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O Cérebro Piagetiano
As Bases do Construtivismo Neural
e a teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget
Autores
Suzana Portuguez Viñas
Roberto Aguilar Machado Santos Silva

Santo Ângelo, RS
2018
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos com:

e-mail: Suzana-vinas@yahoo.com.br
robertoaguilarmss@gmail.com

Supervisão editorial: Suzana Portuguez Viñas


Projeto gráfico: Roberto Aguilar Machado Santos Silva
Editoração: Suzana Portuguez Viñas

Capa:. Roberto Aguilar Machado Santos Silva

1ª edição

2
Autores

Foto

R
oberto Aguilar Machado Santos Silva
Etologista, Médico Veterinário, escritor
poeta, historiador
Doutor em Medicina Veterinária
robertoaguilarmss@gmail.com

uzana Portuguez Viñas

S Pedagoga, psicopedagoga, escritora,


editora, agente literária
suzana_vinas@yahoo.com.br

3
Apresentação
livro O Cérebro Piagetiano. As Bases

O do Construtivismo Neural e a teoria do


desenvolvimento cognitivo de
Piaget visa investigar as bases neurobiológicas
Jean

atuais do construtivismo de Jean Piaget.


O insight para escrever o livro surgiu da leitura do
trabalho de Quartz e Sejnowski (1997), intitulado
“The neural basis of cognitive development: A
constructivist manifesto.” (“A base neural do
desenvolvimento cognitivo: um manifesto
construtivista.”)

Roberto Aguilar Machado Santos Silva


Suzana Portuguez Viñas

4
Dedicatória

P
RS
ara os colegas do Curso de Pedagogia
(UNIASSELVI) e da pós-graduação em
Neuropsicopedagogia (UNINTESE), Santo Ângelo,

5
Sumário
Apresentação .................................................................................7
Introdução ......................................................................................8
Capítulo 1 A base neural do desenvolvimento cognitivo..............10
Capítulo 2 Neuroconstrutivismo....................................................17
Capítulo 3 O cérebro topográfico: da conectividade neural
à cognição..........................................................................65
Capítulo 4 O que muda no cérebro quando aprendemos?..........73
Capítulo 5 Neurociência e os neurônios-espelho
na aprendizagem.........................................................87
Capítulo 6 Nature x nurture e a aprendizagem...........................114
Epílogo .......................................................................................117
Bibliografia consultada...................,............................................119

6
Apresentação

livro O Cérebro Piagetiano. As Bases

O do Construtivismo Neural e a teoria do


desenvolvimento cognitivo de Jean
Piaget visa investigar as bases
filosóficas, psicológicas,
psicopedagógicas e neurobiológicas do
aprendizado. O insight1 para escrever o
livro foi baseado no artigo “The neural
basis of cognitive development: A constructivist
manifesto.”(“ A base neural do desenvolvimento
cognitivo: um manifesto construtivista.”) de Quartz
e Sejnowski (1997).
Roberto Aguilar Machado Santos Silva
Suzana Portuguez Viñas

1 Insight é um substantivo com origem no idioma inglês e que significa


compreensão súbita de alguma coisa ou determinada situação. Um insight é
um acontecimento cognitivo que pode ser associado a vários fenômenos
podendo ser sinônimo de compreensão, conhecimento, intuição. Algumas
pessoas afirmam um insight é a perspicácia ou a capacidade de apreender
alguma coisa e acontece quando uma solução surge de forma repentina. Esta
palavra, que surgiu no inglês arcaico, é formada pelo prefixo in, que significa
"em" ou "dentro" e a palavra sight que significa "vista". Assim, insight pode
significar "vista de dentro" ou ver com os olhos da alma ou da mente.

7
Introdução

E
ste livro fornece um exemplo da utilidade
de compreender o desenvolvimento
inicial do cérebro, demonstrando como
esse conhecimento pode ser integrado à teoria do
desenvolvimento cognitivo de Piaget.
A pesquisa em neurociência nas últimas décadas,
forneceu uma série de ideias e caminhos que
podem nos guiar para a criação de ambientes
escolares em que a aprendizagem esteja no
centro da educação. Em termos simples, a
neurociência fornece insights sobre como o
cérebro aprende. A tecelagem da neurociência
com a pesquisa em ciências sociais e
pedagógicas oferece inúmeras maneiras de
melhorar o aprendizado e desenvolver políticas
educacionais mais eficazes.
Pesquisas em neurociência recentemente
lançaram luz sobre como melhorar a
aprendizagem; alguns caracterizaram suas
descobertas como explorando os poderes do
cérebro social. Aqui o social é usado, para
destacar o fato de que aprendemos melhor por
meio de conexões; social-emocional e conceitual.
Como todas as informações e memórias são

8
imediatamente quebradas em fragmentos e
espalhadas pela superfície do córtex cerebral,
conexões (ou reconexões) estão no centro do
aprendizado (a faculdade de armazenamento do
cérebro não é como qualquer dispositivo de
gravação ou computador, mas mais como uma
cooperativa / evento coordenado semelhante a
um flash-mob2 do cérebro). Se nos conectarmos,
aprendemos. Aprendemos conectando idéias e
emoções. Pesquisas recentes descobriram que as
conexões emocionais são as chaves para
desbloquear o potencial de aprendizagem. A
neurociência mostra que conectar idéias e
emoções é uma parte fundamental para o
conhecimento e a aprendizagem

2 O termo flash mob é usado para se referir a um grande grupo de pessoas que se
juntam repentinamente em um local público para fazer alguma ação e
rapidamente saírem do local. Geralmente, esse tipo de ação é
organizado,combinado, coordenado, etc., por meio de redes sociais, e-mails ou
outros meios parecidos.
9
Capítulo 1
A base neural do
desenvolvimento
cognitivo

C
omo os mecanismos neurais participam
ou sustentam o desenvolvimento
cognitivo? De que maneiras os
processos cognitivos e neurais interagem durante
o desenvolvimento e quais são as consequências
dessa interação para as teorias da
aprendizagem? Em suma, como a mente é
construída a partir do cérebro em
desenvolvimento? Embora essas questões
estejam no centro da ciência cognitiva, o
desenvolvimento ainda resiste às nossas
tentativas de compreendê-lo. Desenvolver é
mudar, e aí reside o desafio, pois as estruturas
subjacentes ao desenvolvimento não são fixas;
eles passam por mudanças em grande escala
durante a aquisição de habilidades cognitivas.
Além disso, essas mudanças podem não ser
intrinsecamente determinadas; eles podem
depender da interação com o ambiente. Se assim
for, então a distinção entre maturação biológica
10
do cérebro se desdobrando de acordo com sua
programação intrínseca - e o aprendizado se
rompem. As descrições em ambos os níveis de
explicação, o biológico e o cognitivo, seriam então
requeridas em um nível integrado da explicação.
Se os processos cognitivos e neurais realmente
interagem, então um grau adicional de
complexidade surge na análise do
desenvolvimento, pois a aprendizagem pode
induzir grandes mudanças nas próprias estruturas
envolvidas na aprendizagem. Isso complica as
coisas, porque agora o aprendizado pode alterar o
que pode ser aprendido posteriormente. Para
emprestar uma frase da física, os sistemas com
propriedades dependentes do tempo são
considerados “não estacionários” (por exemplo,
Pinker 19793). Este termo se aplica ao
“mecanismo de aprendizado” ou “dispositivo de
aquisição”, aproximadamente definido como o
conjunto de processos e estruturas que
transformam dados de entrada no estado
estacionário representando a competência
madura. O aluno não-estacionário é, portanto,
aquele em que a aprendizagem provoca

3PINKER, S. Formal models of language learning. Cognition, v. 1, p. 217–2


83, 1979.
11
mudanças em grande escala em seus
mecanismos básicos.
Perseguindo uma metáfora, o aprendizado causa
grandes mudanças no cérebro. Os teóricos do
desenvolvimento são confrontados com o desafio
de caracterizar um mecanismo de aprendizado
não estacionário.
Como um mecanismo de aprendizado não
estacionário é difícil de explicar, uma resposta
típica é desejá-lo evocando princípios
metodológicos que minimizem a mudança durante
o desenvolvimento. Chomsky (19804), por
exemplo, idealizou o desenvolvimento como um
processo instantâneo, supondo que a remoção de
todos os elementos temporais não teria efeito
sobre o perfil de aquisição de um sistema em
desenvolvimento. E Pinker (19845), seguindo
Macnamara (19826), formulou a “hipótese da
continuidade”, de que crianças e adultos deveriam
ser vistos como qualitativamente idênticos até que
somos forçados a abandonar esse princípio por
algum fracasso explicativo. A possibilidade de que
o aprendizado guie o desenvolvimento do cérebro

4 CHOMSKY, N. Rules and representations. Behavioral and Brain Sciences,


v. 3, p.1–61, 1980.
5 PINKER, S. Language learnability and language development. Harvard

University Press, 1984.


6 MACNAMARA, J. Names for things: A study of child language. MIT Press,

1982.
12
também foi excluída de grande parte da psicologia
do desenvolvimento, embora haja algumas
exceções importantes. Em seu clássico trabalho
sobre biologia e linguagem, por exemplo,
Lenneberg (19677) viu a contribuição biológica
como desdobramento de acordo com uma
programação intrínseca. O interesse pelos
fundamentos neurobiológicos do desenvolvimento
cognitivo diminuiu. Mais recentemente, no
entanto, uma excitação renovada sobre a
perspectiva de reunir o desenvolvimento cerebral
e cognitivo começou a emergir. No seu centro
está uma vibrante neurociência cognitiva do
desenvolvimento. Ele é complementado por um
ressurgimento da pesquisa de redes neurais
colocando a aprendizagem e a criação de
representações internas mais uma vez à frente da
ciência cognitiva. Combinados, esses avanços
levaram aos pressupostos centrais da
neurociência cognitiva e computacional que: (1)
conexões significativas e de longo alcance podem
ser feitas entre níveis cognitivos e neurais de
descrição, e (2) é somente através das restrições
mútuas que ambos os níveis impõem uns aos
outros que uma teoria satisfatória pode emergir.

7 LENNEBERG, E. H. Biological foundations of language. Wiley, 1967.


13
Agora examinaremos como a não-
estacionariedade no desenvolvimento pode ser
caracterizada a partir de uma perspectiva
neurocomputacional e exploramos suas
implicações para o desenvolvimento. Um
problema metodológico difícil deve primeiro ser
abordado, no entanto. Como já mencionado, a
não-estacionariedade é problemática porque
introduz alterações dependentes do tempo nas
estruturas subjacentes à aquisição. Como a
moeda da cognição são representações, o
problema do desenvolvimento é caracterizar a
mudança representacional em termos que
correspondem a mudanças estruturais no
mecanismo de aprendizagem. À medida que
exploramos, a força da neurociência cognitiva
reside em seu poder de caracterizar exatamente
esse tipo de mudança. Nosso intuito, para estudar
não estacionariedade no desenvolvimento é o
seguinte: 1. Caracterizar as mudanças nos
substratos neurais subjacentes à aquisição; 2.
Caracterizar os processos que regulam essas
mudanças; 3. Examinar sua correspondência à
mudança representacional; 4. Explorar suas
implicações para as propriedades de aprendizado
do sistema em desenvolvimento. Esta
metodologia enfoca as bases neurais do

14
desenvolvimento cognitivo. Há muito se afirma
que a escassez de restrições neurais torna essa
abordagem impossível, mas avanços recentes na
neurociência do desenvolvimento e da
computação tornam possível caracterizar
estruturalmente o mecanismo de aprendizagem.
Essa abordagem pode fornecer uma base para
entender a mudança no desenvolvimento com
restrições que outras abordagens de
desenvolvimento. O primeiro passo é fornecer
uma maneira estrutural apropriada para medir a
mudança representacional. Vamos explorar três
medidas possíveis para a mudança
representacional: números sinápticos, arborização
axonal e arborização dendrítica (fig. abaixo).

Aplicando a metodologia acima, examinaremos a


neurobiologia dessas mudanças durante o
desenvolvimento, o envolvimento de fatores

15
intrínsecos e extrínsecos na sua regulação e sua
adequação como indicadores de complexidade
representacional. Dois temas emergem de
encontrar uma medida estrutural de complexidade
representacional: (1) desenvolvimento é um
aumento progressivo nas estruturas subjacentes
da complexidade representacional, e (2) este
aumento depende da interação com um ambiente
estruturado para orientar o desenvolvimento.
Estes formam a base do construtivismo neural ou
neuroconstrutivismo, a teoria do desenvolvimento
que apresentamos no próximo capítulo.

16
Capítulo 2
Neuroconstrutivismo

O
neuroconstrutivismo é uma teoria que
afirma que a interação gene-gene, a
interação gene-ambiente e,
crucialmente, a ontogênese são todos
considerados como tendo um papel vital na forma
como o cérebro se esculpe progressivamente e
como ele se especializa gradualmente ao longo
do tempo de desenvolvimento.
Os defensores do neuroconstrutivismo
argumentam contra a modularidade inata da
mente, a noção de que um cérebro é composto de
estruturas neurais inatas ou módulos que têm
funções desenvolvidas evolutivamente distintas.
Em vez disso, a ênfase é colocada nos vieses
relevantes do domínio inato. Esses vieses são
entendidos como auxiliando no aprendizado e
direcionando a atenção. Estruturas semelhantes a
módulos são, portanto, o produto da experiência e
desses vieses inatos. O neuroconstrutivismo
pode, portanto, ser visto como uma ponte entre o
nativismo psicológico de Jerry Fodor e a teoria do
desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget.

17
Este nome reflete a visão piagetiana de que há
uma interação ativa entre o sistema em
desenvolvimento e o ambiente no qual está
inserido. Como a teoria de Piaget, o
construtivismo neural, também enfatiza a natureza
construtiva dessa interação, com estruturas
representacionais progressivamente adicionadas
durante o desenvolvimento. Nossa principal
preocupação, no entanto, é examinar os
processos neurais que regulam a mudança
estrutural e suas implicações para a mudança
representacional. Em particular, o
desenvolvimento dendrítico preenche importantes
requisitos para um mecanismo de aprendizado
não estacionário, sugerindo como o
desenvolvimento dendrítico sob a influência da
atividade derivada do ambiente está de acordo
com esquemas cognitivos para a construção de
representações mentais.

Uma representação mental (ou representação


cognitiva; ou representação psíquica), na filosofia da
mente, psicologia cognitiva, neurociência e ciência
cognitiva, é um símbolo cognitivo interno hipotético que
representa a realidade externa, ou então um processo
mental que faz uso de um símbolo; "um sistema formal
para fazer explícitas determinadas entidades ou tipos de
informação, juntamente com uma especificação de como
o sistema faz isso." Apesar do uso difundido em
diferentes modelos que têm como unidade básica o
indivíduo, existem limitações epistêmicas concernindo
seu uso. Uma representação mental também é
entendida como o processo pelo qual o ser humano cria

18
na mente um modelo do mundo real ou um estado
mental. É a unidade básica do pensamento, isto é, o
poder de pensar e imaginar o conceito sem ele estar
presente. Através da representação mental o sujeito
organiza o seu conhecimento. Ela está relacionada com
nossa experiência de vida e está relacionada com nossa
cultura. Cada um vai representar liberdade, por exemplo,
de uma forma diferente, a partir do que aprendeu
durante a vida e de seus conceitos sobre o que é
liberdade. Sem representação mental não há memória.

Embora o desenvolvimento cortical seja


frequentemente considerado limitado
principalmente aos dois primeiros anos de vida,
esse desenvolvimento é muito mais extenso,
prolongado e progressivo. Isso indica que a
extensão do desenvolvimento pós-natal cortical
humano tem sido amplamente subestimada,
juntamente com seu papel potencial na
construção de representações mentais sob a
orientação de informações derivadas do
ambiente. Essa construção de circuito neural
orientada para o meio ambiente é uma forma de
aprendizagem, “aprendizagem construtiva”, uma
resposta única e poderosa às pressões de
aprendizagem enfrentadas por um sistema em
desenvolvimento, solapando os pressupostos
centrais da teoria clássica da aprendizagem
formal.

A aprendizagem construtiva
Trata-se de um processo em que o que aprendemos é o
produto da informação nova interpretada à luz do que já

19
sabemos. Não se trata de reproduzir informação, mas de
assimilá-la ou integrá-la em nossos conhecimentos
anteriores. É uma aprendizagem distinta, construtiva,
que se baseia em compreender o significado do material
e não só em tentar "copiá-lo" literalmente com mais ou
menos sorte. O compreender é traduzir algo para as
próprias ideias ou palavras. Aprender significados é
mudar ideias como consequência de interação com nova
informação.
Exigências da aprendizagem construtivista
O material de aprendizagem tem que ter uma
organização conceitual interna, que não constitua uma
lista de elementos justapostos (que está junto ou em
contiguidade) e sim uma conexão lógica ou conceitual
com os outros elementos.
O material de aprendizagem tem que ter uma estrutura
conceitual explícita, convém que a terminologia e o
vocabulário não sejam excessivamente novos nem
difíceis para o aluno.
É preciso dosar o surgimento de termos tão obscuros
como contingência, conexionismo ou interferência pró-
ativa e, se for necessário incluí-los, explicar e ilustrar seu
significado de um modo compreensível para o leitor, quer
dizer, conectando-o com seus conhecimentos prévios
(Montando Novas Ideias, 2018).

