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São Paulo – SP
2019
CLAUDETE REGINA MAGALHÃES LESSA
São Paulo – SP
2021
MANDALAS E SUA UTILIZAÇÃO NO PROCESSO TERAPÊUTICO NA
CLÍNICA JUNGUIANA
Claudete Regina Magalhães Lessa 1
RESUMO
O presente trabalho cujo tema “Mandalas e sua utilização no processo terapêutico na Clínica
Junguiana”, tem como objetivo entender como se desenvolve e o benefício da utilização de Mandalas
como técnica projetiva no processo terapêutico junguiano. Para isso se fez necessário uma pesquisa
bibliográfica que elucidasse o uso das mandalas e principalmente o que diz a psicologia junguiana a
respeito desse recurso amparado com a teoria, buscando entender a importância dos símbolos para a
psicologia junguiana, onde estes serão as projeções de nossas possibilidades imaginárias. Desta
maneira Jung nos leva a uma possibilidade de conhecimento pessoal que pode estar intimamente
ligado a criatividade, através das formas criativas também se é possível estudar os efeitos dos
arquétipos e esse processo se dá de maneira autônoma na psique do indivíduo criativo. O processo de
utilização da criatividade pode nos auxiliar na autorregulação e também na regulação mental da vida
da sociedade. Quando as imagens arquetípicas também são animadas elas nos fazem experimentar
as fantasias, mas estas precisam ser elaboradas e compreendidas, assim o sentido que elas trazem
pode ser vivenciado por nós. Desta maneira as mandalas trabalhada no ambiente clínico servem como
material que possibilitará as representações simbólicas do Self, conduzindo ao centro e ao processo
de individuação do indivíduo que dela faz uso e se beneficia.
Palavras-chave: Mandalas, Símbolos, Psicologia Junguiana e arteterapia
INTRODUÇÃO
A escolha do tema se deu pelo anseio que senti em conhecer e entender
melhor a utilização de técnicas projetivas no processo terapêutico e como estas
facilitam o contato com os símbolos do inconsciente através das imagens
arquetípicas. Essas imagens podem auxiliar nesse processo com a totalidade do ser,
ou como nos diz Jung com o processo de individuação.
O contato com as mandalas me levou a alguns questionamentos como por
exemplo: o que há por trás dessa expressão que vai além de um simples desenhos e
figuras; e que podem falar de um mundo íntimo o qual se manifesta em cada
representação pessoal?
1 Título de Bacharel e Psicóloga pela UNIBAN – Universidade Bandeirante de São Paulo em 27/12/2011, Pós-
graduação nível Aperfeiçoamento em Geriatria e Gerontologia pela CEPPS – Centro de Estudos e Pesquisas
em Psicologia e Saúde em 07/12/2016 e Pós-graduação Lato Sensu em Psicogerontologia pela Faculdade
Unyleya em 03/10/2018. Realiza atendimento Clínico desde 07/2012, consultoria para elaboração de
Portfólio-Base GAC Pessoa Idosa no SENAC em 11/2015 e realização de trabalhos em Psicologia Social
como Técnica Psicóloga e gerente em Núcleo de Convivência para Idosos e Centro Dia para idoso.
Comecei a observar durante o tempo que trabalhei em um Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos da prefeitura de São Paulo
(2013-2015), o quanto a arte traz certos benefícios e transformações nas pessoas e o
quanto isso era significativo para todos que estavam de alguma maneira envolvidos
com este trabalho. Naquele momento não dei a devida atenção ao que poderia ser
esse contato mais íntimo com as mandalas de maneira que pudéssemos trabalhar
com o processo de integração e individuação. Logo após o desligamento deste
serviço, busquei de forma amadora fazer algo com a arte, onde desta experiência
surgiram quadros de mandalas com material reciclado e filtros dos sonhos que
também pode ser uma forma de representação de mandala com linhas. Fui atraída
por esta experiência que proporcionou à volta da utilização de técnicas expressivas
no atendimento na clínica em um primeiro momento com pessoas idosas o que me
levou a realizar uma especialização em Psicogerontologia.
