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A negligência da Liberdade

Filosofia 11ºano – Religião

Igor Rodrigues Oliveira


11º2E 2020/2021
Índice
 Introdução 2
 O que é a Liberdade? 3
 O problema da Omnisciência 3
 A liberdade existe 5
 A Liberdade Absoluta 6
 Conclusão 7

-1-
Introdução
Neste trabalho decidimos explorar a relação da liberdade e de deus, provando a
inexistência do último pela existência da primeira recorrendo a um silogismo disjuntivo.
Para tal o primeiro passo do nosso ensaio foi definir liberdade, deus e outros conceitos
úteis ao tema em questão, de seguida estudamos como uma das características
fundamentais ao conceito de deus (omnisciência) é incompatível com o livre-arbítrio.
Por fim, bastou-nos provar a liberdade e as suas consequências, inspirando-nos
principalmente nos pensamentos do existencialista francês Jean Paul Sartre.

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O que é a Liberdade?
Antes de definirmos liberdade temos de definir primeiro ação.

A ação é uma interferência consciente do ser humano (o agente) que altera o curso
natural dos acontecimentos (por natural entende-se aquele sem a interveniência de
um agente). Portanto a ação necessita de um agente (aquele que efetua a ação), a
consciência de tal agente como autor da ação, uma intenção (objectivo da ação), um
motivo (porquê da ação), deliberação (processo racional em que se julga o que é mais
conveniente) e decisão.

Mas é ainda necessário dividir a ação em duas classes: ações involuntárias e ações
voluntárias.

As acções involuntárias são aquelas em que o motivo da ação é extrínseco ao


agente, por exemplo, quando um captor, que fez da minha família refém, obriga-me a
matar um homem a minha ação é involuntária pois o motivo (salvar a minha família)
encontra-se fora de mim.

As acções voluntárias, por outro lado, são todas aquelas em que o motivo é intrisico
ao agente, por exemplo, eu decidir ver um filme é algo voluntário visto que não há
nada ou ninguém que me obrigue a o fazer, o motivo encontra-se apenas dentro de
mim.

A liberdade é o que possibilita as acções voluntárias; é o que permite o agente agir


sem condicionantes extrínsecos sendo o único fator que contribui para a ação a
vontade do agente. Assim a liberdade é também uma condição necessária à moral e
ética, visto que para responsabilizarmos alguém pelas suas acções é necessário que
essa ação seja cometida pela vontade, por exemplo, nós concordamos que o
assassinato voluntário de uma pessoa é algo imoral no entanto o assassinato de uma
gazela por um leão é um ato amoral (não possui valor moral) pois este foi executado
devido a condicionantes biológicas (a necessidade de alimento) extrísicas à vontade
do leão (se este possuir vontade em primeiro lugar).

O Problema da Omnisciência
E quanto à definição de deus? Podemos definir um deus como o ser perfeito, sendo
assim este ser tem de possuir as seguintes qualidades: Omnipotência (ser todo-
poderoso), Omnipresença (estar presente em tudo), Omnibenevolência (ser bondoso
para todos) e Omniciênscia (ter conhecimento perfeito de tudo).

Ao analisarmos a característica de omnisciência vemos um problema evidente: esta


é contraditória com o livre arbítrio. Se deus sabe qual decisão iremos tomar antes de a
tomarmos então tal já estava predestinado antes da nossa vontade e portanto, essa
ação não foi concretizada livremente. Se deus sabe como iremos agir antes sequer de
termos a vontade de agir então agimos não pela nossa vontade mas por um motivo
extrínseco.

-3-
Esta descoberta é uma catástrofe para qualquer sistema religioso que possua um
deus que age não só como criador da realidade mas como julgador da moral, pois
como já mencionamos a liberdade é uma condição necessária para a moral.

Por exemplo, deveria Deus castigar Adão e Eva por comer a fruta proibida? Afinal
devido à omnisciência de Deus, Adão e Eva não agiram livremente e portanto não são
responsáveis pela sua ação. Ou então porque é que Deus criou o Inferno para punir os
pecadores se estes não podem ser responsabilizados pelas suas ações?

