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Neuropsicopedagogia

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Bem vindo(a)!

Seja muito bem-vindo(a)!

A neuropsicopedagogia é uma área nova, mas que surge com o entusiasmo de


poder contribuir com a educação e saúde por mesclar conhecimentos, métodos e
objetivos das neurociências, psicologia e pedagogia. Sendo uma área que promete
muito conhecimento bem embasado e de ampla aplicação. 

Na Unidade I vamos conhecer como os conceitos básicos de


neuropsicopedagogia, de sua integração de três grandes áreas. Veremos a
relação entre cérebro e aprendizagem, como a conformação do cérebro
impacta nos comportamentos e as características bioquímicas dos neurônios
em seus potenciais de ação.
Já na Unidade II você irá saber mais sobre o que é a neurociência cognitiva e
diferenciá-la das outras neurociências, compreenderá as bases neurobiológicas
da aprendizagem, a evolução do sistema nervoso durante o desenvolvimento e
a importância do feedback para atingir os objetivos educacionais.  
Na sequência, na Unidade III aprofundaremos sobre aspectos do cérebro e o
sistema nervoso, como as neurociências explicam o desenvolvimento da
mente e do comportamento a partir das funções cerebrais, diferenciaremos os
tipos de memórias, com suas funções e durações e falaremos de modo crítico
sobre a tendência presente nas neurociências em reduzir a experiência
humana ao biológico.  
Em nossa Unidade IV vamos nalizar o conteúdo dessa disciplina com a
evolução do estudo do cérebro, falando sobre as ondas cerebrais, os neurônios
em rede que permitem a realização das funções cerebrais com perfeição, com
suas sinapses e comunicações elétricas, conheceremos a muito importante
característica do cérebro chamada de neuroplasticidade e falaremos de como
a inteligência emocional permite atingir grandes objetivos. 

Aproveito para reforçar o convite a você, para junto conosco percorrer esta jornada
de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados
em nosso material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e
pro ssional.
Unidade 1
O cérebro e a
aprendizagem

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Introdução
Conhecer o cérebro e sua relação com a aprendizagem é fundamental na
neuropsicopedagogia. Diante de um contexto social em que o conhecimento é
extremamente importante na vida pessoal e pro ssional das pessoas, as
di culdades de aprendizagem podem afetar muitos aspectos negativamente, como
na vida pro ssional e até mesmo na autoestima. Muitas áreas do conhecimento
buscam auxiliar para que haja melhores aprendizagens, principalmente quando,
apesar de boas oportunidades e meios o desempenho, está abaixo do que o
indivíduo pode proporcionar. Há atualmente um enorme esforço para que a
neurociência voltada para a educação se alie ao conhecimento provindo da
Psicologia Cognitiva, Psicopedagogia e Pedagogia, formando a
neuropsicopedagogia. Esta é uma ciência nova, com arcabouço teórico forte e
evidências de aplicação na prática educativa que permite otimismo.

Um primeiro passo no percurso dessa unidade deve ser a compreensão do


funcionamento e estrutura do sistema nervoso. A menor unidade do sistema
nervoso, o neurônio, que produz e envia sinais elétricos. A comunicação entre os
neurônios é fundamental para a organização e orientação do comportamento em
um ambiente complexo e bastante mutável. As mudanças neuronais decorrentes
das aprendizagens transformam a percepção de coisas muito simples e possibilitam
enormes modi cações de comportamentos comuns e também dos so sticados.  

A estrutura dos neurônios é envolvida pela membrana que desempenha uma


importante função na criação e propagação de sinais elétricos. A carga iônica
positiva fora da célula nervosa e a negativa dentro constituem o contexto elétrico
que é alterado por milésimos de segundos, com a abertura de canais iônicos dentro
da membrana do neurônio, levando à despolarização deste e transmitindo impulsos
nervosos pela rede neural. A circuitaria neural é impressionante e faz parte da base
biológica da aprendizagem. Com muita animação, o(a) convido para essa jornada
sobre o ser humano e sua fantástica capacidade de aprender!
Introdução e conceitos

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
O diálogo entre neurociências e educação tem mostrado enorme potencial. Várias
dúvidas sobre as questões de aprendizagem rondam a cabeça de professores e
outros pro ssionais voltados ao campo educacional. Muitas ciências já foram
conclamadas a participar da vida escolar, levando seu olhar sobre os processos de
ensino-aprendizagem. Os conhecimentos da neurociência se aglutinam com os
provindos da Pedagogia e da Psicologia, dando origem a esta nova ciência chamada
neuropsicopedagogia. É corrente o pressuposto de que quanto mais se conhecer o
aluno, melhor se poderá ensiná-lo. Há ainda muito a conhecer sobre os aspectos do
neurodesenvolvimento e como in uenciá-lo positivamente, revelando a necessidade
de constante atualização sobre as interações entre o sistema nervoso e o organismo
humano.

Pensava-se que conhecíamos o cérebro, contudo descobertas recentes des zeram


noções que tomávamos como verdades. Sabemos que as células do sistema
nervoso, os neurônios, mantêm certa capacidade de reprodução ao longo de toda a
vida, o que muda nosso entendimento de plasticidade cerebral. A velha e enaltecida
ideia de que a humanidade só usa menos de 30% do seu potencial também caiu por
terra com o aprimoramento da tecnologia para observar o cérebro em ação.
Descrições do cérebro como sendo dois hemisférios sem muita comunicação se
mostraram falhas e compreendemos agora que hemisférios esquerdo e direito
interagem contínua e fortemente para sermos os seres integrados e harmônicos
que podemos ser. Embora a Psicologia já amparasse a Pedagogia com
conhecimentos sobre o desenvolvimento humano, o aparecimento da
neuropsicopedagogia tem proporcionado maior entendimento de como a emoção
é fundamental no processo de ensino-aprendizagem.  Antes de abordar aspectos do
cérebro e a aprendizagem, devemos ter claro o que é aprendizagem. Paula et al.
(2006, p. 225, grifo nosso) respondem a essa aparentemente simples interrogação: 

Às vezes, os termos aprendizagem e conhecimento são utilizados como


sinônimos, porém, é por meio do processo de aprendizagem que se
adquire conhecimento, no entanto, o conhecimento resultante do
processo não pode ser confundido com aprendizagem. (PAULA et al.,
2006, p. 225, grifo nosso).

Para que haja aprendizagem é necessário um certo nível de ativação, atenção,


vigilância e seleção das informações. Caso não exista uma organização cerebral
integrada, não há aprendizagem adequada. A aprendizagem: “[...] inicia com um
estímulo de natureza físico-química advindo do ambiente que é transformado em
impulso nervoso pelos órgãos dos sentidos” (PAULA et al., 2006, p. 226).

Após introduzir o conceito de aprendizagem de modo cientí co para evitar


ambiguidade, alguns outros termos devem ser esclarecidos para que possamos
prosseguir. Portanto, cabe citar o conceito de neurociências de Lent (2008, p. 2): “[...]
um conjunto de disciplinas que tratam do sistema nervoso, nasceu da busca das
bases cerebrais da mente humana”. A atual geração de educadores e pessoas que
lidam com a educação precisará, de acordo com Zaro et al. (2010), considerar os
conhecimentos gerados por pesquisas em neurociência. 

Um dos maiores intelectuais e pesquisadores que defendem a neuroeducação,


Howard Gardner, apontou a falta de um elo entre a neurologia, a Psicologia e a
educação para formar o que seriam “neuro-educadores” (ZARO et al., 2010). A
neuroeducação é uma das áreas que compõem o conhecimento da
neuropsicopedagogia e, às vezes, um termo com o qual se descreve a
neuropsicopedagogia, pois esta ainda é uma área de conhecimento muito nova,
recebendo várias designações. Uma amostra da possível utilização dos
conhecimentos alinhados do campo da educação, Psicologia cognitiva e
neurociências é explicado por Zaro et al. (2010, p. 204):

A pesquisa de base neuro-educacional comportaria um vasto campo


de investigação – de naturezas quantitativas, qualitativas, empíricas e
inclusive etnográ cas – incluindo temas como, por exemplo, as
diferenças de aprendizado entre crianças, jovens, adultos, idosos, tanto
quanto entre alunos de diferentes áreas do conhecimento, e o impacto
das diferentes tecnologias audiovisuais sobre cada uma delas (Ribeiro
et al., 2005). Ou, ainda, as diferenças de ensino-aprendizagem
envolvidas na constatação de que existem diferentes tipos de
conhecimento teórico, prático, técnico, aplicável, memorizável, etc.,
cada um deles adequando-se, talvez, a um tipo ou outro de solução
tecnológica (quando e por que se deve escolher um vídeo, um game,
um acervo dinâmico de pesquisa ou uma simulação, por exemplo?).
(ZARO et al., 2010, p. 204).

Além das neurociências, outra área contribui para a neuropsicopedagogia, é a já


bem conhecida, a neuropsicologia, que, para Paula et al. (2006, p. 225), é:

[...] a ciência que tem por objeto o estudo das relações entre as funções
do sistema nervoso e o comportamento humano. [...] A neuropsicologia
pretende inter-relacionar os conhecimentos da psicologia cognitiva
com as neurociências, desvendar a siopatologia do transtorno e, sobre
esta base, encarar racionalmente a estratégia de tratamento. (PAULA et
al., 2006, p. 225).

Em meio a tantas novas áreas do conhecimento, surge a neuropsicopedagogia. Mas,


o que é mesmo neuropsicopedagogia? Para a Sociedade Brasileira de
Neuropsicopedagogia – SBNPp (apud PEREIRA, 2019), é uma ciência transdisciplinar
embasada nos conhecimentos da neurociência aplicada à educação e tem como
objetivo formal de estudo relacionar o funcionamento do sistema nervoso e a
aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal, social e
educacional. A neuropsicopedagogia é uma ciência que estuda o sistema nervoso e
sua atuação no comportamento, com enfoque na aprendizagem. Essa ciência nova
usa de conhecimentos da Psicologia Cognitiva, ramo da Psicologia; da
Psicopedagogia utiliza as noções sobre as características da aprendizagem humana,
também os processos de ensino e a origem das alterações na aprendizagem. 

A intervenção neuropsicopedagógica, segundo Oliveira et al. (2018), busca ser


diferenciada para cada ser, valorizando a personalidade do indivíduo. O trabalho do
neuropsicopedagogo favorece as particularidades de cada ser humano. 

A neuropsicopedagogia tem como foco o conhecimento das


habilidades do cérebro, assim sendo, conhecer os instrumentos que
estimulam as funções cerebrais é importante para o desenvolvimento
e caz da aprendizagem. O pro ssional neuropsicopedagogo estuda as
estruturas do cérebro e tem a consciência de como ele funciona, ele
compreende o sujeito que aprende e como a aprendizagem humana é
implicada em cada um deles, seu trabalho deve focar nas
potencialidades, temos que ver o que há de melhor em cada sujeito,
pois certas di culdades podem ser de caráter transitório se forem
estimuladas positivamente (OLIVEIRA et al., 2018, p. 58).

A ideia central da neuropsicopedagogia é tratar o indivíduo como possuindo um


modo único de interagir e aprender. “A grande tarefa do neuropsicopedagogo é
proporcionar uma avaliação individual, observando os comportamentos dos sujeitos
e identi cando os possíveis fatores que venham a in uenciar a aprendizagem [...]”
(OLIVEIRA et al., 2018, p. 58). De acordo com a resolução nº 03/2014 da Sociedade
Brasileira de Neuropsicopedagogia-SBNPP, o neuropsicopedagogo deve:

[...] considerar tanto possibilidades quanto limitações físicas, mentais e


emocionais do cliente, desenvolvendo objetivos apropriados para o
atendimento das suas necessidades e avaliar constantemente o
desenvolvimento do processo neuropsicopedagógico (OLIVEIRA et al.,
2018, p. 58).

Devido a maioria das incapacidades da aprendizagem escolar, social e emocional


terem como uma das causas problemas no desenvolvimento neurológico o estudo
teórico deve procurar na neuropsicopedagogia a fundamentação principal e
entendimento dos processos de disfunção do sistema nervoso central. 

Agora, falaremos mais sobre a complexidade do cérebro humano, que permite


inúmeras aprendizagens.
Cérebro e aprendizagem

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Para compreendermos o cérebro e como ele atua, é preciso antes entender que ele
faz parte do sistema nervoso, que é dividido em sistema nervoso central (que reúne
as estruturas dentro do crânio e da coluna vertebral) e o sistema nervoso periférico
(que engloba as estruturas distribuídas pelo organismo).

Figura 1 - Três cérebros em um

Fonte: acesse o link Disponível aqui

A superioridade cognitiva dos seres humanos, quando comparados a outros seres, é


explicada por possuirmos um so sticado arranjo de receptores sensoriais
conectados a uma espécie de maquinaria neural exível. Há um uxo contínuo de
informações que são organizados pelo encéfalo (é o conjunto do tronco cerebral,
cerebelo e cérebro que controlam o organismo) e se tornam respostas
comportamentais.  
Vamos enfocar as células nervosas individuais, os neurônios, que produzem e
enviam sinais que garantem toda a manutenção da vida e orientação de cada
organismo no ambiente. 

As células nervosas individuais, unidades básicas do encéfalo, têm uma


morfologia relativamente simples. Apesar de o encéfalo humano conter
um número extraordinário dessas células da ordem de 10¹¹ neurônios),
que podem ser classi cadas em pelo menos mil tipos diferentes, todas
as células nervosas compartilham a mesma arquitetura básica. A
complexidade do comportamento humano depende menos da
especialização de células nervosas individuais e mais do fato de muitas
dessas células formam circuitos anatômicos precisos. Um dos
princípios-chave da organização do encéfalo, portanto, é que células
nervosas com propriedades basicamente similares podem produzir
ações muito diferentes por causa do modo como estão conectadas
umas às outras e aos receptores sensoriais e músculos (KANDEL;
SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 19).

Os neurônios são organizados em grupos funcionais, trabalham conectados uns aos


outros de modo preciso (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Vários
comportamentos são produzidos por neurônios de diferentes regiões do encéfalo
interconectadas por vias neurais especí cas. Um dos princípios organizacionais do
cérebro, isto é, sua forma de agir, é conhecido como processamento distributivo
paralelo, em que muitas funções sensoriais, motoras e cognitivas utilizam mais de
uma via neural. Essa característica permite que quando uma região funcional é
dani cada, outras possam compensar parcialmente a perda. Funções motoras e
perceptivas básicas mais simples estão localizadas em áreas isoladas do córtex. Já as
funções mais so sticadas (como a linguagem) resultam de interconexões de várias
regiões funcionais. As operações neurais responsáveis pelas habilidades cognitivas
ocorrem principalmente no córtex cerebral. O córtex é a matéria cinzenta cheia de
sulcos que cobre os hemisférios cerebrais e, segundo Cosenza e Guerra (2011), é a
porção externa do cérebro, constituída por substância cinzenta, contendo bilhões de
neurônios em circuitos complexos que se encarregam de funções como memória,
planejamento e linguagem. O córtex é dividido em quatro lobos, que possuem
funções especializadas: 

O lobo frontal está amplamente relacionado com o planejamento de


ações futuras e com o controle do movimento; o lobo parietal, com a
sensação somática, a formação da imagem do corpo e a relação da
imagem do corpo com o espaço extrapessoal; o lobo occipital, com a
visão; o lobo temporal, com a audição e, por meio de suas estruturas
mais profundas - o hipocampo e o núcleo amigdalóide - com aspectos
de aprendizagem, memória e emoção. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,
2003, p. 9, grifo nosso).
Figura 2 - Divisão anatômica do hemisfério cerebral direito

Fonte: acesse o link Disponível aqui

Para entendermos um pouco sobre como o córtex é ativado e como atua diante da
estimulação, como uma estimulação na pele, recorremos a Cosenza e Guerra (2011,
p. 8):

[...] a região que recebe as informações táteis, por exemplo, localiza-se


no lobo parietal. [...] É por intermédio do córtex cerebral que
percebemos uma determinada sensação. Em outras palavras, sabemos
que houve uma estimulação tátil em nosso dedo quando essa
informação, trazida através da cadeia neuronal mencionada, excita
neurônios do córtex cerebral, levando a um processamento que ativa a
consciência. Na região que se encarrega das informações táteis, existe
um mapa corporal em que um ponto do córtex em que estão
representadas as diversas partes do corpo. Ou seja, uma estimulação
da pele do rosto chega em um ponto do córtex, enquanto a
estimulação do braço atinge uma área um pouco diferente, e assim
sucessivamente. Dessa forma, o cérebro ‘sabe’ que região do corpo está
sendo estimulada. 
O cérebro é uma estrutura muito complexa, e tem sido melhor investigado
conforme avança a tecnologia para o observar em ação. Quanto mais se aprende
sobre ele, mais se pode intervir para melhores condições de vida e aprendizagem.
Tudo que aprendemos deixa marcas no cérebro e mudanças no cérebro são a base
para o aprendizado. A neurociência, segundo Herculano-Houzel (2011), explica que a
aquisição do comportamento consiste na modi cação das conexões entre
neurônios no cérebro. 

O aprendizado é um dos maiores prazeres do cérebro, porque é um estímulo


poderoso para o sistema de recompensa cerebral, que leva a sensações de satisfação
e até de euforia. Aprender é mudar o cérebro conforme se vivem experiências. As
conexões entre neurônios podem se fortalecer ou se tornar mais fracas dependendo
do uso, ou seja, certas atividades feitas frequentemente fortalecerão determinadas
conexões nervosas, enquanto a interrupção de uma atividade por muitos anos pode
enfraquecer a conexão entre células nervosas e tornar um comportamento
previamente aprendido mais difícil de realizar do que um que executamos
constantemente. 

