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NEM “CABRA MACHO”, NEM “PARAÍBA MASCULINA”: DISCUTINDO

TRAVESTILIDADE E REGIONALIDADE EM PESPECTIVA


INTERSECCIONAL
Juciana de Oliveira Sampaio1

Resumo: Analiso como se interseccionam os marcadores sociais da diferença gênero, sexualidade e


regionalidade. Tenho como foco experiências de travestis do Nordeste brasileiro que se destacaram
em espaços heteronormativos, a despeito dos estereótipos criados sobre a região como machista,
patriarcal e conservadora. Discursos apontam o “pioneirismo” como elemento relacionado às
travestis nordestinas: Janaína Dutra, Canindé/CE, primeira travesti advogada no país; Jovanna
Baby, Picos/PI, uma das idealizadoras do ENTLAIDS, considerada impulsionadora do movimento
de travestis nacional; Luma Andrade, Morada Nova/CE, primeira travesti brasileira a obter o título
de doutorado; Keila Simpson, Salvador/BA, primeira travesti a presidir o Conselho Nacional
LGBT; e Kátia Tapety, Colônia do Piauí/PI, primeira travesti eleita para cargo político. Proponho
um olhar para além dos arranjos binários de gênero e uma investigação de discursos que
naturalizam valores relacionados ao Nordeste, como região que nega a feminilidade ao criar homens
machos e mulheres virilizadas e enunciados que fortalecem tipos como o sertanejo, brejeiro,
coronel, caboclo, beato, cangaceiro e retirante, discursos regionalistas que localizam o falo como
significante central na forma de ser do nordestino (Albuquerque Jr, 2003).
Palavras-chave: Travesti. Nordeste. Interseccionalidade.

Ainda em vida, Janaína Dutra (1960-2004) despontou no cenário nacional como a “primeira
travesti advogada no Brasil”, algo um tanto incomum no tocante a experiências de travestis
brasileiras, segmento historicamente alijado das instituições escolares e do mercado de trabalho
formal. Janaína nasceu em Canindé (CE), reduto de fiéis romeiros de São Francisco das Chagas,
portanto, cidade fortemente marcada pela religiosidade. Adolescente, migrou para a capital do
Estado, Fortaleza, onde cursou Direito. Mesmo não tendo exercido a advocacia por toda a vida, sua
imagem permanecera fortemente ligada a essa profissão. Janaína Dutra, mais uma vez contrariando
estatísticas, manteve estreitos laços familiares até o fim da vida e falava com orgulho que recebia
apoio incondicional dos seus pais. Apesar de ter sido uma advogada travesti e não uma travesti
advogada – Janaína conseguiu filiação à OAB antes de construir para si uma identidade travesti – o
“pioneirismo” na advocacia é um elemento presente em vários discursos a seu respeito.
Minha tese de doutorado tem como foco a trajetória de Janaína Dutra. Durante um período
da pesquisa, ainda em andamento, algumas notícias sobre outras “travestis pioneiras” chamaram
minha atenção. No ano de 2012, Luma de Andrade, que também é do interior do Ceará, defendeu

