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UNIVERSIDADE DA BEIRA

INTERIOR

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A INTELIGÊNCIA – UMA PERSPECTIVA

Luís Aguilar, Informática (ensino) nº14676


INDICE

A INTELIGÊNCIA – O QUE É ?................................................................................. 3


DIMENSÕES DA INTELIGÊNCIA ............................................................................ 3
• CAPACIDADES CRISTALIZADAS E FLUIDAS ............................................................ 3
• AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS ............................................................................. 4
• INTELIGÊNCIA COMO ADAPTAÇÃO: O MODELO TRIÁRQUICO ................................. 4
TESTES DE MEDIÇÃO DE INTELIGÊNCIA – O QI ............................................. 4
LIMITAÇÕES DAS MEDIÇÕES DO QI ................................................................... 6
MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO ESCOLAR ........................................................... 6
DIFERENÇAS INDIVIDUAIS NA INTELIGÊNCIA E DESEMPENHO ................ 8
INTERVENÇÕES ........................................................................................................ 9
QUEM GANHA – O ORGANISMO OU O AMBIENTE ?...................................... 10
TENDENCIOSIDADE DO TESTE DO QI – UMA VISÂO CRÍTICA.................. 10
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 12
A INTELIGÊNCIA – O QUE É ?

A inteligência pode ser definida como a capacidade de aprender e usar as


habilidades necessárias para uma adaptação às exigências do ambiente e cultura de
cada um.
Não se pode reduzir a inteligência apenas à capacidade de aprender e utilizar
aquelas habilidades que nós, ocidentais, estamos habituados a aprender. Neste caso
estaríamos a dizer que apenas a nossa cultura gera pessoas inteligentes. As pessoas
consideradas inteligentes numa dada cultura têm talentos diferentes do que as pessoas
consideradas inteligentes noutra cultura. Os talentos específicos que as pessoas
consideradas inteligentes numa dada cultura possuem dependem das exigências dessa
mesma cultura para a sua sobrevivência e também das convicções dos seus membros.
Primeiramente a inteligência era definida como competência geral, embora esta
definição tenha sido atacada por pessoas que defendiam que as diferentes habilidades
intelectuais não ocorriam necessariamente juntas. Apesar de a questão não estar
definitivamente resolvida, a maioria dos especialistas parece concordar que os padrões
de capacidades variam de uma pessoa para outra. Enquanto uns parecem ser bons em
aprender habilidades verbais, outros têm mais talento para as matemáticas. Ou enquanto
uns têm mais talento para aprender as artes da pesca, outros parecem ter mais jeito para
a caça.

DIMENSÕES DA INTELIGÊNCIA

A maioria dos especialistas parecem concordar que a inteligência é


multidimensional e inclui várias capacidades, embora não concordem em relação à
natureza dessas capacidades. Dividem-se essencialmente em três teorias:

• Capacidades Cristalizadas e Fluidas

A primeira teoria divide as capacidades fluidas das capacidades cristalizadas,


onde as capacidades cristalizadas se referem ao conhecimento acumulado de uma
pessoa (vocabulário, por exemplo) e as capacidades fluidas aos processos que usamos
para resolver problemas e para lidar com novas informações (raciocínio, memória,
pensamento lógico, identificação de relações ou ligações e inferências).
• As Inteligências Múltiplas

A teoria seguinte surgiu através de Howard Gardner que partiu do pressuposto


que determinadas formas de inteligência se podem desenvolver com uma certa
autonomia relativamente a outras formas. O exemplo do autismo é a prova. Gardner
sugeriu então seis candidatas para as inteligências múltiplas: A inteligência linguística,
a inteligência musical, a inteligência lógico-matemática, a inteligência espacial, a
inteligência fisico-cinestésica e as inteligências pessoais (que posteriormente se
dividiram em inteligência intra-pessoal e interpessoal). Também recentemente tem-se
vindo a falar de inteligência naturalística.

• Inteligência como Adaptação: o modelo triárquico

Sternberg propôs um modelo expandido da teoria da inteligência, que além das


habilidades cognitivas, dá também importância significativa à experiência de vida do
indivíduo, tal como às suas habilidades de adaptação. A teoria triárquica tem
evidentemente três componentes principais:

o Os processos cognitivos: Incluem, por exemplo, as habilidades de


resolução de problemas, os processos metacognitivos – planeamento,
coordenação e avaliação do próprio desempenho na execução de
tarefas - e também a aquisição de conhecimento.
o A rapidez de aprendizagem – o comportamento diz-se inteligente
quando uma pessoa aplica processos cognitivos a situações novas de
forma automática (com uma rapidez razoável).
o Capacidade de adaptação ao próprio ambiente social e cultural – Esta
adaptação inclui não só a mudança de si próprio, mas também a
mudança do ambiente para atender às próprias necessidades do
indivíduo, ou mesmo a troca de ambiente.