Avançamos mais um pouco em nossa caminhada e trataremos um pouco mais


sobre como os neurônios se relacionam.
Alicerce para o
aprendizado

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
A mediação do comportamento depende de como o cérebro é construído, da sua
citologia, da biofísica e bioquímica. O bloco de construção básico de todos os
organismos é a célula. Existem vários tipos de neurônios cujo plano celular básico é
semelhante, o que nos permite conhecer o modo como as células nervosas agem
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Falaremos das unidades fundamentais a
partir das quais os módulos do sistema nervoso são compostos, pois: “O fenômeno
da aprendizagem inicia-se em nível neuronal e desencadeia mudanças visíveis na
percepção e no comportamento” (CASTRO; OLIVEIRA, 2018, p. 70).

Figura 3 - Neurônio

Fonte: acesse o link Disponível aqui

O plano celular básico dos neurônios permite a capacidade exclusiva das células
nervosas de se comunicarem entre si, de modo rápido e por longas distâncias. “Os
principais compartimentos funcionais dos neurônios - o corpo celular, os dendritos,
os axônios e os terminais - estão geralmente separados por distâncias consideráveis”
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65). Quanto a estrutura e o funcionamento
do neurônio:

Primeiro, o neurônio é polarizado, possuindo dendritos receptores


numa extremidade e axônios com terminais sinápticos na outra. Essa
polarização das propriedades funcionais é comumente utilizada para
restringir o uxo de impulsos numa direção. Segundo, o neurônio é
elétrica e quimicamente excitável. Sua membrana externa contém
proteínas especializadas - canais iônicos e receptores - que permitem o
in uxo e o e uxo de íons inorgânicos especí cos e, em consequência,
criam correntes elétricas (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65).
Os dendritos são muito rami cados e modelados para receber comunicação
sináptica de outros neurônios. Geralmente há um único axônio em cada neurônio,
que propagam os impulsos elétricos aos terminais sinápticos. Um dos fatores que
também diferencia o neurônio de outras células do corpo é que:

Os neurônios também diferem da maioria das outras células pelo fato


de serem excitáveis. Mudanças rápidas no potencial elétrico são
possíveis graças a estruturas protéicas especializadas (canais iônicos e
bombas) na membrana celular que controlam o uxo instantâneo de
íons para dentro e para fora das células (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,
2003, p. 65).

Os neurônios apresentam especi cidades importantes para a troca de informações


entre eles e outras células do corpo. 

Trataremos a seguir das características da membrana celular do neurônio para


compreender o modo como se dá a transmissão de informação.
Potencial de Membrana e
ação

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Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
De modo breve, Lent (2001) nos explica que o neurônio é uma unidade sinalizadora
do sistema nervoso, sua forma é adaptada para transmissão e processamento de
sinais. Sua morfologia é caracterizada por muitos prolongamentos próximos ao
corpo celular (dendritos), que funcionam como antenas para os sinais de outros
neurônios, possui também um prolongamento que leva as mensagens do neurônio
para lugares distantes. Os neurônios são células excitáveis capazes de produzir
potenciais de ação. Os potenciais de ação são as unidades de informação dos
neurônios. 

As alterações temporárias da corrente que entra e sai das células geram sinais
elétricos – potenciais do receptor, potenciais sinápticos e potenciais de ação. Os
sinais elétricos alteram o potencial de repouso da membrana celular. Pode-se ler na
explicação a seguir sobre a corrente controlada por canais iônicos na membrana
celular:

Os canais de repouso estão normalmente abertos e não são


signi cativamente in uenciados por fatores externos, como o potencial
através da membrana. Sua importância primária é a manutenção do
potencial de membrana na ausência de sinalização. Em contraposição,
durante o repouso, a maioria dos canais controlados estão fechados
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 125).

Assim, podemos compreender que o potencial de membrana é indispensável para


que o neurônio volte ao seu estado anterior após a despolarização quando dispara
uma informação. Os canais de repouso na membrana mantêm o potencial de
repouso. Quando o potencial de repouso é alterado dá origem a sinais elétricos que
transitam, como o potencial de ação. Os canais de sódio, potássio e cálcio na
membrana dependem da voltagem para gerar o potencial de ação. Para podermos
delinear o que é o potencial de membrana mais especi camente, precisamos falar
sobre as cargas de íons positivos e negativos, em nível atômico, que caracterizam a
membrana plasmática do neurônio. 

Todo neurônio apresenta uma separação de cargas através de sua


membrana celular, que consiste em uma delgada camada de íons
positivos e negativos distribuídos ao longo das superfícies interna e
externa da membrana celular. No repouso, uma célula nervosa tem um
excesso de cargas negativas no lado interno. Essa separação de cargas
é mantida porque a bicamada lipídica da membrana bloqueia a difusão
de íons. A separação de cargas origina o aparecimento de uma
diferença de potencial elétrico, ou voltagem, através da membrana que
é denominada potencial de membrana (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 2003, p. 126). 

Cabe um maior detalhamento sobre o potencial de membrana:


Quando a célula está em repouso, os uxos iônicos passivos para
dentro e fora da célula são contrabalanceados, de modo que a
separação de cargas através da membrana permaneça constante e o
potencial de membrana permaneça no seu valor de repouso. Nas
células nervosas, o valor do potencial de repouso da membrana é
determinado primariamente pelos canais de repouso seletivos ao K+,
Cl-, Na+.(...) Em condições siológicas, as concentrações intra e
extracelulares do Na+, K+ e Cl- são constantes. Durante a sinalização, as
alterações do potencial de membrana (potencial de ação, potenciais
sináptico e do receptor) são causadas por mudanças substanciais nas
permeabilidades relativas da membrana a esses três íons (KANDEL;
SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 138).

(Há o link de um vídeo que explica de modo breve a polarização e despolarização do


neurônio e as diferenças de cargas positivas e negativas na membrana celular). 

Para recapitular, são três as etapas do potencial de ação: 1ª - repouso: no potencial


de repouso a membrana está polarizada devido ao grande potencial negativo da
membrana; 2ª - despolarização: a membrana ca permeável aos íons de sódio, que
entram para o interior da célula. O potencial de repouso varia muito rapidamente na
direção da positividade; 3ª - repolarização: em poucos décimos de milésimos de
segundos os canais de sódio começam a se fechar enquanto os canais de potássio
se abrem mais, permitindo a rápida saída de íons de potássio para fora da célula. Ao
mesmo tempo as bombas de sódio e potássio se ativam, restabelecendo o potencial
negativo de repouso da membrana. 

Uma outra forma de comunicação dos neurônios ocorre através de estruturas


chamadas sinapses, que são áreas de contato entre dois neurônios ou entre um
neurônio e uma célula muscular. Na sinapse ocorre um verdadeiro processamento
de informação. 

O impulso nervoso é o principal sinal de comunicação do neurônio, um


pulso elétrico gerado pela membrana, rápido e invariável, que se
propaga com enorme velocidade ao longo do axônio. Ao chegar na
extremidade do axônio, o impulso nervoso provoca a emissão de uma
mensagem química que leva a informação - intacta ou modi cada -
para a célula seguinte (LENT, 2001, p. 2).

No citoplasma neuronal, na parte interna do neurônio, utuam várias organelas com


funções e formas diferentes. Cada neurônio busca manter uma diferença de
potencial elétrico entre a parte interna e face externa de sua membrana. Essa
capacidade depende de canais iônicos abertos que cam na membrana permitindo
ou bloqueando certos elementos de entrarem ou saírem da célula. O sódio e o cloro
vazam para dentro continuamente, enquanto o potássio vaza para fora da célula.
Existe uma bomba de sódio e de potássio que mantém o potencial de repouso do
neurônio. 
As membranas dos neurônios apresentam oscilação da voltagem, tornando um
ponto da membrana menos polarizada (despolarizada), então, a face interna da
membrana ca menos negativa que a face externa, abrem-se os canais de sódio,
com íons de sódio entrando na célula, aumentando a despolarização, que cria um
potencial que se espalha pela membrana e pode alcançar a região do axônio. 

Em consequência: “O movimento de íons Na+ para dentro do neurônio se acentua, e


isso leva a um pico de despolarização que acaba por inverter a polaridade da
membrana: a face interna ca então positiva em relação a face externa” (LENT, 2008,
p. 68). 

Após a despolarização da membrana do neurônio, há o retorno da polarização.


Despolarização e polarização duram cerca de um milissegundo.

Figura 4 - Imagem das bombas de sódio e potássio na membrana plasmática do


neurônio

Fonte: acesse o link Disponível aqui

Para compreender o potencial de ação da membrana dos neurônios, recorremos


novamente a Lent (2008, p. 69), que explica haver características importantes:
[...] a primeira é que ocorre sempre do mesmo modo para cada tipo de
neurônio, o que signi ca que a sua forma grá ca é invariante.
Conhece-se essa propriedade como lei do tudo-ou-nada, que expressa
a ideia de que o impulso nervoso ou ocorre ou não ocorre, e quando
ocorre é sempre igual em amplitude, duração e forma de onda. A
segunda característica do potencial de ação é que ele torna inexcitável
o local da membrana em que ele aparece. Isso porque, embora a
membrana seja rapidamente repolarizada pela saída de K+, as
concentrações iônicas cam invertidas durante um certo tempo, até
que a bomba de Na+/K+ possa restabelecer as condições iônicas da
face citoplasmática e da face extracelular da membrana. Esta segunda
característica do potencial de ação, ou seja, a existência do período
refratário, impõe um limite para o aparecimento de um outro impulso
no mesmo local, de nindo assim o mínimo intervalo de tempo entre
dois impulsos (apenas alguns milissegundos). Sendo assim, ca
de nida também a máxima frequência de impulsos possível para cada
neurônio, um aspecto importante para a codi cação de informação.

A terceira característica do potencial de ação é a condução ao longo do axônio: 

Intuitivamente poderíamos pensar que o impulso nervoso, uma vez


gerado na zona de disparo do axônio, simplesmente se deslocaria ao
longo da bra até os ramos terminais. Não é bem isso que acontece: se
fosse assim, o impulso se dissiparia gradativamente, perdendo energia
ao longo do caminho, e no entanto ele permanece íntegro, com a
mesma amplitude, duração e forma de onda do ponto de início. Essa
capacidade de manutenção da integridade do potencial de ação ao
longo do axônio se deve ao fato de que na verdade ele é gerado
novamente a cada ponto da membrana, provocando uma ‘impressão’
de deslocamento. É como as luzes de um anúncio luminoso, que
acendem em sequência, dando a impressão de deslocamento (LENT,
2008, p. 69). 

Sobre a despolarização: 

No ponto de origem, a despolarização da membrana gera correntes


locais nas duas faces da membrana, pois as regiões vizinhas não estão
despolarizadas. Do lado do soma neuronal, há poucos canais de Na+
dependentes de voltagem, e o potencial resultante acaba se
dissipando. Mas, do lado do axônio propriamente dito, a concentração
desses canais é alta, e as correntes locais acabam por despolarizar a
vizinhança o su ciente para atingir o limiar e disparar os fenômenos
‘explosivos’ do potencial de ação (LENT, 2008, p. 69).

O potencial de ação gerado na zona de disparo chega em iguais condições a todos


os ramos terminais que formam as arborizações entre axônios. O potencial de ação
permite a comunicação entre os neurônios em rede, distribuindo a informação para
todos os neurônios com os quais faz contato.

Figura 5 - Sinapse ocorrendo na fenda sináptica entre neurônios

Fonte: Freepik.

O potencial de ação atua favorecendo a transmissão química entre neurônios, a


sinapse. A transmissão sináptica ocorre quando um potencial de ação chega ao
terminal pré-sináptico, despolarizando-o. Existe o potencial de ação pré-sináptico e o
pós-sináptico, indicando quando a comunicação dentro do cérebro é relacionada ao
potencial de ação. 
SAIBA MAIS
Podemos dizer que o cérebro é o computador central do nosso corpo,
localizado dentro da caixa craniana, e faz parte do sistema nervoso, para
onde convergem as informações que recebemos. Ao contrário dos
demais órgãos, ele é o único que pode melhorar seu desempenho com
o passar do tempo; quanto mais for utilizado, melhor seu desempenho.
Ele deve ser constantemente exigido, treinado e desa ado, ampliando
as conexões neuronais independentemente da idade da pessoa.

O cérebro representa apenas 2% da nossa massa corporal, porém


consome mais de 20% do nosso oxigênio comandando atividades como
o controle das ações motoras, integração de estímulos sensoriais e as
atividades neurológicas como a memória e a fala. 

Podemos dizer ainda que a ginástica cerebral é um método de ativação


simultânea dos dois hemisférios cerebrais baseado na educação
cinestésica e utilizado para melhorar a capacidade de aprendizagem.

Fonte: Pereira (2019). 

REFLITA
“Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar,
mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela”
(Albert Einstein).
Conclusão - Unidade 1

A educação tem recebido contribuições das neurociências para atuar baseado no


conhecimento de como o cérebro funciona. O campo da educação sempre foi alvo de
diversas e salutares in uências, algo muito bom, contudo muitas das abordagens
usadas na educação propunham modos de agir sem base em evidências, algo que
pode ter atrasado modos mais adequados de ensinar.

  A emergência da neuropsicopedagogia demonstra que a preferência por


conhecimento cientí co é um caminho necessário para lidar com problemas de
ordem institucional e/ou clínico que atrapalham o desenvolvimento e aprendizagem
dos sujeitos em qualquer fase da vida. Para a compreensão adequada e profunda de
como se dão as aprendizagens, mergulhamos no mundo atômico que permeia as
comunicações entre neurônios dentro do cérebro. 

As diferentes cargas elétricas do meio extracelular e intracelular dos neurônios


desempenham relevante papel para que haja a sinergia entre diferentes neurônios.
Os sinais elétricos que alteram temporariamente o potencial de repouso da
membrana celular permitem a despolarização da membrana plasmática e posterior
repolarização. A excitabilidade do neurônio o diferencia da maioria das células do
organismo. 

Como cada cérebro é único, as interações com o meio auxiliam na formação de novas
conexões ou reforçam antigas, moldando o organismo a cada experiência que se
repete ou que se pratica. As neurociências trazem muitos conhecimentos novos que
são integrados às áreas da Psicologia cognitiva, educação e saúde. Os avanços rápidos
das neurociências forçam os pro ssionais que dela se utilizam a se atualizarem
constantemente, pois antigas “verdades” sobre o funcionamento cerebral têm sido
desfeitas e novas descobertas reforçam o grande valor do conhecimento da
integração de saberes da neuropsicopedagogia. 
Leitura complementar
Quando o cérebro não esquece um membro perdido

Antes da descoberta dos antibióticos, quando uma ferida nos braços ou nas pernas
de um paciente necrosava, o único tratamento e ciente para evitar a morte era a
amputação. Só que, muitas vezes, o fantasma do membro amputado continuava
assombrando o paciente – literalmente. Ele “sentia” o membro amputado, ou, pior,
tinha dor no braço que não possuía mais. Seria alucinação? Delírio dos pacientes,
incapazes de aceitar sua nova condição? E quando a dor era muita, onde aplicar o
analgésico?

Até o século XIX, casos de membros fantasmas foram descritos apenas


ocasionalmente. Um dos primeiros foi apresentado pelo francês Ambroise Paré (1510-
1590), pioneiro da cirurgia. O lósofo e cientista René Descartes (1596-1650) e, 200
anos depois, o siologista François Magendie (1783-1855) também descreveram casos
de membros fantasmas. Mas analisando casos isolados era difícil encontrar algum
indício de uma explicação siológica para essa estranha sensação. Se é que os
“fantasmas” existiam mesmo, e não eram só produtos da imaginação dos pacientes
traumatizados – como nas histórias de fantasmas, quem quisesse que acreditasse...

Até que uma guerra produziu dezenas de casos para um só cirurgião, o americano
Silas Weir Mitchell (1829-1914), que servia na Filadél a durante a guerra civil norte-
americana (1861-1865). Os hospitais enchiam-se de soldados feridos; Mitchell chegou a
examinar 90 pacientes amputados. Desses, 86 logo passaram a sentir o fantasma do
membro removido – só quatro o “esqueceram”. Mitchell observou que as histórias de
membros fantasmas eram coerentes. Por exemplo, várias vezes eles pareciam
incompletos ou mais curtos do que o membro restante. Além do mais, eram muito
dolorosos e podiam ser sentidos por toques no rosto, por um bocejo, ou por
mudanças no vento. [...]

Somente no século XX, com as técnicas de registro eletro siológico da atividade


cortical, foi possível identi car uma origem para as sensações fantasmas. Dois grupos
independentes descobriram que a porção de córtex somestésico desaferentada pela
remoção de um membro é invadida por aferentes das áreas corticais vizinhas,
representando o tronco e o rosto. A consequência é que a porção desaferentada pela
amputação torna-se ativada por estímulos a essas regiões vizinhas. Só que, em vez de
provocar sensações correspondentes a elas, o córtex mantém a “memória” da
representação original – e o fantasma do membro aparece. [...] Os fantasmas,
portanto, não são pura imaginação, mas sim produtos de um cérebro que muda com
a nova realidade, mas não esquece suas imagens passadas.

Fonte: Lent (2001, p. 148).


Livro

Filme

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Web

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Referências
CASTRO, D. C.; OLIVEIRA, C. P. R.. Neurociência cognitiva e educação: os efeitos do
"Yoga na Educação" (R.Y.E.) nos processos de aprendizagem. Paideia, ano 13, n. 20, p.
69-87, 2018.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro


aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

HERCULANO-HOUZEL, S. Neurociências na educação. Belo Horizonte: Cedic, 2011.

KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Princípios da neurociência. 4. ed.


Barueri: Manole, 2003.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências.