O interesse por técnicas projetivas continuou e de certa maneira a atração
pelas mandalas mais uma vez me conduziu a uma busca mais intensa que me
possibilitou participar de um Workshop “Mandalas e seu uso terapêutico na
perspectiva da Espiritualidade” no IPq/HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) de São Paulo. Por este workshop ser
sério o que contou muito para a minha participação, pois não era apenas uma aula
sobre mandalas, mas a utilização da mesma de maneira terapêutica o que poderia me
auxiliar no desenvolvimento do meu trabalho clínico fez com que a experiência desta
vez fosse diferente despertando a busca pelo aprofundamento na Psicologia Analítica.
Como vemos em algumas obras de Jung, mesmo que de tal experiência
possa emergir possíveis conflitos internos o fato de se permitir criar uma mandala
pode produzir descarga de tensões emocionais e estressantes, pois neste processo
podemos ter uma intervenção acessível a dimensões espirituais que nos possibilita
ter contato com o Si-mesmo: “Meus desenhos de mandalas eram criptogramas que
me eram diariamente comunicados acerca do estado do meu Si Mesmo”. (JUNG,
[1961], 2016, p. 201)
Esse contato aconteceu comigo levando-me a buscar uma segurança e o
conhecimento adequado para poder proporcionar ao paciente na clínica essa
experiência com o seu mundo interno também através das mandalas.
Assim foi importante seguidamente começar a pós em Psicoterapia
Junguiana onde tive o prazer de conhecer o trabalho realizado pela Professora
Doutora Irene Gaeta e mergulhei novamente na experiência da expressão artística
através de técnicas projetivas e com o desenho de mandalas no processo terapêutico.
Fui aos poucos levando a experiência para a clínica e para a vida, mas como falar de
mandalas em um trabalho de conclusão de curso, parecia algo tão pequeno em meio
a tantos assuntos interessantes, e foi então que percebi que as mandalas também
podem falar sobre o meu processo de transformação. No decorrer deste processo,
as mandalas foram surgindo e me auxiliando na concentração, diminuição de
ansiedade entre outros benefícios.
Desta forma comecei a pesquisar por bibliografias que me levaram a
aprofundar no assunto das mandalas tanto pessoalmente quanto profissionalmente.
Cito que durante o desenvolvimento desse artigo a Arteterapeuta Meire
Angela a qual chegou-se a contaminar pela COVID-19 no início da pandemia no Brasil
relatou sua melhora e cura com a produção de mandalas no ambiente hospitalar
durante seu processo de internação. Baseada nessa experiência cito aqui um trecho
no qual Jung fala sobre mandalas no livro Psicologia e Religião:
[...] o que as pessoas narram a respeito de suas experiências: Elas voltaram
a si mesmas; puderam aceitar-se; foram capazes de reconciliar-se consigo
mesmas e assim se reconciliaram também com situações e acontecimentos
adversos. Trata-se quase sempre, do mesmo fato que outrora se expressava
nestas palavras:” Fez as pazes com Deus, sacrificou a própria vontade,
submeteu-se à vontade de Deus”. [...] um mandala moderno é uma confissão
espiritual particular. Não há divindade no mandala, nem tão pouco se alude a
uma submissão à divindade ou a uma reconciliação com ela. Parece que o
lugar da divindade acha-se ocupado pela totalidade do homem. [...]Quando
falamos aqui do homem, aludimos a uma sua totalidade que não pode ser
delimitada e nem é susceptível de formulação, só podendo ser expressa por
meio de símbolos. Escolhi a expressão “Si-mesmo” (Selbst) para designar a
totalidade do homem. (JUNG, [1971], 2012, §138-140 p. 103-104)
Aqui no Brasil esse trabalho foi muito bem realizado com a psiquiatra Nise
da Silveira (1905-1999) que por não aceitar as formas de tratamento psiquiátrico da
época desenvolve no centro Psiquiátrico Nacional, Rio de Janeiro, a seção de
terapêutica ocupacional. Dentre as diferentes atividades, a pintura e a modelagem se
destacaram como um meio de acesso ao mundo interno dos pacientes. Da produção
desse trabalho nasceu o “MUSEU DE IMAGEM DO INCONSCIENTE”, esse espaço é
um centro vivo de estudo e pesquisa sobre a imagem, onde permite a troca entre a
experiência clínica e outras áreas do conhecimento. Nise (1905-1999) também
introduziu a Psicologia Junguiana no Brasil e seu contato com Jung também auxiliou
no desenvolvimento de uma diversidade de material onde deste destacam-se os livros
Imagens do inconsciente (1982) e O Mundo das imagens (1992).
