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Uma tentação que não pude resistir...

Eu a vi sendo enfiada em um porta-malas: Yelena Yenina, única


filha do chefe Bratva mais malvado de Chicago.

Os Bratva odeiam minha família. Eles queimaram meu tio vivo.


Eu deveria ter deixado Yelena à sua sorte.

Mas ela lutou como uma Valquíria1. Deslumbrante, feroz e


inquebrável.

Eu a salvei para que pudesse fazê-la minha.

Ela diz que nunca se submeterá a um homem. Acho que vamos


ver...

Vou empurrá-la até o limite. E muito além.

1 Valkyries, ou Valquírias, são guerreiras da mitologia nórdica.


Estou sentado na mesa de canto do La Mer com meus dois
irmãos e minha irmã mais nova, Aida. Passa uma hora do horário
de fechamento, então os garçons já tiraram as toalhas e os copos
das mesas, e os cozinheiros estão acabando de limpar os fogões
e as geladeiras.

O barman ainda está fazendo sua verificação noturna de


estoque, provavelmente demorando mais do que o normal, para
o caso de algum de nós querer um último gole. Essa é a vantagem
de ser dono do restaurante – ninguém pode expulsá-lo.

La Mer é conhecido por seus frutos do mar sofisticados –


linguado e salmão vindos da costa leste todas as manhãs e patas
de caranguejo-real mais compridas do que o seu braço. Todos nós
comemos lagosta encharcada de manteiga no início da noite. Nas
últimas horas, estivemos simplesmente tomando nossas bebidas
e conversando. Esta pode ser nossa última noite juntos por um
tempo.
Dante parte para Paris amanhã de manhã. Ele está levando
sua esposa, seu filho e sua filha recém-nascida para o outro lado
do Atlântico, para o que ele está chamando de lua de mel
prolongada. Mas tenho a sensação de que ele não vai voltar.

Dante nunca quis se tornar o capocrimine. Ele é o líder de


fato de nossa família há anos apenas porque é o mais velho – não
porque essa seja sua ambição.

Claro que meu pai ainda é o verdadeiro don, mas sua saúde
está piorando a cada ano. Ele tem delegado cada vez mais a
gestão de nossa empresa familiar. Antes ele lidava pessoalmente
com todas as reuniões com as outras famílias da máfia, não
importa o quão pequeno fosse o problema. Agora ele apenas veste
seu terno e sai para as situações mais terríveis.

Ele se tornou um eremita em nossa velha mansão na Meyer


Avenue. Se nossa governanta Greta também não morasse lá em
tempo integral, almoçando com ele e ouvindo-o reclamar de como
Steinbeck deveria ser classificado acima de Hemingway no
panteão dos autores, então poderia estar seriamente preocupado
com ele.

Acho que me sinto culpado porque poderia estar morando


lá com ele também. Todo o resto dos meus irmãos se mudaram –
Dante e Aida para se casar, Nero para morar com sua namorada
Camille no apartamento em cima de sua loja de modulação de
carros customizados novinha em folha.
Depois de terminar a escola, poderia ter voltado para casa.
Mas não voltei. Tenho vivido com meu tenente Jace no Hyde Park.

Digo a mim mesmo que preciso de um pouco mais de


privacidade para trazer as meninas para casa ou ficar fora o mais
tarde que quiser. Mas a verdade é que sinto um tipo estranho de
divisão entre mim e o resto da minha família. Sinto que estou à
deriva – à vista dos outros, mas não no mesmo barco.

Todos estão mudando tão rapidamente, e eu também. Mas


não acho que estamos mudando da mesma maneira.

Já se passaram três anos desde que tivemos nosso último


encontro com a família Griffin.

Aquela noite mudou minha vida.

Tudo começou com um jantar, muito parecido com este,


exceto que foi no telhado da casa de nossa família, enquanto
todos nós ainda morávamos lá. Vimos fogos de artifício
estourando no lago e sabíamos que os Griffins estavam fazendo
uma festa de aniversário para sua filha mais nova.

Como nossas vidas seriam diferentes se não tivéssemos


visto aqueles fogos de artifício. Se Aida não os tivesse percebido
como uma espécie de desafio, ou um chamado.

Lembro-me das explosões de luz colorida refletindo em seus


olhos quando ela se virou para mim e sussurrou: — Devíamos
invadir a festa.
Nós escapamos para a propriedade dos Griffins. Aida
roubou o relógio do bisavô deles e acidentalmente começou o
incêndio na biblioteca. O que fez Callum Griffin vir nos caçar
mais tarde naquela noite. Ele prendeu Aida e eu no cais. Então
seu guarda-costas quebrou meu joelho.

Essa foi a ruptura no tempo que fez minha vida disparar em


uma direção completamente diferente.

Antes daquele momento, tudo que importava era o


basquete. Jogava horas e horas todos os dias. É difícil até lembrar
o quanto isso me consumiu. Onde quer que eu fosse, levava uma
bola comigo. Eu praticava dribles e crossovers em todos os
momentos livres. Assistia a jogos antigos todas as noites antes
de dormir. Li que Kobe Bryant nunca parou de praticar antes de
fazer, pelo menos, quatrocentas cestas por dia. Decidi que
afundaria quinhentas por dia e fiquei horas depois de nossos
treinos regulares, até que os zeladores apagassem as luzes do
ginásio.

O ritmo e a sensação da bola em minhas mãos estavam


gravados em meu cérebro. Sua textura granulada era a coisa
mais familiar do mundo, e o som mais familiar era o de tênis
rangendo na madeira.

Foi o único amor verdadeiro da minha vida. O que eu sentia


sobre aquele jogo era mais forte do que meu interesse por garotas,
ou comida, ou entretenimento, ou qualquer outra coisa.
Quando a bota do guarda-costas desceu sobre meu joelho e
eu senti aquela explosão de dor cegante e nauseante, eu sabia
que meu sonho havia acabado. Os profissionais voltam de lesões,
mas os jogadores lesionados não se tornam profissionais.

Por mais de um ano, eu estava em negação. Fiz reabilitação


todos os dias. Eu suportei cirurgia, compressas de calor,
compressas frias, terapia ultrassônica no tecido da cicatriz,
eletroestimulação dos músculos ao redor e incontáveis horas de
fisioterapia entediante.

Eu ia à academia diariamente, tornando o resto do meu


corpo o mais forte possível. Juntando quinze quilos de músculos
em um corpo anteriormente magro.

Mas foi tudo por nada. Eu me livrei de mancar, mas a


velocidade nunca voltou. Durante o tempo eu deveria estar
ficando mais rápido e preciso, não conseguia nem voltar para
onde estava. Eu estava nadando contra a corrente, enquanto
lentamente flutuava rio abaixo.

E agora vivo nesta estranha realidade alternativa onde os


Griffins são nossos aliados mais próximos. Minha irmã Aida é
casada com o homem que ordenou que seu guarda-costas
quebrasse meu joelho.

O engraçado é que eu não odeio Callum. Ele tem sido bom


para minha irmã. Eles estão perdidamente apaixonados e têm
um filho pequeno – o herdeiro de ambas as nossas famílias, Miles
Griffin. Os Griffins mantiveram o fim do pacto de casamento. Eles
têm sido parceiros leais.

Mas ainda estou com muita raiva.

É essa fúria agitada e fervente dentro de mim, todos os dias.

Sempre soube o que minha família fazia para viver. Faz


parte dos Gallos tanto quanto nosso sangue e nossos ossos.
Somos mafiosos.

Eu nunca questionei isso.

Mas achei que tinha escolha.

Eu pensei que poderia contornar os limites do negócio,


enquanto ainda estava livre, capaz de perseguir qualquer outra
coisa que eu quisesse na vida.

Eu não percebi o quanto aquela vida já tinha enrolado suas


correntes ao meu redor. Nunca houve escolha. Eu estava fadado
a ser puxado para isso de uma forma ou de outra.

Com certeza, depois que meu joelho foi fodido e eu perdi


meu lugar no time, meus irmãos começaram a me chamar cada
vez mais para trabalhos.

Quando Nessa Griffin foi sequestrada, nós nos juntamos


aos Griffins em sua vingança contra a máfia polonesa. Naquela
noite, atirei em um homem pela primeira vez.
Não sei como descrever aquele momento. Eu tinha uma
arma na mão, mas não esperava realmente usá-la. Achei que
estava lá como reforço. Como vigia, no máximo. Então vi um dos
soldados poloneses apontar a arma para meu irmão e o instinto
assumiu o controle. Minha mão flutuou para cima, a arma
apontada bem entre os olhos do homem. Puxei o gatilho sem
pensar.

Ele caiu para trás. Eu esperava sentir algo: choque, horror,


culpa.

Em vez disso, eu senti... absolutamente nada. Parecia


inevitável. Como se eu sempre estivesse destinado a matar
alguém. Como se sempre tivesse sido da minha natureza.

Foi quando percebi que não sou uma boa pessoa.

Sempre presumi que fosse. Acho que todo mundo presume.

Eu pensei, sou mais quente do que meu irmão Dante. Menos


psicopata que Nero. Mais responsável do que Aida. Eu me
considerava gentil, trabalhador, um bom homem.

Naquele momento percebi que tenho violência dentro de


mim. E egoísmo também. Eu não iria sacrificar meu irmão por
outra pessoa. E eu certamente não me sacrificaria. Eu estava
disposto a machucar ou matar. Ou muito pior.

É uma coisa estranha aprender sobre você mesmo.


Olho em volta da mesa para meus irmãos. Todos eles têm
sangue nas mãos, de uma forma ou de outra. Olhando para eles,
você nunca adivinharia. Bem, talvez você adivinhe com Dante –
suas mãos parecem luvas de beisebol com cicatrizes. Elas foram
feitas para dilacerar pessoas. Se ele fosse um gladiador, os
romanos teriam que colocá-lo contra um leão para tornar uma
luta justa.

Mas todos eles parecem mais felizes do que nunca. Os olhos


de Aida estão brilhantes e alegres, e ela está corada por causa do
vinho. Ela não conseguiu beber durante todo o tempo em que
estava amamentando, então está entusiasmada por poder ficar
um pouco tonta de novo.

Dante tem uma expressão de contentamento, como se já


estivesse sentado em algum café ao ar livre em Paris. Como se ele
já estivesse começando o resto de sua vida.

Até Nero mudou. E ele é aquele que eu nunca pensei que


encontraria a felicidade.

Ele sempre foi tão cruel e cheio de raiva. Sinceramente,


achava que ele era sociopata quando éramos adolescentes – ele
parecia não se importar com ninguém, nem mesmo com nossa
família. Na verdade.

Então ele conheceu Camille, e de repente ele está


completamente diferente. Eu não diria que ele é um cara legal –
ele ainda é cruel e rude como o inferno. Mas essa sensação de
niilismo se foi. Ele está mais focado do que nunca, mais
deliberado. Ele tem algo a perder agora.

Aida diz a Dante: — Você vai aprender francês?

— Sim, — ele grunhe.

— Não consigo imaginar isso, — diz Nero.

— Eu posso aprender francês, — diz Dante defensivamente.


— Eu não sou burro.

— Não é a sua inteligência, — diz Aida. — É o seu sotaque.

— O que você quer dizer?

Ela e Nero trocam um olhar divertido.

— Até seu sotaque em italiano... não é ótimo, — diz Aida.

— O que você está falando? — Dante exige.

— Diga alguma coisa em italiano, — Aida o incita.

— Tudo bem, — diz Dante teimosamente. — Voi due siete


degli stronzi. — Vocês dois são idiotas.

A frase é exata. O problema é que Dante mantém seu mesmo


sotaque de Chicago, então soa como “Voy doo-way see-etay deg-
lee strawn-zee”. Ele soa como um fazendeiro do meio-oeste
tentando pedir um cardápio em um restaurante italiano chique.
Aida e Nero explodiram em gargalhadas, e não posso deixar
de bufar um pouco. Dante franze a testa para todos nós, ainda
sem ouvir.

— O quê? — Ele exige. — O que é tão engraçado?

— É melhor você deixar Simone falar, — Aida diz entre risos.

— Bem, não é como se eu realmente morasse na Itália! —


Dante rosna. — Você sabe, eu falo um pouco de árabe também,
o que é mais do que vocês dois cabeças-de-vento. — Quando eles
não param de rir, ele acrescenta: — Fodam-se vocês! Eu sou
culto.

— Tão culto quanto iogurte, — diz Nero, o que só os faz rir


ainda mais.

Acho que Dante teria batido suas cabeças juntas nos velhos
tempos, mas ele está acima de suas bobagens agora que é marido
e pai. Ele apenas balança a cabeça para eles e sinaliza ao barman
para mais uma bebida.

Ser mãe não colocou Aida acima de tudo. Vendo que Dante
não vai mais responder às suas provocações, ela olha para o
outro lado da mesa e fixa seus olhos acinzentados em mim.

— Seb tem um dom para idiomas, — diz ela. — Você se


lembra quando estávamos voltando de Sardenha e você pensou
que deveria falar com os funcionários da alfândega em italiano?
E eles continuaram fazendo perguntas para ter certeza de que
você era realmente um cidadão americano, e você não disse nada,
exceto ‘Il mio nome è Sebastian’

Isso é verdade. Eu tinha sete anos e fiquei nervoso com


todos aqueles adultos olhando para mim, vociferando para mim.
Eu estava tão bronzeado do meu verão na Itália que parecia que
meu pai tinha arrebatado um garotinho da ilha de Costa Rei e
estava tentando trazê-lo de volta para o outro lado do Atlântico.

Os funcionários da alfândega insistiam: — Esta é sua


família? Você é americano? — E eu, por algum motivo, decidi que
deveria responder em sua língua nativa, embora estivessem
falando inglês. No momento, tudo que eu conseguia pensar em
dizer era — Meu nome é Sebastian, — repetidamente.

Maldita Aida, por se lembrar disso – ela mesma tinha


apenas cinco anos. Mas ela nunca se esquece de algo embaraçoso
que pode trazer à tona mais tarde, no momento mais inoportuno.

— Eu queria ficar de férias um pouco mais, — digo à Aida


com frieza.

— Boa estratégia, — diz ela. — Você quase ficou para


sempre.

Vou sentir falta de Dante. Sinto falta de todos os meus


irmãos, quanto mais eles se ramificam em suas próprias vidas.

Eles podem ser irritantes e inconvenientes, mas eles me


amam. Eles conhecem todos os meus defeitos e todos os meus
erros e me aceitam de qualquer maneira. Sei que posso contar
com eles, se realmente precisar deles. E eu iria aparecer para
eles, a qualquer hora, em qualquer lugar. Esse é um vínculo
poderoso.

— Nós iremos visitá-lo, — digo a Dante.

Ele sorri um pouco. — Não todos ao mesmo tempo, por


favor, — diz ele. — Não quero assustar Simone assim que
finalmente nos casamos.

— Simone me ama, — diz Aida. — E já estou subornando


para entrar no coração de seus filhos. Você sabe que esse é o
caminho para se tornar a tia favorita – dar-lhes presentes
barulhentos e perigosos que seus pais não permitiriam.

— Deve ser por isso que você gostou do tio Francesco, — eu


digo. — Ele deu a você um arco e flechas.

— Isso mesmo, — diz Aida. — E eu sempre o adorei.

Eu também. Mas perdemos o tio Francesco dois anos depois


desse presente em particular. A Bratva cortou seus dedos e o
incendiou enquanto ele ainda estava vivo. Isso provocou um
banho de sangue de dois anos com os russos. Meu pai estava
furioso como nunca vi antes. Ele os expulsou de seu território no
lado oeste da cidade, matando oito de seus homens em vingança.
Não sei o que ele fez com o bratok2 que jogou o fósforo no tio

2 É considerado um menino de recados para a organização e é o posto mais baixo na máfia russa.
Francesco, mas lembro-me dele voltando para casa naquela noite
com a camisa ensopada de sangue a ponto de não ser possível
ver um único centímetro quadrado de algodão branco mais.

Ainda tenho meu presente favorito do meu tio: um pequeno


medalhão de ouro de Santo Eustáquio. Eu o uso todos os dias.

Tio Francesco era um bom homem: engraçado e charmoso.


Apaixonado por tudo. Ele adorava cozinhar e jogar tênis. Ele
levava Nero e eu para as quadras e jogava dois contra um, sempre
nos derrubando. Ele não era alto, mas era compacto e magro, e
conseguia atirar no canto mais recuado da quadra, então a bola
tocava as linhas enquanto permanecia dentro. Era impossível
devolver. Nero e eu estaríamos suando e ofegando, jurando que
essa seria a hora em que finalmente o venceríamos.

Às vezes, gostaria de poder tê-lo de volta por um dia para


que ele pudesse ver como todos nós parecemos quando adultos.
Para que pudéssemos conversar com ele como companheiros.

Desejo o mesmo em relação à minha mãe.

Ela nunca viu quem acabamos por ser.

Eu me pergunto se ela ficaria feliz?

Ela nunca gostou da vida da máfia. Ela ignorou isso, fingia


não saber o que o marido fazia. Ela era pianista de concerto
quando meu pai a viu tocando no palco pela primeira vez. Ele a
perseguiu implacavelmente. Ele era muito mais velho do que ela.
Tenho certeza de que ela ficou impressionada por ele falar três
línguas, por ser culto e bem falado. E tenho certeza de que sua
aura de autoridade era impressionante para ela. Meu pai já era o
chefe Don de Chicago. Um dos homens mais poderosos da cidade.
Ela amava quem ele era, mas não o que ele fazia.

O que ela pensaria de nós? Do que temos feito?

Acabamos de concluir um enorme desenvolvimento


imobiliário em South Shore. Ela olharia para aquilo com
admiração ou pensaria que cada um daqueles edifícios foi
construído com dinheiro de sangue? Ela ficaria maravilhada com
as estruturas que criamos ou imaginaria os esqueletos
enterrados sob suas fundações?

O barman traz a bebida de Dante.

— Posso pegar outro para mais alguém? — Ele nos


pergunta.

— Sim! — Aida diz imediatamente.

— Tudo bem, — Nero concorda.

— Não para mim, — eu digo. — Vou sair.

— Qual é sua pressa? — Nero diz.

— Nada. — Eu encolho os ombros.


Não sei como expressar que me sinto impaciente e inquieto.
Talvez eu esteja com ciúme da partida de Dante para Paris com
sua esposa. Talvez eu também tenha ciúme de Aida e Nero. Eles
parecem seguros de seus caminhos. Felizes em suas vidas.

Eu não estou. Eu não sei o que diabos estou fazendo.

Dante se levanta para me deixar sair da cabine. Antes de eu


sair, ele me abraça. Seus braços pesados quase quebram minhas
costelas.

— Obrigado por vir esta noite, — ele diz.

— Claro. Envie-nos cartões postais.

— Foda-se os cartões postais. Envie-me chocolate! — Aida


fala.

Dou um pequeno aceno para ela e para Nero também.

— Faz um tempo que ela não bebe vinho, — digo a Nero. —


É melhor você levá-la para casa.

— Eu vou, — diz Nero, — mas se você vomitar no meu carro,


vou te esganar, Aida.

— Eu nunca faria isso, — diz Aida.

— Você já fez isso antes, — Nero rosna.


Deixo-os na cabine, saindo para a noite quente de Chicago.
É verão – mesmo às dez da noite, o calor mal está começando a
diminuir.

Estamos perto do rio. Eu poderia ir a pé para casa pela


Randolph Street, mas em vez disso pego a passarela do rio,
passando por todos os restaurantes com seus fios de luzes
refletindo na água escura. Atravesso a River North, onde as ruas
são mais silenciosas e menos iluminadas. Ando com as mãos nos
bolsos. É uma boa área, e tenho 1,98 m. Não estou preocupado
em ser assaltado.

Ainda assim, quando ouço um grito, fico tenso e procuro a


fonte do ruído.

Cerca de cinquenta metros descendo a calçada, vejo uma


garota loira lutando com um homem em roupas escuras. Ele é
corpulento, com a tatuagem de uma flecha na lateral da cabeça
raspada. Ele parece estar tentando empurrá-la no porta-malas
aberto de seu carro.

A garota parece que está indo para uma festa – ela está
usando um vestido curto e salto alto. Os saltos não a ajudam a
manter o equilíbrio enquanto o homem a levanta do chão e tenta
jogá-la de costas no porta-malas. Ela liberta a mão e dá um tapa
forte no rosto dele – forte o suficiente para que eu possa ouvir o
golpe no fim da rua. Ele retalia batendo de volta nela com ainda
mais força.
Isso realmente me irrita. Antes mesmo de pensar no que
estou fazendo, corro pela calçada, indo direto para ele.

Assim que ele consegue empurrá-la para dentro do porta-


malas, mas antes que ele possa fechar o tampo, eu bato nele pelo
lado. Eu o acertei com força com o ombro, fazendo-o voar contra
uma cerca de ferro forjado.

Ele bate na cerca, mas se levanta novamente um momento


depois, vindo para mim com os dois punhos balançando.

Na verdade, não tenho muita experiência em luta – estive


em apenas três ou quatro lutas, enquanto Nero provavelmente
esteve em cem. Mas sou um cara grande pra caralho, com um
longo alcance. E com dois irmãos mais velhos, você aprende
algumas coisas.

O cara vem até mim em um ataque relâmpago, os dois


punhos voando. Eu mantenho meus próprios braços para cima,
bloqueando a maioria de seus socos no meu rosto. Ele me bate
algumas vezes no corpo, o que não é ótimo. Eu espero por uma
abertura. Quando ele envia outro violento de direita na minha
cara, eu me afasto e acerto-o no olho com uma esquerda. Isso
balança sua cabeça para trás. Ele ainda está vindo para mim,
mas não tão firmemente.

Ele tem um rosto largo e feio. Dentes descoloridos. Sua pele


é da cor de massa de pão não cozida. Ele está com raiva,
rosnando para mim. Suando e ofegando enquanto continua
jogando nocautes em mim que não consegue alcançar meu rosto.

Eu não estou com raiva. Na verdade, eu me sinto mais frio


e mais calculado a cada momento. Eu me sinto analisando-o
como se ele fosse um personagem de um videogame. Procurando
a melhor e mais rápida maneira de aniquilá-lo.

Começo a bater nele de novo e de novo no rosto e no


estômago. Cada golpe parece sólido e satisfatório, como socar um
saco pesado. Cada grunhido de dor desse idiota me dá um brilho
de prazer.

Ele me acerta com um soco no lábio e sinto o gosto de


sangue na boca. Isso só me irrita mais. Eu o agarro pelo rosto
como se estivesse espalhando uma bola de basquete, e bato sua
cabeça contra a cerca. Faço isso três ou quatro vezes até que a
luz se apague de seus olhos e ele desabe na calçada. Eu nem me
preocupo em amortecer sua queda.

A garota loira saiu do porta-malas. Vendo seu agressor


desmaiado na calçada, ela corre e o chuta no estômago.

— Chtob u tebya hui vo Ibu vyros! — Ela grita, puxando o pé


de salto alto e chutando-o novamente.

Para ser honesto, eu meio que esqueci da garota por um


minuto enquanto batia nele para valer. Agora eu me viro e
realmente olho para ela pela primeira vez.
Ela é alta, e isso diz algo da minha perspectiva. Ela deve ter
mais de um metro e oitenta de salto. Com o rosto em chamas de
fúria, ela parece uma Valquíria vingativa. Ela é loira branca, seu
cabelo preso em um rabo de cavalo alto no topo de sua cabeça.
Suas feições são agudas e exóticas – maçãs do rosto salientes,
olhos amendoados, lábios carnudos, dentes brancos e ferozes. E
seu corpo...

Eu me sinto mal pensando nisso, quando algum cara tentou


sequestrá-la. Mas é quase impossível não ver a figura amazônica
enfiada naquele vestido colante. Seios fartos, cintura fina, pernas
longas... é difícil voltar os olhos para o rosto dela.

— Você está bem? — Eu pergunto a ela.

Sua bochecha esquerda está vermelha e inchada onde o


homem a esbofeteou. Posso ver as marcas individuais de seus
dedos na lateral do seu rosto.

— Estou bem! — Ela diz com raiva. Ela tem um sotaque.


Tenho certeza de que ela estava gritando em russo um minuto
atrás.

— O que você disse para aquele cara? — Eu pergunto a ela.

— O quê?

— Quando você o chutou, o que você estava dizendo?


— Oh. — Ela balança a cabeça com impaciência. — Isso
significa... algo como ‘Que um pau cresça na sua testa '.

Eu soltei um bufo. — Mesmo?

— Sim, — ela diz, franzindo a testa para mim. — Este é um


insulto muito comum na Rússia. Muito rude, acredite em mim.
Ele não gostaria se pudesse ouvir o que eu disse.

— Bem, ele não consegue ouvir merda nenhuma, — eu digo.


— Mas ele mereceu de qualquer maneira.

— Ele merece ser castrado! — Diz a garota, cuspindo na


calçada ao lado de seu agressor caído. É engraçado – cuspir é a
coisa mais distante de uma dama. Mas acho isso estranhamente
atraente. Parece selvagem e estranho, como se ela fosse uma
princesa guerreira.

Falando nisso...

— Você sabe quem ele é? — Eu pergunto a ela. — Por que


ele estava agarrando você?

A garota faz um som agudo e desdenhoso. — Você não


entenderia, — ela diz.

Isso só me deixa curioso.

— Por que você não me experimenta? — Eu digo.


Ela me olha de cima a baixo como se estivesse tentando me
entender. Por fim, ela encolhe os ombros, talvez pensando que
me deve uma explicação.

— Meu pai é um homem poderoso, — diz ela. — Ele tem


muitos inimigos. Suponho que este aqui pensou que seria mais
fácil me atacar em vez disso.

— Quem é seu pai? — Eu pergunto a ela.

— Alexei Yenin, — ela diz, sem esperar que eu reconhecesse


o nome.

Eu reconheço, embora. Ele é o chefe do Bratva em Chicago.


Ou, devo dizer, ele é o novo chefe – depois que os Griffins
mataram o antigo.

— Qual o seu nome? — Eu pergunto a ela.

— Yelena Yenina, — ela diz com uma orgulhosa inclinação


de seu queixo.

— Sebastian Gallo, — digo a ela. Eu não vejo nenhum sinal


de reconhecimento em seus olhos. Ela não parece familiarizada
com minha família.

Em vez disso, ela me olha de cima a baixo novamente com


uma expressão de desconfiança no rosto.

— Por que você é tão grande? — Ela exige, como se fosse


suspeito ser tão alto.
— Genética, — eu digo suavemente.

— Não. — Ela balança a cabeça. — Você sabe como lutar. O


que você faz?

— Tipo, trabalho?

— Sim, claro, como trabalho, — ela diz.

Me diverte que essa garota mal pareça grata por eu ter


ajudado a salvá-la. Em vez disso, ela é arrogante e autoritária.

Não sei como responder à sua pergunta, no entanto.

Tenho feito muitos trabalhos ultimamente. Todos negócios


de família. Administrar nossa rede de jogos clandestinos, lidar
com as várias questões que surgem em nossos restaurantes e
clubes. Também estou trabalhando no projeto South Shore,
embora a maior parte Nero tenha assumido o controle.

— Minha família tem alguns negócios, — eu digo vagamente.


— Restaurantes e afins.

— Hm, — a garota diz, ainda desconfiada.

— Onde você está indo? — Eu pergunto a ela. — Você quer


que eu vá com você?

— Por que não, — Ela diz, como se estivesse me fazendo um


favor. — Não é longe.

— Só um segundo, — eu digo.
Agarro seu agressor pela frente de sua camisa e o levanto,
sua cabeça tombando fracamente. Eu o jogo no porta-malas de
seu próprio carro e bato o tampo.

— Ele pode se divertir chutando para sair de lá quando


acordar, — eu digo.

A garota dá uma risada curta. — Ora, ora, — ela diz. — Eu


pensei que você era um bom menino com este rosto.

— Este rosto? — Eu sorrio.

— Sim. Bochechas lisas. Olhos grandes. Cachos suaves.


Como um bebezinho, — diz ela.

Eu posso dizer que ela está tentando me enrolar, mas não


dou a mínima.

— Acho que você parece uma viking, — digo a ela.

Ela não quer sorrir, mas acho que gosta disso.

Percebo que seus olhos são de uma cor incomum – mais


violeta do que azul. Muito marcante contra seu cabelo claro e pele
pálida. Nunca conheci uma mulher assim. Ela não é como
ninguém que eu vi por aqui.

— Então, para onde nós estamos indo?

— O que é esse nós? — Ela diz.

— É uma festa? — Eu persisto. — Eu gosto de festas.


— Você não foi convidado, — ela diz, com uma sugestão de
sorriso em seus lábios carnudos.

— Aposto que você poderia me colocar dentro.

— Talvez, — ela diz. — Se você fosse meu par.

Eu olho para ela, sorrindo o tempo todo agora.

— Sim? — Eu digo. — O que eu tenho que fazer para ser


seu par?
Sebastian me acompanha os três quarteirões até a festa. Ele
é muito bonito, admito, embora eu nunca tenha sido criada para
ter minha cabeça virada por um menino bonito. Na Rússia, a
beleza é para mulheres. O poder é para os homens.

O que me impressiona é sua altura. Nunca vi um homem


que me fizesse sentir pequena. Mesmo em meus saltos, Sebastian
se eleva sobre mim. Eu tenho que inclinar meu queixo para olhar
em seu rosto.

Sempre amei e odiei minha própria altura. Gosto de me


sentir forte. Mas odeio a maneira como todos querem comentar
sobre isso, como se fossem a primeira pessoa a notar. Suas
piadas não são originais, e a maneira como seus olhos me
percorrem é ainda pior. Eles querem me coletar como se eu fosse
um cartão de troca que completará seu conjunto.

Mas é claro, não estou disponível para coleta.


Sou filha de Alexei Yenin, Pakhan do Chicago Bratva. Meu
pai encontrará o companheiro adequado para mim quando
chegar a hora certa.

Não estou animada para isso. O casamento não parece uma


instituição feliz, pelo que tenho visto. Muitos homens batendo em
suas esposas, controlando cada momento de seu dia e tendo
amantes quando querem.

Na Rússia, não é crime bater na sua esposa. É apenas uma


ofensa criminal se ela exigir hospitalização. Você pode ter que
pagar uma pequena multa – mas ela é paga ao governo, não à
mulher.

Eu assisti meu próprio pai bater em minha mãe muitas


vezes. E ela era uma boa esposa.

Não acho que serei uma esposa muito boa.

Não sou uma filha muito boa. Ou, pelo menos, é o que meu
pai me diz.

Acho que é melhor ser inteligente do que boa.

Chegamos à casa na Madison Street onde Grisha está dando


sua festa. Grisha é meu primo em segundo grau. Ele gosta de
garotas bonitas, carros velozes e drogas caras. Eu não diria que
somos amigos próximos, mas tenho permissão para vir à sua
casa porque ele família.
Esta noite ele está comemorando seu vigésimo sexto
aniversário. Fiz vinte e cinco anos na semana passada. Não houve
festa – meu pai apenas olhou para mim com frieza e disse que
estou envelhecendo. Ele costumava dizer isso para minha mãe:
— Os homens envelhecem como o vinho; as mulheres envelhecem
como o leite.

Bem, ela envelhece como o marfim agora porque tem ossos


em uma caixa.

Sorte sua, pai. Você não terá que se ofender com as rugas em
seu rosto.

É nisso que estou pensando enquanto subo os degraus da


casa de Grisha. Fico carrancuda, de modo que, quando seu amigo
Andrei abre a porta, ele se assusta e diz: — Parece que você está
prestes a matar alguém, Yelena.

— Talvez, — eu digo, passando por ele e entrando na casa.

Sebastian segue atrás de mim. Ele não parece


desconfortável, entrando nesta casa onde não conhece ninguém.
Acho que um homem tão grande não se intimida facilmente.

Está escuro na casa, os quartos iluminados apenas por


luzes azuis que dão a todos uma aparência estranha. A música
lateja. O ar está úmido com o calor corporal.

Eu encontro Grisha. Ele já está meio bêbado. Seu cabelo


normalmente penteado para trás está caindo sobre os olhos, e
sua camisa está meio desabotoada para mostrar seu peito nu e
sua coleção de correntes de ouro.

Ele joga um braço em volta do meu ombro e me beija com


força na bochecha.

— Aí está ela, — diz ele em russo. — Minha pequena Elsa.

— Não me chame assim, — respondo em inglês.

— Eu pensei que você disse que seu nome era Yelena? —


Sebastian pergunta.

— Ele está se referindo à Elsa de Frozen, — digo, revirando


os olhos.

— Você vai me transformar em gelo? — Sebastian diz


levemente.

— Ela pode, — Grisha diz. — Ela não gosta de homens.


Assim como Elsa.

— Eu gosto de você, — eu digo docemente para Grisha. —


Entretanto, você não é muito homem.

Grisha ri e toma outro gole de sua bebida. Ele está bebendo


diretamente de uma garrafa de Stolichnaya Elit 3. — Quer um
pouco? — Ele me diz.

3 Marca de vodca russa.


— Claro, — eu digo desafiadoramente. Tem muita gente aqui
que vai me dedurar por beber, mas neste momento eu realmente
não dou a mínima. Tomo um longo gole, apreciando o sabor
cítrico brilhante da vodca cara de Grisha. Eu poderia tomar um
banho nisso.

Grisha aperta os olhos para Sebastian. — Você me parece


familiar, — ele diz.

Sebastian balança a cabeça como se ele ouvisse muito isso.


— Joguei como armador da Universidade de Chicago, — diz ele.

Grisha balança a cabeça. — Não, não, — diz ele. Então ele


estala os dedos. — Ah! Eu conheço seu irmão Nero. Nós corremos
um com o outro uma vez.

Sebastian sorri. — Você ganhou?

Grisha faz uma careta. — Não! Ele é um filho da puta


trapaceiro. Tirou vinte mil de mim.

— Isso soa como Nero, — Sebastian concorda.

Entediada com meu primo, puxo Sebastian para longe de


Grisha. Se eu deixar, Grisha vai continuar com as corridas de
arrancada a noite toda. E já ouvi mais do que o suficiente sobre
esse tópico específico.

Prefiro ouvir mais sobre a outra coisa que Sebastian


mencionou.
— Você é um atleta? — Pergunto-lhe.

Ele balança a cabeça. — Não mais.

Esta é a primeira vez que vejo o sorriso sumir de seu rosto.

— Você jogou basquete?

— Sim, — ele diz.

— Você era bom?

— Sim, — ele diz, sem arrogância. — Muito bom.

— Por que você desistiu?

Ele hesita apenas uma fração de segundo. — Fiquei


entediado com isso.

Hmm. Acho que esse bom menino Sebastian mentiu para


mim.

Esse gole pesado de vodca está começando a fazer efeito em


mim. Posso sentir um calor agradável se espalhando pelo meu
peito. Meu humor melhora ligeiramente.

— Você quer uma bebida também? — Pergunto a Sebastian


em um tom quase amigável.

Seguimos para a cozinha, onde Grisha tem uma verdadeira


abundância de álcool: bebidas, misturadores, cerveja de todos os
tipos e um ponche de aparência horrível que eu não beberia para
salvar minha vida.

— Do que você gosta? — Eu pergunto.

— Você já bebeu tequila? — Sebastian me pergunta.

Eu torço meu nariz. — Isso se parece com Tijuana?

Sebastian apenas ri. — Não é tão ruim, — diz ele. — Você


apenas tem que fazer direito.

Ele agarra minha mão, seus dedos grandes e quentes


fechando em torno dos meus. Isso é presunçoso, mas permito por
curiosidade. Ele me puxa até a bancada, onde vejo várias garrafas
de Patrón4.

Sebastian serve um shot para cada um de nós. Eu vou pegá-


lo e ele diz: — Espere.

Ele pega minha mão e a vira, expondo meu pulso. Em


seguida, ele traz seus lábios para a carne delicada onde minhas
veias aparecem azuis sob a pele. Ele me beija lá. É apenas um
beijo breve, mas sinto a plenitude de seus lábios e o
surpreendente calor de sua boca. Isso envia um arrepio por todo
o meu braço. Ele me olha com olhos escuros e profundos, sob
sobrancelhas grossas.

4 Marca de produtos de tequila.


— Agora o sal, — diz ele.

Ele pega um saleiro e salpica meu pulso com sal. Isso se


agarra ao local onde seus lábios se tocaram.

— Assim, — Sebastian diz.

Ele lambe o sal do meu pulso. Sua língua é áspera e quente.


Ele bebe o shot em um só gole, depois morde uma rodela de
limão. Em seguida, ele pousa o copo com um floreio.

— Tente isso, — ele me diz.

Estamos muito próximos um do outro na cozinha quente.


Seu método para tomar um shot é ridículo. Mas não posso negar
que meu coração está batendo forte e sinto uma estranha
compulsão de fazer exatamente o que ele disse. Há uma espécie
de elegância em seus movimentos – quero ver se consigo imitá-
la.

Pego sua mão, que tem quase o dobro do tamanho da


minha. Seus dedos são absurdamente longos. Aposto que ele
poderia atingir duas oitavas em um piano.

Viro sua mão e vejo um pulso liso, magro e marrom, com


tendões subindo pelo antebraço. Eu levanto seu pulso até minha
boca e pressiono meus lábios contra sua pele. Salpico sal na
mancha úmida. Então, olhando Sebastian nos olhos, corro
minha língua por seu braço. Sinto sua carne estremecer e vejo a
contração de sua mandíbula. Sinto o gosto do sal.
Eu bebo o shot, seguindo-o com o limão. Ainda tem um
gosto horrível, embora não tão ruim como de costume.

Eu me pergunto se provaria tequila em sua boca se beijasse


Sebastian.

Claro, eu não vou beijá-lo.

Mas encontro meus olhos demorando em seus lábios, que


são cheios e finos. Nunca vi um homem com um rosto assim.
Com seus cachos grossos e escuros ao redor do rosto, ele me
lembra um santo em uma pintura a óleo.

Ele é tão diferente dos boyeviks que eu costumo ver. No


início, isso me deixou desdenhosa. Mas agora eu me encontro...
intrigada.

— Você quer dançar? — Sebastian me pergunta.

Há muitas pessoas se esfregando na sala de estar. A casa


de Grisha tem cinco andares empilhados um em cima do outro.
Está em péssimas condições porque ele está sempre dando festas
e sempre irritando as governantas para que elas desistam e ele
tenha que contratar outra.

Eu conheço todos os amigos de Grisha. Não quero dançar


com Sebastian sob seus olhos vigilantes.

Se subíssemos, encontraríamos pessoas transando em


todos os cômodos disponíveis ou jogando vinte-e-um no andar
superior. No telhado, Grisha instalou uma sauna de barril de
cedro, grande o suficiente para acomodar oito pessoas, e uma
grande banheira de hidromassagem ao lado dela. Ele não vai
deixar nenhuma garota na banheira de hidromassagem, a menos
que estejam de topless.

Nada disso parece atraente para mim. Em vez disso, digo:


— Vamos, — e puxo Sebastian na direção do porão.

O porão está inacabado, então poucas pessoas querem vir


aqui. Lâmpadas nuas balançam no teto. O chão é de cimento. É
muito mais frio do que lá em cima. O cheiro é úmido, e o teto bate
de forma alarmante no alto, como se pudesse desabar com o peso
de tudo acima.

Sebastian tem que abaixar a cabeça para descer as escadas.

Encontro o interruptor de luz, cercado por metal sem


nenhuma tampa adequada, e o ligo. As lâmpadas se acendem,
lançando luz em círculos oscilantes.

— Você joga sinuca? — Eu pergunto a Sebastian


casualmente.

— Às vezes, — ele diz.

Pego dois tacos na parede, entregando o mais longo para


Sebastian. Eu pego meu favorito.

— Que tal uma aposta amigável? — Pergunto-lhe.


— Claro, — Sebastian diz. — Quanto é amigável?

— Que tal cem para começar?

Ele solta um assobio baixo. — Deixe-me ver o que eu tenho.

Ele pega uma carteira que parece bem grossa. Tira uma nota
de cem dólares, sem mostrar o resto do dinheiro. Se Grisha
estivesse fazendo isso, ele certamente me deixaria ver exatamente
quanto ele estava carregando.

Sebastian coloca a nota na grade de madeira polida da mesa


de sinuca.

— E você? — Ele diz provocadoramente. — Como posso


saber se você é boa nisso?

— Você não verá meu dinheiro, — eu o informo. — Nem


agora nem depois.

Sebastian ri. — Gosto da confiança, — diz ele.

Ele destrava as bolas e eu me posiciono para cortar. Divido


a pilha de forma limpa, enviando bolas ricocheteando em todas
as direções através do feltro verde liso. Já afundei a 9, então pego
listras. Alinho meu taco atrás da bola 11. Posso sentir os olhos
de Sebastian no meu corpo enquanto me inclino sobre a mesa.
Tive que me curvar muito por causa dos meus saltos. Eu posso
sentir minha saia subindo.
Dou um toque inteligente na bola branca, enviando-a com
força para a 11, à esquerda do centro. A 11 corta para a direita,
girando diretamente para a caçapa lateral, caindo com um baque
satisfatório. Sem parar, afundo a 13 e a 14 também.

— Uh oh, — Sebastian disse suavemente. — Acho que estou


com problemas.

Eu perco minha próxima tacada por um centímetro.


Sebastian aproveita a deixa e examina a mesa. Rápido e
suavemente, ele afunda a 2 e a 4. Suas mãos grandes estão
firmes enquanto ele espalha os dedos pelo feltro, estabilizando o
taco. Ele só precisa dar uma olhada na bola para calcular seu
ângulo.

Ele é incrivelmente preciso e incrivelmente seguro de si. Ele


afunda a 1 e a 5 também, antes de errar a 3.

Não tinha percebido que estava prendendo a respiração. Sei


que, se errar mais alguns lances, provavelmente não terei outra
chance.

Carrancuda, eu me aproximo da mesa como se fosse um


campo de batalha. Imagino onde a bola branca vai cair após cada
tacada, certificando-me de que não vou me prender. Assim que
tenho certeza de minha estratégia, afundo a 10, a 12 e a 15 em
rápida sucessão.
Agora só resta a bola 8. Está pressionada contra a 3 de
Sebastian. As duas estão bem próximas da caçapa do canto
esquerdo. Tenho medo de derrubá-las juntos, se não tomar
cuidado.

Cautelosamente, eu miro. Separo as bolas, batendo a bola


8 na caçapa e empurrando a 3 para o lado. A bola branca rola
um pouco longe demais, tremendo na borda. Se cair também,
perco o jogo. Mas fica parada.

Pego a nota de cem dólares de Sebastian e enfio no sutiã.

— Ganhei, — eu digo.

— Acho que levei uma surra, — diz Sebastian.

— Não seria a primeira vez, — eu digo.

Os homens sempre superestimam suas habilidades. E


subestimam as minhas.

— Devemos ir mais uma? — Sebastian diz.

— O dobro ou nada?

— Eu não tenho certeza se você tem algum dinheiro, —


Sebastian diz com um sorriso atrevido. — Além do que você tirou
de mim. Que tal... para cada bola que eu afundo, você tira uma
peça de roupa. E eu vou fazer o mesmo.
Eu zombo, balançando minha cabeça para ele. É um ardil
transparente.

Por outro lado... Não consigo resistir à tentação de humilhá-


lo ainda mais. Eu adoraria ganhar o jogo enquanto ele estiver lá
em sua cueca samba-canção.

— Tudo bem, — eu digo. — Mas eu corto.

— Você cortou da última vez, — Sebastian aponta.

— É pegar ou largar.

— Vou pegar, — diz ele, com a voz baixa e intensa.

Sebastian destrava as bolas novamente, e eu tomo minha


posição do outro lado da mesa. Eu corto, embora não tão limpo
quanto da última vez. Apenas uma bola cai na caçapa lateral – a
3 – e por pouco. Eu lanço um olhar para Sebastian.

— Essa é uma, — eu digo.

— Estamos contando o corte? — Ele diz.

— Claro que estamos.

— Muito justo, — Sebastian dá de ombros.

Cruzando os braços à sua frente, ele agarra a barra de sua


camiseta preta com as duas mãos e a puxa pela cabeça. Não
posso deixar de olhar enquanto ele expõe seu torso longo e
esguio, profundamente bronzeado e cheio de músculos. Ele está
ainda mais em forma do que eu esperava. Seus ombros e peito
são grossos e cheios, seus músculos abdominais são cortados até
o fim. Uma trilha de cabelo escuro vai do umbigo até o cós da
calça jeans. Meus olhos seguem todo o caminho.

Quando os puxo de volta, ele está sorrindo para mim.

— Gostou do que está vendo? — Ele diz.

Jogo meu rabo de cavalo para trás por cima do ombro com
desprezo, de frente para a mesa de sinuca mais uma vez.

Não sei se foi a visão de Sebastian ou minha própria pressa


em continuar jogando, mas perco minha próxima tacada. Pior
ainda, a bola branca rola para dentro da caçapa, então Sebastian
pode posicioná-la onde quiser atrás da linha.

— B`lyad! — Juro de aborrecimento.

Estou ainda mais irritada com a expressão presunçosa de


Sebastian enquanto ele toma seu lugar no topo da mesa. Sem
nem mirar, ele afunda a 10.

— Sua vez, — ele diz.

Ele quer dizer minha vez de tirar a roupa, não de jogar.


Irritada, tiro o sapato esquerdo. É um Manolo Blahnik e não me
apetece pôr o pé de volta nele se sujar as solas no concreto
empoeirado.

Sebastian afunda a 12 também.


— Não posso deixar você de pé torto. — Ele sorri.

Tiro o sapato direito. Agora meu coração está batendo


rápido. Eu tinha planejado administrar a mesa, não me colocar
no fim de receber uma sequência. Eu não posso acreditar que
perdi.

Sebastian coloca a 15 na caçapa do canto.

Franzindo a testa, eu puxo o elástico do meu rabo de cavalo


para que meu cabelo caia solto sobre meus ombros.

— Não tenho certeza se isso conta como roupa, — diz


Sebastian.

— Sim, isso conta, — eu assobio.

— Qualquer coisa que você diga. — Ele afunda a 14


facilmente.

Porra.

Eu deveria ter usado muito mais camadas antes de


concordar com este jogo.

Lentamente, chego atrás de mim e abro o zíper da parte de


trás do meu vestido. É um minivestido azul brilhante, que não
cobria muito para começar. Está prestes a cobrir muito menos.
Puxo as alças para baixo, deixando o vestido cair aos meus
pés em uma poça. Agora é a vez de Sebastian deixar seu queixo
cair.

Sua reação é, pelo menos, satisfatória. Ele parece


ligeiramente atordoado, como se tivesse acabado de receber um
golpe na cabeça. Ele nem mesmo finge não deixar seus olhos
vagarem pelo meu corpo no meu sutiã de seda preta e calcinha.

Espero que meu corpo tenha um efeito semelhante sobre


ele, e ele perca a próxima tacada.

Em vez disso, ocorre o oposto. Sebastian está de frente para


a mesa de sinuca com um novo nível de foco. Antes ele estava
brincando – agora ele está falando sério. Ele quer vencer este
jogo.

Sua próxima tacada é complicada. Com meus sólidos no


caminho, ele não tem uma tacada certeira. Ele tem que tirar a 9
da parede para enfiá-la na caçapa lateral.

Ele acerta a bola um pouco fora do centro e, por um


segundo, acho que vai errar. Mas atinge a borda da caçapa e cai.

Silenciosamente, Sebastian se vira para me encarar.

Não sei por que estou tão nervosa.

Eu não queria que o jogo fosse tão longe.


De repente, estou consciente de como ele é alto,
especialmente agora que não estou usando salto. Estou ciente de
que estamos sozinhos aqui, neste espaço mal iluminado, com a
música batendo tão alto no alto que ninguém nos ouviria. Os
olhos de Sebastian parecem escuros e profundamente
sombreados.

Uma aposta é uma aposta.

Minhas mãos estão tremendo quando chego atrás de mim


para desabotoar meu sutiã.

— Espere, — Sebastian diz.

Ele cruza o espaço entre nós em duas longas passadas. Ele


olha para o meu rosto. Ele ainda não me tocou, mas posso sentir
o calor saindo de seu peito nu. Estou presa contra a mesa de
sinuca, não há mais espaço para recuar.

— Você não precisa se despir, — diz ele.

Eu lambo meus lábios. — Fizemos um acordo.

— Eu não me importo, — ele diz. — Eu quero outra coisa...

Eu olho em seus olhos, vendo as manchas douradas nas íris


marrons, vendo como seus cílios são grossos e escuros.

— O quê? — Eu sussurro.

Ele traz seus lábios até os meus.


Ele me beija com a boca quente e com gosto ligeiramente de
sal e limão. Seus lábios são ainda mais suaves do que pareciam
contra meu pulso, mas o beijo não é suave. É profundo e faminto.

Sua mão direita encontra meu quadril, e sua mão esquerda


desliza sob meu cabelo para embalar minha nuca, puxando-me
para mais perto dele.

O mundo inteiro parece cair com aquele beijo. Não consigo


sentir o concreto frio sob meus pés e não consigo ouvir a música
batendo lá em cima. Tudo o que posso ouvir é o meu batimento
cardíaco trovejando em meus ouvidos enquanto pareço flutuar
no espaço.

Então nos separamos e eu estou em um porão novamente.

— Devemos terminar o jogo? — Sebastian me pergunta.

— Não. — Eu balanço minha cabeça. — Tenho que ir para


casa.

Ele parece desapontado, mas não mal-humorado. Ele me


ajuda a juntar meu vestido e sapatos para que eu possa ficar
decente novamente.

— Não se esqueça da sua camisa, — digo a ele.

— Oh, — ele ri. — Certo.


Uma vez que estamos vestidos, Sebastian me segue escada
acima. Ele espera enquanto ligo para um Uber e até se oferece
para voltar para minha casa comigo.

— Apenas por companhia, — diz ele.

Balanço minha cabeça. — Meu pai não gostaria disso.

— Você vai me dar seu número, não vai? — Ele me pergunta.

Hesito por um longo momento. Eu sei o que devo fazer, mas


de repente não quero fazer isso.

— Sim, — eu digo. — Eu vou.

Sebastian copia o número em seu telefone, parecendo


satisfeito.

— Falo com você em breve, — ele diz.

Retorno para minha casa, meu estômago embrulhando.

Meu pai comprou esta enorme mansão de pedra há dois


anos, quando veio aqui para substituir Kolya Kristoff como chefe
da Bratva. Ele nunca perguntou a meu irmão ou a mim se
queríamos nos mudar de Moscou para Chicago. Ele não deu a
mínima para o que pensávamos.

Posso ver as luzes acesas em todo o andar principal.

Ele está esperando por mim.


Os portões de segurança se abrem automaticamente e eu
digo ao motorista para ir até a porta da frente. Ele parece
ligeiramente impressionado com esta casa.

— Você vive aqui? — Ele diz.

— Sim, — eu respondo. — Infelizmente.

Eu saio do carro. Iov abre a porta antes mesmo que eu possa


tocar na maçaneta. Seu rosto está machucado e ele está
ligeiramente curvado, como se pudesse ter quebrado uma
costela.

— Você não precisava me chutar, — diz ele com amargura.

— Você me deu um tapa com muita força! — Eu digo.

Eu empurro passando por ele, impaciente para entrar na


casa. Estou exausta e quero ir para a cama.

Mas primeiro preciso falar com meu pai.

Ele entra silenciosamente na entrada, usando seus chinelos


de veludo, seu pijama de seda e seu longo manto com cinto. Sua
barba meio cinza está bem penteada, assim como o cabelo
grisalho e grosso que desce até os ombros. Ele parece um rei
medieval. O tipo que invadiria uma nação sem hesitação.

— Como foi? — Ele me pergunta.

— Exatamente como você disse, — eu respondo.


O mais ínfimo dos sorrisos aparece nos cantos de seus
lábios. — Você atraiu o interesse dele?

— Claro, — eu digo.

Agora ele sorri, mostrando seus dentes retos da cor dos


ossos. — Bom, — ele diz. — Muito bem, moya doch.
Não consigo parar de pensar em Yelena.

Nunca vi uma mulher tão feroz, tão arrogante ou tão linda.

Eu não tenho nenhum problema em conseguir garotas.


Quando eu era a estrela do time da U of C5, elas literalmente se
atiravam em mim depois de cada jogo. Eu pedi para uma líder de
torcida dar um salto mortal no meu colo em uma das festas. Ela
estava um pouco bêbada e me acertou com o salto, mas ainda
assim deixei que ela me desse um boquete para compensar.

Mesmo agora, não é difícil pegar uma garota em um clube


ou festa.

Mas é só isso – um encontro rápido. Alguns encontros,


muito sexo, e então eu passo para a próxima assim que minha
cabeça vira em uma direção diferente.

5 Abreviação de University of Chicago.


Na verdade, nunca tive uma namorada. Nunca quis uma.
No começo porque eu estava muito focado em esportes, e depois
porque eu estava fervendo de frustração, sentindo que odiava
tudo e todos.

Isto... isto é diferente.

Eu quero essa garota.

Eu a quero muito.

Eu deveria tê-la deixado tirar o sutiã. Confie em mim, eu


queria ver aqueles seios nus e próximos o suficiente para tocar.
Eu só a impedi porque me senti um pouquinho culpado por jogar
a mesa sobre ela. E também, agora que sei quem é o pai dela,
preciso tomar cuidado.

Não estamos nos dando melhor com os russos no momento.

A Bratva Chicago tem passado por uma fase difícil de uma


década. E muitos de seus problemas podem ser direto ou
indiretamente atribuídos à minha família.

Nossos territórios se sobrepõem. Às vezes, temos sido


capazes de cooperar e manter a paz. Outras, tivemos conflitos
que resultaram na morte de alguns de seus homens, ou de alguns
dos nossos. Armazéns explodidos, produtos roubados, soldados
presos.

Tudo isso poderia ser perdoado.


Mas eles perderam dois de seus chefes agora, e não acho
que isso tenha passado despercebido em Moscou.

O primeiro não foi nossa culpa. Ajo Arsenyev foi jogado na


prisão federal quando se tornou negligente com seus
carregamentos de armas. Mas seu substituto, Kolya Kristoff – é
uma história diferente.

Quando minha família se aliou à máfia irlandesa, a Bratva


e a máfia polonesa fizeram sua própria aliança em troca. Eles
tentaram nos atacar. Mas seu pacto não durou. Mikolaj Wilk, o
chefe da máfia polonesa, apaixonou-se por Nessa Griffin, a filha
mais nova de nossos aliados irlandeses. Ele se virou contra a
Bratva. Kolya Kristoff tentou atirar nela no Teatro Harris – Fergus
Griffin o crivou de balas em vez disso.

Sem um líder, a Bratva ficou furiosa por um tempo. Tivemos


que rechaçá-los, levando-os à clandestinidade, destruindo seus
negócios, confiscando seus ativos.

Alexei Yenin foi despachado de Moscou para limpar a


bagunça. Ele assumiu como o novo Pakhan. Chegamos a uma
espécie de trégua instável. Sem fazer um acordo formal, parecia
mutuamente determinado que nosso conflito havia acabado.
Cada um de nós permaneceria dentro de nossas fronteiras recém-
definidas.

Mas minha família não obedeceu exatamente a isso.


É culpa de Nero.

Ele viu uma tentação à qual não conseguiu resistir.

Ele descobriu que Kolya Kristoff estava armazenando o


Winter Diamond em um cofre na LaSalle Street. Depois que
Kristoff morreu, ninguém veio coletar a pedra... então Nero
decidiu que ninguém sabia sobre isso.

Foi aí que eu fui envolvido.

Nero e eu invadimos o cofre. Roubamos o diamante. Nós o


vendemos. E usamos o dinheiro para financiar o
Desenvolvimento de South Shore.

Isso foi há mais de um ano. Não ouvimos nada sobre isso.


Então, estou assumindo que escapamos impunes. Afinal, Nero é
um gênio do mal... ele geralmente não comete erros.

Mas sempre há a chance de que o destino intervenha até


mesmo nos planos mais bem elaborados.

Portanto, com tudo isso em mente, tenho medo de chutar


esse ninho de vespas em particular. A Bratva são uns zangões
nojentos. Eles não vão me apreciar brincando com uma de suas
rainhas.

Pelo que ouvi, Yenin é um gangster da velha guarda. Eu só


posso imaginar como ele protege sua filha única.
A jogada inteligente é ir embora agora. Eu a salvei de seu
suposto sequestrador. Provavelmente ganhei um pouco de boa
vontade com os russos, se ela contasse a seu pai. Posso
considerar isso uma vitória e deixar o resto passar.

O rosto de uma princesa guerreira... o corpo de uma


amazona... o espírito de um lobo selvagem... Certamente posso
encontrar isso de novo, em uma garota cujo pai não esmaga
crânios e quebra colunas para se divertir.

Eu digo isso a mim mesmo. Mas a outra parte do meu


cérebro zomba da ideia de que há mais de uma Valquíria andando
pela terra.

Durante toda a semana, eu me coloco em atividade para


tentar me distrair. Vou para a academia todos os dias com meu
colega de quarto Jace, levantando mais forte do que nunca, até
que estou grunhindo como um animal e o suor escorre pelo meu
corpo.

— Qual é o seu problema? — Jace ri. — Você está treinando


para o Olympia?

— Sim. — Eu sorrio. — Vou fazer o Arnold parecer


insignificante.

Jace não é o maior dos meus tenentes, mas é o mais leal.


Somos amigos desde que éramos crianças e eu confiaria minha
vida a ele. Ele nem mesmo é italiano – ele é um vira-lata europeu
ruivo. Seus pais são professores. Ainda assim, ele quer ser um
homem feito.

Ele está me ajudando a compensar a folga deixada pela


partida de Dante. Com alguns dos meus soldados favoritos,
incluindo Jace, eu pego um carregamento de armas de Micah
Zimmer, troco-as pelo que chamamos de “uma tonelada métrica”
de cocaína da Flórida, e então divido isso entre as famílias Marino
e Bianchi, porque cuidam da distribuição. Eu supervisiono o
ringue de pôquer clandestino, incluindo o jogo mensal de grandes
apostadores no Drake Hotel, e lido com uma disputa mesquinha
entre as famílias Carmine e Ricci.

Eu cuido de tudo, a tal ponto que até meu pai parece


surpreso que ninguém teve que incomodá-lo a semana toda.

Encontro-me com ele para jantar na sexta-feira à noite. Nero


deveria vir também, mas ele está amarrado no South Shore,
fechando um acordo para um complexo de entretenimento em
um dos últimos terrenos disponíveis.

Eu tinha planejado levar meu pai para o The Anchor, que


costumava ser seu restaurante favorito. No último minuto, ele
disse que preferia comer em casa.

Estou preocupado com o quão pouco ele sai de casa hoje em


dia.
Vou até lá para vê-lo, bem vestido com uma camisa de
botões e calça comprida, para mostrar respeito por ele. Em troca,
meu pai está usando um de seus ternos italianos feitos sob
medida, direto da fábrica Zegna nos Alpes, com uma breve
parada em Savile Row para a alfaiataria real.

Minha mãe desenhou cada um de seus ternos. Ela escolheu


o forro de seda, a linha para a costura, o corte da jaqueta, o
posicionamento dos bolsos, até a cor e o material dos botões. Meu
pai não comprou um único terno desde que ela morreu. Ele
apenas refaz os que ela escolheu para caber em seu corpo
encolhido.

Hoje ele está usando a lapela azul-marinho com botões de


chifre. Seu cabelo escuro, com suas fortes mechas brancas,
cresceu o suficiente para que você possa ver que não é realmente
liso – mais ondulado, como o meu. Suas sobrancelhas pesadas
caem tão baixas que cobrem a metade de seus olhos, como um
velho basset hound 6 . Seus olhos negros como um besouro
cintilam por baixo, ainda brilhantes e ferozes, não importa o quão
cansado o resto dele pareça.

Posso sentir o cheiro de sua loção pós-barba, a mesma


Acqua di Parma que ele usou durante toda a minha vida. Feito
de cipreste e sálvia das encostas ensolaradas da Toscana, é um
perfume que me faz sentir como uma criança de novo – com medo

6 Raça de cachorro.
de meu pai e com a sensação de que vou tropeçar nos próprios
pés se ele olhar para mim.

Todos os meninos têm algum grau de medo do pai. Para


mim, ele era um deus-rei. Cada homem que vi prestou
homenagem a ele. Dava para perceber pela maneira como eles se
curvavam a ele, a maneira como mal ousavam olhar seus olhos,
que ele era temido e respeitado.

Ele era um homem grande e severo. Ele falava devagar e


com cuidado. A única pessoa a quem ele obedeceu foi minha mãe.
E mesmo assim, ainda sabíamos que ele era o chefe.

É estranho desprezá-lo agora que estou mais alto. É


estranho ver sua mão tremer quando ele pega sua taça de vinho.

Greta está comendo conosco. Ela faz a maioria das refeições


com meu pai atualmente. Ela é sua governanta desde que me
lembro. Eu não diria que ela é como uma mãe para mim – nada
pode substituir sua mãe real. Mas eu a amo como uma família, e
ela certamente ajudou a me criar.

Greta é uma daquelas pessoas que parece quase a mesma


aos sessenta anos que parecia aos trinta. Ela era uma jovem
madura e uma jovem mulher mais velha. Seu cabelo está mais
grisalho do que ruivo agora, mas suas bochechas ainda estão
vermelhas e seus olhos estão de um azul brilhante como sempre.
Ela costumava fazer banquetes com todas as comidas
tradicionais italianas que meu pai adora, mas sob a insistência
repetida do Dr. Bloom, ela tentou cortar a gordura e o sal da
comida dele, para que ele não morresse de ataque cardíaco tão
cedo.

Esta noite ela fez uma salada de salmão escalfado com


vinagrete de framboesa. Ela serviu uma pequena taça de vinho
para cada um de nós, e eu a vejo olhando para a garrafa, pronta
para repreender Papa se ele tentar pegar mais.

— Você lidou com os Carmines e os Riccis muito bem, — diz


meu pai em sua voz baixa e grave.

Eu encolho os ombros, dando uma mordida no meu salmão.


— Eu apenas fiz o que você sempre disse.

— Que foi?

— Você disse que um Don tem que ser como o Rei Salomão
– se qualquer uma das partes sair feliz, então o acordo não foi
justo.

Papa ri. — Eu disse isso, não é?

— Sim.

— Estou feliz que você ouviu, mio figlio. Eu pretendia


instruir Dante. Sempre pensei que ele tomaria o meu lugar.
— Ele vai, — eu digo, mexendo-me desconfortavelmente na
minha cadeira.

— Talvez, — Papa diz. — Acho que ele coloca o amor acima


da família ou dos negócios. Seu amor o está levando em outra
direção.

— Ele vai voltar, — eu digo. — Como ele voltou do exército.

Papa solta um longo suspiro. Ele não tocou na comida.

— Quando ele se alistou, eu sabia que ele nunca seria Don,


— Papa diz.

— Nero será, então.

— Nero é brilhante. E implacável, — Papa concorda. — Mas


ele nasceu em uma ilha. Ele sempre foi assim.

Eu teria concordado com isso antes – que Nero era para ser
um lobo solitário. Até que ele me surpreendeu ao se apaixonar.

— Ele parece muito envolvido em Camille, — eu aponto.

— Camille é uma extensão de si mesmo, — diz Papa. —


Anime gemelle. — Almas gêmeas.

Como mais da minha salada, não preciso olhar diretamente


para meu pai.

Tenho medo do que ele está tentando dizer.


Estamos sentados no telhado, sob as fragrantes uvas
raposas que pendem em pesados cachos. Suas folhas grossas
mantêm a mesa sob a sombra e fresca, mesmo no auge do verão.

Estamos comendo nos pesados pratos de estanho que


minha bisavó trouxe do velho país. A pobre Greta teve de carregá-
los escada acima e abaixo inúmeras vezes para refeições no
telhado. Mas ela nunca reclama. Ela apenas revira os olhos para
nós quando tentamos ajudar. Ela diz que a preguiça é o único
pecado, e o trabalho mantém você jovem.

Talvez seja por isso que meu pai está ficando tão velho.

— Eu construí este império, — Papa diz calmamente. —


Assim como meu pai e o pai dele. Cada geração adicionou algo a
ele. Aumentou nossa riqueza e poder. Nós possuímos esta cidade
agora, junto com os Griffins. Miles é o elo entre nossas famílias.
A garantia de que nossos futuros estarão entrelaçados.

Ele faz uma pausa para recuperar o fôlego. Falar muito o


deixa sem fôlego.

— Mas nunca pense que estamos seguros, Sebastian. Todas


as dinastias parecem invencíveis, até que caiam. Sempre há um
desafiante cavando os alicerces. Arranhando as paredes. Você
não sabe o quanto sua fortaleza foi erodida. Até que desmorone
em torno de você.

— Já derrotamos muitos adversários, — digo.


Meu pai se estica sobre a mesa para colocar sua mão sobre
a minha. Seus dedos ainda são grossos e fortes, mas sua palma
é fria, sem qualquer calor irradiando de dentro.

— Não há como voltar atrás, — ele diz, seus olhos brilhantes


queimando nos meus. — Não há contenção nem aposentadoria.
Nós mantemos nosso poder. Ou seremos destruídos por nossos
inimigos. Se a fortaleza desabar... não há mais nada para nos
proteger. Os chacais virão nos pegar, um por um. Cada velho
inimigo. Todo velho rancor. Eles voltarão para nos encontrar.

— Você está de mau humor esta noite! — Greta diz,


tentando quebrar a tensão. — Ninguém está vindo nos buscar.

— Estamos avançando em direção à legitimidade o tempo


todo, — digo a Papa. — Algum dia, em breve, seremos como os
Kennedys ou os Rockefellers – toda a nossa história criminal
varrida para debaixo do tapete de nossa riqueza lícita.

Papa não está apaziguado. Seus dedos apertam minha mão,


apertando com força. Mais forte do que pensei que ele pudesse.

— Legítimo, talvez, mas nunca suave, — ele me diz. —


Prometa-me, Sebastian.

— Eu prometo, — eu digo, não totalmente certo com o que


estou concordando.

— O que fazemos quando somos atingidos? — Ele exige.


— Para cada golpe, devolva mais três, — recito. — Nossa
fúria supera sua ganância.

— Isso mesmo. — Papa acena com a cabeça.

Greta aperta os lábios. Ela não gosta desse tipo de conversa.


Principalmente à mesa de jantar.

— Tem sobremesa? — Eu digo, para mudar de assunto.

— Tenho sorvete lá embaixo, — diz Greta.

Ela começa a juntar os pratos e eu a ajudo, embora saiba


que isso a irritará. Ela resmunga para mim e diz: — Fique aqui!
— Eu a ajudo a carregar os pratos de qualquer maneira,
percebendo que meu pai nunca tocou na comida.

— Ele esteve assim a semana toda? — Eu pergunto a ela,


uma vez que estamos fora do alcance da voz descendo as escadas.

— Sombrio? — Ela diz. — Paranoico? Sim.

— Qual é o problema?

Greta balança a cabeça, não querendo falar sobre meu pai


pelas costas. Ela foi inabalavelmente leal a ele durante toda a
minha vida.

— É difícil ter todos vocês saindo, — ela diz. E então, depois


de um momento, ela admite: — Ele está esquecendo coisas.
Meu pai tem apenas setenta e um anos. Não é tão velho. O
tempo o está cortando cada vez mais rápido, mas ele poderia viver
mais vinte anos. Talvez mais. Ele sempre foi tão astuto. Mesmo
que ele seja esquecido em comparação com o que era antes, não
posso deixar de pensar que ainda é melhor do que a maioria das
pessoas.

— Ele precisa ver o Doutor Bloom de novo? — Eu pergunto


a Greta.

