como um recurso transpessoal.

Nossa existência se desbobra como uma mandala. Que possamos compreender o


real significado dessas palavras, a fim de nos colocarmos como colaboradores do
fluxo cósmico que nos norteia.
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REFERÊNCIAS

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