Portanto através de pesquisa bibliográfica percebemos que o interesse por
este tema vem sendo desenvolvido em uma escala crescente, onde desde crianças
até pessoas idosas podem se beneficiar com a criação de mandalas no processo
terapêutico e assim caminhar para a integração como compreendeu Jung.
Compreendi sempre mais claramente que a mandala exprime o centro e que é a
expressão de todos os caminhos: é o caminho que conduz ao centro, à individuação.
(JUNG, [1961], 2016 p. 201)
REVISÃO LITERÁRIA
O SÍMBOLO NA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Os símbolos são as representações das fantasias e toda nossa vida é
escrita através deles, e neles podem conter algo que ainda precisa ser revelado, algo
que ainda está escondido e assim precisa ser interpretado. Eles são as projeções de
nossas possibilidades imaginárias e uma das maneiras que podemos buscar a sua
compreensão pode ser através dos sonhos, técnicas expressivas, contos etc.
A respeito das imagens simbólicas, Kast (2019) resgata dos estudos de
Jung que elas significam mais do que exprimem, pois, possuem um aspecto
inconsciente e abrangente, que nunca pode ser definido com exatidão nem
esclarecimento de maneira exaustiva.
Com os símbolos podemos transportar e transformar emoções e
percepções e nós seres humanos precisamos das imagens e das histórias
arquetípicas para termos uma vida satisfatória ou para que ela se autorregule, pois
esta é uma das maneiras que buscamos sair da monotonia e interagimos com o meio.
No Livro “O homem e seus símbolos”, Jung nos mostra a importância de
darmos atenção aos símbolos quando relata:
Para o benefício do equilíbrio mental e mesmo da saúde fisiológica, o
consciente e o inconsciente devem estar completamente interligados, a fim
de que possam se mover em linhas paralelas. Se se separam um do outro ou
se “dissociam”, ocorre distúrbios psicológicos. Neste particular, os símbolos
oníricos são os mensageiros indispensáveis da parte intuitiva da mente
humana para a sua parte racional, e a sua interpretação enriquece a pobreza
da nossa consciência fazendo-a compreender, novamente, a esquecida
linguagem dos instintos. (JUNG, [1964], 1996 p. 52)
E ainda:
Uma vez que os arquétipos são relativamente autônomos como todos os
conteúdos numinosos, não se pode integrá-los simplesmente por meios
racionais, mas requerem um processo dialético, isto é, um confronto
propriamente dito que muitas vezes é realizado pelo paciente em forma de
diálogo. […] Esse processo tem um decurso dramático, com muitas
peripécias. Ele é expresso ou acompanhado por símbolos oníricos,
relacionados com as representations colectives, as quais sempre retrataram
os processos anímicos da transformação sob a forma de temas mitológicos.
(JUNG, [1976], 2000, §85 p. 49)
CRIATIVIDADE E ARTETERAPIA
Em vários trabalhos e estudos sobre as obras de Jung sempre é presente
a importância do aspecto criativo, em sua obra Memória, Sonhos e Reflexões isso
aparece com frequência desde os sonhos relatados até as figuras que desenha desde
a sua infância e na própria construção da “Torre”. Também em outras obras como, A
Arte de C. G. Jung e o Livro Vermelho que foi editado após sua morte e que contém
uma coletânea da criatividade exercida ao longo de sua vida. Através das formas
criativas também se é possível estudar os efeitos dos arquétipos e esse processo se
dá de maneira autônoma na psique do indivíduo criativo. Para esta afirmação
podemos citar o próprio Jung quando diz que: “O processo criativo […] consiste em
uma animação inconsciente do arquétipo e em seu desenvolvimento e sua elaboração
até a obra ser completada”. (JUNG, 2011 O.C. 15 § 130 apud KAST, 2019 p.37).