— Eu dou a ele os suplementos que o médico diz para dar a


ele. Eu sigo a dieta. Tento fazê-lo andar na esteira lá embaixo,
mas ele diz que não é um hamster em uma roda.

— Vocês poderiam dar um passeio lá fora juntos, — digo.

— Bem... — Greta suspira. — Essa é a paranoia. Ele acha


que as pessoas estão tentando matá-lo. Ele trouxe os velhos...
velhos rivais que não estão mais vivos. Bruno Salvatore. Viktor
Adamski. Kolya Kristoff.

Eu lancei um rápido olhar para ela. Nunca falamos com


Greta sobre nossos negócios – ou, pelo menos, pensei que nunca
falamos. O fato de ela saber esses nomes significa que meu pai
tem lhe contado coisas. Talvez muitas coisas.

Eu estudo seu rosto, perguntando-me se ela prefere não


saber. Claro que ela sempre soube quem é meu pai e o que ele
faz. Mas isso é diferente de ouvir detalhes. Se Papa está perdendo
suas inibições, ele pode estar revelando todos os tipos de
segredos.

Vendo minha preocupação, Greta diz: — Está tudo bem,


Seb. Você sabe que qualquer coisa que seu pai disser morrerá
comigo.

— Claro, — eu digo. — Eu só não quero que você fique...


chateada.

Greta bufa, empilhando os pratos na pia e jogando água


quente com sabão sobre eles. — Não seja ridículo, — ela diz. —
Eu não sou uma garota de olhos arregalados. Sou muito mais
velha que você, garoto! Eu vi coisas que fariam seu cabelo
enrolar. — Ela estende a mão para tocar minha bochecha,
sorrindo um pouco. — Mais do que já é.

Eu relaxo um pouco. Greta é família. Ela vai cuidar do Papa,


não importa o que aconteça. Não importa o que ele diga.

Ela serve sorvete de limão em três tigelas pequenas e eu a


ajudo a carregá-lo de volta para o telhado. Na nossa ausência,
Papa tirou o tabuleiro de xadrez. Não sou páreo para ele no
xadrez – apenas Nero pode vencê-lo. Ainda assim, eu fico em meu
lugar oposto, jogando preto.

Papa ensinou a todos como jogar, desde Dante até Aida.


Dante é um jogador competente, Nero é quase imbatível. Aida tem
lampejos de brilho, minados por sua impaciência. Ela ganha ou
perde espetacularmente.

Sempre fui muito inquieto para querer jogar muito. Prefiro


estar fazendo algo físico do que sentar e pensar. Mas aprendi as
regras e as estratégias básicas, assim como meus irmãos.

Papa começa com The King's Gambit, um de seus


movimentos de abertura favoritos. É uma jogada de abertura
arriscada para as brancas, mas estava na moda na era romântica
do xadrez, que meu pai acredita ter sido a melhor – cheia de
investidas dramáticas e agressivas, antes da época da análise por
computador, que privilegia uma técnica mais defensiva.

Eu aceito a jogada, e Papa desenvolve seu bispo para um


quadrado ativo.

Eu o coloquei em xeque, forçando-o a mover seu rei, para


que ele não pudesse a torre mais tarde.

Papa acena com a cabeça, feliz em ver que não esqueci


totalmente o que estou fazendo.

— O xadrez torna os homens mais sábios e clarividentes, —


diz ele. — Você sabe quem disse isso?

Eu balancei minha cabeça. — Algum grande mestre? — Eu


suponho.

— Não, — Papa ri. — Vladimir Putin.


Papa move seu rei, ameaçando o meu por sua vez. Tento
afastar seu bispo para que ele não possa me atacar na diagonal.

Cada um de nós pega vários peões um do outro enquanto


lutamos, mas nenhuma peça importante ainda.

Papa configura uma ofensiva complicada onde


simultaneamente prende minha rainha e tenta atacar meu
cavalo. Eu me defendo movendo meu cavalo de volta para uma
casa que protege minha rainha, mas perdi a posição no tabuleiro
e Papa está avançando.

Consigo pegar uma de suas torres e depois seu bispo. Por


um momento, acho que Papa estava apenas sacrificando suas
peças – devo ter perdido uma ameaça vinda de outra direção. Mas
então vejo que Papa está perturbado e percebo que ele cometeu
um erro.

Normalmente não duro tanto contra meu pai. Fico


impressionado com o pensamento desconfortável de que posso
realmente vencê-lo. Eu não quero que isso aconteça. Seria
constrangedor para nós dois. Significaria algo que não quero
admitir.

Por outro lado, se eu deixá-lo vencer, ele saberá. E isso seria


ainda mais insultuoso.

Papa tem que lutar para se recuperar. Ele ataca forte,


levando um cavaleiro e um bispo em troca. No final, ele vence,
mas apenas às custas de sacrificar sua rainha. Estava perto –
muito mais perto do que o normal.

— Me pegou de novo, — eu digo.

Acho que estamos ambos aliviados.

É uma bela noite. As estrelas estão surgindo em um céu


violeta pálido. O ar está quente, com uma pitada de brisa aqui no
telhado. O perfume das uvas raposas é rico e doce.

Eu deveria estar feliz. Mas meu estômago se revira ao


pensar que, em uma noite como esta, vou jogar minha última
partida de xadrez com meu pai. E não vou saber na hora que é o
último jogo.

— Eu gostaria de jogar como Rudolf Spielmann, — diz Papa.


— Ele sempre dizia: ‘Jogue a abertura como um livro, o meio-jogo
como um mágico e o final como uma máquina.’

Eu confundo isso na minha cabeça, pensando sobre o que


isso significa.

— Isso é verdade para qualquer estratégia, — Papa diz, seus


olhos escuros fixos nos meus. — Lembre-se disso, Seb. Siga as
regras em primeiro lugar. Confunda seu oponente no meio. E no
final, acabe com ele sem hesitação, sem misericórdia e sem
pensar.

— Claro, Papa, — eu digo.


O rosto de Papa parece abatido, as sombras marcando
linhas profundas em sua pele. Papa sempre foi assim, nos
ensinando e treinando em qualquer oportunidade. Mas esta noite
parece particularmente intenso. Há algo quase assustador em
seus olhos brilhantes na luz fraca.

O que quer que tenha causado isso, digo a mim mesmo que
é um bom lembrete de que não devo ligar para Yelena. Ela pode
ser linda, mas também é o epítome do fruto proibido. Não poderia
escolher um alvo mais perigoso se vasculhasse a cidade inteira.
Eu deveria deixar as coisas exatamente como estão – comigo
fazendo um favor aos russos e nada mais.

A ideia de nunca mais vê-la me deixa entorpecido e


desapontado.

Mas é assim que terá que ser. Terei que encontrar outra
coisa para preencher esse buraco negro no centro do meu peito.
Sebastian não liga.

Meu pai é intolerável com isso.

— Eu pensei que você disse que garantiu o interesse dele?


— Ele zomba de mim.

— Eu garanti, — eu digo, meus lábios estreitos com


irritação.

— Então por que ele não ligou?

— Eu não sei, — eu digo. — Talvez ele seja mais inteligente


do que parece.

Embora não seja lisonjeiro ser ignorada, uma pequena parte


de mim está aliviada. Nunca gostei desse plano. Nunca quis fazer
parte disso.

— Talvez ele seja gay, — diz meu irmão.


Ele está descansando em nossa piscina, vestindo uma
sunga europeia ridiculamente curta. Adrian adora exibir seu
corpo. Ele tem o físico de um ginasta – magro, poderoso, ombros
largos e quadris estreitos. Apesar de todo o tempo ao sol, ele tem
apenas um leve bronzeado. Ele é louro como eu – cabelo loiro
acinzentado, pele que fica mais pálida que o leite no inverno, e
apenas ligeiramente dourada no verão.

Eu sempre acho divertido olhar para Adrian, porque ele é a


personificação ambulante de como minha vida seria se eu tivesse
nascido homem. Em vez disso, ele apareceu dois minutos antes
de mim, o filho primogênito e herdeiro, e eu o segui depois – a
gêmea inesperada. A garota indesejada.

— Ele não é gay, — digo a Adrian. — Eu saberia.

— Ele tem que ser, — Adrian insiste. — Ou então, como ele


poderia resistir à minha linda irmãzinha?

Ele agarra meu pulso e me puxa para baixo em seu colo,


fazendo cócegas em minhas costelas exatamente onde sou mais
sensível. Eu grito e dou um tapa nele, pulando novamente.

Eu amo Adrian e amo sua diversão. Ele é meu melhor amigo


desde o nascimento. Mas eu gostaria que ele não se comportasse
assim na frente de nosso pai. Posso sentir os olhos frios de Papa
me encarando. Eu os sinto examinando minha pele nua.
Não estou vestida tão reveladora quanto meu irmão – estou
com um modesto maiô, um cover-up7 e sandálias. Ainda assim,
vejo os lábios de meu pai se curvarem ao ver minhas coxas nuas
onde o roupão solto puxou para cima.

Meu ódio por ele é como uma luz piloto de gás azul,
continuamente queimando no fundo de minhas entranhas. Ela
nunca apaga e está sempre esperando para explodir com a adição
de qualquer tipo de combustível.

Ele espera que eu me vista como uma freira pela casa, para
que todos os seus homens mantenham os olhos fechados. Mas
então, quando chega a hora de me usar para alguma coisa – como
sua pequena incumbência na outra noite – ele fica feliz em me
arrumar como uma prostituta de rua.

Puxando meu cover-up para baixo sobre minhas pernas,


tento apagar minha voz do ressentimento enquanto pergunto a
meu pai: — O que você gostaria que eu fizesse?

Ele considera por um momento, o lábio superior ainda


enrolado, como se fosse minha culpa Sebastian não ter ligado.
Como se ele não pudesse confiar em mim para completar as
tarefas mais simples.

7É uma leve camada que se usa sobre a roupa de banho para ir de casa para a piscina ou do quarto de
hotel para a praia. Pode ser uma camisa longa e fina, um vestido leve ou até uma saída de praia, como é
conhecido no Brasil.
Ele sabe tão bem quanto eu que não posso ser muito óbvia.
Os Gallos são espertos. Se a isca for muito aparente, eles saberão.
Além disso, os homens não querem algo que lhes é oferecido
gratuitamente. Eles são predadores. Eles precisam da caça.

— Encontraremos uma maneira de você esbarrar nele de


novo, —Papa diz com uma carranca insatisfeita.

Ele volta para a casa, deixando Adrian e eu sozinhos no


deque.

O alívio que sinto com sua partida é imenso.

Só fico confortável em casa quando somos apenas Adrian e


eu. Mesmo assim, sei que alguém pode estar nos observando. Um
dos bratoks, uma das muitas câmeras por toda a casa, ou o
próprio Papa, parado em uma janela.

Ou seu Avtoritet Rodion Abdulov. Um arrepio percorre


minha pele enquanto olho ao redor do quintal, procurando por
ele. Ele é o principal tenente do meu pai. Eu o odeio quase tanto
quanto odeio Papa. Eu penso nele como o cão de ataque de Papa:
implacável, cruel e um pouco louco.

Ele está sempre à espreita, observando-me ainda mais de


perto do que Papa. Ansioso para relatar tudo o que vê. Sempre
posso sentir seus olhinhos de porco rastejando sobre minha pele.

Mas não no momento, graças a Deus.


Adrian não precisa se preocupar com nada disso. Ele pode
relaxar naquela cadeira, perfeitamente confortável sob o sol de
verão, vestindo o que quiser.

Ele não é examinado como eu. Ele tem muito mais


liberdade. Contanto que siga as regras, ele pode fazer o que quiser
em seu tempo livre.

Eu não tenho um momento para mim. Qualquer coisa que


eu fizer, qualquer coisa que eu disser, é analisada mais tarde.

— O que há de errado? — Adrian me pergunta.

— Nada, — eu digo irritada. Eu tiro o cover-up e minhas


sandálias, e mergulho na água.

É uma piscina de tamanho olímpico, situada em um oásis


lindo de árvores floridas e sebes de privacidade. Nosso quintal é
como algo que você encontraria atrás do Palácio de Versalhes.
Nossa casa é um templo de mármore e vidro, cheio de luxos além
de tudo que eu já tinha visto em Moscou: piso aquecido e
toalheiros, uma geladeira do tamanho de um closet, armários do
tamanho de apartamentos inteiros.

No entanto, eu desprezo tudo. De que adianta estar na


América, se estou tão confinada quanto estava em casa?

Nada mudou para mim aqui. Na verdade, é pior. Porque


Papa sabe que podemos ser corrompidos pelo individualismo e
hedonismo da América. Então ele só me reprimiu com mais força.
Eu esperava ter permissão para fazer aulas de composição
musical em uma das muitas faculdades da cidade, mas ele
estritamente proibiu. Minha única opção é praticar por conta
própria, como costumava fazer. Não tenho certeza de quando ou
onde poderei fazer isso – Papa ainda se recusa a comprar um
piano para nossa nova casa. Ele fica me adiando, agindo como se
fosse uma recompensa por algum comportamento não
especificado. Acho que ele gosta de me negar o que preciso, uma
das únicas coisas que me deixa feliz.

Adrian pula na água também, embora eu saiba que ele


prefere tomar sol a nadar. Ele acaricia toda a extensão da piscina,
para frente e para trás, junto comigo. Quando eu empurro a
parede e rastejo para frente, ele faz o mesmo. Quando viro para
o nado de costas, ele me imita. Ele é o nadador mais rápido,
embora mal pratique. Ele mantém um ritmo perfeito comigo,
tentando me incitar a tentar uma corrida.

Depois de algumas voltas, começo a nadar mais rápido.


Com certeza, ele fica bem ao meu lado. Mesmo sabendo como isso
vai acabar, acelero ainda mais, até que estou empurrando a
parede com toda a minha força, nadando metade da extensão da
piscina debaixo d'água, então acariciando loucamente a parede
tentando vencê-lo.

Os dedos de Adrian tocam o azulejo um momento antes dos


meus, e ele surge, sorrindo.
— Ohhh... — ele diz. — Você quase me pegou dessa vez.

— O inferno que eu fiz, — eu zombo. — Você nem estava


tentando.

— Eu estava tentando um pouco.

Nós dois estamos segurando a borda da piscina, respirando


com dificuldade.

Olhar no rosto do meu irmão é como olhar no espelho de


uma casa de diversões. Ele não parece uma pessoa separada. Ele
se parece comigo, apenas um pouco diferente.

Eu acho que se eu não tivesse Adrian, eu teria me matado


há muito tempo. Desde que nossa mãe morreu, ele é a única
pessoa que me amou. A única pessoa que me trouxe alguma
felicidade.

— Eu odeio isso aqui, — eu digo a ele.

— Por quê? — Ele diz. — O tempo é melhor. A comida é


melhor. As compras também! Você pode conseguir qualquer coisa
aqui. E você sabe que é real – não uma imitação. É por isso que
tudo é tão caro, — ele ri.

— Eu apenas pensei... — Eu suspiro.

— Você pensou que seria diferente, — diz Adrian. Ele


sempre sabe.
— Sim.

— Será, Yelena. Dê mais tempo.

— Eu não gosto dessa coisa com os Gallos. Sinto-me como


um cordeiro amarrado a uma estaca, lançado na neve para atrair
um lobo. Mesmo se você atirar no lobo, ele nem sempre cai antes
que suas mandíbulas se fechem em torno do cordeiro.

— Vou ajudar a mantê-la segura, — Adrian me promete. —


E além... você não é um cordeiro, Yelena.

Sorrindo, meu irmão envolve seus braços em volta de mim


e me puxa para baixo da água. Afundamos até o fundo da piscina,
abraçando-nos com força. Foi assim que passamos os primeiros
nove meses de nossas vidas – flutuando nos braços um do outro.

Agora é a única forma de demonstrar afeto sem ninguém


ver.

DOIS DIAS DEPOIS, Papa joga uma sacola de roupas na minha


cama.

— Vista-se, — ele diz. — É hora de fazer algum trabalho de


caridade.
Não tenho ideia do que isso significa, mas sei que não devo
questioná-lo. Coloco o vestido, que é justo e vermelho fogo, com
uma frente única e uma fenda quase até o quadril.

Calcei um par de sandálias douradas e uma única pulseira,


além de um par de brincos de ouro. Eu puxo meu cabelo para
cima em um rabo de cavalo elegante, porque gosto do jeito que
faz meu rosto parecer afiado e feroz, o rabo de cavalo alto
aumentando minha altura.

Eu pinto meus lábios, dedos das mãos e pés do mesmo tom


de vermelho do vestido. Não sei para onde estamos indo, mas sei
que meu pai espera que eu tenha uma aparência impecável.

O carro blindado já está esperando na frente, com Timur ao


volante. Ele sabe que não deve olhar para mim enquanto pula
para abrir a porta de trás. Ainda assim, eu pego o brilho
involuntário de seus olhos que me permite saber que fiz bem em
meus preparativos.

Timur e eu somos parentes distantes por parte de minha


mãe. Ele é extremamente leal a meu pai, porque Papa o livrou de
uma sentença de quatorze anos na prisão em Taganka. Papa
sempre começa seus relacionamentos comerciais com um favor.
Ele quer que você esteja em dívida com ele.

Estou surpresa ao ver Adrian subindo no banco de trás ao


meu lado, vestido com um smoking preto limpo com seu cabelo
loiro penteado para trás.
— Você também vai? — Eu digo.

— Claro! — Ele sorri. — Eu quero ver o show.

— Que show? — Eu exijo.

Ele me lança um olhar de mistério enlouquecedor. — Você


verá em breve, — diz ele.

Faço uma carranca para ele, debatendo se vale a pena


tentar arrancar a informação dele, ou se isso só vai resultar em
mais provocações. Amo meu irmão, mas ele é mimado e nem
sempre leva em consideração a diferença entre sua situação e a
minha. O que o diverte muitas vezes me leva à fúria absoluta. Ele
e eu vivemos vidas paralelas, com interesses totalmente
diferentes. Ele sempre sabe que as coisas vão dar certo para ele
no final. Não tenho essa garantia.

Temos que esperar quase uma hora para meu pai sair de
casa. Ele poderia estar lidando com algum outro negócio,
trancado em seu escritório. Ou ele pode nos deixar esperando
pelo inferno disso.

Ele também está vestido formalmente com um smoking


cinza esfumaçado, a barba e o cabelo recém-lavados e cheiroso
com óleo marroquino. Ele cheira a fumaça de charuto e vodca,
então talvez ele estivesse tendo algum tipo de reunião com um de
seus brigadiers.

— Vá em frente, Timur, — diz ele assim que entra no carro.


Adrian e eu estamos espremidos no canto para dar a ele
mais espaço. Ele olha para nós e dá um grunhido de aprovação
à nossa aparência.

— Nada de beber esta noite, — ele diz a Adrian.

— Vai parecer estranho se eu não tomar pelo menos uma


taça de champanhe, — diz Adrian.

— Só champanhe, — Papa rosna. — Se eu te vir com algo


mais forte, vou mandar Rodion amarrá-lo e afogá-lo com uma
garrafa de Stoli.

— Isso não parece tão ruim, — Adrian murmura em meu


ouvido. Ele fala tão baixinho que um rato mal conseguiria ouvi-
lo. Ele não é tolo o suficiente para responder a nosso pai.

O carro para em frente ao Park West, um prédio longo e


plano, quase sem janelas e com as laterais pintadas de preto.
Suponho que seja um centro de eventos de algum tipo – posso
ver um fluxo de tipos da alta sociedade entrando, então
claramente estamos aqui para algum tipo de gala ou jantar. Eu
olho em volta até que vejo uma faixa azul-marinho e dourada que
diz Leilão de Caridade Chicago Green Spaces.

Fantástico. Talvez Papa faça um lance em um iate.

Papa sai do carro primeiro, e Adrian e eu o seguimos. Adrian


me dá seu braço para me ajudar a escalar os degraus em meus
saltos. Assim que saímos do carro, os flashes das câmeras
explodem em nossos rostos. Duvido que a imprensa de Chicago
saiba quem somos, mas meu irmão e eu sempre fazemos uma
parceria irresistível. Sozinhos, cada um de nós é lindo – como um
conjunto combinado, somos deslumbrantes. Vejo até os
convidados mais extravagantes se virando para nos encarar e
ouço um murmúrio de sussurros de quem quer saber quem
somos.

Papa caminha bem à nossa frente, parecendo presunçoso.


Ele nos vê como ativos e, como tal, nossa beleza é um crédito
para ele. Ele próprio não é um homem bonito, embora seja
notável. Para garantir a beleza de seus filhos, ele se casou com a
mulher mais bonita de Moscou. Nossa mãe não era rica ou
realizada. Seu pai trabalhava no saneamento e sua mãe
administrava uma pequena creche em sua casa.

A melhor amiga de minha mãe a convenceu a se inscrever


em um concurso nacional de modelos chamado “Svezhiye Litsa”.
Foi um evento televisionado, onde os espectadores podiam votar
em seus competidores favoritos. Das 25.000 meninas que se
inscreveram, minha mãe recebeu uma esmagadora maioria de
votos. Ela teve mais do que o dobro da próxima vice-campeã.

Ela foi chamada de Jewel of Moscow, the Princess of the


North 8 . Meu pai assistiu ao concurso e apostou nela desde o

8 No português: A Jóia de Moscou, a Princesa do Norte.


início. Quando ela ganhou, ele recebeu 3.000.000 rublos9, mais
do que todo o prêmio do concurso. Na verdade, tudo que minha
mãe ganhou foi o equivalente a quinhentos dólares americanos,
mais um casaco de pele e um pacote de cupons da Natura
Siberica10 cosméticos, que patrocinou o evento.

Papa ficou obcecado por ela, assistindo ao show. Ele usou


seus contatos para descobrir seu nome, onde ela morava e onde
trabalhava (o departamento de calçados da Tateossian).

Ele foi ao local de trabalho dela na semana seguinte. Na


verdade, ele não foi o primeiro homem a fazer isso – um mecânico
idoso e um aluno apaixonado já haviam tido a mesma ideia. Mas
minha mãe conseguiu mandá-los embora. Não havia como me
livrar do meu pai. Ele ordenou que ela se juntasse a ele para
jantar e esperou do lado de fora da loja até que ela obedecesse.

Eles se casaram duas semanas depois. Ela com dezenove


anos na época. Ela deu à luz a mim e meu irmão em um ano.

Carregar gêmeos foi difícil para seu corpo. Não acho que
meu pai a tenha achado tão bonita depois. Ele costumava zombar
da pele solta de seu estômago e das estrias nas laterais do corpo.
Isso foi anos depois, quando aos olhos da maioria das pessoas
ela havia recuperado seu corpo. Eu certamente pensava que ela
era adorável, ainda.

9 Moeda oficial da Rússia.


10 Empresa de cosméticos orgânicos com sede em Moscou, na Rússia.
Ela possuía os mesmos olhos violetas que meu irmão e eu –
embora os dela fossem grandes e redondos, como os de uma
boneca. Seu rosto era em formato de coração com um queixo
pontudo, traços delicados e uma boca em forma de botão de rosa.
Seu cabelo era tão claro e fino que flutuava ao redor de sua
cabeça, macio como pelo de coelho.

Ela era quieta. Ela não falaria conosco a menos que Adrian
e eu estivéssemos sozinhos em um quarto com ela. Caso
contrário, ela se comunicava conosco por meio de pequenos
sinais e gestos. Meu pai não percebeu isso no início – mais tarde,
quando descobriu, isso o enfureceu. Ele nos acusou de espalhar
segredos por suas costas. Na verdade, ela estava apenas tentando
evitar sua atenção. Ela faria qualquer coisa para ficar pequena e
escondida.

Quando estávamos sozinhos, ela lia para nós. Sempre


contos de fadas ou histórias de fantasia. Histórias que te levavam
para outro mundo, completamente diferente daquele em que
vivíamos.

Ela morreu em um acidente de carro há quatro anos. Ou,


pelo menos, foi o que meu pai me disse.

Mas ele é um mentiroso do caralho. A possibilidade de que


possa ter sido outra coisa, de que ela possa ter morrido pelas
mãos dele, sempre vai me assombrar.

— Ficaremos na mesa oito, — Papa diz para Adrian e eu.


Adrian já pegou sua segunda taça de champanhe da
bandeja de um garçom, sem que Papa percebesse a primeira. Não
tenho certeza se devo beber ou não. Eu gostaria, para aliviar o nó
de tensão no meu estômago. Mas não quero ficar bêbada se for
para realizar alguma tarefa para meu pai mais tarde.

Papa vai até as mesas onde estão exibindo os vários itens


para licitar no leilão silencioso. Parece a merda de sempre:
pacotes de férias, viagens de golfe, dias de spa, itens de
colecionado autografados, ingressos para shows, encontros com
celebridades, alimentos gourmet, joias, pinturas e assim por
diante.

É tudo um círculo vicioso de riqueza – os ricos compram os


itens de luxo com um grande desconto, as empresas que doaram
os descartam como uma despesa de caridade e aproveitam a
publicidade gratuita, e a própria instituição de caridade embolsa
os fundos, para serem desembolsados para seus CEOs e diretores
executivos que ganham altos salários de seis dígitos. Se sobrar
alguma coisa, talvez seja usado para ajudar alguém.

Estou com um humor azedo esta noite. Fico irritada ao ver


que um evento como esse é exatamente o mesmo na América que
era em Moscou. Corrupção em todos os lugares. Bondade em
falta.
Decido que gostaria de um pouco de champanhe, afinal, e
pego uma taça borbulhante da bandeja mais próxima, engolindo-
a.

Adrian conseguiu levar uma bandeja inteira de espetos de


carne Kobe para longe de uma garçonete sem sorte, e ele os está
devorando.

— Quer um pouco? — Ele diz, de boca cheia.

Antes que eu possa dar uma mordida, Papa me agarra pelo


braço e me puxa da cadeira novamente.

— Vamos, — ele diz. — Hora de trabalhar.

— O que eu deveria est...

— Aqui, — ele diz, jogando-me nos braços de uma mulher


ruiva de aparência bastante confusa com um fone de ouvido e
uma prancheta.

— Oh, olá! — A mulher diz. — Você deve ser Yelena! Muito


obrigada por se voluntariar. Queríamos ter uma dúzia de
meninas, e tivemos três cancelamentos de última hora! Acho que
algumas das meninas ficaram nervosas, o que é perfeitamente
compreensível, mas me deixou um pouco em apuros.

Ela está falando a mil por hora. Embora meu inglês seja
excelente, tenho dificuldade quando as pessoas falam muito
rápido. Confundindo meu olhar de confusão, ela diz: — Eu sou
Margaret, a propósito!

— Prazer em conhecê-la, — eu digo, sem querer.

— Venha por aqui! Estamos prestes a começar. Vou te


mostrar onde as outras garotas estão esperando, e então te darei
um rápido resumo de como isso vai ser.

Antes que eu possa lançar um olhar para meu pai, ela está
me empurrando para trás de um palco grande e vazio, no qual
não vejo sinal de músicos ou qualquer outro tipo de artista.

Ela me empurra para um pequeno camarim, cheio de outras


onze garotas. Todas têm entre 20 e 30 anos, são bonitas, bem-
vestidas e parecem um pouco nervosas.

— Você vai esperar aqui até que seu nome seja chamado, —
Margaret me diz. — Então você vai caminhar até o meio do palco
– você verá um pequeno X no chão. O nome do MC11 é Michael
Cross. Hahaha, então ele realmente é ‘M.C.’, não é adequado? —
Ela ri. — Michael vai ler sua biografia. E então a licitação vai
começar!

— Licitação? — Eu digo, estupidamente.

— Sim! Mas não se preocupe com isso – a quantidade não


importa em absoluto. Lembre-se de que tudo vai para a caridade!

11 Sigla para Mestre de Cerimônias.


Os encontros são sempre os nossos itens mais populares todos
os anos! E ninguém nunca deixou de receber um lance.
Especialmente não uma garota tão bonita quanto você.

Ela sai correndo, deixando-me ali parada com a boca aberta.

Estou prestes a ser vendida em um leilão de encontros.

Presumo – embora nunca possa ter certeza com todas as


maquinações distorcidas de meu pai – que Sebastian Gallo estará
aqui esta noite. Meu pai deve ter visto seu nome na lista de
convidados e decidiu que a melhor maneira de o lembrar de que
existo é literalmente me oferecer a ele no leilão.

Este plano parece insano por vários motivos. Primeiro, não


vi Sebastian quando entrei. E, segundo, ele já tem meu número
de telefone. Se ele quisesse me ligar, ele poderia ter feito isso de
graça a qualquer momento desta semana.

Acho que meu pai pode estar realmente perturbado. Seu


ódio pelos Gallos o está levando a medidas ridículas.

— Não acredite nela, — uma morena de aparência


carrancuda me diz.

— O quê? — Eu digo, perdida em meus próprios


pensamentos.

— Não acredite em Margaret, — diz a garota. — Todas


recebem lances, mas nem todas recebem o mesmo valor. É muito
melhor você acreditar que essas vadiazinhas metidas vão te
lembrar até o fim dos tempos se elas venderem por quinhentos a
mais do que você.

Ela lança um olhar ressentido para as outras mulheres na


sala.

— Por que você está fazendo isso então, Gemma? — Uma


loira de aparência arrogante zomba dela.

— Porque meu pai faz parte da instituição de caridade, —


diz Gemma, como se estivesse explicando adição para uma
criança. — E quando o Twitterverse estava chamando o leilão de
encontros de ‘sexista’ e ‘desatualizado’ e ‘semelhante ao tráfico
humano’, ele decidiu que a melhor maneira de anular essas
preocupações era vender sua própria filha ao lance mais alto.

— Só estou fazendo isso porque ouvi que Ian Happ virá hoje
à noite, — diz a loira, descuidada. — Se ele vai comprar um
encontro, eu quero que seja comigo.

— Quem envolveu você? — Gemma diz, voltando-se para


mim.

— Uh... meu pai, — eu respondo.

— Então você sabe exatamente do que estou falando. —


Gemma funga. — Isso é machista, e isso é medieval.
— Você não precisa se casar com o cara. — A loira revira os
olhos. — Você nem mesmo tem que transar com ele. Se você for
comprada por um inútil, você simplesmente sai para jantar com
ele, bebe um galão de vinho e ignora suas ligações depois disso.

Uma esguia garota asiática dispara. — No ano passado, meu


encontro me levou à Tiffany's e comprou um colar. Era muito
bonito. Eu ainda o tenho.

— Você continuou saindo com ele? — Gemma pergunta.

— Ah não. — A garota balança a cabeça. — Ele tinha cerca


de noventa anos. Na verdade, ele pode estar morto agora. Eu
nunca acompanhei.

— Aí está, — Gemma me diz, com um pequeno sorriso. —


Você pode conseguir um encontro com um jogador de beisebol,
ou pode ganhar um presente de um geriatra. As opções são
infinitas.

— A propósito, sou Yelena, — digo a ela.

— Gemma. Mas você já ouviu isso.

— Eu ouvi.

Estamos sorrindo uma para a outra, sentindo-nos mais


relaxadas agora que pelo menos temos de quem reclamar. Esse
sentimento evapora quando Margaret entra na sala novamente,
batendo palmas para chamar nossa atenção e chorando: — Tudo
bem, ladies, estamos prestes a começar! Certifique-se de que seu
número esteja preso ao vestido, para saber em que ordem sair.
Ah, você ainda não tem um, Yelena. Aqui está.

Ela prende o número 12 no meu vestido, logo acima do meu


seio esquerdo. Isso me faz sentir mais do que nunca como um
pedaço de gado sendo empurrado para baixo por uma rampa.

Não estou muito feliz em ser a última. Isso significa que


tenho que sentar aqui, observando todas as outras fazerem sua
vez, enquanto meu desconforto aumenta.

— Oh! Aqui está o Sr. Cross! — Margaret diz.

— Olá, garotas! Animadas para o leilão? — Michael Cross


diz.

Ele é um homem baixo e esbelto, com um sorriso largo de


dentes brancos. Seu cabelo tem quase exatamente o mesmo tom
de bronze de sua pele excessivamente bronzeada, o que o faz
parecer – aos meus olhos – um pouco como Lisa Simpson.

Há um murmúrio pouco entusiasmado de algumas das


meninas, e um alegre, “Oh sim!” daquelas que aparentemente
entraram nisso voluntariamente. Gemma apenas faz uma careta
para ele.

— Parece que você se levanta primeiro, Aubrey, — Cross diz


para a garota loira que estava esperando por um encontro com o
atleta aparentemente famoso. — Espere que eu chame seu nome,
então saia para o centro do palco. Você pode ficar de pé e posar
enquanto eu leio sua biografia, e então o leilão começará. Sinta-
se à vontade para sorrir ou acenar para a multidão, ou até mesmo
mandar um beijo atrevido!

A ideia de “mandar um beijo atrevido” me dá vontade de


vomitar, mas Aubrey balança a cabeça como se estivesse fazendo
anotações mentais.

— Tudo bem, senhoras! Boa sorte – e feliz caçada! — Cross


pisca para nós.

Gemma olha para mim e revira os olhos com tanta força que
acho que eles nunca mais voltarão. Eu dou a ela um olhar que
eu acho que transmite as palavras: — Não é tarde demais para
um pacto mútuo de suicídio.

Cross entra no palco. Eu ouço sua voz ecoando pelo sistema


de alto-falantes: — Tudo bem, senhores – e também, senhoras,
nós não discriminamos, todos podem dar lances! Eu sei que todos
vocês estão esperando pela parte favorita da noite! O leilão de
encontros do Green Space tem uma longa e histórica história –
tenho orgulho de informar que, ao longo dos vinte e dois anos que
realizamos este evento, nossa combinação filantrópica resultou
em nada menos que SETE casamentos reais!

Gemma se inclina para murmurar: — Quantos deles


permaneceram casados é uma questão diferente.
— Melhor ainda, — continua Cross, — arrecadamos
centenas de milhares de dólares para os espaços verdes de
Chicago, uma causa próxima e querida ao meu coração, já que
eu mesmo cresci em um bairro empobrecido de verdes, sem
acesso a um parque próximo.

Ele faz uma pausa para permitir que todos sintam o peso
dessa tragédia.

— Sem falar que eles pagam a ele uma taxa pesada para
organizar a arrecadação de fundos todos os anos, — interrompe
Gemma. Desta vez, ela diz um pouco alto demais, e Margaret
lança um olhar de advertência para ela.

— A melhor maneira de ajudar a embelezar Chicago é dar


um lance em todos os itens maravilhosos que temos para você
esta noite – mais especialmente o crème de la crème de nossas
jovens damas, as estrelas brilhantes da alta sociedade de
Chicago! Deixe-me apresentar a primeira de nossas solteiras
disponíveis: Aubrey Lane!

Aubrey vai se pavoneando pelo palco sob os aplausos da


multidão. Espreitando do camarim, posso ver que ela não tem
escrúpulos em posar e virar como uma modelo do Price is Right12,
com o item em oferta sendo ela mesma. Quando ela para no meio
do palco, Cross informa à multidão: — Aubrey tem seu mestrado
em Belas Artes em Cornell, e ela está atualmente trabalhando

12 Programa de televisão americano.


como compradora de arte para a 14th Street Gallery. Gosta de
passeios a cavalo, mergulho, degustação de vinhos e viagens
internacionais. Seu filme favorito é Love Actually.

A leitura de sua biografia é interrompida por vários gritos e


berros da multidão. Aubrey pisca para seus admiradores e,
conforme as instruções, manda beijos para eles.

— Como vocês podem ver, — Cross diz, — Aubrey é uma


jovem deslumbrante que qualquer um de vocês teria o privilégio
de ter um encontro. Devemos começar a licitação em dois mil?

Com isso, Cross começa o tagarelar de leiloeiro. O lance


aumenta rapidamente de $2.000 para $5.000.

— Por quanto geralmente somos vendidas? — Eu pergunto


à Gemma secamente.

— Qualquer coisa acima de cinco mil é bom, — diz ela. —


Mais de dez é impressionante.

Excelente. Não só tenho que esperar que Sebastian dê um


lance em mim, mas tenho que torcer para que o preço seja alto o
suficiente para agradar a vaidade de meu pai. Ele nunca vai me
deixar ouvir o fim disso se eu sair por meros 2 mil.

Não estou preocupada com minha aparência em si – sei que


sou bonita. Mas sou basicamente uma estranha. O resto dessas
garotas provavelmente tem amigos, família e namorados no meio
da multidão. Elas já são conhecidas na alta sociedade de
Chicago. Não sou ninguém, pelo que essas pessoas sabem. Ou
pior, eles podem saber que meu pai é um gangster russo. O que
dificilmente vai atraí-los.

Os lances diminuem. Aubrey é finalmente vendida por $


8700. Não os $10 mil dólares que Gemma considera
“impressionante”, mas não está muito longe. Aubrey parece
satisfeita ao sair do lado oposto do palco, apesar de não ter sido
comprada pelo famoso Ian Happ.

Não consigo ver a multidão do camarim. Mas posso ouvir


que eles parecem ficar mais barulhentos a cada minuto. Uma
ruiva curvilínea sai em seguida, com Cross anunciando seus
hobbies como “cozinhar” e “ler”. Isso aparentemente é menos
atraente para os solteiros excitados, já que a ruiva é vendida por
apenas US $4.400.

Eles estão muito mais interessados na garota asiática, que


aparentemente adora “jogos de paraquedismo, NASCAR e Cubs”.
Ela é vendida por US $12.000, após uma feroz guerra de lances
entre dois irmãos – Caleb e Walker Littenhouse.

— Desculpe Caleb, — Cross diz em seu tom bajulador. —


Parece que o irmão mais velho leva a menina para casa. Mas não
se preocupe – temos muitas outras mulheres adoráveis
esperando nos bastidores. Vamos trazer nossa próxima solteira!
Vocês devem conhecer o pai dela, Ransom Rothwell, o chefe de
nosso próprio conselho de caridade. Ele está oferecendo sua
adorável filha para um encontro com um de vocês, homens de
sorte, como prova de seu compromisso com a nossa causa!
Portanto, não o decepcione, dê as boas-vindas à bela e sensual
Gemma!

Gemma atravessa o palco parecendo tudo menos “sensual”.


Ela mal oferece um sorriso tenso para a multidão. Sem beijos ou
rodopios dela – ela encara o público com os braços cruzados
sobre o peito.

O leilão começa e imediatamente vejo Gemma ficar ainda


mais tensa. Ela continua olhando para uma pessoa em particular
na multidão, e até balança a cabeça para ele quando ele continua
a dar lances.

— O que está acontecendo? — Eu pergunto para a garota


alta de cabelos negros que está ao meu lado.

Ela vira a cabeça para ver melhor.

— Oh, — ela diz. — O ex de Gemma está licitando por ela, e


ela está irritada.

— Quem é o ex-namorado dela?

— Carson Woodward. Ele é bonito, mas Deus, ele é um


idiota. Minha irmã costumava sair com ele – ela disse que ele não
pode gozar, a menos que esteja transando na frente de um
espelho.
Eu bufo com essa imagem mental em particular.

Estou com os dedos cruzados para que Carson não ganhe a


licitação, mas posso dizer, pelo olhar de fúria no rosto de Gemma,
que sim, antes mesmo de Cross anunciá-lo. Gemma pisa fora do
palco, o rosto em chamas.

A garota de cabelo preto é a próxima.

— Boa sorte, — eu digo a ela.

— Oh, não se preocupe comigo, — ela ri. — Meu namorado


vai pagar o que for preciso. Ele está sentado na primeira fila.

Ela sai sem um pingo de preocupação. Enquanto isso, meu


estômago está embrulhando porque passamos por quase metade
das meninas e minha vez está chegando.

Eu nem sei se Sebastian está aqui. Mesmo que ele tenha


comparecido ao evento, ele não me parece alguém que tem que
pagar por encontros.

Eu espero até que Margaret esteja de costas, então eu me


esgueiro até a beira do palco para espiar pela cortina.

É difícil escanear a multidão, com os holofotes direcionados


para o palco e as luzes do teto apagadas no resto da sala. Só
consigo distinguir Sebastian porque, mesmo sentado, sua cabeça
de cachos escuros aparece mais alta do que a de qualquer outra
pessoa.
Meu coração dá um salto ao vê-lo. Não sei se é alívio, porque
pelo menos há uma chance de que eu possa fazer o que meu pai
está exigindo, ou se é apenas que Sebastian está ainda mais
bonito do que eu me lembrava.

Mesmo nesta sala cheia de pessoas ricas e atraentes, ele se


destaca. Não é apenas sua altura – seus traços são incrivelmente
impressionantes. A luz fraca projeta sombras nas cavidades
abaixo de suas maçãs do rosto salientes, e seus lábios parecem
simultaneamente severos e sensuais.

Ele está rolando em seu telefone, ligeiramente entediado.


Vejo que ele está sentado ao lado de uma mulher bonita com
cabelo escuro e encaracolado e um homem bem vestido em um
terno que parece caro. Nenhum deles está assistindo ao leilão
também – o homem está com o braço em volta dos ombros da
mulher e está sussurrando em seu ouvido. Seus ombros tremem
enquanto ela tenta conter o riso.

Eu deixo a cortina cair de volta no lugar.

Sebastian está aqui.

Agora só tenho que torcer para que ele dê um lance em mim.

Gostaria de ficar e ver se ele dá lances em mais alguém, mas


Margaret me vê e faz sinal para que eu volte para o vestiário.

— Não se preocupe, — ela diz. — Não precisa ficar nervosa!


Nunca tivemos uma garota que deixasse de receber uma oferta.
— Não estou nervosa, — digo, mas isso não é verdade. Mais
duas garotas saíram e minha vez está se aproximando cada vez
mais.

— Aqui, — diz Margaret. — Beba um pouco de champanhe!


Isso me ajuda a acalmar.

Parece que ela já tirou vantagem dessa cura em particular.


Suas bochechas estão vermelhas e seu cabelo ruivo está
começando a cair.

Ela pega uma bebida para mim, enquanto toma outra para
si mesma.

— Até agora tudo bem! — Ela diz, segurando seu copo


contra o meu em uma espécie de brinde.

Eu brindo em sua taça e tomo um gole do champanhe


borbulhante. Ajuda um pouco, mesmo que seja apenas um efeito
placebo.

A próxima garota é uma morena absolutamente


deslumbrante com cabelo até o traseiro. Cross anuncia que ela é
dona do Tremont Fitness Center, o que eu poderia ter adivinhado
pelo tríceps estalando na parte de trás de seus braços e sua
bunda que parece esculpida em mármore. Isso obviamente atrai
os homens na multidão, porque ela vai para o lance mais alto:
$17.000.
— Não acredito que as pessoas pagam tanto por um
encontro, — digo a Margaret.

— Bem, é por uma boa causa, — diz ela. E então, com uma
honestidade surpreendente, ela acrescenta: — Além disso, é meio
que uma coisa do ego. Eles estão mostrando quanto podem
gastar. Há um prestígio implícito se você puder levar para casa a
garota mais gostosa da noite.

Percebendo que ela falou demais, ela corrige: — Quero dizer,


vocês são todas lindas, é claro! Mas você sabe como são os
homens.

— Melhor do que a maioria, — eu digo.

Estou começando a ficar impaciente. Em vez de ficar


nervosa, só quero que tudo isso acabe.

Mais duas garotas tomam sua vez.

Margaret pega outra taça de champanhe, provavelmente


sentindo que seu trabalho está quase terminado e ela pode
começar a comemorar. Ela sussurra para mim que entre o leilão
de encontros e o leilão silencioso, eles receberam uma quantidade
recorde de doações este ano.

— Graças a Deus! — Ela diz. — Depois de toda aquela


confusão sobre o politicamente correto... — ela soluça alto,
interrompendo-se. — Nós estávamos preocupados... é muito
difícil conseguir um emprego no setor sem fins lucrativos. Mas
tenho certeza de que o conselho ficará satisfeito!

Agora é a última licitação antes da minha. Essa garota não


é tão chamativa quanto as outras – ela está usando um vestido
modesto estilo pradaria e óculos. Ela parece um pouco tímida e
estranha, por isso estou preocupada que ela não receba muitos
lances. Ela parece ser o tipo que leva isso a sério.

Em vez disso, os lances voam rápido e furiosos desde o


momento em que ela pisa no palco. Ela acaba sendo vendida por
US $15.500, um dos números mais altos da noite.

— Sobre o que é isso? — Eu pergunto à Margaret.

— Aquela é Cecily Cole, — ela diz, como se eu devesse saber


o que isso significa. — O pai dela é dono da Western Energy. Eu
acho que uma reunião com ele valeria quinze mil. Sem mencionar
uma chance em seu fundo fiduciário, se por acaso ela se dar bem
com quem quer que a compre.

Margaret está encostada no meu ombro, embriagada e


amigável.

— Ouvi dizer que seu pai também é um homem poderoso...


— ela diz. — Mas ele é um pouco assustador, não é? Talvez seja
o sotaque...

— Não é o sotaque, — eu digo. — É sua personalidade e


moral.
Margaret me encara com os olhos arregalados, sem saber se
estou brincando.

Cecily sai do palco e percebo que finalmente é minha vez.

— Acho que podemos ter deixado o melhor para o final, —


Cross canta em seu microfone. — Nossa solteira final é um novo
rosto na cena social de Chicago. Ela recentemente se mudou para
cá de Moscou! Portanto, vocês podem ter certeza de que há
muitos lugares onde pode levá-la em um encontro que ela ainda
não visitou. Por favor, deem as boas-vindas a Yelena Yenina!

Eu ando pelo palco, minhas pernas parecendo rígidas


debaixo de mim, como se meus joelhos de repente tivessem
esquecido de como dobrar. As luzes são muito mais ofuscantes
deste ângulo, e eu tenho que resistir ao desejo de proteger meus
olhos com a mão. A pequena marca X que devemos encontrar
desapareceu completamente no piso de madeira brilhante. Tenho
que adivinhar onde devo parar.

Eu enfrento a multidão. Eu não diria que tenho medo de


palco exatamente, mas não adoro ser olhada por estranhos. Sinto
que a multidão está mais quieta do que estava com as outras
garotas – menos assobios, talvez porque eu não tenha nenhum
amigo lá, ou talvez apenas porque eu pareço feroz e com raiva
sob a luz forte.

Eu vejo meu pai primeiro. Ele está sentado ao lado de


Adrian, seus olhos fixos nos meus. Ele está me olhando como um
arquiteto examinando um edifício em andamento – com cálculo e
julgamento. Não com amor.

Então, lentamente, me viro para que meus olhos encontrem


os de Sebastian. Ele não está mais olhando para o telefone. Ele
está olhando para mim, os lábios entreabertos. Ele parece
surpreso. E – espero – interessado. Eu me pergunto se o coração
dele está batendo tão rápido quanto o meu.

— Yelena fala três idiomas: inglês, russo e francês. Ela é


uma pianista talentosa e uma excelente esquiadora, — recita
Cross. — E não, seus olhos não estão te enganando – me
disseram que ela tem 1,80m, — Cross ri.

Não sei se isso é verdade. Não me meço há anos, posso ter


mais de um metro e oitenta. Mas isso não é elegante, então meu
pai deu a altura mais alta permitida. Ele sempre está dividido
entre a convencionalismo e seu desejo de se gabar.

— Devemos iniciar a licitação no padrão de dois mil? —


Cross diz.

Estou quase com medo de olhar para a multidão para ver se


alguém levanta a barra de licitação. Para meu imenso alívio, cinco
ou seis raquetes disparam imediatamente para o ar. Não de
Sebastian, no entanto.

— Três mil? — Cross diz. — Quatro mil?


Não há redução no número de licitantes. Na verdade, a óbvia
ansiedade de alguns dos homens parece estar estimulando
outros a agir. Agora há sete ou oito pessoas dando lances
enquanto Cross diz: — Que tal uns cinco mil? Seis?

Não estou prestando atenção nos outros homens. Meus


olhos estão voando para Sebastian, para ver se ele vai levantar a
raquete. Ela fica teimosamente deitada na mesa à sua frente.
Duvido que ele a tenha tocado a noite toda.

A garota de cabelos escuros sentada ao lado de Sebastian


se inclina e murmura algo para ele. Ele balança a cabeça
rapidamente. Não sei se estão falando de mim, mas isso faz meu
coração disparar ainda mais rápido.

— Sete mil? Oito? Que tal nove? — Cross diz.

Os lances não diminuíram em nada. Quando ele passa por


dez mil, alguns dos homens desistem, mas os restantes levantam
as raquetes cada vez mais rápido para garantir seus lances.

— Doze, — Cross diz. — Que tal treze? É com você, Sr.


Englewood. Quatorze agora? E quinze.

Os lances se concentram principalmente entre o homem


aparentemente chamado Englewood, que parece ter cerca de
quarenta anos, com cabelos e barba pretos e espessos, e um
homem jovem e bonito em um terno chamativo, que parece um
tipo de financista. Ele está sentado a uma mesa inteira de
homens que se parecem com ele, e o estão incentivando. O
terceiro licitante é um homem muito mais velho que pode ser
persa ou árabe.

— Dezesseis? — Cross diz. — Dezessete?

De repente, impulsivamente, Sebastian pega sua raquete.


Ele grita: — Vinte mil!

Até a mulher e o homem sentado à sua mesa parecem


assustados. A garota de cabelos escuros murmura algo que se
parece com: — Que porra é essa? — E então ela olha para mim,
sorrindo.

Meus olhos encontram os de Sebastian por um rápido


momento. Tenho que olhar para baixo novamente, porque meu
rosto está queimando.

Não preciso olhar para meu pai. Posso sentir o triunfo


irradiando dele.

O persa desiste do leilão, mas os outros dois ainda estão


dentro.

— Vinte e um! — Englewood chama, levantando sua


raquete.

— Que tal vinte e dois? — Cross diz.

Depois de um momento de hesitação – com seus amigos o


cutucando –, o cara das finanças deu outro lance.
Eu olho para Sebastian. Meu rosto está parado – sem
sorriso. Definitivamente sem mandar beijos. Apenas meus olhos
olhando nos dele, perguntando a ele... o que exatamente? Eu
deveria atraí-lo para dar um lance em mim. Mas eu realmente
quero que ele faça isso?

Eu gosto do Sebastian. Eu posso admitir para mim mesma


agora. Fiquei desapontada quando ele não me ligou. Uma
pequena parte secreta de mim queria vê-lo novamente.

Mas esse é mais um motivo para dizer a ele para não dar
lances. Eu poderia franzir a testa ou balançar a cabeça para ele.
Eu poderia avisá-lo. Talvez meu pai visse, mas provavelmente
não.

É isso que devo fazer. Eu deveria avisá-lo.

Em vez disso, apenas fico olhando para ele. Receio que meus
olhos estejam mostrando ansiedade e saudade em meu peito.

— Vinte e cinco mil, — Sebastian grita.

Um silêncio cai sobre a sala. Esse é o lance mais alto da


noite até agora.

— Temos uma competição difícil pela nova garota na cidade,


nossa bela loira russa, — Cross diz, mal conseguindo conter sua
alegria. — Que tal, cavalheiro? Alguém pode vencer o irmão Gallo
mais novo? Alguém quer dar um lance de vinte e seis?
Ele olha para a mesa dos financistas. O jovem de terno
chamativo parece querer erguer a raquete. Em vez disso, ele a
joga na mesa com irritação. Acho que chegamos ao fim de seu
saldo.

Englewood não desistiu. Ele levanta a raquete mais uma


vez. — Trinta, — diz ele, friamente.

Ele olha para Sebastian, seus olhos escuros brilhando sob


as sobrancelhas grossas. Não sei se esses dois se conhecem ou
estou apenas testemunhando uma exibição territorial entre dois
homens poderosos. De qualquer forma, a tensão é palpável.

Sebastian ignora Englewood e olha para mim em vez disso.


Estou iluminada pelas luzes ardentes do palco, meu vestido
vermelho em chamas ao meu redor.

Olhando diretamente para mim, Sebastian diz: —


Cinquenta mil.

Cross tenta acalmar o rugido que irrompe de cada mesa. —


Temos um lance de cinquenta mil! — Ele diz. — É um novo
recorde, senhoras e senhores, e lembrem-se de que é tudo por
uma grande causa! Sr. Englewood... você se importa em
correspondê-lo?

Os lábios de Englewood se contraem sob seu bigode escuro.


Ele sacode a cabeça com um movimento brusco e Cross diz: —
Vendido! A Srta. Yenina terá um encontro com Sebastian Gallo.
Não sei se é o medo ou o alívio que toma conta de mim. Tudo
o que sei é que de repente estou com frio, mesmo sob as luzes
quentes. Cross tem que me pegar pelo braço e apontar para a
escada que desce do palco.

Eu tropeço até a mesa do meu pai. Ele pousa a mão pesada


em meu ombro e murmura em meu ouvido: — Muito bem. Ele
investiu agora.

Sim, Sebastian investiu. Até a quantia de cinquenta mil


dólares.
Acho que Aida me arrastou para o leilão de caridade porque
tem a impressão de que estou deprimido. Seus esforços para me
envolver em eventos sociais e familiares têm aumentado a cada
semana, incluindo vários encontros às cegas não solicitados. Não
concordei em sair com nenhuma das garotas. Eu disse à Aida que
estava gostando de estar solteiro.

Só fui ao leilão porque Cal, Aida e eu tínhamos alguns


negócios para discutir. Especificamente, a próxima campanha
para prefeito de Cal. Os Griffin pretendem ser 100% legítimos.
Isso significa se desfazer de quaisquer operações comerciais
ilegais remanescentes e garantir que os corpos enterrados
permaneçam enterrados. E isso não é um eufemismo – o corpo
mais recente era o próprio tio de Cal, Oran Griffin, que
atualmente está embaixo da fundação de uma das torres de
escritórios de South Shore.
Enquanto a família Gallo está voltando nossa atenção para
o mercado imobiliário em grande escala, não acho que estamos
prontos para lavar nossas mãos ainda. Os Griffins saindo da
esfera da máfia deixam um enorme vácuo de poder. Alguém
precisa preencher. A questão é: quem?

Suponho que Mikolaj Wilk e a máfia polonesa irão


intensificar. Estamos razoavelmente bem com Mikolaj, mas não
posso dizer que somos melhores amigos. Há um certo mal-estar
que ocorre quando alguém sequestra a filha mais nova de seu
aliado e, em seguida, acusa seu irmão de assassinato.

Mikolaj se casou com a prisioneira Nessa Griffin, e Riona


Griffin tirou Dante da prisão. Mas vamos apenas dizer que
Mikolaj e eu não estamos exatamente trocando cartões de Natal.

É uma situação espinhosa, especialmente com os russos


derrotados, mas não subjugados. Sempre que você muda os
pilares de uma estrutura de poder, há uma chance de que tudo
desmorone.

Talvez seja por isso que Papa tem estado tão paranoico
ultimamente. Ele pode sentir a incerteza no ar.

Com tudo isso em mente, concordei em ir ao evento de


caridade, embora odeie essas coisas. Eu odeio a gentileza e a
falsidade. Perturba-me ver como Aida se saiu bem nisso. Antes
você não podia levá-la a lugar nenhum sem que ela roubasse algo
ou ofendesse alguém – geralmente vários alguéns. Agora ela está
toda embonecada em um vestido e salto alto, lembrando o nome
de todo mundo, encantando as calças dos caras pretensiosos da
sociedade.

Callum é o mesmo, mas ainda mais. Ele é o vereador do 43º


distrito, que é o distrito mais rico e influente, incorporando o
Lincoln Park, Old Town e Gold Coast. Posso ver que ele é
conhecido por quase todos na sala. Dificilmente há uma pessoa
aqui que não esteja ansiosa para curvar seus ouvidos em algum
objetivo pessoal.

Enquanto isso, estou completamente entediado. Eu roubo


alguns canapés das bandejas dos garçons que passam, depois
dou uma olhada na longa lista de itens do leilão silencioso em
oferta, incluindo uma bola de futebol assinada por toda a linha
ofensiva do Bear.

Há alguma merda muito legal para vender. Mas


honestamente... Não consigo despertar o interesse em nada
disso. Eu simplesmente não me importo. Os últimos dois anos
foram uma extensão de tempo escura e vazia, pontuada por
apenas alguns choques de excitação. Faz muito tempo que não
me sinto realmente interessado em algo...

Além da semana passada.

Yelena me interessou.
Havia uma energia entre nós que realmente me fez sentir
algo, muito brevemente.

Depois de todo esse tempo, quando finalmente vejo algo que


vale a pena perseguir... eu devo ignorá-la. Eu deveria deixá-la ir.
Por causa da minha família.

Minha maldita família.

De alguma forma, eles sempre conseguem tirar as únicas


coisas que me importam.

Olho para Aida, que está conversando com um homem baixo


e careca com uma gravata borboleta roxa horrível. Ele está rindo
de algo que ela disse, a cabeça jogada para trás e todos os seus
dentes tortos e apinhados à mostra. Aida tem aquele olhar que
conheço tão bem, aquele sorriso malicioso que mostra que ela
está pensando em algo ainda mais ultrajante, e tenta evitar dizer
isso em voz alta. Essa é uma batalha que ela costumava perder
todas as vezes, mas ela finalmente aprendeu um pouco de
autocontrole.

Minha irmã é adorável. Cabelo escuro e encaracolado, olhos


cinzentos brilhantes que parecem uma moeda brilhando na água
turva, uma expressão perpétua de malícia que o torna em partes
iguais curioso e ansioso sempre que olha para ela.

Como você pode amar tanto uma pessoa e também se


ressentir dela?
É assim que me sinto em relação a toda a minha família
atualmente.

Eu os amo pra caralho, até os meus ossos.

Mas não gosto de onde estou por causa deles.

Eu sei que em parte é minha culpa. Estou vagando sem


propósito. Mas sempre que eles me puxam para uma nova
direção, nunca gosto de onde acabo.

Como essa porra de leilão.

Eu suspiro e volto para a nossa mesa designada, na beira


do palco. Não sei que tipo de apresentação eles planejaram para
esta noite. Provavelmente algo tedioso como um quarteto
clássico, ou pior, uma banda cover. Se for uma merda, estou indo
embora. Na verdade, provavelmente irei embora de qualquer
maneira.

Enquanto estou sentado, uma garçonete loira chega com


uma bandeja de champanhe.

— Bebida? — Ela oferece.

— Você tem algum álcool de verdade? — Eu pergunto a ela.

— Não, desculpe, — ela diz com um pequeno beicinho. —


Só temos prosecco e champanhe.

— Vou querer dois prosecco.


Ela me passa as taças, dizendo com um ar fingido de
casualidade: — Uma dessas é para o seu encontro?

— Não, — eu digo brevemente. Eu pretendo beber s duas


para aliviar o meu tédio.

— Solteiro? — A garçonete diz. — Você provavelmente vai


precisar de um desses, então. — Ela me passa uma raquete de
cor creme com um número.

— Para que serve isso?

— O leilão de encontros, é claro!

Jesus Cristo. Eu mal consigo evitar que meus olhos revirem


para fora do meu crânio. — Eu não acho que vou precisar disso.

— Por quê? — Ela diz, com um sorrisinho tímido. — Vê outra


coisa que você gosta?

Em outras circunstâncias, eu poderia segui-la nas


insinuações que ela está estabelecendo com tanta clareza.
Infelizmente, o fato de ela ser alta e loira só me lembra Yelena,
que compartilha as mesmas características, mas com dez vezes
mais intensidade. Esta menina é como uma margarida no campo,
enquanto Yelena é uma orquídea fantasma: exótica, rara e
impossível de alcançar.

— Não, — digo a ela. — Não há nada aqui para mim.


A garota vai embora, e Aida e Callum imediatamente tomam
seu lugar.

— Este é um leilão de encontros? — Eu digo para Aida.

— Sim! — Ela diz. — É o seu presente de aniversário. Vou


comprar uma esposa para você.

— Achei que as melhores esposas eram de graça, — digo. —


E forçadas a você contra sua vontade.

— Não posso discutir com isso, — diz Callum, passando o


braço em volta dos ombros de Aida.

Aida e Callum tiveram o que essencialmente poderia ser


denominado um casamento arranjado, mas parece ter
funcionado para eles surpreendentemente bem. Estávamos todos
esperando que eles sobrevivessem ao primeiro ano sem se matar.

— Você costumava ser tão romântico, Seb, — Aida diz.

— Oh sim? Quando foi isso?

— Lembra quando você tinha aquela foto de Margot Robbie


em seu armário na escola?

Eu coro, perguntando-me como diabos Aida ainda sabe


disso. E como ela sempre consegue trazer à tona a única coisa
que você tentou apagar da sua própria memória?

— Eu não acho que era eu, — eu murmuro.


— Você não se lembra de assistir Wolf of Wall Street tipo
oitocentas vezes e avançar rapidamente para aquela parte em que
ela está nua na porta para que você pudesse se mast...

— Se você terminar essa frase, vou estrangulá-la, — sibilo


para Aida.

— Cal, você não iria deixá-lo me estrangular, deixaria? —


Aida diz ao marido.

— Não para a morte, — ele responde.

— Obrigada, amor, — ela diz, beijando-o na bochecha. —


Eu sabia que podia contar com você.

Antes que Aida possa retomar seu assédio amigável, um MC


excessivamente bronzeado entra no palco para iniciar o leilão de
gado da noite. Não tenho nenhum interesse no processo,
especialmente quando ele começa a listar as realizações das
mulheres como se fossem gueixas13 do Meio-Oeste.

Não ajuda que metade dos homens na sala esteja gritando


e berrando ou se inclinando para frente nas mesas para olhar as
garotas. A coisa toda parece nojenta. Estou com vergonha de
estar aqui.

13São mulheres japonesas que estudam arte, dança e canto para entreter clientes ou convidados em
banquetes, casas de chá ou outros locais (públicos ou privados). Geralmente são ligadas a sexualidade,
sem necessidade do ato e se caracterizam com trajes e maquiagem tradicionais.
A ideia de pagar por um encontro é ridícula, especialmente
por esses preços astronômicos. Cinco mil para sair com alguma
vadia da alta sociedade? Não, obrigado. E isso antes de incluir o
preço de qualquer jantar chique que você tiver para alimentá-la.

Estou entediado demais.

— Quantos desses temos que assistir? — Eu sussurro para


Aida.

— Não sei. — Ela encolhe os ombros. — Quantas garotas


bonitas pode haver nesta cidade? Podemos sair logo depois.

Eu iria embora agora, mas Aida, Cal e eu viemos juntos, e


as luzes foram diminuídas a ponto de eu provavelmente não
conseguir abrir caminho entre as mesas sem tropeçar e cair no
colo de alguém.

Além disso, é meio divertido ver esses homens impertinentes


praticamente brigando por causa de algumas das garotas. Há
dois irmãos fazendo lances pela mesma garota. Quando o mais
velho vence, o irmão mais novo parece pronto para arrancar uma
pedra e reencenar o quarto capítulo de Gênesis aqui e agora.

Quando chegamos à décima ou décima primeira garota,


estou começando a bocejar. Fiquei acordado até tarde ontem à
noite. Tarde demais todas as noites desta semana, na verdade. O
champanhe está me afetando.

Isto é, até ouvir o nome — Yelena Yenina.


Minha cabeça levanta. Eu vejo minha Valquíria cruzar o
palco.

Puta que pariu. Já me esqueci como ela é linda. Ela está


usando um vestido vermelho que se adere a cada curva. Desse
ângulo, suas pernas parecem ter cerca de dezesseis quilômetros
de comprimento. Ela é tão impressionante que um verdadeiro
silêncio cai sobre a multidão. Todas as meninas eram bonitas,
mas Yelena não é bonita. Ela é uma maldita feiticeira.

Eu não posso acreditar que ela está aqui. Isso é duas vezes
em pouco mais de uma semana. Se eu acreditasse em sinais,
pensaria que era um milagre óbvio.

Estou olhando para ela com a boca aberta quando ela se


vira e olha diretamente para mim. Ela fica imóvel, um choque
elétrico passando entre nós.

Isso não passa despercebido por minha irmã, é claro. Nada


passa.

Aida se inclina para sussurrar: — Você a conhece?

Eu balanço minha cabeça rapidamente. — Não, — eu minto.

— Parece que você a conhece, — murmura Aida.

O leilão já começou.

Cada homem presente a deseja. O preço está aumentando


a cada segundo. Eu olho em volta para os homens dando lances,
querendo arrancar a cabeça de cada um deles. Como se atrevem
aqueles desgraçados a tentar comprar uma noite com ela, como
se tivessem uma chance com uma deusa como aquela?

Não gosto da aparência de nenhum deles. Na verdade, eu os


odeio pra caralho. Principalmente Carl Englewood. Ele é um
idiota arrogante que meus irmãos bateram de cabeça alguns anos
atrás, quando ele tentou bloquear nossas autorizações para a
Oak Street Tower. Ele é um incorporador imobiliário e tão cruel
quanto qualquer mafioso. Além disso, ele coleciona carros,
relógios e mulheres como joga cartas. Aposto que ele adoraria
colocar as mãos em Yelena.

Por que ela está lá em cima? Olho ao redor das mesas,


procurando por seu pai.

Eu sei como é a aparência de Alexei Yenin. Ainda não o


conheci, mas Nero me mostrou uma fotografia granulada quando
substituiu Kristoff pela primeira vez como chefe do Chicago
Bratva. Era uma foto antiga de seus dias na KGB – quando ele
era jovem e magro, com um bigode cuidadosamente aparado.

Eu o localizo no lado oposto da sala. Ele se parece muito


com a fotografia, apenas vestido com um smoking em vez de um
uniforme militar – um pouco mais largo no peito e nos ombros,
com uma barba cheia agora. Ele está sorrindo para Yelena,
satisfeito por ela despertar esse tipo de interesse.
Eu também o odeio. Não sei qual é o propósito dele em
colocar a filha à venda, mas não gosto disso.

Vejo a guerra de lances balançar para frente e para trás


entre um homem muito velho para sequer pensar em colocar as
mãos enrugadas em Yelena, um tipo de garoto de fraternidade
arrogante que está praticamente babando na mesa, e aquele
ganancioso fodido Englewood.

Eu não quero que nenhum deles saia com ela.

Se alguém vai sair com ela em um encontro, deveria ser eu.

Sem pensar, sem nem mesmo considerar o que estou


prestes a dizer, pego minha raquete e grito: — Vinte mil!

Callum olha para mim como se eu tivesse acabado de


crescer uma segunda cabeça. Aida fica igualmente chocada e
depois alegre.

— Que porra você está fazendo? — Ela ri.

O garoto da fraternidade não consegue acompanhar isso –


ele tem que desistir. Mas Englewood me encara com um olhar
teimoso. Já conversamos antes. Agora ele está emocionado por
ter a chance de me mostrar isso em um ambiente público, onde
eu não posso bater seus malditos dentes depois.

A licitação vai e volta entre nós, saltando de vinte para vinte


e seis mil.
Englewood parece chateado, em parte porque tenho certeza
de que ele pensou que estava levando Yelena para casa com
certeza, e também porque despertei seu fogo competitivo. Seu
orgulho está em jogo e ele não quer recuar.

Eu acho que você poderia dizer o mesmo sobre mim. Mas eu


não dou a mínima para o que essas outras pessoas pensam.
Estou licitando por um único motivo: porque quero ver Yelena
novamente. Se o pai dela concordou em colocá-la no palco para
este leilão de encontros, ele obviamente está bem com alguém
ganhando uma noite com ela. Por que não deveria ser eu?

Esta poderia ser a minha única chance de sair com ela com
sua bênção. Minha chance de vê-la sem desencadear uma guerra
entre nossas famílias.

— Trinta mil, — diz Englewood, lançando-me um olhar


triunfante, como se eu não superasse isso de jeito nenhum.

É uma quantia absurda para pagar por um encontro.

Eu não me importo. Como diabos mais devo gastar meu


dinheiro?

