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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE


PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

NEUROCIÊNCIA E APRENDIZAGEM: SUA IMPORTÂNCIA PARA


A PSICOPEDAGOGIA

Éster Roberta Cardoso Moreira


Orientador(a): Carly Machado

Niterói
Julho/2010
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

NEUROCIÊNCIA E APRENDIZAGEM: SUA IMPORTÂNCIA PARA


A PSICOPEDAGOGIA

Monografia apresentada ao Instituto A Vez do


Mestre - Universidade Candido Mendes como
requisito parcial à obtenção do Grau de Especialista
em Psicopedagogia

Por: Éster Roberta Cardoso Moreira


3

“Ensinar sem ter o conhecimento de como o cérebro


aprende é como desenhar uma luva sem ter a noção
de como uma mão se parece” (Leslie Hart, 1983).
4
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos professores do Instituto a vez do mestre e,


aos meus colegas de classe que juntos me motivaram ainda mais ao estudo da
Psicopedagogia.
5
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia àos meus pais, Adenir e Paulo, ao meu marido,
Patrick e, ao meu filho, Arthuro, que com muito amor me apoiaram. Sem eles,
este aperfeiçoamento não seria possível.
6

RESUMO

É possível re(modelar) o cérebro e, com isso otimizar o aprendizado? De


acordo com os estudos realizados na área de Neurociência, é possível. Há
possibilidade de darmos continuidade ao aprendizado, isto, independente de
idade, ou, habilidades especiais. Muito embora pensemos que somos as
mesmas pessoas durante toda a nossa vida; a neurociência explica que a
estrutura e o estado funcional de nosso cérebro muda, dramaticamente no
curso da vida humana.
Mudamos pois nosso cérebro é flexível- possui plasticidade- que
possibilita a ocorrência da memória e do aprendizado. Segundo os
,Neurocientistas, a aprendizagem é o resultado da comunicação entre os
neurônios; a memória, a tomada de decisões, a consciência, as emoções e as
interações mente-corpo, são todos sistemas sediados no cérebro. Os
conhecimentos teóricos da área de neurociência, revelam, que existem
métodos baseados em teorias sobre o funcionamento do cérebro, que tornam o
ensino/aprendizagem mais efetivo. Como, por exemplo: a neurociência
assinala que o cérebro faz suas conexões da melhor forma quando a disciplina
é dada de forma interdisciplinar, evitando assim, que as informações sejam
apresentadas fora de contexto.
O sistema educacional pouco tem se beneficiado com os conhecimentos
da Neurociência, com o intuito de otimizar o ensino/aprendizado de seus
alunos e capacitar seus professores. Porém, o conhecimento sobre o
funcionamento do cérebro é imprescindível para o profissional de
Psicopedagogia, pois, sua tarefa é desobstruir os obstáculos que impedem a
aprendizagem, permitindo a compreensão deste processo; levando assim, ao
melhor desenvolvimento do indivíduo como um todo.

Palavras-chave: neurociência, psicopedagogia, processo de ensino-


aprendizagem, cérebro, plasticidade.
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METODOLOGIA
O estudo se dará através da leitura e análise das teorias e descobertas
relatadas, pelos seguintes autores: a Neurocientista da Aurora University
(USA)Marilee Sprenger; o Idealizador do Projeto Cérebro, o Médico Luiz
Samuel Tabacow; Sharon Begley, Especialista em Jornalismo Científico do
Wall Street Journal; o Neurobiologista Steven Rose e o Neurobiologista
Francisco Varela, dentre outros.
8
SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................... 09

Capítulo I – Neurociência e Psicopedagogia .................................................. 12

Capítulo II – Aprendizagem e Cérebro .......................................................... 19

Capítulo III – Aprender a aprender a partir da Neurociência ......................... 43

Capítulo IV - Além do cérebro: a mente incorporada ..................................... 49

Conclusão ...................................................................................................... 52

Bibliografia consultada ................................................................................... 54

Anexos ........................................................................................................... 58

Índice .............................................................................................................. 68
9

Introdução

Este trabalho visa tratar da importância da Neurociência para a


Psicopedagogia. Os profissionais de Psicopedagogia precisam estar
atualizados com as teorias e, novas descobertas da área de Neurociências por
se tratar do estudo de como pensamos, como memorizamos e, de como
aprendemos.Tanto as desordens de aprendizagem quanto à otimização da
aprendizagem podem ser beneficiadas a partir do estudo da neurociência. De
acordo com Usha Goswani “O estudo da aprendizagem une inevitavelmente a
educação e a neurociência”(2004, p.10).

Neste trabalho iremos focar a questão da plasticidade cerebral e sua


correlação com a aprendizagem; respondendo a questão: É possível
re(modelar) o cérebro e, com isso otimizar o aprendizado? De acordo com os
estudos realizados na área de Neurociência, é possível. Há possibilidade de
darmos continuidade ao aprendizado, isto, independente de idade ou
habilidades especiais. Segundo Dale Purves “Até mesmo, na maturidade, as
conexões sinápticas se modificam quando novas habilidades e memórias são
adquiridas, enquanto as mais antigas são esquecidas” (2004, p.500).

O re(modelamento) do cérebro está relacionado a sua capacidade


flexível de mudança, ou seja, sua plasticidade. Para o Neurocientista Steven
Rose “No nível comportamental a plasticidade significa a capacidade do
indivíduo de aprender, ser modificado pela experiência”(1984, p.235). O termo
plasticidade cerebral, neste trabalho, irá representar a aprendizagem, visto que,
segundo Rose “É a plasticidade do cérebro que possibilita a ocorrência da
memória e do aprendizado, que imprime sobre cada indivíduo um conjunto de
comportamentos, pensamentos e emoções específicos e
característicos”(idem,ibidem).

A Neurociência é uma disciplina que ainda não encontramos nos


currículos dos professores de ensino médio e fundamental. Para a grande
maioria das pessoas, o conhecimento sobre o funcionamento do cérebro é
quase nulo. Porém, em se tratando da área de Psicopedagogia, vemos que é
10
imprescindível para este profissional da educação- além de entender como se
dá à aprendizagem- ter uma noção básica sobre o funcionamento do cérebro e,
suas capacidades. De acordo com Marilee Sprenger “O que tem se tornado tão
importante quanto aprender, é aprender como melhor se aprende” (1999,
p.100).

O Congresso Americano e o Presidente George Bush, designaram os


anos 90, como a década do cérebro, através da Proclamação nº 6158, de 17
de julho de 19901. Direcionando, assim um enorme investimento em pesquisas,
para que o conhecimento a respeito do cérebro fosse otimizado.
Conseqüentemente, a produção científica na área de Neurociências teve um
salto quantitativo. Porém, os resultados ainda não se fazem presentes nos
métodos de ensino, aplicados tanto nos Estados Unidos, como na Comunidade
Européia e, também na América Latina. A mudança ainda é sutil, por falta de
uma divulgação mais ampla dessas teorias. Segundo Helen Neville,
Neurocientista da Universidade de Cornell (USA) ”As pessoas tem destinado
bastante dinheiro para que possamos fazer essa pesquisa. Mas a sociedade
não está colhendo benefício algum com isso” (BEGLEY, 2007, p.122).

Marilee Spreenger afirma de que é através do conhecimento de como o


cérebro funciona, que poderemos nos tornar melhores educadores. Ela enfatiza
dizendo que os educadores precisam entender duas coisas: “primeiro, que o
cérebro tem tudo a ver com a aprendizagem, e segundo, o quanto mais
soubermos sobre neurociência, o quanto mais fácil será tomarmos as decisões
que afetam nossos estudantes diariamente”(1999, p.vi). Nisto, reside a
relevância do estudo de Neurociência para a Psicopedagogia.

O trabalho está organizado da seguinte forma: no capítulo I, apresentará


um breve histórico da Neurociência e da Psicopedagogia. No capítulo II, fará
uma correlação entre a Neurociência e a aprendizagem; brevemente
descrevendo o funcionamento cerebral e, os mecanismos que envolvem o
aprendizado. No capítulo III, irá descrever certos métodos e a didática utilizada,
que são mais propícios para se alcançar um bom nível de otimização do
1
(Anexo I. Proclamação nº 6158 de 17 de julho de 1990. ACKERMAN, Sandra. Discovering the
Brain, 1992, pp.167,168).
11
ensino/aprendizagem, de acordo com a Neurociência. Finalizando, no capítulo
IV irá descrever sobre o conceito de ‘mente incorporada’, relacionado à
capacidade do corpo de assimilar o aprendizado.
12
Capítulo I - Neurociência e Psicopedagogia

Neste capítulo I, iremos tratar do histórico e objeto de estudo da


Neurociência e da Psicopedagogia. Como também, iremos relacionar a
relevância do estudo da Neurociência para a área de Psicopedagogia.

1.1 Breve histórico da Neurociência e objeto de estudo

De acordo com Laurie Ekman “A pesquisa científica rigorosa sobre o


funcionamento neural tem história relativamente curta, começando no fim do
século XIX”(2000, p.02). O médico Luiz Samuel Tabacow, idealizador do site:
“www.projetocerebro.com.br”, ressalta que “a partir de 1950, o interesse pelo
cérebro aumentou devido ao aparecimento do computador, cujo funcionamento
foi idealizado com base no funcionamento do cérebro, mais especificamente
em suas células, os neurônios” (2006, p.69). Somado, a isso os estudos sobre
o cérebro foram otimizados com o advento das neuroimagens: Imagem por
ressonância magnética (IRM), Imagem por ressonância funcional (IRMF) e
Tomografia por emissão de Posítrons (PET, em Inglês). Segundo Tabacow,
“Este tipo de imagem subsidiou a visualização de alguns processos cerebrais
e, assim, o entendimento de certas dificuldades de aprendizagem” (ibidem,
p.78).

Ekman declara que “Os enfoques atuais para a compreensão do sistema


nervoso incluem múltiplos níveis de análise”(2000, p.02). São eles: a
neurociência molecular, a neurociência celular, a neurociência do sistema, a
neurociência comportamental e a neurociência cognitiva, a qual, iremos tratar
no presente estudo. A neurociência cognitiva “cobre os campos do
pensamento, aprendizado e memória”(ibidem, p.02).

Segundo a Neurocientista Brasileira Suzana Herculano-Houzel da UFRJ


(Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenadora do site:
“www.cerebronosso.bio.br”, a “Neurociência é um termo guarda-chuva que
engloba todas as áreas da ciência - biologia, fisiologia, medicina, física,
psicologia - que se interessam pelo sistema nervoso: sua estrutura, função,
13
2
desenvolvimento, evolução, e disfunções”. Podemos perceber então que as
descobertas cientificas nesta área não são tão recentes. A área de
Neurociências está em voga; poderíamos até dizer, que está na moda
relacionar certos assuntos e sua relevância com a Neurociência. Atualmente, o
estudo da área de Neurociências está abrangendo muito além das ciências
cognitivas, chegando até mesmo, ao Marketing e, a economia. A
Neuroeconomia e o Neuromarketing, por exemplo, estudam como
neurofisiologicamente reagimos quando tomamos as decisões relacionadas ao
consumo e finanças.

1.1.1 O objeto de estudo da Neurociência

O objeto de estudo da Neurociência é o sistema nervoso. O sistema


nervoso tem várias funções. Ackerman assinala que “O cérebro armazena
nossa mente e nossas memórias e contamos com sua capacidade de
processar informações, quando decidimos aprender algo novo”(1992, p.124).
Segundo John Bransford

“A neurociência está começando a formular evidências de


vários princípios de aprendizagem, que surgiram de pesquisas
laboratoriais, demonstrando como a aprendizagem muda a
estrutura física do cérebro e, com isso sua organização
funcional”(2000,p.04).

Abaixo(Figura 01) pedaço de Madeira do Escocês J. Dryander,


mostrando que o cérebro, em 1537, já era entendido como possuindo uma
estrutura composta de diversas partes. De acordo com Ackerman “A figura
identifica divisões entre a parte anterior e posteriror e, as letras A,B,C,D,E,F e
G, distinguem as seis camadas do córtex cerebral”(1992, p.x).

2
(http://www.cerebronosso.bio.br/guia-bsico-de-neurocincia/. O cérebro nosso de cada dia:
descobertas da neurociência sobre a vida cotidiana. Acesso em: 27.dez.2009).
14

Figure 01. Cérebro. The National Library of Medicine3.

1.2 Breve histórico da Psicopedagogia e objeto de estudo

Em 1946, em Paris, foram fundados os primeiros Centros


Psicopedagógicos, que reuniam uma equipe composta de: médicos,
psicólogos, psicanalistas e pedagogos; com o intuito de oferecer tratamento a
crianças consideradas inaptas ao convívio social(BOSSA).

