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Disciplina 7

Inteligência
Objetivos da Disciplina

Apresentar os aspectos neurobiológicos da Inteligência, destacando suas relações com o processo


de aprendizado.

Conteúdos abordados

• O que é Inteligência
• Aspectos inatos e aprendidos da inteligência humana
• Múltiplas Inteligências?
• Bases neurais da Inteligência

Professor Autor e Responsável

Nicolas Laur Oliveira Camara Cesar (niccesar@gmail.com)


Bacharel em Ciência e Tecnologia e em Neurociência (UFABC). Mestrando em Neurociência e
Cognição (UFABC). Pesquisador em Aprendizagem e Percepção de Tempo. Especializado em
Neurociência para Desenvolvimento Pessoal e Practitioner em Cognitivo-Comportamental.

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Inteligência
Nesta disciplina, vamos continuar o estudo do cérebro, abordando um dos
elementos mais marcantes da experiência humana: a inteligência. Ao final desta
disciplina, você terá compreendido o debate sobre o que é a inteligência, como ela
se desenvolve em humanos, quais são suas bases neurofisiológicas e quais suas
relações com a estrutura e funcionamento do cérebro.

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Um enigma

Como vimos anteriormente, os processos cognitivos remetem a toda atividade


cerebral que permeia a interpretação de um estímulo que chega do ambiente ao
indivíduo. Nas disciplinas passadas, estudamos como a memória se relaciona com
os processos perceptivos e atencionais, vimos que existem diferentes tipos de
memória e de aprendizado, e que cada um deles possui sistemas e sítios neurais
críticos para seu devido funcionamento. Além disso, falamos sobre o papel das
emoções na modulação da atividade de diversos outros sistemas cognitivos. Por
fim, vimos que a linguagem é a função cognitiva que nos afasta de nossos primos
na história evolutiva, sendo um dos traços que marcam a experiência humana.
Hoje, vamos iniciar o estudo de mais uma característica que mantém com a nossa
espécie uma relação de diferenciação em relação ao restante do mundo animal: a
inteligência.

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Todos temos uma noção intuitiva do que a inteligência é ou representa. O que ela
nos diz é que a inteligência é uma capacidade que nos ajuda a planejar, raciocinar,
resolver problemas, tomar decisões, pensar por nós mesmos e a sobreviver no
mundo moderno. Mas essa não é uma definição precisa o bastante para a ciência,
e este problema está na base da construção de um entendimento a respeito do
que é a inteligência humana. Desde muito antes do surgimento da psicologia
enquanto ciência, filósofos da antiguidade já se perguntavam o que seria a
inteligência. De lá para cá, literalmente centenas de diferentes definições foram
propostas, o que dificulta a vida de qualquer cientista.

Em ciência, para que um fenômeno possa ser estudado, ele precisa ser primeiro
bem definido. Definições precisas dos fenômenos fornecem a base para que
hipóteses sejam levantadas e previsões sejam realizadas pelas teorias,
possibilitando o arcabouço teórico que guia a experimentação, a coleta e análise
de dados em um campo de estudo. Uma boa teoria é medida pelo seu poder
preditivo, sua simplicidade e seu sucesso em sobreviver aos ataques de seus
opositores, com base na observação do mundo e extração de evidências que
tentam mostrá-la errônea.

Nossa noção intuitiva de inteligência é ampla, e o fato de tantas definições terem


sido propostas para ela dá indícios de sua complexidade. Segundo um acordo
proposto entre 52 pesquisadores do tema, podemos entender a inteligência da
seguinte forma:

“A inteligência é uma capacidade muito geral que, entre outras coisas, envolve a
capacidade de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar abstratamente,
compreender ideias complexas, aprender rapidamente e aprender com a
experiência. Não é apenas aprendizado de livros, uma habilidade acadêmica
restrita ou ter bom desempenho em testes de inteligência. Pelo contrário, reflete
uma capacidade mais ampla e profunda de compreensão do nosso entorno -

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"pegando", "entendendo" as coisas ou “descobrindo o que se deve fazer”. A
inteligência, assim definida, pode ser medida e testes de inteligência são boas
ferramentas para sua medição.”