O arquétipo poderá ser traduzido em nossa linguagem atual no processo
criativo quando nos auxilia a ter acesso aos materiais mentais, pois se não nos fosse
trazida pelas imagens e criação, poderiam ficar obscuras e não se mostrar para o
indivíduo que dela se beneficiará. Outra maneira de auxiliar o indivíduo a ter o contato
com a criatividade é através da arte social, pois muitas pessoas se colocam em uma
posição de pouca criatividade o que muitas vezes dificulta que estes entrem em
contato com os temas arquetípicos neles formados. Assim a arte social poderá facilitar
com seus recursos que o indivíduo acesse os seus conteúdos internos.
O processo de utilização da criatividade pode nos auxiliar na
autorregulação e também na regulação mental da vida da sociedade. Quando as
imagens arquetípicas também são animadas elas nos fazem experimentar as
fantasias, mas estas precisam ser elaboradas e compreendidas, assim o sentido que
elas trazem pode ser vivenciado por nós.
Ai a importância que a criatividade pode ter no processo terapêutico, pois,
pensar na criatividade como um caminho nos faz ter a conexão com uma atitude
criativa e nos levar a uma eficácia no processo de individuação.
O princípio criativo também pode determinar o que está no mundo, mas o
indivíduo precisa estar conectado a este princípio que também poderá atuar no físico
e emocional, levando-o a viver uma atitude criativa e ligando os seus recursos a essa
força de autorregulação.
Kast (2019), ao estudar o seminário de Jung sobre Zarastrustra nos mostra
que neste processo a própria personalidade também pode ser formada, pois é
primordial que toda pessoa se conscientize de seu instinto criativo no processo de
individuação, instinto que pode ser entendido como um estímulo sem motivação
consciente.
O caminho criativo pode ser o melhor para auxiliar no encontro com o que
nos quer dizer o inconsciente. Podemos acessar o inconsciente através das fantasias,
lembranças e formar representações de dentro para fora, e isto poderá se dar através
do desenvolvimento com a criatividade na pintura, música, dança, imaginação e na
elaboração de mandalas. Kast (1997, p. 28), cita:
Todas as imagens que somos capazes de descrever, pintar e produzir dizem
algo a nosso respeito e a respeito de como nos encontramos a cada instante
– pois em cada situação temos apenas determinadas imagens à nossa
disposição, sejam elas imagens de lembranças ou de desejos. Elas sempre
dizem algo sobre a nossa condição atual. Desse modo, todo diagnóstico
baseado em imagens deve ser entendido como parte de um processo.
Dessa maneira podemos trabalhar nossos conflitos e complexos entrando
em contato com as nossas emoções e percebendo as representações que podem ser
vivenciadas através da imaginação e criatividade, pois percebemos que alguns
indivíduos têm certa resistência em acessar os conteúdos inconscientes que precisam
ser elaborados somente com a fala, assim podemos utilizar como instrumento
auxiliador o recurso da arte, com relata Arcuri (2010 p.49-50).
A arte devolve a liberdade à alma aprisionada pelo vazio, pelo medo, ou ainda
pelos sentimentos não nomeados e leva à concretização de anseios e
necessidades interiores do ser humano. A arteterapia age a serviço das
necessidades interiores do homem ... amplia e desdobra o potencial do
processo de criação do ser humano e de seu autoconhecimento... todo
indivíduo pode projetar os seus conflitos em formas visuais.
E ainda:
Por meio do símbolo, chegamos ao complexo com o qual o problema se
mistura, permitindo que a energia ligada ao complexo volte a fluir. […] os
sonhos e as figuras do inconsciente revelam os complexos, então ambos
tocam a mesma camada do inconsciente. Em consequência disso pode-se
dizer que o trabalho com os complexos pode levar a um crescimento e a um
desenvolvimento da psique individual e que isso pode ser alcançado pela arte
terapia.