TESTES DE MEDIÇÃO DE INTELIGÊNCIA – O QI


Não seria mau raciocínio se pensássemos que os testes de inteligência foram
elaborados em conformidade com as teorias da inteligência. Mas historicamente não foi
assim que se passou, e as necessidades práticas de se predizer o futuro sucesso escolar
das crianças impulsionaram a criação de testes de inteligência, mesmo antes do
surgimento das teorias. Os primeiros testes consistiam na selecção das perguntas bem
respondidas pelas crianças que estavam a sair-se bem na escola. Posteriormente os
testes evoluíram para testes mais elaborados com inúmeros itens destinados a medir
informações quotidianas, capacidade verbal, memória, percepção e raciocínio lógico
(teste de Stanford-Binet). As perguntas seleccionadas foram aquelas que, de uma
extensa lista de perguntas inicias, mais ou menos metade da amostra da população-
destino do teste acertaram.
O Quociente de Inteligência (o resultado dos testes) é calculado a partir da
comparação da pontuação da criança com as médias das outras crianças da mesma
idade. Para os adultos compara-se com a média da população em geral. A distribuição
do QI numa população segue uma curva de Gauss ou distribuição Normal, estando a
grande maioria da população nos valores intermédios, e apenas uma pequena
percentagem atinge os valores mais elevados (e os valores mais baixos).
Existem actualmente vários tipos de testes de inteligência com filosofias e
objectivos diferentes:
• Testes Multidimensionais de Inteligência: São uma espécie de organização
(divisão) dos testes de Stanford-Binet. Cada subteste mede uma determinada habilidade,
como o vocabulário, a distinção de semelhanças e diferenças, memória para números e
construção de padrões com blocos coloridos. Pode haver divisões baseadas noutros
critérios como o Teste de Aptidão Diferencial que testa separadamente o raciocínio
verbal, a facilidade numérica, as relações espaciais e a velocidade perceptiva. Este tipo
de testes são especialmente úteis quando se tem dúvidas sobre capacidades específicas.
• Testes Baseados em processos cognitivos: Apesar do desenvolvimento dos
testes de inteligência e o desenvolvimento das teorias sobre o desenvolvimento
cognitivo terem ocorrido separadamente, estas duas áreas do estudo da inteligência
começaram a trabalhar mais próximas nos últimos tempos. O resultado tem sido novos
testes com agrupamento dos itens agrupados pelas divisões propostas pelos teóricos do
desenvolvimento da inteligência: capacidades cristalizadas, capacidades fluido-
analíticas e memória de curto prazo, como na proposta para a 4ª revisão do Stanford-
Binet.
LIMITAÇÕES DAS MEDIÇÕES DO QI

O QI não é, de forma nenhuma, um índice puro do potencial inato, muito menos


o seu resultado se pode considerar único e imutável para o resto da vida. O índice de QI
mede quanto uma pessoa sabe sobre determinados tópicos e quão bem estão
desenvolvidas determinadas capacidades no momento em que o teste é aplicado. A
experiência passada e a familiaridade com as capacidades testadas no teste têm
influência no resultado do teste tal como a carga genética e biológica do indivíduo.
Apesar de normalmente o nosso QI não variar muito ao longo da vida, pode
haver variações significativas. No fundo o QI duma idade permite prever o QI de idades
mais avançada, mas não duma forma determinística.
Mas afinal o que é que o QI mede? A aptidão ou o desempenho? Aptidão é a
capacidade de aprender uma nova habilidade ou de se ser sucedido nalguma situação de
aprendizagem. Desempenho descreve quanto uma pessoa aprendeu num determinado
curso ou matéria. Os testes de aptidão cobrem uma ampla gama de conteúdos, enquanto
os testes de desempenho cobrem um conjunto muito específico de informações ou
habilidades. Os testes de medição do QI medem tanto aptidão como desempenho, pois o
resultado deste depende do que uma pessoa sabe (desempenho) e pode predizer o
sucesso académico futuro (aptidão).

MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO ESCOLAR

O aproveitamento na escola e na vida adulta não depende apenas das


capacidades das pessoas, mas também da sua motivação, da sua postura, do seu método
de trabalho e das suas reacções emocionais perante a escola, além de outras situações de
desempenho. A motivação para o bom desempenho é o desejo de se ter êxito num
domínio específico apresentando uma tendência geral para se avaliar o próprio
desempenho segundo padrões de excelência, para lutar por desempenho bem-sucedido e
para experimentar o prazer advindo desse sucesso. A persistência em tarefas difíceis, o
trabalho intenso ou esforço para dominar uma técnica e a selecção de desafios são
comportamentos comuns em quem tem motivação para o bom desempenho.
Os factores que determinam o nível de motivação de uma criança são o valor de
conquista (a importância que a criança dá ao sucesso), os padrões de desempenho (ou
seja os padrões com que a criança compara o seu próprio desempenho), as expectativas
e convicções das suas capacidades (o que a criança acha que sabe e aquilo que esta acha
que pode vir a saber) e as atribuições das razões para o sucesso ou o fracasso (aquilo
que ela acha que é o motivo do seu sucesso ou fracasso).
O valor de conquista influencia a selecção que as crianças fazem de actividades
de estudo. Se uma criança não dá importância à aprendizagem da matemática não irá
certamente estudar suficiente.
Os padrões de desempenho podem ser padrões autónomos (ou pessoais –
comparação com o desempenho passado) ou padrões de comparação social, que se
referem ao desempenho de outras pessoas (por exemplo, o resto da turma).
As expectativas sobre a própria capacidade são baseadas nos conceitos pessoais
de capacidade e no próprio desempenho passado. Algumas pessoas consideram que
reforçando a auto-estima da criança se pode contribuir para melhorar o desempenho.
Esse reforço da auto-estima consiste em melhorar a convicção da criança nas suas
próprias capacidades e melhorar a expectativa desta nestas. Estas convicções podem ser
diferentes em crianças com o mesmo desempenho, que posteriormente, por terem essas
convicções e expectativas elevadas têm mais motivação do que as que não têm. A razão
para estas diferenças pode ter a ver com as atribuições que as crianças fazem acerca do
sucesso ou do fracasso. Essas atribuições podem posteriormente afectar o
comportamento orientado para o bom aproveitamento e as expectativas em relação ao
desempenho futuro.
Há quatro causas principais a que atribuímos o nosso sucesso ou o nosso
fracasso: a capacidade (ou falta de), o esforço (ou falta de), o grau de dificuldade da
tarefa (baixo ou alto) e a sorte (muita ou pouca). A capacidade e o esforço são causas
internas e a sorte e o grau de dificuldade são causas externas. Podemos ver também
sobre a perspectiva de estabilidade: a capacidade e o grau de dificuldade são estáveis,
ou seja difíceis de alterar, e a sorte e o esforço instáveis, ou seja variam facilmente.
A leviandade de tais atribuições podem facilmente alterar o nível de motivação
de uma criança, uma vez que normalmente têm um efeito na expectativa desta no
sucesso. Normalmente as crianças que vêem a inteligência como algo fixo e imutável e
se acham pouco capazes têm um comportamento pouco orientado para a aprendizagem,
ao invés das crianças que mesmo achando-se pouco capazes já vêem a inteligência
como algo que se possa desenvolver.
Todas estas percepções de auto-eficácia, as atribuições e os valores de conquista
desenvolvem-se no decorrer da infância. Antes de chegarem à escola, as crianças
mostram normalmente comportamento orientado para o bom desempenho, mas a
entrada na escola (um mundo de avaliações e competição) inicia-os na avaliação de si
próprias e na atribuição de razões para o seu sucesso e fracasso.
Muitas crianças podem desenvolver um tal padrão de ansiedade em relação a
testes que acaba por interferir no seu desempenho. Experiências realizadas mostram que
crianças com elevada ansiedade de avaliação revelam melhores resultados quando
resolvem testes que saibam não serem para as avaliar, do que testes de avaliação. Para
se reduzir o efeito negativo da ansiedade de avaliação entre as crianças sugeriu-se
boletins que especifiquem pontos fortes e pontos fracos ao invés de notas.
Enfim todos estes valores e conceitos contribuem na selecção de actividades de
aprendizagem por parte das crianças e para a quantidade de esforço investido na
realização de tais actividades.

