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A língua como objeto da linguística

Antonio Vicente Pietroforte

Entre as muitas variações do tema de que contra a força não há argumentos, en-
contramo s esta conhecid a fábula de La F ontaine, traduzida pelo poeta Ferreira Gullar (La
Fontaine, 1999: 12-14):

O Lobo e o Cordeiro

Na água limpa de um regato,


matava a sede um Cordeiro,
quando, saindo do mato,
veio um Lobo carniceiro.

Tinha a barriga vazia,


não comera o dia inteiro.
- Como tu ousas sujar
a água que estou bebendo?
_ rosnou o Lobo, a antegozar
0 almoço. - Fica sabendo
que caro vais me pagar!

_ Senhor _ falou o Cordeiro -


encareço a Vossa Alteza
que me desculpeis, mas acho
que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo
de vós, nesta correnteza,
não posso sujar-vos a ág~a.
_ Não importa. Guardo magoa
de ti que ano passado,
,
me destrataste, fingi.do '.
_ Mas eu nem tinha nascido.
_ Pois então foi teu irmão.
- Não tenho irmão, Excelência.
_ Chega de argumen~~çã?.
Estou perdendo a pac1cncia 1.. ,
- Não vos zangueis, d~sculpai ..
- Não foi teu irmão? f 01 o teu pai
76 Introdução à linguística

ou senão foi teu avô -


dis se o Lobo carniceiro .
E ao Cordeiro devorou .

On de li lei 11cio existe, ao q11e


parece ,
li razcio do 111aisforle
prevalece.
Essa fábula , como a d'A lebre
e a tartaruga, Os dois amigo
outras vêm sendo contadas há s e o urs o e muitas
bastante tempo. Contadas por
as fábulas não possuem um só mu ito s poetas e prosadores,
autor. A d'A cigarra e as for mi
versão do século v a.C. , de Esop ga s, por exemplo, tem uma
o, e outra, do século xv11, de La
as personagens podem mudar. Fontaine. Algumas vezes,
Numa versão indiana do tem
vencer uma corrida, quem perde a de qu e o mais lento pode
a corrida é Garuda, o pá ssa ro
Narradas há muito tempo e em má gic o de Vishnu.
muitos lugares, muitas foram
narrativas. Na Índia antiga, for as línguas dessas
am contadas em sânscrito, Es
dro , em latim, e La Fontaine, op o as co nto u em grego, Pe-
em francês. Assim, além de int
humanas por seus aspectos his ere ssa r as de ma is ciências
tóricos e culturais, po r seus asp
podem interessar o linguista. ec tos lin gu íst ico s as fábulas
A versão original d' O lobo e o
cordeiro, de La Fo nta ine , é est
a:
Le Loup et L' Agneau

La raison du plus fort est toujours


la meilleure:
Naus l'allons montrer tout à l'heure
.
Un Agneau se désaltérait
Dans !e courant d'une onde pure.
Un Loup survient à jeun qui cherch
ait aventure
Et que la faim en ces lieux attirait '
.
Qui te rend si hardi de troubler mo
n breuvage?
Dit cet animal plein de rage:
Tu seras châtié de ta témérité.
- Sire, répond l'Agneau, que vot
re Majesté
Ne se mette pas en colere ;
Mais plutôt qu' elle considere
Que je me vas désaltérant
Dan s le courant
Plus de vingt pas au-dess~us d'E
lle
Et que par co~séquent, en aucune
faç~n,
Je ne pms troubler sa boisson.
- ~u la _troubles, reprit cette bête
cruelle,
- El Je sais ~ue d~ ~o i tu médis
l'an passé.
Com~ent I aura1s-Je fait si je n,
étais pas né?
Repn~ I' Agneau, je tette encore
ma mere. .
' - s_1ce n'est toi, c'est donc ton frer
- Je n en a1 poi t C' e
C n . - est donc quclqu ' un ·
ar vous ne m,épargnez guere des tiens·
Vous, vos bergers, et vos eh. , .
0n , .
me 1a d1t: il faut que je meten s.
venge
Là-dessus , au fond dos forêts
.
Le Loup l'emporte, et puis le ma
nge
Sans autre forme de proces .
'
.
A língua com 0 0 bº1eto da Linguística 77

Uma le1·tura atenta d


semelhanças com o português· o texto em franc"
, es mostra qu , , ,
forte , loup e lobo . vous e vos vo" e e essa lmgua apresenta va'r1·as
· ' '' ,, .,, an e anr,
VOS"(J'' ·
e essa comparaç"' . 'J, rmson e razão,fort e
S
as duas
. · ~o enti e tO- francês .e O portugucs
línguas s1stemat1camen ,..
for levada . , ..
venficar que ambas ti . e e considerando se , mais adiante, analisando
. . vetam como .· us momentos h' 6 . ,
lex1ca1s e gramaticais ent l o, igem comum o latim i~t ricos, e possível
na busca de semelhança re e as._Esse modo de fazer L1'ng' 1 ? t~ue explica
as semelhanças
s e venfi d . u1s 1ca comp' d ,
gens comuns, foi o métod d . can o a história de cada u ,d 1 ~ran o as lmguas
histórico-comparativo o ommante da Linguística do sé ~ao x1x e as a procura de ori-
U d , . . cu , o chamado método
m os teoncos mais importante ,
~ure, que, além de contribuir ara s dessa ep_oca é, sem dúvida, Ferdinand de
importantes trabalhos nesse !mp~::v:nços da Lmg~ística histórica e comparativ::~:
obJeto de estudos para a Ling , t· p sqmsa, definiu, no início do século xx um n
~ d . UIS 1ca. Em seu C d . , . , ovo
questao a defimção de um obi t d urso e Lmguzstlca geral, ao tratar dessa
Je o e estudos, ele afirma:
Outr~s- ciências trabalham com ob 'etos da .
de vanos pontos de vista· em nosso~ dos previamente e que se podem considerar em seguida
. b ' campo, nada de sem lh t , ' ~ '
nu. um o servador superficial será tent d e ~n e ?corre. Alguem pronuncia a palavra
atento, porém, nos levará a encontr a o a ver nela um obJeto hnguístico concreto; um exame mais
.ti ar no caso uma apó tr ~ .
l erentes, conforme a maneira pela
d'd .
1 :d s ou a, tres ou quatro c01sas perfeitamente
qua cons1 eramos a palavra.. como som, como expressão duma
·
1 eia, como correspondente ao Latlill d
• . , nu um, etc. Bem longe de d. b.
vista, dmamos que é o ponto de vista que cria o ob'eto· r , izer q~e o o ~eto precede o ponto de
maneiras de considerar o fato em questão se· t~ . , a tas, na~a n?s diz de antemão que uma dessas
Jª an enor ou supenor as outras.
(Saussurre. 1969: 15)

r Quando
d , Saussure comenta que a palavra nu corresponde ao lat·LIIl nudum, esta,
a~a 1san o a lmgua em sua~ mudanças históricas, já que, a partir de uma semelhança fô-
mca entre ~udum e nu e da mfonnação histórica da antecedência do latim, ele estabelece
uma relaçao entre elas. No entanto, quando analisa a palavra nu como som ou como a
expressão de uma ideia, o ponto de vista histórico deixa de ser pertinente. Como som
tomam-se pertinentes informações fonéticas, e, como expressão de wna ideia, tomam-s;
pertinentes informações semânticas. Assim, dependendo do enfoque com o qual se trata
um dado linguístico, temos um objeto de estudo diferente.
O Curso de Linguística geral teve sua primeira edição em 1916, três anos depois
da morte de Saussure, em 1913. Ao contrário do que se poderia imaginar, tratando-se de
uma das obras mais importantes da Linguística, o volume não foi escrito por Saussure.
Trata-se de uma edição elaborada a partir de anotações de aula de seus alunos. Saussure
ministrou três cursos na Universidade de Genebra. O primeiro data de 1907, o segundo,
de 1908 e o terceiro, de 191 O. Os editores do Curso de Linguística geral foram Ch. Bally,
A. Sechehaye e A. Riedlinger. .
Embora não haja menção ao termo dicotomias no texto do Curso, é assim que se
costuma chamar os quatro pares de conceitos, que fazem urna ~íntese das propostas de
Sauss · ção de um novo objeto teórico para a LmgmstLca. A palavra drcoto-
· · " N~ d
d a ena d. h tomz'a que quer dizer "divisão em partes 1gua1s . ao se eve
· d ure· para
.
mza enva o grego ic .ootomia, presente no texto saussur1ano, que se trata de algo que e,
. em Saussure diz .
. respeito
d ·d eduma d1c ensar de outro modo. Uma dicotomia
. ·d·d no caso
Pensar,
.
d1v1 1 o em 01s, eve-se P
- '"" vuu çoo à Linguístico

a um par de conceitos que devem ser def


, . inidos um em relação ao outro, de modo
so faz sentido em relação ao outro. que uni
Há quatro dicotomias em Saussurc: sincro
nia e diacronia ( 1969:94-116) /'
fal a (p. 26-28) , signfficante e signfficado . . , ingua
(p. 79-93) e par adi gm a e sin tag ma
Vamos estudar uma de cada vez. (p. 142 . e
147
).