MANDALAS
Antes de falarmos sobre o uso das mandalas no processo terapêutico é
importante sabermos o que é a mandala, seu significado e como é utilizada desde as
tradições antigas. O mandala é o círculo a esfera como explica a Dra. M. L. von Franz
no capítulo que escreveu no livro O homem e seus símbolos.
[…] o círculo (ou esfera) como um símbolo do Self: ele expressa a totalidade
da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o
homem e a natureza. Não importa se o símbolo do círculo está presente na
adoração primitiva do sol ou na religião moderna, em mitos ou em sonhos,
nas mandalas desenhadas pelos monges do Tibete, nos planejamentos das
cidades ou nos conceitos de esferas dos primeiros astrônomos, ele indica
sempre o mais importante aspecto da vida – sua extrema e integral
totalização. (VON FRANZ, [1964],1996, p. 240)
E von Franz ([1964], 1996, p. 249) ainda ressalta: […] O Símbolo do círculo
tem representado, e eventualmente ainda representa, uma parte curiosa de um
fenômeno invulgar da nossa vida de hoje.
Notamos que a mandala está presente na tradição espiritual do Oriente e
Ocidente. No Oriente encontramos a representação das mandalas em vários
processos iniciatórios como no tantra tibetano, no hinduísmo, na ioga, no taoísmo.
Segundo o livro taoísta o Segredo da Flor de Ouro, encontramos a Flor de Ouro como
símbolo mandálico que é desenhado em forma geometricamente ordenada.
Em outras culturas do Oriente Médio podemos encontrar a mandala
vivenciada corporalmente em danças de ritual circular, na Índia as danças circulares
tem a mesma representação que a mandala desenhada, na tradição espiritual hindu
a mandala é a arte sagrada que reproduz as realidades espirituais como cita
Cavalcanti (2008, p. 62) […] A imagem sagrada (murti) da divindade refletida no
interior do mandala é considerada, nesta tradição, a manifestação do imanifestado no
mundo das formas fenomenais múltiplas.
Ainda na cultura Oriental no tantra tibetano temos outro instrumento de
meditação que tem significado, finalidade e função semelhante ao da mandala, este
instrumento é o Yantra. A diferença entre eles é que as mandalas são mais figurativas
e os yantras geométricos e sintéticos, este último também pode representar o
universo, uma imago mundi que ajuda na concentração. O mais conhecido é o Shri-
yantra que é composto por nove triângulos apresentados de forma justapostos que
forma um total de quarenta e três triângulos menores. Os triângulos que estão
apontados para cima representam Shiva e os que estão apontados para baixo
representam Shakti. Cada triângulo é o local de morada de uma divindade. Eles são
cercados por um círculo formado por lótus de oito pétalas que simbolizam Vishru, a
tendência ascendente que permeia todo o universo, após há ouro círculo com
dezesseis pétalas e quatro círculos que as circundam. Cavalcanti (2008), explica que
a representação do Shri-yantra é a energia psicocósmica do universo e que seu ponto
central que também pode ser chamado de a roda inteiramente formada de bem-
aventurança representa a deusa Tripura Sundar, a quem o yantra é dedicado.
No livro psicologia e religião encontramos uma citação de Jung sobre os
yantras.
Em geral, consistem em um padma redondo ou lótus que contém um edifício
sagrado de forma retangular, com quatro portas, indicando os quatro pontos
cardeais e as estações do ano [...]São yantras ou instrumentos rituais que
servem para a contemplação e para a transformação da consciência do iogue
na consciência divina do todo. (JUNG, [1971], 2012, p. 87)
Este pensamento também condiz com o que relata Fincher (1998, pp. 14,
39):
[…] a totalidade é um processo natural que traz à luz a singularidade e a
individualidade de uma pessoa. Por essa razão, Jung chamava de
individuação. [...] Uma respeitosa atenção aos símbolos do inconsciente
como forma de promover a evolução pessoal. E via no aparecimento
espontâneo de mandalas em sonhos, na imaginação e no trabalho artístico
evidências de que a individuação estava ocorrendo. O resultado dessa
individuação é a integração harmoniosa da personalidade com o Self, o
princípio unificador central.
