Você está na página 1de 213

PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA

Um Guia Prático de Pesquisa


Júlio César Claudino dos Santos
Leandro Freitas Oliveira

PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Fortaleza
2022
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Princípios de Neurogenética - Um Guia Prático de Pesquisa


®2022 Copyright by EdUnichristus
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
EdUnichristus

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida total ou parcialmente, sem auto-
rização prévia por escrito do(s) autor(es), sejam quais forem os meios empregados:
xerográficos, fotográficos, mecânicos, eletrônicos, gravação ou quaisquer outros. A
violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610 de 19/02/1998 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Capa e imagens
Os Autores

Ficha Catalográfica elaborada por

Editoração
Editora Universitária Unichristus – EdUnichristus
Rua João Adolfo Gurgel, 133, Cocó, Setor: Biblioteca, CEP 60192-345, Fortaleza-CE
Telefone: (85) 3265-8180
www.unichristus.edu.br – E-mail: editora02@unichristus.edu.br

Impressão
Gráfica e Editora LCR Ltda.
Rua Israel Bezerra, 633, Dionísio Torres, CEP 60135-460, Fortaleza-CE
Telefone: 85 3105.7900 – Fax: 85 3272.6069
www.graficalcr.com.br – E-mail: atendimento01@graficalcr.com.br
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Sobre os Autores
Júlio Santos é vinculado à Christian Business School - Orlando, EUA,
onde atua como professor no campo da neuro-oftalmologia. É autor
dos livros “Neuroanatomia Clínica - Livro-texto e Atlas”, “Diagnóstico
Topográfico Aplicado em Neurologia”, O Cérebro e as Emoções”, que
foi o primeiro lugar de vendas na categoria “Medicina” por cinco vezes
na Amazon e “Bases em Imunologia”. É professor e coordenador do
departamento de Anatomia Humana e Neuroanatomia da Faculdade
de Medicina do Centro Universitário Christus - FAMED/UNICHRISTUS.
Foi pesquisador bolsista do Centro Nacional de Pesquisa em Energia
e Materiais - CNPEM, no Laboratório Nacional de Biociências - LNBio
e laboratório de células tronco - LCT, com experiência em células-tronco de pluripotência induzida humanas
(hiPSC) com área de concentração em Neurologia, onde colaborou no desenvolvimento de modelos de do-
enças neurológicas humanas in vitro, a partir do uso de células tronco de pluripotência induzida e organói-
des cerebrais. Também foi vinculado ao departamento de neurologia e neurocirurgia da UNIFESP sob orien-
tação do prof. Esper Abrão Cavalheiro. Tem experiência em neuroimunologia, atuando principalmente com
micróglias humanas e doenças imunomediadas, CRISPR/Cas9 e organóides cerebrais derivados de hiPSCs.
Atualmente, faz especialização em Neurogenética e Neurologia e Neurociências. É vinculado à Universidade
Federal do Ceará - UFC, onde atua na pesquisa com área de concentração no Brain-Gut Axis. É membro da
American Association of Anatomists - AAA e da Sociedade Brasileira de Anatomia - SBA.

Prof. Dr. Leandro Freitas Oliveira é Neurocientista, Doutor e Pós


Doutorado em Neurologia e Neurociências pela Universidade Fe-
deral de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM),
especialista em Neuropsicologia pelo Instituto Israelita de Ensino
e Pesquisa Albert Einstein, coordenador do programa de Mestrado
em Neuro-oftalmologia da Christian Business School – Orlando,
EUA, professor convidado nas disciplinas de cognição no Albert
Einstein em São Paulo e coordenador de pós graduação na área de
Neurologia e Neurociências. Membro da International Neuropsycho-
logical Society e autor dos livros “Neuroanatomia Clínica: Livro-texto
e atlas”, O cérebro e as emoções: a neurociências das relações humanas” e “Diagnóstico topográfico em
Neurologia”. Estudioso do cérebro, dedica parte do tempo ministrando palestras, atendimento clínico,
entrevistas na televisão e rádio e à escrita e divulgação científica.
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Dedicatórias

Sou eternamente grato àqueles que contribuíram na estruturação da minha formação pes-
soal e acadêmica, sobretudo aos meus pais, meus amigos e meus alunos. Estes são meus
maiores mestres e farol para o meu pensamento e a quem dedico esta obra.

Dr. Júlio Santos

Dedico este livro à minha família, amigos, alunos e pacientes, com quem aprendendo cons-
tantemente sobre as neurociências e para quem nos dedicamos continuamente.

Dr. Leandro Oliveira


PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Agradecimentos

Agradecemos a todos que colaboraram com o livro Princípios de Neurogenética, sem os quais
esta obra não seria viável: Afonso Rocha Eisele, Aline Moreira Lócio, Álvaro Moreira Rivelli, Alyne Faria
Bonifacio Aleixo, Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo, Anderson Luiz Castro Santiago, Beatriz Viei-
ra Loiola Coutinho, Caroline Meneses Resende, Cibelle Barroso de Sousa Melo, Clara isis Maria Ribeiro
Gomes, Davi Bravo Huguinim Légora, Idna Lara Goes de Sena, Isadora Mônica Ponte de Oliveira, Rafael
Wanderley Persiano Malta, Hélvia Bertoldo de Oliveira, João Erivan Façanha Barreto, João Pedro Benati
de Andrade Farias, Jackeline Osterno de Carvalho Barreto, Juliana Louise Dias Lima, Laís Damasceno
Rodrigues, Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas, Lia de Oliveira Jereissati, Luiz Eduardo Lima Aguiar, Luigi
Adler Barbosa Guimarães, Maria Carolina Silva Malta, Maria Falcão, Maria Victória Rocha Fontenele Maia,
Natália França Marroquim, Nayara Christina de Lima Curti, Nely Regina Sartori Neves, Nícolas Apratto de
Almeida, Rafael Wanderley Persiano Malta, Rafaella Iughetti da Costa, Raphael Palomo Barreira, Samuel
de Osterno Façanha, Taimara Zimath, Victor Oliveira Araújo.

Ao Centro Universitário Christus – UNICHRISTUS, na pessoa do Dr. José Rocha de Lima Carvalho,
nosso eterno agradecimento pelo apoio inexorável na elaboração e execução deste livro sem o qual não
seria possível a realização deste projeto; e ao querido Regis Silva pela valiosa contribuição que, sem dú-
vidas, fizeram esta obra mais rica.
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Prefácio

Caro leitor,

As doenças neurológicas que possuem origem genética têm extrema importância na prática di-
ária dos neurologistas, assim como fonte importante de pesquisas. O tema teve destaque na última
década através do desenvolvimento das técnicas mais modernas de diagnóstico, como por exemplo o
sequenciamento do exoma. Entender esse conceito de genética é fundamental para compreender sobre a
nova geração de tratamentos que está por vir. Diversas doenças neurogenéticas já possuem tratamento
específico, algo até então longe da nossa realidade. Recomendações sobre qual exame solicitar, aconse-
lhamento genético e tratamento serão abordadas ao longo desta prazerosa leitura que os autores vêm
nos presentear, com uma linguagem acessível e de fácil compreensão tanto para o pesquisador quanto
para o clínico, além da oportunidade de exercitar todo o conhecimento através das questões sobre o
tema no final de cada capítulo. Estamos em uma época que as doenças neurológicas genéticas são po-
tencialmente tratáveis.

Curtam essa incrível jornada!

Dr. Tiago Antoniol – Médico Neurologista


PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Colaboradores

Afonso Rocha Eisele Juliana Louise Dias Lima

Aline Moreira Lócio Laís Damasceno Rodrigues

Álvaro Moreira Rivelli Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas

Alyne Faria Bonifacio Aleixo Lia de Oliveira Jereissati

Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo Luiz Eduardo Lima Aguiar

Anderson Luiz Castro Santiago Luigi Adler Barbosa Guimarães

Beatriz Vieira Loiola Coutinho Maria Carolina Silva Malta

Caroline Meneses Resende Maria Falcão

Cibelle Barroso de Sousa Melo Maria Victória Rocha Fontenele Maia

Clara isis Maria Ribeiro Gomes Natália França Marroquim

Davi Bravo Huguinim Légora Nayara Christina de Lima Curti

Idna Lara Goes de Sena Nely Regina Sartori Neves

Isadora Mônica Ponte de Oliveira Nícolas Apratto de Almeida

Rafael Wanderley Persiano Malta Rafael Wanderley Persiano Malta

Hélvia Bertoldo de Oliveira Rafaella Iughetti da Costa

Ivan Barboza Abreu Raphael Palomo Barreira

João Erivan Façanha Barreto Samuel de Osterno Façanha

João Pedro Benati de Andrade Farias Taimara Zimath

Jackeline Osterno de Carvalho Barreto Victor Oliveira Araújo


PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

Sumário
CAPÍTULO 1
Introdução à Neurogenética................................................................................. 12
Álvaro Moreira Rivelli, Clara isis Maria Ribeiro Gomes, Júlio César Claudino dos Santos,
João Erivan Façanha Barreto, Laís Damasceno Rodrigues, Leandro Freitas Oliveira

CAPÍTULO 2
Demências......................................................................................................... 31
Idna Lara Goes de Sena, Júlio César Claudino dos Santos, Leandro Freitas Oliveira,
Laís Damasceno Rodrigues, Maria Falcão, Taimara Zimath

CAPÍTULO 3
Doenças cerebrovasculares................................................................................. 52
Júlio César Claudino dos Santos, Jackeline Osterno de Carvalho Barreto, Leandro Freitas Oliveira,
Natália França Marroquim, Nayara Christina de Lima Curti, Raphael Palomo Barreira

CAPÍTULO 4
Parkinsonismos.................................................................................................. 73
Hélvia Bertoldo de Oliveira, Júlio César Claudino dos Santos, João Erivan Façanha Barreto,
Samuel de Osterno Façanha, Leandro Freitas Oliveira, Maria Victória Rocha Fontenele Maia, Aline Moreira Lócio