3
(AKERMAN, Sandra. Discovering the Brain,1992, p.x).
15
O Primeiro curso no Brasil começou na década de 1970, recebendo
influência direta da Psicopedagogia da Argentina e, esta da Psicopedagogia
Francesa. Os autores Argentinos que fundamentam o corpo teórico da
Psicopedagogia no Brasil são: Sara Pain, Jorge Visca e Alicia
Fernandez(BOSSA). E, da Francesa: Jacques Lacan, Maud Mannoni, Pichón-
Rivière, dentre outros. Bossa assinala de que “A Psicopedagogia não nasceu
aqui e tampouco na Argentina. Investigando a literatura sobre o tema, podemos
verificar que a preocupação com os problemas de aprendizagem teve origem
na Europa, ainda no século XIX”(2007, p.36).

De acordo com Bossa “o saber psicopedagógico nasceu exatamente da


ineficácia de outros saberes diante dos problemas de aprendizagem – a
psicologia, a pedagogia, etc” (2007, p.142). Segundo, Maria Silva (1998), o
surgimento da psicopedagogia no Brasil, se liga ao problema do fracasso
escolar. Segundo Bossa, a Psicopedagogia de início lidava apenas com as
crianças consideradas inaptas pelo sistema educacional e, agora num segundo
momento, atua com o intuito de prevenir as dificuldades de
aprendizagem(ibidem, p.33). Bossa assinala que a Psicopedagogia “se
encontra em fase embrionária e, seu corpo teórico acha-se em
construção”(ibidem, p.31).

1.2.2 O objeto de estudo da Psicopedagogia

Segundo Bossa “para apreender o objeto de estudo da Psicopedagogia”


não é suficiente rever suas bases pedagógica e psicológica, deve-se recorrer a
“outras áreas, como Filosofia, a Neurologia, a Sociologia, a Lingüística e a
Psicanálise”(2007, p. 25).

Na primeira fase da Psicopedagogia, o objeto de estudo era o ‘sintoma’.


Segundo Maria Silva “o sintoma é um sinal da desarticulação dos diferentes
aspectos da aprendizagem: o aspecto afetivo, o aspecto cognitivo e o aspecto
social” (1988, p.125). Isto significa dizer, que todos os diagnósticos sobre
dificuldades de aprendizagem eram o objeto de estudo da Psicopedagogia,
como: a desatenção, lentidão, astenia, dislexia, etc.
16
Na segunda fase, o objeto de estudo da Psicopedagogia passa a ser o
processo de aprendizagem. Para Nadia Bossa

“o objeto central de estudo da Psicopedagogia está se


estruturando em torno do processo de aprendizagem humana:
seus padrões evolutivos normais e patológicos – bem como a
influência do meio(família, escola, sociedade) no seu
desenvolvimento”(Apud Kiguel, 2007, p.19).

A Psicopedagogia tem como ponto de vista, o fato de que os estímulos


sociais, que envolvem o indivíduo como um todo, estão diretamente
modificando o comportamento do aprendiz. É importante salientar este fato,
pois o profissional de Psicopedagogia, precisa estar atuando, sempre tendo em
mente, que o aprendiz, existe antes e, fora de sala-de-aula. E, principalmente,
o fruto do ensino/aprendizagem tem como objetivo, estar preparando este
aprendiz para ser um cidadão participativo, dentro de sua comunidade e, por
fim de seu País.

Segundo Laura Monte Serrat Barbosa

“A psicopedagogia, fruto da Interdisciplinariedade,


desenvolveu seus estudos, no sentido de construir um olhar e
uma escuta diferenciados, voltados para o processo de
ensinar/aprender, que possibilitam o conhecimento de
sintomas, a análise dos mesmos e a busca de soluções para os
problemas estudados”(2001, p.135).

Barbosa, assinala que o trabalho do Psicopedagogo, está embasado


numa procura de causas, que expliquem o porquê do desaprender. Para isso, o
Psicopedagogo, deverá utilizar-se de um roteiro de investigação minucioso,
deverá ter um ‘olhar’ e ‘escuta’ diferenciado, dos outros educadores em geral,
pois, uma de suas tarefas, será a de dar o diagnóstico, para a partir daí, sugerir
soluções que possam estar desobstruindo as habilidades e capacidades dos
aprendizes no processo de ensino/aprendizagem.

1.3 Relação entre Neurociência e Psicopedagogia


17
4
Segundo Ingrid Taricano

“O enfoque biológico, necessariamente neural, do aprendizado


humano deve ser encarado na atualidade como conhecimento
de base para o desenvolvimento das ciências da educação
uma vez que o entrelaçamento dos postulados originados pelas
neurociências e as técnicas de ensino perfazem um paradigma
da atualidade”.

Sabemos que parte do trabalho do profissional de Psicopedagogia é o


de facilitar o aprendizado, removendo os obstáculos(SILVA,1998, p.27).
Portanto, é através de um maior conhecimento a respeito dos princípios
básicos do funcionamento do cérebro, que esta tarefa se fará possível, de
maneira mais eficiente. Visto, que o Psicopedagogo, precisará fundamentar
sua prática tendo em vista certos objetivos. E, para alcançar estes objetivos, ou
seja, as mudanças desejadas- este conhecimento de até onde se pode chegar
é imprescindível; ajudando-o, para uma eficiente intervenção clínica, preventiva
ou institucional.

Embora a literatura na área de Neurociências seja vasta e, existam


tantas novas descobertas que tratam da relação entre o cérebro e a
aprendizagem, muito pouco, ou, quase nada, desses estudos tem trazido
resultados diretos e, melhorias para os estudantes.(BEGLEY, 2007) A razão
disso, é a falta de capacitação dos profissionais da área da educação. Segundo
Leonor Bezerra Guerra, médica, professora da UFMG e, coordenadora do
Projeto NEUROEDUCA- que visa capacitar professores do ensino básico na
utilização das ferramentas de Neurociências - “Atualmente, no Brasil, a
educação ainda não faz uso do conhecimento disponível sobre o
funcionamento do sistema nervoso para orientação de sua prática”(2004, p.02).

É comum notar que professores de todos os níveis, desde o ensino


infantil até o superior, não possuem base teórica sobre como se dá o
aprendizado. De acordo com Leonor Guerra: “Os cursos de pedagogia, no
Brasil, não têm apresentado a preocupação de incluir temas relacionados ao

4
(Anexo II. Entrevista com Ingrid Taricano. Entendendo a neurociência.Revista Direcional
Educador.Ed. 62, março/2010).
18
sistema nervoso na formação do educador”(ibidem, p.02). Talvez, o principal
motivo desta falta de capacitação seja a formação destes profissionais. De
acordo com Leonor Guerra

“A orientação de pedagogos e professores do ensino infantil e


fundamental sobre a organização geral, funções, limitações e
potencialidades do sistema nervoso, permitirá que eles
compreendam como as crianças aprendem, como elas se
desenvolvem, como nosso corpo pode ser influenciado pelo
que sentimos a partir do mundo e porque os estímulos são tão
relevantes para o sistema nervoso. O conhecimento da
neurociência poderá contribuir para o processo ensino-
aprendizagem pois permite compreender este processo,
levando ao melhor desenvolvimento do trabalho com as
crianças, aumentando a eficiência da aprendizagem escolar, o
rendimento dos alunos, diminuindo a evasão e estimulando a
interação social”(2004, p.02)”.

Normalmente, os currículos adotados pela maioria das Instituições, que


formam os educadores, não incluem nenhuma disciplina de Neurociência, ou,
outra disciplina relacionada, que discurse sobre à questão de como se dá o
aprendizado. É raro haver uma disciplina específica, na qual, o educador possa
estar aprendendo como (melhor) se aprende. Ensinar, para muitos, é uma
prática baseada na repetição do currículo, apresentado pela Instituição, a qual
pertencem.

Portanto, será, nesta fresta do sistema educacional que o profissional de


Psicopedagogia encontrará muitas vezes o seu lugar. Pois, o Psicopedagogo
tem como uma de suas funções: ensinar como melhor se aprende. E para isso,
é necessário um maior conhecimento de Neurociência. A partir, do
conhecimento adquirido, os educadores de Psicopedagogia, poderão
implementar suas estratégias de intervenção e prevenção, obtendo assim,
melhores resultados.
19

Capítulo II – Aprendizagem e Cérebro


Neste capítulo II, temos o intuito de descrever como a aprendizagem
muda a estrutura física do cérebro e, com isso sua organização funcional.
Estaremos conceituando, o que seja aprendizagem, de acordo com a literatura
sobre Psicologia da Educação e Didática Geral. Indicando, sua relação com a
mudança de comportamento dos indivíduos. Como também, iremos descrever
o funcionamento cerebral e, sua relação com a aprendizagem como um todo.
Para isso, iremos traçar como o cérebro, principal mecanismo do nosso
sistema nervoso- e objeto de estudo da Neurociência, aprende.
Apresentaremos o sistema Límbico, ou cérebro emocional; as diferenças
existentes na forma de aprendizagem entre hemisfério esquerdo e direito; e,
um tópico de importância vital, para este estudo- a plasticidade cerebral, que
possibilita a ocorrência da memória e, do aprendizado.

2.1 O que é aprendizagem?


Bruno Chiesa assinala que
“A aprendizagem é um processo altamente complexo e
definições variam dependendo do contexto e da perspectiva.
As definições usadas pelos neurocientistas e profissionais da
educação podem ser bem diferentes e, isso pode acarretar um
desafio ao diálogo entre estas duas comunidades”(2007, p.36).

A partir da pesquisa realizada, encontramos muitas definições sobre o


que é aprendizagem. O ponto mais importante a destacar, é que muito embora
os autores expressem opiniões diversas, a grande parte assinala que a
aprendizagem envolve a troca com o meio social do indivíduo. Segundo
Michela Gallagher “Aprendizagem é um modo de modificar o comportamento
baseando-se em experiências”(2003,p.460). O indivíduo, chega a aprender
quando seu comportamento já não é o mesmo de antes, quando ele passa a
modificar sua maneira de ser e, de exercer suas atividades, segundo os
conhecimentos adquiridos.
20
Na área de Psicopedagogia, o conhecimento do que é aprendizagem é
de importância vital, pois, segundo Nilza Santos “Para reconhecer em uma
criança a dificuldade de aprendizagem, se faz necessário primeiramente
entender o que é aprendizagem e quais os fatores que nela interferem”(2009,
p.05). De acordo com Dinah Campos, autora do livro ‘Psicologia da
Aprendizagem’:
“Explicar o mecanismo da aprendizagem é esclarecer a
maneira pela qual o ser humano se desenvolve, toma
conhecimento do mundo em que vive, organiza a sua conduta
e se ajusta ao meio físico e social. É pois, pela aprendizagem
que o homem se afirma como ser racional, forma a sua
personalidade e, se prepara para o papel que lhe cabe no seio
da sociedade”(1971, p.16).

