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I Como um dos psicoterapeutas pés-

Rafael López-Pedraza junguianos mais importantes da

SE
atualidade, Rafael López-Pedraza
iniciou, juntamente com James
Hillman, o estudo dos arquétipos, o
que resultou no que hoje chamamos
de Psicologia Arquetípica ou Psicologia
dos Arquétipos, como ele prefere
chamar.
Esses estudos começaram com a
leitura de um livro chamado Picatrix,
um tratado de magia talismânica. Esse
trabalho despertou-lhe emoções fortes
e moveu sua psique para o estudo e a

(
leitura de imagens, considerado por
ele como fundamental para podermos
nos aproximar dos arquétipos.
Apartir daí ele tomou um caminho
diferente dos estudos junguianos
AS EMOÇOí clássicos até então em voga.
NO PROCESSO Para López-Pedraza. o trabalho da
psicoterapia é manter a psique em
PSICOTf-RAPÊUTICO movimento, e isso se dá num
acontecer espontâneo que surge por
meio das imagens que se consteiam
na relação psicoterapetita-paciente.
Tais imagens contêm emoções, sendo
que através destas podemos conhecer
o psíquico.
Ele diz: “Entendo como mundo
psíquico o que se baseia no
emocional. Se a psicoterapia não toca
nos níveis emocionais, não toca no
psíquico profundo e, então, não há
transformação”.
Em As emoções no processo
psicoterapêutico o autor trata de
I emoções básicas e importantes que ele
A S EMOÇOES NO PROCESSO
PSICOTERAPÊUTICO
Coleçfio Reflexões Junguianas

- Puer-senex - Dinâmicas relacionais


Dulcinéia da Mata Ribeiro Monteiro (org.)
- A mitopoese da psique - Mito e individuação
Walter Boechat
- Paranóia
James Hillman
- Suicídio e alma
James Hillman
- Corpo e individuação
Elisabeth Zimmermann (org.)
- O irmão: psicologia do arquétipo fraterno
Gustavo Barcellos
- As emoções no processo psicoterapêutico
Rafael López-Pedraza

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

López-Pedraza, Rafael
As emoções no processo psicoterapêutico /
Rafael López-Pedraza ; tradução de Roberto
Cirani - Petrópolis, R J : Vozes, 2010. -
(Coleção Reflexões Junguianas)
Título original: Emociones : una lista
Bibliografia
ISBN 978-85-326-3309-5
1. Comportamento - Análise 2. Comportamento
humano 3. Emoções 4. Pensamentos 5. Psicologia 6.
Reiações interpessoais 7. Sentimentos 8.
Subjetividade I. Titulo. II. Série.

09-12361 CDD-150

índices para catálogo sistemático:


1. Comportamento : Análise : Psicologia 150
Rafael López-Pedraza

A S EMOÇÕES NO
PROCESSO
PSICOTERAPÊUTICO
Tradução de Roberto Cirani

EDITORA
VOZES
P etrópolis
© Rafael López-Pedraza

Título original espanhol: Emociones - Una lista

Direitos de publicação em língua portuguesa:


2010, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil

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Diretor editorial
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Editores
Ana Paula Santos Matos
José Maria da Silva
Lídio Peretti
Marilac Loraine Oleniki

Secretário executivo
João Batista Kreuch

Editoração-. Elaine Mayworm


Projeto gráfico: AG.SR Desenv. Gráfico
Capa: Omar Santos

ISBN 978-85-326-3309-5

Editado conforme o novo acordo ortográfico.

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.


Meus agradecimentos à Socsal,
na pessoa de Mireya Vargas,
por sua ajuda a esta publicação.
Sumário

Introdução, 9
1 Aproximação às emoções, 11
2 A lista de Aristóteles, 25
Cólera, 25 • Satisfação, 33 « Vergonha, 34 • Inveja e
indignação, 43 ♦ Medo, 48 • Gratidão, 56 • Eros, 57
• Ódio, 63 • Pena, 68

3 Ciúme, luto e condolência, 71


Ciúme, 71 • Luto e condolência, 72
4 Alegria, tristeza, ressentimento e sofrimento, 75
Alegria e tristeza, 75 • R essentim ento, 76 • Sofrim ento, 77
Referências bibliográficas, 81
Introdução

Escrever sobre emoções não é fácil, menos ainda para quem


as valoriza por sua irracionalidade. O mundo das emoções é, sem
dúvida, o mundo do irracional, e nos aproximamos desse mundo
não volitivamente, mas através do sentir. Dessa função psíquica
{feeling function) que nos conecta com as emoções, dizemos: sin­
to uma emoção. Mas a função do sentir, além disso, valoriza de
maneira individual o mundo em que vivemos. Refiro-me a isto
quando digo que escrever sobre emoções é difícil, pois qualquer
escrito tende a ser racional e isso já é conflitivo porque, ao tratar­
mos de nos aproximar do mundo emocional a partir da razão, tor­
na-se evidente que existe uma grande diferença entre esses dois
aspectos da natureza humana. A alma é o que eu chamo de campo
das emoções, e a psicoterapia, trabalho ao qual me dedico, é meu
campo para observá-las e vivê-las.
Vemos assim que, quando aparecem emoções na psicotera­
pia, o horizonte de vivências do paciente abre-se amplamente. E
esta é uma conquista da psicoterapia. Não há dúvida de que a
emoção aprofunda o mundo das vivências do ser humano, o que
está referido em algumas partes deste trabalho.
Os estudos sobre emoções, como afirmo ao longo deste livro,
foram realizados por filósofos, teólogos, antropólogos, psicólogos
experimentais, os quais, a partir de seus próprios pontos de vista,
10 Coleção Reflexões Junguianas

escrevem sobre emoções de maneira racional, coisa que não tem a


ver com minha prática de psicoterapia nem com minha maneira de
ser. Por isso, espero que o leitor leve em consideração e tenha pre­
sente que eu roubo a muitos daqueles que estudaram as emoções
ao longo da história. Faço aquilo que, em meu primeiro livro, cha­
mo de roubo hermético1; e quando isto é constatado, sinto que a es­
crita sobre a emoção torna-se mais ampla. Além disso, enriqueço
muitas das emoções com passagens da história da cultura.
Por último, quero que o leitor perceba que existem emoções
que não se prestam a serem amplamente escritas; seu caráter é mui­
to subjetivo e, por isso, só me permitem o atrevimento de fazer li­
geiras associações. Espero que o leitor leve em consideração estas
linhas que precedem meu escrito e assim se beneficie de sua lei­
tura.
O autor

1. Hermes e seus filhos. São Paulo: Paulus, 1999.


Aproximação às em oções

Há anos, quando dava seminários na Escola de Letras da


UCV, dediquei um semestre ao livro de W.B. Stanford, Greek Tra-
gedy and the Emotions, muito bem acolhido pelos assistentes.
Desta obra me chamou a atenção, além do novo que tinha para
mim, a queixa de Stanford quanto à carência de uma lista comple­
ta de emoções, o que me moveu a pensar sobre o assunto e tratar
de fazer um esforço em relação à chamada “lista de emoções’'
(STANFORD, 1983).
Minha prática psicoterapêutica se baseia na vivência e no es­
tudo das emoções no paciente. Na literatura sobre psicoterapia
moderna, o tema tem sido considerado teoricamente, de uma ma­
neira que se distancia da realidade e da própria prática psicotera­
pêutica. Para mim, as discussões mais valiosas sobre as emoções
são as de alguns estudiosos dos clássicos que baseiam seus estu­
dos na Retórica de Aristóteles, obra na qual o filósofo desenrola
uma lista que inclui: cólera, satisfação, vergonha, inveja e indigna­
ção, medo, gratidão, amor, ódio e pena. A intenção de Aristóteles
é ensinar retórica, isto é, a arte de persuadir; meu interesse, como
disse, refere-se ao surgimento das emoções na psicoterapia, assim
como sua riqueza. Por isso, em meu escrito, não me referirei ape­
nas às emoções da lista de Aristóteles, mas também a outras,
como o ciúme e o luto, duas emoções que David Konstan acres­
centa a esta lista, em seu livro The Emotions o f the Ancient Gre-
eks. De minha parte, além disso, agregarei outras quatro que con­
12 Coleção Reflexões Junguianas

sidero importantes para a psicoterapia: alegria, tristeza, ressenti­


mento e sofrimento.
A retórica, que é o que interessa a Aristóteles ao elaborar sua
lista, é a arte de persuadir por meio da oratória nos casos jurídicos
e forenses, assim como na política (e vale dizer que desde esta
época a retórica política é considerada corrupta). Mas teólogos e
filósofos tomaram a lista de Aristóteles de diferentes maneiras,
ampliando-a ou reduzindo-a. Santo Tomás de Aquino comenta da
lista o que é de seu interesse e o mesmo faz Descartes (KONSTAN,
2006:12). Vemos assim que as emoções foram estudadas de ângu­
los distintos. Os filósofos, a partir da argumentação racional, e os
cientistas, a partir da investigação experimental. Mas vale a pena
destacar que é no campo da psicologia experimental onde se pro­
duziu a maior variedade de trabalhos (cf. LEWIS & HAVILAND-
JONES, 2000). Os estudos mencionados demonstram como tem
cobrado importância algo tão reprimido pela história como são as
emoções. No entanto, costumam refletir uma aproximação que
não se difere muito da filosófica; e mesmo que possam nos estimu­
lar, ao direcionar nossa atenção para assuntos de seu interesse, in­
dicam também um distanciamento, ou seja, não está presente a
perspectiva do psicoterapeuta, cujo trabalho está centrado em co­
nectar-se simetricamente com as emoções que lhe apresenta o pa­
ciente e, na maior parte dos casos, participar com suas próprias
emoções no processo terapêutico. Isto é, o psicoterapeuta não
pode de maneira alguma observar um processo emocional no pa­
ciente com a distância do psicólogo experimental.
O termo original grego para emoção é pathos, de onde deri­
vam termos psiquiátricos como psicopatologia e psicopatia e, em
medicina, o termo patologia, que se refere de maneira geral à do­
ença. Isto nos mostra a importância das emoções na psicoterapia,
mais ainda quando se leva em consideração que qualquer doença,
Ai emoções no processo psicoterapêutico 13

seja psíquica ou psicossomática, está relacionada com uma ou


mais emoções. Sabemos que um pedaço de uma vida vivido de
modo traumático ou não vivido - um complexo - pode degenerar
em psicopatologias fortes, psicossomáticas e, inclusive, malignas.
Com isso quero dizer que o estudo da doença, como emoção, e
sua vivência no processo psicoterapêutico, são para mim funda­
mentais. Ainda mais em uma psicoterapia que tem muito presente
a doença encarnada na biologia.
O termo original grego pathos foi traduzido para o latim
como paixão, e aqui vejo certa diferença entre dois aspectos de
minha visão da patologia. Admito que o assunto possa causar con­
trovérsia, mas quero sair da visão acadêmica e semântica. Meu in­
teresse é ampliar, dentro de minhas possibilidades, a lista de emo­
ções, pois considero muito importante sua riqueza num indiví­
duo, visto que, quando vejo alguém cuja vida está presa a uma só
emoção ou paixão, sinto tristeza.
Porém, no uso comum do termo paixão ouvimos dizer: “Fula­
na tem paixão pelos cavalos ou pelo bridge e este senhor sente pai­
xão pelos carros de alta velocidade”. Também ouvimos histórias
de paixões amorosas, que vão desde Marco Antônio e Cleópatra
até Richard Burton e Elizabeth Taylor. É possível que tais paixões
sejam expressões ou proteções de patologias mais profundas. Co­
nheci uma vida totalmente paralisada por uma forte paixão pelos
gatos. E, em minha experiência terapêutica, tenho visto casos de
paixão pelos cavalos. Tenho conhecido hípicos cujo principal mo­
tivo de viver são os cavalos. Em meus tempos de Zurique tive uma
paciente cujo único prazer durante o fim de semana era ir num es­
tábulo dar banho nos cavalos. A paixão pelos cavalos, sobretudo
em mulheres, é conhecida em inglês pelo termo horsegirl. Conhe­
ci uma mulher que, atrevo-me a dizer, pagou com sua vida a pai­
xão pelos cavalos. Conheci outra quase inválida pelos múltiplos
14 Coleção Reflexões Junguianas

tombos sofridos. A obra teatral de Peter Schaffer, Equus, mos­


tra-nos o lado mais misterioso dessa paixão. Mas todos estes usos
do termo paixão não nos falam tão diretamente, como o termo pathos,
sobre as emoções essenciais que fazem do ser humano o que ele é
e que aparecem no campo de sua alma.
Voltando aos estudos científicos, sabemos que Charles Dar-
win investiu muita energia em seu trabalho sobre as emoções na
evolução do ser humano, e escreveu um trabalho sobre as emo­
ções no homem e nos animais que me faz imaginar tentativas de
conectar as emoções com os instintos. Darwin, sem dúvida, foi
pioneiro no que hoje se chama estudos sobre a conduta animal.
Estes estudos são de grande importância na psicologia de Jung e
aqui teria que mencionar seus trabalhos em colaboração com o
professor Heini Hediger, diretor do zoológico de Zurique. Hoje
em dia tais pesquisas foram tomadas por uma profusão de autores
que nos passaram modernos e fascinantes trabalhos sobre a con­
duta animal em seu habitat natural. Na teoria dos complexos, que
abre a porta para nossos estudos de psicoterapia, o nível dos com­
plexos animais na história do homem aponta na direção dos ins­
tintos. Também sabemos do esforço dos seguidores de Darwin, os
neodarwinianos, na chamada psicologia evolutiva, na qual se ten­
ta incorporar aos estudos de psicologia moderna conhecimentos
tão valiosos.
Baseando-me em minha imaginária, mais do que em meus
escassos conhecimentos sobre evolução, concebo três emoções
que tornaram possível a sobrevivência do homem. Estão arraiga­
das na psicobiologia, fazem parte da vida atual e são de primor­
dial importância para a prática da psicoterapia. Estas são: o medo,
a ansiedade e a depressão. Vou me referir a estas três emoções
com as reflexões que elas sugerem antes de abordar a longa lista
que já mencionei.
Al trnoçQ li no processo psicoterapêutico 15

P osso im aginar um hom em primordial na noite dos tempos


que sobrevive por conta de um medo primordial. O medo 0 esprei­
ta dia e noite. E stá sem pre na expectativa de um inimigo que pos­
sa m atá-lo o u de um anim al que 0 devore. Como nos sugere 0 neo-
darwlnifimo an tropológico, estes seres, nossos antepassados, de­
senvolveram a em oção do medo e isso aguçou seus sentidos e os
colo cou em con stante conexão com seus instintos. Como, por
exem plo, um olfato que à noite fosse capaz de detectar 0 inimigo
que se aproxim a e um a intuição sagaz que de dia alerte sobre
qualquer anim al ou sobre um perigo que pudesse vir inclusive de
cim a, pois p odia ser vítima de uma águia, como mostra a paleonto­
logia. Ou seja, concebemos assim um homem cheio de medo em
sua vida, sendo que esta emoção, indubitavelmente, faz com que
sobreviva e evolua.
Em grego, medo é phobos, um termo que também tomei da
p siquiatria moderna para denominar certas patologias. As mais
com uns: a claustrofobia e a agorafobia, que em meu modo de ver
sâo m edos naturais. Quando vejo nas notícias uma pessoa que so­
brevive aos escombros de um desmoronamento de uma casa ou
um mineiro preso em uma mina, essas condições geram uma emo-
Vfio de claustrofobia em mim. A agorafobia também é um medo
que se d eve considerar relacionado com algo que acarrete risco,
por exem plo, quando existe uma multidão que pode sair correndo
ou esp aços em que se cria essa emoção.
I£m psicoterapia, as chamadas fobias são muito comuns. Aten­
di uma paciente que tinha fobia de borboletas e que chegou à psico-
lerapia mostrando sintomas de bulimia. Em casos assim, a terapia
deve omitir a fobia e concentrar-se na patologia essencial do pacien­
te, no caso a bulimia. Jung relata em suas memórias 0 caso de um
paciente que se curou da fobia de viajar a Paris, e quando esta pes­
soa, depois do tratamento, viajou a esta cidade, dois dias depois de
16 Coleção Reflexões Junçuianas

estar ali ela morreu num tiroteio entre bandos de criminosos perto
da Ópera. Creio que isso é um ensinamento: devemos respeitar as
fobias, seja como for sua manifestação, pois nestes casos os níveis
de medo presentes nos assinalam aspectos misteriosos da condição
humana, os quais estão fora de nossas possibilidades e nunca os
compreenderemos inteiramente. Por isso, atrevo-me a chamar a
atenção para aquilo que podemos considerar como a repressão do
medo, ou sua racionalização, muito comum atualmente. Diz-se, por
exemplo, que o menino não deve ter medo. Ter medo é visto histori­
camente como um viver pessimista e o assunto é considerado de
uma maneira extremamente superficial.
Em alguns casos, Aristóteles discutiu as emoções em relação
a um oposto que também é uma emoção. Para Aristóteles, por
exemplo, o oposto do medo é a coragem. Isto é verificado por um
estudioso moderno, William I. Miller: “Medo - da morte, da dor,
da desgraça - é o principal terreno da coragem7’2 (2002: 201).
Medo e coragem são o que o homem sente quando está em situa­
ção de guerra ou de conflitos pessoais violentos, são a resposta da
alma às vicissitudes do viver. Ouvimos dizer: “Para viver, temos
que ter coragem”.
O medo também está na política e às vezes ocupa um espaço
na psique maior do que deveria ter, e tem uma forte relação com a
economia. Num mundo onde o homo oeconomicus está em pri­
meiro lugar no cenário cotidiano, assunto sobre dinheiro produz
medo tanto no rico como naqueles que não são.
Porém, mais intimamente existe um medo psíquico que sem­
pre sentimos e que nos faz conectar com nossa interioridade e
nosso aparato instintivo, básico para se viver com certo equilíbrio.