CAPÍTULO 5
Doenças do Neurônio Motor................................................................................. 93
Davi Bravo Huguinim Légora, Júlio César Claudino dos Santos, Leandro Freitas Oliveira,
Luigi Adler Barbosa Guimarães, Maria Carolina Silva Malta, Beatriz Vieira Loiola Coutinho

CAPÍTULO 6
Doenças Neuromusculares................................................................................ 106
Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo, Anderson Luiz Castro Santiago, Júlio César Claudino dos Santos,
Leandro Freitas Oliveira, João Pedro Benati de Andrade Farias, Maria Carolina Silva Malta
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Um Guia Prático de Pesquisa

CAPÍTULO 7
Distúrbios do Movimento................................................................................... 117
Juliana Louise Dias Lima, Júlio César Claudino dos Santos, João Erivan Façanha Barreto,
Leandro Freitas Oliveira, Maria Carolina Silva Malta, Rafaella Iughetti da Costa, Lia de Oliveira Jereissati

CAPÍTULO 8
Neuropatias Hereditárias................................................................................... 136
Isadora Mônica Ponte de Oliveira, Júlio César Claudino dos Santos, Jackeline Osterno de Carvalho Barreto,
Leandro Freitas Oliveira, Luiz Eduardo Lima Aguiar, Maria Carolina Silva Malta

CAPÍTULO 9
ATAXIAS........................................................................................................... 156
Alyne Faria Bonifacio Aleixo, Júlio César Claudino dos Santos, Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas,
Leandro Freitas Oliveira, Nícolas Apratto de Almeida

CAPÍTULO 10
Epilepsia.......................................................................................................... 183
Júlio César Claudino dos Santos, Leandro Freitas Oliveira, Nely Regina Sartori Neves,
Rafael Wanderley Persiano Malta, Victor Oliveira Araújo

CAPÍTULO 11.................................................................................................... 196


RASopatias, Adrenoleucodistrofias e Síndrome de Rett
Afonso Rocha Eisele, Caroline Meneses Resende, Júlio César Claudino dos Santos,
Leandro Freitas Oliveira, Samuel de Osterno Façanha
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Capítulo 1
Introdução à Neurogenética

A
Neurogenética tem como foco do seu estudo a base genética da diferenciação normal e
anormal e função do sistema nervoso. O pontapé inicial da neurogenética foi dado por
Seymour Benzer, que, em suas investigações, pesquisou o comportamento e a neurodege-
neração em moscas Drosophila. Seu trabalho também aumentou nosso conhecimento sobre os aspectos
genéticos da (dis) função neuronal em outros organismos, incluindo humanos. Tal conhecimento é um
pré-requisito para uma melhor compreensão das doenças neurogenéticas, que são definidas como “do-
enças clínicas causadas por um defeito em um ou mais genes que afetam a diferenciação e função do
neuroectoderma e seus derivados”. Desde meados da década de 1980 do século passado, o advento das
técnicas de clonagem posicional* facilitou abordagens diretas para a elucidação de distúrbios neuroge-
néticos, ofuscando, temporariamente, a relevância do estudo de organismos modelo.

Não há dúvida de que o sequenciamento do genoma humano foi um marco científico crítico que
revolucionou a biologia e a medicina. Ainda assim, vale ressaltar que, na década anterior à conclusão
do projeto do genoma humano, a neurogenética já estava em ascensão. Olhando para trás, está claro
que muitas descobertas empolgantes não teriam sido possíveis sem algumas colaborações importantes
entre geneticista e neurocientistas tecnicamente inovadores. Também é surpreendente o quanto essas
descobertas de genes nos ensinaram não apenas sobre doenças específicas, mas também sobre neuro-
biologia básica.

A descoberta do gene para distrofia muscular de Duchenne (DMD) em 1986-1987 destaca o papel
crítico da genética clínica, citogenética e ligação no delineamento da localização de um gene. A DMD foi
uma das primeiras descobertas genéticas para um distúrbio hereditário e, nas últimas duas décadas, a
DMD tem sido um distúrbio modelo para o desenvolvimento de novos diagnósticos e terapêuticas para
um distúrbio genético. Em 1983, o mapeamento do gene da doença de Huntington (DH) para o braço
curto do cromossomo 4 usando polimorfismos de comprimento de fragmento de restrição e ligação em
uma grande família marcou uma nova era, em que um gene da doença pode ser mapeado sem qualquer
conhecimento prévio de anormalidades citogenéticas. Da mesma forma, a descoberta de repetições po-
limórficas de dinucleotídeos e a facilidade de genotipagem de tais repetições com reação em cadeia da
polimerase (PCR) facilitaram o mapeamento genético e foi um fator-chave na descoberta de duplicações
e deleções do locus PMP22 como a causa da doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT1A) e neuropatia
hereditária com risco de paralisia por pressão (HNPP), respectivamente. Essas descobertas marcantes
abriram o campo dos distúrbios genômicos na neurobiologia.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Capítulo 1

Figura 1.1. Um breve histórico da neurogenética.

Combinações semelhantes de citogenética avançada, técnicas híbridas somáticas e genotipagem


molecular desempenharam um papel crítico no refinamento dos mapas de vários distúrbios do neurode-
senvolvimento, incluindo síndrome do X frágil, lissencefalia de Miller-Dieker e síndrome de Prader-Willi.
A descoberta de repetições polimórficas de tri- e tetranucleotídeos foi um avanço crítico para definir as

13
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

mutações dinâmicas como um novo mecanismo mutacional em vários distúrbios neurológicos. Graças a
Capítulo 1

essa descoberta, enigmas clínicos, como o paradoxo de Sherman na síndrome do X frágil e o fenômeno
clínico da antecipação, envolvendo um início mais precoce e doença mais grave em gerações sucessivas,
como os vistos em distúrbios como distrofia miotônica, doença de Huntington e ataxias, foram resol-
vidos. O desenvolvimento de clonagem de grandes inserções e outras técnicas de mapeamento físico,
como parte da estrutura de sequenciamento do genoma humano, desempenharam um papel crucial em
facilitar a descoberta de muitos genes de doenças durante os anos de 1990. Certamente, a clonagem do
gene para a síndrome de Rett não teria sido possível em 1999 se não fosse pelos intensos esforços de
mapeamento e sequenciamento no cromossomo X.

Figura 1.2. Representação do paradoxo de Sherman.

As doenças neurogenéticas incluem doença de Huntington, doença de Kennedy, ataxia espinoce-


rebelar, atrofia muscular espinhal, doença do neurônio motor hereditário, distúrbios musculares de início
precoce, neuropatias de Charcot-Marie-Tooth, paraparesias espásticas hereditárias, ataxia de Friedreich,
distrofias musculares (Duchenne e LGMD) e musculares congênitas, distrofias e miopatias.

As abordagens terapêuticas genéticas prometem a cura de algumas dessas doenças. Em 2019, o


primeiro tratamento de terapia gênica para qualquer doença neurogenética foi aprovado para uso como

14
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

tratamento para atrofia muscular espinhal (AME), abrindo caminho para futuras aplicações dessa abor-

Capítulo 1
dagem. Terapias semelhantes já estão sendo desenvolvidas para Duchenne e outros tipos de distrofias
musculares. Este tratamento revolucionário que salva vidas reforça nossa crença central de que se curar-
mos uma doença, iremos curar muitas.

A doença de Huntington, atrofia muscular espinobulbar e as ataxias cerebelares autossômicas


dominantes são exemplos de distúrbios autossômicos dominantes causados ​​pela expansão de trinucle-
otídeos (CAG) dentro dos genes da doença. As expansões CAG parecem resultar em um ganho da função
do gene.

Figura 1.3. Expansão de repetições de trinucleotídeos CAG no éxon do gene HTT relacionado à doença de Huntington.

Os testes de diagnóstico pré-natal, pré-sintomático e diferencial são baseados na detecção das


expansões repetidas. Mutações pontuais em genes de doenças resultam em muitos distúrbios neuroge-
néticos adicionais. Uma forma autossômica dominante de esclerose lateral amiotrófica e vários tipos de
síndromes craniossinostóticas são descritos.

As mutações nos genes da doença também parecem resultar em um ganho da função do gene. O
diagnóstico molecular nesses distúrbios é baseado no exame direto do gene mutado por métodos como
análise de polimorfismo de conformação de fita simples, eletroforese em gel de gradiente desnaturante
e sequenciamento direto de DNA. Em muitos distúrbios neurogenéticos, o gene da doença ainda não foi
identificado. Aqui, o diagnóstico molecular se baseia em abordagens indiretas baseadas em métodos

15
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

como a análise de ligação e de associação alélica. As formas hereditárias de distonia são apresentadas
Capítulo 1

como exemplos. Distúrbios neurológicos esporádicos comuns, como doenças de Alzheimer e Parkinson,
frequentemente, têm causas multifatoriais. São discutidas investigações sobre as bases moleculares e
o desenvolvimento de testes diagnósticos nessas duas importantes doenças. Atualmente, não existem
terapias curativas para distúrbios neurogenéticos. As abordagens terapêuticas genéticas, no entanto,
prometem a cura de, pelo menos, algumas dessas doenças. Os princípios básicos da terapia gênica são
explicados e as tentativas de terapia gênica nas doenças de Alzheimer e Parkinson são descritas. Por
fim, resumem-se alguns dos muitos obstáculos que devem ser superados antes que a terapia genética se
torne viável na maioria das doenças neurológicas monogênicas.