Para Dinah, é através da aprendizagem que o indivíduo se torna cidadão


e, passa a estar pronto para assim inserir-se à sociedade. De acordo com
Laura Barbosa “Aprender é um processo contínuo e dinâmico, desenvolvido
pelo homem do nascimento até a morte”(2001,p.31). Para a Psicopedagogia, a
tarefa de ensinar, vai muito além de somente verificar se o indivíduo aprendeu
o conteúdo da disciplina. E, sim, se o indivíduo também está socialmente
inserido em sua comunidade, passando a compreender sua cultura e seus
valores.
Segundo, Claudino Piletti, doutor em educação pela USP, em seu livro,
‘Didática Geral’, há três pontos importantes para que a aprendizagem possa
acontecer. Primeiro é necessário de que o estudante queira aprender:
“Ninguém consegue ensinar nada a uma pessoa que não quer aprender”(1993,
p.33). Piletti assinala, que os estudantes precisam de motivação: “Através de
uma variedade de recursos, métodos e procedimentos, o professor pode criar
uma situação favorável à aprendizagem”(idem,ibidem). E, terceiro é preciso
haver maturação psicobiológica. Seguindo o raciocínio de Piletti, vemos que
para que haja aprendizagem, é necessário: o aluno querer aprender, um
ambiente propício e, a maturação psicobiológica. Para a Psicopedagogia, a
maturação psicobiológica dos indivíduos se dá de forma gradativa,
acompanhando vários estágios, desde a fase intra-uterina até a fase adulta.
21
Como exemplo, podemos citar os quatro estágios do desenvolvimento infantil,
descritas por Piaget e, usadas na Psicopedagogia. Segundo Margaret Boden
(1979, cap.2), os quatro estágios são: o sensório-motor (0 – 2 anos), o pré-
operatório (2 – 7 anos), o operatório-concreto (7 – 12 anos) e o operatório-
formal (11-16 anos).
Além das teorias de Piaget, a Psicopedagogia faz uso da Taxonomia de
Bloom- referente à classificação de objetivos dos processos educacionais- para
guiar suas atividades. Esta taxonomia é resultado do trabalho de uma
comissão multidisciplinar de especialistas de várias Universidades dos USA,
liderada pelo psicólogo educacional Benjamim S. Bloom (1913-1999), na
década de 1950. Segundo Bloom, existem três tipos de aprendizagem:
cognitiva, afetiva e psicomotora. A aprendizagem cognitiva, irá abranger: a área
da aprendizagem intelectual e, as aquisições de conhecimentos e informações,
como por exemplo: a aquisição da gramática, princípios e teorias. A
aprendizagem afetiva, ou emocional, irá abranger: aspectos de sensibilização e
gradação de valores, como por exemplo: sentimentos e emoções. E a
aprendizagem psicomotora, irá abranger: habilidades de execução de tarefas
que envolvem o organismo muscular, como por exemplo: o andar, o falar,
escrever e, etc.
De acordo com Dayse Serra, doutora em Psicologia pela PUC-RJ e
Professora do Instituto a Vez do Mestre (IAVM) o aprendizado está diretamente
relacionado ao desenvolvimento da linguagem no indivíduo. Esse conceito de
linguagem para o psicopedagogo é amplo. Visto, não ser somente referente a
língua falada, como também, a linguagem não verbal, a linguagem matemática,
etc. Todos os conhecimentos, em síntese possuem sua linguagem própria. A
psicopedagogia considera ser a aprendizagem fruto de um processo, se
opondo assim a idéia de que a aprendizagem seja um produto. De acordo com
Maria Silva a aprendizagem “antecede e ultrapassa o ensinar” (1998,p.27).
Podemos perceber que o fenômeno da aprendizagem não é dependente do
ensino ministrado dentro de instituições escolares. Os indivíduos aprendem em
todos os lugares e, a qualquer tempo, independente de existirem professores
22
direcionando-os. Os indivíduos, por necessidade e vontade, vão à busca de
conhecimentos, para resolverem e ampliarem suas capacidades. Para Kastrup

“Existem numerosas diferenças entre as concepções


psicológicas de aprendizagem, mas o que parece comum a
todas elas é considerar a aprendizagem como aprendizagem
acerca de algo exterior ao organismo e, como processo de
solução de problemas”(1999,p.148).

A aprendizagem é um fenômeno que não podemos impedir que


aconteça. A Neurociência diz que o cérebro humano esta constantemente em
busca de conhecimento. Ou seja, todos nós, por natureza, buscamos por
significados, fazendo conexões com tudo o que está a nossa volta, para assim
chegarmos a um melhor entendimento do mundo no qual estamos inseridos. A
cada novo dia, estamos conectados as mudanças a nossa volta e, mesmo
inconscientemente, todos nós estamos assimilando as informações de uma
forma, ou, de outra. E, a Neurociência estuda esta dinâmica, que envolve o
processamento das informações recebidas pelo indivíduo. Segundo o
neurocientista Dale Purves “Aprendizagem é o nome dado ao processo pelo
qual nova informação é adquirida pelo sistema nervoso e, é observável através
das mudanças de comportamento”(2004, p.733).
Neste trabalho, assinalamos que os indivíduos nasceram para aprender.
Aprender é uma atividade inerente a nossa espécie. Estamos fadados à
evolução e, ela se processa através do aprendizado. De acordo com Vírginia
Kastrup, pesquisadora e professora de Psicologia da UFRJ, “O melhor aprendiz
não é aquele que aborda o mundo por meio de hábitos cristalizados, mas o que
consegue permanecer sempre em processo de aprendizagem”(1999, p.151).
Por isso, podemos afirmar que o profissional de Psicopedagogia tem um
campo fértil para trabalhar. Pois cada indivíduo tem suas capacidades e,
habilidades prontas para serem cultivadas e, que todos podem ser bons
aprendizes.

2.2 Funcionamento cerebral


23

“A percepção, a movimentação voluntária, o uso da linguagem


e da comunicação não-verbal, a compreensão das inter-
relações espaciais, a utilização da informação visual, a tomada
de decisões, a consciência, as emoções, as interações mente-
corpo e a memória dependem, todas, de sistemas sediados no
cérebro” (LUNDY,2000, p.254).

Todo nosso sistema, ou seja, toda nossa organização biológica está


ligada a capacidade de aprendizagem. E, toda aprendizagem está relacionada
a atividades sediadas no cérebro. Falar sobre o funcionamento cerebral é
tarefa muito trabalhosa. Segundo Michela Gallagher “O cérebro humano é uma
estrutura muito complexa composta de billhões de células” (2003, p.596). Não
nos cabe aqui, em minúcias, explicar o funcionamento cerebral. E, sim, apontar
os pontos mais relevantes sobre o cérebro e, seu funcionamento, que sejam de
importância, para melhor compreendermos a sua relação com a aprendizagem-
o foco principal de estudo do profissional de Psicopedagogia.
O mais importante agora é dizer que o cérebro, muito embora esteja
localizado dentro do crânio e, por isso esteja no alto da cabeça, pode ser
sentido no dedo do pé, pois cada parte de nós tem relação direta com o
cérebro. O cérebro é o regente de todo nosso sistema nervoso. Segundo
Ackerman
“É essencial para o entendimento do sistema nervoso, a noção
de que o corpo experiencia sinais, ou, impulsos nervosos.
Estes podem vir do meio ou do próprio organismo...o sistema
nervoso organiza estes sinais traduzindo-os em informações,
as quais, o corpo possa usar; como, por exemplo: ativando um
grupo de músculos, acelerando o batimento cardíaco, ou,
relembrando um rosto familiar” ”(ACKERMAN,1992, p.04).

Nas figuras abaixo(Figuras 02 e 03), é fácil perceber o quão ligado ao


cérebro é todo o nosso organismo. Todos os nossos membros e, órgãos são
compostos de nervos ligados à medula espinhal(Figuras 02 e 03), a qual está
ligada diretamente ao cérebro pela espinha dorsal. Segundo Gazzaniga “o
principal trabalho da espinha dorsal é receber os sinais sensórios vindos do
24
corpo e, receber os sinais vindos do cérebro e envia-los ao corpo, para controle
dos músculos, glândulas e dos órgãos internos”(2003, p. 87).

Figura 02: Sistema nervoso.5

5
(Sistema nervoso. www.webciencia.com/11_29nervoso.htm. Acesso em: 02.maio.2010).
25

Figura 03: Medula espinhal 6

Gazzaniga assinala que “O sistema nervoso é dividido em duas


unidades funcionais: o SNC(sistema nervoso central), que consiste no cérebro
e, na medula espinhal; e o SNP(sistema nervoso periférico), que consiste de
todas as células nervosas do corpo”(2003, p.87). O cérebro é dividido em duas
partes simétricas: o hemisfério esquerdo e, o hemisfério direito. Os dois
hemisférios se comunicam por um corpo caloso(Figura 04). De acordo com
Michela Gallagher “Os dois hemisférios do cortex cerebral, estão conectados
por uma extensiva conexão de fibras, chamada de corpo caloso”(2003, p.596).

6
(Medula espinhal. http://www.psicanaliseesaude.com.br/raizes%20nervosas.jpg Acesso em
22.junho.2010.)
26

Figura 04. Corpo caloso.7

Gazzaniga afirma que “Cada hemisfério é composto: tálamo, hipocampo,


amídala, gânglio basal e córtex cerebral”(2003, p.108). Na figura abaixo(Figura
05) podemos observar o tálamo, hipocampo, amídala e córtex cerebral. É
através do tálamo que as informações são transportadas ao córtex cerebral. O
hipocampo está relacionado ao armazenamento de novas memórias, ele
processa nossos planos, estratégias e metas, sendo assim responsável pelo
nosso autocontrole. A amídala está relacionada ao processamento das
emoções. O gânglio basal está relacionado ao planejamento e execução dos
movimentos.

7
(corpo caloso. http://www.inglesnosupermercado.com.br/wp-content/uploads/2009/09/corpo-
caloso1.jpg. Acesso em 22.junho.2010).
27

Figura 05: Cérebro.8

Figura 06: Cérebro.9

8
(Cérebro.http://sites.google.com/site/kbjr12/_/rsrc/1252518235415/neurociencia/2.jpg. Acesso
em 22.junho.2010).
9
(http://vetneuro.files.wordpress.com/2009/06/c_rebro_005.jpg. Acesso em 12.junho.2010).
28
Na figura acima podemos observar o córtex cerebral(Figura 06), onde os
hemisférios esquerdo e direito, são divididos, em 4 lobos: frontal, parietal,
temporal e occiptal(CHIESA, 2007, p.24-41).

1. Lobo Frontal (cor azul)


Em geral, executa a função de controlar os comportamentos: desejados
e indesejados, como também as funções cognitivas de grande ordem, como:
planejamento, julgamento, memória, resolução de problemas.
2. Lobo Parietal (cor verde)
Está associado a aprendizagem matemática, a cognição sensório-visual
e, a linguagem- metáforas e outras abstrações. Segundo Gazzaniga “O toque
é primeiro registrado no lobo parietal”(2003, p.145).
3. Lobo Temporal (cor abóbora)
Está associado ao processo de audição e fala. E, também ao
reconhecimento de rostos e compreensão lingüística, como: decodificação de
palavras e frases.
O lobo temporal está associado a memória, pois nele estão localizados a
amídala e o hipocampo(PURVES, 2004, p.20).
4. Lobo Occipital (cor vermelha)
Ligado ao processamento visual, ao reconhecimento de cor e
movimento.

Na figura acima(Figura 06), podemos observar também o cerebelo. Ele


está associado à função motora: a postura e equilíbrio; e, a linguagem.
Segundo Gazzaniga “O cerebelo é extremamente importante para o
funcionamento motor”(2003, p.107). Em latim, significa “cérebro pequeno”.
Ocupa a 2ª maior área do cérebro depois do córtex cerebral. Damásio assinala
que “a razão humana depende não de um único centro cerebral, mas de vários
sistemas cerebrais que funcionam de forma concertada ao longo de muitos
níveis de organização neuronal(1996, p.13). O estudo do Funcionamento
cerebral, se dá, a partir, de várias, divisões e subdivisões, podemos entender
assim, porque seja tão complexo. Porém, de acordo com Begley
29

“Mesmo que muita coisa sobre o cérebro seja desconhecida,


algumas coisas são relativamente fáceis de entender.Nós
sabemos que o sistema límbico do cérebro é o lugar onde são
processados os sentimentos(2007, p.41).

Segundo Chiesa “Bem no centro do cérebro há um conjunto de


estruturas conhecido como Sistema Límbico, historicamente chamado de
‘Cérebro emocional”(2007, p.14). Juan Casassus afirma que “o homem é
composto do entrelaçamento do emocional com o racional e, que todas as
nossas ações tem fundamento no emocional”(Apud Maturana, 2009, p.89).
Ponto importante, para frisar, que o ensino/aprendizagem perpassa
diretamente, nossas emoções. Aprendemos mais e, melhor, quando estamos
em sintonia com o ambiente ao redor, ou seja, quando estamos felizes e
relaxados, do que, quando estamos estressados e tristes.