Sincronia e Diacronia
(Saussure, 1969:94-116)

Como era feita a Linguística na época de


Saussure? Não se deve pensar que Saus-
sure foi o "inventor" da Linguística. Ele
definiu um objeto de estudos para a Línguí
Ela já existia antes dele, só que desenvolv stíc
ida de outro ponto de vista. Portanto, resp
como era feita a Linguística na época de on~
Saussure é investigar o que ele estudou em
fon11ação e o que fez com essa fonnação sua
como linguista.
Durante o século xrx a Linguística estudou
, basicamente, a mudança linguística. À
semelhança da Biologia da época, a ponto
de recorrer a uma nomenclatura própria
ciência, a Linguística estudava e classificav dessa
a as línguas em grupos de famílias, tratando
em termos de graus de parentesco. -as
A Linguística feita nessa época costuma
ser chamada de Linguística Comparativa
e Histórica (Robins, 1979: 132-160). Cham
a-se comparativa porque sua metodologia
trabalho está baseada na comparação ent de
re fenômenos linguísticos que se realizam
línguas distintas. Observando as palavras em
em algumas línguas modernas faladas na
pa, percebe-se, por exemplo, uma semelh Euro-
ança sistemática entre palavras do portugu
do espanhol, do francês e do italiano. ês,
Na fábula de La Fontaine, o Cordeiro arg
umenta com o Lobo que não foi ele quem
o ofendera; também não fora seu irmão,
já que ele não tem irmãos. Em sua répl
Lobo diz: "Não foi teu irmão? Foi o teu ica, o
pai ou senão foi teu avô." Os nomes dad
graus de parentesco são bons exemplos os aos
para mostrar, em nível lexical, as semelha
entre línguas distintas: nças

português espanhol francês italiano


pai padre pere padre
, Um e~ame mais minucioso de outras pro
priedades lexicais e gramaticais dessas
lmguas Ie_va ~ con~l~são de que há muitas
semelhanças entre elas e de que essas sem
lhanças sao sistemattcas. Por isso, há um e-
"grau de parentesco" entre elas. Compar
as semelhanças e as dife~enças entre essas ando
línguas, pode-se chegar a uma língua ante
. com base na qual essas diferentes línguas rior,
se originam. Essa língua anterior é como
ª "língua~mãe" daquelas "línguas-filhas". Assim, pel se fosse
o trab alh o comparativo é possível
~~con strmr O percurso histórico dessas líng
uas, ou seja, é possível determinar' como
m~ a ~u da através do tempo, transforma uma
o latim e a "língua-mãe" d0 rtu " ndo -se em out ras líng uas. No exemplo dado,
, ,.. . po gues, do espanhol, do frances ,.
e do italiano que, entre
outras hnguas romamcas, são suas "língua
s-filhas".
A língua como objeto do Linguístico 79

A partir disso, pode-se chegar a d


de um ponto de vista com o qual se est~~:~onclusões: A primeira diz respeito à detenninação
que Q g@_se_o_bs._e rva nela são as sua d ce um Objeto de estudos. Estuda-se a língua só
s mu ança A d ' .
A segunda conclusão diz . ,. s. · mu ança é, então, o objeto teórico.
. , . A. d .
tespe,to aos res H Ios dessa Linguística
H1stonca. m a com O exempl o do 1at11n . · · u ac Comparativa e
. e de su , " I'
que o Iattm, por sua vez tem as s .. . · as inguas- fl lhas" , deve-se considerar
. ' ' , uns mnils" T b ~ , .
se venficar semelhanças entre O I t 1. · · nn, cm pelo metodo comparativo pode-
. a 111, o g rc g o , O ,r. · '
palavra pa,, temos estes dados: e Sdllscrito, por exemplo. Ainda com a
.
latim grego sfinsc.:rito
pater patér pitar

Comparando-se sistematicament e d d ,
do-europeu a " língua-mãe" d l . os a o~ dessas lmguas, pode-se chegar ao in-
, 0 attm e de suas "irm~ " Q · ~ , ·
históricos de uma língua . as · uais sao, porem, os reg1stros
que muitas línguas não ;~::~ o mdo-.europeu? A escrita aparece~ tardiamente, de modo
. t ra~ t am registros em documentos escntos. O trabalho do lin-
gu1s a, en . o, orna-se, um trabalho d e reconstruçao ~ de uma língua a partir dos vestígios
que e Ia d e1xa nas lmguas que del a se ongmaram.
· · · reconstrói-se a "mãe" a partir
Ou seja
de suas "filhas"
. e das. "filhas" · com
. ,de. suas "filhas " . F 01· assun ·
' o mdo-europeu, uma língua
que,. sem. deixar registros h1stoncos, foi reconstruída pelo método histórico-compa rativo.
Os lmgu1stas
. do, século XIX busc avam, comparan d o as 1·mguas, orgamza-las · · em grupos e
reconstrmr as lmguas de que os grupos se originavam.
Foi nesse ambiente de pesquisas que Saussure estudou. Seu trabalho acadêmico
versava, basicamente, sobre a Linguística indo-europeia. Seus estudos Mémoire sur !e
systeme primitif des voy elles dans les langues indo-européennes e L 'emploi du génitif
absolu en sanscrit são trabalhos feitos dentro dessa área de pesquisa. Em sua época,
Saussure foi um pesquisador brilhante. A Mémoire foi considerada por Antoine Meillet
como "o mais belo livro de gramática comparada que já foi escrito" (Bouquet, 1997:62).
Deve-se lembrar que seu autor tinha apenas 24 anos quando o escreveu.
A essa Linguística, que trabalha com mudanças que ocorrem nas línguas através
do tempo, Saussure chamou linguística diacrônica ( 1969:96). A esse ponto de vista, ele
opõe uma linguística sincrônica. Diacronia, do grego dia "através" e chrónos "tempo",
quer dizer "através do tempo", e sincronia, do grego syn "juntamente" e chrónos "tempo",
significa "ao mesmo tempo" .
Fazendo uma distinção entre dois pontos de vista diferentes de olhar para o mesmo
fenômeno , Saussure define um novo objeto de estudos para a Linguística. Contrariamente
ao estudo da mudança linguística, o ponto de vista sincrônico vê a língua como um sis-
tema em que um elemento se define pelos demais elementos. No estudo sincrônico, um
detenninado estado de uma língua é isolado de suas mudanças através do tempo e passa a
ser estudado como um sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são estudados
não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem, ao mesmo
tempo, uns com os outros. Vamos exemplificar. . . . ,,
d fábula "tinha a barriga vazia, não comera o dia mte1ro . Em seu estudo
O L obo a . . b" "
sobre os morfemas do português, Valter Kehd1 (1996:8-9) anahsa o ver o comer nos
BO lntr odu c;õ o à Linguistice

do is pontos de vista, diacrô


nico e sincrônico. Diacronica
latim edere, cujo radical é mentc , 0 verbo "c om er" vem
ed- . Como no presente do ind do
dia m com o verbo esse, no icativo suas formas se confu
latim vulgar da península Ibé n-
realizar acompanhado do pre rica O verbo edere passou
fixo cum-, que designa co mp a se
a cumedere e, a partir dessa an hia . Ass im, cum edere pa
realizaçã.o, a "c om er" em sso u
vista diacrônico o co m- de língua p~rtugucsa. Do ponto
comer não é um radical , ma de
Sincronic' amente, à medida s um prefixo.
que se deve isolar o portugu
danças históricas, essa inform ês de seu proce sso de mu-
ação a respeito da origem lat
pertinente , já que no ponto ina de ssa pa lav ra de ixa de
de vista sincrônico, os eleme ser
dentro de um mesmo recort nto s linguísticos sã o estudados
e temporal. Considerando ess
que se define em relação ao e com- um ele me nto linguíst
s demais elementos linguíst ico,
guesa , ele define-se como icos qu e fo rm am a lín gu a
um radical, já que "c om er" portu-
contextos morfológicos e~ se define em rel aç ão ao s de
que ele funciona como um mais
"comilão", "comida", e em radical, co mo em "c om ila
relação aos radicais dos de ma nç a" ,
mo em "beber", "p ita r" e "c is ve rb os da me sm a língua, co-
air".
Saussure ( 1969: 103-104)
lança mão de uma me táf or
sincronia e diacronia. A língu a pa ra faz er a rel aç ão entre
a comporta-se como o tronc
de modo que um corte trans o de um a árv or e em crescime
versal em seu lenho revela nto ,
elementos que o compõem e um a rel aç ão sin crô nic a en tre
um corte longitudinal revela os
desses estados sincrônicos. um de se nv olv im en to diacrô
nico
A pa rti r da dic oto mi a s inc
ronia e diacronia , Sa us su re
entre fatos sin crô nic os e fat de ter mi na um a dis tin çã o
o·s dia crô nic os ( 19 69 : 107-1
1~0 são de natureza_sistem 11 ). Os fat os sin cr ôn ico
ática , são gerais , mas nã o s, co-
dizer que os fatos sm crô nic têm ca rá ter im pe ra tiv o. Iss o qu
os e~tabelecem pr inc ípi os er
por_ exemplo , todo verbo po de re gu lar id ad e. Em po rtu
s~UI mo rfe ma s de mo do gu ês ,
assim c? mo tod os os su bs tan e tem po e de nú me ro e pe ss oa ,
tiv os po ssu em mo rfe ma s de
reg ula nd ad e sist~mática do gê ne ro e nú me ro . Iss o é um a
s ve rb os e dos su bs tan tiv os
~or_exe_mplo, conJugado na de ss a lín gu a. O ve rb o co me r,
pr im eir a pessoa do plu ral do
md1cat1vo, tem ~ fo r~ a "c om pr eté rit o ma is- qu e- pe rfe ito do
êra mo s" , em qu e o co m- é
de seg~n~a c?nJugaçao, 0 o rad ica l, 0 -e é vo ga l tem áti ca
,-r a é O mo rfe ma de tem
~~ do md1cahvo e o -mos po pr eté rit o ma is- qu e- pe rfe ito
e o mo rfe ma de 1ª pe sso a do
o os , po r exemplo, tem co do nú me ro pl ur al. O su bs tan
e o -s como morfiem d mo rad ica l lob-, o -o co mo tiv o
, mo rfe ma de "
a e nu me ro p 1ural. ge ne ro ma sc u 1·mo
Trata-se de um fato geral ma
dade pode ser modificad s não . .
' d imperativo, 0 qu e qu er .
dos quais se originou boa p a em um a mu an ça de língua O diz er qu e es sa regulari-
rt d b b t .
marcas de gênero númeroa e os su stantt vos do po rtu . · s su s an ti vo s d o lat . .
im , a parti.r
e E . g "
nero masculino, nú' mero sin caso. m 1ah m lobo é lu ues, po ssu em em su a mo rfo log ia .
gul ~ d d
empregada para expressar o ar e caso no mm ah.vo o pu s, . e mo o qu e lup us tem gê-
d b. suJ ·e·t
e o ~eto du. eto, por exemplo i o a or aç ao
d - ' qu e sig m.fica qu e lup us
em qu e es 1 é a fo rm a
portanto , os substantivos lat , em pr eg a-s e a fo rm a / sa pa av ra oc or re . Pa ra a funça~o
~ inos A
ro, mas nao conservaram as co ns erv ara m as ma rca upum. o pa ssa r pa ra o po
de A . I' l , .
rtu gu ês ,
. s mo rto og ica
regu1an da de dos substantiv caso. ssi m na mu d
dO l . s de gê ne ro e nú me -
t t' os lat· , : an
an ivos do português. A reg mos modificada p ça att m pa ra o po rtu gu ês es
já que p 0 d ularidade esin " . , ara um a ou tra reg '
sa
·
e ser modificada na diacronia cro mc a e po rta nto ula rid ad e do s su bs -
. ' , ge ral, ma s nã o é im pe rat
iva ,
A língua como objeto da Linguística 81