Eu olho para Yelena. Estou tentando ler seu rosto. Ela quer
que eu continue? Ela quer me ver de novo?

É tão difícil lê-la. Não espero que ela faça nada tão comum
quanto sorrir para mim. Ela é russa – eles não são “amigáveis”.
Mas olho para aqueles olhos de cor violeta brilhante,
grandes e largos e brilhando como estrelas, e tenho quase certeza
de que ela quer isso também.

— Cinquenta mil, — eu digo.

Acabou para Englewood. Com uma careta de frustração, ele


joga sua raquete para baixo.

Yelena é minha. Nem que seja por uma noite.

Sinto uma onda de alegria mais forte do que qualquer coisa


que senti em meses. Finalmente, uma vitória.

— Você está louco, — Callum ri.

— Se você vai gastar todo o seu dinheiro com uma garota,


pelo menos você escolheu a mais gostosa. — Aida sorri. — Oh
meu Deus, pense em quão altos seus filhos seriam... você poderia
fazer um time inteiro da NBA!

Ela estremece quando Callum pisa em seu pé debaixo da


mesa.

— Ai! Por que você – oh, desculpe, Seb. Não tive a intenção
de trazer à tona... você sabe.

— Você pode falar sobre basquete. Não é Voldemort.

— Eu sei, — ela diz. — Apenas tentando ser sensível.


— Bem, não tente, — eu digo. — É estranho, e você é
péssima nisso.

Estou dificultando o trabalho de Aida, mas realmente não


me importo. Pela primeira vez, a menção do meu sonho anterior
quase não me incomoda. Estou muito distraído com
pensamentos sobre o que devo fazer com Yelena, no encontro
mais caro do mundo. Agora que já gastei 50 mil, posso muito bem
ir com tudo.

— Você pagou cinquenta mil dólares. Você pode obrigá-la a


fazer o que quiser... — Aida diz em um tom admirado. — Você
poderia fazê-la jogar Call of Duty com você. Ou ouvir John Mayer.
Ou ir para aquele restaurante de merda na Broadway que você
tanto ama...

— Não aceite sugestões de Aida, — Cal me diz. — Ela acha


que saquear a loja de mercadorias da Wrigleyville é o encontro
supremo.

— Uh, é, — Aida diz com convicção absoluta. — Eu nos


comprei pijamas do Cubbies combinando. E chinelos felpudos!
Você ama aqueles chinelos, não tente ser legal na frente do Seb.

— Eles são tão macios, — Cal admite.

Eu balancei minha cabeça para os dois, meu peito


parecendo estranhamente leve.

Acho que minha sorte está finalmente mudando.


Não tive a chance de falar pessoalmente com Yelena depois
do leilão – ela foi até a mesa do pai, no lado oposto da sala, e eles
saíram quase imediatamente.

Espero que isso não seja uma indicação de que Alexei ficou
chateado por eu ter comprado o encontro com sua filha. Afinal,
ele permitiu que ela participasse, sabendo que o resultado estava
no ar.

Minha grande doação para a instituição de caridade quase


limpa minha conta corrente, mas não importa – tenho muito mais
dinheiro guardado em outro lugar. Cada um de nós, irmãos Gallo,
recebe uma “mesada” anual dos fundos da família e podemos
conseguir mais, se precisarmos. Tenho vivido gastando pouco,
compartilhando aquele apartamento com Jace. Cinquenta mil
não são exatamente uns trocados, mas fico feliz em pagar.

Em troca, os organizadores do evento me fornecem os dados


de contato de Yelena para acertar o encontro. Claro que eu já
tenho isso – é a permissão para ligar que estava faltando. Eu
mando uma mensagem para ela imediatamente, dizendo:

Espero que não se importe que levei essa licitação.


Depois de alguns minutos, ela responde:

Esse era o objetivo do leilão.

Eu digito:

Seu pai está bem comigo levando você para sair?

Ela responde:

Você precisa da permissão dele?

Posso imaginar sua expressão de desdém. Não sei se ela está


irritada porque está sendo tratada como um bem móvel ou
porque prefere um bad boy a um seguidor de regras. Mas é claro,
o pai dela não é um pai superprotetor comum. Há muito mais em
jogo aqui.

Só estou avaliando as chances de levar um tiro ao chegar à


sua porta.

Um momento de pausa, então ela responde:

Não é necessário Kevlar 14 . Mas espero que você venha de


qualquer maneira.

Eu sorrio.

Com certeza irei.

14 Coletes à prova de bala.


Marcamos nosso encontro para o sábado seguinte. Durante
toda a semana, estou andando no ar. Faz muito tempo que não
anseio por nada.

Tenho sorte que Dante esteja em Paris. Se estivesse aqui,


ele definitivamente tentaria colocar um fim nisso. Posso imaginar
sua voz rouca e seu olhar de mil metros:

— Você acha que isso é inteligente, Seb? Sair com a única


filha do chefe do Bratva? Você sabe que eles vão alimentar seus
cachorros com você se colocar a mão nela.

Dante tentaria fazer com que eu cancelasse. Mas ele não


está aqui, e Nero seria o maior hipócrita do mundo se tentasse
me dar um sermão sobre envolvimentos românticos
inadequados. Antes de conhecer Camille, a principal coisa que o
atraía em uma mulher era se ela estava fora dos limites e
provavelmente o colocaria em um monte de problemas.

Aida também não pode ter uma posição moral elevada. Eu


tive que salvá-la de incontáveis enrascadas. Ela não parece
inclinada a tentar me dissuadir – provavelmente porque viu
Yelena com os próprios olhos, então ela sabe como seria inútil.
Tudo o que Cal diz, dando-me boa noite quando eu os deixo em
seu apartamento, é: — Boa sorte.

Parece que vai demorar uma eternidade para sábado


chegar. Tento me distrair com mais trabalho, mais exercícios e
planos de fazer desse encontro um que Yelena não vai esquecer
tão cedo.

Eu a pego na mansão de seu pai na Astor Street. Fica no


final de uma estrada sombreada e arborizada, situada em uma
propriedade extensa cercada por altos muros de pedra.

O portão está aberto como se estivessem me esperando.


Pego minha caminhonete pela longa entrada de automóveis, que
leva diretamente até a proibitiva fachada de pedra.

A casa parece um pouco com um castelo, com vários níveis


de paredes e torres, e janelas altas e estreitas encimadas por
arcos góticos. Mas não é particularmente bonita. É intensa e
desajeitada, com câmeras de segurança posicionadas em todos
os pontos de vista. As sebes bem cuidadas também têm uma
aparência opressiva – muito ordeira e uniforme, e não
proporcionando nenhuma privacidade no local.

Tenho quase certeza de que Alexei Yenin estará lá.


Enquanto estaciono minha caminhonete e caminho até a porta
da frente, eu me preparo para encontrá-lo cara a cara. Em vez
disso, um de seus soldados abre a porta – um homem de
aparência brutal com sobrancelha de Cro-Magnon, olhos
semicerrados e barba rala. Ele é um menino crescido. Não tão
grande quanto Dante, mas muito perto.

— Dobryy den, — eu digo educadamente, em russo. Essa é


uma das quatro frases que conheço.
O guarda me olha de cima a baixo em silêncio. Quase espero
que ele me reviste por armas. Em vez disso, ele abre a porta um
pouco mais e dá um passo para o lado, para que eu possa entrar
na casa.

Agora Alexei vem andando a passos largos, vestindo um


suéter de cashmere e calças compridas, com chinelos de veludo
nos pés.

— Sebastian Gallo, — diz ele em sua voz estrondosa.

Ele estende a mão para apertar. Sua mão é grande e rígida,


os dedos inchados de forma que o anel de ouro em sua mão
direita corta a carne.

Sinto uma espécie de hesitação atávica em tocá-lo, mas é


claro que você tem que reprimir esses impulsos ao lidar com
gangsters. Você tem que apertar a mão deles, dar tapinhas em
seus ombros e sentar-se com eles para comer, mesmo quando
todos os instintos do seu corpo gritam para que você se afaste de
uma pessoa tão claramente perigosa.

Os traços de Alexei são amplos e ásperos, sem nada da


beleza impressionante que sua filha possui. Mas ele se parece
com ela em um aspecto: com seu cabelo liso e grisalho caindo
sobre os ombros, ele tem a mesma aparência de um bárbaro –
selvagem e estrangeiro.
Um segundo homem vem se juntar a nós. Ele é muito mais
jovem, provavelmente 25, a mesma idade que eu. Ele se parece
exatamente com Yelena. Tão parecido com ela que me assusta.
Ele é loiro-branco, com os mesmos olhos violeta e as mesmas
feições marcantes e exóticas. Ele está vestindo um terno escuro
sóbrio com gola alta, como um clérigo. Mas sua expressão é tudo
menos sóbria – ele sorri e estende a mão para apertar.

— Adrian, — ele diz. — Eu sou irmão de Yelena.

— Priyatnoh poznahkohmeetzah, — digo, exaurindo outros


vinte e cinco por cento do meu repertório.

— Ho! Muito bom, — Adrian diz, balançando a cabeça em


aprovação. — Você fez sua lição de casa, meu amigo.

Como Yelena, Adrian tem sotaque russo, mas seu inglês é


impecável.

Posso sentir Alexei observando nossa interação. Sua


expressão é muito mais difícil de ler do que a de seu filho. Ele não
parece chateado, mas também não parece amigável.

— Deixe-me esclarecer as coisas, — eu digo de uma vez. —


Tem havido algum conflito entre minha família e a Bratva. Espero
que possamos deixar tudo isso para trás. Agora que você está à
frente da divisão de Chicago, espero que possamos coexistir
pacificamente. Talvez até com lucro.
— Você fala pela sua família? — Alexei pergunta, estreitando
seus olhos azuis pálidos para mim.

Hesito um momento. Essa é a questão crucial nos dias de


hoje. Mas se não eu, então quem? Meu pai não vai se encontrar
com a Bratva tão cedo, nem Dante.

— Eu falo pelos Gallos, — eu digo. — Não os Griffins. Mas


acredito que diriam o mesmo. A paz beneficia a todos nós.

— Isso nos beneficia a todos igualmente, eu me pergunto?


— Alexei pergunta em sua voz baixa.

— Vamos, pai, — Adrian diz. — Sebastian não está aqui


para negócios. Ele está aqui para receber o que pagou.

O tom de Adrian é leve. Ainda assim, quero esclarecer esse


ponto também.

— Eu fiz uma oferta para um encontro com Yelena, — eu


digo. — Apenas um encontro. Pretendo tratá-la com respeito.

— É claro, — diz Alexei. — Eu conheço a honra dos italianos.

Não sei dizer se ele está sendo sarcástico ou não.

Sinto-me tenso e inquieto, como se tivesse que rastrear cada


movimento de Alexei. Isso me lembra de proteger um oponente
na quadra – você tem que ser sua sombra, movendo-se e
mudando em conjunto com eles, observando o momento em que
eles vão tentar enganá-lo para que tropece na direção errada, ou
quando eles vão dirigir com força para empurrar você.

Não sei exatamente o que Alexei pretende. Mas sinto que


somos oponentes.

— Rodion! — Alexei chama bruscamente, convocando o


soldado que abriu a porta para mim. — Pegue Yelena.

Yelena desce as escadas tão rápido que acho que ela deveria
estar esperando no topo. Ela está vestida com shorts de cintura
alta e um lindo top floral que amarra na frente. Quero
cumprimentá-la, mas me sinto estranho com seu pai e irmão por
perto.

— Vamos embora, — ela diz, sem nem olhar para mim.

— Prazer em conhecê-los, — digo a Adrian e Alexei


novamente, desta vez em inglês.

Yelena me segue até meu carro. Ela parece surpresa ao ver


que eu dirijo um F150 surrado.

— O que é isso? — Ela diz.

— Uma caminhonete, — eu respondo, abrindo a porta para


ela. Minha caminhonete é levantada, então lhe dou minha mão
para ajudá-la a entrar, embora isso não seja tão necessário para
Yelena quanto para garotas pequenas.
— Achei que mafiosos dirigissem BMWs e Cadillacs, — diz
ela.

— Não me encaixo muito bem em um sedan, — digo, dando


a volta para o lado do motorista. — E, honestamente, nem você.

O canto de seus lábios carnudos se levanta um pouco.

— Esta caminhonete parece velha, — diz ela.

— Ela é velha.

— Você não gosta de chamar atenção?

— Depende para quê.

Ela levanta uma sobrancelha, esperando que eu continue.

Eu ligo o motor, dizendo: — Por exemplo... Eu não me


importaria que cada homem que encontrasse olhasse para a
garota no meu braço.

Seu sorriso se alarga um pouco, mostrando uma covinha no


lado direito dos lábios.

— Você não ficaria com ciúmes? A maioria dos homens


odeia quem olha para sua mulher.

— Com uma garota tão linda como você, eu dificilmente


poderia culpá-los.

Yelena me examina com os lábios franzidos.


— Você é muito gratuito com elogios.

— Os elogios, por natureza, são gratuitos.

— Um russo apontaria minhas falhas para me manter


humilde.

— Não tenho certeza de como ele faria isso.

— Manter-me humilde?

— Não, — eu digo. — Encontrar uma falha em você.

Agora Yelena zomba e balança a cabeça. — Eu não confio


na sua bajulação.

Eu encolho os ombros. — Estou apenas sendo honesto. Foi


isso que gostei em você, assim que nos conhecemos. Você disse
o que pensava. Sem besteira.

Uma sombra cai sobre seus olhos, transformando-os de


violeta para marinho. — Se isso fosse verdade, — ela diz.

Acho que ela está falando sobre seu pai, que está seguindo
atrás de nós enquanto dirigimos, mas não rápido o suficiente.

— Acho que nem sempre você pode dizer o que pensa


naquela casa, — digo.

— Não, se você quiser ficar com todas as unhas, — diz


Yelena.
Eu olho para ela, perguntando-me se ela está brincando. Ele
não iria realmente machucá-la, iria? Ela é sua única filha...

— E quanto ao seu irmão? — Eu pergunto.

A tensão desaparece de seu rosto quando mudamos para


este tópico. Yelena sorri totalmente pela primeira vez, mostrando
os lindos dentes brancos entre aqueles lábios macios. — Adrian
é meu melhor amigo, — ela diz simplesmente. — Nós somos
gêmeos.

Eu não conheço nenhum outro gêmeo. Uma dúzia de


perguntas vêm à minha mente, a maioria delas estúpidas, e
coisas que Yelena provavelmente já havia feito uma centena de
vezes antes.

Eu me contento perguntando: — Isso é diferente de irmãos


normais? Eu sei que todo mundo pensa que é, mas estou
assumindo que vocês não podem realmente ler a mente um do
outro...

Yelena ri baixinho. — Bem, eu não tenho certeza, porque


não tenho nenhum outro irmão. Mas sim, acho que é diferente.
Nós nos entendemos. Eu sei o que ele está pensando ou sentindo.
Não porque eu posso ler sua mente – apenas porque ele é tão
familiar para mim.
Eu posso entender isso. Conheço Dante, Nero e Aida muito
bem. Mas meu vínculo é dividido entre quatro irmãos. Yelena está
focada em uma pessoa.

— E a sua mãe? — Eu pergunto.

— Ela está morta, — diz Yelena, em um tom que proíbe mais


perguntas.

— A minha também

— Ela está? — Ela se vira para mim, sua voz suavizando.

— Sim. Ela morreu quando eu tinha oito anos. Ela era uma
pianista de concerto. Você toca piano, não é?

Estou me lembrando da biografia de Yelena no leilão de


encontros.

— Sim, — Yelena diz baixinho, torcendo as mãos no colo.


Seus dedos são longos, finos e de formato bonito. Não me
surpreende que ela seja uma musicista. — Tenho certeza de que
não sou tão boa quanto sua mãe. Nunca toquei
profissionalmente.

— Você queria?

Ela aperta os lábios, ainda olhando para as mãos.

— Talvez, — ela diz.

— Eu gostaria de ouvir você tocar.


Ela aperta os punhos e balança a cabeça. — Faz muito
tempo que não pratico, — ela diz.

Estou nos levando para a Grand Avenue, onde uma feira de


rua está em pleno andamento. É o Summer Food Festival,
realizado todos os anos durante a primeira semana de junho.
Muito antes de chegarmos, podemos sentir o cheiro tentador de
carne escaldante e massa recém assada, e ouvir a cacofonia de
música, risos e o tamborilar dos artistas de rua.

Yelena se anima com a visão de toda a cor e agitação. — É


feriado hoje? — Ela pergunta.

— Não, — eu digo. — Há todo tipo de feiras de rua no verão.


Esta é a minha favorita.

Tenho que estacionar a alguns quarteirões de distância,


pois a rua está isolada. Yelena não parece se importar com a
caminhada – ela se apressa, ansiosa para mergulhar na
multidão.

Os artistas de rua estão se apresentando em ambos os lados


– truques de mágica, acrobacias, engolir espadas e shows de
comédia pastelão. Yelena parece particularmente intrigada com
duas garotas que estão se curvando e se equilibrando em
posições complicadas, empilhadas uma em cima da outra.

— Elas são fortes, — diz ela com aprovação.

— Você acha que poderia fazer isso? — Eu pergunto a ela.


Ela considera. — Não sem muita prática.

— Está com fome? — pergunto.

— Sim. — Ela acena com a cabeça.

Se ela não estivesse antes, estaria assim que sentisse o


aroma atraente dos food trucks alinhados a quase um quilômetro
da Grand Ave. Tento explicar as várias ofertas que ela não tinha
visto antes, incluindo funnel cake, tacos, rolos de lagosta, milho
de rua, sanduíches de porco desfiado, raspadinhas de vinho e
tortas de Whoopie.

No final, compro uma dúzia de coisas diferentes para


experimentarmos, embora Yelena torça o nariz para algumas
delas.

— Vamos, — eu a provoco. — Eu sei que você comeu coisas


mais estranhas do que isso na Rússia.

— O que você quer dizer? — Ela exige. — Nossa comida é


perfeitamente normal. Nem todos fritos e espetados no palito!

— Se você pode comer ovas de peixe e arenque, vai gostar


muito mais do cheesecake frito, — digo a ela.

— Não gosto de arenque, — admite Yelena.

Ela dá pelo menos uma mordida em tudo, até mesmo nos


picolés de jalapeño embrulhados em bacon, que ela olhou com
particular suspeita.
Ela gosta do milho de rua, mas não dos nachos de bisteca,
que ela considera “bagunçados” e “gordurosos”. As sobremesas
são quase universalmente agradáveis, principalmente a banana
com manteiga e o croissant de Nutella, que ela termina em três
mordidas.

— Isso é muito bom, — diz ela. — Isso você poderia vender


em Moscou.

— Acho que Catarina, a Grande, teria me nomeado herdeiro


do trono se eu fizesse isso por ela, — digo.

Yelena bufa, lambendo o chocolate do polegar. — Ela pelo


menos lhe daria uma dacha em Zavidovo.

— Não sei o que é, mas parece bom.

Enquanto exploramos as pequenas barracas cheias de joias


e ervas secas, sabonete feito à mão e mel fresco, Yelena me
explica o sistema de casas de veraneio russas, originalmente
dadas pelo czar a seus nobres, então apreendidas durante a
Revolução Russa, e agora ressurgindo na forma de mansões
modernas construídas no campo por oligarcas ricos.

— Nós temos esses aqui também, — eu digo a ela. — Nós os


chamamos de ‘cabanas’ mesmo quando são enormes. E mesmo
quando não é nada como acampar.

— Eu não entendo acampar, — diz Yelena. — Dormindo em


meio a insetos e sujeira.
— Sob as estrelas, — eu digo. — Ao ar livre.

— Com ursos.

— Eu não sei por que estou defendendo isso, — eu rio. —


Nunca acampei na minha vida.

Yelena e eu estamos sorrindo um para o outro, animados


por todas as pessoas ao nosso redor, o caos de imagens e sons.
Mesmo com tudo isso como pano de fundo, só quero olhar para
o rosto dela. Quanto mais gente nos rodeia, mais ela se destaca
como a criatura mais linda que já vi. Cada cabeça se vira para
olhar para ela – nenhuma mais do que a minha.

Gosto de discutir com ela sobre acampar. Gosto de falar com


ela sobre qualquer coisa. Eu pergunto sobre seus livros e músicas
favoritas, seus filmes favoritos. Ela me conta que aprendeu a falar
inglês assistindo a filmes americanos com a mãe.

— Ela amava filmes, qualquer filme. Ela estava obcecada


por Yul Brynner. Ele era russo também, você sabe. Nasceu em
Vladivostok. Ela costumava dizer que eles eram praticamente
vizinhos. — Ela faz uma pausa, vendo que não entendo a piada.
— Vladivostok é uma cidade portuária próxima ao Japão. É o lado
oposto da Rússia de Moscou, — explica ela. — Nove mil
quilômetros de distância.
Estou me perguntando como esconder o fato de que posso
nem mesmo ser capaz de apontar Moscou em um mapa – a menos
que esteja rotulado.

Felizmente, Yelena não me questiona. Ela continua: —


Assistimos a todos os filmes de Brynner. Eu provavelmente
poderia citar The King and I de coração. Ela costumava me contar
como ele veio para Nova York, como desfilava nu para ganhar
dinheiro e depois começou a atuar...

Um músculo salta em sua mandíbula quando ela


acrescenta: — Minha mãe também era modelo...

— Eu poderia ter adivinhado isso, — eu digo. — Eu não acho


que você herdou sua aparência de seu pai.

Yelena dá uma risada curta, mas seu rosto não está feliz.

— Talvez ela tenha tido um sonho semelhante, — diz ela. —


Ela nunca disse isso exatamente, mas a maneira como ela falava
sobre Brynner... talvez ela sonhasse em fugir e vir para cá
também...

Ela para.

— Você veio aqui, — digo para Yelena. — Não para Nova


York, mas Chicago é muito perto.

Yelena balança a cabeça lentamente. — Sim, — ela diz. —


Ela poderia ter gostado disso.
A tarde inteira se passou enquanto caminhávamos pela
feira. Chegamos ao fim e estamos muito longe da caminhonete.

— Você quer pegar um táxi de volta para o carro? — Eu


pergunto a Yelena.

— Não... — ela diz, olhando à nossa frente ao longo da


margem do lago. — O que é isso aí?

Ela está apontando para a Centennial Wheel15 no final do


Navy Pier.

— Você quer andar? — Eu pergunto a ela.

Com um leve olhar de nervosismo, ela diz: — Sim.

— Seus pés já estão doloridos? — Eu olho para suas


sandálias.

— Não, — ela diz, balançando a cabeça.

Caminhamos por toda a extensão do Navy Pier, passando


pelo parque e pelas lojas, parando apenas para comprar nossos
ingressos. Posso ver Yelena parecendo cada vez mais apreensiva
à medida que nos aproximamos, à medida que as enormes rodas
se erguem no alto. Só quando entramos no carrinho é que ela
admite: — Tenho um pouco de medo de altura.

15 Roda-gigante.
— Por que você quer andar nela, então? — Eu pergunto a
ela.

— Porque é lindo! — Ela diz ferozmente.

Quando nosso carro começa a subir no ar, seu rosto fica


mais pálido do que nunca. Mas ela espia pela janela a vista do
lago, circundado ao longo da borda oeste por edifícios altos.

O carro balança um pouco quando a roda para e dá partida,


permitindo que mais pessoas subam abaixo de nós. Yelena pula,
agarrando minha coxa. Suas unhas cravam em minha carne,
mesmo através do meu jeans, mas eu não me importo. Coloco
minha mão em cima da dela e massageio suavemente até que ela
relaxe.

Para distraí-la, digo: — Você sabe que a primeira roda-


gigante do mundo foi construída aqui em Chicago.

— Foi? — Ela diz.

— Sim, para a Exposição Mundial em... eu vou dizer...


1893? Eles estavam tentando vencer a Torre Eiffel.

Yelena levanta uma sobrancelha. — A Torre Eiffel é difícil de


vencer.

— Sim. — Eu sorrio. — Mas ela não se move.

Estamos quase no auge da roda agora. O movimento para


mais uma vez e olhamos para a água. O sol está se pondo. Todo
o céu está ficando laranja, as nuvens cinzentas como fumaça e o
sol como uma brasa em chamas acima da água. As ondas que
batem na costa são de índigo profundo, com picos brancos nas
pontas. Parece tão sobrenatural que estamos ambos em silêncio,
apenas olhando através do vidro.

— Olha, — diz Yelena, apontando. — Uma estrela.

A estrela está fraca, apenas brilhando na faixa mais escura


do céu.

Eu me viro para olhar para Yelena. O brilho do pôr do sol


está queimando em sua pele, pintando-a de ouro. Seus olhos
parecem mais claros do que o normal – pálidos como lavanda e
brilhando sob seus cílios escuros. Seus lábios estão separados.

Eu me inclino e a beijo. Assim que nossos lábios se


encontram, a roda começa a girar e nós caímos, descendo do
outro lado do círculo. O movimento é lento, mas meu coração
sobe na minha garganta, e eu agarro seu rosto com ambas as
mãos, para manter nossas bocas pressionadas juntas.

Yelena faz o mesmo, seus dedos longos e finos enroscados


em meu cabelo. Ela me beija profundamente, seus lábios com
gosto de açúcar de confeiteiro e um toque de chocolate.

O beijo continua e continua. Eu a puxo para o meu colo,


então ela está montada em mim. O movimento faz nosso pequeno
carro balançar para frente e para trás, mas Yelena não parece se
importar. Meus braços estão em volta dela com força, e os dela
em volta de mim, o que faz parecer que nada poderia nos
machucar, mesmo que caíssemos trinta metros.

Nunca fui tão consumido por um beijo. O mundo inteiro


desapareceu ao nosso redor. Não há nada além deste carro cheio
de luz do pôr do sol e nossos dois corpos envoltos juntos.

Em seguida, o carro dá um solavanco e o atendente abre a


porta.

Yelena e eu nos separamos, surpresos. O passeio acabou.


Perdemos a coisa toda, perdidos naquele beijo.

Enquanto saímos da roda gigante, eu digo: — Desculpe por


isso – não tive a intenção de distraí-la o tempo todo.

Se eu não soubesse melhor, acharia que Yelena estava


corando.

— Eu não me importo, — ela diz. — Na realidade... foi


perfeito.

Talvez eu deva esperar para perguntar isso a ela mais tarde,


via mensagem de texto, para não deixar em dúvida. Mas eu não
consigo evitar.

Eu digo: — Você vai sair comigo de novo? De graça desta


vez?
Digo isso levianamente, como se estivesse brincando. Mas
meu coração está martelando contra minhas costelas.

Yelena está quieta. Eu posso dizer que ela está passando


por algo em sua mente. Espero que ela esteja se perguntando
como seu pai vai reagir a isso, e não tentando decidir se ela gosta
de mim ou não.

Por fim, ela diz, em sua voz baixa e sóbria: — Não tenho
certeza se é uma boa ideia, Sebastian.

— Eu sei que não é. Você quer, embora? — Eu pergunto a


ela.

Ela olha para mim, aqueles lindos olhos ainda iluminados


na luz fraca. — Sim, — ela diz, tão ferozmente quanto me disse
que queria andar na roda gigante. — Eu quero.

— Não se preocupe com seu pai, então, — eu digo. — Sou


um menino crescido. Eu posso cuidar de mim mesmo.
Quando Sebastian me deixa na minha casa, está totalmente
escuro lá fora. Rodion Abdulov abre a porta para mim. Ele está
em silêncio, como sempre. Rodion teve sua língua cortada por
seu ex-chefe Bratva por razões desconhecidas. Meu irmão diz que
Abdulov costumava ser jovial e sarcástico – até que ele fez uma
piada na hora errada e seu chefe o puniu para que ele nunca
mais pudesse falar. Mas meu irmão não é confiável quando se
trata de deixar a verdade atrapalhar uma boa história.

Certamente não consigo imaginar Rodion fazendo uma


piada. Nunca o vi sorrir e, ao executar as ordens de meu pai, ele
não é apenas obediente – ele é zeloso. Acho que ele gosta de
crueldade.

Esta noite seu silêncio parece particularmente crítico.


Sempre sinto que estou em apuros quando chego em casa, não
importa o que eu tenha feito enquanto estava fora.
Meu pai está trabalhando em seu escritório, um copo de
uísque à sua direita. Ele está fumando um daqueles charutos
gordos que cheiram a baunilha e café. Não é um cheiro
desagradável, mas me deixa nervosa, assim como todos os
elementos familiares deste escritório: as pesadas cadeiras de
couro, a mesa de ébano escuro e o retrato do Generalíssimo
Alexander Suvorov na parede. Suvorov é o herói de meu pai – ele
nunca perdeu uma única batalha importante em toda a sua
carreira militar. Até Napoleão o admirava.

Os olhos claros de meu pai me olham através de uma névoa


de fumaça azul.

— Como foi seu encontro? — Ele pergunta.

— Bem, — eu digo em breve.

— Algo digno de nota?

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Nós apenas fomos


a uma feira de rua.

Apenas uma feira de rua. Apenas a tarde mais agradável da


minha vida.

Eu me senti tão livre e feliz, andando por toda aquela cor e


barulho, vendo todas aquelas coisas estranhas e incomuns que
eu nunca tinha visto antes.
Estou acostumada a ter homens grandes andando ao meu
lado como meu guarda. Mas com Sebastian, foi diferente – ele
não estava lá ao meu lado. Ele estava lá comigo. Me mostrando
qualquer coisa bonita ou intrigante que eu perdi, explicando tudo
que eu não entendi. Divertindo-me com piadas e conversas.

Julguei Sebastian mal. Achei que ele fosse um mafioso


americano mimado – arrogante e presunçoso, mas, em última
análise, suave. Quanto mais tempo passo com ele, mais vejo que
Sebastian não é nem um pouco arrogante ou presunçoso. Na
verdade, ele é perceptivo e bastante respeitoso.

E também não acho que ele seja suave. Iov não estava se
segurando quando eles brigaram – Sebastian bateu nele. Além
disso, a maneira como ele licitou por mim no leilão... ele não
estava fazendo isso para se exibir. Ele viu o que queria e foi atrás.

Claro, não vou dizer nada disso ao meu pai.

Eu posso senti-lo me estudando, seus olhos perfurando


meu rosto como se ele pudesse ver através do meu crânio os
pensamentos girando dentro de mim.

— Você continuará a vê-lo, — ele ordena.

Isso é o que eu quero fazer de qualquer maneira. Mas não


porque meu pai comanda. Não sob sua observação, como parte
de seu plano.
Não sei qual é o plano dele, exatamente. Ele não compartilha
detalhes comigo. Na verdade, ele tem prazer em retê-los. Não
tenho permissão para entrar na sala enquanto ele tem suas
sessões de estratégia com seus principais tenentes e meu irmão.

Eu sei mais sobre seus negócios do que ele pensa, no


entanto. Sou inteligente e observadora. Eu não me escondo
espionando como Rodion faz, mas ouço coisas do mesmo jeito.

Adrian também me conta coisas. Ou pelo menos, ele


costumava. Quanto mais perto meu pai o puxa para o negócio,
mais Adrian se afasta de mim. Às vezes, as coisas são como
sempre foram entre nós. Mas às vezes não são.

O que quer que Papa tenha reservado para os Gallos, não é


bom.

Eu vi sua expressão quando ele fala sobre a máfia italiana e


irlandesa. Ele está furioso com a forma como eles insultaram a
Bratva. Como eles roubaram nosso território e destruíram nossos
negócios. Como eles mataram nossos homens.

Fergus Griffin atirou em Kolya Kristoff no Harris Theatre,


depois usou suas conexões políticas para ir embora sem olhar
para trás. Isso poderia ter sido perdoado – afinal, Kristoff era um
merda arrogante que pensava que poderia enfrentar as duas
famílias mais poderosas da cidade, sem garantir adequadamente
sua aliança com a máfia polonesa.
Mas então os Gallos roubaram o Winter Diamond.

Esse é um insulto que nunca pode ser esquecido.

Essa pedra tem uma qualidade quase mítica para a Bratva.


Todos os tipos de rumores e lendas giram em torno dela.
Acredita-se que traz sorte para quem a possui. Uma vez perdida,
entretanto, toda aquela sorte se transforma em ruína.

Eu não acredito em maldições. Mas é verdade que logo


depois que a pedra foi roubada do czar Nicolau II, toda sua família
foi executada por revolucionários.

A partir de então, o diamante passou de dono a dono. De


ladrão a colecionador, de colecionador a oligarca. Finalmente, foi
recuperado pelo Museu Hermitage em São Petersburgo.

É um diamante azul quase impecável, cinquenta quilates,


quase sem preço – embora, é claro, quando as pessoas querem
vender alguma coisa, sempre concordam com o preço.

A Bratva sabia que Kristoff estava com a pedra. Ele roubou


do museu. Ele fingiu que não, mas você não pode manter algo
assim em segredo. Ele usou um de seus tenentes no roubo, sem
dizer a ele o que eles estavam roubando. O momento do roubo
era óbvio, e o tenente manteve os olhos abertos constantemente,
procurando onde Kristoff o escondera em sua casa. Ele o avistou
uma vez no cofre pessoal de Kristoff, enquanto Kristoff guardava
um depósito em dinheiro. Provavelmente Kristoff sabia que tinha
sido visto, porque quando ele morreu pouco depois, e seus
tenentes retiraram seu cofre, o diamante não estava em lugar
nenhum.

Demorou vários meses para rastrear onde ele o colocou.


Como um tolo, ele o guardou com um estranho: Raymond Page,
o homem que dirigia o Alliance Bank em Chicago. Ele o colocou
em seu cofre, que deveria ser impenetrável. Mas é claro, todo
cofre tem sua fraqueza. Nesse caso, esse ponto fraco era Nero
Gallo.

Foi meu pai quem descobriu a verdade. Ele convidou Page


para um cruzeiro noturno no Lago Michigan. Ele agia como se
quisesse retomar a relação comercial do Bratva com o Alliance
Bank, agora que estava substituindo Kristoff como chefe do
Bratva.

Eu estava lá naquela noite, junto com meu irmão – talvez


para deixar Page à vontade. Para fazer com que parecesse um
evento social.

Page não estava à vontade. Ele trouxe dois guarda-costas,


ambos selecionados por tamanho e intimidação, e ambos
armados.

Enquanto todos nós comíamos um jantar de linguado


escalfado e um Riesling fino e seco, Raymond Page começou a
relaxar. Mais importante, seus guardas relaxaram também.
Rodion ofereceu-lhes cigarros com ópio. A droga fez efeito
rapidamente. Não foi o suficiente para matá-los imediatamente,
mas os desacelerou a tal ponto que foi fácil para Rodion e Iov
colocar balas em suas testas antes que pudessem puxar as
armas.

Seus corpos caíram no convés, e Page deixou cair o garfo no


prato, o molho béchamel espirrando em meu braço nu. Eu estava
sentada ao lado dele, uma posição que me irritou completamente,
pois permitiu que ele espiasse a frente do meu vestido a noite
toda.

Agora ele não estava olhando para qualquer lugar a não ser
para meu pai, seu rosto congelado de horror.

Ele começou a gaguejar e implorar, tentando se explicar.

— Não foi minha culpa! Eu não dei nenhuma informação,


eles invadiram o cofre! Eles roubaram a pedra! Eu não tive nada
a ver com isso, eu não...

Meu pai ficou perfeitamente calmo e até continuou comendo


seu linguado em mordidas medidas.

— Quem roubou? — Ele perguntou.

— Foi Nero Gallo! — Page chorou. — Estou certo disso. Ele


veio ao cofre uma semana antes. Ele estava olhando o layout, as
câmeras...
— Onde está a pedra agora?

— Não sei! — Page gemeu. — Tenho procurado e ouvido.


Tenho dinheiro em centenas de lugares, suborno, se alguém
puder me dizer para onde foi...

Meu pai ignorou isso, já que obviamente os esforços de Page


não estavam dando resultado.

— Como Nero Gallo descobriu sobre a pedra? — Ele


demandou.

Foi aí que Raymond Page hesitou. Ele não queria contar


essa informação específica. Talvez seja quando meu pai decidiu
torturá-lo. Ou talvez ele planejasse fazer isso de qualquer
maneira.

Naquele ponto, tínhamos navegado para longe no lago.


Longe da costa ou de qualquer outro barco. Se Page estivesse
prestando atenção, ele notaria que não estávamos seguindo a
rota normal de um cruzeiro.

A água estava agitada tão longe da costa. Isso balançou o


barco com força, fazendo meu vinho espirrar na borda da minha
taça. Não toquei no vinho ou na comida. Isso foi outra coisa que
Page poderia ter notado, se ele não estivesse tão distraído com
meu peito.
Rodion amarrou Page a uma cadeira. Ele tirou os sapatos e
as meias. Pegou um conjunto de alicates com lâminas curvas e
perversas e os abriu em volta do dedão do pé de Page.

— Nããão! — Page uivou. — Por favor! Eu vou te contar tudo!

— Sim. Você vai, — meu pai disse, dando outra mordida em


seu peixe.

Ele acenou com a cabeça para Rodion, e Rodion apertou as


alças dos alicates com um estalo violento. O dedo do pé de Page
rolou pelo convés de madeira.

No final, Page confessou tudo – que contara à filha sobre o


diamante, porque ela era fascinada por pedras preciosas. Que ele
até a deixou segurá-lo uma vez, depois de jurar segredo. Que Nero
Gallo seduziu a dita filha e a convenceu a trazê-lo para o cofre.
Que ela provavelmente tinha contado a ele sobre o diamante
escondido dentro dele.

— Por favor, não a machuque, — ele murmurou, com os


lábios pálidos pelo choque e perda de sangue. Ele tinha perdido
todos os dedos dos pés naquele ponto, e alguns das mãos. — Não
foi culpa dela. Ela não sabia... ela não sabia de nada...

Fui forçada a assistir a coisa toda, e Adrian também. Ele se


sentou do meu outro lado, segurando minha mão sob a toalha de
linho.
Eu queria gritar. Eu queria chorar. Mas eu não poderia fazer
nada disso com meu pai tão perto. Mantive meus olhos fixos no
meu prato, desejando poder impedir meus ouvidos de ouvir os
uivos de dor de Page.

Certo de que havia conseguido todas as informações que


Page sabia, meu pai acenou com a cabeça para Rodion que
colocou uma bala na nuca do banqueiro. Então ele terminou de
remover o resto dos dedos de Page e puxou seus dentes também,
então seria mais difícil identificar o corpo se ele fosse encontrado.
Ele tirou as roupas de Page, assim como as dos guarda-costas.
Então atou pesos aos corpos e os jogou sobre o parapeito no lago.

Os marinheiros começaram a limpar o sangue do chão. Meu


pai comprou o barco e contratou pessoalmente o pessoal. Isso é
outra coisa que Page deve ter notado – que cada um dos
funcionários tinha tatuagens Bratva em seus braços ou pescoço,
por baixo de suas camisas polo brancas imaculadas.

Mas a maioria das pessoas não é muito observadora. Mesmo


em nosso mundo, onde um lapso momentâneo pode fazer com
que você morra.

Quando o barco deu a volta para voltar para a costa, meu


estômago embrulhou. Tive que me levantar e caminhar até a
grade, onde me inclinei e vomitei na água.

— O que há de errado, malen'kiy? — Meu pai perguntou.


— Nada, — eu disse. — Só um pouco enjoada.

— Beba seu vinho, — disse ele. — Isso vai ajudar.

Sentei-me novamente, pegando a haste fina da minha taça


entre dedos trêmulos. Quando levantei a taça aos lábios, vi uma
pequena gota de sangue suspensa no vinho, escura como
granada contra o Riesling de cor âmbar. Meu pai estava
assistindo, então eu tive que engolir.

Essas são todas as coisas que estou lembrando enquanto


meu pai me observa com seus olhos de gelo. Olhos que se
parecem muito com o retrato de Suvorov pendurado na parede.

Meu pai estava na KGB, na OP Directorate 16 – a divisão


encarregada de combater o crime organizado. Depois de ser
impedido para promoção por um rival, meu pai saiu da agência
e, em vez disso, usou o que aprendeu para subir na hierarquia
da Bratva. Em três anos, ele era um dos maiores chefes de
Moscou. Ele ordenou que seu ex-adversário fosse assassinado,
junto com sua família.

Papa tem uma mente militar. Ele é um estrategista. Ele faz


planos e os executa – de maneira implacável e perfeita. Ele não é
um gângster chamativo como Kristoff, egoísta e facilmente
enganado.

16 No português: Diretoria de Operações.


— Você continuará saindo com Sebastian Gallo, — ele
repete. — Mas não se entregue a ele. Você tem que mantê-lo com
fome. Deixe-o querendo.

— Sim, pai. — Eu concordo.

Minha virgindade é apenas mais uma ferramenta no arsenal


de meu pai – algo que ele dará no momento de sua escolha, para
o homem de sua escolha.

Eu não vou ter nada a dizer sobre o assunto.


Continuo saindo com Yelena, cada vez com mais frequência.

Ela me pede para encontrá-la em lugares, provavelmente


porque ela não quer que eu seja interrogado por seu pai mais do
que o necessário. Ela me disse que ele sabe que estamos
namorando. O que é um alívio – isso poderia explodir na minha
cara de forma espetacular, se estivéssemos nos esgueirando
pelas costas dele.

Na verdade, é minha família que está mais no escuro do que


a dela.

Sei que Nero vai pensar que estou louco por namorar a filha
do mais novo chefe da Bratva – especialmente quando nossos
conflitos do passado não foram totalmente resolvidos. Mas ele
está muito ocupado com o South Shore Development para
perceber.
Enquanto eu continuar cuidando da minha parte nos
negócios da família, pegando a espaço agora que Dante se foi e
cuidando de tudo que meu pai não tem vontade de fazer, ninguém
dá muita atenção ao que faço no meu tempo livre.

Esse tempo livre é cada vez mais dedicado a Yelena.

Quanto mais tempo eu passo com ela, mais eu quero.

Eu a levo por toda Chicago, mostrando-lhe a cidade.

Eu a levo para o Art Institute e para a escultura Cloud Gate


no Millennium Park. Vamos fazer compras na Magnificent Mile e
visitar o Lincoln Park Zoo. Eu me ofereço para levá-la até o 360
Observation Deck, sabendo que ela pode recusar, já que ela não
é fã de altura. Mas, impulsionada pelo sucesso de nosso passeio
na roda gigante, Yelena concorda em ir.

Pegamos o elevador até o andar 103. Quando saímos,


deparamo-nos com uma parede de vidro, com a cidade inteira
espalhada abaixo de nós. Estamos tão no alto que é quase como
estar em um avião em vez de um prédio. Aponto as partes da
cidade que reconheço: as marinas, o rio, a área do Lincoln Park
que visitamos há dois dias.

Yelena olha para a cidade com os olhos arregalados.

— Tudo aqui é tão... grande, — diz ela. — É tudo em uma


escala tão grande.
— Isso faz você se sentir minúscula? — Eu pergunto.

— Faz... e não faz. Isso me faz sentir insignificante... mas


também como se eu pudesse realizar qualquer coisa aqui. Como
se não houvesse limite.

— O que você faria? — Eu pergunto a ela. — Se você pudesse


fazer alguma coisa?

— Não sei... — ela diz, olhando para a grade cada vez maior
de ruas e prédios altos. — Eu acho... eu gostaria de ir para a
escola de música. Não como artista – para composição. Eu tenho
essas melodias tocando na minha cabeça... gostaria de ser
melhor em organizá-las e defini-las.

— Quero ouvir você tocar, — digo a ela. Estou curioso há


um tempo.

Yelena fica vermelha. — Eu te disse, não pratico há muito


tempo. Não tem piano em nossa nova casa.

— Tem na minha, — eu digo.

Era da minha mãe e ainda está lá em cima, na sua sala de


música. Ninguém mais usa, exceto Aida em raras ocasiões. Mas
eu sei que meu pai nunca se livraria disso.

Ele não está em casa hoje, surpreendentemente. Aida o


convidou para um jantar com Fergus e Imogen Griffin e um grupo
de pessoas da Chicago Literary Society 17 . Talvez ela tenha
pensado que ele gostaria, já que ele é uma das pessoas mais lidas
que já conheci. Ou talvez ela estivesse desesperada para tirá-lo
de casa e achasse que era uma boa desculpa.

Independentemente do motivo, isso significa que posso


mostrar à Yelena a sala de música de minha mãe sem ter que
fazer apresentações estranhas.

— Você quer me mostrar sua casa? — Yelena diz.

— Sim.

— OK. Mas eu quero estar naquela caixa de vidro primeiro,


— diz ela.

A caixa em questão está suspensa na lateral do prédio, a


cerca de 400 metros de altura. O chão é totalmente transparente,
assim como as paredes.

— Você quer entrar aí? — Eu digo, surpreso.

— Sim, — diz ela, com firmeza.

Conforme nos aproximamos, posso ver arrepios subindo e


descendo por seu corpo. Seu rosto está pálido e seus lábios estão
brancos.

17 No português: Sociedade Literária de Chicago.


Não quero tentar convencê-la a desistir, então apenas pego
seu braço, para ajudá-la a firmar seus passos.

Ela se agarra ao meu bíceps, arrastando os pés como se


estivesse com medo de levantá-los. Aos poucos, vamos entrando
na caixa até estarmos inteiramente fora da Willis Tower,
flutuando no ar com apenas alguns centímetros de acrílico entre
nós e uma queda infinita.

Yelena parece que vai desmaiar. Sua expressão está em


partes iguais de horrorizada e fascinada.

— Não sei por que isso me assusta tanto, — diz ela. —


Logicamente, eu sei que é seguro – centenas de pessoas ficam
aqui todos os dias sem cair. Ainda assim, todo o meu corpo está
gritando comigo.

Seus músculos estão rígidos de tensão. Ela se força a olhar


para baixo, mesmo quando uma fuligem cinza passa voando
diretamente sob nossos pés.

Não posso deixar de ficar impressionado com sua força de


vontade. Seu desejo de ultrapassar seus próprios limites.

Eu geralmente faço o que vem naturalmente para mim. Não


costumo me forçar a fazer o oposto do que gosto.

Por fim, Yelena solta um pequeno suspiro e diz: — Tudo


bem, podemos ir agora.
Ela parece calma e aliviada enquanto voltamos para o
elevador.

— Talvez você seja apenas uma masoquista, — eu a provoco.

— Eu poderia ser, — Yelena disse calmamente. — Às vezes,


quando você nega os prazeres usuais... você encontra outras
maneiras de entreter sua mente.

Ela aludiu ao fato de que sua vida familiar não tem sido
feliz, embora ela não me dê detalhes. Ela prefere falar sobre o
irmão, que ela adora, do que sobre o pai.

Eu quero aprender tudo sobre ela, mas ela é complicada –


como uma caixa de quebra-cabeça onde você tem que alinhar
cada peça perfeitamente para que ela se abra. Muitas vezes,
quando penso que estamos nos aproximando, ela se afasta
novamente.

Posso dizer que vai demorar muito para ela realmente


confiar em mim.

Eu levo Yelena de volta para a casa da minha família na


Meyer Avenue. É uma grande mansão vitoriana em um terreno
densamente arborizado. As árvores crescem tão densas ao redor
que você só pode ver pedaços da casa conforme se aproxima. As
partes que você pode ver não parecem particularmente
impressionantes – os frontões estão cedendo com o tempo e o
acabamento de madeira precisa de pintura. As janelas de
chumbo parecem misteriosas e escuras, mesmo durante o dia.

Mas, para mim, é a casa velha mais bonita que se possa


imaginar. Cada pedacinho disso é um lar. Eu amo os rangidos e
gemidos, o cheiro das cortinas empoeiradas e os pisos de madeira
oleada.

Estaciono na rua para poder levar Yelena para dentro pela


porta da frente, em vez de pela garagem subterrânea.
Caminhamos pelo jardim da frente, que está cheio de arbustos
de lilases perfumados, cerejeiras pretas e bordos boxelder. Uma
banheira de pássaros de pedra reflete um círculo do céu como
um espelho.

Os degraus de madeira estão flácidos, cobertos de flores


lilases desabrochadas. À medida que os esmagamos sob nossos
pés, aquele doce aroma sobe, quente e de verão.

— Você sempre morou aqui? — Yelena me pergunta.

— Toda a minha vida. Até que me mudei para estudar no


campus.

— Como foi estar na faculdade? — Yelena me pergunta. —


Exatamente como nos filmes?

Eu considero. Antes deste mês, eu diria que foi a época mais


feliz da minha vida: rodeado de amigos, famoso na minha escola,
praticando um esporte que adoro e mal prestando atenção nas
aulas. Festas todos os fins de semana e jogos que tratei com a
seriedade de uma guerra total.

Mas agora... está tudo começando a parecer um pouco bobo.


Eu era uma criança jogando um jogo. Deleitando-se com a
atenção.

Eu penso em todos os cumprimentos e tapinhas nas costas,


e eles não parecem mais valiosos.

Agora acho que prefiro a aprovação de apenas uma pessoa...


se fosse a pessoa certa.

— Sim, era como nos filmes, — digo a ela. — Só que a


comida do refeitório é ainda pior do que você pensa.

Yelena sorri. Ela já aprendeu o quanto adoro comida.

— Deve ter sido difícil para você, — ela diz.

— Foi. Quase definhei.

Destranco a porta da frente. Eu ainda tenho minha chave.


Todos os filhos Gallo têm chaves. Esta sempre será nossa casa,
não importa aonde formos.

— Sem guarda? — Yelena diz surpresa.

— Há um sistema de alarme e câmeras, — digo a ela. — Mas


não temos segurança ao vivo.

Ela franze a testa. — Seu pai mora aqui sozinho?


— Com nossa governanta.

Chamo por Greta, mas ela não atende. Ela provavelmente


está fazendo compras – aproveitando a oportunidade para
perambular por todas as suas lojas favoritas enquanto meu pai
está fora.

— Que pena, — eu digo. — Eu queria que você a conhecesse.

Yelena ainda parece desconfortável com nossa falta de


segurança – provavelmente porque a casa de seu pai é muito bem
guardada o tempo todo. Ela pode estar certa. Quando Dante e
Nero estavam morando aqui, não era uma preocupação. Mas
temos muitos velhos inimigos que ainda podem guardar rancor.

Eu a levo pela parte principal da casa – a antiga sala de


estar, com seus retratos de ancestrais mortos há muito tempo. A
biblioteca do meu pai, que está repleta de todos os livros que ele
já leu.

Em seguida, mostro a ela meu antigo quarto, forrado com


pôsteres assinados por Kobe Bryant e John Stockton.

— E quanto a Michael Jordan? — Ela diz, levantando uma


sobrancelha para mim. — Ele não é daqui?

— Nenhum pôster, mas eu tenho um de seus cartões.

Mostro a ela meu cartão de basquete Fleer 1987, envolto em


acrílico.
— Eles valem uma fortuna agora? — Ela me pergunta.

— Alguns valem – não este. Mas eu achava que era muito


legal quando era criança.

A maior parte dos meus móveis antigos ainda está aqui,


exatamente como costumava ser. Incluindo minha cama de
solteiro, na qual eu costumava dormir com os pés pendurados
para fora. Sinto como se Yelena e eu estivéssemos olhando para
as cobertas cuidadosamente dobradas e puxadas com força sobre
o colchão. Uma tensão engraçada surge entre nós.

Estou pensando em como aquela versão jovem de mim


mesmo teria morrido para ver uma garota tão linda no meu
quarto.

Não tenho certeza do que Yelena está pensando.

Nós nos beijamos em todos os nossos encontros, mas


nenhum de nós empurrou isso ainda mais. Estou tentando
respeitar sua situação familiar estrita. Apesar da minha
disciplina, cada vez que me aproximo dela, estou morrendo de
vontade de colocar minhas mãos em cima dela.

Para me distrair, digo: — Deixe-me mostrar a sala de


música.

A sala de música da minha mãe fica no último andar da


casa. É um dos espaços mais bonitos e ensolarados, com grandes
janelas de vidro colorido em três lados.
Seu piano é um lindo Steinway – marrom mogno, a madeira
entalhada com rolos e arabescos, flores e videiras. A sala ainda
cheira levemente a seu perfume e o cheiro de papel de partituras.

Yelena se aproxima do piano com ar de espanto.

— É um lindo instrumento, — diz ela.

— Nós o ajustamos todos os anos, — digo a ela. — Então,


deve soar bem.

Ela hesita ao lado do banco de couro macio, e eu digo: — Vá


em frente, sente-se.

Observá-la deslizar para o lugar me dá um arrepio.

A maneira como Yelena se senta, e a maneira como Aida se


senta, são completamente diferentes. Yelena se senta com a
mesma postura ereta perfeita que minha mãe sempre teve, com
suas lindas mãos delgadas posicionadas acima das teclas
exatamente da mesma maneira.

Elas não se parecem – minha mãe tinha cabelos escuros e


Yelena claros. Mas posso dizer de uma vez que Yelena é uma
musicista habilidosa, por mais que ela subestime isso.

Seus dedos pressionam suavemente as teclas, testando o


som. As notas soam limpas e claras, ecoando neste espaço de
canto com seus tetos abobadados.

Yelena começa a tocar de memória.


Suas mãos se movem perfeitamente pelas teclas, sem
tropeços ou hesitações. Há um fluxo em seu toque, há
sentimento. Seus olhos estão fechados, e quase posso assistir a
música jorrar diretamente de seu cérebro, pelos braços, pelos
dedos.

Eu nunca ouvi essa música antes. Isso me lembra de uma


noite fria e chuvosa, ou de uma pessoa em busca de algo perdido.
Enquanto ela toca, as imagens surgem diante dos meus olhos e
desaparecem novamente: luz refletida no vidro. Ruas vazias da
cidade. E a maneira como as mãos da minha mãe se moviam
suavemente assim, ao tocar piano, ou ao colocar uma mecha de
cabelo atrás da orelha.

Fico assustado quando Yelena para, a música terminada.

— Como essa era chamada? — Eu pergunto a ela.

— É chamada de “Naval” de Yann Tiersen, — diz ela.

— O que mais você quer ouvir? — Ela me pergunta.

— Toque algo russo para mim, — eu digo.

Yelena começa a tocar algo leve e rápido, que de alguma


forma evoca a sensação de flocos de neve caindo, e talvez uma
bailarina de caixinha de música girando lentamente em um
pedestal. É melancólico e queixoso.

— Qual é essa? — Eu lhe pergunto.


Ela ri baixinho. — Não é realmente russo, — diz ela. — É de
um filme antigo de animação – Anastasia. É sobre uma das filhas
Romanov. No filme, ela sobrevive à revolução, mas bate com a
cabeça e perde a memória. Mais tarde, ela percebe que é a
princesa desaparecida e se reencontra com alguns de sua família.

Ela toca o refrão da música, muito levemente.

— Eu amava aquele filme... — ela diz. — Eu pensava como


seria incrível descobrir que você era uma princesa. Para ser
arrancada de sua velha vida para uma nova...

De certa forma, Yelena é uma princesa. Uma princesa da


máfia. Mas eu sei que não é disso que ela está falando.

— É uma história verdadeira? — Eu pergunto a ela.

— Não. Ela foi baleada junto com o resto de sua família, e


seu corpo foi jogado em um poço de mina. Foi confirmado com
testes de DNA não muito tempo atrás. É por isso que a vida real
não é um filme.

Yelena para de tocar. Suas mãos caem em seu colo.

— Mais uma, — eu pergunto a ela. — Toque para mim algo


que você escreveu.

Suas bochechas ficam rosadas. Acho que ela vai recusar.


Mas depois de um momento, ela levanta as mãos novamente,
pressionando delicadamente os dedos nas teclas do piano.
A música de Yelena é a mais bonita de todas. Eu não sei
nada sobre música, então não posso descrever por que ou como
isso tem tal efeito em mim. Começa devagar, sutilmente. Em
seguida, ele aumenta e aumenta, com um puxão como uma
ressaca, me arrastando para baixo. A música gira em torno da
sala, preenchendo cada pedacinho de espaço do chão ao teto. É
selvagem e assustador, melancólico, mas insistente. É algo
dentro dela chamando algo dentro de mim, exigindo que eu
escute. Exigindo que eu entenda.

Quando ela para, não sei se ela está jogando há um minuto


ou uma hora.

— Isso foi incrível, — eu digo.

Minhas palavras parecem fracas em comparação com o que


ela acabou de fazer. Ela expressou algo poderoso, e não posso
comparar com um elogio.

Tudo o que posso fazer é dizer: — Estou atordoado, sério.


Você escreveu isso?

— Sim, — diz Yelena com uma timidez que nunca vi nela


antes. — Você gostou mesmo?

— Claro que sim.

— Meu pai diz que tudo que toco é deprimente.


— Bem... eu não ia dizer nada. Mas estou começando a
achar que seu pai pode ser um pouco idiota.

Yelena bufa uma risada, por trás daqueles dedos finos e


extremamente talentosos.

Ela me fixa com seus olhos lindos, a cor do céu antes de


escurecer.

— Ele é perigoso, — ela me diz séria. — Muito perigoso,


Sebastian. Ele tem ressentimentos. Ambições.

— Eu sei o que ele é, — digo a ela. — É por isso que não


liguei para você naquela primeira semana. Eu queria, acredite em
mim. Mas sei que isso não é exatamente seguro para nenhum de
nós.

Ela baixa os olhos e morde o canto do lábio.

— Se ele está bem conosco namorando, ele não pode estar


tão chateado, — digo a ela. — Talvez possamos enterrar todos os
ressentimentos do passado. Seguir em frente, fazer algum tipo de
acordo. Afinal, se minha família pode fazer as pazes com os
Griffin... — Eu estremeço, pensando no som do meu joelho
quebrando. — Se pudermos fazer isso, qualquer um pode
aprender a se dar bem.

Ela não me respondeu de imediato, torcendo as mãos no


colo. Ela parece chateada. Talvez ela pense que sou muito
otimista e seu pai certamente vai me atacar eventualmente.
— Ei, — eu digo, agarrando seu queixo e inclinando seu
rosto para que ela olhe para mim. — Não se preocupe comigo. Eu
te disse, posso cuidar de mim mesmo. Posso cuidar do seu pai se
for preciso. Já enfrentei coisas piores.

Ela balança a cabeça. — Não há ninguém pior, — diz ela.

Para impedi-la de se preocupar, eu me inclino e a beijo. Sua


boca está tão doce como sempre, embora não tenhamos comido
funnel cake desta vez. Seus lábios são os mais carnudos que já
toquei – isso torna o beijo incrivelmente satisfatório. Eu poderia
fazer isso por horas.

Mas, Deus, eu quero fazer muito mais do que isso.

Enquanto nos beijamos, não posso evitar de deixar minhas


mãos deslizarem por seu corpo.

Ela está usando um vestido de verão de algodão azul claro


com botões na frente. Eu deixei meus dedos percorrerem sua
garganta longa e esguia, para a sua clavícula e, em seguida, um
pouco mais abaixo para o topo de seu seio. Eu a sinto inspirar
profundamente quando toco o espaço entre seus seios, que é
exatamente a largura do meu dedo médio.

Sem o piano, a sala parece intensamente silenciosa. Tudo o


que posso ouvir é a respiração dela e meu próprio batimento
cardíaco. Suavemente, eu traço o formato de seu seio, deixando
meus dedos mergulharem na frente de seu vestido.
Ela não está usando sutiã. Meu polegar passa sobre seu
mamilo, que está rígido, destacando-se contra o material fino.
Yelena solta um pequeno gemido.

Eu não consigo parar.

Caio de joelhos na sua frente, então ela está sentada no


banco do piano e eu ajoelhado no chão de madeira duro. Eu
desabotoo os três primeiros botões de seu vestido, deixando esses
lindos seios transbordarem.

Seus seios são de um branco cremoso, em forma de lágrima,


com mamilos bronzeados. Eu os pego em minhas mãos e Yelena
geme, pressionando seus seios com força contra minhas palmas.
Posso dizer que ela é incrivelmente sensível.

Pego seu seio em minha boca e começo a chupar. Yelena


geme novamente, agarrando minha cabeça e pressionando minha
boca com mais força contra seu peito.

— Oh meu Deus, — ela geme. — Não pare.

Eu vou e volto entre seus seios, sugando um mamilo e


acariciando o outro com a minha mão, em seguida, troco de
lugar, até que seus mamilos estão inchados e latejantes, e seus
seios pálidos estão rosados.

Yelena joga a cabeça para trás, arqueando as costas para


me apresentar o seio mais prontamente, gemendo de prazer.
Eu sei que ela deve estar encharcada. Ajoelhado entre suas
coxas, posso sentir o cheiro doce e almiscarado de sua boceta.
Isso me faz salivar.

Eu não tinha planejado levar isso adiante – não ainda. Mas


não consigo mais me conter. Eu empurro suas coxas e levanto
sua saia. Ela está usando calcinha – algodão branco. Eu puxo
para o lado, revelando uma boceta rosa-concha, brilhando,
molhada.

Eu não consigo resistir. Enterro meu rosto entre suas


pernas, inalando aquele cheiro inebriante. Isso me transforma
em um animal. Eu tenho que lamber e esfregar meu rosto
naquela boceta doce, eu preciso prová-la, tocá-la, fazê-la gritar.

— Oh! Oh! — Yelena engasga, enfiando as mãos no meu


cabelo. Ela não precisa me encorajar – estou comendo sua boceta
como um homem faminto. Estou empurrando minha língua
dentro dela, então chupando suavemente seu clitóris.

Enquanto faço isso, estendo a mão para acariciar aqueles


seios novamente.

Yelena mal consegue suportar a combinação dos dois. Ela


tenta conter os gemidos, mas é impossível. Ela está se
contorcendo e esfregando no meu rosto, enquanto eu seguro os
dois seios, apertando e puxando seus mamilos, massageando
todo o seio e, em seguida, puxando meus dedos até a ponta.
Suas coxas estão descansando em meus ombros e ela está
apertando em volta da minha cabeça, seu clitóris moendo para
frente e para trás na minha língua. Ela está respirando mais
rápido e mais forte, gritando: — Pozhaluysta!

Ela dá um último aperto convulsivo nas coxas, as costas


arqueadas e todo o corpo tenso e trêmulo. Eu aperto seus
mamilos com força, aumentando a intensidade e o prazer
enquanto posso.

Então, finalmente, Yelena relaxa, seu rosto corado e sua


pele brilhando quente.

— Ohhh, o que você está fazendo comigo... — ela geme.

— Eu preciso de você, — digo a ela. — Eu preciso mais de


você. Não posso esperar mais.
Ai meu Deus, nunca experimentei nada assim.

Nunca fui tocada como Sebastian me toca.

Ele deixa todos os nervos do meu corpo em chamas. Ele me


deixou ofegante, arquejando, desesperada por mais.

Isso não foi um orgasmo. Foi um vislumbre do Nirvana.

Quando saímos da casa dos Gallo, mal consigo andar em


linha reta. Sebastian não consegue parar de sorrir – ele está
muito satisfeito consigo mesmo. Como ele deveria estar.

Está começando a ficar tarde. Eu realmente deveria voltar


para casa. Meu pai sabe que ainda estou saindo com Sebastian
– por ordem dele – mas não sabe com que frequência. Eu saio
furtivamente para encontrar Sebastian várias vezes por semana,
porque não me canso dele. Mas não quero que meu pai saiba o
quão perto estamos. Isso não faz parte de seu plano.
Não sei qual é realmente o plano dele – tudo que sei é que
não envolve cair de pernas para o ar pelo nosso inimigo.

Ainda assim, não consigo me conter.

Estou tão confusa. Parte de mim acha que devo terminar


com Sebastian. Eu sei que isso não pode acabar bem. Se eu
realmente me importo com ele, deveria terminar agora e dizer ao
meu pai que Sebastian não quer mais me ver. Isso vai acabar com
qualquer ideia que ele tenha na cabeça.

Mas a ideia de acabar com isso... eu não aguento.

É a primeira vez na vida que me sinto feliz. Quando estou


com Sebastian, esqueço meu pai, seus soldados e tenentes e
nossa casa que parece uma prisão dourada. Eu esqueço a
pressão constante e a desaprovação constante. As ameaças não
ditas. A total falta de privacidade e a suposição de que sou apenas
um acessório que pode ser usado como meu pai achar melhor.

Sebastian me faz rir. Ele me faz sentir segura. Ele me leva a


lugares lindos, para que possamos experimentar novas
paisagens, cheiros e sabores juntos.

Quando estou com ele, sinto-me eu mesma. Não é como


uma filha, ou irmã, ou princesa Bratva. Apenas Yelena.

Eu quero dizer a ele a verdade. No mínimo, devo dizer a ele


que não foi por acaso que nos conhecemos naquela noite. Que eu
não estava realmente sendo sequestrada. Estou envergonhada
por esse engano. Eu estava seguindo as ordens do meu pai – ele
achava que era crucial que Sebastian e eu parecêssemos nos
encontrar por acaso. E ele pensou que a melhor maneira de
cativar Sebastian era fazê-lo pensar que ele me “salvou”.

Agora percebo que só funcionou porque Sebastian é um


bom homem. Ele interveio para ajudar uma estranha. Ele me
protegeu, antes que ele soubesse algo sobre mim.

Ele não tinha ideia de que eu era uma isca brilhante, com
um anzol escondido dentro.

Eu tenho que contar a ele.

Mas estou com medo.

Só nos conhecemos há algumas semanas. Se eu contar a


ele, eu estava mentindo para ele desde o momento em que nos
conhecemos... por que ele iria confiar em mim novamente?

Estou em um buraco e não sei como sair. A cada dia que


passa, vou cada vez mais fundo. Cada vez que fico em silêncio, é
como se eu estivesse mentindo para ele de novo.

Ele vai ficar com raiva. Eu sei que ele vai. Ele não vai querer
mais me ver.

Não posso voltar a ser como minha vida era antes –


monótona e solitária. Sem nem mesmo um vislumbre de
esperança.
Além disso, se Sebastian terminar comigo, se meu pai
descobrir que estraguei seus planos... não sei o que ele fará
comigo. Seu temperamento é horrível. Quando ele fica furioso,
nada nem ninguém está a salvo dele.

Estou em uma posição horrível.

— O que devemos fazer agora? — Sebastian me pergunta.

— Eu provavelmente deveria ir para casa... — Eu digo a ele.

— Não vá ainda, — ele insiste. — Fique comigo um pouco


mais.

— O que você quer fazer?

— Vamos subir de carro até as dunas e ficar um pouco


sentados na areia. Eu tenho alguns cobertores na parte de trás
da caminhonete.

A ideia de sentar-se na margem do lago com Sebastian é mil


vezes mais atraente do que a ideia de voltar para casa. Mesmo
sabendo que é uma má ideia, não consigo resistir.

Subo na caminhonete de Sebastian, que está se tornando


cada vez mais familiar para mim. Eu amo o jeito que cheira a ele
– como espinheiro e noz-moscada, como roupa lavada e borracha.
Os assentos estão gastos e o para-brisa está rachado. Eu gosto
que Sebastian não se importe. Apesar de sua boa aparência, ele
não é vaidoso. Ele não usa roupas de marca ou um relógio caro.
Na verdade, a única joia que ele usa é o minúsculo
medalhão de ouro em uma corrente em volta do pescoço.

— O que é isso? — Pergunto-lhe.

— É Santo Eustáquio. O santo padroeiro dos caçadores,


armadores, bombeiros e, uh... situações difíceis.

— Eu não sabia que você era católico.

— Eu não sou. Meu tio era. Ele costumava usar isso todos
os dias. Ele disse que dava sorte. Então ele deu para mim... e
morreu um mês depois. Então, talvez ele estivesse certo.

Eu engulo em seco, pensando no Winter Diamond. Kristoff


o colocou em um cofre e foi baleado logo em seguida. Se meu pai
estiver certo, os Gallos também não têm mais a pedra. Eles o
venderam para financiar seu desenvolvimento imobiliário.