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Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão
(PPGSoc/UFMA), São Luís, Brasil. Professora de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Maranhão – IFMA, Caxias/MA, Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2012. ISSN 2179-510X
sua tese de doutorado e era retratada como a “primeira travesti doutora do Brasil”. Ao mesmo
tempo, a diretora Karla Holanda estava produzindo um documentário sobre a piauiense Kátia
Tapety, “primeira travesti a se eleger a um cargo político no Brasil”. Ainda nesse ano, a maranhense
erradicada na Bahia, Keila Simpson, havia sido eleita a “primeira travesti presidenta” do Conselho
Nacional LGBT da Presidência da República. Lembrei ainda de outra nordestina, Jovanna Baby,
considerada uma pioneira na mobilização social de travestis no Brasil. Aos poucos fui fazendo
relações entre travestilidade e regionalidade com o elemento pioneirismo. Adentrando espaços
marcados pela heteronormatividade, essas travestis relatam histórias de discriminação e superação.
No presente trabalho, reflito e discuto ideias acerca dos estudos feministas e de gênero em
uma configuração teórico-metodológica que intersecciona o gênero com outros marcadores sociais
da diferença. Essa perspectiva é orientada pelos estudos pós-coloniais e subalternos e pela
concepção de colonização do saber/poder. A partir dessas referências, é possível perceber o gênero,
a raça, a sexualidade, a região e outros marcadores como produções histórico-sociais que se
constroem e se reproduzem em meio a estratégias de saber/poder e esquemas hierárquicos.
Caminhando com essa problematização, a própria noção de identidade, de gênero, de
sexualidade e região atravessam um processo de criticidade, de forma a desestabilizar concepções e
epistemologias legitimadas. Esses elementos, longe de refletirem uma essência estanque, são
pontualmente fabricados em meio a discursos que produzem efeitos de verdade (Foucault, 1998). A
desconstrução da identidade (Hall, 2011), do sexo/gênero (Butler, 2003) e da regionalidade
(Foucault, 1979; Albuquerque Jr, 2001, 2011; Said, 2007) já foi empreendida por diversos autores.
Esse trabalho se encontra na esteira desses estudos e lança um olhar interseccional (Brah, 2006,
Piscitelli, 2008) para a configuração escolhida como foco de análise.
Não é um trabalho sobre os sujeitos travestis e/ou sobre o Nordeste. Problematizo conceitos,
imagens, enunciados, práticas e estratégias que dão forma e coerência a essas construções
identitárias e espaciais. Não separo as dimensões subjetivas das discursivas, mas as relaciono. Nas
experiências estudadas, a identidade de gênero aparece estreitamente relacionada à identidade
regional. A região, assim como o gênero, é institucionalizada, performatizada, repetida a exaustão,
uma abstração com efeitos de verdade. É interessante perceber como esses discursos se cruzam,
como o gênero em intersecção com a regionalidade é produzido nos discursos sobre essas travestis
pioneiras.
O Nordeste como construção histórico-discursiva

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A partir de uma perspectiva de estudos que problematiza a produção histórico-social de
regiões geográficas, o Nordeste é aqui entendido como uma configuração de saber/poder, uma
espacialidade que foi constituída como homogênea, coerente, o “Outro” do Brasil (Foucault, 1979;
Said, 2007; Albuquerque, 2011). De acordo com Foucault (1979), qualquer questionamento sobre
noções geográficas envolvem conceitos de saber, poder, ciência, formação discursiva, épistemè.
Metáforas espaciais (posição, deslocamento, lugar, campo) e metáforas geográficas (território,
domínio, solo, horizonte, regiões e paisagens) não são noções “verdadeiramente geográficas”. Desta
maneira, a região é uma noção jurídico-política, fiscal e administrativa controlada por um poder.
Ainda segundo Foucault, quando falamos sobre noções geográficas, a história não deve ser negada,
uma vez que o espaço não é algo fixo, morto e imóvel.
Uma das estratégias que se desdobram no estabelecimento das fronteiras territoriais é a
constituição de uma identidade. Os indivíduos, afirma Foucault, não são dados sobre os quais se
exercem e se abatem o poder. As regiões, assim como os indivíduos, com suas características e suas
identidades tidas como fixas são produtos de uma “relação de poder que se exerce sobre corpos,
multiplicidades, movimentos, desejos, forças” (Foucault, 1979, p. 161-162).
Edward Said (2007), em seu célebre livro Orientalismo: o Oriente como invenção do
Ocidente, investiga como o Ocidente construiu uma imagem do Oriente como o "Outro", dentro de
um processo de diferenciação que corroborava com os interesses do colonialismo. Ao se referir ao
Ocidente e Oriente como espaços antagônicos do globo, Said frisa que nenhum dos dois termos –
“Oriente” e “Ocidente” – possuem estabilidade ontológica. São rubricas falsamente unificadoras e
vêm acompanhadas de identidades coletivas inventadas. Seguindo a perspectiva de Foucault, Said
examina o Orientalismo como um discurso, no qual existe uma intricada relação entre o
conhecimento e poder. Longe de ser um dado inerte da natureza, o Oriente, bem como o Ocidente,
nem sempre esteve ali. Desta maneira, o autor problematiza a noção de geografia, entendendo-a
como uma entidade cultural e histórica a respeito dos lugares.
Albuquerque Júnior (2011) estendeu essas considerações para a análise do Nordeste
brasileiro. Utilizando o esquema analítico de Said e Foucault no livro A invenção do Nordeste e
outras artes, o autor pesquisou como a região foi inventada a partir de enunciados repetidos com
regularidade, produzindo um “efeito de verdade”. Ao afirmar que o Nordeste é uma invenção
recente, datada do início do século XX, historiciza a estratégia de espacialização que imprime
sentido homogêneo à ideia Nordeste. Isso não quer dizer, no entanto, que as falas sobre o Nordeste
são apenas estereotipadas e mentirosas e que caso elas fossem retiradas, uma realidade verdadeira