/
2. Muitos dos textos referidos são traduções ad hoc das obras em inglês utiliza-
das pelo autor.
Ai emoções no processo psicoterapêutico 17

N o que se refere a mim, devo dizer, e espero que isso seja tomado
m etaforicam ente, que sinto medo as vinte e quatro horas do dia e
isto me parece análogo àquele homem primordial que sobreviveu
graças ao m edo. Também quero dizer que, para mim, sobreviver e
morrer são normais e iguais.
Em psicoterapia, quando o psicoterapeuta sente medo do pa­
ciente que tem diante de si, deve aprender a ler o que esta emoção
está lhe dizendo. Antes de tudo, tem que sentir medo da sombra
{do que não conhecemos de nós mesmos) com suas emoções que,
m uitas vezes, projetamos, e assim nos coloca numa situação im­
possível de refletir.
Em outras situações maravilhamo-nos de ver pacientes que
nfio têm medo daquilo que lhes aflige nem do iminente perigo psi-
cossom ático que atravessam, e estes casos nos ensinam mais da
condição humana do que os textos que lemos.
Sabemos que o homem primordial vivia da caça. E a caça,
com o qualquer tarefa que nos impomos, produz ansiedade. Se le­
varm os nossa imaginação um pouco mais além, vemos esse ho­
mem que saiu para caçar e, ao cair a tarde, não conseguiu o básico
para subsistir, e sentimos que sua ansiedade aumenta; podería­
m os dizer que surge um acréscimo de ansiedade que pode levar
ao pânico. Aqui relacionamos a ansiedade com uma urgência no
tem po, que chega até nossos dias com o dizer “time is money”. À
Importância da ansiedade no mundo atual pode ser vista pelo con­
sum o brutal de ansiolíticos. Aquela ansiedade que afligia nossos
antepassados, como algo inerente à caça, aparece no homem atual
que tem que sair à rua para buscar seu sustento diário. E disto
nâo escapa qualquer classe social, desde o grande empresário até
o hom em comum, pois qualquer trabalho envolve ansiedade e o
excesso deste sentimento se relaciona com um tempo acelerado.
Aquilo que poderíamos chamar de um acréscimo de ansiedade se
18 Coleção Reflexões Junguianas

manifesta tanto em tempos pré-históricos quanto na atualidade.


Em outros escritos tratei da psicologia do titã, que se relaciona
com esta ansiedade do viver; no titã aparece, entre outras coisas,
um excesso no instinto de atividade que se traduz numa ansieda­
de brutal, com suas manifestações psicossomáticas.
Quanto à depressão, é fácil conceber que este homem primor­
dial, para compensar em sua psicobiologia essas primeiras emo­
ções (medo e ansiedade) e a tensão que geram, necessita depri­
mir-se. Isto deve ser visto como algo natural que o manteria em
uma certa normalidade. O que chamo de depressão aqui é aquilo
que nos ajudaria a conseguir pouco a pouco a lentidão necessária
em qualquer idade. Na velhice se torna muito mais necessária
uma consciência diária da lentidão, sob pena de se criar situações
insuperáveis. Estes níveis de depressão são essenciais para a incu­
bação que requer uma convalescença de nossos males ou para co-
nectar-nos com algo tão necessário como é nosso mundo interior.
Isto, como me referi, seria uma relação precariamente normal
com a emoção, o pathos da depressão, e não tem nada a ver com
patologias depressivas severas: maníaco-depressivas, depressões
agitadas e existenciais que podem terminar em suicídio, endóge-
nas e outras. A depressão, que poderia ser o único instrumento
para compensar os excessos de medo e de ansiedade no mundo de
hoje, é tremendamente depreciada pela família, pela sociedade e
pelo trabalho, vista como algo muito negativo para conseguir os
fins materiais, as metas do homem atual.
Como já disse antes, essas três emoções aparecem no mundo
moderno às vezes relacionadas com conflitos sociais, lutas políticas
e problemas econômicos, tanto locais quanto internacionais. São
básicas no aparato psicobiológico do homem de sempre e ter uma
visão delas me parece ser essencial para a prática psicoterapêutica.
Creio que isto pode ser melhor constatado quando associamos
As emoções no processo psicoterapêutico 19

medo e ansiedade, situação que aparece com muita frequência em


nossa prática diária, com sintomas extremos de pânico e fuga, com
conseqüências tais que nos fazem pensar na personalidade tomada
por níveis psicóticos. Em nossa prática terapêutica, também pode­
mos medir os conflitos interiores entre ansiedade e depressão, em
que excesso de ansiedade aparece quando se reprime a depressão,
assim como depressões tão estranhas nas quais os impulsos ansio­
sos necessários para o viver não aparecem ou outras que parecem
anunciar patologias mais complexas e malignas.
Voltando a Darwin, ele também estudou com bastante inte­
resse fotografias que expressavam emoções em rostos humanos,
para visualizar seu reconhecimento em culturas distantes da oci­
dental. E isto nos remete à importância, na comunicação psicote-
rapêutica, de se perceber as emoções através da expressão facial,
pois muitas vezes esta se dá emocionalmente por meio do olhar.
Aqui me atrevo a repetir umas linhas do poeta espanhol Antonio
Machado:
O olho que vês
Não é olho porque tu vês
É olho porque te vê.

Estes versos se referem a uma relação psicoterapêutica simé­


trica se é fundamental para observar o movimento psíquico que se
manifesta pouco a pouco no paciente. Isto traz à minha memória
o caso de uma paciente esquizofrênica catatônica que tratei quan­
do trabalhava na clínica Zurichberg. Encontrávamo-nos no ateliê
de pintura e ali ficávamos nos olhando nos olhos por um longo
tempo. Lembro o temor que a situação produzia no diretor da clí­
nica; sua preocupação por minha saúde psíquica. Este caso mos­
tra um extremo deste tipo de comunicação. Em alguns pacientes
não tão graves, tenho observado que a relação visual é uma carac­
20 Coleção Reflexões Junguianas

terística básica da comunicação terapêutica; uma comunicação


acompanhada da emoção que lhe pertence.
Aristóteles, na Poética, refere-se à catarse gerada pela tragé­
dia grega, o que deveria ser visto como a emoção reflexiva que
surge do teatro grego. Esta emoção pode chegar a extremos,
como os referidos por alguns estudiosos da tragédia em relação a
obras como as Bacantes, Alceste ou Hipólito: o público saía com
tamanha perturbação emocional que chegava a rasgar a roupa.
Mesmo que Aristóteles limitasse sua concepção da catarse à litera­
tura trágica, sinto que a emoção catártica deveria vincular-se às
emoções que nos produz a arte em geral - as artes plásticas, a mú­
sica e, claro, a literatura que enriquecem o viver. Se a emoção
catártica a que Aristóteles referiu-se provém de uma emoção refle­
xiva do teatro trágico, sua origem é a poesia, com a qual se afilia à
criatividade psíquica e ao sonho. E o psicoterapeuta deve ser ver­
sado em ler o emocional do sonho, onde aparece não só a emoção
catártica, mas também a série mais completa de emoções que po­
demos imaginar. Às vezes este surgimento do irracional está em
conflito com o ponto de vista racional do ego do paciente, pois é
nos sonhos que as emoções aparecem de maneira mais clara, sem
interferências do ego ou da vigília e, em minha maneira de ver,
esta experiência é das mais valiosas e das que mais colocam a psi­
que em movimento. Também vemos como o aparecimento de ima­
gens de horror transforma com incrível rapidez condições psíqui­
cas estancadas (psicóticas) num movimento mais vital, como por
exemplo, o caso de uma paciente que sonha com um bando de
gângsteres que metralha todos os membros de sua família, ou de
outra que, ao referir-se a uma experiência de horror de sua infân­
cia, faz assim aparecer imagens arquetípicas com grande movi­
mento psíquico. /
A» emoções no processo psicoterapêutico 21

A psicoterapia concebida por Carl Gustav Jung baseia-se fun­


damentalmente na teoria dos complexos. Tanto é assim que a mui­
tos seguidores parece mais apropriado chamar psicologia dos
complexos em vez de psicologia analítica. 0 complexo envolve
uma emoção histórica - ou seja, um pedaço da história do pacien­
te que é predominante em sua psique -, e esta é a manifestação do
que Jung chamou de tom emocional do complexo. Em vez de me
referir à teoria, tratarei de expor este assunto com um exemplo.
Repito que a-comunicação terapêutica mobilizadora se dá em ní­
veis emocionais fortes e considero que é ali onde é mais valiosa:
onde o logos racional não pode aparecer. Heinrich Fierz, um dos
discípulos mais destacados de Jung, referiu-se à emoção que con­
tém o complexo na apresentação de um caso com fins docentes:
tratava-se de uma paciente com um episódio psicótico que, no mo­
mento em que ingressou na clínica de doentes mentais de Zuri­
que, mencionou a Virgem Maria, no meio de seu desatino. Fierz,
uo comentar o episódio, disse: “Quando uma protestante protesta,
a prim eira coisa que aparece é a Virgem Maria”. Uma emoção, um
pathos que surge subitamente impulsionando um complexo. Ao
mencionar a Virgem Maria no meio de um episódio psicótico, a pa­
ciente nos deixa ver a ferida sempre aberta na história do Ociden­
te: o complexo reprimido do cisma que deu origem a uma guerra
religiosa entre a Reforma e a Contrarreforma, isto é, complexos
históricos coletivos. Neste caso, vemos como num início de um
episódio psicótico aparece uma emoção {pathos) e, com isso, um
com plexo histórico muito forte; mas no exemplo exposto por Fi-
ersí, além disso, surge a sagrada imagem arquetípica do feminino
na Virgem, tornando um pouco mais completa a emoção do episó­
dio psicótico.
O que tratamos aqui entra na esfera do que chamamos de
tom emocional do complexo. Numa oportunidade, alguém per-
22 Coleção Reflexões Junguianas

guntou a Jung sua opinião sobre a terapia de eletrochoque, e ele


respondeu que não necessitava da máquina, pois há situações nas
quais a psique carrega-se de tal emoção que, ao passá-la ao pacien­
te, tem-se os mesmos resultados. Dizia assim, às claras, que o tera­
peuta deve ter uma relação suficientemente sã com suas emoções.
Os seguidores de Jung também sublinharam a necessidade de
diferenciar entre emoções histéricas e emoções mais profundas,
que proveem da história vivida, dos complexos pessoais ou do in­
consciente coletivo cultural, como no caso apresentado por Fierz.
Quanto às emoções histéricas, a aceitação passiva é o mais indica­
do, pois se estima que quando são aceitas é possível que possam
passar a níveis mais profundos. Quando consideramos o tom emo­
cional do complexo, devemos ter presente também os complexos
não vividos pelo paciente e que irrompem em sua vida. Por exem­
plo, uma adolescência sem crise ou uma sexualidade reprimida
que aparece em idade adulta ou, inclusive, na velhice.
Em minhas “Conversaciones con Axel Capriles”, publicadas
no primeiro número da Revista Venezuelana de Psicologia dos
Arquétipos (2005: 45-59), refiro-me à força emocional que pode
apresentar-se na psicoterapia como a que torna possível o movi­
mento psíquico desde a primeira e a segunda função de um tipo
psicológico (que dominou a primeira metade da vida), até a tercei­
ra função e a quarta inferior, onde se pode conceber o que chama­
mos de terapia profunda, na qual há uma conexão mais profunda
com o irracional emocional. Isto é experiência vivida e, em meu
entender, esta é a psicoterapia que transforma a personalidade,
algo que não podemos confundir com uma psicoterapia que con­
tém os conflitos do paciente e que geralmente acontece em níveis
mais racionais.
/
Como comentei, as emoções, desde Aristóteles até nossos
dias, têm sido estudadas por disciplinas muito racionais, em que
As emoções no processo psicoterapêutico 23

não se vê o aparecer de sua concepção na psicoterapia, onde a


emoção é sempre irracional, e seu papel no movimento das fun­
ções psíquicas, em meu modo de ver, está mais patente.
Na terapia, tanto o psicoterapeuta como o paciente devem
aceitar a emoção que se constela e valorizar seu irracional. Creio
que isso é fundamental: valorizar sempre a terapia no nível que
lhe pertence, deixando fora o intelectual, que em psicoterapia
deve se limitar a ser um marco de referência. Devemos aceitar que
o mais precioso em psicoterapia é o aparecimento de emoções ir­
racionais que estiveram fortemente reprimidas e que poderiam
ser assimiladas ao se manifestarem no corpo ou corporificando-se.
Agora me referirei, separadamente, às emoções da lista de
Aristóteles e a outras que, como assinalei, têm relevância na psico-
lerapia.
2 A íista de Aristóteles

Cólera

A primeira emoção que aparece na lista que Aristóteles apre­


senta em sua Retórica é a cólera. Para ele, a cólera surge quando
nos sentimos rebaixados ou menosprezados, ao passo que a calma
é concebida como oposta à cólera. Em outros escritos me afiliei à
concepção de que a civilização ocidental nasceu na Grécia e a pri­
meira narração que temos desses inícios é a incomparável obra de
1lomero, a Ilíada. A primeira linha desse livro imprescindível diz
assim: "Cantem, deusas, a cólera de Aquiles, o filho de Peleu...” A
emoção da cólera nos joga com tudo na trama da obra; depois de
nos inteirarmos de que a cólera de Aquiles deveu-se a que Agame-
non, chefe das forças expedicionárias aqueias em Troia, tirou-lhe
i\ bela Briseida, mulher que Aquiles ganhara como troféu de guer­
ra. Os estudiosos estão de acordo de que o estado de possessão de
Agamenon quando se apodera de Briseida é secundário em rela­
ção à cólera. Na Ilíada, os presentes veem a transgressão de Aga-
inenon como produto da possessão por Ate, deusa que caminha
no ar e transtorna psiquicamente os homens. Homero diz que,
sendo no princípio uma olímpica, ela perturbou inclusive a Zeus,
que ao se dar conta de que tal perturbação fora produzida por
Ate, agarrou-a pelos cabelos e a lançou ao mundo para que pertur­
basse os mortais. A Ilíada também nos diz que a Ate de Agame-
non contém os desígnios de Zeus, as Moiras que tecem o destino
ilos homens e as Erínias que caminham na obscuridade; isto nos
26 Coleção Reflexões Junguianas

mostra complexidades de conteúdos muito obscuros. Os gregos


foram capazes de personificar aquilo que se conhece como inter
vençâo psíquica, coisa que vemos no mundo de hoje com muita
frequência quando se usam outros apelativos para designá-la,
como “dar um fora”, ou desculpas, como dizer que não se estava
entendendo o que acontecia. Isso é visto de muitas formas: ho­
mens e mulheres que cometem uma série de pequenos atos que
no mundo atual passam inadvertidos, inclusive políticos e comen­
taristas que em seus discursos mostram essa inconsciência. É o
que E.R. Dodds chamou de intervenção psíquica.
O motivo fundamental da cólera de Aquiles é o desprezo,
dado por Agamenon ao fazer o que fez, e isso Aquiles fala mais
adiante (IX, 646-648), no final da discussão com os membros da
embaixada enviada por Agamenon para acalmá-lo: “Meu coração
se inflama de cólera quando lembro como Agamenon me tratou
descaradamente na frente dos aqueus, como se eu fosse um vaga­
bundo qualquer sem honra”. Pois a ação da Ilíada acontece entre
heróis, nos chamados tempos heroicos gregos; e, para o herói, sei
desprezado e rebaixado de sua categoria é sumamente humilhan­
te e impossível de se tolerar, como é o caso de Aquiles, o melhor
guerreiro dos aqueus. Isto é importante, pois a cólera, primeira
emoção na lista de Aristóteles, é difícil de aparecer nos limites do
trabalho da psicoterapia moderna e nas proporções que ali se ex­
pressa, onde aparecem emoções da mesma família da cólera, co­
mo a ira e a fúria. Por exemplo, no relacionamento de casal quan­
do um membro sente-se rebaixado pelo outro; ou em situações de
trabalho e até na política. !
A intenção de Agamenon de aplacar a cólera de Aquiles mere­
ce ser citada, dentro das proporções do presente trabalho, já que é
uma representação da conduta do homem retratado por Homero
no período heroico e no princípio da cultura ocidental. Refiro-jne
Al tmoções no processo psicoterapêutico 27