Este determinismo radical proveniente da omnisciência também refuta muitas das


respostas a um dos problemas mais difíceis da religião – o problema do mal.

“Se Deus é omnibenevolente, ele não deseja o mal.


Se Deus é omnipotente, então ele é capaz de prevenir o mal
Se ele não deseja o mal e é capaz de o prevenir, então porquê que existe mal?”

𝐴^𝐵 → ~𝐶
𝑀𝑜𝑑𝑢𝑠 𝑇𝑜𝑙𝑙𝑒𝑛𝑠 { 𝐶
∴ ~(𝐴^𝐵)

𝐴 𝐵 𝐶 𝐴^𝐵 → ~𝐶 𝐶 ∴ ~(𝐴^𝐵) A – Deus é omnibenevolente


V V V F V F B – Deus é omnipotente
V V F V F F C – O mal existe
V F V V V V
V F F V F V
F V V V V V
F V F V F V
F F V V V V
F F F V F V

Os teístas recorrem normalmente a dois argumentos a explicar esta contradição


entre a existência de um deus e o mal1:

 Deus deu-nos a liberdade para agir bem ou mal, pois seria um mal maior não
sermos livres.
Este argumento é facilmente refutado, pois, como já referimos, a existência de
deus e a existência da liberdade são incompatíveis.
 O mal neste mundo é um teste para deus poder julgar aqueles que merecem a
vida eterna.
No entanto, se deus é omnisciente então ele já sabe quem merece e não
merece a vida eterna, antes sequer de terem nascido, portanto este teste é
desnecessário.

Assim, devido à omnisciência, o problema do mal humano ainda se mantêm.

Por fim, chegamos a uma ultima consequência da omnisciência: uma


imcopatibilidade entre ela e a omnipotência. Pois se deus sabe tudo, então este
próprio tem conhecimento das suas acções futuras e assim está condicionado a agir
segundo o que lhe está predestinado, portanto deus não tem a capacidade de agir fora

1
Referimo-nos aqui apenas ao mal humano e não ao natural.

-4-
deste campo e assim não é todo-poderoso, pois ele próprio está restringido por si
mesmo.

𝐴 → 𝐶
𝐶𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑑𝑖çã𝑜 {𝐵 → ~𝐶
∴ 𝐴^𝐵

𝐴 𝐵 𝐶 𝐴→𝐶 𝐵 → ~𝐶 ∴ 𝐴^𝐵 A – Deus é omnipotente


V V V V F V B – Deus é omnipresente
V V F F V V C – Deus é livre
V F V V V F
V F F F V F
F V V V F F
F V F V V F
F F V V V F
F F F V V F

Sendo este é o caso, o livre-arbitrio e a omnisciência são mutualmente exclusivos,


ou seja, não pode haver liberdade se existir deus, tal como não pode haver deus se
existir liberdade. Basta-nos então provar o nosso livre-arbitrio para provar a
inexistência de deus:

𝐴 𝑣̇ 𝐵
𝑆𝑖𝑙𝑜𝑔𝑖𝑠𝑚𝑜 𝐷𝑖𝑠𝑗𝑢𝑛𝑡𝑖𝑣𝑜 { 𝐴
∴ ~𝐵

𝐴 𝐵 𝐴 𝑣̇ 𝐵 𝐴 ∴ ~𝐵 A – A liberdade existe
V V F V F B – Deus existe
V F V V V
F V V F F
F F F F V

A liberdade existe
Para provarmos a nossa liberdade recorremos ao argumento dos defensores do
libertismo.

Ao observarmos a natureza a nossa volta reparamos que tudo parece aderir a um


processo de causa-efeito, W causa X, X causa Y e Y causa Z, assim W causa Y. A
conclusão lógica deste pensamento é que até o movimento dos mais pequenos
electrões causa uma reacção em cadeia que pode levar até a efeitos devastadoras
como guerras (efeito borboleta)2. Visto a existência desta causalidade mecânica, os
deterministas radicais argumentam que as nossas próprias decisões são o efeito de
um causa para além da nossa vontade e portanto não somos livres.