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sobressairia. Essas falas são produtivas, subjetivadas, criam uma realidade e instituem uma
“verdade”, ao invés de escondê-la.
“Aqui não tem disso, não”: ser travesti no Nordeste
Falar da emergência do Nordeste implica falar da construção de uma subjetividade
nordestina. O/a nordestino/a é também produto de determinadas relações de poder e saber, na qual
se cruzam elementos regionais e de gênero. Na construção do/a nordestino/a, a masculinidade se
estabelece em rígida oposição à feminilidade, quer a partir da sociologia e historiografia regionais,
que a partir da literatura, da música e/ou das declarações de autoridades políticas e intelectuais.
Afinal, “o nordestino é macho. Não há lugar nesta figura para qualquer atributo feminino. Na região
Nordeste, até as mulheres são macho, sim senhor!” (Albuquerque Jr, 2003, p. 20).
Albuquerque Junior (2003) afirma que a masculinidade é um elemento definidor da
identidade dos habitantes do Nordeste. A construção da figura do/a nordestino/a como
marcadamente masculina se constituiu em meio a reações à “feminização” da sociedade em finais
do século XIX, período pelo qual a sociedade local passava por grandes mudanças, crescimento das
cidades como um espaço não-familiar, quebra de hierarquias garantidas pela escravidão e
monarquia, transformações causadas pelo advento da República, abolição, industrialização,
modernização cultural e técnico-científica. Nesse sentido, as elites locais traduziam essas
transformações como uma ameaça à figura do homem, do pai. O nordestino, portanto, deveria ser
“macho por excelência, com a capacidade de revirilizar uma região que precisava reagir; região
estuprada e penetrada por interesses e valores estranhos” (Albuquerque Jr, 2003, p. 163).
Apesar de ter sido construída uma imagem de “macho por excelência” para o nordestino,
alguns discursos colocam em cheque características relacionadas à masculinidade, como a energia e
a vitalidade, abaladas devido às austeras condições climáticas da região. Entretanto, o nordestino é
capaz de ter uma reação viril para enfrentar as adversidades, deixando de ser indolente para ser
valente, um homem que não permite a desonra. A retórica de retomar a masculinidade e eliminar a
feminilidade aparece como elementar na composição da identidade regional e da própria região,
devido à hostilidade de sua natureza, requerendo a coragem e o destemor. Daí é possível explicar a
existência das “mulheres machos”, das “Luzias homem”, das “paraíbas masculinas”.
É nesse cenário povoado por homens virilizados e mulheres masculinizadas que as travestis
aqui analisadas surgem. À primeira vista, pode parecer inconciliável que homens em uma região
que estimula e valoriza a masculinidade possam se aproximar de elementos da feminilidade e
reivindicar uma existência feminina, conquistando relativo sucesso ao se tornarem “pioneiras”, seja

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na política, na militância, no bacharelado ou na produção do conhecimento científico. O argumento
desenvolvido aqui é que não há incompatibilidade entre a existência de travestis e os tipos de
nordestinos/as que foram construídos como centrados no falo, mas que possivelmente o relativo
sucesso e atuação dessas Janaínas, Jovannas, Keilas, Kátias e Lumas tenha se dado devido a
peculiar feminilidade cultivada e aceitável no Nordeste, onde elementos masculinos que as
impulsionam para o “desbravamento” compõe a feminilidade performatizada. Além do mais, a
própria noção de que a masculinidade é um elemento central na composição da identidade regional
deve ser flexibilizada, uma vez que os sujeitos estabelecem constantes negociações com essas
expectativas e com as normas de gênero. As identidades não são compostas como um núcleo, onde
um elemento se sobrepõe aos demais. Os contextos sociais, históricos, culturais e geopolíticos
formam subjetividades múltiplas e complexas, formando um nó na constituição identitária.
As características relacionadas à masculinidade são comuns entre as travestis analisadas,
sem que isso abale a feminilidade. Ao mesmo tempo em que remetem às normas, questionam a
lógica binária do gênero/sexo, ainda que involuntariamente, produzindo outras possibilidades de
“gendrificar” o humano. Os discursos de transgressão da norma nem sempre são um movimento
linear, coerente, consciente e progressivo.
As travestis “pioneiras”
Luma Andrade
Em Morada Nova (CE) nasceu Luma Nogueira Andrade. Contrariando as expectativas dos
pais agricultores e analfabetos, Luma mudou de nome e desafiou as normas de gênero. Cursou
Ciências na Universidade Estadual do Ceará, foi aprovada no concurso para o cargo de professor na
rede municipal de Morada Nova (CE) e na rede estadual de Aracati (CE), tendo sido a “primeira” e
única aprovada, é mestre em Desenvolvimento do Meio Ambiente e em 2012 conquistou o título de
doutora em Educação pela UFC, com trabalho intitulado “Travestis na Escola: Assujeitamento e
Resistência à Ordem Normativa”, no qual aborda o tratamento a travestis em escolas cearenses.
Luma pretende dar continuidade a sua carreira acadêmica, preparando-se para o pós-doutorado2.
Ressaltando o elemento “pioneirismo”, várias discursos a retratam como uma travesti que
alçou voos nunca antes atingidos. A maioria das notícias na mídia destaca o elemento “pioneirismo”
na educação, relacionando sua travestilidade à sua região. Luma é uma travesti do Nordeste que