No entanto, quando se consideram algumas das mudanças transformadoras no reino dos distúr-
bios neurogenéticos humanos, pode haver poucas dúvidas de que, de fato, as descobertas genéticas, nas
últimas duas décadas, já mudaram não apenas a prática da medicina clínica em neurologia e psiquiatria,
mas também a perspectiva de muitas famílias afetadas por essas desordens devastadoras. Há apenas
20 anos, os pacientes com ataxia hereditária tiveram que passar por uma série de investigações caras e
até invasivas, incluindo varreduras cerebrais, punções lombares, vários exames de sangue, possivelmen-
te eletromiogramas, estudos de condução nervosa e, às vezes, biópsias de nervos periféricos. Da mesma
forma, as crianças com distúrbios neurodegenerativos ou deficiências cognitivas tiveram que passar
por um grande número de testes, exames e, às vezes, biópsias de pele ou conjuntival; pior ainda, um
diagnóstico definitivo não pôde ser alcançado, e a família normalmente ficava com uma chance incerta
de 50% ou 25% de recorrência na prole subsequente. Hoje, um grande número de doenças neurológicas
na infância e na idade adulta pode ser diagnosticado por um simples teste de DNA no sangue periférico,
poupando os pacientes da dor e do custo de muitos testes adicionais e fornecendo-lhes um diagnóstico
definitivo. Esse avanço proporciona às famílias uma melhor compreensão do transtorno que aflige seus
parentes, ao mesmo tempo que lhes dá a opção de aconselhamento genético e permite o teste genético
pré-natal, o que não poderia ter sido feito anteriormente. Existem várias centenas de distúrbios neurológi-
cos que agora podem ser diagnosticados molecularmente, incluindo centenas de deficiências cognitivas
e de desenvolvimento, como distúrbios do espectro do autismo. Embora indiscutivelmente o ritmo de
desenvolvimento de terapias potenciais tenha sido relativamente lento em comparação com a velocidade
da descoberta do gene da doença, não devemos subestimar os grandes benefícios para as famílias da
prevenção da doença por meio do diagnóstico pré-natal e os ganhos em neurobiologia fundamental dos
estudos de patogênese de distúrbios neurológicos.

O campo da neurobiologia está bem posicionado para aproveitar as vantagens de duas décadas de
descobertas de genes, excelentes modelos animais e lições aprendidas com experiências fracassadas.
A chave para o sucesso da pesquisa voltada para a doença são alguns ingredientes mais importantes:
estudos aprofundados para obter conhecimento sobre a função das proteínas culpadas, excelentes mo-

16
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

delos animais de doença e uma compreensão das consequências fisiológicas e patológicas da disfunção

Capítulo 1
das proteínas da doença. Tanto quanto possível, os investigadores devem usar modelos que expressem a
mutação humana no contexto das proteínas completas e nos padrões de expressão espacial e temporal
corretos. As conclusões devem ser baseadas em estudos in vivo que usam abordagens interdisciplinares,
incluindo métodos biológicos celulares, moleculares, comportamentais e fisiológicos.

Figura 1.4. Imagem ilustrativa do mecanismo de ação do Crispr/Cas 9, uma das técnicas mais sofisticadas no campo da pesquisa da
neurogenética.

Alguns princípios valem a pena considerar enquanto ponderamos soluções para a lista crescente
de transtornos neuropsiquiátricos. Precisamos investir em estudos voltados para uma melhor compre-

17
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

ensão do desenvolvimento normal do cérebro. Embora, muitas vezes, pensemos que o desenvolvimento
Capítulo 1

é fundamental para a compreensão da integridade do cérebro em bebês e crianças, os dados estão


gradualmente apontando para o fato de que os primeiros processos de desenvolvimento podem afetar
a integridade e a saúde do adulto e também do envelhecimento do cérebro. Uma melhor compreensão
dos fatores genéticos e ambientais, os quais afetam o desenvolvimento e a manutenção das sinapses,
provavelmente fornecerá informações sobre como esses fatores podem ser cooptados para proteger o
cérebro em envelhecimento ou um cérebro que lida com mutações que causam distúrbios neurodegene-
rativos de início tardio. O papel da epigenética na modulação dos processos de doenças também deve
ser investigado. A realidade é que muitos genes serão muito difíceis de direcionar ou manipular para
suprimir um fenótipo de doença. No entanto, pode-se modular, epigeneticamente, a função dos genes
sem alterar sua sequência ou atividade. As descobertas de que fatores ambientais, como dieta ou expe-
riências, podem alterar o epigenoma abrem a possibilidade de que a modulação da função do gene por
meio de modificações epigenômicas pode ser uma forma produtiva de tratar alguns distúrbios. Claro, é
igualmente importante considerar o outro lado da moeda, em que danos ao epigenoma causados ​​por
mudanças nos fatores ambientais também podem contribuir ou agravar doenças. A lista crescente de
defeitos genéticos que podem levar a distúrbios neuropsiquiátricos aponta para as muitas maneiras pe-
las quais qualquer perturbação molecular pode levar a fenótipos neurológicos devastadores. No entanto,
não devemos esquecer o que podemos aprender com indivíduos que têm mutações semelhantes, mas
fenótipos mais brandos. Explorar fatores ambientais e experiências que podem ter protegido tais indiví-
duos ou identificar mutações supressoras por meio das novas tecnologias de sequenciamento profundo.

Por último, e talvez a nota mais emocionante para concluir, é o fato de que a pesquisa genética
revelou a plasticidade e a resiliência do cérebro em desenvolvimento e adulto. A descoberta do gene
e a engenharia genética criativa em modelos de camundongos nos ensinaram que muitos distúrbios
neuropsiquiátricos são reversíveis (pelo menos, geneticamente). A descoberta de que vários distúrbios,
incluindo algumas das doenças degenerativas e do desenvolvimento mais devastadoras, são reversíveis
em modelos de camundongos fornece esperança de que descobrir maneiras de neutralizar ou suprimir
os processos da doença pode interromper ou, até mesmo, reverter alguns dos distúrbios neurológicos e
psiquiátricos mais graves.

18
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Glossário em Neurogenética

Capítulo 1
Acentuador: Uma sequência de DNA que age em cis (no mesmo cromossomo) para aumentar a transcri-
ção de um gene. O acentuador pode estar acima ou abaixo na cascata com relação ao gene e pode estar
na mesma orientação ou na orientação reversa. Contrasta com silenciador.

Acoplamento: Descreve a fase de dois alelos em dois loci diferentes, mas sintênicos, em que um alelo em
um dos loci está no mesmo cromossomo que o alelo no segundo locus.

Acrocêntrico: Um tipo de cromossomo com o centrômero próximo da extremidade. Os cromossomos


humanos acrocêntricos (13, 14, 15, 21 e 22) possuem braços curtos em satélite que transportam genes
para o RNA ribossômico.

Adaptabilidade: Consiste na probabilidade de transmitir os genes de um indivíduo para a próxima gera-


ção comparada à média da probabilidade para a população.

Alelo: Uma das versões alternativas de um gene ou sequência de DNA em um dado locus.

Alelo nulo: Um alelo que resulta ou na ausência total de um produto gênico ou na perda total de função
do produto.

Alelo pseudodeficiente: Um alelo clinicamente benigno que apresenta uma redução na atividade fun-
cional detectada por ensaios in vitro, mas que apresenta atividade suficiente in vivo para prevenir a
haploinsuficiência.

Alelo silencioso: Um gene mutante que não apresenta efeito fenotípico detectável.

Amplificação: 1. Na biologia molecular, a produção de múltiplas cópias de uma sequência de DNA. 2. Na


citogenética, a amplificação refere-se a múltiplas cópias de uma sequência no genoma que são detecta-
das por hibridização genômica comparativa (CGH).

Aneuploidia: Qualquer número cromossômico que não seja exatamente múltiplo do número haploide. As
formas comuns de aneuploidia em humanos são a trissomia (presença de um cromossomo extra) e a
monossomia (ausência de um único cromossomo).

Aneussomia segmentar: Perda de um pequeno segmento de um par de cromossomos, resultando em


hemizigose para o gene naquele segmento no cromossomo homólogo.

Anomalias: Defeitos congênitos resultantes de malformações, deformações ou interrupções.

Antecipação genética: O início progressivamente mais precoce e o aumento da severidade de certas


doenças em sucessivas gerações de uma família. A antecipação é causada pela expansão do número de
repetições instáveis dentro do gene responsável pela doença.

Anticódon: Uma unidade de três bases de RNA complementar a um códon do mRNA.

19
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Autossomo: Qualquer cromossomo nuclear diferente dos cromossomos sexuais; 22 pares no cariótipo
Capítulo 1

humano. Uma doença causada pela mutação em um gene autossômico ou par de genes mostra heredi-
tariedade autossômica.

Bivalente: Um par de cromossomos homólogos em associação, como detectado na metáfase da primei-


ra divisão meiótica.

Carga genética: A soma total da morte e das doenças causadas por genes mutantes.

Cariótipo: A constituição cromossômica de um indivíduo. O termo também pode ser usado para a fotomi-
crografia dos cromossomos de um indivíduo sistematicamente organizado e para o processo de preparo
de tal fotomicrografia.

Caso índice: O membro da família afetado com um distúrbio genético e que é o primeiro a se manifestar
em um heredograma.

Caso isolado: Um indivíduo que é o único membro de sua família afetado por um distúrbio genético, seja
por acaso, seja por nova mutação.

Célula-Tronco: Um tipo de célula capaz tanto de autorrenovação quanto de proliferação e diferenciação.

Centrômero: A constrição primária do cromossomo, uma região em que as cromátides-irmãs estão uni-
das e em que o cinetócoro é formado. Requerido para segregação normal na mitose e na meiose.

Centrossomo: Um par de centríolos que organizam o crescimento dos microtúbulos do fuso mitótico;
visíveis nos pólos das células em divisão na prófase tardia.

Ciclo celular: Os estágios entre duas divisões mitóticas sucessivas, descritos no texto. Consiste nas
fases G1, S, G2 e M.

Cinetócoro: Uma estrutura no centrômero a que as fibras do fuso se ligam.