à embaixada que Àgamenon manda a Aquiles, para acalmá-lo,


constituída por três emissários: Odisseu, Fênix e Ajax. Conta a
ttfacia (livro IX) que depois de serem recebidos cordialmente por
Aquiles e Pátroclo, em sua tenda, os embaixadores começaram a
tratar de suavizar a cólera de Aquiles por meio da persuasão. O
primeiro a falar é Odisseu, que elogia Aquiles pela maneira afetuo-
*U de recebê-los, ao que Aquiles responde dizendo que eles três
Kflo seus heróis mais queridos. Odisseu narra então detalhada­
m ente a situação de urgência das tropas aqueias naquele momen­
to, no quai duvidam poder deter o ataque brutal de Heitor e dos
troianos e pede a ele que abandone sua cólera, una-se de novo às
forças aqueias e entre na batalha. Se não cedesse, as conseqüên­
cias futuras para todos, incluindo ele, seriam mais graves. E em
lima longa exposição, impecável, que vale a pena citar, enumera
<Mpresentes que Àgamenon ofereceu a Aquiles:
Por favor, ceda e deixe sair a funesta cólera que en­
tristece seu coração, pois, se o fizer, Àgamenon te
oferece esplêndidos presentes. Vem, ouve-me en­
quanto te falo de todos os presentes que Àgamenon
está disposto a dar-te: sete trípodes não tocados ain­
da pelo fogo, dez talentos de ouro, vinte magníficos
e reluzentes caldeirões e doze cavalos de corrida,
vencedores nos jogos por sua velocidade; qualquer
homem que tenha todos esses cavalos de Àgamenon
que ganharam prêmio ficará com a maior partilha
dos saques e não ficará pobre do precioso ouro.
Também está disposto a te dar sete mulheres de Les-
bos, hábeis em trabalhos delicados, que ele mesmo
capturou ao tomar a bem fundada Lesbos porque
ultrapassavam em beleza às demais mulheres. É o
que te daria, e com isso a jovem que ele te tirou no
começo, Briseida, a filha de Briseu, jurando solene-
28 Coleção Reflexões Junguianas

mente que nuíca esteve em seu leito nem dormiu


com ela como fomem e mulher. Todos estes presen­
tes lhes serão dados imediatamente, se os deuses
nos permitem saquear a grande cidade de Príamo,
te permitirá encher seu barco até saciar-te com to­
das as riquezas, quando se faça a distribuição das
sobras, e poderás escolher pra ti as vinte troianas
mais belas depois de Helena. E no regresso, quando
chegarmos às terras férteis de Argos, em Arcaia, se­
rás seu genro ete renderão honras como Orestes,
o maior de seus filhos, que está crescendo ali em
abundante prosperidade. E das três filhas que tem
em seu palácio, Crisotemis, Laodice e Ifianasa, pode­
rás tomar a qualquer uma que deseje como tua pró­
pria esposa sem pagar dote e ele acrescentaria um
dote de muitos presentes, mais do que qualquer ho­
mem deu alguma vez por sua filha. Oferece dar-te
sete cidades populosas: Cardâmile, Enope e a fértil
Hira, a sagrada Feras e Anteia de prados deliciosos
e as adoráveis Epeia e Pédaso, abundantíssimas em
vinhas...
Na exposição de Odisseu que acabo de citar estão bem de­
marcados todos os passos da arte da persuasão por meio de pre­
sentes.
No entanto, na resposta de Aquiles a Odisseu pode-se ver que
sua cólera não se aplacou e que o agravo sofrido não se compensa
com presentes. A bela exposição de Odisseu não comoveu Aquiles
e por isso tem sido considerada como um fracasso da retórica: a
patética de Odisseu frente ao etkos (caráter) de Aquiles.
Relacionado a isso, também no livro IX da Ilíada há uma fala
de Aquiles que merece ser citada porque indubitavelmente mo£
tra a essência do herói:
As emoções no processo psicoterapêutico 29

Minha mãe, a deusa Tetis de pés de prata, me anun­


ciou muitas vezes que tenho dois destinos que po­
dem me levar até a morte. Se fico aqui e luto na ci­
dade de Troia, todas as minhas propriedades e meu
lar não me servirão de nada, mas minha fama nun­
ca morrerá. Mas se regresso à minha querida terra,
desvanecerá minha grande fama.
Visto que para o herói homérico o fim da vida era alcançar a
fama imortal e, em minha maneira de ver, os únicos heróis dos
muitos da história universal que conquistaram tal desejo foram os
homéricos, enquanto houver homens sobre a terra a Ilíada será
uma leitura insubstituível.
Creio que estas palavras de Aquiles contêm a consciência de
seu destino, o qual é um traço característico de toda a cultura gre­
ga. Para o gênio de Homero, o destino de Aquiles está marcado
desde seu nascimento, pois quem disse essas palavras foi a deusa
Tetis, sua mãe, e com sua morte cumpre-se um destino heroico.
Sinto que as palavras de Tetis produzem em Aquiles uma cons­
ciência de seu destino único. Aqui também intuo a emoção confli-
tiva de Aquiles, ao escolher entre uma morte heróica e uma vida
longa e dedicada aos afazeres normais.
Depois de Odisseu intervém Fênix, que lembra a Aquiles que
ele, já um homem de certa idade, conhece-o desde menino e lhe
ensinou o que deve aprender um herói: as artes da guerra e do de­
bate. Relata histórias da infância de Aquiles, tratando-o com uma
familiaridade às vezes comovedora, até trazer o que tem sido cha­
mado de a analogia de Meleagro: um relato sobre o que aconteceu
a Meleagro durante a Batalha dos Curetes e os bravos etólios,
uma situação análoga à de Aquiles. Para George A. Kennedy
(1980), na história que conta Fênix está a origem da arte da persu­
asão: a retórica. E o relato de Fênix é a única coisa que move um
30 Coleção Reflexões Junguianas

pouco Aquiles, ao tocá-lo afetiva e emocionalmente. Para Ken-


nedy, a analogia de Meleagro é o que consegue aplacar parte da
cólera de Aquiles e fazer com que este, em vez de regressar a ter­
ras aqueias com seus mirmidões na manhã seguinte, como tinha
pensado, mude de ideia e fique em sua tenda.
A analogia também é importantíssima na psicoterapia, na
qual deve ser vista como um acontecimento espontâneo. O pensa­
mento analógico é algo que acontece espontaneamente e, como
tal, não deve ser confundido com a semelhança que é intelectual.
Tem o efeito de remediar e, às vezes, redimir o conflito que o pa­
ciente traz, sentindo que ele não é o único que vive as vicissitudes
que crê padecer. E podemos comparar a cólera de Aquiles com a
situação de confusão inconsciente em que usualmente se deba­
tem as primeiras horas de psicoterapia. É possível que quando
ocorra uma analogia, o paciente possa perceber que não é o único
afetado pelo mal a que se refere e que inclusive o terapeuta pode
ter passado pelas mesmas situações que o afligem.
Depois fala Ajax, que não compreende a situação de Aquiles e
concebe, a partir do caráter de guerreiro rude que mostra ao lon­
go da Ilíada, que a cólera de Aquiles se deve ao roubo de Briseida
e que o assunto se resolveria ao receber seis mulheres que a subs­
tituíssem. Ajax desconhece que na realidade a cólera se deve ao
menosprezo de Àgamenon, como bem assinala Aquiles quando
responde: “Meu coração se inflama de cólera quando recordo es­
sas coisas; como Àgamenon me tratou desaforadamente frente
aos aqueus, como se eu fosse um vagabundo sem honra”. Antes,
no livro primeiro da Ilíada, Aquiles disse a Tetis, sua mãe: “Aga-
menon me desonrou... Chamou-me de covarde... falhou em honrar
o melhor dos aqueus”. Depois desta conversa, os homens fazem li-
bações e Odisseu e Ajax partem para comunicar a Àgamenon a de-
As emoções no processo psicoterapêutico 31

cisao de Aquiles, enquanto Fênix é convidado a passar a noite na


tenda com Aquiles e Pátroclo. Homero conta:
Pátroclo deu ordens a seus serventes homens e
mulheres para estender sem demora um cômodo
leito. Estes obedeceram e estenderam o leito como
fora ordenado, com lã de carneiro, coberto de um
belíssimo tapete tingido de púrpura e por cima um
excelente linho. Ali Fênix deitou-se para esperar a
sagrada Aurora. Aquiles dormiu num canto, mais
afastado de sua bem construída tenda, e a seu lado
deitou a bela Diomeda, filha de Formante, que ha­
via se apoderado em Lesbos, e Pátroclo deitou-se
no lado oposto da tenda, tendo a seu lado a refina­
da Ifis, que Aquiles lhe dera quando tomou a linda
cidade de Esciros, a cidade Enieo.

Esta cena mostra a imagem da vida do guerreiro nos tempos


heroicos, quando o guerreiro tinha sua cama bem arrojada. Tam­
bém sabemos que durante o ciclo de Troia chegava diariamente
da Tracia um barco carregado de vinho, necessário para as muitas
libações que se faziam ao longo do dia.
Na Retórica, Aristóteles diz também que a cólera não pode
ser produzida em nós por qualquer um. Por exemplo, um escravo
não pode produzir cólera em seu amo, pois sua atitude poderia
ser vista como uma insolência. A cólera, ao que parece, é produzi­
da quando existe uma relação de mando e subordinação, como é o
caso de Agamenon e Aquiles. Isto nos move a pensar que o que
nos expõe a um episódio de cólera é uma relação assimétrica na
qual o poder domina em forma abusiva. Por isso me afilio à rela­
ção simétrica em que é sumamente difícil que apareça o menos­
prezo. E, quando aparece, não é sentido como tal, mas como o fim
de uma relação.
32 Coleção Reflexões Junguianas

Na concepção moderna das emoções, a calma não é o oposto


da cólera, como foi para Aristóteles. Os estudiosos respeitam o
pensamento grego por opostos e a controvérsia fica nesse nível:
reconhecer os fins jurídicos da Retórica de Aristóteles. Mas creio
que o oposto do menosprezo, origem da cólera, é o reconhecimen­
to. E para isto me baseio no que disse Aquiles para sua mãe, Tetis,
sobre Agamenon, no primeiro livro da Ilíada: "Falhou em honrar
o melhor dos aqueus”. Isto é, falhou em reconhecê-lo. Este me pa­
rece ser o verdadeiro oposto, pois, tanto na concepção de Aristóte­
les quanto na dos modernos estudiosos, o oposto de uma emoção
é outra emoção, e a calma não pode ser considerada como tal. No
reconhecimento espontâneo das conquistas de uma personalida­
de, e quando sentimos uma verdadeira emoção que tem a ver com
esse reconhecimento inesperado, está presente uma emoção que
pode permanecer na memória o resto de uma vida.
Referi-me antes à retórica, e quero acrescentar agora que esta
também tem grande importância numa psicoterapia cujo objetivo
seja registrar a visão arquetípica que se constelou e a imagem
emocional que surge dela. Os estudos que originaram a chamada
psicologia arquetípica, na qual o anterior é básico, partiram da lei­
tura e discussão de Picatrix (CAPRILES & LÓPEZ-PEDRAZA,
2005). E, justamente, a retórica arquetípica domina as complexi­
dades deste livro: como conectar-se com Vênus, como com Marte,
etc. Algo que é fundamental, pois não é a mesma coisa comuni­
car-se com um sacerdote e com um banqueiro, nem com um mili­
tar e com uma mulher venusiana. George Kennedy, no livro Clas-
sical Rethoric and its Christian Secular Tradition, disse: “A co­
municação, qualquer que seja, é uma retórica” (1980), e eu con­
cordo, pois para mim a psicoterapia é uma comunicação dentro da
retórica que pertence a cada paciente. Isto pode ser entendido
como a retórica que contém a leitura psíquica do que o paciente
As emoções no processo psicoterapêutico 33

oferece, fazendo da retórica um marco de referência mais amplo


que inclua a comunicação visual e corporal. Meu interesse é ofere­
cer um quadro mais abrangente com uma visão da retórica. Mas,
dentro de uma comunicação semelhante, o paciente também deve
entender o terapeuta e ter presente que a psicoterapia, na realida­
de, fundamenta-se no surgimento da reflexão instintiva.

S a tisfa çã o

A satisfação vem depois da cólera na lista de Aristóteles. Não


sabemos como os gregos sentiam satisfação, mas atualmente acre­
dito ser difícil valorizar a satisfação como emoção significativa
que tenha algo de profundo e, menos ainda, que chegue a ter cer­
ta relevância num processo psicoterapêutico.
Um paciente que se sente satisfeito em psicoterapia pode es­
tar dizendo que a considera terminada. Talvez seja difícil para eu
valorizar a emoção de satisfação, já que vejo que esta é projetada
sempre no mundo exterior e minha natureza é do tipo introverti­
do. Na satisfação, percebo uma sensação de plenitude que pode
resultar em paralisia e, no que me toca, horroriza-me pensar que
algum dia chegarei a estar satisfeito de mim mesmo, pois tal coisa
me diz que me falta o que mais aprecio na vida: o constante movi­
mento psíquico que nos acompanha até a morte.
É possível que a satisfação tenha uma relação com o que hoje
em dia é chamado de autoestima, que talvez queira dizer justa­
mente “estar satisfeito consigo mesmo”. A satisfação também tem
sido vista como semelhante ao termo felicidade, que agrega às va­
lorizações externas a projeção futurista. A felicidade, mais do que
emoção, para mim se apresenta como a fantasia de ter uma meta
na vida, um plano preconcebido com projeções na obtenção de
uma felicidade futura que deixa fora a emoção. Sabemos que a
34 Coleção Reflexões Junguianas

emoção é sentida no aqui e agora; e, se bem que podemos ter uma


memória emocional de alguns aspectos de nosso passado, não
existe emoção que possamos viver no futuro.
A felicidade traz ainda um elemento cultural. A constituição
dos Estados Unidos diz que cada cidadão tem direito a buscar sua
felicidade e também que o governo dos Estados Unidos deve pro­
curar os meios para que seus cidadãos alcancem esse propósito.
Vemos aqui um estado de desatino utópico que a própria história
se encarregou de desencantar. As projeções futuristas de "viver
num mundo feliz” são irrelevantes para a psicoterapia e mais ain­
da para uma psicoterapia que pretende focar-se em sentir a emo­
ção corporal no instante presente.
O contrário de satisfação é insatisfação, e aqui sim é possível
que apareça um assunto interessante em psicoterapia, em pacien­
tes que se queixam da vida permanentemente, que se sentem insa­
tisfeitos praticamente em relação a tudo na vida, sem que essa
emoção (pathos) tenha a ver nem remotamente com qualquer tipo
de realidade. Isto nos mostra um estado psicótico muito peculiar:
o de quem não aceita sua realidade tal como é. Tudo nele se reduz
ao que poderia ser e não é.