Os fatos diacrônicos s~ao nnpe .


rativ ·, . d
com o exem p Io dos subs tanf os, Ja que se impõem a, I'ingua. Contm uan o
r. l' · ivos ern latim cons tat d d
e em portu guês
mor10 og1ca de caso · Esse f:at o d e língua é . ' a-se a per a a marca
um fato de mudança lingu ística que se refere a
uma marca morfológica que está pre
outra do mesmo modo. Como as lí11guast sente e.-111 umá '.íngua, mas não. está mais presente em
. d . amb émt'' um caráter sistemático esse fato se
rea1iza em to o o sistema ' por 1·s so e1e e• tmpe • em '
. t' N tanti vo do português
t· " ta ivo. enhu m subs
tem caso e todo. s os substantivos a mos o tem p ·
I d
o se d{t a mudança ' ela realiza-
se em todo o sistema ' recobr1'nd o tud o o que é' 1ois,'fiquan
, .
lmguas. Assun, o fato diacrônic 0 e, impe . . c ass1 cado como substantivo nessas duas
- rativ o
Nao se deve pens ar que S ·
aussure acre. scen tou um ponto de vista sincrôníco
a outro ponto de vista já existe t 0 d. "
sistema e ao pens ar a sincroni·a ncom e, iacronico. Saussure, ao definir a língua como
o o estudo de um Siste .
cam inho para a red fi . _ , ma num dado momento do
tempo, abre e mçao tamb em do c9nce1·t o de d'tacroma, • que vai. ser
. a como a sucessão d d'c .
entendid e 11.erentes sistemas 1ongo do tempo. Imagmem .
exemplo, que, em cada sécu lo h .
st
ª? os, por
~ ªdo d_e lmgua. Faz-se um estudo sincr ônico
do português do século XIII d' ªJª_ um . , -
' o po1tugues do seculo x rv, etc. A d.tacroma e, entao, a
sucessão dessas sincr oni· as .
A definição de um ponto de vis ·t . " . osta
d d 1 1. ª smcromco não está restrita somente à prop obie to
r dela, define-se um novo
e umtuadmeto º, og ,ª de trabalho em ·Linguística. A parti J
de es os que e a 1mgua com 0 um sistema. Os alcances dessa definição, porém, são mais
. .
bem compreendidos na dicotomia língu a e fala.

Língua e Fal a
(Saussure , 1969 :26-2 8)
comentada muito rapida-
No item anterior, há uma definição importante que foi
Ela é importante porque é a partir
mente. Trata-se da definição da língua como sistema.
a Linguística. Ela foi comentada
dela que Saussure define um novo objeto de estudo para
tir as orientações sincrônica e
sumariamente porque o que interessava, então, era discu
as, embora possam ser estudadas
diacrônica do estudo da língua. As dicotomias saussurian
umas com as outras.
uma de cada vez, só fazem sentido quando relacionadas
e o Cordeiro. É justamente
Na fábula de La Fontaine, há um diálogo entre o Lobo
ações do Lobo que se demonstra
pela argumentação do Cordeiro e pe]as réplicas e acus
a, a argumentação é inútil por-
o tema de que contra 'a força não há argumentos. Na fábul
Lobo não entenda os argumentos
que contra a força não há argumentos e não porque o
o que o Cordeiro diz, já que, para
do Cordeiro. Suas réplicas mostram que ele entende
diferente. Assim , o que as duas
cada defesa do Cordeiro o Lobo encontra uma acusação
' a, embora cada uma delas tenha
personagens compartilham, ao dialogar, é a mesma língu
uma fala diferente.
duas maneiras de estudar
Se na dicotomia sincronia e diacronia se estabelecem
conceito de língua. Para Saussure,
a língua, na dicotomia língua e fala há a definição do
a é pa~icular: p~rtant~~ a língua é
lingua opõe-se a/al a, porque a língua é coletiva e ajc~l
, a /mgua e s1stemahca e aja/ a
um dado social e a/ala é um dado individual. Além disso
82 Introdução à Lingulstica

é assistemática. Pcssons que !'alam n mesma //11g11a conseguem comuni car-se porque,
apesar das diferentes falas. há o uso da rncsrnu l/11g11a.
Na fábula. qu~ndo o Lobo acusa o Cordeiro com a fala "Como tu ousas sujar a
água que estou bebendo ?" e o Cordeiro responde com a fala "Senhor ( .. .) encareço a
Vossa Alteza que me desculpeis, mas acho que vos enganai s: bebendo, quase dez braças
abaixo de vós. nesta con-enleza, não posso sujar-vos a {1gua", nota-se que ambos usam a
mesma língua, já que as duas falas compartilham do mesmo vocabul{t~io e das mesmas
regras gramaticais: há o uso de palavras comuns, como sujar, bebendo, agua; nas orações,
o complemento é colocado depois do verbo, como na.fala do Lobo_"tu"o~sas (verbo~+
sujar a água que estou bebendo (complemento)" e na.fala do Cordeiro nao posso SUJar
(verbo) + vos a água (complemento)"; há o uso das mesmas vogais e das mesmas con-
soantes em ambas as falas. Enfim, o Lobo e o Cordeiro falam a mesma língua porque
ambos dominam o mesmo sistema de elementos linguísticos, ou seja, palavras, ordem da
colocação das palavras na frase, vogais, consoantes, entre outras propriedades. As falas
são diferentes, mas o sistema linguístico usado para formá-las é o mesmo .
Para Saussure, o objeto de estudos da Linguística é a língua (Saussure, 1969:28),
e não a/ala, de modo que uma língua é definida como um sistema de elementos. Para
entender essa definição, deve-se definir o que é um sistema e o que são os elementos que
formam um sistema linguístico.
Pode-se definir um sistema como um conjunto organizado em que um elemento se
define pelos outros. Um conjunto é uma totalidade de elementos quaisquer. Se eles estão
organizados, isso quer dizer que um elemento está em função dos outros, de modo que a
sua função se define em relação aos demais elementos do conjunto.
Em todas as fábulas, os animais representam funções sociais humanas, por isso é
comum, em decorrência do período histórico a que as fábulas se referem, haver uma corte
em que há um rei e seus súditos. O rei, geralmente, é um leão e seus súditos podem variar
de bois a hienas e chacais . Uma corte é um conjunto organizado em que seus elementos
estão definidos uns em relação aos outros. O que faz do rei ser um rei é o fato de ele não
ser um de seus súditos, o que faz o bobo da corte ser um bobo da corte é ele não ser O rei ,
e assim por diante, na totalidade do conjunto.
Esse conjunto organizad~ e!n que um elemento se define pelos demais é um sistema
_ou sej!, uma estr~turjt.l>oâe:se definir uma língua desse ponfo devi~ ontri~
buição ~ de Saússure que definiu um objeto de estudos dentro da Linguística.
Se a lmgua pode ser estudada como um sistema, ela deve ser definida nos mesmos
t~rmos que um sistema. Portanto, uma língua deve ser definida como um conjunto orga-
rnza~o em qu~ um elemento se define em relação aos demais elementos. Deve-se, em
seguida, defimr ess~s ~!ementas que pertencem a esse conjunto da língua.
deste texto , va mos defi ntr ·
· esses e Jementos como os signos ·
, . Dentro, dos limites
,
· ·
lm-
gu1st1co s. A lmgua e, .portanto , um conJun· to de signos em que um signo se define pelos
. ..
demais signos do con•unt · o que e, um signo linguístico.
o • Deve - se, em segui·d a, defi mr
'J

_A essa al~ra do texto, repete-se o mesmo que ocorreu quando da definição de língua
como sistema no item sincronia e diacwma. .
. · A d fi . _ de signo
- d. . . . e mçao será estudada com mais aten-
çao na 1cotom1a significa nte e signilic di d d ,
_ , ª
, 'J ' o, e mo o que e1a sera tratada, agora, sumariamente.
No entanto, sem ela, nao e passivei compr d , d fi . _ s1stemá . .
, . _ . een er d e mçao hca de /íngua, justamente
porque e com a defimçao de signo que se definem os elementos linguísticos.