Clonagem posicional: A clonagem molecular de um gene, com base no conhecimento da sua posição no
mapa, sem ciência prévia do seu produto gênico.

Código genético: As 64 trincas de bases que especificam os 20 aminoácidos encontrados nas proteínas.

Cromátides: Os dois filamentos paralelos de cromatina, conectados pelo centrômero, que constituem um
cromossomo após a síntese de DNA.

Cromatina: O complexo de DNA e proteínas de que os cromossomos são compostos.

Cromossomo: Uma das estruturas semelhantes a fios no núcleo celular; consiste em cromatina e carrega
a informação genética (DNA).

Cromossomo em anel: Um cromossomo estruturalmente anormal no qual o telômero de cada braço do


cromossomo foi deletado e os braços clivados voltaram a se unir em uma conformação em anel.

20
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Cromosso Philadelphia: O cromossomo 22 com anormalidades estruturais que ocorrem tipicamente em

Capítulo 1
uma proporção das células da medula óssea na maioria dos pacientes com leucemia mielógena crônica.
A anormalidade é uma translocação recíproca entre a porção distal do 22q e a porção distal do 9q.

Cromossomo recombinante: Um cromossomo que resulta da troca de segmentos recíprocos por meio
de crossing over entre um par de cromossomos parentais homólogos durante a meiose.

Cromossomos homólogos: Um par de cromossomos, um herdado pelo lado paterno, o outro pelo ma-
terno, que ficam pareados um com o outro durante a meiose I, sofrem crossing over e separam-se na
anáfase I da meiose. Cromossomos homólogos geralmente são similares em tamanho e forma quando
são vistos ao microscópio e contêm os mesmos loci, com exceção dos dois cromossomos sexuais nos
homens (X e Y), que são apenas parcialmente homólogos.

Cromossomos sexuais: Os cromossomos X e Y.

Cromossomos-filho: Os dois cromossomos individuais formados quando um único cromossomo com-


posto de cromátides pares se separa no centrômero na anáfase ou divisão celular.

Crossing over: A troca recíproca de segmentos entre cromátides de cromossomos homólogos, uma
característica da prófase da primeira divisão meiótica. Ver, também, recombinação. O crossing over
desigual entre as cromátides desalinhadas pode levar à duplicação do segmento envolvido em uma cro-
mátide e à deleção na outra, e é uma causa frequente de mutação.

Deleção: A perda de uma sequência de DNA de um cromossomo. O DNA perdido pode ser de qualquer
comprimento, desde uma única base a uma grande parte de um cromossomo.

Diploide: O número de cromossomos na maioria das células somáticas, que é o dobro do número encon-
trado nos gametas. Em humanos, o número diploide de cromossomos é 46.

Dismorfismo: Anormalidades de desenvolvimento morfológico, como observado em muitas síndromes


de origem genética ou ambiental.

Distúrbio cromossômico: Uma condição clínica causada por uma constituição cromossômica anormal
em que há duplicação, perda ou rearranjo do material cromossômico.

Distúrbio de um único gene: Um distúrbio devido a um ou a um par de alelos mutantes em um único locus.

Distúrbio ecogenético: Um distúrbio resultante da interação de uma predisposição genética a uma do-
ença específica com um fator ambiental.

Distúrbio genético: Um defeito total ou parcialmente causado por uma anormalidade no gene.

Distúrbio de expansão de repetições instáveis: Doenças que ocorrem quando um gene contém unida-
des de repetição em série de poucos nucleotídeos, e o número dessas unidades aumenta além de um
limite e interfere com a expressão ou função daquele gene. Mais comumente, a unidade do nucleotídeo

21
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

envolvido na expansão contém três nucleotídeos (expansão de repetição tripla), como ocorre com a CAG
Capítulo 1

na doença de Huntington ou com a CGG na síndrome do X frágil.

DNA: A molécula que codifica os genes responsáveis pela estrutura e função dos organismos vivos e
permite a transmissão da informação genética de uma geração à outra.

DNA complementar (cDNA): O DNA sintetizado de um mRNA padrão, por meio da ação da enzima rever-
sa transcriptase.

DNA de cópia única: O tipo de DNA que compõe a maior parte do genoma.

DNA genômico: A sequência do DNA cromossômico de um gene ou segmento de um gene, incluindo a


sequência do DNA de regiões codificadoras e não codificadoras. Também, o DNA que foi isolado direta-
mente de células ou cromossomos ou as cópias clonadas de todo ou parte de tal DNA.

DNA intergênico: O DNA não transcrito de função desconhecida que compõe uma grande parte do DNA
total no genoma.

DNA ligase: Uma enzima que pode formar uma ligação fosfodiéster entre as desoxirriboses principais de
duas fitas de DNA.

DNA mitocondrial (mtDNA): O DNA do cromossomo circular da mitocôndria. O DNA mitocondrial está
presente em muitas cópias por célula, é herdado do lado materno, e desenvolve-se 5 a 10 vezes mais
rápido do que o DNA genômico.

DNA polimerase: Uma enzima que pode sintetizar um novo filamento de DNA usando um DNA previa-
mente sintetizado como molde.

Dominante: Uma característica é dominante se for, fenotipicamente, expressa em heterozigotos. Se os


heterozigotos e homozigotos para o alelo variante possuem o mesmo fenótipo, o distúrbio é um domi-
nante puro (raro na genética humana). Se os homozigotos assumem um fenótipo mais severo do que os
heterozigotos, denomina-se o distúrbio de semidominante ou dominante incompleto.

Ectoderme: Uma das três camadas germinativas primárias do embrião precoce. Inicia-se como a cama-
da mais distante do saco vitelínico e, em última instância, origina o sistema nervoso, a pele e os derivados
da crista neural, como as estruturas craniofaciais e os melanócitos.

Epigenético: Termo que se refere a qualquer fator que pode afetar a função de um gene sem alteração
no genótipo. Alguns fatores epigenéticos típicos envolvem alterações na metilação do DNA, estrutura da
cromatina, modificações na histona e ligação de fatores de transcrição que mudam a estrutura do geno-
ma e afetam a expressão do gene sem alterar a sequência primária do DNA.

Erro inato do metabolismo: Um distúrbio bioquímico determinado geneticamente, no qual um defeito


específico de proteína produz um bloqueio metabólico que pode ter consequências patológicas.

22
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Éxon: Uma região transcrita de um gene que está presente no RNA mensageiro maduro.

Capítulo 1
Expressividade: A extensão na qual um defeito genético se expressa. Se há expressividade variável, a
característica pode variar de leve a intensa, porém nunca deixa de ser completamente expressa em indi-
víduos que possuem o genótipo correspondente. Comparar com penetrância.

Fenótipo: As características bioquímicas, fisiológicas e morfológicas observadas em um indivíduo, deter-


minadas por seu genótipo e o ambiente em que se expressa. Também, em um sentido mais limitado, as
anormalidades resultantes de um gene mutante em particular.

Gene: Uma unidade hereditária; em termos moleculares, uma sequência de DNA cromossômico que é
requerida para a produção de um produto funcional.

Genoma: A sequência completa do DNA, contendo toda a informação genética de um gameta, um indiví-
duo, uma população ou uma espécie.

Genômica: O campo da genética interessado em estudos estruturais e funcionais do genoma.

Heredograma: Em medicina genética, a história familiar de uma condição hereditária, ou um diagrama da


história da família indicando os membros da família, seu parentesco com relação a um probando, e seu
estado com relação a uma determinada condição hereditária.

Heterozigoto: Um indivíduo ou genótipo com dois alelos diferentes em um dado locus ou em um par de
cromossomos homólogos.

Homozigoto: Um indivíduo ou genótipo com alelos idênticos em um dado locus em um par de cromos-
somos homólogos.

Locus: A posição ocupada por um gene no cromossomo. Diferentes formas de um gene (alelos) podem
ocupar o locus.

Metacêntrico: Um tipo de cromossomo com um centrômero central e braços de comprimento aparente-


mente igual.

Metilação do DNA: Em eucariontes, a adição de uma metila na posição 5 do anel pirimidina de uma base
de citosina no DNA para formar a 5-metilcitosina.

MicroRNA: Uma classe em particular de RNAs não codificadores que são processados em curtos RNAs
de interferência (siRNA), que são RNAs de filamento duplos de, aproximadamente, 22 nucleotídeos de
comprimento, afetando a estabilidade ou a tradução. Os siRNAs estão envolvidos na regulação gênica,
no desenvolvimento e na diferenciação.

Mutação: Qualquer alteração hereditária permanente na sequência do DNA genômico.

Nucleossomo: A unidade estrutural primária da cromatina, consistindo em 146 pares de bases de DNA
entrelaçados duas vezes ao redor do cerne de oito moléculas de histona.

23
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Nucleotídeo: Uma molécula composta por uma base nitrogenada, um açúcar com cinco carbonos e um
Capítulo 1

grupo fosfato. Um ácido nucleico é um polímero de muitos nucleotídeos.

Oncogene: Um gene com ação dominante responsável pelo desenvolvimento tumoral. A mutação, supe-
rexpressão ou amplificação de oncogenes em células somáticas pode levar à transformação neoplásica.
Comparar com protoncongene e gene supressor de tumor.

Pares de bases: Um par de bases de nucleotídeos complementares, como ocorre nos filamentos duplos
de DNA. Usados como unidade de medida do comprimento de uma sequência de DNA.

Penetrância: A fração de indivíduos com um genótipo conhecido por causar uma doença, os quais apre-
sentam quaisquer sinais ou sintomas da doença. Comparar com expressividade.

Pluripotente: Descreve uma célula embrionária que é capaz de originar diferentes tipos de tecidos ou
estruturas diferenciados, dependendo de sua localização e influências ambientais.