V ergon h a

Na lista de Aristóteles, depois da satisfação segue a vergonha,


uma emoção subestimada - por assim dizer - ao longo da cultura
ocidental, sobretudo pelos teólogos, antropólogos e filósofos. Da-
vid Konstan apresenta uma citação significativa de Thomas Scheff:
“Nos últimos 200 anos da história da sociedade moderna, a vergo­
nha praticamente desapareceu. A negação da vergonha foi institu­
cionalizada nas sociedades ocidentais” (SCHEFF, 1977: 205). E
acrescenta: “Seu status como emoção moral foi impugnado por
As emoções no processo psicoterapêutico 35

críticos, entre eles teólogos e antropólogos, que a consideram


como primitiva precursora da culpa: a vergonha, diz o argumento,
responde aos juízos de outros e é indiferente aos princípios éticos
em si mesmos; a culpa é uma sensibilidade interna e correspon­
de à autonomia moral do ego do homem moderno” (KONSTAN,
2006: 91). Mais adiante apresenta uma citação de Stephen Patti-
son: “Enquanto a culpa pode desempenhar um papel muito cons­
trutivo em criar e manter uma relação social e responsabilidades
morais, a vergonha tem efeitos muito duvidosos” (2000: 129).
Mas, em minha maneira de ver, nesta forma de se aproximar
da vergonha é evidente a projeção da história judaica cristã. Sinto
que o aparato psíquico ao qual pertence a vergonha é muito mais
complexo e não admite redução. Vejo como redução o conteúdo
“progressista” com que se costuma tratar o assunto. Porém, te­
nho que mencionar que alguns estudiosos refutam a concepção li­
near, progressista, de tais emoções.
Um livro que discute belamente uma cultura da vergonha é o
de Ruth Benedit sobre o Japão moderno, The Chrysanthemum
and the Sword: Patterns ofJapanese Culture (1946), escrito para
os oficiais norte-americanos que tinham de familiarizar-se com a
psicologia da vergonha predominante no contexto que iam en­
frentar ao ocupar o Japão, no fim da Segunda Guerra Mundial. O
livro fala de uma sociedade na qual a vergonha é uma emoção im­
portante em nossa vida e para cujos membros desprestigiar-se (to
loose face) é um assunto tão grave que pode levar ao suicídio.
No legado grego há um exemplo magnífico desta atitude no
Ajax, de Sófocles, quando este perde a competência pelas armas
de Aquiles. Ajax se enfurece tanto que quer matar os demais che­
fes aqueus (Àgamenon, Menelau e Odisseu), o que pode ser visto
como um episódio psicótico muito especial. Quando sai desse es­
36 Coleção Reflexões Junguianas

tado e se dá conta do desastre que fez ao matar rebanhos, que to­


mou por chefes aqueus, suicida-se como um samurai ocidental.
Também E.R. Dodds, no começo de Os gregos e o irracional
(1960), trata o tema da passagem de uma cultura de vergonha a
uma cultura de culpa, na Grécia Clássica, a qual não atinge seu
desenvolvimento no mundo clássico, mas com o advento do cris­
tianismo.
David Konstan, para mostrar que os gregos da Antiguidade
não tinham palavra cuja tradução possa ser equivalente a nosso
termo culpa, afirma que a hipótese mais comum é que “o mundo
antigo simplesmente fracassou em adquirir uma noção de culpa, o
que é por sua vez um signo da pobreza de seu vocabulário moral e
seu incompleto desenvolvimento psicológico” (KONSTAN, 2006:
93). A este dado deve ser acrescentado o que Thomas Rosenmeyer
expõe em seu livro sobre Ésquilo, o qual mostra que os gregos
tampouco tinham termos para designar o que o Ocidente chama
de ego e palavras afiliadas ao complexo do ego, como vontade,
propósito, meta ou desejo. E isto sim já move o psicoterapeuta in­
teressado no difícil estudo da psicologia profunda e nos aparta
dos comentários dos estudiosos, filósofos e antropólogos, assim
como das fortes controvérsias que afirmam ou negam que o passo
da vergonha à culpa seja um movimento evolutivo na consciência
moral do homem ocidental. Para o psicoterapeuta, a visão desen-
volvimentista - que poderia entender como progresso a passagem
da cultura da vergonha para a cultura da culpa - não diz muito.
Menos ainda se o ego for concebido como um produto histórico
conquistado pela repressão de emoções pelo cristianismo e pela
influência notável do pecado original. Historicamente constata-se
como o cristianismo se formou, desde suas origens, pela repres­
são do corpo emocional em São Paulo e os Padres da Igreja, Ter-
As emoções no processo psicoterapêutico 37

tuliano e Orígenes, e pela repressão da tragédia em Santo Agosti­


nho, no qual a imagem emocional trágica é reprimida e o religioso
fica reduzido à fé e à salvação. Michael Frede, professor de Histó­
ria da Filosofia na Universidade de Oxford, em seu ensaio “Mono-
teísmo e filosofia pagã na antiguidade tardia”, no livro Pagan Mo-
notheism in Late Antiquity (1999), referindo-se a Santo Agosti­
nho, diz: “A salvação consiste na visão do princípio primeiro, por
meio do qual chegamos a ser como Deus. E esta visão só pode ser
alcançada em nós mesmos, isto é, se Deus se revela Ele mesmo a
nós” (1999: 65). Deixo ao leitor liberdade para qualquer interpre­
tação da salvação agostiniana.
O estudante de psicoterapia tem que conhecer as origens gre­
gas da cultura ocidental para ter uma noção das bases arquetípi-
cas do aparato psíquico, pois o catálogo mais completo dos arqué­
tipos está em Homero. E na Ilíada podemos discriminar entre os
deuses imortais, isto é, os arquétipos, e os mortais. Também re­
quer noções da literatura e do pensamento clássico que edificam
belamente o histórico e o mítico, visto que isto é básico para a co­
municação psicoterapêutica, na qual se fusiona a história do paci­
ente e o mítico natural do psíquico. Mas necessita igualmente de
noções sobre a origem do cristianismo como fundação do ego e
do chamado complexo do ego, da história pessoal egoica.
O surgimento do cristianismo na civilização ocidental preocu­
pou os melhores estudiosos do Ocidente. No último capítulo de
Os gregos e o irracional, “Medo da liberdade”, Dodds se refere ao
medo (nem remotamente imaginado por Aristóteles) que levou a
eleger o cristianismo num mundo onde se tinha grande respeito
pela variedade religiosa alheia. E na recopilação de trabalhos que
citei, Pagan Monotheism in Late Antiquity (1999), encontramos
uma imagem ampla do mundo religioso helenístico onde convi­
38 Coleção Reflexões Junguianas

viam várias concepções do monoteísmo dentro do paganismo sem


sinais de fricção alguma. Quando o cristianismo apareceu em
cena, foi visto dentro deste âmbito; e assim foi até que o cristianis­
mo cresceu e reprimiu, com uma intolerância desconhecida até
então, tudo o que não fosse cristão.
Mas, seja como for, a perspectiva que vê um progresso no
trânsito da vergonha à culpa está muito distante de minha apreci­
ação, que valoriza o homem ocidental como produto do conflito
de opostos entre as forças psicológicas pagãs e o cristianismo his­
tórico. Além disso, o cenário da psicoterapia é outro, simplesmen­
te porque isso que é considerado uma conquista moral histórica
na filosofia (o surgimento da culpa) é uma das forças que mais se
opõem a um processo terapêutico interessado na psique e sua re
lação com o irracional e os instintos. A psicoterapia deve aconte
cer no nível da natureza humana totalmente oposta ao do ego
com sua consciência e memória. Uma memória que tem se desen
volvido à custa da memória emocional reprimida. Na psicoterapia
a culpa é um obstáculo que reforça a posição do ego e, por isso
minha atitude em relação a essa emoção é tratar de que o paciente
afetado por ela a veja como uma louca irrealidade e a denuncie.
Que esta vida que tem sido vista e sofrida carregada de culpa seja
aceita como um acontecer e se assimile ao próprio destino {moi-
rá). Não é a mesma coisa dizer “sinto culpa pelo acontecido”, do
que dizer “aconteceu assim, e é parte de meu destino”.
Por outro lado, a vergonha aparece como uma emoção muito
mais íntima e como propiciadora de movimentos psíquicos. 0 exem­
plo clássico disto e mais contundente, em meu entendimento, é o
que nos oferece Eurípides em seu magistral Hipólito, onde aidôs, o
termo grego para vergonha, aparece em sua expressão trágica. O
aidôs de Fedra, em Hipólito, pode ser visto como emoção de vergo­
nha, produto do conflito entre um estado de possessão erótica por
As emoções no processo psicoterapêutico 39

Afrodite e os complexos moralistas de Fedra. Mas o termo, neste


caso, expressa complexidades maiores que não se limitam ao que se
chama vergonha num acontecimento vergonhoso.
A entrada de Fedra no cenário é uma cena magistral do teatro
de todos os tempos e tomarei dela o que considero relevante para
refletir a emoção de vergonha. Começa com o coro perguntan­
do-se por Fedra, lamentado seu estado:
Olhem! A velha ama vem aparecendo na porta,
trazendo a rainha Fedra para o ar fresco.
Seu rosto triste está mais nebuloso que antes,
Que débil, que pálida está a rainha!
Ansiamos saber o que a levou a tal estado
(v. 171-175).

O coro nos passa assim uma imagem do estado de Fedra, que diz:
Amigas, sustentem-me e levantem minha cabeça;
A força de minhas extremidades se acabou.
Sustentem minhas brancas mãos e meus braços!
Este véu é um peso sobre minha cabeça! Tirem-no!
Agora deixem que meu cabelo caia sobre meus ombros
(v. 198-204).

Fedra entrega-se então a divagações poéticas que surgem da


genialidade de Eurípides; divagações de uma irrealidade que po­
demos valorizar como um episódio psicótico poético dentro de
seu estado de possessão lamentável. Quando se dá conta de seus
delírios, Fedra se envergonha:
Que fiz?
Estive divagando,
Minha mente se foi de mim, onde?
Eu estava louca. Estava louca!
Um deus me tocou com a loucura.
Que daimon me mandou esta ate?
40 Coleção Reflexões Junguianas

Oh, que desalento!


Querida ama, meu véu outra vez;
Estou envergonhada do que disse.
Cubra meu rosto,
Minhas lágrimas caem e sinto o calor da agonia,
E não menos agonia é permanecer louca.
E muito melhor então não sentir nada e morrer!
(v. 240-249).

E logo diz à ama:


Dizer o que sinto te mataria, mas o que faço é pela
minha honra...
(v. 328-330).
U
Quero que meus filhos caminhem por Atenas com
a cabeça erguida (v. 423).

A vergonha faz sentir uma dor interna, outra emoção. E ao


sair do estado que lhe fez expressar-se desta maneira que acredi­
tou vergonhosa, Fedra continua expressando os complexos de
sua história familiar:
Oh! Minha mãe!
Que coisa tão horrível, que lamentável luxúria se
instalou em teu interior.
[...]
E tu, minha irmã, a quem Dioniso desejou,
Como o amor te fez sofrer.
u
Eu herdei a maldição que destruiu a ambas
(v. 339-342).

Podemos ver aqui quatro níveis distintos de vergonha. Primei­


ro: a vergonha ao se dar conta das divagações psicóticas devido ao
estado de possessão erótica induzido por Afrodite (“estou enver­
gonhada do que disse”). Segundo: a vergonha pública por seus
As emoções no processo psicoterapêutico 41

filhos (“quero que meus filhos caminhem por Atenas de cabeça er­
guida”); isto é o que Dodds (1960) vê no aidôs como “opinião pú­
blica”. Não caminhar com a cabeça erguida em Atenas devia ser
algo tremendamente vergonhoso na vida da pólis. Terceiro: a ver­
gonha acompanhada por uma emoção de dor psíquica (“me faz
sentir uma dor interna”)- E quarto: a vergonha pelos complexos
familiares (a relação de sua mãe com o touro de Minos, seu irmão
o Minotauro, e a união de sua irmã Ariadne com Dioniso).
É possível que a repressão da vergonha à qual me referi te­
nha a ver com a repressão sistemática do emocional como uma ca­
racterística do Ocidente e a imposição da culpa como instrumento
religioso. Porém, o exemplo que apresenta Eurípides ajuda a visua­
lizar o que sugeri antes: a vergonha como uma força interior tão
abrumadora que, no caso de Fedra, por sua situação trágica, con­
duz à destruição. Isto permite refletir sobre o ponto de vista que
estou tentando expor: a valorização da vergonha como força inte­
rior oposta à loucura repetitiva do complexo de culpa, que é como
frequentemente se apresenta esta última em psicoterapia. Uma
força que, se é exposta, pode ser valorizada como reconhecimento
e assimilação da sombra que contém o que está reprimido e é ver­
gonhoso, como no caso de Fedra. O aparecimento da vergonha
em psicoterapia é, para mim, índice de uma consciência psíqui­
ca em movimento.
Com este último comentário, trato de mostrar a importância
da introspecção no fato vergonhoso. No grupo de estudos jungui­
anos, que temos chamado “Clube dos sábados”, dedicamo-nos a
estudar a psicose por mais de dois anos. Muitos dos participantes
disseram ter sofrido episódios ou temporadas psicóticas, mas ne­
nhum confessou o vergonhoso que acompanhava essa psicose.
Assim aconteceu com Fedra, que falou à ama que a mataria dizer
a origem de sua vergonha. Em psicoterapia também é muito difícil
42 Coleção Reflexões Junguianas

que o paciente exponha claramente o que considera complexos


vergonhosos pessoais e os relacionados com os estratos sociais,
étnicos, econômicos e profissionais.
A vergonha tem um oposto cuja particularidade é a carência
da emoção: a falta de vergonha. A falta de vergonha nos move di­
retamente à psicopatologia, já que tem muito a ver com os estados
sem limites de contenção e que chegam ao extremo da maldade.
Não vou me deter neste oposto, porque são características da psi-
copatia a ausência de emoção e a vivência que não se torna expe­
riência psíquica. Os episódios vergonhosos, ao contrário, pode­
riam servir-nos de ensinamentos ao longo de uma existência vivi­
da predominantemente em movimento psíquico.
Mas nem todos os estudiosos das emoções (refiro-me aqui aos
estudiosos das emoções nos clássicos gregos) acreditam num pro­
gresso emocional no qual a vergonha anteceda historicamente a
culpa. E isto me parece importante, porque, quando tendemos a
ver um progresso histórico nisso, não enxergamos nem a vergo­
nha nem a culpa tal como na realidade são psicologicamente.
Douglas Cairns, por exemplo, oferece a seguinte definição do
termo: "Vergonha (aidôs) é uma emoção inibidora baseada na sen­
sibilidade da imagem de si mesmo e em sua proteção” (CAIRNS,
1993: 2). Estas linhas são muito reveladoras e respaldam minhas
valorizações da vergonha como protetora de si mesmo.
Outro especialista faz uma observação a qual sinto que tam­
bém reforça meu ponto de vista. Donaldo Nathanson (1992: 86)
escreve: “A vergonha, claro está, é o polo oposto do orgulho”. Isto
mostra que a vergonha se dá num nível psíquico irracional em
oposição à esfera do ego, na qual aparece o orgulho. Segundo
Konstan, o grego clássico carecia de uma emoção básica que cor­
respondesse ao nosso sentido de orgulho, mas o sentimento nega­
tivo de arrogância estava muito bem diferenciado no termo hubris
As emoções no processo psicoterapêutico 43

(2006: 100). Estas duas indicações nos aproximam da vergonha


como continente emocional intimo em total oposição à desmesura
titânica sem formas que os gregos chamaram hubris.
Hugh G. Evelyn-White, em seu “Introduction” a Hesiod. The
Homeric H ymns and Homerica (1924), faz uma observação mui­
to perspicaz a partir de umas linhas de Hesíodo em Los trabajosy
los dias. Diz White: “Tome-se, por exemplo, a descrição da Idade
de Ferro com seu catálogo de malfeitores e violência constante­
mente crescendo até que Aidôs (vergonha) e Mnemesis (indigna­
ção) se vêm forçadas a abandonar a humanidade, que desde então
não terá remédio contra a maldade”. Esta observação de Hesíodo,
que pertence ao período arcaico da literatura grega, mostra-nos a
emoção da vergonha em total oposição à maldade e essa reflexão
ajuda a nos aproximarmos dos conflitos históricos que nos afli­
gem na atualidade.