· , r"º 83
A língua como obíeto do Lingu,s

Um signo linguístico, como já se viu no capítulo sobre a teoria dos signosJ um.a
rela~ : ntre um c~ceito__e_t~ma~mngem acústica (Saussurc, 1969:HO). Um conceito é
~ ã 1de1a, um pensamento que serve para interprct1.Ír o mundo . Uma image m acústica é a
impressão psíquica de uma sequência articulada de sons (vogai s, consoantes e semivogais),
A palavra lobo, por exemplo, é um signo, pois nela o conceito de "mamífero carnívoro.
da família canidae, que habita grandes regiões da Europa, Ásia e Améri ca do Norte" está
associado à sequência de vogais e consoantes que forma a imagem acústica /lobo/. ~
concei1Q.. Saussure cha!_!lou _significacJo e à imagem acústica, significante ( 1969:81 ). O
significado e o significante são as duas fa~e ~dq signo linguístico.
_.,,-::---- Não se deve confundir signo com palavra, A palavra "comer", por exemplo , é um
signo, já que é fonnada pela imagem acústica /komer/ relacionada com o conceito de "in-
gerir alimentos sólidos". No entanto, essa palavra é formada por signos menores , ou seja,
os morfemas. Há em "comer" três morfemas: o radical com-; o morfema -e, que significa
que o verbo pertence à segunda conjugação; e o morfema -r, que indica que o verbo está no
infinitivo. Um morfema também é um signo,já que possui um significado e um significante.
No morfema -r, por exemplo, o significado é o conceito de infinitivo e o significante é a
imagem acústica da consoante /r/. Atenção, a imagem acústica /r / só é um morfema quando
a ela está associado um significado, o /r/ na palavra "rato", por exemplo, faz parte do radical
rat- só como uma consoante, sem ter nenhum significado isoladamente.
A língua, para Saussure (1969:23-24), é um sistema de signos, em que um sig-
no se define pelos demais signos do conjunto. Por isso, ele desenvolveu o conceito de
valor, isto é, o sentido de uma unidade , que é definida por suas relações com outras da
mesma natureza (Saussure, 1969:130-141). Em "comer", o radical só tem o seu valor
linguístico em relação aos demais radicais da língua portuguesa, como o beb- de beber, o
viv- de viver, etc.; o morfema -e, que indica a segunda conjugação, só tem esse valor em
relação aos morfemas -a de primeira conjugação e -i de terceira conjugação. Em ·'loba",
por exemplo , há também um morfema -a, só que é um morfema cujo significado é o de
gênero feminino , porque se define como feminino em relação ao morfema -o, de gênero
masculino. Além do mais, o que define um morfema como radical é a sua relação com os
morfemas desinenciais e vice-versa.
Saussure disse que na língua só há diferenças. Portanto , não só os signos se defi-
nem uns em relação aos outros, mas também os elementos que compõem os significantes,
isto é, os sons, bem como os significados. Assim, o valor do /1/ só é dado em razão de
sua oposição com o /ri, O primeiro só tem um valor dentro do sistema, porque serve para
opor signos como lata e rata. Os significados de ira, ódio, rancor e raiva ganham seu
valor dentro do sistema porque uns se opõem aos outros, cada um tem uma diferença
semântica em relação aos outros.
Pode-se utilizar a metáfora da rede para descrever esse ponto de vista sistemático.
O sistema linguístico pode ser entendido como uma rede, em que cada nó está relacionado
c_om os demais nós que formam a rede, assim como os signos que formam um sistema
linguístico estão relacionados entre si. Concebendo a língua como um sistema de signos,
Saussure (1969:23-24) define um novo objeto de estudos para a Linguística. É dess~ modo
que um ponto de vista detennina um objeto de estudos: quando se observa a língya g_o P...<l!ll.0--
o
. de vista sistemãttco, que. .se--r.coonhc.ce neln .é umlti!iliÜ(ü.ra:Es.!i.e co.Jlill!lto de relações
que as un1dades Íinguísticas mantêm entre si constitui umajàrma. Por isso, Saussure diz
- - - -- -
84 Intro duçã o à Lingulstica

que a língua é forma e não su bstan " ,·,1 t,'ssc con1.u 1110 de dife renças estabelece os cone .
cl< · ~· · . eitos
11cnto e no ' o fônico indeterminado que o apare}h .
·phn
e os sons na massa amor J•ª.do pci 1·s•11
fonador pode produzir. . . .. 1-<,,r 111 c 11101...cs·se conceito, Saussure usa uma metá" o
Parn cxp IC< ' '1 r·1inha, não é seu formato •ora
a do 1.ogo de xadrez. O quc, dc,fine o que. e um, e
nem o mate . '1
. . . , , ·u v •1lor no 1ogo, o u scJ·a sua opo s1çao cm relaçao às demna.
• •- -

de que a peça é tc1t a. mas sc . '


. , , , outras não podem. N·ao - .
eças: os mo
.
vim . . ·1·

tJod c
.
laze
·
1 c <1s , importa o rnat er'ais
P entos que e • • 1 . ,
, hrm ato . No 1in rez de memór'ia
. ,,·te IJodc-sc ate Jogar xad 1
de que a peça e, t·e1t . .
o, nem seu ,. l . ~ ' , .
,
Hl e O Vd 1OI e
. lias peças. Na lmgua, isso também oco ta,
sem as peças. O que tem te•-..}CV'lllC rre
•. , ou se·a sua diferença '
o que importa é o valor das lll~tdadses. . Jse,para os fato cm rela ção as demais. .

. · /' e /ala aussute s de língua dos fatos de fala· os


Na dicotomia mgu a _ . , '
- · d st·stema linguístico e os fatos de fala dize·
tatos de /mgu '· d'
a izem respettoaestr d',
utura O · .
m
· do Lob o com Co rde .
respeito ao uso dess~ s•s. · tema Nos ta 1ogos
· l' ,f
O
usado pelas duas personagens. Na acusaçã'
iro o que _interessa para
o estudo da língua, e o s1~t o do
Lobo "Como tu ousas suJarem~ mgms ico b b d ?" e na defesa do Cor
a agua que estou e en o. dei ro "Senhor
(...) encareço a Vossa AI teza que me desculpeis mas acho que vos enganais: .
quase dez braças abaixo de vós, nesta cor , ~ . ,
bebendo
renteza , nao posso suJar-;1os a agua,,, ? ,
de as duas personagens usarem o radical beb fato
-, na palavra ~eb end o, e um fato de lzng
enquanto é fato de fala O radical ocorrer ua,
em uma acusaçao na fal a do Lobo e em
defesa na fala do Cordeiro. uma
De acordo com Saussure (1969:27) , a dicoto . , , . . .
mia lzngua e fala e pertmente a medida
que os fatos de língua podem ser estudad
os separadamente dos fatos de fala . Con
se nessa oposição entre líng ua e fala aponta- tudo ,
se para a diferença entre um fato de líng
um fato de fala (idem:26-27), Saussure não ua e
deixa de considerar, também, as interferênc
entre os dois tipos de fatos. Para ele, uma mu ias
dança no sistema pode advir de fatos de
(idem:26-27), como as mudanças de produç fala
ão dos sons que oco rre m naf ala e alteram
sistema fônico . Só são pertinentes para o estu o
do do sistema da líng ua qua ndo interfer
diretamente nas relações internas entre seu em
s elementos sistematizados.
O aparecimento no sistema linguístico do por
tuguês dos son s pal ata is /lh/ e /nh/ e
o resultado da ação de uma semivogal li/ sob
re as consoantes /1/ e /n/. Qu and o essas
soantes eram seguidas de uma semivogal con-
/i/, elas palatalizavam-se na fala e, aos
e~s~ palat~lização passou a fazer parte do sist poucos 1
ema da língua:.fi/iu > filho; mu lier > mul
vmw > vm~a. Es~es sons palatais inte her;
um valor diferencial passando d' t· gra ram o sist em a da líng ua qua ndo adquiriram
versus manha. ' ª IS mguir· sign ·
os dife . '
rentes: ma la versus malha· mana
'
Em certas reg
Pronuncia-sem I , iões l
do país I
' ª gumas pa 1avras com /Ih/ per der am
do português nem tne u e em uga r de mu lhe r N · a palatalização.
, ' smo nessas reg1oes E por . _ · em, isso, o som /lh/ des apa rec eu do sistema
A medida que O sistema é est d d , f:
· · sse e um ato de fala que não afe tou
ça onunda da fala ela pa ud a o em suas rela ~ · o sistema.
, ,
1zngua, e e no sistema ' ssa as ocorrencias p t' I
A • çoe s Inte rna s, um a vez oco rrid a a mudan-
que 1 . . ar icu are s da
. . d
.. . e a pas sa smc rom ca /al a aos dom ínio s gerais a
Dmgmdo novamente a at ,_ t
men e, a ser con sid .
1· , · era da.
mgmStico, retoma-se ao estudoenç d
ao aos elem t 1·
. , .
examin d d. 0 s1
en os mguis ticos que for ma m o sistema
, ª ~ na icotomia significante e gno . ifi
(Saussure 196 9 7
'
ele e defimdo : 9-93 ), que
· s1g m cada (Saussure 1969·81) ser á ma .
is bem
, . , por me io a qual d
A língua como objeto da Linguístico 85