Pré-mutação: Em distúrbios de repetição instável (p. ex., a síndrome do X frágil), uma expansão modera-
da do número de repetições que está em risco aumentado de sofrer posterior expansão durante a meiose,
causando o distúrbio completo na prole. As pré-mutações podem ser assintomáticas, como na doença de
Huntington, ou podem estar associadas a uma síndrome distinta, como o tremor associado ao X frágil/
síndrome da ataxia em indivíduos com repetições de trincas no seu gene FMR1 na série de pré-mutação.

Promotor: Uma sequência de DNA localizada na extremidade 5’ de um gene em que a transcrição é iniciada.

Recessivo: Uma característica expressa somente em homozigotos, heterozigotos compostos ou hemizigotos.

Recomposição (Splicing): A retirada dos íntrons e emenda (splice) dos éxons na geração do mRNA final
por meio do transcrito primário.

Região reguladora: Um segmento do DNA, como um promotor, acentuador, ou região controladora de um


locus, dentro ou próximo a um gene que regula a expressão do gene.

RNA: Um ácido nucleico formado em um molde de DNA, contendo ribose em vez de desoxirribose. O RNA
mensageiro (mRNA) é um molde sobre o qual os polipeptídeos são sintetizados. O RNA transportador
(tRNA), em cooperação com os ribossomos, leva os aminoácidos ativos para sua posição ao longo do
molde de mRNA. O RNA ribossômico (rRNA), um componente dos ribossomos, funciona como um sítio
inespecífico de síntese de polipeptídeos.

Taxa de mutação: A frequência de mutação em um dado locus, expressa como mutações por locus por
gameta (ou por geração, o que é a mesma coisa).

Translocação: A transferência de um segmento de um cromossomo para outro cromossomo. Se dois


cromossomos não homólogos trocam partes, a translocação é recíproca.

24
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Questões

Capítulo 1
1. O sistema CRISPR/Cas9 vem revolucionando os estudos em sistemas biológicos. Considerando suas
potenciais aplicações em análises de ensaios de triagem de alta vazão, assinale a afirmação que NÃO
é compatível com as aplicações do sistema CRISPR/Cas9.

A) O sistema CRISPR/Cas9 só pode ser usado em células de mamíferos devido à natureza do seu
sinal de localização nuclear.
B) Com o sistema CRISPR/Cas9, é possível realizar o nocaute de virtualmente qualquer gene para
avaliar sua função sob diferentes estímulos.
C) O sistema CRISPR/Cas9 permite fusionar proteínas fluorescentes a proteínas endógenas para
estudos mecanísticos.
D) Bibliotecas de CRISPR/Cas9 para o nocaute de genes podem ser utilizadas com estratégias de
triagem de alta vazão para a avaliação de alterações fenotípicas em linhagens celulares.
E) Bibliotecas de CRISPR/Cas9 modificado para a transativação de genes podem ser utilizadas com
estratégias de triagem de alta vazão para a avaliação de alterações fenotípicas em linhagens
celulares.

2. O uso de bibliotecas de silenciamento gênico por RNAi e de nocaute gênico por CRISPR/Cas9 pos-
suem algumas diferenças técnicas importantes para o uso em ensaios de triagem de alta vazão.
Assinale a opção INCORRETA entre as alternativas a seguir.

A) O nocaute gênico por CRISPR/Cas9 é transiente, e os ensaios de triagem de alta vazão devem ser
realizados considerando o pico de inibição da expressão do gene.
B) O silenciamento gênico por RNAi é transiente, e os ensaios de triagem de alta vazão devem ser
realizados considerando o pico de inibição da expressão do gene.
C) O nocaute gênico por CRISPR/Cas9 dificilmente gerará células com deleção dos dois alelos gênicos,
o que geralmente exige que se obtenham clones celulares nocauteados para iniciar os ensaios.
D) O silenciamento gênico por RNAi pode ser utilizado para verificação do impacto fenotípico da
ausência de expressão do gene-alvo.
E) O nocaute gênico por CRISPR/Cas9 pode ser utilizado para verificação do impacto fenotípico da
ausência de expressão dos genes-alvo.

3. A distinção entre um efeito ambiental e um efeito genético na definição de uma característica é fun-
damental para que as terapias gênicas e com CTs sejam uma opção de tratamento. Por exemplo, a
focomelia, ou ausência de desenvolvimento completo dos membros superiores, é um sinal clínico de
diversas síndromes genéticas, mas também pode ser causada por agentes ambientais, simulando
uma característica genética. Esse fenômeno é conhecido por

25
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

A) antecipação genética.
Capítulo 1

B) fenocópia.
C) imprinting genômico.
D) heterogeneidade de genes.
E) expressividade variável.

4. No Brasil, além dos bancos privados de cordão umbilical, foi implantada uma rede nacional, ainda
em expansão, denominada BrasilCord. Até novembro de 2009, a rede já havia recebido a doação de
mais de 6 mil cordões, disponíveis para transplantes alogênicos. Já os bancos privados visam, princi-
palmente, aos transplantes autólogos. As CTs do cordão umbilical podem ser usadas em transplante
autólogo visando ao tratamento de indivíduos com

A) distrofia muscular de Duchenne.


B) anemia falciforme.
C) acondroplasia.
D) síndrome de Down.
E) leucemia.

5. Um dos grandes problemas a ser enfrentado pelas terapias gênicas é a heterogeneidade genética de
locus. Esses problemas requerem que os diagnósticos moleculares sejam cada vez mais precisos.
Considerando esse assunto, julgue os itens a seguir.

I. É necessário saber qual alelo o indivíduo porta para que a terapia tenha efeito eficaz.
II. É necessário ter uma descrição clínica precisa para definir o gene envolvido com a doença e, com
isso, direcionar a terapia gênica.
III. É necessário saber exatamente qual gene está envolvido para que a terapia gênica tenha possibi-
lidade de fazer efeito.
Assinale a opção correta.
A) Apenas o item I está certo.
B) Apenas o item II está certo.
C) Apenas o item III está certo.
D) Apenas os itens II e III estão certos.
E) Todos os itens estão certos.

26
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

6. O modelo de envelhecimento acelerado é representado pela

Capítulo 1
A) doença de Huntington.
B) síndrome de Hutchinson-Gilford.
C) síndrome de Klinefelter.
D) síndrome de Asperger.
E) doença de Alzheimer.

7. Um paciente com 78 anos de idade, com flutuações cognitivas de início insidioso, rigidez com predomínio
axial, transtorno de marcha, alucinações visuais e distúrbio do sono, possui como diagnóstico mais provável

A) demência de Alzheimer.
B) paralisia supranuclear progressiva.
C) demência por corpos de Lewy.
D) doença de Huntington.
E) delirium.

8. Na distrofia muscular de Duchenne

A) é comum o aparecimento de déficit cognitivo.


B) as concentrações de CPK são normais no início da doença, elevando-se a partir de 7 anos de idade.
C) a transmissão hereditária ocorre de forma dominante ligada ao cromossomo X.
D) a musculatura distal dos membros inferiores é afetada no início da doença.
E) a fraqueza muscular proximal em membros inferiores se traduz no sinal de Gowers.

9. Com relação à genética das miopatias, assinale a opção que apresenta a associação correta.

A) Miopatia miotubular — herança autossômica dominante.


B) Distrofia muscular progressiva de Duchenne — herança recessiva ligada ao sexo.
C) Miopatia nemalínica — deficiência de glicose 6 fosfatase.
D) Doença de Thomsen — herança dominante ligada ao sexo.
E) Distrofia miotônica (doença de Steinert) — transmissão autossômica recessiva.

10. Assinale a opção em que é apresentada a neuropatia sistêmicas na qual pode ocorrer o predomínio
proximal de envolvimento dos nervos periféricos.

A) Diabetes tipo II
B) Diabetes tipo I
C) Deficiência de vitamina B12
D) Amiloidose sistêmica
E) Doença de Charcot Marie
27
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Referências
Capítulo 1

Amir RE, Van den Veyver IB, Wan M, Tran CQ, Francke U, Zoghbi HY. Rett syndrome is caused by mutations
in X-linked MECP2, encoding methyl-CpG-binding protein 2. Nat. Genet. 1999;23:185–188.

Bear MF, Huber KM, Warren ST. The mGluR theory of fragile X mental retardation. Trends Neurosci.
2004;27:370–377.

Bharucha-Goebel D, Kaufmann P. Treatment Advances in Spinal Muscular Atrophy. Curr Neurol Neurosci
Rep. 2017 Oct 6;17(11):91.

Catterall WA, Dib-Hajj S, Meisler MH, Pietrobon D. Inherited neuronal ion channelopathies: New windows
on complex neurological diseases. J. Neurosci. 2008;28:11768–11777.

De Sandre-Giovannoli A, Chaouch M, Kozlov S, Vallat JM, Tazir M, Kassouri N, Szepetowski P, Hammadou-


che T, Vandenberghe A, Stewart CL, et al. Homozygous defects in LMNA, encoding lamin A/C nuclear-en-
velope proteins, cause autosomal recessive axonal neuropathy in human (Charcot-Marie-Tooth disorder
type 2) and mouse. Am. J. Hum. Genet. 2002;70:726–736.

Dejager L, Libert C, Montagutelli X. Thirty years of Mus spretus: A promising future. Trends Genet.
2009;25:234–241.

Edwards A, Civitello A, Hammond HA, Caskey CT. DNA typing and genetic mapping with trimeric and tetra-
meric tandem repeats. Genomics. 1991;49:746–756.

Fu YH, Kuhl DP, Pizzuti A, Pieretti M, Sutcliffe JS, Richards S, Verkerk AJ, Holden JJ, Fenwick RG Jr, Warren
ST, et al. Variation of the CGG repeat at the fragile X site results in genetic instability: resolution of the
Sherman paradox. Cell. 1991 Dec 20;67(6):1047-58.

Gauthier J, Champagne N, Lafreniére RG, Xiong L, Spiegelman D, Brustein E, Lapointe M, Peng H, Côté
M, Noreau A, et al. S2D Team. De novo mutations in the gene encoding the synaptic scaffolding protein
SHANK3 in patients ascertained for schizophrenia. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2010;107:7863–7868.