In v e ja e in d ig n a çã o

Outras emoções do catálogo de Aristóteles são a inveja e a in­


dignação. O que Aristóteles nos diz sobre a inveja me parece um
tanto redutivo, já que se refere unicamente à inveja pelos bens ou
conquistas de outra pessoa. Indignação, nesta perspectiva, é o
que se pode sentir diante das conquistas e bens materiais não me­
recidos de outro. Mas talvez para a vida comum da pólis grega a
importância destas emoções esteja nisso que, para nós, resulta
numa redução.
Para mim, é difícil ver a inveja somente dentro desses limites,
pois a considero uma emoção cujo espectro é mais amplo. Com
respeito à indignação pelas conquistas imerecidas de outro, é inte­
ressante considerar isto numa sociedade como a que vivemos, na
qual os cargos públicos e os bens obtidos por meio da corrupção
44 Coleção Reflexões Junguianas

seja algo do que se vangloriar. Discutir isso nos levaria a conceber


o que Hesíodo menciona em suas linhas sobre a Idade de Ferro,
onde sentimos que falta a indignação coletiva diante da corrup­
ção, de abusos e atropelos que a sociedade sofre.
A inveja é considerada uma característica de inferioridade e
pobreza psíquica no ser humano, mesmo que seja comum na con­
vivência. As múltiplas formas em que aparece têm sido tão assimi­
ladas ao viver que, às vezes, é difícil captá-las. Em outros escritos,
assinalei três formas da inveja que devem ser consideradas: a inve­
ja da beleza tanto entre mulheres como entre homens, a inveja en­
tre irmãos e a inveja profissional. A inveja da beleza evidentemen­
te tem a ver com Afrodite e é da beleza corporal, não da beleza psí­
quica. A lista de pacientes mulheres que têm se considerado um
patinho feio é interminável. A inveja entre irmãos pertence mais à
história da cultura, se levamos em conta sua profusão como moti­
vo em milhares de contos de fadas recopilados no mundo inteiro,
entre eles o de Eros e Psique, no Asno de ouro de Apuleio. Tam­
bém me referi à inveja na poesia trágica, nas Bacantes de Eurípi-
des, na qual as irmãs de Sêmele a invejam por ela haver dito que
teve um filho de Zeus, Dioniso, e este fato desencadeia a trama trá­
gica. Isto nos aproxima do aparecimento destrutivo da inveja en­
tre irmãos dentro da história familiar, quando os bens entram em
litígio. A inveja entre profissionais aparece em psicoterapia com
frequência, por exemplo, no casamento em que um ou ambos os
membros se invejam destrutivamente de suas conquistas sem re­
fletir a situação.
Nancy Friday disse: “A inveja... é uma emoção em toda vida
humana sobre a qual nada de bom pode-se dizer” (1997: 9). No
mundo atual, a inveja da beleza se traduz numa psicose muito pre­
sente na experiência traumática da cirurgia plástica, por exemplo.
Vejo isso como um estado demencial, pois supõe que não se aceita
As emoções no processo psicoterapêutico 45

a natureza que temos, como tal, mas que se persegue uma ideali­
zação da beleza e também a expectativa mágica de que a vida vai
recuperar o valor pela magia de permanecer jovem. Isso mostra
que não se aceita a idade que se tem e se idealiza patologicamente
a prolongação da juventude.
A inveja aparece constantemente em psicoterapia e é muito
difícil de tratar. Também é difícil que apareçam maneiras indiretas
no terapeuta que tornem possível mobilizar a paralisia psíquica
dessa emoção. Porém, a relação de inveja tanto entre mulheres
como entre homens está muito mais presente do que queremos
admitir, pois pertence à condição humana. Para mim, o proble­
ma psicológico central da inveja é que, ao se manifestar, o ego se
identifica com outra pessoa de qualquer classe que for, e nes­
sa identificação há uma perda total da individualidade.
Mas os gregos davam maior importância à provocação da in­
veja do que o invejar os bens de outros. Para eles, o maligno era (e
continua sendo assim para os gregos) a provocação da inveja, que
tem maiores conseqüências tanto culturais como na psique indivi­
dual. Provocar inveja na comunidade da Grécia Clássica podia tra­
zer como conseqüência o ostracismo do provocador. Inclusive
hoje em dia, na Grécia, praticamente não existe o novo-riquismo,
pelo menos da maneira tão profusa que acontece, por exemplo,
em nosso país, onde abertamente se deseja mostrar qualquer tipo
de riqueza com o fim de provocar inveja nos outros; e a profusão
desses casos é interminável. Na Grécia podem-se ver ainda pes­
soas imensamente ricas nas quais, salvo por algumas exceções,
predomina um tom de humildade.
Num trabalho inédito sobre Michelângelo Buonarroti refi­
ro-me à projeção de inveja. Michelângelo, um artista que viveu uma
vida muito sóbria, sem maior provocação, faz-nos pensar que há na­
turezas que despertam inveja. Esse foi seu caso desde muito jovem.
46 Coleção Reflexões Junguianas

Conta-se que um de seus colegas estudantes deu um murro em seu


nariz que lhe deformou a cara por toda a vida, por causa de uns de­
senhos magníficos que fez de umas pinturas de Massacio.
Rona Goffen, em seu magnífico livro sobre a inveja no Renas­
cimento (2004) - do qual Michelângelo é o protagonista mos­
tra-nos a importância da inveja naquela época, tanto nos artistas
como em seus mecenas; nos primeiros por sua arte, nos outros
por suas coleções. Para Rona Goffen, a inveja aparece naquele pe­
ríodo tão importante da cultura ocidental como rivalidade compe­
titiva e emulação, como dinamismo criativo.
No ensaio inédito a que me referi falo também do oposto da
inveja, que seria a magnanimidade, isto é, o reconhecimento das
virtudes criativas de outro que está numa categoria inferior, como,
por exemplo, o mestre que reconhece o discípulo. Este é o caso de
Ghirlandaio, que reconhece seu discípulo Michelângelo, quando
diz: “Este rapaz desenha melhor do que eu”. Posso imaginar a
emoção de Michelângelo nesse momento.
O homem renascentista também tinha uma representação
plástica para a inveja, tal como é descrito por Giorgio Vasari quan­
do relata os funerais de Michelângelo, nos quais um grande núme­
ro de artistas participou com esculturas e pinturas e onde um jo­
vem artista representou a inveja em uma de suas esculturas, como
homenagem póstuma a quem sofreu durante sua vida a inveja que
outros projetavam sobre ele:
Em oposição a esta (uma figura da Pietá) [...] en­
contra-se outra figura similar, feita com muito juí­
zo, e que representa Minerva, ou melhor, a Arte [...]
porque foi a Arte quem teve que outorgar a este
homem (Michelângelo) não só honra e proveito,
mas também uma extensa glória, a tal ponto que se
pode dizer que, ao longo de toda sua vida, desfru­
As emoções no processo psicoterapêutico 47

tou destes dons que os homens ilustres encontram


grandes dificuldades de arrancar-lhe a Fama de
suas mãos e ainda depois de sua morte. Inclusive
derrotou a inveja, pois, por mútuo acordo, sem ne­
nhuma voz discordante, obteve o lugar e a fama
dos melhores e dos mais altos por excelência. Por
essa razão, esta figura da Arte tem a seus pés a
Inveja, que é uma velha mulher seca e murcha,
com olhos de víbora; em resumo, com traços que
transpiram veneno e peçonha; além disso, encon­
tra-se rodeada por serpentes e traz uma víbora em
sua mão (VASARI, 1996: 758-759).

Indubitavelmente, os homens do Renascimento, aqueles a que


tocou viver a integração do mundo pagão e cristão, souberam lidar
com a emoção da inveja que o cristianismo situou entre os pecados
capitais. O cristianismo, ao reprimir uma emoção tão humana e ir­
racional como a inveja, talvez acreditasse poder dominar forças da
natureza e fazê-las desaparecer do convívio humano. Mas os gran­
des artistas do Renascimento nos dão outra versão: uma emoção
que pode ser muito destrutiva pode integrar-se na psique para
transformá-la em emulação e em magnanimidade. E esta maravilha
do Renascimento está presente no funeral de Michelângelo, numa
representação simbólica da inveja que diz mais de sua malignidade
do que qualquer explicação que possamos dar.
Na prática psicoterapêutica, conheci pessoas cuja vida se de­
senvolveu principalmente dentro do que chamaria relações de in­
veja e que, mesmo com certa consciência disso - uma consciência
intelectual -, não podem integrar essa emoção. Ouvi algumas des­
sas pessoas dizerem que para elas é impossível deixar a inveja
para trás, porque nesse caso não saberiam como vincular-se. Nes­
ta situação não existe possibilidade da vivência psíquica. Segundo
o conto de Apuleio, e no começo de um processo que a levará à
48 Coleção Reflexões Junguianas

sua apoteose, Psique está destroçada diante da inveja de suas


duas irmãs. A morte das irmãs é interpretada como a psique que
se transformou e assimilou a emoção de inveja. Assim, elimina fa­
cilmente a confusão e o bloqueio do movimento psíquico que pro­
duz a inveja.

Medo

No começo deste trabalho, discuti a emoção de medo partin­


do de uma imaginária evolucionista e mostrando algumas das ma­
neiras em que aparece na psicoterapia, tal como tenho praticado.
Começarei aqui com umas linhas de Carrol Izard e Brian
Ackerman, que assinalam: “A única função do medo é motivar a
fuga de situações perigosas” (2000:260). E já este começo está to­
cando na fuga em nós, quando nossos instintos animais sentem
perigo. Por isso, para Aristóteles, o medo é a emoção mais univer­
sal de todas as analisadas em sua Retórica, e é quase idêntica não
só nas distintas culturas humanas, mas também entre os animais
mais desenvolvidos.
Para Paul Griffiths, o medo faz parte das “respostas estereoti­
padas de curto prazo, que envolvem expressões faciais, alterações
no sistema nervoso autônomo e outros elementos”, e se opõe a
“emoções cognitivas mais elevadas como a inveja, a culpa, o ciú­
me e o amor” (1998:8-9). Isto nos permite diferenciar entre a emo­
ção primordial de medo no ser humano e emoções de um nível
mais evoluído. Mas também coincide de certo modo com o que
hoje entendemos como ansiedade, que é uma emoção diferente e
mais imediata do que Aristóteles entende por medo, como vere­
mos mais adiante.
Por sua parte, o antropólogo David Scruton cunhou o termo
sociofobia para referir-se “ao medo humano tal como aparece e se
As emoções no processo psicoterapêutico 49

experimenta no contexto dos sistemas socioculturais” (1986: 9).


Neste contexto, trago a definição de medo de Aristóteles: “Medo
[phobos] é uma espécie de padecimento ou perturbação derivada
de uma impressão [phantasia] de um mau futuro, destrutivo e do­
loroso” {Retórica, 1382a: 21-22). Além disso, acrescenta que este
mal é sentido como algo iminente. Com essas palavras, o medo
fica dentro dos limites de nossos interesses, como marco de refe­
rência de uma psicoterapia, e podemos considerá-lo como emoção
que emana do coletivo, nacional e internacional, e aparece aberta­
mente em nossa prática produzindo distúrbios e confusões men­
tais de tal magnitude que são difíceis ü u impossíveis de refletir.
Como se sabe, a projeção no futuro é tão irreal que muitas vezes
surge dominada por níveis psicóticos e, desse modo, escapa a uma
possível reflexão. Na Venezuela atual, a fuga por medo de um fu­
turo que se considera perigoso para nossa vida é tema cotidiano e
um assunto que, como já disse, deve ser reconhecido como parte
importante de nossa psicopatologia.
Para ilustrar suas palavras, Aristóteles assinala que todas as
pessoas sabem que vão morrer, mas, quando a morte é vista como
algo distante, não a tememos muito. Na idade adulta e na velhice,
o medo da morte está mais presente do que antes, mas me parece
que seu surgimento propicia um estado de consciência que prepa­
ra o aparato psíquico para recebê-la, mesmo que tenha visto casos
em idade muito avançadas com um medo insuperável da morte.
Em qualquer caso, reconhecer o medo é muito importante e
indica uma consciência. Por exemplo: talvez não tenhamos medo
da motocicleta porque não temos conhecimento algum de seu pe­
rigo. Um terço dos mortos em acidentes de tráfico em Caracas são
de motos, sem contar os feridos. Mas para o terapeuta, o apareci­
mento de motocicletas nos sonhos pode ser um sinal definitivo de
perigo na vida de quem sonha e, pior ainda, talvez mostre que este
50 Coleção Reflexões Junguianas

não tenha medo algum nem consciência do risco que corre. Te­
nho visto mais de um caso em que o aparecimento da motocicleta
num sonho é importante e está ligado ao suicídio ou a situações
perigosas, isso devido ao excesso de velocidade psíquica que o in­
divíduo vive.
Aristóteles observa que poderíamos ser insensíveis (apathei)
àquilo que nos provoca medo de três maneiras diferentes. Ou não
temos experiência do perigo (como no exemplo da motocicleta)
ou contamos com os recursos para enfrentá-lo ou temos certa con­
fiança em nós.
Aristóteles também assinalou que o medo surge de uma im­
pressão (phantasia), mas deixa claro que não é a impressão de um
sofrimento presente, mas num futuro que parece iminente. 0 catali­
sador dominante do medo pode ser então a força superior do outro
bando, o que em psicoterapia junguiana poderia ser visto como
aquilo que pertence à sombra; neste caso, o que não conhecemos
do mundo exterior. Enquanto que a confiança (to tharsos) que Aris­
tóteles caracteriza como oposta ao medo poderia provir de nosso
conhecimento de que o rival que temos à nossa frente é débil ou de
que tem uma disposição amistosa ou de que temos aliados mais for­
tes do nosso lado. Aristóteles acrescenta que a confiança é inspira­
da por inferência e comparação. Assim, teremos confiança se acre­
ditamos que derrotamos outros que são iguais e até mais fortes que
nossos inimigos ou que temos mais riqueza, amigo, terra e material
de guerra. Indubitavelmente, os comentários de Aristóteles se refe­
rem ao medo ou à confiança que surgem diante do inimigo numa si­
tuação de guerra, porém poderiam servir de metáfora para sermos
mais conscientes do medo que sentimos.
Também temos que levar em conta o complexo papel que de­
sempenha a racionalização no conceito aristotélico de medo. E
isto é algo que nos interessa muito a partir do ponto de vista psk
As emoções no processo psicoterapêutico 51

coterapêutico, onde vemos que racionalizar uma emoção tão bási­


ca e tão forte como o medo (assim como qualquer emoção) é a ma­
neira mais usual de reprimir seu aparecer irracional, sem saber
que assim reprimimos nossa natureza humana. Esta repressão
pode produzir uma resposta psicossomática ou o empobrecimen­
to da personalidade. Também temos que levar em consideração
que, ao se reprimir uma emoção racionalizando-a ou adormecen­
do-a com uma medicação, ela se potencializa. Para lidar com as
emoções só contamos com a possibilidade de valorizá-las (feeling)
ou com o surgimento de uma metáfora que indiretamente possa
propiciar a reflexão.
Nas Memorabilia de Jenofonte (IV. 6.10), Sócrates pergunta a
Eutidemo: “Não achas que é mais útil ignorar as coisas terríveis e
perigosas?” Ao que Eutidemo responde: “Pelo contrário. Os que
não têm medo de tais coisas, porque não as conhecem, não são va­
lentes de maneira alguma”. Sócrates acrescenta: “Correto. Sobre
esta base poderiam ser chamados de valentes muitos loucos e co­
vardes”. Sócrates conclui afirmando que os verdadeiramente valen­
tes são aqueles que sabem como fazer um uso correto de coisas da­
ninhas e perigosas (como, por exemplo, valente é o toureiro que co­
nhece o perigo que corre frente ao touro). Em outra parte das Me­
morabilia (III. 5.5-6), Sócrates, referindo-se à decadência da confi­
ança dos exércitos atenienses depois de perder uma batalha contra
os beócios, disse a Péricles, filho do famoso general grego:
A confiança inculca descuido, negligência, enquan­
to que o medo torna as pessoas mais atentas, mais
obedientes, mais ordenadas. Podes julgar isso pelo
que ocorre nas embarcações. Quando os marinhei­
ros não temem nada, estão em plena desordem,
mas quando têm medo de uma tormenta ou inimi­
go, não só fazem tudo o que lhes manda fazer, mas
52 Coleção Reflexões Junguianas

também silenciosamente esperam instruções, co­


mo membros de um coro.