— Como seu tio morreu? — Eu pergunto a Sebastian.

Ele se mexe desconfortavelmente em seu assento, girando o


volante para sair da cidade em direção ao parque estadual.

— Bem... ele foi morto por Bratva, — diz ele. — Mas eu não
quero que você se sinta mal por isso. Foi há quinze anos, quando
a divisão de Chicago era administrada pelo chefe antes do último
chefe. Então... duvido que tenha sido alguém que você conhece.

Meu estômago está revirando e meu rosto está pegando


fogo. Eu deveria contar a Sebastian. Eu deveria contar a ele.
Mas não consigo. Há muito sangue ruim entre nossas
famílias. Tanta desconfiança. Ele só gosta de mim porque pensa
que sou diferente de meu pai e de seus homens. Se ele descobrir
que eu fazia parte do plano deles desde o início... ele não vai me
perdoar. Ele não será capaz de ver além disso. E sua família
também não. Eles vão ter certeza de que é a prova de que sou
Bratva também. Uma mentirosa e intrigante. Cheia de más
intenções e rivalidade.

— Você era próximo dele? — Eu pergunto a Sebastian.

— Sim, — ele diz. — Ele era o irmão mais novo do meu pai
– não muito mais velho do que Dante. Então ele meio, que parecia
um irmão mais velho para mim também. Ele era competitivo. Ele
adorava irritar as pessoas. Mas ele não era cruel. Você sabe, a
maioria das pessoas que gostam de provocar e brincar, às vezes
ultrapassam os limites. Eles realmente não se importam se você
está rindo junto com eles. Francesco não era assim. Ele não batia
em você onde doía. Mas ele era confiante demais. Ele nunca
pensou que poderia perder em nada. Mesmo que ele estivesse dez
peças abaixo jogando xadrez contra Nero, ele sempre pensou que
estava prestes a voltar...

Sebastian suspira, parando no estacionamento próximo à


praia e desligando o motor.

— Provavelmente foi isso que o matou. Quando você é


infinitamente otimista... você vai se enganar eventualmente.
Sebastian sai da caminhonete, pegando alguns cobertores
pesados de cama.

Tiramos os sapatos e as meias, deixando-os na


caminhonete, para andarmos descalços pela areia.

As dunas não são tão cheias quanto as praias próximas à


cidade, especialmente à noite em um dia de semana. Sebastian e
eu caminhamos até a costa, longe de qualquer outra pessoa. É
um pouco mais rochoso aqui, mas não me importo. Temos os
cobertores para deitar.

O sol está quase se pondo. O calor ainda está irradiando da


areia. Ainda mais calor sai do corpo de Sebastian. Estou deitada
com a cabeça em seu peito, sentindo a constante ascensão e
queda de seus pulmões. Ondinhas quebram na praia, quase no
mesmo ritmo.

Ele está acariciando meu cabelo com as mãos.

Sebastian tem um toque incrível. Suas mãos são tão


grandes e com dedos longos que você pensaria que seriam
desajeitadas, mas é exatamente o oposto. Ele é um verdadeiro
atleta, nunca descoordenado. Ele me toca com a mistura perfeita
de força e delicadeza, nem muito forte nem muito suave.
Provocando minhas áreas mais sensíveis e responsivas.

Mesmo sendo tão alto, seus movimentos são suaves e


precisos. Seus reflexos são perfeitos. Eu acho que eu poderia
varrer um conjunto inteiro de pratos de uma bancada, e ele
pegaria todos antes que caíssem no chão.

E então há aquele rosto.

Eu rolo de lado para olhar para ele.

Sua pele é tão bronzeada que você pode pensar que ele é
latino. Seu rosto é comprido e magro, com uma pequena barba
por fazer que não esconde a masculinidade de seus traços. Seus
olhos são a parte mais marcante dele. Eles são marrons, mas não
qualquer marrom que eu tenha visto antes. As íris contêm todos
os tons de caramelo e ouro, contornadas por anéis escuros
esfumados e emolduradas por cílios pretos e grossos. Suas
sobrancelhas são retas e escuras, e seus cachos grossos caem
quase sobre os olhos.

Então esses lábios... quase tão cheios quanto os meus. De


formato fino, mas ainda completamente masculino.

Eu me inclino para beijá-lo.

Cada vez que beijo Sebastian, acho que vou me acostumar.


Acho que vai começar a parecer mundano. Mas isso nunca
acontece. Cada vez, ele me tira o fôlego de novo.

O mundo inteiro desmorona ao nosso redor – os últimos


raios de sol, a areia quente e áspera, o som da água na costa.
Tudo desaparece, e tudo que posso sentir são seus lábios e
língua, e suas mãos fortes segurando meus ombros.
Sebastian rola em cima de mim. Percebo o quão grande e
forte ele realmente é, com todo o seu peso em cima de mim. Estou
completamente escondida embaixo dele. Completamente presa
sob ele.

Não sinto medo. Muito pelo contrário – parece o lugar mais


seguro do mundo.

Eu quero ficar dentro de seus braços para sempre.

Ele me beija mais profundamente, seu corpo esfregando


contra o meu. Eu posso sentir seu pau enrijecer, pressionando
contra minha coxa nua com apenas seu jeans entre nós.

Sinto meu próprio corpo respondendo. Ele me fez gozar com


mais força do que na minha vida há apenas uma hora, mas já
quero mais. Já estou morrendo de vontade de sentir a mesma
sensação percorrendo meu sistema, limpando todo medo e
estresse da minha mente.

Seu pau está ficando cada vez mais duro, até que a pressão
na minha perna é quase dolorosa. Sua excitação me deixa
excitada. Isso me faz querer tocá-lo do jeito que ele me tocou.

Eu me abaixo e abro o botão de sua calça jeans. Eu puxo


para baixo seu zíper e coloco a mão dentro de sua cueca boxer.

Seu pau está tão duro que bateu na perna de sua calça
jeans. Eu mal posso deslizar minha mão para baixo para tocá-lo.
Fecho minha mão em torno de seu eixo, chocada com sua
espessura. Seu pau é maior do que uma banana – é quase tão
grosso quanto meu próprio pulso. E muito mais quente. Posso
sentir latejando na palma da minha mão. Sebastian geme de
frustração.

Gentilmente, puxo seu pau para cima, e fica ainda mais


duro, agora que o sangue pode fluir livremente. Sua ereção se
projeta para fora da braguilha aberta de sua calça jeans, seu
pênis marrom e cheio de veias, com uma cabeça pesada inchada
de sangue.

Eu acaricio seu pau com a minha mão, maravilhada por


estar fazendo algo completamente proibido aqui a céu aberto. Não
tenho permissão para tocar em um homem assim. Não tenho
permissão para fazer nada sexual sem a permissão do meu pai.

Eu não posso acreditar como o pau de Sebastian é


simultaneamente macio e duro. A pele é como seda e a carne por
baixo é de ferro. Quando meus dedos pegam a pequena saliência
sob a cabeça de seu pênis, Sebastian geme em minha boca.

Seu pau está vazando fluido, o que ajuda a lubrificar minha


mão. Eu deslizo minha palma para frente e para trás na cabeça,
puxando e apertando suavemente. Sebastian está empurrando
em minha mão, e essas estocadas poderosas me deixam
encharcada, imaginando como seria ter aquele pau penetrando
outra parte do meu corpo.
Sebastian coloca a mão sob a minha saia e desliza os dedos
dentro da minha calcinha para que ele possa me tocar ao mesmo
tempo. Minha boceta ainda está inchada e sensível de antes. Ele
esfrega os dedos em círculos suaves no meu clitóris, em seguida,
desce um pouco mais para deslizar o dedo dentro de mim.

Oh meu Deus, apenas a sensação daquele dedo é excelente.


O calor e o prazer são como uma coceira sendo coçada.

Eu quero mais. Eu quero muito mais do que isso.

Sebastian também quer.

Sem falar, tiro minha calcinha e abro um pouco mais as


pernas. Sebastian posiciona seu pau quente e pesado na minha
entrada, olhando nos meus olhos.

— Tem certeza? — Ele me pergunta.

Não tenho certeza. Na verdade, se tenho certeza de alguma


coisa, é que essa é uma ideia terrível. Eu não deveria nem dar
uns amassos com Sebastian, muito menos deixá-lo tirar minha
virgindade.

Meu pai segue a expressão idiomática americana: “Por que


comprar a vaca se você pode obter o leite de graça?” Ele pretende
vender esta vaca em particular por um preço alto. Ele ficará
furioso se descobrir que destruí meu valor aos olhos dele.
Mas aqui está o problema. Eu quero foder Sebastian. Eu
quero isso mais desesperadamente do que jamais quis qualquer
coisa.

Se meu pai pretende me vender em algum momento no


futuro... então quero perder minha virgindade aqui e agora, com
a pessoa de minha escolha. Ninguém pode roubar o que não
tenho mais.

— Eu quero você, — digo a Sebastian.

Isso é 100 por cento verdadeiro. Sem mentiras, sem


motivação oculta.

Sebastian empurra seu pau dentro de mim, lentamente no


início. Mesmo sabendo que ele está sendo o mais cuidadoso
possível, ainda dói. Ele é tão grande. Um tampão ou um dedo não
está próximo. Nem mesmo um décimo do tamanho.

Ao me ver estremecer, ele faz uma pausa e diz: — Você quer


que eu pare?

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Continue.

Sebastian me beija novamente, afastando meu cabelo do


rosto com a mão livre. Isso é bom. Meu corpo relaxa um pouco e
seu pau desliza um pouco mais. Mas ainda não acabou. Atingiu
uma espécie de ponto crítico, onde parece não querer ir mais
longe.
Sebastian não parece impaciente. Ele me beija e me segura,
sua língua macia e quente em minha boca, seu hálito doce e
sensual. Ele toca meu rosto, acaricia meus seios.

E então, finalmente, com mais um impulso, ele quebra a


última barreira. Sinto uma sensação aguda e dilacerante e uma
onda de calor. Agora seu pau está melhor lubrificado. Desliza
totalmente para dentro, até que estou completamente preenchida
por ele.

Ele está totalmente dentro de mim, e estou olhando em seus


olhos, pensando que isso é o mais próximo que já estive de outra
pessoa. Aconteça o que acontecer depois disso, Sebastian será
meu primeiro amante, agora e sempre.

Minha boceta está queimando de dor e intensidade.


Lágrimas escorrem do canto dos meus olhos, escorrendo em
direção às minhas orelhas.

— Você está bem? — Sebastian me pergunta.

Eu aceno, dizendo: — Estou bem. É apenas... muito.

— Você é incrível, — Sebastian diz. — Você é tão linda,


Yelena... eu sei que você sabe disso, mas eu tenho que te dizer de
qualquer maneira.

Ele começa a empurrar para dentro e para fora de mim,


lento e cuidadosamente. Agora, finalmente, sinto algo mais como
prazer do que dor. Um calor bem fundo dentro de mim, que se
espalha para fora até que minha boceta sente aquela dor
agradável novamente, e todo o meu corpo relaxa e lateja com a
sensação.

Eu posso ouvir as ondas novamente. Se o oceano fosse


prazer, e meu corpo areia, então cada vez que Sebastian empurra
em mim, é como uma onda quebrando na costa, me encharcando
de felicidade.

E como a maré, as ondas estão vindo mais fortes e mais


rápidas. Eu sinto que estou prestes a estar submersa.

— Continue, — eu imploro. — Bem assim.

Sebastian envolve seus braços em volta de mim,


pressionando nossos corpos juntos. Ele me beija, sua língua
empurrando em minha boca ao mesmo tempo em que seu pau
penetra bem dentro de mim. Minhas coxas estão enroladas nas
dele, e meu clitóris está esfregando contra seu corpo. Cada
centímetro da minha pele está alinhado com a dele. Quanto mais
tocamos, mais intensa é a sensação.

Eu posso sentir sua respiração acelerando com suas


estocadas. Sua bunda está flexionando contra minhas
panturrilhas, entrando em mim cada vez mais forte. Não dói mais
– tudo que sinto é um prazer quente e líquido, correndo em
minhas veias como mel.

Já tive o melhor clímax da minha vida hoje.


O que está se formando agora não é um clímax – é a porra
de um tsunami.

Beijo Sebastian ferozmente. Estou mordendo seus lábios,


arranhando suas costas. Eu preciso de mais, mais, mais dele.

Sebastian me aperta com tanta força que não consigo


respirar. Ele dá um último impulso monstruoso em mim e solta
um uivo longo e estrangulado. Eu sinto seu pau se contraindo e
pulsando, enterrado até o fim na minha boceta. Essa contração
me leva ao limite. Com cada pulso de esperma, minha boceta se
contrai. Estou presa em torno dele, meu corpo inteiro tremendo,
meus olhos reviram na minha cabeça. Não consigo ver, sentir ou
ouvir nada, exceto os flashes brilhantes de cores em meu cérebro.
Estou gozando com tanta força que acho que minha alma deixou
meu corpo.

Quando volto a si, a praia está escura. Não há calor na areia,


e o céu acima é preto, salpicado de estrelas brancas e frias. É o
maior número de estrelas que vi desde que vim para esta cidade.

Sebastian está quente. Seu corpo pesado me cobre, seu pau


ainda dentro de mim. Ele tem um braço enrolado com força em
volta de mim e a outra mão segurando a parte de trás da minha
cabeça. Seu rosto está enterrado no meu pescoço.

— Olha, — eu sussurro.
Ele olha para o céu, vendo uma vista que você nunca
consegue ver quando está totalmente dentro da cidade, porque a
poluição luminosa a abafa.

— Você gosta de estrelas, não é? — Ele diz. — Você sempre


as aponta.

— Minha mãe me deu um telescópio. Quando saíamos para


o campo, subíamos no telhado para usá-lo.

— Às vezes me assusta pensar sobre o espaço, — diz


Sebastian.

— Eu acho isso reconfortante. Tudo lá fora é muito maior


do que qualquer coisa que está acontecendo aqui. Nada que
façamos pode mover uma única estrela nem um centímetro.

— Você parece algo que caiu do céu, — Sebastian diz,


beijando-me suavemente na têmpora.

Seus braços estão em volta de mim.

Eu não quero que ele nunca me deixe ir.

Mas estou percebendo como é tarde. As dunas ficam a quase


uma hora de Chicago. Temos que voltar.

Eu começo a me sentar e Sebastian gentilmente se solta de


mim. Quando seu pênis se solta, vejo que há sangue em seu eixo
e nas minhas coxas.
— Você está bem? — Sebastian diz, franzindo a testa com
preocupação.

— Estou bem, — digo a ele. Estou alarmada com o sangue,


porém, preocupada que eu tenha um pouco no meu vestido, já
que nunca o tirei, apenas o puxei para cima em volta da minha
cintura. Não tenho ideia de para onde foi minha calcinha.

— Aqui, — Sebastian diz. — Use o cobertor para se limpar,


se quiser – é velho, não importa.

O cobertor cuida do pior da bagunça, mas ainda não consigo


encontrar minha calcinha. Ou eu a atirei em algum lugar ou ela
está enterrada na areia.

— Não importa, — eu digo a Sebastian. — É melhor irmos


embora. Eu não deveria ter saído tão tarde.

— Claro, — diz ele, recolhendo os cobertores. — Vamos.

Ele pega meu braço para me ajudar a atravessar a areia.


Acho que estou andando sem jeito, pois me sinto um pouco
dolorida e em carne viva.

Assim que voltamos para a caminhonete, Sebastian se vira


para mim e diz: — Isso foi incrível, Yelena. Somente... incrível.

Eu me sinto repentinamente tímida, mas quero dizer a ele o


que eu estava sentindo naquele momento.
Mordendo meu lábio, eu digo: — Eu queria que você fosse
meu primeiro.

Sebastian liga o motor.

— Esta é a primeira vez para mim também, — diz ele,


olhando rapidamente em minha direção. — A primeira vez que
eu... a primeira vez que estou me apaixonando por alguém.

Estou tão pasma que, por um momento, acho que o ouvi


mal.

— Eu? — Eu digo. — Você está se apaixonando por mim?

Sebastian ri. — Sim, — ele diz. — Espero que esteja tudo


bem.

Nunca senti duas emoções opostas ao mesmo tempo.


Alegria absoluta com a ideia de que Sebastian poderia realmente
me amar, e terror com a ideia de perdê-lo quando ele descobrir o
que eu fiz.

Interpretando mal minha expressão, ele diz: — Está tudo


bem, você não precisa dizer isso também – eu sei que é muito
cedo. Eu só queria que você soubesse que não se trata de sexo
para mim. Quer dizer, eu queria transar com você, é claro. Eu
estava morrendo de vontade. Mas é muito mais do que isso.
Desde o momento em que te conheci, Yelena, fiquei
impressionado. Você é uma lutadora. Você é feroz, orgulhosa e
brilhante, e adoro isso em você. Você é corajosa.
Posso sentir as lágrimas pinicando meus olhos.

Ele está errado.

Eu não sou corajosa.

Se eu fosse corajosa, contaria a verdade. Eu diria ao meu


pai para se foder, e danem-se as consequências.

Mas estou apavorada com meu pai. Ele é o monstro que


assombra meus pesadelos desde que eu era criança. Ninguém
poderia entender o que é crescer na sombra de um deus vingativo
– saber que a qualquer momento, se você o desagradar, ele pode
destruir tudo e qualquer coisa que você preza. Saber que ele tem
prazer em machucar você, em esmagar a última gota de seu
espírito rebelde.

Pior de tudo, meu pai não é mau o tempo todo. Se eu


pudesse odiá-lo constantemente, seria mais fácil. Ele é muito
mais insidioso do que isso. Ele me comprou presentes e me
permitiu favores. Ele me elogia e até mesmo dá bons conselhos
de vez em quando. Ele mostra benevolência e humanidade
quando lhe convém.

Ele faz isso para encontrar os pontos fracos da minha


armadura. Para me fazer questionar meu próprio julgamento. Ele
dá esperança apenas o suficiente para que às vezes eu pense: —
Talvez ele me deixe inscrever para a universidade. Talvez ele me
deixe casar com um homem que amo, algum dia. Talvez ele esteja
ficando mais gentil. Talvez ele me ame.

Ele usa a cenoura e o castigo18. E ele guarda as informações


que aprende para que possa me acertar no pior momento
possível. Nunca sei o que ele sabe ou não. Nunca sei se estou
segura. Sua manipulação é tão arraigada que às vezes acredito
que ele pode ler os pensamentos em minha cabeça.

Minha mãe costumava suportar o impacto de seus abusos.


Mas depois que ela morreu, ele se concentrou quase inteiramente
em mim.

Agora sinto que estou acorrentada nas masmorras mais


escuras. Sebastian está me oferecendo uma chave – uma maneira
de sair. Mas estou tão apavorada que nem sei se tenho forças
para experimentar as fechaduras. Porque meu pai está sempre
assistindo.

Então, tudo que posso fazer é balançar minha cabeça


silenciosamente. Querendo contar tudo a Sebastian, mas incapaz
de fazê-lo.

— Você é corajosa, — Sebastian diz, sorrindo para mim. —


Você ficou no camarote. Se você pode fazer isso, você pode fazer
qualquer coisa.

18É uma metáfora para a combinação de recompensa e punição para induzir um comportamento
desejado.
Sebastian me deixa em casa. Eu deveria estar fazendo
compras, mas não adianta continuar com esse estratagema, já
que os shoppings fecharam horas atrás e eu não tenho nenhuma
sacola de roupas comigo.

Posso ver que a luz está apagada no escritório do meu pai,


assim como na maior parte do andar principal. Um pequeno grão
de esperança floresce em meu peito, pensando que ele deve ter
saído. Serei capaz de entrar sorrateiramente sem ser notada.

Mas assim que abro a porta da frente, me deparo com a


figura enorme e silenciosa de Rodion Abdulov.

Rodion trabalha para meu pai há 12 anos, desde que seu


último chefe cortou sua língua.

Talvez seja por isso que ele é tão implacavelmente leal – para
se reabilitar aos olhos da Bratva. Para anular qualquer suspeita
de que ele possa ter ressentimento por ter perdido a capacidade
de falar. Ou talvez seja apenas sua natureza. Seja qual for o
motivo, ele segue as ordens de meu pai no mínimo grau, não
importa o quão hediondas elas possam ser.
Ele parece ter decidido que sua tarefa mais importante de
todas é ficar de olho em mim.

Adrian tem uma teoria diferente. Ele acha que Rodion está
obcecado por mim. Ele acha que Rodion acredita que, se servir
meu pai com lealdade, serei dada a ele como um prêmio.

É verdade que Rodion me observa constantemente,


seguindo-me de cômodo em cômodo da casa. Mas o jeito que ele
me olha não é nada parecido com amor. É mais como suspeita
ou ódio. Talvez ele saiba o que sinto por meu pai e pense que sou
perigosa.

Tento passar por ele. Ele se move e então está bloqueando


meu caminho.

Rodion é uma fera, com cabelo curto e escuro quase


exatamente do mesmo comprimento de sua barba. Sua cabeça
pequena e redonda repousa sobre um corpo em forma de
geladeira, sem pescoço entre eles. Seus olhos são pequenas
fendas na carne inchada do rosto e seu nariz foi quebrado várias
vezes. Não sei como são seus dentes, porque ele não fala nem
sorri.

São as mãos dele que mais me incomodam. Ele tem dedos


grossos e atarracados que já vi banhados em sangue muitas
vezes. Mesmo depois que ele se limpa, os restos de sangue
permanecem sob suas unhas e nas fendas profundas de suas
mãos.
Ele usa essas mãos para fazer seus próprios sinais curtos e
desagradáveis. Não é uma linguagem de sinais normal – são
sinais que ele inventou, que seus boyeviks entendem. Eu também
os entendo, embora finja que não.

— Saia do meu caminho, por favor, — eu digo a ele


friamente. — Eu quero subir para o meu quarto.

Lentamente, sem se mover, ele aponta para a porta.

Ele está perguntando onde eu estava.

— Não é da sua conta, — eu digo. Estou tentando manter


minha voz o mais arrogante possível, para que ele não veja meu
nervosismo. Mas Rodion não muda sua posição na minha frente.
Seus olhinhos de porquinho vagam pelo meu corpo.

Posso sentir seus olhos como insetos rastejando em minha


pele. Eu odeio isso o tempo todo, mas é particularmente
insuportável agora, quando já estou me sentindo nervosa com o
que acabei de fazer.

Seus olhos se fixam na saia do meu vestido. A bainha está


empoeirada pelo contato com a areia, mas não é para isso que ele
está olhando. Ele está olhando para a única mancha de sangue
vermelho escuro na saia.

Ele vira a palma da mão aberta – seu sinal para — O quê?


— Ele está me perguntando o que aconteceu.
— Não é nada, — eu digo impacientemente. — Só um pouco
de vinho do almoço.

Rodion não se deixa enganar. Ele sabe como o sangue se


parece melhor do que ninguém.

Agarrando a frente do meu vestido, ele me empurra contra


a parede. Eu considero gritar, mas que bem isso faria? Qualquer
homem que viesse correndo seria o soldado de Rodion.

Eu sei que Rodion tem armas com ele o tempo todo – uma
faca em seu bolso e outra amarrada em sua panturrilha. Às
vezes, duas armas em coldres sob sua jaqueta. E sempre, uma
Beretta enfiada no cós da calça.

Ele não precisa de nenhuma arma para me subjugar, além


de sua própria força e tamanho.

Ele me prendeu contra a parede com um antebraço


carnudo, seus olhos escuros brilhantes olhando para os meus.
Posso sentir o cheiro de sua colônia, que não é quente e agradável
como a de Sebastian – é forte e ácida, como o álcool. Por baixo
disso, o cheiro almiscarado de animal de seu suor.

— Me solta, — eu sibilo, tentando esconder meu terror.

Em vez disso, Rodion força meus pés separados com sua


bota. Ele alcança minha saia com uma das mãos, mantendo-me
presa à parede com a outra. Agora eu grito, mas não importa. Ele
toca minha boceta com seus dedos grossos, sentindo a carne que
ainda está inchada e dolorida.

Quando ele puxa a mão, vejo o brilho de sangue e minha


própria umidade na ponta dos dedos. Possivelmente os fluidos de
Sebastian também.

Meu coração para no meu peito.

Se ele contar a meu pai sobre isso, Papa saberá o que fiz.

Naquele momento, meu irmão entra no foyer. Por um


momento ele parece chocado, e então seu rosto escurece de fúria.

— TIRE AS MÃOS DELA! — Ele grita.

Rodion se afasta de mim, tirando seu pesado antebraço do


meu peito. Posso respirar de novo, mas mal, porque minhas
costelas ainda estão contraídas de medo.

— O que você pensa que está fazendo? — Adrian exige. —


Como você se atreve a tocá-la?

Rodion olha entre nós com um desdém silencioso. Ele


respeita meu irmão mais do que eu, mas no final das contas ele
responde apenas ao nosso pai.

Ele não se preocupa em fazer nenhum sinal para nenhum


de nós. Ele apenas se vira e sai andando pelo corredor escuro.
Assim que ele sai, afundo-me contra a parede, tremendo
com a dificuldade de conter as lágrimas.

Adrian se senta ao meu lado, alarmado e confuso.

— O que há de errado, fasol? — Ele me pergunta. “Fasol” é


“feijão”. É o apelido dele para mim desde que éramos crianças,
porque éramos duas ervilhas em uma vagem.

Quero contar tudo ao meu irmão, mas mesmo aqui não


posso ter certeza de que ninguém está ouvindo.

Então, apenas pressiono meu rosto em seu ombro para que


eu possa chorar silenciosamente.
Na próxima vez que vejo Yelena, ela insiste que eu a
encontre em um cinema na Bristol Street.

Ela já está dentro do cinema quando eu chego lá, sentada


na última fileira de uma exibição retrógrada de O Grande Mestre.
Por ser meio do dia, apenas três ou quatro outras pessoas estão
espalhadas pelas poltronas, nenhuma perto de nós.

Seu rosto parece mais pálido do que nunca na luz


bruxuleante da tela. Ela parece tensa e assustada, seus olhos
grandes e escuros em seu rosto esgotado. Sinto uma pontada de
culpa. Na noite em que conheci Yelena, ela parecia tão poderosa
quanto uma Valquíria. Mas o estresse de nosso relacionamento
tem cobrado seu preço.

Sento-me ao seu lado, colocando meu braço em volta de


seus ombros e beijando-a.

— Como você está? — Eu pergunto.


Sem qualquer preâmbulo, ela diz: — Receio que meu pai
esteja prestes a descobrir o que fizemos.

— O que você quer dizer?

— Quando voltei para casa ontem à noite, Rodion estava


esperando. Ele... acho que ele percebeu algo.

Isso não faz sentido para mim. O que Rodion poderia ter
notado, além de talvez um cabelo bagunçado?

— Tem certeza? — Eu digo. — Sem ofensa, mas isso soa um


pouco paranoico.

Yelena pressiona os lábios pálidos, olhando para as mãos


torcidas no colo.

— Confie em mim, — diz ela calmamente. — Ele sabe. E se


ele sabe, é só uma questão de tempo até que ele conte ao meu
pai.

Ela está chateada e, esteja ela certa ou não, não suporto vê-
la assim.

Eu a aperto com mais força e digo: — Yelena, você não


precisa se preocupar com nada. Você e eu vamos ficar juntos,
você entende isso? O que quer que seu pai diga, o que quer que
minha família diga, eu não dou a mínima. Eu quero você e
somente você.
Yelena olha para mim com os olhos arregalados e
suplicantes.

— Você me promete Sebastian? Estaremos juntos, não


importa o quê?

— Sim, claro, — eu digo. — Eu prometo.

Vejo lágrimas brilhantes brilhando nos cantos de seus


olhos, mas como sempre, ela é teimosa demais para deixá-las
cair.

Em vez disso, ela apenas me beija.

Em seguida, ela deixa cair a cabeça no meu colo e começa


a desabotoar minha calça jeans. Estou prestes a impedi-la,
porque não quero que ela sinta que tem que fazer algo por mim
quando está obviamente chateada. Mas ela já puxou meu pau e
fechou aqueles lindos lábios carnudos ao redor da cabeça. Com
aquele único movimento, todo pensamento consciente deixa meu
corpo.

Por mais suave que seja a boca de Yelena quando


pressionada contra a minha, é infinitamente mais suave
enquanto lambe e chupa a parte mais sensível do meu corpo. Ela
passa a língua em torno da cabeça do meu pau, bem sob o cume
de carne responsiva que separa a cabeça e o eixo. Ela chupa a
cabeça e então relaxa a mandíbula para deixar mais e mais do
meu pau deslizar em sua boca, todo o caminho de volta para sua
garganta.

O som de sua boca se movendo é abafado pelos alto-falantes


do cinema, mas é muito mais difícil para mim ficar quieto. Eu
inclino minha cabeça contra o encosto do banco e fecho meus
olhos, tentando fortemente me impedir de gemer.

Yelena está usando sua mão e sua boca, movendo-as


simultaneamente para cima e para baixo em meu eixo, de modo
que sua mão aperte com mais força do que sua boca pode fazer,
e sua boca fornece aquela sensação deliciosa, quente e
escorregadia perdendo apenas para sua boceta.

Acaricio meus dedos suavemente por seu cabelo, sentindo


como se estivesse flutuando em ondas de felicidade. A parte do
filme está passando em que uma mulher e um homem se
encontram na neve ao lado de um trem em movimento. A luz
bruxuleante, a neve caindo e a música etérea se combinam com
a sensação da boca de Yelena, até que sinto que a tela de cinema
é permeável e eu caí direto nela. Sou transportado.

A melhor parte de um boquete é que você não precisa se


esforçar para chegar ao clímax. Você não precisa se conter ou
tentar cronometrar nada. Você apenas se deita e deixa acontecer.

Quando sinto que estou chegando perto, aperto o ombro de


Yelena para que ela saiba, para que ela possa terminar com a
mão se quiser.
Em vez disso, ela redobra o ritmo, balançando a cabeça para
cima e para baixo no meu pau, deixando meu pau bater todo o
caminho na parte de trás de sua garganta, então parece que está
chegando ao fundo do poço.

Isso é tão bom que eu tenho que cerrar os dentes para não
gemer. Estou me contorcendo na pequena poltrona do cinema,
sentindo como se este espaço restrito não pudesse conter o
volume de prazer que estou sentindo.

Minhas bolas estão fervendo. Com uma contração explosiva,


sinto o esperma subindo rapidamente pelo meu pau e jorrando
na boca de Yelena. Ela continua sugando, uma sensação que é
primorosamente intensa no meio do clímax. Ela está sugando o
esperma, lambendo sob a cabeça do meu pau, e eu estou
morrendo de prazer, sentindo um nível de satisfação profunda e
infinita que lava todos os outros cuidados.

Quando termina, ela se senta e limpa a boca com as costas


da mão. Eu não tenho que limpar, porque ela me lambeu
completamente.

Estou me sentindo tão bem que quero que ela sinta a


mesma coisa. Quero derreter seu medo e estresse, e mostrar a
ela que farei qualquer coisa, qualquer coisa por ela.

Mas quando vou beijá-la e tento tocá-la como ela me tocou,


ela me interrompe com uma mão no peito.
— Não posso, — ela diz. — Eu não tenho tempo. Eu tenho
que voltar.

— Quando posso te ver novamente? — Eu pergunto a ela.

— Eu não sei, — ela diz infeliz.

— Eu não quero me esgueirar, — eu digo a ela. — Quero


fazer um acordo formal entre nossas famílias. Assim seu pai sabe
que estou falando sério.

— Mesmo? — Yelena diz. O alívio em seu rosto é palpável.


— Sua família concorda?

Penso em Dante, que foi para Paris com o amor de sua vida,
e Nero, imerso em seus planos de dominação financeira em escala
sem precedentes, e Aida, cujo marido está prestes a se candidatar
a prefeito de Chicago.

Eles estão muito ocupados com suas próprias preocupações


para se importar com o que eu faço. Depende do meu pai. Eu não
acho que ele vai se opor a mim – não nisso. Afinal, ele deu Aida
ao nosso inimigo mais odiado, então está disposto a fazer
acordos. E sua própria união com minha mãe não era estratégica,
então ele sabe o que é se apaixonar.

Eu beijo Yelena novamente.

— Eles querem que eu seja feliz, — eu digo.


Ela enterra o rosto no meu peito por um último momento.
Então sai correndo do teatro, para voltar para a casa de seu pai.

Eu odeio deixá-la sair sozinha. Eu odeio deixá-la voltar lá.

Por mais que tentei tranquilizá-la, tenho medo do que Alexei


Yenin possa fazer com ela. É por isso que preciso afastá-la dele o
mais rápido possível.
Meu pai chama Adrian e eu para jantarmos na sala de jantar
formal. Não comemos aqui com muita frequência, então
imediatamente meus nervos estão à flor da pele.

Mudei de roupa para usar um vestido sério de gola alta,


meia-calça e sapatos baixos, escovei o cabelo e prendi-o para trás
com presilhas. É isso que meu pai espera de nós – que nos
vistamos e nos comportemos com o maior respeito por ele em
todos os momentos.

Isso me lembra algo que li há muito tempo, sobre os


diferentes tipos de respeito. Há respeitar alguém como autoridade
e respeitá-los como ser humano. Meu pai acredita que, se não o
respeitarmos como autoridade, ele não terá necessidade de nos
respeitar como humanos.

Eu odeio a sala de jantar. Odeio todos os móveis


ornamentados e elaborados desta casa. Isso me faz sentir como
se estivesse sufocando.
Meu pai gosta de pensar que é o czar de seu reino. Ele adora
o luxo e a história de nossa cultura. Cada ambiente está cheio de
luxuosos tapetes orientais, ricos antimacassares 19 de veludo,
armários pintados com a arte popular geométrica Khokhloma e
azulejos de mosaico nos banheiros.

Você pensaria que todos esses sinais de casa me ajudariam


a não sentir o choque cultural de me mudar para Chicago, mas,
em vez disso, me dá a sensação de que nunca poderei escapar da
Bratva. Seus tentáculos se estendem por todas as grandes
cidades europeias, e até mesmo aqui na América.

Meu pai pretende dominar Chicago como se tivesse


conquistado todos os outros espaços que já habitou. Ele acha que
a máfia irlandesa e italiana se tornou fraca e complacente. Ele
acha que eles se esqueceram de como governar.

Quando me sento à mesa, meu pai já está sentado à


cabeceira, vestido com um terno cinza de corte impecável. Ele
está adotando o estilo americano de terno, mas ainda não cortou
o cabelo, que fica solto e escorrido sobre os ombros. Eu não acho
que ele vai cortar. Isso o faz parecer um rei guerreiro, como um
velho leão grisalho. Como Sansão, ele acredita que é o lugar de
seu poder.

19É um pequeno pano colocado sobre as costas ou braços das cadeiras para evitar sujar o tecido
permanente por baixo.
A Bratva pode ser extremamente supersticiosa. Talvez essa
seja uma característica de todas as famílias da máfia – afinal,
Sebastian parecia acreditar na sorte de seu medalhão de ouro.
Ou, pelo menos, que seu tio havia perdido a sorte ao dar a ele.

É por isso que meu pai está tão preocupado com o Winter
Diamond. Representa a sorte da Bratva, e seu orgulho.

Talvez ele devesse considerar o fato de que não o temos


mais. Nossa sorte acabou.

Enquanto Adrian e eu nos sentamos à mesa, meu pai nos


observa com seus olhos azuis, frios como o gelo da Sibéria.

— Boa noite, — ele diz.

— Boa noite, pai, — Adrian responde.

— Boa noite, — eu digo.

— Olhe para meus dois filhos, — diz ele, observando-nos


enquanto nos sentamos à sua direita. Adrian sempre se senta ao
lado de nosso pai. Eu me sento ao lado de Adrian. Prefiro ter uma
barreira entre mim e Papa. — Algum homem já teve uma
descendência tão impressionante?

Adrian brilha de orgulho. Ele sempre teve um


relacionamento diferente com nosso pai do que eu. Ele está ciente
da crueldade e severidade de nosso pai, especialmente no que se
refere à nossa mãe. Mas Adrian é tratado de maneira diferente
como filho e herdeiro, e isso o cega para as verdades profundezas
do egoísmo de nosso pai. Adrian acredita que nosso pai nos ama.
Que ele nunca nos faria mal.

Eu acho que ele está errado.

Adrian o defende. Ele diz: — Não podemos imaginar como


foi crescer pobre na Rússia Soviética. Ele tinha que fazer tudo o
que pudesse para sobreviver. E veja o quão longe ele chegou.
Ninguém nunca lhe ensinou bondade. Ele teve que ser duro e
violento para sobreviver.

O problema é que há uma diferença entre fazer o que você


tem que fazer e gostar disso.

Eu vi o rosto de meu pai enquanto Rodion torturava o


banqueiro.

Ele definitivamente gostou.

Assim como ele está gostando disso agora... fazendo-me


contorcer-me na cadeira, já que ele finge estar de bom humor
com a gente.

Rodion já disse a ele o que eu fiz. Estou certa disso.

— O que vocês dois estavam fazendo enquanto eu estava


fora? — Ele nos pergunta.

— Falei com um de nossos fornecedores armênios, — diz


Adrian. — Eles têm uma nova maneira de enviar produtos – eles
os embalam como uma bomba efervescente de banho.
Perfumado, colorido e envolto em celofane. Quase impossível
para um cão farejador detectar.

— Qual é o preço? — Papa diz.

— O mesmo. Eles economizam dinheiro porque menos é


apreendido na fronteira.

Meu pai balança a cabeça lentamente. — Muito bom, — diz


ele. — Dobre nosso pedido. Expandiremos a distribuição no lado
oeste da cidade. Quero uma presença total em nosso antigo
território.

Os Bratva costumavam ter gestão exclusiva daquele lado da


cidade, até que os Gallos incendiaram nossos armazéns e nos
expulsaram.

Agora que penso sobre, isso aconteceu há doze anos. Bem


perto de quando o tio de Sebastian foi morto. Qual ação veio
primeiro, eu me pergunto?

Não importa. Porque o derramamento de sangue e a


violência são um ciclo. Um ouroboros20 da vingança.

Meu pai se vira e fixa os olhos em mim.

— E você, minha filha? — Ele diz calmamente.

20É um símbolo místico que representa o conceito da eternidade, através da figura de uma serpente (ou
dragão) que morde a própria cauda.
Tomo um gole do meu vinho, para ganhar tempo. Vamos
comer costela e purê de batata com aspargos à parte. A costela
parece crua. Isso revira meu estômago.

Considero mentir para meu pai – ou tentar mentir.

É inútil. Ele já sabe. Ele está apenas testando para ver o que
vou fazer.

— Tenho saído com Sebastian, — digo a ele.

Nenhum lampejo de surpresa em seu rosto. Ele


definitivamente sabe.

— E o que você tem feito com Sebastian, — ele sibila.

— Eu tenho namorado ele, — eu digo friamente. — Assim


como você me disse para fazer.

— Não assim como eu disse a você... — ele diz.

Adrian olha para trás e para frente entre nós, confuso. Não
contei a ele que transei com Sebastian. Ele não entende a tensão
que congela a sala.

O sorriso sumiu do rosto de meu pai. Ele está baixando o


queixo, parecendo um touro prestes a atacar. Eu tenho que
afastá-lo, imediatamente.

— Ele quer se casar comigo! — Eu deixo escapar. — Ele quer


fazer um acordo formal entre nossas famílias. Isso pode ser bom
para nós, pai. Em vez de lutar contra os Gallos, poderíamos nos
aliar a eles. Como os Griffins fizeram. Como a máfia polonesa.
Eles não precisam ser nossos inimigos. Seria muito mais
lucrativo...

— Você acha que pode me ensinar como a Bratva deve


operar nesta cidade? — Meu pai interrompe. Ele não levantou a
voz, mas seu tom furioso corta minhas palavras como uma foice
na grama seca.

— Não, claro que não. Eu...

— Quieta! — Ele vocifera.

Fico em silêncio e Adrian encontra meu joelho embaixo da


mesa, apertando minha perna em solidariedade.

— É por isso que você mal pode ser confiada às tarefas mais
simples, — diz ele, seus olhos azuis fixos nos meus. — Você é
fraca, como todas as mulheres. Eu te mando para caçar, e você
não apenas consegue proteger sua presa, agora você está
desenvolvendo sentimentos por ele.

Eu pressiono meus lábios, sabendo que devo negar isso,


mas incapaz até mesmo de fingir. Tenho muito mais do que
sentimentos por Sebastian.

— E pior, — meu pai sibila. — Você destruiu o único valor


que tinha para mim.
A mão de Adrian aperta meu joelho. Tenho certeza de que
ele pode adivinhar a que nosso pai está se referindo. Ele está
estremecendo não de nojo, mas de medo por mim.

— Oh, sim, — meu pai sibila, seus olhos perfurando em


mim. — Você não pode esconder nenhum segredo de mim,
Yelena. Eu sei tudo que você pensa e tudo que você faz. Você será
punida, no momento de minha escolha.

Isso é algo novo. Normalmente, nossas punições vêm


imediatamente, da maneira mais dolorosa e perturbadora
possível. O fato de que ele está atrasando sua disciplina... essa é
a pior tortura de todas.

— Eu tentei ensinar vocês dois, — nosso pai diz, incluindo


Adrian em sua raiva agora. — Eu tentei preparar vocês para este
mundo que habitamos. Eu tentei endurecer vocês. Vocês podem
pensar que fui cruel ou exigente, mas o mundo é infinitamente
mais cruel do que eu jamais poderia ser. Se vocês não podem
transformar sua pele em aço e sua alma em ferro, vocês serão
despedaçados.

Ele dá um longo gole em seu vinho, olhando-nos de cima a


baixo. Desta vez não há orgulho em sua expressão, apenas
repulsa por como o desapontamos.

— Não há estagnação no crime, — diz ele. — Sua fortuna


está subindo ou caindo. Não há meio-termo. Os Gallos acreditam
que podem fazer a transição de chefes da máfia para cidadãos
ricos. Eles são TOLOS!

Ele berra essa palavra tão alto que Adrian e eu pulamos em


nossos assentos, quase derrubando nosso vinho.

— Eles acham que subiram um degrau na escada com


aquele South Shore Development... mas tudo o que fizeram foi
anunciar sua fraqueza ao mundo. Dante Gallo se foi – o herdeiro
da família e executor deles. Nero Gallo, aquele ladrão imundo, se
escondeu no mundo dos supostos negócios legítimos. Ele pensa
que está acima das NOSSAS regras, acima das NOSSAS leis. Mas
ele vai pagar pelo que fez, roubando nossa joia da coroa. E o
irmão mais novo, o aleijado, — zomba meu pai. — Ele nunca foi
treinado para ocupar o lugar deles. Ele não sabe nada sobre ser
um don.

Percebo que ele não menciona Aida Gallo. Ela é apenas uma
garota e, portanto, não tem interesse ou importância.

— Há sangue na água... — meu pai diz friamente. — Os


tubarões virão, sejamos nós ou outra pessoa. Os Gallos estão
sangrando muito, um convite a todos. Eles serão dilacerados.

Eu não entendo nada disso. Não sei dizer se ele está


hiperbólico ou se realmente tem um plano. Ele queria que eu
namorasse Sebastian, mas se ele esperava que eu descobrisse os
segredos dos Gallos e os contasse para a Bratva, eu não fiz isso.
Não conheci a família de Sebastian. Não falamos sobre os
negócios dos Gallos. E mesmo se o fizéssemos... Eu não contaria
ao meu pai.

Na verdade, conheço uma informação que ele adoraria ter.

Eu poderia dizer ao meu pai que Enzo Gallo mora sozinho


naquela casa enorme, sem nenhum segurança além da
governanta. Seria brincadeira de criança enviar Rodion àquela
casa para estrangulá-los durante o sono.

Mas eu NUNCA faria isso. Papa não consegue realmente ler


minha mente – esse segredo está seguro comigo.

Talvez ele veja a expressão de desafio em meu rosto.

Ele me encara da cabeceira da mesa, sua faca de carne


cerrada em seu punho e o suco da carne sangrenta brilhando em
seus lábios. Posso dizer que ele está fervendo de raiva – de mim,
dos Gallos, talvez de Adrian também. Papa nunca foi um homem
feliz. Quanto mais ele tenta se espremer para fora do mundo,
menos satisfeito ele parece.

Ele parece que está prestes a explodir em uma de suas


fúrias.

Desesperadamente, tento pensar em uma maneira de


convencê-lo de que não precisamos lutar contra os Gallos.

Eu deixo escapar: — Surpreender o inimigo é derrotá-lo. Os


Gallos sabem que temos rancor contra eles. Eles conhecem nossa
brutalidade e nossa fúria. Poderíamos surpreendê-los com
magnanimidade. Eles estão em uma posição instável – é um
momento vantajoso para fazer um acordo.

Meu pai estreita os olhos para mim.

Surpreender o inimigo é derrotá-lo – esta é uma citação do


Generalissimo Suvorov. O ídolo do meu pai. Ele vai ouvir essas
palavras, se não as minhas.

Para meu choque e alívio, ele acena com a cabeça


lentamente.

— Talvez você esteja certa.

Até Adrian parece surpreso ao ouvir isso.

Meu pai larga a faca e enxuga os lábios com o guardanapo.

— É isso que você quer, Yelena? Você quer se alinhar com


aqueles cães italianos?

Não sei como ele quer que eu responda a isso.

Tudo o que posso dizer é a verdade.

— Sim, — eu sussurro. — Eu quero me casar com


Sebastian.

Meu pai balança a cabeça em desgosto. — Ele pode ter você,


— diz ele. — Você não é mais boa para mim.
Com isso, ele afasta o prato e se levanta da mesa, deixando
Adrian e eu sozinhos na sala de jantar.

Claro, eu realmente não confio nele. Nem por um segundo.

Eu me viro para Adrian, sussurrando com medo de que meu


pai ainda esteja à espreita, ou um de seus homens. — O que ele
está fazendo? Diga-me, Adrian. O que ele está planejando?

Adrian apenas balança a cabeça para mim. Ele não está


mais tocando meu joelho. Ele está olhando para mim com uma
expressão que nunca vi antes.

— Você realmente se deitou com o italiano? — Ele pergunta.

— Ele não é italiano, — digo com irritação. — Ele nasceu


bem aqui, em Chicago.

Adrian me olha como se eu estivesse falando algo sem


sentido. — Ele é nosso inimigo, Yelena.

— Por quê? Porque nosso pai diz isso?

Adrian franze a testa. O que estou dizendo é traição


absoluta. A palavra de nosso pai é lei. A lealdade à nossa família
deve ser nossa maior prioridade.

— O que ele disse é verdade, — Adrian me diz. — Nós


nascemos Bratva. Temos inúmeros inimigos em todos os lugares.
Quem você acha que vai te proteger? Os italianos? Eles mal te
conhecem. Eles não se importam com você como nós, Yelena.
Suas lealdades são entre si. Você acha que Sebastian iria
escolher você em vez de sua própria irmã ou irmãos? Em vez do
próprio pai?

Eu engulo em seco. Eu acreditei em Sebastian quando ele


disse que estava se apaixonando por mim. Mas eu poderia
realmente esperar que ele me priorizasse acima da família que ele
amou durante toda a sua vida?

— Você escolheria a ele sobre nós? — Meu irmão exige. —


Sobre mim?

Eu olho para o rosto de Adrian, que é tão parecido com o


meu. Ele é muito mais do que meu irmão. Ele tem sido meu
melhor amigo e protetor por toda a minha vida. A outra metade
de mim.

Mas ele é a outra metade do que eu era.

Sebastian é a outra metade do que eu quero ser. A Yelena


que eu poderia ser, se fosse livre.

Não posso escolher entre eles. Eu não quero escolher.

É apenas meu pai tentando forçar essa decisão.

Quero explicar isso para Adrian, mas tudo o que ele ouve é
o meu silêncio. Minha recusa em garantir a ele que ele é mais
importante para mim do que Sebastian.
Seu rosto escurece e ele se afasta da mesa tão abruptamente
quanto nosso pai.

— Você está cometendo um erro, Yelena, — ele me diz. — E


você vai se arrepender.
Se vamos fazer um acordo formal com os russos, não posso
fazer isso sozinho. Meu pai ainda é o capocrimine. Não importa o
quanto ele esteja afastado, ele ainda é o responsável.

O que significa que tenho que contar tudo a ele.

Sento-me com ele durante o café da manhã, na mesinha da


nossa cozinha. Greta preparou para ele um ovo escalfado com
torrada e um acompanhamento de frutas frescas. Ela me oferece
o mesmo, mas estou muito agitado para comer.

Papa parece bem descansado esta manhã. Ele acabou de


tomar banho e já está vestido para o dia, apesar de quão cedo eu
cheguei em casa.

— O que é, filho? — Ele diz. — Você parece animado.

— Eu conheci alguém, — digo a ele. — Uma garota.


Vejo Greta se animar, perto do fogão, onde está fervendo
água para o chá. Sei que Greta sempre teve um carinho especial
por mim. Ela sempre me disse que eu era do tipo que faria uma
mulher muito feliz.

Acho que ela estava imaginando uma garota amável e gentil.


Alguém como minha mãe. Não sei o que ela vai pensar de Yelena.

Com Greta e meu pai ouvindo atentamente, eu explico como


conheci Yelena e como estou saindo com ela desde então.

— Alexei Yenin sabe, — digo a Papa. — Eu não acho que ele


está feliz com isso. Mas ele está disposto a fazer uma trégua
formal.

Greta pousa uma caneca de chá fumegante na frente de


cada uma de nós. Papa leva a xícara aos lábios, tomando um gole
longo e lento.

Seus olhos negros como um besouro parecem preocupados.

— Eu pesquisei sobre Yenin quando ele assumiu seu cargo


aqui em Chicago, — diz Papa. — Ele é violento. Cruel. Totalmente
implacável. Temido até em Moscou. Não alguém com quem
planejei construir um relacionamento.

— Eu sei, Papa, — eu digo. — Eu também não gosto. Mas


Yelena não é assim. Quando você a conhecer, você verá. E o irmão
dela também não é ruim.
Papa está quieto, seu rosto imóvel. Eu sei que seu cérebro
está funcionando, examinando esse desenvolvimento de todos os
ângulos.

— Temos negócios pendentes com os russos, — diz ele. —


Bratva não perdoa facilmente.

— Nossa história com os Griffins foi tão confusa quanto. E


veja como isso acabou – agora eles são nossos aliados mais fortes.
Você nunca teria imaginado isso cinco anos atrás.

Papa aperta os lábios, considerando.

— Fergus Griffin era meu inimigo, mas eu o conhecia. Eu o


respeitava. Eu poderia confiar em sua adesão ao nosso acordo.
Eu confiei nele com Aida.

— É Yenin quem vai nos dar Yelena, — digo. — Ela também


é a única filha dele.

Posso dizer que Papa não gosta dessa ideia, de jeito


nenhum. Ainda assim, ele está considerando isso. Por mim,
porque ele quer que eu seja feliz.

Eu o pressiono. — Nós temos a vantagem, Papa. Temos o


poder, o dinheiro, o posicionamento. Yelena vai morar comigo.
Não damos nada a eles, não arriscamos nada.
Papa me olha sobriamente. — Não seja excessivamente
confiante, Sebastian. Yenin não é idiota. Ele não faz nada sem
motivo. Se ele concorda com isso, é porque vê alguma vantagem.

— A vantagem dele é a parceria conosco, — insisto. —


Vamos permitir que eles expandam seu território – não importa
para nós, estamos ganhando a maior parte de nosso dinheiro no
South Shore agora. Podemos permitir que ele assuma as partes
do negócio que queríamos descartar de qualquer maneira.

— Não cometa o erro de pensar que Yenin se tornará nosso


empregado, — diz Papa. — Se você acha que pode delegar a ele,
que ele ficará feliz com nossas sobras... você o julgou mal.

— Eu sei de tudo isso! — Digo a Papa, incapaz de conter


minha frustração. — Eu conheço os riscos. Mas é isso que eu
quero, Papa. Eu quero Yelena.

Outro longo silêncio cai entre nós. Desta vez eu não o


quebro. Eu fico quieto. Esperando para saber se o convenci.

— Tudo bem, — meu pai disse finalmente. — Marque uma


reunião.
Alexei Yenin concorda em ir ao restaurante The Anchor, que
é amplamente aceito como território neutro para os gângsteres
de Chicago.

Quase três anos atrás, meu pai sentou-se em frente a


Fergus Griffin nesta mesma mesa privada, para negociar os
termos do casamento de Aida com Callum.

Eu não estava presente naquela reunião. Agora estou


sentado ao lado do meu pai, acompanhado por Nero e por Jace,
que pode não ser italiano, mas pode ser confiável para um
encontro tão sensível como este.

Nero gosta dessa ideia ainda menos do que Papa. Ele está
rígido e sem sorrir em sua cadeira, seus olhos estreitos fixos em
Alexei Yenin.

Alexei trouxe três homens: seu filho Adrian, o executor


silencioso chamado Rodion Abdulov – que eu sei que Yelena
despreza – e um terceiro soldado que ele apresenta como Timur
Chernyshevsky.

Todos concordamos em vir desarmados, mas sei que Nero


está com suas facas, no mínimo, e eu tenho uma arma escondida
em minha jaqueta. Tenho certeza de que os russos fizeram o
mesmo. Se tivéssemos a intenção de cumprir essa regra em
particular, teríamos nos encontrado em uma casa de banhos.
Yelena não está aqui. Eu esperava que Alexei a trouxesse.
Eu me pergunto se ela está sentada em casa agora, cheia de
nervos e rezando para que tudo corra bem.

O silêncio se estende entre nossos dois grupos enquanto


Yenin e meu pai se consideram.

Papa fala primeiro.

— Obrigado por vir nos encontrar hoje, — diz ele


educadamente. — Como tenho certeza de que você sabe, nossos
filhos estão ansiosos para fazer uma aliança. Os italianos e os
Bratva têm uma história difícil em Chicago. Mas com cada nova
geração surge uma oportunidade para um novo começo.

— Quem pode atrapalhar o amor jovem, — diz Alexei, com


um brilho divertido em seus olhos azuis claros. — A água cortará
a pedra, se houver tempo suficiente. Minha filha é aquela água
que está me lascando.

Meu estômago se aperta. Não gosto de como Alexei fala


sobre Yelena. Ele está agindo como se ela fosse uma princesa da
máfia mimada. Como se ele fosse um homem duro cujo único
ponto fraco é a filha. Eu não acredito nisso por um segundo.
Yelena não é a garotinha do papai e Yenin não é um pai
indulgente.

— Todos nós queremos felicidade para nossos filhos, — diz


Papa. — E queremos segurança para os filhos deles. Acredito que
um acordo pode ser alcançado, por território e direitos, que
beneficiaria a todos nós.

— Esse é o meu desejo também, — diz Yenin.

Enquanto ele está falando, estou olhando para seus homens


e também para o próprio Yenin. Observando para ver se eles
revelam algo em suas expressões que trai as palavras de Yenin.

Embora Adrian tenha sido tão cordial na primeira vez que


nos encontramos, ele parece irritado hoje. Ele não encontra meus
olhos, mas olha para a mesa, carrancudo. Talvez ele esteja infeliz
com a ideia de “perder” sua irmã. Eu sei o quão próximos eles
são.

A expressão de Rodion é impossível de ler. Ele mantém a


mandíbula cerrada, provavelmente porque é efetivamente mudo
e, portanto, não abre a boca com muita frequência. Yelena me
contou que seu antigo chefe cortou sua língua. Talvez ele odeie a
ideia de alguém vislumbrar aquele ferimento humilhante.

Timur parece nervoso e inquieto. Ele é o mais jovem dos


russos, com um rosto liso e uma constituição esguia. Ele
continua olhando para o outro lado da mesa, para Nero, e depois
abaixa os olhos novamente, intimidado pelo olhar furioso de
Nero.

Papa e Yenin demoram mais de uma hora para definir os


termos precisos do acordo. Eles discutem sobre alguns dos
detalhes, mas, em geral, Yenin é surpreendentemente receptivo
aos termos.

O único ponto em que ele não cede é que insiste que o


casamento seja realizado imediatamente.

Ele fixa seus olhos azuis frios em mim do outro lado da


mesa, seu rosto sério.

— Você pode nos considerar antiquados, — diz ele, — mas


a pureza de nossas filhas é de grande valor para a Bratva. Alguém
poderia tirar a virtude da minha filha... então deixá-la
contaminada, sem marido... isso seria um insulto grave.

Ele me encara com uma raiva fria que me garante que sabe
que tirei a virgindade de sua filha. A implicação é que ele
perdoará minha falta de paciência, desde que eu retifique a
transgressão imediatamente.

Papa olha para mim, com a sobrancelha levantada. Yelena


e eu namoramos há apenas dois meses.

Eu não me importo. Eu sei quem ela é. E eu sei o que quero.

Eu aceno minha cabeça. — Vamos definir a data, — eu digo.

Nero redige duas cópias do contrato formal. Sua escrita é


rápida e inclinada, mas surpreendentemente legível. Ele deixa
espaço na parte inferior para Yenin e meu pai assinarem.
Cada um escreve seu nome duas vezes: uma vez na cópia
de meu pai, uma vez na de Yenin. Então Nero entrega a faca a
meu pai, e Papa corta a ponta do polegar com a lâmina afiada.
Ele pressiona sua impressão digital na parte inferior de ambas as
páginas.

Yenin faz o mesmo, cortando sua carne sem pestanejar. Ele


faz suas marcas bem ao lado de Papa.

Este é um juramento de sangue – uma tradição mais antiga


que a máfia italiana ou a Bratva. É nossa promessa mais solene.
Somos aliados agora, e Yelena e eu vamos nos casar, sem opção
de recuar.

Não sinto medo ao adicionar minhas próprias impressões e


minhas próprias assinaturas.

Na verdade, estou inflado com o triunfo.

Yelena é minha.
Assim que Papa sai do carro blindado, vejo o contrato em
sua mão, enrolado e selado com seu anel. Meu coração bate
descontroladamente. Ele fez um acordo com os Gallos.

Eu não posso acreditar.

Eu sabia que ele iria encontrá-los, mas não acreditava que


ele realmente concordasse com uma aliança. Eu tinha certeza de
que algo aconteceria para fazer tudo explodir.

Mas há evidências, claras e irrevogáveis. Este não foi um


acordo verbal – ele fez um pacto de sangue.

Estou no meu quarto, olhando para baixo da janela. Eu


debato se devo correr para agradecê-lo ou se devo ficar longe por
um tempo. Ele pode estar de mau humor, dependendo de quão
bem as negociações foram.

Mesmo nas melhores circunstâncias, não consigo imaginar


que ele esteja entusiasmado com isso. Os Gallos poderiam dar a
ele seus termos mais generosos, e ele ainda se sentiria como um
subordinado, forçado a prestar homenagem ao trono. Ele queria
vingança, não rendição.

Adrian parece igualmente irritado, caminhando em direção


à casa com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Espero que ele
suba ao meu quarto para falar comigo, mas em vez disso ele
desaparece dentro do escritório de nosso pai por várias horas,
junto com Rodion. Tenho certeza de que eles estão repassando os
detalhes de como esse novo contrato funcionará.

Pego meu telefone para ligar para Sebastian, percebendo


que já tenho uma mensagem dele.

FUNCIONOU, diz ele. Venha me ver esta noite.

Eu agarro meu telefone quase com força suficiente para


quebrá-lo, tremendo de excitação.

EU QUERO... Eu digo. Meu pai pode não estar no melhor


humor...

ISSO NÃO IMPORTA MAIS, Sebastian responde. Ele prometeu você


para mim. Você está segura agora.
O alívio que sinto com essas palavras é incomensurável.
Sebastian está certo – eu não pertenço mais ao meu pai. Se ele
fosse me machucar ou prejudicar agora, ele estaria quebrando
seu acordo com os Gallos.

Incrivelmente emocionada, começo a trocar de roupa. Visto


um macacão verde-acinzentado e um par de argolas douradas, e
calço as sandálias. Coloco um xale estilo quimono sobre o
macacão, para o caso de meu pai me ver saindo pela porta.

Com certeza, ele me intercepta no saguão. Ele tem orelhas


de gato – é quase impossível sair furtivamente de casa sem ser
visto quando ele está em casa. Adrian está parado atrás dele, seu
rosto pálido e sombrio.

— Suponho que Sebastian disse a você que chegamos a um


acordo, — Papa diz.

— Sim, — eu digo, tentando não deixar toda a minha


emoção transparecer no meu rosto. Quero ser grata, mas não
quero incomodar meu pai com algo tão desagradável para ele
quanto minha felicidade completa e absoluta.

— Espero que você se lembre de sua lealdade, Yelena.


Mesmo depois de dizer seus votos no altar... você ainda é uma
Yenin. Você sempre será.

— Sim, pai, — eu digo.


Eu me pergunto se ele pode ver a mentira em meu rosto.
Não tenho lealdade para com ele. Sempre amarei meu irmão, mas
pretendo cortar os laços com meu pai o máximo possível, assim
que me casar.

Adrian saberá que estou mentindo. Eu olho para ele, para


ver se ele está carrancudo. Assim que tento encontrar seus olhos,
ele olha para os próprios pés.

— Está tudo certo... se eu for ver Sebastian? — Pergunto ao


meu pai hesitante.

— Por que não? — Ele diz, surpreendentemente receptivo.


— Aproveite o seu tempo com ele.

Não confio inteiramente neste bom humor. Mas devo tirar


vantagem disso enquanto dura.

— Obrigada, pai, — eu digo.

Saio a pé, correndo pelos portões abertos, descendo para a


rua. Ando alguns quarteirões até o café onde Sebastian e eu
concordamos em nos encontrar.

Ele já está esperando por mim do lado de fora do café.


Enquanto caminho até ele, ele me pega em seus braços e me beija
com força.

— Como foi? — Eu pergunto a ele, enquanto ele me coloca


no chão.
— Queria que você estivesse lá, — ele diz. — Eu me senti
um idiota assinando por você como se estivesse comprando um
carro.

— Não importa, — eu digo, balançando minha cabeça. — É


isso que eu quero.

— Tem certeza? — Sebastian diz.

Vejo a preocupação em seus olhos escuros. Ele tem medo


de que eu só esteja fazendo tudo isso para me afastar do meu pai.

Pego sua mão e aperto com força.

— Certeza absoluta, — digo a ele.

— Bom. — Ele concorda. — Venha, então.

— Não vamos no café?

— Não, — ele diz.

Eu o sigo de volta para sua caminhonete.

Normalmente odeio incertezas. Meu pai gosta de me


surpreender com as coisas mais desagradáveis possíveis. Mas já
aprendi que posso confiar em Sebastian – quando ele tem algo
planejado, é sempre bom.

Sebastian nos leva até a margem do lago, para um edifício


que parece a Catedral de Florença misturada com uma nave
espacial. Só quando estamos dentro é que percebo que é um
planetário.

Sinto uma onda de calor tão forte que me assusta. Não


posso acreditar que Sebastian se lembre de todas essas pequenas
coisas que conto a ele. Nunca esperei que alguém me conhecesse
assim. Para se preocupar com meus interesses e preferências. A
única pessoa que me trata assim é meu irmão – e até ele pode ser
caprichoso.

Eu me sinto como uma criança, correndo por aí olhando


para todas as telas, tocando um pedaço real de meteorito que
aparentemente tem quatro bilhões de anos. Coloco minha mão
sobre o metal macio e denso, tentando imaginar a escala de
tempo deste objeto voando no espaço sideral, antes de cair neste
ponto específico da galáxia.

Sebastian parece estar olhando para mim tanto quanto


qualquer uma das telas. Ele está sorrindo com a minha
empolgação – não está rindo de mim, apenas apreciando meu
prazer na exposição sobre as viagens espaciais modernas e a
maquete da cabine do foguete Apollo 13.

Fico desapontada quando os docentes começam a retirar


todos das exposições, dizendo que o planetário está prestes a
fechar.

— Devíamos voltar outro dia! — Eu digo a Sebastian.


— Claro, — diz ele. — Mas venha ver uma última coisa antes
de irmos.

Ele agarra minha mão e me puxa em direção a um conjunto


de portas que parecem uma espécie de teatro.

— Não deveríamos estar indo embora? — Pergunto-lhe.

— Está tudo bem, — ele diz. — Confie em mim.

Perplexa, eu o sigo pelas portas de vaivém.

A sala além está completamente escura, mas tenho a


sensação de um vasto espaço aberto sobre minha cabeça.
Quando falamos, nossas vozes ecoam pelo ar.

— Onde estamos? — Eu pergunto a Sebastian.

— No espaço sideral, — diz ele. Eu posso ouvir seu sorriso


sem ver.

Naquele momento, ouço um som estridente e um zumbido.


De repente, toda a sala se ilumina com mil pontos de luz. Percebo
que estamos no centro da vasta cúpula do edifício, e essa cúpula
é um modelo da galáxia.

Estamos rodeados por estrelas, planetas, nebulosas e a


vastidão do espaço. Eles flutuam suavemente ao nosso redor,
então eu sinto como se estivéssemos flutuando também. O chão
parece ter caído embaixo de mim. A única coisa parada e próxima
é o próprio Sebastian.
Eu olho para o rosto dele, iluminado pela luz azul pálida.
Seus olhos parecem brilhantes e claros, e quando ele sorri, seus
dentes brilham brancos contra sua pele profundamente
bronzeada. Parece que somos as únicas duas pessoas no
universo. Eu gostaria que fôssemos.

Sebastian se ajoelha. Minhas mãos voam até minha boca,


porque eu não esperava por isso, nem um pouco.

— Eu sei que cumprimos os requisitos esta manhã para


apaziguar nossas famílias... — Sebastian diz. — Mas eu quero
que você saiba. Yelena, não vou me casar com você por causa do
seu pai, ou da Bratva, ou de qualquer outra coisa. Quero me
casar com você porque quero estar com você, sempre. Você me
cativou desde o momento em que te conheci. Estou fascinado por
você, impressionado por você, totalmente apaixonado por você.
Amo você, Yelena. Eu vou fazer qualquer coisa por você.

Ele está segurando uma caixa e abrindo a tampa.

Eu não esperava um anel. Ele assinou o contrato – essa foi


a proposta e a aceitação, mesmo sem eu estar lá.

Mas agora Sebastian está me oferecendo a escolha – não


meu pai, apenas eu sozinha.

Eu olho para o anel.

É uma pedra em forma de lágrima em uma delicada faixa


filigranada de ouro pálido. A filigrana parece renda ultrafina,
como gelo em uma vidraça. É tão lindo que quase tenho medo de
tocá-lo. É Sebastian quem o puxa de seu lugar de descanso
acolchoado e o coloca em meu dedo.

O diamante brilha contra minha pele, como se Sebastian


tivesse arrancado uma daquelas estrelas e colocado em minha
mão.

— Você quer se casar comigo? — Ele diz.

— Sim, — eu respiro, ainda incapaz de acreditar que isso


está acontecendo.

Sebastian me pega em seus braços, girando-me para que as


estrelas girem em torno de nós mais rápido. Ele me beija, seus
braços fechados firmemente em volta de mim.

Eu estou o mais feliz que já estive na minha vida. Não sei


como lidar com esse sentimento. É tão avassalador que sinto que
meu corpo não consegue conter tudo dentro.

Eu fico pensando, isso não pode ser real, isso não pode ser
real.

E então uma voz fria e maliciosa sussurra:

Não é real. Tudo isso é uma fantasia. Uma mentira que você
criou.
Sebastian não sabe que você se apresentou como isca. Que
você deliberadamente o capturou. Que você o atraiu para qualquer
armadilha que seu pai planejou.

Eu balanço minha cabeça com força, tentando afastar esses


pensamentos antes que eles estraguem este momento para mim.