Sendo assim, entendemos a natureza geral da inteligência e o desafio que


representa seu estudo. O que é que nos permite compreender ideias complexas,
resolver problemas, aprender com a experiência e pensar de forma abstrata –
tarefas essas que marcam profundamente cada momento de nossa experiência
consciente?

No próximo capítulo começamos a responder essa questão, estudando as origens


da inteligência humana.

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Eu nasci assim!
Lembra da disciplina passada, quando discutimos o debate Natureza vs Criação? A
tentativa de explicar o comportamento humano com base em fatores pré-
determinados, condicionados pela nossa biologia, como por exemplo nossa

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herança genética e embriológica, ou ainda como fruto de nossas experiências e
aprendizados enquanto indivíduos, desde a concepção, durando pelo resto de
nossas vidas? Pois bem, eu não esqueci de trocar a imagem e o título deste capítulo
para esta disciplina. Acontece que essa discussão é ainda mais fundamental
quando tratamos da inteligência do que quando tratamos da linguagem, e neste
capítulo vamos entender o porquê disso.

Afinal de contas, nascemos inteligentes ou nos tornamos mais inteligentes com o


tempo?

É tentador pensar que nos tornamos mais inteligentes conforme nos


desenvolvemos, aprendemos com a experiência e nos tornamos mais capacitados
e adaptados à vida, de uma forma geral. Essa ideia tem sua importância e sua
verdade, mas precisamos destacar o papel massivo da hereditariedade sobre a
inteligência.

Mas antes, precisamos fazer uma distinção entre inteligência e habilidade, que é
de vital interesse para a fundamentação teórica da inteligência. Você
provavelmente já ouviu falar, e deve até mesmo concordar que nós, humanos,
somos dotados de múltiplas inteligências, como propôs Gardner em 1983.

Para Gardner, a inteligência seria constituída de oito diversos domínios cognitivos


(linguístico, lógico-matemático, naturalístico, espacial, cinético, musical,
conhecimento interpessoal, conhecimento intrapessoal) que seriam relativamente
independentes uns dos outros. Aqui a palavra independente é fundamental:
diferentes indivíduos teriam diferentes formas de manifestar sua inteligência, e ser
bom em um dos oito domínios não implica ser bom nos outros sete. Assim, um
indivíduo poderia ser um gênio da música, enquanto não ser bom em lidar com
outras pessoas. Intuitivo, você deve estar pensando.

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Mas o pressuposto de independência entre diferentes domínios cognitivos que é
a base que sustenta a teoria de Gardner para as Múltiplas Inteligências não resiste
a mais de um século de pesquisas sobre a inteligência humana.

Teste psicométricos avaliam diferentes domínios de habilidades cognitivas. As


evidências apontam que esses domínios não são independentes, de forma que
pessoas que performam bem em algum deles tendem a performar bem em outros
domínios também. Isso é reconhecido como “inteligência geral” e geralmente
denotado pelo símbolo “g “.

Esse índice de inteligência geral ‘g’ é capaz de explicar a maior parte da


variabilidade em desempenho de indivíduos em testes cognitivos, constituindo a
maior parte de seu valor preditivo, além de estar mais intimamente relacionado
com os achados na variabilidade genética e seus impactos sobre a inteligência.

Teorias como a MI falham em explicar os achados destes testes de habilidade


cognitiva, e a forte correlação que existe entre os diferentes domínios cognitivos.
Elas pressupõem que esses domínios sejam independentes, mas a evidência é
incontroversa do contrário.

Isso não exclui o fato de que somos capazes de desenvolver determinados tipos de
habilidades em detrimento de outras, mas o fato de que somos melhores em
certos tipos de habilidades não necessariamente se reflete como um tipo de
inteligência distinto. Essa distinção é importante do ponto de vista prático e teórico,
uma vez que a Teoria das Múltiplas Inteligências faz um apelo que chamou a
atenção e ganhou a simpatia de muitos educadores pelo mundo.