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Informações retiradas da matéria: GLOSS! LUMA ANDRADE 1ª DOUTORA TRAVESTI DO PAÍS.
http://onixtababado.blogspot.com.br/2012/08/gloss-luma-andrade-1-doutora-travesti.html. 23 de agosto de 2012.
Consulta em 18.03.2013.

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enfrentou o preconceito no âmbito escolar e viu na escolarização formal uma maneira de superar a
discriminação advinda do rompimento com as normas de gênero.
A atuação de Luma no meio acadêmico, tornando-se evidente na coordenação de Grupos de
Trabalho em eventos científicos de nível internacional (Fazendo Gênero 2013 e Desfazendo Gênero
2013), rompe o que Berenice Bento (2011) falou a respeito do fazer ciência e fazer política no
tocante à produção científica sobre travestis e transexuais. Para ela, as/os pesquisadores (não
travestis e não transexuais) engajam-se politicamente após a realização de suas pesquisas,
diferentemente do que ocorre com mulheres e negros nos estudos de gênero e raciais,
respectivamente. A autora estabelece essa diferença sem chamar atenção para o fato de que
historicamente não são dadas condições para travestis/transexuais terem sucesso na educação
básica, quiçá na produção de conhecimento científico. O “pioneirismo” – e acrescentaria
“exclusivismo” – de Luma nesse espaço relegado a pesquisadores solidários com a causa trans, ou
no termo usado por Bento “travestis políticas/os”, configura-se também nesse sentido. Luma é uma
estudiosa travesti sobre travestis, uma produtora de conhecimento que tem na sua experiência uma
mola propulsora para seu trabalho científico. Nesse ponto, talvez coubesse a problematização sobre
até que ponto falar em “travestis ou transexuais políticas/os” compactua, de certa forma, com a
impossibilidade de fala do subalterno.
A existência de uma travesti com pós-graduação chega a ser vista com excentricidade de tão
rara. A história de Luma foi apresentada no programa televisivo Fantástico, no quadro O curioso.
Para compor o cenário excêntrico visivelmente pretendido, o repórter posicionou-se na entrada de
Russas (CE) e a apresentou como “o primeiro travesti no Brasil a chegar ao doutorado”,
deflagrando, ao tratá-la como pertencente ao gênero masculino, incompreensão sobre experiências
de travestis. Nessa matéria, Luma prioriza a divulgação da ideia de que há outras possibilidades de
vida para as travestis brasileiras além da prostituição, afastando-se de uma imagem estereotipada.
Ela afirma que a travesti pode ser inteligente e se inserir na sociedade, o que significa se adequar às
normas sociais, apesar de desestabilizar as normas de gênero. Essa inserção se daria pela educação
ou qualquer outra atividade que não a prostituição, negativando essa atividade.
Kátia Tapety
Kátia Tapety, travesti nascida no Piauí, tornou-se relativamente conhecida no cenário
nacional devido ao seu “pioneirismo” na política. Analiso aspectos da sua história a partir do
documentário Kátia (2012), da diretora Karla Holanda, e de algumas matérias jornalísticas
publicadas. O documentário, logo no início, nos informa a respeito de concepções de gênero que