Greene JC, Whitworth AJ, Kuo I, Andrews LA, Feany MB, Pallanck LJ. Mitochondrial pathology and apoptot-
ic muscle degeneration in Drosophila parkin mutants. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2003;100:4078–4083.

Hannes FD, Sharp AJ, Mefford HC, de Ravel T, Ruivenkamp CA, Breuning MH, Fryns JP, Devriendt K, Van
Buggenhout G, Vogels A, et al. Recurrent reciprocal deletions and duplications of 16p13.11: the dele-
tion is a risk factor for MR/MCA while the duplication may be a rare benign variant. J. Med., Genet.
2009;46:223–232.

Hardy J. Genetic analysis of pathways to Parkinson disease. Neuron. 2010;68(this issue):201–206.

28
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli Um Guia Prático de Pesquisa
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Ingason A, Rujescu D, Cichon S, Sigurdsson E, Sigmundsson T, Pietilainen OP, Buizer-Voskamp JE, Streng-

Capítulo 1
man E, Francks C, Muglia P, et al. Copy number variations of chromosome 16p13.1 region associated with
schizophrenia. Mol. Psychiatry. 2009 in press. Published online September 29, 2009. 10.1038/mp.2009.101.

Jones N. PINK1 targets dysfunctional mitochondria for autophagyin Parkinson disease. Nat Rev Neurol.
2010;6:181.

Kelley DB, Bass AH. Neurobiology of vocal communication: Mechanisms for sensorimotor integration and
vocal patterning. Curr. Opin. Neurobiol. 2010 in press. Published online September 8, 2010. 10.1016/j.
conb.2010.08.007.

Kim HG, Kishikawa S, Higgins AW, Seong IS, Donovan DJ, Shen Y, Lally E, Weiss LA, Najm J, Kutsche K, et al.
Disruption of neurexin 1 associated with autism spectrum disorder. Am. J. Hum. Genet. 2008;82:199–207.

Lai CS, Fisher SE, Hurst JA, Vargha-Khadem F, Monaco AP. A fork-head-domain gene is mutated in a severe
speech and language disorder. Nature. 2001;413:519–523.

Lee C, Scherer SW. The clinical context of copy number variation in the human genome. Expert Rev. Mol.
Med. 2010;12:e8.

McGowan PO, Sasaki A, D’Alessio AC, Dymov S, Labonté B, Szyf M, Turecki G, Meaney MJ. Epigenetic
regulation of the glucocorticoid receptor in human brain associates with childhood abuse. Nat. Neurosci.
2009;12:342–348.

Nedelsky NB, Pennuto M, Smith RB, Palazzolo I, Moore J, Nie Z, Neale G, Taylor JP. Native functions of the
androgen receptor are essential to pathogenesis in a Drosophila model of spinobulbar muscular atrophy.
Neuron. 2010;67:936–952.

Orr HT, Zoghbi HY. Trinucleotide repeat disorders. Annu. Rev. Neurosci. 2007;30:575–621.

Pipis M, Feely SME, Polke JM, Skorupinska M, Perez L, Shy RR, Laura M, Morrow JM, Moroni I, Pisciotta C, Taroni F,
Vujovic D, Lloyd TE, Acsadi G, Yum SW, Lewis RA, Finkel RS, Herrmann DN, Day JW, Li J, Saporta M, Sadjadi R, Walk D,
Burns J, Muntoni F, Ramchandren S, Horvath R, Johnson NE, Züchner S, Pareyson D, Scherer SS, Rossor AM, Shy ME,
Reilly MM; Inherited Neuropathies Consortium - Rare Disease Clinical Research Network (INC-RDCRN). Natural history
of Charcot-Marie-Tooth disease type 2A: a large international multicentre study. Brain. 2020 Dec 1;143(12):3589-3602.

Quintero-Rivera F, Sharifi-Hannauer P, Martinez-Agosto JA. Autistic and psychiatric findings associated with
the 3q29 microdeletion syndrome: Case report and review. Am. J. Med. Genet. A. 2010;152A:2459–2467.

Ramocki MB, Zoghbi HY. Failure of neuronal homeostasis results in common neuropsychiatric pheno-
types. Nature. 2008;455:912–918.

29
Introdução à Neurogenética
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Álvaro Moreira Rivelli
Clara Isis Maria Ribeiro Gomes | João Erivan Façanha Barreto

Sebat J, Lakshmi B, Troge J, Alexander J, Young J, Lundin P, Månér S, Massa H, Walker M, Chi M, et al.
Capítulo 1

Large-scale copy number polymorphism in the human genome. Science. 2004;305:525–528.

Tong C, Li P, Wu NL, Yan Y, Ying QL. Production of p53 gene knockout rats by homologous recombination
in embryonic stem cells. Nature. 2010;467:211–213.

Thompson & Thompson genética médica. 8. ed. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 546 . p.

Ullmann R, Turner G, Kirchhoff M, Chen W, Tonge B, Rosenberg C, Field M, Vianna-Morgante AM, Christie
L, Krepischi-Santos AC, et al. Array CGH identifies reciprocal 16p13.1 duplications and deletions that pre-
dispose to autism and/or mental retardation. Hum. Mutat. 2007;28:674–682.

Wolf R, Heisenberg M, Brembs B, Waddell S, Mishra A, Kehrer A, Simenson A. Memory, anticipation, action
- working with Troy D. Zars. J Neurogenet. 2020 Mar;34(1):9-20.

30
Introdução à Neurogenética
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath | Cibelle Barroso de Sousa Melo

Capítulo 2
Demências

A
demência é um problema comum de saúde pública. Em todo o mundo, aproximadamen-
te 47 milhões de pessoas têm demência. Espera-se que esse número aumente para 131
milhões até 2050. Existem várias causas de demência, sendo a mais comum a doença de
Alzheimer (DA), com mais de cinco milhões de pessoas atualmente afetadas e, com projeção de 13,8
milhões de casos no ano de 2050. A doença de Alzheimer é a sexta maior causa de morte na população
geral e a quinta principal causa entre pessoas com mais de 65 anos.

O envelhecimento é um fator de risco importante para todas as causas de demência. A DA afeta de


5 a 10% das pessoas com mais de 65 anos e 50% das pessoas acima de 85 anos. Fatores de risco não
modificáveis ​​para DA incluem sexo feminino, raça negra, etnia hispânica e fatores genéticos, como alte-
rações no gene da apolipoproteína E (APOE). Fatores de risco modificáveis ​​comuns para todas as causas
de demência incluem hipertensão e diabetes, dieta e atividades cognitivas, físicas e sociais limitadas. Pa-
tologicamente, a demência mista é a forma mais comumente encontrada de demência, 46% das pessoas
com diagnóstico clínico de DA apresentam neurodegeneração típica da doença associada à presença
de doença cerebrovascular. Outras patologias neurodegenerativas, como doença com corpos de Lewy
(patologicamente confirmada em 17% dos casos) e demência frontotemporal (em <5% dos casos), são
causas de demência menos frequentes.

Demência é definida pela perda crônica adquirida de duas ou mais habilidades cognitivas causadas
por doença ou lesão cerebral. Esta definição tem sido utilizada na prática clínica há décadas, apesar de
questionamentos recentes nessa definição terem sugerido a existência de demência com o prejuízo de
um único domínio cognitivo (por exemplo, um paciente com afasia expressiva grave isolada poderia ser
classificado como portador de demência). Ainda, nesse sentido, demência consiste em uma síndrome
clínica com manifestações variáveis, o reconhecimento de suas características auxilia a definir a causa
da demência e a orientar o seu manejo. Diferenciar a demência da doença de Alzheimer de outras causas
de demência é mais simples quando em seu estágio inicial, uma vez que as demências, em seus estágios
finais, apresentam-se com formas muito semelhantes.
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath
Capítulo 2

Figura 2.1. Características que diferenciam uma demência de um comprometimento cognitivo leve (adaptado de Knopman, 2014).

32
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Capítulo 2

Figura 2.2. Tabela exemplificando as manifestações clínicas das demências nos seus subdomínios. (Adaptado de Knopman, 2014).

33
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath
Capítulo 2

Figura 2.3. Características clínicas e patológicas das principais demências. (Adaptado de Knopman, 2014).

34
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Doença de Alzheimer

Capítulo 2
Contexto
A doença de Alzheimer (DA) é um importante problema de saúde pública secundário ao aumento
da expectativa de vida da população em geral. Foi definido, pela primeira vez, por Alois Alzheimer, em
1906, por meio de critérios como perda progressiva de memória, desorientação e presença de marca-
dores patológicos na análise histopatológica cerebral (placas senis e emaranhados neurofibrilares).

Inicialmente, supôs-se que a DA era uma condição rara; hoje ela é reconhecida como uma con-
sequência do processo de envelhecimento. O estigma associado ao envelhecimento, por vezes, pode
atrasar sua investigação e tratamento. Os tratamentos, embora sejam inicialmente modestos em efi-
cácia, estão, cada vez mais, disponíveis.

A prevalência da DA está diretamente relacionada à idade. Menos de 1% dos pacientes entre


60-64 anos de idade são diagnosticados com a doença, em comparação ao percentual de 20-40% de
casos diagnosticados em indivíduos com faixa etária entre 85-90 anos. A doença é o resultado do acú-
mulo e deposição de beta-amiloide cerebral e consiste na doença de deposição de amiloide cerebral
mais comum.