Muitos psicólogos e pesquisadores, por outro lado, criticam veementemente a


fundação desta teoria e sua aplicação sem fundamentação científica sólida nas
instituições de ensino. Entre outras críticas, podemos destacar 3 ideias principais
que desqualificam a TMI como uma teoria científica sólida:

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1 – Utiliza de argumentos circulares que tornam sua investigação empírica
infalseável: Um indivíduo ser bom em habilidades musicais se explica pelo fato
dele ter grande inteligência musical, mas a própria inteligência musical se
manifestaria através das habilidades do indivíduo com música. Este tipo de
argumento é dito tautológico, e, portanto, sempre verdadeiro, de forma que é
impossível torná-lo falso. É práxis da ciência trabalhar com hipóteses que podem
se mostrar erradas, logo, a TMI não constituiria uma ideia científica.

2 – Como citamos anteriormente, os diferentes domínios cognitivos propostos pela


teoria têm como pressuposto sua independência, o que desconsidera os achados
de mais de um século de pesquisas em inteligência humana que mostram que
domínios cognitivos distintos medidos por testes psicométricos de inteligência são
moderadamente correlacionados, e que o desempenho em um domínio explica a
maior parte da variabilidade em desempenho em outros domínios – ou seja, eles
estão correlacionados.

3 – Por fim, múltiplas inteligências requereriam mecanismos neurais


independentes, do ponto de vista biológico, como substrato. Essa ideia, diferente
das outras, tem ganhado certo apoio, como veremos mais adiante, mas ainda há
relação entre diferentes habilidades e o substrato neural implicado em sua
proficiência.

Agora que separamos a ideia de inteligência da ideia de diferentes habilidades,


podemos tratar do aspecto central deste capítulo: Afinal, nascemos inteligentes ou
nos tornamos inteligentes a depender de nossa experiência?

Como você pode imaginar, uma combinação dos dois fatores deve ser a resposta
para essa pergunta. Essa ideia está correta, e vamos discutir a seguir as evidências
a seu favor.

Por um lado, a inteligência é altamente hereditária. Estima-se que fatores


genéticos expliquem de 60 a 75% da variação em resultados de testes de QI, o que
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faz da inteligência um dos traços humanos mais relacionados à nossa genética.
Diversas evidências colaboram essa visão, entre elas:

1 - Irmãos gêmeos idênticos (monozigóticos) criados juntos são mais semelhantes


entre si do que gêmeos fraternos (dizigóticos) criados juntos.

2 – Irmãos criados juntos são mais semelhantes entre si do que indivíduos não
relacionados criados juntos (como irmãos adotivos, por exemplo).

3 – Crianças são mais parecidas com seus pais biológicos do que com pais adotivos.

Isso indica que a performance em testes de inteligência é mais semelhante entre


aqueles que compartilham maiores porções de código genético. Conforme esse
compartilhamento diminui, mesmo que as pressões do ambiente sejam
comparáveis, a influência genética se mostra determinante, diminuindo a
semelhança de performance nos testes.

Sendo os genes tão determinantes na inteligência humana, a pergunta que não


quer calar é: quais genes se correlacionam com a inteligência humana? Quando
cada um deles exerce sua função no desenvolvimento?

A inteligência é uma característica altamente poligênica, o que é esperado, dado a


complexidade dessa função cognitiva. O último grande estudo ressalta 1041 genes
implicados em capacidade cognitiva. Isso significa que cada um deles,
isoladamente, contribui pouco para a inteligência de forma geral, e que sua
influência deve ocorrer em diferentes estágios do desenvolvimento. Mas mesmo
pequenas influências gênicas podem ter grandes consequências em estágios
críticos do desenvolvimento do cérebro.

Além disso, a maior parte desses genes identificados estão em regiões não-
codificantes do genoma humano, sugerindo que seu papel está na regulação da
expressão de certos genes, antes da transcrição de proteínas propriamente dita.
Apenas 1.4% dos genes implicados na inteligência se encontram em regiões do

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genoma que contribuem para a produção de RNA a ser transcrito em proteínas,
mas esses genes estão implicados em vias de processos como a diferenciação
celular, a neurogênese e a formação e estruturação de sinapses, a maior parte
deles com ação pré-natal. Boa parte desses genes que desempenham um papel no
neurodesenvolvimento devem contribuir para a estrutura e funcionalidade das
sinapses, seja na sua formação ou degradação por desuso, seja através de
alterações no citoesqueleto, na movimentação dos receptores de membrana ou
ainda no metabolismo energético da célula. De fato, a maior parte desses genes
está ligada à expressão de proteínas de membrana responsáveis pela comunicação
célula-célula ou célula-matriz extracelular.