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permeiam a vida da personagem principal: “O homem que vai ser veado tem que morrer”, repetia
Bastim Tapety, o pai de Kátia. A sequência de imagens encarrega-se de transmitir a mensagem do
lugar em que Kátia vive: vegetação seca, estrada com asfalto cheio de buracos, cidade pequena,
muitas motos e bicicletas, poucos carros, animais conduzidos por trabalhadores/as rurais, sendo
Kátia uma delas, apresentando a vida de uma camponesa no sertão do Piauí, lugar difícil de viver.
Colônia do Piauí, onde reside Kátia, é um município do sertão do Piauí com apenas oito mil
habitantes. Porém, não é somente por isso que Kátia é conhecida por todos. Sua família é
tradicionalmente relacionada à política do estado e a própria foi vice-prefeita e vereadora mais
votada do munícipio por três vezes. Todos parecem reconhecer a feminilidade reivindicada por ela,
com exceção dos irmãos que a chamam de Zezão. A própria Kátia frisa: “Tem homem muito macho
no Piauí, mas todos me veem como uma senhora, não me veem como ‘ó o veado!’. Eles me
respeitam: ‘ali é dona Kátia, a vice-prefeita, é casada, é mãe de filho’”3.
Muitas referências à Kátia chamam atenção para o fato dela ser uma “pioneira” no Nordeste.
Ela mesma reafirma sua vitória: “Se criar num sertão desse... tá vendo aqui o sofrimento, tá
vendo?”. Em certo momento do filme, um morador da cidade de Oeiras (PI), município vizinho à
Colônia do Piauí, faz um comentário para a equipe de gravação: “A pessoa que luta num lugar
como esse, vir de uma família tradicional, pra ter força do jeito que ela teve. É muito difícil a pessoa
conseguir e ela conseguiu vencer no meio de um sertão desse aqui. A gente de vez em quando vai lá
[Colônia do Piauí] e vê como é a coisa lá. É muito linda a história dela”.
Em algumas matérias Kátia é o próprio Nordeste: “A história da personagem do filme
confunde-se com a do próprio Nordeste, região inventada no início do século passado, sendo
marcada por estereótipos, uma vez que o sertão é associado ao atraso tanto cultural quanto
tecnológico”. A matéria ressalta o caráter de construção da região e da história de Kátia, mas a
compara com “atraso cultural e tecnológico”. Continua com a analogia entre Kátia e a região: “Tal
qual o Nordeste, de chão vermelho arenoso, Kátia Tapey aprendeu a se reinventar para sobreviver.
E, mais: lutar para expressar a sua real identidade, já que nasceu ‘José’, mas no íntimo, sentia-se
Kátia. No cartaz do filme, aparece de chinelos, lábios e unhas vermelhos numa estrada, como se
estivesse abrindo caminho, à frente de carros. Na realidade, Kátia Tapety não apenas abriu
caminhos para dar voz a outras Kátias nascidas no semiárido nordestino, como fez história” 4. Nessa
fala, por trás de toda essa construção de estereótipos, existe uma real identidade. Kátia e as estradas
do Nordeste abrem caminho para a inovação.
3
Disponível em : http://katiaofilme.com/sobre-katia2/. Acesso em 04 de jun. 2013.
4
Disponível em : http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1276283. Acesso em 04 de jun. 2013.

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É comum também alguns comentários sobre a surpresa da história dessa “pioneira”
acontecer justamente no Nordeste: "No mesmo sertão que a música cantou como “terra de cabra
macho”, Kátia tornou-se a primeira travesti a ser eleita a um cargo político no Brasil e uma das mais
respeitadas cidadãs de Colônia do Piauí, município emancipado de Oeiras” 5. A diretora Karla
Holanda relata em entrevista: “o fato de a primeira travesti a se eleger a um cargo político no país
vir de uma pequena cidade cravada no sertão do Piauí, foi o que primeiro me chamou a atenção”.
Ao ser perguntada sobre o papel do seu filme dentro do Universo LGBT, a diretora fala sobre a
“revelação de uma personagem travesti vista com dignidade” 6. A associação feita entre “travesti
pioneira” e “dignidade” é recorrente em relação às outras travestis apontadas nesse artigo, o que
revela a abjeção de travestis no Brasil. Ser uma travesti digna significa se adequar ao máximo ao
padrão de normalidade instituído. É não ser prostituta, trabalhar no mercado formal, constituir uma
família tradicional. Nesse sentido, Kátia é digna. Foi casada com um homem por 20 anos, adotou
três filhos, nunca se prostitui. Cabe a pergunta: a história de Kátia só é “digna” de ser narrada por
que ela é uma travesti pioneira, uma travesti diferenciada, ou seja, diferente das não dignas?
Matéria intitulada “Kátia: A luta pela dignidade no sertão nordestino” retrata Kátia como
uma travesti que desafia o conservadorismo na tarefa árdua de conquistar a dignidade no Nordeste,
deixando mais complexa ainda a relação entre travestilidade/regionalidade/dignidade. É como se a
região prevaricasse a dignidade das pessoas, notadamente das que rompem as normas de gênero,
“naturalmente” corrompida. A matéria mostra “contrastes quase inconcebíveis” entre “uma roça
maltratada pela seca” / “a vida humilde de um município” e “uma parada pela igualdade em um trio
elétrico”/ “um encontro da causa gay no Rio de Janeiro”, estabelecendo uma dicotomia entre o rural
(a roça, a seca, a hierarquia) e o urbano (a tecnologia, a igualdade), bem como o contraste entre o
Nordeste e o Sudeste. Conclui dizendo que o sertão onde Kátia mora não pode ser harmônico em
termos de respeito e aceitação da diferença. O destaque de Kátia em seu desbravamento é único: “O
tom pode parecer otimista demais de início, pintando quase que um oásis de respeito e cooperação
no meio do sertão brasileiro, mas tem um bom fechamento ao chamar atenção ao fato de que Kátia
é uma exceção na região em que vive, e até mesmo no País. Mesmo com as conquistas dos últimos
anos, a homofobia ainda existe e continua sendo um assunto que precisa de atenção” 7.
Jovanna Baby