O problema central que confronta um sistema


cognitivo é encontrar uma classe apropriada de
representações para domínios de problemas
específicos. Muitas visões supõem que essas
representações têm que ser preexistentes, mas a
aprendizagem construtiva as constrói sob a
influência do ambiente, agindo ao lado das
restrições gerais que são impostas pela
arquitetura neural. Como resultado, oferece
poderosas habilidades de aprendizado,
minimizando a necessidade de pré-especificação
de domínio específico, evitando assim o pesado

20
fardo que o nativismo impõe aos mecanismos
genéticos.
Não é um retorno à aprendizagem da tabula rasa,
no entanto; a aprendizagem é uma interação
dinâmica entre um ambiente mutável e
estruturado e mecanismos neurais.

Tábula rasa (em latim: tabula rasa) é uma expressão


latina que significa literalmente "tábua raspada", e tem o
sentido de "folha de papel em branco". A palavra tabula,
neste caso, refere-se às tábuas cobertas com fina
camada de cera, usadas na antiga Roma, para escrever,
fazendo-se incisões sobre a cera com uma espécie de
estilete. As incisões podiam ser apagadas, de modo que
se pudesse escrever de novo sobre a tábula rasa, isto é,
sobre a tábua raspada ou apagada. Como metáfora, o
conceito de tábula rasa foi utilizado por Aristóteles (em
oposição a Platão) e difundido principalmente por
Alexandre de Afrodísias, para indicar uma condição em
que a consciência é desprovida de qualquer
conhecimento inato - tal como uma folha em branco, a
ser preenchida. Já na Modernidade, o conceito será
aplicado ao intelecto, na tese epistemológica que
fundamenta o empirismo - vertente filosófica do século
XVII, segundo a qual não existem ideias inatas, sendo
que todo conhecimento se baseia em dados da
experiência empírica. O argumento da tábula rasa foi
usado pelo filósofo inglês John Locke (1632–1704),
considerado como o protagonista do empirismo. Locke
detalhou a tese da tábula rasa em seu livro, Ensaio
acerca do Entendimento Humano (1690). Para ele, todas
as pessoas nascem sem conhecimento algum (i.e. a
mente é, inicialmente, como uma "folha em branco"), e
todo o processo do conhecer, do saber e do agir é
aprendido através da experiência. A partir do século
XVII, o argumento da tábula rasa foi importante não
apenas do ponto de vista da filosofia do conhecimento,
ao contestar o inatismo de Descartes, mas também do
ponto de vista da filosofia política, ao defender que, não
havendo ideias inatas, todos os homens nascem iguais.
Forneceu assim a base da crítica ao absolutismo e da
contestação do poder como um direito divino ou como
atributo inato. A teoria da tábula rasa também
fundamenta uma outra corrente da filosofia e da
21
psicologia, o behaviorismo clássico. O behaviorismo
atual, que é o behaviorismo radical, não se baseia na
tábula rasa.

A maquinaria neural é extensivamente moldada


pela atividade decorrente do ambiente, enquanto
suas propriedades intrínsecas também restringem
essa modulação e desempenham um papel
indispensável na formação das estruturas
resultantes. Essa interação, no entanto, é
suficiente para determinar as propriedades
representacionais maduras do córtex, sem a
necessidade de predisposições específicas do
domínio de alguma forma embutidas a priori no
córtex do receptor.

A priori é uma expressão usada para fazer referênciaa


um princípio anterior à experiência. A priori é uma
locução adverbial da língua latina, que não se encontra
no dicionário da língua portuguesa, mas é muito usada
para indicar “aquilo que vem antes de”.

Como conseqüência, isso faz com que a relação


entre mudanças ambientais - seja natural ou
cultural - e o cérebro estruture uma mudança
direta. Isto sugere uma perspectiva evolutiva
como uma progressão para representações mais
flexíveis, em contraste com a psicologia evolutiva.

A Psicologia evolucionista, Psicologia evolutiva, ou


simplesmente PE propõe explicar características mentais
e psicológicas - tais como memória, percepção, ou
linguagem - como adaptações, e portanto, a mente pode
ser melhor entendida à luz da evolução humana.
22
A interação de longo alcance entre a estrutura
ambiental e os mecanismos de crescimento
neural sugere que o desenvolvimento tem estado
sob controle de uma dicotomia enganosa. Por um
lado, os empiricistas oferecem uma finalidade
geral, arquitetura computacional com
procedimentos genéricos de aprendizagem; por
outro lado, racionalistas oferecem conhecimento
específico de domínio implantado em estruturas
cognitivas.

A Arquitetura de Computadores é o projeto


conceitual e fundamental da estrutura operacional de
um sistema computacional. Ela é o estudo dos
requisitos necessários para que um computador
funcione e de como organizar os diversos
componentes para obter melhores desempenhos.

É impressionante a rapidez com que grande parte


da literatura de desenvolvimento se enquadra
nesses dois extremos. O construtivismo neural
rejeita essa dicotomia, postulando processos
intrínsecos gerais, juntamente com a atividade
neural derivada do ambiente, que contém
informações específicas do domínio. Juntos,
através da aprendizagem construtiva, essas duas
fontes constroem a arquitetura computacional
madura e suas propriedades representacionais.

23
Sistemas Representacionais
A neurolinguística explica que os sistemas
representacionais são responsáveis pela codificação do
que ocorre no mundo externo por meio dos canais visual,
auditivo e cinestésico (tátil, olfativo e gustativo). Assim,
nossa comunicação interna e externa é feita com base
em nossos sentidos. Diz-se que o sistema mais
desenvolvido que alguém pode ter é aquele utilizado
pela pessoa para fazer o maior número de distinções
visuais, táteis, olfativas e sensoriais. Que o mais
valorizado é aquele usado para avaliar o significado de
uma experiência e para a tomada de decisões. E que o
sistema mais consciente é aquele em que a pessoa
direciona intencionalmente sua capacidade de assimilar
para fazer-se entender para utilizá-lo de forma assertiva
(IBC Coaching, 2018).

Essa interação promete, assim, um rico relato de


desenvolvimento que integra os níveis cognitivo e
neural da descrição em uma única estrutura,
abrindo novas oportunidades de colaboração
entre psicólogos e neurobiólogos.

Medidas de complexidade
representacional
O cérebro é acima de tudo um dispositivo
representacional. Por "representação"
entendemos a codificação neural de informações
derivadas do ambiente e transformações
resultantes da aplicação de operações mentais.

Operações Mentais
Os princípios da Ciência Contemporânea podem e
devem ser mobilizados para a solução de problemas. A
compreensão da Física contemporânea no nível de
24
abstração em que se encontra, requer do indivíduo um
pensamento favorito por estruturas que possibilitem
operações abstratas. A Epistemologia Genética de Jean
Piaget mostra que a explicação do mundo físico pelo
indivíduo data dos primeiros contatos com a realidade. A
estruturação dessa realidade vai-se tornando cada vez
mais complexa de acordo com as possibilidades - desde
raciocínio que o indivíduo possua para interpretá-la. O
raciocínio i o resultado das operações realizadas pelo
indivíduo, possibilitadas por estruturas mentais
subjacentes. Essas estruturas se desenvolvem i medida
que o indivíduo interage com o meio, permitindo de início
uma interação sensório-motora , que, aos poucos, vai se
operacionalizando até d minar o pensamento concreto,
podendo então passar a realizar operações sobre
operações que são chamadas de operações formais ou
abstratas. Estas acontecem a partir da adolescência
(Brandão, 1982).
Durante o ato de estudar a mente realiza as seguintes
operações (UNIFESP, 2018):
Classificar
A começar pelo título, devemos classificá-lo nos diversos
ramos da Ciência ou ramo do conhecimento humano. A
medida que colocamos "o tema" em contato com os
nossos recursos de percepção, visão, audição,
poderemos classificá-lo e hierarquizá-lo. Após uma
primeira classificação, você poderá enriquecê-la
desdobrando-a.
Seriar
Esta operação mental se realiza quando ordenamos
segundo um determinado critério as coisas que se nos
apresentam ou quando colocamos os elementos de
estudo em sequência, em passos progressivos ou em
séries cronológicas distinguindo as partes para chegar a
visão do todo. Algumas temáticas se prestam mais à
seriação do que outras.
Relacionar
Significa estabelecer relações simples ou múltiplas. Uma
forma de relacionar é comparar semelhanças e
diferenças. Outra maneira de relacionar é aproximar
possíveis causas e efeitos, introduzindo as perguntas:
Por quê? e em seguida: O que acontecerá então?
Esta operação mental favorece a construção de "redes"
estabelecendo ligação entre os fatos.
Analisar
Significa decompor os sistemas em seus elementos
constitutivos, dividindo o todo em partes. Pode-se
começar a analisar enumerando as qualidades, as
características de um ser ou um fenômeno.
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Reunir e compor conjuntos de sistemas
Quando se estuda, pode-se tornar o próprio estudo um
ato de criação, ao reunir os elementos que compõem o
tema de maneira original.
A reunião pode ser mais original e completa se
reunirmos os dados relativos ao objeto aos
conhecimentos relacionados. Sempre que se retomam
elementos das informações isoladas, reorganizando-as
num todo, estamos utilizando a operação de reunir.
Sintetizar
Se refere a reduzir aos aspectos essenciais do objeto. É
necessário fazer a identificação dos itens principais para
que seja resgatada a visão global e a relação entre as
informações. Pode ser feito em forma de quadro
sinóptico, mapa conceitual ou outras.
Representar
Se refere a aproximações das ideias a objetos concretos
associando teoria e prática. Existem diversas formas de
representar, mediante imagens figurativas, gráficos,
diagramas, modelos.
Argumentar
Uma das atividades que melhor garantem a
aprendizagem é tentar provar ou justificar um conceito
procurando reunir fundamentos para uma afirmativa ou
negativa.
Transferir
Transferir consiste em reproduzir ou aplicar o que foi
aprendido, porém modificando-o, ou melhor, ajustando-o
às novas situações.
Avaliar
Para avaliar você deve ter desenvolvido a capacidade de
reunir, analisar, sintetizar, argumentar e conceituar.
Supõe uma atitude crítica considerando os aspectos
positivos e negativos e tomada de decisões.

O relato mais conhecido da representação mental


é em termos de sistemas semelhantes à
linguagem, com um léxico primitivo e regras
sintáticas correspondentes às operações mentais.
As redes neurais oferecem codificações
representacionais alternativas, particularmente
representações distribuídas.

26
Redes Neurais
O cérebro humano é considerado o mais fascinante
processador baseado em carbono existente, sendo
composto por aproximadamente 10 bilhões neurônios.
Todas as funções e movimentos do organismo estão
relacionados ao funcionamento destas pequenas células.
Os neurônios estão conectados uns aos outros através
de sinapses, e juntos formam uma grande rede,
chamada Rede Neural. As sinapses transmitem
estímulos através de diferentes concentrações de Na+
(Sódio) e K+ (Potássio), e o resultado disto pode ser
estendido por todo o corpo humano. Esta grande rede
proporciona uma fabulosa capacidade de processamento
e armazenamento de informação. O sistema nervoso é
formado por um conjunto extremamente complexo de
neurônios. Nos neurônios a comunicação é realizada
através de impulsos, quando um impulso é recebido, o
neurônio o processa, e passado um limite de ação,
dispara um segundo impulso que produz uma substância
neurotransmissora o qual flui do corpo celular para o
axônio (que por sua vez pode ou não estar conectado a
um dendrito de outra célula). O neurônio que transmite o
pulso pode controlar a frequência de pulsos aumentando
ou diminuindo a polaridade na membrana pós-sináptica.
Eles têm um papel essencial na determinação do
funcionamento, comportamento e do raciocínio do ser
humano. Ao contrário das redes neurais artificiais, redes
neurais naturais não transmitem sinais negativos, sua
ativação é medida pela frequência com que emite
pulsos, frequência esta de pulsos contínuos e positivos.
As redes naturais não são uniformes como as redes
artificiais, e apresentam uniformidade apenas em alguns
pontos do organismo. Seus pulsos não são síncronos ou
assíncronos, devido ao fato de não serem contínuos, o
que a difere de redes artificiais (Tatibana e Kaetsu, 2018)

Embora a complexidade representacional possa


ser definida para os dois tipos de representações,
as medidas da rede neural dependem das
propriedades estruturais, tornando a relação entre
complexidade e estrutura uma estrutura direta.
Para o desenvolvimento, a primeira preocupação
27
é a fonte das representações mentais e, segundo,
a extensão da mudança representacional. Esta
última preocupação nos traz de volta à não-
estacionariedade. Embora a não-estacionariedade
tenha sido minimizada em teorias cognitivas,
como as de Chomsky, duas visões inspiradas na
neurobiologia abrangem a não-estacionariedade:
o selecionismo e o construtivismo neural.

Selecionismo Neural
Uma das vertentes que busca responder às hipóteses
sobre o papel da atividade neural iniciada pelo ambiente
é denominada selecionismo neural (LeDoux, 2002 8). Tal
perspectiva supõe um conjunto pré-existente de
conexões sobre o qual as experiências atuariam. O
resultado disso seria uma seleção de circuitos que
atenderiam às demandas ambientais. Para sustentar
essa hipótese é necessário supor três princípios básicos:
(a) exuberância; (b) uso e (c) subtração. O princípio da
exuberância postula que o sistema inicialmente
apresenta um número superior de sinapses do que as
que serão mantidas nas etapas do desenvolvimento.
Subtrair as conexões não selecionadas (ou não ativadas
pela experiência) das que foram ativadas resultaria
naquilo que somos. O segundo princípio diz respeito ao
uso: apenas sinapses ativas são mantidas. O terceiro
princípio defende que as conexões inativas são
eliminadas. Edelman (20039) é um dos principais
defensores contemporâneos da hipótese de que o
desenvolvimento e a organização das funções
superiores cerebrais podem ser explicados em termos da
seleção de grupamentos neurais, criando o termo
Darwinismo Neural. Essa perspectiva afina-se com as
contribuições de autores da psicologia evolucionista

8 LEDOUX, J. Synaptic self: How our brains become who we are. New York:
Viking, 2002.
9 EDELMAN, G. M. Naturalizing consciousness: A theoretical framework.

Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 9, p. 5520-5524,


2003.
28
(Cosmides e Tooby, 200010; Pinker, 200211), que
pressupõem a existência de programas mentais
estabelecidos na evolução. O darwinismo neural precisa
contar com a emergência de um número muito grande
de conexões que surgem em diferentes períodos do
desenvolvimento para dar conta da diversidade
ambiental (Oliva e cols, 2009).
Darwinismo Neural
Darwinismo neural é uma teoria sobre a função cerebral
desenvolvida por Gerald M. Edelman, publicada pela
primeira vez em 1978, em um livro cujo título em inglês é
The Mindful Brain (MIT Press). A teoria foi ampliada em
um segundo livro Neural darwinismo - A Teoria da
Seleção do Grupo Neuronal publicada em 1989. Gerald
Edelman ganhou o Prêmio Nobel em 1972 por um
trabalho de imunologia na mostrando como a população
de linfócitos aumenta quando eles estão associados a
um antígeno estranho por meio da multiplicação clonal
diferencial após a descoberta do antígeno. Basicamente,
o que ele demonstrou é que o corpo humano é capaz de
criar sistemas adaptativos complexos como resultado de
arranjos locais. Edelman ampliou seu interesse em
sistemas seletivos para neurobiologia e neurofisiologia.
Em seu trabalho, o darwinismo neural propõe a teoria da
"seleção de grupos neuronais", que consiste em três
partes:
1. A conectividade anatômica no cérebro ocorre através
de processos mecanoquímicos seletivos que ocorrem
epigeneticamente durante o desenvolvimento. Isso cria
um repertório primário variado pela reprodução
diferencial.
2. Uma vez que a diversidade estrutural foi estabelecida
anatomicamente, durante a experiência do
comportamento pós-natal, um segundo processo seletivo
é produzido através de modificações epigenéticas sob a
pressão das conexões sinápticas entre os grupos
neuronais. Isso cria um repertório secundário variado
pela amplificação diferencial.
3. O sinal reentrante entre grupos neuronais permite a
continuidade espaço-temporal da resposta a interações
do mundo real.

10 Cosmides, L.; Tooby, J. Evolutionary psychology and the emotions. In M.


LEWIS; J. M. HAVILAND-JONES (Eds.), Handbook of emotions (2nd ed., pp.
3-134). New York: Guilford Press, 2000.
11 PINKER, S. O instinto da linguagem: Como a mente cria a linguagem. São

Paulo, SP: Martins Fontes, 2002.