São Paulo: Atheneu, 2001.

LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2008.

OLIVEIRA, G. M. et ai. Inteligências múltiplas e intervenção


neuropsicopedagógica. Revista Educação em Foco, n. 10, 2018.

PAULA, G. R. et ai . Neuropsicologia da aprendizagem. Revista psicopedagogia, São


Paulo, v. 23, n. 72, p. 224-231, 2006. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
scri pt=sci_a rttext&pid =S0103-84862006000300006&I ng= pt&n rm=iso. Acesso em: 23
fev. 2020.

PEREIRA, N. C. B. Os benefícios da ginástica cerebral no processo ensino­


aprendizagem. FIGUEIREDO, A. V.; DUARTE, 1. M. B. N. (Orgs.). ln: Diálogos em
neuropsicopedagogia na educação e saúde. Rio de Janeiro: Autografia, 2019.

RESOLUÇÃO SBNPP nº 03/2014. Disponível em:


http://www.sbnpp.com.br/wpcontent/uploads/2016/05/C%C3%B3digo-de-%C3%89tica­
e-T%C3%A9cnico-Profissional-daNeuropsicopedagogia-SBNPp.pdf: Resolução SBNPp
nº 03/2014. Acesso em: 06 fev. 2020.

ZARO, M. A. et ai. Emergência da Neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para


agregar valor à pesquisa educacional. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro, v. 15, n. l, p. 199-210,
abr. 2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script = sci_arttext&pid =Sl806-58212010000100016&Ing = es&nrm = iso. Acesso em: 23 fev.
2020.
Unidade 2
Aprendizagem: Dimensão
interna do
desenvolvimento humano
neurológico

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Introdução
Não existe apenas uma neurociência, mas várias neurociências que estudam o
cérebro humano em diferentes níveis, desde o nível molecular até as interações e
adaptações do organismo com o ambiente. Na presente unidade discutiremos as
neurociências cognitivas, que estudam os mecanismos neurais de capacidades
especí cas humanas, como consciência, linguagem, planejamento e imaginação.  

Serão tratadas as bases neurológicas que permitem a vida e a aprendizagem,


principalmente os aspectos emocionais e funções executivas. Os aspectos
emocionais das vivências humanas têm sido considerados algo desagradável e
desestruturador do pensamento racional, porém o entendimento mais avançado é
de que o ser humano só sobrevive devido a capacidade de se emocionar e
emocionar ao outro. 

A falsa divisão entre razão e emoção deixa de ser considerada útil e verdadeira pelos
conhecimentos das neurociências. Outro aspecto humano que permite à nossa
espécie uma interação muito especial com o ambiente físico e social são as funções
executivas, que possibilitam que organizemos nosso comportamento na execução
de ações com metas e supervisionar cada etapa do processo, garantindo maior
sucesso em várias áreas. As funções executivas apresentam evolução lenta e não
linear durante a infância e adolescência, completando-se somente quando o
cérebro está maduro, no início da fase adulta. 

As diferenças anatômicas e funcionais do cérebro humano ao longo do


desenvolvimento vital é um fator intrigante e que impõe a necessidade de os
conhecermos e sabermos lidar com as especi cidades de cada fase. O
conhecimento do cérebro adolescente, por exemplo, permite que entendamos o
porquê de tantos comportamentos de risco e o pensamento mágico de que tudo o
que ele zer dará certo. O lado do contato humano face a face, com relações
transparentes para que haja crescimento mútuo, também será enfocado, tratando
de técnicas de feedback que aperfeiçoam a comunicação.
Neurociência Cognitiva

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
As neurociências apresentam diferentes níveis de análise, porque, devido à
complexidade de entender o encéfalo, fragmentá-lo em pedaços menores permite
uma análise mais sistemática. Os níveis de análise partem da menor complexidade
para a maior, sendo os níveis: molecular, celular, de sistemas, comportamental e
cognitivo.

O estudo no encéfalo em seu nível mais elementar é chamado de Neurociências


Moleculares, que estuda como diferentes moléculas apresentam diferentes papéis.
Temos também as Neurociências Celulares, que enfocam como as moléculas
interagem para que os neurônios tenham suas propriedades particulares. Existem
as Neurociências de Sistemas, em que os neurocientistas investigam como
diferentes circuitos neurais analisam informações sensoriais, formam percepções,
executam movimentos e tomam decisões. As Neurociências Comportamentais
estudam a regulação do humor e do comportamento. En m, chegamos as
Neurociências Cognitivas, que avaliam como os mecanismos neurais agem nas
chamadas atividades mentais superiores, como consciência, linguagem,
planejamento e imaginação.   

As Neurociências cognitivas recebem várias de nições. Lent (2001, p. 4) descreve a


neurociência cognitiva como aquela que: “[...] trata das capacidades mentais mais
complexas, geralmente típicas do homem, como a linguagem, a autoconsciência, a
memória etc. Pode ser também chamada de neuropsicologia”. Para entendermos
um pouco mais de como as neurociências são amplas, veja o quadro a seguir com
descrições dos tipos de neurocientistas. 
Quadro 1 - Tipos de neurocientistas experimentais

TIPO DESCRIÇÃO

Neurocientista Usa a matemática e computadores para construir


computacional modelos de funções cerebrais.

Neurobiólogo do Analisa o desenvolvimento e a maturação do


desenvolvimento encéfalo.

Usa o material genético dos neurônios para


Neurobiólogo
compreender a estrutura e a função das moléculas
molecular
cerebrais.

Neuroanatomista Estuda a estrutura do sistema nervoso.

Neuroquímico Estuda a química do sistema nervoso.

Estuda as bases neurais de comportamentos


Neuroetólogo animais especí cos de cada espécie no seu habitat
natural.

Examina os efeitos das drogas sobre o sistema


Neurofarmacologista
nervoso.

Neuro siologista Mede a atividade elétrica do sistema nervoso.

Psicólogo siológico Estuda as bases biológicas do comportamento.

Mede quantitativamente as capacidades de


Psicofísico
percepção.

Fonte: adaptado de Bear, Connors e Paradiso (2008, p. 15).

Cognição é um termo frequentemente usado na área da educação e nas


neurociências. Porém, será que temos clara noção do que signi ca? Alguns
confundem cognição com pensamento, que são coisas diferentes. Comecemos com
a explicação sobre o que é pensamento, recorrendo ao lósofo Aristóteles: “Desde
Aristóteles, os elementos propriamente intelectivos do pensamento dividem-se em
três operações básicas: os conceitos, os juízos e o raciocínio” (DALGALARRONDO,
2008, p. 193). Falaremos, então, dos conceitos, posto que:
Os conceitos se formam a partir das representações. Ao contrário das
percepções o conceito não apresenta elementos de sensorialidade, não
sendo possível contemplá-lo, nem imaginá-lo. Trata-se de um elemento
puramente cognitivo, intelectivo, não tendo qualquer resquício
sensorial. Não é possível visualizar um conceito, ouvi-lo ou senti-lo. [...]
Por exemplo, quando se representa uma cadeira, ela ainda é
visualizada mentalmente, imagina-se uma cadeira preta, de madeira,
bonita ou feia, etc. Essa representação de cadeira ainda tem forte
aspecto sensorial. (...) Quando, por exemplo, se pensa em cadeira como
conceito, tal conceito é válido para qualquer tipo de cadeira
(DALGALARRONDO, 2008, p. 193-194).

A importância de “conceito” é destacada por Dalgalarrondo (2008, p. 194): “O


conceito é o elemento estrutural básico do pensamento, nele se exprimem os
caracteres essenciais dos objetos e fenômenos da natureza.”. Relacionando o
entendimento losó co sobre os conceitos que formam os pensamentos com os
achados da neurociência, encontramos que:

Há um debate na psicologia moderna se as representações são de fato


‘imagens’, tais como ‘fotogra as’ armazenadas na mente humana, ou
se são ‘representações proposicionais’. [...] Assim, ao evocar a
representação visual de uma mesa, não viria à mente uma massa visual
neutra, sem sentido utilitário, mas um objeto que, tendo quase sempre
uma tampa plana, quatro ou três pés de sustentação, de madeira ou
plástico, requisita algo que é construído culturalmente e com
signi cado linguístico. Estudos cognitivos e de neuroimagem têm
reforçado a ideia de que, em diferentes contextos e para objetos
distintos, ambos os modos de constituir representações ocorrem na
mente humana (DALGALARRONDO, 2008, p. 194).

Além de conceito, temos a noção de juízo, que estabelece relação entre dois
conceitos, como “cadeira” e “utilidade”, formando o juízo de que “a cadeira é útil”. O
raciocínio permite o encadeamento de conhecimentos, ligando conceitos e
sequências de juízos. Outro aspecto fundamental para entendimento do
pensamento é sobre os processos do pensar, porque o pensamento possui forma e
conteúdo.

Após esclarecimentos sobre o que é pensamento, podemos nos deter no que é


cognição. A di culdade de delimitar o termo “cognição” é esboçada por Schenkman
(2016, p. 559): “Nem sempre existe uma distinção nitidamente delineada entre a
cognição e outros aspectos do processamento cortical superior relacionado à
emoção e à memória”. A cognição é sistêmica, emerge do cérebro como o resultado
da contribuição, interação e coesão do conjunto de funções mentais, como a
atenção; percepção; processamento (simultâneo e sucessivo); memória (curto termo,
longo termo e de trabalho); raciocínio, visualização, plani cação, resolução de
problemas, execução e expressão de informação (FONSECA, 2014). Schenkman
(2016, p. 564) contribui para entendermos a relação das áreas corticais para que haja
a cognição. 

O lobo frontal abrange o substrato neural de processos cognitivos


complexos, como a capacidade de planejamento, previsão,
discernimento, empatia, altruísmo, abstração, autoconsciência e
controle emocional. Sendo assim, esse lobo não tem um propósito
único claramente de nido. (SCHENKMAN, 2016, p. 564).

A ideia de que as capacidades cognitivas complexas estão localizadas em áreas


especí cas do encéfalo foi con rmada, pela primeira vez, por neurologistas clínicos,
próximo de 1800. Essas capacidades cognitivas (como a linguagem, julgamento,
previsão, planejamento e memória) dependem da atividade nos córtices de
associação dos hemisférios cerebrais. Entre essas capacidades cognitivas, o processo
criativo é o que está mais distante da neurociência moderna de explicar por
completo. (SCHENKMAN, 2016). Outros detalhamentos de processos que permitem
a aprendizagem já foram melhor explicados pelas neurociências. Atemo-nos às
bases neurológicas relacionadas à aprendizagem.
Bases Neurológicas e
Aprendizagem

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
As redes neurais são essenciais para que ocorra a aprendizagem (como já visto na
Unidade I). O neurônio é a base de tudo que sabemos e fazemos. A relevância do
neurônio para todo tipo de aprendizagem é explanada por Fonseca (2014, p. 237), 

Efetivamente, em termos neuropsicopedagógicos, os neurônios podem


ser considerados as células da aprendizagem, pois são elas em si, mais
a interação que recriam com as células denominadas glias, que
sustentam e consolidam, somaticamente, qualquer tipo de
aprendizagem. (FONSECA, 2014, p. 237).

Portanto, trataremos de um assunto que envolve a complexa interação entre


neurônios especializados de várias partes do cérebro em sua rica interação para que
o ser humano consiga organizar suas ações diante das adaptações que o meio lhe
impõe. 

Ao explicar a evolução do cérebro primitivo dos répteis para o cérebro dos


mamíferos, Relvas (2015) comenta que no humano é formado por um tipo novo de
córtex (neocórtex) e grupos neuronais subcorticais. Nos mamíferos há uma região
constituída por células cinzentas (neurônios), formando o lobo límbico e a borda ao
redor do tronco encefálico. Diferentemente do cérebro reptiliano, nos mamíferos há
a capacidade de emoção, como a emoção de fúria, que é gerenciada pelo sistema
límbico e que é “[...] praticamente iguais ao gato, a um cão e a um ser humano
submetido a uma situação quando estressado” (RELVAS, 2015, p. 27).

A amígdala cerebral é muito relevante nas reações de agressividade, medo e


identi cação de reações de medo. É também a responsável pelo comportamento
altruísta, amor e cuidado com a prole. No ser humano, lesões na amígdala cerebral
podem levar a perda de sentido afetivo da percepção de informação externa, como
reconhecer se gosta de alguém familiar ao vê-lo. Atuando juntamente com o
hipotálamo, ela tem a função de identi car situações de perigo e preparar o
indivíduo para lutar ou fugir. O hipotálamo é a região do sistema límbico mais
importante, pois controla o comportamento emocional (RELVAS, 2015).  

Sobre a área cerebral responsável pelo raciocínio, Gazzaniga, Heatherton e Halpern


(2017, p. 98) esclarecem que:

[...] o córtex pré-frontal [...] ocupa cerca de 30% do cérebro nos


humanos [...]. Partes do córtex-pré-frontal são responsáveis pelo
direcionamento e manutenção da atenção, manutenção das ideias na
mente enquanto as distrações bombardeiam as pessoas a partir do
meio exterior, e desenvolvimento e execução de planos. Todo o córtex
pré-frontal é indispensável para a atividade racional, sendo também
especialmente importante para muitos aspectos da vida social
humana, como a compreensão daquilo que as pessoas estão pensando,
se comportar de acordo com as normas culturais a própria existência.
(GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2017, p. 98).
As funções nervosas superiores são desempenhadas pelo córtex cerebral, que é
dividido em lobo frontal, temporal parietal e occipital. O lobo frontal recebe
impulsos nervosos dos lobos parietais e temporais por longos feixes de bras. Lesões
bilaterais na área pré-frontal causam perda da concentração, diminuição da
habilidade intelectual e dé cit de memória e julgamento. O lobo temporal, em sua
parte posterior, está relacionado com a recepção e a decodi cação de estímulos
auditivos, que se relacionam com impulsos visuais. A parte anterior está relacionada
com a atividade motora visceral, mais especi camente, olfação e gustação, e com
alguns comportamentos instintivos (RELVAS, 2015). 

O lobo parietal interpreta e integra informações visuais provenientes do lobo


occipital. Também está relacionado às informações somatossensitivas,
principalmente o tato. Quando há lesões no lobo parietal há perda do conhecimento
geral, falta de interpretação das relações espaciais e motoras. Já o lobo occipital
realiza a integração visual (RELVAS, 2015).

Figura 1 - Divisão dos lobos cerebrais.

Fonte: Shutterstock.
Quadro 2 - Relação das funções desempenhadas por diferentes regiões corticais

ÁREA CORTICAL FUNÇÕES

Córtex motor primário  Inicia o comportamento motor


(giro pré-central) voluntário

Córtex sensitivo primário


Recebe informações sensitivas do corpo
(giro pós-central)

Córtex visual primário Detecta estímulos visuais

Córtex auditivo primário Detecta estímulos auditivos

Córtex de associação motora


Coordena movimentos complexos
(área pré-motora)

Centro da fala 
Produção da fala articulada
(área de Broca)

Córtex de associação
Base do esquema corporal
somestésica

Área de associação visual Processa a visão complexa

Área de associação auditiva Processa a audição complexa

Área de Wernicke Compreensão da fala

Área pré-frontal Planejamento, emoção, julgamento

Área temporal e parietal Percepção espacial

Fonte: adaptado de Relvas (2015, p. 37-38).

Abordaremos, então, a conação e as funções executivas, que são essenciais para a


sobrevivência e aprendizado, pois as habilidades executivas e conativas são
fundamentais para a compreensão das bases neurológicas da aprendizagem.
Para Fonseca (2014), há funções no cérebro que contribuem para que haja a
aprendizagem, uma é a conativa (relativas às emoções, motivações e
temperamento) e a outra é chamada de funções executivas (que permitem
organizar informações e cognições).

A cognição, a conação e a execução que fazem parte da plenitude das


faculdades mais sutis e superiores do ser humano, emanam, portanto,
da coatividade de milhões de neurônios, resulta, consequentemente,
de mecanismos biológicos e substratos neurológicos do cérebro,
demonstrando a impossibilidade de separar a função do sistema
nervoso de qualquer forma de aprendizagem, seja da mais natural,
simples e não-verbal, seja a mais cultural, complexa e verbal (FONSECA,
2014, p. 238).

Falaremos das funções conativas ou, como cotidianamente dizemos, a emoção.


Cosenza e Guerra (2011, p. 44) explicam que as emoções: “[...] se manifestam por meio
de alterações na sua siologia e nos seus processos mentais e mobilizam os recursos
cognitivos existentes, como a atenção e a percepção”. As emoções preparam os
organismos para ações de luta e/ou fuga, visando aproximações, confronto e
afastamentos de situações e pessoas. 

As emoções atuam como um sinalizador interno de que algo


importante está ocorrendo, e são, também, um e ciente mecanismo
de sinalização intragrupal, já que podemos reconhecer as emoções uns
dos outros e, por meio delas, comunicar situações e decisões relevantes
aos demais indivíduos ao nosso redor (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 44).

O fenômeno emocional tem raízes biológicas muito antigas e se mantém por seu
valor para a sobrevivência das espécies e indivíduos. A relação entre processos
conativos (emocionais) e processos cognitivos (como os presentes nas funções
executivas) não são opostos, são complementares, como a rmam Cosenza e Guerra
(2011, p. 44):

Na verdade, as neurociências têm mostrado que os processos


cognitivos e emocionais estão profundamente entrelaçados no
funcionamento do cérebro e têm tornado evidente que as emoções são
importantes para que o comportamento mais adequado à
sobrevivência seja selecionado em momentos importantes da vida dos
indivíduos. A ausência das emoções nos tornaria como inexpressivos
robôs androides. (CONSENZA; GUERRA, 2011, p. 44).