Significante e Significado
(Saussure, 1969:79-93)

Se no eS t udo da di~otomia sincronia e diacronia o conceito de língua foi estudado


rapidamente, ?~ra se~ mais ~em desenvolvido no estudo da dicotomia língua e.fala, no
estudo dessa ultnna dicotomia o conceito estudado sumariamente foi o conceito de signo.
vamos estudá-lo com mais atenção.
Em princípio, a definição de signo linguístico parece simples. Saussure define signo
como a re~_çào en~e _uma imagem acústica, que ele chamou ::úgnificante, e um coriceíto,
que O enom 1_!19~ s!gnifi-cad~ (1969:81 ). Com essa ciefin~ãode signo, ele estãbeJece ós _
_ ~~mentos qu_e formam ~ sistema da língua, de modo que a definição Oelmgua pãssa a
ser a~~IBJl-Sistema__de signos (i~n:23-24). ----------- - - -- - - - - -
- A definição de signo, porém, traz implicações no que diz respeito ao estatuto da
linguagem e a seu papel entre os fatos humanos. Há uma concepção de língua que, embora
seja consensual entre muitos falantes, está completamente errada. Pensa-se, comumen-
te, que se vive em um mundo repleto de coisas e que nos referimos a elas com palavras.
Assim, há primeiro as coisas do mundo e depois aparecem as palavras para nos referirmos
a elas. Nessa concepção, há uma relação direta entre palavras e coisas, de modo que a
língua é entendida como uma nomenclatura.
Na tradução de Ferreira Gullar, a fábula de La Fontaine começa com uma descri-
ção: "Na água limpa de um regato, matava a sede um Cordeiro, quando-, saindo do mato,
veio um Lobo carniceiro". Na história, portanto, há um regato, onde o Cordeiro mata
a sede, e um mato, de onde sai o Lobo. Entendendo a língua como uma nomenclatura,
quando lemos "mato" e "regato", o que se deve pensar é que há coisas no mundo, entre
elas matos e regatos, e que a língua serve para nos referirmos a elas, como acontece quan-
do lemos a fábula. Assim, há um regato, que é uma coisa, e a palavra "regato", que serve
para designar essa coisa; por isso, como uma nomenclatura, a língua é entendida como
uma relação entre palavras e coisas.
Com a definição de signo, Saussure demonstra que a relação não é esta, entre
palavras e coisas, mas sim entre uma imagem acústica e um conceito, ou seja, entre um
~ significante e um significado ( 1969:80). Isso implica que a língua não é uma nomenclatur~ -
• ~ ,e mas um princípio da classificação ( 1969: 17). Vamos exruninar isso melhor.

- - Sêexiste-urnmundorepleto de coisas e cabe à língua apenas nomeá-las, ela acaba


por reduzir-se a um reflexo das coisas. Desse ponto de vista, a língua não tem um domínio
próprio, pois, como um reflexo das coisas do mundo, é entendida apenas como coleção
de nomes.
No ponto de vista de Saussure isso não acontece. Antes de tudo, ao afinnar que a
relação é entre um significante e um significado (1969:80-81), a relação entre as coisas
do mundo e as palavras deixa de ser considerada na definição de uma língua. O mundo e
suas coisas passam para um domínio que está fora dos estudos linguísticos e a língua ga-
~a uma especificidade própria. Q m -significante e um significado ( 1969:8_1 l fot_:_lllª-!1!_1:!_r:!l
signo, 'llJ_e, por sua vez, é definido dentro de um sistema ( 1969:23-24), ou ~eja, um signo
ganha valor na relação com outros-srgnus~ nceito de signo traz a significação para
m
·~
-
dentro da língua e de sua estrutura. 9-q~i~~

-·--- -- - ------ - )"--- . ---


---- -- ..
s ~~~ e__ su~ ~ôes-yps
com os outros e não a relarão entre as palavras e as crusas. g~do.
'-,..

86 Introdução à Linguística

. tema linguístico, esse sistema compre


• 'fi dentro de um sts _ .
Se os signos s1gnt cam . . , . de classificaçao que, projetando-se soben,
·a um pnnc1p10 . re
de uma visão de mundo, ou seJ ' ·d om sua estrutura interna. Um conceito
. .r, _ s de aco1 o e . d d
as coisas do mundo, classt ,ca ~ d-la um determinado mo o e compreender, ou
é .
seJ· a um s1g111ficauo, uma ideta que. mo t- e . d . d as
. . J

' . . . d estar relaciona o a um meio e expressá,l


necessanamen e, , . . .. o.
coisas. Esse conceito eve, . imagem acust1ca, ou seja, a um significam
• ~ . conce1lo a un 18 ., d e.
E preciso, entao, relac,onar O . d , ,gtia }Jara língua, Jª que ca a uma delas é defin,·
do vana e 1 11 ·
Essa maneira -de ver o mun . Alé 11, do tnais se é nel~_linguagem ~ se veem os'
· · d 1gnos ' - -~ - ·- -
da por um sistema propno e s f: ·
d fi sses atos, e1e
s podem ser modificado s por _fl?.~!º delãTunso
-- - - . -- . - -~
~ os~ ~i_~~ yem_~nodifi w~ n~QQ} ísi_ço_por _me1.9_~a _hnguag.~~' mas_q~
nao quer d•~~9.!:! ~o~e T -ara as interpretações de~ ~UQ~o. E esse mundo
cabe ª-~ss.almguagem..da.!_~111 senti o p de s;~ modtfialdo por ela.
·d t do pela linguagem, que po
de sentt o, onna , artir de uma língua que se veem as coisas
Desse modo pode-se afinnar que e a P
do mundo e nao _ o contrano.
' , • Enquanto na concepção da língua como uma nomenclatura
, _ ,
são as coisas do mundo que detenninam as "coisas" da l_mgua, n~ concepçao da hn~
· · · de classi·ficaça~o é a língua que determma
como um pnnc1p10 . . as c01sas. do.mundo. Assun,
0 signo não une uma palavra e uma coisa, mas um significante e um significado (Saussu-
re, 1969:80). ,. . _ .
Essa diferença de princípios de categorização da realidade, evidentemente, nao llil-
pede a tradução de uma língua em outra, mas é justamente por sua causa que se discutem,
entre os profissionais da tradução, os graus de tradutibilidade entre diferentes línguas.
Em uma de suas acusações, diz o Lobo ao Cordeiro da fábula: "Pois então foi teu
irmão". Em francês, diz o Lobo: "Si ce n' est toi, c'est donc ton frere". No caso do português
e do francês, há uma correspondência de sentido entre os signos irmão e frere , no entanto,
essa correspondência deixa de existir se essas línguas são comparadas com o húngaro
ou o malaio. O húngaro faz a diferença entre os sexos dos irmãos, como o português e
o francês, mas também faz uma diferença entre a ordem dos nascimentos de modo que
bátya significa "irmão mais velho"; occs, "irmão mais novo"· néne "irmã' mais velha" e
h_úg,_"irrnã mais nova". O malaio não faz nem a diferença de s~xo n~m a de idade: sudarà
s1gmfica qualquer irmão, mais velho ou mais novo, homem ou mulher.