Figura 08: Cérebro emocional. 10

10
(http://pessoas.hsw.uol.com.br/palavroes-e-xingamentos4.htm. Acesso em 12.junho.2010).
30

O sistema Límbico(Figura 08), ou cérebro emocional, é composto pelo


hipocampo, hipotálamo, amídala e gânglio basal (CHIESA, 2007, p.256). O
hipocampo, já citado anteriormente, é responsável por nosso autocontrole e o
armazenamento de novas memórias. Um ponto importante a destacar,
segundo Ackerman é que “Partes do cérebro, incluindo o hipocampo(Figura 08)
que é crucial para o aprendizado e a memória, podem gerar novos neurônios
durante toda a nossa vida” (1992, p.41). Sendo assim, verificamos a
possibilidade da neurogênese, que afirma, que mesmo enquanto haja a morte
de neurônios, durante o transcorrer da vida humana, novos, neurônios estão
constantemente nascendo.
Seguindo, temos, o hipotálamo, que regula o sistema reprodutivo, sexual
e comportamental, por isso, está diretamente ligado à motivação dos
indivíduos. É responsável pela regulação de nossas funções vitais, que levam a
homeostase corporal, como por exemplo: temperatura corporal, ritmo cardíaco,
pressão sanguínea, nível de glicose; o que conduz os indivíduos a sentirem
fome, sede, raiva, etc. Segundo Gazzaniga “É a estrutura regulatória principal
do cérebro e é indispensável a sobrevivência do organismo”(2003, p.107).
A amídala está localizada no lobo temporal. Segundo Gallagher “a
amídala é um ponto crucial do sistema neurológico, que media a atenção
motivada, nos preparando para a ação...emoção não é uma simples reação
orgânica, mas um processo”(2003, p.431). Para Gazzaniga “a amídala
processa a recompensa advinda dos estímulos significativos”(2003, p.288).
Existem fatores que podem dificultar, ou, anular o processo de aprendizagem,
entre eles o estresse. De acordo com Sprenger “a amidala inicia o sinal de
resposta ao estresse, causando a produção da química referente ao estresse,
que irá bloquear o aprendizado” (1999, p.39).
Segundo Philipe Lieberman “O gânglio basal é o canal sensório que tem
a função de interligar as informações entre as várias áreas corticais”(2000,
p.82) e, está diretamente envolvido com a regulação da fala e da linguagem,
traduzindo os pensamentos em ação. E, também está relacionado ao
planejamento e, execução dos movimentos. Portanto, qualquer dano nesta
31
área poderá acarretar em tremores corporais, até a rigidez de membros do
corpo, resultante da doença de Parkinson. Segundo Gazzaniga o gânglio basal
“pode estar associada a produção não-verbal e, entendimento de
comportamentos não-verbais”(2003. p.109).
Concluindo, neste tópico, pudemos observar sobre o funcionamento
cerebral, que segundo Gazzaniga assinala “a superfície cerebral, longe de ser
uma estrutura uniforme possui inúmeras áreas altamente especializadas”(2003,
p.100). Sabemos, agora, que tudo o que acontece no nosso meio social, afeta
nosso comportamento e, conseqüentemente nosso aprendizado, pois afeta
nossa química cerebral. Por exemplo, as emoções são moduladas pelos
neurotransmissores: epinefrina e norepinefrina, que modulam a cognição
dentro do cérebro- influenciando nossa memória e aprendizado. Vemos, então,
que a emoção e a aprendizagem estão diretamente interligadas. Segundo
Rosefield “Quando não há vínculo emocional com a lembrança, a simples
afirmação verbal do episódio passa despercebida pelo falante. As recordações
sem afeto não são recordações”(1994, p.76). Como afirma Gazzaniga, tudo o
que nos motiva está ligado diretamente à emoção.

2.3 Como o cérebro aprende

“O milagre do cérebro é que ele é projetado para aprender


continuamente” (SPRENGER, 1999, p.02).

Comunicação. Sim, segundo os neurocientistas, a aprendizagem se dá,


quando dois neurônios se comunicam entre si. O cérebro possui vários tipos de
células, porém, os neurônios e as células glias, são as mais ligadas ao
processo de aprendizagem(SPRENGER, 1999, p.01). Primeiro, falaremos
sobre os neurônios. Os neurônios são armazenados no neocortex- parte
superior do cérebro. Segundo Chiesa “os neurônios surgem em resposta as
novas experiências”(2007, p.38). São formados de três partes: corpo celular,
dentritos e axônio, como podemos observar abaixo(Figura 07).
32

Figura 07. Neurônio: corpo celular,dendrito e axônio11.

As mensagens entre os neurônios são transmitidas pelo axônio e, são


recebidas pelos dendritos do neurônio receptor. Porém, não há contato entre
eles, tudo é realizado dentro de um pequeno espaço designado de sinapse.
Segundo Begley “o aprendizado e a memória encontram sua manifestação
fisiológica na formação de novas sinapses(pontos de conexão entre neurônios)
e no fortalecimento daquelas preexistentes”(2007, p.22). De acordo com
Kastrup “As sinapses, através das quais se dá um tráfico elétrico-metabólico
marcado pela reciprocidade e pela não-linearidade, encontram-se
permanentemente sujeitas à diferenciação e ao crescimento”(1999, p.147).
Fica claro, portanto, a partir desse estudo sobre como o cérebro aprende, que
todos os indivíduos possuem independente da idade, capacidade de aprender,
durante todo o transcorrer de sua vida. Com a aprendizagem, é possível
(re)modelar o cérebro, devido as modificações funcionais que ocorrem, a partir
dos estímulos recebidos do meio.
Segundo Begley “Você cria o cérebro a partir do estímulo que
recebe”(2007, Apud TALLAL, p.120). É muito importante para o profissional de
Psicopedagogia, ter sempre em mente, que os estímulos recebidos estão
altamente relacionados à modificação de nosso cérebro. Segundo Chiesa “a

11
(SPRENGER, Marilee, 1999, p.03. Learning and memory: the brain in action).
33
capacidade do cérebro de aprender não está somente ligada a quantidade de
neurônios mas também pela riqueza de conexões existentes entre eles”(2007,
p.36). Isso, nos leva a crer, que quanto mais estimulados formos pelo nosso
meio social, mais seremos capazes de assimilarmos novos conhecimentos.
Dale Purves assinala que “Os neurônios nunca atuam isoladamente,
eles se organizam em circuitos para processar as informações, que iram
originar as sensações, as percepções e, o comportamento”(2004, p.11). Todo
esse processo de comunicação é eletro-químico; a ação entre os neurônios é
elétrica e a mensagem se torna química e, passa a ser designada de
neurotransmissores(SPRENGER,1999,p.03). Existem três grupos de
neurotransmissores: aminoácidos, peptídios e monoaminas. Sim, a nossa
alimentação age diretamente no nosso processo de aprendizagem, atuando
através da química do nosso organismo. Alguns exemplos de monoaminas,
são: serotonina, dopamina, epinefrina(adrenalina) e, norepinefrina. E, em
relação aos peptídios temos a famosa endorfina. Segundo os neurocientistas,
manter um nível de bons neurotransmissores agindo irá desencadear uma
maior capacidade do cérebro de aprendizagem, pois nosso comportamento é
diretamente influenciado pela química do nosso organismo, fazendo com que
as mensagens sejam transmitidas mais fácil e rapidamente(SPRENGER,1999,
p.25).
Passando as células glias, podemos dizer que elas têm a função de
alimentar os neurônios. C.U.M Smith assinala que “A glia dá suporte aos
neurônios os mantendo juntos”(2002, p.18). No sistema nervoso existem
aproximadamente 100 bilhões de Neurônios e, dez vezes mais glias. Marilee
Sprenger(1999, p.04) conta que quando os cientistas dissecaram o cérebro do
Físico Albert Einstein, eles encontraram uma quantidade extraordinária de
células glias, numa área específica do cérebro; e, concluíram a partir disso, que
provavelmente essa área era muito mais usada por Einstein do que as outras.
Segundo Begley
“o cérebro é o órgão do comportamento e o repositório do
aprendizado e da memória, quando adquirimos um novo
conhecimento ou uma nova capacidade, ou deixamos
34
registradas lembranças, o cérebro muda de maneira real e
física para que isso aconteça” (2007, p.22).

Vemos, portanto, que a memória está ligada diretamente ao processo de


aprendizagem e, conseqüentemente à capacidade de mudança de
comportamento dos indivíduos, ou seja, nos mudamos quando adquirimos
novos conhecimentos, quando recebemos novas informações do meio.
Segundo Purves “a memória refere-se ao recebimento, armazenamento e,
recuperação da informação” (2004, p.733). Assim, novas informações são
recebidas pelos nossos sentidos e registradas na memória. Para Steven Rose

“As memórias são os registros armazenados na experiência do


indivíduo. Representam a função plástica do cérebro no seu
ponto mais alto e mais desenvolvido e, são fundamentais para
nossa compreensão do cérebro, pois são uma das principais
razões da sua existência”(1994, p.255).

Possuímos dois tipos de memória. Segundo Smith os Neurocientistas


distinguem entre o modo de aprendizado considerado ‘declarativo’(explicito), do
modo de aprendizado considerado ‘processual’(implícito). O modo “declarativo”
é mais envolvido com o cortex cerebral e, envolve as habilidades de relembrar
um número de telefone, uma canção ou imagens. É declarativo pois está no
nível do consciente. Enquanto, o modo “processual’ envolve o sistema sensório
e motor(Smith, 2002, p.482). Estudos revelam que as memórias não são
armazenadas em um único lugar específico no cérebro, ao invés disso, as
memórias estão armazenadas em várias regiões do cérebro. E, estas
informações ficam armazenadas no cérebro em cinco diferentes áreas:
semântica, episódica, processual, automática e emocional. Sprenger assinala
de que a única evidência que temos de que realmente aprendemos é a
memória(1999, p.46). Segundo Sprenger “Entender a memória e usar de
estratégias ou modelos mentais para acessar as informações armazenadas,
fazem parte do aprender”(1999, p.47).
35
Existem teorias de aprendizagem que se baseiam nas diferenças de
gênero, ou seja, o aprendizado se dá de forma diferenciada dependendo se o
indivíduo é do sexo feminino, ou, do sexo masculino. De acordo com a
neurociência, há várias diferenças na maneira como cada gênero aprende e se
comporta. De acordo com Rose “Os cérebros humanos diferem muito em peso;
as mulheres, por exemplo, geralmente tem cérebros mais leves do que os
homens”(1984, p.183). A seguir as principais diferenças de aprendizagem entre
o cérebro feminino e o masculino, segundo Peychaux(2003, p.17).
Segundo Peychaux, nos homens, a função do lado esquerdo do cérebro
é superior em atividades que envolvam: raciocínio matemático; tarefas que
envolvem dimensões espaciais; melhor percepção de padrões complexos e
atingir alvos com maior precisão. E contrapartida, Peychaux assinala que as
mulheres usam mais os dois lados do cérebro do que os homens, isto é, de
forma simultânea, combinam mais razão e emoção. Peychaux indica que o
cérebro feminino é superior para: julgar o comportamento das pessoas, pois
são mais empáticas; decifrar significados sutis de linguagem; executar
trabalhos manuais delicados que requerem maior habilidade e, dentre outras
funções, a de identificar a falta de algum elemento visual que faça parte de
uma amostra.

2.3.1 Diferenças na forma de aprendizagem entre os


hemisférios: esquerdo e direito

De acordo com Gallagher “Muito embora saibamos de que existem


diferenças entre os hemisférios cerebrais, as diferenças relacionadas as
estruturas somente foram identificadas na década de 60”(2003, p.596).
Segundo Lídia Peychaux, existe no funcionamento cerebral uma conexão
cruzada, pois, o hemisfério esquerdo controla o lado direito do corpo e, vice-
versa.(2003, p.13). E, a forma como cada hemisfério se relaciona com o meio
externo também é diferenciada. Segundo Ekman “Em cada 95% das pessoas,
as áreas corticais responsáveis pela compreensão da linguagem e pela
produção da fala são encontradas no hemisfério esquerdo”(2000, p.269).
36
Peychaux assinala que “O hemisfério esquerdo analisa, abstrai, conta, planifica
os procedimentos passo a passo, verbaliza e faz o raciocínio seguindo a lógica”
enquanto que, no hemisfério direito
“vemos coisas imaginárias, as visualizamos, somos capazes de
entender metáforas, vemos como as coisas existem no espaço,
sonhamos, usamos a intuição e, por meio dela,
compreendemos a realidade; temos idéias criativas e,
aparentemente, do nada, produzimos o conhecido
insight”(ibidem, p.18).

O lado esquerdo do cérebro é responsável por limitar nossas


capacidades, pois, controla nossa fala, os pensamentos a respeito de nossos
medos, preconceitos, ou seja, é puramente racional, a ponto de abafar nossa
criatividade. O lado esquerdo não gosta de realizar tarefas lentas como por
exemplo: desenhar.
Segundo Peychaux
“Com isso, é comum observar pessoas expressarem com
desagrado a “suposta” condição de não ter dom para desenhar.
Ao se estudar o funcionamento dos hemisférios direito e
esquerdo do cérebro, o que se percebe é que não se trata de
“dom”, e sim de utilizar o cérebro de forma adequada para
realizar com sucesso as tarefas que lhe são afins”(2003, p.51).