Após destacar que emoção e cognição trabalham juntas na adaptação e


sobrevivência, podemos passar para as funções executivas, que são: 
Conjunto de habilidades e capacidades que nos permitem executar as
ações necessárias para atingir um objetivo. Nelas incluem a
identi cação de metas, o planejamento de comportamentos e sua
execução, além do monitoramento do próprio desempenho, até que o
objetivo seja consumado (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52, grifo nosso). 

A grande relevância das funções executivas está em permitir organizar nosso


pensamento, estabelecer estratégias comportamentais e dirigir as próprias ações de
modo objetivo e exível. É por meio das funções executivas que se pode
supervisionar todo o processo. Vemos a relevância da ação das funções executivas
em qualquer comportamento complexo, como escolher uma roupa, pois exige uma
estratégia comportamental global, dividida em subtarefas que devem ser
distribuídas no tempo de forma ordenada e mantida na memória operacional até
que o objetivo seja plenamente atingido. 

O uso das funções executivas deve ser amparado pelos educadores, para que o
aluno aprenda a gerenciar o comportamento de lidar com frustrações diante das
di culdades e de repetições necessárias para a formação de rotas neurais, como
quando o aluno precisa repetir várias vezes a escrita e leitura de uma palavra para
formar a rota lexical e fonológica desta.

A educadora Relvas (2015) acentua que os estudos da biologia cerebral contribuem


para a práxis em sala de aula, pois contribuem para compreensão das dimensões
cognitivas, motoras, afetivas e sociais. Possibilitando ao educador redimensionar
quem é o aluno, suas potencialidades e vendo novas formas de interferir nos
ambientes pelos quais se educam.

No ambiente escolar, o bom uso das funções executivas é fundamental para que um
estudante tenha sucesso. As funções executivas se desenvolvem lentamente e só
estão plenas com o amadurecimento do cérebro, por volta dos 20 anos. 

Como é complexo o processo de amadurecimento do cérebro! Partiremos agora à


discussão sobre a dimensão interna do desenvolvimento humano. 
Dimensão interna do
desenvolvimento

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Desde o nascimento até o primeiro ano de vida, a capacidade de regular o próprio
comportamento em resposta às contingências ambientais e a capacidade de
estabelecer metas e de executar comportamentos voluntários com o intuito de
alcançar as metas são observados. Os primeiros sinais de controle inibitório surgem
entre 7 e 8 meses de idade. Outro marcador importante do desenvolvimento são os
precursores da teoria da mente (que é a capacidade de supor que cada pessoa tem
uma perspectiva e sensações diferentes das suas) surgem aos seis meses,
praticamente junto com a capacidade de distinguir objetos inanimados e animados.
Outro ponto importante da primeira infância é que, em torno de 12 e 18 meses, as
crianças começam a representar a percepção de um objeto compartilhado e a
acompanhar ativamente o olhar de uma pessoa para um objeto, isso quando
apresentam desenvolvimento neurológico típico.

Outro ponto é destacado por Uehara et al.(2016): o desenvolvimento do córtex pré-


frontal entre os 3 e os 6 anos indica que a idade pré-escolar é um período crucial
para a aquisição de habilidades importantes para o funcionamento adequado da
criança no ambiente escolar. No ambiente de sala de aula, as crianças precisam
manter-se conscientes do que elas estão fazendo enquanto executam alguma
atividade. Os alunos precisam escolher e prestar atenção a informações enquanto
realizam uma tarefa. 

O controle cognitivo, que faz parte das funções executivas, é extremamente


pertinente para várias atividades realizadas na escola, como socializar com crianças
de idades diferentes, atender aos pedidos de adultos e realizar tarefas escolares.
Sobre o controle cognitivo, Uehara et al. (2016, p. 27) a rmam que:

[...] medidas de controle cognitivo relatadas entre os 3 e os 11 anos de


idade foram preditoras de saúde física, dependência de substâncias,
status socioeconômico e probabilidade de condenação penal em
adultos com 32 anos de idade. Dessa forma, a identi cação de dé cits
executivos ainda na idade pré-escolar é útil para a estruturação de
programas de intervenção dessas funções. (UEHARA et al., 2016, p. 27).

As diferentes habilidades executivas e suas respectivas trajetórias de


desenvolvimento têm seu início na infância e continuam na adolescência, chegando
até a idade adulta. Passaremos, então, a nos deter na fase da adolescência e seu
respectivo desenvolvimento interno. 

Tanto do ponto de vista da cognição quanto do comportamento, os adolescentes


são caracterizados como impulsivos e assumem riscos de modo pouco re etido.
Uma possível explicação para o excesso de riscos está no baixo controle inibitório
frequente nessa fase.
[...] adultos e adolescentes acima dos 16 anos compartilham a mesma
competência de raciocínio lógico, mas fatores como suscetibilidade à
in uência dos pares e controle inibitório levam a diferenças na tomada
de decisão dos adolescentes (MUSZKAT; MIRANDA; MUSZKAT, 2015, p.
190).

Casey, Getz, e Galvan (2008) compilaram uma série de estudos, os quais mostram
associação positiva entre a atividade do nucleus accumbens e a probabilidade de se
envolver em comportamentos de risco durante o desenvolvimento, mas essa
atividade varia em função da avaliação de consequências positivas ou negativas
previstas. Para esses autores, durante a adolescência, alguns indivíduos podem ser
mais propensos a se envolver em comportamentos de risco. Mais do que simples
alterações na impulsividade, isso se deve também às mudanças de
desenvolvimento, em conjunto com a variabilidade na predisposição individual a se
envolver em tais comportamentos de risco. Os autores ressaltam a relevância de se
considerar a variabilidade individual ao examinar as relações cérebro-
comportamento relacionadas a assumir riscos e ao processo de recompensa, o que
pode, ainda, explicar a vulnerabilidade de alguns jovens a determinados
comportamentos de risco, como abuso de drogas.

O cérebro do adolescente difere tanto do infantil como do adulto em relação à


morfologia e aos aspectos funcionais associados ao papel diferente de circuitos,
regiões neocorticais, velocidade de maturação das substâncias branca e cinzenta,
conectividade estrutural e neurotransmissão (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008).
Observam-se essas mudanças em áreas bastante diversas do conhecimento, desde
a delimitação de diferentes respostas do cérebro adolescente até intervenções
farmacológicas, mudanças nos ciclos circadianos de sono e vigília, padrões de
receptividade e de conectividade de áreas relacionadas à motivação e reatividade ao
estresse. Todos esses aspectos tornam o período da adolescência um dos mais
dramáticos e importantes no que se refere a mudanças neurobiológicas, nos
domínios neuropsicológico e neurocognitivo, e nos aspectos que envolvem a
atribuição jurídica a comportamentos de risco e seleção de estratégias clínicas e de
reabilitação nos casos considerados disfuncionais.

Durante a adolescência, a maturação cerebral continua principalmente


nas áreas pré-frontais, as quais se reconhece serem essenciais para a
tomada de decisão em bases racionais, para o planejamento executivo
e para a modulação de comportamentos ligados à emoção. Há um
declínio da substância cinzenta nas áreas pré-frontais e aumento da
substância branca nessas regiões, o que se relaciona a um aumento da
mielinização das podas sinápticas, com um pico em torno dos 11 anos
de idade em meninos e um pouco mais precoce em meninas. Ainda
que o tamanho total do cérebro da criança de 6 anos tenha em torno
de 90% do tamanho do cérebro do adulto, as substâncias cinzenta e
branca continuam a passar por mudanças contínuas durante a
adolescência. (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008, p. 191).
O aumento de comportamentos de risco na adolescência está associado aos
sistemas subcorticais, cujo funcionamento é exagerado nos adolescentes, re etindo
que trajetórias do sistema de recompensa envolvido em escolhas de risco,
desenvolvem-se mais do que o sistema pré-frontal. Tal processo é que determina
escolhas mais impulsivas do que as mediadas por sistemas que envolvem regras e
objetivos mais de nidos, como o córtex pré-frontal dorsolateral, responsável pela
mediação cognitiva e planejada das escolhas (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008).

Iniciemos a discussão sobre a terceira idade. A literatura cientí ca tem se debruçado


mais sobre a terceira idade nas últimas décadas. Muitos dos entendimentos que se
possuía sobre o envelhecer se mostraram falhos, como atribuir o isolamento e perda
de interesse em atividades prazerosas ao mero passar dos anos. Silva e Yassuda
(2013) apontam alguns fatores já de nidos como importantes na manutenção do
nível cognitivo em idosos. Os autores citam a teoria do desuso, que a rma que
idosos expostos a ambientes com menor estimulação reduziram o uso de
habilidades cognitivas. 

Barnes e colaboradores (2004), baseando-se no número de contatos


estabelecidos com amigos, familiares e lhos no último mês e no
número de atividades sociais, comunitárias e produtivas
desempenhadas por idosos americanos (...) observaram que rede social
ampla e participação nas atividades examinadas apresentaram elevada
associação com o desempenho cognitivo nos dados iniciais e com
menor incidência de declínio cognitivo (SILVA; YASSUDA, 2013, p. 430). 

Há estudos epidemiológicos, a rmam Silva e Yassuda (2013), que sugerem forte


relação entre pessoas mais envolvidas em atividades sociais e menor risco de
problemas cognitivos na fase idosa. Relevante esclarecer que contatos sociais
incluem a rede social, a frequência de contato com familiares e amigos e a
percepção de suporte social recebido.
Figura 2 - In uências normativas associadas com a idade e a história e in uências
não normativas
Forte
Influências normativas
relacionadas com a história

Influências
não-normativas
Magnetude da influência

Influências normativas
relacionadas com a idade
Fraca

Infância Adolescência Idade adulta Velhice

Fonte: Palácios (2007, p. 373).

Como vimos na Figura 2, as in uências normativas relacionadas com a idade


(aquelas de origem interna como os genes herdados dos ascendentes e comuns da
espécie são mais impactantes nos primeiros anos de vida) diminuem sua in uência
no nal da infância, apresentam pouca in uência na adolescência e na vida adulta.
Voltando a interferir mais signi cativamente na velhice, mostrando haver moderada
in uência genética no modo como se vive a velhice.

Outros aspectos sociais e de interação com os pares repercutem no


desenvolvimento da vida social, pro ssional e acadêmica ao longo de toda a vida.
Estes ocorrem na relação um para um, nos relacionamentos interpessoais íntimos
que nos apontam se o caminho que tomamos tem sido efetivo ou não, falamos
sobre o oferecimento de feedback para a construção de comportamentos mais
adequados e saudáveis e que devem ser observados na educação.
Feedback e Aprendizagem

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Dentro dos aspectos psicopedagógicos, para auxiliar na aprendizagem estão as
técnicas de feedback que possibilitam explorar e proporcionar melhores interações
enquanto o organismo se modi ca internamente (neurologicamente) e
externamente (comportamentalmente). Aspectos neurológicos, psicológicos e
pedagógicos se intercruzam na experiência diária de ensino-aprendizagem.

Muito do nosso comportamento aprendido ocorre nas interações com outras


pessoas, mesmo a interação com o ambiente físico (como brincar com o móbile) é
disposta pela cultura, ou seja, um ser humano determinou ou facilitou a interação
com determinada parte do ambiente e não com outras. 

A aprendizagem costuma ser observada por meio da mudança de comportamento.


Segundo Williams (2005), na nossa cultura os métodos tradicionais para promover a
mudança de comportamento são: imposição, persuasão e ameaça. O autor nos fala
que as ações de impor, persuadir e ameaçar não são e cazes, pois só costumam ter
efeitas enquanto o agente controlador está presente, porque quando o ele vira de
costas a obediência cessa. Fazer perguntas orientadas é uma técnica mais efetiva
que imposição e ameaça.

Williams (2005) apresenta sugestões de como dar explicações claras e diretas para
mudar um comportamento. 1º, descrever um comportamento especí co; 2º,
descrever as consequências do comportamento; 3º, descrever como você se sente
em relação ao comportamento; 4º, descrever por que você se sente dessa forma; 5º,
descrever o que precisa ser mudado. 

Se você precisa que seu lho passe a manter organizado e arrumado o próprio
quarto, uma proposta usando esses passos seria: “Filho, por muitos anos você não
tem dado a mínima para o seu quarto (descrição do comportamento especí co). O
lugar está cheio de roupas sujas, sem falar das embalagens com restos de comida
espalhadas pelo chão. Você tem convivido com o lixo e a bagunça por muito tempo
(as consequências do comportamento). Eu tenho medo de que isso já tenha se
tornado um estilo de vida (descrição de como se sente em relação ao problema).
Preciso que cuide mais do seu quarto (o que precisa ser mudado)”.  

Outra situação para melhor elucidar a aplicação da técnica de perguntas orientadas


será descrita a seguir, em que pai e lho conversam sobre o caminho pro ssional do
lho:
-Que bom que você veio comer uma pizza comigo. Tem uma coisa
importante sobre a qual precisamos conversar. Estou preocupado com
o que parece ser uma falta de direcionamento em sua vida. Você já está
com 17 anos e, em alguns meses, estará terminando o ensino médio. O
que gostaria de estar fazendo daqui a um ano?- Ah, tipo assim... sei lá. -
acho que você sabe sim. Sei que gosta de estar com seus amigos, de
passar horas no computador e jogar video games. Você sabe do que
gosta e do que não gosta. Então, provavelmente, já re etiu sobre o ano
que vem. Respeito você e vou respeitar sua resposta. Então, o que
gostaria de estar fazendo daqui a um ano? - Acho que gostaria de estar
na faculdade. - Ótima resposta. O que gostaria de estar fazendo em
cinco anos? - Cinco anos depois de começar a faculdade,
provavelmente já estarei formado. -Não foi isso que perguntei
(WILLIAMS, 2005, p. 108, adaptado).

Até esta parte da interação o jovem não se posicionou seriamente na conversa.


Então, o pai reenquadra a situação e prossegue:

O que gostaria de estar fazendo em cinco anos? -Alguns amigos sabem


exatamente o que querem fazer, mas eu não tenho certeza.
Provavelmente alguma coisa relacionada a computadores. - Então,
alguns de seus amigos já têm uma direção em mente. Como se sente
ao perceber que eles já sabem o que querem enquanto você continua
indeciso? - Fico bolado. - Parece que você algo ca incomodado pelo
fato não saber, mas, se tivesse que escolher uma pro ssão hoje, seria 
relacionado a computadores. - Isso mesmo. - Algumas pessoas cam
confusas quando têm que resolver um problema porque não
conseguem enxergar todos os detalhes da solução. É possível que sua
di culdade em tomar uma decisão deva-se à complexidade e
abrangência da área de informática. Estou falando besteira? - Bem, não
tenho certeza se quero trabalhar em sistemas, redes, programação, ou
sei lá o quê. Não sei mesmo. - É exatamente isso que estou dizendo. Eu
caria confuso também (WILLIAMS, 2005, p. 108-109, adaptado).

Já imaginou se esse jovem com tanto potencial se sentisse inútil e perdido e


pensasse de si mesmo que não tem talento nem jeito? Que desperdício. Quantos
alunos com diversos tipos de di culdades passam por isso? Seja na hora de escolher
uma pro ssão, seja na resolução de questões lançadas em aula. O feedback de uma
pessoa mais madura pode ajudá-lo.

Os feedbacks de pessoas próximas ou que nos conhecem fornecem boas


informações sobre comportamentos que estão fazendo mal a nós mesmos e/ou a
outras pessoas sem que tenhamos percebido, são os pontos cegos. Stone e Heen
(2016, p. 111) explicam o que são os tais pontos cegos comportamentais, isto é,
comportamentos de que não há consciência sobre ele, pois: “Ponto cego é algo que
não vemos sobre nós mesmos, mas que os outros veem. Cada um de nós têm suas
próprias particularidades nesse quesito, mas existem alguns pontos cegos que todos
nós temos”. É na interação social adequada que o ser humano pode melhorar. A
educação visa proporcionar boas aprendizagens, com as aprendizagens surge a
reorganização do cérebro:

Se o ser humano falhar na aprendizagem, a sua interação com os


outros falhará também e, como consequência, o seu cérebro falhará no
crescimento e na maturação. O estudo da evolução dos hominídeos
pressupõe que os sucessivos processos de aprendizagem cultural
tiveram impacto signi cativo na reorganização neurofuncional do
cérebro (FONSECA, 2010, p. 22-23, grifo do autor).

Sobre a educação, Muszkat, Miranda e Muszkat (2015) expõem que é um processo


multideterminado, porém o que é feito em sala de aula é intervenção que leva a
modi cações comportamentais, cognitivas e cerebrais nos alunos. 

Traduzir os dados de investigação das neurociências para a


educação, com o objetivo principal de melhorar a aprendizagem dos
alunos e o ensino dos professores, é um dos grandes desa os do
século XXI, por essa razão, pensamos que a neuropsicopedagogia
(neurociência educacional) não pode continuar a ser negligenciada
pelas Ciências de Educação. Em síntese, a neuropsicopedagogia
procura reunir e integrar os estudos do desenvolvimento, das
estruturas, das funções e das disfunções do cérebro, ao mesmo tempo
que estuda os processos psicocognitivos responsáveis pela
aprendizagem e os processos psicopedagógicos responsáveis pelo
ensino (FONSECA, 2014, p. 263, grifo nosso).

Como apontado por Fonseca (2014), como os conhecimentos da neurociência serão


utilizados na educação é algo que se está construindo. Contudo, sobre a relação
entre as neurociências, a educação e o feedback, Vieira (2017, p. 24) nos revela que: 

A Neurociência aponta que o cérebro não distingue o que é real do que


é imaginado. Toda imagem mental, positiva ou não, que é vista
repetidamente e/ou sob forte impacto emocional torna-se uma
verdade sináptica, ou seja, uma programação mental. Isso quer dizer
que os registros neurais produzidos com o ensaio mental gerarão
mudanças concretas dentro e fora de você. (VIEIRA, 2017, p. 24).