húngaro francês português malaio


irmão mais velho bátya
irmão mais novo frere irmão
õccs
irmã mais velha néne sudarà
irmã mais nova soeur irmã
' húg

r.--:---1ª-s_c;> _guer dizer q_ue o port ~


c.J mncípios de e la .fi- -;;;--..... _,unugues, o francês o h,
-~ ªº
haVeFia-prnal
da palavra fr:::: diferentes. ~ aso a fábul ~ngaro e O malaio são línguas com
na~scolhài:fa~palavra, embora ela a ~osse traduzida para o malaio, não
a. o caso do húngaro, porém nao expressasse todos os significados
' qual esco lh b ,
er, atya ou occs?
--
A língua como objeto da Línguístic~ ª}
. Saus nna ue .
. ~ . o s1 no é arhl!rário .á
efeito que motive a relação que u . ~~ ' 1ª- Cl!!..Ç_n~o há_uma relação de causa e
1 d . . -- - - ne um s1gn1 f1 cad , . . .- - - -
por exemp o, na a ha na 11nage111-acusttca - - - ; - ~ - __ ? e _!:Jm_s1gmf1ca □ te. No signo comer
,. . '
. .
antes /komer/ , o stgrnficante que 1_
form ad
ª pe 1a, sequenc ia de vogai s e conso-
rei • ,. d'
. do. A rb.1trano
signtfica
, . signific' a p eve ·t a. uma dÇuo. d treta com . ..
o conceito "comer " , 0
. . , 01 anto não m.Ot'
~ pel_o s1gmfi~ o_:_~ t_anto, s_~ssure afirma tv~ ~- O s1~nificant~ não ~ ~ÜY.a_dQ ___,
}j:_---e srgno"S refat1v ~ nente arbitrários. A ;nativa , _QL~- ~~ _ s1g,nos abs~Lu~amente ª! ?1~ s
'P~ ~ outros signos do mesmõ" si t
· ao - relativa do signo s( ema (1969
ção I elatrva e a que se estabelece entre um
· 152 155) saussure d_á doi·s exemplos
~ dessa motivaç .
1969 52 153
· - . ·
moti vado, enquanto dezeno ve O , D · 1 -, ), _Diz ele que o signo vinte não é
r--.r/ \. e. ezenove e relati vamen te motiva · do pe 1os signos
·
dez e nove e por um princípi·o d e numeração ·
\F
d · 1 , • ~
" ,
\..._,,v1 ,rt significa "dez mais nove" de d . ec,ma propno do portugues. Dezenove
dez e nove, que já fazem ~artei:ºo ~i~ue o s~gno ,d~zenove é motivado por dois signos,
, . ., ~ . ema lmgmshco do português. Com vinte não se
da a mesma coisa, Ja que nao existe . d
guns dos signos que desi nam as o signo e~edez. A mesma coisa acontece com ai-
. d _ g plantas a parttr de seus frutos. Macieira e bananeira
que. denvam _ _e maça . e banana mais · o sufi xo -ezra, . sao ~ motivad . os, mas eucalipto e'
. aqueles são re 1at·1vamente motivad · os por maçã e banana e pelo
.fretxo nao o sao,, p01s
~ 1orma cerejeira, etc., a partir de
. ogico que , em p ortu gues,
·
processo morfol e bananeira,
banana , cere1a, etc.
. ua,nd~ se f~la em signo lin uísti ensa-se na r ~ nceito com uma
imagem acusttca. Ha, orém, outras formas de expressão além da lin uístic esenho
~ n lo, é um si o, só que não é linguístico, mas vis 1. Se o significado for definido
- como um conceito e o signz can e cm o um meio de expressão que veicula esse conceito
a definição de signo toma-se mais abrangente,já que, além do significante entendido com~
imagem acústica , ela recobre outras fonnas possíveis de realizar um significante. Pode-se,
_ ~ afi rma r q~ lin uísticos são apenas um tipo particular de · na, próprio
~ n ua dentro de · · 6S--âe=s1.gnos .
. .__Ao es!ud~ signo de um modo geral, Saussurti 1969:23-24) chamou Semiologia.
Mostrou que, em sua época, essa ciência geral dos signos ainda não existia, mas precisar~i
ser criada. Sem dúvida, muitos semiólogos, em especial Roland Barthes, cuidaram de
estabele cer as bases dessa ciência no decorrer do século xx. P ra Saussure (1969:24), a
Linguística seria a ciência dos signos verbais, que, por sua vez, faria pa.i:te da Semialagia.,..
~~ d~ s signos em ~ ai. - -
Há ainda uma última observa ção a respeito do signo linguístico. Saussure (1969:84)
cha~a_ ~tenção para o caráter linear do significante desse tipo de signo. O significante
---aalíngua é uma imagem acústica , que, quando se realiza na/ala, toffua uma substância
sonora. Sendo da ordem do som, sua realização acontece no tempo, tomando a forma
de uma duração. Contrariamente aos significantes visuais, que se realizam no espaço,
os significantes sonoros, como os significantes linguísticos ou musicais, realizam-se no
tempo, de modo que dois sons só se realizam em uma sucessão.
Essa proprie dade linear dos signos da língua ~ i1:1p~rt~nte pai:a descrever as
relações que eles estabel ecem entre si. A questão da ~1str}b~1çao d~s s1gno,s e de ~uas
relações , à medida que também define um estado s_mcron~co de lu~gua, e e~amma-
da por Saussure. Elas são tratadas no estudo da dicotomia paradig ma e sintagm a
(Saussure, 1969:1 42-147 ).
88 Introdução à Linguístico

Paradigma e Sintagma
(Saussurc, 1969: 142-14 7)
. s
P ata ure ·is rchçõcs enlre os. elementos
. ,
linguísticos
f .
podct"h
.., screst•
auss , • ~ '
• d f · , distintos ~·mios defi1111 esses e1om mos. · abcleC1<4.
em d ms om mos ·· ' _
Na fübula de La Fontaine, uma parte da argumentaçao dos dois anirnaisdí· s

aos graus de parentesco: í:'.re~~.11


- Nilo importn. Guardo mágoa
de ti, que ano passado,
me destrataste, fingido!
- Mas eu nem tinha nascido.
- Pois então foi teu irmão.
- Não tenho irmão, Excelência.
- Chega de argumentação.
Estou perdendo a paciência!
- Não vos zangueis, desculpai!
- Não foi teu irmão? Foi o teu pai
ou senão foi teu avô -

Tanto os argumentos de defesa do Cordeiro quanto os de acusação do Lobo està


baseados na seleção dos graus de parentesco. Observando as orações "foi teu innão", "fo:
teu pai" e "foi teu avô", é possível verificar que as relações entre os elementos linguísticos
dependem, basicamente, de uma seleção deles, que no caso do exemplo são irmão -pai
- avô, e de uma combinação entre eles, que no caso é a sequência foi teu _ _ . Desse
modo, pode-se afirmar que a linguagem tem do· s eixos, um eixo de sele ão e um eixo de
combinação, que podem ser r rese s_ass1m: '

eixo de seleção

foi teu irrpão eixo de combinação


foi teu pai
foi teu avô

Em virtude do caráter linear dos significantes, há a impossibilidade de que os


· 1· ' · · · dos uni
na cadeia da fala. Assim, enuncia . ão
sig,nos mguist1cos ocorram simultaneamente
apos O outro, eles formam um alinhamento gue os distribui e~rela ões de combi_naÇ
t 00 ' 1· d · signos.
en re, .E1m ~ ~ :,__mentos. Há, portanto, relações de e _mbína_ção entre os qu~
A essa~ rel~ço~s, "Saussu:r~ nama de sintagmáticas ( 1969: 142), do grego syntagma,
quer dizer coisa posta em ordem" -==- ··
18..oej
·
Além das reJ açoes
~ · t , ·
sm agmaticas baseadas na combinação ha tam · , bérn re r
e11·
baseadas na se leçao ~ '
dos elementos gue são c om b ma ' Apres
' d os (S aussure, 1969:143). os tr ·
tan d o a Jgo em comum um si
.. , d . .
gno po e ser associado a outros signos . ' 5eu
por, pe lo rnen

.dos: por me10 de seu sigmific·a -'o , com seus· antommos e smommos, por meio epro·
- ~- · • . _ . _ui
A • • A • •

s1gm an__te, e?~ imagens acusticas semelhantes; e por meio de outros signos, em
cessos morfolog1cos comuns.
89
A língua como objeto do Linguístic a