[…] Desenhar um círculo talvez seja algo como desenhar uma linha protetora
ao redor do espaço físico e psicológico que identificamos como nós mesmos.
A mandala invoca a influência do “Self”, o padrão subjacente de ordem e
totalidade.
Salienta Jung (1991b, p. 140 apud Arcuri e Dibo 2010, p. 42): “Muitas vezes
as mãos resolvem um enigma com o qual o intelecto luta em vão.”
Para facilitar o processo analítico com a técnica da mandala podemos
utilizar alguns pontos focais que nos auxiliarão nas direções a serem adotadas e
podemos nos questionar por onde começar o trabalho com os desenhos? O simples
fato de desenhar dentro do círculo já pode ser um facilitador para experimentarmos
um sentimento de unidade. Como nos mostra Arcuri e Dibo (2010), podemos começar
com cores, formas, tamanhos, direção de movimento etc., o que importa é que no
desenho o contexto está entrelaçado com todos os seus componentes de forma
altamente interligada.
Terapeuta e paciente podem começar pelo que mais chama a atenção e
está sinalizado nos símbolos, quais as impressões causadas pelo desenho e
concentrar no primeiro sentimento que ele causa. O olhar para os pontos focais de
maneira sistemática auxilia o terapeuta a ordenar e direcionar seu trabalho analítico,
é importante também que não se faça nenhuma afirmação definitiva sobre os símbolos
apresentados, pois nunca podemos penetrar no fundamento absoluto de uma
mandala. Isso não quer dizer que não seja também importante conhecer as definições
desses símbolos suas posições, quadrantes etc. Assim o analista não pode se apoiar
somente no significado simbólico proveniente dos dicionários e nem o desvalorizar,
mas buscar um equilíbrio sabendo o que estes símbolos podem representar tanto no
material que temos disponíveis para o trabalho, mas também com a representação
que o paciente traz sobre os seus símbolos ali representados, pois quando o paciente
busca decifrar os significados das formas nas mandalas que ele realizou poderá
agregar um conhecimento sobre o padrão de Self em sua vida.
Cada mandala é um símbolo pessoal que nos ajuda a revelar quem somos
naquele determinado momento, e alguns pontos focais sugeridos podem auxiliar a
decifrar os conteúdos de nosso inconsciente que será revelado através do desenho
ali realizado, aqui alguns pontos que podemos trabalhar: Que sentimentos e o que o
desenho transmite? Quais palavras significativas aparece? O que há desenhado no
centro e o que ele representa para o paciente? Há desenho fora da mandala? Traçar
uma linha imaginária para reconhecer os quadrantes dentro da mandala. Como é a
pressão dos traços, forte ou fraco? Como está o tamanho da mandala ou dos
desenhos de dentro dela? Qual a posição da folha, horizontal ou vertical? Como foi a
utilização da folha entre parte superior e inferior e direita e esquerda?
Importante lembrar que para o terapeuta ser capaz de aplicar a técnica e
auxiliar seu paciente de maneira eficaz ele deve entrar em contato com a linguagem
de seu inconsciente, ou seja, o próprio deverá passar por esta experiência com o seu
inconsciente, tornando-se, portanto, íntimo de seus conteúdos. Recomenda-se que o
terapeuta deixe suas impressões, insights e alguns questionamentos para sessões
futuras, notando qual o momento adequado de colocar suas ideias e fazer seus
questionamentos.
Manifesta Jung (1966, p. 545 apud FURTH, 2004, p. 171):
Um analista pode ajudar o paciente somente até o ponto onde ele já foi, e
nem um passo a diante. Tenho deparado, desde o começo da minha prática
analítica, com pacientes que ficaram “emperrados” em suas análises
anteriores, o que sempre acontecia no ponto em que o analista já não
conseguia mais progredir com ele mesmo.