De acordo com Lídia Peychaux “Entre os meios mais eficientes


destinados a estimular o desenvolvimento do lado direito pode ser mencionada
a prática do desenho”(2003, p.12). Para Rosenfield “Muitos, senão a maioria
dos psicólogos e neurocientistas de hoje, estão convencidos de que o cérebro
consiste em unidades funcionais individuais –chamadas módulos-, que podem
ou não ser anatomicamente localizadas”(1994, p.88). Segundo Gazzaniga
“muito estímulo no lado esquerdo do cérebro está associado ao aumento da
auto-confiança e uma maior capacidade para atingir metas”(2003, p.332) e,
continua explicando que muito estímulo no lado direito do cérebro está
associado com a falta de motivação, uma das características das pessoas em
depressão. Abaixo (Figura 09) temos o cérebro e as especificidades de cada
hemisfério, segundo Lent.
37

Figura 09. Especialização dos hemisférios. (LENT, 2002)12

Ned Herrmann, criador do HBDI e autor do livro ‘The creative brain’ era
coordenador de educação da General Electric, quando desenvolveu o método
de ensino/aprendizado chamado ‘Whole brain’(cérebro inteiro). Segundo
Coffield “Como muitos outros teoristas, Ned Herrmann tem razões para
assegurar que ‘cada classe representa um completo espectro de estilos de
aprendizagem diferentes’”(2004, p.92). De acordo com Coffield “Herrmann
assinala de que há cerca de 50% de perda entre os métodos de ensino e o
aprendizado retido pelos estudantes”(idem,ibidem). A solução recomendada
por Herrmann, é o seu método de ensino/aprendizagem ‘Whole brain’’, onde,
cada tópico de disciplina é ensinado de três ou quatro formas diferentes.
Coffield assinala de que o modelo de aprendizagem ‘Whole Brain’, não é
baseado na genética, é baseado no aprendizado obtido através do processo de
socialização do indivíduo com o meio, ou seja, o aprendizado que ocorre dentro

12
(http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes/trabalhos/RenatoMaterial/neurociencia.htm.
Acesso em:02.maio.2010).
38
do círculo social, como: família, escola, sociedade e, as experiências de vida e
culturais. Nas tabelas abaixo (tabela 01 e 02) os quatro estilos de
aprendizagem, de acordo com as habilidades específicas de cada lateralidade
cerebral, de acordo com o (HBDI- Herrmann Brain Dominance
Instrument)(COFFIELD, 2004,p.78).

Inovadores(lado de cima direito) Teoristas(lado de cima esquerdo)


‘Experimental Self’ ‘Racional Self’

Iniciativa falante Adquirindo e quantificando fatos


Explorador de possibilidades Aplicando análise e lógica
escondidas Pensando através de idéias
Contam com a intuição Construindo casos
Auto-conhecimento Formulando teorias
Construindo conceitos
Sintetizando conteúdos Respondem bem a:
Aulas formais, Conteúdo informativo
Respondem bem a: Discussão de casos técnicos
Espontaneidade, Visualizações, financeiros
Discussões de casos futuros, Livros e Bibliografias
Experimentação, Brincadeiras, Aprendizado programado
Fluxo livre, Individualidade, Modificação de comportamento
Estética e Envolvimento pessoal

Tabela 01: Lado superior do cérebro.


39

Humanitários(lado inferior direito) Organizadores(lado inferior esquerdo)


‘Sentimental Self’ ‘Seguro Self’
Ouvindo e trocando Idéias, Organizando e estruturando conteúdos
Integrando experiências pessoais Sequenciando conteúdos
Movimento e sentimento Avaliando e testando teorias
Harmonização com o conteúdo Adquirindo habilidades através da prática
Envolvimento emocional
Respondem bem a:
Respondem bem a: Através de planejamentos,
Oportunidades experimentais, Ordem seqüencial, Modificação de
Movimentos sensoriais, comportamento, Casos organizacionais
Música, Discussões de caso focadas e, administrativos, Discussões, Livros,
No pessoal e interações de grupo Estruturas,
Aprendizado programado,
e Aulas formais

Tabela 02: Lado inferior do cérebro.

Mesmo sendo todos nós indivíduos considerados da mesma espécie, a


maneira como as informações são processadas difere de indivíduo para
indivíduo. Por isso, nem todos os indivíduos aprendem da mesma forma.
Segundo Begley “o tamanho das estruturas do cérebro, sua organização e sua
capacidade de fazer conexões diferem de indivíduo para indivíduo”(2007, p.39).

2.3.2 A prova da aprendizagem: Plasticidade Cerebral

Segundo Purves “Muito embora pensemos que somos as mesmas


pessoas durante toda a nossa vida, a estrutura e o estado funcional de nosso
cérebro muda dramaticamente no curso da vida humana”(2004, p.500). De
acordo com Sharon Begley, os neurocientistas há algum tempo atrás, ainda
“estavam convencidos de que o cérebro adulto é essencialmente fixo”(2008,
40
p.46). De acordo com Chiesa “Antes das tecnologias de imagens cerebrais
estarem disponíveis, grande parte dos cientistas, incluindo os psicólogos,
acreditavam de que o cérebro estava totalmente pronto na idade de doze
anos”(2007, p.45). Purves, Begley e Chiesa mostram que a idéia de que a
aprendizagem é um fenômeno contínuo é verdadeira, segundo as pesquisas
realizadas na área de Neurociência.
De acordo com Humberto Maturana e Francisco Varela

“A plasticidade do sistema nervoso se explica porque os


neurônios não estão conectados como se fossem fios com
suas respectivas tomadas Os pontos de interação entre as
células constituem delicados equilíbrios dinâmicos, modulados
por um sem-número de elementos que desencadeiam
mudanças estruturais locais. Estas são o resultado da atividade
dessas mesmas células, e também de outras, cujos produtos
viajam pela corrente sanguínea e banham os neurônios...Não
se conhece sistema nervoso que não apresente algum grau de
plasticidade”(1999, p.187 e 188).

Begley, juntamente com o biólogo Franscisco Varela, relata que os


Budistas, afirmam que é possível mudar a estrutura cerebral, mesmo depois da
infância, através de treinamento adequado. E, novas descobertas da
Neurociência assinalam de que o cérebro de um adulto pode ter seus circuitos
alterados. Não como o de uma criança, que tem uma plasticidade imensamente
maleável, mas sim, o cérebro pode mudar. Segundo Chiesa “O cérebro é
capaz de aprender por causa de sua flexibilidade”(2007, p.29). Begley afirma
que
“Aprendemos que a neuroplasticidade não apenas é possível,
como também está constantemente em ação. Esta é a maneira
como nos adaptamos a condições que mudam, a maneira
como aprendemos novos fatos e a maneira como
desenvolvemos novas habilidades. Portanto, precisamos
compreender a neuroplasticidade e aprender a controla-la”
(2007, p.260).
41
De acordo com os neurocientistas, toda a mudança está diretamente
ligada as atividades que realizamos: nosso comportamento, pensamento e, as
experiências que vivenciamos diariamente. O Instituto Mente e Vida, reúne
estudiosos do budismo e cientistas ocidentais, como Francisco Varela, Dalai
Lama, e debatem o tema da capacidade do cérebro de mudança há anos. De
acordo com suas pesquisas “o cérebro pode mudar de acordo com os
pensamentos que nós temos” (BEGLEY, 2007, p.25). Begley afirma que “o
esforço voluntário e consciente pode alterar uma função cerebral. As mudanças
cerebrais autodirigidas – neuroplasticidade - são pura realidade. A ação mental
pode alterar a química do cérebro...a mente pode mudar o cérebro”(2007,
p.157). Segundo Chiesa
“Neurocientistas afirmam enfaticamente que o cérebro possui
uma alta e bem desenvolvida capacidade de mudança em
resposta as exigências do ambiente, processo chamado de
plasticidade. Este processo envolve a criação e o
fortalecimento das conexões neuronais, como também o
enfraquecimento ou eliminação destas. O grau de modificações
irá depender do tipo de aprendizado recebido” (2007, p.13).

Concluindo, neste capítulo II, chegamos a entender o porquê da


pesquisa desta monografia - esclarecer que a Neurociência afirma que os
indivíduos aprendem sempre e de forma diferenciada, dependendo dos
estímulos externos a que estão expostos em sua vida diariamente e; de acordo
com sua organização biológica. Respondendo a questão proposta no início da
pesquisa: - É possível (re)modelar o cérebro e com isso otimizar o
aprendizado? Sim, é possível. Aqui, nos deparamos com a novidade da teoria
da Plasticidade Cerebral. De acordo com Steven Rose, autor do livro ‘O
cérebro consciente’ “É a plasticidade do cérebro que possibilita a ocorrência da
memória e do aprendizado, que imprime sobre cada indivíduo um conjunto de
comportamentos, pensamentos e emoções específicos e característicos”(1984,
p.234). Assim, a partir desta descoberta da área de Neurociência, nós
Psicopedagogos, podemos basear nossas expectativas de melhora do
desenvolvimento intelectual do estudante nesta teoria.
42
Capítulo III – Aprender a aprender a partir da Neurociência

A partir de todo o conteúdo exposto até agora, sabemos muito mais a


respeito sobre a aprendizagem e sua relação com o Cérebro. Portanto, neste
capítulo III, iremos descrever brevemente várias maneiras que fazem com que
o aprendizado se dê de forma otimizada, seguindo as teorias e descobertas
existentes na área de Neurociência.

3.1 Como ensinar

De acordo com Piletti, não há ensino se não há aprendizagem. Como já


foi dito anteriormente é necessário querer para aprender. Portanto, parte da
tarefa de ensinar é basicamente “motivar a aprendizagem, orientá-la, dirigi-la”
(1993, p.36). A Neurociência nos mostra que o sistema nervoso está
capacitado para aprender a partir de suas trocas com o meio e, de que
aprender é inevitável, aprendemos o tempo todo, em todos os lugares. Para
Roger Schank “As escolas fracassam porque fazem os estudantes aprenderem
de maneiras diferentes de como se aprende no mundo real. Isso, porque as
escolas são planejadas de acordo com interesses econômicos”(1995, p.10).
Segundo César Coll “Nem sempre que o cérebro funciona mal é por culpa de
uma falha cerebral: pode ser resultado de um ambiente nocivo”(2004, p.68).

A ciência que lida com a formação de educadores é a Pedagogia.


Embora a origem da palavra Pedagogia signifique em grego, educação
infantil(paidós = criança e agogé = condução); ela representa a ciência da Arte
de educar. Dentro da pedagogia existem três aspectos que direcionam a
educação, o aspecto filosófico, diz respeito ao que deve ser a educação e para
onde conduzi-la; o aspecto científico: referente ao estudo do comportamento
humano(psicológico, biológico, sócio-econômico, cultural, etc) e o aspecto
técnico: que trata da metodologia, das técnicas, normas e práticas de ensino.

Segundo Chiesa

“Nem todas as descobertas neurocientifícas trazem inovações


para a área da didática. Porém, elas dão uma sólida base
teórica para as práticas que estão bem treinadas e
consolidadas pela experiência...e explicam porque
43
determinadas práticas obtêm sucesso e, outras não”(2007,
p.26).

Muito já foi falado sobre o aspecto psicológico, biológico e sócio-cultural.


Neste capítulo III, iremos falar sobre o aspecto pragmático, ou seja, vamos falar
sobre didática. Segundo Piletti, a didática pode ser definida como “A técnica de
estimular, dirigir e encaminhar, no decurso da aprendizagem, a formação do
homem” (1993, p. 43). Porém, não deixaremos de fazer uso da
interdisciplinaridade, porque de acordo com a Neurociência, a melhor forma de
ativar nossa aprendizagem cognitiva é através da criação de conexões, vamos,
portanto, interligar vários aspectos: psicológico, biológico, sócio-econômico,
político, cultural e etc.

Pontos a considerar na hora de ensinar, segundo o Neurocientista


Shah(2003):

1) Situações autênticas aumentam a capacidade que o cérebro possui


de realizar conexões e de reter novas informações;

De acordo com Schank “O que precisa ser mudado é o fato de que a


melhor forma de aprender, envolve a participação do estudante de forma
ativa... Estudantes irão reter o conteúdo quando este estiver diretamente
relacionado aos seus interesses pessoais”(1995, p.60).

2) O cérebro faz suas conexões da melhor forma quando a disciplina é


dada de forma interdisciplinar, evitando que as informações sejam
apresentadas fora de contexto;

Schank assinala que “Para entendermos bem um novo conteúdo, ou,


informação, este deve ter alguma relação com o conhecimento previamente
adquirido pelo estudante”(1995, p.61).

3) Habilidades se perdem por falta de uso;

Segundo Lieberman “canais neuronais que não são usados


deterioram”(Apud Edelman,2000,p.162).

4) O significado é mais importante para o cérebro do que a informação;


44
A memória nem sempre é ativada na hora de que precisamos de uma
informação. Não ocorre uma indexação satisfatória na memória de fatos
isolados. Segundo Schank “Inúmeros estudos demonstram que o conteúdo
deve estar baseado em algo que seja significativo para o estudante”(1995, p.
59).