Saussure, a partir do signo ensinam ento ( 1969: 145-14 7), exempl ifica cada um
desses três modos de ~ssocia ção. Por meio do signffic ado, associa -se ensina mento
ª
a
aprendizagem, educaç ao, etc. _Por meio de seu significante, associa -se ensina mento
comun s,
e/emento , lento, et~. E, por meio de outros signos, cm process os morfol ógicos
-se
ensinamento associa -se a ensinar , ensinem os, etc., por ter O mesmo radical , e associa
desfiguramento, armam ento. etc., por ter o mesmo sufixo. A essas relaçõe s entre os ele-
o,
~1entos do sistema linguís tico Saussu re chama relaçõe s associa tivas ( 1969: 145). Contud
ara se referir às relaçõe s associa tivas entre os signos, a Linguís tica consag rou o termo
p d. , . d
relações pa.ra 1gm at1cas, o gr~go pa,~adéigma, que sig1}J_:.i jÇ11~sl:>, ~empl o.
Assun, estatfelece-s e a dicotom ia paradi gma e sintagm a (Saussu re, 1969: 142-14 7),
na qual se definem , respect ivamen te, as relaçõe s de seleção e as relaçõe s de combin ação
entre os elemen tos linguís ticos.
Saussure definiu , em sentido amplo, as relaçõe s paradig máticas e sintagm áticas.
or
Para tomar operaci onais os conceit os de sintagm a e de paradig ma, a Linguí stica posteri
e
a Saussure vai precisá -los. O paradig ma não é qualqu er associa ção de signos pelo som
pelos sentidos, mas uma série de elemen tos linguís ticos suscetí veis de figurar no mesmo
de
ponto do enuncia do, se o sentido for outro. Assim, no enuncia do foi teu avô, no lugar
teu, poderiam figurar, se o sentido do enuncia do fosse outro, os termos seu, meu, nosso,
o, um, etc. Esses elemen tos constit uem um paradig ma, do qual o falante selecio
na um
uer
tenno para figurar no enunci ado. Por outro lado, no sintagm a não se combin am quaisq
elementos aleator iament e. A combin ação no sintagm a obedec e a um padrão definid o pelo
o
sistema. Assim, por exemp lo, podem -se combin ar um artigo e um nome ~. nesse caso,
artigo deve sempre preced er o nome. Em portugu ês, é possíve l a combin ação o irmão,
mas não a combin ação irmão o. Por essa razão, não se deve confun dir paradi gma com
por
língua e sintagm a com fala. Tanto um uanto mhro pertenc em ao sistema , aquele
e este por
- estabelecer os e emento s que podem figurar num dado ponto da cadeia alada
obedecer ã-uin paârão ng1do de combm ação.
A diferen ça entre as relaçõe s smtagm áticas e as paradig máticas não é a
mesma
o
que existe entre língua e/ala (Saussu re, 1969:2 6-28). Aquela s, por relacio nar no mínim
se
dois elementos linguís ticos, são um tipo de relação em que os elemen tos relacio nados
o
encontram em presenç a um do outro, já as relaçõe s paradig máticas , porque dizem respeit
à seleção entre elemen tos, são um tipo de relação em que o elemen to selecio nado
exclui
tos
os demais elemen tos da relação . Assim, as relaçõe s paradig máticas entre os elemen
linguísticos ocorrem em ausênc ia, ao contrár io das sintagm áticas, que ocorrem pela pre-
sença dos elemen tos relacio nados (Saussu re, 1969: 143). Já língua se disting ue de jàla
porque a definição de língua coincid e com a de sistema de signos e a de fala refere- se
à
realização desse sistema em um ato individ ual de fonação (Saussu re, 1969:2 7). Assim,
ta,nto as relações paradig mática s quanto as sintagm áticas estão no domíni o d ~
nao da.fala, porque dizem respeit o às relaçõe s entre os elemen tos que formam o sistema
~ . Como aja/a é uma realiza ção do sistema linguís tico, ela realiza as relaçõe s de
combinação determ inadas por esse sistema .
O segund o equívo co diz respeit o ao estatuto dos elemen tos relacio nados. Se signo
f~r confundido com palavra , as relaçõe s paradig mática s se dão entre as palavra s de uma
I' C
. ' . as d essa mgua. ontudo , essa
- smtatlc
hngu a e as relaçõe s sintagm áticas são as re 1açoes
confusão entre signo e palavra não deve ser feita. Embor a uma palavra seja um signo,
90 Intro duç ão à Linguí 5t ico

w11 signo não é, necessariamente,


uma palavra. Os-.: ~ ~ ' que
formam as Palavríl3
também são signos.
Para os vel·bos .i·egula·res do portugues, attoso e"amara (. 19g
" M ,
,. . ara a co111binação de seus ele t· . 6:65-71) dete· '
uma sequencta p ló ·
mentos mor o g1cos, que pode ser rnf
"1 ina
. [. d'
lada assim: ia 1ca l] + [vogal tem átic a] + [morf.ema de mo do e tempo] 0m,
+ [mo""
número e pessoa]. Em amaremos, . ,
por exemplo, o rad~cal e am -, a
11
erna deu.
o morfema de modo e tempo é -re vog al temática é ·a
e o morfema de numero e pessoa
morfológico a combinação [radica . é -mos. Ern n· '
l] + [voga l temat1
, . ]+[ ti d
'
+ [morfema de número e pessoa] des .
ca mo r em a e modo e tPn,IVel
creve um sm tag ma , e os ra 1ca1s d' . "'"lp
podem ser selecionados, como am-, . t ~
e seus afixos ol
com-, beb-; em -a, -e, -z; e e., sao que
podem ocupar essa posição no sintag os paradigmas que
ma.
Tanto na frase, em nível sintático, qua
nto na palavra, em nível morfológ
ser determinadas relações sintagmá ico, podem
ticas e par adi gm áti cas . Em um a
costuma-se colocar o sintagma com representação gráfica
o um eixo horizontal e o pa rad igm
vertical. Assim, na frase João ama a como um eix~
Teresa e na palavra am are mo s, há
sobre o qual se dispõem os elemento um eixo horizontal
s linguísticos combinados em um sin
verticais, para cada posição do sintag tagma, e há eixos
ma, sobre o qual se dispõem os ele
que podem, por meio de relações par mentos linguísticos
adigmáticas, ocupar essa posição.
Esquematicamente, pode-se repres
entar os exemplos assim:

paradigma
João '\
ama Teresa
Raimundo odeia Maria sintagma
Joaquim admira Lil i
assiste J Pin to Fe rna nde s
cigarro
cho col ate
paradigma
.~am .~re
·"ª ,,.mos
beb e ria s --
sin tag ma
par i i sse is

Esse exe lo mostra que tanto a


ocorrem em todmp os os ni've · d , 1 ~
1s s re açoes paradi.gmáticas quanto as , .
disso, é preciso notar que a 1mgua · 0 d sintagmaticas
, · . os sons, 0 dos morfemas, o das
mvel a que pertencem · sonos e1em ent palavras. AI'e!ll
,· os 1mgms ' t· ,
icos so contraem essas relações den do
morfemas com morfem· . . s re,1acionam-se pa d' ,· . tro
ra tgmatw
mata poderiam figurar os as, pa1avras com pala
s b p
a e sm tagma ticame nte com son s·,
outro lado há regras m •t ons I'. ' r, vra s. or exemplo, no lugar inicial da pa lavra
' k, d, etc. Esses sons constituem um paradi
combinar em portuguêsu1emo estnta s
. ~ de ~om b'~~açao ~ gma. Por
no nível dos morfemas e da posl1çao dos son s: por exemplo, não se po de
pre-vocaltca os sons k, b, d. A me
s pa avras. sma coisa ocorre
A líng ua com o objeto do ling ufst
ico 91

, . .
Em bor a Sau ssu re defina as rela ções· pat.a d.igmat1c as e smt agmáticas bas ica me nte em
. , t· I d a
tennos 1mg ms 1co s, e as po em ser dete n111·na d as em outros sistemas de signos. Ou seja · '
. . _ d' . .. . . .
e ,ar Linguística.
dicotomia pa, a rgma e sm tag ma val 1 a out1 as sem1ologias além da . · ·
os de sem iolo ; Ba1.t·I1es discute ess a apl ica ção dos doi s eix os
·
E_m seu s E/em ent . . g a,
s em out ros sist em as de sig nos alé m da lf n~L~a ( 199 2:61-91 ). Entre eles, Bar the s
de relaçoe eiç ão e ves tu, · ( . . .e1ç_ao, o eix . o smt. agmat1 , . co des cre ve a
a ref O ano 199 2 6 7). Par a a 1ef
comen t
. .a _ . -
os ~ . sto + pratos frio s+ pra tos
sequencia em que os pra tos. sao ser vid , com o a sequencia ant epa
. Os tipo s de ant epa st os, pratos fno · s pratos quentes e sob rem esa s que
quentes + sob rem esa - des
, ·ca sao ' cnt• os pelo eix • o parad1·gmat1 , ·co.
ode m ocu par os lug are s da
. seq uên cia si n tagmat1
P , . . b' - das div • ers as peç as de rou pa
de
Para o ves tua no, o eix o sm tag má tico scr eve a com ma•çao . s de cal ças , cam1sa • ,
soa (ca lça cam i·sa ·
ia, etc )
.. Os div ers os tipo
usadas por um a pes . , , me
e sel eci ona r um , per ten c em ao eix · o par ad'1gma·t·1co.
etc. , dentre os qua is se _ pod .
N. oss o tex to nao .ter mm a com saussure. uas pro pos tas for
s am com ent ada s e de-
· os exp or ape nas os
senvol.v1das por out ros. lmg uis _ tas · De. n tr e ess es d ese nvo lvn nen tos , vam
tiva me nte ,
os.d e du~ la art icu laç a_o da hng uag em e de norma, desenvolvidos, res pec
conceit
iu.
por Andre Ma rtm et e Eu ger no Co ser