(Eu explico melhor o que são essas regiões do genoma na videoaula)

Mais importante, os efeitos genéticos sobre a capacidade cognitiva humana


provavelmente não atuam sozinhos, de forma que a interação com o ambiente é
crítica. Em outras palavras, o impacto desses fatores genéticos sobre a capacidade
cognitiva de um indivíduo ganha importância na medida em que níveis precoces
de capacidade cognitiva são reforçados através da seleção de ambientes e de uma
educação que seja consistente com esses níveis de habilidade.

Isso se manifesta, por exemplo, nos estudos que tentam entender a relação entre
raça e resultados em testes de QI ao longo do tempo. Em 1930, afro-americanos
tinham QI, em média, 15 pontos mais baixo que brancos (latinos ficam entre afro-
americanos e brancos, na comparação, e asiáticos ficam à frente dos brancos, em
média, 5 pontos). Mas após 1930, tem-se observados uma diminuição nessa
diferença entre brancos e afro-americanos. Isso se deve, em grande parte, não a
fatores genéticos, pois esses não tiveram tempo suficiente para mudar tanto, mas
sim, por fatores ambientais, como o crescente acesso à educação e melhores
condições de saúde, nutrição, e oportunidades de vida entre afro-americanos no
último século.

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Além disso, o QI médio do ser humano tem aumentado nos últimos anos,
principalmente em países ditos desenvolvidos, de forma que a variabilidade
genética não é capaz de explicar por si só, tornando a influência ambiental sob a
predisposição genética ainda mais forte (entre 1930 e meados de 1990, observou-
se um aumento médio de 18 pontos no QI dos americanos). Isso parece se dever
a melhores condições de nutrição, desenvolvimento tecnológico que tornou o
ambiente mais complexo e estimulador, bem como o aumento ao acesso a
melhores condições educacionais.

Sendo assim, há muito ainda o que ser investigado e compreendido no que tange
o papel dos genes na inteligência humana. Sabemos que fatores sociais,
econômicos e ambientais desempenham um papel importante nessa discussão e
devem ser melhor explorados. Por outro lado, as evidências são robustas o
bastante para acreditarmos que os genes são fundamentais para o desabrochar de
habilidades cognitivas, e essas evidências se correlacionam bem com os achados
de neuroimagem, que vêm demonstrando o papel de regiões cerebrais e sua
estrutura sobre a inteligência, como veremos no próximo capítulo.

Também discutimos aqui a Teoria das Múltiplas Inteligências e suas críticas. Talvez
a ideia mais interessante da MI, do ponto de vista prático para a educação, tenha
relação com a inteligência intrapessoal. O professor devia ajudar o aluno a
compreender e apreciar o valor de suas inteligências particulares – rumo a uma
personalização do processo educativo dos indivíduos. De maneira mais
especulativa, o professor poderia chamar atenção dos alunos para suas reações
físicas e emocionais diante de um tópico, a fim de ajudar no processo de
memorização e aprendizado do mesmo – embodied cognition. Por tudo o que
estudamos até o momento, o desenvolvimento destas diferentes habilidades
durante o processo de formação do indivíduo, só tem a fornecer para os sistemas
cognitivos do cérebro um ambiente rico e estimulador, capaz de tornar o processo
de aprendizagem mais interessante e memorável.
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Bases Neurais da Inteligência
O forte componente genético sobre a inteligência é ainda mais ressaltado quando
estudamos o funcionamento do cérebro em tarefas típicas de avaliação da
inteligência. Isso porque existe grande conformidade entre as regiões que têm sido
implicadas na inteligência com a localidade da expressão destes genes e com sua
função e como ela afeta a estrutura macroscópica destas regiões.

Neste capítulo, vamos falar um pouco sobre as bases da inteligência a nível de


populações de neurônios e regiões do encéfalo. Vamos considerar primeiro
aspectos gerais da neuroanatomia relacionada aos achados no assunto.