29
O construtivismo neural pertence à tradição
começando com Hebb (194912) e assumido por
Gottlieb (197613; 199114) e Greenough e cols.
(198715), que, rejeitando uma dicotomia entre
cognitivo e neural, explorou como a aprendizagem
guia o cérebro em desenvolvimento. Uma tradição
contrastante começou com Jerne (196716), que
aplicou o pensamento selecionista ao
desenvolvimento do cérebro, embora as raízes
dessa tradição remontem à aplicação dos
princípios darwinianos de Wilhelm Roux (188317)
às interações celulares em 1881. Variantes do
selecionismo têm sido defendidas por psicólogos
cognitivistas, psicolinguistas e teóricos do
Selecionismo Neural.
O selecionismo se inspira na imunologia e na
biologia populacional, com subconjuntos de
populações sendo selecionados com base em

12 HEBB, D. O. The organization of behavior: A neuropsychological theory.


Wiley, 1949.
13 GOTTLIEB, G. Conceptions of prenatal development: behavioral embryology.

Psychological Review, v. 83, p. 215–234, 1976.


14 GOTTLIEB, G. Experiential canalization of behavioral development: Theory.

Developmental Psychology, v. 27, p. 4–13, 1991.


15 GREENOUGH, W. T.; BLACK, J. E.; WALLACE, C. S. Experience and brain

development. Child Development, v. 58, p. 539–559, 1987.


16 JERNE, N. Antibodies and learning: Selection versus instruction. In: The

neurosciences: A study program, ed. G. C. QUARTON, T. MELNECHUK, F.


O. SCHMITT. Rockefeller University Press, 1967.
17 ROUX, W. Beitr¨age zur Morphologie der functionellen Anpassung: Nr. 1. U¨

ber die Strukter eines hochdifferenzierten bindegewebigen Organ (der


Schwanzflosse des Delphins). Arch. Anat. Physiol. Anat. Abtlg., p. 76–160,
1883.
30
critérios de aptidão. O selecionismo divide o
desenvolvimento em dois estágios distintos. A
primeira envolve uma construção intrínseca de
“pré-representações” através de meios genéticos
e epigenéticos. A segunda etapa envolve a
eliminação seletiva dessas pré-representações
por meio de mecanismos de estabilização
competitiva. O objetivo do último estágio é
selecionar aquelas representações com a mais
alta “aptidão” para fundamentar as habilidades
maduras. Embora não seja identificado com o
selecionismo, uma visão popular do
desenvolvimento neural resultante do trabalho de
Hubel e Wiesel (196218), sobre o sistema visual
também enfatiza o desenvolvimento como a
eliminação seletiva do crescimento inicial
exuberante. Para evitar uma proliferação de
terminologia, nós nos referiremos a qualquer
visão postulando um crescimento inicial
exuberante seguido de eliminação como
“selecionismo”, tendo em mente que ela vem em
diferentes pontos fortes. O mecanismo de
aprendizado do selecionismo opera reduzindo um
conjunto excessivamente complexo de
representações a um subconjunto no estado

18HUBEL, D.; WIESEL, T. Receptive fields, binocular interaction and functional


architecture in the cat’s visual cortex. Journal of Physiology (London), v.
160:106–154, 1962.
31
maduro. Em uma importante declaração
selecionista, Changeux e Dehaene (198919)
colocaram a questão da seguinte maneira: “a
atividade não cria novas conexões, mas, ao
contrário, contribui para a eliminação de outras
pré-existentes” e faz analogias, permitindo
crescimento dirigido no desenvolvimento seria
semelhante a permitir processos Lamarckianos na
evolução.

O lamarquismo ou lamarckismo foi uma teoria


proposta e criada no século XIX pelo biólogo francês
Jean-Baptiste Lamarck para explicar a evolução das
espécies. Lamarck, acreditava que mudanças no
ambiente causavam mudanças nas necessidades dos
organismos que ali viviam, causando mudanças no seu
comportamento.

Para o selecionismo, então, o desenvolvimento


marca uma redução na complexidade
representacional. Em contraste, o construtivismo
neural vê o desenvolvimento como um aumento
progressivo da complexidade representacional.
Como estes diferem em relação às mudanças na
complexidade representacional, é importante
perguntar: como medir a complexidade
representacional? Existem três candidatos
principais para esta medida: números sinápticos,
arborização axonal e arborização dendrítica.
19
CHANGEUX. J. P.; DEHAENE, S. Neuronal models of cognitive functions.
Cognition , v. 33, p.63–109., 1989.
32
Embora todos estejam relacionados, vale a pena
examiná-los separadamente, pois uma mudança
em um deles não implica necessariamente uma
mudança nos outros. No restante desta seção,
consideramos o suporte para mudanças nessas
medidas juntamente com sua adequação como
medidas de poder representacional.

Números sinápticos
Números sinápticos sobre
desenvolvimento

As sinapses, as conexões anatomicamente


definidas entre as células cerebrais, são
provavelmente a medida mais usada da
complexidade cerebral. Estudos de plasticidade
estrutural após o aprendizado, por exemplo,
tipicamente sustentam que “quanto mais, melhor”.
A neurobiologia do desenvolvimento fez um
grande esforço para examinar quantitativamente
as mudanças nos números sinápticos. Esse
esforço foi feito apesar das dificuldades técnicas
que tais estudos apresentam, tanto na obtenção
de contagens imparciais, quanto na quantidade de
trabalho demandada pelas técnicas envolvidas,
como a reconstrução seriada em microscopia
eletrônica. Entre esses estudos quantitativos, o de
33
Rakic e cols (198620) foi o mais influente. Eles
mediram a densidade sináptica nos córtices
motor, somatossensorial, pré-frontal, visual e
límbico do macaco rhesus em várias idades de
desenvolvimento. Uma descoberta surpreendente
foi que os níveis de densidade sináptica mudaram
uniformemente em todas as regiões examinadas,
com um pico entre 2 e 4 meses de idade, seguido
imediatamente por um declínio dramático. Sua
interpretação desses achados foi que um único
sinal intrínseco regulava a sinaptogênese cortical.
Essa conclusão foi entusiasticamente adotada
pelos selecionistas, que a consideraram uma forte
evidência de sua visão de uma criação inicial de
pré-representações seguida de perda seletiva.
Como Rakic e cols (1986) afirmam: “se a
experiência altera o número sináptico durante o
desenvolvimento, ela faz a sobrevivência seletiva
de certas sinapses, não regulando sua formação
inicial”. Uma limitação deste estudo, entretanto,
era que a densidade sináptica não era
relacionados a determinados tipos de células. Se
determinados tipos de células amadurecessem a
taxas diferentes, apenas um exame direto de seu
desenvolvimento tornaria essas diferenças

20 RAKIC, P.; BOURGEOIS, J. P.; ECKENHOFF, M. F.; ZECEVIC, N.;


GOLDMAN-RAKIC, P. S. Concurrent overproduction of synapses in diverse
regions of the primate cerebral cortex. Science, v. 232, p. 232–235, 1986.
34
aparentes. De fato, o estudo de Lund e Holbach
(199021), por exemplo, descobriu que as sinapses
de células na sublamina adjacente do córtex
visual alcançam vários pontos de referência com
quase 4 semanas de intervalo.

Isso indica que mesmo as células próximas não


seguem necessariamente um cronograma de
desenvolvimento similar e intrínseco. O que
poderia fazer essas células vizinhas
amadurecerem em taxas diferentes? Embora
próximos um do outro, eles recebem informações
de caminhos distintos, o magno e o parvocelular,
que carregam dois tipos diferentes de informação
sobre o mundo visual, da retina ao córtex, com
diferentes resoluções espaciais e sensibilidades
para contraste e movimento.

21LUND, J. S.; HOLBACH, S. M. Postnatal development of thalamic recipiente


neurons in the monkey striate cortex: I. Comparison of spine acquisition and
dendritic growth of layer 4C alpha and beta spiny stellate neurons. Journal of
Comparative Neurology, v. 309, p. 115–128, 1990.
35
Sob várias condições de privação, minimizando
as diferenças na atividade dessas vias, o
desenvolvimento dessas células adjacentes foi
mais síncrono. Isso sugere que as diferenças na
atividade de insumos, e não apenas nos
mecanismos intrínsecos, desempenham um papel
importante na regulação da maturação celular, um
tema que exploramos.
Se a sinaptogênese concorrente não parece ser
uma propriedade geral, então como a alegação de
superprodução sináptica inicial seguida de
eliminação seletiva se sustenta?

Sinaptogênese é o processo de formação de sinapses


entre os neurônios do sistema nervoso central. Embora ele
ocorra durante o decorrer da vida de um ser humano
saudável, há esmagadora maioria do processo de
sinaptogênese ocorre no início do desenvolvimento do
sistema nervoso, ainda intra-útero, e também no início da
vida, quando a criança está aprendendo a se relacionar com
o mundo exterior.

36
Ao nascimento praticamente toda a estrutura do nosso
encéfalo esta formada. O que muda então com os primeiros
anos de vida para determinar todo o novo modo em que o
ser em desenvolvimento percebe o mundo? Um aspecto
importante é a sinaptogênese. Esta começa na 27a
semana embrionária, porém só atinge seu pico durante os
primeiros 15 meses de vida. Ela começa primeiramente nas
camadas mais profundas, seguindo o mesmo padrão de
crescimento neuronal. Ao mesmo tempo em que ocorre a
sinaptogênese, os neurônios vão aumentando o tamanho de
suas árvores dendríticas, o tamanho de seus axônios e
sofrendo mielinização. Seguido este período de
sinaptogênese, ocorre a poda sináptica, que seria a
destruição de diversas sinapses_ uma regulação fina do
sistema nervoso que exclui sistemas redundantes (Martins
Júnior, 2018).

A reinterpretação por um estudo recente de Rakic


e colegas (Bourgeois e cols, 198922, 199423) sobre

22 BOURGEOIS, J. P.; JASTREBOFF, P. J.; RAKIC, P. Synaptogenesis in


visual cortex of normal and preterm monkeys: Evidence for intrinsic regulation
of synaptic overproduction. Proceedings of the National Academy of
Sciences USA, v. 86, p. 4297–4301, 1989.
23 BOURGEOIS, J. P.; GOLDMAN-RAKIC, P. S.; RAKIC, P. Synaptogenesis in

the prefrontal cortex of rhesus monkeys. Cerebral Cortex, v. 4, p. 78–96, 1994.


37
o desenvolvimento sináptico no córtex pré-frontal
de macacos. Com uma amostra maior, eles
descobriram que a densidade sináptica atingiu um
pico por volta dos 2 meses de idade e não
começou a declinar até a puberdade. Mesmo
assim, o declínio foi gradual, durando até os 20
anos de idade (seu último ponto de amostragem).
É difícil conciliar essa descoberta com a
afirmação de que a eliminação seletiva de
sinapses subjaz ao desenvolvimento cognitivo, já
que nenhum desses processos parece operar no
córtex pré-frontal durante os anos mais formativos
do desenvolvimento cognitivo. De fato, uma
complicação adicional vem de estudos que
mostram que o volume do cérebro aumenta
durante esse período, particularmente em áreas
corticais pré-frontais. Mesmo que a densidade
sináptica permaneça constante, esses aumentos
de volume implicam em adição de sinapses.
Estudos humanos análogos a Rakic e cols foram
influentes na formação de uma visão selecionista
do desenvolvimento humano, que tem sido
particularmente popular na psicologia (por
exemplo, Siegler, 198924). Os dados reais sobre o
desenvolvimento cortical humano, no entanto, são

24SIEGLER, R. S. Mechanisms of cognitive development. Annual Review of


Psychology, v. 40, p.353–379, 1989.
38
escassos. De fato, o único estudo quantitativo
publicado de medidas sinápticas no
desenvolvimento do córtex humano não-visual é o
de Huttenlocher (197925), amplamente citado.
Este trabalho é importante, porém são mais
necessário trabalhos neuroanatômicos humanos
básicos. Vale a pena, no entanto, apontar
algumas das limitações deste estudo.
Huttenlocher examinou um total de 21 cérebros
(com dados apenas para a camada III do giro
frontal médio) de indivíduos com idade variando
entre o recém-nascido e os 91 anos de idade
(sem distinção entre os sexos). A principal
limitação, entretanto, ao tentar inferir cronogramas
gerais do desenvolvimento pré-frontal humano, é
a falta de amostras entre as idades de 1 a 5 e 8 a
15. Isso por si só enfraquece severamente uma
interpretação selecionista, já que as idades de
interesse não estão representadas na amostra de
dados; O próprio Huttenlocher (199026) levanta
muitas dessas advertências, mas elas não
parecem ter sido ouvidas. De que dados existem,
no entanto, não há diferenças significativas nas
medidas de densidade sináptica emergem entre 1

25 HUTTENLOCHER, P. R. Synaptic density in human frontal córtex


developmental changes and effects of aging. Brain Research, v. 163, p. 195–
205, 1979.
26 HUTTENLOCHER, P. R. Morphometric study of human cerebral cortex

development. Neuropsychologia, v. 28, p. 517–527, 1990.


39
ano e 8 anos de idade. Este estudo, portanto, não
fornece evidências para um selecionismo.
Algumas das confusões que envolvem alegações
de desenvolvimento cortical humano seletivo
podem ser esclarecidas pelo estudo de Bourgeois
e cols. Combinando seus dados com as idades
conceituais nos dados humanos, Bourgeois e
seus colegas sugerem que o desenvolvimento
sináptico pré-frontal humano não sofre nenhuma
redução significativa antes da puberdade. Isso,
então, torna a afirmação de que a eliminação
seletiva subjaz à aquisição de habilidades
cognitivas altamente problemática. Em vez disso,
na medida em que há uma redução na densidade
sináptica, ela ocorre bem depois dos anos
formativos do desenvolvimento cognitivo.
Concluímos que, embora esses resultados não
impliquem que a superprodução sináptica não
seja real (ver O'Leary, 199272, para uma revisão
das podas no desenvolvimento), sua generalidade
foi superestimada. A ligação entre o
desenvolvimento cognitivo e a eliminação
sináptica no córtex cerebral é questionável. E,
como consideramos abaixo, sua fonte intrínseca
de estrutura também é superestimada.

27 O’LEARY, D. D. M.; SCHLAGGAR, B. L.; STANFIELD, B. B. The


specification of sensory cortex: lessons from cortical transplantation.
Expermental Neurology, v. 115, 121–126, 1992.
40
Condições ambientais e
números sinápticos

O estudo de Lund et al. (199028) sugerem que as


diferenças na atividade de insumos podem estar
por trás das diferenças nas taxas de crescimento
de dois tipos de células próximas. Isso levanta a
questão de que se os mecanismos dependentes
de atividade estão envolvidos no estabelecimento
da estrutura neuronal. Uma importante fonte de
evidências para esse papel vem de estudos
diferenciais de criação / ambiente. Estes são
importantes para distinguir entre modelos
competitivos de desenvolvimento, pois eles
podem distinguir entre modos de crescimento
dependentes de atividade e independentes ao
longo da vida. Ser capaz de avaliar os efeitos
ambientais ao longo da vida útil é importante,
porque elimina a possibilidade de que essas
mudanças reflitam apenas a estabilização da
estrutura já presente. Em alguns casos, esta
pesquisa também correlaciona mudanças
estruturais específicas com um único parâmetro

28 LUND, J. S.; HOLBACH, S. M.; CHUNG, W. W. Postnatal development of


thalamic recipient neurons in the monkey striate cortex: II. Influence of afferent
driving on spine acquisition and dendritic growth of layer 4C spiny stellate
neurons. Journal of Comparative Neurology, v. 309:129–140, 1990.
41
ambiental manipulado. O trabalho inicial examinou
os efeitos das condições de criação diferencial
nos números e densidade sinápticos. Mudanças
estruturais sistemáticas foram encontradas para
espelhar mudanças no ambiente do animal. De
particular interesse foi a descoberta de Valverde
(197129) de que esses efeitos eram amplamente
reversíveis. Esse paradigma também foi usado
para examinar se o número de sinapses muda em
formas maduras de plasticidade. Black e cols
(199030) mostraram que a formação de novas
sinapses acompanha tarefas de aprendizagem
motora em animais que se comportam. Para
distinguir entre a possibilidade de que a atividade
motora e não a aprendizagem motora causou o
aumento do número sináptico, um grupo controle
passou por exercícios em tarefas que eram
facilmente dominadas e requeriam pouca
aprendizagem. Nestes casos, não houve aumento
significativo nas sinapses corticais. Houve, no
entanto, angiogênese (aumento do suporte
capilar), como se esperaria de maiores
demandas. Em contraste, as células cerebelares

29 VALVERDE, F. Rate and extent of recovery from dark rearing in the visual
cortex of the mouse. Brain Research, v. 33, p.1–11, 1971.
30 BLACK, J. E.; ISAACS, K. R.; ANDERSON B. J.; ALCANTARA, A. A.;

GREENOUGH, W. T. Learning causes synaptogenesis, whereas motor activity


causes angiogenesis, in cerebellar cortex of adult rats. Proceedings of the
National Academy of Sciences USA, v. 87, p. 5568–5572, 1990.
42
de Purkinje em ratos que aprenderam tarefas
locomotoras complexas mostraram um aumento
de 25% nos números sinápticos.