Os fatores de risco para o desenvolvimento da doença incluem idade avançada, sexo feminino,
expressão do alelo ε4 da apolipoprteína E (APOE) no código genético, tabagismo, história familiar de
demência, mutações da proteína precursora amiloide, síndrome de Down e presença de inflamação
crônica como ocorre na artrite psoriática. Além disso, condições socioeconômicas, como nível educa-
cional, renda, ocupação profissão e apoio familiar - podem influenciar na idade de início da apresenta-
ção da doença.
Características Clínicas
A demência de Alzheimer é a forma mais comum de demência. É responsável por 60% a 80%
do total de casos demenciais. Definida como um quadro progressivo de deterioração da memória e
de, pelo menos, uma outra função cognitiva associada - após terem sido excluídas outras possíveis
causas de demência.

Existem dois subtipos de doença: um com manifestação de início precoce e o outro de início
tardio. Ambos os tipos possuem componente genético. A maioria dos indivíduos afetados pela doença
apresentam a forma de início tardio, em que os sintomas se tornam aparentes por volta dos 60 anos
ou mais.

A DA também pode ser definida como:

a) Doença de Alzheimer Clássica (ou típica): O paciente com DA típica apresenta, inicialmente,
déficits episódicos de memória anterógrada. Com o passar do tempo (muitas vezes, a evo-

35
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

lução ocorre em meses ou anos), a doença progride, com envolvimento de outros processos
Capítulo 2

cognitivos superiores como déficit atencional e executivo, prejuízo na memória semântica, na


práxis e nas habilidades visuoperceptuais. Os sintomas neuropsiquiátricos são manifestações
comuns no curso da DA, afetando quase todos os pacientes. Apatia, depressão, ansiedade,
agressão/agitação e psicose (delírios e alucinações) são as manifestações mais frequentes.

b) Doença de Alzheimer Formas Variantes (ou forma atípicas): são manifestações da doença
caracterizadas por afetarem, de forma específica, alguns segmentos corticais selecionados
em sua fase inicial, como ocorre na atrofia cortical focal lentamente progressiva, em que os
sinais e sintomas iniciais serão compatíveis com o segmento cerebral afetado. Exemplos DA
variante incluem a atrofia cortical posterior, a variante frontal da doença de Alzheimer e uma
minoria de casos que se manifestam por meio de demência semântica.

O diagnóstico clínico da doença é feito pela identificação do declínio progressivo da memória,


realizado através de exames clínicos e de testes neuropsicológicos. Historicamente, os critérios diag-
nósticos da doença foram baseado nos critérios de Alzheimer NINCDS-ADRDA propostos em 1984
pelo National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke (NINCDS) e pela
Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association que dividem os pacientes de acordo com
grau de certeza do diagnóstico em:

ƒ DA definitiva: diagnóstico clínico e confirmação histopatológica.


ƒ DA provável: síndrome clínica típica sem confirmação histopatológica:
y 81% sensível, 73% específico.
ƒ DA possível: características clínicas atípicas sem confirmação histopatológica e sem outro diagnós-
tico alternativo mais provável.
Por fim, do ponto de vista da neuroimagem cerebral, embora a tomografia computadorizada
seja capaz de demonstrar os padrões característicos de atrofia cortical, a ressonância magnética é o
exame mais sensível às alterações relacionada à perda neuronal precoce e possui maior acurácia para
excluir outras causas de demência por múltiplos infartos.

Além da imagem estrutural, a imagem molecular obtida por meio de Tomografia com Emissão
de Pósitrons (PET) tem se mostrado cada vez mais valiosa ao diagnóstico da doença de Alzheimer.

36
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Capítulo 2
Figura 2.4. Paciente, sexo feminina, 70 anos, com declínio progressivo da memória anterógrada, com preservação da memória retrógrada e
autobiográfica. Demência de Alzheimer. RMN em T2 coronal com atrofia dos lobos temporais mesiais bilateralmente e redução volumétrica.
(Caso cortesia do Dr. Frank Gaillard, Radiopaedia.org, rID: 22196).

Braak foi o primeiro estudioso da DA que propôs uma classificação evolutiva da doença de
acordo com os segmentos cerebrais afetados. O estadiamento de Braak apresenta a seguinte
classificação:

ƒ Estágio I e II: envolvimento inicial do córtex entorrinal.


ƒ Estágio III e IV: envolve o sistema límbico e o hipocampo.
ƒ Estágio V e VI: envolve o córtex (pré-cuneus em particular) e lobos temporais.

Atualmente, o tratamento da doença de Alzheimer é essencialmente sintomático e visa reduzir a


velocidade de progressão da doença, sendo a DA uma doença degenerativa e, ainda, incurável. As medi-
cações disponíveis a fim de melhorar sintomas desenvolvidos são:

ƒ inibidores da colinesterase, por exemplo, donepezil, galantamina e rivastigmina;


ƒ antagonistas parciais do receptor NMDA, por exemplo memantina;
ƒ medicamentos para sintomas comportamentais, entre eles:
y antidepressivos;
y antipsicóticos;
y antiparkinsonianos (sintomas de movimento);
y anticonvulsivantes
y sedativos.

37
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

Mais recentemente, o Aduhelm (aducanumbe) foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA)
Capítulo 2

e foi alegado que reduz a placa beta-amiloide em seres humanos, embora sua eficácia e benefícios em longo
prazo permaneçam controversos. Numerosos outros agentes redutores de amiloide estão sendo investigados.
Principais Genes Associados à Demência de Alzheimer e suas Funções
Os pesquisadores não encontraram um gene específico como causa direta da doença de Alzheimer
de início tardio. No entanto, a presença da variante genética do gene da apolipoproteína E (APOE) no cro-
mossomo 19 aumenta o risco de desenvolver a doença. Este gene está relacionado à produção de uma
proteína que auxilia no transporte de colesterol e outras partículas de gordura.

ƒ APOE possui vários subtipos ou alelos. Cada indivíduo herda dois alelos de APOE, um da mãe e um do pai.
ƒ APOE ε2 é um alelo relativamente raro e pode fornecer alguma proteção contra a doença. Se a doença
de Alzheimer ocorre em uma pessoa com esse alelo, geralmente ela se desenvolve mais tardiamente
do que nos casos com a presença do alelo APOE ε4.
ƒ Acredita-se que APOE ε3 seja o alelo mais comum e desempenha um papel neutro na doença, nem
diminuindo nem aumentando o seu risco.
ƒ APOE ε4 aumenta o risco de doença de Alzheimer e também está associado a uma idade mais precoce
de início da doença. Ter um ou dois alelos APOE ε4 aumenta o risco da doença. Cerca de 25% das
pessoas carregam uma cópia do APOE ɛ4, e 2 a 3% da população possuem as duas cópias.

Herdar um alelo APOE ε4 não significa que uma pessoa irá definitivamente desenvolver a doença.
Algumas pessoas com um alelo APOE ε4 nunca desenvolvem a doença, e outras que desenvolvem
Alzheimer não têm nenhum alelo de APOE ε4.

Pesquisas recentes indicam que formas raras do alelo APOE podem fornecer proteção contra a do-
ença de Alzheimer. Mais estudos são necessários para determinar como essas variações podem interferir
no início da doença ou reduzir o risco de uma pessoa manifestá-la.

Embora a grande maioria dos pacientes desenvolva sintomas clínicos somente após os 65 anos
de idade, cerca de 2% a 10% dos indivíduos acometidos apresentam um quadro de início precoce. Esses
casos podem estar associados a formas raras da DA de herança autossômica dominante, que habitual-
mente se manifestam entre 30 e 60 anos, causados por mutações de alta penetrância em um dos três
principais genes: APP, PSEN1 e PSEN2.

ƒ Proteína precursora de amiloide (APP) no cromossomo 21.


O APP é um gene que codifica um receptor de superfície celular e uma proteína precursora transmembra-
na; essa proteína é clivada por secretases para formar vários peptídeos. Alguns desses peptídeos são secretados
e podem-se ligar ao complexo de acetiltransferase APBB1 / TIP60 para promover a ativação transcricional, en-
quanto outros formam a base proteica das placas amiloides encontradas no cérebro de pacientes com doença
de Alzheimer. Além desses, dois dos peptídeos são peptídeos antimicrobianos, tendo demonstrado atividades

38
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

bactericidas e antifúngicas. Mutações no gene da APP foram implicadas na doença de Alzheimer autossômica

Capítulo 2
dominante e na amiloidose cerebroarterial (conhecida também por angiopatia amiloide cerebral). Múltiplas varian-
tes de transcrição que codificam várias isoformas diferentes foram encontradas para este gene.

ƒ Presenilina 1 (PSEN1) no cromossomo 14.


O PSEN1 é um gene de codificação de proteína. Pacientes com doença de Alzheimer com uma forma
hereditária da doença carregam mutações nas proteínas da presenilina (PSEN1; PSEN2). Essas mutações
associadas a doenças resultam no aumento da produção da forma mais longa de beta-amiloide (principal
componente dos depósitos de amiloide encontrados em cérebros de indivíduos com DA). Presenilinas fun-
cionam como reguladoras do processamento de APP por meio de seus efeitos da gama-secretase, enzima
que cliva a APP. Além disso, acredita-se que as presenilinas estão envolvidas na clivagem do receptor Notch,
regulando diretamente a atividade da gama-secretase ou, ainda, elas próprias possuindo função de enzimas
proteases. Diversas variantes de transcritos com splicing alternativo que codificam diferentes isoformas fo-
ram identificadas para este gene, porém somente algumas variantes foram completamente determinadas.

ƒ Presenilina 2 (PSEN2) no cromossomo 1.


A presenilina 2 também consiste em um gene codificador de proteína relacionado à doença de
Alzheimer na sua forma hereditária, em virtude da mutação na proteína PSEN2. Foram identificadas duas
variantes de transcritos com splicing alternativo que codificam diferentes isoformas de PSEN2.

Mutações nesses genes resultam na produção de proteínas anormais que estão associadas à do-
ença. Cada uma dessas mutações desempenha um papel na quebra de APP, uma proteína cuja função
precisa ainda não é totalmente compreendida. Esse colapso é parte de um processo que gera formas
prejudiciais de placas amiloides, uma marca registrada da doença de Alzheimer.