Aristóteles disse ainda que o medo faz com que as pessoas se­
jam deliberativas (Retórica, 1383a: 7). Isto se aproxima da possibi­
lidade de que em psicoterapia alguém considere mais profunda­
mente um estado emocional que, por suas complexidades, está
cheio de medo.
Um exemplo clássico do medo é o confronto pessoal entre
dois guerreiros protagonistas da Ilíada, tal como é referido no já
citado livro de David Konstan. O referido autor descreve a cena
culminante da obra de Homero: o duelo entre Aquiles e Heitor no
começo do livro XXII:
Heitor está sozinho, fora das muralhas de Troia, es­
perando nervoso Aquiles após a última luta depois
da morte de Pátroclo. A mãe e o pai de Heitor trata­
ram em vão de dissuadi-lo de enfrentar um adversá­
rio mais poderoso, mas Heitor está decidido, mesmo
que seja só por orgulho militar. Poderia ter se retira­
do à segurança da cidade, mas sente vergonha pelas
perdas que ele causou aos troianos ao conduzi-los à
batalha depois do retorno de Aquiles. Heitor, após
vacilar, em vez de recolher-se detrás das muralhas
com os homens e mulheres troianas, decide con­
frontar-se com Aquiles. Preso entre a vergonha e o
medo, entrega-se a divagações, imaginando que se
oferecer a Aquiles a devolução de Helena e entre-
gar-lhe os tesouros de Troia o conflito se resolveria.
Mas também sabe que o enfrentamento pessoal en­
tre ele e Aquiles transcende os motivos originais da
guerra e pensa que Aquiles o mataria, sem vergo­
nha alguma, como a uma mulher nua. Então decide
lutar. O medo diante de um oponente mais podero­
As emoções no processo psicoterapêutico 53

so e o tratar de evitá-lo é natural. Na medida em que


Aquiles se aproxima, com suas armas resplandecen­
tes como o sol, a resolução de lutar de Heitor fra­
queja diante do medo e foge. Devemos recordar a
definição de Aristóteles sobre as emoções em geral:
“São essas coisas que contam para que as pessoas
mudem suas mentes e defiram em consideração de
seus juízos” (2006: 136-137).

E este último é o que vemos que acontece com Heitor em seu


mundo interior. As palavras de Aristóteles nos dão a possibilidade
de atribuir às emoções seu papel indiscutível como mobilizadoras
da psique, coisa que, como assinalei, considero essencial na vida e
na psicoterapia. Como se pode ver, o Heitor de Homero não é um
covarde de maneira alguma. Seu medo é um registro da superiori­
dade do poder de Aquiles, tal como disse Aristóteles. Não sentir
medo nestas circunstâncias seria não levar em conta a realidade, o
que é igual a estar louco.
Aquiles também sente medo quando é pego pela inundação
do Rio Escarmandro. Diz: "No geral, os mortais não podem preve­
nir a ira de um deus” (o rio foi personificado como um deus neste
episódio). Aqui podemos falar do registro cognitivo do medo, de
acordo com o qual o medo produz uma impressão de iminente pe­
rigo. Isto é muito importante para conhecer aquilo que se tem de­
nominado de psicologia do risco, que na Caracas que vivemos está
tremendamente presente e é um desafio impossível de dar uma
resposta, apesar de grandes esforços um tanto missioneiros.
Este desafio é importante para os que se dedicam a estudar
a conduta dos grupos marginais de nossa sociedade, onde uma
quantidade de pessoas mora ao lado de terrenos acidentados que
alagaram centenas de vezes através da história, ou em morros
onde se produzem graves deslizamentos que destroem tudo o que
54 Coleção Reflexões Junguianas

encontram à sua frente. Todavia, observamos que essas pessoas


insistem em continuar nessa situação de risco constante. Aqui en­
contramos uma patologia muito rara e muito difícil de entender,
já que desafia a emoção do medo primordial que nos conecta com
o instinto de sobrevivência e com a evolução do ser humano de to­
dos os tempos. Esta patologia aparece como ausência (apatheia)
da emoção que Aristóteles viu como a mais universal: o medo. E é
um desafio para nossos estudiosos que, como já disse, não conse­
guem entender esta conduta.
O medo faz com que as pessoas esqueçam como pensar. E
aqui é onde ele dá a mão ao pânico, hoje em dia um estado psi­
quiátrico de diagnóstico relativamente fácil em nosso trabalho.
No mundo atual, o pânico às vezes é igual ao que aparece no meio
da confusão de uma agitação interior e sua grande importância
e magnitude crescente são notórias. Sabe*se que para controlar
esse pânico os fármacos se esgotam nas farmácias. Com seguran­
ça podemos afirmar que esse medo que gera pânico provém da
emoção essencial a que se refere Aristóteles.
Podemos dizer que o pânico, como derivado do medo que
aqui tratamos, era muito bem reconhecido pelos gregos. O termo
tem sua origem na súbita manifestação ou estado de possessão do
grande deus Pã (que em sua aparência é metade bode e metade
homem), que podia semear o terror e a fuga em pânico. Mitologi-
camente, isso era visto na manada que fugia em estampido. Tra­
tei os aspectos benéficos de Pã em outros escritos. Na leitura
que faço do conto “Eros e Psique”, de Apuleio, pode-se ver como
Pã, na companhia de sua ninfa Eco, resgata Psique do suicídio
(LÓPEZ-PEDRAZA, 2003: 58-59). Ao longo do conto vemos tam­
bém como Cana, outra ninfa de Pã, aconselha indiretamente Psi­
que (2003: 84-86). Neste conto, que relata o mito da função psico-
erótica no ser humano, Pã aparece duas vezes muito significativas
As emoções no processo psicoterapêutico 55

e isto nos dá uma ideia de sua importância em nossa economia


psíquica e em nosso corpo emocional. 0 conto nos diz que Pã, ao
nos conectar com o mundo instintivo que ele personifica, poderia
nos salvar de situações nas quais o sofrimento pode ser intolerá­
vel. Porém por sua condição (metade humana, metade animal), Pã
contém seu oposto: ao criar pânico, essa conexão instintiva pare­
ce não se dar. Assim, esse mesmo instinto que poderia ser salva­
dor torna-se pânico destrutivo.
No livro que mencionei, Konstan diz algo que para mim é
novo: “O léxico bizantino chamado o Suda conta que as mulheres
celebram Pã com ruídos e acrescenta que as pessoas atribuíam a
Pã as coisas que aconteciam sem causa” (2006: 150). Neste tre­
cho, vemos que a emoção de pânico é autônoma, sem causa, algo
que a associa com o princípio de sincronicidade. Konstan acres­
centa que a ausência de uma causa justificável é um elemento em
muitas referências modernas ao pânico e que, atualmente, ten-
de-se a tratá-lo como uma patologia ou como reflexo fisiológico.
Por exemplo, numa lista de emoções consideradas irracionais está
incluído o pânico e a fobia, os quais carecem de um suporte cogni­
tivo. Outros autores identificam o pânico com sintomas fisiológi­
cos: suor nas mãos, palpitações rápidas do coração e enjoos, e
considera ambos, pânico e fobia, como reação a um medo irracio­
nal. Por último: William Miller (2002: 207), em sua investigação
sobre a coragem, observa: “O medo... é contagioso. Se o contágio
é especialmente virulento e aumenta rapidamente, falamos então
de pânico”. Neste estado perde-se a individualidade e estamos pos-
sessos por uma patologia que emana do coletivo. Aqui já percebe­
mos que este contágio pode ser assimilado facilmente ao compo­
nente histérico da personalidade, coisa que muitas vezes podemos
ver no mundo atual.
56 Coleção Reflexões Junguianas

De minha parte, trato de aceitar a emoção universal e animal


de medo que Aristóteles se referiu como algo essencial em meu
ser, que trata de conectar-me, como emoção primordial que é,
com o resto de meu aparato emocional e instintivo.

Gratidão

Nas últimas linhas falei da significação do medo de maneira


muito pessoal, como algo que concerne a um mundo interior e
certamente é subjetivo e irracional. Isto é, não tem nada a ver com
as racionalizações de Aristóteles e os demais estudiosos das emo­
ções sobre o medo que citei neste ensaio. Agora vou me referir do
mesmo modo a outra emoção da lista de Aristóteles, a gratidão.
Pois minha concepção da emoção de gratidão sai de minhas vivên­
cias mais íntimas.
Gratidão em grego é Kharis. 0 schollar George Kennedy diz
a esse respeito:
Kharis tem vários significados em grego: bondade,
benevolência, humanidade, boa vontade, favor, gra­
tidão, agradecimento... A definição de Aristóteles
mostra claramente que este fala de um sentimento
altruísta de bondade e benevolência que num mo­
mento particular mobiliza gratuitamente uma pes­
soa a fazer algo por outra (1991: 149).

Nem a definição de Aristóteles nem o significado que tem


kharis em grego, evidentemente, concorda com o ponto de vista
da psicoterapia, qualquer que seja este.
Mas para trazer esta emoção de gratidão para meus limites,
que são os da prática psicoterapêutica, tenho que me referir,
como já disse, a experiências profundamente íntimas. Assim, erfi
relação à minha própria psicoterapia, sempre senti uma profunda
As emoções no processo psicoterapêutico 57

emoção de gratidão a Irene Claremont de Castillejo, que foi minha


terapeuta em Londres e com quem me abri mais profundamente
para o mundo psicoemocional. Pude manifestar minha gratidão
nas palestras que dei em Londres, sempre em sua memória. Tam­
bém tenho dito algo que pode parecer muito forte ou pode ser
considerado como uma metáfora, mesmo que no meu caso dito
em termos muito literais: “Sinto uma profunda emoção de grati­
dão a ela porque me salvou a vida”. Ao conceber assim esta emo­
ção, parece-me mais fácil aceitar, sem perigo de inflação psíquica
em mim, quando algum paciente que fez psicoterapia comigo me
diz que deve sua vida a mim.
Além disso, parece-me que a gratidão relaciona-se com uma
emoção que mencionei antes, o reconhecimento: sentimos grati­
dão quando somos reconhecidos. E também quero colocar esta
emoção na primeira pessoa. Quando, em novembro de 2005, os
membros da Associação Venezuelana de Analistas Junguianos me
fizeram uma homenagem que senti como reconhecimento, houve
em mim gratidão a meus companheiros da associação e especial­
mente aos organizadores.
A gratidão tem um oposto que é a ingratidão. Minha concep­
ção desta emoção é que, se em momentos importantes fui ingrato
com alguém, essa ingratidão sempre ficará em minha memória
emocional.

Eros

É possível que o primeiro a citar Eros na história do Ocidente


tenha sido Hesíodo, que o concebeu como uma força primordial.
Eros é o primeiro e o melhor, disse Hesíodo. A visão de Hesíodo
parece ser cosmogônica, isto é, dá a Eros um sentido que pode­
mos quase associar com os grandes mitos de criação. Eros, como
58 Coleção Reflexões Junguianas

o grande criador do universo, permite-nos ver a relação humanai


entre homem e mulher como uma força criadora primordial, o|
que é característica essencial de Eros e base primordial da evolu­
ção do ser humano e de sua vida ao longo dos tempos.
A concepção grega de Eros, na genealogia dos deuses, como j
filho de Afrodite, tem também um caráter primordial, pois sabe­
mos que Afrodite nasceu na primeira geração de deuses, dos testí-j
culos de seu pai Urano. Sua epifania, como imagem primordial,]
surgindo do mar sobre uma concha marinha, é algo que comoveu!
grandes artistas de todos os tempos. Esta primordialidade nos dei-]
xa ver o amor como instinto sexual. Jung o concebeu como o se­
gundo instinto no ser humano, depois do instinto de fome, e aoj
qual se deve a continuidade da espécie por meio da procriação.
Assim, vemos concepções muito primordiais tanto na cosmo-J
gonia de Hesíodo como na imagética evolucionista, mas não háj
dúvida de que no pensamento grego Eros gerou uma grande ri-j
queza. Em sua imagem como menino travesso, flechando de amor j
deuses e mortais, sentimos uma concepção magnífica e cheia de
temor pela emoção do amor que é concomitante com este estado
de possessão de Eros. A tradição grega nos diz que os deuses e o|
próprio Zeus lhe temiam.
Em meu trabalho sobre estados de possessão, assinalo que o|
motivo que desenvolve a trama do primeiro grande livro da histó-i
ria do Ocidente é um estado de possessão: o de Paris e Helena in-j
duzido por Afrodite, a causa da guerra de Troia e de toda a tramai
mito-histórica do livro; mas devemos considerar também que estej
estado de possessão supõe uma forte emoção.
No Banquete de Platão, no qual um grupo de senhores se reú­
ne para falar sobre Eros, o clímax é a entrada de Sócrates, já avan-]
çada a noite, e seu aporte das magníficas palavras de Diótima.'
Dirigindo-se aos presentes, Sócrates repete que Diótima lhe dis
As emoções no processo psicoterapêutico 59

se acerca do amor: “Sócrates, deves saber que Eros é um daimon


poderoso” (202: 3). Porém, não está ao alcance de nossa mentali­
dade de homens que se consideram modernos o que o grego con­
siderava como daimon. O daimon, entre outras muitas concep­
ções, pertence ao que nos termos de hoje chamamos de “interven­
ção psíquica’', e isto poderia ser visto como algo similar às flecha-
das de Eros; uma invasão em nosso sistema psicobiológico de algo
inesperado e completamente irracional, mas impossível de ser evi­
tado em suas infinitas epifanias, e aqui temos que incluir os infini­
tos altos e baixos que aparecem em qualquer relação erótica. O
termo grego daimon não deve ser confundido com o termo cris­
tão demônio.
Platão, no Fedro, concebeu a emoção de possessão erótica
como uma das quatro loucuras divinas: a divina loucura de amor
(244:1) que nos fala de um estado de loucura, o qual nos subme­
te a seu poder.
Estas duas últimas concepções - a de Diótima relatada por
Sócrates no Banquete e a de Platão no Fedro - movem-nos para
vermos o grande deus Eros na relação humana mais direta e pri­
mordial: a união do homem com a mulher. Ao mesmo tempo, evi­
dencia sua importância básica na psicoterapia, onde evidentemen­
te, sem necessidade de entrar em estatísticas, as loucuras de pos­
sessão e demoníacas de Eros são o que mais frequentemente apa­
rece nas consultas. Notamos que isto oferece um problema básico
para o psicoterapeuta que, ao tratar situações nas quais a infinita
variedade de Eros predomina, é forçado a não intervir diretamen­
te com juízos muito moralistas ou projetivos, diante do temor de
que, se o fizer, pode ofender esse deus tão terrível e contaminar-se
de sua loucura. Aqui a psicoterapia tem de ser inteiramente psí­
quica (e, certamente, indireta). Em psicoterapia, temos de aceitar
! como parte do destino do ser humano que os conflitos emocio-
60 Coleção Reflexões Junguianas

nais entre o casal são misteriosos e não admitem racionalidade al­


guma; às vezes, podem ser muito destrutivos e isto vai mais além
dos limites da psicoterapia. Também devemos saber que os con­
flitos do casal podem ser considerados como processos de movi­
mento psíquico, às vezes tão profundo que talvez possamos ver
suas repercussões futuras além do conflito atual; um conflito que
pertence, mais do que geralmente se considera, ao destino indivi­
dual de cada pessoa.
Atrevo-me a dizer que mesmo que a história tenha alterado as
bases arquetípicas de Eros e tentado racionalizar sua forte irracio­
nalidade, na psique continuam intactas as forças tão poderosas
que este gera. No fim, vemos que a racionalização potencializa es­
sas forças, propiciando seu aparecimento de maneira mais distor­
cida e, muitas vezes, com manifestações psicossomáticas brutais.
Com o cristianismo e sua repressão ao mundo irracional das
emoções, a emoção erótica foi reprimida. Isto é evidente em São
Paulo, porém não me estenderei nisso. Eros converteu-se em
amor projetado na figura de Jesus Cristo, deus concebido como
portador de amor e salvação para a humanidade, foco da religiosi­
dade cristã. A isto se acrescenta o mito central da Sagrada Famí­
lia, uma família na qual reina a bondade. Mas, a partir da prática
psicoterapêutica, vemos que a variedade das relações de casal
adota infinitas formas de conflitos que chegam, muitas vezes, até
a destruição física ou a destruição da história de vida. E o que con­
frontamos são histórias fracassadas e vidas arruinadas. Isto é, que
o desafio daquilo que hoje chamamos de relação de casal ou casa­
mento e família, tema de trabalho diário da psicoterapia, é uma si­
tuação de maior complexidade. A figura de amor bondoso da Sa­
grada Família vem abaixo quando o psicoterapeuta confrontei
complexos familiares muitas vezes irreparáveis pela psicoterapia.
Nesses casos, podemos apenas esperar que se suavize e libere um
As emoções no processo psicoterapêutico 61