Se um aluno tem uma imagem mental de si como fracassado, provavelmente ele irá
fracassar. Uma frase atribuída a Henry Ford é muito ilustrativa ao que hoje se chama
de mindset: “Se você pensa que pode ou se pensa que não pode, de qualquer forma
você está certo”. Essa explicação sobre as “verdades” que contamos a nós mesmos
pode nos impedir de atingir os objetivos ou nos impelir ao sucesso. Se os
educadores dominarem a técnica de feedback, podem ajudar a impulsionar muitas
alunos que estão descrentes de si e desistindo de lutar, porque acreditam que
nunca serão bons. Eis a utilidade da neuropsicopedagogia, aliar saberes da
neurociência com a realidade educacional para auxiliá-la.

SAIBA MAIS
Exemplos de dé cit de cognição espacial

Incapacidade de localizar objetos no espaço, de modo que há dé cits


de alcance e de indicação de alvos visuais.

Dé cits de aprendizado ou de lembrança de rotas, o indivíduo não


consegue traçar a rota de um determinado local a outro.

Incapacidade de relacionar objetos espacialmente separados,


incapacidade de descrever a ação retratada em uma foto, embora
consiga descrever os itens individuais que a compõem.

Di culdade que envolve a capacidade de construção visual, não


conseguir reproduzir o desenho de um bloco tridimensional.

Incapacidade de soletrar o início das palavras ou de ler com coerência


uma passagem longa, pulando linhas inteiras e começando a leitura no
meio de outra linha. (Tarefas como ler, contar e soletrar dependem da
percepção espacial-temporal acurada de uma sequência de estímulos.)

O indivíduo pode não conseguir lembrar a disposição dos móveis de


uma sala ou a planta dos quartos de sua própria casa.

Fonte: Schenkman (2016, p. 563).


REFLITA
“A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa. É mais uma arte de
mestres do que de discípulos; é preciso ter aprendido muitas coisas
para saber perguntar o que não se sabe”
(Jean-Jacques Rousseau).                                                                           
Conclusão - Unidade 2

Nesse nosso percurso sobre a aprendizagem, mais especi camente sobre a


dimensão interna do desenvolvimento neurológico, vimos de perto conceitos muito
mencionados, como cognição e pensamento. Cognição é o processo pelo qual o
indivíduo chega a soluções novas e criativas, o pensamento já era investigado desde a
antiguidade grega e é dividido em conceitos, juízos e raciocínios. 

O próprio vocabulário da neurociência faz com que seja necessário entendermos os


termos que já usamos para que possamos compreender os novos conceitos que a
neuropsicopedagogia nos impõe. Vimos aspectos do funcionamento humano que
são chamados de funções executivas e funções conativas. Funções executivas
permitem que organizemos nosso próprio comportamento diante de di culdades do
meio. As funções conativas são permeadas pela emoção e por sentimentos. 

Muito da sobrevivência humana só foi e é possível graças aos sistemas cerebrais que
nos energizam de modo rápido para emissão de reações de luta e fuga. Quanto mais
se olha para o cérebro, em suas relações com as pessoas e ambientes, mas se vê o
universo único e fantástico que se rege a partir de leis que nós, humanidades, ainda
estamos na iminência de entender. 

Após nos debruçarmos sobre aspectos internos do cérebro, cabe citar as


potencialidades que cada pessoa pode alcançar quando é educada para
compreender o efeito de seu comportamento sobre o dos demais, com a construção
da capacidade de feedback. As técnicas de feedback para ajudar os jovens a
encontrarem seu caminho se somam ao autoconhecimento como modo de propiciar
um estilo de vida saudável e harmônico. É interessante lembrar que, por mais
fantástico que seja, o órgão humano do cérebro, o pleno potencial humano exige
ações como de busca de harmonia.       
Leitura complementar
Phineas Gage

Uma lesão encefálica pode, às vezes, apresentar uma profunda in uência sobre a
expressão emocional de uma pessoa, com poucos efeitos adicionais. Um dos mais
famosos exemplos é o caso de Phineas Gage. No dia 13 de setembro de 1848,
enquanto socava pólvora em um buraco, preparando uma explosão no local de
construção de uma ferrovia, em Vermont, ele cometeu o erro de não olhar, por um
instante, para o que estava fazendo. O ferro que era utilizado para socar atingiu uma
rocha, e a pólvora explodiu. As consequências desse ato são descritas pelo Dr. John
Harlow em um artigo de 1848, intitulado: “Passagem de uma barra de ferro através da
cabeça”. Quando a carga explodiu, a barra de ferro de um metro de comprimento e
de 6 kg foi projetada em direção à cabeça de Gage, logo abaixo de seu olho esquerdo.
Após atravessar seu lobo frontal esquerdo, a haste saiu pela parte superior do crânio
de Gage. 

Inacreditavelmente, após ser carregado até um carro de bois, Gage manteve-se


sentado ereto até chegar em um hotel próximo, conseguiu subir um longo lance de
escadas para entrar. Quando Harlow viu Gage pela primeira vez no hotel, ele
comentou “o quadro que se apresentava era, para alguém não acostumado a
cirurgias militares, verdadeiramente impressionante” (p.390). Como o leitor pode
imaginar, o projétil destruíra uma porção considerável do crânio e do lobo frontal
esquerdo, e Gage havia perdido bastante sangue. O buraco que atravessou sua
cabeça tinha mais de 9 cm de diâmetro. Harlow foi capaz de colocar toda a extensão
do seu dedo indicador dentro do orifício no topo da cabeça de Gage, e também para
cima, a partir do buraco em seu rosto. Harlow cuidou do ferimento tão bem quanto
pode. Ao longo das semanas seguintes, desenvolveu-se uma considerável infecção.
Ninguém teria cado surpreso se o homem morresse. Cerca de um mês após o
acidente, no entanto, ele estava fora da cama e caminhando pela cidade!

Harlow correspondeu-se com a família de Gage durante muitos anos e, em 1868,


publicou um segundo artigo, “Recuperação da passagem de uma barra de ferro
através da cabeça.”, descrevendo a vida de Gage após o acidente. Após ter-se
recuperado de seus ferimentos, Gage estava aparentemente normal, exceto por uma
coisa: sua personalidade havia sido dramática e permanentemente alterada. Quando
tentou voltar ao seu emprego como contra-mestre de construção, a companhia
notou que ele havia mudado muito, e para pior, de modo que não o empregaram
novamente. De acordo com Harlow, antes do acidente Gage era considerado “o
contra-mestre mais capaz e e ciente... Ele tinha uma mente bem equilibrada e era
considerado, por aqueles que o conheciam, como um negociante perspicaz e
inteligente, muito persistente na execução de todos os seus planos de operação” (p.
339-340). Após o acidente, Harlow o descreveu como segue:

Ele é indeciso, irreverente, permitindo-se, às vezes, as mais grosseiras irreverências (o


que não era seu costume anteriormente), apresentando pouca deferência para com
seus amigos, impaciente em relação a obstáculos ou conselhos que entrem em
con ito com seus desejos; às vezes, de uma obstinação pertinaz, e ainda assim
caprichoso e vacilante, imaginava muitos planos para operações futuras, os quais logo
que arranjados eram abandonados em troca de outros que lhe parecessem mais
exeqüíveis... Sua mente mudou radicalmente, tão decididamente que seus amigos e
conhecidos disseram que ele “não era mais o Gage”. (p. 339-340).

Phineas seguiu vivendo por mais 12 anos, e quando morreu não foi realizada qualquer
autópsia. Seu crânio e a barra de ferro foram preservadas em um museu na Escola
Médica de Harvard. Em 1994, Hanna e Antonio Damásio e seus colegas, da
universidade de Iowa, zeram novas medidas do crânio e utilizaram técnicas
modernas de diagnóstico por imagem para reconstruir a lesão no encéfalo de Gage.
(...) A barra de ferro lesionou gravemente o córtex cerebral de ambos os hemisférios,
especialmente os lobos frontais. Presume-se que tenha sido essa lesão que levou às
explosões emocionais apresentadas por Gage e às drásticas mudanças em sua
personalidade.

Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2008, p. 570).

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Unidade 3
Cérebro I

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Introdução
O conhecimento sobre o cérebro e o sistema nervoso é muito vasto e apresenta
inúmeras implicações. A Psicologia e a Pedagogia foram atraídas para o campo de
forças das neurociências, gerando uma área de conhecimento fabulosa. A
neuropsicopedagogia é herdeira de uma noção de ser humano muito rica e
complexa.  

A relação entre mente, corpo e comportamento é debatida há muitos séculos por


pensadores, lósofos, teólogos e, mais recentemente, por cientistas e
neurocientistas. Cada autor tem muito a propor e a escutar, independente se seu
saber parte de so sticados laboratórios ou gigantescas bibliotecas. O saber humano
não tem limites, nem fronteiras. Não há conhecimento melhor porque utiliza mais
tecnologia, pois tudo que se refere ao ser humano importa e é relevante. O saber
conduzir uma palestra agradável é permitir entrar em contato com outro universo,
chamado de pessoa. A comunicação entre pessoas é tão importante quanto a
comunicação entre áreas de saber. Quando Pedagogia, Psicologia e neurociência se
dispõem a partilhar saberes, visam trocar aspectos que já dominam por uma
experiência mais completa e mais instável, aumentando a complexidade de suas
intervenções em vários campos humanos como na educação e saúde. 

No intento de conhecer mais a nós mesmos, prosseguimos para entender a


memória, como ela nos de ne e como somos de nidos por ela. As certezas com que
comparamos a memória humana com a de máquinas nos faz perder algumas
certezas sobre fatos, mas nos presenteamos com a sensação de que a espécie
humana é deveras especial e nunca comparável a qualquer máquina inventada pelo
homem. Se a dureza dos tecidos cerebrais nos microscópios faz esquecer a doçura
da vida e levarem ao materialismo, basta olhar por tempo su ciente o sorriso de
uma criança para que a ternura volte a aquecer, pois há ainda coisas que a
Pedagogia e a Psicologia não tiveram tempo de ensinar às neurociências.
O Cérebro e o Sistema
Nervoso

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
O cérebro é tido como a morada da razão. Quando vemos o desenho do cérebro
estilizado, geralmente se remete às grandes ferramentas de que dispõe a
humanidade: criatividade, raciocínio e estratégia. 

É necessário termos uma boa noção sobre o cérebro e o sistema nervoso para que
possamos acompanhar a neuropsicopedagogia. Comecemos pelo Sistema Nervoso
Central (SNC), que são as porções do sistema nervoso envolvidas pelos ossos: o
encéfalo e a medula espinhal. O encéfalo é dividido em cérebro, cerebelo e tronco
encefálico. O cerebelo ca atrás do cérebro, o termo vem do latim, signi ca cérebro
pequeno. O cerebelo é: “[...] um centro de controle do movimento que possui
extensivas conexões com o cérebro e com a medula espinhal” (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2008, p. 171). “O tronco encefálico é um conjunto complexo de bras e
células, que, em parte, serve para enviar informação do cérebro à medula espinhal e
ao cerebelo e da medula espinhal e cerebelo ao cérebro” (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2008, p. 171). O tronco encefálico também regula funções vitais, como
respiração, consciência e controle de temperatura. Ele é considerado a porção mais
antiga do encéfalo dos mamíferos.

Figura 1 - Caixa craniana contendo o cérebro, cerebelo e tronco encefálico

Fonte: Freepik.

A medula espinhal é envolvida pela coluna óssea e está colada ao tronco encefálico.
A medula espinhal é o maior condutor de informação da pele, articulações e dos
músculos ao encéfalo e do encéfalo para o sentido contrário. Caso haja um corte na
medula espinhal, resultará em falta de sensibilidade na pele e até paralisia no
músculo (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2008). 
Lent (2001) explica que o cérebro é constituído por dois hemisférios justapostos e
separados por um profundo sulco. No cérebro ca o córtex cerebral, que é a
superfície enrugada cheia de giros e sulcos. No córtex estão representadas as
funções neurais e psíquicas mais complexas. 

Sobre a importância de conhecer os sistemas biológicos na educação, temos em


Relvas (2015, p. 34) que:

Diante disso, é fato que diversas di culdades de aprendizagens


poderão ser resolvidas ou amenizadas quando os educadores tiverem
seus olhares focalizados na promoção do desenvolvimento dos diversos
estímulos neurais que se expõem de forma que se compreendam os
processos e os princípios das estruturas do cérebro, conhecendo e
identi cando cada área funcional, visando estabelecer rotas
alternativas para a aquisição da aprendizagem, utilizando-se de
recursos sensoriais, como instrumento do pensar e do fazer.

Aprofundando nosso conhecimento sobre as funções cerebrais, falaremos de como


se chegou a atual descrição da relação entre corpo, mente e comportamento.
Desenvolvimento da mente
e do comportamento

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Na antiguidade grega, Aristóteles defendia que o coração era o centro do controle
do corpo. Também por volta de 330 a.C., Aristóteles enunciou a primeira re exão
sobre a relação mente-cérebro. Na obra Sobre a Alma o pensador relaciona as
funções nutritivas, sensitivas, locomotoras e reprodutivas a processos siológicos do
organismo. Quanto ao aspecto intelectual, a loso a aristotélica a rmava que as
coisas materiais possuíam capacidade de impressionar a mente. O conhecimento
racional faria parte das verdades universais. A parte pensante da alma, para
Aristóteles, não se misturaria ao corpo, contudo era capaz de pensar
(DALGALARRONDO, 2008).

Hipócrates propalava a ideia de que o cérebro controlava os comportamentos.


Muitas das observações de Hipócrates se deram a partir do acompanhamento de
seus pacientes com doenças ou lesões cerebrais no tecido exposto. Esse médico
também se celebrizou por haver criado uma das primeiras teorias biológicas sobre o
funcionamento mental, a teoria humoral, em que se pensava serem quatro os tipos
de humores do corpo (bile amarela, bile negra, euma e sangue), que deveriam ser
equilibrados para que uma pessoa estivesse saudável. Essa proposta partia de uma
teoria homeostática para a saúde mental (LAMBERT; KINSLEY, 2006).

Dos encontros com gladiadores feridos nos territórios de Roma antiga e de estudo
de animais mortos, Galeno pode depreender conhecimentos sobre a relação entre
cérebro e resto do organismo. Ele escreveu que espíritos animais no cérebro
transmitiam sensações e movimentos. Galeno identi cou as funções dos nervos e
propôs uma das primeiras teorias do funcionamento da mente, isso tudo 200 anos
antes de Cristo. Suas ideias prosseguiram convencendo grandes nomes da ciência
do período pós-renascença, como René Descartes (1596-1650). O cérebro foi tomado
loso camente por Descartes, isso é, ele não o estudou dissecando-o, mas sua
maneira de pensar sobre a relação corpo e alma foi determinante para o modo
como todo o mundo ocidental compreende o cérebro: a máquina que abriga a
alma. (LAMBERT; KINSLEY, 2006). 

Sobre a proposta losó ca de Descartes para a compreensão do ser humano


enquanto orgânico e metafísico cou registrada como dualismo interacionista:

Esta tese postula a possibilidade de ação recíproca e de in uência


mútua entre mente e processos cerebrais. É também chamada de
dualismo psicofísico. Embora a alma e o corpo sejam duas realidades
distintas, com certa autonomia, uma in uencia a outra intimamente,
havendo interação constante (DALGALARRONDO, 2008, p. 54).

Outro nome de destaque surge 25 anos após a morte de Descartes, é Thomas Willis.
Thomas é considerado o pioneiro das funções cerebrais, ajudando a estabelecer que
o cérebro desempenha um papel de orquestrar as funções do corpo e da mente. A
mente genial de T. Willis e as técnicas de dissecação promoveram enormes ganhos
cientí cos:
Por meio de dissecações e observações perspicazes, começou a
descobrir as verdadeiras funções de algumas das estruturas do cérebro.
Por exemplo, seu trabalho não enfatizava a importância dos ventrículos
para as funções superiores, e voltou-se para a in uência dos
hemisférios cerebrais. Ele também descreveu o corpo estriado pela
primeira vez, propondo corretamente o papel dessa estrutura no
movimento, e sugeriu que a área inferior do tronco encefálico está
envolvida nas funções cerebrais mais básicas, como a respiração.
(LAMBERT; KINSLEY, 2006, p. 64).

Franz Gall (1758-1828) foi muito além do localizacionismo, ele estabeleceu relações
entre estruturas corticais e a intensidade de muitas faculdades. Gall estabeleceu um
protocolo em que, por apalpadelas, poderia descrever várias características da
personalidade do dono do crânio, fosse um ser humano, fosse um animal. Quando
se chegou à conclusão que a frenologia era risível, outros nomes demonstraram
experimentalmente e por meio de casos clínicos algumas relações fortes entre
determinada área no cérebro e uma atividade de linguagem, como na área de Broca
e Wernicke.

Há muitos estudiosos na atualidade. Em alguns grupos vigora a teoria da mente


como emergente das funções cerebrais, para eles: “Os fenômenos mentais são
conceitualizados como ‘emergentes’, relativos ao cérebro. Eles são gerados e
constituídos por eventos físicos e físico-químicos da matéria cerebral”
(DALGALARRONDO, 2008, p. 55).

Loewi descobriu, com sapos, que os neurônios se comunicam entre si pela liberação
e recepção de determinados compostos químicos. Adrian forneceu informações
sobre a maneira como os neuroquímicos estimulam os neurônios e como os
neurônios transmitem informações para o próximo neurônio (LAMBERT; KINSLEY,
2006). 