5
http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/06/10/noticiasjornalvidaearte,3071415/muito-autentica.shtml
6
http://www.papodecinema.com.br/entrevistas/karla-holanda-desvenda-katia
7
http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/280466/katia-2012-a-luta-pela-igualdade-no-sertao-nordestino/

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Jovanna Baby é natural de Mucuri (BA), mas cedo foi para o Piauí, ficando até a
adolescência. Sua atuação nos movimentos sociais se iniciou no Rio de Janeiro, onde morou por
vinte anos. Hoje ela retornou para o Piauí e reside na cidade de Picos. Analiso a sua história a partir
de uma conversa que tivemos8 e as demais informações retiro do documentário Travestilidades e
transexualidades9. A referência para a organização do movimento de travestis brasileiro é tida a
partir da criação da ASTRAL/RJ e da organização do ENTLAIDS, com centralidade na atuação de
Jovanna Baby, apontada como “pioneira” na militância trans brasileira. “Sou a fundadora, idealizei,
convidei seis companheiras no Rio e a gente criou esse movimento que hoje tá aí em todos os
estados do Brasil. A gente criou em 1992, eram apenas seis pessoas e já decidimos, já no primeiro
ano de criação do movimento, já fizemos um encontro nacional”, afirma Jovanna, corroborando
com uma espécie de mito fundador do movimento de travestis no Brasil.
Apesar de ter ido para o Rio de Janeiro e lá ter consolidado sua atuação política, Jovanna
aponta sua criação no Nordeste e relação com a família como fundamental para o seu ativismo:
Sou nascida em berço cristão. Meu pai é pastor jubilado da Igreja Assembleia de Deus. Eu
particularmente não sofri [preconceito na família]. Mas o meu pai foi a pessoa que mais me
apoiou. Ele dizia assim: “Ah venha, mas já que você resolveu ser mulher, venha com uma
sainha mais comprida”. E os irmãos de igreja questionavam ele porque que ele fazia
questão de sair comigo. Ele dizia: “Deus disse que você tem que amar a todos como a si
mesmo” Eu, travesti, não tive condições de fazer faculdade de nível superior, mas eu fiz o
Ensino Fundamental e Ensino Médio completo, mas foi com muita dificuldade. Mas foi
muito difícil estudar, mas estudei. Graças a Deus, completei o Ensino Médio e agora Graças
a Deus, vou fazer lá na minha cidade o curso de Serviço Social (documentário).
A relativa aceitação de Jovanna por seu pai aparece relacionada à religiosidade, pelo viés da
conformação pautada no amor cristão. No entanto, o pai de Jovanna exige que ela seja uma mulher,
no seu entender, respeitável, principalmente no que tange a sua vestimenta. Ela aponta para suas
dificuldades em dar continuidade aos estudos, enquanto travesti, mas a possibilidade de cursar uma
faculdade é atribuída a Deus, talvez advinda da influência familiar.
O pioneirismo de Jovanna aparece muitas vezes relacionado às qualidades pessoais,
deixando invisível todo o jogo entre movimentos sociais e Estado, especialmente no caso do
movimento de travestis no contexto de enfrentamento à epidemia da Aids10, de efervescência de
Associações de Travestis na maioria dos Estados brasileiros e de financiamentos de projetos. Enfim,
ao afirmar que é “a idealizadora que começou tudo isso”, Jovanna aparece como descolada do
contexto social que possibilitou a atuação desses sujeitos em detrimento de um esforço individual.