Assim como funções cognitivas complexas, a inteligência parece envolver diversos


fatores que sugerem que ela não seja uma propriedade de uma região específica
do cérebro, mas esteja relacionada com a função de diversas áreas e redes

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distribuídas por ele. Os estudos de neuroimagem mostram isso – destaque para as
áreas de associação multimodais do lobo frontal e temporal.

Tamanho importa?

Uma primeira curiosidade que podemos destacar é aquela velha pergunta: Será
que tamanho é documento? No caso, será que o tamanho do cérebro tem relação
com a inteligência de um indivíduo? Pense por um minuto nessa questão: parece
mais provável que sim ou que não? Por quê?

Por mais que pareça injusta a ideia de que cérebros maiores predisponham de
alguma forma ou ainda se relacionem de alguma forma com a inteligência de um
indivíduo, as revisões de literatura em neurociência mostram que este parece ser
o caso: as evidências a favor dela são robustas apesar de modestas. Vale ressaltar
que esses estudos são relacionais, e que correlações em ciência não significam
causa. Mas nosso conhecimento no momento indica que sim, que cérebros
maiores se relacionam, em média, com uma maior inteligência.

Também observamos correlação volumétrica como o tamanho geral do encéfalo


para outras medidas e a inteligência, sendo elas a espessura cortical influenciada
por maiores volumes de matéria cinzenta – principalmente nos córtices frontal e
temporal, bem como à integridade de fibras que conectam diferentes regiões do
encéfalo, principalmente os fascículos arqueado e uncinado que conectam,
novamente, os córtices temporal e frontal.

Como ressaltado, a inteligência parece se relacionar com uma ampla rede de


regiões interconectadas no encéfalo. Abaixo você pode conferir algumas que
foram ressaltadas em uma revisão acerca de diversos estudos na área:

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Como vimos, os principais genes relacionados até o momento com a inteligência
têm um papel importante durante o desenvolvimento, sobretudo pré-natal. Esses
genes estariam relacionados, entre outras coisas, com a neurogênese e a formação,
estrutura e funcionalidade das sinapses, o que suporta os achados relacionais
entre volume geral do cérebro, volume da matéria cinzenta cortical e com a
integridade da matéria branca que faz a conexão entre as regiões do cérebro. Note
que a integridade dessas fibras nervosas é fundamental para que a informação seja
transmitida de forma eficiente, e se relaciona com métricas psicofísicas
importantes quando estudamos a inteligência, como tempos de reação e
velocidade de respostas. Fibras danificadas demoram mais para transmitir
informações, de forma que o processamento cerebral fica prejudicado como um

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todo, repercutindo no resultado de testes de inteligência. Diferenças na
integridade da matéria branca cerebral também podem ser observadas entre
crianças com dificuldades de aprendizado sérias e crianças com desenvolvimento
típico.

A estrutura cerebral não é fixa

Se tem algo que discutimos neste curso, é que a estrutura cerebral é moldável,
processo que chamamos de plasticidade neural. Ela pode ser influenciada tanto
pelo aprendizado, quanto por hormônios, pela idade e pelas experiências.

Diferenças hormonais são marcantes entre homens e mulheres. No que tange à


inteligência, podemos observar diferenças substanciais na estrutura do cérebro
entre homens e mulheres, mas essas variações nem sempre acompanham
diferenças em performance cognitiva. Por exemplo, a espessura cortical é maior
em homens do que em mulheres, mas correlações entre testes de QI e espessura
cortical não diferem entre os grupos. Além disso, mulheres possuem maior volume
cerebral em regiões como a área de Broca, que se relacionam com uma maior
fluência em componentes verbais dos testes de inteligência, enquanto regiões
envolvidas no processamento espacial são mais volumosas em homens. Essas
diferenças fazem com que as rotas para o comportamento inteligente possam ser
diferentes entre homens e mulheres, mas o resultado geral sobre o QI não seja
significativo.

A idade também é importante: passamos por um período de expansão do volume


de matéria cinzenta, que culmina por volta dos 10 anos de idade, e então começa
a ser “podada” na puberdade e vida adulta. A inteligência parece se correlacionar
com esse padrão de desenvolvimento.