5) A melhor forma de aprender e de memorizar, se dá quando há


ligações com a experiência corporal, em atividades da vida real, pois
aprendemos melhor fazendo;

Segundo Chiesa, quando a aprendizagem parte de experiências de vida,


“A aprendizagem torna-se centrada no aluno e, foca-se no desenvolvimento do
conhecimento já adquirido, baseando-o na experiência, nos desejos e
necessidades do indivíduo”(2007, p.27).

6) Um ambiente relaxado, no qual, não haja ameaça de repetência,


auxilia a diminuir o medo que os estudantes possuem do fracasso; assim,
haverá maior possibilidade de aprendizado pois o cérebro assimila melhor com
estímulos externos positivos;

Para Sprenger, alguns fatores emocionais, como o estresse irá bloquear


o aprendizado(1999, p.39). As emoções são de primordial importância para a
aprendizagem, pois agregam valor e significado ao aprendido, pois despertam
nossa atenção e ativam nossa memória.

Peter Salovey assinala que “Dificilmente alguém é ensinado a pensar na


emoção como uma capacidade importante”(1999,p.289). Segundo Chiesa “Um
dos mecanismos mais poderosos que motivam as pessoas a aprender, a qual o
cérebro responde muito bem, são as emoções positivas desencadeadas
quando aprendemos novos conceitos”(2007,p.14). Begley assinala que
“Extresse, pobreza, privação social, abuso físico e emocional, fazem mal ao
cérebro, a conseqüência disso é uma cognição menos desenvolvida e um
menor controle emocional” (2008,p.191).

7) Todo aprendizado está ligado diretamente a mente e ao corpo;


45
Segundo o conceito sobre mente incorporada do Neurocientista Chileno
Francisco Varela e Humberto Maturana, aprendemos, não somente com a
cabeça, porque o processo de ensino/aprendizagem envolve mente e, o
corpo(1998, p.230). Veremos esse assunto, mais a fundo no capítulo IV.

3.2 Estratégias para otimizar o aprendizado

Existem várias maneiras que levam a uma melhor otimização do


processo de ensino/aprendizagem. Aqui iremos expor alguns tópicos
importantes, selecionados durante a pesquisa sobre Neurociência e
aprendizagem.

Segundo Sprenger “Aprender é uma atividade social: nós aprendemos


melhor quando trabalhamos em conjunto”(1999,p.14). Visto por este ponto de
vista, toda e qualquer atividade que se dá em grupo, é passível de levar a um
melhor aproveitamento. Pela interação social, o resultado de retenção do
conteúdo aprendido pela memória será maior.

Begley assinala que “Mesmo sem saber exatamente como a mente


influencia o cérebro, os neurocientistas tem provas de que de alguma maneira
o processo envolve a atenção”(2008, p.172). Portanto, quando estamos
envolvidos num processo de ensino/aprendizagem teremos que estar ‘atentos’
aquilo que estamos fazendo, ou ouvindo, escrevendo, lendo, etc. Por este
motivo, quando trabalhamos com indivíduos autistas ou diagnosticados com
TDAH, o fator importante da intervenção realizada pelo Psicopedagogo,
envolve técnicas, para manter a atenção do indivíduo na atividade. Sem o foco
da atenção direcionada para o que se pretende ensinar, não há possibilidade
de aprendizagem.

De acordo com Sprenger a “Repetição, ou, escrever tópicos ajuda na


memorização” Como também, o uso de resumos, parafrasear conceitos e, a
utilização de técnicas mnemônicas(1999,p.63). Muitas pessoas, já
normalmente, utilizam técnicas de memorização. Mesmo assim, até mesmo
46
para os Neurocientistas está forma de programar o cérebro para armazenar as
informações, em grande quantidade, é eficaz.

Um ponto de muita importância para efetivar o aprendizado, é o que nos


mostra Schank, segundo ele “O processo de construção e correção de
estruturas do conhecimento é dirigido pelas perguntas que nos fazemos” e,
acrescenta “E, quanto mais perguntas fizermos a respeito de um determinado
assunto, muito mais indexadores teremos sobre esse assunto em nossa
memória”(idem, p.41). Seguindo este pensamento, podemos analisar o porque
de acontecer situações onde os alunos dizem passar por momentos onde
ocorrem certos ‘brancos’ na hora da prova. Certamente, o conteúdo não foi
visto o suficiente, para que o cérebro pudesse armazena-lo adequadamente,
na memória de longo prazo.

Segundo os Neurocientistas, o uso da música no processo de


otimização do ensino/aprendizagem garante um melhor aproveitamento das
disciplinas, pois a música ativa melhor nossa cognição. De acordo com
Sprenger a música é capaz de ativar a química cerebral, referente aos estados
de bem-estar(1999,p.26). Como visto anteriormente, aprendemos melhor
quando estamos felizes e de bem com a vida, ou seja, quando nos
encontramos fora do quadro de estresse. Segundo Celeste Carneiro13 “O uso
de música apropriada diminui o ritmo cerebral, contribuindo para que haja
equilíbrio no uso dos hemisférios cerebrais”. Importante frisar aqui, que nem
toda música irá beneficiar o ensino/aprendizagem. Temos que estar
selecionando a música a ser usada, de acordo, com a freqüência específica.

Carneiro assinala que

“Há pesquisadores que sugerem a música barroca, especialmente o


movimento ‘largo’, que causa as condições propícias para o
aprendizado. Ela tem a mesma freqüência que um feto escuta e nos

13
CARNEIRO, Celeste. A Arte e o Cérebro no Processo da Aprendizagem.
http://www.cerebromente.org.br/n12/opiniao/criatividade2.html. Acesso em: 20.maio.2010.
47
direciona automaticamente ao lado direito do cérebro, fazendo com que
as informações sejam gravadas na memória de longo prazo”.

Como já foi estudado anteriormente, o cérebro funciona por meio de


trocas elétrico-químicas. Segundo Carneiro, estas trocas possuem variadas
freqüências, conhecidas como: Beta, Alfa, Teta e Delta. Constantemente,
estamos utilizando a onda Beta, somente quando diminuímos nosso ritmo
cerebral para a onda Alfa é que passamos a estar numa condição ideal para o
aprendizado. A seguir, especificamente, a descrição de cada freqüência:

1) Onda Beta – “emitidas quando estamos com a mente


consciente, alerta ou nos sentimos agitados, tensos, com medo,
variando a freqüência de 13 a 60 pulsações por segundo na escala
Hertz”;

2) Onda Alfa – “quando nos encontramos em estado de


relaxamento físico e mental, embora conscientes do que ocorre à nossa
volta, sendo a freqüência em torno de 7 a 13 pulsações por segundo”;

3) Onda Teta – “é um estado de sonolência com reduzida


consciência; mais ou menos de 4 a 7 pulsações”;

4) Onda Delta – “quando há inconsciência, sono profundo ou


catalepsia, emitindo entre 0,1 e 4 ciclos por segundo”.

Até agora, parece-nos que todos já utilizamos uma técnica ou outra.


Porém, o fator de importância deste capítulo III, está, em mostrar que existem
estudos que analisam estes procedimentos a luz das teorias da Neurociência.
Portanto, o Psicopedagogo passa a ter mais conhecimento qualitativo a
respeito de técnicas de ensino/aprendizagem, além de somente aplica-las sem
48
embasamento teórico. Sabemos, que grande parte das escolas Brasileiras, não
divulgam estas técnicas de ensino/aprendizagem para seus alunos.
Normalmente, as disciplinas são apresentadas sem uma maior preocupação
com a assimilação do conteúdo e, com seu uso posterior na vida real. Isso
ocorre, até mesmo, por falta de conhecimento específico, sobre como se dá o
processo de ensino/aprendizagem. Infelizmente, isso ocorre principalmente
pela falta de capacitação dos professores. Portanto, vemos novamente a
importância crucial do estudo da Neurociência para o profissional de
Psicopedagogia, que irá trabalhar constantemente, baseando-se nestes
processos, que levam a uma melhor otimização do processo de
ensino/aprendizagem.
49

Capítulo IV - Além do cérebro: a mente incorporada

Muito além do conhecimento sobre como se dá a aprendizagem, em


nosso cérebro, a teoria sobre a mente incorporada, fruto do trabalho do Biólogo
e Neurocientista Francisco Varela e Humberto Maturana,, assinala que o
mundo é percebido e compreendido, por um organismo em constante contato
com o ambiente. E, que aquilo que aprendemos, aprendemos com o corpo, há
um conhecimento gerado pelo corpo e, através do corpo. A Teoria da mente
incorporada, nos diz que é através de nossa constante ação e participação no
viver, que construímos nosso conhecimento. Como diz Varela “Conhecer é
viver”(KASTRUP, 1999, p.152). Este é o assunto que veremos neste capítulo
IV.

4.1 O conhecimento gerado pelo corpo

Para a psicopedagoga Argentina, Alicia Fernandez “Desde o princípio


até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo”(1991, p.59). Segundo o
neurocientista e biólogo Chileno Francisco Varela “a cognição não está na
cabeça, mas envolve todo o corpo”(1998,p.230). Chiesa assinala que “A
cognição é definida como o conjunto de processos que administram o
processamento de informações e o desenvolvimento do conhecimento”, e
complementa dizendo que “A maior função cognitiva corresponde ao
funcionamento do cérebro”(2007, p. 24).

Para Varela, “o conhecimento não é uma atividade puramente


mental”(1998, p.230). Não basta situar a base corporal do conhecimento no
cérebro, ou, mesmo no sistema nervoso. Para ele, “há cognição mesmo onde
não há neurônios”(ibidem). Kastrup assinala que “Aprender é coordenar mente
e corpo, fazer com que organismo e meio entrem em sintonia”(1999,p.148).
Fernandez assinala que “A memória do corpo é diferente da do organismo e,
ambas se conjugam com as ‘memórias’ da inteligência e do desejo na
aprendizagem”(1991,p.58).
50
Varela, difundiu através de seus livros, o conceito de Embodied Mind-
mente incorporada. Juntamente com Evan Thompson, Eleanor Rosch,
Francisco Varela escreveu o livro chamado “A mente incorporada”. Segundo
eles, o processo de conhecimento se dá através de nosso corpo. Todas as
reações químico-físicas que acontecem no interior de nossas células
contribuem para gerar o que sabemos. Este conceito de mente incorporada,
estimula um desenvolvimento global do indivíduo, passando a abranger os
conhecimentos: racional, emocional e sensorial. Nascendo assim o termo
Cognição incorporada- Embodied cognition.

O texto abaixo, extraído do Workshop Brain and Learning, apresentado


por Shah(2003), exemplifica de maneira clara, como os professores devem
proceder em sala-de-aula, para que os estudantes aprendam melhor e, com
mais interesse pelas disciplinas.

“O termo ‘imersão orquestrada’ nos refere ao professor que se


torna um maestro, ou um arquiteto, projetando as experiências
que irão conduzir os estudantes a fazerem conexões
significativas. Como exemplo, temos um professor do ensino
médio, que se esforça para ensinar pontuação(vírgula, período
e pontos de exclamação). Este é um bom exemplo de como o
professor pode fazer uso da bagagem que os estudantes já
possuem para com isso ensinar o que é abstrato e não familiar.
Depois de explicar verbalmente o que a pontuação significa: a
vírgula, para pequenas pausas; o período, para parar e o ponto
de exclamação para dar ênfase; o professor pede que os
estudantes leiam em voz alta. Porém, a explicação verbal não
chega a modificar o jeito de os estudantes lerem o texto.
Finalmente, exausto, o professor pede aos alunos que se
dirijam para o pátio e andem em círculo. E, começa a dar
direções, as quais, os alunos devem seguir: lerei em voz alta e,
quando eu falar ‘vírgula’, eu quero que vocês andem devagar;
e, quando eu falar ‘período’, eu quero que vocês parem
totalmente; e quando eu falar ‘exclamação’, eu quero que
vocês pulem. Após esta tarefa, os estudantes voltam a sala de
aula e começam a ler novamente e, desta vez todos os
estudantes estão indo devagar nas vírgulas, parando nos
51
períodos e usando muito mais ênfase nos pontos de
14
exclamação”(SHAH, 2003).