pouco a vida de amarguras e ressentimentos familiares. A única


coisa que o psicoterapeuta pode fazer é respeitar o surgimento de
Eros numa de suas infinitas manifestações.
Quando Aristóteles inclui Eros como uma das emoções em
sua Retórica, amplia de sua maneira o que estamos dizendo. Da-
vid Konstan diz que a Grécia Clássica foi rica em palavras que sig­
nificam amor ou afeição (2006:169). O termo Eros denota a apai­
xonada atração sexual (erótica) e storge, o amor dos pais pelos fi­
lhos. Agapan significa carinho, querer ou amizade, de onde deri­
va o nome ágape, que quer dizer amor de irmão e é assim que apa­
rece, pela primeira vez, no Novo Testamento. Mas philia é o termo
grego mais geral e amplamente usado para referir-se a amor. Aris­
tóteles, na Ética a Nicômaco, reserva-o para referir-se à benevo­
lência recíproca que é característica dos amigos. Mas em nosso
idioma é muito corrente falar de relações filiais ou de amor filial
entre irmãos ou familiares e também da amizade filial, na qual de
vez em quando aparece inclusive uma emoção mais forte do que
os laços familiares. Também na psicoterapia vemos, às vezes, que
esse amor filial entre irmãos e irmãs é substituído por conflitos va­
riados que chegam até o ódio, mais ainda quando existem interes­
ses econômicos no meio.
O filial me parece muito importante na relação de amizade,
quando na amizade existem laços tão fortes que não admitem a
mínima especulação. O Homero heroico, por exemplo, oferece-nos
o amor filial entre Aquiles e Pátroclo. E a magnitude desse laço de
amizade é dada pela reação feroz de Aquiles à morte de Pátroclo.
No século V, em poesia trágica, o filial está presente na Orestíada
de Ésquilo, no mútuo afeto entre Orestes e Pilates. A amizade de
Pilates acompanha seu amigo Orestes, herói trágico por excelên­
cia, na ação. Em Orestes, Eurípides contrasta a morna relação afe-
62 Coleção Reflexões Junguianas

tiva entre Orestes e seu tio Menelau e a forte relação de amizade


com Pilates.
Creio que existe uma grande diferença emocional entre os
termos eros e amor. Amor tem um significado mais estreito, sem a
complexidade emocional que nos oferece eros como estado de
possessão divina ou daimon que aparece inesperadamente, com a
velocidade de uma flecha, em qualquer momento da vida e com
uma força tal que transpassa qualquer barreira que se lhe colo­
que. Antes, referi-me ao amor cristão e sua especificidade, que ao
longo da história debilitou notavelmente as forças complexas de
eros. Esta simplicidade chega ao cúmulo do ridículo com idealiza­
ções tão perigosas por serem unilaterais, como o happy end de
Hollywood, com seu característico Ilove you. Grande parte do co­
letivo adota estes estereótipos que aparecem como um mimetismo
sem força erótica interior, causando desastres inevitáveis por sua
superficialidade.
Eros tem uma importância central na psicoterapia junguiana,
pois o psicoterapeuta deve contar com a força de Eros para fa­
zer seu trabalho. Na comunicação terapeuta-paciente tem-se visto
Eros e Hermes como os deuses da metaxis, como aqueles que pro-
veem a comunicação com seu movimento psíquico. Também na
psicologia junguiana Eros aparece em oposição excludente ao po­
der, e creio que é assim porque, quando aparece o poder, com sua
carência de formas, nada vai se constelar nem na vida nem na psi­
coterapia. Isto nos mostra que a força de Eros é indispensável e
deve ser central na psicoterapia: uma psicoterapia que se assenta
no arquétipo que lhe pertence e na qual o psicoterapeuta deve
manter uma relação simétrica com o paciente.
Por último, quero me referir a Eros em relação a Tânatos
(morte), seu oposto, como complementário vivido por cada ser h u -'
mano segundo apareçam em suas emoções. Em meu entendimen-
As emoções no processo psicoterapêutico 63

to, é nesta dualidade na qual a relação entre o homem e a mulher


é vivida em seus níveis mais profundos, sobretudo na velhice,
quando a vida está mais perto da morte.

Ódio

Sem dúvida, o ódio é uma emoção tão forte e distante de nos­


so viver diário que é muito difícil discuti-la. Aristóteles a conside­
ra, porém não a define e não fala dela diretamente, mas através de
seus opostos, o que, para mim, pessoalmente, me confunde. Além
disso, seus exemplos de ódio me parecem débeis. Por exemplo, pa­
rece-me muito débil o seu comentário: “Ódio (missos) sempre sen­
timos em relação a tipos. Todo o mundo odeia um ladrão ou um
delator”. Pois nós não temos relações com ladrões nem com dela­
tores. Isto é como se o ódio, em Aristóteles, estivesse num nível
de baixo calão.
0 ódio inclui a fantasia ou imaginária de fazer dano a alguém,
por exemplo, a um tirano maligno, pois creio que um tirano des­
perta mais ódio do que um ladrão ou um delator. Mas me parece
que o ódio a uma pessoa pode ser visto como uma projeção maci­
ça sobre tal pessoa de emoções negativas não aceitas. Conheci ca­
sais, já na velhice, que viveram toda sua vida odiando um ao ou­
tro. Não há nada de extraordinário no fato disso ser produto de
um começo idealizado, em que não acontece aquilo que sustenta
o casal, que seria um feeling positivo e negativo ao mesmo tempo.
Este tipo de casal pode ser visto tiranizando um ao outro. Ou tam­
bém que é a emoção de ódio o que sustenta essa relação. Conheci
um casal de idade avançada em que um falava mal do outro per­
manentemente. Quando perguntei a eles o porquê de tanto ódio,
ambos disseram que um dia depois do casamento ambos começa­
ram a usar termos na comunicação que eu considero odioso. E ou­
64 Coleção Reflexões Junguianas

tro casal que, durante toda a sua vida, manteve um nível social
bastante elevado e uma boa relação, mas depois que ingressaram
num retiro de velhos começaram a odiar-se mutuamente.
David Konstan {2006:186-187) diz que Aristóteles tem razão,
como era de se esperar, em seu comentário sobre o uso grego do
termo ódio em referência a tipos mais do que a indivíduos, pois,
na prática, o verbo to misein na maioria das vezes expressava des­
prezo pela categoria ou classe de pessoas, não por indivíduos em
particular. Mas talvez isto tenha também alguma relação com o
pano de fundo da filosofia prática de Aristóteles, que era formar
para a vida na pólis, para um fim coletivo. Segundo disse Martha
Nussbaum, na ideia aristotélica da reflexão filosófica sobre temas
éticos e políticos, os quais têm uma finalidade prática, “a presença
do grupo e a identificação de cada indivíduo com o grupo são par­
tes importantes do processo. O que se busca é ter uma visão mais
clara do fim comum” (2003: 85).
No Hipólito de Eurípides, Fedra diz: “Odeio as mulheres ca­
sadas verbalmente, mas que secretamente se enredam em feias es­
capadas”. E Hipólito, por sua vez, anuncia que odeia uma mulher
sábia e, um pouco mais adiante, a todas as mulheres indiscrimina­
damente. Estas mesmas declarações, num tom menos trágico do
que Eurípides, aparecem coloquialmente na vida e também na psi­
coterapia quando, por exemplo, uma mulher diz ao terapeuta:
“Bom, você sabe como são os homens”. Ou em homens nos quais
aparece a misoginia e qualificam todas as mulheres de “putas".
Isto é, há um tom menor de ódio que se expressa, como em Hipóli­
to, num nível genérico e coletivo, venha de mulheres ou de ho­
mens. E tanto em Hipólito como em nossa vida cotidiana, assim se
escapa da emoção que corresponderia ao individual. Também no
Prometeu acorrentado, de Ésquilo, Prometeu diz a Hermes: “Aprerí^
di a odiar os traidores”.
As emoções no processo psicoterapêutico 65

Chama a atenção que estas reflexões sobre o coletivo que nos


provê a tragédia - o ódio como projeções ao coletivo - nos deem
uma visão do ódio ajustada à perspectiva de um estudioso de nos­
sos dias. Assim, Jack Levin, num livro recente, The Violence o f
Hate, diz:
Até a pouco tempo o termo ódio referia-se a qual­
quer desgosto intenso ou hostilidade, qualquer que
fosse seu objeto... No meio dos anos oitenta, o ter­
mo ódio chegou a ser usado num sentido mais res­
trito, para caracterizar as crenças e sentimentos
negativos de um indivíduo acerca dos membros
de outro grupo de pessoas por causa de sua raça,
identidade religiosa, origem étnica, orientação se­
xual, idade ou status de incapacidade (2002: 1).

Sinto este tipo de ódio um pouco mais submerso ou debaixo


de uma hipócrita tolerância social. Na realidade, refere-se à pro­
jeção de sombra. Quanto ao ódio racial, o século XX nos dá a li­
ção do nazismo, que odiou tudo o que não fosse da raça ariana:
os russos, os eslavos, os judeus, os mongóis, “todos perderam
qualquer relação com a raça humana e não foram considerados
nada mais do que monstros satânicos tratando de parecerem hu­
manos, impostores cuja identidade tinha que ser exposta e cuja
existência colocava em perigo tudo o que o homem civilizado
apreciava” (BARTOV, 2001: 83). Estas linhas de Bartov nos dão
uma impressão contundente do ódio em nossos dias e prefiro me
manter no século XX a mencionar o ódio no século XXI, que pa­
rece mais caótico do que o ódio organizado pelos nazistas. A
propósito disso, vale a pena citar Konstan uma vez mais, que
sustenta que as matanças na Antiguidade eram de um tipo muito
diferente do moderno genocídio; eram motivadas pela fúria dian­
te de um ato injusto e não pelo ódio por “monstros satânicos tra-
66 Coleção Reflexões Junguianas

tando de parecerem humanos”. Existem ódios atávicos, como


nos mostra a matança e os genocídios entre tribos que foram ini­
migas, ao que parece, por séculos.
No tocante ao ódio por uma determinada identidade religiosa,
o Ocidente sofre desde o cisma e as guerras religiosas dos séculos
XVI e XVII e, queiramos ou não, há evidentemente uma diferença
entre o Norte e o Sul da civilização ocidental, cujo marco de refe­
rência é o religioso. Em relação à orientação sexual, este é o campo
no qual a projeção de sombra é mais evidente e isso é visto no ódio
que muitas pessoas projetam sobre a homossexualidade, onde, na
realidade, estão projetando sua própria sombra, pois sabemos que
a homossexualidade é a sombra por excelência: isto é, o que não co­
nhecemos de nós mesmos e que é do mesmo sexo. Quanto ao ódio
à velhice ou à invalidez, eles expressam a projeção de um ideal juve­
nil físico que se quer perpetuar dessa maneira.
Aristóteles não deu uma definição do ódio, mas os estoicos o
fizeram: "O ódio é um desejo de que algo de mal aconteça a outro
progressiva e continuamente” (KONSTAN, 2006: 189). Aqui há
uma mudança das projeções coletivas para as individuais. Isto nos
ajuda a entender a psicologia junguiana da sombra: creio que
sombra é o que está do outro lado do rio, ou da montanha, é o que
não conheço, o outro. Sabemos que a civilização grega se formou
em uma luta constante contra o bárbaro e entendeu como tal
“aquele que não fala grego”. O outro é sempre a sombra. Até que
o ódio caiu sobre os próprios helenos e terminou na longa guerra
do Peloponeso, o começo da decadência final.
Com efeito, há ódios que são pessoais. Recordo vagamente de
uma paciente que expressava abertamente seu ódio aos membros
de sua família, incluindo sua mãe. A mim me pareceu que a emo­
ção de ódio dessa pessoa era para conter o seu viver e era a defesa
de uma profunda psicose.
As emoções no processo psicoterapêutico 67

Na velha arte da guerra a emoção de ódio contra o inimigo


era básica, sob pena de se perder a guerra. Na mitologia, Nike (vi­
tória) é filha de Pallas (guerreira) e Stix (ódio).
O mundo pagão nos dá uma imagem simbólica do ódio no
conto de Apuleio "Eros e Psique”, na terceira tarefa de Psique,
quando Vênus exige que ela recolha num vaso as águas da lagoa
Estige:
[...] uma rocha de tamanho descomunal, alta, ina­
cessível pelo acidentado e escorregadio do terreno.
De suas próprias entranhas, esta rocha vomitava
impressionantes jatos cujas águas, enquanto sur­
giam das concavidades em desnível, deslizavam-se
pela costa, abriam-se passo pelas estreitas canaliza­
ções subterrâneas e reapareciam ao cair no vale vi­
zinho. À direita e à esquerda, em covas escavadas
na rocha, aparecem esticando seus longos pes­
coços furiosos dragões com os olhos abertos, sem
pestanejar, e as pupilas expostas à luz em perma­
nente espreita. Por outra parte, as águas, que sa­
biam falar, defendiam-se a si mesmas gritando sem
parar: “Retira-te! Que fazes? Cuidado! Em que pen­
sas? Fuja! Vai se matar!” (EP: 197).

Etimologicamente, como assinalei no livro De Eros y Psique


(LÓPEZ-PEDRAZA, 2003: 88), Estige estava associada a ódio {esty-
gein) e era uma palavra odiosa para os gregos. Nesta tarefa de Psi­
que, Apuleio nos mostra a necessidade de ter uma consciência do
ódio, uma emoção que poderia nos arrastar a qualquer momen­
to por sua irracionalidade e que pode ser literalizada facilmente.
Esta imagem nos faz pensar no grande juramento dos gregos:
“Juro por Zeus e as sagradas águas da lagoa Estige”. Este jura­
mento nega-se a qualquer racionalização e fica fora de nosso ai-
68 Coleção Reflexões Junguianas

cance compreender seu significado, pois o juramento em geral


passou para a história e hoje nos resulta quase pueril.