As células de Purkinje pertencem filogeneticamente ao


neocórtex cerebelar, evolutivamente a região mais
recente e com uma citoarquitetura caracterizada por três
camadas: molecular, Purkinje e granular. A célula de
Purkinje é o elemento dominante do processo de
informação cerebelar e pode apresentar alterações
degenerativas na senescência que podem ser notadas
por métodos de coloração simples como a Hematoxilina
& Eosina (Apfel e cols, 2002).

Essa linha de trabalho indica que um importante


componente dependente de atividade no
desenvolvimento sináptico permanece como uma
capacidade vitalícia. Os sistemas biológicos
geralmente conservam mecanismos úteis; este
parece ser outro exemplo de um mecanismo que
teve um importante papel de desenvolvimento que
foi então utilizado em formas maduras de
plasticidade (aprendizagem).

43
Número de sinapse
como medida de
complexidade do circuito

Embora haja boas evidências da formação de


sinapses dependentes de atividade, há várias
razões pelas quais os números sinápticos por si
só são uma medida inadequada da complexidade
representacional. Qual é a relação entre os
números sinápticos e o poder computacional ou
representacional de uma célula? Para que essa
relação seja direta, muitas suposições funcionais
devem ser feitas sobre as propriedades de
integração de sinal de uma célula. Nos modelos
conexionistas, por exemplo, existe uma relação
direta entre o número de conexões e a
complexidade de uma rede.

Conexionismo é um conjunto de técnicas de diferentes


campos, como inteligência artificial, psicologia cognitiva,
ciências cognitivas, neurociência e filosofia da mente,
que modelam fenômenos mentais e de comportamento.
Existem várias formas de conexionismo, sendo as mais
comuns as que utilizam modelos de redes neurais.

Cada entrada e peso servem efetivamente como


parâmetro ou grau de liberdade porque a unidade
conexionista é um “neurônio de ponto”. Essa
idealização abstrai as propriedades espaciais da
44
integração e possíveis propriedades de
condutância não-linear - o arranjo espacial das
unidades não desempenha nenhum papel no
processamento. Em muitos neurônios reais, o
arranjo espacial dos elementos pré e pós-
sinápticos é considerado crucial para suas
propriedades de resposta.

Sinápses e elementos pré e pós-sinápticos


Chamamos de sinapses as regiões de comunicação
entre uma célula nervosa e outra célula envolvida na
cadeia de transmissão da informação, a qual pode ser
outra célula nervosa ou uma célula muscular, por
exemplo. As sinapses podem ser de dois tipos: sinapses
elétricas ou sinapses químicas. Nas sinapses elétricas
as duas células adjacentes fazem contato físico através
de suas membranas plasmáticas. Já nas sinapses
químicas as membranas das células não se tocam
diretamente, mas ficam um pouco afastadas entre si
permitindo a existência de um espaço entre elas. A esse
espaço damos o nome de fenda sináptica.

Uma razão para isso é a presença de


propriedades de condutância ativa na membrana

45
da célula; estes amplificam ou alteram o sinal de
entrada de formas não lineares.
As propriedades de condutância dendrítica não-
linear, agora bem estabelecidas, deslocam a
ênfase dos números sinápticos absolutos para o
arranjo espacial das sinapses e os padrões de
ramificação das estruturas pós-sinápticas. Isto
sugere que a arborização axonal e dendrítica
pode ser mais determinantes centrais da
complexidade do circuito do que os números
sinápticos absolutos. Consideramos estas duas
medidas abaixo.

Arborização axonal

Os padrões de arborização axonal têm sido


amplamente utilizados como medida de
complexidade representacional. De fato, estudos
de arborização axonal contribuíram amplamente
para o selecionismo.

Desenvolvimento da
arborização axonal

O estudo eletrofisiológico, de desenvolvimento e


anatômico da visão precoce é central para a
neurociência moderna. Em particular, a via

46
retinogeniculocortical, e especialmente o
desenvolvimento de colunas de dominância ocular
(OD), córtex visual primário, têm sido fontes
importantes para o selecionismo.

Corpo geniculado externo


Situa-se na porção posterior do tálamo. Os axônios dos
neurónios do corpo geniculado externo constituem a
radiação ótica (trato geniculo-calcarino ou radiação ótica
de Gratiolet) que passa pela porção retro-lenticular da
cápsula interna e terminam na área visual primária ou
área 17 de Brodman, situada nos lábios do sulco
calcarino. Nem todas as fibras da radiação ótica atingem
o córtex pelo mesmo trajeto. As fibras que estão mais
internas vão-se situar mais anteriormente no córtex,
seguindo um curso quase retilíneo para trás, em direção
ao lobo occipital. Já as fibras que estão mais
externamente vão-se situar mais posteriormente no
córtex, dirigindo-se inicialmente para a frente, em direção
ao pólo temporal, encurvando-se e voltando em direção
ao lobo occipital, onde terminam. Forma-se assim uma
alça, a alça temporal ou de Meyer, em relação com a
parte anterior do corno inferior do ventrículo lateral. A
presença desta alça explica o facto de que tumores do
lobo temporal, situados à frente do nível em que se
localizam os corpos geniculados externos, podem
comprimir e lesar a radiação ótica, resultando alteração
dos campos visuais.

47
Alguns núcleos transmitem impulsos para as áreas
sensoriais do cérebro:
. Corpo (núcleo) Geniculado Medial – transmite impulsos
auditivos;
. Corpo (núcleo) Geniculado Lateral – transmite impulsos
visuais;
. Corpo (núcleo) Ventral Posterior – transmite impulsos
para o paladar e para as sensações somáticas, como as
de tato, pressão, vibração, calor, frio e dor.

As colunas de dominância ocular são regiões de


entrada anatomicamente alternadas a partir de
um único olho, duas hipóteses sobre o seu
desenvolvimento foram sugeridas. Um, em
conformidade com o selecionismo, enfatiza duas
fases no desenvolvimento da OD: um período de
crescimento axonal exuberante seguido de poda
axonal seletiva. A outra hipótese, mais
construtivista, enfatiza a expansão geral das
colaterais dos axônios juntamente com a poda
seletiva. Os primeiros estudos sobre a formação
do OD utilizaram uma técnica conhecida como
autoradiografia: um açúcar ou aminoácido com
um rótulo radioativo anexado é injetado no olho,
de onde é transportado para o sistema visual,
marcando assim o seu caminho. Autoradiografias,
imagens do padrão de radioatividade, revelaram
um padrão originalmente difuso que se tornou
segregado em estruturas periódicas em estágios
posteriores de desenvolvimento.

48
Embora a evidência da autorradiografia sugerisse
uma interpretação selecionista, assim como
evidências de outros sistemas em
desenvolvimento, como a junção neuromuscular,
a autorradiografia tem uma baixa resolução
espacial, limitando a capacidade de identificar
componentes celulares. Por causa dessas
limitações técnicas, seria desejável ter evidências
anatômicas mais diretas, incluindo estudos de
mandris identificados. Devido ao pequeno
diâmetro dos axónios geniculocorticais durante o
desenvolvimento, eles são muito difíceis de
preencher intracelularmente. Por esta razão,
houve poucos estudos diretos de células
individuais. A falta de tais estudos, juntamente
com outros sistemas que apóiam o selecionismo
(por exemplo, a junção neuromuscular), levou à
interpretação comum de que o desenvolvimento
de DO se ajusta ao selecionismo, uma
interpretação particularmente popular entre
modeladores neurais e cientistas cognitivos. O
selecionismo traz mais facilidade de modelagem,
uma vez que o estado inicial de uma rede pode
ser ajustado para corresponder ao final do
período de crescimento exuberante. A dinâmica
do crescimento direcionado e a instabilidade que
ele traz podem então ser ignoradas. Em vez

49
disso, uma regra Hebbiana pode operar em
estruturas exuberantes para escolher a estrutura
final apropriada.

A teoria hebbiana descreve um mecanismo básico da


plasticidade sináptica no qual um aumento na eficiência
sináptica surge da estimulação repetida e persistente da
célula pós-sinápticas. Introduzida por Donald Hebb em
1949, é também chamada de regra de Hebb, postulado
de Hebb, e afirma: Vamos assumir que a persistência ou
repetição de uma atividade reverberatória tende a induzir
mudanças celulares duradouras que promovem
estabilidade. (...) quando um axônio da célula A esta
próxima o suficiente para excitar a célula B e
repetidamente ou persistentemente segue fazendo com
que a célula dispare, algum processo de crescimento ou
alteração metabólica ocorre em uma ou ambas as
células, de forma que aumente a eficácia de A, como
uma das células capazes de fazer com que B dispare. A
teoria é frequentemente resumida como "células que
disparam juntas, permanecem conectadas", apesar
dessa afirmação ser uma simplificação exagerada do
sistema nervoso que não deve ser tomada literalmente,
bem como não representa fielmente a afirmação original
de Hebb sobre as forças de troca na conectividade
celular. A teoria é comumente evocada para explicar
alguns tipos de aprendizagem associativos no qual a
ativação simultânea de células leva a um crescimento
pronunciado na força sináptica. Tal aprendizado é
conhecido como aprendizagem hebbiana.

A regra Hebbian mais simples é um tipo de regra


de aprendizagem correlacional em que a
coincidência temporal da atividade pré e pós-
sináptica resulta em um fortalecimento dessa
sinapse. Outras condições, supondo que as
anticorrelações enfraquecem as conexões (ou
várias hipóteses de normalização, que têm o
mesmo efeito), fornecem um conjunto suficiente
50
de mecanismos para impulsionar a segregação
progressiva dos mandris inicialmente
sobrepostos. A descoberta do receptor NMDA,
que parecia ter a cinética correta para
implementar a regra Hebbiana, também gerou
uma grande dose de entusiasmo e ofereceu a
possibilidade de que essa regra econômica
pudesse estar subjacente a facetas importantes
do desenvolvimento neural.

O receptor NMDA - NMDAR - é um receptor ionotrópico


ativado pelo ácido glutâmico (glutamato) /Aspartato e
seu agonista exógeno NMDA. O NMDAR pode ser
considerado o principal receptor do sistema
glutamatérgico, uma vez que ele tem papel de destaque
na mediação de importantes funções dessa
neurotransmissão, tais como: cognição, memória,
plasticidade neural e neurotoxicidade. A ativação dos
receptores de glutamato resulta na abertura de um canal
iônico não-seletivo para os cátions. Isso permite o fluxo
de Na+ e de Ca2+ para dentro da célula e de K+ para
fora da célula, porém a permeabilidade do NMDAR pode
variar conforme sua composição e localização. O influxo
de cálcio promovido pela ativação dos NMDAR é o
principal responsável pela mediação dos mecanismos
celulares relacionados a esse receptor. Os NMDAR
formam um canal iônico cujo poro está constitutivamente
bloqueado por Mg++ (quando a membrana apresenta-se
em potencial de repouso – bloqueio voltagem-
dependente), dessa forma, é necessária uma pré
despolarizarão para que haja a liberação do canal e sua
ativação pelos agonistas glutamatérgicos. Tal pré-
despolarização pode ocorrer por ativação de receptores
do tipo não-NMDA, tal como os receptores
glutamatérgicos do tipo AMPA (AMPAR) em regiões
adjacentes da membrana plasmática. Atualmente, o
NMDAR tem sido alvo de um grande de número de
pesquisas devido ao seu papel chave na modulação de
diversas funções do sistema nervoso central. Além de
ser alvo para drogas com ação anestésica, estudos
apontam que o receptor pode ser para o
51
desenvolvimento de fármacos que atuem no combate ao
Alzheimer e no tratamento de transtornos
comportamentais como a depressão maior e a
depressão bipolar. Além disso, também já foi observado
que o NMDAR desempenha funções importantes em
convulsões, neuroproteção, esquizofrenia e ansiedade.

A visão atual que emergiu do trabalho


experimental e apóia o construtivismo neural. O
importante estudo inicial de LeVay e Stryker
(197931) os autores também deixam claro que as
arvores sinápticas aumentam em complexidade
ao longo do desenvolvimento. Mais recentemente,
Antonini e Stryker (199332) confirmam essa
interpretação mais construtivista, e colocam ainda
mais ênfase no crescimento. Usando uma nova
técnica, eles encontraram alguma retração da
estrutura axonal inicial, mas também substanciais
aumentos progressivos nas medidas axonais
durante o desenvolvimento. Durante a primeira,
os números de pontos de ramificação axonal
aumentam notavelmente de um valor mediano de
34,5 para um de 96, enquanto o comprimento
total da árvore aumentou de 7.538 para 12.848
mícrons. Similarmente, a área ocupada também

31 LEVAY, S.; STRYKER, M. P. The development of ocular dominance columns


in the cat. In: Society for neuroscience symposium: Aspects of
developmental neurobiology, ed. J. A. FERRENDELLI. Society for
Neuroscience, 1979.
32 ANTONINI, A.; STRYKER, M. P. Development of individual geniculocortical

arbors in cat striate cortex and effects of binocular impulse blockade. Journal
of Neuroscience,v.13, p; 3549–3573, 1993.
52
aumentou durante este tempo, tornando-se
significativa no dia 39 pós-natal. Embora o
selecionismo tenha dominado o trabalho de
modelagem, o trabalho experimental aponta para
um maior equilíbrio entre a eliminação seletiva e o
crescimento seletivo, com um aumento
progressivo na complexidade. O desenvolvimento
parece envolver tanto a eliminação seletiva de
ramos amplamente estendidos e considerável
crescimento e elaboração. Após o arcabouço
axonal básico ocupar apenas regiões apropriadas,
os axônios se ramificam extensivamente e
especificamente dentro de regiões apropriadas
para atingir sua morfologia final semelhante a
adulta. Há um aumento geral na complexidade
dos axônios dentro de outros sistemas-modelo
comumente interpretados como selecionistas. A
evidência experimental de crescimento seletivo de
árvores neuronais posicionadas corretamente
apóia ainda mais o papel da atividade em
processos construtivos de desenvolvimento.
Assim, o crescimento dependente de atividade
desempenha um papel central.

Condições ambientais e
desenvolvimento axonal

53
Muitos dos estudos apontam para um importante
componente dependente de atividade no
desenvolvimento axonal. Em estudo com gatos,
no qual um olho foi privado da visão. As colunas
celulares oculares privadas encolhem. As células
nervosas do olho não privado do estímulo visual
não se estabilizaram simplesmente sobre mais
território na ausência de fibras competitivas:
antes, seu crescimento foi acelerado e estendido.
Esses estudos, então, apontam para o papel
central da atividade (ou estímulo) no crescimento
progressivo desses sistemas.

Desenvolvimento dendrítico

É sugerido que os dendritos desempenham um


papel importante na determinação das
propriedades representacionais do córtex e que
seu desenvolvimento suporta o construtivismo
neural. Primeiro, consideraremos algumas razões
gerais pelas quais o desenvolvimento dendrítico é
importante para as propriedades
representacionais do córtex.
A não-estacionariedade, embora talvez
aumentando as capacidades de aprendizagem de
um sistema em desenvolvimento, introduz várias
complicações. A principal razão para isso é que

54
as alterações na arquitetura subjacente podem
ser difíceis de serem gerenciadas. Mesmo
pequenas alterações arquitetônicas podem ter
consequências graves para o desempenho geral
do sistema. Uma maneira de isso acontecer é se
as mudanças em uma arquitetura desfazem o
aprendizado anterior, reconfigurando elementos
estruturais que representavam o conhecimento já
adquirido (um fenômeno às vezes chamado de
“interferência catastrófica”). Tal processo também
poderia ter consequências negativas para o
aprendizado se introduzisse mudanças de grande
escala em vez de incrementais. Por exemplo,
mudanças em grande escala podem tornar o
aprendizado muito sensível a pequenos detalhes
de treinamento (resultando em superajuste) e
desfazer a dependência de estados anteriores
que tornam o aprendizado incremental e,
portanto, estável. Essas preocupações levam às
seguintes duas condições relacionadas que um
mecanismo não estacionário deve satisfazer: (a)
A condição de localidade. O acréscimo de
estrutura deve estar na escala apropriadamente
local e não deve resultar em mudanças por
atacado na representação a cada nova mudança
elementar; (b) a condição de estabilidade. Em

55
circunstâncias normais, as alterações locais não
devem desfazer o aprendizado anterior.