DIFERENÇAS INDIVIDUAIS NA INTELIGÊNCIA E DESEMPENHO

Diversos aspectos do ambiente familiar contribuem para as diferenças


individuais na inteligência e desempenho, tais como a afectuosidade dos pais, se são ou
não verbalmente atenciosos e o nível de ruído e organização do lar, tudo características
do ambiente físico e social. Uma relação positiva entre pais e filhos pode afectar o
aproveitamento uma vez que serve de suporte para a aceitação por parte da criança das
expectativas e exigências dos pais. Estas expectativas e exigências dos pais podem
afectar os esforços da criança para atingir o bom desempenho, tal como a disciplina e a
forma como se aplica a mesma (crianças com pais autoritários têm tendência a ter pior
desempenho na escola). Outra característica importante do ambiente familiar será o
comportamento didáctico dos pais.
Há quem tenha outra perspectiva, dando à constituição genética das crianças
uma maior importância no desempenho escolar. Pode-se refutar facilmente o argumento
de que pais inteligentes normalmente têm filhos inteligentes, dizendo que os pais
inteligentes têm características mais apropriadas para esse melhor desempenho, como
um comportamento altamente didático e uma mais adequada aplicação da disciplina,
para além de terem meios mais adequados do que pais menos inteligentes, como um lar
mais estável e elementos de aprendizagem melhores (livros, por exemplo). As próprias
convicções e expectativas que estes têm do desempenho futuro do filho têm tendência a
ser melhores. Apesar disso, estudos recentes acerca de crianças adoptadas vêem dando
mais argumentos aos que defendem a base genética para a inteligência. Contudo, mais
uma vez se pode afirmar que os pais que adoptam crianças também sofrem uma
selecção por parte das agências de adopção, ficando a ganhas aqueles que têm melhores
condições para o correcto desenvolvimento da criança.

INTERVENÇÕES

Algumas medidas têm vindo a ser adoptadas por parte de alguns governos no
sentido de proporcionar uma melhor igualdade de oportunidades às crianças que
crescem em ambientes desfavoráveis. O projecto mais conhecido desse género foi o
Head Start, que como o nome indica, procura dar uma vantagem de começo às crianças
cuja condição económica as coloca em desvantagem em termos de desenvolvimento
cognitivo relativamente a crianças mais ricas. Chegou-se à conclusão que as crianças
que entraram no programa tiveram um ganho de QI significativo a curto prazo, embora
esse ganho tivesse tendência a desaparecer a médio prazo. Contudo, a inexistência de
um grupo de controlo tira alguma cientificidade às avaliações do Head Start.
Estudos bem controloados de programas de intervenção mostraram efeitos
benéficos claros a longo prazo, como repetição do ano escolar menos frequente e
melhores resultados nos testes de inteligência. Mesmo vários anos depois as crianças
que partiparam nos programas tinham melhor taxas de aprovação no ensino secundário
do que as crianças do grupo de controlo, o que veio contradizer as conclusões do Head
Start.
Chegou-se à conclusão que na pré-infância infância deve-se enfatizar os
estímulos verbais. Depois dos 3 anos pode-se começar no ensino da matemática,
música, ciências e pré-leitura.
Outro tipo de intervenção que se popularizou por todo o mundo foi a intervenção
através da televisão, através de programas como a Rua Sésamo, onde técnicas de
produção publicitária e de animação foram utilizadas para transmitir informação sobre
leitura, habilidades cognitivas e comportamento pró-social. Muitos outros programas de
televisão surgiram como alguns específicos para a matemática e as ciências. Alguns
estudos revelaram que o visualização de programas como a Rua Sésamo melhora o
desempenho cognitivo das crianças.

QUEM GANHA – O ORGANISMO OU O AMBIENTE ?

A eterna questão da psicologia, seja em que área for é sempre a mesma. Quem
tem mais influência, os genes ou o ambiente? Uns defendem a base genético como
factor mais importante, outros o meio ambiente. No fim, comparando argumentos de
uns e outros, chega-se à conclusão que ambos são importantes. Na inteligência o dilema
é semelhante e as conclusões também. Ambos são importantes. Não se pode
simplesmente descartar um deles.
Se classificarmos os ambientes como favoráveis e não favoráveis para o
desenvolvimento da inteligência e as crianças com constituição vulnerável e
invulnerável, podemos dizer que crianças com constituições relativamente invulneráveis
desenvolvem-se normalmente mesmo em ambientes não favoráveis. E vice-versa.
Crianças que cresçam em ambientes favoráveis saem-se bem, mesmo que a sua
constituição seja algo vulnerável.