Não importa que eu tenha mentido antes. Não importa o que


meu pai planejou... isso acabou agora. Ele concordou com a
aliança. Ele assinou o contrato com sangue.

Assim que Sebastian e eu nos casarmos, contarei tudo a ele.


E ele vai me perdoar, eu sei que vai. Ele vai entender que meu
pai me forçou. Eu não conhecia Sebastian naquela época – eu
não sabia que íamos nos apaixonar.

Não posso arriscar contar a ele antes do casamento.

Depois, nada disso importará. Estaremos seguros juntos,


nós dois. Vou fazer parte da família Gallo. Eles vão me proteger.
Vou contar tudo que sei sobre meu pai, seus negócios e seus
ressentimentos. Eles vão entender. Eles têm que.

É o que digo a mim mesma, para manter minha boca


fechada. Para me impedir de destruir este momento lindo e
perfeito.

Digo a mim mesma que tudo ficará bem, desde que


Sebastian e eu estejamos juntos.
Temos apenas um mês para planejar o casamento.

Isso não importa para mim, porque eu não dou a mínima


para a cerimônia. Parece ser muito mais importante para Alexei
Yenin, que insiste que se trata de um “casamento tradicional
russo” em muitos aspectos.

Para tanto, ele paga a um planejador de casamentos para


realizar suas demandas, e Yelena e eu concordamos, não nos
importando particularmente se somos casados em uma Igreja
Ortodoxa, em um jardim ou em uma esquina.

Ambas as famílias concordam em mantê-lo pequeno, para


evitar aborrecimentos entre as famílias italianas e os Bratva. Se
convidarmos uma das outras famílias da máfia, teremos que
convidar a todos. E não vão conseguir manter as pazes com os
russos, que têm uma história complicada e sangrenta em
Chicago.
Yenin nem quer os Griffins convidados. Ele diz que será
impossível para os soldados que trabalharam sob o comando de
Kolya Kristoff ficarem na mesma sala que Fergus Griffin sem
pedir retribuição.

Papa liga para Fergus para discutir o problema, e Fergus


concorda que é melhor não correr o risco de provocar
temperamentos.

— Não estou ofendido, — diz ele ao Papa. — Posso enviar


meus parabéns de longe.

Para mim, Fergus diz: — Go maire sibh bhur saol nua. —


Que você aproveite sua nova vida.

A parte espinhosa disso é que Aida agora é, tecnicamente,


um Griffin também. Seu marido Callum definitivamente é, e seu
filho pequeno Miles.

Estou pronto para discutir com Yenin sobre este ponto


específico – não quero me casar sem minha única irmã presente.
Mas é Aida quem me liga, depois de ouvir sobre o assunto pelos
Griffin.

— Não importa, Seb, — ela me diz. — Eu realmente não me


importo.

— Não seja estúpida. Eu quero você lá.


— Eu sei que você quer, — ela diz. — E isso é o que importa
para mim. Mas a própria cerimônia... confie em mim quando
digo, não é tão importante. Lembra do meu casamento? Foi um
desastre.

Eu sorrio, porque ela está certa. Aida e Callum se odiavam


no dia do casamento. Aida foi forçada a usar um vestido de
princesa horrível e fez Callum usar um horrível terno de cetim
marrom. Você podia vê-los lançando punhais um para o outro
enquanto Aida marchava pelo corredor. Então, quando Callum a
agarrou para o beijo menos apaixonado que qualquer um de nós
já tinha testemunhado, ele começou a engasgar e caiu na frente
do altar, porque Aida tinha coberto seus lábios com morangos,
aos quais Callum é severamente alérgico.

O casamento terminou com uma ida ao pronto-socorro.

E, no entanto, três anos depois, eles não poderiam estar


mais felizes juntos.

— É o matrimônio que importa, não o casamento, — Aida


me diz. — Verei vocês todos os dias depois. Quero dizer, — ela ri,
— Não todos os dias. Mas o suficiente para ver você e Yelena se
apaixonarem cada vez mais.

Durante toda essa conversa, minha garganta parecia


apertada.

Minha irmã selvagem e impulsiva mudou.


— Quando você ficou tão sábia? — Eu pergunto a ela.

Aida bufa. — Não sei se é sábia, — diz ela. — Mas um bebê


lhe cansa o suficiente para que você não tenha a mesma energia
para ser uma idiota.

A coisa mais irritante sobre os preparativos para o


casamento é que Yenin parece determinado a manter Yelena e eu
separados o máximo possível. Não sei se ele acha que isso vai
evitar de “me cansar dela” antes do dia do casamento, mas se for
esse o caso, ele está equivocado. Quanto mais tempo passo com
Yelena, mais eu quero. Só encontro mais coisas para admirar
nela.

Ela é extremamente letrada, quase tanto quanto meu pai.


Na verdade, em uma das raras ocasiões em que ela pode se juntar
a Papa e a mim para um brunch, eles passam quase o tempo todo
discutindo romances italianos.

— Eu não acho que você pode vencer The Name of the Rose,
— Papa diz. — Teoria literária, semiótica, estudos medievais e um
mistério também... O que mais você poderia querer?

— Eu nunca argumentaria contra Umberto Eco, — diz


Yelena, sorrindo. — Embora eu não goste tanto do Pêndulo de
Foucault.

— Por que não? — Papa exige.

— Eu odeio teorias da conspiração.


— Mas ele descreve a origem para a falsa crença com tanta
precisão...

— Eu sei! É por isso que odeio. É tão deprimente ver como


podemos ser irracionais como humanos...

Eu adoro vê-los discutindo um com o outro. Isso me lembra


de como Aida costumava brigar com Papa, ou como minha mãe
fazia. Sempre amei mulheres que não têm medo de falar o que
pensam. Quem sabe o que pensam e em que acreditam.

Na minha família, fui considerado o irmão mais gentil, o


mais amável. Mas também posso ser apaixonado e insanamente
focado quando é algo que realmente importa para mim. Eu nunca
poderia estar com alguém que não tivesse aquela mesma faísca,
aquele mesmo fogo.

Eu esperava poder conhecer melhor o irmão de Yelena,


porque sei o quanto ele é importante para ela. No entanto, ele
recusou o convite para se juntar a nós no brunch.

— Ele estava ocupado esta manhã? — Pergunto à Yelena


levemente.

Ela está particularmente deslumbrante hoje, com seu


cabelo prateado solto ao redor dos ombros, e suas bochechas
estão coradas de sentar no pátio externo, apenas parcialmente
protegido do sol.
Ela franze a testa com a minha pergunta. — Não, — ela
admite. — Ele não estava ocupado. Acho que ele está de mau
humor por causa do casamento. Ele tem me evitado a semana
toda.

— Não acha que sou bom o suficiente para você? — Eu digo,


dando um beijo rápido em Yelena. — Ele provavelmente está
certo.

Yelena sorri para mim, mas seus olhos parecem


preocupados.

— Não é isso, — ela diz. — Talvez seja porque eu estou


saindo, e ele não. Mas a situação dele não é igual à minha. Ele é
o herdeiro, e eu... a moeda de troca.

— Não para mim, — eu asseguro a ela. — Não para minha


família.

Papa foi ao banheiro, então ele não está presente nesta parte
da conversa. Yelena olha para a cadeira vazia dele, então agarra
minha mão e aperta com força.

Ela diz. — Será que eles realmente me aceitarão?

— Sim, — eu asseguro a ela. — Todos nós amamos Callum


agora. Até eu. E eu tenho mais motivos do que qualquer um para
guardar rancor.

Yelena dá um pequeno suspiro, não totalmente convencida.


— Gostaria que nos casássemos hoje, — diz ela.

— Eu também, — digo, beijando-a novamente. — Só mais


um pouco.

Se Adrian é o ponto negro na empolgação de Yelena, logo


terei um para mim.

Dante me liga de Paris à meia-noite no meu horário, sete


horas da manhã para ele.

— Ei! — Eu digo. — Quando você vai voltar para o


casamento?

— Eu não vou, — ele diz rispidamente.

— O que você quer dizer?

Posso ouvir sua desaprovação irradiando pelo telefone. —


Esta é uma má ideia, Seb.

Eu estava esperando por isso, mas ainda assim, meu rosto


fica quente e tenho que lutar para manter meu tom uniforme e
sem emoção.

— Por quê? — Eu digo. — Porque ela é russa?

— Porque o pai dela é um psicopata de merda. Ele tem uma


reputação até entre os Bratva. Você sabe o quanto você deve estar
além da linha para que a Bratva pense que você é assustador?

— Ele assinou um contrato de sangue.


— Sim? E você acha que isso apagou a memória dele?

— Ele não pode fazer nada. Ele tem que cumprir o acordo
da mesma forma que nós.

Posso ouvir a respiração lenta e pesada de Dante do outro


lado da linha.

— Não devíamos ter pego aquele diamante, — diz ele. —


Insultamos a honra deles.

— Eles não sabem que roubamos a pedra.

— Você não sabe o que eles sabem, — rosna Dante.

— Bem, você também não! — Eu grito. — Porque você não


está aqui. Você tem sua esposa e seus filhos e sua nova vida. E
estou feliz por você, Dante, estou mesmo. Mas o resto de nós
ainda está aqui, fazendo o melhor que podemos. Eu amo Yelena.
Vou me casar com ela. E quero que você esteja lá.

Há um longo silêncio em que não tenho certeza se Dante vai


mesmo responder.

Por fim, ele diz: — Sinto muito, irmãozinho. Desejo-lhe toda


a felicidade do mundo. Mas prometi à Simone que estava farto da
violência. Eu quero me afastar de tudo isso. E eu não posso
deixar de pensar que você está mergulhando de cabeça em uma
nova pilha de merda.
Estou com tanta raiva que acho que o bateria, se ele
estivesse aqui na minha frente.

— Tudo bem, — eu assobio. — Essa é sua decisão.

— Sim, — diz Dante. — Essa é. Todos nós tomamos nossas


próprias decisões e vivemos com as consequências.

Desligo o telefone, tentado a jogá-lo do outro lado da sala.

Maldito Dante com sua rigidez e sua obsessão por cautela.


Ele é um hipócrita de merda. O pai de Simone também o odiava,
e isso não o impediu de perseguir a mulher que queria. Ele sabe
o que é estar apaixonado! Ele nunca poderia se afastar de Simone
e não vou desistir de Yelena.

Se ele quer perder o casamento, é problema dele.

Eu estarei lá no altar, bem onde eu deveria estar.


O clima na casa do meu pai é estranho e tenso.

Adrian mal olha para mim, muito menos falar comigo.

Rodion parece me seguir mais de perto do que nunca. Ele


está sempre espreitando quando eu saio do meu quarto para
comer ou nadar na piscina. Ele me observa com aqueles olhinhos
de porco, como se estivesse com raiva por eu estar prestes a fugir
dele para sempre.

Não ajuda o fato de estar muito quente, quente o suficiente


para que o ar-condicionado não resfrie todo o espaço dentro da
casa. Eu acordo suando todas as noites.

Alguns dias antes do casamento, estou com tanto calor no


meu quarto no último andar que preciso vestir um maiô e descer
para a piscina.

Saí pelas portas do pátio, com cuidado para não fazer muito
barulho. Se eu acordar meu pai, ele ficará furioso.
Eu escorrego na água, que mal parece fria em comparação
com o ar abafado da noite. Ainda assim, é melhor do que meu
quarto sufocante. Eu nado para frente e para trás através da
piscina, pensando sobre o apartamento que Seb e eu iremos nos
mudar em Goose Island.

É um lindo loft de estilo industrial, com vista para a água


de ambos os lados. Tem uma cozinha de nível profissional, o que
fez Sebastian e eu rirmos, porque nenhum de nós sabe cozinhar
merda nenhuma.

— Nós aprenderemos juntos, eu acho, — Seb disse.

Não posso acreditar que morarei lá em apenas mais alguns


dias. Ele e eu, sozinhos, sem ninguém olhando por cima dos
nossos ombros.

Enzo Gallo já nos deu o nosso presente de casamento: um


piano de cauda novinho em folha, que atualmente está na sala
do loft. É brilhante e reluzente e perfeitamente ajustado. Mal
posso esperar para colocar minhas mãos nele.

Não espero nenhum presente de meu pai e não quero


nenhum.

Tudo que eu quero é me livrar deste lugar.

Eu rolo de costas e nado pela piscina, olhando para o céu.


Você não pode ver muitas estrelas aqui – as luzes da cidade as
abafam. Mas ainda posso distinguir a Ursa Major21 e um brilho
fraco próximo ao horizonte que pode ser Vênus.

Olhar para as estrelas me enche de felicidade, lembrando


como Sebastian me pediu em casamento. Ele fez a proposta
parecer especial e intencional, não como se tivesse sido forçado a
isso por meu pai.

Não entendo como tive tanta sorte em conhecê-lo.

Nunca me senti com sorte na minha vida. Muito pelo


contrário.

É inacreditável para mim que algo que meu pai orquestrou


com tão más intenções pudesse resultar a meu favor.

Sebastian disse que eu deveria me matricular em um


programa de música depois do casamento. Estou pensando em
me inscrever na Bieber School of Music em Northwestern, ou
talvez na DePaul.

Sebastian vai continuar ajudando a administrar o império


Gallo. A trégua entre a família dele e a minha é mais um cessar-
fogo formal do que uma parceria colaborativa, mas quem sabe –
eventualmente Adrian vai substituir meu pai. Talvez ele e Seb
trabalhem juntos. Talvez meu irmão se case também. Talvez

21 É uma grande e famosa constelação do hemisfério celestial norte.


nossos filhos brinquem juntos e, eventualmente, administrem
esta cidade juntos...

Enquanto estou deitada de costas olhando para o céu, as


possibilidades parecem infinitas... nosso futuro desenrola-se
diante dos meus olhos, claro e brilhante como a lua acima.

Até que uma sombra passa pelo meu rosto e eu percebo que
Rodion está parado na beira da piscina, olhando para mim.

Ele parece tão vasto quanto uma montanha, pairando sobre


mim. E tão descontente quanto algum tipo de deus vulcânico
exigindo sacrifício.

Seu silêncio é enervante. Isso o faz parecer sem empatia,


sem nenhum tipo de alma, embora eu saiba que ele sente coisas.

Luxúria, por exemplo.

Eu vejo a maneira como ele me olha.

Muitos homens olham para mim – quase todos eles, na


verdade. Mas apenas ele me encara com ressentimento, como se
eu pertencesse a ele e tivesse sido injustamente levada embora.

Um dos meus maiores temores antes desse noivado com Seb


era que meu pai me entregasse a Rodion algum dia, como
recompensa por seu serviço leal.

O que mais me incomoda é como o entendo bem. Estou


acostumada a captar o significado de pequenos sinais e gestos,
por causa de minha mãe. Ela se comunicou silenciosamente para
evitar a atenção dos bratoks, ou do próprio meu pai.

Eu odeio que Rodion me lembre dela de uma forma estranha


e distorcida. Ele é como uma versão monstruosa e bizarra dela.
Grande e corpulento, onde ela era gentil e delicada. Malévola,
onde ela era fundamentalmente gentil. Ameaçador, quando ela
teria feito qualquer coisa para me proteger.

Odeio entendê-lo, sem a intenção e sem querer. Eu sei o que


todos os seus sinais significam, embora nunca tenha pretendido
aprendê-los.

Talvez seja parte do motivo pelo qual ele tem fixação por
mim. Porque ele sabe que eu o entendo. Ele acha que existe algum
tipo de conexão entre nós.

Talvez eu deva ter pena dele. Afinal, perder a capacidade de


falar é horrível, principalmente de uma forma tão humilhante.
Honra é tudo para a Bratva. Rodion foi destituído de sua honra e
autoridade. Ele trabalhou incansavelmente durante anos para
recuperar sua posição de liderança sob o comando de meu pai.

Mas não posso ter pena dele. Porque ele não tem pena de
mais ninguém. Jamais esquecerei a hora de tortura que ele
infligiu a Raymond Page, enquanto eu era forçada a ficar sentada
assistindo. Eu vi o prazer no rosto de Rodion e no de meu pai.

E é por isso que vou desprezar os dois, sempre.


Eu entendo a violência por necessidade. Mas aproveitá-la...
que eu nunca vou entender. E eu nunca vou respeitar isso.

Paro de nadar. Balanço na água como uma boia, olhando


para Rodion com cada gota de desdém que posso reunir. Não
posso deixá-lo ver o quanto me apavora. Eu sei que ele se
alimenta de medo.

Em vez disso, exijo, o mais severamente que posso: — O que


você quer? Você está me incomodando.

Rodion olha para mim, sem sorrir, os braços cruzados na


frente de seu peito largo enquanto ele se recusa a responder
mesmo com um sinal.

Meu coração está batendo forte, mas eu inclino meu queixo,


fingindo que estou olhando para ele em vez de ele olhar para mim
enquanto eu flutuo, seminua e vulnerável, na água.

— Vá embora, — eu digo, como se estivesse comandando


um cachorro.

Rodion apenas inclina a cabeça ligeiramente para o lado,


olhos estreitos, lábios curvados.

— Se você chegar perto de mim novamente depois que eu


me casar, meu marido vai te matar, — eu sibilo para ele.

Então, sem esperar por uma resposta, forço-me a começar


a nadar novamente. Sinto-me terrivelmente exposta, sabendo
que estamos sozinhos no quintal. Ele poderia pular na piscina e
me arrastar para baixo com seu corpo enorme, afogando-me
silenciosamente na água clorada.

Mas eu continuo nadando de qualquer maneira, recusando-


me a parar, recusando-me a olhar para ele. E quando finalmente
olho para cima novamente, depois de vinte voltas ou mais, ele
desapareceu.
É o dia do meu casamento.

Sinto uma excitação tão aguda que é quase dolorosa. Meu


peito está muito apertado para respirar. Eu me sinto tenso e
febril.

No entanto, estou mais feliz do que nunca.

Eu tive minha despedida de solteiro ontem à noite com Nero,


Jace, Giovanni e Brody. Brody era meu colega de quarto na
faculdade e o armador do time de basquete. Após a formatura,
ele jogou um ano na liga chinesa. Agora ele está de volta a
Chicago, cheio de histórias de quantas garotas em Pequim
queriam experimentar um cara branco de 2,03m, mesmo com a
cara feia que ele carrega por aí.

Giovanni é um dos meus tenentes, geralmente encarregado


do ringue de pôquer dos grandes apostadores. E é claro que Jace
era companheiro de quarto e soldado, até esta semana. A partir
de hoje, ele vai morar sozinho no apartamento em Hyde Park,
enquanto eu vou morar com Yelena.

A ideia de acordar com ela todas as manhãs, vê-la sempre


que voltar para casa, deixa-me mais feliz do que posso expressar.
Eu não daria a mínima se estivéssemos mudando para uma caixa
de papelão se ela fosse estar lá.

Mas eu queria dar a ela o apartamento mais lindo que se


possa imaginar. Algo que tinha espaço e luz e, acima de tudo,
pertencia a ela. Eu quero que ela escolha a cor da pintura, os
móveis. Quero que ela sinta que é tudo dela, não imposto por
ninguém, pela primeira vez na vida.

Infelizmente, ainda não tivemos tempo para escolher muita


coisa, por causa da pressa do casamento. Mas haverá muito
tempo depois. Todo o tempo no mundo.

Eu disse aos meus padrinhos que não tinha interesse em


strippers, então, em vez disso, fomos beber no Blarney Stone. Se
eu tivesse me casado há um ano, tenho certeza de que Nero teria
brigado comigo por causa disso. Mas ele tem sido incrivelmente
fiel à Camille e parecia perfeitamente satisfeito em virar alguns
shots e, em seguida, desafiar Giovanni para um jogo de sinuca,
sem nem se dar ao trabalho de verificar as universitárias
enfileiradas no bar, que ficavam lançando olhares esperançosos
sua direção.
Jace se apoiou na mesa com os dois cotovelos, bebendo uma
cerveja melancolicamente.

— Não posso acreditar que vocês dois estão em um


relacionamento sério antes de mim, — disse ele, lançando um
olhar incrédulo para mim e depois para Nero.

— Ainda estou solteiro! — Brody saltou da mesa de bilhar.

— Claro que você está! — Jace gritou de volta. — Basta olhar


para você!

Brody encolheu os ombros e sorriu. Ele tem uma cabeça do


tamanho e forma de uma batata crescida demais, e uma das
barbas mais desgrenhadas e irregulares que eu já vi, então ele
está acostumado a levar merda sobre sua aparência.

— E você... — Jace balançou a cabeça em descrença. —


Você está apenas andando na rua e por acaso topa com uma
deusa russa. Alguns caras têm toda a sorte.

— Talvez Yelena tenha uma prima, — disse eu, tentando


animá-lo.

— Mesmo? — Jace disse, animando-se um pouco. — Tipo,


vindo ao casamento amanhã? Porque eu vou estar elegante pra
caralho com meu novo terno.

— Eu não sei, — eu ri. — Vai ser uma cerimônia minúscula.


Só um jantar depois, sem recepção.
Jace fez beicinho com a ideia de nenhuma recepção onde ele
pudesse dançar com as lindas primas russas de sua imaginação.

— E a lua de mel? — Ele disse. — Vocês vão voltar para o


país dela? Você poderia me levar com vocês... eu poderia carregar
suas malas...

— Vamos para a Suíça, — eu disse a ele. — Mas não por


alguns meses. Queremos fazer um mochilão nos Alpes e
precisamos de mais tempo para planejar tudo.

Apesar das decepções com o meu casamento e planos para


a lua de mel, Jace se animou muito bem quando colocou mais
algumas cervejas nele. Ele até roubou um número de telefone de
uma das universitárias do bar, depois que ela percebeu que
nenhuma quantidade de sacudir o cabelo ou morder os lábios
faria Nero prestar atenção nela.

Brody também se divertiu, apesar de perder quatro jogos


consecutivos para o Nero. Ele conseguiu me vencer nos dardos,
e isso parecia uma vitória mais do que suficiente para ele,
ignorando o fato de que eu nunca tinha jogado dardos antes na
minha vida e só tinha uma compreensão instável das regras.

Nero estava quieto, embora não de seu jeito mal-humorado


e carrancudo de sempre. Ele parecia perdido em pensamentos.

Quando ele saiu para fumar, eu o segui, perguntando-me


no que ele estava pensando.
Ele acendeu o cigarro, o brilho de seu isqueiro iluminando
brevemente os planos afiados de seu rosto. Seu cabelo caía sobre
os olhos, lançando-os na sombra.

Ele deu um longo gole, então exalou, a fumaça formando


uma coroa ao redor de seu rosto.

Sem insistência, ele disse: — Eu queria que Dante estivesse


aqui.

— Eu também, — eu disse. — Não parece certo sem ele.

— Você já falou com ele? — Perguntou Nero.

— Sim. Ele disse exatamente o que você esperava. Que tudo


isso é uma má ideia.

Eu esperava que Nero bufasse impaciente. Achei que ele


concordaria comigo – ele sempre ficava mais irritado quando
Dante tentava exercer seu conservadorismo enfadonho de irmão
mais velho sobre o resto de nós.

Mas, para minha surpresa, Nero apenas deu outro longo


suspiro e disse: — Eu o entendo melhor desde que ele se foi.

— O que você quer dizer?

— O peso disso. De tudo isso. É pesado e implacável.

Eu balanço a cabeça lentamente.


Tenho sentido isso também – a enorme responsabilidade
que Dante esteve carregando todo esse tempo, caindo sobre mim
e Nero em vez disso. Nero cobrindo South Shore, eu comandando
o resto do nosso território. Papa se afastando cada vez mais de
tudo isso.

— Seus erros não são seus, — disse Nero. — Eles afetam a


todos. E isso é assustador.

Eu não sabia se ele estava se referindo a mim nos


envolvendo com os russos, ou se ele estava falando sobre si
mesmo e o risco que correu ao roubar aquele diamante. De
qualquer forma, fiquei chocado ao ouvir Nero admitir que algo o
assustava.

— Vai ficar tudo bem, — eu disse a ele. — Você e eu podemos


lidar com isso, com ou sem Dante.

— Sim, — disse Nero. — Mas isso me faz apreciá-lo um


pouco mais.

— Quem diria que ele realmente estava fazendo uma


tonelada de trabalho, e não apenas reclamando disso, — eu disse.
Nós dois rimos.

Já sabíamos disso, é claro. Teoricamente. Mas a realidade é


mais difícil.

— Como está a loja? — Eu perguntei a ele.


Nero e Camille abriram uma loja de modificação de carros
personalizados na Howe Street. Eles moram acima dela, em um
apartamento minúsculo que sempre cheira um pouco a tinta
fresca e fumaça de gasolina, do que acho que eles gostam.

— Florescendo, — disse ele. — Camille é brilhante. Algumas


das merdas que ela pode fazer com um motor... Odeio admitir,
mas ela pode ser melhor do que eu.

Ele disse isso como se o envergonhasse, mas eu podia ouvir


o orgulho óbvio em sua voz.

— Você que vai me seguir pelo corredor da igreja? — Eu


perguntei a ele.

— Cem por cento, — disse Nero sem hesitação. — Muito em


breve. O pai dela está doente...

Eu balancei a cabeça, lembrando que seu pai tinha câncer


de pulmão.

— Estamos esperando que ele esteja completamente


recuperado. Ou, recuperado tanto quanto você pode estar com
esse tipo de coisa.

— Estou feliz por você, cara, — eu disse a ele.

— Da mesma forma, — disse Nero com um meio sorriso.

Agora meus padrinhos provavelmente estão se vestindo da


mesma maneira que eu, em ternos cor de estanho. Eu não tinha
planejado ter padrinhos, já que Yelena não tinha damas de
honra, mas ela disse que não se importava, — Adrian estará
comigo.

Realmente não importa para a cerimônia. Não é organizado


como um casamento católico. Apenas Yelena e eu ficaremos no
altar, junto com o padre e Adrian, que funcionará como algo
chamado koumbaros.

Em vez de dormir no meu apartamento com Jace, passei


uma última noite na casa da minha família. Não sei se voltarei a
dormir nesta estreita cama de solteiro, neste telhado de duas
águas íngremes com seus pôsteres e o cheiro familiar de cedro.

Demoro para me arrumar, querendo que tudo dê certo, até


o último fio de cabelo da minha cabeça. Infelizmente, meu cabelo
raramente coopera quando eu quero. Os cachos parecem tão
animados quanto estou hoje, e eu gostaria de ter cortado meu
cabelo mais curto desta vez, para que eu pudesse ter certeza de
que conseguiria.

Enquanto estou abotoando minha camisa social branca,


vejo o brilho do minúsculo medalhão de ouro em meu peito.
Pressiono entre o polegar e o indicador, imaginando o que tio
Francesco diria se pudesse me ver casar com uma filha da
Bratva. Ele veria isso como uma traição? Ou ele entenderia?
É impossível saber. Esse é o problema de perder as pessoas
que você ama. Você não pode mais pedir a opinião deles. Você
não pode fazê-los felizes ou infelizes com suas escolhas.

Minha mãe também não está aqui. Ela nunca viu um único
de nós casado.

A opinião dela, pelo menos, posso ter certeza. Ela se casou


por amor, malditas as circunstâncias. Ela queria estar com meu
pai, não importava sua história.

Ela teria amado Yelena. Ela ficaria feliz por eu me casar com
alguém que amava música como ela. Teria sido ela a escolher o
piano para o nosso presente de casamento.

Quando estou barbeado, escovado e vestido com perfeição,


encontro Papa e Greta lá embaixo na cozinha. Papa está usando
seu melhor terno carvão, trespassado, com uma risca de giz
quase invisível – o que mamãe fizera para ele em seu décimo
quinto aniversário. Greta também está muito bonita. Ela está
com um blazer e saia azul-marinho, com um chapeuzinho
combinando preso no cabelo ruivo.

— Parece que você está indo para um casamento da realeza,


— eu a provoco.

— Pelo menos um de nós está! — Ela responde, nunca


perdendo uma resposta. — O que aconteceu com os homens
vestindo smokings adequados para seus casamentos?
— Muitas pessoas usam ternos agora, — eu digo,
encolhendo os ombros.

— Muitas pessoas se casam em Vegas, — Greta funga. —


Isso não significa que sejam boas maneiras.

— Você está muito bonito, — Papa me assegura. Ele coloca


a mão no meu ombro, algo que ele tem que estender a mão para
fazer atualmente. — Estou orgulhoso de você, meu filho.

— Obrigado, Papa, — eu digo.

Ele sabe que quero dizer obrigado por tudo isso, não apenas
pelo elogio.

Nero para na frente da casa em um de seus melhores carros


– o vermelho Talbot Lago Grand Sport. Está recém-lavado e
encerado, brilhando na luz forte da manhã. É uma nave tão
grande que Papa, Greta e eu cabemos no banco traseiro,
enquanto Camille dirige na frente com Nero.

— Parabéns, Seb, — ela diz, virando-se em seu assento para


apertar meu ombro.

Seu cabelo escuro e encaracolado está preso em um coque


no topo da cabeça, e seu lindo vestido de verão combina quase
exatamente com a cor do carro.
— Você finalmente terminou essa coisa! — Papa diz a Nero,
admirando os bancos de couro amanteigado e o painel vintage
com seus mostradores e botões redondos.

— Nós terminamos, — diz Nero, passando o braço pelos


ombros de Camille. — Camille me ajudou a trocar o alternador.
A propósito, é o carro dela, ela só nos emprestou hoje.

— Isso é corajoso da sua parte, — eu digo à Camille. — Você


o viu dirigir?

Camille sorri. — Se ele se deparar com alguma coisa, eu sei


como consertar.

Nós aceleramos em direção à igreja, rápidos e suaves como


um pássaro em voo. Apesar de tudo que gosto de dar merda a
Nero, ele é um excelente piloto. Eu confiaria nele para me levar a
qualquer lugar, mesmo neste carro antigo sem um único
dispositivo de segurança moderno.

Quanto mais perto chegamos da igreja, menos posso ouvir


a conversa girando ao meu redor. Só consigo pensar em como
Yelena ficará com seu vestido de noiva.

Vamos nos casar na Catedral Ortodoxa na Ukrainian


Village. Tecnicamente, minha família é católica, mas essa foi uma
das muitas concessões que estávamos dispostos a fazer a Yenin
para fazer tudo correr bem.
Nero para em frente à igreja, que é um edifício de gesso
branco com uma grande cúpula octogonal e uma torre sineira.
Parece simultaneamente grandiosa e provinciana, com sua
madeira pintada e suas formas rústicas, tão diferentes de uma
catedral católica.

À medida que entramos, parece ainda mais exótico. Um


tríptico maciço está atrás do altar, pintado em vermelho,
turquesa e dourado. Os anjos em mosaico nas paredes parecem
decididamente bizantinos. O interior da cúpula também é
pintado de turquesa, salpicado de estrelas. Eu sorrio com isso,
pensando que Yelena vai gostar.

Greta olha em volta para o tapete escarlate e a madeira


dourada.

— É muito... russo, — ela sussurra para mim.

Eu sufoco uma risada. — Acho que essa é a ideia.

Yenin vem caminhando ao redor do tríptico, ladeado por um


padre ortodoxo e seu filho Adrian.

— Bom dia, — ele nos cumprimenta educadamente. — Que


dia perfeito para um casamento.

— Você não poderia pedir por um melhor, — Papa diz,


estendendo a mão para apertar a de Alexei.
Yenin olha para Greta com uma leve curiosidade, e Papa diz:
— Permita-me apresentar nossa... Greta.

Ele não gosta de chamá-la de nossa governanta, porque


Greta é muito mais do que isso para nossa família.

Greta também aperta a mão de Yenin, com menos


entusiasmo do que o habitual. Tenho certeza de que Papa contou
a ela tudo sobre Alexei. Ou então ela simplesmente não gosta do
olhar dele, com seu sorriso largo que não se estende até os olhos.

— Meu filho Adrian, — diz Yenin. Adrian também aperta as


mãos de todos, com quase o mesmo entusiasmo de Greta.

Quando ele vem até mim, eu digo ansiosamente: — Yelena


está aqui?

— Ela está se preparando em uma das salas laterais, —


Adrian diz.

Ele parece pálido e solene em seu terno escuro. Sempre


gostei automaticamente de Adrian, porque ele se parece muito
com Yelena. Mas não acho que esse sentimento seja
correspondido. Hoje ele encontra meus olhos, mas não com calor.
Ele parece infeliz e ligeiramente doente.

— Tenho uma pergunta, — diz Greta ao padre. — Onde


estão os bancos?
— Não sentamos durante as pregações, — explica o padre.
— Mas você pode trazer as cadeiras ao longo da parede, se
desejar.

Ele aponta para as poltronas ornamentadas de espaldar alto


alinhadas ao longo das paredes. Elas parecem pesadas e difíceis
de mover, então – avistando Jace, Giovanni e Brody entrando na
igreja – digo: — Bem na hora – tenho um trabalho para vocês.

— Já? — Brody sorri.

Greta nos direciona para onde ela acha que as cadeiras


devem ir, e Jace, Giovanni, Brody e eu as colocamos no lugar.

Nero está sentado em uma das cadeiras ao longo da parede,


observando-nos.

— Você deveria estar fazendo isso, não seu irmão! — Greta


o repreende. — É o dia do casamento dele.

— Sim, mas ele não está de ressaca como eu, — diz Nero.

Nero não bebeu o suficiente para ficar de ressaca. Acho que


ele está mais interessado em ficar de olho no resto dos homens
de Yenin que vieram para a igreja. Vejo o grande e silencioso
Rodion, que parece estar de mau humor particularmente, e
depois três outros atrás dele. Um é o garoto com cara de bebê que
estava na mesa de negociações. Acredito que ele seja o motorista
de Yenin e um primo distante de Yelena – seu nome é Timur-
alguma coisa. Os outros dois não reconheço. Eles também podem
ser parentes ou apenas bratoks. Tenho a sensação de que Yenin
tem mais soldados do que família.

A tensão é palpável, mesmo no espaço aberto da capela.


Yenin e seus homens sentam-se nos assentos que arrumamos do
lado esquerdo da sala, e minha família senta-se à direita.
Estamos todos voltados para o altar com seu enorme tríptico
pintado de quase dois andares de altura. Mas estamos olhando
de lado um para o outro, ninguém totalmente confortável.

Por mais que eles possam não gostar da ideia desse


casamento, os russos se vestiram tão bem quanto nós. Yenin está
vestindo um terno azul rico com um único lírio branco na lapela,
e Adrian um terno preto com o mesmo.

Não comprei boutonnières 22 para mim ou para os


padrinhos. Eu me pergunto se isso foi um erro. Espero que
Yelena não se importe.

Fico olhando para o relógio, contando os minutos para o


início da cerimônia. Faltando cinco minutos para o meio-dia, o
padre se levanta para fechar as portas da capela. Antes que ele
pudesse fechá-las, um braço forte passa por elas, bloqueando seu
caminho.

22Também conhecido como flor de lapela, é uma decoração floral, tipicamente uma única flor ou botão,
usada na lapela de um smoking ou paletó
O padre se assusta, cambaleando para trás em suas longas
vestes pretas.

— Desculpe, — uma voz profunda e retumbante diz.

Eu pulo, chocado e satisfeito. — Dante!

Ele abre caminho para dentro, elegantemente vestido com


um terno escuro e gravata, com o cabelo preto recém penteado
para trás.

Yenin franze a testa ao vê-lo. — Achei que você não viria, —


diz ele, em tom irritado. Ele parece ofendido por Dante ter se
recusado a comparecer inicialmente, e ainda mais ofendido por
ter aparecido agora no último minuto.

Dante o ignora. Ele me permite abraçá-lo e dar-lhe um


tapinha no ombro.

— Estou feliz que você veio, — eu digo.

— Achei que me arrependeria se não fizesse isso, — diz ele.


— Estou feliz por você, Seb.

— Eu sei que você está, — eu digo.

Meu lado da igreja agora inclui meus irmãos, Papa e Greta,


Giovanni, Brody e Jace. No lado oposto estão Yenin, Adrian,
Rodion, Timur e os outros dois homens.

A única pessoa que falta é minha noiva.


O padre fecha as portas e se posiciona atrás do altar.

Ele faz um gesto para que eu me junte a ele e a Adrian


também. Adrian vai ser nosso koumbaros, que Yelena me disse
ser uma parte essencial da cerimônia, e uma espécie de padrinho
do casal pelo resto de suas vidas.

Adrian não parece nada satisfeito com sua posição ao lado


do padre, mas um rápido olhar para seu pai parece lembrá-lo de
seu dever. Ele se endireita, ombros para trás, preparando-se para
a tarefa em mãos.

Agora, finalmente, ouço as portas atrás do tríptico se


abrirem, quando Yelena entra na capela. Ao contrário de uma
cerimônia católica, ela vem de trás do altar, em vez de caminhar
pelo corredor.

Não importa, ela não precisa de uma grande entrada para


explodir minha mente. Não há música tocando, nenhum caminho
de pétalas de rosa para ela caminhar. E ainda assim ela é tão
intensamente e etereamente linda que meu coração para no meu
peito.

Seu vestido é tão leve e transparente que parece flutuar em


torno de seu corpo. Eu posso apenas ver a forma de seus braços
e pernas longos e finos enquanto ela se move, o vestido girando
em torno dela como névoa. Seu cabelo está meio preso para cima,
com uma fina tiara de prata na cabeça, e então seu longo cabelo
claro cai pelas costas em ondas. A prata de sua coroa está
refletida nas minúsculas alfinetadas de prata em seu vestido,
brilhando como estrelas no material translúcido.

Sua pele é tão luminescente quanto a lua. Seus olhos são


os mais brilhantes que já vi – claros e sobrenaturais. Por um
momento me pergunto se Yelena realmente é humana, porque
nunca vi uma mulher assim.

Todos nós ficamos pasmos com o silêncio, até o padre.

Quando Yelena se junta a mim no altar, tudo que posso


fazer é pegar suas mãos frias e magras nas minhas e sussurrar:
— Incrível.

O padre começa a cerimônia longa e complicada, na qual eu


só posso tropeçar, já que nunca vi um casamento ortodoxo antes.
O padre recita suas bênçãos e passagens bíblicas, depois pega
nossos anéis para pressioná-los na testa três vezes cada um.
Parece que tudo acontece três vezes, para representar a trindade,
eu acho. Adrian passa os anéis entre nossas mãos três vezes e,
finalmente, coloca-os em nossos dedos.

Em seguida, fazemos uma cerimônia com velas acesas que


Yelena e eu seguramos em nossas mãos. E então nós
compartilhamos o vinho de uma taça e caminhamos juntos ao
redor do altar três vezes. Por fim, o padre nos dá suas orações
finais, dizendo as palavras — Na zisete, — que Yelena me disse
antes, é uma bênção antiga que significa — Que vocês vivam!
Com essas palavras, Yelena e eu nos tornamos marido e
mulher. Ela olha para o meu rosto, seus olhos brilhando com
lágrimas. Eu me curvo para beijá-la. Seus lábios são tão doces
quanto da primeira vez que os provei.

Viramos o rosto para nossas famílias, sua mão travada na


minha, nós dois sorrindo com todas as nossas forças.

O que acontece a seguir parece acontecer em câmera lenta,


como um pesadelo. E, como um pesadelo, estou congelado no
lugar, incapaz de me mover.

Em um movimento rápido, como a ondulação da maré,


Alexei Yenin e seus homens se levantam de seus assentos. Eles
puxam as armas de seus paletós, apontando-as do outro lado do
corredor para minha família.

Antes que eu possa me mover, antes que eu possa gritar,


antes que eu possa respirar, eles começam a atirar.

Meu pai é o primeiro a ser atingido, porque ele é o mais lento


para reagir e porque ele é o alvo. As balas o atinge no peito, no
pescoço e na mandíbula, soprando pedaços de sua carne no rosto
horrorizado de Greta. Seu corpo sacode com o impacto, traindo o
quão frágil ele realmente se tornou. Posso dizer pela maneira
como ele cai que está morto antes de atingir o chão.

No mesmo momento, vejo um borrão de movimento em


minha visão periférica, quando Adrian Yenin levanta sua arma e
a pressiona contra minha têmpora. Ele hesitou por um momento
– ele não puxou sua arma tão rápido quanto os outros.

Essa hesitação é a única razão pela qual não estou morto.


Se ele tivesse levantado a arma enquanto eu estava olhando para
meu pai, eu nunca teria sabido o que me atingiu. Sua bala teria
rasgado meu crânio enquanto eu assistia Papa morrer.

Mas vejo seu braço se mover para cima e reajo sem pensar.
Meu joelho pode estar fodido, mas ainda tenho todos os reflexos
de um atleta. Minha mão direita dispara, atingindo-o no cotovelo
e jogando seu braço para cima. A arma explode uma polegada
acima da minha cabeça, me ensurdecendo. Eu trago meu punho
esquerdo girando, batendo na mandíbula de Adrian.

Enquanto essas coisas acontecem, a catedral ressoa com


um grito longo, longo e ininterrupto, tão alto quanto uma sirene
– Yelena está gritando, as unhas cravando-se nas bochechas.

Mais dois russos contornam o tríptico, ambos armados. Um


que nunca vi antes, mas o outro me parece estranhamente
familiar. Ele tem um nariz amassado e uma tatuagem de uma
flecha escorrendo pelo lado da cabeça raspada. Com um choque
nauseante, percebo que ele é o homem que estava tentando enfiar
Yelena no porta-malas de seu carro, na noite em que ela e eu nos
conhecemos.

Tudo o que acontece a seguir, vejo em instantâneos de


fração de segundo. Tudo acontece simultaneamente, mas meu
cérebro registra como imagens estáticas, capturadas entre
flashes caóticos de luz.

Eu vejo Nero se jogando em cima de Camille, protegendo-a


com seu corpo enquanto ele é baleado nas costas três, quatro,
cinco vezes. Eu vejo Brody pegar uma das cadeiras pesadas e
arremessar em Yenin, antes que ele também acerte uma dúzia de
balas em seu corpo magro. Giovanni é baleado enquanto investia
contra os russos. Ele consegue acertar dois deles e derrubá-los,
mesmo depois de ser atingido várias vezes.

O padre tenta correr e leva um tiro nas costas – seja por


acidente ou para eliminar qualquer testemunha. Eu arranco a
arma das mãos de Adrian e a viro contra os homens que
acabaram de entrar na sala. Eu atiro no sequestrador fingido
antes que ele atire em Greta.

O outro homem rosna e aponta sua arma para mim,


puxando o gatilho antes que eu possa apontar minha arma para
ele.

Ouço o grito de Yelena ao mesmo tempo que a arma dispara.


Ela bate em mim, jogando-me para trás. Meu joelho machucado
dobra embaixo de mim, e nós dois caímos. Só quando tento
empurrá-la de cima de mim, e sinto como ela ficou mole, é que
percebo que levou um tiro.

Rodion é atingido no ombro e outro soldado de Yenin cai – o


motorista com cara de bebê chamado Timur. Eu percebo que
Jace está atirando de volta, e Dante também. Eles não foram
estúpidos o suficiente para vir desarmados como eu.

Mas o próprio Dante foi atingido. Ele tropeça em direção ao


tríptico, sangrando na perna e na mão.

Rosnando, Yenin tenta atirar em Dante pelas costas. É tarde


demais – Dante se apoiou contra o enorme tríptico de madeira e
o está empurrando com toda a força. Com um rugido
estrangulado, Dante consegue virar a tela de dois andares. Ele
cai em direção aos assentos com uma força nauseante. Deve
pesar cerca de novecentos quilos, como a fachada de uma casa
caindo – qualquer um embaixo dela será esmagado.

O tiroteio para quando todos se dispersam.

Pego o corpo inerte de Yelena e a jogo por cima do ombro.


Camille está arrastando Nero, com os dentes à mostra e os
tendões destacados em seu pescoço. Dante agarrou Greta, que
sozinha parece ilesa.

O tríptico cai com um impacto estrondoso como uma bomba


explodindo, estilhaços de madeira disparando em todas as
direções. Não sei se atingiu os russos ou não, porque não há
tempo para olhar para trás. Estamos fugindo pelos fundos da
catedral, Dante mancando em sua perna machucada, mas ainda
ajudando Camille a apoiar o corpo ensanguentado de Nero, eu
tentando não tropeçar na longa cauda do vestido de Yelena que
está pendurado no meu ombro.
Na abside escura, ouço passos batendo atrás de nós.

Eu me viro, a arma de Adrian ainda segura em minha mão.


Eu mal consigo ver, e meu dedo empurra convulsivamente contra
o gatilho. Antes de atirar, eu percebo que é apenas Jace.

— Não espere por mim nem nada! — Ele ofega, altamente


enfurecido.

Não tenho palavras para responder a ele.

Eu simplesmente me viro e saio correndo da igreja, deixando


o corpo de meu pai para trás.
Eu acordo, com frio e rígida, em um quarto escuro.

Cheira a umidade aqui, e um pouco como fumaça de diesel.

Quando tento me mover, ouço um tilintar de metal e o


farfalhar de tecido. Meu corpo inteiro está pesado e dolorido, a
dor latejante parecendo irradiar do meu ombro esquerdo até os
dedos dos pés.

Minha cabeça está pesada e embotada. Não consigo


entender o que diabos está acontecendo.

E então tudo começa a voltar para mim.

Sebastian, de pé no altar, parecendo o mais bonito que eu


já vi naquele terno perfeitamente ajustado.

Sua família, acomodada nas cadeiras altas de espaldar alto,


parecia satisfeita e na expectativa.
E então meu pai e seus homens. Ele trouxe Rodion, Timur,
Vale e Kadir. Além de Rodion, os bratoks eram tecnicamente
relacionados a mim, Vale sendo meu tio por casamento, e Timur
e Kadir primos distantes. Ainda assim, parecia estranho ter o
meu lado da festa de casamento nos olhando com tanta frieza,
sem qualquer sinal de felicidade. Apenas uma espécie de
expectativa rígida.

Então havia Adrian, que parecia o mais estranho de todos.


Enquanto ele nos conduzia pela cerimônia em sua posição de
koumbaros, eu ficava pensando em como ele estava pálido e
desejando que ele me olhasse nos olhos e me desse um de seus
sorrisos irreverentes, para me avisar que não estava levando a
coisa toda muito a sério. Nunca o vi ficar dentro de uma igreja
sem revirar os olhos ou piscar na minha direção quando o padre
está falando monotonamente.

No mínimo, pensei que ele me abraçaria naquela manhã e


me diria que me amava. Que ele sentiria minha falta, mas
esperava que eu fosse feliz com Sebastian.

Ele não fez nada disso. Quando fui ao seu quarto de manhã
cedo para tentar falar com ele, a cama estava vazia. Normalmente
é preciso uma banda de música para acordá-lo.

Senti uma pontada de mal-estar, mas disse a mim mesma


que não era nada. Tentei olhar apenas para Sebastian, para seu
rosto bonito e sua expressão animada. Eu olhei para sua altura,
seu peito largo e seu ar de absoluta confiança, e disse a mim
mesma, — Seb vai me proteger. Sua família vai me proteger. Uma
vez casados, nada pode nos machucar.

Então, finalmente, a cerimônia acabou, éramos marido e


mulher com anéis nos dedos, e ele me beijou... O beijo mais
caloroso e feliz da minha vida...

E depois...

Tudo se transformou em sangue, terror e miséria.

Aquele momento perfeito se quebrou como vidro,


estilhaçando-se em mil pedaços que cortaram cada parte de mim
enquanto caíam.

Meu pai traiu os Gallos. Ele também me traiu.

E meu irmão tentou matar o homem que amo.

Ele colocou uma arma na cabeça de Sebastian. Tentou


puxar o gatilho.

E o resto deles...

Não sei quantos morreram.

Minha mão voa para minha boca quando percebo que nem
sei se Sebastian está vivo. A última coisa de que me lembro é de
meu tio Vale apontando a arma para meu marido e eu pulando
entre eles...
Toco meu ombro, que está tão rígido e dolorido que parece
uma pedra. Mais uma vez ouço aquele tilintar que me segue toda
vez que me mexo.

Sinto uma bandagem grossa envolvendo meu peito todo o


caminho por cima do meu ombro até minhas costas. Além disso,
os restos esfarrapados e imundos do meu vestido de noiva. E
então, circundando meus pulsos e meus tornozelos... algemas.
Pulseiras de ferro presas a correntes.

Eu levanto meu pulso novamente, puxando.

Eu só tenho mobilidade limitada, porque essas correntes


são aparentemente aparafusadas.

Solto um pequeno gemido. Parece muito patético neste


espaço escuro e sombrio.

Não tenho ideia de quem me colocou neste calabouço e me


acorrentou à parede. Não sei onde estou, se ainda estou em
Chicago. Mal posso ver a sala em que estou contida – sinto as
paredes se fechando ao meu redor, mais do que realmente as
percebo.

Tudo o que sei com certeza é que estou sentada em um


colchão, com um único cobertor fino sobre as pernas.

Ainda estou usando meu vestido de noiva, mas a tiara que


usava no cabelo, a que pertencia à minha mãe, se foi. Meus
sapatos também.
Febrilmente, sinto minha mão esquerda com a direita.

Meu anel ainda está lá, pelo menos. Toco aquele pequeno
círculo com seu lindo diamante, torcendo-o no dedo.

Não sei o que faria se tivesse perdido isso também.

Eu quero chorar, mas não vou me permitir fazer isso.

Não sei quem poderia estar assistindo ou ouvindo.

Então, em vez disso, eu me enrolo como uma bola, sentindo


a pulsação implacável do meu ombro e esperando contra a
esperança de que Sebastian ainda esteja vivo.

Não sei se fiquei no escuro por horas ou dias.

Sei que dormi várias vezes e fiquei com muita sede.

Finalmente, depois do que parece uma eternidade, a porta


se abre e uma luz se acende.

Sento-me no colchão, piscando contra o brilho ofuscante.


Parado na porta está uma figura que reconheço
imediatamente: meu marido alto, forte e incomensuravelmente
bonito.

Tento ficar de pé para poder correr para ele, mas as


correntes me prendem e minhas pernas balançam embaixo de
mim. Sinto uma pontada de dor no ombro e uma forte onda de
náusea que me faz sentar com força no colchão.

É melhor para mim que eu não possa me jogar nos braços


de Sebastian, porque ele já está se encolhendo para longe de mim
com uma expressão de repulsa no rosto.

— Não me toque, — ele diz com os lábios brancos como giz.

Sua expressão é diferente de tudo que eu já vi antes –


furiosa e enojada. Como se ele me detestasse.

É tão diferente de como Sebastian geralmente olha para


mim que eu só posso piscar para ele em confusão, perguntando-
me como este homem que estava disposto a ir até os confins da
terra por mim apenas alguns dias atrás poderia agora me
considerar como uma merda na sola do seu sapato.

Então olho um pouco mais perto para as manchas


profundas semelhantes a hematomas sob seus olhos, e a
magreza de suas bochechas, e a tristeza em seus olhos, sob
aquela fúria. E eu sei que alguém morreu. Talvez muitas pessoas.
— Sebastian, — eu resmungo. Minha garganta está seca e
meus lábios também. É difícil falar.

Ele estremece, como se até ouvir seu nome em meus lábios


fosse demais para ele.

— Não, — diz ele novamente.

Não sei o que ele está me proibindo de fazer desta vez. Falar?
Olhar para ele? Talvez apenas existir...

— O que aconteceu? — Pergunto-lhe.

Ele está com tanta raiva que está sacudindo toda a extensão
de seu corpo considerável.

— Você sabe o que aconteceu, — ele sibila.

— Meu pai traiu você, — eu digo. — Mas Sebastian, eu não


sabia! Eu...

— NÃO MINTA PARA MIM! — Ele ruge.

Seu rosto está acumulado de raiva, os punhos cerrados ao


lado do corpo. Ele dá um passo brusco em minha direção antes
de parar, como se quisesse me despedaçar com aquelas mãos.

Eu recuo para longe dele, e talvez seja esse recuo que o


detém, porque ele se contorce, e vejo uma pequena centelha em
seus olhos, como se sua fúria surpreendesse até a si mesmo.
Ele olha para mim. Eu sei que devo parecer suja, dolorida,
patética. Mas qualquer simpatia que possa ter gerado antes,
qualquer lembrança de amor tênue que reside dentro dele, ele
esmaga impiedosamente. Ele pisca, e seu rosto está como o de
um estranho novamente. Pior do que um estranho – é o rosto de
um inimigo.

— Você armou para mim, — diz ele, sua voz mais fria do que
essas paredes de pedra. — Desde o momento em que nos
conhecemos, você estava mentindo para mim. Não houve
sequestrador. Esse era um dos homens do seu pai. E então
quando eu não liguei para você depois...

Ele está observando meu rosto, confirmando cada palavra


que sai de sua boca.

— Então você se jogou em mim de novo, no leilão de


encontros. Isso não foi coincidência. Você sabia que eu estaria lá.

Eu nunca choro. Há anos não deixo as lágrimas rolarem


livremente. Mas posso senti-las escorrendo pelo meu rosto agora,
silenciosas e quentes.

— Sinto muito, — eu digo. — Eu queria dizer a você...

— Você é uma MALDITA MENTIROSA, — Sebastian diz. —


Eu não acredito em uma maldita palavra que sai da sua boca.

Eu não posso negar.


Eu deveria ter contado a verdade a ele assim que soube que
estava me apaixonando por ele.

Eu deveria ter contado a ele quando ele me mostrou o piano


de sua mãe.

Eu deveria ter contado a ele naquela noite na praia quando


ele tirou minha virgindade.

Eu deveria ter contado a ele no planetário quando ele me


pediu em casamento.

Tive tantas oportunidades e nunca as aproveitei. Porque fui


uma covarde. E egoísta. Tive medo de que meu pai me
machucasse. E ainda mais medo de que Sebastian me deixasse.

Disse a mim mesma que isso não importaria depois do


casamento.

Mas sempre importou, e sempre importará.

— Você está certo, — eu sussurro. — Eu menti para você.


Eu sabia que era errado, mas continuei fazendo isso. Sinto muito,
Sebastian. Eu não sabia que isso iria acontecer. Meu pai...

— EU NÃO QUERO OUVIR SOBRE SEU PAI, PORRA! —


Sebastian berra. — MEU PAI ESTÁ MORTO!

É como uma estaca no meu peito. Fico em silêncio diante


da enormidade do que fiz.
Acho que já sabia disso, se tentasse me lembrar. Eu vi meu
pai e seus homens abrirem fogo contra a família de Sebastian.
Eu vi Enzo Gallo – aquele homem caloroso e bem-educado, que
me tratou com mais respeito do que meu próprio pai jamais fez –
eu o vi ser atingido no rosto e no peito.

Ninguém poderia ter sobrevivido a isso. Principalmente um


homem de sua idade.

Meu rosto se enruga como um saco de papel e as lágrimas


caem mais rápido.

Isso só enfurece Sebastian mais.

— Não se atreva a chorar por ele, — ele sibila. — É sua culpa


que ele está morto.

— E quanto aos outros? — Eu pergunto, incapaz de me


ajudar. Preciso saber se os irmãos dele estão bem, Camille e
Greta.

Sebastian me encara friamente, sem querer responder. Mas,


por fim, ele diz: — Nero levou seis tiros. Mas ele ainda não está
morto. Camille, Greta e Jace estão vivos. Giovanni e Brody estão
mortos. — Ele engole em seco e diz: — Brody nem era um maldito
mafioso. Ele era apenas um amigo.

Eu não sei o que dizer.


Não há nada que possa ser dito. Nada que vá apagar o que
eu fiz. Nada que traga o pai de Sebastian de volta, ou seus
amigos.

Eu olho para ele, sentindo como se meu coração estivesse


se partindo ao meio.

— Sinto muito, — eu digo. — Eu daria qualquer coisa para


voltar atrás.

— Bem, você não pode, — Sebastian diz.

E com isso, ele se vira para sair.

Mas primeiro ele joga uma garrafa de água na cama. O único


indício de misericórdia que ele me deu.

Então ele se vira e bate à porta, trancando-a atrás de si.


Eu fico fora da cela bem no fundo do porão, meu corpo
inteiro tremendo de fúria e dor.

Eu me sinto traído. Sinto-me um otário.

E, acima de tudo, sinto-me horrivelmente, doentiamente,


culpado.

Eu disse a Yelena que era sua culpa que meu pai estivesse
morto e meu irmão estivesse deitado em uma unidade de terapia
intensiva com tubos entrando e saindo do corpo.

Mas a verdade é que é minha culpa.

Eu sabia que Alexei Yenin nos odiava. Eu sabia que ele


queria vingança contra minha família. Eu sabia que ele exerce
pressão e controle incríveis sobre os filhos.

E ainda assim eu disse a mim mesmo que tudo ficaria bem.


Porque eu queria acreditar que tudo ficaria bem. Eu queria
acreditar que poderia me apaixonar e ser feliz, e que todos os
erros do passado poderiam ser varridos para debaixo de um
tapete.

Claro que Yelena e eu não nos encontramos por acaso. É


ridículo agora pensar que alguma vez acreditei nisso.

A maneira como nos conectamos, a maneira como nos


apaixonamos tão rapidamente parecia tão fadada, tão
absolutamente certa, que me fez acreditar no destino. Nunca
questionei como continuávamos nos cruzando. Eu acreditava que
o universo estava nos unindo.

Essas são as ilusões de um tolo. Alguém que pensa que o


carma é real, que as coisas sempre dão certo no final. Como pude
acreditar nisso, se já vi mil vezes que não é verdade?

Meu tio foi queimado vivo, pela porra da Bratva. Minha mãe
morreu de uma infecção aleatória, caprichosa e totalmente
evitável. E agora meu pai está morto, por causa do meu erro. Não
há justiça em nada disso.

Eu não deveria ter entrado naquela cela.

Não consigo tirar a visão de Yelena da minha mente – seu


lindo vestido de noiva agora sujo, rasgado e manchado de sangue.
Seu rosto ferido e suplicante. Correntes em suas mãos e pés. E
aquela bandagem cobrindo seu ombro onde o Dr. Bloom
arrancou a bala e a costurou novamente.
A bala que ela levou por mim.

Quando ela me disse que não sabia de nada, que não tinha
ideia do que seu pai havia planejado, não acreditei nem por um
segundo. Ela sabia que ele queria nos pegar desde o início. Ela
sabia que era uma armação.

Mas uma coisa eu sei com certeza é que ela pulou na frente
daquela arma...

Ninguém a obrigou a fazer isso.

Foi instintivo, imediato.

Ela queria me salvar.

O que significa que tudo o mais que ela possa ter feito, ela
se preocupa comigo. Essa parte não era inteiramente mentira.

Mas não pode trazer meu pai de volta dos mortos.

Acabei de sair do necrotério. A polícia recuperou o corpo de


Papa da Catedral Ortodoxa. Eles o encontraram sob o tríptico,
junto com os corpos de três dos bratoks de Yenin. Eles
examinaram as impressões digitais de Papa em seu sistema,
encontrando seu histórico antigo de sua juventude, quando foi
preso sob a acusação de extorsão e lavagem de dinheiro. Eles me
chamaram para identificar o corpo.

Meu pai parecia muito menor do que o normal, deitado


naquela maca sob um lençol, o terno e a camisa removidos dele.
Sua pele era da cor de queijo, com marcas por toda parte da
pesada estrutura de madeira caindo em cima dele. E seu rosto...
foi quase completamente destruído. Não do tríptico – das balas
do Bratva. Tudo o que restou foi um olho preto como um besouro,
aberto e olhando fixamente.

A polícia já sabia quem ele era. Eles me trouxeram para me


chocar. Esperando que, quando me levassem para o quarto ao
lado, eu contasse os detalhes do que aconteceu exatamente na
catedral. Eles devem ter reconhecido os outros corpos como
Bratva. Talvez tenham pensado que eu lhes contaria tudo,
motivado por vingança.

Recusei-me a responder a uma única pergunta. Eu disse


que não sabia o que havia acontecido, por que meu pai estava na
igreja naquele dia. Pior de tudo, eu não poderia dizer a eles que
os corpos caídos ao lado do meu pai – um alto e magro, o outro
largo e corpulento, pertenciam a Brody e Giovanni.

Giovanni não tinha muita família, apenas um irmão na


prisão. Mas pensei na ligação desconcertante que os pais de
Brody com certeza receberiam mais tarde hoje ou amanhã,
enquanto se sentavam calmamente em sua casinha em Wilmette,
lendo jornal ou assistindo televisão, sem nunca suspeitar que
algo havia acontecido com seu único filho. Eu queria dar um tapa
em meu próprio rosto uma e outra vez, de pura vergonha e raiva.
Eu me encosto nas paredes do porão – concreto simples,
úmido e frio, porque esta pequena prisão é o nível mais baixo da
nossa casa, abaixo até da velha garagem de Nero. Eu gostaria de
poder desaparecer da face da Terra. Porque não posso enfrentar
todas as coisas que fiz acontecer.

Mas essa seria a saída covarde.

Eu não vou me matar.

Eu vou me vingar.

Então subo as escadas de volta para a cozinha. Greta está


sentada à mesinha, vestida com roupas limpas, o cabelo bem
penteado e amarrado para trás como sempre, mas o rosto gordo
e inchado de tanto chorar.

É estranho vê-la sentada. Greta está sempre agitada,


mantendo as mãos ocupadas. Ela nunca está ociosa. Ela odeia
sentar-se até mesmo para assistir a um filme.

Quando me vê, ela pula e joga os braços em volta de mim.


Dói aceitar seu abraço. Eu não mereço isso – eu não mereço o
conforto dela.

— Como está Nero? — Ela me pergunta.


Fui para o hospital antes do necrotério. Essa foi a visão mais
estranha de todas. Nero é o id23 de nossa família – primitivo, feroz
e intensamente vivo. Vê-lo ali deitado, pálido e imóvel, apenas
respirando por causa das máquinas que o mantinham vivo... foi
insuportável.

Camille estava sentada ao lado dele, quase tão pálida


quanto o próprio Nero. Ela não trocou o lindo vestido vermelho
que usou no casamento. Ela não tinha saído do lado dele por um
único momento, exceto quando ele estava em cirurgia, e mesmo
assim ela se sentou na sala de espera, chorando até que não
tivesse mais lágrimas em seu corpo.

O vestido parecia murcho e triste, todo manchado com o


sangue do meu irmão, apenas um pouco mais escuro do que o
próprio material. Lembrei-me de como ele se jogou em cima de
Camille, sem nem mesmo tentar se proteger ou lutar contra os
russos.

Nunca poderia imaginar Nero se comportando dessa


maneira. Não acho que ele teria se sacrificado por Papa ou Aida,
ou qualquer um de nós. Apenas por Camille.

— Eles ainda não sabem de nada, — digo a Greta. — Ele


sobreviveu à cirurgia, no entanto.

23Na psicanálise, é o sistema básico da personalidade. O id é responsável pelos instintos, impulsos


orgânicos e os desejos inconscientes.
— Ele vai se recuperar, — Greta me garante, soltando-me
para assoar o nariz em um dos muitos lenços de papel que
mantém enfiados nos bolsos. — Nero é teimoso demais para
morrer.

— Eu disse a Jace para guardar a porta do hospital. Eu


disse a ele para não sair por qualquer motivo.

Estou tentando me justificar para Greta, embora nós dois


saibamos o quão insuficiente é tentar proteger Nero agora, depois
de quase lhe custar a vida.

Greta é muito gentil para me acusar. Ela já sabe o quanto


estou me culpando.

Tenho que discutir outra coisa com ela, mas não sei como
dizer.

Então, eu pego sua mão e pergunto: — Você pode se sentar


comigo por um minuto?

— Devo fazer um pouco de chá para nós? — Ela me


pergunta.

— Não para mim, — eu digo. — Mas se você quiser...

— Não. — Ela balança a cabeça. — Tudo o que tenho feito é


beber chá, até começar a tremer. Não está mais me acalmando.

Ela se senta à minha frente na mesa minúscula e


ligeiramente vacilante que está nesta cozinha desde antes de eu
nascer. Muitas das coisas nesta casa estiveram aqui antes de
mim e provavelmente estarão aqui muito depois de eu partir.
Uma duração que pode não ser tão longa quanto penso, com os
planos que pretendo executar nas próximas semanas.

É isso que preciso discutir com Greta.

Uma vez que estamos ambos sentados, eu a olho nos olhos.


É difícil fazer isso, porque o rosto de Greta é tão gentil e
simpático, tão cheio de amor por mim. Sempre fui seu favorito,
eu sei disso. E nunca mereci menos do que hoje.

— Greta, — eu digo. — Isso não acabou com os russos.

Seu lábio inferior treme e ela pressiona a boca em uma linha


firme, para evitar soluçar. Presumo que ela esteja se lembrando
de seu terror naquele momento em que os Bratva se levantaram
de seus assentos e apontaram as armas para ela.

— Você sabe o que tenho que fazer agora, — digo a ela.

Greta balança a cabeça lentamente, seus olhos azuis claros


fixos nos meus.

— Você não tem, Seb, — ela diz calmamente.

— Sim, eu tenho.

— Por quê? — Ela diz. — Porque você acha que seu pai teria
desejado vingança? É por isso?
— Não... — eu digo, mas Greta segue em frente,
atropelando-me.

— Porque eu não teria tanta certeza disso, Seb! Enzo me


contou muitas coisas nesses últimos anos. Coisas que ele tinha
feito. Coisas das quais ele se arrependeu. Suas esperanças e
sonhos para vocês, filhos. E especialmente para você, Seb. Ele
disse que você era um bom homem. Ele disse que você não era
como ele – você é mais parecido com sua mãe...

— Ele estava errado, — eu digo brevemente, interrompendo-


a. — Não sou diferente de Dante ou Nero, ou mesmo de meu pai.
Na verdade, posso ser pior.

— Você não quis dizer isso...

— SIM, EU QUIS! — Eu vocifero, deixando Greta em


silêncio. — Greta, eu ODEIO Yenin. Vou encontrá-lo e arrancar a
porra da cara dele do crânio, assim como ele fez com o Papa. Ele
quebrou um contrato de sangue e vai pagar por isso, não importa
o que eu tenha que fazer. Vou matá-lo, e a seu filho, e a cada um
de seus homens. Vou limpá-los da face da terra, para que
qualquer pessoa que sonhe em erguer a mão para a nossa família
novamente se lembre do que aconteceu com os russos e trema de
medo.

Greta está me olhando com os olhos arregalados. Ela nunca


me ouviu falar assim antes.
— Você ouviu o Papa, — digo a ela. — Para cada golpe,
devolva mais três. Nossa fúria supera sua ganância.

— Ele não era ele mesmo naquela noite! — Greta chora. —


Ele nunca quis isso para você.

Fico em silêncio por um momento, lembrando-me do


pensamento que tive quando terminamos nossa partida de
xadrez.

Pensei: Alguma noite jogaremos nosso último jogo. E não


saberei que é o último jogo, quando acontecer.

Aquela foi a noite. Aquela foi a última vez. E assim como


pensei, não tive a premonição de que seria a última.

— Não importa para quem ele queria para isso – eu ou meus


irmãos. Está aqui, e sou eu quem está pronto para enfrentá-lo,
— digo a Greta. — Estou indo por um caminho, e não espero que
você me siga. Eu não espero que você me apoie. Você sabe que
Papa deixou cinco milhões para você em seu testamento...

— Eu não quero esse dinheiro! — Greta chora.

— Você vai pegá-lo, — digo a ela. — É seu. Você nos amou,


nos criou, cuidou de nós. Você tem sido nossa família. Você fez
Papa feliz quando quase nada mais poderia. Você deve se cuidar
agora. Viaje, ver o mundo, faça todas as coisas que você deixa de
lado quando nos coloca em primeiro lugar.
Greta está carrancuda agora. Ela parece zangada – e
quando Greta está zangada, é melhor você tomar cuidado. Ela
tem um fusível grosso, com muita dinamite por trás dele.