Dendritos como estruturas


de aprendizagem

O crescimento dendrítico satisfaz a condição de


localidade em que, ao contrário da retração de um
axônio que pode alterar a conectividade de
milhares de células, os segmentos dendríticos são
elementos locais de processamento, cuja
eliminação não causará mudanças em larga
escala no padrão geral de conectividade. Assim, o
esquema de aprendizagem construtivista opera
no nível de segmentos dendríticos individuais, ao
invés de toda a célula, construindo-se nessas
condições. Também é importante que os
dendritos cresçam muito mais lentamente que os
axônios. Os axônios crescem a aproximadamente
500 mícrons / dia, em comparação com 15 a 35
mícrons / dia para dendritos. Uma razão mais
importante e geral para examinar o crescimento
de dendritos em relação à construção de
representações é que os dendritos são a principal
superfície receptiva de um neurônio. Além disso,
como os dendritos não apenas conduzem
passivamente, mas amplificam o sinal de entrada,

56
suas propriedades de processamento os tornam
centrais para como a informação é processada
pelos sistemas neurais. É essencial, então, avaliar
os processos de desenvolvimento que moldam a
forma dendrítica e o papel desses processos na
determinação das propriedades representacionais
dos circuitos neurais.

Arborização dendrítica

Os dendritos dos neurônios corticais são


altamente variados, mesmo entre as células
dentro de uma única classe. Essa variedade já
era aparente para Golgi e Cajal no século XIX,
mas técnicas recentes revelaram que os dendritos
são estruturas dinâmicas cujo crescimento pode
ser afetado por muitos fatores. À medida que os
dendritos crescem, a integração da atividade
sináptica é alterada de formas que dependem da
geometria dos ramos e da colocação de sinapses.
Os dendritos basais de uma célula cortical típica
da camada III no córtex frontal de um recém-
nascido têm um comprimento total de apenas 200
mícrons (1/5 mm). Entre o nascimento e os 6
meses de idade, os dendritos da célula
expandem-se mais de 10 vezes para um
comprimento total de mais de 2000 mícrons, ou 2

57
mm. Aos 2 anos de idade, os dendritos dessa
célula adicionam outros 1000 microns. Talvez o
mais surpreendente, mesmo aos 2 anos de idade,
esses dendritos ainda não atingiram o ponto
médio, mas vão mais que dobrar entre 2 anos e a
idade adulta até um comprimento total maduro de
aproximadamente 7000 mícrons. Os dendritos
dessa célula, então, crescem mais de 30 vezes
em seu comprimento ao nascer e passam a maior
parte desse crescimento após os 2 anos de idade.
A crescente área dendrítica dessas células
implica um aumento geral no número de sinapses.

Condições ambientais e
desenvolvimento dendrítico

Ao contrário dos axônios, que em muitos casos


começam a crescer durante a migração, os
dendritos normalmente não começam a se
diferenciar até completar sua migração e sua
colocação final dentro de uma camada cortical.
Isso sugere que o ambiente celular pode ser um
fator particularmente importante na determinação
da forma dendrítica, como estudos de animais
demonstraram. Os dendritos não são estruturas
passivas, mas ativamente formações neuronais

58
que devem acomodar as mudanças nas
demandas funcionais.

Desenvolvimento dendrítico
dirigido e padrões de atividade

A descoberta de que os dendritos buscam


ativamente a atividade de entrada e moldam suas
respostas para espelhar essa atividade
Recentemente estudos mostraram que a
estimulação local ao longo do desenvolvimento de
processos neuronais resulta em ramificação.
O crescimento dendrítico dirigido parece ser um
componente importante do desenvolvimento do
cérebro, consideramos como ele pode estar por
trás do desenvolvimento das propriedades
representacionais do cérebro.
Essa é uma forma de aprender “aprendizado
construtivo”, que torna o córtex em
desenvolvimento um aprendiz mais poderoso do
que se supõe.
A estrutura física de uma área neural corresponde
a um espaço representacional. Nesse espaço
representacional, as coisas próximas estão mais
intimamente relacionadas semanticamente do que
as coisas distantes. Esta propriedade de mapa é
extremamente poderosa como um sistema

59
representacional. Quando áreas do cérebro
podem se comunicar, representações cada vez
mais ricas podem ser construídas
sucessivamente. Cada área é uma camada em
um espaço de recurso cada vez mais abstrato.
Assim como a informação em um mapa é mantida
por propriedades espaciais como a distância
física, a estrutura física do córtex codifica a
informação. Com os princípios geométricos de
processamento de informação, a informação é
mantida no padrão tridimensional da
conectividade neural. Como os fatores
construtivos desempenham um papel central na
construção dessa estrutura física, eles também
moldam as propriedades representacionais do
córtex. A construção de circuitos neurais com
crescimento dirigido, constrói, assim, as
propriedades representacionais do cérebro.

Construção de representação
hierárquica

Uma característica particularmente notável do


cérebro humano é o desenvolvimento prolongado
de algumas de suas partes. Às vezes é sugerido
que as severas restrições colocadas pelo
bipedalismo nas dimensões do canal do parto

60
forçaram o cérebro humano a ser particularmente
imaturo ao nascer. Não há nada de singular no
grau de imaturidade do cérebro humano no
nascimento. Como Gibson (1990) aponta, no
nascimento, o cérebro humano tem cerca de 25%
de seu peso maduro, tornando-se uma média
entre os mamíferos. Em contraste, o cérebro do
gatinho ao nascer é apenas 10% do seu peso
maduro. Dependendo da camada cortical, os
dendritos das células do córtex visual primário
humano estão entre 30% e 50% do comprimento
total do adulto ao nascer. Para estas células
piramidais da camada V, os comprimentos dos
adultos são atingidos em cerca de 4 meses em
comparação com 18 meses para as células da
camada III. Grande parte do desenvolvimento
cortical não visual, em contraste, exibe um
desenvolvimento extenso e mais prolongado.
Células no córtex frontal são muito mais lentas
para se desenvolver e passam a maior parte do
seu crescimento após os 2 anos de idade. Além
disso, a extensão do desenvolvimento pós-natal é
dramática - eles crescem até 30 vezes mais do
que a duração dendrítica no nascimento. Scheibel
(1993) também relata um longo período de
desenvolvimento dendrítico na área de Broca, no
qual formas maduras surgem somente após 6 a 8

61
anos. Por que, então, o desenvolvimento cortical
humano não-visual é tão lento para se
desenvolver e tão extenso?
Nossa visão é que o desenvolvimento do cérebro
humano é um período prolongado no qual a
estrutura ambiental molda a atividade cerebral
que, por sua vez, constrói os circuitos subjacentes
ao pensamento. No lugar dos módulos pré-
instalados, a atividade padronizada cria circuitos
cada vez mais complexos, com áreas de
desenvolvimento. Áreas corticais mais distantes
da periferia sensorial aguardam antecipadamente
padrões de atividade cada vez mais complexos,
resultantes do desenvolvimento em áreas mais
baixas. À medida que esse desenvolvimento
avança, áreas do cérebro tornam-se cada vez
mais especializadas para funções específicas,
refletindo uma cascata de modelagem ambiental.
Alguns circuitos cerebrais próximos à periferia
sensorial, como em nosso sistema visual inicial,
estão no lugar aos 6 meses de idade; mas
aqueles em áreas de linguagem, mais distantes
da periferia sensorial, não começam a completar
seu desenvolvimento até o oitavo ano de vida.
Qual é o papel dos eventos regressivos no
desenvolvimento?

62
As evidências demonstram que a visão popular do
desenvolvimento como um evento amplamente
regressivo deve ser reconsiderada. Sugerimos
que os eventos regressivos são simplesmente a
consequência da reduzida especificidade neural,

Desenvolvimento e
aprendizado

A caracterização mais conhecida das


propriedades de aprendizagem de um sistema em
desenvolvimento vem da aquisição da linguagem
- que propriedades sintáticas a criança pode
aprender, o que pode servir como evidência para
essa aprendizagem e, em última análise, o que
deve ser especificado pela dotação genética da
criança:
O ambiente é empobrecido e poderia fornecer
apenas informações limitadas, portanto poucas
propriedades sintáticas poderiam ser aprendidas.
A criança deve trazer a maior parte de seu
conhecimento sintático, na forma de uma
gramática universal.
A aprendizagem só poderia servir para
estabelecer alguns parâmetros livres nessa
gramática universal, de modo a particularizá-la à
linguagem que confronta a criança. Embora

63
também seja baseado em estudos empíricos
sobre a contribuição linguística, a percepção de
que essa visão impressionante da aquisição da
sintaxe é baseada principalmente em resultados
rigorosos na teoria do aprendizado formal a torna
especialmente atraente. Embora o legado de
Piaget permaneça inegável na psicologia do
desenvolvimento, provavelmente não é exagero
sugerir que grande parte da ciência cognitiva
ainda é dominada pela visão nativista da mente
de Chomsky.
A mente emerge de uma interação prolongada
com um mundo estruturado.

64
Capítulo 3
O cérebro topográfico:
da conectividade neural
à cognição

U
ma característica marcante da
organização do cérebro de vertebrados
é a topografia ordenada, em que
conjuntos de conexões neuronais preservam a
organização relativa das células entre duas
regiões. Embora a topografia seja freqüentemente
encontrada em projeções de órgãos sensoriais
periféricos para o cérebro, ela também parece
participar da organização anatômica e funcional
dos centros cerebrais superiores, por razões que
são mal compreendidas. Propomos que uma
função-chave da topografia pode ser fornecer
bases computacionais para correspondências
precisas de um-para-um entre representações
cognitivas abstratas. Essa perspectiva oferece
uma nova conceituação de como o cérebro
aborda problemas difíceis, como o raciocínio e a
construção de analogias, e sugere que uma
compreensão mais ampla dos mapas topográficos
poderia ser fundamental na promoção de fortes

65
ligações entre genética, neurofisiologia e
cognição.

A prevalência de mapas
topográficos
Jean-Philippe Thivierge e Gary F. Marcus (2007),
do Département de Physiologie, Universite´ de
Montre´(Canada), afirmaram O cérebro é
composto de numerosas regiões
citoarquiticamente - e funcionalmente - distintas.
Cada um é composto de neurônios que se
comunicam entre si através de axônios e
dendritos, e é claro que os tipos de cálculos nos
quais as regiões individuais podem participar são
determinados, de forma significativa, pelo modo
particular em que esses neurônios são
conectados. Empiricamente, certos padrões de
conectividade neural ocorrem com freqüência em
todo o cérebro. Estas incluem conexões
convergentes (muitos para um; por exemplo,
convergência de informações olfativas no córtex
temporal, conexões divergentes (um-para-muitos;
por exemplo, aferências talamocorticais para as
áreas motoras premotoras e suplementares,
conexões recíprocas (por exemplo, projeções
corticotalâmicas, conexões inibitórias locais)
66
(p.ex. entre células piramidais de V1 e ligações
topográficas (um-para-um; por exemplo),
retinocololicular.
Presumivelmente, cada motivo existe para
suportar um tipo distinto de computação. A
divergência, por exemplo, pode fornecer um
substrato através do qual informações
anatomicamente distantes, ainda que
funcionalmente relevantes, possam ser
integradas. Desse modo, vias talamocorticais
divergentes podem possibilitar a coativação de
domínios de orientação à distância de preferência
semelhante, além de regiões distantes de
dominância ocular semelhante. A convergencia de
colaterais de axônios, parece permitir que pontos
multiplos e descontinuos atraves da superfie
cortical forneçam uma integrao multissensorial.
Aqui, investigamos a função (ou funções) dos
mapas topográficos, com um foco especial no
motivo pelo qual eles são distribuídos tão
amplamente quanto são. Mapas topográficos são
definidos como conjuntos de conexões axonais
sistemáticas de uma região neural para outra que
preservam (ou invertem precisamente) a relação
espacial entre os neurônios; células que estão
juntas no projeto de superfície de envio para
regiões que estão próximas na superfície de

67
destino. O caso paradigmático do mapa
topográfico é a conexão retinotetal (ou
retinocolicular). A parte neural do olho (isto é, a
retina) cria um mosaico de informações sobre o
padrão de estimulação da luz que incide sobre
ele. Neurônios da retina conectam-se a outras
áreas do cérebro, predominantemente do
mesencéfalo [tectum ou colículo superior (SC)] e
do núcleo geniculado lateral. Em ambos os casos,
o mapeamento preserva a ordem esquerda-direita
e superior-inferior. Estudos neuroanatômicos
detalhados em mamíferos (por exemplo, no
galago e wallaby) e também em insetos (por
exemplo, em Drosophila) mostraram que a
topografia visual é uma propriedade comum do
mundo animal. Mapas topográficos parecem ter
um papel não apenas na transferência de
informações sensoriais de receptores retinianos e
somatotópicos para estações de comunicação
talâmicas, mas também na transferência de
informações dessas estações para diferentes
áreas do córtex. Uma ilustração impressionante
da topografia é encontrada no trabalho clássico
de Tootell e cols (198833). Aqui, um padrão visual
é apresentado enquanto a atividade é registrada a

33 TOOTELL, R.B. et al. Functional anatomy of macaque striate córtex II:


retinotopic organization. J. Neurosci. v. 8, p. 1531–1568, 1988.

68
partir do córtex estriado de um macaco. A
preservação das relações espaciais entre o olho e
o cérebro é uma consequência funcional clara da
topografia anatômica no sistema visual inicial.
Sem topografia, o estímulo presumivelmente não
seria fielmente reproduzido na ativação espacial
das células corticais.
Mapas topográficos não são de forma alguma
limitados a transmitir informações ordenadas
espacialmente; em vez disso, eles se repetem em
todo o sistema nervoso. Na cóclea, por exemplo,
há um mapa "tonotópico" ordenado por frequência
que se projeta para o córtex auditivo; outro mapa
é encontrado no sistema olfativo, onde neurônios
funcionalmente semelhantes (representando
odorantes específicos) do epitélio olfatório se
projetam em módulos específicos do bulbo
olfatório (denominados glomérulos),
independentemente de sua localização espacial.
Menos bem entendido, no entanto, é outro fato: o
uso da topografia pelo cérebro parece se estender
muito além da transmissão de informações
sensoriais, incluindo, por exemplo, projeções
hipocampo-entorrinais de CA1 e projeções
nigrostriatais. Agora nos concentramos no motivo
pelo qual os mapas topográficos são tão
difundidos, sugerindo que eles podem ser cruciais

69
não apenas na preservação de informações
sensoriais dos centros de processamento
inferiores e superiores, mas também em vários
tipos de operações complexas, incluindo
raciocínio e analogia.

Teorias do papel dos


mapas topográficos

Embora as evidências para a existência de mapas


topográficos tenham se acumulado desde o
século 19, ainda não há consenso sobre o porquê
de elas serem tão difundidas. A maioria dos
pesquisadores contemporâneos assumiu que sua
função principal é transmitir informações
sensoriais, mas, mesmo dentro desse contexto,
não está claro se elas transmitem alguma
vantagem funcional em particular. No extremo, os
mapas topográficos podem não ter nenhum papel
funcional. Hebb (194934), por exemplo,
argumentou uma vez que a organização
topográfica dentro de áreas corticais superiores
(isto é, córtex associativo) seria incompatível com
um papel primário de "fusão" de informações,
porque essa função seria melhor realizada por

34HEBB, D. The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory.


Lawrence Erlbaum Associates, 1949.

70
conectividade convergente. Em princípio, pode-se
imaginar a topografia como um artefato de algum
outro processo - por exemplo, como um
subproduto desenvolvimental ou embriológico de
certos processos competitivos ou inibitórios. Tais
processos competitivos, por exemplo,
provavelmente estão envolvidos na formação de
colunas de dominância ocular no córtex estriado,
que envolvem a segregação de aferentes do
núcleo geniculado lateral em domínios específicos
onde as células reagem preferencialmente à
atividade do olho esquerdo ou direito.
Alternativamente, a topografia poderia ser uma
resposta pura de pressões evolutivas para
minimizar a fiação neural, em vez de uma
adaptação a qualquer necessidade computacional
específica. Como uma revisão recente deixa
claro, a prevalência não é garantia de importância
funcional: as colunas corticais são comuns entre
as espécies de mamíferos e vertebrados, mas
não são totalmente difundidas. Alguns macacos
esquilos os têm, enquanto outros (até irmãos) não
têm - sem custo funcional aparente. Ainda assim,
a topografia é ainda mais difundida do que a
organização colunar; até onde sabemos, todas as
espécies de mamíferos possuem mapas
topográficos, em abundância considerável -

71
mesmo naquelas espécies que não possuem
colunas de dominância ocular, como
camundongos e ratos.

colunas de dominância define-se como colunas


alternadas de neuronios, que respondem selectivamente
a informacao visual de um olho e outro.

Embora as colunas possam ser opcionais, a


topografia parece ser obrigatória, sugerindo que o
mapeamento topográfico de fato transmite uma
vantagem computacional.