A partir desse relato de experiência, não ortodoxo, vemos que o


professor se utilizou não somente do intelecto dos estudantes como também de
suas capacidades psicomotoras. A aprendizagem eficiente é uma soma de
fatores, que englobam o indivíduo como um todo: mente e corpo. De acordo
com Fernandez “Não há aprendizagem que não esteja registrada no
corpo”(1991, p.60). Contrariando o dualismo do Filósofo René Descartes
(1596-1650), no qual, afirma ser a mente separada do corpo, os estudos
neurocientíficos têm demonstrado que a aprendizagem chega ao cérebro por
intermédio de sensações corporais. Segundo Gazzaniga, Descartes
considerava que o corpo “não é nada mais do que uma máquina orgânica,
governada por reflexo”(2003, p.16). Sim, o corpo, objeto tão negligenciado
dentro das escolas é fator indispensável a um melhor desenvolvimento
neurológico. E, conseqüentemente intelectual.

Para Gilbert Bouyer, a Cognição depende da ação, segundo ele, “Não


existe fenômeno cognitivo desprendido do corpo, como atos mentais
puramente situados na mente do agente”(2008, p.172). O organismo não
assume atitude passiva na hora do ensino/aprendizagem, muito pelo contrário,
o corpo ao interagir com o ambiente e, ser estimulado por este, gera
conhecimento.

Antônio Damásio assinala que

“a idéia de que a atividade mental, dos seus aspectos mais


simples aos mais sublimes, requer um cérebro e um corpo
propriamente dito tornou-se notoriamente inescapável. Em
relação ao cérebro, o corpo em sentido estrito não se limita a
fornecer sustento e modulação: fornece, também, um tema
básico para as representações cerebrais”(1996, p.17).

14
tradução minha.
52
É de extrema importância, para o profissional de Psicopedagogia, estar
atento ao fato de que os indivíduos são muito mais do que um cérebro, ou, um
corpo separados. E, que tanto um quanto o outro, tem suas formas de assimilar
as informações a nosso redor e, gerar conhecimento; e que, ambos estão
intrinsecamente interligados.

4.2 A tarefa do Psicopedagogo: Intervenção e mudança

O Psicopedagogo na hora da intervenção, deverá ter em mente os


limites que cada indivíduo possui e, também saber analisar até onde poderá ir
determinada habilidade. Parte de seu trabalho será descobrir o modo de
aprender de cada aluno. A partir dos conhecimentos da Neurociência, o
psicopedagogo passa a ter uma maior bagagem teórica, sabendo assim onde
se posicionar, para enfrentar junto com o estudante os desafios de um novo
caminho de aprendizado. Agora, mais do que antes, o Psicopedagogo sabe,
que seu aluno é mais do que um cérebro, ou um corpo, ele aprende por inteiro
e, de diversas formas e em diversos lugares, além das quatro paredes da sala-
de-aula, dentro das escolas.

Se o aluno tem uma referência de mundo muito diferente da oferecida


em aula pelo professor, este deverá levar o aluno a ver o mundo de outros
ângulos, ou seja, o Psicopedagogo deverá conduzir o aluno para que este
possa aumentar, ampliar a sua visão de mundo, para com isso obter resultados
melhores na escola e, enriquecer sua vida como um todo. Pois muitas das
vezes a razão do não aprender se encontra no fantasmático. De acordo com
Begley “Traços tão básicos quanto medo, curiosidade, mente aberta a novas
experiências e características neuróticas não são, apesar do soar do tambor
nas descobertas “do gene da semana”, costurados imutavelmente no nosso
DNA” (2007,p.197). Partindo deste pensamento, podemos refletir, que nos
somos capazes de estar em constante aprendizado, independente das
pesquisas que dizem que somos ou teremos doenças e estaremos fadados a
ter um comportamento restrito a nossos traços genéticos. Esse conhecimento,
53
nos traz esperança e nos motiva a seguir nosso caminho como educadores,
sabendo de que, há sempre perspectiva de luz ao fim do túnel.

Portanto, a primeira tarefa do psicopedagogo é acreditar no processo de


aprendizagem. A segunda tarefa é estar ciente das possibilidades de mudança
do cérebro, como a plasticidade, segundo Chiesa “A Neurociência confirma que
a aprendizagem é uma atividade para toda a vida e, quanto mais aprendermos,
mais eficiente é o aprendizado”(2007, p.18). A terceira tarefa é não afastar o
prazer da aprendizagem do contato com os alunos, pois, como nos indica
Cheisa “O primeiro objetivo da educação infantil deveria ser o de assegurar as
crianças, o mais cedo possível, sobre a capacidade de deslumbre e prazer que
a aprendizagem desperta”(2007, p.14).

O sistema educacional, há muito, é motivo de insatisfações diversas. A


educação é assunto vital para o desenvolvimento total e, benéfico dos
indivíduos e, para o País, como um todo. Nos, profissionais da Educação,
devemos contribuir, para que esse deslumbre, pueril, nunca se afaste de nosso
convívio, de nossas atividades. Pois, é essa satisfação que sentimos ao nos
deslumbrarmos com um conhecimento novo, que nos motiva a seguir adiante,
que nos direciona o caminho, tanto profissional, quanto de vida.
54
Conclusão
“o futuro de um organismo nunca está determinado em sua origem. É
com base nessa compreensão que devemos considerar a educação e
o educar”(MATURANA, 1998,p.25).

Até muito pouco tempo, ainda era dogma acreditar que o cérebro não
muda após sua maturação que se dá na infância. E, de que a maneira como o
cérebro se forma e, se desenvolve depende da genética. A partir do presente
estudo pudemos verificar que a neurociência tem revelado o contrário, segundo
Begley “Não estamos presos ao cérebro com o qual nascemos e, sim temos
capacidade de direcionar deliberadamente as funções que vão florir e as que
vão fenecer”(1999, p.256).

Vendo por este prisma, podemos afirmar que o ser humano é dotado de
capacidades maiores das quais julgava possuir. É a partir destes novos
conhecimentos, que o Psicopedagogo poderá trilhar seu caminho de maneira
mais consciente. Ou seja, o Psicopedagogo, como profissional da educação,
tem como função ambientar os alunos para o afloramento de suas capacidades
e habilidades, portanto, o conhecimento da capacidade do cérebro de
mudança- a plasticidade, é um conhecimento crucial para o início das
atividades do profissional de Psicopedagogia.

É fato, que a formação de profissionais da área da educação nem


sempre tem conseguido cobrir o vasto currículo que existe a disposição na
área. Ter acesso a todas as novas pesquisas na área da educação e as outras
áreas afins, seria o ideal para uma boa formação. Porém infelizmente, o
profissional de psicopedagogia não pode esperar das Instituições que estas
promovam a sua atualização. Ele mesmo precisa estar constantemente se
atualizando, indo a busca de mais informações existentes na sua área. Como
também se basear nos estudos de áreas afins -como da Neurociência- que
possam trazer benefícios e uma melhor otimização de seu trabalho. Visto, que
o campo teórico da psicopedagogia ainda não foi propriamente delimitado, de
acordo com a psicopedagoga Nadia Bossa da PUC-SP, “a psicopedagogia traz
55
as indefinições e contradições de uma ciência cujos limites são os da própria
vida humana” (2007, p.27).

Vemos assim que a área de Psicopedagogia é ampla e, que o


conhecimento do sistema nervoso e, sua relação com a aprendizagem se faz
necessário, para alargar os horizontes dos profissionais interessados na
educação e, o desenvolvimento humano como um todo. Finalizando, cabe-nos
aqui reafirmar o que nos diz Paulo Freire em seu livro ‘Pedagogia da
Autonomia’, “Ensinar exige a convicção de que a mudança é
possível”(1996,p.76).
56
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09.abril.2010.
60
Anexo I

Proclamação nº 6158 de 17 de julho de 1990, feita pelo presidente dos Estados


Unidos da América George Bush. (ACKERMAN, Sandra. Discovering the Brain,
1992, pp.167,168).15

“O cérebro humano, três gramas de células nervosas interconectadas


que controlam nossas atividades, é um dos mais magnificentes- e misterioso-
milagre da criação. O cerne da inteligência humana,a interpretação dos
sentidos, o controle dos movimentos, este incrível órgão continua a intrigar
tanto os cientistas quanto os leigos.

Durante anos, nosso conhecimento do cérebro- como funciona, o que


está acontece quando sofre alguma injúria ou é acometido por alguma doença-
tem crescido dramaticamente. Mesmo assim, nós ainda temos muito mais a
aprender. A necessidade de continuar a estudar o cérebro é imperativa:
milhões de americanos são afetados todos os anos pelas desordens cerebrais,
desde de doenças neurogenéticas até desordens degenerativas como
Alzheimer’s, derrame, schizofrenia, autismo e prejuízos na fala, de linguagem e
audição.

Atualmente, esses indivíduos e suas famílias tem mais esperança,


porque uma nova era de descobertas está surgindo nas pesquisas sobre o
cérebro. Microscópios poderosos aliados a grandes passos que estão sendo
dados nos estudos genéticos e, o mapeamento por imagens, estão
possibilitando médicos e cientistas ter uma visão ainda melhor do cérebro. Os
Neurocientistas estão mapeando o circuito cerebral bioquímico, o qual poderá
ajudar na produção de drogas mais potentes para o alívio daqueles que sofrem
de Alzheimer’s ou doenças de Parkinson. Através do estudo de como as
células e a química do cérebro se desenvolvem e interagem e se comunicam
com o resto do corpo, investigadores estão também desenvolvendo
tratamentos melhores para as pessoas incapacitadas por injúrias da espinha

15
(tradução minha).
61
dorsal, desordens depressivas e epilepsia. Novas descobertas da genética
molecular tem significado uma promessa de novos métodos para tratar e
prevenir a doenças de Huntington, distrofia muscular e, outras desordens.

As pesquisas tem comprovado seu valor na guerra contra as drogas,


pois os estudos demonstram como as pessoas se tornam dependentes de
drogas e como as drogas afetam o cérebro. Estes estudos podem ajudar no
desenvolvimento de tratamentos para os dependentes químicos e nos ajudar a
entender e prevenir os danos causados aos naciturnos de mulheres grávidas
que abusaram de drogas e álcool. Porque existe uma ligação entre o corpo e o
sistema nervoso e imunológico, estudos sobre o cérebro podem ajudar
aumentar nosso entendimento da Síndrome da imunodefiência adquirida.

Muitos estudos sobre o cérebro humano teem sido planejados e


conduzidos por cientistas do Instituto Nacional de Saúde, pelo Instituto
Nacional de Saúde Mental e outras agências federais de pesquisas. O aumento
dos programas federais são mantidos pela indústria e por fundações privadas.
A cooperação entre estas agências e o multidisciplinar esforço de milhares de
cientistas e profissionais de saúde mostram ser evidente a determinação da
nação em combater as doenças cerebrais.

Para tornar os benefícios advindos das pesquisas sobre o cérebro,


conhecido do público, o Congresso através da Resolução 174, designou a
década, que começa em 1º de janeiro de 1990, como a década do cérebro, e
requisitou e autorizou a Presidente a ministrar uma proclamação para marcar
esta ocasião.

Portanto, agora, Eu, George Bush, Presidente dos Estados Unidos da


América, proclamo o início da década começando em 1º de janeiro de 1990, a
Década do Cérebro. Eu chamo todos os oficiais públicos e o povo dos Estados
Unidos à observar esta década e seus programas, cerimônias e atividades.

Como testemunha aqui presente, Eu afirmo neste dia dezessete de


Julho, do ano de 1999, e duzentos e quinze anos da Independência dos
Estados Unidos da América.

(Assinado). George Bush.


62

Anexo II

Entrevista com Ingrid Taricano. Entendendo a neurociência. Por Luiza Oliva.


Matéria Publicada na Revista Direcional Educador - Edição 62 de março/2010.

Fonte:http://www.direcionaleducador.com.br/index.php?option=com_content&vi
ew=article&id=164&Itemid=143. Acesso em 29.abril.2010.

DIRECIONAL EDUCADOR - Qual a importância que os conhecimentos da


neurociência estão trazendo para a psicopedagogia e para a educação, de
maneira geral?