Os deterministas radicais assumem que os fenómenos que controlam a nossa


actividade mental (que por sua vez leva às nossas acções e julgamentos) são os

2
Por muito que irrelevante ao tema em questão o efeito borboleta refuta o argumento ontológico de
Descartes, visto que uma das suas premissas fundamentais é que a causa é sempre superior ao efeito.

-5-
mesmos que controlam a natureza. No entanto, este não é o caso, o ser humano
possui uma característica que o separa da natureza – a consciência.

A consciência é, em termos simples, a percepção do eu sobre o eu (como se


fossemos plateia e ator ao mesmo tempo). É esta característica especial, que até
agora apenas está provado os seres humanos possuírem, que nos permite ter um
pensamento critico e racional, é este pensamento que nos permite termos uma
intenção, um motivo, deliberarmos, decidirmos e portanto possuirmos uma vontade
livre da causalidade mecânica. A causalidade mecânica que rege as leis da natureza
não se aplica ao ser humano pois este possui consciência e portanto a única
causalidade que rege o comportamento humano é a causalidade do agente que é
livre: mesmo sendo as circunstâncias as mesmas o ser humano poderá exercer
acções diferentes.

A Liberdade Absoluta
Provamos assim a existência da liberdade, e por consequência a inexistência de
Deus. Tudo agora é permitido. Estamos absolutamente livres, pois não há ninguém
que nos controla. Até em situações em que diríamos o contrário:

Retomaremos ao exemplo do captor que me obrigou a matar um inocente pois tem


a minha família refém, mencionamos no início que esta situação é um exemplo de
uma ação involuntária pois o motivo é extrínseco, no entanto, tal não é completamente
verdade, eu ainda possuo a escolha de sacrificar a vida da minha família pela vida de
um inocente, assim o motivo da minha ação não é “alguém tem a minha família como
refém” (um motivo exterior a mim), mas “eu valorizo a vida da minha família sobre a
vida de um inocente” (um motivo que deriva dos meus próprios juízos de valor, algo
intrínseco).

Portanto, como Jean Paul Sartre diria: “O Homem está condenado a ser livre”, pois
se toda a sua ação é voluntária, então é ele que é sempre responsável pelas suas
consequências.

Será por isto que o ser humano tem uma disposição para acreditar em deuses e
demónios? Afinal, se dizermos que alguma ação feita por um agente foi “obra do
Diabo” ou “é parte do plano de Deus” estamos a retirar responsabilidade de tal agente
pelas suas acções.

Era possível argumentar que, no entanto, sem Deus a vida não tem significado3.
Mas isso seria uma demonstração da falta de imaginação da pessoa; Nietzsche
escreveu: “E aqueles que dançavam era descritos como insanos por aqueles que não
ouviam a música.” Se não há um sentido para a vida imposto por um deus, então
quem nos impede de criar tal sentido. A vida não nasceu com sentido, foi a vida que
deu sentido a si mesma, tal como Jean Paul Sartre escreve: “a existência precede a
essência.»

3
Por significado compreende um objectivo/finalidade que lhe atribua valor.

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Conclusão
Entendemos então que devido à existência da nossa liberdade, não é possível a
existência de um deus pois tal possui a característica da omnisciência; este atributo
tem consequências devastadoras para um sistema religioso (chegando até a
contradizer outras características que o conceito de deus possuí). Muitos teístas
continuam a acreditar, isto pois tal crença permite-nos desresponsabilizar das nossas
acções e permite também dar à vida um sentido objectivo. No entanto tal atitude é
uma negligência da nossa liberdade, pois se deus não existe então estamos livres de
criar o nosso próprio sentido para a vida, o único contrapeso é que assim estamos
responsáveis por todas as nossas ações, não só pelos nossos sucessos como
também os nossos insucessos. Não podemos apontar um dedo a uma dinvidade e
gritar: “a culpa é tua!”, só apercebendo-nos nas nossas próprias falhas é que pudemos
melhorar.

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