É interessante notar que muitas descobertas sobre a neurociência ocorreram em


laboratórios, com sujeitos, animais, contudo a mente é um fator que não se pode ser
observada diante de um microscópio, como se faz com os tecidos cerebrais. A
compreensão do que é a mente e de como se relaciona com o orgânico perpassa
questões losó cas. A compreensão de aspectos da mente requer aprofundar em
algumas das funções que o cérebro nos permite realizar, como a memória, que será
melhor detalhada a seguir.
Formação de Memórias e
suas funções e durações

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
A memória, utilizando conceito de Stratton e Hayes (2009), é o termo geral atribuído
ao armazenamento e posterior recuperação da informação. É preciso dar atenção
para um estímulo para que seja memorizado, por isso grande parte dos estímulos a
que somos expostos não entram na memória. A memória tem grande importância,
de modo psicológico, porque é ela que dá a sensação de continuidade da qual
depende nossa noção de eu (ATKINSON et al., 2002).

Duas das funções cognitivas que atendem às elaborações mais completas em seres
humanos são: emoção e memória. A emoção e a memória são mediadas em grande
parte por componentes do sistema límbico. A emoção, a memória e a linguagem
estão inextricavelmente ligadas a outros construtos da cognição, como atenção,
função executiva e tomada de decisão. Admite-se a inexistência de uma distinção
clara entre essas funções inter-relacionadas (SCHENKMAN, 2016).

Falemos primeiro da emoção. A emoção é o atributo mais fundamental e


signi cativo da cognição humana. A emoção não só dá cores às atividades da vida
diária, como também é o mecanismo básico usado para guiar o comportamento em
um meio social.

Passemos, então, para a memória, que apresenta a característica de ser


multifacetada. Alguns mecanismos da memória operam segundo uma
escala temporal de curta duração, enquanto outros operam em uma
escala de longa duração (até permanente); alguns atuam codi cando
fatos e eventos explícitos, enquanto outros registram as habilidades e
os hábitos. Além disso, não existe um sistema unitário individual no
encéfalo que medeie esses diferentes aspectos da memória. A
memória e a emoção estão intimamente relacionadas. As memórias
mais duradouras e vívidas são aquelas associadas às emoções mais
fortes (SCHENKMAN, 2016, p. 584). 

A neurociência contemporânea considera que a emoção exerce um papel


indispensável na nossa vida mental, em dois reinos funcionais expansivos: na
orientação do comportamento complexo em contextos sociais e na formação de
memórias facilmente acessíveis de experiências de alto envolvimento. Dessa forma,
em vez de ser considerada um estado de mentalização caótico interferente, a
emoção emerge como um atributo mais fundamental e signi cativo da natureza
humana (SCHENKMAN, 2016).

Vamos compreender mais sobre a memória e como ela é encarada atualmente. Há


memórias diferentes para diferentes tipos de informação: a) memória explícita é
usada para armazenar fatos (como nomes de cidades e datas comemorativas), ela é
processada de modo consciente; b) memória implícita, para armazenar habilidades
(como andar de bicicleta e pintar), ela é processada inconscientemente (ATKINSON
et al., 2002).
Ao falarmos de memória podemos dividi-la também pelo tempo ou duração da
informação. Temos a memória de operação (já chamada de curto prazo) e a
memória de longo prazo. A memória de operação armazena material necessário
por períodos curtos, ela serve como espaço de trabalho para computações mentais.
Já a memória de longo prazo está envolvida quando a informação precisa ser retida
por intervalos tão curtos quanto alguns minutos ou durante a vida inteira. É possível
e comum a transferência da memória de operação para a memória de longo prazo.
O treino e a repetição permitem que a informação seja transferida para a memória
de longo prazo. A emoção presente também ajuda no processo de transferência
(ATKINSON et al, 2002).

Figura 2 - Memória humana

Fonte: Freepik.

Questões cotidianas exigem que a memória de operação e a de longo prazo atuem


juntas. Ao tentar resolver um problema usa-se a memória de operação para
armazenar partes do problema e também as informações armazenadas na memória
de longo prazo. Um exemplo é realizar um simples cálculo, é necessário saber o
signi cado do símbolo de soma e de cada número da conta, para isso são
recuperadas informações presentes na memória de longo prazo (ATKINSON et al.,
2002).

Em um rápido olhar sobre as lesões sobre o cérebro podemos notar a importância


de seu pleno funcionamento. Lesões na região lobo temporal podem causar
incapacidade de armazenar novas informações, embora se mantenha intacta a
capacidade de lembrar fatos antigos e de usar a memória operacional. Pessoas com
danos no hipocampo apresentam di culdade para lembrar eventos por longos
intervalos, ou seja, a memória de longo prazo está prejudicada, mas a memória de
operação é normal (ATKINSON et al., 2002).

Para melhor compreendermos a sutileza e complexidade, cabe atentarmos para


aspectos ainda pouco difundidos sobre a memória. As lembranças que temos do
passado não são uma reconstrução literal dos eventos, mas uma construção
fortemente in uenciada por expectativas, crenças do sujeito e pela informação do
presente. Esse aspecto do funcionamento da memória acarreta um fenômeno
intrigante chamado “implantes de memória” ou “falsas memórias”, ou seja, a
recordação de um fato ou uma experiência que nunca ocorreu.

O fato é que a recuperação de uma lembrança não é literal e dedigna, como se


fosse um lme que se repete exatamente igual.  A lembrança se parece mais com
uma montagem editada, que é in uenciada pelas experiências passadas e
presentes. As lembranças não são apenas fatos recuperados quando a evocamos.
Muito do que lembramos são fatos que vivemos, mas também vamos além disso.
Fazemos ajustes e reajustes constantes para tornar as memórias coerentes com as
expectativas sobre nós mesmos e sobre o mundo.

O lme que passa por nossa cabeça ao evocarmos alguma cena de nosso passado é
alterado inúmeras vezes, sem que possamos identi car o quanto já editamos esse
lme.

A memória não é mais entendida como reconstrutiva (isto é, o armazenamento de


informação sobre eventos ou fatos é depois reconstruído literalmente igual o fato).
Sabe-se hoje que a memória é, em grande parte, construtiva (ou seja, o
armazenamento é afetado pelo conjunto de crenças preexistentes e por novas
informações). Lembrar é construir uma lembrança ajustada para ser coerente.

O porquê de sabermos sobre falsas memórias: o cérebro salva na memória as novas


informações muitas vezes automática e inconscientemente, o que já levou
testemunhas de crimes a convencerem um júri a condenações erradas. O fenômeno
dos implantes de memória é uma experiência que faz parte do cotidiano mental.
Quanto maior for a presença destas três condições externas, maior a probabilidade
de se formar falsas memórias: a) demandas sociais que incentivam as pessoas a
lembrar de algo; b) encorajamento explícito para imaginar eventos e c) estímulo
para as pessoas não avaliarem se suas construções são reais.

Como expõem Cosenza e Guerra (2011), pode haver o registro de uma informação
dependendo da relevância da experiência ou informação. Com o registro da
informação poderá ocorrer alterações nas estruturas dos circuitos nervosos, com
sinapses se tornando mais e cientes. Para a informação se xar no cérebro é
necessário: a) repetição (quanto mais se repetir uma atividade, mais ligações se
estabelecerem e melhor será o registro); b) elaboração (criação de vínculos de um
conteúdo novo com outros antigos) e c) consolidação (alterações biológicas nas
conexões entre os neurônios, um registro se vincula a outros já existentes). 
A memória é a função mental que nos dá a sensação de identidade e continuidade,
pois, por mais que nós mudemos, mantemos a sensação de ser a mesma pessoa,
independente da idade e experiências de vida. 

Conhecer mais o cérebro humano tem levado a algumas dúvidas, se somos


somente matéria ou algo a mais. A seguir seguiremos com essa atual problemática.
Cerebralismo: A doutrina
do cérebro como início e
m do comportamento

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Como cabe a toda nova área, quando a neurociência se vê de braços dados com a
Psicologia e a Pedagogia ela granjeia para si um modo de pensar crítico sobre seu
papel. Se enquanto nascida no berço das ciências biológicas a neurociência não
precisou ousar rever sua “identidade social”, aliando-se à Psicologia e à Pedagogia
cabe a ela a incômoda, mas produtiva situação de questionamento. A palavra
cerebralismo é um neologismo para designar a redução do ser humano ao material,
ao seu cérebro. 

Lent (2001) já lançava luzes sobre o cérebro, comportamento e consciência quando


explicou o cérebro como um objeto desconhecido capaz de produzir
comportamento e consciência. Sobre o reducionismo o autor apresenta:

Os estudiosos sempre discutiram muito acerca desses níveis de


existência do sistema nervoso, quase sempre acreditando na
prevalência de um deles em detrimento dos demais. O mais comum
era acreditar que os fenômenos de cada nível inferior: os fenômenos
psicológicos seriam, assim, reduzidos a suas manifestações siológicas,
os fenômenos siológicos reduzidos a suas manifestações celulares, e
os fenômenos celulares a suas manifestações moleculares. Tudo, então,
se resumiria às interações entre as moléculas componentes do sistema
nervoso. Uma frase típica dessa abordagem é: “a consciência é uma
propriedade das moléculas do cérebro”. Hoje está claro que esta
atitude reducionista não é uma boa explicação, embora possa ser um
bom método de estudo. Os níveis de existência do sistema nervoso não
são uns ‘consequências’ dos outros. Coexistem simultaneamente, em
paralelo (LENT, 2001, p. 3).

Como apontado pelo neurologista, há muito que explicar, há muitos níveis de


análise sem que se tenha que diminuir o homem a um apanhado de moléculas.
Existe uma ambição reiterada das ciências biomédicas de produzir uma
compreensão do humano totalmente “ sicalista” ou “naturalista”, que costuma ser
criticamente chamada de “reducionismo”. Reducionismo que existe na concepção
do que é humano, humano reduzido a um órgão. Recentes recon gurações das
ciências naturais vêm retomando os postulados mecanicistas, de um cérebro
eminentemente mecânico. O campo das neurociências tem sido pródigo em
propostas sobre a preeminência da matéria, ao explorar o funcionamento da
conexão cerebral da experiência humana (DUARTE, 2018). Esse respeito, Duarte
(2018, p. 4) nos incita:
O fato de a experiência humana se dar por meio do cérebro não
implica, porém, necessariamente pretender que ela tenha origem
nesse órgão, ou que seja dele um mero epifenômeno. Muito pelo
contrário, tem se discutido amplamente como o surgimento do
cérebro “humano” pode ser o resultado de um processo evolucionário,
logenético, em que a materialidade original do cérebro símio
interagiu continuamente, por pressões ambientais e acumulação de
traços diferenciais, com os primeiros desa os e experiências da cultura
e da socialidade humanas, constituindo-se e vindo a sustentar a forma
material e as propriedades funcionais do órgão atual. (DUARTE, 2018, p.
4).

Toda experiência humana é resultado do cérebro, alguns a rmam. Muito pertinente


lembrar que Aristóteles considerava que a vida humana não poderia residir em um
órgão frio e úmido. A razão humana, segundo Aristóteles, poderia sim ter como sede
o coração, órgão quente e de localização mais central. Voltamos a esse passado
remoto do conhecimento para nos lembrarmos que reduzir o ser humano a um
elemento ou órgão não é nada novo na história deste ser enquanto anda sobre a
terra. Explicações que nos deixem mais sensíveis parecem ser muito melhores das
que nos deixam frios e aleatórios como moléculas. O reducionismo é uma doutrina,
ele não gera conhecimento aplicado em si mesmo, apenas regula o modo como
cada ser olha para a própria espécie, se com admiração de encontrar uma
esplêndida obra, se com o menosprezo com que se depara com uma pilha
organizada de material orgânico. 

Encerramos esse tópico com o apontamento de que cada um constrói seu


conhecimento e as explicações que lhe são mais úteis ou verdadeiras, cabendo
sempre a postura de cientista e de lósofo a cada um que passa a investigar a
neuropsicopedagogia. 
SAIBA MAIS
As células neurais podem ser substituídas depois que morrem?

O dogma de que os neurônios no cérebro adulto são pós-mitóticos e


incapazes de autopropagação ainda existe, mas o conceito de que não
podem ser substituídos foi recentemente questionado. Células tronco
do sistema nervoso central produzem novas populações de células
progenitoras e neuronais em algumas áreas, como o hipocampo e o
bulbo olfatório. Estratégias para direcionar as células progenitoras para
fenótipos neuronais especí cos permanecem em estágio experimental.
O transplante neuronal, no qual células nervosas dani cadas são
substituídas por novos neurônios ou linhas celulares, tem sido
explorado como uma estratégia que poderá permitir ao cérebro
compensar a morte celular associada à neurodegeneração. A doença
em que mais se discute essa estratégia de tratamento é a doença de
Parkinson. A DP é caracterizada pela perda de um grupo relativamente
pequeno de neurônios no cérebro (os neurônios dopaminérgicos da
substância negra), fazendo com que a substituição dessas células seja
mais fácil do que as doenças neurodegenerativas com morte celular
distribuída pelo cérebro. 

Fonte: Wong-Riley (2003, p. 440).

REFLITA
“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais
que eu; e ela não perde o que merece ser salvo” (Eduardo Galeano).
Conclusão - Unidade 3

As neurociências são uma ciência nova, o que nos obriga a estar sempre atentos às
novas descobertas, porque há menos de dez anos dizia-se que os neurônios não se
renovavam. Hoje se reconhece que neurônios de algumas áreas do cérebro, como do
bulbo olfatório, são capazes de se regenerar. A neurociência ainda nos dará muitas
alegrias. Na área da educação já é observado como o cérebro aprende para que se
orientem modos e cazes de ensino-aprendizado. A linguagem cientí ca é cada vez
mais presente no dia a dia escolar, seja dentro de sala, seja ao debater políticas
públicas.

Fenômenos como de crianças que superam adultos no uso da tecnologia mostram o


que a inteligência bem aplicada pode fazer. Contudo, a ausência de limites e recursos
variados (off-line) de interação xa as crianças em ritmos que as adoecem. Buscamos
conhecer o potencial e limites do cérebro para bene ciar o ser humano com mais
saúde e qualidade de vida. O excesso de tecnologia para uma geração despreparada
para lidar com ela pode gerar milhares de dependentes de internet e jogos online. 

Interessante notar que a máxima romana: “Mente sano corpore sano” (mente sã em
corpo sano) é atual e compatível com os achados de neurociências, pois ao cuidar da
saúde se conseguirá ofertar um organismo equilibrado. Questões como a relação da
mente, organismo e comportamento exigem muita pesquisa e re exão, como ao ver
bons lmes e ler a bons livros, para ampliar nossa compreensão sobre assuntos que
há muito ocupa lugar na mente dos pensadores como Aristóteles, Platão, Descartes e
muito outros. 

Quem sabe, nas próximas décadas a neuropsicopedagogia terá mais respostas a nos
oferecer, para que possamos compreender um pouco mais a nós mesmos.  
Leitura complementar
Memória demais

O neurologista russo Aleksandr Luria (1903-1978) acompanhou desde os anos 20 as


aventuras e desventuras de um jovem repórter de jornal que tinha uma fantástica
característica: hipermnésia e incapacidade de esquecer! O caso real de S.
Shereshevsky antecipou o personagem Funes, el Memorioso, do escritor argentino
Jorge Luis Borges (1899-1986). Shereshevsky era capaz de memorizar listas de 70 a 100
itens (palavras e números, especialmente), repetindo-os em qualquer ordem. Como
Funes, “não só recordava cada folha de cada árvore de cada monte, como também
cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado”. Sua extraordinária
memória explícita fez com que deixasse a pro ssão para ganhar dinheiro exibindo-se
em apresentações populares. Mas o que seria uma vantagem tornou-se uma
desvantagem. As sucessivas séries de itens que tinha de memorizar não podiam ser
esquecidas, e a cada vez se tornava mais difícil diferenciá-las umas das outras! Sua
capacidade de pensar era limitada, porque não conseguia ignorar detalhes para
generalizar alguma coisa. Luria investigou o mecanismo utilizado por seu paciente e
concluiu que ele apresentava uma anomalia perceptual chamada sinestesia, valendo-
se dela para a sua extraordinária memória. Cada palavra (ou número, ou um evento
qualquer) era associada a uma imagem visual, a uma sensação corporal, a um cheiro e
a um gosto. Uma vez declarou, lembrando-se de uma pessoa: “- Tem a voz amarela e
crocante”. O número de associações sensoriais que estabelecia com objetos e fatos
facilitava a memorização, mas di cultava muito sua compreensão. A cada palavra de
cada frase que ouvia, imediatamente associava imagens, sons e outras sensações. Ao
nal, se perdia na compreensão do sentido. Os casos de hipermnésia são muito raros,
e ainda não foi possível compreender sua determinação neurobiológica.

Memória provocada

Menos misteriosos e mais esclarecedores sobre a localização cerebral da memória


humana foram os trabalhos do neurocirurgião canadense Wilder Pen eld. Pen eld
estimulava eletricamente o córtex cerebral de pacientes acordados sob anestesia
local, com o objetivo de determinar com precisão as regiões patológicas a serem
removidas. Em um desses casos, ao estimular o giro temporal superior de uma
mulher, ouviu dela o seguinte relato: “ – Acho que ouvi uma mãe chamando seu
lhinho em algum lugar. Parece alguma coisa que aconteceu anos atrás... Alguém do
lugar onde eu moro...”. Em outro momento Pen eld estimulou o córtex ínfero-
temporal, e obteve da paciente o seguinte relato: “ – Eu tive uma lembrança – uma
cena em um pátio – onde eles estavam conversando e eu vi – vi perfeitamente em
minha memória”.