INGRID TARICANO - Muitas são as oportunidades em que o cérebro modifica


sua estrutura para atender novas exigências de desempenho, sendo uma delas
o próprio aprendizado. A modificabilidade cerebral por sua vez é
extensivamente estudada pelas neurociências sob vários ângulos, e
genericamente tida como plasticidade cerebral. A característica plástica de uma
estrutura pode ser definida utilizando-se como ponto de partida a possibilidade
de alteração estrutural, adaptabilidade a nova morfologia ou funcionalidade
(formato ou atividade) ou ainda a capacidade de transformação. O termo
plasticidade cerebral é aplicável, portanto, às situações em que determinadas
estruturas cerebrais modificam-se de forma adaptativa às exigências de
desempenho (cognitivo, motor, visual, auditivo, etc.). A grande maioria dos
estudos que nos informam sobre as características cerebrais são
desenvolvidos em animais de laboratório, todavia estas informações têm sido
extremamente úteis para o conhecimento dos processos cerebrais humanos
uma vez que a evolução dos equipamentos de imagem e aplicativos, como por
exemplo a ressonância magnética funcional e a magnetoencefalografia, nos
permitem conhecer o funcionamento do cérebro humano vivo. O enfoque
biológico, necessariamente neural, do aprendizado humano deve ser encarado
na atualidade como conhecimento de base para o desenvolvimento das
63
ciências da educação uma vez que o entrelaçamento dos postulados
originados pelas neurociências e as técnicas de ensino perfazem um
paradigma da atualidade. O cérebro será a sede das transformações propostas
ao aprendiz, como não conhecê-lo?

Ter conhecimentos de neurociência auxilia os professores a lidar tanto


com os alunos com dificuldades de aprendizagem como com os alunos
sem dificuldades?

Ao acompanhar detalhadamente a história da pedagogia, bem como os fatos,


pessoas, ideias e publicações que a construíram, deparamos com a indiscutível
contribuição de médicos junto ao trabalho dos educadores, pedagogos e
psicólogos. Os pilares teóricos da pedagogia construídos a partir da
contribuição de vários autores foram permeados no final do século XIX, e início
do século XX, por conhecimentos resultantes de estudos e experiências
científico-laboratoriais, em alguns casos bastante relevantes para a
compreensão da fisiologia cerebral, que redesenharam a pedagogia e deram a
esta ciência, a partir de então, uma visão interdisciplinar. A convergência de
conhecimentos provenientes de duas áreas que pareciam tão distantes
(filosofia e fisiologia) foram progressivamente modificando o enfoque das
técnicas educacionais, até então exercida exclusivamente sobre bases
filosóficas. Este enfoque, que passou historicamente a ser tratado como
pedagogia científica, apresentou e apresenta um interesse crescente pelo
indivíduo biológico, que se inicia com as contribuições de Maria Montessori e
culmina na compreensão contemporânea do homem de constituição
biopsicossocial, tríade indissociável. Neste sentido, a pedagogia não pode
prescindir da interdisciplinaridade que inegavelmente a torna efetiva em suas
ações. No início desta entrevista falávamos em plasticidade cerebral, e este
conhecimento que explica, por exemplo, a capacidade apresentada por alguns
seres vivos de guardar informações, ou seja, memorizar, é oferecida pelo
estudo da fisiologia neural. Portanto, a compreensão dos fenômenos biológicos
incitados pelos professores aos seus alunos no processamento do
64
desenvolvimento cognitivo é imprescindível para o alcance dos objetivos
traçados ou mesmo para o entendimento dos fracassos.

A senhora acredita que os professores da educação básica receiam o


estudo da neurociência por acreditarem que é algo complexo demais? O
que a senhora recomendaria para os professores que querem se informar
sobre o tema? Por onde devem começar?

Sem dúvida. Existe um préconceito (isto mesmo! Um préconceito) de que tudo


que se deriva do termo NEURO é complexo e inatingível para a maioria dos
mortais. Minha história de vida incluiu esta fase, quando pela primeira vez fui
convidada a falar sobre plasticidade cerebral a pedagogos da APAE. Todavia
minha formação profissional, primeiramente como professora licenciada em
ciências no Ensino Fundamental e como biomédica, me levou a compreender
que o que realmente torna o acesso a estes conhecimentos muito complicado
para o público leigo é, por incrível que pareça, a própria pedagogia! Ou melhor,
a falta dela... Profissionais ligados às neurociências, não professores, não
estão na grande maioria das vezes preparados para expor os avanços destas
ciências ao público leigo, e quando o fazem não utilizam a linguagem
adequada a este público, e não oferecem previamente as bases necessárias à
compreensão da mensagem. Um pressuposto pedagógico inequívoco para o
êxito do ensino é falar fluentemente o idioma de quem ouve. O receio dos
professores da educação básica tem bases reais, pois a linguagem científica,
madura, técnica, médica, não é adequada aos pedagogos, ou mesmo àqueles
que devem lidar profissionalmente com os propósitos da pedagogia científica.
Desta forma, a recomendação para que esta tarefa tenha êxito é que procurem
um curso concebido para professores. Delineado e desenvolvido por
profissionais que tenham formação interdisciplinar e, portanto, condições de
transmitir os conhecimentos necessários de forma adequada aos seus
ouvintes. É o que hoje tenta fazer a mídia, mas em muitas situações (muitas
mesmo) trata os assuntos de forma reducionista, exatamente por não estar
apoiada em bases pedagógicas e sim midiáticas. Ou seja, ou os
65
conhecimentos são transmitidos de forma excessivamente técnica, utilizando-
se de linguagem inadequada ao público a que se destina, ou no outro extremo,
de forma reducionista, o que gera compreensão e consequentemente
interpretações errôneas.

Neurociência, neuroeducação, neuropedagogia. Pode explicar um pouco


melhor esses diferentes conceitos?

O termo “neurociência” genericamente abrange o conteúdo das ciências que se


dedicam ao estudo do sistema nervoso, ou seja, sua anatomia e fisiologia
normal, bem como patológica, enquanto que segundo Susan Leibig a
neuroeducação é um “modelo sistêmico de intervenções evolutivas desenhado
para atuar nas matrizes de inteligência do sistema mental e
estruturar/reestruturar o caminho de manifestação do potencial inteligente da
consciência”. Finalmente, a neuropedagogia é o ramo da pedagogia que se
preocupa em compatibilizar técnicas de ensino com a fisiologia cerebral
humana. Como anteriormente dito, na verdade estamos falando mesmo é da
boa e sólida pedagogia científica que historicamente surge no final do século
XIX, para se consolidar no transcorrer de todo o século XX. O conhecimento da
estrutura e funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC) aplicado a
pedagogia, desde os primórdios desta relação interdisciplinar trouxe uma nova
visão, bem como a compreensão dos processos de aprendizagem, o que
tornou e torna cada vez mais eficiente tanto o trabalho de educadores, como as
tarefas discentes e sua produtividade intelectual. No entanto, como em
qualquer outra área, existem profissionais com interesses e visões diferentes
do mesmo assunto, e neste caso da aplicabilidade destes conhecimentos
neurofisiológicos à ciência da educação, o que se traduz na emergência de
novas técnicas de aplicação desta prática (neuropedagogia, neuroeducação,
etc.). Todas as vezes que novos conhecimentos sobre o funcionamento
cerebral surgirem, e estes forem extensivamente estudados e compreendidos
por profissionais da educação, teremos inovações na pedagogia científica e
consequentemente nova terminologia e novas soluções para velhos problemas.
66

Uma questão que aflige muito os profissionais de berçários e da


Educação Infantil é a estimulação. Bebês muito estimulados é sinal de
que teremos no futuro crianças sem problemas de aprendizagem? Enfim,
como definir o que é superestimulação ou falta de estimulação?

Primeiramente, e porque não dizer urgentemente, devemos discutir o que


significa esta palavra tão utilizada por profissionais, pais, escolas, etc., que é a
estimulação! Segundo a wikipédia, o termo estímulo tem diversos significados,
tais como aquele que emerge da fisiologia, que o trata como qualquer alteração
externa ou interna, que provoque uma resposta fisiológica ou comportamental
num organismo. Ou relacionado a psicologia, que o define como tudo aquilo
que provoca uma resposta particular. Para outros campos, um estímulo é
qualquer incentivo para atingir um determinado fim. De um modo geral, a
definição de estímulo pode se enquadrar no esquema causa-efeito, sendo ele a
causa. É bem comum encontrar o uso da palavra estímulo substituíndo o termo
atividade educativa, ou atividade física, ou exercício físico/motor ou atividade
cognitiva. De toda forma a ressubstituição do termo estímulo pela palavra que
descreve a ação sobre o que se quer falar é sempre bem vinda para evitar seu
uso inapropriado. Com relação ao que se refere ao trabalho cognitivo/motor
com bebês e suas consequências temporais no desempenho destas pessoas,
podemos considerar que todo organismo que “trabalha” a seu tempo e sua
hora os passos do desenvolvimento deverá apresentar maior rendimento para
as mesmas tarefas ou tarefas mais complexas que dependem daquelas
trabalhadas. Traduzindo: se for exigido trabalho fisiológico de áreas cerebrais
em desenvolvimento, este processo se dará de forma a adequar as exigências
impostas ao organismo ao desempenho da estrutura. Cérebros com pouca
atividade no período de desenvolvimento terão seu desempenho proporcional
ao que lhe é exigido, e a inversa, verdadeira. Causa-efeito, lembram?

Mas é importante ressaltar que esta não é uma sentença de incapacidade.


Caso não hajam exigências adequadas para melhor desempenho durante o
desenvolvimento de um indivíduo, é possível alterar esta situação mais tarde,
67
pois como sabemos o cérebro é plástico, modificável, por toda a vida, e pode
se adequar e responder a qualquer situação a qualquer tempo. Trabalho
exagerado, fora da medida, é fator estressante, portanto exigências descabidas
na relação período/desenvolvimento não são bem vindas, assim como de
forma inversa, a falta de atividade adequada ao binômio
período/desenvolvimento. Agora podemos nos valer da pedagogia científica
para compreender esta questão: na ótica de Piaget o processo cognitivo deve
ser percebido em duas dimensões diferentes, aprendizagem e
desenvolvimento. E apoiado nesta concepção, dividiu os estágios cognitivos do
desenvolvimento humano em sensório-motor (0 – 2 anos); pré-operatório (2 –
7,8 anos); operatório-concreto (8 – 11 anos) e operatório-formal (8 – 14 anos).
Cientificamente hoje sabemos muito mais que ele sobre desenvolvimento e
maturação funcional do cérebro, pois as modernas técnicas de neuroimagem
nos esclarecem os passos deste processo, antes desconhecidos. Segundo o
médico radiologista Edson Amaro, “a evolução da espessura do córtex até a
espessura encontrada na idade adulta acontece em velocidades diferentes em
cada área cerebral. As áreas hierarquicamente mais primitivas - relacionadas à
percepção e movimentação - maturam mais rápido. Nas áreas de associação -
frontais e parietais -, responsáveis pela integração da informação, o processo
de maturação ocorre mais tardiamente”, o que coroa de mérito as observações
de Piaget e sua teoria. Este é um grande exemplo do que chamamos
Pedagogia Científica.

O limite ideal, portanto, para a intervenção nos processos de maturação neural


é sua própria marcha fisiológica, ou seja, não ultrapassar a velocidade do
organismo para que não se exija aquilo que não pode ainda ser feito, porém
fazer muito e bem aquilo cujas estruturas responsáveis já se apresentem em
condições.

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68
Índice

Introdução ...................................................................................................... 09

Capítulo I – Neurociência e Psicopedagogia ................................................. 12

1. Breve histórico da Neurociência .............................. ................................. 12

1.1.1 O objeto de estudo da Neurociência ................................................... 13

1.2. Breve histórico da Psicopedagogia ......................................................... 15

1.2.1 O objeto de estudo da Psicopedagogia ................................................ 15

1.3 Relação entre Neurociência e Psicopedagogia ....................................... 17

Capítulo II – Aprendizagem e Cérebro .......................................................... 19

2.1 O que é aprendizagem? ........................................................................... 19

2.2 Funcionamento cerebral .......................................................................... 22

2.3 Como o cérebro aprende ........................................................................ 31

2.3.1 Diferenças na forma de aprendizagem entre os hemisférios: esquerdo e


direito ......................................................................................................... 35

2.3.2 A prova da aprendizagem: Plasticidade Cerebral .............................. 39

Capítulo III – Aprender a aprender a partir da Neurociência ......................... 42

3.1 Como ensinar .......................................................................................... 42

3.2 Estratégias para otimizar o aprendizado .................................................. 45

Capítulo IV - Além do cérebro: a mente incorporada ....................................... 49

4.1 O conhecimento gerado pelo corpo ........................................................... 49

4.2 A tarefa do Psicopedagogo: Intervenção e mudança .............................. 52

Conclusão ....................................................................................................... 53

Bibliografia consultada .................................................................................... 56

Anexos ........................................................................................................... 60
69

AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

DEPARTAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOPEDAGOGIA

TÍTULO: NEUROCIÊNCIA E APRENDIZAGEM: SUA IMPORTÂNCIA PARA A


PSICOPEDAGOGIA

Aluno(a): Éster Roberta Cardoso Moreira

Orientador(a): Carly Machado

Avaliador(a):

Conceito
70

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