— Não estou nem aí para viajar, — ela me diz. — Esta é a


minha casa. Vocês são minha família. Não às vezes – SEMPRE.

— Eu não posso te proteger, — eu digo a ela. — Eu não pude


proteger Papa, ou qualquer outra pessoa. Isso é uma guerra,
Greta. Não há mais possibilidade de trégua. Nós erradicamos os
russos agora, ou eles vão nos matar um por um. Um de nós
destruirá o outro. É vencer ou morrer.

Greta olha para mim com o rosto manchado e os olhos


cheios de lágrimas. Suas mãos estão cruzadas calmamente sobre
a mesa à sua frente.

— Nunca me casei, — diz ela. — Eu nunca tive filhos. Nunca


fiz minha própria família. Joguei minha sorte com os Gallos, para
o bem ou para o mal. Eu ajudei a criar você e seus irmãos. E eu
vou ajudar a criar seus filhos também.

— Não vou ter filhos, — digo a ela.

Pensei que gostaria, quando sonhava como seria minha vida


com Yelena. Mas agora minha esposa está trancada em uma cela
no porão, e esses sonhos foram feitos em pedaços e encharcados
de sangue. Não há futuro para nenhum de nós. Sem bebês para
renovar esta família – não de mim, pelo menos.
— Você não sabe o que está por vir, — Greta diz. — Você
não é mais um menino, mas também não é um homem, se ainda
acha que pode prever o futuro.

— Você deve pelo menos sair até que isso seja resolvido...

— NÃO! — Ela chora, suas bochechas flamejando com


pontos brilhantes de cor. — Eu vou ficar bem aqui! E vou
trabalhar como puder. Isso é o que me traz felicidade, Sebastian,
enquanto durar. Não me importo em viajar e não me importo em
estar segura. Se o fizesse, nunca teria assumido esta posição
para começar. Sabe, seu pai me contou a verdade sobre o
trabalho dele no dia em que me contratou? Ele nunca mentiu
para mim, Sebastian. Não pense que fui uma idiota cega,
protegida da verdade! O que faço é humilde, mas sou uma de
vocês e sempre fui.

Nunca consegui vencer uma discussão com Greta. Ela


nunca desiste quando tem certeza de que está certa.

E, neste caso, o que estou tentando provar? Que ela seria


mais feliz sozinha na Itália ou na ensolarada Espanha?

— Agora, — Greta diz com firmeza, decidindo que seu ponto


foi feito, — Quem você prendeu abaixo da garagem?

Eu olho para ela, assustado. Achei que ela nem sabia sobre
a cela embaixo da garagem.
Ela revira os olhos para mim. — Eu conheço cada parte
desta casa, garoto, — ela diz. — Lembre-se de que eu a limpo
desde antes de você nascer.

— É Yelena, — eu admito.

— SEBASTIAN! — Ela grita.

— Não discuta comigo sobre isso, — digo a ela furiosamente.


— Ela mentiu para mim e traiu todos nós. Não temos ideia do
que ela disse ao pai ou o que ela dirá a ele se a deixarmos ir.

— Você não pode manter sua esposa trancada em uma


prisão! — Greta grita.

— Sim, posso muito bem, e se você está tão determinada a


ficar aqui, vai me ajudar, — digo.

— Ajudar como? — Greta faz uma careta.

— Ela precisa de comida e antibióticos, — eu digo. — E


talvez você precise trocar as bandagens.

— Bandagens! Você...

— Eu não a machuquei. Ela foi baleada no casamento. O


Dr. Bloom veio vê-la, ela vai ficar bem.

Greta faz uma careta para mim, não gostando nem um


pouco disso.
— Não a deixe ir, — advirto Greta. — Estou falando sério.
Eu não sou o único puto pra caralho com ela. Os russos podem
estar, porque ela os impediu de me matar. Ela está mais segura
exatamente onde está.

Greta aperta os lábios, mas não discute. Isso significa que


ela o fará, mesmo que não goste.

Com isso resolvido, eu me levanto da mesa.

Tenho outra conversa que preciso terminar, que será pior


do que a com Greta.

Tenho que falar com Dante.


Não sei quanto tempo se passou entre o momento em que
Sebastian desceu para me visitar e o momento em que a porta da
cela se abriu novamente. É difícil avaliar o tempo quando você
está em uma sala sem janelas que está quase completamente às
escuras.

Sento-me quando ouço o trinco girando, pensando em todas


as coisas que eu queria dizer a Sebastian, as palavras que tenho
agoniado todo o tempo em que estou presa aqui. Mas não é Seb
quem abre a porta – é Greta.

Eu procuro seu rosto para ver se ela me odeia também,


como todo mundo deve.

Ela não parece zangada – apenas triste.

Ela encara meu vestido de noiva arruinado com uma


expressão de dor – seja porque as manchas escuras de sangue a
lembram que seu amigo e empregador se foi, ou talvez porque ela
começou aquele dia com a mesma sensação de otimismo e alegria
que eu, apenas para assistir tudo queimar diante de seus olhos.

— Por favor, não me ataque, — ela diz. — Não tenho a chave


dessas algemas, então seria inútil.

— Eu não faria de qualquer maneira, — digo a ela, e isso é


verdade. Mesmo se eu soubesse que Seb estava vindo para cá
com uma arma na mão, eu ainda não machucaria Greta. Já fiz o
suficiente para separar os Gallos.

Claro que Greta não tem motivo para acreditar em mim, mas
entra na cela sem medo. Ela está carregando uma bandeja
enorme que deve pesar quase tanto quanto ela. Vejo uma bacia
com água quente, um pano, sabonete, uma escova de dentes,
pasta de dente, ataduras novas, tesouras, pomada, um frasco de
comprimidos e um pijama limpo dobrado. Depois, ao lado, um
sanduíche e um copo de leite.

Eu quero todas essas coisas.

Uma onda de gratidão me atinge, quase tão dolorosa quanto


agradável. Não mereço a gentileza de Greta. Matei Enzo e Greta
provavelmente estava mais perto dele do que de qualquer pessoa.

Não posso nem me desculpar por isso. Isso só enfureceu


Sebastian.

Portanto, tudo o que digo a Greta é: — Eu não sabia o que


iria acontecer.
Greta acena com a cabeça. — Eu sei, — ela diz. — Você
salvou a vida de Sebastian. Você poderia ter morrido.

— Eu quase queria estar, — eu digo estupidamente.

Não estou sendo dramática. Tive um breve e brilhante


período de felicidade com Sebastian. E agora está destruído. Não
posso voltar a forma como minha vida costumava ser. No entanto,
ele nunca poderia me amar novamente.

— Não diga isso, — diz Greta. — Enquanto você estiver viva,


você não sabe o que pode acontecer.

Não quero discutir com ela, então apenas olho para o


colchão desbotado.

— Preciso verificar seu ferimento, — diz Greta. — Vou tentar


ser cuidadosa...

Ela remove as ataduras velhas, que estão escuras com


sangue no lado mais próximo do meu corpo. Eu olho para o lugar
onde fui baleada, com uma curiosidade mórbida.

O ferimento é surpreendentemente pequeno – pelo menos


na parte frontal, que é tudo que posso ver. É logo abaixo da
minha clavícula, costurado com talvez uma dúzia de pontos. A
carne ao redor está inchada e vermelha, mas não parece
infectada.
Greta aplica suavemente a pomada antibiótica na frente e
nas costas, depois envolve novamente meu ombro com ataduras
limpas. Ela me instrui a tomar dois dos comprimidos, que tira do
frasco e coloca em minha mão.

Eu os engulo com leite, depois dou uma mordida no


sanduíche para garantir. Eu não tinha percebido que estava
morrendo de fome.

— Vá em frente, — diz Greta. — Coma.

Devoro o sanduíche em menos de um minuto. É um


sanduíche tostado, cortado ao meio e espetado com palitos de
dente para mantê-lo firme. Não estou surpresa com o quão
delicioso é – Greta não me parece uma pessoa que faz alguma
coisa pela metade.

Termino todo o leite também, depois volto minha atenção


para a água quente. Estou imunda e preciso desesperadamente
de um banho.

— Devo ajudá-la a tirar o resto do vestido? — Greta diz. —


Eu não acho que pode ser salvo...

Meu vestido de noiva já estava cortado em volta da ferida.


Para não mencionar rasgado e manchado de sangue em todos os
outros lugares. Ainda assim, dói ver Greta cortar o tecido restante
com sua tesoura grande e afiada. Quando ela termina, fico com
apenas um sutiã e calcinha sem alças.
Greta não parece envergonhada com isso, nem eu. Uso o
sabonete e a toalha para me banhar da melhor maneira que
posso, depois escovo os dentes e cuspo na bacia. Funciona
razoavelmente bem – suponho que seja assim que as pessoas
faziam as coisas antigamente. E aqui estou eu em uma
masmorra, como uma camponesa medieval que irritou o rei.

Quando termino tudo, Greta me oferece o pijama limpo, mas


ambas percebemos que não posso colocá-lo com os braços e as
pernas presos à parede por longas correntes.

— Não importa, — digo a ela.

Greta franze a testa, obviamente descontente com toda a


situação.

— Vou trazer outro cobertor para você, — ela diz.

Tateando, descobri um pequeno banheiro no canto, então


pelo menos não tenho que sobrecarregar Greta com nada pior.
Há uma pia ao lado, mas a água tem gosto de ferrugem e só corre
fria.

Tenho um último favor a pedir a ela.

— Você poderia deixar a luz acesa, por favor? — Eu digo.

— Claro, — Greta diz, franzindo ainda mais a testa. — Vou


trazer alguns livros para você ler também.
Isso é quase demais para mim. Eu tenho que olhar para as
minhas mãos novamente, apertadas com força no meu colo.

— Obrigada, — eu sussurro.
Encontro Dante em seu quarto de hotel no Drake.

Ele escolheu ficar lá em vez de voltar para a casa de nossa


família. Outro sinal de que ele realmente não quer estar aqui.

Posso ouvir seu corpo pesado movendo-se dentro do quarto,


mas quando eu bato, leva um longo tempo antes que ele
responda. Talvez porque ele tenha que mancar com a perna
rígida.

Ele foi baleado na coxa por um dos homens de Yenin – quem


sabe qual. A bala caiu a uma polegada da artéria femoral. Se a
arma do bratok fosse apontada um milímetro para a esquerda,
Dante teria sangrado até a morte em segundos.

Pior é o dano na mão. Ele foi atingido na palma da mão


direita. O médico disse que seu dedo mínimo e anelar podem
nunca mais recuperar a função.
Todas essas coisas são adicionadas à lista de danos que eu
causei.

Dante não se barbeou desde o casamento. Sua barba por


fazer parece espessa e azulada, e seu cabelo preto está
bagunçado, em vez de penteado para trás como de costume. As
linhas profundas em seu rosto dão a impressão de que ele
envelheceu dez anos.

Não me preocupo em cumprimentá-lo com nenhuma das


perguntas habituais tipo: Como vai você? Eu sei como ele está –
igual a mim. Horrível pra caralho.

Ao entrar no quarto do hotel, posso ver que ele já fez a cama


com precisão militar. Sua mala está arrumada e fechada em cima
da colcha. O próprio Dante está vestido com roupas limpas,
incluindo sapatos.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto.

— Estou indo embora, — diz Dante.

— O que você quer dizer com você está indo embora?

— Exatamente o que eu disse.

Ele está parado ao lado de sua mala, os braços cruzados


sobre o peito largo. Sua mandíbula está cerrada com força.

— E o funeral do Papa?
— Você não deveria fazer um, — diz ele sem rodeios. — Isso
seria um convite aberto aos russos para virem terminar o que
começaram.

— E quanto a nós? — Eu exijo. — Nós não vamos terminar?

— Não, — diz Dante. — Eu não vou.

— Como você pode dizer isso? Você não se importa com o


que eles fizeram com o Papa?

Um fogo escuro entra nos olhos de Dante. Pela primeira vez


em muito tempo, ele perde a paciência. Em um movimento, ele
me agarra pela garganta e me joga contra a parede. Ele não é tão
alto quanto eu, mas ainda é muito grande e é o homem mais forte
que já conheci. É como ser atacado por um touro. Ele tira o ar de
mim com a força do impacto, sacudindo meu cérebro ao redor do
meu crânio quando a parte de trás da minha cabeça bate na
parede.

— Não fale comigo sobre nosso pai, — ele sibila, bem na


minha cara. — Você não pode fazer isso, quando eu disse que era
uma má ideia desde o início.

Talvez ele me veja estremecer de culpa, porque ele me solta


e se afasta novamente quase imediatamente.

— Eu sei que é minha culpa! — Eu digo. — Mas você tem


que me ajudar, Dante. Não podemos deixar Yenin escapar
impune. Ele assinou um juramento de sangue. Ele tem que pagar
por quebrar o acordo.

— Ele vai pagar quando ninguém mais fizer negócios com


ele, — diz Dante. — Nem os italianos, nem os irlandeses, nem os
poloneses, nem os asiáticos, nem os clubes MC, a porra de
ninguém, Seb. Isso é o que significa quebrar um juramento de
sangue. Você é expulso, sua honra se vai. Ele não será protegido
pela Bratva na Rússia, ou por qualquer outra pessoa. Ele pode
tentar construir seu negócio, mas ele irá definhar e morrer sem
apoio, sem ninguém com quem negociar. E, eventualmente, sem
proteção, alguém o matará. Ele tomou sua decisão com raiva e
vai pagar por isso.

— Isso não é bom o suficiente!

— E o que vai ser? — Dante exige. — Você quer matá-lo, e


os homens dele? Quantas mais pessoas perderemos tentando
fazer isso?

— Não sei. Mas você está louco se pensa que eles vão deixar
o resto de nós em paz. Eles pretendiam matar cada um de nós.
Nós só sobrevivemos porque você estava lá, e eles não esperavam
por isso.

Dante balança a cabeça.

— Eu não deveria ter vindo, — diz ele. — Eu prometi a


Simone que tinha acabado com isso. Prometi a ela que nunca
mais voltaria para casa coberto de sangue. Agora olhe para mim.
— Ele ergue a mão enfaixada com seus dois dedos inúteis. — Não
estou começando outro ciclo de violência.

— Já começou!

— Eu não me importo. — Sua voz é firme e definitiva. — Eu


tenho dois filhos, Seb. Espero ter mais. Perdi nove anos com
Simone. Quero viver cada segundo que resta ao lado dela. Se
alguma coisa tivesse acontecido de maneira diferente naquele
casamento... Simone estaria recebendo um telefonema em vez de
seu marido estar em casa em um avião. Não vou fazer isso com
ela, ou com Henry e Serena. Minha filha nem me conhece ainda,
Seb. Não vou deixá-la crescer apenas com uma fotografia como
pai.

— E quanto ao resto de nós? — Pergunto-lhe.

Dante me olha com seus olhos negros tão parecidos com os


de nosso pai.

— Eu te amo, Sebastian, — ele diz. — Eu sempre vou amar.


Mas Simone e meus filhos são minha família agora. Eu tenho que
colocá-los primeiro.

Eu não posso acreditar que ele vai realmente sair. Não


agora, quando mais precisamos dele.

Mas ele já está içando sua mala, pegando-a tão facilmente


como se estivesse vazia.
— Tenha cuidado, Seb, — ele diz. — Isso não é como roubar
aquele cofre, ou mesmo seu casamento. Eu não estarei lá para
salvar o dia. Não vou voltar desta vez.

Eu fico olhando para ele, sem acreditar.

Ele começa a caminhar em direção à porta do quarto do


hotel. Eu vejo suas costas largas se afastando de mim.

Então, assim que ele gira a maçaneta, eu grito: — Espere!

Ele faz uma pausa, olhando por cima do ombro sem largar
a porta.

— Eu também te amo, irmão, — eu digo.


Greta volta à cela várias vezes para me trazer cobertores
mais quentes, comida, bebidas e uma coleção de livros da
biblioteca de Enzo Gallo.

Um deles é The Name of the Rose, um romance de mistério


que Enzo e eu discutimos longamente quando fomos jantar
juntos. Posso dizer, pelo vinco na lombada e pelas páginas
macias e ligeiramente amassadas, que ele deve ter lido muitas
vezes.

Parece errado segurar o livro de Enzo e lê-lo, quando ele


nunca mais terá a chance de lê-lo novamente.

No entanto, lê-lo também é estranhamente reconfortante, de


uma forma que provavelmente não mereço. Isso traz de volta
nossa conversa de forma tão vívida. A maneira como Enzo falava
comigo, como se eu fosse uma igual, e ouvia minhas respostas
com verdadeiro interesse. A maneira como ele colocou sua mão
quente e seca em cima da minha e disse: — Não há prazer como
ler, não é? Às vezes, é a única coisa que acalma minha mente.

Agora sinto como essas palavras eram verdadeiras. Ler este


livro está acalmando minha mente, quando nada mais poderia.
Eu me perco no século 14, no mundo dos monges italianos. E,
finalmente, estou calma o suficiente para dormir novamente.

Quando acordo, não consigo saber que horas são, dia ou


noite. Não há janelas, nem luz natural. E, claro, nenhuma visão
das estrelas.

À luz artificial da cela, lembro-me de como a astronomia


sempre foi reconfortante para mim. Eu olhei para o céu e ele era
tão infinito e vasto que fazia até mesmo meu pai parecer
insignificante em comparação. As estrelas eram tão lindas e tão
intocáveis por qualquer coisa na terra. Elas representavam a
ideia de algo mais... de possibilidades infinitas.

E então, naquela noite em que Sebastian me beijou na roda


gigante, elas passaram a simbolizar o próprio Seb. Ele era aquela
esperança, aquele amor que eu procurava. Ele entrou na minha
vida como a primeira estrela cintilante que vislumbrei bem acima
da nossa cabine. Perdi minha virgindade com ele na praia, sob
um céu estrelado. E ele me pediu em casamento na cúpula do
planetário, com todo o universo girando ao nosso redor.

É por isso que escolhi o vestido que escolhi – porque me


lembrava um pequeno pedaço do cosmos. Parecia simbolizar o
quão poderoso era nosso amor. Que era intocável por meu pai,
ou qualquer outra coisa.

Mas eu estava errada.

Meu pai destruiu tudo, em um momento.

E agora estou aqui embaixo nesta cela, sem nenhum sol,


lua ou estrelas. Porque eles estão apagados. Porque Sebastian
não me ama mais.

Ouço o ranger do trinco e me sento, pensando que Greta


voltou com o chá ou a sopa.

Em vez disso, Sebastian abre a porta.

Mesmo sabendo que ele me odeia agora, a sensação que


brota no meu peito não é ódio em troca. É um desejo rápido e
desesperado. Eu ainda amo seu rosto. Eu ainda amo seu corpo.
Eu ainda amo aqueles olhos escuros e perscrutadores, mesmo
que eles não tenham qualquer afeto por mim.

— Onde estão suas roupas? — Sebastian diz.

Ele olha para o meu corpo quase nu, então rapidamente


desvia o olhar novamente.

— Eu não posso colocar o pijama, — eu digo. — Por causa


disso.
Levanto minhas mãos para mostrar as algemas em torno de
meus pulsos e as correntes que se estendem para fora da parede.

— Oh, — Sebastian diz.

Ele considera por um momento, então caminha em minha


direção. Ele tira uma chave do bolso e destrava as quatro
algemas, uma por uma.

Ele tem que se aproximar de mim para fazer isso. Perto o


suficiente para que eu possa sentir o cheiro dolorosamente
familiar de sua pele. Meu coração bate contra minhas costelas,
como um punho batendo contra as barras de uma gaiola.

Conforme as restrições se soltam de meus pulsos, Sebastian


vê que a pele está vermelha e em carne viva nos lugares onde foi
friccionado. Eu vejo o estremecimento de culpa que pisca em seu
rosto, antes que ele o sufoque.

— Greta tem alimentado você? — Ele diz.

— Sim. Ela está cuidando de mim.

Eu vejo seus olhos voarem para a bandagem em meu ombro.


Desta vez, ele não pode reprimir a expressão de inquietação em
seu rosto. Fui baleada tentando salvá-lo, e ele sabe disso. Não
compensa o que eu fiz. Mas significa algo, mesmo assim.

— Por que você está me mantendo aqui? — Eu pergunto a


Sebastian.
Eu quero saber se ele planeja me matar. Porque se ele
planeja, ele pode muito bem fazer isso agora.

— Por quê? — Ele rosna. — Você quer ir para a casa de seu


pai e irmão?

— Não, — eu digo.

— Por que não?

— Porque você é meu marido, — eu digo baixinho. — Goste


você ou não. Eu pertenço a você... ou a ninguém. Eu nunca vou
voltar para aquela casa.

Ainda tenho o anel de Sebastian em meu dedo. Ele não o


tirou de mim. Ele brilha lá... como uma pequena estrela que
ainda não foi extinta.

O rosto de Sebastian é um turbilhão de emoção. Não consigo


ler todas elas. Definitivamente há raiva aí. E talvez, talvez...
tristeza também.

Ele leva um momento para se recompor antes de dizer, baixo


e frio: — Quero que você me diga tudo o que sabe sobre os
negócios de seu pai. O nome de cada um de seus bratoks. Cada
uma de suas propriedades. Quero saber onde ele opera, como
opera, onde guarda suas drogas, suas armas, seu dinheiro.
Quero conhecer seus amigos e inimigos. Cada segredo que ele
deixou escapar. E não me diga que você não sabe, Yelena – eu sei
como você é inteligente. Quer ele tenha dito explicitamente ou
não, eu sei que você viu coisas. Se você mentir para mim sobre
uma única coisa...

A ameaça paira silenciosa no ar, ainda mais sinistra porque


Sebastian não se preocupa em dar-lhe forma. Ele não precisa.
Nós dois sabemos que se eu o trair de novo, ele vai me matar.

Não importa. Quer Sebastian acredite em mim ou não,


nunca vou mentir para ele novamente.

Por mais de uma hora, conto a ele todos os detalhes que já


observei dos negócios de meu pai. Sebastian apenas interrompe
para esclarecer alguns pontos. Quando termino, ele balança a
cabeça lentamente, mas não me agradece.

Eu provavelmente deveria ficar quieta, mas não posso


deixar de perguntar a ele: — O que você vai fazer?

Sebastian me encara, seu rosto uma máscara impiedosa.

— Vou matar cada um deles, — diz ele.

É o que eu suspeitava, mas suas palavras ainda me


atingiram como um tapa.

Um desses homens é Adrian.

Apesar do fato de que ele foi ao meu casamento para


assassinar meu marido... eu ainda amo meu irmão.
Não me preocupo em implorar por sua vida. Eu sei que
Sebastian não vai ouvir.

Tudo o que posso fazer é vê-lo sair da cela, minhas


entranhas se agitando com miséria.

Não consigo ver um cenário em que meu irmão e o homem


que eu amo saiam disso com vida.
Se não tenho Dante ou Nero ao meu lado, preciso de outro
aliado.

A escolha óbvia são os Griffins. Mesmo com a morte de meu


pai, nossa aliança ainda existe – principalmente porque o atual
herdeiro de nossos impérios é Miles Griffin, filho de Callum e
Aida.

O problema é que os Griffins estão tentando alcançar a


legitimidade total. Callum está concorrendo a prefeito de toda a
maldita cidade. A última coisa que ele quer é se envolver em uma
batalha sangrenta com os russos.

Mas há outra pessoa a quem posso recorrer. Alguém com


seu próprio rancor contra os russos. Alguém que provavelmente
sentirá a ira de Alexei Yenin se voltar contra ele em seguida,
depois que eu for morto...
Dirijo minha caminhonete surrada até a periferia da cidade
e, em seguida, desço o caminho longo e sinuoso até a mansão
isolada de Mikolaj Wilk.

É um lugar assustador, mesmo em plena luz do dia. É


cercado por tantas árvores grossas e crescidas que a luz do sol
mal consegue penetrar na calçada. É uma casa senhorial gótica,
escura e ampla, com uma grande estufa de vidro em uma
extremidade e torres, frontões e chaminés intermináveis ao longo
de seu comprimento.

Estaciono ao lado da fonte vazia e cheia de folhas, depois


caminho lentamente em direção à porta da frente, para que os
homens de Mikolaj tenham bastante tempo para me dar uma boa
olhada pelas câmeras de segurança. A máfia polonesa é cruel e
retraída, e o próprio Mikolaj dificilmente é social. Ele e Nessa
tendem a ficar trancados em casa, com muito poucos visitantes.

Bato na porta, esperando que seja aberta por um dos


braterstwo.

Em vez disso, sou saudado pela própria Nessa Griffin.

Ela abre a porta, suas bochechas rosadas e seu cabelo


castanho claro está preso em um coque bagunçado no topo de
sua cabeça. Ela está vestindo malha e meia-calça e um par de
sapatilhas de balé extremamente surradas. Ela está suando um
pouco, provavelmente não apenas da corrida até a porta.
— Sebastian! — Ela diz, seu rosto iluminado de prazer e
surpresa. Em seguida, o sorriso vacila em seu rosto. — Eu sinto
muito pelo seu pai... — ela diz.

— Obrigado, — eu digo.

Ela hesita, como se quisesse fazer algo, mas não tem certeza
do quê. Então, impulsivamente, ela joga os braços em volta de
mim e me abraça com força.

É um belo abraço – caloroso e genuíno. Sempre gostei de


Nessa. Nunca conheci alguém tão completa e verdadeiramente
gentil.

A única coisa que me faz enrijecer em seus braços é saber


que seu marido é perigoso e intensamente obcecado por sua
esposa. Prefiro não começar minha interação com Mikolaj me
vendo abraçando sua amada.

Então, dou um tapinha em suas costas para que ela saiba


que aprecio o gesto, e Nessa me solta. Olhando para o meu rosto,
ela diz, perceptivelmente: — Você está aqui para ver Miko?

— Sim. — Eu concordo.

— Eu vou buscá-lo. Entre!

Ela abre mais a porta, convidando-me a entrar. Ela me leva


a uma sala de estar formal escura e sombria com vários sofás,
uma escrivaninha e uma lareira cavernosa.
— Fique à vontade, — diz Nessa gentilmente. — Posso pegar
uma bebida para você?

— Não, — eu digo. — Não, obrigado.

— Volto já.

Ela sai correndo da sala com aquelas sapatilhas de balé


esfarrapadas e rasgadas. Nessa é coreógrafa, então presumo que
ela use muitas sapatilhas enquanto trabalha em seus arranjos.
Ela deve ter um estúdio em alguma parte neste lugar.

Com certeza, depois de alguns minutos, ouço a música


recomeçando no andar de cima – distante e áspera, como um
velho fonógrafo. Acompanhando isso, o som de pés batendo
levemente.

Um momento depois, Mikolaj entra na sala de estar. Ele se


move quase silenciosamente. Ele é alto e magro, tem cabelos
louros e feições bem definidas. Ele está tatuado em cada
centímetro de sua pele – os desenhos intrincados descem de seus
braços até as costas de suas mãos e até mesmo seus dedos. Eles
sobem pelo pescoço até o queixo, como um colarinho alto. Apenas
seu rosto está sem marcas.

Eu só o vi sorrir olhando para Nessa. Mas eu sei que ele é


brilhante e totalmente implacável. Ele enfrentou minha família e
os Griffin simultaneamente, e causou muitos problemas até que
foi preso pelo coração gentil da mais jovem princesa irlandesa.
— Bom dia, — diz Mikolaj educadamente em seu leve
sotaque. Ele cresceu nas favelas de Varsóvia, e você ainda pode
ouvir isso em sua voz. Dante disse que Miko fala quase
exclusivamente polaco com os seus homens, e até com Nessa,
que o aprendeu durante o seu cativeiro na casa dele.

— Bom dia, — eu digo.

Mikolaj vai até o bar sob as janelas empoeiradas de vidro


com chumbo para se servir de um gole de uísque. Sem perguntar,
ele serve um para mim também.

Eu pego isso dele.

Mikolaj levanta o copo e diz: — Para Enzo.

Eu levanto meu copo de volta, minha garganta muito grossa


para falar.

Nós dois bebemos.

Mikolaj se senta no sofá em frente ao meu, colocando seu


copo na mesa lateral.

— Minhas condolências, — diz ele.

— Obrigado.

Ocorre-me que, de todas as pessoas que conheço, Mikolaj é


quem melhor entende a dor que estou sentindo. Afinal, ele
também perdeu seu pai adotivo, um homem que amava e
respeitava.

Não sei se isso o motivará a me ajudar, no entanto,


considerando que foi Dante quem atirou em Tymon Zajac.

— O que posso fazer por você, Sebastian? — Ele diz.

Eu havia considerado muitas maneiras de abordar meu


pedido. Revirei várias vezes na minha cabeça, durante a longa
viagem até aqui.

No final, decidi ser franco e totalmente honesto. Eu sabia


que Mikolaj veria através de qualquer outra coisa.

— Eu quero matar Alexei Yenin, — eu digo. — Também seu


filho Adrian. Seu tenente Rodion. E o máximo possível do resto
de seus homens. Quero vingança pelo que fizeram ao meu pai, a
Nero e aos meus amigos Giovanni e Brody. Quero justiça pelo
juramento de sangue que ele quebrou.

Mikolaj escuta, imóvel e sem expressão. Ele não responde,


esperando que eu continue.

— Yenin é um inimigo mútuo nosso. Ele é um guardador de


rancor e um violador de juramentos. Ele provavelmente culpa
você pela morte de Kolya Kristoff tanto quanto culpa minha
família. Ele provavelmente culpa os Griffins ainda mais. Eu
acredito que ele vai tentar atacar você e os Griffins, uma vez que
erradicar minha família.
Mikolaj toma outro gole de sua bebida enquanto pensa. Ele
gira o copo suavemente, de modo que o líquido âmbar gire.

— Fui eu quem quebrou meu acordo com os russos, — diz


ele. — Quando me apaixonei por Nessa.

— Isso é o que eu quero dizer, — eu digo. — Alexei Yenin


não perdoa.

— Nem eu, — Mikolaj diz friamente. — A Bratva fez um trato


com meus tenentes, pelas minhas costas. Eles convenceram
alguns dos meus homens a me trair.

Ele analisa sua bebida novamente, embora eu saiba que ele


está realmente considerando minha proposta. Ele coloca o copo
na mesa final com um clique agudo.

— Eu encontrei Alexei Yenin uma vez, — diz ele. — Em


Moscou. Eu estava lá com Tymon Zajac. Yenin mal olhou para
mim e para Tymon ele foi arrogante e rude. Não estou surpreso
que ele quebrou o juramento de sangue – ele não tem respeito
pela tradição. E nenhuma honra também. Você sabia que ele
trabalhava para a KGB24, caçando Bratva? Apenas para se tornar
um pakhan. Eles deveriam ter cortado suas mãos e arrancado
seus olhos da cabeça antes de tatuar aquelas estrelas em seus
ombros.

24 Foi a principal organização de serviços secretos da União Soviética.


Sua voz está fria, sem um pingo de emoção. Ele se levanta
do sofá e eu faço o mesmo. Mikolaj estende sua mão fina e
tatuada para mim.

— Vou ajudá-lo a se vingar. Quero todo o território de Yenin


adicionado ao meu. Esse é o meu preço.

Eu aperto sua mão imediatamente, sem desejo de


barganhar. Sua oferta é mais do que generosa.

— Acho que trabalharemos bem juntos, — digo.

Mikolaj me dá um sorriso fraco.

— Se não o fizermos, provavelmente ambos acabaremos


mortos, — diz ele.
Eu não tinha a intenção de escapar da cela. Estava disposta
a colocar meu destino nas mãos de Sebastian, de uma forma ou
de outra.

Mas agora não consigo parar o medo me corroendo.

Sebastian está prestes a entrar em uma confusão


sangrenta, em busca de sua vingança. Não posso culpá-lo por
isso – ele merece retribuição.

Mas não posso simplesmente ficar sentada esperando para


ver quem vai viver e quem vai morrer.

No mínimo, eu poderia encontrar meu irmão. Eu poderia


implorar a Adrian para fugir do meu pai. Talvez se Sebastian
matar Papa e Rodion e o resto dos bratoks, ele ficará satisfeito.
Afinal, Adrian não atirou em ninguém que Sebastian amava.

Eu sei que meu irmão se arrepende do que fez. Eu vi a


hesitação em seus olhos quando ele ergueu a arma para a cabeça
de Sebastian. É por isso que ele me evitou semanas antes do
casamento. Ele não gostou do plano. Ele realmente não queria
fazer parte disso, tenho certeza disso.

Acho que ele iria embora agora, sabendo que meu pai está
condenado.

Ou pelo menos, espero que isso aconteça.

Não consigo nem pensar na possibilidade de que seja


Sebastian quem caia nas mãos do meu pai.

Então, assim que Sebastian sai da minha cela novamente,


começo a procurar uma maneira de escapar.

Minhas opções são limitadas.

Eu fui solta da parede. Mas não há janelas para escalar e


nenhuma possibilidade de abrir túneis nas paredes ou no chão.
Estou nas profundezas da casa Gallo, em um cômodo feito de
cimento sólido.

A porta parece ser minha única opção. É feita de aço.


Quando destrava, posso ouvir o baque e o barulho de uma pesada
fechadura magnética.

Sebastian é cuidadoso ao entrar e sair. Greta nem tanto.

Não tenho intenção de atacá-la – ela tem sido muito gentil


comigo para fazer isso, sem mencionar o fato de que enfureceria
Sebastian. Mas é possível que eu pudesse usar sua indiferença a
meu favor.

Da próxima vez que Greta me traz comida, demoro muito a


comer o frango e o risoto que ela preparou tão bem.

— Você não gostou? — Greta pergunta.

— Eu gostei, — eu digo. — Estou apenas ficando cheia. Você


se importa se eu ficar com ele para comer um pouco mais tarde,
enquanto estou lendo?

— É claro, — Greta diz, levantando-se e tirando o pó das


mãos. Meu colchão está colocado diretamente no chão, e o chão
parece ter um pó perpétuo de pó de concreto, embora eu tenha
certeza de que a esforçada Greta o varreu.

Ela me deixa sozinha para ler.

Não tenho intenção de pegar um livro. Assim que ela sai,


tiro os pratos da minha bandeja e viro.

Com certeza, encontro um grande adesivo retangular colado


na parte inferior da bandeja, com o nome da marca e local de
fabricação impressos nele. Com muito, muito cuidado, começo a
retirá-lo. É difícil porque a cola é forte e não quero rasgar o
adesivo. Mas milímetro a milímetro, consigo retirá-lo da bandeja.

Depois de liberar o adesivo, escondo-o embaixo do


travesseiro.
Não sei ao certo se vou usar, ou se vai funcionar.

Mas agora tenho a opção.


Visitar a casa de Mikolaj e Nessa teve um efeito estranho em
mim.

Quando saí, Nessa desceu para se despedir de mim. Ela


estava na grande entrada, ofegante pelo esforço, uma mecha de
cabelo úmido pendurada sobre um olho, solta do coque.

Mikolaj estendeu uma de suas mãos magras e tatuadas e a


colocou suavemente atrás da orelha. Essa mão provavelmente
matou cem homens, mas Nessa não se esquivou nem por um
momento. Ela olhou para o rosto de Mikolaj, seus olhos brilhando
com confiança e adoração.

Quem teria pensado que um monstro como Mikolaj poderia


ser amado por um anjo como Nessa?

No entanto, é claro que eles compartilham um vínculo que


não pode ser quebrado por ninguém, nem por nada.

Achei que era isso que Yelena e eu tínhamos.


Agora, dirigindo de volta para a casa de meu pai, percebo
que temos algo.

Porque bem dentro de mim, sinto uma atração mais forte do


que o magnetismo, mais forte do que a gravidade. Quanto mais
perto eu chego da casa, mais poderosa ela se torna. Sou
compelido a descer a escada longa e sinuosa até a cela.

Eu quero ver Yelena.

Eu preciso vê-la.

Disse a mim mesmo que minhas visitas anteriores eram


para enfurecê-la e, em seguida, para obter informações.

Mas, para ser honesto comigo mesmo, preciso olhar


novamente para o seu rosto. Para aqueles olhos da cor do
crepúsculo, e aqueles lábios mais suaves do que qualquer coisa
que eu já toquei, e aquele corpo que assombra meus sonhos
quando deito suando na minha cama, sem conseguir dormir.

Eu a quero e preciso dela, mais do que nunca.

Ao entrar na cozinha, quase esbarro em Greta, carregando


uma cesta de roupas para fora da lavanderia.

Greta a coloca na mesa da cozinha, olhando-me com


cautela.

— Onde você está indo? — Ela diz.


— Andar de baixo.

— Quanto tempo você pretende mantê-la trancada aí? —


Greta exige. — Isso não está certo, Sebastian.

Eu me viro para encará-la, tentando conter essa fúria que


está continuamente fervendo logo abaixo da superfície.

— O que você acha que eu devo fazer, Greta?

— Perdoe-a ou deixe-a ir! — Greta chora.

— Eu não posso deixá-la ir, — eu digo. — E eu NUNCA vou


perdoá-la.

Digo isso com total certeza. Mas quando as palavras deixam


meus lábios, elas não soam verdadeiras.

Eu me pergunto, o que seria necessário para perdoá-la?

Ela já arriscou sua vida para salvar a minha. O que mais eu


quero dela?

Eu quero que ela implore? Que rasteje? O que provaria para


mim que ela realmente sente muito?

Enquanto eu me pergunto isso, Greta joga as mãos para


cima em frustração — Este não é você, Sebastian! O que você está
fazendo? Você está deixando Yenin transformá-lo em algum tipo
de monstro.
Posso dizer que ela não queria dizer isso para mim – sua
expressão é miserável. Mas ela quis dizer isso, do mesmo jeito.

Olho para Greta sem raiva – apenas seriedade. — Sempre


houve um monstro em mim, — eu digo. — Yenin apenas deixou
sair.

Greta balança a cabeça para mim, seus olhos azuis claros


acusadores. — É melhor você não a machucar, — ela diz.

Passo por ela sem fazer nenhuma promessa.

Eu paro momentaneamente na porta da lavanderia. Vejo a


máquina de lavar e secar pesadas de tamanho industrial, e a
fileira organizada de potes de Greta contendo pastilhas de
detergente, amaciante de roupas e prendedores de roupa.

Impulsivamente, abro o último frasco e pego um punhado


de prendedores, colocando-os no bolso ao lado do canivete.

Então desço as escadas, passo pela garagem, descendo até


o nível mais baixo e escondido desta casa. Embaixo de nosso
armamento, embaixo de nosso cofre, bem no fundo da terra.

É onde minha esposa está esperando.

Eu abro a porta, assustando-a de modo que um livro cai de


suas mãos. Era de meu pai – reconheço a capa com a imagem de
uma rosa e uma caveira, no estilo de um manuscrito iluminado.
Como sempre faz, Yelena examina meu rosto, tentando ler
minhas intenções antes mesmo de eu abrir a boca.

Ela não vai adivinhá-las hoje.

Eu ando em direção a ela e ela se levanta para me encontrar,


suas mãos levantadas em um gesto de proteção instintivo. Eu as
empurro de lado. Pego-a pela nuca, agarrando-a e beijando-a com
força.

Ela enrijece com o choque.

Enfio a língua entre aqueles lábios suaves e macios,


beijando-a com tanta força que sinto o gosto de sangue na boca.

Quando eu a solto, ela olha para mim, ansiosa e confusa.

— Você ainda me ama? — Eu exijo.

— Sim, — ela respira.

— O que você faria por mim?

Ela responde sem hesitação. — Qualquer coisa, — ela diz.

— Tem certeza? — Eu pergunto a ela.

— Sim.

— Não diga isso a menos que você tenha realmente certeza.

Yelena me olha com a expressão mais clara e séria que eu


já vi.
— Eu cometi um erro, Sebastian. Eu fui egoísta e tola. Mas
eu te amo. E eu farei qualquer coisa por você provar isso.

Olho para ela parada ali – a mulher mais linda que eu já vi,
e a mais feroz. Mesmo meio vestida, trancada em uma cela por
dias, ela permanece intocada e intacta. Ela não se submeterá.
Não para aquela besta Rodion, e não para seu pai psicótico.

Mas ela pode se submeter a mim.

Empurro a porta da cela atrás de mim. Ele se fecha com um


som sinistro de metal. A sala é iluminada apenas por uma luz
bruxuleante do teto. É um espaço úmido e deprimente. Mas
agora, parece perfeito. Se parece certo.

Dou um passo na direção de Yelena. Ela parece nervosa. O


que também está certo – ela deveria estar nervosa.

Mesmo exausta, recuperando-se de uma bala no ombro, e


trancada neste porão por dias, Yelena é tão bonita que dói olhar
para ela. Seu cabelo prateado cai solto nas costas, emaranhado,
mas ainda lindo. Ela está mais pálida do que nunca, com poeira
de concreto manchada em sua pele e olheiras. Só serve para
destacar o quão límpida e luminosa realmente é sua pele, debaixo
da sujeira. Seus olhos parecem maiores do que nunca sob as
linhas retas e escuras de suas sobrancelhas, e seus lábios
carnudos estão tremendo ligeiramente.
Ela está usando o pijama que Greta trouxe para baixo –
algodão macio, com botões na frente.

— Tire isso, — eu vocifero.

Observando-me com cautela, Yelena começa a desfazer os


botões. Ela se atrapalha com os primeiros porque seus dedos
estão instáveis. Mas ela consegue desfazê-los todos e desliza para
fora da camisa, depois as calças.

Agora ela está lá de pé apenas com seu sutiã e calcinha,


mostrando aquele corpo que os homens lutariam e morreriam
para possuir. O corpo é forte, alto e rebelde, e está completamente
sob meu controle no momento.

Desde o minuto em que a conheci, pensei que ela parecia


uma princesa guerreira.

Bem, agora ela foi capturada dos bárbaros. Agora ela


pertence a mim.

Eu a peguei. Eu me casei com ela. E agora eu a possuo.

Ela disse que me ama?

Bem, ela pode provar isso.

— Fique contra a parede, — eu ordeno.

Vejo uma palpitação na garganta de Yelena enquanto ela


engole em seco. Ainda assim, ela me obedece, afastando-se do
colchão e pressionando as costas contra a parede de concreto
frio.

Pego as algemas do chão, onde estão desde que a


destranquei.

Eu as fecho em torno de seus pulsos e tornozelos


novamente. Elas se fecharam com um estalo metálico. Posso ver
os pequenos arrepios subindo em seus braços, de frio ou de
nervosismo. Puxo as correntes com força para que ela fique presa
à parede, seus tornozelos separados e suas mãos apenas capazes
de se moverem alguns centímetros.

Posso ver seu pulso pulando em sua garganta. Eu ouço sua


respiração rápida, embora ela esteja tentando ficar quieta. Posso
até sentir o cheiro forte de sua adrenalina, misturado com o
atraente perfume natural de sua pele.

Ela está com medo, e é exatamente assim que a quero.


Quero que ela sinta apenas um pouquinho da angústia que
experimentei nos últimos dias. Preciso saber se ela realmente
quer se entregar a mim ou se vai ceder sob pressão.

Então, tiro minha faca do bolso e abro a lâmina.

Yelena olha para o metal afiado enquanto levo a faca até


suas costelas. Ela não recua. Ela fica perfeitamente imóvel, a
mandíbula cerrada.

Eu me inclino e coloco meus lábios ao lado de sua orelha.


— Vou forçar você ao limite, Yelena, — digo a ela. —
Qualquer instante que você quiser, pode me dizer para parar. Eu
vou parar e vou embora. Mas se você quiser que eu fique... se
você quiser ser minha... não vai ser tão fácil desta vez. Eu quero
TUDO de você. Eu quero cada fragmento de merda de você. Corpo
e alma, você me pertence. Eu quero você nua, vulnerável e
disposta. Eu quero saber que você não está escondendo nada de
mim neste momento. Você entende?

Ela balança a cabeça lentamente, os olhos arregalados e


sem piscar.

Ela realmente não entende.

Mas ela o fará em breve.

Com um golpe rápido da faca, cortei a faixa de seu sutiã sem


alças. O sutiã cai de seu corpo, expondo aqueles seios macios e
quentes. No momento em que são expostos ao ar frio da cela,
seus mamilos endurecem e apontam ligeiramente para cima,
como se estivessem me convidando a tomar um na boca.

Eu vou. Mas ainda não...

Em vez disso, cortei sua calcinha também, arrancando o


resto de sua calcinha de seus quadris. Agora sua bocetinha
apertada está nua, os lábios ligeiramente entreabertos porque
seus tornozelos estão acorrentados à parede a meio metro de
distância. Ela não pode fechar as pernas. Ela mal consegue se
mover.

É incrivelmente erótico tê-la acorrentada, completamente à


minha mercê. É ainda mais erótico ver a expressão de
determinação em seus olhos ferozmente estreitados.

Ela acha que vai enfrentar esse desafio.

Acho que vou quebrá-la.

Logo saberemos quem estava certo.

Asperamente, apalpo seus seios nus com minhas mãos. Eu


a pressiono contra a parede com o peso do meu corpo. Eu aperto
seus mamilos com força até que ela engasgue, e rosno em seu
ouvido: — Isso dói? Você quer que eu pare?

— Não! — Ela diz, sua teimosia crescendo para encontrar a


minha.

Tiro os prendedores de roupa do bolso. Eu abro um, então


o deixo fechar em torno de seu mamilo esquerdo. Yelena respira
fundo, mas não grita. Eu vejo seus punhos cerrados, onde estão
acorrentados à parede em seus lados.

Seu mamilo muda de sua cor normal de bronzeado claro


para rosa escuro, o mesmo tom de seus lábios. Ele se destaca de
seu seio, preso com força no aperto do prendedor de roupa.
Aperto o outro prendedor de madeira em torno de seu mamilo
direito.

A pressão é constante e implacável. Seus mamilos estão


ficando mais escuros a cada minuto, e eu sei que eles devem estar
doendo. Yelena não reclama. Quando a beijo, ela me beija de volta
duas vezes mais forte. Quando me inclino para deslizar meus
dedos entre os lábios entreabertos da boceta, posso sentir que ela
está escorregadia e molhada.

Ora, ora, ora. Ou minha noiva está sentindo minha falta, ou


ela está encontrando sua própria catarse no tratamento áspero.

Deslizo meus dedos para frente e para trás em seu clitóris,


usando sua umidade como lubrificação. Eu sinto seu clitóris
começar a inchar e se levantar, assim como seus mamilos. Yelena
tenta moer contra minha mão, o melhor que pode em sua posição
restrita.

Ela está gemendo e se esfregando contra mim, tentando


usar o prazer para se distrair da dor incômoda de seus seios.

Eu continuo esfregando sua boceta, aumentando o ritmo e


a pressão até que o rubor rosa atinge suas bochechas e sua
respiração acelera, e eu sei que ela está começando a chegar ao
orgasmo. Então eu retiro minha mão e me afasto dela.
Yelena solta um gemido de frustração. Ela quer que eu
continue a tocá-la. Ela quer muito. Mas estou apenas
começando.

Seus mamilos estão profundamente corados agora.


Devagar, dolorosamente, pressiono a mola para liberar o aperto
do prendedor em seu seio esquerdo. Assim que o removo, coloco
minha boca em torno de seu mamilo inchado e inflado e o chupo.

O barulho que Yelena faz é diferente de tudo que eu já ouvi


dela antes. É um gemido profundo: parte dor e parte alívio
primoroso. Estou acalmando seu mamilo dolorido e estimulando-
o, enquanto ele está sensível e inchado.

Eu sei que ela está morrendo de vontade que eu faça o


mesmo do outro lado, mas eu a faço esperar. Puxo o prendedor
de roupa sem removê-lo. Yelena arqueia as costas, olhos
fechados, choramingando baixinho.

Por fim, removo o prendedor e pego seu mamilo direito em


minha boca, saboreando o quão inchado e quente ele se tornou,
e como Yelena se contorce contra a parede, mal conseguindo lidar
com o intenso estímulo de eu mamar em seu seio tenro.

Levantando-me de novo, abro o zíper da frente da minha


calça. Meu pau salta livre, duro como uma rocha e latejante.
Pressiono a cabeça contra sua entrada e vejo seu rosto enquanto
o empurro para dentro. Yelena geme e morde meu ombro com
força. Ela me morde com tanta força que quase tira sangue.
Eu não dou a mínima. A única sensação que posso sentir é
meu pau deslizando por dentro de sua boceta apertada e quente.
Mesmo que tenha se passado menos de uma semana desde a
última vez que a fodi, parece que se passaram cem anos. Meu
desejo por ela, minha obsessão por ela, tudo vem rugindo de
volta, mais forte do que nunca. Eu empurro dentro dela cada vez
mais forte, e não é o suficiente, eu quero mais. Eu a fodo
implacavelmente contra a parede, balançando todo o seu corpo
contra o concreto.

O cimento áspero provavelmente está arranhando suas


costas. Eu não me importo.

Neste momento, quero que Yelena sinta todas as sensações


até o nível da febre, assim como eu. Custe o que custar, tenho
que fazer com que ela entenda como ela me faz passar por um
triturador toda vez que a vejo, como meu vínculo com ela é
doloroso e assustador, como ela me machucou pior do que meu
joelho, pior do que perder minha mãe, pior do que qualquer coisa
que aconteceu comigo na minha vida. E ainda assim, porra,
preciso dela. Não consigo parar, não consigo desligar.

Ela tem esse poder sobre mim e preciso exercer meu poder
sobre ela. Eu preciso saber que ela me quer tanto, que ela vai se
despedaçar por mim, assim como eu farei por ela.

Febrilmente, eu destravo as algemas para poder colocá-la


em mais posições. Eu a jogo no colchão e a monto por trás. Pego
aquele cabelo longo e prateado e o envolvo duas vezes em volta
da minha mão, agarrando-o com força. Então eu puxo sua cabeça
para trás quando entro nela por trás, usando seu cabelo para
segurá-la rapidamente.

Estou fodendo com ela duro e áspero, meus quadris batendo


em sua bunda. Nunca consigo decidir minha posição favorita com
ela, porque cada uma se parece melhor no momento. Agora, a
visão de sua cintura apertada alargando-se para aquela bunda
luxuriante em forma de coração traz à tona uma luxúria primitiva
que me faz grunhir e estourar como um animal.

Já estou suando e morrendo de vontade de explodir dentro


dela, mas me recuso a fazer isso.

Estou levando tudo esta noite.

Eu saio de Yelena para fazer uma pequena pausa, meu pau


brilhando com sua umidade.

Nunca vi tão duro. Está em linha reta fora do meu corpo,


cheio de veias.

Yelena se vira para olhar para mim, sentando-se sobre os


calcanhares. Seu rosto está vermelho e seus olhos parecem
selvagens.

— O que você quer agora? — Ela pergunta.


Ela está tentando ser submissa. Ela está tentando mostrar
que sente muito.

Mas ainda vejo aquele fogo em seus olhos. Aquele olhar


como quando ela saiu para o camarote. Ela gosta de desafios.

— Chupe meu pau, — eu ordeno.

Yelena olha para o meu pau que ainda está quente e úmido
por estar dentro dela.

Ela não hesita. Ela se deita de bruços e pega meu pau na


mão, olhando para mim. Ela lambe todo o comprimento, da base
à cabeça. Ela mantém contato visual comigo o tempo todo,
enquanto gira a língua ao redor da cabeça e, em seguida, leva a
coisa toda na boca. Ela lambe e chupa avidamente, usando a
outra mão para embalar suavemente minhas bolas.

É uma sensação absurdamente boa. Ela olha para mim,


observando meu rosto para ver se eu gosto. Assistindo para ver
se ela está me agradando bem.

Eu a rolo de costas e empurro meu pau dentro dela


novamente. Empurro dentro dela dez, vinte vezes, então eu puxo
meu pau para fora e o levo até sua boca novamente, para que ela
possa me chupar.

Eu alterno entre sua boceta e sua boca, usando cada uma


delas tanto quanto eu quiser. Eu vou e volto, sentindo a
suavidade e o calor de cada um, levando-me à beira do clímax
repetidamente.

Nunca senti nada assim. É insano e imundo, e eu nunca


quero que isso pare.
Deitei no colchão, deixando Sebastian alternar entre foder
minha boceta e foder minha boca. No começo foi estranho,
porque eu podia sentir meu gosto em seu pau, mas não é
realmente desagradável. Tenho um gosto almiscarado e
ligeiramente doce. A sensação de seu pau empurrando em minha
boca é quase tão prazerosa quanto quando ele volta para minha
boceta novamente.

Meus lábios e língua estão inchados e sensíveis, e meus


mamilos ainda doem por causa dos prendedores de roupa. Cada
vez que ele começa a me foder de novo, meus seios nus esfregam
contra seu peito, enviando faíscas de prazer pelo meu corpo.

Eu não sei o que diabos está acontecendo comigo.

Estou sentindo tanto a falta de Sebastian, estou tão


miserável pensando que ele nunca mais me tocará, que eu o
deixaria fazer qualquer coisa comigo. Cada vez que ele me toca,
sinto um alívio tão poderoso que não importa se ele é áspero ou
zangado, tudo é bom.

Na verdade, eu quero áspero.

Quero saber se ele está sentindo isso tanto quanto eu.

Se ele viesse aqui e me fodesse com frieza, clinicamente, eu


não aguentaria.

Eu quero saber se ele ainda tem desejo dentro dele, mesmo


que isso me destrua.

Eu o ouço ofegando e grunhindo, vejo o suor em sua pele,


vejo aquele olhar enlouquecido em seus olhos como se ele
quisesse me devorar inteira. Eu quero tudo, mais e mais e mais.

Eu também me sinto meio fora de mim. Estou agarrando


suas costas, mordendo seu ombro, incitando-o a me foder com
mais força e mais fundo. Eu quero o prazer e quero a dor. Quero
o castigo. Eu mereço.

Sebastian me beija ferozmente, mordendo meu lábio.

— Diga-me que você fará qualquer coisa que eu disser, —


ele rosna.

— Eu farei.

— Diga que você precisa de mim.

— Mais do que tudo.


— Então vire-se e abaixe o rosto, e o traseiro para cima.

Obedientemente, eu me viro, colocando meu rosto contra o


colchão, ajoelhando-me com meus quadris levantados.

— Separe suas nádegas, — ele ordena.

Pela primeira vez, sinto um arrepio de medo real.

Eu estava disposta a agradar Sebastian de qualquer


maneira que pudesse. Mas eu não esperava isso.

De repente, sinto-me terrivelmente exposta.

Estou com vergonha de fazer o que ele pediu e com medo do


que ele vai exigir em seguida.

— Você quer que eu pare? — Sebastian diz, friamente.

Com os olhos bem fechados e o rosto em chamas, eu alcanço


minhas nádegas em minhas mãos, puxando-as ligeiramente para
longe.

Agora estou totalmente exposta e quase quero dizer a ele


para parar. Mas outra parte de mim, a parte mais profunda, a
parte que se recusa a desistir ou render, decidiu que estou indo
até o fim da linha. Seja lá onde for.

Solto um pequeno grito quando sinto Sebastian enterrar seu


rosto na minha boceta. Sua língua parece quase
insuportavelmente quente e ansiosa. Mas a surpresa de sua
língua contra meu clitóris não é nada comparada à surpresa que
sinto quando ele começa a trabalhar seu caminho para cima...

Ele come minha boceta, e então ele come minha bunda. É


ao mesmo tempo humilhante e incrivelmente erótico. Nunca fui
tocada lá em minha vida. Eu deveria estar enojada, mas em vez
disso, sinto a sensação chocantemente prazerosa de sua língua
sensual e quente me estimulando no lugar mais proibido. Eu
começo a relaxar um pouco. Sebastian usa seus dedos para
esfregar meu clitóris enquanto sua língua massageia minha
bunda. E é muito bom pra caralho.

Eu pressiono meu rosto com mais força no colchão para


abafar meus gemidos. Não posso admitir o quanto gosto disso.

Sebastian esfrega minha boceta com uma mão e com a


outra, ele desliza um dedo em minha bunda.

Eu fico rígida e ele vocifera, — Relaxe!

Tento fazer o que ele ordenou. Tento aceitar o que ele está
fazendo, enquanto meu corpo se revolta contra ser penetrado
neste lugar novo.

A sensação é intensa e ligeiramente desconfortável.


Sebastian continua massageando meu clitóris ao mesmo tempo.
E implacavelmente, inexoravelmente, meu corpo parece decidir
que toda essa área é erótica, por dentro e por fora. Tudo isso é
sensual, tudo é bom.
Quanto mais eu relaxo, mais posso aceitar seu dedo
deslizando suavemente para dentro e para fora da minha bunda.
É estranho, mas na verdade é incrível pra caralho.

Isto é, até que Sebastian pressione a pesada cabeça de seu


pênis contra minha bunda.

— Não! — Eu suspiro. — Você é muito grande!

Se o dedo dele foi tão intenso, não consigo nem imaginar


como seu pau vai se parecer.

— Você quer que eu pare? — Ele pergunta novamente.

Eu hesito.

Não sei o que vai acontecer se eu disser para ele parar.


Talvez ele vá embora e todo esse encontro acabe. Esta pode ser
minha única chance de me reconectar com ele. Ou talvez ele me
perdoe de qualquer maneira. Não há como saber com certeza.

A verdade é que não estou tentando provar nada para


Sebastian.

Estou provando isso para mim mesma.

O que eu disse é verdade – farei qualquer coisa por ele.

Antes, eu tomava uma decisão baseada no medo e no


egoísmo.
Eu não vou fazer isso de novo. Mesmo que isso me assuste,
mesmo que eu esteja com vergonha... Quero ver o que vai
acontecer se eu me entregar a ele, sem reter nada.

— Não, — eu digo. — Não pare. Eu sou sua – foda-me da


maneira que quiser.

Sebastian esfrega seu pau entre os lábios da minha boceta


para deixá-lo molhado e escorregadio. Então pressiona a cabeça
contra minha bunda novamente. Respiro fundo, tentando
relaxar.

Lentamente, ele começa a empurrar seu pau na minha


bunda.

É como tirar minha virgindade de novo, mas dez vezes pior.


O aperto do ajuste é uma loucura. Parece uma eternidade apenas
para inserir os primeiros centímetros.

Sebastian vai devagar, mas é intenso pra caralho. Posso


sentir cada milímetro de seu pênis. Ele está me alongando e me
enchendo como nada que eu já experimentei antes.

Minha bunda é ainda mais sensível do que minha boceta.


Eu posso sentir tudo mais. Sebastian despertou toda essa área,
então ela está experimentando a sensação de uma forma
totalmente nova. Mas ainda está fazendo meu corpo suar e
tremer, porque meu cérebro não sabe muito bem como
interpretar esse tipo de entrada sensorial.
Finalmente, o pau de Sebastian está todo dentro. Parece
enorme, do tamanho de um taco de beisebol. Parece impossível.

Ele fica parado por um momento, para me deixar me


acostumar com isso. Então ele começa a foder minha bunda com
estocadas lentas e superficiais.

É apertado entrando e apertando saindo. A tensão nunca


diminui, nem por um segundo. Isso significa que posso sentir
cada parte de seu pênis, cabeça e eixo, cada cume e veia. Eu
posso sentir seu pau se contrair e pulsar bem dentro de mim.

Sebastian cai em cima de mim, seu peso em seus cotovelos


de cada lado de mim, seu peito pressionado contra minhas
costas. Ele ainda está empurrando na minha bunda, tentando
ser gentil, mas posso ouvir por seus gemidos como isso é bom
para ele, como é difícil se conter.

— Você gosta disso? — Eu sussurro.

— É irreal pra caralho... — ele geme.

— Então goze na minha bunda, Daddy... Eu quero isso...

Sebastian me puxa para o lado, então ele está me


segurando, ainda dentro de mim. Ele começa a esfregar meu
clitóris com seus dedos longos e fortes, enquanto continua
empurrando superficialmente para dentro e para fora da minha
bunda.
É tão intenso que mal consigo pensar, mal consigo respirar.
Os ruídos que saem de mim são crus e guturais. Eu me sinto suja
e travessa, e extremamente excitada. Eu quero fazer Sebastian
gozar dessa maneira, como o ato de submissão final. Mas sou eu
quem começa a tremer e apertar, meu corpo tão cheio de prazer
que não pode mais ser contido. Eu preciso de liberação.

Aperto minha boceta contra a mão de Sebastian. Isso faz


minha bunda apertar ainda mais forte em torno de seu pau.
Sebastian começa a empurrar um pouco mais rápido e eu mexo
um pouco mais forte, meu corpo inteiro queimando com essa
nova combinação de sensações.

O orgasmo se constrói forte e rápido, dobrando e dobrando


novamente, até que eu não posso segurá-lo por mais um
momento. Eu pressiono meu clitóris contra sua palma e sinto um
clímax profundo e violento que me atinge por dentro e por fora,
fazendo meu corpo todo vibrar.

Ao mesmo tempo, Sebastian explode. Eu sinto seu pau se


contrair, então sinto as pulsações distintas de seu esperma
disparando dentro de mim. O esperma fundido jorra dele, quente
e espesso. Sebastian solta um rugido.

Nós dois desabamos no colchão, ofegantes e suados,


arranhados e machucados. O sexo foi agressivo e animalesco.
Áspero e sujo.

E ainda... eu não me sinto chateada. Não me sinto usada.


Sinto-me estranhamente satisfeita. Como se eu tivesse
recebido algo que nem sabia que precisava.

Pela primeira vez desde nosso casamento, não estou


pensando no erro que cometi e em todas as coisas horríveis que
aconteceram depois.

Meu cérebro parece limpo de tudo isso, pelo menos por


enquanto.

Estou apenas ouvindo a respiração de Sebastian e a minha


própria. Sinto seus braços pesados em volta de mim. Ele ainda
não me largou – estou rezando para que não o faça.

Com Sebastian me segurando, posso finalmente cair em um


sono profundo e duradouro.
Quando acordo, Yelena está dormindo ao meu lado,
enrolada contra mim como uma gatinha.

Seu rosto não parece mais tenso de tanto esforço. Em vez


disso, ela está relaxada e em paz. Como ela costumava estar
quando estávamos sozinhos, apenas nós dois, antes de nos
casarmos.

A visão dela deitada ali, feliz em seu sono, longe da realidade


de nossa situação, faz meu coração dar um aperto no peito. O
amor que sinto por ela ainda está lá, mais forte do que nunca.
Mas está encharcado de dor e arrependimento. Dói olhar para
ela, mas não consigo desviar o olhar.

Gentilmente, afasto seu cabelo claro de seu rosto. Eu a


beijo, suavemente, em sua testa.

Então eu me levanto do colchão.

Ela não mexe um músculo. Ela não me ouve sair.


Fecho a porta atrás de mim, ouvindo o parafuso magnético
se encaixar.

É para a própria segurança de Yelena.

Minha mente está clara e mais focada do que nunca. Eu


posso ver o que tenho que fazer, colocado diante de mim como
um tabuleiro de xadrez.

Nunca fui o planejador, o estrategista. Nunca fui feito para


liderar esta família.

Mas meu pai está morto. Dante está em Paris. Nero está
deitado em uma cama de hospital.

Eu sou o único que sobrou. O único que pode terminar isso.

Lembro-me do que Papa disse, naquela noite em que


jogamos um contra o outro, lá em cima:

Jogue a abertura como um livro. O meio-jogo como um mágico.


E o final como uma máquina.

Quando tudo isso começou, joguei de acordo com as regras.


Fiz tudo como deveria – encontrei-me com Yenin e assinei o
contrato.

Agora é hora de se tornar um mágico. É hora de surpreendê-


lo e chocá-lo. É hora de fazer com que tudo o que ele segura torne-
se pó em suas mãos, sem que ele saiba como isso está
acontecendo.
E então no final... Vou matar todos eles, tão frios e
implacáveis quanto qualquer máquina. Sem hesitação, sem erros
e sem misericórdia.

Não estou mais com raiva de Yelena. Eu entendo que ela


estava tão cega pelo amor e pela esperança quanto eu. Mas ela
está mais segura exatamente onde está. Ela não pode fazer parte
do que acontecerá a seguir.

Corro sobre a informação que confirmei com Yelena, no dia


em que a interroguei na cela.

Imagino o tabuleiro de xadrez, com Alexei Yenin no centro


como o rei, cercado com segurança por seus homens que o
protegerão até a morte. Em uma partida de xadrez, o objetivo é
capturar peças suficientes do seu oponente para que o Rei se
torne vulnerável. Você tem que atraí-lo para fora da segurança.

Em um jogo de xadrez, cada peça recebe um valor em


pontos. Os pontos não têm relação com o jogo – capturar o Rei é
tudo o que importa. Mas dá uma ideia de como você está indo
bem. De quanto você conseguiu reduzir as forças do outro
jogador.

Eu imagino os homens de Yenin como essas peças.

Seus bratoks de baixo nível são os peões, é claro. Ele tem


mais ou menos uma dúzia desses homens, e matarei quantos for
necessário, embora eles não sejam meu foco principal. Se Yenin
estiver morto, eles não virão por vingança por conta própria. Um
já foi baleado no casamento: o motorista com cara de bebê Timur.

No próximo nível, Yenin tem seus boyeviks, seus guerreiros.


Esses seriam seus cavaleiros. Yelena diz que ele tem quatro
executores principais: Iov, Pavel, Denis e Pyotr. Dois foram
mortos na igreja: Iov, o sequestrador fingido foi esmagado pelo
tríptico, e Pavel, o homem que atirei com a arma de Adrian. Os
dois restantes são Denis, um ex-boxeador de São Petersburgo25,
e Pyotr, que Yelena me diz ser um assassino autônomo de aluguel
antes de seu pai o recrutar para vir para Chicago.

Então Yenin tem seus brigadiers – os tenentes encarregados


de um aspecto específico de seu negócio. Yelena diz que seus
tenentes de maior confiança também estavam no casamento: seu
tio Vale e seu primo Kadir. Vale foi quem tentou atirar em mim,
mas acertou Yelena. Ele lida com a contabilidade e subornos,
enquanto Kadir é responsável por abastecer os clubes de sexo e
casas de strip-tease de Yenin com um novo suprimento de
garotas da Ucrânia e Bielo-Rússia. Esses dois homens são os
Bispos de Yenin.

Adrian Yenin poderia ser considerado a Rainha – o braço


direito de Yenin. Mas, na verdade, Adrian é jovem e inexperiente,
e não particularmente cruel. Ele é mais parecido com uma Torre:

25 Cidade na Rússia.
importante para certas manobras, mas não verdadeiramente
crucial.

É Rodion que é a Rainha – o bem mais poderoso e perigoso


de Yenin. Ele também é a maior ameaça para Yelena. Se eu não
o eliminar, mesmo que Yenin e eu estejamos mortos, Rodion virá
buscá-la. Estou certo disso.

Comparo minhas forças com as de Yenin.

Eu tenho Jace, que sozinho escapou do casamento


completamente ileso por pura sorte. Como ele é a pessoa em
quem mais confio, mandei-o ao hospital para vigiar o quarto de
Nero 24 horas por dia, 7 dias por semana. Eu disse a ele para
não sair do lado de Nero por nenhum motivo e para atirar em
quem tentar passar pela porta que não seja médico ou
enfermeiro.

Além disso, tenho os dois filhos de Matteo Carmine parados


no corredor em frente à porta de Nero, observando o elevador e
as escadas. Com Nero isolado no último andar, isso deve impedir
que os homens de Yenin terminem o que começaram.