Os resultados obtidos com a estimulação elétrica de diversas regiões corticais


fortaleceu a ideia de que existem múltiplos sistemas mnemônicos, ou seja, de que os
engramas da memória explícita cam contidos nas próprias regiões funcionais
especí cas, de acordo com as propostas de Hebb. Desse modo, a estimulação das
regiões temporais próximas ao córtex auditivo provoca a evocação de memórias
auditivas, enquanto a estimulação do córtex ínfero-temporal, sabidamente ligado à
percepção visual, evoca lembranças visuais 

Fonte: Lent (2001, p. 599).


Livro

Filme

Acesse o link
Unidade 4
Cérebro II

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Introdução
Entender o ser humano sempre foi uma ambição. Partindo-se de meras
observações de alterações do comportamento após traumas na cabeça até chegar à
observação sistematizada da ciência, o ser humano criou teorias que justi cassem a
enorme variedade de fenômenos que via. Com os critérios mais claros de como
explorar o cérebro, por meio de tecnologias menos invasivas, o homem passou a
investigar o cérebro em ação, ativo. 

Diferente do passado, em que apenas poderia buscar causas materiais no cérebro


com a análise do cadáver, na atualidade as técnicas de imagem permitem conhecer
como o cérebro se comporta enquanto age. Desse modo, muitos mitos foram
desfeitos e há uma melhora considerável no que a medicina pode propor para
tornar a vida mais feliz e saudável. Conhecer mais a fundo a intrincada e complexa
rede de neurônios nos permite vislumbrar a magistral orquestra harmônica em que
nossos pensamentos são gerados. A energia e a matéria presentes nos
pensamentos são mapeadas para que se possa conhecer melhor. As sinapses e
neurotransmissores que permitem o equilíbrio ou desequilíbrio são de fundamental
relevância para o entendimento dos aspectos humanos. 

Outro aspecto fundamental para a compreensão do cérebro e da aprendizagem é a


plasticidade cerebral. A modi cação do cérebro a cada aprendizagem nos mostra
que o organismo é muito moldável, que as experiências acarretam mudanças físicas
no nosso órgão do pensamento. Cada aspecto da vida é tangenciado por estruturas
cerebrais que cooperam entre si. O raciocínio precisa de estruturas emocionais para
que seja coerente. A razão usa de emoção e vice e versa. Como podemos ver, a
neurociência tem muito a revelar sobre o ser humano.  
Evolução do estudo do
cérebro

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Ocorreu uma revolução neurocientí ca a respeito da cognição e consciência, isso
devido ao aprimoramento da técnica de microestimulação elétrica do cérebro. A
observação assistemática sempre foi um meio usual de obter informações sobre a
organização do cérebro, mas que dependia do surgimento de casos em que se
soubesse a história de lesão e os efeitos fossem muito pronunciados, como nos
casos de H. M. e Phineas Gage. Com o avanço da técnica de investigação, os achados
não dependiam do acaso. A esse respeito, Lent (2013, p. 11) a rma:

Enquanto as lesões experimentais permitiam, na melhor das hipóteses,


inferir que certas funções mentais requeriam a integridade de uma ou
outra área do cérebro, a microestimulação possibilitou um
‘localizacionismo por inclusão’, ou seja, a partir das manifestações
comportamentais provocadas pela estimulação elétrica. (LENT, 2013, p.
11).

No início de 1900, estavam discutindo se as áreas motoras eram separadas das áreas
sensoriais. Os alemães Fritsch e Hitzig obtiveram contrações musculares em cães
aplicando correntes elétricas fracas junto ao córtex. Descobriram quatro pontos que
provocavam movimentos no pescoço, pata dianteira, pata traseira e focinho. Os
pesquisadores demonstraram a localização funcional dos movimentos (LENT, 2013). 

A pesquisa da estimulação do cérebro humano iniciou-se no século XX, com o


neurocirurgião Harvey Cushing estimulando o córtex de pacientes com anestesia
local. A estimulação elétrica do cérebro humano também foi alvo do neurocirurgião
canadense W. Pen eld (1891- 1976), que produzia sensações de cores, luzes, sons e
movimentos dependendo da porção do córtex estimulada. O esquema de
localização das funções mentais descritos por Pen eld ainda é aceito até a
atualidade, em linhas gerais (LENT, 2013).

Lent (2013) expõe que, por volta de 1890, os cientistas já passavam a sintonizar as
ondas do cérebro. Descobriu-se que é possível registrar correntes elétricas nas
porções do cérebro ativa. 

Nos anos 1920, estudando as variações na corrente elétrica detectada


no couro cabeludo humano, Berger descobriu os primeiros sinais da
encarnação da mente: ondas cerebrais de 10 ciclos por segundo, que
ele chamou de ‘alfa’, e que dava lugar a ondas menores e mais rápidas,
‘beta’, quando seus voluntários eram estimulados sensorialmente,
concentrando-se, ou faziam cálculos mentais. [...] Com o aval de Adrian,
o eletroencefalograma rapidamente entrou pela porta da frente em
vários laboratórios europeus e norte-americanos. Sua aplicação
experimental e clínica levou, dentro de meros cinco anos, à descoberta
de outros tipos de ondas cerebrais, sempre associadas a diferentes
estados mentais (LENT, 2013, p. 12 -13).
A estimulação elétrica permitiu conhecer e intervir no cérebro, amenizando
problemas psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Atualmente, tem-se o
neurofeedback, que visa a potencialização do desempenho de dimensões
eletro siológicas.   

Neurofeedback é uma modalidade de condicionamento operante que


visa ao restabelecimento de padrões eletro siológicos adequados para
o tratamento de determinadas desordens de caráter neurológico,
psiquiátrico ou psicológico à ampli cação de habilidades cognitivas
normais e à potencialização da sensação de bem-estar. É um tipo de
biofeedback que engloba o conjunto dos treinamentos de dimensões
da siologia (i.e., variabilidade cardíaca, resposta galvânica da pele,
eletromiogra a) para a promoção de mudanças especí cas ou globais
no modo de funcionamento do organismo (DIAS, 2010, p. 811).

As sessões de neurofeedback seguem protocolos de aplicação, em que os eletrodos


são colocados no couro cabeludo para estimular partes do córtex e subcorticais.
Após as sessões de treinamento de neurofeedback, são observadas pelo
eletroencefalograma (EEG) alterações elétricas encefálicas que diminuíram
sintomas de ansiedade de voluntários (SANTANA; BIAO, 2018). 

Um exemplo de investigação usando eletroencefalogra a quantitativa em uma


criança de oito anos com paralisia cerebral (que leva a alterações neurológicas que
envolvem força, equilíbrio e controle motor) foi feito por Santos Junior et al. (2018, p.
352), que mapeou as ondas cerebrais.

Os dados foram coletados pelo eletroencefalograma ampli cador


Pocket Neurobics modelo Q-wiz juntamente com o software Bio-
Explorer para coleta de dados eletro encefálicas e utilização do sistema
TQ-7 para quanti cação de dados. No processo de quanti cação dos
dados elétricos foi usado ltro de interferências do sistema TQ7, sem
alterações na impedância. (SANTOS JUNIOR et al., 2018, p. 352).

Procedeu-se, então, a intervenção usando realidade virtual, levando à maior


equilíbrio: 
Após as avaliações o paciente realizou treinamento de uma hora com
Jogos de realidade virtual no videogame Nintendo Wii (R) com jogos
que envolviam coordenação motora e equilíbrio. Os dados
evidenciaram uma redução de ondas lentas e aumento de ondas
rápidas após a realização da intervenção com realidade virtual. Este
fato foi observado juntamente com um aumento das frequências de
ondas médias e rápidas, todas elas no cérebro em geral. Além disso, foi
observada uma maior estabilidade no controle motor da criança, por
meio de um maior equilíbrio na plataforma de baropodometria
(SANTOS JUNIOR et al., 2018, p. 351).

Outro exemplo de como a neurologia pode ser usada para melhorar a vida das
pessoas, juntamente com outras áreas, no caso a Fisioterapia vem do levantamento
de literatura de Braz et al. (2018), em que avaliava estudos experimentais
relacionados a intervenções envolvendo o uso do jogo Nintendo Wii para melhora
de desfechos funcionais em indivíduos com doença de Parkinson. O jogo
proporciona realidade virtual que simula estímulos do ambiente real para promover
uma interação entre indivíduo e imagens a partir de feedback sensorial, cognitivo,
psicológico e motor, permitindo a repetição de tarefas complexas e motivação pelo
lazer. A avaliação dos indivíduos antes e depois do treino e o entendimento do
impacto da realidade virtual se faz mediante os conhecimentos e termos da
neurologia e sioterapia, apontando que, em muitas áreas, as neurociências podem
auxiliar.

A seguir, veremos mais detalhes sobre a so sticada rede de neurônios e suas formas
de comunicação.
Neurônios em rede

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Dezenas de bilhões de células chamadas neurônios formam circuitos nervosos
muito extensos. Os neurônios são células especializadas na recepção e condução de
informações, que podem disparar impulsos seguidamente, centenas de vezes por
segundo. Para que haja a transmissão da informação de um neurônio a outro, é
preciso uma estrutura na porção nal deste, o axônio. Os locais onde ocorre a
passagem da informação entre as células são as sinapses, cuja comunicação é
possível graças à liberação de substâncias químicas, os neurotransmissores. Existem
dezenas de tipos de neurotransmissores no cérebro (COSENZA; GUERRA, 2011).  

Quando um neurotransmissor é liberado na região das sinapses, atua na membrana


de outra célula nervosa, podendo excitá-la na forma de impulsos nervosos
disparados por ela, ou poderá di cultar o início de novos impulsos nervosos (porque
alguns neurotransmissores são inibitórios). O neurotransmissor é

Uma substância química presente na transmissão sináptica. Muitas são


as substâncias químicas que servem como neurotransmissores, das
quais as mais conhecidas são: serotonina, acetilcolina, dopamina,
noradrenalina, endor na e encefalina. Os neurotransmissores exercem
uma grande in uência na experiência subjetiva tanto quanto no
funcionamento geral do cérebro e muitas das drogas psicoativas
exercem seu efeito ou por bloquear a ação de neurotransmissores
especí cos ou por prevenir sua dispersão e causar um
desenvolvimento da substância presente na ssura sináptica
(STRATTON; HAYES, 2009, p. 159).

Como podemos depreender, as sinapses regulam a passagem de informações no


sistema nervoso, sendo fundamental para todas as aprendizagens (COSENZA;
GUERRA, 2011). Há incalculáveis conexões sinápticas dos bilhões de neurônios. Sobre
isso é válido ressaltar que:

Um neurônio normalmente pode estabelecer sinapses com centenas


de outros neurônios ao mesmo tempo em que recebe informações
vindas de outras centenas de células. Sua resposta a esses in uxos vai
depender do equilíbrio de ações sinápticas excitatórias e inibitórias que
recebe num determinado momento, o que vai in uenciar, por sua vez,
outras células próximas ou distantes, dependendo dos circuitos dos
quais ele participa (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 4). 

Lent (2001) admite que as funções mentais são resultado da atividade coordenada
de populações neuronais agrupadas em regiões restritas do cérebro. Cada célula
nervosa tem papel analítico determinado. Devido aos neurônios se conectarem
profusamente, a atividade de um in uencia a atividade de milhares de outras
células. 
A formação do sistema nervoso como funcionando em rede é muito dedigna.
Relvas (2015) destaca que a adaptação dos indivíduos ao ambiente exige três
aspectos essenciais: irritabilidade, condutibilidade e contratilidade. As três realizadas
no sistema nervoso, por meio dos neurônios. 

A irritabilidade é a propriedade que a célula detecta as modi cações do meio


ambiente. Tal sensibilidade celular, causada por um estímulo, é conduzida a outra
parte da célula por intermédio de condutibilidade. A contratilidade é a propriedade
que garante o movimento da célula, realizando, assim, muitas vezes, a defesa do
organismo.

A anatomia da aprendizagem, dada por Relvas (2015), explica que a ativação cortical
provoca ativação em outras áreas em virtude do grande número de vias neurais
associadas e muito bem organizadas. As vias podem ser curtas, ligando áreas
vizinhas do cérebro, sem sair da substância cinzenta, ou podem se constituir de
longos feixes que trafegam pela substância branca, para conectar giros diferentes
dentro do mesmo hemisfério. A ativação de uma área do córtex provoca
estimulação e alterações em outras áreas, porque: “[...] o cérebro não funciona como
regiões isoladas” (RELVAS, 2015, p. 35). Para Relvas (2015, p. 36), “As associações
recíprocas entre as diversas áreas corticais asseguram a coordenação entre a
chegada de impulsos sensitivos, sua decodi cação e associação, e a atividade
motora de respostas”. Redes de neurônios da mesma área do córtex atuam em
conjunto e também com neurônios de outras áreas, para que haja as funções
mentais superiores. 

As diferentes áreas corticais, formadas por neurônios, apresentam impressionante


variedade de interconexões. Existem muitas bras de associação que interconectam
funcionalmente áreas relacionadas no mesmo lobo cortical e em lobos diferentes.
Como assinala Wong-Riley (2003, p. 337):

Juntos, o sistema somatossensorial/motor no macaco apresenta nada


menos do que 62 interconexões conhecidas. [...] O córtex visual é
bastante interconectado com áreas de associação nos lobos parietal,
temporal e occipital. De fato, existem mais de 300 conexões entre as 32
áreas da representação visual encontradas no macaco, um primata que
é muito proximamente relacionado com seres humanos. (WONG-RILEY,
2003, p. 337).

Os caminhos que a atividade neural toma por meio de múltiplos circuitos neurais
em uma região podem variar muito. Disso tudo se origina a enorme variabilidade de
comportamentos humano. Veremos a seguir mais a fundo a neuroplasticidade
cerebral.
Neuroplasticidade Cerebral

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
A plasticidade cerebral é comparada por Cosenza e Guerra (2011, p. 10) à construção
de uma cidade planejada, em que a genética dá os plano básico, as linhas gerais,
mas tal qual uma cidade viva, o cérebro vai adquirindo características únicas
conforme: “[...] constrói, desfaz e reorganiza permanentemente as conexões
sinápticas entre os bilhões de neurônios que constituem o cérebro”. Uma cidade
planejada ganha características próprias no dia a dia e o mesmo se dá no cérebro.

Sobre o desenvolvimento do encéfalo durante os primeiros meses da gestação:

[...] os novos neurônios terão como primeira tarefa deslocar-se, de uma


forma ativa, para ocupar os lugares para os quais estão pré-
determinados geneticamente. Essa migração programada é auxiliada
por células gliais especí cas dessa etapa do desenvolvimento e
podemos imaginar a complexidade das instruções que determinam,
passo a passo, o posicionamento correto de cada grupo de células que
irão constituir o sistema nervoso adulto. Qualquer erro nessa fase pode
comprometer o funcionamento do cérebro adulto, pois as conexões
corretas podem ser impedidas de acontecer posteriormente
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 10-11).

Algo muito intrigante na construção do cérebro é que a quantidade de neurônios


formados é muito maior do que o necessário para seu funcionamento. Muitos
neurônios serão descartados em podas pré-programadas, ocorridas na infância e na
adolescência. Há pelo menos três razões para ocorrerem as podas neurais: a) porque
o neurônio não se localizou no lugar certo; b) porque as ligações necessárias não
foram feitas; c) porque as ligações formadas não eram corretas ou funcionais. Muitas
sinapses também desaparecerão pelas mesmas razões, o que é chamado de
desbastamento sináptico (COSENZA; GUERRA, 2011).

É recente a descoberta de que em algumas áreas do cérebro se formam novos


neurônios, essa capacidade é limitada, contudo existe. Observações demonstraram
que as perdas que ocorrem ao longo dos anos não são tão intensas quanto se
acreditava, pois é muito menor do que a perda que há antes do nascimento, que
elimina as conexões não funcionais. Embora antes de nascer já haja uma série de
re exos e movimentos que o bebê pode executar, é na interação com o ambiente
que estimulará a formação de novas sinapses no interior do cérebro e no restante do
sistema nervoso. 

O recém-nascido humano é extremamente imaturo quando


comparado com o de outras espécies animais. Um potrinho neonato,
por exemplo, já pode car em pé, o que só acontecerá com o bebê
humano depois de vários meses de vida. Em compensação, nosso
cérebro será capaz, ao nal de sua maturação, de realizar uma série de
funções que outras espécies não possuem (COSENZA; GUERRA, 2011, p.
18).
Embora a genética comande o processo de construção do cérebro, é a interação
com o ambiente que con rmará ou induzirá a formação de conexões nervosas, a
aprendizagem e o surgimento de novos comportamentos. Sobre o impacto do
ambiente na formação do cérebro: “Animais criados em ambientes empobrecidos
apresentam, mais tarde, um cérebro menos so sticado, com menor quantidade de
conexões sinápticas. Ele pode ser menos pesado, com um córtex mais delgado”
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 19).

O sistema nervoso é extremamente plástico nos primeiros anos de vida.


A capacidade de formação de novas sinapses é muito grande, o que é
explicável pelo longo período de maturação do cérebro, que se estende
até os anos da adolescência. Por exemplo: sabemos que o hemisfério
esquerdo se ocupa do processamento da linguagem na maior parte
dos indivíduos. No adulto, se as áreas da linguagem sofrem alguma
lesão, geralmente se observa uma afasia, uma perda da capacidade de
expressar ou de compreender a linguagem verbal. No entanto, na
primeira década de vida, podem ocorrer lesões que não deixam
sequelas, pois o hemisfério do outro lado ainda pode assumir as
funções perdidas. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 19).