72
Capítulo 4
O que muda no cérebro
quando aprendemos?

C
onforme Idan Segev do Departamento
de Neurobiologia e Centro
Interdisciplinar de Computação Neural,
Universidade Hebraica, Jerusalém, Israel, cada
um dos 10 bilhões de células nervosas
(neurônios) que compõem nosso cérebro é uma
entidade elétrica independente. Quando
estimulado (por exemplo, por estímulos
sensoriais, por estimulação elétrica direta ou por
outros neurônios conectados a ele, veja abaixo),
ele gera uma série de sinais elétricos prototípicos
chamados “picos”. Cada um desses pontos tem
uma forma e amplitude bastante constantes. É,
portanto, de um tipo digital - ou existe (em
amplitude total e duração fixa) ou não existe de
todo. Quando um estímulo sensorial chega (por
exemplo, uma palavra aparece no papel que você
leu agora), milhões de neurônios em seu sistema
visual disparam uma série de tais pontos. Estes
espigões representam (codificam) o estímulo
sensorial (por exemplo, visual). Da mesma forma,
quando você ouve um pedaço de música de

73
Bach, milhões de neurônios no sistema auditivo
disparam e, coletivamente, esse disparo na rede
ativada de neurônios representa essa música em
seu cérebro. Quando você move sua mão,
milhões de neurônios no sistema motor de seu
cérebro disparam trens de picos, representando
(e planejando) o movimento. Em outras palavras,
a linguagem interna do cérebro é composta de
grupos específicos de neurônios que disparam,
em um determinado momento, uma série de
picos, representando assim um item (uma face,
uma emoção, uma memória, uma ideia) que está
sendo processado pelo cérebro naquele
momento.
A maioria dos neurônios não está conectada
eletricamente um ao outro. Em vez disso, eles
interagem entre si através de um aparato único
chamado de “sinapse” (originando-se da palavra
“sinapsis” - significando clasp [ou grip] em grego.
A sinapse forma um minúsculo gap físico entre os
neurônios conectados sinapticamente e é
unidirecional). (isto é, uma dada sinapse conecta
a célula 1 à célula 2, mas não vice-versa.)
Quando ocorre um pico no neurônio 1, uma
substância química (um neurotransmissor) é
liberada na sinapse, e esse neurotransmissor se
liga a receptores específicos na célula 2. o

74
segundo então responde ao neurotransmissor
com um pequeno sinal elétrico, chamado de
“potencial sináptico”. Ao contrário da natureza
“tudo ou nada” do pico, o potencial sináptico é
analógico (e não digital) - pode ser muito pequeno
(décimo de milivolts) ou maior (vários milivolts) e,
para uma dada sinapse, pode atingir um sinal
positivo (sinapse “excitatória”) ou um sinal
negativo (sinapse “inibitória”). dispositivo que
transforma d Sinais digitais (picos) em uma célula
(o neurônio pré-sináptico) a um sinal analógico - o
potencial sináptico - na outra célula (a célula pós-
sináptica). A força da sinapse (a eficácia da
conexão sináptica) pode variar; Ainda que cada
sinapse retenha seus sinais, ela é excitatória ou
inibitória.

Ingredientes do cérebro

Nosso cérebro é o lar de bilhões de células


nervosas interconectadas. Cada célula nervosa
individual é um pequeno microprocessador
eletroquímico de entrada-saída com uma
estrutura semelhante a uma árvore (a árvore
dendrítica). Ele recebe em sua superfície muitos
milhares de contatos sinápticos originados dos

75
axônios de outras células nervosas. Quando
esses contatos sinápticos são ativados (por
exemplo, em resposta a uma entrada sensorial), a
célula dispara uma saída na forma de um trem de
sinais elétricos prototípicos, chamados de picos.
Nossos pensamentos e sentimentos, percepção
sensorial e ações motoras são todos
representados no cérebro por um código que é
carregado por essas pontas e é distribuído entre
redes neuronais que consistem em um grande
número de células nervosas.
Como o potencial sináptico (a entrada para um
neurônio) gera uma saída na forma de um trem de
pico nesse neurônio? Quando muitas (centenas)
das sinapses excitatórias bombardeiam um
determinado neurônio (e não muitas sinapses
inibitórias atuam ao mesmo tempo), então o
potencial individual de cada sinapse se iguala ao
de outras sinapses e, se um certo limite positivo
de tensão é alcançado, então o neurônio receptor
(pós-sináptico) responde com um pico (ou uma
série deles). O neurônio é, portanto, um
dispositivo elétrico de entrada que transforma
(através de suas conexões sinápticas) os sinais
sinápticos analógicos que recebe (sobre sua
região receptora ou de entrada - a árvore
dendrítica) de muitos outros neurônios para uma

76
série de sinais digitais - um série de pontas
(geradas no processo de saída do neurônio - a
árvore axonal).

O que muda no cérebro


durante a aprendizagem?

O que, então, poderia mudar no cérebro, descrito


acima - os neurônios e suas sinapses - quando
aprendemos? Alguns possíveis mecanismos
neuronais que não são mutuamente exclusivos
vêm à mente:
(i). Novas células nervosas podem crescer (e
novas redes neurais são formadas) quando
aprendemos algo novo.
(ii). A força das conexões existentes (sinápticas)
muda, mudando assim funcionalmente a
conectividade (e a atividade) dentro das redes
neurais existentes em resposta a um estímulo
sensorial.
(iii). Novas sinapses são formadas entre os
neurônios que não estavam conectados antes,
criando efetivamente novas redes de neurônios
que, quando ativos, representam uma nova
memória.
(i). Novos neurônios para novas memórias?
Embora nos últimos anos tenha sido descoberto

77
que em algumas regiões do cérebro de mamíferos
adultos novas células nervosas crescem, esse
crescimento é bastante esparso, e é improvável
que nossas novas memórias sejam armazenadas
por essas novas células nervosas. Um exemplo
interessante disso é o cérebro das aves canoras,
onde os machos durante o período de namoro
geram uma música típica e, somente durante
esse período, um grande número de novas
células nervosas cresce e demonstrou ter um
papel fundamental na geração de células
nervosas. a música. Essas células então morrem,
e o canto da música desaparece até o próximo
período de namoro. Esse exemplo fascinante, no
qual redes fisicamente novas servem a uma nova
função, é a estranheza e não a regra.
(ii). Ajustando a força sináptica para novas
memórias? A força da conexão sináptica pode de
fato mudar muito rapidamente. Foi demonstrado
que quando as sinapses são repetidamente
ativadas, seu potencial pós-sináptico resultante
pode se tornar maior ou menor, mudando
efetivamente a força dessa conexão sináptica. De
fato, as sinapses são provavelmente os
elementos mais modificáveis (plásticos) no
sistema nervoso. Além disso, após um curto
período de ativação, a mudança na força sináptica

78
pode durar horas e dias (potenciação de longo
prazo, LTP, ou depressão de longo prazo, LTD,
na força sináptica), e provavelmente ainda mais (a
questão da se é necessário “repetir” as memórias
reativando as redes neurais envolvidas - por
exemplo, enquanto sonha - a fim de estabilizar as
mudanças que correspondem à nova memória é
uma questão sob investigação). Mas quais são as
regras que “decidem” quando uma sinapse se
tornará mais forte ou mais fraca seguindo sua
atividade?
O psicólogo canadense Donald Hebb (1949) foi o
primeiro a formalizar uma regra tentativa de
mudanças que podem ocorrer na conexão entre
as células nervosas: “Quando um axônio da célula
A está próximo o suficiente para excitar a célula B
ou repetidamente ou consistentemente participa
da queima algum crescimento ou mudança
metabólica ocorre em uma ou ambas as células,
de modo que a eficiência de A, como uma das
células que dispara B, seja aumentada. ”Pode-se
resumir sucintamente a“ regra de aprendizado de
Hebb ”afirmando que“ quando a célula A participa
persistentemente na célula de disparo B, essas
células são mais fortemente conectadas umas às
outras. ”De fato, experimentos recentes em pares
de células nervosas conectadas sinapticamente

79
demonstram que, em muitos sistemas, a regra de
Hebb é verdadeira. Além disso, em muitos casos,
a regra “anti-Hebbian” também é válida. Ou seja,
se a célula A não estiver consistentemente
envolvida no disparo da célula B, então a sinapse
entre eles será enfraquecida.
(iii). Formando novas sinapses para novas
memórias? O desenvolvimento do microscópio de
dois fótons nos últimos anos permitiu que uma
pessoa seguisse uma dada conexão sináptica dia
após dia no cérebro vivo e explorasse a
estabilidade dessa conexão e se novas sinapses
são formadas. Foi descoberto recentemente que
novas sinapses são constantemente formadas
(criando uma nova protusão muito pequena -
chamada de espinha dendrítica - que forma uma
sinapse com um axônio próximo, e sinapses
antigas podem desaparecer. Em outras palavras,
em nosso sistema nervoso densamente
acumulado, um ligeiro arrastar em sua fina
anatomia (sem alterar sua anatomia geral - por
exemplo, adicionar neurônios ou cultivar novos
galhos longos) permite a formação de novos
contatos entre os neurônios preexistentes.
Essa descoberta relativamente nova mudou
nosso pensamento sobre o armazenamento de
memória no cérebro. Considerando que se

80
pensava anteriormente que a maioria das
mudanças associadas à memória dependem da
alteração da força das sinapses existentes,
acredita-se atualmente que a formação de novas
sinapses pode desempenhar um papel
fundamental no aprendizado e, em particular, na
estabilização de memórias de longo prazo. Seja
qual for o mecanismo biológico, seja o
crescimento de novas sinapses ou o
fortalecimento ou enfraquecimento de antigas
sinapses, ambos os mecanismos estabelecem
novas redes funcionais que, quando ativas,
poderiam, em princípio, representar (armazenar)
novas memórias (por exemplo, novas
capacidades aprendidas) . Imagens repetidas do
cérebro enquanto se ensaia uma determinada
prática para aprender uma nova habilidade (por
exemplo, tocar um piano) mostra que a região do
cérebro que representa a habilidade adquirida
(por exemplo, a região que representa o
movimento dos dedos) “cresce. Esse crescimento
implica que uma rede neural maior (mais
neurônios estão agora mais firmemente
conectados uns aos outros) está envolvida no
refinado (e mais coordenado) movimento
aprendido dos dedos pianistas. Até onde
sabemos, nenhuma nova célula nervosa é

81
adicionada ao cérebro de um especialista em
pianistas. Mas mais células nervosas são
recrutadas (através do fortalecimento das
conexões sinápticas na rede ou pela adição de
novas conexões sinápticas a ela) após a
aquisição de uma habilidade. A capacidade do
cérebro de se reconectar constantemente é tão
vasta (o número de suas sinapses é da ordem de
1014), que estabelecer novas redes funcionais
enquanto aprendemos não necessariamente
destrói memórias antigas. De fato, com um
número tão grande de sinapses em um único
cérebro humano (10.000 vezes maior do que o
número de pessoas no mundo), podemos
aprender muito mais do que nós.
Deve-se enfatizar que as mudanças fisiológicas
na força sináptica, bem como as mudanças
morfológicas (a formação de novas sinapses), são
todas suportadas por mecanismos genéticos
sofisticados que são responsáveis por gerar e
manter essas mudanças. A base molecular da
memória é um campo de pesquisa muito ativo
atualmente, e seus detalhes estão além do
escopo do presente artigo. O leitor interessado é
aconselhado a mergulhar na fascinante palestra
do Nobel de Eric Kandel (ganhador do Prêmio
Nobel de 2000), intitulada “A biologia molecular do

82
armazenamento da memória: um diálogo entre
genes e sinapses”, que pode ser encontrada em
http: // nobelprize .org / medicine / laureates /
2000 / kandel-lecture.html

Aprendizagem emocional,
sono e memória e teoria de
aprendizagem inspirada no
cérebro

O problema da base biológica da memória no


cérebro tem muitas facetas, e apenas algumas
foram resumidas acima. Uma questão intrigante é
a base neural da aprendizagem emocional e da
memória. Sabe-se que uma região cerebral
específica chamada amígdala está envolvida em
respostas emocionais e, em particular, no
condicionamento do medo e na formação de
memórias de longo prazo de associações de
medo. Mecanismos sinápticos como LTP foram
implicados como sendo a base para tais
associações. Mas por que as emoções são tão
poderosas e difíceis de controlar e reaprender
(especialmente aquelas que causam distúrbios
comportamentais)? O que é, no nível sináptico,
que torna tão difícil esquecer (livrar-se de)
emoções fortes, ao passo que tendemos a

83
esquecer nomes ou rostos ou outras habilidades
que adquirimos, mas paramos de praticá-las?
Este enigma ainda está para ser desvendado.
Outra questão intrigante é: qual é o papel de
diferentes áreas do cérebro - do hipocampo ao
córtex e aos sistemas límbicos - no processo de
aquisição e armazenamento de memórias. O
hipocampo é considerado a região do cérebro
onde novos fatos e eventos são inicialmente
processados e armazenados, enquanto algumas
regiões neocorticais armazenam essas
informações por mais tempo. Recuperação de
memórias antigas ativa outras regiões do cérebro.
Assim, parece que diferentes aspectos da
memória estão distribuídos em diferentes regiões
cerebrais e, de fato, um dano local pode resultar
em perda específica de um aspecto da memória
(por exemplo, danos ao hipocampo podem
destruir a capacidade de adquirir novas
memórias, mas memórias antigas retida). É
importante ressaltar que novas técnicas
moleculares abrem o caminho para uma
compreensão mais profunda dos mecanismos
celulares subjacentes à consolidação e à
recuperação da memória. Neste contexto, vale
ressaltar os crescentes estudos comportamentais,
eletrofisiológicos e moleculares que demonstram

84
que o sono contribui para a consolidação da
memória. Uma importante revisão sobre os
aspectos mencionados acima pode ser
encontrada em uma edição especial da revista
Neuron (2004), que é totalmente dedicada à
questão da memória em suas muitas facetas
Mas o que ainda falta para fornecer um avanço
real na compreensão de como a memória é
representada e armazenada entre redes
distribuídas de neurônios e suas sinapses, e
como essas memórias são recuperadas (por
exemplo, por meio de associações), é uma teoria
de aprendizado (um modelo matemático) irá
incorporar os dados experimentais em um quadro
abrangente. Sem essa teoria, permaneceremos
com uma coleção de fatos experimentais (mais
importantes) que não fornecerão a compreensão
profunda necessária para descrever um sistema
tão complexo quanto o cérebro de aprendizado.
De fato, sem essa teoria, não podemos dizer
“entendemos como o cérebro funciona”.
Felizmente, nas últimas duas décadas, muitos
poderosos teóricos, físicos, matemáticos e
cientistas da computação se uniram a esse
esforço. Novas teorias matemáticas estão sendo
desenvolvidas para descrever: Como a memória é
distribuída em redes neuronais? Qual é a

85
capacidade de memória dessas redes? Como
essas redes retêm memória enquanto enfrentam
a constante morte de células e sinapses? e Como
o cérebro faz previsões baseadas em memórias
antigas e mudanças consequentes quando essas
previsões são comprovadas como bem-
sucedidas? Estamos em uma era de
"renascimento cerebral", em que uma variedade
de disciplinas - biologia, física, psicologia, ciência
da computação - e muitos cérebros se unem para
tentar desenvolver tal teoria.

86
Capítulo 5
Neurociência e os
neurônios-espelho na
aprendizagem

O
termo neurociências vem do inglês
neurociências, um neoligismo cunhado
em 1962 pelo neurofísico americano
Francis O. Schmitt. Ele percebeu que, para
entender completamente a complexidade das
funções cerebrais, é preciso eliminar qualquer
obstáculo existente entre as disciplinas, por meio
da fusão de recursos e tentativas disponíveis. Por
isso, ele usou a palavra neurociências
(Neurosciences Research Program) para nomear
sua equipe de pesquisa, que incorporou cientistas
pertencentes a vários campos de estudo. A
assembléia, com o nome de neurociências,
representa um ramo interdisciplinar que combina
informações de domínios de estudo como
matemática, física, química, nanotecnologia,
engenharia, ciência da computação, psicologia,
medicina, biologia e filosofia. Segue-se uma
direção antipodal da pesquisa, quando se trata de
estudo e técnica do cérebro, do que a utilizada
anteriormente (Mara, 2018).
87
Conforme o mesmo autor, as neurociências
abrangem uma ampla variedade de aspectos,
como o desenvolvimento, o processo de
envelhecimento e a manutenção do sistema
nervoso ou de sua estrutura funcional e
anatômica, observando atentamente o próprio
cérebro, juntamente com o papel que
desempenha em relação ao comportamento e ao
conhecimento. As neurociências buscam explicar
não apenas o mecanismo normal do sistema
nervoso, mas também os colapsos, as disfunções
que ocorrem nos distúrbios do desenvolvimento,
tanto psiquiátricos quanto neurológicos, com o
objetivo de encontrar novos tratamentos ou
métodos preventivos.
Eric Kandel, laureado com o Prêmio Nobel,
costumava dizer: “o principal objetivo das
neurociências é explicar o comportamento do
cérebro.