Quando falamos de mandalas devemos lembrar que elas não são testes
projetivos, mas sim um instrumento que nos conecta com algo maior, assim
possibilitando uma atenção concentrada onde sua representação é um símbolo que
contém a essência que pode proporcionar uma possível integração psíquica. Como
mencionado anteriormente o efeito terapêutico das mandalas consiste em sua
produção espontânea e sua repetição e imitação não possui um valor terapêutico, mas
as imagens ali representadas podem possuir um efeito terapêutico de maneira
considerável sobre o indivíduo. Isso foi empiricamente comprovado nas produções
tanto de Jung quanto na de seus pacientes.
Destaca Arcuri e Dibo (2010, p. 56):
As mandalas surgem espontaneamente quando a psique humana está em
processo de reintegração; em seguida, despontam no momento de
desorientação psíquica, como fatores que compensam a ordem. Conclui Jung
que a mandala é um arquétipo da ordem, da integração e da plenitude
psíquica, surgindo como esforço natural da autocura. É, dessa maneira, uma
tentativa de autocura inconsciente, a partir de um impulso instintivo, na qual
a figura diagramática, imposta pela imagem circular da mandala como um
ponto central, compensa a desordem do estado psíquico. É por esta razão
que afirma que a mandala possui uma eficácia dupla: conserva a ordem
psíquica, caso ela já exista, ou a restabelece, caso a ordem psíquica
desapareça. Neste último caso a mandala exerce uma função estimulante e
criadora.
CONCIDERAÇÕES FINAIS
A partir das informações e reflexões apresentadas até o momento, buscou-
se compreender a importância e contribuição do uso de técnica de mandalas no
processo terapêutico, como instrumento que auxilia o contato com o Si-Mesmo.
Fez-se necessário um estudo bibliográfico onde se entende que na
psicologia junguiana a criatividade é muito importante para o processo de
desenvolvimento do indivíduo e também um facilitador para a autorregulação
emocional e social. A criatividade no processo terapêutico age como um caminho que
nos leva a uma conexão com nossa atitude criativa sendo eficaz no processo de
individuação.
Quando travamos um diálogo interior com as imagens que emergem da
criatividade o ego deixa sua posição passiva e interage com elas estabelecendo uma
relação com o inconsciente que não envolve a linguagem e quando esse espaço é
aberto para o não racional o ego dá oportunidade para as mudanças.
Nota-se que o uso das mandalas pode facilitar o processo expressivo
contribuindo com a autoexpressão e no alívio das tensões emocionais, facilitando a
expressão da criatividade do Self, possibilitando a expressão dos sentimentos e o
possível alcance da percepção de que esses sentimentos e emoções poderão ser
compartilhados de maneira própria dentre outros aspectos que poderão ser
apresentados pelo paciente nas sessões com a utilização desta técnica.
Assim, a técnica do desenho da mandala pode ser aplicada a qualquer
indivíduo que tenha um mínimo de capacidade de elaboração desde crianças até
idosos. Ressalto que esta técnica deve estar a serviço da integração do indivíduo e
conscientização de seus conteúdos inconscientes permitindo que a criatividade volte
a se desenvolver. Para isso, o terapeuta deverá ser capaz de aplicar a técnica com
seu paciente de maneira que também entre em contato com a linguagem de seu
inconsciente, mas para isso o próprio terapeuta analista deverá passar por esta
experiência primeiramente tornando-se íntimo de seus conteúdos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ARCURI, Irene Gaeta. Psicoterapia Junguiana: Novos caminhos na clínica: O uso
do desenho de mandalas e calatonia. São Paulo: Vetor, 2010.
Hoerni in. A arte de C. G. Jung/ editado pela Fundação das Obras de C. G. Jung.
Fischer, Thomas; Hoern, Ulrich; Kaufmann, Bettin; tradução de Caio Liudvik. -
Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira
S/A, [1964], 1996.
SILVEIRA, Nise da. Imagens do Inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015 pdf