8
9º Encontro Regional Nordeste de Travestis e Transexuais, Teresina, 2012.
9
Produzido pelo Nuh/UFMG – Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT, com depoimentos captados durante o
XVII ENTLAIDS.
10
Vide, por exemplo, a criação do ENTLAIDS – Encontro Nacional de Travestis e Liberados que trabalham com Aids,
configurando o que Pelúcio (2009) chama de sidadanização.

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Keila Simpson
Keila é Pedreiras (MA) e se mudou para Teresina (PI) aos 14 anos de idade porque “tinha
fascinação por conhecer cidade grande” e também porque “queira uma liberdade pra fazer o quê e
onde eu quisesse”, embora afirme que os pais não a controlavam muito (entrevista em 23/10/1211).
Essa relativa liberdade que vivenciou na infância pode ter contribuído para que ela desse vasão aos
seus desejos de experimentar ser diferente dos meninos da sua cidade, segundo relata.
A história de Keila é uma constante busca por centros urbanos que ela relaciona diretamente
à liberdade. De Teresina, ainda muito pequena e violenta devido a ação de policiais na década de
1980, foi para São Luís (MA) e depois para Recife (PE), que já havia passado por um processo de
urbanização e industrialização mais intenso do que as demais. Na medida em que Keila viaja pelas
capitais dos Estados nordestinos ela vai construindo sua travestilidade e dando corpo aos seus
anseios de transformação. O encontro com a prostituição reforçou ainda mais esse desejo de
mudança, aliado às necessidades financeiras. Ela relata a surpresa que teve quando no centro de
Recife encontrou em uma só esquina 40 travestis com o corpo siliconado e hormonizado e com a
constatação de que ganhavam dinheiro com o sexo. Entretanto, em Recife, Keila também se
deparou com a violência contra travestis e resolveu partir para Salvador (BA).
Da participação na pesquisa Don Kulick (2008) com as travestis em Salvador, resultou
grande amizade entre o antropólogo e Keila e a possibilidade dela ir para a Suécia. Já na Europa,
motivada pelas histórias de muitas amigas travestis que haviam migrado para a Itália, resolveu
passar pela mesma experiência. Depois de alguns anos resolveu voltar para o Brasil, quando firmou
seu engajamento no movimento de travestis. Depois de ter passado pela presidência da ANTRA e
pela coordenação de projetos nacionais direcionados às travestis, chegou à presidência do Conselho
Nacional de Direitos LGBT (CNCD/LGBT)12, algo inédito até o momento. O pioneirismo de Keila
é ainda mais destacado nesse ponto porque, além de ser a primeira presidenta travesti de um
conselho federal, ela foi a primeira pessoa da sociedade civil a ser eleita para a presidência.
Atravessada por hierarquias geopolíticas e por normas de gênero binárias, Keila, assim
como Jovanna e Janaína, efetuou deslocamentos espaciais ao migrar do interior nordestino para
centros urbanos maiores. Dentro do território brasileiro, o destino privilegiado que mais aparece nas
falas das travestis são as capitais do Estado onde moram ou dos Estados vizinhos e cidades do Sul e

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9º Encontro Regional Nordeste de Travestis e Transexuais, Teresina, 2012.
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Vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O Conselho LGBT, como é mais
conhecido, é composto por trinta membros, sendo quinze agentes governamentais e quinze da sociedade civil. Foi
criado em 2001 e já passou por várias mudanças desde sua concepção.