88
Eric Richard Kandel (Viena, 7 de novembro de 1929) é
um neurocientista austríaco, naturalizado norte-
americano. Foi agraciado, juntamente com o sueco Arvid
Carlsson e com o norte=americano Paul Greengard, com
o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2000, por
descobertas envolvendo a transmissão de sinais entre
células nervosas no cérebro humano. Kandel formou-se
médico, especializou-se em psiquiatria, mas abandonou
a clínica para se dedicar às neurociências. Trabalhando,
por 45 anos, com um organismo muito simples – Aplysia
californica, o nobel de medicina revelou aspectos
fundamentais do processo de formação de memórias.
Kandel acredita "que a integração da psiquiatria com a
biologia molecular trará uma compreensão mais
completa da mente humana e estratégias terapêuticas
mais eficazes".

Como é que o cérebro pode direcionar milhões de


células individuais, a fim de desencadear um certo
comportamento, e como é que essas células
podem ser influenciadas pelo ambiente? A última
barreira das neurociências, seu desafio final, é
entender as características biológicas essenciais
da consciência, bem como os dispositivos mentais
que nos permitem perceber, reagir, aprender e
lembrar ”.

Já a aprendizagem é o processo pelo qual as


competências, habilidades, conhecimentos,
comportamento ou valores são adquiridos ou
modificados, como resultado de estudo,
experiência, formação, raciocínio e observação.

89
Este processo pode ser analisado a partir de
diferentes perspectivas, de forma que há
diferentes teorias de aprendizagem.
Aprendizagem é uma das funções mentais mais
importantes em humanos e animais e também
pode ser aplicada a sistemas artificiais.
Aprendizagem humana está relacionada à
educação e desenvolvimento pessoal. Deve ser
devidamente orientada e é favorecida quando o
indivíduo está motivado. O estudo da
aprendizagem utiliza os conhecimentos e teorias
da neuropsicologia, psicologia, educação e
pedagogia.
Aprendizagem como um estabelecimento de
novas relações entre o ser e o meio ambiente tem
sido objeto de vários estudos empíricos em
animais e seres humanos. O processo de
aprendizagem pode ser medido através das
curvas de aprendizagem, que mostram a
importância da repetição de certas predisposições
fisiológicas, de "tentativa e erro" e de períodos de
descanso, após o qual se pode acelerar o
progresso. Esses estudos também mostram o
relacionamento da aprendizagem com os reflexos
condicionados.

O reflexo condicionado ou condicionamento clássico


(ou condicionamento pavloviano ou condicionamento
90
respondente) é um processo que descreve a gênese e
a modificação de alguns comportamentos com base nos
efeitos do binômio estímulo-resposta sobre o sistema
nervoso central dos seres vivos. O termo
condicionamento clássico encontra-se historicamente
vinculado a Ivan Pavlov (1849-1936) , a "psicologia da
aprendizagem" de John B. Watson (1878-1958), e
Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), também
conhecido como sistema de punição e recompensa ou
ao "comportamentalismo" (Behaviorismo).

Algumas pesquisas começam a revelar que os


sonhos têm um papel muito importante na
aprendizagem e na formação de memória. Por
exemplo, alguns cientistas observaram que,
durante o sono o cérebro recorda coisas que
aprendeu recentemente. Durante o sono de ondas
lentas, a mente recorda novas memórias. Em
seguida, no sono REM - em que acontecem os
sonhos -. o cérebro trabalha para guardar essas
memórias por um longo prazo.

O sono R.E.M., ou Rapid Eye Movement ("movimento


rápido dos olhos"), é a fase do sono na qual ocorrem os
sonhos mais vívidos. Durante esta fase, os olhos
movem-se rapidamente e a atividade cerebral é similar
àquela que se passa nas horas em que se está
acordado. As pessoas que são acordadas durante o
sono REM, normalmente, sentem-se alertas, com maior
índice de atenção, ou mais dispostas e prontas para a
atividade normal. Os movimentos dos olhos associados
ao REM são gerados pelo núcleo geniculado lateral do
tálamo e associados a ondas occipitais. Durante o sono
REM o tônus muscular da pessoa diminui
consideravelmente. Também chamado sono paradoxal,
termo que caiu em desuso. No R.E.M., o cérebro
bloqueia os neurônios motores, para que o corpo não
obedeça as ordens sonhadas ou as encene. O resultado
é conhecido como Paralisia do sono. Este tipo de sono
91
só é conhecido em mamíferos, embora tenha sido
observado uma forma primitiva em répteis e aves, ao
contrário do sono Não-Rem, existente na maioria dos
animais.

Neurônios espelho
As neurociências encontraram um grande
desenvolvimento nos últimos anos e muitas
teorias importantes surgiram. O principal objetivo
das neurociências é entender como certos grupos
neuronais interagem para criar comportamento.
Os neurologistas estudam a ação de moléculas,
genes e células, bem como a complexa interação
envolvida no movimento, percepção, pensamento,
emoções e aprendizado. O principal componente
do sistema nervoso é a célula cerebral, o
neurônio. Os neurônios trocam informações,
enviando sinais elétricos e substâncias químicas
através das conexões chamadas sinapses. Os
neurônios-espelho foram descobertos no início
dos anos 90 pelo neurofísico Giacomo Rizzolati
enquanto estudavam os primatas e carregam
esse nome específico porque ativam para imitar
as ações e gestos de outras pessoas.

92
Giacomo Rizzolatti (Kiev, 28 de abril de 1937) é um
neurofisiologista italiano. Descobriu os chamados
neurônios espelho que ficam ativos durante a
observação de uma ação.

Os cientistas consideram que existe uma miríade


de elementos ainda a serem descobertos, além
das extensões físicas e funcionais dos neurônios-
espelho, que requerem mais investigações.
Giacomo Rizzolatti e seus pesquisadores
implantaram eletrodos no córtex pré-motor de
vários macacos. Os neurologistas notaram que os
neurônios-espelho ativavam o sinal elétrico no
exato momento em que os macacos realizavam
movimentos para se alimentar.

Foi só quando perceberam que os mesmos


neurônios foram ativados quando os macacos
93
observavam outros pares se alimentando, que o
cientista percebeu a importância dessa
descoberta. Daí o termo do espelho designado.
Existem neurônios-espelho que ativam sinais
elétricos em nosso cérebro quando vemos alguém
sendo tocado, quando observamos os
movimentos de outras pessoas ou apenas como
um sinal de empatia (conforme explicado pelo
neurologista VS Ramachandran35 e demonstrado
pelos testes realizados por Christian Keysers).

Os neurônios-espelho (Neuron Mirror) são células que


estão localizadas no córtex pré-motor, denominando-se
de neurônios viso-motores. Estas células, são ativadas
pela execução de uma ação simples, que seja
direcionada a objetivos e que respondem igualmente
bem à própria mão ou a outra pessoa - permitindo
entender a base neural. O lóbulo parietal superior, o
lóbulo parietal inferior e a parte dorsal do córtex premotor
são todos comumente envolvidos na imitação.

O papel crucial da área do neurônio espelho frontal, um


pars opercularis do IFG, durante a imitação e sugerem
que as regiões parietal e frontal que se estendem para
além da rede clássica de neurônios Eles são cruciais

35V.S. Ramachandran. (http://www.edge.org/3rd_culture/ramachandran/


ramachandran_p1.html) Mirror Neurons and imitation learning as the driving
force behind "the great leap forward" in human evolution, Edge Foundation.
94
para a imitação. Fazendo assim, quando uma ação é
realizada quando uma ação similar ou idêntica torna-se
passivamente observada.
Um neurônio espelho (também conhecido como célula-
espelho) é um neurônio que dispara tanto quando um
animal realiza um determinado ato, como quando
observa outro animal (normalmente da mesma espécie)
a fazer o mesmo ato. Desta forma, o neurônio imita o
comportamento de outro animal como se estivesse ele
próprio a realizar essa ação. Estes neurônios já foram
observados de forma direta em primatas, também existe
em humanos e alguns pássaros. Alguns cientistas
consideram este tipo de células uma das descobertas
mais importantes da neurociência da última década,
acreditando que estes possam ser de importância crucial
na imitação e aquisição da linguagem. No entanto,
apesar de este ser um tema popular, até à data nenhum
modelo computacional ou neural plausível foi proposto
como forma de descrever como é que a atividade dos
neurónios espelho suportam atividades cognitivas como
a imitação.
Estudos sugeriram um "circuito básico" para a Imitação
que inclui três regiões: duas destas regiões fazem parte
da rede de neurônios espelho: o Giro frontal inferior
(IFG) mais o córtex premotor ventral adjacente (PMC) e
o rostral do lóbulo parietal inferior (IPL). A meta-análise
utilizada sugere que no lobo frontal a parte dorsal do
córtex pré-motora, em vez do IFG posterior e do córtex
premonar ventral adjacente (STS) , são
consistentemente ativados na imitação fMRI.

Métodos de mapeamento e
territórios do neurônio-
espelho
Para o mapeamento do sistema de neurônio-
espelho foram utilizados o fMRI (Ressonância
Magnética Funcional), o PET (Tomografia por
Emissão de Pósitrons) e SPECT (Tomografia por
Emissão de Fóton Único). Através desses

95
métodos, identificou-se que os neurônios-espelho
estão presentes em variadas áreas corticais
frontoparietais (giro frontal inferior e córtex pré-
motor), principalmente na área de Broca (área
relacionada com o desenvolvimento da linguagem
oral e compreensão dos gestos linguísticos), além
da parte anterior da ínsula (Teruya, 2018).

Se você observar uma pessoa ferida e sangrando,


você terá uma certa expressão facial e
experimentará certos sentimentos relacionados a
essa situação (não é esse o caso dos psicopatas,
cujos cérebros funcionam de maneira diferente).

A independência do
espelhamento em relação à
memória
Conforme Teruya e cols (2018), a captação e o
entendimento dos atos externos pelos neurônios-
espelho não dependem necessariamente de
nossa memória. Isso quer dizer que, mesmo
visualizando ações nunca vistas por nós, os
neurônios-espelho ainda assim serão ativados.
Estimulados, o sistema de neurônios-espelho
consegue identificar a área do córtex cerebral
responsável pelos mecanismos musculares
96
típicos de tal ação e provocar o ato do
espelhamento.

A ressonância magnética mostrou que as


mesmas estruturas neuronais são ativadas
quando observamos o estado emocional de um
ser humano ou quando as experimentamos
também. Podemos perceber os neurônios-
espelho como uma forma de dar às pessoas a
capacidade de se conectar com os outros (mas
não em um nível consciente) e ter como resultado
o próprio processo de aprendizagem (aprender
imitando), compreendendo e oferecendo ajuda
(empatia). Essa conexão não é realizada
diretamente, mas mediada pela experiência
pessoal. Os neurônios-espelho nos ajudam a nos
colocar no lugar dos outros. No entanto, esse
sistema neuronal não nos impede de ignorar os

97
que sofrem ou de causar sofrimento. Mudanças
significativas ocorrem raramente e lentamente,
mas esse mecanismo incorporado em nosso
cérebro (e, portanto, em nossa psicologia) não
apareceu do nada. Há mais neste sistema
neuronal do que a função evolutiva, sua
descoberta e seus papéis - os neurônios-espelho
podem ser percebidos como um indicador do fato
de nos tornarmos mais e mais conectados, em um
nível individual ou em grupo, ou em uma
dimensão mais ampla. com foco em organizações
e sociedades.
Os neurônios-espelho representam uma categoria
especial de células cerebrais e desempenham um
papel muito importante na compreensão direta,
automática e instintiva do ambiente. Esses
neurônios corticais são ativados quando
observamos como uma ação específica é
executada, não apenas quando realmente a
realizamos. Portanto, eles se tornam os
expoentes de um mecanismo neuronal que nos
ajuda a compreender automaticamente as ações,
intenções e sentimentos de outras pessoas.

Neurônios espelho
durante a infância
98
Os neurônios espelho são muito importantes
durante a infância. Graças a eles, aprendemos
uma grande quantidade de coisas em nossos
primeiros ouvidos da vida: sorrir, comer, aprender
e abraçar os costumes, regras e tradições de
nossas famílias e grupos. Este é um meio de
aprender vendo e sentindo o que os outros vêem
e sentem. Os neurônios-espelho são altamente
importantes quando se trata de discernir e
assimilar as ações e intenções de outros seres
humanos, e de apreender novas habilidades
espelhando (imitando). Eles estão envolvidos no
planejamento e controle do pensamento, no
pensamento abstrato e na memória. Se uma
criança observar uma ação, os neurônios-espelho
se ativarão e formarão novas conexões neurais,
como se ele ou ela tivesse empreendido a ação.
Um funcionamento eficiente dos neurônios-
espelho leva a um excelente desenvolvimento em
qualquer campo, a uma maior inteligência
emocional e a um maior nível de empatia.
Considera-se que o mau funcionamento dessas
células está ligado a várias doenças ou distúrbios,
como o autismo. Este fato torna o estudo dos
neurônios-espelho uma importante seqüência de
pesquisa que pode levar a novas formas de
tratamento. Esses neurônios foram, inicialmente,

99
descobertos no córtex pré-motor frontal dos
macacos e, em estudos posteriores, constatou-se
que eles também estavam presentes no lobo
parietal inferior. Sua principal característica é
dada pela estreita conexão entre as partes
motoras da informação que codificam e os dados
visuais aos quais respondem, unindo as áreas do
cérebro responsáveis pelo processamento motor
e sensual. De acordo com os estudos mais
recentes, o cérebro humano também contém
neurônios-espelho, e um grande número de
hipóteses foi criado para explicar seu propósito
funcional, tais como ações e intenções de
compreensão, imitação e empatia.
A primeira hipótese sobre a função dos neurônios-
espelho foi a de distinguir as ações, por mais
peculiar que possa parecer o fato de que, para
observá-las, o sistema motor deve ser ativado. Na
verdade, uma simples percepção visual, sem o
envolvimento do sistema motor, ofereceria apenas
informações sobre os aspectos discerníveis do
movimento e não forneceria dados sobre seus
componentes internos ou senso de direção.
Aproximando-se da questão a partir desse ponto
de vista, os neurônios-espelho podem ser o
mecanismo central de uma miríade de funções.
Entre eles está a imitação, a capacidade de

100
reproduzir ou aprender novas ações. Existem
muitas provas de obvius de que o sistema de
neurônios-espelho está envolvido tanto na
imitação direta de uma ação realizada por outras
pessoas, quanto em comportamentos de
aprendizado por reproduções. A observação de
uma ação oferece dois tipos de informações
relacionadas a que e por que acontece, e os
neurônios-espelho são capazes não apenas de
reagir a um simples estímulo, mas também de
entender o sentido e a finalidade do input, sendo
responsáveis por isso, a compreensão das
intenções. Também foi sugerido que existe uma
certa conexão entre o autismo e o sistema
neuronal-espelho, a incapacidade das crianças
autistas de se ajustarem a outros seres humanos
e situações da vida, e que esse distúrbio também
pode ser causado por um mau funcionamento dos
neurônios-espelho.
O termo Transtorno do Espectro Autista (TEA)
descreve um grupo heterogêneo de transtornos
do neurodesenvolvimento, incluindo a síndrome
de Asperger, a síndrome de Rett, a síndrome de
Heller ou o transtorno desintegrativo da infância e
o transtorno pré-invasivo da infância - que não é
definido de outra forma (autismo típico). As
crianças que sofrem de TEAs enconram

101
dificuldades nas interações sociais, na
comunicação verbal e não verbal e apresentam
uma gama limitada de interesses e
comportamentos. Eles estão frequentemente
ligados a gestos repetitivos, estereotipados e
obsessivos, bem como a deficiências
operacionais. Essas crianças também podem ter
um alto nível de sensibilidade quando se trata de
sons, cheiros, sabores e texturas. As três
principais características específicas do autismo
são: interações sociais disfuncionais,
incapacidade de desenvolver relacionamentos
com os pares e falta de iniciativa quando se trata
de atividades espontâneas. Eles também podem
mostrar habilidades tardias de falar, incapacidade
de iniciar ou manter conversas, comportamento
estereotipado e preocupações limitadas, rotinas
inflexíveis e seqüências motoras repetitivas
(movimentos de palmas e dedos).
Os TEAs afetam 1 em cada 166 crianças e são
quatro vezes mais freqüentes em meninos do que
meninas. O diagnóstico geralmente é dado por
volta dos 2 e 3 anos de idade, mas os sintomas
podem ser observados mais cedo, após 6 meses.
O distúrbio tem um desenvolvimento linear, sem
nenhum período de melhora, e continua a se
manifestar mesmo na idade adulta, embora de

102
formas menos severas. A capacidade de um
indivíduo de compreender as emoções do outro,
de perceber o que os outros percebem ou, em
outras palavras, de ter empatia, também está
intimamente relacionada aos espelhos-miringons.
A ressonância magnética mostrou que, enquanto
observamos o estado emocional de outra pessoa,
as mesmas estruturas neuronais estão sendo
ativadas quando experimentamos as emoções por
nós mesmos. Alguns pesquisadores conectam os
neurônios-espelho ao desenvolvimento da fala,
porque parece que eles estão localizados perto da
área de Broca, região considerada responsável
por essa função.