Os Carmines são uma das três famílias italianas mais leais


ao meu pai. As outras duas são os Marinos e os Bianchis. Bosco
Bianchi é um idiota do caralho, mas ele nos deve por tirá-lo de
uma enrascada no ano passado. Antonio e Carlo Marino são
lutadores fortes. Vou usá-los, e os três principais executores do
meu pai: Stefano, Zio e Tappo.
Stefano é um lutador feroz, embora esteja perto dos
cinquenta anos – ele vem cobrando dívidas em nome do meu pai
nos últimos trinta anos. Zio é o mais novo do grupo e
relativamente inexperiente, mas é meu primo e extremamente
leal a Papa, que pagou todas as despesas da cirurgia cardíaca de
sua irmãzinha alguns anos atrás. Tappo é surpreendentemente
pequeno para um executor, mas ele é cruel como eles vêm. Ele
foi um campeão de MMA peso leve, conhecido por nocautear seus
adversários com um soco. Até eu pensaria duas vezes antes de
me enfrentar a ele.

Não é um exército muito grande. Estou percebendo agora


quantos dos homens de meu pai envelheceram, assumindo
tarefas menos exigentes. A maioria deles trabalha nas áreas de
construção ou hotelaria de nosso negócio agora. Eles quase não
são mais gangsters.

Eu ficaria preocupado, mas também tenho Mikolaj Wilk e


quatro de seus homens.

Eu colocaria o braterstwo contra qualquer um, e colocaria


Miko contra todos eles. Eles são tão cruéis quanto os russos e
ainda mais astutos.

Então, de manhã cedo, enquanto Yelena ainda está


dormindo em sua cela, dirijo de volta para a mansão de Mikolaj
para que possamos lançar nosso ataque.
Quando eu acordo, Sebastian se foi.

Não há nada tão vazio quanto um colchão vazio onde você


esperava ver a pessoa que ama.

Eu fico olhando para aquele espaço por um longo tempo,


perguntando-me para onde ele foi. E me perguntando se ele vai
voltar.

Eu rolo na depressão onde seu corpo pesado estava, e


enterro meu rosto em sua metade do travesseiro, tentando ver se
o cheiro de seu cabelo e de sua pele ainda é persistente.

A noite anterior parece um sonho.

Meus músculos doloridos me lembram que tudo era real.


Sebastian e eu fodemos como animais por horas. Eu me entreguei
a ele, total e inteiramente, sem reter nada. Ele tirou tudo que
precisava de mim e se devolveu. O verdadeiro Sebastian. Sombrio
e zangado, mas ainda apaixonado por mim.
Eu sei que ele está. Não vejo ele indo embora como um sinal
de que ele não se importa. Ele não teria vindo aqui, se fosse esse
o caso. Ele não poderia ter me fodido assim, com tanta obsessão
e desespero.

Ele estava fazendo o que tinha que fazer, para me perdoar.


Para me levar de volta.

Eu entendo tudo isso.

E eu entendo para onde ele foi agora.

O sexo curou a brecha entre nós. Mas não satisfez sua


necessidade de vingança.

Sento-me naquele colchão, enfrentando meu dilema


fundamental mais uma vez.

Sebastian foi matar todos que eu conheço e amo.

A maioria deles eu poderia perder sem piscar. Alguns eu até


gostaria de ver morrer – Rodion, por exemplo.

Não vou gostar de ouvir que meu pai foi morto, mas aceito
isso. Ele assinou sua própria sentença de morte quando quebrou
o contrato de sangue.

Mas Adrian... Adrian ainda é meu gêmeo. Depois que minha


mãe morreu, e antes de eu conhecer Sebastian, Adrian era a
única pessoa neste planeta que me amava. Ele tem seus defeitos,
mas sempre tentou me confortar e me proteger. Ele é meu irmão
e não consigo parar de amá-lo, não importa o que ele tenha feito.

Então, fico aqui sentada me perguntando o que devo fazer.

Devo ficar exatamente onde estou e deixar o destino decidir?

Ou devo intervir e arriscar perder Sebastian de uma vez por


todas?

Ele me perdoou pelo que fiz antes, apesar dos danos que
causei. Apesar da confiança que eu quebrei.

Mas se eu interferir em sua vingança...

Estou doente só de pensar em foder as coisas de novo. Eu


deveria ficar parada, exatamente onde estou. Não posso estragar
nada se estiver aqui, bem onde Sebastian me quer.

Isso é o que digo a mim mesma. Até meu cérebro começar a


me atormentar com pensamentos de onde Sebastian pode estar
agora, o que ele pode estar fazendo. E o que meu pai pode estar
fazendo em troca.

E se Sebastian for morto? E se todos eles forem?

Eu não posso simplesmente sentar aqui enquanto o mundo


queima ao meu redor.

Eu pulo do colchão e ando pelo quarto. Então me forço a


sentar novamente. Então pulo mais uma vez.
Estou atormentada, minha mente girando e girando em meu
crânio, como meu corpo dá voltas e voltas na cela.

As horas passam por aqui. Sei que Greta vai descer com o
almoço. Se vou agir, tenho que fazer isso logo. Supondo que eu
possa fazer qualquer coisa.

Sento-me no colchão pela última vez, forçando-me a decidir.


Ficar ou ir? Agir ou esperar?

Por fim, percebo que não existe uma escolha certa. Não
tenho capacidade de salvar Sebastian e meu irmão, não
realmente. E nenhuma habilidade para evitar o arrependimento.
O resultado não está em minhas mãos. Tudo o que posso fazer é
tentar.

Então, sento-me em silêncio no colchão, meu cérebro e meu


corpo finalmente calmos. Eu deslizo minha mão sob meu
travesseiro e encontro o adesivo, ainda pegajoso de um lado.
Felizmente eu não o perdi enquanto Sebastian e eu destruímos
este quarto na noite passada. Eu seguro o adesivo em minha
mão, escondido entre minha palma e minha coxa.

Poucos minutos depois, ouço o ranger da porta quando


Greta entra na cela. Como seus braços estão cheios com a pesada
bandeja do almoço, ela não fecha a porta atrás de si. Ela carrega
a bandeja até a cama e dobra os joelhos para colocá-la no chão.

Fingindo pegar a bandeja, bato no copo de leite.


— Oh, desculpe! — Eu choro. — Deixe-me pegar uma
toalha.

Pulo da cama, fingindo pegar uma toalha da pia. Ao passar


pelo batente da porta aberta, pressiono o adesivo sobre o orifício
onde o parafuso magnético desliza para o lugar. Greta – ocupada
endireitando o copo e tentando salvar meu sanduíche – não
percebe nada. Trago minha toalha de rosto para ela e ajudo-a a
limpar o leite derramado.

Ela se senta comigo enquanto eu como.

Ela parece um pouco nervosa. Acho que está preocupada


comigo.

Ela me pergunta, hesitante: — Você falou com Sebastian


ontem à noite?

— Sim, — eu digo. — Ele desceu aqui.

— Foi... uma conversa produtiva?

— Sim, — eu digo. — Acho que chegaremos a um acordo,


eventualmente.

— Mesmo? — Greta diz, seu rosto cheio de alívio. — Eu


sabia que Sebastian seria capaz de superar tudo isso, com o
tempo. Ele tem um bom coração, Yelena, e ele te ama
intensamente, eu sei que ele ama.
Sinto-me mal por enganar Greta, depois de tudo que ela fez
por mim.

Eu coloco minha mão sobre a dela e aperto.

— Eu também o amo, Greta, — digo a ela. — Não importa o


que aconteça.

Greta acena com a cabeça, então se inclina e me abraça,


tomando cuidado com meu ombro enfaixado.

— Obrigada por cuidar de mim, — digo a ela.

— Oh, — ela diz, batendo a mão para afastar minha gratidão


como se estivesse espantando uma mosca. — Não é nada.

— É algo para mim, — eu digo.

Ela pega minha bandeja, que limpei em minutos, faminta


pelas atividades da noite anterior.

— Quer mais leite? — Ela me pergunta.

— Não, — eu digo. — Isso estava perfeito.

Ela sai da cela, fechando a porta atrás de si. Ela não percebe
– embora eu perceba, porque estou ouvindo com atenção – que a
fechadura magnética faz seu zumbido normal, mas sem o ruído
que acompanha o parafuso deslizando para o lugar. Está
bloqueado pelo adesivo no batente da porta.
Espero vinte minutos inteiros para ter certeza de que Greta
está lá em cima e não vai voltar.

Então caminho até a porta e puxo.

Ele se abre facilmente nas dobradiças.

Olho para o corredor escuro, meu coração subindo na


minha garganta.

Não preciso pensar sobre isso – já tomei minha decisão.


Respirando fundo, eu escapo da cela.
É hora de se tornar um mágico.

É hora de pegar tudo o que Alexei Yenin possui e fazer


desaparecer.

Ele espera que eu o ataque diretamente. Ele pensa que


estou tão cego pela sede de sangue que farei qualquer coisa para
encontrá-lo e matá-lo.

Em vez disso, vou lançar um ataque a três alvos


simultaneamente. Nenhum deles é Yenin.

Durante minha conversa com Yelena, percebi o quão pouco


minha família realmente entendia as operações de Yenin. Nós o
considerávamos insignificante, porque seu comércio de drogas e
armas ficava restrito ao canto oeste da cidade – o território
circundante controlado por outras facções.

No entanto, sua operação é muito maior do que eu pensava.


Ele ganha seu dinheiro de três maneiras principais: jogo
ilegal, produção de pornografia e um parque eólico a oeste da
cidade.

O jogo sabíamos sobre, porque minha família dirige o maior


ringue de pôquer da cidade. Sabíamos que Yenin estava
administrando uma operação de apostas esportivas
paralelamente, mas subestimamos a escala.

Yelena me disse que Yenin não ganha dinheiro com as


apostas. Ele obtém seu lucro emprestando dinheiro adicional
para apostar a uma taxa de juros de duzentos por cento. Em
seguida, ele coleta implacavelmente dos jogadores infelizes que
inevitavelmente perdem tudo.

Mesmo que ele empreste o dinheiro localmente, sua


operação ocorre quase que inteiramente online. Ele tem uma
equipe de programadores russos que trabalham em um depósito
em Bensenville, enquanto seus executores cuidam das
cobranças.

Já estou sentindo falta de Nero – ele saberia exatamente o


que fazer para foder regiamente a rede de Yenin. Ele
provavelmente poderia hackear remotamente. Mas Nero está
quase inconsciente e definitivamente não consegue trabalhar.
Então, vou ter que dar um jeito sozinho.

A produção de pornografia também foi uma surpresa.


Sabíamos que Yenin importava meninas das regiões mais pobres
da Ucrânia e da Romênia, mas pensamos que era apenas para
abastecer seu pequeno bordel deprimente. Foi Yelena quem me
disse que as garotas estão acostumadas a fazer vídeos fetichistas,
que ele também vende online através do OnlyFans e do Pornhub.

Por último, existe o parque eólico. Este é, aparentemente,


um empreendimento totalmente novo. Yelena explicou para mim,
com base em trechos que ela ouviu, e coisas que seu irmão disse
a ela.

— É uma nova indústria, — disse ela, — então é mal


regulamentada. Você tem preços altos, financiamento
complicado. E depois há os subsídios do governo. Adrian me
disse que ele economizou dez milhões só neste ano, pegando
concessões de energia limpa e embolsando os fundos. Ele deveria
ter oito moinhos de vento lá fora, mas apenas dois deles
realmente funcionam.

Eu pretendo eliminar todas as três fontes de dinheiro dele,


todas de uma vez. Mikolaj e eu cronometramos o ataque ao
minuto.

Mikolaj e seus homens vão acabar com a rede de apostas


esportivas.

— Certifique-se de limpar o sistema, antes de destruir os


servidores, — eu disse a ele. — Não o queremos de volta e
funcionando com apenas o custo de alguns novos computadores.
— Não se preocupe, — Miko disse, descuidadamente. —
Estou trazendo um jovem de Wroclaw 26 . Ele estava roubando
esquemas de armas do Departamento de Defesa quando tinha
quinze anos. Portanto, tenho certeza de que ele pode lidar com
qualquer coisa que Yenin esteja administrando.

Mandei Antonio e Carlo Marino ao bordel de Yenin para


evacuar as meninas e incendiar seu estúdio de cinema
improvisado.

— Tragam Bosco Bianchi, — disse eu. — Mas não o deixe


chegar perto das meninas.

— O que você quer que façamos com elas? — Antonio disse.

— Deixe-as irem. Ou diga a elas que podem ir para Bareback


na 48th Street se quiserem um novo emprego – Lorenzo está
sempre contratando.

— Temos que trazer Bosco, afinal? — Antonio franziu a


testa.

— Sim, eu disse. — Ele é melhor do que nada.

— Vamos fazê-lo entrar primeiro, — grunhiu Carlo, — para


que ele não atire em um de nós pelas costas por acidente.

Vou levar Stefano, Zio e Tappo para o parque eólico.

26 Uma cidade da Polônia.


Antes de sairmos para o oeste da cidade, levo meus três
executores para a última fase de construção do desenvolvimento
de South Shore. Pegamos duas vans de construção brancas sem
identificação e uma tonelada de nitroglicerina.

O bom de ter licenças de demolição é o acesso legal a uma


grande variedade de explosivos.

Agora, não sou um especialista em construção – Dante é


quem supervisionava a maioria de nossas equipes, sem
mencionar a ligação com os vários sindicatos e subcontratados.
Mas se havia uma coisa em que sempre me interessei, era
explodir uma merda.

Tivemos que demolir todas as estruturas siderúrgicas


existentes antes de podermos iniciar a nova construção em South
Shore. Eu estava lá para tudo isso – definir cargas, sincronizar o
tempo e detonar.

Derrubar um prédio não é apenas colocar uma bomba. Você


tem que trabalhar com a estrutura existente, para que possa
derrubá-la da forma mais limpa e eficaz possível.

Existem quatro maneiras principais de derrubar uma


estrutura – encurtando, implosão, colapso progressivo e a técnica
que usarei para as turbinas eólicas: tombamento. Quero
derrubar esses filhos da puta, e não quero fazer isso
silenciosamente.

Enquanto dirigimos para o campo cheio de suas oito


turbinas, digo a Stefano para parar e encostar. Apenas uma
estrada de faixa única segue nessa direção, com campos cercados
em ambos os lados. As turbinas dividem espaço com um pasto
cheio de vacas marrons dóceis pastando pacificamente na grama
cultivada. Uma grade para gado do outro lado da estrada impede
as vacas de vagar por onde não pertencem.

A grade do gado é uma estrutura simples: uma depressão


na estrada coberta por uma grade transversal de barras de metal.
Eu a abro facilmente, revelando o espaço vazio abaixo. Zio me
ajuda a embalar a área com explosivos de gelatina, conectados a
um detonador remoto.

— Você vai explodir algumas vacas? — Zio me pergunta, seu


cabelo desgrenhado caindo sobre os olhos. Zio tem apenas 20
anos e tem a aparência sempre sonolenta e as roupas
amarrotadas de um chapado o dia todo. Mas ele é muito mais
esperto do que parece.

— Algo assim, — eu digo.

Colocamos a grade de metal pesado de volta no lugar e


continuamos descendo em direção às turbinas.
Dividindo-se, definimos nossas cargas em torno da base de
cada estrutura. Eu mesmo verifico cada uma, observando que as
pás de apenas duas turbinas estão girando na brisa leve. As
outras estão mortas, como Yelena disse. Todas as oito parecem
danificadas e amassadas, e não estão bem preservadas. Essas
são máquinas de três milhões de dólares – ou, pelo menos, eram
quando eram novas. Tenho certeza de que Yenin as comprou para
roubar quando montou sua operação de energia de merda.

Embora eu tenha visto turbinas à distância muitas vezes,


nunca estive tão perto de uma antes. Elas são muito maiores do
que eu esperava – quase cem metros de altura e quinze metros
de largura na base. Estou feliz por ter trazido bastante
nitroglicerina.

— Está tudo pronto? — Tappo me pergunta, nervoso.

Ele está olhando os explosivos com grande desconfiança.


Ninguém é um lutador mais destemido do que Tappo, mas ele
prefere trabalhar com as mãos. Ele não confia nos explosivos e
quase pulou da pele toda vez que Stefano passou por um buraco,
pensando que o nitro na parte de trás da van iria destruir todos
nós.

— Sim, — eu digo. — Você fica aqui para detonar as cargas


enquanto o resto de nós se protege.

— Você está falando sério? — Ele chora, parecendo verde.


— Não, seu idiota, eu tenho um detonador, — digo a ele,
segurando o controle remoto.

— Oh, foda-se, — ele resmunga, lutando para ficar atrás das


vans, que estacionamos a uma distância respeitável.

Enquanto os outros se protegem, eu subo no topo da van


para ter uma visão melhor. Tenho certeza de que estamos longe
o suficiente para não arriscar nenhum estilhaço e quero
aproveitar o show.

As turbinas estão no campo, pálidas e sinistras desta


distância, como um cemitério de hélices recortadas contra o céu.
Eu pressiono o detonador.

Por um momento, nada acontece. Em seguida, explosões


florescem ao longo da base de todas as oito turbinas, como flores
brilhantes e flamejantes que se abrem no ar.

Perfuramos poços na base, concentrando os explosivos no


lado leste das torres para que as turbinas tombassem na mesma
direção. O barulho de aço rasgando é como um grito indignado –
depois o estrondo de 164 toneladas de metal caindo. Oito colunas
de fumaça sobem para o céu.

Zio subiu ao meu lado, querendo ver o resultado com


clareza.

— Puta que pariu, — diz ele, com sua voz suave. — Meio
bonito, não é?
— É para mim, — eu digo.

— Por causa do incêndio ou porque vai realmente irritar


Yenin?

— Ambos, — eu sorrio.

— O que fazemos agora? — Stefano dispara do chão.

— Nós esperamos, — eu digo.

Quarenta minutos depois, um SUV Mercedes preto vem


rugindo pela estrada esburacada. Eu o vejo acelerando.
Reconheço o veículo, mas está muito longe para eu distinguir
quem está dirigindo.

Honestamente, eu realmente não dou a mínima.

Assim que o SUV passa pela grade de gado, pressiono o


botão do segundo detonador.

A explosão lança o carro no ar, virando-o de cabeça para


baixo. Rola quatro vezes, antes de parar em uma vala.

— Vamos ver quem era, — digo aos homens.

Nós voltamos para as duas vans e dirigimos até os


destroços.

Aproximo-me do Mercedes amassado com a arma na mão,


embora duvide que alguém dentro esteja em condições de atirar
de volta. Com certeza, o motorista está morto, sua cabeça torcida
contra o volante e seus olhos vazios olhando para mim. O
passageiro ao lado dele está em forma semelhante, pressionado
contra o airbag que não impediu que seu crânio se conectasse
com a janela lateral em alta velocidade.

Mas eu ouço alguém gemendo na parte de trás.

A porta está profundamente amassada e quase impossível


de abrir. É preciso Stefano e eu nos unirmos para abri-la.

O homem no banco de trás está coberto de cortes


incrustados com pedaços de vidro. Seu rosto está tão
ensanguentado que levo um minuto para reconhecê-lo. É o tio
Vale, irmão de Yenin. O idiota que atirou em Yelena.

Eu o agarro pelo braço e o puxo para fora do veículo,


ignorando o fato de que o referido braço está quebrado em pelo
menos dois lugares. Ele grita, rolando pelo cascalho, incapaz de
ficar de pé.

Uso minha bota para empurrá-lo de costas.

— Pegue o telefone dele, — digo para Tappo.

Tappo vasculha seus bolsos, sem sorte.

— Está aqui, — diz Zio, tirando o telefone dos destroços do


banco de trás.

A tela está rachada em uma dúzia de lugares, mas ainda


operacional.
— Qual é a senha? — Eu pergunto a Vale.

— É queimando no inferno com a porra da boceta da sua


mãe, — Vale rosna por entre os dentes ensanguentados.

Eu levanto minha arma e atiro na rótula direita dele.

Ele uiva como um lobo, contorcendo-se na estrada.

— Eu tenho mais onze balas, — eu digo a ele, calmamente.


— Não há necessidade de morrer como um cachorro por algo que
não ajudará seu irmão de qualquer maneira.

— Seu pedaço de guido de...

Levanto a arma novamente.

— 1974! — Ele grita.

Abaixo a arma e aceno para Zio, que conecta o código. A tela


do telefone é desbloqueada.

— Boa escolha, — eu digo.

Eu atiro na cabeça dele, bem entre os olhos.

— Sem misericórdia, hein? — Stefano diz, uma sobrancelha


escura levantada.

— Isso foi misericórdia, — digo a ele.

Meu telefone está zumbindo no bolso. Eu puxo para fora. O


número de Mikolaj está na tela.
— Como foi? — Pergunto-lhe.

— Perfeitamente, é claro. Nós limpamos seus servidores.


Queimamos o armazém. E transferimos cada centavo que ele
estava guardando nos livros para minha conta pessoal. Eram
quase 12 milhões – vou transferir a sua metade.

— Muito generoso, — eu digo.

— Simples justiça, — diz Mikolaj, em sua voz fria e cortada.


— Tenho certeza de que você fará o mesmo com quaisquer outros
despojos que recuperar.

— Farei, — eu concordo.

Posso ver Carlo Marino na outra linha, então mudo para a


ligação dele. Ele parece sem fôlego e com dor.

— Problemas? — Pergunto-lhe.

— Alguns, — ele admite. — Eles tinham mais homens do


que esperávamos. Bosco tropeçou direto em uma sala cheia de
Bratva jogando Durak27.

— Eles atiraram nele?

— Não. Ele correu e mergulhou para fora da janela. Cortou


a merda eterna de si mesmo e deslocou seu ombro, mas por outro
lado ele está bem. Na verdade, foi uma distração muito boa.

27 É o mais famoso jogo de cartas russo tradicional, popular em muitos estados pós-soviéticos.
Enquanto eles tentavam agarrá-lo, eu e Antonio começamos a
atirar.

— Parece que você foi atingido, — digo, ouvindo a tensão na


voz de Carlo.

— Sim, — ele diz, — mas não pela Bratva. Descemos as


escadas. A maioria das meninas já havia fugido, pois ouviram o
tiroteio lá em cima e ficaram com medo. Mas uma delas atingiu
um guarda na cabeça com uma frigideira e pegou sua arma. Ela
é quem atirou em mim. Sentiu-se mal depois, quando viu que
não estávamos tentando matá-las. Desculpas não coloca a bala
de volta na armam, no entanto.

— Aonde você está indo agora?

— Ver o Dr. Bloom.

— Bom, — eu aceno.

— Bosco está me levando com um braço, então vamos ver


se consigo. Vou mandar Antonio de volta para você.

— Certo. Falamos em breve.

Eu desligo o telefone. Nada mal até agora. Mas isso é apenas


o começo. Eu fiz minha jogada. Agora é a vez de Yenin. Se eu o
ameacei o suficiente, deve ser hora de ele enviar suas peças de
poder.

Assim que forem eliminadas... o rei ficará desprotegido.


Esgueirar para fora da casa de Sebastian não é muito difícil.
É fácil ouvir Greta, porque ela não faz nenhum esforço para ficar
quieta enquanto está limpando tudo, especialmente quando está
cantarolando para si mesma.

No momento, ela está no último andar, provavelmente


tirando o pó da sala de música por causa do som. Imaginar
aquele espaço claro e ensolarado, com seu leve resquício de
perfume floral, me faz estremecer. Sebastian me levou para a sala
de sua mãe, no espaço mais querido desta casa. Ele não
escondeu nada de mim. Ele compartilhou tudo, desde o início.

Eu gostaria de ter feito o mesmo.

Eu pretendia sair pela porta da frente, mas agora estou


reconsiderando esse plano. Estou vestida com um conjunto de
pijamas florais. Com certeza, as ruas de Chicago viram coisas
muito mais estranhas, mas não gosto de andar descalça.
Movendo-me o mais silenciosamente possível nas escadas
rangentes, subo até o segundo andar, onde a maioria dos quartos
estão localizados. Pela minha visita ao quarto de Sebastian, vi
que todos os irmãos Gallo ainda mantêm seus quartos de
infância, quase no mesmo estado de quando todos moravam em
casa.

Procuro o quarto que pertenceu a Aida Gallo.

Ainda não a conheci pessoalmente, já que meu pai não


queria os Griffin no casamento. Agora percebo que ele os baniu
para manter os números a seu favor. Suponho que ele não queria
cometer o mesmo erro que matou Kolya Kristoff, atacando as
duas famílias rivais ao mesmo tempo. Eu me pergunto se ele está
iludido o suficiente para acreditar que os Griffins fariam uma
aliança com ele depois que ele quebrou um juramento de sangue
com seus aliados mais próximos, ou se ele simplesmente pensa
que será mais fácil lutar um após o outro.

Espero que ele nunca descubra. Espero que Sebastian o


esmague de uma vez por todas, antes mesmo que ele tenha a
oportunidade de enfrentar os Griffins.

Mas não consigo pensar nisso agora. Tenho que terminar


minha fuga.

Eu deslizo para o quarto próximo ao de Seb, o menor da


casa.
Você nunca saberia que este quarto pertenceu à única filha
Gallo – ele não contém nada abertamente feminino. Pelos
arranhões e amassados nas paredes e um buraco remendado na
parte de trás da porta, parece mais que um demônio da Tasmânia
viveu aqui. Uma perna da cama está quebrada, uma caixa de leite
virada para o lado para manter a estrutura em pé. A parede à
minha esquerda está coberta com capas de álbuns grampeadas,
e a parede à minha direita mostra uma placa de rua roubada da
Hugh Hefner Way. Se isso indica que Aida era fã ou achava que
Hefner não merecia uma placa, eu não conseguiria adivinhar.

Eu vi Aida e seu marido Callum Griffin na noite do leilão de


encontros. Eles dividiram uma mesa com Seb. Eu estava
distraída olhando para Sebastian, mas mesmo assim, Aida tinha
uma espécie de energia galvânica que puxava o olhar em sua
direção. Posso sentir isso agora neste quarto – como a carga
deixada no ar após uma tempestade com raios.

Achei que quando ela e eu finalmente nos conhecêssemos,


seria como amigas. Talvez até como irmãs.

Em vez disso, ela vai me odiar, como todos os Gallos devem.


Ela é órfã por minha causa.

Abro seu armário. A maioria de suas roupas foram


retiradas, mas algumas camisetas ainda penduradas em cabides
tortos e um par de tênis velhos e imundos estão amontoados no
canto. Estranhamente, um tênis é muito mais sujo do que o
outro.

Coloquei uma velha camiseta do Van Halen, rasgada no


ombro, e o Converse surrado. Eles são muito pequenos – Aida
não é gigante como eu. Mas eles são melhores do que nada.
Minha calça do pijama vai ter que bastar, porque ela não deixou
nenhum short.

Com isso resolvido, coloco minha cabeça para fora da porta


e escuto Greta. Ela ainda está no último andar, cantarolando
“You Can’t Hurry Love” enquanto limpa. Desço correndo as
escadas, tentando não pisar no centro, onde elas rangem mais.

Estou quase saindo pela porta da frente quando me lembro


que os Gallos têm uma garagem inteira cheia de carros embaixo
de sua casa. Sebastian não incluiu isso no tour, mas ele me
contou tudo sobre a fascinação de seu irmão Nero por todas as
coisas mecânicas. Na verdade, é provavelmente por isso que
minha cela sempre cheirava levemente a gasolina – deve ter ficado
diretamente embaixo da garagem.

Descer as escadas me dá um calafrio de pavor. Não era


exatamente agradável estar trancada ali. Bem... com algumas
exceções.

Eu pego uma curva errada que me leva a algum tipo de


cofre, e então refaço meus passos e encontro a garagem.
É bem iluminada e escrupulosamente limpa, com todas as
ferramentas bem alinhadas em seu devido lugar. Há uma dúzia
de vagas separadas, a maioria delas contendo um carro antigo ou
motocicleta.

Não sei dirigir com o câmbio manual e não tenho interesse


em tentar entender um Mustang mais velho do que eu. Portanto,
estou aliviada ao ver que há uma BMW perfeitamente normal
estacionada aqui também. Abro a porta, rezando para que as
chaves estejam na ignição. Em vez disso, encontro-as esperando
por mim no porta-copos.

Eu deslizo para o assento de couro confortável, um aroma


cítrico amadeirado enchendo minhas narinas. Congelo com as
mãos no volante, percebendo que subi no carro de Enzo Gallo.
Eu me lembro dessa colônia. Ela traz de volta vividamente a visão
de um distinto homem mais velho em um terno de lã fina, com
chocantes mechas brancas em seu cabelo escuro. Lembro-me de
como seu sorriso erguia os cantos do bigode, enquanto baixava
as sobrancelhas pesadas sobre os olhos. Ele sorriu quando me
comprou o piano de cauda para meu novo apartamento. O
apartamento em que eu deveria estar agora, com Sebastian...

Minha mão treme enquanto coloco as chaves na ignição.


Ligo o motor, a porta da garagem se abre automaticamente para
me deixar subir para a rua.

Não tenho certeza para onde ir.


Adrian poderia estar em qualquer lugar agora – o mesmo
com Sebastian e meu pai.

A única coisa que posso pensar é ir em direção à casa de


meu pai.

Não a considero mais minha casa. Para começar, nunca me


senti em casa. Quando saí, não tinha intenção de voltar nunca.

Dirigir de volta para aquela casa é pior do que descer as


escadas em direção à cela.

A rua tranquila e arborizada não parece atraente aos meus


olhos. Isso me enche de pavor, como se sua perfeição bem
cuidada fosse um sinal da corrupção que se escondia no final,
atrás dos altos muros de pedra de meu pai.

Eu tinha planejado parar em uma das calçadas do meu


vizinho para que eu pudesse me esconder e esperar. Em vez
disso, tenho que pegar um par de óculos de sol e enfiá-los no
rosto e abaixar o quebra-sol, porque vejo o Escalade de Rodion
vindo em minha direção. Não consigo parar o carro ou dar a volta,
é tarde demais – ele vai perceber se eu fizer qualquer coisa além
de continuar dirigindo em um ritmo constante.

É uma tortura se aproximando cada vez mais. Nossos


veículos vão passar com apenas alguns metros entre nós. Não
consigo decidir se devo olhar para o carro dele ou manter os olhos
fixos à frente.
É impossível não olhar.

Para minha surpresa, vejo meu irmão Adrian dirigindo e


Rodion sentado no banco do passageiro. Eles estão perfurando
algo no GPS, então eles não olham quando nossos carros passam.

Paro na próxima garagem, meu coração martelando


descontroladamente contra o meu esterno.

Eu sei onde meu irmão está agora, mas não sei como diabos
vou falar com ele com o cão de ataque do meu pai andando de
espingarda.

Respiro fundo várias vezes, tentando me acalmar. Então,


quando penso que eles estão longe o suficiente para que não
percebam, saio da garagem e sigo atrás deles.

Seguir outro carro é estressante. Se eu chegar muito perto,


eles vão notar. Mas se eu ficar para trás, vou perdê-los no
próximo semáforo ou quando dobrarem uma esquina.

Se Rodion estivesse dirigindo, ele notaria a BMW


continuamente em seu espelho retrovisor. Felizmente, meu irmão
é menos experiente e menos observador.

Por que Adrian está dirigindo é uma questão própria.


Perplexa, só posso acompanhar enquanto eles se dirigem para
em direção a Old Town.
Finalmente, o Escalade encosta no meio-fio. Eu encosto
também, escondendo meu carro atrás de uma van de entrega.
Tenho que subir no banco do passageiro para ver o que diabos
está acontecendo.

Rodion sai do Escalade com uma bolsa longa, preta e


retangular pendurada no ombro. Ele começa a caminhar em
direção ao beco entre uma loja de peixe e batatas fritas e um
prédio de apartamentos.

Sinto uma onda de alívio – sem Rodion, posso dirigir


próximo ao meu irmão e fazê-lo parar. Se pudermos conversar
sozinhos, tenho certeza de que posso convencê-lo a desistir de
qualquer plano caótico que meu pai esteja tentando montar
depois do casamento.

Estou deslizando de volta pelos assentos, pronta para ligar


o motor do carro mais uma vez.

Até que olho para o outro lado da rua e vejo algo que congela
meu sangue nas veias.

Estamos do outro lado da rua do Midtown Medical.

Nero Gallo está naquele hospital, em uma sala privada no


último andar. Ele está deitado em uma cama se recuperando de
seis ferimentos a bala, basicamente indefeso.

Tenho certeza de que Sebastian tem muitos guardas


postados ao redor de seu irmão.
Mas estou igualmente certa de que Rodion pretende
terminar o que começou e matar Nero. Por que mais ele estaria
aqui?

O carro de Adrian está se afastando do meio-fio. Se vou


seguir meu irmão, tenho que fazer isso agora. Esta é minha
chance de falar com ele.

Se eu fizer isso... vou deixar Nero à mercê de Rodion. E


Rodion não tem nenhuma maldita misericórdia.

Antes mesmo de me decidir totalmente, estou abrindo a


porta do passageiro e pulo para fora do carro. Corro pelo beco,
seguindo na direção em que Rodion desapareceu.

Por um momento, fico confusa – não consigo ver para onde


ele foi. É um longo beco. Ele não deveria ter desaparecido tão
rapidamente. Será que ele começou a correr assim que sumiu de
vista?

Estou prestes a correr pelo beco sozinha, pensando que ele


já virou a esquina, mas então ouço um som de luta acima.
Olhando para cima, posso apenas ver a forma escura e volumosa
de Rodion escalando a escada de incêndio do prédio de
apartamentos.

Porra. Ele está subindo para o telhado.

A escada de incêndio está parcialmente retraída. Tenho que


pular o mais alto que posso para agarrar a escada e me puxar
para cima. Se eu não fosse tão alta, não seria capaz de alcançá-
la.

Tento manter meus grunhidos no mínimo para que Rodion


não me escute. Espero até que ele suba antes de começar a
escalar a escada vacilante e barulhenta. Se ele olhar para baixo
e me ver, estou ferrada.

A cada andar que subo, minhas mãos ficam cada vez mais
suadas. O prédio deve ter vinte andares. Não gosto de estar aqui
em cima, nem um pouco. Já era ruim o suficiente subir na roda
gigante ou no camarote, mas pelo menos esses eram espaços
fechados. A grade da escada de incêndio mal chega à minha
cintura. Estou terrivelmente ciente de como seria fácil tombar
sobre a borda fina de metal.

Tento não olhar para baixo enquanto o pavimento recua


abaixo de mim. Tento não sentir a brisa aqui em cima, ou
perceber como as nuvens parecem próximas lá no alto.

Eu espreito para o telhado, tentando ver para onde Rodion


foi. Depois de um momento, eu o vejo do outro lado do prédio,
instalando algum tipo de dispositivo de tripé.

Minha boca fica seca como um deserto enquanto ele puxa


um rifle de atirador de sua bolsa. Rodion planeja atirar em Nero
Gallo pela janela de seu hospital.
Descontroladamente, considero correr de volta pela escada
de incêndio para encontrar um telefone para ligar para alguém:
a polícia ou Sebastian. Mas já sei como isso seria inútil. Nero
estará morto muito antes que alguém possa chegar aqui.

A única pessoa que pode ajudá-lo sou eu.

Eu nem quero subir no telhado. Meu corpo inteiro está


gritando para eu não fazer isso.

O telhado é plano e aberto, com apenas uma saliência de


concreto de 60 centímetros contornando o perímetro. Não há
paredes, nem grades, nada que me impeça de tropeçar e cair da
beirada. Algumas coifas de ventilação se projetam do prédio
abaixo, mas, fora isso, não há nada aqui.

Bem... quase nada. O prédio é antigo e está em más


condições. Em alguns lugares, o perímetro está se desintegrando.
No canto mais próximo de mim, vejo um pedaço de concreto do
tamanho de um tijolo. Eu me arrasto até ele, tentando me mover
silenciosamente, meus olhos fixos em Rodion enquanto ele
posiciona o rifle de precisão em seu tripé.

Também estou tentando não assustar os pombos que se


exibem no telhado. Seus arrulhos e vibração ajudam a disfarçar
o barulho de mim rastejando. Sou grata por isso. Mas se eu os
assustar e fazê-los voar, Rodion certamente se virará.
Silenciosamente, solto o pedaço de concreto. É grande em
minhas mãos, mas gostaria que fosse maior. Rodion é uma besta.
Eu só vou ter uma chance de derrubá-lo.

Ele está deitado de bruços agora, olhando através da mira


do rifle. Ele está olhando para o outro lado da estrada, até o
hospital. É muito longe para eu ver, mas posso apenas imaginar
Nero Gallo deitado em sua cama, pálido e imóvel. Talvez com
Camille bem ao lado dele.

Ela pode estar segurando a mão dele. Totalmente


inconsciente de que a qualquer momento a cabeça de seu amante
poderia desaparecer em uma névoa de sangue.

Eu me aproximo cada vez mais da estrutura maciça de


Rodion. É a pior versão possível de Red Light, Green Light28. A
qualquer momento meu sapato pode esmagar uma pedra ou um
pedaço de vidro quebrado e Rodion pode se virar.

Felizmente, ele está imerso em ajustar o cano, verificando a


visão novamente e enrolando o dedo em torno do gatilho.

Estou tão perto que posso sentir o cheiro rançoso de


cigarros em suas roupas e sua odiosa colônia. Eu agarro o

28Uma brincadeira jogada por crianças, em que uma criança fica a poucos metros de distância dos outros
jogadores, e de costas para eles. Os outros jogadores tentam se aproximar dessa criança, mas só podem
avançar quando a criança disser “Green Light” (luz verde) e devem parar de avançar quando ela disser
“Red Light” (luz vermelha) e se virar rapidamente para tentar ver quem ainda está se movendo. Se a
criança ver alguém se movendo, ela tem que voltar ao início novamente. O vencedor é o primeiro jogar a
alcançar a criança sem ser visto a mover-se.
concreto com força com as duas mãos, levantando-o,
preparando-me para derrubá-lo na parte de trás de seu crânio.

Naquele momento, um dos pombos decola do telhado com


uma explosão de asas percussiva. Talvez algo o tenha assustado.
Talvez só quisesse me ver morta.

A cabeça de Rodion gira. Ele me fixa com seu olhar inchado


e injetado de sangue. Tento bater em sua cabeça de qualquer
maneira, mas ele rola para longe de mim, e o concreto só o acerta
com um golpe de raspão no ombro. Nem perto do suficiente para
incapacitá-lo. Enquanto isso, estou desequilibrada com a força
do meu golpe.

Eu tropeço, tentando agarrar o rifle de atirador. Pensando


que talvez eu possa atirar nele à queima-roupa. A arma é mais
pesada do que eu esperava, volumosa e desajeitada. Rodion
saltou de pé. Ele facilmente a arranca das minhas mãos, puxando
com tanta força que quase quebra meus dedos.

Em vez de apontar a arma para mim, ele a joga de lado. Sua


boca está ligeiramente aberta, mostrando o vazio escuro por
dentro. Ele não está fazendo nenhum som, mas pelo formato de
seus lábios, quase parece que está rindo.

Ele circula ao meu redor, meio agachado, desafiando-me a


fazer um movimento.
Eu sei que estou condenada. Rodion é maior do que eu e
mais forte. Ele sabe como lutar – eu não. Ele dribla para mim.
Quando eu tropeço para trás, tentando me afastar dele, sua boca
se abre novamente e ele faz um som de bufado baixo que tenho
certeza de que é sua versão de riso.

Seus olhos escuros estão brilhando, e seu rosto redondo e


feio está vermelho do sol e do esforço de escalar até aqui. Ele
levanta uma grande mão cheia de cicatrizes, acenando para mim,
desafiando-me a atacá-lo.

Em vez disso, mergulho para pegar o pedaço de concreto


que caiu e o agarro. Eu jogo nele o mais forte que posso, tentando
quebrar seus dentes. Ele rebate com facilidade e depois vem para
cima de mim.

Consigo deslizar seus braços por um centímetro, mas ele


agarra meu rabo de cavalo e me puxa de volta. Eu o bato no rosto
o mais forte que posso. É como socar um saco de areia. Ele mal
parece registrar o golpe. Em vez disso, seus olhos de porco
brilhando, ele puxa um punho para trás e me dá um soco no
ombro, bem onde eu fui baleada.

Ele nem me atingiu com força total, mas a dor é explosiva,


cegante. Eu desabo no chão, ofegante, minha mão direita presa
sobre o local que se tornou uma bola em chamas de agonia. Senti
os pontos rasgarem e tenho certeza de que estou sangrando de
novo.
Rodion me agarra pela garganta e me puxa para cima
novamente. Ele está me levantando do chão, os tênis muito
pequenos de Aida balançando enquanto eu chuto impotente.
Rodion começa a me carregar em direção à beirada.

É o meu pior pesadelo: ele vai me jogar do telhado e não há


nada que eu possa fazer para impedi-lo. Vou sentir as mãos dele
se soltarem, vou me sentir flutuando sem peso no ar, depois
correndo com uma força nauseante em direção ao concreto
implacável.

Talvez seja por isso que sempre tive tanto medo de altura.

Uma parte do meu cérebro olhou para o futuro e viu que é


assim que eu morro.

Estou agarrando seus braços, chutando e me contorcendo,


mas sua mão está bloqueada em volta da minha garganta. Minha
visão já está embaçada, minha cabeça ficando tonta e leve.

Eu olho em seus olhos frios e mortos e me pergunto se há


algo que eu poderia fazer para fazê-lo parar.

Eu paro de arranhar seus braços. Em vez disso, levo minha


mão direita ao rosto. Eu levanto meus dois primeiros dedos e os
toco na minha testa em um movimento quase como uma
saudação.

É um dos sinais de Rodion – aquele que ele usa para se


referir ao meu pai.
Nunca usei seus sinais antes. Nem mesmo admiti que os
conhecia.

Posso ver a surpresa em seus olhos.

Ele hesita e eu faço o sinal novamente, como se tivesse uma


mensagem para ele. Uma mensagem do meu pai.

Ele me abaixa lentamente, relaxando seu aperto na minha


garganta para que eu possa falar.

— Meu pai diz... — Eu resmungo e dou uma tossida fingida,


ganhando tempo.

No momento em que meus pés tocam o chão, eu salto para


frente e alcanço suas costas. Minhas mãos se fecham em torno
da alça da Beretta enfiada no cós da calça dele. Eu a puxo para
fora e me jogo para trás, enquanto o punho de Rodion vem
balançando ao redor de um centímetro na frente do meu nariz.

Eu manuseio a trava de segurança e aponto a arma bem em


seu peito. Eu atiro nele três vezes em rápida sucessão, os buracos
de bala desaparecendo na extensão sem traços de sua camiseta
preta.

Rodion mal dá um pulo. Por um momento, acho que ele


realmente é invencível. Acho que ele vai continuar vindo para
mim como o Exterminador.
Então eu atiro nele mais duas vezes. Desta vez, ele
cambaleia para trás, a parte de trás dos joelhos encontrando a
barreira de concreto. Ele tem o peso superior, seu vasto corpo
concentrado em seu peito e ombros. Ele tomba para trás, caindo
do telhado na calçada abaixo.

Ainda estou segurando a arma com as duas mãos,


apontando-a para o lugar onde ele estava um momento antes.

Eu tenho que me forçar a abaixá-la, minha respiração


irregular e quase histérica.

Não gosto de estar neste telhado. Nem um pouco, porra.

Tenho que rastejar de volta para a escada de incêndio,


porque estou muito fraca para andar.

Descer é quase a pior parte de tudo. Estou tremendo tanto


que a frágil estrutura de metal não para de chacoalhar embaixo
de mim. Fico pensando que, se olhar para baixo, verei Rodion
esperando lá embaixo, ensanguentado e mancando, mas ainda
de alguma forma vivo, como um monstro de filme de terror.

Não consegui me forçar a olhar por cima da barreira de


concreto para ver seu corpo quebrado na rua. Eu ouvi o barulho
de pneus, porém, e os gritos das pessoas que o viram pousar.

Ainda posso ouvir gritos quando finalmente desço da escada


de incêndio. Uma sirene soa, distante e se aproximando.
Eu corro de volta para o BMW de Enzo, meus joelhos
tremendo embaixo de mim.

Eu fiz isso. Salvei Nero.

Mas não tenho ideia de para onde Adrian foi.


Eu me encontro com Mikolaj para que ele possa traduzir as
mensagens de texto que chegam ao telefone de Vale. Ele lê tanto
russo quanto polonês, e as examina rapidamente, com um leve
sorriso nos lábios.

— Eles estão enlouquecendo, — diz ele. — Gritando com


Vale para atender seu telefone. Então eles pararam de enviar
mensagens de texto – devem ter percebido que ele está morto.

— Eles disseram algo útil primeiro?

— Disseram para ele ir à Bond Street, — diz Miko, erguendo


uma sobrancelha pálida. — O que há na Bond Street?

— Um esconderijo de armas, provavelmente. Presumo que


eles planejem retaliar atacando o desenvolvimento de South
Shore.

— Devemos ir para South Shore, então? — Miko diz.


— Não se pudermos pegá-los na Bond Street, — eu digo.

Passaram-se apenas quinze minutos desde a última


mensagem. Acho que há uma boa chance de que ainda estejam
se armando e prefiro levar a luta para o depósito, não para o bem
mais caro da minha família.

Com certeza, quando dirigimos para Bond Street, vemos


dois SUVs pretos estacionados na frente de um prédio de tijolos
encardido.

— Você quer esperar que eles saiam? — Eu digo a Mikolaj.

Ele balança a cabeça. — Então eles estarão totalmente


presos.

— Eles já podem estar equipados lá.

— Com armas, talvez, — diz Miko. — Não com estes.

Ele abre o porta-malas de seu Range Rover e remexe ao


redor. Depois de um momento, ele puxa uma máscara de gás e
joga para mim.

Eu sorrio, deslizando a proteção facial sobre a minha


cabeça. Mikolaj puxa a sua também. Ele parece assustador o
suficiente em circunstâncias normais, quanto mais com seus
olhos azul-gelo espiando através de um vidro colorido, a metade
inferior de seu rosto magro coberto por filtros duplos como se ele
fosse algum tipo de médico da peste apocalíptica.
Ele passa mais duas máscaras para seus dois braterstwo.

— Quanto a mim? — Diz um soldado alto de cabelos


escuros. Se bem me lembro, seu nome é Marcel.

— Prenda a respiração, — diz Miko. — Isso é tudo que eu


tenho.

— Eu vou entrar, você cobre a porta dos fundos, — diz seu


camarada, deslizando a própria máscara sobre a cabeça.

Os dois braterstwo de Mikolaj dão a volta na parte de trás


do armazém, enquanto ele e eu nos aproximamos da frente.

— Pronto? — Ele diz.

Eu concordo.

Inclinando o braço para trás, ele puxa o pino do primeiro


cilindro de gás lacrimogêneo e o arremessa pela janela mais
próxima. O cilindro navega em um arco perfeito, quebrando o
vidro e caindo por dentro. Jogo o meu pela janela do lado oposto
da porta.

Posso ouvir o chiado do gás, depois gritos assustados e


correria. Tarde demais – os gritos se transformam em tosses
carregadas e o som latido de vômito. Um dos Bratva perde
totalmente a cabeça, atirando-se às cegas na fumaça.

Os homens de Yenin correm para fora das portas por todos


os lados, tossindo e tropeçando. É brincadeira de criança
capturá-los. Eu estava procurando por Rodion, mas em vez disso,
localizo a inconfundível cabeça loira de Adrian Yenin. Seu rosto
pálido está vermelho, os olhos injetados de sangue e
lacrimejando. Ele tenta lutar contra mim de qualquer maneira,
até que Mikolaj chuta suas pernas, agarrando um punhado de
cabelo e jogando sua cabeça para trás para que ele possa segurar
uma faca em sua garganta.

— Entre na porra do carro, — Miko sibila.

Em termos de reféns, este é um prêmio melhor do que


Rodion, que eu teria matado à primeira vista.

Eu ligo para Yenin no telefone de Vale.

Toca várias vezes antes de ele atender.

— Presumo que não estou recebendo uma ligação de um


cadáver, — diz ele.

— Ainda não, — eu respondo. — Eu tenho seu filho.

Há silêncio do outro lado da linha enquanto Yenin considera


isso.

— Suponho que você queira que eu me entregue, — diz ele,


preguiçosamente.

— Não, — eu falo. — Eu acho que te conheço melhor agora.


Eu só quero me encontrar. Cara a cara.
Mais silêncio. Então Yenin disse: — Você conhece a Pradaria
Midewin?

— Sim, — eu digo.

— Venha em duas horas. É privada, silenciosa – totalmente


aberta, sem cobertura, então nós dois podemos ter um certo nível
de... confiança. Você traz seus homens. Eu vou trazer os meus.
Teremos uma conversa. Ou, se você estiver determinado... algo
menos civilizado.

Ele desliga o telefone sem nem mesmo perguntar sobre o


estado do filho.

Olho para Adrian, amarrado no banco de trás.

— Eu não acho que ele se importe em ter você de volta vivo,


— eu digo.

Adrian me encara furiosamente, incapaz de falar por causa


da mordaça em sua boca.

Seus olhos são muito parecidos com os de Yelena. Sinto-me


culpado por tê-los fixados em mim, então me viro de novo.

Mikolaj está me observando, ainda usando a máscara de gás


porque o gás lacrimogêneo impregnou as roupas de Adrian e
ainda está sugando o carro. Está queimando meus olhos.

Ele está verificando se sou estúpido o suficiente para


acreditar em Yenin.
Eu fui antes. Mas por mais idiota que eu possa ter sido, pelo
menos aprendo rápido.

— Engraçado que ele queria se encontrar em duas horas, —


eu digo. — Todo o caminho até lá.

— Sim, — grunhe Mikolaj. — Parece muito com uma


distração.

Pego meu próprio telefone e ligo para Greta. Ela responde


quase imediatamente, parecendo um pouco agitada. Não me
preocupo em perguntar qual é o problema.

— Pegue Yelena, — digo a ela. — E saia de casa. Vá para a


casa segura em...

Ela me interrompe. — Yelena não está aqui. Ela escapou da


cela. Ela se foi.

Lanço um olhar rápido para Adrian, então pressiono o


telefone mais perto do meu ouvido.

— Como isso aconteceu? — Eu assobio.

— Havia um adesivo no... deixa pra lá, — ela diz. — Não


importa como aconteceu. Foi ridículo prendê-la em primeiro
lugar! Agora ela está...

Não tenho tempo para ouvir a repreensão de Greta.


— Não importa, — eu grito. — Saia de casa agora. Não pare
para fazer as malas. Apenas saia. Você me promete, Greta?

— Sim, — diz ela, parecendo um pouco assustada.

— Vá para a casa segura e fique lá até eu ligar para você de


novo.

— Você deveria ir lá pessoalmente! — Greta chora.

— Eu vou, — eu digo a ela. — Para pegar você mais tarde.


Depois que isso for feito.

Ela faz um som irritado que mostra exatamente o que ela


pensa dessa promessa.

Desligo o telefone.

Miko ainda está me observando.

— Acho que não vamos para a pradaria.

— Não, — eu digo. — Yenin quer destruir minha família, da


raiz à folha. Ele quer nos envergonhar e nos dizimar. E acima de
tudo, ele quer nos machucar. Vivemos naquela casa há cem anos.
Mais do que nossos negócios ou propriedades, ele quer destruir
nossa casa.

— Tem certeza? — Miko diz.

Eu encolho os ombros.
— Não. Mas se quisermos atraí-lo... essa pode ser a isca
perfeita.
Não tenho ideia de como encontrar meu irmão. Não tenho
ideia de como encontrar Sebastian.

Mas há uma pessoa que posso localizar facilmente: Aida


Gallo.

Acho que devo chamá-la de Aida Griffin agora.

Pelo que Sebastian me disse, ela raramente sai do lado do


marido.

E Callum Griffin passa a maior parte do tempo no centro,


no seu escritório de vereador.

Então é para lá que eu vou, dirigindo o BMW de Enzo Gallo.


Estaciono a alguns quarteirões da City Hall29, não querendo que
Aida tenha o choque desagradável de ver o carro de seu pai
estacionado na frente.

29 Prefeitura, câmara municipal.


Sebastian me contou que Aida trabalha meio período no
escritório de Callum, ostensivamente como sua assistente, mas
na verdade negociando alguns de seus negócios mais
importantes por meio de suas conexões com outras famílias
italianas influentes.

Espero encontrá-la lá dentro, provavelmente vestida com


roupas elegantes de negócios, como ela usou no leilão de
caridade. Então, quase não presto atenção a uma mulher
empurrando um carrinho de bebê chique até os degraus da City
Hall. Eu quase esbarro nela na minha pressa.

— Oh! Desculpe! — Eu digo.

A mulher me olha de cima a baixo com uma expressão


perplexa. — Essa camisa é minha?

— Oh meu Deus, Aida!

— Em carne e osso, — ela diz. — Eu me perguntei onde você


foi... Sebastian estava sendo estranhamente evasivo sobre o
assunto.

— Isso é porque ele me trancou embaixo da garagem.

— Hm. Pervertido, — diz Aida.

É difícil ler sua expressão. Uma gama de emoções parece


passar por aqueles olhos cinzentos, como nuvens de tempestade
fugindo do vento. Ela certamente não tem a mesma alegria sem
limites que presenciei no leilão de encontros. Não há nenhum
indício de sorriso em seus lábios.

— Aida... — Eu digo. — Eu sinto muito pelo seu pai.

Seu queixo treme, mas ela deixa sua expressão clara


novamente com um movimento implacável de sua cabeça.

— Não foi sua culpa, — ela diz.

— Isto... o quê?

— Eu vi você na noite do leilão. A menos que você seja Meryl


Streep... tenho certeza de que você está de pernas para o ar pelo
meu irmão.

Minha boca está aberta. Tudo o que ouvi sobre Aida é que
ela é puro fogo. A última coisa que esperava dela é perdão.

— Eu também sou uma filha da máfia, — diz ela. — Eu sei


quão pouco poder você tem em sua própria vida... até você
arrancá-lo das mãos de um homem.

O bebê no carrinho dá um grito alto e zangado.

Eu olho para ele, assustada com seu choque de cachos


negros e sua expressão furiosa. Seus olhos cinzentos são tão
ferozes quanto os de Aida – surpreendentes em comparação com
seu rosto liso e rechonchudo.

— Ele se parece com você, — eu digo, maravilhada.


— Acho que ele tem um temperamento pior, se é que isso é
possível, — ri Aida. — Pobre Cal.

— Qual o nome dele? — Eu pergunto.

— Miles.

Quando olho para o bebê, sinto uma estranha onda de


emoção. Nunca quis particularmente um filho. Eu me sentia
como se ainda não tivesse vivido minha própria vida. Mas a ideia
de ter um bebê assim, com cachos escuros e macios como os de
Sebastian, e talvez seus olhos castanhos outonais também...

Eu não sabia que você poderia querer algo tão


repentinamente e tão forte.

— Aida, — eu digo com pressa. — Sebastian partiu esta


manhã. Tenho certeza de que ele está em algum tipo de onda de
vingança. Eu não sei onde ele está... mas estou preocupada.

Aida franze a testa, parecendo por um momento tão feroz


quanto seu bebê.

— Desde minha última conversa com Sebastian, eu tinha a


impressão de que ele iria se acalmar para que Nero pudesse se
recuperar e nós pudéssemos enterrar meu pai... então, nós
reavaliaríamos.

Eu balanço minha cabeça desamparadamente.

— Não acho que seja isso que ele está fazendo, — digo.
Aida tira o telefone da bolsa e digita um número –
provavelmente o de Sebastian. Ela espera, o telefone tocando
várias vezes. Então, quando ela está para desligar, alguém
atende.

— Não é um bom momento agora, Aida.

Eu fico mole de alívio. Mal posso ouvir as palavras, já que


Aida não tem a chamada no viva-voz, mas eu reconheceria a voz
de Seb em qualquer lugar. Ele está vivo e parece em condições
relativamente boas.

— Oh, não é? — Aida diz, bruscamente. — Isso é porque


você está tentando lançar uma guerra em grande escala por conta
própria?

Uma pausa, então Sebastian diz, — Eu estou cuidando


disso. E não estou sozinho – Miko está comigo.

— Por que você não me ligou?

Seb suspira. — Você está prestes a ser a primeira-dama da


cidade. Isso foi o meu erro. Eu é que vou limpar isso.

Meu estômago embrulha. O acordo com meu pai foi o erro?


Ou foi apenas... eu?

— Onde você está? — Aida exige.


— Estou em casa, — diz Sebastian. — Mas não venha aqui,
Aida. Se você quiser ajudar, vá cuidar do Nero. Ele vai fazer outra
cirurgia esta noite, você poderia dar um tempo a Camille...

— Seb, eu não...

— Eu tenho que ir, — ele interrompe. E ele termina a


ligação.

— Maldição, — sibila Aida, colocando o telefone de volta na


bolsa.

— Ele está em casa? — Eu digo, certificando-me de que ouvi


direito.

— Sim, — Aida concorda.

— É para onde estou indo, então, — digo, virando-me para


sair.

— Espere, — diz Aida. — Vamos pegar Cal também.

Sinto-me tensa e ansiosa, querendo voltar para Sebastian o


mais rápido possível, mas vejo a utilidade de ter Callum Griffin
conosco também. Mesmo que ele esteja de olho na prefeitura, ele
ainda é o herdeiro da máfia irlandesa. Ele não é um político
empurrador de lápis. Ele é uma força a ser reconhecida.

À medida que escalamos os degraus para a prefeitura,


levanto a frente do carrinho para que Aida possa trazer Miles sem
dar a volta na rampa para cadeiras de rodas.
Várias pessoas acenam com a cabeça ou acenam para Aida,
obviamente reconhecendo-a. Eu geralmente fico olhando de lado,
porque enquanto ela está vestida com um terninho chique, eu
ainda estou usando o Converse esfarrapado, calça de pijama e
uma camiseta rasgada do Van Halen. Para piorar a situação, meu
ombro está sangrando novamente e está encharcando a
bandagem, manchando a frente da camisa.

— Sabe, esses sapatos salvaram minha vida uma vez, — diz


Aida, enigmaticamente. — Ou, pelo menos, um deles fez...

— Eles devem ter sorte, então, — eu digo. — Eu tive um


grande arranhão hoje.

— Sorte, — diz Aida. — Mas não do seu tamanho.

Estou mancando, meus dedos do pé esmagados e


pressionados contra a frente do sapato.

— Eu uso tamanho quarenta, — eu admito.

— Trinta e oito, — diz Aida.

Chegamos ao escritório de Callum. Seguro a porta para Aida


para que ela possa empurrar o carrinho. A recepcionista salta
dizendo: — Boa tarde, Sra. Griffin! O vereador acabou de voltar,
ele está bem aí...

Ela para de falar, avistando-me. É uma prova de seu


treinamento que ela só fez uma cara de perplexa por um
momento, antes de perguntar: — Posso pegar uma garrafa de
água para qualquer uma de vocês?

— Sim, por favor, — eu digo, ansiosamente.

Após um choque de adrenalina, você fica com muita sede.


Minha boca está seca como poeira.

A secretária correu para pegar a água.

Enquanto isso, Callum Griffin já está saindo de seu


escritório, depois de ouvir a voz de Aida.

Ele é alto, vestido com um terno escuro austero, seu cabelo


castanho meticulosamente penteado e seus olhos azuis frios
observando a situação de relance. Ele não mostra surpresa ao me
ver – apenas uma varredura rápida e analítica de seus olhos e,
em seguida, o rápido tique-taque de seu cérebro enquanto junta
as peças na velocidade da luz.

A única emoção que ele trai é um lampejo de prazer ao ver


sua esposa e filho. Ele se curva para beijar Aida na bochecha,
então olha para Miles no carrinho, sua mandíbula tensa de
orgulho.

— Como ele está hoje? — Pergunta à Aida.

— Um anjo, é claro, — diz Aida.

Callum bufa, não acreditando nisso por um segundo.


— Bem, ele não está gritando agora, então isso é alguma
coisa.

— Ele gosta de sair de casa.

— Parece que outra pessoa saiu de casa também, — Callum


diz, levantando uma sobrancelha para a minha roupa. — Yelena
Yenina, eu presumo. Fugiu recentemente de seu marido?

— Mais ou menos, — eu digo. Posso sentir meu rosto


enrubescer sob seu olhar frio e direto. — Eu não estou tentando
fugir – na verdade, eu quero voltar. Acho que Sebastian precisa
de nossa ajuda...

— Nossa ajuda? — Callum diz, seu tom ainda mais gelado.

— Seb está enfrentando os russos, — diz Aida.

— Sem muito plano, parece.

Aida o olha nos olhos, o corpo tenso. — Cal, — ela diz,


calmamente. — Eles mataram meu pai.

— Eu sei disso, — diz ele. — E eu faria qualquer coisa –


QUALQUER COISA – para trazê-lo de volta para você, Aida. Mas
isso não é possível. Yenin quer um banho de sangue. Sebastian
parece determinado a dar a ele.

Ele faz uma pausa, olhando para sua esposa. Agora posso
ver que Callum não é tão impassível quanto pensei. Na verdade,
está claro que vários impulsos estão lutando dentro dele, todos
ao mesmo tempo: sua raiva por essa situação. Seu desejo de dar
à sua esposa o que ela deseja. E seu medo do que acontecerá se
ele fizer isso.

— Olha, Aida, — diz ele, sua voz surpreendentemente gentil.


— Dante pode estar certo. A vingança é para pessoas que só
precisam considerar a si mesmas.

Ele lança um olhar significativo para Miles, que parece


alheio à tensão na sala – ele finalmente parou de estar
carrancudo e adormeceu no carrinho.

Aida morde o lábio, dividida entre sua lealdade a quatro


homens diferentes: seu marido e filho de um lado, e seu pai e
irmão do outro.

Por um momento, acho que ela vai concordar com o marido.


Então ela balança a cabeça com força.

— Não podemos deixar Seb sozinho nisso, — ela diz. — Você


deve a ele Callum, você sabe que sim. E eu também. A noite que
nos reuniu o fodeu. Ele nunca me culpou. Ele nunca reclamou.
E, além disso Cal, Alexei Yenin é um psicopata do caralho – sem
ofensa, Yelena. Ele está vindo atrás de todos nós. Se vamos entrar
na Segunda Guerra Mundial, vamos fazê-lo agora, e não depois
de Pearl Harbor.

Callum franze a testa. — Não use o History Channel contra


mim, Aida.
— CAL!

— Tudo bem, tudo bem! — Ele levanta as mãos. — Nós o


ajudaremos. Mas temos que levar Miles para a casa dos meus
pais...

— Obviamente.

— E você vai usar um colete. E vamos levar homens


conosco.

— Razoável, — diz Aida, tentando esconder o fato de que ele


concordou mais rapidamente do que ela esperava. Ela tem a
aparência de alguém que tinha cerca de mais oito argumentos
prontos para ir se o primeiro falhasse.

A secretária volta apressada para a sala, carregando várias


garrafas diferentes de água.

— Desculpe! — Ela ofega. — Nós só tínhamos espumante na


geladeira, então eu corri pelo corredor para pegar um pouco de
Evian30 também...

— Obrigada, — eu digo, pegando uma garrafa de seus


braços sobrecarregados. — Vou levá-la.

30 É uma marca de água mineral de várias fontes perto de Évian-les-Bains, uma cidade na França.
Estou na sala de música. Desde que minha mãe morreu,
este tem sido o santuário de nossa casa. A capela, o espaço mais
sagrado. Mas, como aprendi na Igreja Ortodoxa Russa, os
espaços sagrados não significam muito.

A última vez que vim aqui foi com Yelena.

Agora eu tenho o irmão dela amarrado a uma cadeira no


centro da sala.

Alguns dias atrás, ele oficializou meu casamento. Ele


colocou o anel no meu dedo, planejando colocar uma bala na
minha cabeça apenas alguns minutos depois.

A vida é infinitamente surpreendente. Para todos nós.

Não me preocupei em amordaçar Adrian. Eu não me


importo se ele quer falar. Não vai mudar nada.
Ele tem estado teimosamente silencioso, observando-me
com aqueles olhos violeta que são tão perturbadoramente
semelhantes aos de sua irmã.

Quando a luz começa a diminuir na sala, sua pele parece


pálida e descolorida, como se ele já estivesse morto. Ele está
imóvel como um cadáver. Apenas seus olhos se movem, enquanto
ele segue meu progresso para frente e para trás pela sala.

A janela de duas horas em que eu deveria encontrar seu pai


na pradaria quase passou. Yenin não ligou ou mandou
mensagem para o telefone de Vale. Eu não espero que ele faça.
Não acredito por um segundo que ele está dirigindo para fora da
cidade agora. Na verdade, acho que a qualquer momento Mikolaj
vai me ligar para dizer que o carro blindado de Yenin está
descendo a minha rua.

Não estou realmente pensando em Yenin, no entanto.

É Yelena quem está em minha mente.

Para onde ela foi, quando saiu da minha casa? Por que ela
correu? Ela pensou que eu iria machucá-la?

Ela se entregou a mim ontem à noite, total e completamente.


Acho que foi tão catártico para ela quanto para mim.

Mas talvez ela tenha mudado de ideia esta manhã.

Ou talvez ela tenha pensado que eu mudei.


Eu deveria ter falado com ela antes de sair.

O problema é esse dilema impossível que nem ela nem eu


fomos capazes de navegar com sucesso. A sobrevivência de cada
uma de nossas famílias depende da destruição das pessoas que
o outro ama. Nenhuma conversa pode mudar isso. E quanto mais
tempo passo ao lado de Yelena, mais não aguento fazer o que
precisa ser feito.

Eu gostaria de ter fugido com ela no dia em que a conheci.

Em um jogo de vencedores e perdedores, o único final feliz


era não jogar.

Estou olhando pela janela, para o céu lavado com os últimos


reflexos do pôr-do-sol. Ainda não há estrelas.

Talvez Adrian saiba para onde Yelena foi. Ele não vai me
dizer se o fizer.

Sua voz me assusta, falando depois de tantas horas de


silêncio.

— Você subestima meu pai, — ele diz.

Eu olho para ele, considerando esta declaração.

— Acho que não, — digo, por fim.


— Ele é brilhante, — diz Adrian. — E implacável. Ele é uma
força da natureza. Qualquer um que tentou ficar diante dele foi
varrido.

— É por isso que você traiu Yelena por ele? — Eu pergunto


a Adrian, friamente.

Seu rosto fica vermelho, e posso ver seus braços lutando


contra a corda que prende seus pulsos.

— Yelena nos deu as costas, — ele diz, friamente. — Ela


provou ser exatamente o que meu pai sempre disse que ela era –
uma mulher, com uma fraqueza de mulher.

— Você e seu pai têm a arrogância de um homem.

— O fim do jogo dirá se foi arrogância ou precisão, — diz


Adrian.

Seu uso das palavras “fim de jogo” me choca.

— Você joga xadrez? — Pergunto-lhe.

— Claro que sim, — ele diz, friamente. — Todos os melhores


mestres são russos.

Uma declaração ridícula – eu poderia perguntar a ele: — E


quanto a Jose Raul Capablanca ou Magnus Carlsen? — Mas essa
é uma discussão que teríamos se nos sentássemos frente a frente
nesta sala como cunhados. Não como inimigos amargos.
Em outra vida, poderíamos ter sido amigos. Yelena me disse
que Adrian também é um atleta – que fazia boxe, esgrima e
ginástica na escola, que gosta de correr e nadar. Ela me contou
sobre seu humor e sua bondade para com ela.

Não vejo nada disso em seu rosto agora. Apenas ódio e o


desejo ardente de terminar a tarefa que ele falhou em completar
na catedral ortodoxa.

— Esta casa é uma merda, — diz Adrian. — E seu pai estava


meio senil. Fizemos um favor a você matando-o.

Ele está tentando me fazer perder a cabeça. Talvez porque


ele não queira ser usado como isca contra o pai. Talvez ele pense
que eu sou estúpido o suficiente para desamarrá-lo para que eu
possa bater melhor nele.

O que ele não percebe é que toda a minha emoção selvagem


foi queimada. Finalmente estou seguindo o conselho de meu pai
– a última peça que ele me deu.