da lin gu ag em
Ma rti ne t e a du pl a ar tic ul aç ão
(Martinet, 1978: 10- 17)
com par ti-
pes qui sas que Saussure, poi s am bos
Ma rtin et est á na me sm a trad içã o de trat ar da dup la
da con cep ção sis tem átic a de líng ua. De sua s pro pos tas , vam os
lham ida a nat ure za dos
t, 1978: 10- 12) ,já que nela é dis cut
articulação da lin gua gem (M art ine
elementos ling uís tico s. ent e aiticulada. O que que r diz er isso ?
ma que a ling uag em é dup lam
Martinet afir ca
e-s e ent end er o que é arti cul açã o. Em latim, a palavra articulus signifi
Antes de tudo, dev se
, me mb ro" . Por tan to, qua ndo se diz que a língua é arti cul ada o que
"pa11e, subdivisão
dad es ling uís tica s são sus cet íve is de ser divididas, seg me nta das , re-
quer dizer é que as uni doi s
dad es me nor es. Par a Ma rtin et, tod o enunciado da língua articula-se em
cortadas em uni dad es
iro , arti cul am -se as uni dad es dot adas de sentido. A me nor des sas uni
planos. No pri me pod e
am ado mo nem a pel o ling uis ta francês). A frase Os lobos andavam
é o morfema (ch lob-,
nos seg uin te:; mo rfe ma s: o, arti go definido; -s, mo rfe ma de plural;
ser segmentada rfe ma
nifi ca "gr and e ma míf ero car nív oro da família dos can íde os" ; -o, mo
radical que sig inh ar'' ;
; -s, mo rfe ma de plu ral; and -, radical que significa "da r passos, cam
de masculino ma mo do-
a que ind ica que o ver bo per ten ce à prim eira conjugação; -va, mo rfe
-a, morfem sso al que
ind ica pre téri to imp erf eito do indicativo; -m, mo rfe ma núm ero -pe
~emporal que O as uni dad es
3ª pes soa do plu ral. Ess a é a pri me ira articulação da linguagem. Nela,
indica a o e de sig ni-
ada s de ma téri a tôn ica e de sen tido , ou seja, são com pos tas de significad
são dot me nor es dot ada s
nte. Por tan to, nes se pla no, enu nci ado pod e ser recortado em unidades
fica 0
. Ca~a um a
tido , ou seja , mo rfe ma s, pal avr as, sintagma~ (combin~çõ~s _de palavras)
de sen pod e com bm ar- se
sas uni dad es pod e ser sub stit uíd a por out ra no eixo parad1gmat1co ou
des .
. . .
corn outras no eix o sin tag má tico . tur no, arti cul ar-s e, d1v1d1r-se , em um dad es m~ nor es
Cad a mo rfe ma pod e, por seu
es são os fonemas. O mo rfe ma lob
- pod e arti cul ar-
desprovidas de sen tido . Ess as uni dad
92 Introdução 6 Linguístico

se ~os fonemas /1 /, /oi e /b/: E_ss~ é a se~nda articulação d~ li~guagem. Nesse plano
umdades têm apenas valor distmt:Jvo. Assim. quando se subSt:Jtm O IV do morfema lob. :
/b/ se produz um outro radical, bob-, que aparece na palavra bobo. Pr
A dupla articulação da linguagem é um fator de economia linguística. Co
· ~ ~ l lll Pou
cas dezenas de fonemas , cujas possibilidades de com bmaçao estao onge de ser t ·
·
exploradas em cada 1íngua, fonnam-se D11lhares de um.dades de pnmerra . · odas
articula ,
Com alguns milhares de unidades de primeira articulação forma-se um número ilin-. -Çao.
. . •ultado
de enunciados. Se os homens produzissem um som diferente para expressar cada um d
suas experiências ou para designar cada elemento da realidade teriam uma sobrec ª e
na memória e, além disso, o aparelho fonador não ~eria c~paz de emitir a quanti:!:
de sons diferentes necessários para isso nem o ouvido sena capaz de apreender todas
essas produções fônicas.

Coseriu e a noção de norma


(Coseri u, 1987 : 13-85)

Coseriu reformulou a dicotomia ~aussuriana /i11g11a cJêda. De acordo com Saus-


~ure, a li11g11ü é um illh.'ma de ~1gnos e a fala e a rcali,açào dc;sc si._s~a, de modo --
que a lí11g11a tem uma naturen ~ocial e ,, falo . um:1 natu~c,a indiv id ual. No entanto,
quan-dosc presta atcnç)o na _Taía. "i: po~~i, d di:h:nmnar fonnas de rea lização que não
são de natureza indi, idual. ma~ t:1111hcm nfo ,lll rc:.ali,udus por todos os fal antes de
uma mesma língua. Os diferente~ :--ot~1que~. t \ u~o de: \ ocabulários próprios de alguns
grupos soc iais, a presença ou não de- concord:incu~ , erbais e nomina is, etc. caracterizam
modos de realização linguística que n:lt\ ~do propnos nem de um só indivíduo nem de
todos os falantes de uma língua. mas carncterizam , ariantes linguísticas de uma mesma
lí11gua . Como a dicotomia lingua i!_{t.1/u define seja um domínio soc ial comum a todos
os fa lantes, seja domínios indi\'iduais específicos, não há um modo de utilizá-la para um
estudo das variantes linguísticas, que não penencem nem a esse domínio social comum
de todos os falantes de uma mesma língua nem são próprias de um só falante.
Para descreYer essas variantes, Coseriu propõe que a dicotomia língua e/ala seja
redefinida para sistema versus norma versus fala, de modo que as variantes linguísticas
sejam descritas nos domínios da norma. Na tríade proposta por Coseri u, aja/a continua da
ordem do individual. mas o conceito de língua é modificado. Ele afirma que "a língua, no
sentido amplo do 1enno, não é apenas sistema funcional, mas também realização nonnal"
( l 98 7:54). O sisrema funcional coincide com o conceito de língua de Saussure, no entanto,
o que Coseriu chama lingua é o sistema articulado com suas normas, ou seja, com su~
variantes linguísticas. Assim, o conceito de língua, para Coseriu, abrange o sistema, que e
do domínio de todos os falantes de uma me_sma língua, e as normas, que, como variantes
desse sistema, são do domínio de grupos sociais, regionais, etc.
Vamos exemplificar com o sotaque. A consoante /ri tem, em português do Brasil, pelo
menos três variantes quando ocorre em final de sílaba. O !ri de "'porta", por exemplo, pode ser
pronunciado como os paulistas. corno os paulistanos ou como os cariocas. Assim, enquan:º
o m é uma consoante que pertence ao sistema da língua portuguesa, as suas variantes estaº
nos domínios de três nonnas regionais diferentes: a paulista, a paulistana e a carioca.
A lfnguo como objeto da Lingu fs tica 93

di ató pi cas, qu e di ze m
Cose ri~ deten ni 1.1a q~iatro tipos de varia ntes lingufsti cas: as
, que conce rne m às va ri a ntes
respeito às varia ntes regio nais do uso da lfnguu; as diastráticas
que dizem respe ito às vari a ntes /
de uso de difere ntes ~po s socia is de falantes; as dinln sicus,
ônica s, qu e conce rne m às ~
em situaç ões de uso fonna l ou infon nal do discu rso; e as diacr
ce m em deco rrênc ia da faix a
diferenças lingu ística s que, em um deter mina do grupo , apare
s, as varia ntes diacr ônica s são
etária dos falan tes. As varia ntes diató picas são geogrMicu
históricas e as varia ntes diast rática s e diafá sicas , socia i s.
um~ ~ocio lingu ísticy
Com o conc eito ~e nonn a, ~s estud os li~gu ístico s funda m
fatores socia is, geog ráfico s e
que observa com atenç ao as relaç oes entre a lmgu a e os
históricos que deter mina m sua realiz ação.

Bibl iogr afia


s.\RTHES, R. Eleme ntos d e semio logia. São Paulo: Cultrix, 1992.
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geral. 8" ed ., São Paulo : Martin s Fontes, 1978.

SAUSU RRE. F de. Curso de linguí stica geral. São Paulo: Cultrix, 1969.

Sugestões de leitu ra
Evide ntem ente, a prime ira suges tão é o Curso de lingu ística
geral. Há uma tradu ção
longo do nosso texto , marc a-
do Curso em portu guês, publi cada pela edito ra Cultr ix. Ao
itos que busca mos discu tir.
mos as págin as em que, nessa ediçã o, estão expo stos os conce
não tratam os neste
Reco mend amos tamb ém a leitur a da obra de autor de que
sauss urian os. A leitur a de
capítulo, Louis Hjelm slev. Ele discu te e repen sa os conce itos
cer subsí dios impo rtante s
Hjelmslev não é fácil , mas, se for feita com atenç ão, pode ofere
lingu agem , dentr o do obj eto
para qualq uer estud ante que queir a dedic ar-se aos estud os da
portu guês são Prole gôm enos
teórico definido por Sauss ure. Suas obras tradu zidas para o
ª uma teoria da lingu agem e Ensa ios lingu ístico s, amba s
da edito ra Persp ectiv a.
enda mos o livro Lin-
Para um estud o das relaç ões entre língu a e di scurso, recom
guagem e ideol ogia, de José Luiz Fiorin , da edito ra Ática.
Nele, o autor, alé m de discu tir as
discu rsiva da lingu agem ,
relações entre lingu agem e ideol ogia nos domí nios da dime nsão
nos domí nios da língu a.
faz uma análi se do que é sistem ático e do que é di sc ursiv o
l
94 Introdução à Linguística

Gostaríamos de recomendar, ainda, o Dicionário de linguística, organizado


Jean Dub01s . e o D·1cwna
. et a//i, da ed'1tora Cu1tnx, . enctc
· ' rw ·~
-' c1encia
. /ope'd·tco uas s da/'Por
, . ln-
guagem, de Tzvetan Todorov e Oswal d Ducro t, da Editora Perspe ctiva. Qualquer dúvid
seja de tenninologia , seja de campo da pesquisa linguística, pode ser resolvida, em part:,
com uma consulta a essas duas obras. '

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