Representando uma das descobertas mais


interessantes no campo das neurociências, os
neurônios-espelho mudam radicalmente as velhas
concepções sobre o funcionamento do cérebro
humano, que afirmam que o cérebro funciona de
maneira sequencial. Isso significa que a
percepção do sinal é seguida por um

103
reprocessamento cognitivo, um decisional e, em
seguida, pela execução da tarefa motora.
É bastante óbvio que a capacidade do espécime
de reagir às emoções e ações de outra pessoa
tem uma importância significativa no ajuste do
comportamento. Pode-se considerar esta
afirmação válida porque as pessoas não
trabalhariam juntas de maneira eficiente se não
acomodassem o estado emocional das pessoas
ao seu redor. E é o papel dos neurônios-espelho
interligar nossas experiências pessoais com as
percebidas pelos nossos pares.

A teoria de Feuerstein
e a neurociência
As neurociências podem considerar os aspectos
biológicos da modificabilidade cognitiva estrutural
concebida por Reuven Feuerstein, descrevendo
os mecanismos cerebrais nos quais o processo se
baseia.

104
Reuven Feuerstein (hebraico ‫( ) פוירשטיין‬Botoşani,
Romênia, 21 de Agosto de 1921 - Jerusalém, Israel, 29
de Abril de 2014) foi um professor e psicólogo judeu
israelense, criador da Teoria da modificabilidade
cognitiva estrutural (MCE), a teoria da Experiência da
Aprendizagem Mediada (MLE), e o Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI). A ideia de que
inteligência pode ser desenvolvida está associada ao
trabalho do Professor Feuerstein.

As neurociências cognitivas não produziram um


conjunto de axiomas fixos, portanto, seus
resultados são raramente tomados com um grão
de sal. É muito importante interpretar e analisar os
principais resultados das neurociências, que
podem ser facilmente colocados em conjunto com
outros campos de estudo. Com base em estudos
sobre modificabilidade cognitiva estrutural, deve-
se apoiar uma reciprocidade entre neurociências
e educação, principalmente via enriquecimento
instrumental. Há uma série de pesquisas
experimentais e não experimentais que apoiam o
enriquecimento instrumental, mostrando que,
juntamente com a mediação, promove
modificabilidade cognitiva. As neurociências
também oferecem provas semelhantes para
apoiar o Programa de Enriquecimento
Intrumental. Teorias fornecidas pelas
neurociências cognitivas sobre o modo como a
atividade cerebral influencia o próprio cérebro, e a

105
atividade cerebral é influenciada pela modificação
cerebral, bem como aquelas que sustentam a
teoria da modificabilidade cognitiva, todas
emergem de estudos sobre moldabilidade
cerebral. Esta é a característica do cérebro que
permite a modificabilidade cognitiva e está
integrada em todas as etapas do processo de
aprendizagem. Os mecanismos embutidos criam
duas funções diferentes de ajuste: a capacidade
de se adaptar a qualquer tipo de ambiente, a
capacidade de melhorar a aclimatação a um
ambiente específico. Tais características do
cérebro são influenciadas por muitos fatores
condicionais que são principalmente de natureza
socializadora e podem ser divididos em duas
categorias principais: emoções e crenças.

Mediação da Aprendizagem segundo Feuerstein


Conforme Miyake (2018), Os doze critérios ou
características de mediação conforme a Teoria da
Modificabilidade Estrutural Cognitiva de Reuven
Feuerstein são:
01. Intencionalidade e reciprocidade
02. A transcendência
03. Mediação do significado;
04. Mediação do sentimento de competência;
05. Mediação do controle do comportamento;
06. Mediação do comportamento de compartilhar;
07. Mediação da individuação e diferenciação
psicológica;
08. Mediação da busca, planejamento e alcance dos
objetivos;
09. Mediação da busca da adaptação a situações novas
e complexas. O desafio;
10. Mediação da consciência da modificabilidade;
106
11. A mediação da alternativa positiva;
12. Mediação do sentimento de pertença .
Para o educador tornar-se um mediador eficiente, deve-
se compreender antes de aplicar os métodos de
sistemas de ensino. Os três primeiros critérios e o
décimo são características que devem estar presentes
no ato mediado para que uma interação possa ser
identificada como uma mediação.
Abaixo Miyake (2018), coloca a relevância dos cinco
axiomas que A teoria da mediação da aprendizagem de
Reuven Feuerstein foi baseada, pois há necessidade de
conceder/acreditar neles antes do uso da mediação:
1. Todos os seres humanos são modificáveis.
2. Esta criança específica que estou educando (qualquer
uma que poderíamos talvez duvidar da modificabilidade)
pode ser ajudada a modificar-se.
3. Eu próprio (a) sou um(a) mediador(a) capaz de,
efetivamente, ajudar essa criança a modificar-se.
4. Eu mesmo (a) sou modificável.
5. A Sociedade, e a opinião públi ca, na qual estou
inserido(a), pode ser modificada por mim ou por qualquer
outro indivíduo inserido nela.

O primeiro tipo de modificabilidade, que se


concentra na capacidade de se adaptar a
qualquer tipo de ambiente, depende da memória
de trabalho e do seu funcionamento. O segundo,
em relação à capacidade de melhorar a
aclimatação a um meio específico, baseia-se na
formação de novos modelos de sistemas neurais,
o núcleo de competências. Esses dois processos
estão interligados, mas têm papéis diferentes: a
memória de trabalho é necessária para criar
novos modelos de sistemas neurais, que, por sua
natureza pura, são construídos por meio de
conexões sinópticas. Portanto, eles também são
criados como resultado do uso sinótico, exigindo
107
um claustro dos tecidos nervosos contíguos.
Conseqüente a este ponto de vista é o fato de
que, devido à consolidação sinótica, as tarefas da
memória de trabalho que envolvem um domínio
específico dependente do mapa neural estão
sendo facilitadas. O desempenho da memória de
trabalho depende do poder sinóptico. Mais ainda,
toda a atividade mental coincide com a memória
de trabalho, e as atividades mentais florescem
continuamente no cérebro, por meio de novos
modelos de sistemas neurais.
Apesar de tudo, quando um organismo se
relaciona constantemente com o mesmo
ambiente, ou não aprende nada de novo, a
atividade mental tem a tendência de manter as
estruturas adaptativas, evitando o agravamento
de mudanças significativas. Quando o organismo
confronta novas situações, a atividade mental
imediatamente começa a alterar as estruturas
cerebrais, e sua capacidade de ajuste eficiente
dependerá da eficiência da intercomunicação
sinótica. A memória de trabalho é uma função
importante de tais intertrades e constitui o
componente cognitivo. Conseqüentemente, por
um lado, a ativação da memória de trabalho tem a
tendência de criar novos modelos de sistemas
neurais, enquanto, por outro lado, novos modelos

108
de sistemas neurais aumentam a
intercomunicação sinótica, criando uma eficiência
local maior para a memória de trabalho.

O conceito de experiência de
aprendizagem mediada

A mediação representa a intervenção deliberada e


ativa fornecida por um educador à pessoa com
quem ele interage, visando uma melhor
capacidade que também envolva um nível gradual
de autonomia. Segundo a teoria da
modificabilidade e mediação, no núcleo das
funções mentais superiores fica o processo de
aprendizagem, e o papel do educador é
fundamental. As formas de interação entre
ambiente, educador e criança fundamentam a
maioria das mudanças estruturais que ocorrem no
aparato cognitivo humano. O mediador deve ser
capaz de identificar, escolher e englobar alguns
dos estímulos que atingem o alvo, a fim de torná-
los mais acessíveis. O educador não intercederá
entre o ser humano e o mundo exterior, pois seu
principal papel será identificar os estímulos
necessários para ser valorizado de maneira ideal,
para focar sua atenção em dados relevantes,
englobando interesse, atenção e conscientização.

109
O mediador representa um coador para os
estímulos ambientais. Quando o processo de
aprendizagem ocorre devido a alterações na
capacidade de adaptação ao ambiente, a
mediação é apoiada pela capacidade de co-imitar
as modificações adaptativas. Intencionalidade e
reciprocidade, dois conceitos considerados por
Feuerstein como partes fundamentais da
mediação, são inerentes às relações humanas. A
falta de mediação, ou a falta de tendência, é uma
forma de repudiar a incorporação interpessoal.
É importante enfatizar que o objetivo da
experiência de aprendizagem mediada é
selecionar, marcar e oferecer estímulos
manipulando o ambiente no qual a pessoa
mediada tenta se acomodar. Em outras palavras,
desde que os humanos se adaptem e aprendam,
não só por si mesmos, mas também por meio de
interações sociais, eles tentam se conectar com
um mundo exterior. Eles têm que explorá-lo de
forma independente, a fim de abraçar
comportamentos e desempenhos mentais que
são coimitados. A atividade cerebral entre o
mediador e a pessoa mediada implica mudanças
para ambas as partes envolvidas, através da
interação. Cada ser humano contiguamente muda
seus mecanismos devido às interações

110
ambientais, por meio de variação e seleção, de
modo que as estruturas cerebrais se configuram
de acordo. Sua mediação é uma expressão de
afiliação interpessoal e sempre envolve o
processo de aprendizagem. A mediação envolve
inclusão e cooperação. Dado este fato, a
mediação é sempre considerada um bom
momento para ajustes e acomodação. Além das
questões individuais do mediador e da pessoa
mediada, esse fato também confronta o problema
da aclimatação ambiental.
A falta de mediação pode abranger a pobreza
cultural, mas o significado da mediação pode não
ser apropriado para o meio ambiente, o que
significa que não está de acordo com a
aprendizagem subjetiva. Esta é a razão pela qual
Feuerstein afirma que a mediação não tem um
conteúdo específico, porque seu objetivo principal
é aumentar a flexibilidade comportamental, não se
adaptar apenas a um determinado ambiente. Este
fato mostra a diferença entre a mediação e a
condução cultural clara. Ao longo do processo de
mediação, o ambiente está sendo manipulado e
aproveitado de acordo com as necessidades da
pessoa mediada, e mais do que apenas as
atividades mentais do mediador e da pessoa
mediada estão sendo envolvidas. O mediador

111
também molda o ambiente de aprendizagem do
outro ser humano, a fim de oferecer o maior
número possível de oportunidades de adaptação.
É bastante óbvio que esse aspecto específico
concede à mediação o status de uma interação
humana simples e educacional. O mediador
percola o ambiente, a fim de facilitar a
autoplasticidade, definida por Feuerstein como a
maneira pela qual um organismo se modifica,
como resultado de mudanças ambientais
ocorridas. No outro extremo do espectro está a
haloplasticidade, descrita como o conjunto de
mudanças destinadas a ajustar a realidade
externa do organismo.
Feuerstein usa o conceito de mediação, ou
experiência de aprendizagem mediada, como um
meio de transformar a pessoa mediada. Em
outras palavras, a mediação diz respeito à
manipulação do ambiente de aprendizagem. Seu
principal objetivo é oferecer a possibilidade de
uma práxis adaptativa e educativa, focada em
comportamentos co-imitativos relacionados ao
sistema espelho-neuronal. Graças à descoberta
dos neurônios-espelho, foi iniciada uma nova e
revolucionária perspectiva de pesquisa. Os
neurônios-espelho foram, inicialmente, detectados
há aproximadamente vinte anos e foram

112
imediatamente conectados à ação e ao
reconhecimento de objetos. Uma ênfase especial
foi colocada no fato de que, enquanto se observa
uma ação conduzida por outro ser humano, o
sistema neuronal se ativa como se a própria
pessoa realizasse a atividade. Considera-se que
os neurônios-espelho facilitam o processo de
aprendizado imitativo, bem como a comunicação
verbal, e seu mau funcionamento envolve
distúrbios como o autismo.

113
Capítulo 6
Nature x nurture e a
aprendizagem

C
onforme a The Royal Society (2018,
Inglaterra), a neurociência é o estudo
empírico do cérebro e do sistema
nervoso conectado. O cérebro é o órgão que nos
permite adaptar ao nosso ambiente - em
essência, aprender. A neurociência está lançando
luz sobre a influência de nossa constituição
genética na aprendizagem ao longo da vida, além
de fatores ambientais. Isso nos permite identificar
indicadores-chave para resultados educacionais e
fornece uma base científica para avaliar diferentes
abordagens de ensino.
Tanto a Nature (inato) quanto a Nurture
(ambiente) afetam o cérebro no aprendizado.

Nature x Nurture
Segundo Costa (2018), É comum encontrarmos
pessoas defendendo origens diferentes para
dadas características humanas, principalmente
àquelas subjetivas e/ou que se referem ao
comportamento. Chamamos de “Nature” aquilo
114
que é inato, determinado biologicamente. Seu
oposto, o “Nurture”, está relacionado com o
ambiente, com o que é determinado cultural ou
contingencialmente.
Segundo a The Royal Society (2018I), indivíduos
diferem muito em sua resposta à educação, e
ambos os genes e o ambiente contribuem para
essas diferenças. O trabalho com gêmeos
idênticos, que possuem a mesma constituição
genética, mostrou que eles são mais
semelhantes, por exemplo, na personalidade, na
leitura e na capacidade matemática, do que
gêmeos não-idênticos, que diferem em sua
composição genética. Embora seja amplamente
aceito que as diferenças individuais possam ter
uma base genética, as influências genéticas no
desenvolvimento do cérebro e na função cerebral
ainda não são bem compreendidas. Por exemplo,
enquanto predisposições genéticas podem
explicar parcialmente as diferenças na
capacidade de leitura, não há um único gene que
faça do indivíduo um leitor bom ou ruim. Em vez
disso, existem vários genes, cujos efeitos
individuais são pequenos. Além disso, os genes
podem ser ativados e desativados por fatores
ambientais, como dieta, exposição a toxinas e
interações sociais. E em termos de neurobiologia

115
(a biologia do cérebro e do sistema nervoso
central), nosso conhecimento atual não nos
permite usar a medida da atividade em uma
região do cérebro para dizer se um indivíduo é um
leitor bom ou ruim. Há enorme variação entre os
indivíduos e as relações cérebro-comportamento
são complexas.
A composição genética sozinha não molda a
capacidade de aprendizagem de uma pessoa; A
predisposição genética interage com as
influências ambientais em todos os níveis. As
habilidades de aprendizado humano variam, da
mesma forma que a altura humana e a pressão
sanguínea variam. E, assim como a altura e a
pressão sanguínea, embora existam algumas
condições genéticas raras que levam a uma
anormalidade extrema, a maioria das variações
na capacidade de aprendizado é causada por
múltiplas influências genéticas e ambientais, cada
uma das quais pode ter um pequeno impacto. A
neurociência tem o potencial de nos ajudar a
entender as predisposições genéticas que se
manifestam no cérebro de cada indivíduo, e como
essas predisposições (nature) podem ser
construídas através da educação e criação
(nurture).

116
Epílogo

A
bordagens psicológicas, neurobiológicas
e de neurodesenvolvimento têm sido
frequentemente utilizadas para fornecer
conceitos patogênicos sobre transtornos
psicóticos. No entanto, aspectos da psicologia
cognitiva do desenvolvimento têm sido pouco
considerados nos modelos atuais. Usando uma
abordagem geradora de hipóteses, foi realizada
uma integração desses conceitos. Segundo
Piaget (1896-1980), a assimilação e a
acomodação como formas de manutenção e
modificação dos esquemas cognitivos
representam processos fundamentais do cérebro.
Em geral, com base nos estímulos de entrada
percebidos, esquemas cognitivos são
desenvolvidos resultando em uma concepção do
mundo, a validade realista e a atualidade ainda
está sendo controlada e modificada por processos
de ajuste cognitivo. Nos transtornos psicóticos, no
entanto, ocorre uma desproporção das demandas
ambientais e a capacidade de ativar os processos
necessários de adaptação neuronal. Portanto,
hipotetizamos uma falha no ajuste dos padrões de

117
saída reais e solicitados. Como consequência,
geram-se esquemas cognitivos autônomos, que
não se ajustam à realidade, resultando em
sintomatologia psicótica.
Processos neurobiológicos, especialmente
neuromodulatórios e neuroplásticos,
desempenham um papel central nesses
processos perceptivos e cognitivos. Em
conclusão, a integração da psicologia cognitiva do
desenvolvimento aos conceitos patogênicos
existentes dos transtornos psicóticos leva a uma
compreensão interessante dos mecanismos
básicos da doença e também orienta pesquisas
futuras na neurociência cognitiva de tais
transtornos (Gebhardt e cols, 2008).

118
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Você também pode gostar