Jogue o jogo final como uma máquina.

Agora sou um androide de merda. Nada vai me desviar do


meu curso. Rodion morre. Yenin morre. Adrian morre. Não
haverá pontas soltas neste momento. Sem perdão. Nenhum
inimigo vivo para se vingar de mim e de minha família.
O ambiente está quase totalmente escuro agora. Adrian
parece nervoso por eu nem mesmo ter respondido à sua
provocação.

— Eu me pergunto se você vai sentir tristeza quando eu


matar seu pai na sua frente, — digo a ele. — Eu senti, quando
você atirou no rosto do Papa. Meu pai era um bom homem e me
amava. Eu não acho que você pode dizer o mesmo. Você pode se
surpreender com o alívio que toma conta de você. Se você estiver
vivo para ver isso acontecer.

Adrian parece assustado, e isso o faz parecer jovem.

Uma semente de simpatia tenta brotar dentro de mim. Eu


esmaguei de uma vez.

Meu telefone vibra no bolso com uma mensagem de texto de


Mikolaj:

ELES ESTÃO VINDO.

Volto para a janela para ver os três SUVs pretos descendo a


Meyer Avenue, com o carro blindado de Yenin no centro do grupo.

A sala de música da minha mãe é uma das únicas salas da


casa que fica de frente para a rua, sem ser obscurecida pelos
enormes carvalhos e olmos que se aglomeram ao redor da casa.

Eu fico na frente da janela de vidro colorido que vai do chão


ao teto, quase da mesma altura que minha estrutura de 2,04m.
Agora sou eu quem pega o telefone de Vale e disca.

Depois de um momento, Yenin responde. Na verdade, ele


não fala – apenas atende à ligação, ouvindo em silêncio.

— Devo ter uma memória terrível, — digo, — porque pensei


que íamos nos encontrar em Midewin.

Dois dos SUVs estão parando no meio-fio. Eu vejo os


homens de Yenin pularem, vestidos com roupas escuras, seus
rostos cobertos por máscaras de Halloween. Vejo um Michael
Meyers31, um Slenderman32, um Jigsaw33 e um Scarecrow34. Em
suas mãos, eles agarram objetos escuros e cilíndricos que eu
reconheço muito bem. Eu suspiro, sabendo o que vem a seguir.

— Eu não faria isso, — digo a Yenin.

Com isso, eu acendo a lâmpada ao lado da janela,


iluminando a sala em que estou. Não consigo ver Yenin dentro do
carro, mas sei que a luz vai atrair seus olhos para a minha janela.
Ele vai me ver parado ali.

Com três passadas rápidas, pego as costas da cadeira de


Adrian e o arrasto até a janela. Agora é o filho de Yenin que está

31 Personagem fictício do filme de terror Halloween.


32 É um personagem fictício sobrenatural que se originou como um meme na internet.
33Personagem fictício do filme Jogos Mortais, é o vilão que possui as bochechas marcadas de vermelho e
a pele toda pintada de branco.
34 Espantalho.
recortado na frente do vidro, enquanto eu fico ao lado da moldura
da janela, protegido de qualquer tiroteio.

— Estou com o seu filho, — digo a ele. — Sua filha também.


— Essa parte é mentira, mas duvido que Yenin saiba disso. Onde
quer que Yelena possa ter ido, não é de volta para seu pai. —
Você vai sacrificar os dois para se vingar?

— Tenho apenas sessenta anos, — diz Yenin, com uma


calma arrepiante. — Eu posso fazer mais.

Respondendo ao seu sinal invisível, seus homens correm


para minha casa. Não vejo a estrutura maciça de Rodion entre
eles, mas ele deve estar aqui, talvez no carro blindado de Yenin.
Não há como Yenin vir para a última dança sem seu principal
tenente.

Eu fico perto da janela, observando.

Como eu esperava... exatamente como eu presumi... Yenin


saiu de seu carro blindado. Ele não consegue se conter. Ele tem
que assistir ao culminar de seus esforços. Não através do vidro –
ao ar livre. Desprotegido.

Há pelo menos uma dúzia de soldados, mascarados e


armados. Eles arrombam a porta da frente e jogam suas
granadas incendiárias lá dentro. Eu ouço um estrondo
ensurdecedor, e a casa inteira treme em sua estrutura antiga.
Estou usando um colete Kevlar, mas isso não vai adiantar
muito contra granadas ou o colapso de toda a estrutura. Eu
imediatamente começo a correr em direção aos fundos da casa.

— ESPERA! — Adrian grita atrás de mim.

Eu nem mesmo olho para ele. Quando a próxima granada


detona, ouço a cadeira de Adrian tombar atrás de mim.

Corro para a escada dos fundos. Em vez de descer, vou subir


– até o telhado. Passei as últimas horas na casa de minha família,
no santuário de minha mãe. Agora vou para o do meu pai.

Corro pelo convés, sob a pérgula carregada de uvas tão


maduras que quase se transformam em vinho nas vinhas. Vejo a
cadeira favorita de meu pai, ao lado da mesinha onde sempre
montamos seu tabuleiro de xadrez. Seu cobertor de lã gasto ainda
está cuidadosamente dobrado na almofada do assento.

A fumaça já sobe das janelas abaixo. A casa range e geme


enquanto a madeira antiga sucumbe ao imenso calor do fogo.

Eu ouço tiros estourando em todos os lados abaixo de mim.


Mikolaj e seus homens estão atacando os soldados de Yenin,
aproximando-se de duas direções, auxiliados por Bosco Bianchi
Antonio Marino, Stefano, Zio e Tappo.

Ainda assim, estamos em menor número, então tenho que


descer lá. Esta batalha tem que ser rápida e decisiva, antes que
a polícia chegue. Yenin não vai fugir de mim neste momento.
Chegando ao canto do pátio, pego os galhos do antigo
carvalho que cresce bem ao lado da casa. Vivi aqui toda a minha
vida – conheço uma dúzia de lugares diferentes onde posso
descer sem ser visto.

Eu espero em um dos galhos mais baixos, olhando para


baixo, até que vejo um homem com uma máscara Pennywise35.
Ele está com seu AK em seu ombro, mirando em um dos homens
de Miko. Eu caio em cima dele, ouvindo seu grito abafado de dor
através da máscara de borracha quando sua perna quebra
embaixo dele.

Puxo minha Glock e atiro duas vezes no peito dele. Ele para
de gemer.

A casa da minha família está pegando fogo como uma caixa


de papel. Tudo está queimando – as fotos de meus bisavós em
suas molduras empoeiradas. Os pôsteres nas paredes do meu
quarto. O piano da minha mãe.

Eu nunca teria deixado isso acontecer se meu pai ainda


estivesse vivo – isso o teria matado. Mas, como Yenin, estou
disposto a perder algo que amo para obter minha vingança.
Sacrifiquei uma peça que tinha grande valor para mim, para
atraí-lo para fora do carro.

35 É um personagem, o palhaço do filme It – A Coisa.


E agora posso vê-lo, parado do outro lado da rua, os braços
cruzados sobre o peito largo, o cabelo grisalho solto sobre os
ombros, o rosto enrugado iluminado pela luz do fogo.

Ao longe, ouço o lamento das sirenes. Tenho minutos para


matá-lo. Apenas alguns minutos.

Quando começo a correr em direção a ele, algo explode


dentro da casa. Sou jogado de lado pela força da explosão,
pedaços de vidro com chumbo cortando o lado direito do meu
rosto e corpo. O calor do inferno é tão intenso que a luta é dirigida
para a rua. Olhando para cima, vejo Mikolaj atirar em Jigsaw no
rosto, em seguida, puxar uma faca de seu cinto para que ele
possa cortar Slenderman uma, duas, três vezes na barriga, no
peito e na garganta.

Mikolaj se move com velocidade e graça chocantes. Ele


próprio é como um dançarino – um análogo cruel e letal de sua
esposa. Em menos de um segundo ele agarrou Michael Meyers
pelos cabelos e cortou sua garganta também.

É quase como ter o Nero comigo. Nero sempre prefere facas


a armas.

Mas não tenho tempo para apreciar nada disso. Estou


obcecado apenas por uma coisa: a figura grisalha do meu inimigo
do outro lado da rua. Brilhando na luz da chama refletida como
o próprio Diabo.
Eu me empurro para cima da grama e corro em direção a
ele, Glock ainda na minha mão.

Yenin manteve dois de seus maiores guardas ao seu lado.


Ambos usam máscaras, mas nenhum tem o tamanho para ser
Rodion. Estou desconcertado, perguntando-me onde diabos seu
tenente foi. Não consigo imaginar que Yenin o despachasse para
algo trivial.

Não posso deixar de me preocupar com Yelena. Se Rodion


pudesse escolher para onde ir, seria para encontrar e arrastar
para casa o objeto de sua fixação. Se ele encontrou Yelena... se
ele fodidamente a tocou...

Os guardas de Yenin me veem chegando. Eles já têm suas


armas em punho. O da esquerda tem os reflexos mais rápidos
dos dois – mas não rápido o suficiente. Antes que ele pudesse
apontar para mim, eu atirei no pescoço e no peito. Seu amigo é
um pouco mais bem-sucedido. Ele atira em mim no centro da
massa antes que eu possa acertá-lo entre os olhos. Pena que meu
colete é mais forte do que sua bala.

A porra do impacto dói, porém, e me tira o equilíbrio. Isso


acabou sendo uma coisa boa, porque significa que o chute de
Yenin vai longe, roçando meu bíceps em vez da cabeça.

Não querendo arriscar outro tiro, eu bato nele, derrubando-


o como um jogador de futebol. Solto minha Glock para que eu
possa agarrar a mão dele com a minha arma, batendo seu pulso
repetidamente contra o cimento até que sua Colt deslize para
longe sob seu carro blindado.

Se em algum momento eu realmente subestimasse Yenin,


seria agora, neste momento. Ele é um homem de 60 anos, dez
centímetros mais baixo que eu. Devo ser capaz de jogá-lo na
calçada.

Mas ele tem o tipo de força e estratégia que só pode ser


aprimorada por uma vida inteira de combate. Ele me ataca com
a raiva de um animal e a precisão de um franco-atirador. Ele bate
com a palma da mão no meu nariz e me dá uma cotovelada na
garganta. Então ele vai para seu verdadeiro alvo: meu joelho. Ele
bate com o pé na minha rótula quebrada, bem em seu lugar mais
vulnerável.

É como se eu tivesse viajado no tempo de volta ao píer à


beira do lago há três anos. Minha rótula se quebra mais uma vez,
em uma supernova de dor que limpa todos os sinais que passam
pelos meus nervos. Não consigo me mover ou mesmo respirar.
Tudo o que posso fazer é gritar.

Yenin tenta rolar para longe de mim, seus olhos azuis


brilhando de triunfo. Ele está se levantando, seja para pegar a
arma ou para me chutar no rosto, não tenho ideia. Meu cérebro
confuso de dor decide que ele está tentando fugir e, aconteça o
que acontecer, não vou deixar isso acontecer. Com toda a força
que me resta em mim, eu o agarro pelos joelhos e puxo suas
pernas para fora, fazendo-o cair no chão mais uma vez. Então me
lanço em cima dele, ignorando a agonia estridente enquanto os
pedaços da minha rótula rangem.

Isso não é mais uma luta. É uma briga do caralho. Estamos


dando socos, garras e cabeçadas um no outro, lutando com uma
violência que me faz querer morder e rasgar, arrancar seus dedos
e suas pálpebras, destruir qualquer parte dele que eu possa
alcançar. Eu encontro aqueles odiosos olhos azuis e coloco meus
polegares, tentando cegá-lo.

Esse homem pegou a mão de meu pai em sinal de amizade


e depois estourou o queixo de Papa, então não consegui nem
identificar seu rosto. Ele roubou os últimos anos da vida de meu
pai – nossos últimos jogos de xadrez juntos, as últimas
oportunidades de Papa de segurar seus netos. Yenin nunca terá
a chance de sentir esses prazeres por si mesmo. Ele não consegue
se gabar. Ele não consegue vencer. Vou erradicá-lo da face da
Terra para que ele não sinta mais um momento de satisfação
nunca mais.

Yenin é forte, mas eu sou mais forte. Ele é cruel, mas eu sou
um maldito sádico. Ele está morrendo nas mãos do monstro que
ele fez.

Nossas mãos estão presas na garganta um do outro e ele


está apertando com toda a força. Eu o sufoco com o dobro da
força, até que ouço os ossos de seu pescoço estalando. Meus
dedos cavam em sua carne até que o sangue escorra, e ainda
continuo apertando até que a única luz em seus olhos sejam as
faíscas da minha casa queimando.

Só então eu deixo ir.

E ainda não terminei.

Eu atravesso a estrada, sem me importar com as balas


voando ao meu redor. Estou mancando, apoiando-me
pesadamente na perna boa, arrastando meu joelho gritando atrás
de mim.

Os homens de Mikolaj ainda estão lutando contra os


últimos soldados de Yenin. O fogo está forte e as sirenes estão se
aproximando. Com um barulho de pneus em vidros quebrados,
ouço outro carro estacionar. Alguém grita meu nome.

Eu continuo caminhando.

Não vejo nada além de fogo. Não sinto nada além de raiva.

Isso ainda não acabou – não até que Rodion e Adrian


estejam mortos.

Estou procurando a forma corpulenta do gigante silencioso.


Ou o emaranhado de cabelo loiro-branco do irmão de Yelena.

Quase pisei em Adrian.


Ele está deitado na grama lamacenta e pisoteada no
gramado da frente. Seu cabelo não é mais loiro porque a maior
parte já foi queimada. Todo o lado direito de seu rosto e corpo
está carbonizado. Posso ver os restos fumegantes da corda em
torno de seu pulso esquerdo e um pedaço da cadeira quebrada à
qual ele foi amarrado.

Ele olha para mim, um olho fechado inchado, o outro claro


e tingido daquele tom particular de violeta.

— Por favor... — ele resmunga.

Eu olho em volta no chão. Há um Kalashnikov36 descartado


a dez metros de distância. Eu o pego, mancando de volta para o
meu inimigo mais uma vez.

Eu aponto o cano bem entre seus olhos, meu dedo enrolado


em torno do gatilho.

— SEBASTIAN!!! — Alguém grita.

Não alguém.

Yelena.

Eu reconheceria sua voz em qualquer lugar.

Estou congelado no lugar. Cada impulso do meu cérebro


está gritando para eu matar Adrian, fazer isso agora. Ele atiraria

36 Fuzil também conhecido como AK-47 ou AK.


em mim, se tivesse a chance novamente. Ele atiraria em qualquer
pessoa que eu amo. Ele pode até atirar em Yelena.

Mas assim que Yelena chega perto de mim, meu cérebro não
está no comando. Meu corpo assume o controle. Vira-se para ela,
sem pensamento ou escolha, como uma flor voltando-se para o
sol.

Ela parece suja, frenética, arranhada e espancada.


Manchada de fumaça, em roupas rasgadas e ensanguentadas. E
ainda assim ela é tão bonita que mal posso suportar.

Seus lindos olhos estão fixos no meu rosto, cheios de


lágrimas e suplicantes.

— Por favor, Sebastian, — ela implora. — Por favor, não o


mate... eu estou te implorando. Por favor, não.

A arma ainda está apontada para seu irmão.

Jurei para mim mesmo que não iria parar. Jurei que seria
uma máquina.

Mas meu coração está batendo forte, lutando contra meu


peito em um impulso automático quanto mais perto Yelena chega
de mim.

— Por favor, — ela sussurra.

Eu flexiono meus dedos para ver se ainda tenho o controle


da minha mão.
Eu tenho. Eu poderia atirar em Adrian se quisesse.

Mas eu não quero mais. A visão de Yelena lavou os últimos


resquícios de minha dor. Ela voltou. E não por Adrian – posso ver
isso em seu rosto. Ela está aqui por mim.

Eu deixo cair o rifle no chão.

Com um soluço, Yelena se joga sobre mim, quase me


derrubando. Eu resmungo de dor.

— Você está bem? — Yelena soluça.

— Sim, — eu digo. — Você está?

— Sim.

Ela me abraça com força, com a mesma ferocidade que vi no


primeiro dia em que a conheci. Ela me abraça como uma
Valquíria. Como se ela matasse qualquer coisa que tentasse ficar
entre nós.

Então, quando ela me solta, cai perto de seu irmão e grita:


— Adrian!

Seu irmão olha para ela, os dentes cerrados de dor.

— A ambulância está chegando, — grita Yelena. —


Aguente...

— Isto... isto... — Adrian resmunga.


— O quê? — Yelena diz. — O que você está dizendo?

— Sua culpa... — Adrian sibila. Ele não está olhando para


a irmã com amor, nem mesmo com alívio por ela ainda estar viva.
Ele está olhando para ela com ódio puro.

Eu vejo aquele olhar e quero pegar o rifle e matá-lo aqui e


agora. Não o quero em uma ambulância ou cama de hospital. Não
quero que ele se recupere em seu corpo, enquanto sua mente
ainda fervilha de raiva de Yelena.

Yelena lança um rápido olhar para mim, como se soubesse


o que estou pensando. Seus lábios se apertam e ela balança a
cabeça rapidamente.

Ela não vai fazer isso. Ela também não quer que eu faça
isso.

Eu não gosto disso de jeito nenhum. Isso me deixa


preocupado e com medo.

Mas meu amor por Yelena é mais forte do que minha


preocupação.

Alguém me agarra pelo ombro e me puxa.

— Seb! — Aida grita. Seu rosto também está manchado de


fumaça e ela está segurando uma arma com a mão livre. Callum
está bem ao lado dela, cobrindo-a no caso de alguém tentar
atacá-la por trás. O pátio está cheio de russos mortos e pelo
menos dois dos homens de Mikolaj. Vejo uma figura voltada para
baixo que se parece com Bosco Bianchi.

Mas o tiroteio morreu. As sirenes estão soando perto, e não


acho que haja ninguém para lutar.

— Vamos! — Aida chora.

— Onde está Mikolaj? — Eu pergunto.

— Ele já saiu com seus homens.

— É melhor fazermos o mesmo, agora mesmo porra, — diz


Callum. — Ou nenhuma quantia de suborno vai nos tirar dessa
tempestade de merda.

Apoiando-me pesadamente em Yelena, manco o melhor que


posso de volta ao carro de Callum. Yelena e eu entramos na parte
de trás enquanto Callum toma o assento do motorista e Aida
senta à frente.

Enquanto Callum sai rapidamente pela rua, Aida lança um


olhar devastado para nossa casa em chamas. O espelho
retrovisor está cheio de luzes piscantes de carros-patrulha,
caminhões de bombeiros e ambulâncias.

Presumo que eles vão encontrar Adrian a tempo – mas


espero que não.
Eu me encosto em Sebastian na parte de trás do carro. Seu
braço pesado e quente em volta dos meus ombros é a única coisa
que me mantém sã agora.

Não consigo tirar a visão do meu irmão da minha mente –


seu rosto bonito queimava tanto do lado direito, e pior do que
isso, o ódio em seus olhos quando ele olhou para mim. Eu nunca,
nunca, nunca teria pensado que ele e eu nos encontraríamos em
lados opostos de uma batalha. Mas esse foi o último ato de meu
pai – colocar-se entre nós, como ele sempre tentava fazer quando
estava vivo.

Eu vi seu cadáver caído na rua.

Ao contrário de Adrian, ver meu pai ensanguentado e


maltratado não despertou nenhuma simpatia. Também não senti
o alívio que esperava. Em vez disso, parecia que estava fechando
um livro. O fim dele, finalmente.
Pressiono meu rosto contra o ombro de Sebastian. Ele
cheira a fumaça e sangue. Abaixo disso, encontro o cheiro de sua
pele.

Ele acaricia meu cabelo suavemente, não se importando o


quão sujo ou emaranhado está.

— Onde você está indo? — Ele diz a Callum, enquanto o


carro faz uma curva.

— O hospital, — diz Cal. — Nero deve sair da cirurgia em


breve. E parece que vocês dois também precisam de um médico...

— Estou bem, — Sebastian diz, teimosamente. Eu


realmente duvido que seja o caso. Ele teve que se apoiar
fortemente em mim para chegar ao carro. Seu joelho está
machucado de novo, eu acho.

Callum nos leva ao Midtown Medical. Ele faz uma pausa,


confuso, quando vê que toda a estrada está isolada.

— O que está acontecendo aqui? — Ele diz.

— Algo daquele lado da rua... — Aida diz, olhando pela


janela do passageiro. — Não consigo ver o que é...

— Alguém caiu do telhado daquele complexo de


apartamentos, — digo a eles.

Todos eles se viram para olhar para mim.


— Quem caiu? — Callum exige.

— Rodion, — eu digo, principalmente para Seb.

— Ro... como você... — ele me olha confuso, e então vejo


compreensão e horror em seu rosto. — Yelena, — diz ele. — Você
estava lá em cima?

Eu aceno, de repente me descobrindo incapaz de falar.

— Mas como... por que você fez...

Eu o vejo olhar para frente e para trás do complexo de


apartamentos para o hospital, um em frente ao outro, e vejo a cor
de seu rosto esmaecer.

— Oh meu Deus, — ele diz.

Meu coração está acelerado, enquanto aqueles momentos


no telhado voltam para mim vividamente. A sensação da mão de
Rodion em volta da minha garganta e meus pés balançando no
ar enquanto ele me carregava até a borda...

Callum e Aida não conseguem juntar as peças tão bem.

— Quem é Rodion? — Aida pergunta.

— Ele é o principal tenente de Yenin, — explica Sebastian.


— Ele estava aqui para matar Nero, não estava?

— Sim, — eu digo, calmamente.


— E você o parou? — Aida diz.

— Você salvou a vida de Nero, — Sebastian diz, olhando


para mim com espanto.

— Eu pretendia seguir Adrian, — eu admito para Seb. — É


por isso que saí esta manhã. Eu esperava encontrar meu irmão
antes... — Eu tenho que engolir um soluço. — Antes que qualquer
coisa pudesse acontecer com ele. Eu esperava poder convencê-lo
a ir embora. Para abandonar nosso pai.

A boca de Sebastian está aberta. Vejo que ele entende a


decisão que tomei, aqui nesta rua, entre o meu irmão e o dele.
Desta vez, escolhi a família de Sebastian em vez da minha. Fiz o
que pude para compensar meus erros. Mas foi Adrian quem
pagou o preço.

Sebastian joga seus braços em volta de mim e me abraça


com força. Um pouco forte demais, honestamente, porque meu
ombro ainda está queimando e doendo onde Rodion o atingiu,
abrindo os pontos novamente. Mas não me importo – prefiro
sentir a dor, se vier junto com o calor de seus braços.

— Obrigado, — Sebastian diz, no meu ouvido.

— Como você fez isso? — Aida pergunta, curiosa. — Você o


derrubou na borda? Você atirou nele?

Ao me ver estremecer, Sebastian diz: — Deixe-a em paz se


ela não quiser falar sobre isso.
Ainda sinto que devo muito à Aida por me perdoar com tanta
facilidade, então respondo mesmo assim.

— Eu atirei nele, — eu digo. — Mas foi perto. Quase fui eu


quem caiu da beira.

Posso ver o medo no rosto de Sebastian. Ele me segura com


mais força do que nunca, como se a luta no telhado fosse algo
que ele ainda pudesse me proteger de agora, e não algo terminado
e no passado.

— Não consigo acreditar nisso, — diz ele. — Quer dizer, acho


que posso. Eu vi você quando está brava. Mas, Jesus Cristo,
Yelena, ele é um maldito ogro...

— Não foi minha tarde favorita, — eu digo.

Quando entramos no hospital, a enfermeira parece


altamente desconfiada de que estamos ali apenas como
visitantes, considerando o estado de todos nós. Até Callum e Aida
parecem desgrenhados e sujos, apesar de termos chegado
quando a luta estava quase acabando.

Com relutância, a enfermeira nos entrega nossos crachás e


nos deixa subir ao último andar. Dois dos homens de Sebastian
estão guardando o elevador e o corredor. O mais alto diz a Seb:
— Ele saiu da cirurgia. Está no quarto com Camille.

Todos nós corremos pelo corredor, tentando ficar quietos


caso Nero ainda esteja dormindo.
Mas quando espiamos pela porta, ele está sentado na cama,
pálido e magro, mas surpreendentemente alerta.

— Por que vocês todos parecem piores do que eu? — Ele diz.

— Yenin está morto, — Seb diz, como explicação. — Ele


incendiou a casa.

— Nossa casa? — Nero diz.

— Sim, — Seb acena. — Desculpe. Eu meio que deixei.

— Bem, foda-se, — diz Nero.

Ele parece atordoado e incrédulo, o que eu posso entender,


já que aquela casa pertencia à família deles há cem anos. É
desconcertante que algo que durou tanto tempo possa ser
destruído em questão de horas.

— Você, pelo menos, moveu meus carros? — Nero pergunta.

— Não, — Seb estremece.

Nero o encara, e vejo que seu temperamento ainda está vivo


e bem, por mais fraco que seu corpo esteja.

Camille aperta a coxa de Nero através da roupa de cama. —


Está tudo bem, — ela diz. — Seus favoritos estão em nossa loja.

— Algumas pessoas morreram também, — Callum o lembra.


Nero dá de ombros, não se importando tanto com isso. —
As pessoas são mais comuns do que uma motocicleta indiana de
1930. — Mas depois de um momento, sua curiosidade leva o
melhor. — Quem está morto? — Ele pergunta.

— Bosco Bianchi, por exemplo, — Seb diz.

— Pfft, — Nero bufa. — Ele mal vale uma junta.

Estou à espreita na porta, envergonhada e pensando que


não deveria estar aqui. Duvido que Nero queira me ver, ou
Camille também.

Antes que eu possa pensar em uma desculpa para fugir,


Nero me fixa com seus penetrantes olhos cinza e diz: — Não seja
tão inquieta – se seu pai está morto, então podemos todos relaxar.

— Eu realmente sinto muito... — eu começo, mas ele me


dispensa.

— Ah, guarde isso. Seu casamento foi uma merda, porém,


só para você saber. Estou feliz por só ter dado a você a torradeira
de duas fatias, não a de quatro.

Aida bufa e vejo que essa é a ideia de Nero de uma piada.


Ou talvez sua ideia de perdão. De qualquer maneira, vou aceitar.

Camille parece totalmente exausta de todas as suas horas


no hospital, mas ela está sorrindo enquanto descansa o queixo
na palma da mão, encostada na cama de Nero. Ela está
obviamente emocionada por tê-lo totalmente acordado e falando
assim – como o que eu presumo que seja o seu eu normal.

— Não podemos ficar muito tempo, — diz Cal. — Deixamos


Miles na casa dos meus pais.

— Se não voltarmos logo, Imogen provavelmente terá


comprado mais vinte roupas para ele e tentado cortar seu cabelo,
— diz Aida.

— É um pouco louco, — diz Cal.

— Ele é um bebê, — Aida revira os olhos. — Fique feliz por


ele não ser careca como um ovo como você era até os três anos
de idade.

— Ele cresceu eventualmente, — diz Cal, esfregando a


cabeça, constrangido.

— De qualquer forma, adeus a todos, — diz Aida, dando-nos


um pequeno aceno. — Feliz que você está vivo, irmão mais velho.

— Eu também, — diz Nero. Ele está olhando para Camille


enquanto responde, não para Aida.

— É melhor nós irmos também, — Seb diz.

Voltamos para o elevador, deixando Callum e Aida irem na


nossa frente porque Sebastian e eu estamos tensos e lentos. Na
saída, Seb suborna um assistente médico para dar uma olhada
no meu ombro. Por $600, o cara dá mais alguns pontos na ferida
e depois me passa uma dose extra de antibióticos e alguns
pacotes de amostra de analgésicos.

O que quer que ele tenha me dado, entra em vigor quase


imediatamente. Sinto-me aquecida e relaxada, e a dor em meu
ombro diminui para uma pontada suave. Seb engole um par ele
mesmo, então ele não terá que se apoiar tanto em mim para
andar.

No momento em que mancamos alguns quarteirões abaixo


do hospital, para podermos pegar um Uber onde a estrada não
está mais bloqueada, todas as luzes nos prédios parecem
brilhantes e cintilantes. Uma brisa sopra do lago, deixando o ar
com um cheiro limpo e fresco.

Sebastian está com o braço em volta de mim.

— Devemos pegar um carro de volta para o nosso


apartamento? — Ele me pergunta.

Eu nem tinha pensado para onde iríamos. Não podemos


voltar para a casa da família de Sebastian, obviamente. De jeito
nenhum eu iria para a casa do meu pai. Portanto, faz sentido
irmos aonde deveríamos ir logo após nosso casamento: para o
lindo loft que Seb e eu escolhemos juntos, quando nada de
horrível ainda tinha acontecido, quando nosso futuro parecia
brilhante e cheio de promessas.

Eu quero ir para lá agora, mais do que qualquer coisa.


Quero recuperar aquela sensação de que tudo vai ficar bem.
Que Sebastian e eu podemos construir uma vida juntos, nós dois,
e moldá-la para ser o que quisermos.

Ele está observando meu rosto de perto.

Ele não está apenas perguntando onde devemos dormir esta


noite. Ele está perguntando se podemos tentar de novo – se
podemos tentar trazer esse sonho à realidade, colocar o trem de
volta nos trilhos.

— Sim, — digo a ele. — Não há nenhum outro lugar que eu


prefira estar.

Sebastian para na calçada. Ele me agarra e me beija.

Posso sentir o gosto da fumaça em seus lábios. Não é


desagradável.

O fogo nem sempre significa morte e destruição. Às vezes,


ele limpa o arbusto velho e podre para que coisas novas possam
crescer.

Pegamos o Uber de volta ao nosso prédio.

Parece que passou uma eternidade desde que escolhemos


este lugar juntos e enviamos os poucos móveis que tivemos tempo
de comprar.

Quando abrimos a porta, ela cheira a limpo e novo por


dentro, não como Sebastian ou eu. É antisséptico e anônimo –
nenhum indício de seu sabonete ou colônia, ou da minha marca
favorita de grãos de café.

Eu mal reconheço a cozinha moderna e reluzente e a ampla


sala de estar sem sofá, apenas o lindo piano que Enzo me deu
como seu último presente.

Ainda não é uma casa.

Mas será. Será muito em breve.

Cada hora que passarmos aqui vai imprimir um pouco mais


de nossas personalidades neste espaço. Vamos rir e conversar
aqui, construindo memórias e experiências.

— Eu deveria ter carregado você pela entrada, — Seb diz.

— Sem ofensa, meu amor, mas você mal consegue se


carregar no momento, — eu digo.

— Não se preocupe, ainda tenho bastante energia, — diz ele,


com um meio sorriso. — Depois de tudo... tecnicamente, ainda
estamos em lua-de-mel.

Esse sorriso o faz parecer infantil novamente e


ridiculamente bonito. Ele se parece com o homem que tentou me
salvar de um sequestrador. Aquele que me venceu na sinuca e foi
cavalheiro demais para levar seu prêmio.

Agarrando sua mão, eu o puxo em direção ao quarto.


Cuidadosamente, gentilmente, tiramos as roupas um do
outro. Tomamos banho juntos, revezando-nos para esfregar o
sangue, a lama e a fumaça da pele um do outro. É difícil dizer o
que é sujeira e o que é machucado. Cada um de nós está cortado
e espancado a um grau ridículo, em todo o nosso corpo.

Mas não importa. É tudo evidência do que passamos para


estarmos juntos. De uma forma estranha, isso me deixa feliz.
Porque se nada disso pode nos matar, se nada disso pode nos
separar, então nada pode.

Quando estamos completamente limpos e ainda um pouco


úmidos, rolamos para a cama, para lençóis novos e imaculados
que nunca foram usados para dormir.

Sebastian está deitado de bruços entre as minhas pernas.


Ele lambe minha boceta com golpes longos e lentos. Sua boca
está incrivelmente quente, e seus lábios e língua são macios, já
que ele há pouco barbeou o rosto no chuveiro.

Deitei-me contra o travesseiro, sentindo-me flutuando e à


deriva, como se estivesse metade neste mundo e metade fora dele.

Outro dia, eu precisava de sexo violento, eu ansiava, não


conseguia o suficiente. E hoje eu preciso dessa gentileza, desse
cuidado.

Sebastian sempre sabe do que preciso. Ele já parece


conhecer meu corpo melhor do que eu. Ele me toca melhor do
que eu poderia me tocar, enviando onda após onda de prazer pela
minha barriga e pelas minhas pernas.

Quanto mais ele me toca, mais sensível eu fico. Minha


boceta está latejando. Posso sentir cada milímetro de pele, cada
terminação nervosa pegando fogo em resposta à sua língua.

A sensação chega a tal ponto febril que mal percebo quando


começo a gozar. Afundo em um orgasmo que é profundo e
sensual, e parece durar para sempre.

Sebastian continua lambendo meu clitóris, não acelerando


ou desacelerando, apenas arrastando o clímax o máximo
possível.

Quando finalmente acabou, ele sobe e empurra dentro de


mim, seu pau já duro pela excitação de me comer.

Estou tão inchada e sensível que as estocadas são


descontroladamente intensas, embora ele esteja sendo
cuidadoso. Depois de alguns minutos, posso dizer que nossa
posição está colocando muita pressão em seu joelho, então subo
em cima dele, deixando-o se deitar contra os travesseiros
enquanto o monto.

O luar está fluindo através das cortinas finas, destacando


cada linha e curva do rosto de Sebastian. Seus olhos parecem
mais dourados do que castanhos, intensos e sérios quando ele
olha para mim.
Eu lentamente rolo meus quadris, dando longos golpes para
cima e para baixo em seu pau. Ele estende a mão para acariciar
meus seios, então se senta no travesseiro para que possa pegar
um na boca e sugar enquanto eu o monto.

Acho que ele pode estar obcecado pelos meus seios, porque
ele está constantemente os tocando ou chupando enquanto
transamos. Estou ficando viciada também. Cada vez que ele faz
isso, eles ficam mais e mais sensíveis, e essa sensação está se
tornando ligada ao quão bom é o seu pau dentro de mim.

Como qualquer bom atleta, Sebastian é ridiculamente


coordenado. Ele pode chupar meus seios e me foder e colocar o
dedo na minha bunda, tudo ao mesmo tempo. Ter tantas zonas
erógenas estimuladas simultaneamente é, simplesmente,
fenomenal pra caralho.

Isso faz todo o meu corpo vibrar de prazer. Isso me torna


gananciosa e bêbada de luxúria. Já posso sentir outro orgasmo
se formando. Tento desacelerar meu ritmo para poder montá-lo
por mais tempo – tudo é tão bom que nem quero gozar, só quero
continuar fazendo exatamente o que estamos fazendo.

Mas não há como segurar isso.

Jogo minha cabeça para trás e grito, minha boceta aperta


com força em torno de seu pau, contraindo e apertando cada
centímetro de seu eixo.
Sebastian agarra meus quadris com força, seus dedos
cavando em minha bunda. Ele empurra para cima em mim, seu
pau explodindo. Avidamente continuo cavalgando, querendo todo
o seu esperma dentro de mim, cada gota. Eu amo como o orgasmo
dele desencadeia o meu, e o meu desencadeia o dele. Para cada
um de nós, não há nada mais erótico do que fazer a outra pessoa
gozar.

Quando terminamos, deitamos lado a lado na cama, nossas


longas pernas entrelaçadas e meu rosto pressionado contra seu
pescoço. Cada respiração enche meus pulmões com seu cheiro.

Hoje foi o pior dia da minha vida em alguns aspectos. Em


outros, foi o melhor.

Porque finalmente estou em casa com meu marido. Estamos


dormindo em nossa própria cama pela primeira vez.

Espero que tenhamos mais milhares de noites como esta,


até que estejamos grisalhos e velhos. Espero passar minha última
noite na Terra envolta em seus braços.

Enquanto estou adormecendo, Sebastian diz: — Somos você


e eu agora, Yelena. Obrigado por salvar meu irmão hoje. Mas eu
quero que você saiba... sua segurança é mais importante para
mim do que a de ninguém. Eu te amo mais do que ninguém. Eu
vou te amar e te proteger e te adorar por todas as nossas vidas.
Eu nunca vou parar.
— Nunca vou decepcionar você de novo, — digo a ele. — Eu
nunca vou ser egoísta, ou esconder nada de você. Você é tudo
para mim Sebastian. Vou te mostrar isso, a cada minuto de cada
dia.

— Eu sei que você vai, — diz ele, beijando-me suavemente


onde meu rosto encontra meu ouvido.

Eu levanto meu queixo para que ele possa beijar meus


lábios também.
Acordo ao lado de minha esposa, em nossa cama nova, em
nosso apartamento novo.

Mesmo depois de tudo que perdemos, não posso deixar de


ficar feliz com o que ganhei.

Yelena é um presente. Assim como na noite no píer quando


meu joelho quebrou, a noite em que conheci Yelena foi um
momento decisivo. Um acontecimento singular que alterou o
curso da minha vida.

Estou começando a achar que noites como aquelas são uma


coisa boa.

Talvez exista algo como destino, afinal.

Porque o que eu pensei que queria para mim nunca poderia


ter me feito tão feliz assim.
Saio da cama para pegar um café fresco e croissants na
pequena padaria no andar térreo do nosso prédio. Quando volto,
Yelena está apenas se espreguiçando e se mexendo na cama, seu
cabelo loiro prateado ondulado por cair no sono quando ainda
estava molhado.

Ela abre os olhos e diz: — Não saia de fininho – isso me


deixa nervosa.

Eu entrego a ela um copo de café, dizendo: — Não há mais


nada para ficar nervosa.

Yelena dá um gole em sua bebida, o rosto sério. — Isso


nunca é verdade para nós, não é?

Suponho que ela esteja certa. Em nosso mundo, sempre há


outro inimigo. Sempre outra ameaça. Yenin se foi. Mas quem vai
ocupar o seu lugar?

— Você quer ir embora? — Eu pergunto a ela. — Ir para


Paris como Dante? Ou Barcelona ou Tóquio?

Yelena pensa a respeito, dando uma mordida em seu


croissant e mastigando lentamente. Por fim, ela engole em seco e
diz: — Eu estava começando a gostar de Chicago. Além disso,
Sebastian... nós somos quem somos. Você nunca quis a coroa,
mas ela veio para você. Eu nunca quis ser uma filha da Bratva,
mas matei Rodion e mataria de novo se fosse preciso. Eu quero
opção em minha vida... mas não tenho medo do meu lado mais
sombrio. Odiava quando pensava que era dividida em duas
metades – boa como minha mãe e má como meu pai. Agora eu
acho... ambos são apenas eu. E sempre foram.

Eu pensei algo parecido. Pensei que era um bom homem,


até que um interruptor se acendeu dentro de mim e o monstro
foi liberado.

Agora me pergunto se Yelena está certa, se ela e eu somos


simplesmente um tom de cinza. Eu me pergunto se poderíamos
estar confortáveis em uma vida simples, cumpridores da lei e
íntegros, nunca fazendo uso dessa outra parte de nós mesmos.

— Eu tenho que ir ver Mikolaj hoje, — eu digo a ela. — Você


quer vir comigo?

— Sim, — diz Yelena. — Eu quero ir a todos os lugares com


você.

Depois de tomar banho e nos vestirmos, dirigimos até a


mansão no lado norte da cidade.

Yelena olha para os jardins crescidos e a casa gótica com


grande interesse.

— Que lugar estranho, — ela diz. — Tão escuro e tão longe


de qualquer outra coisa. Mas é lindo...

— Acho que Miko e Nessa gostam de ficar sozinhos.


Quando bato na porta, é a governanta que atende em vez de
Nessa. Ela é uma garota bonita com cabelo escuro e um sotaque
polonês muito parecido com o de Mikolaj.

— Entrem, — ela diz, educadamente. — Gostariam de uma


bebida?

— Só água, por favor, — eu digo.

Ela traz um copo para cada um de nós enquanto esperamos


na mesma sala de estar formal da última vez. Posso dizer que
Yelena gostaria de poder se levantar para examinar todos os
livros e pinturas, e os ornamentos ao longo da cornija da lareira
grande e vazia. Mas ela não quer parecer rude, então bebe sua
água, deixando seus olhos vagarem.

Depois de alguns minutos, Nessa e Mikolaj vêm juntos, de


braços dados. Nessa parece pálida e mais quieta do que o normal.
Ela parece cansada, mas satisfeita, como se tivesse realizado algo
difícil. Ela está vestida com um vestido solto em vez de sua roupa
de dança usual.

Mikolaj, ao contrário, parece mais feliz do que nunca. Ele


está vibrando de energia.

— Nós nos encontramos como vencedores, — diz ele. —


Espero que isso não a ofenda, Yelena – sinto muito por sua perda.

— Obrigada, — diz Yelena, baixinho. — Meu pai não foi uma


perda. É apenas do meu irmão que me arrependo.
— Ele está vivo, não está? — Mikolaj diz.

— Sim, — diz Yelena, sem dar mais informações.

Ligamos para o hospital várias vezes para perguntar sobre


Adrian. Ele está realmente vivo, mas recusando todos os
visitantes.

— Espero que nossa parceria continue, — disse Mikolaj


para mim. — Pelo que sei, você assumirá o papel de Don em
Chicago.

— Isso ainda não está decidido, — eu digo. — Dante não


quer, mas Nero é o próximo mais velho.

— Callum Griffin me disse que Nero não está interessado


em liderança, apenas no controle do braço de investimento da
empresa.

Meu estômago dá um aperto desconfortável dentro de mim.


— Isso pode estar certo, — eu admito.

Mikolaj me olha de cima a baixo com seus olhos azul-gelo.


— Eu conheço um chefe quando vejo um, — diz ele. — Não vamos
esperar as formalidades para prosseguir na nossa parceria. Há
muitas coisas que quero realizar nos próximos meses.

— Como o quê? — Eu digo, curioso apesar de mim mesmo.

— Não é o quê, — Mikolaj diz, sorrindo completamente


agora. — É o porquê.
Ele lança um olhar para Nessa, sentada ao lado dele no sofá
com os pés descalços dobrados sob ela, suas bochechas corando
rosa sob sua poeira leve de sardas.

— Miko... — ela diz, em advertência.

— Sebastian é um velho amigo, não é? — Ele diz. —


Podemos contar a ele.

— Você só quer contar a qualquer um que puder, — ela ri.


Virando-se para Yelena e para mim, ela disse: — Vamos ter um
bebê.

— Sério? Parabéns! — Eu olho automaticamente para a


barriga de Nessa. Com certeza, vejo um ligeiro inchaço em seu
corpo esguio. — Quando é que vai nascer?

— Fevereiro, — diz Nessa. — É cedo ainda. Provavelmente


não deveríamos contar a ninguém ainda.

Ela dá a Miko um olhar severo, mas a versão de Nessa de


um olhar severo é muito caloroso e adorável para realmente
castigar seu marido.

Duvido que Mikolaj pudesse ser trazido de volta à terra de


qualquer maneira. Ele está claramente além de animado com o
fato de Nessa estar grávida de seu filho.

Estou feliz por ambos. Mas também sinto outra coisa – algo
que não quero admitir. Eu olho para Yelena. Ela tem uma
expressão estranha no rosto, como se tivesse acabado de pensar
em algo que a deixou intrigada. Rapidamente, ela se esquiva e
diz: — Isso é tão maravilhoso! Vocês devem estar extasiados.

Ficamos mais meia hora ou mais, Mikolaj e eu conversando


sobre negócios, Yelena e Nessa às vezes participando e às vezes
tendo sua própria conversa sobre outros assuntos.

Miko está cheia de energia e ambição. O destino está


sorrindo para ele.

Seu otimismo é contagiante. Eu já estava inclinado a me


sentir o rei do mundo com Yelena bem ao meu lado –
impulsionado por Miko, logo estou me igualando a ele em
ambição e entusiasmo. Fazemos planos que pareceriam
impossíveis um mês atrás. Planos que são meio sonhos e meio
loucos, mas talvez alcançáveis da mesma forma.

Quando finalmente saímos, aperto a mão de Miko e digo: —


Obrigado por estar ao meu lado.

Olhando-me nos olhos, ele diz: — Nessa sempre falou muito


bem de você. Acho que este será o início de uma longa amizade.

Nessa dá um abraço em Yelena. Yelena parece assustada no


início, mas depois a abraça de volta, sorrindo um pouco.

— Eu quero ir ver o seu novo lugar, — Nessa diz.


— Venha a qualquer hora, — Yelena responde,
calorosamente.

Entrando no carro, ela me diz, com uma expressão


maravilhada: — Nunca convidei ninguém antes. Eu nunca
poderia, na casa do meu pai.

— Você pode convidar quem quiser agora, — eu digo. —


Exceto que não temos móveis.

No caminho para casa, paramos no hospital onde Adrian


está sendo tratado por suas queimaduras. Tento argumentar com
a enfermeira que Yelena é a única família de Adrian, mas ela nos
afasta sem debate.

— Ele foi muito claro. Ele não verá ninguém.

Yelena olha para mim quando nos viramos para sair, seus
olhos turvos e preocupados.

— Você realmente acha que ele me odeia?

— Eu... — Eu quero dizer não, mas não posso mentir para


ela. Eu vi seu rosto quando ele sussurrou para ela: — Isso é sua
culpa.

— Eu não acho que ele está em seu juízo perfeito no


momento, — eu digo a ela.

O problema é que não sei se isso é temporário ou não. Sem


vê-lo, não há como saber.
Quando chegamos em casa, Yelena se deita para uma longa
soneca. Ela parece tão cansada quanto Nessa, exausta com os
eventos do dia anterior.
As semanas que se seguem são um pouco confusas.

A morte de meu pai e a batalha sangrenta fora da casa dos


Gallo geraram uma tempestade de merda de proporções épicas
com o DP 37 de Chicago. A polícia já estava investigando o
massacre na catedral – não é preciso muito trabalho de detetive
para ligar o casamento malsucedido, os corpos no gramado dos
Gallos e os restos carbonizados de sua casa.

Sebastian e eu somos forçados a passar por intermináveis


consultas com o conselho jurídico dos Gallos e, em seguida, mais
intermináveis entrevistas policiais. Enquanto isso, Sebastian
está pagando o resgate de um rei em subornos, além de contar
com cada bocado de pressão política coletiva que os Griffins e os
Gallos podem reunir para fazer com que a coisa toda vá embora.

37 Departamento de Polícia.
Provavelmente não funcionaria se não houvesse uma falta
quase total de testemunhas.

Os Gallos vivem em Old Town há gerações. Enzo Gallo era


uma instituição. Ninguém quer testemunhar contra seu filho.

A história oficial é que meu pai matou Enzo na catedral e


depois foi até a casa dos Gallo para incendiá-la. Ele foi morto por
Bosco Bianchi, que por sua vez foi baleado por um dos homens
de meu pai.

Vincenzo Bianchi está perfeitamente disposto a concordar


com isso, por um preço. Sebastian dá a ele a operação de apostas
esportivas de meu pai, embora ele mantenha sua metade do
dinheiro que Mikolaj transferiu para sua conta.

O resto das operações da Bratva são entregues à máfia


polonesa. Mikolaj está cheio de planos de expansão, determinado
a dar a seu filho ainda por nascer uma vida digna, como ele diz,
“o bebê mais lindo do mundo”.

Tentei visitar ou ligar para meu irmão centenas de vezes.


Ele não permite. Penso na dor que ele deve estar sofrendo e em
como deve estar zangado com o que aconteceu com ele, e sinto
vontade de chorar. Adrian não era exatamente vaidoso, mas era
extremamente orgulhoso de sua aparência e de seu sucesso com
as mulheres. Ele consideraria a desfiguração um destino pior do
que a morte.
Eu não sei o que fazer sobre isso. E, honestamente, não fui
capaz de me concentrar nisso como normalmente faria.

Primeiro fiquei exausta, depois fiquei doente. E então


confirmei o pensamento que me veio à cabeça na manhã em que
visitamos Mikolaj e Nessa.

Quando Nessa anunciou sua gravidez, tive uma estranha


percepção. Lembrei-me de que não menstruava há mais de um
mês.

Sebastian e eu não tínhamos sido exatamente cuidadosos


com a proteção. Na maioria das vezes, fizemos sexo de forma
espontânea e em lugares públicos, esgueirando-nos antes de nos
casarmos. Não são as circunstâncias mais convenientes para um
preservativo. Em seguida, houve nosso encontro na cela do
porão, quando prevenção era a última coisa em nossas mentes...

Então, suponho que não deveria ter ficado surpresa. Acho


que pensei que era preciso muito mais “tentando” para fazer uma
coisa dessas acontecer.

Fiz o teste sem acreditar que seria positivo.

A linha rosa dupla apareceu imediatamente, brilhante e


clara.

Eu deixo cair o teste na pia, atordoada e desajeitada.


Não tenho ideia de como Sebastian vai reagir. Parte de mim
tem medo de que ele fique com raiva – nós já nos apaixonamos e
nos casamos tão rápido. Parece que eu deveria ter sido um pouco
mais cautelosa com essa próxima e mais permanente etapa.

Uma coisa que sei com certeza é que não vou esconder isso
dele, nem por um único dia. Prometi nunca mais fazer isso.

Então, espero em nossa sala de estar vazia, sentada no


banco do piano, porque ainda não temos um sofá. Tento tocar
um pouco para me distrair, mas minhas mãos estão muito tensas
e nervosas.

Sento-me ereta quando ouço sua chave na fechadura. Tudo


o que planejei dizer parece ter saído da minha cabeça em um
instante.

Sebastian empurra a porta, a princípio satisfeito em me ver


esperando lá, depois preocupado quando lê o nervosismo em meu
rosto.

— O que há de errado? — Ele diz.

— Nada, — eu digo. — Ou, quero dizer, não sei se está


errado... pode ser bom...

— O quê? — Ele diz, meio sorrindo e meio preocupado. —


Você está bem?

— Eu estou... grávida, na verdade, — eu digo.


Ele me encara por um momento, paralisado de choque.

Em seguida, ele me pega nos braços e me gira, algo que


apenas um homem de sua altura poderia fazer.

— Você está falando sério? — Ele diz, uma e outra vez. —


Tem certeza?

— Sim, — eu rio. — Tenho muita certeza.

— Esta é a melhor notícia que você poderia me dar, — ele


grita, seu rosto se iluminando além de qualquer coisa que eu
tenha visto antes. — A melhor coisa que poderia acontecer.

— Mesmo?

— SIM! Deus, eu não posso acreditar. Estou tão animado!

Ele se ajoelha bem ali na nossa sala de estar, pressionando


o ouvido contra minha barriga.

Eu ri. — Você não vai ouvir nada, exceto meu estômago


roncando. É apenas do tamanho de uma ervilha agora.

— Quando vamos ao médico? Eu quero vê-lo!

— Você não sabe que é ele!

— Eu não me importo o que seja. Eu quero ambos. Pode ser


ambos – gêmeos não são hereditários?
— Deus, espero que não, — digo. — Um será louco o
suficiente.

Eu sinto uma pontada de tristeza, imaginando ter gêmeos


se Adrian não estiver lá para ver. Ele teria pensado que essa era
a melhor piada – outra pequena dupla loira correndo, lutando e
provocando um ao outro...

Eu balanço minha cabeça com força para me livrar desse


pensamento. Não acho que vou ter gêmeos. Eu saberia se
estivesse. Quando pressiono minha mão contra minha barriga,
imagino apenas um bebê ali.

Além disso, meu filho não será loiro de qualquer maneira.


Os Gallos são escuros até para os italianos, e Sebastian é o mais
moreno de todos. Eu soube desde o momento em que vi Miles
Gallo que qualquer bebê que eu tivesse seria parecido com Seb.
E é exatamente assim que eu quero.

A felicidade de Sebastian lava minha preocupação. Eu quero


esse bebê tão desesperadamente quanto ele. Sete meses parece
muito tempo para o nosso bebê nascer – apenas um mês depois
do de Nessa. Eles não serão primos de sangue, mas serão primos-
cunhados, ou primos de segundo grau, ou como você quiser
chamar. Estou feliz que Nessa e eu nos tornamos amigas
rapidamente, então terei alguém com quem compartilhar essa
experiência.

Aida está nas nuvens quando conto a ela.


— Isso é fantástico! — Ela grita. — Eu não achei que Miles
teria nenhum primo ao meu lado. Fiquei tão irritada com Dante
afastando Serena antes mesmo de conhecê-la. Os nossos vão ter
apenas um ou dois anos de diferença na escola – isso é quase
nada!

Ela me olha de cima a baixo, avaliando.

— Você não está aparecendo ainda, — ela diz. — Você tem


sorte de ser tão alta. Eu parecia enorme no final. E não deixe
ninguém te enganar para dar à luz naturalmente – é horrível!
Tome todas as drogas!

A única coisa prejudicada pela gravidez é a lua de mel


planejada de Sebastian e eu para a Europa. Estou com náuseas
demais para querer caminhar pelos Alpes.

Mas não importa. Nosso loft já parece ser férias – como a


escapadela mais bonita e tranquila. Estou tão feliz exatamente
onde estou que não quero ir a nenhum outro lugar.

Sebastian e eu passamos todo o nosso tempo mobiliando,


decorando e limpando, para que possamos dar uma festa para
Nero quando ele finalmente sair do hospital.

Para ser engraçado, Sebastian pede a ele um bolo em forma


de carro de corrida – o tipo que você geralmente dá para uma
criança no seu quinto aniversário.
Depois de semanas comendo no hospital, Nero olha para o
bolo como se fosse a coisa mais linda que ele já viu.

— Eu adoro isso, — diz ele, com sinceridade. — Eu quero


comer a porcaria inteira.

— É todo seu, — Seb diz. — É o mínimo que podemos fazer.

— Com certeza, — Nero diz, cavando o bolo com o garfo sem


nem mesmo cortar uma fatia.

— Não se preocupe, — diz Greta. — Eu trouxe cannoli para


o resto de nós.

Ela começa a distribuir os doces, habilmente recheados com


a quantidade certa de ricota e polvilhados com açúcar de
confeiteiro. Parecem ter vindo de uma padaria chique, mas eu
conheço Greta bem o suficiente agora que nunca esperaria nada
menos do que feito em casa dela.

Camille está sentada ao lado do pai, que é de altura


mediana, careca, com cabelos e olhos escuros e um rosto gentil.
Lembro-me de Sebastian dizendo que era mecânico, responsável
por ensinar a Camille sua feitiçaria com carros.

Ele olha para os cannoli com grande interesse, depois dá


uma mordida.

— Meu Deus, — diz ele, — nunca provei nada melhor.


Greta enrubesce de prazer. — Eles são minha especialidade,
— ela diz, modestamente.

— Você já pensou em abrir uma confeitaria? — O pai de


Camille diz. — Ou um café?

— Ah, não. Quer dizer, acho que pensei nisso uma ou duas
vezes, mas não a sério...

— Você deve! Seria um crime mantê-los apenas para nós...

Greta ri e abana a mão para ele envergonhada, mas eu noto


que ela se senta do outro lado dele para comer seu próprio
cannoli, e que eles passam o resto da noite conversando.

Estamos todos nos curando, lentamente.

Sebastian tem que voltar ele mesmo para a cirurgia, para


consertar o joelho. Ele brinca que ele e Nero podem ir para a
fisioterapia juntos. Nero perdeu a vesícula biliar e um pedaço do
fígado, mas deve se recuperar totalmente, exceto seis cicatrizes
distintas e dramáticas em várias áreas do corpo.

Até Adrian vai para casa eventualmente, de volta para a


mansão que meu pai alugou na Astor Street.

Eu ouvi sobre isso através de nosso primo Grisha Lukin. Ele


me ligou um pouco antes do Natal, dizendo: — Eles finalmente
mandaram Adrian para casa.
— Você o viu? — Eu pergunto, meu coração batendo forte
contra minhas costelas. Sinto outro pequeno movimento em
resposta, abaixo do meu umbigo – o bebê chutando, como ele
sempre parece fazer quando sinto qualquer emoção forte.

Afinal, ele é um menino. Sebastian estava certo – o exame


de vinte semanas provou isso.

— Não, — Grisha diz, e quase posso ouvi-lo balançando a


cabeça ao telefone. — Ele não verá ninguém. Ele está trancado
em sua casa apenas com sua enfermeira lá com ele.

— Que enfermeira?

— Ele contratou uma do hospital, eu acho. Mikhail me


contou – alguma garota loira bonita. Ela trabalhou na unidade
de queimados e agora está cuidando de Adrian em tempo integral.
Mikhail diz que acha que há algo acontecendo entre eles.

— Romanticamente? — Eu digo, surpresa.

— Não sei, — diz Grisha. — Isso é exatamente o que Mikhail


me disse. Mas você sabe que ele é um nabo de merda.

Estranhamente, o pensamento me conforta. Não quero que


Adrian fique sozinho. Se ele tem pelo menos uma pessoa que se
preocupa com ele, isso é muito melhor do que ninguém.

— Quem é ela? — Eu pergunto a Grisha.


— Foda-se se eu souber, — diz ele. — É tudo apenas fofoca.
Só te liguei porque sempre gostei mais de você. Minha pequena
Elsa.

Agora eu sei que ele está sorrindo do outro lado da linha.


Normalmente eu diria para ele se foder, mas de alguma forma o
apelido não me incomoda mais.

— Obrigada, Grisha, — eu digo.

— Vamos lá, — ele me persuade. — Cante apenas uma linha


para mim...

Isso é muito longe.

— De jeito nenhum, — eu digo, e desligo na cara dele.

Eu sento lá por um tempo, observando flocos de neve


grossos e fofos caindo fora da minha janela.

Posso ver as luzes de nossa árvore refletidas no vidro.


Sebastian e eu a escolhemos juntos e a decoramos. Em seguida,
fizemos pipoca e assistimos a um filme, aninhados no sofá que
finalmente foi entregue na semana passada.

Prazeres tão simples, mas eu não os trocaria por nada no


mundo. É disso que a vida é feita – pequenos momentos de
felicidade, como luzes em uma corda, coloque-os todos juntos e
não há nada mais brilhante.
Procurando em nossa gaveta de papelaria, encontro um
cartão de Natal em branco com a foto de um cervo na frente,
parado em uma floresta de bétulas sob um céu estrelado.

Meu irmão mudou de número e sei que ele não me deixará


entrar se eu for à sua casa. Mas ele pode abrir um cartão.

Sento-me de novo e escrevo,

Caro Adrian,

Ouvi dizer que você está em casa agora. Espero que você
esteja bem. Grisha me disse que você tem uma garota cuidando de
você, e espero que isso seja verdade também.

Você sempre foi bom em cuidar de mim quando eu estava


doente. Tive de fazer o mesmo por você depois – acho que nunca
houve um resfriado ou gripe que apenas um de nós pegou.

Eu sinto sua falta. Sinto muito pelo que aconteceu. Eu quero


que você saiba, eu não tenho nada contra você, e nem Sebastian.
Tudo isso acabou agora.

Espero que você me ligue algum dia.

Você sabe que sempre vou te amar.

Beijos

Fasol
Fecho o cartão e coloco-o no envelope colorido. Então eu
lacrei e escrevo o endereço.

Eu realmente não espero que Adrian responda.

Às vezes você tem que estender a mão. Mesmo quando você


sabe que está apenas alcançando o vazio.
18 ANOS DEPOIS

Quando chego em casa do supermercado, há uma carta na


mesa da sala.

É onde Seb e eu guardamos todas as nossas cartas – ou,


pelo menos, a correspondência que a outra pessoa vai querer ver.
Folhetos e anúncios vão para o lixo. A correspondência real é
colocada aqui.

Claro, não temos muito disso hoje em dia. Quase sempre é


um cartão de aniversário ou de agradecimento. Às vezes, um
convite formal para uma festa ou um evento de caridade.

É isso que espero quando pego o envelope pesado, com seu


caro papel de carta cinza-ardósia. Só quando o viro é que vejo o
selo.
É uma coroa antiquada, inserida no arco de dois ramos de
oliveira. A imagem foi comprimida em cera derretida, carmesim
profundo, da cor de sangue seco.

Isso me assusta tanto que quase deixo cair o envelope de


volta na mesa. Mas eu me forço a quebrar o selo deslizando
minha unha do polegar por baixo da aba, abrindo-a e puxando
as duas folhas de papel de dentro.

A carta é manuscrita, em letras cursivas perfeitas.

Leo Gallo,

Estou escrevendo para informar que você foi aceito na


Kingmakers Academy. Além disso, você recebeu a admissão
automática na divisão Heirs 38 , assim como seu direito como
herdeiro indiscutível do império Gallo.

As aulas começarão no dia primeiro de setembro. Espera-se


que você se apresente à Grand Villa em Dubrovnik, o mais tardar
em 30 de agosto. De lá, você será levado ao nosso campus seguro.

38 Herdeiros, na tradução.
Como você provavelmente sabe, a admissão em nosso
campus é singular e irrevogável. Se decidir sair por qualquer
motivo, você não terá permissão para retornar.

Por esse motivo, certifique-se de trazer todos os itens


necessários durante o programa.

Em anexo está uma lista de nossas regras e regulamentos.


Assine e devolva o seu reconhecimento do contrato, incluindo a sua
disponibilidade para cumprir o nosso sistema de arbitragem e
punição. As assinaturas e impressões de seus pais também são
necessárias.

Estamos ansiosos para conhecê-lo. Você entrará para uma


instituição de elite com uma longa e célebre história. Talvez um dia
seu nome seja inscrito na parede de Dominus Scelestos.

Por enquanto, transmita meus cumprimentos a seus pais.

Sinceramente,

Luther Hugo

Necessitas Non Habet Legem – Necessity Has No Law39

39 Necessidade Não Tem Lei, no português.


JUNTO com a carta está a lista de regras e regulamentos
mencionada. Também são manuscritos em letras ornamentadas,
mas altamente legíveis.

1. A violência contra outros alunos não é permitida. Toda


violência deve ser respondida na mesma moeda – golpe por golpe.
Lesão por lesão. E morte por morte.

2. Os alunos não devem deixar o campus por nenhum motivo,


exceto para visitar a cidade de Dubrovnik nos dias permitidos.

3. Os alunos não podem transferir entre as divisões. Depois


de receber uma divisão, você deve...

Largo a carta, sem querer ler mais.

Graças a Deus, Leo está na escola e provavelmente ainda


não viu.

Invado o escritório de Seb, empurrando sua porta sem


bater. Ele levanta os olhos do computador, satisfeito em me ver,
e não particularmente incomodado com a forma como cheguei
agressivamente.

É muito inconveniente o quão atraente meu marido


permaneceu, todos esses anos. É difícil ficar com raiva dele,
quando sua visão ainda me enche de borboletas todas as vezes.

Seu cabelo está um pouco grisalho agora, e ele usa óculos


de leitura de aro preto, mas essas coisas apenas lhe dão um ar
de inteligência e seriedade para substituir sua antiga
masculinidade. Ele ainda está alto e em forma como sempre, com
um rosto magro e bonito, e aqueles olhos castanhos atentos sob
as sobrancelhas retas e escuras como sempre.

— Aí está você, — diz ele, sorrindo para mim.

— Por que há uma carta de aceitação de Kingmakers na


sala? — Eu exijo.

— Eu presumo porque Leo foi aceito, — Seb diz,


calmamente.

— Por que ele se inscreveu em primeiro lugar? — Eu clamo.


— Por que ele sabe que existe?

Seb tira seus óculos e os dobra, levantando-se de sua mesa.


Ele vem ao meu lado, elevando-se sobre mim como só ele pode
fazer.

Ele não faz isso para me intimidar. Ele quer me confortar.


Mas não há como suavizar isso.

— Ele não vai, — eu digo.

Sebastian suspira. Ele não quer discutir comigo. Ele nunca


o quer. Mas ele também nunca mente para mim. É uma promessa
que cumprimos um com o outro, todos esses anos – de dizer a
verdade, sempre. Mesmo quando é difícil. Mesmo quando dói.
— Ele fará dezoito na próxima semana, — Sebastian diz. —
Não é nossa escolha, Yelena.

Eu viro meu rosto para ele, para que ele possa ver a angústia
em meus olhos.

— Não é seguro, — digo a ele. — Aquele lugar está lotado de


filhos dos piores criminosos de todos os cantos do globo...

— Sim, — Sebastian concorda. — Mas isso não significa que


não seja seguro. É o único lugar onde ele estará seguro, Yelena.
O único lugar com Sanctuary.

O que ele está dizendo é verdade, embora eu não queira


admitir. Se Leo fosse para uma escola normal, ele poderia ser
atacado ou morto por qualquer um de nossos inimigos. Somente
na Kingmakers existe uma regra sacrossanta contra atacar
qualquer um dos alunos durante o programa.

Mas regra ou não regra... Leo vai assistir às aulas com as


pessoas que mais nos odeiam. Ou pelo menos uma pessoa muito
específica.

— Dean também vai... — Eu sussurro.

Sebastian suspira. — Eu sei, — ele diz.

Dean é filho de Adrian. Apenas seis meses mais novo que


Leo. Eles estarão no mesmo ano na Kingmakers. A mesma divisão
também. Ambos Heirs.
— Eu só posso imaginar o que Adrian disse a ele, — eu digo.

Nunca me reconciliei com meu irmão. Ele nunca me deixou.


Ele me odiou por dezoito anos. Ele odiava Sebastian mais. Seu
filho vai odiar e desprezar Leo, tenho certeza disso. Não consigo
imaginar como eles poderiam viver lado a lado sem se matar.

Adrian voltou para Moscou logo após o nascimento de seu


filho. É a única razão pela qual o ressentimento entre nós
persistiu como uma Guerra Fria de baixo nível, e não como uma
batalha total.

— Anna estará presente, — Sebastian diz.

Anna é filha de Mikolaj e Nessa, e a melhor amiga de Leo.


Eles são inseparáveis desde que eram crianças. Eu me pergunto
se é por isso que Leo queria ir para Kingmakers em primeiro lugar
– para ficar perto dela.

— Estou surpresa que Nessa esteja bem com isso. Anna não
foi admitida em Julliard?

— Ela escolheu Kingmakers, — Sebastian diz,


simplesmente.

A implicação é clara. Nessa e Mikolaj permitiram que Anna


fizesse sua própria escolha – devemos fazer o mesmo.

— É tão distante... — Eu digo a Sebastian. — E eles não


podem voltar para casa...
— Apenas três anos, — Seb diz. — Eles podem visitar no
verão, mas não no ano letivo.

A ansiedade que estou sentindo é insuportável. Leo é nosso


único filho. Ele é o centro do nosso mundo. Se alguma coisa
acontecesse com ele...

— Ele vai ficar bem, — Sebastian diz, lendo minha mente.


Ele me puxa contra seu peito, para que eu possa sentir a força
de seus braços em volta de mim e a batida constante de seu
coração. — Você sabe como ele é inteligente. E quão talentoso.

— Muito inteligente para o seu próprio bem, — eu digo.

Sinto o peito de Sebastian tremer enquanto ele ri baixinho.

— Sim, ele é, — ele diz. — Mas no fim das contas... quando


fomos capazes de impedi-lo de fazer o que ele queria?

— Nunca, — eu digo.

— Ele é um lutador como você. Brilhante como você. Se eu


quisesse um filho normal com uma vida normal... — Sebastian
sorri. — Eu teria me casado com todas as outras garotas que me
queriam.

Eu bufo, balançando minha cabeça para ele. — Lembrando


de seus dias de glória, hein?

Ele me beija suavemente nos lábios. — Houve apenas um


dia de glória. O dia em que te conheci.
Eu vim aqui determinada a não ser confortada. E, no
entanto, estou confortada, contra minha vontade. Não consigo
sentir nada além de paz quando Sebastian me abraça.

— Gostaria que a vida fosse sempre fácil, — digo.

Sebastian me beija novamente.

— Se fosse, não seria nossa vida, — diz ele.

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