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Diferentes regiões do encéfalo amadurecem em momentos diferentes. As áreas de
associação superiores se desenvolvem mais depois que as somatossensoriais mais
básicas já tenham se desenvolvido nas crianças. Em crianças com QI mais elevados,
o desenvolvimento cortical se dá de forma mais acelerada e prolongada do que em
crianças com QI mais baixos. Por outro lado, apesar de nosso encéfalo passar por
mudanças dramáticas durante a vida, a inteligência parece se manter estável
durante a vida do indivíduo. Resultados para testes de QI de indivíduos que
realizaram o teste durante a infância (5 anos de idade) e mais tarde (aos 70 anos)
mostram uma correlação entre os resultados dos testes de r=0.73 (muito alta).

Regiões do cérebro e Inteligência

Como discutimos anteriormente, uma vasta rede de regiões deve estar associada
a uma função da mente tão complexa quanto a inteligência. O melhor modelo que
dispomos atualmente para essa rede é o P-FIT (do inglês Parieto-Frontal
Integration Theory) para a inteligência.

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Segundo este modelo, o córtex extrastrado (BA 18–19) e giro fusiforme (BA 37)
estão envolvidos na inteligência porque eles contribuem para o reconhecimento
de imagens e elaboração de dados visuais, assim como a área de Wernicke (BA 22)
faz para entradas auditivas (atribuindo elementos sintáticos e semânticos). As
informações capturadas por esses caminhos são processados na área supra-
marginal (BA 40), giros superiores (BA 7) e angulares (BA 39) do lobo parietal, no
qual acredita-se que simbolismo estrutural, abstração e elaboração emergem.
Essas regiões parietais podem interagir com partes do lobo frontal (10, 45, 46 e 47)
para formar uma base para a rede de memória de trabalho que compara possíveis
respostas a diferentes tarefas. uma vez selecionada a resposta da tarefa, a parte
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anterior do córtex cingulado (BA 32) apoia o envolvimento com a resposta e inibe
respostas alternativas. Essas interações entre as regiões do cérebro são
dependentes das importantes fibras (matéria branca) que as conectam, como o
fascículo arqueado (em amarelo, na imagem). Para a maioria dessas regiões do
cérebro, o hemisfério esquerdo parece ser mais importante para a tarefa cognitiva
desempenho do que o hemisfério direito.

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Leituras Recomendadas
As informações que disponibilizei para você nesta apostila tiveram como referência
apenas artigos da literatura neurocientífica!

1. Kanchna Ramchandran, Eugene Zeien, Nancy C. Andreasen, Distributed

neural efficiency: Intelligence and age modulate adaptive allocation of


resources in the brain, Trends in Neuroscience and Education, Volume 15,
2019, Pages 48-61, ISSN 2211-9493,
https://doi.org/10.1016/j.tine.2019.02.006.

2. Lopez, M. M. L., Herrera, J. C. E., Figueroa, Y. G. M., & Sanchez, P. K. M. (2019).

Neuroscience role in education. International Journal of Health & Medical


Sciences, 3(1), 21-28. https://doi.org/10.31295/ijhms.v3n1.109

3. C. Branton Shearer and Jessica M. Karanian, The Neuroscience of Intelligence:

Empirical Support for the Theory of Multiple Intelligences? Trends in


Neuroscience and Education, http://dx.doi.org/10.1016/j.tine.2017.02.002

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4. Lynn Waterhouse (2006) Inadequate Evidence for Multiple Intelligences,
Mozart Effect, and Emotional Intelligence Theories, Educational Psychologist,
41:4, 247-255, DOI: 10.1207/s15326985ep4104_5

5. C. Branton Shearer, Jornal of Intelligence: Multiple Intelligences in Teaching


and Education: Lessons Learned from Neuroscience

6. Ian Deary et al., Nature Reviews Neuroscience: The neuroscience of human


intelligence differences, doi:10.1038/nrn2793

7. Goriounova NA, Mansvelder HD. Genes, Cells and Brain Areas of Intelligence.

Front Hum Neurosci. 2019;13:44. Published 2019 Feb 15.


doi:10.3389/fnhum.2019.00044

Bons estudos!

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