TENDENCIOSIDADE DO TESTE DE QI – UMA VISÂO CRÍTICA

Já falamos um pouco dos testes de QI e dos seus resultados. Vamos agora


abordá-los de uma forma mais crítica. Normalmente os testes de inteligência são
tendenciosos contra as crianças de classes baixas e minorias. Isto deve-se sobretudo ao
facto de que as informações e as habilidades cognitivas que os testes avaliam são parte
da cultura da classe média ocidental, não da cultura de classes mais baixas, ou da
cultura de minorias provenientes de fora daquilo que normalmente se considera o
Ocidente. Nos países policulturais como os EUA ou o Reino Unido, a língua principal,
o Inglês, língua com a qual os testes estão escritos, pode ser apenas uma segunda língua
para crianças de minorias étnicas, que em casa e no seu bairro falem apenas a língua da
sua cultura.
Normalmente as crianças negras americanas têm resultados de QI mais baixos
do que as crianças brancas. Apesar de alguns “teóricos” terem defendido diferenças
genéticas para explicar as diferenças de QI (teóricos esses com um discurso algo
próximo do discurso ideológico do qual a Europa tem tentado fugir desde o final da
guerra), parece-me que se pode explicar perfeitamente os resultados pela tal
tendenciosidade. As experiências familiares das crianças negras são totalmente
diferentes das das crianças brancas. As habilidades que aprendem são diferentes. A
interpretação das frases também é diferente. Aposto que num teste QI cuja selecção de
perguntas tivesse sido feita da mesma maneira que os primeiros testes de Stanford-
Binet, mas as crianças que respondessem às perguntas iniciais fossem negras, então as
crianças negras teriam melhores resultados do que as brancas (lembro que as perguntas
dos testes de QI são seleccionadas de uma extensa lista de perguntas iniciais propostas a
uma amostra de crianças (ou adultos). As perguntas que ficam são aquelas que mais ou
menos metade das crianças responderam certo).
Uma questão importante que esta tendenciosidade levanta é a utilização de
resultados de testes para a tomada de decisões a nível educacional. De facto, há uns
anos atrás, para se entrar na universidade em Portugal tinha que se fazer uma Prova
Geral de Aptidão (PGA), uma espécie de subteste de QI. É uma polémica interessante.
Por um lado, pode-se argumentar que o teste de QI mede as habilidades
necessárias para atingir bom aproveitamento escolar, apesar da tendenciosidade forte a
favor da classe média. Para uma criança de classe baixa ou de uma minoria pode indicar
o quanto ela aprendeu sobre os requisitos para o bom aproveitamento na sociedade da
classe média, que tem nas escolas e universidades o seu representante. Entre os
estudantes universitários os resultados dos testes podem predizer tão bem o desempenho
académico dos estudantes das minorias como os das maiorias. Para além disso, pode-se
argumentar que um “teste objectivo” pode oferecer uma oportunidade para alunos de
minoria com talento académico serem identificados mesmo quando professores
tendenciosos não reconhecem a sua capacidade.
Por outro lado existe o perigo considerável que os professores e mesmo os pais
considerem logo à partida uma criança com resultados baixos de QI como incapaz de
aprender, principalmente se não se levar em conta a tendenciosidade abordada nas
páginas anteriores. É muito fácil ceder-se ao preconceito do endeusamento do QI como
inato e imutável. Mesmo inconscientemente, os professores podem transmitir
expectativas pessimistas de sucesso e fracassar em dar o melhor de si em ensinar as
crianças com QI baixo.
Dado a tendenciosidade clara dos testes de QI considero que estes não devem ter
um carácter vinculativo na tomada de decisões a nível educacional, pois há um risco de
se cometerem injustiças. Mesmo assim reconheço a força e a validade dos argumentos
dos favoráveis ao sim. Por isso acho que a elaboração de tais testes dever-se-ia efectuar,
mas apenas com um carácter indicativo.
Melhor ainda seria uma discriminação do tipo positivo. Ou seja, as decisões só
se devem ser tomadas se forem benéficas para os visados. Isto para responder ao
argumento do risco de não havendo um teste objectivo, professores tendenciosos não
reconhecerem talento académico em alguns dos seus alunos. Assim não corremos o
risco de deixar para trás no sistema educativo alunos com potencialidades devido à
preconceituosidade de alguns professores (que se calhar deveriam eles mesmos fazer
testes de QI) e também não cortamos as pernas a alunos que, possam ter resultados
baixos de QI, devido à tendenciosidade dos testes.

BIBLIOGRAFIA

NEWCOMBE, Nora; “Desenvolvimento infantil: abordagem de Mussen”,(trad.), 8ª Ed,


Porto Alegre, Artes Médicas Sul,Brazil,1999, pag. 272- 304.

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