Pena

O termo clássico grego para referir-se à pena (no sentido de


lástima) é eleos. E deste deriva a palavra inglesa alms, que quer
dizer esmola. A pena é uma emoção cognitiva e de caráter social
que se refere à distância entre quem sente a emoção e o sujeito
que a produz.
Por exemplo, se vou para a rua e vejo uma pessoa que não
tem teto, que dorme no meio da rua ou outro que vive de recolher
latas de cerveja, o que vejo produz em mim a emoção de pena.
Mas também sentimos pena quando um amigo ou conhecido pio­
ra ou quando está com uma doença grave. No primeiro caso, é
uma emoção que tem uma conotação social e, nos outros casos,
algo mais pessoal que supõe um afeto.
No mundo atual, as notícias televisivas nos mostram cenas diá­
rias de pobreza e sentimos a emoção de que estamos tratando, em
especial, quando aparecem enfermidades endêmicas como a Aids
ou a malária na África, por exemplo. Também vemos cenas simi­
lares em nossa Caracas, praticamente cercada por um cordão de po­
breza (segundo as estatísticas, 80% da população é pobre, enten­
dendo por tal aqueles que comem duas arepasd por dia ou fazem
uma refeição diária). As estatísticas mostram um estado de deterio­
ração psicobiológica alarmante, mas, neste caso, talvez porque não
apareça a imagem direta, como a de um homem dormindo na rua
ou recolhendo latas, isso não afeta emocionalmente. É que nos es-

3.Arepa = comida típica venezuelana: bolinho de milho que pode ser comido
puro ou recheado com carne ou queijo [N.T.].
As emoções no processo psicoterapêutico 69

tudos dos cerros caraquenhos as coisas parecem muito mais com­


plexas: problemas étnicos, sociais, de droga, históricos, políticos
que, pelo menos para mim, fazem pensar em complexidades maio­
res, mas sem a imagem direta que transmite a emoção.
Aristóteles mostra que deve haver certa distância entre quem
sente a pena e o sujeito que a provoca. Sentimos pena quando al­
guém conhecido sofre uma catástrofe, mas quando o ocorrido é
com alguém com o qual temos uma relação muito estreita, por
exemplo, um de nossos filhos, o resultado não é pena, mas o que
Aristóteles chama de horror.
Em psicoterapia, sentir pena do paciente é fatal, pois sabemos
que com o aparecimento desta emoção no terapeuta rompe-se a si­
metria e não é possível reflexão alguma. A psicoterapia deixa de
ser e torna-se simples aconselhamento.
Saindo dos limites da psicoterapia, há algo que me emociona e
se desprende daquilo que os gregos tardios chamaram de filantro­
pia, que significa algo muito perto do latim humanitas. Isto é: gene­
rosidade humana para com os outros. Assim, vemos que existem
pessoas famosas, com fortunas formidáveis, que, por meio da filan­
tropia, destinam parte de seus bens a obras de caráter filantrópico.
Mas há outras que sentem a filantropia de maneira mais profunda e
trabalham diretamente em obras deste tipo. Uma organização mun­
dial que merece ser mencionada é “Médicos sem fronteira”, onde se
veem jovens médicos, homens e mulheres, que se arriscam em tra­
balhos de campo inacreditáveis pela cura das classes mais necessi­
tadas. Ainda que se possa cair dentro do que se tem chamado de
missionarismo coletivo, pode-se referir também de uma maneira
mais profunda ao que sentimos a partir do individual.
3 Ciúme, luto e
condolência

Ciúme

0 ciúme me parece uma das emoções mais importantes quan­


do surge em psicoterapia e uma das que exige maior tato do psico-
terapeuta. Valorizo o ciúme assim porque é de uma irracionalida­
de tão forte que o ego consciente não pode controlá-lo. 0 ciúme
aparece subitamente como uma fantasia de que alguém muito
querido (a esposa, uma amante, uma namorada) pode estar inte­
ressado em outra pessoa. 0 ciúme necessita de uma imaginária na
qual participam três pessoas, tanto faz se quem sente o ciúme é
homem ou mulher. E assim percebemos que é uma situação inevi­
tavelmente triangular.
Na prática da psicoterapia e em minha experiência, o surgi­
mento do ciúme me faz crer que é a emoção que mais abre as por­
tas do inconsciente, devido ao fato de que o ego não pode contro­
lá-lo e, assim, tem de se render diante das forças irracionais do ciú­
me. Em geral, durante o tempo que a psique leva para assimilar
esta emoção, produzem-se mudanças evidentes na personalidade
de quem o sofre.
Mas também sabemos que esta emoção chega a ser muito des­
trutiva: as manchetes dos jornais nos relatam crimes por ciúme de
mulheres e homens. E isso nos fala de sua força tão cegamente
destrutiva. Sempre me pareceu que o Otelo de Shakespeare é
uma obra-prima sobre a destrutividade do ciúme. E sempre me
72 Coleção Reflexões Junguianas

chamou a atenção que Don Miguel de Cervantes, em La gitanilla,


uma de suas obras exemplares, diz que a “gitanilla” é sábia por­
que entende de ciúme. Isto me parece muito ilustrativo de uma
personalidade ampla cuja psique assimilou o ciúme.
Apesar de tudo isso, o ciúme é assim. Referir-nos a seus mui­
tos caminhos tortuosos seria uma história que nunca acaba. Senti­
mos ciúme mesmo que o tenhamos assimilado. A irracionalidade
dessa emoção é de tal magnitude que posso sentir ciúme de uma
mulher que acabo de conhecer.
Mas a forte irracionalidade do ciúme nos faz pensar em algo
que se conecta profundamente com os instintos, como nos sugere
também um animal com ciúme: aí aparece uma demanda do casal
que tem um fundamento instintivo.

L uto e co n d o lên cia

O luto e a condolência são talvez as emoções mais profundas


que acontecem na alma humana e as que mais enriquecem nossa
memória emocional. Isso é o que considero luto: uma emoção
muito próxima de todo o nosso ser em que a alma vibra com mais
intensidade como campo do emocional.
Condolência é como vivenciamos o luto de um ser querido e o
ritual que o acompanha. E cabe dizer aqui que a condolência ne­
cessita de um tato muito especial, onde se expressem os sentimen­
tos que nos unem à pessoa que está sofrendo um luto, com um
distanciamento psíquico que tenha a ver com essa realidade.
Em psicoterapia, tenho tratado de pessoas que sofrem o luto
e recordo haver tratado de lutos que se estenderam muito mais
além do que podemos imaginar. Anos e anos sofrendo mostram
que essa perda tem sido a defesa de uma paralisia na psique da­
quele que vive o luto. Mesmo assim, minha posição é individual e
respeito o tempo que requer cada indivíduo para viver seu luto.
As emoções no processo psicoterapêutico 73

Para o grego, a morte era algo normal, que nos pertence


como mortais que somos; só são imortais os deuses que personifi­
cam arquétipos eternos e incomensuráveis. Assim, havia na anti­
guidade clássica um dizer muito forte acerca do luto pelos mor­
tos, de acordo com o qual a morte não é um mal e, sendo assim,
não há razão para se lamentar. No entanto, os gregos reconhece­
ram a emoção de luto e tiveram uma variedade de termos para se
referir a ela, como lupé e penthos. Também havia várias palavras
para se referir à manifestação de luto, incluindo a lamentação em
várias formas, os soluços e uivos de desespero, assim como ações
ritualizadas, como arrancar-se os cabelos e golpear-se no peito,
mostrando emoções muito fortes.
Tanto os gregos como os romanos criaram maneiras de sua­
vizar o luto: o que se tem chamado de literatura de consolo, que
vai desde conselhos filosóficos até limites oficiais para a duração
do luto. Depois de certo tempo, indicava esta literatura, temos
de esquecer o morto e cessar de viver no passado. Mas esquecer
não é necessariamente mais fácil do que recordar. A chamada li­
teratura de consolo desenvolveu-se para ajudar as pessoas a so­
frer e superar a pena por uma perda. Nela se considerava, antes
de tudo, que a dor do luto não é simplesmente um fenômeno físi­
co; podemos sentir a dor que ocorre em nossas pernas ou bra­
ços, porém neste caso a sensação de dor em si não está necessa­
riamente localizada. A dor pelo luto é registrada naquilo que os
gregos chamaram de psique.
O tempo permitido para o luto tem sido historicamente sujei­
to a ajustes. A imposição de limites, considerando o período de
uso do traje de luto e outras facetas, reflete um entendimento do
luto como uma função social e não meramente como um senti­
mento privado. Uma lei funerária da antiga Roma estipulava: “Os
pais podem guardar luto durante um ano pelos filhos maiores de
74 Coleção Reftexões Junguianas

seis anos; pelos menores de seis anos, o luto será de um mês. Pelo
marido, pode-se guardar luto por dez meses, parentes próximos
por oito. Qualquer um que contravenha estas restrições será obje­
to de desaprovação pública”. Dá-nos o que pensar que o luto seja
assunto do Estado e de repercussões coletivas. Indubitavelmente,
os romanos eram regidos por leis que o coletivo acatava, e assim
acabaram criando as leis pelas quais o mundo ocidental é regido.

/
4 Alegria, tristeza,
ressentimento e
sofrimento

As emoções que comento em seguida não figuram na lista de


Aristóteles nem de seus comentaristas. Mas, como disse no come­
ço, vou acrescentar algo neste texto sobre quatro emoções que
me parecem profundamente psíquicas e que são parte importante
de minha concepção da psicoterapia. Estas são: alegria, tristeza,
ressentimento e sofrimento.

Alegria e tristeza

A alegria é uma emoção que pode aparecer em certos momen­


tos, de maneira irracional, sem causa que a tenha provocado. Po­
rém a alegria, por que não dizê-lo, também abarca o que sentimos
pela presença de um amigo, por uma companhia, uma boa notícia
ou coisas exteriores. Mas o que me interessa é assinalar que a ale­
gria é uma emoção muito íntima e seu aparecimento é efêmero.
São uns segundos inefáveis nos quais sentimos uma emoção que
abarca todo o campo das emoções, isto é, a alma. Refiro-me a algo
muito subjetivo e que valorizo muito. Mesmo que seja aceita e
viva o festivo, a emoção de alegria assim entendida é inefável.
A tristeza pode ser considerada como oposta à alegria se são
vistas como emoções que procedem de fora. Mas aqui me refiro a
uma tristeza que é simplesmente interior e sem causa. Atrevo-me
a dizer que há vezes nas quais estas duas emoções, alegria e tris­
76 Coleção Reflexões Junguianas

teza, aparecem juntas, comovendo-nos de uma maneira muito


particular.

Ressentimento j

Esta emoção, que aparece com certa frequência em psicotera- ?


pia, é causada por um evento às vezes muito simples ou comum, *
que aconteceu no passado e se tornou complexo autônomo no 1
qual a psique se fixou e o determina como causa de todos os males I
da vida. Percebemos então uma paralisia psíquica às vezes forte- f
mente psicótica. •
Penso, por exemplo, no chamado trauma infantil, que tem fei­
to estragos na psicoterapia há muito tempo e com maior força na
psicanálise. Lembro de um pequeno congresso junguiano nos j
Estados Unidos, no tempo em que o child abuse estava na moda. j
Para minha surpresa e a de um amigo, a discussão sobre este tema
teve uma importância tão exagerada e irreflexiva que nos deixou ■
surpresos, mais ainda pela energia que, sobretudo as mulheres, ^
colocaram no assunto. Estas pessoas consideravam que todos os
males da psique provinham deste child abuse. Creio que aqui, co- ■
mo em muitos outros casos de ressentimento, um episódio, muitas í
vezes imaginativo, serve de gancho para uma paralisia psíquica ^
t
que caracteriza o ressentimento cujo lema é: “Se não tivesse sido ,
assim, minha vida seria outra”.
O ressentimento também aparece no social, étnico e no eco- ‘
nômico, embora acredite que este assunto seja mais do interesse
da psicologia social do que da individual, à qual me dedico.
O econômico é algo essencial em minha condição de psicote­
rapeuta, já que é o mais imediato para valorizar a função de rea- /
lidade {La fonction du réel), como a cunhou Janet. Tenho visto
As emoções no processo psicoterapêutico 77

mais de uma pessoa que sentiu uma emoção muito profunda ao


fazer certa consciência de seu complexo econômico.

Sofrimento

O sofrer, para mim, é uma emoção essencial e básica. Sinto que


o sofrer é a função por excelência de nossa psique. Se nos ativer-
mos ao conto de “Eros e Psique”, de Apuleio, veremos que todo o
processo de Psique para fazer psique e unir-se a Eros acarreta um
sofrimento. Do meu ponto de vista, esta história é uma metáfora bá­
sica do processo psíquico de Psique, que só acontece por meio do
sofrimento. Assim podemos entender, acreditemos ou não, como
nossa vida está dominada pelo sofrer: os atritos com a vida, com as
doenças. Uma lista de sofrimentos seria interminável.
Mas não é isso o que quero destacar, mas sim que existem
duas maneiras de se conceber o sofrer que são importantes para a
psicoterapia: uma é quando o ego carrega o sofrimento, a outra
quando quem sofre é nossa psique, exercendo sua função essenci­
al, que é natural para ela. Sofrer com o ego é uma indicação de sé­
rios problemas psicossomáticos. Mas, quando é acolhido por nos­
sa psique, o sofrer se torna processo psíquico no qual essa emo­
ção ocorre no âmbito que lhe pertence e conduz a uma grande
ampliação da consciência.

***

Neste trabalho, tratei de discutir as emoções a partir da visão


e dos limites da psicoterapia, mas quero resgatar algumas outras
reflexões sobre as emoções na tragédia grega. Começarei citando
uma frase célebre de Aristóteles na Poética: “Através da compai­
xão e do medo, se efetua uma catarse destas emoções”. Stanford
78 Coleção Reflexões Junguianas

diz a respeito: “Esta afirmação desesperadamente polêmica de


Aristóteles na Poética, cuja tradução é só uma entre diversas pos­
sibilidades, tende a limitar a discussão acerca das emoções na tra­
gédia grega a só estas duas possibilidades" (1983: 21). Mas, para
Stanford, estas são as emoções dominantes na tragédia grega, po­
rém não são as únicas ali presentes.
E aqui gostaria de me referir ao uso e abuso do termo catarse
em psicanálise e psicoterapia, nas quais parece equivalente à con­
fissão de um pecado, em vez de ter um valor emocional com as
complexidades que lhe pertencem. |
Todavia, a compaixão me interessa sobremaneira. Vemos que
o termo tem um antecedente na tragédia grega em que a emoção
é o pathos. E a tradução de pathos para o latim é paixão e, nisso,
como disse antes7tem uma redução. Por outro lado, não dizemos
compathos (compassio - compassionis, em latim), mas dizemos
compaixão, e essa sim é uma emoção fundamental em psicotera­
pia, tão fundamental que sem ela não me atrevo a dizer que haja,
na verdade, psicoterapia. Minha concepção é que se a psicoterapia
é assimétrica, simplesmente não é psicoterapia. Bem, não deve­
mos em momento algum confundir compaixão com lástima, que, j
em si, sendo uma emoção, é assimétrica. 4
Levo até aqui meu esforço para discutir as emoções e tratar j
de que se veja seu uso prático em meu trabalho, que é a psicotera- *
pia. Parece-me fundamental este último, já que em nossos dias o
antigo termo inconsciente está sendo substituído por emoções. *
Este seria um grande passo na história dos estudos da psicotera­
pia, onde o termo inconsciente na realidade não diz nada e seu
uso se limitaria a ser o oposto de estar consciente. Mas estar cons­
ciente hoje em dia quer dizer: “estar consciente da palavra que se
/
diz e das ações que se executam”. E ao não estar consciente de
tais coisas é o que chamaríamos estar inconscientes.
As emoções no processo psicoterapêutico 79

Creio que o conhecimento das emoções nos ajuda a valorizar


nosso viver e o mundo de relações em que nos movemos, já que
abre um entendimento muito maior à tolerância e à comunicação
entre seres humanos.
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ar\â *"Pompakaw

A linguagem stfènciósa ofa comunicação não-vertial

A comunicação não-verbal do corpo humano,. primeiramente


analisando os princípios subterrâneos que regem e conduzem
o corpo. A partir desses princípios aparecem as expressões,
gestos e atos corporais que, de modos característicos
estilizados ou inovadores, expressam sentimentos,
concepções, ou posicionamentos internos.

RELAÇÕES HUMANAS NA FAMÍLIA E NO


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Um panorama tipológico da probfemática das relações


humanas, dando sugestões para solução. Esses problemas
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Rio de Janeiro, RJ • Salvador, B A - São Luís, MA - São Paulo, SP
UNIDADE NO EXTERIOR: Lisboa - Portugal
J J —

observou e experienciou em seu “A alma é o que eu chamo o campo


trabalho como psicoterapeuta. Assim, das emoções, e a psicoterapia, o tra­
é através de seu próprio corpo balho ao qual me dedico, é o meu
psíquico que ele fala das emoções campo para observá-las e vivê-las.”
de maneira clara e profunda, Assim diz Rafael López-Pedraza na
utilizando-se em muitos momentos introdução deste ensaio no qual enri­
da mitologia grega, cujas imagens quece a lista de emoções da Retórica
servem de fundo arquetípico para de Aristóteles com seus estudos e re­
as atitudes e emoções do homem flexões sobre o tema.
de todos os tempos.
Como é usual em seu trabalho, Ló-
Leitura indispensável para aqueles que
pez-Pedraza se aproxima do erudito
pretendem conhecer a alma humana
somente naquilo que lhe permite
em suas dimensões mais profundas;
aprofundar no caráter irracional das
principalmente para o psicoterapeuta
que busca em seu trabalho estar emoções e na função psíquica do sen­
conectado com seu corpo e seu ser tir, que nos permite valorizar de ma­
mais instintivo e irracional. neira individual o mundo em que
Roberto Grani vivemos.

O autor
Rafael López-Pedraza (1920, Cuba)
entre 1963 a 1974 viveu em Zurique,
onde trabalhou no C.G. Jung Institute.
Quando regressou a Caracas, onde
reside, começou a trabalhar como
psicoterapeuta e, entre 1976 e 1989,
foi professor de Mitologia na Escola de
Letras da Universidade Central da
Venezuela. É membro da Associação
Internacional de Psicologia Analítica e
publicou em português os seguintes
livros: Hermes e seus filhos; www.vozes.com.br
Ansiedade cultural; Dioniso no exílio
- Sobre a repressão da emoção e do
corpo. Outros livros de sua autoria:
EDITORA ISBN 978-85-326-3309-5

Eros y Psique; Artemisa y Hipólíto: VOZES


Um a vida pelo bom livro
mito e tragédia; 4 Ensayos desde la
vendas@vozes .com. br 788532 633095
psicoterapia.

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