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Sudeste, em especial São Paulo. Entre países do exterior, a França figurou em primeiro lugar
durante a década de 1980, disputando posteriormente com a Itália e outros países europeus, como
Espanha. Ao percorrerem esses caminhos em busca da urbanização-modernidade-liberdade, essas
travestis estão imersas em lógicas que as percebem como retirantes a procura de uma vida menos
dura e, no caso das travestis especificamente, de uma vida de glamour.
Considerações finais
O questionamento que deve ser feito não é como foi possível que travestis tidas como
pioneiras em determinados aspectos (militância, advocacia, política, academia) surgissem
justamente no Nordeste, mas porque não poderiam existir nessa região. É necessário deslocar o foco
da questão para que a desconstrução do Nordeste e das/os nordestinas/os seja efetuada, abrindo
brechas para experiências de gênero e espacialidades outras. Não ignoro os aspectos
discriminatórios existentes no Nordeste com relação às travestis, afinal, existem muitos elementos
que apontam para dificuldades, violências, abjeções e impossibilidades nas entrelinhas das
narrativas acima, na medida em que desafiam padrões de masculinidade e de feminilidade
construídos como “verdadeiramente” regionais. Entendo, no entanto, que ficar presa a esses
discursos com forças de subjetivização que circulam no e sobre o Nordeste, reafirmando
constantemente o atraso, o conservadorismo, o machismo, acabam por edificar os sujeitos e o
espaço regional em uma posição de subalternidade, de “outridade”.
Subjacente a essa discussão de ‘pioneirismo” está a hierarquia de saberes e espaços que vão
sendo definidos ao longo do tempo. Mostrando que aqui “também” abarca o “avanço”, não
rompemos como a posição de inferioridade relegada ao Nordeste e com as construção de saberes
sobre a região. Não é suficiente negar esse lugar e a condição de ser o “outro” com concepções do
tipo “aqui também conseguimos”. Assim não saímos da lógica, apenas a invertemos.
A proposta é de lançar um olhar que complexifica a região e as identidades de gênero, ao
invés de perpetuar a imagem da seca, da miséria, do atraso, da injustiça, da ignorância, da fome. As
vozes sobre e dessas travestis pioneiras destoam desse “hino nordestino” da súplica, dos discursos
de vitimização, de discriminação, sem cair no outro extremo da total liberalização dos costumes.
Procuro desnaturalizar papéis de gênero e de figuras regionais, pensar em nordestinas/os que não
reforçam a imagem do macho e/ou da fêmea, essa que, se não é também masculinizada, é submissa.
Ao propor uma abordagem interseccional entre regionalidade e travestilidade, de forma a
identificar especificidades de opressões particulares, empreendi uma reflexão inicial como parte do
processo de construção de referências teórica e metodológica para pensar meu objeto de tese, visto

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que estudar travestis nordestinas é pensar em relações sociais, econômicas e políticas marcadas por
gênero, sexualidade, raça/etnia, religião, geração no Brasil pós-colonial, não como variáveis
independentes, mas percebendo-as como formas de opressão inscritas uma dentro da outra,
constituída pela outra e constitutiva dela (Brah, 2006, p. 351).
Referências
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Cortez, 2011.
_____ Nordestino: uma invenção do falo – uma história do gênero masculino (Nordeste –
1920/1940). Maceió: Edições Catavento, 2003.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
BENTO, Berenice. Política da diferença: feminismos e transexualidades. In: COLLING, Leandro.
Stonewall 40 + o que no Brasil? (Org.). EDUFBA: Salvador, 2011.
BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. In: Cadernos Pagu 26, p.329-365, 2006.
KULICK, Don. Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2008.
FOUCAULT, Michael. Sobre a Geografia. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1979.
_____. História da sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1998.
HALL. Stuart. Quem precisa de Identidade? In: Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos
Culturais. SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Petropolis, RJ:
Vozes, 2011.
PELÚCIO, Larissa. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobreo modelo preventivo de aids.
São Paulo: Annablume; Fapesp, 2009.
PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes
brasileiras. Sociedade e cultura, Vol. 11, Núm. 2, julio-diciembre, 2008.
SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: companhia das
Letras, 2007.

Nem “cabra macho”, nem “paraíba masculine”: travestilidade and regionality on a


intersectional perspective.
Abstract: Analyze the intersection between social markers of difference gender, sexuality and
regionality. Focuses on the experiences of travestis in Northeast Brazil who have excelled in
heteronormative spaces, despite the stereotypes created about the region as sexist, patriarchal and
traditional. Speeches have indicated the "pioneering spirit" as an element related to Northeasterns
travestis: Janaína Dutra, Canindé/CE, first travesti lawyer in Brazil; Jovanna Baby, Picos/PI, one of
the founders of ENTLAIDS considered driving the national movement of travestis; Luma Andrade,
Morada Nova/CE, the first Brazilian travesti to get doctorate degree; Keila Simpson, Salvador/BA,
first travesti to chair the National LGBT Council, and Katia Tapety, Colônia do Piauí/PI, the first
travesti elected to a political office. Proposes a look beyond the gender binary arrangements and an
investigation of speeches that naturalize values related to the Northeast as a region that denies
femininity to create homens machos and mulheres virilizadas that strengthen brands like the
sertanejo, brejeiro, coronel, caboclo, beato, cangaceiro and retirante, regionalist speeches that locate
the phallus as a central signifier to northeastern (ALBUQUERQUE JR, 2003).
Keywords: Travestis. Northeast Brazil. Intersections.

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