A plasticidade nervosa diminui muito, mas permanece durante toda a vida. Tanto
que a plasticidade pode ser considerada a característica permanente do cérebro. Há
um aumento na conectividade entre as células nervosas corticais durante a infância,
que declina na adolescência. Na adolescência o cérebro se transforma, há um ajuste
no número de neurônios, eliminação de sinapses desnecessárias, aumento da
mielinização das bras nervosas para maior e cácia dos circuitos neurais. Ao atingir
o cérebro adulto, chega-se a uma otimização do potencial de aprendizagem. “Nessa
fase da vida diminui a taxa de aprendizagem de novas informações, mas aumenta a
capacidade de usar e elaborar o que já foi aprendido” (COSENZA; GUERRA, 2011, p.
20). A plasticidade é a base da aprendizagem.
O Cérebro em ação

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Muitos construtos psicológicos dependem da boa integridade cerebral para sua
ocorrência em seu nível ótimo. A atenção é um construto que requer que muitos
mecanismos sutis estejam bem integrados para que esteja no seu máximo para
aquele padrão de maturação. A atenção, de acordo com Stratton e Hayes (2009, p.
21), é: “Uma direção conscientemente focalizada, de modo que o indivíduo se
encontra plenamente preparado para responder a um tipo especí co de sinal ou
input sensorial”. De certa forma, a atenção é sempre seletiva, pois falamos de prestar
atenção quando alguns estímulos são canalizados e outros ignorados. 

Stratton e Hayes (2009) nos falam sobre a atenção seletiva, que foi muito estudada
desde 1950, nos chamados estudos de efeito de festa, porque um dos exemplos mais
investigados e conhecidos é de quando alguém se concentra em uma conversa
entre muitos ruídos de um ambiente festivo e barulhento. A atenção ampli ca o que
é pertinente psicológica e biologicamente. Há muitas pesquisas envolvendo tarefas
de audição dicótica e tarefas de amplitude dividida. Há pesquisas em que se pediu
aos participantes que ouvissem um fone de ouvido enquanto realizavam uma
atividade. O que se observou foi que os participantes não se lembravam do
conteúdo ouvido no fone, mas sabiam relatar as características físicas da voz, como
grave ou agudo, feminina ou masculina. 

Barkley (2002) expõe as características de crianças com TDAH. A literatura levantada


pelo autor revela que pais que apresentam TDAH têm maior chance de terem lhos
com o transtorno por questões hereditárias. Dentro da mesma família, os meninos
possuem maior probabilidade de apresentarem o transtorno do que as meninas.
Quando bebês, as crianças com TDAH também apresentavam um padrão
excessivamente ativo. Nos primeiros anos de vida sua atenção a objetos e a
brinquedos é mais curta que de crianças da mesma fase e também persistem
menos na busca de um objeto no seu campo visual. Nos anos pré-escolares se
observa nelas excessiva desatenção e di culdades emocionais, como ira frequente.

Ao ingressar na escola, a criança com TDAH será cobrada justamente pelos


comportamentos em que tem a maior di culdade de emitir, como nos alerta
Barkley (2002): habilidade de car quieto, atender a pedidos, escutar até o nal,
obedecer, inibir um comportamento impulsivo, cooperar, organizar ações, seguir
completamente as instruções etc. O desempenho educacional será extremamente
irregular. 

Para lidar com crianças e adolescentes com características de TDAH, Barkley (2002)
indica: a) dar atenção positiva aos comportamentos adequados, IMEDIATAMENTE
(para isso, sugere-se que o professor inicie a aula com chas e entregue ao aluno
toda vez que houver bom comportamento); b) propor um programa de economia
de chas, para que as recompensas quem mais palpáveis e imediatas; c) quando
der reprimendas, essas devem ser breves, especí cas, sem muita emoção e dadas
consistentemente; d) ignorar mau comportamento leve, para que a interação entre
aluno e professor possa ser mais tranquila (continuar punindo comportamentos
mais severos); e) perda de recompensas por mau comportamento (funciona muito
dentro do programa de economia de chas); f) punir comportamento inadequado,
mas recompensar o comportamento adequado alternativo.
Tais orientações para lidar com pessoas com TDAH nos revelam que, embora a
atenção de uma pessoa tenha um forte componente genético e biológico, aspectos
ambientais que elas podem organizar costumam impactar positivamente na
melhora de sua atenção. 

Outro aspecto que envolve todo um modo de se comportar e que impacta


globalmente a si mesmo e aos outros é a inteligência emocional. A inteligência
emocional pode ser de nida como: “[...] a capacidade de sentir, entender, controlar e
modi car o próprio estado emocional ou o de outra pessoa” (TOZZI; LIMA, 2016, p.
24).  Há oito sinais de competência emocional:

1 Pensar positivo. Saber que a vida é um ciclo interminável de altos e


baixos e se concentrar apenas no que pode resolver. 2 Vocabulário
emocional. Capacidade de descrever corretamente o que está
sentindo, e não apenas categorizar os sentimentos em bons e ruins. 3
Ser assertivo. Equilibrar boas maneiras, empatia e bondade com a
capacidade de se a rmar e estabelecer limites. 4 Curiosidade sobre as
pessoas. Ser empático, preocupando-se e tendo interesse em entender
a realidade dos outros. 5 Perdoar, mas não esquecer. Entender que
guardar rancor é um sentimento negativo e perdoar os erros
cometidos -embora isso não queira dizer que dará sempre uma
segunda chance. 6 Não se abater. Não se deixar in uenciar facilmente
pelo julgamento alheio e, por isso, não balizar seus méritos de acordo
com parâmetros dos outros. 7 Sem se ofender. Ter autocon ança alta,
sendo mais resistente a críticas ou ofensas. 8 Se divertir. Saber quais
atividades dão prazer e entender a importância de realizá-las
regularmente (TOZZI; LIMA, 2016, p. 26, grifo do autor).

Goleman (2001) a rma que a inteligência emocional desfaz a antiga rixa entre razão
e emoção. A emoção é crucial para que o pensamento seja efetivo, porque permite
tomar decisões sensatas e pensar com clareza. É verdade que emoções muito fortes
podem inibir o uso adequado do raciocínio, contudo, fora esses eventos de
sequestros emocionais, a emoção favorece o raciocínio. Goleman (2001, p. 41) relata
dados de um estudo que mostra o quanto a vida emocional é fundamental na
obtenção das metas de vida:
Num determinado estudo, por exemplo, descobriu-se que meninos de
escola primária com QI acima da média, mas com fraco desempenho
escolar, tinham uma de ciência no funcionamento do córtex frontal.
Também eram impulsivos e ansiosos, muitas vezes perturbadores e
chegados a meter-se em apuros - o que sugere um falho controle pré-
frontal sobre os impulsos límbicos. Apesar de seu potencial intelectual,
essas crianças são mais propensas a terem problemas na escola, ao
alcoolismo e à criminalidade - não por de ciência intelectual, mas
porque o controle que têm sobre sua vida emocional é de ciente. O
cérebro emocional, bastante distinto das regiões corticais reveladas
pelos testes de QI, controla igualmente a raiva e o sentimento de
piedade. Esses circuitos emocionais são esculpidos pelo que foi
vivenciado na infância - e, no entanto, deixamos essas experiências
absolutamente ao acaso. (GOLEMAN, 2001, p. 41).

Sem as emoções o processo de tomada de decisão é falho, como se observou em


pessoas com danos no círculo pré-frontal-amígdala. Em pacientes assim, o processo
decisório é muito falho, apesar de seu intelecto estar intacto. O circuito pré-frontal-
amígdala é uma entrada fundamental para acessar o repositório de preferências e
aversões adquiridas na vida. Se a memória emocional da amígdala é desligada, tudo
se torna uma neutralidade cinzenta, em que nada é bom e nada é ruim. Os
sentimentos ajudam nas decisões racionais, facilitando alguma opção e eliminando
outras. O cérebro emocional está tão ativo no raciocínio quanto o cérebro lógico.
Como pontua Goleman (2001, p. 42): “Na dança entre sentimento e pensamento, a
faculdade emocional guia nossas decisões a cada momento, trabalhando de mãos
dadas com a mente racional e capacitando - ou incapacitando - o próprio
pensamento”. Resumindo as palavras do autor, o intelecto não pode dar o melhor de
si sem a inteligência emocional.
SAIBA MAIS
Hemisferectomia

Uma operação que implica na remoção integral de um hemisfério


cerebral. Estudos sobre a hemisferectomia esquerda em pacientes
portadores de danos cerebrais severos têm mostrado uma interessante,
porém enigmática, recuperação do funcionamento da linguagem e da
memória linguística, não evidente quando o hemisfério dani cado
estava no seu local. Tais casos chamam a atenção para a questão da
ideia aceita  de que a linguagem encontra-se bem localizada no
hemisfério esquerdo, melhor ainda, sugerem um mecanismo de
armazenamento similar a um holograma, por meio do qual cada
hemisfério é capaz de assumir as funções do outro, embora não
aconteça assim no funcionamento normal.

Fonte: Stratton e Hayes (2009, p. 114).

REFLITA
“Conhece-te a ti mesmo” (Frase no templo de Apolo).
Conclusão - Unidade 4

Quando vemos o avanço das neurociências e a enorme quantidade de


conhecimentos que traz sobre o ser humano, nem sempre consideramos que o atual
estágio de conhecimento neurológico evoluiu muito nas últimas décadas. Algumas
perguntas que faziam na antiguidade grega ainda pairam assombrando por
respostas, mas ainda há muito a evoluir para responder a contento sobre a relação
corpo, mente e comportamento. 

A neurociência molecular e celular pode ser melhor compreendida à luz das


máquinas modernas, contudo a neuropsicopedagogia não deve cair na tentação de
reduzir o humano a mero amontoado de moléculas. Se nos baseamos na junção da
Psicologia, Pedagogia e neurociências é porque o fenômeno humano é muito
complexo e requer olhares multidisciplinares. 

Interessante notar que quanto mais se observa a racionalidade humana, mais ca


evidente o quanto o aspecto emocional nos torna humanos melhores. O atingimento
das metas de vida não exige apenas raciocínio, mas empenho emocional, como
reconhece a inteligência emocional. A inteligência emocional tem mostrado que
quando se consegue lidar com as dores e frustrações se consegue atingir melhores
resultados nas áreas acadêmicas e pro ssionais (áreas tradicionalmente tidas como
meramente racionais). 

Quanto mais o ser humano reconhece seu lado emocional, mais racional consegue
ser, contudo, se nega a vida sentimental, ele corre o risco de se perder sem
objetividade. Toda a técnica cientí ca deve se pautar na ética. 
Leitura complementar
É importante notar, também, que as pessoas, ao longo de toda a vida, diferem em seu
nível de funcionalidade, ou seja, na extensão que dominam habilidades e
conhecimentos relevantes. Portanto, os processos de envelhecimento irão atuar em
substratos diversos em diferentes indivíduos. Aqueles aspectos do funcionamento
cognitivo que são mais utilizados no cotidiano podem ser preservados e até
aprimorados, mesmo em idades avançadas: os idosos mantêm as habilidades
previamente aprendidas, desde que continuem a praticá-las. 

Pessoas idosas podem ter excelentes níveis de funcionamento em habilidades que já


dominavam, mesmo em face de uma diminuição ou declínio provocado pelo
envelhecimento. Podem também adquirir novas habilidades, ainda que o tempo
necessário para isso seja geralmente maior quando comparado com o tempo gasto
por pessoas mais jovens (Hertzog, Kramer, Wilson, & Lindenberger, 2009).

PLASTICIDADE CEREBRAL
Sabe-se que o cérebro sobre mudanças estruturais importantes no processo de
envelhecimento que afetam tanto a substância cinzenta quanto a substância branca,
sendo digno de nota que as transformações observadas são também variáveis entre
os indivíduos. O córtex frontal é a área mais afetada, sofrendo declínio mais precoce e
mais rapidamente. As alterações degenerativas estruturais afetam também a
substância branca, mais nitidamente nas regiões frontais, e isso, provavelmente, está
relacionado às alterações na velocidade de processamento de informações (De Luca
& Leventer, 2008).  

O hipocampo é outra estrutura que costuma apresentar mudanças estruturais no


envelhecimento normal, e a perda de volume hipocampal pode ser correlacionada
com dé cits de memória nos idosos. Além disso, ocorrem outros fenômenos, como a
diminuição generalizada na taxa metabólica, no consumo de oxigênio, no uxo
sanguíneo cerebral basal, bem como se altera a reação vascular a muitos
moduladores químicos (Drag & Bieliauskas, 2010).

Além das alterações neurobiológicas típicas do envelhecimento primário, uma série


de outras variáveis parece in uenciar o envelhecimento cognitivo. Entre elas são
importantes a educação, a inteligência e as habilidades sensoriais, o que acaba
contribuindo para o aumento da variabilidade no desempenho cognitivo entre
idosos. Acredita-se que esses fatores podem determinar taxas mais lentas de declínio
cognitivo, menor atro a cerebral e, consequentemente, adiamento na incidência das
demências. Essas variáveis contribuiriam para a constituição de uma reserva
cognitiva, responsável pela resiliência e a plasticidade dos circuitos envolvidos em
diferentes processos mentais. (Drag & Bieliauskas, 2010).

É conveniente conceituar alguns termos como ‘reserva cognitiva’ e ‘reserva cerebral’,


comumente encontrados na literatura que trata das funções cognitivas na
maturidade. Reserva cerebral seria um tipo de reserva passiva, que geralmente se
refere ao substrato neural estrutural (p.ex., o tamanho do cérebro e o número de
neurônios) que dá suporte ao funcionamento cognitivo. O cérebro teria uma
capacidade determinada para suportar mudanças provocadas por degeneração ou
patologia, e essa capacidade é distinta em diferentes pessoas (Staff, 2012). Supõe-se
que na presença de algumas patologias, como no início da DA, os pacientes com
maior reserva cerebral provavelmente exibiriam menos sintomas que aqueles com
cérebros menores. Nessa linha de raciocínio, haveria um limiar, abaixo do qual a
reserva se esgotaria e abriria espaço para o aparecimento de sintomas clínicos.
Contudo, deve-se levar em conta que existem diferenças na maneira como o cérebro
de diferentes indivíduos se envolve nos processos cognitivos ou em outras funções, o
que ocorre também na presença de alterações  provocadas por patologias ou lesões
cerebrais (Desai, 2011; Drag & Bieliauskas, 2010, La Rue, 2010).  

Já a reserva cognitiva refere-se à capacidade do cérebro de reagir ativamente a uma


lesão, por meio da implementação de processos cognitivos alternativos, maior esforço
aplicado nos circuitos remanescentes ou ainda por meio de processos
compensatórios. Dois indivíduos com reserva cerebral semelhante podem ter
reservas cognitivas diferentes, se um deles é capaz de mobilizar processos cognitivos
adicionais (Stern, 2009). Estudos com técnicas de neuroimagens mostraram, por
exemplo, que para a execução de determinada tarefa cognitiva, adultos jovens e
idosos com desempenho de ciente usam áreas semelhantes no córtex pré-frontal de
um hemisfério cerebral, enquanto idosos com desempenho superior utilizam as
mesmas áreas, mas bilateralmente.

Sabe-se que, em indivíduos com o mesmo grau de lesão ou de patologia cerebral, as


manifestações clínicas podem ser bastante diferentes. Em um grupo de idosos com
desempenho normal em testes neuropsicológicos, Ince (2001) veri cou que cerca de
um terço dos indivíduos revelava, na necropsia, alterações patológicas que
preenchiam os critérios para o diagnóstico de DA. Atribui-se o bom resultado nos
testes neuropsicológicos à reserva que eles teriam, isto é, processos ou circuitos
neurais que suportariam a execução de tarefas cognitivas mesmo na  presença de
lesão cerebral (Stern, 2009). Existem indicações de que melhor nível educacional ou
nível pré-mórbido de inteligência mais elevado podem promover menor risco de
incidência de DA, e supõe-se, então, que os idosos com maior reserva cognitiva
levariam mais tempo para atingir o limite crítico em que apareciam os sintomas de
uma demência em desenvolvimento. 

Fonte: Cosenza e Malloy-Diniz (2013, p. 338-340).


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Considerações Finais

Prezado(a) aluno(a),

Neste material, falamos da estrutura do sistema nervoso, aspectos físicos, biológicos


e químicos do cérebro e em especial das caraterísticas dos neurônios dispostos em
rede, possibilitando a manifestação das funções mentais superiores, como
linguagem, planejamento, comunicação e criatividade. 

Mergulhamos no mundo atômico para compreender como ocorre a troca de


informações entre os neurônios de diversas áreas do cérebro. Falamos das áreas do
cérebro e suas respectivas funções. Reconhecemos que a plasticidade cerebral é
muito grande até os dois anos de idade e decresce com os anos, mas que é a maior
característica do cérebro, pois a cada aprendizagem o cérebro se modi ca. 

As neurociências trazem muito conhecimentos sobre como o cérebro aprende, que


pode ser traduzido em maneiras de educar que visem a formação de pessoas que
tenham as habilidades emocionais de lidar com frustrações e organizar seu
comportamento para obter o melhor desempenho.

Pontuamos sobre a memória, que nos estudos sérios do cérebro se mostra muito
diferente do que pensa o senso comum, que a compara com a memória infalível dos
computadores. Sendo a memória humana composta por vários tipos de memória,
com funções e durações diferentes, como todo educador deve reconhecer.

Aprendemos que existem muitas neurociências, embora as neurociências cognitivas


sejam as que mais contribuem para a neuropsicopedagogia. Observamos que com
a junção da psicologia e pedagogia às neurociências, a visão de reduzir o ser
humano ao seu aspecto biológico não faz sentido e deve ser evitada. 

A partir de agora acreditamos que você já está preparado(a) para seguir em frente
com seus estudos, pois o conhecimento na neuropsicopedagogia tende a crescer e
ampliar muito. 

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