Figura 2.5. Principais genes relacionados à doença de Alzheimer de início precoce.

39
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

Por exemplo, uma criança cujo pai ou mãe biológicos carrega uma mutação genética para um
Capítulo 2

desses três genes tem uma chance de 50/50 de herdar essa mutação. Se a mutação for de fato herdada,
a criança tem uma probabilidade muito forte de desenvolver a doença de Alzheimer de início precoce.

Para outras formas de Alzheimer de início precoce, pesquisas mostraram que outros componentes ge-
néticos estão envolvidos, e estudos estão em andamento para identificar variantes adicionais de risco genético.

Ter a síndrome de Down aumenta o risco de desenvolver a doença de Alzheimer de início preco-
ce. Muitas pessoas com a síndrome desenvolvem demência de Alzheimer à medida que envelhecem,
com sintomas que surgem por volta dos 50 ou 60 anos. Pesquisadores acreditam que isso ocorre por-
que portadores da síndrome de Down nascem com uma cópia extra do cromossomo 21, que carrega
o gene APP.

Um exame de sangue pode identificar quais alelos APOE uma pessoa possui, mas os resultados
não podem prever quem desenvolverá ou não a doença de Alzheimer. Atualmente, o teste de APOE é
usado, principalmente, em ambientes de pesquisa para identificar os participantes do estudo com risco
aumentado de desenvolver essa demência. Esse conhecimento ajuda os cientistas a procurarem mudan-
ças cerebrais precoces nos participantes e comparar a eficácia de possíveis tratamentos para pessoas
com diferentes perfis de APOE.

Os testes genéticos são utilizados ​​por médicos para ajudar a diagnosticar a doença de Alzheimer
de início precoce em casos selecionados e, também servem para testar pessoas com um forte histórico
familiar de Alzheimer ou doença cerebral relacionada.

Os testes genéticos para APOE ou outras variantes genéticas não podem determinar a probabili-
dade de um indivíduo desenvolver a doença de Alzheimer. Determinam apenas quais genes de fator de
risco uma pessoa possui. Pesquisadores acreditam ser improvável que o teste genético seja capaz de
prever a doença com 100 por cento de precisão, uma vez que muitos outros fatores podem influenciar
seu desenvolvimento e progressão.

40
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Capítulo 2
Figura 2.6. Painel genético da doença de Alzheimer com os principais genes pesquisados no contexto da doença. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Demência Frontotemporal
Contexto
A demência frontotemporal (DFT), anteriormente conhecida como doença de Pick, é uma síndrome
clínica neurodegenerativa heterogênea progressiva que reflete déficits progressivos no comportamento,
função executiva e linguagem. Apesar de muitas vezes ser considerada uma doença rara, a DFT é, pro-
vavelmente, a forma mais comum de demência experimentada em pessoas com menos de 60 anos, em
que 10% dos pacientes são diagnosticados com idade inferior a 45 anos, com um risco estimado ao longo
da vida de 1 em 742, é a segunda causa mais comum de demência em pacientes com menos de 65 anos
e corresponde à terceira forma mais comum de demência em todas as faixas etárias, perdendo apenas
para a doença de Alzheimer e a demência com corpos de Lewy. A prevalência é estimada entre 1 a 26
casos por 100.000 habitantes.

Em uma meta-análise de 73 artigos de demência de início precoce (idade do paciente < 65 anos), a
demência frontotemporal foi o segundo ou terceiro mais prevalente subtipo de demência na maioria dos
estudos, com prevalência variando de 3% a 26%.

41
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

Devido à grande semelhança entre as mudanças comportamentais em pacientes com demência


Capítulo 2

frontotemporal e aquelas observadas em pacientes com transtornos psiquiátricos, o diagnóstico é desa-


fiador.
Característica Clínica
A demência frontotemporal (DFT) é classificada em três variantes clínicas: demência frontotem-
poral com variante comportamental (BV-DFT), afasia progressiva primária variante não fluente (NFV-DFT)
e afasia progressiva primária variante semântica (SV-DFT).

A variante comportamental da demência frontotemporal (BV-DFT) é caracterizada por mudanças


na personalidade com déficits comportamentais e executivos precoces, enquanto a variante não fluente
tem apresentação com déficits progressivos da fala, gramática e produção de palavras; por fim, a variante
semântica é um distúrbio do conhecimento semântico e da nomenclatura.

À medida que a demência frontotemporal progride, os sintomas das três variantes clínicas podem
convergir, pois uma degeneração inicialmente focal se torna mais difusa e se espalha para afetar gran-
des regiões nos lobos frontais e temporais. Com o tempo, os pacientes desenvolvem comprometimento
cognitivo global e déficits motores, incluindo parkinsonismo e doença do neurônio motor em alguns pa-
cientes.

Nesse sentido, pessoas com DFT também podem desenvolver déficits motores, seja com clínica
semelhante à esclerose lateral amiotrófica (em que se tem o complexo DFT-ELA) ou com parkinsonismo,
o último caso frequentemente se apresenta com características semelhantes à síndrome corticobasal
(SCB) ou à paralisia supranuclear progressiva (PSP), dificultando, assim, o seu diagnóstico.

Pacientes com a doença em estágio terminal têm dificuldade para comer, mover-se e engolir. A
morte geralmente ocorre cerca de 8 anos após o início dos sintomas e é, normalmente, causada por
pneumonia ou outras infecções secundárias.

42
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Capítulo 2
Figura 2.7. Critérios diagnósticos para a demência frontotemporal. (Adaptado de Bang, 2015)

A DFT é caracterizada por atrofia seletiva do córtex frontal e/ou temporal, sendo a atrofia frontoin-
sular considerada, particularmente, indicativa do seu diagnóstico (imagem 1).

Figura 2.8. Paciente do sexo masculino, 40 anos, com declínio cognitivo rápido ao longo de 12 meses. Atrofia frontotemporal avançada.
RMN em T1 sagital. (Caso cortesia do Dr. Frank Gaillard, Radiopaedia.org, rID: 28163).

43
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

Principais Genes Associados à Demência Frontotemporal e suas Funções


Capítulo 2

Na DFT, observa-se presença de história familiar em 25% a 50% dos casos e, em cerca de 10%
dos pacientes, identifica-se um padrão de herança autossômica dominante associado à doença. Nesse
cenário, os estudos genéticos podem detectar alguns genes associados ao desenvolvimento DFT mono-
gênica, sendo os genes MAPT, o GRN e o C9orf72 os mais frequentes.

Figura 2.9. Painel genético da demência frontotemporal com os principais genes pesquisados no contexto da doença. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

ƒ Proteína TAU associada ao microtúbulo (MAPT) no cromossomo 17.


O MAPT é um gene relacionado à codificação de proteínas. Codifica a proteína tau associada a
microtúbulos, cujo transcrito sofre splicing alternativo de forma complexa e regulada, dando origem a
várias espécies de mRNA. Os transcritos de MAPT são expressos diferencialmente no sistema nervoso,
dependendo do estágio de maturação neuronal e do tipo de neurônio. As mutações do gene MAPT têm
sido associadas a várias doenças neurodegenerativas, como doença de Alzheimer, doença de Pick, de-
mência frontotemporal, degeneração córtico-basal e paralisia supranuclear progressiva.

ƒ Precursor da Granulina (GRN) no cromossomo 17.


As granulinas são uma família de peptídeos glicosilados secretados que são clivados de uma única
proteína precursora. A proteína precursora de 88 kDa, progranulina, também é chamada de proepitelina e
fator de crescimento derivado de células PC. A clivagem do peptídeo produz granulina madura que pode
ser posteriormente clivada em uma variedade de peptídeos ativos de 6 kDa. Esses produtos de clivagem
menores são denominados granulina A, granulina B, granulina C, etc. As epitelinas 1 e 2 são sinônimos

44
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

de granulinas A e B, respectivamente. Tanto os peptídeos quanto a proteína granulina intacta regulam o

Capítulo 2
crescimento celular. No entanto, diferentes membros da família de proteínas da granulina podem atuar
como inibidores, estimuladores ou ter dupla ação no crescimento celular. Os membros da família granuli-
na são importantes no desenvolvimento normal, na cicatrização de feridas e tumorigênese.

ƒ Subunidade do complexo C9orf72-SMCR8 (C9orf72) no cromossomo 9.


A proteína codificada por este gene desempenha um papel importante na regulação do tráfego
endossomal e demonstrou interagir com as proteínas Rab que estão envolvidas na autofagia e no trans-
porte endocítico. A expansão de uma repetição GGGGCC de 2 a 22 cópias para 700 a 1600 cópias na se-
quência intrônica entre exons 5 alternados em transcritos deste gene está associada à esclerose lateral
amiotrófica e à demência frontotemporal em associação. Estudos sugerem que as expansões de hexa-
nucleotídeos podem resultar na estabilização seletiva de pré-mRNA contendo repetição e no acúmulo de
agregados de proteína de repetição dipeptídica insolúvel, que podem ser patogênicos em pacientes com
complexo DFT-ELA. O splicing alternativo resulta em múltiplas variantes de transcrição que codificam
diferentes isoformas.

Painel Genético para Demência Frontotemporal

Figura 2.10. Painel genético da demência frontotemporal. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

45
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

Questões
Capítulo 2

1. Homem, 78 anos de idade, com confusão mental e alteração da memória há 6 meses, apresenta
períodos de lucidez que duram alguns dias, com episódios de desorientação de início agudo. Nos úl-
timos três meses, teve alucinações visuais bem estruturadas (chega a ver animais na árvore). Sofreu
algumas quedas, com fratura do punho. Ao exame físico, apresentou leve tremor na mão esquerda e
rigidez nos braços. Qual é o diagnóstico provável?

A) Doença de Parkinson
B) Doença de Alzheimer
C) Demência frontotemporal
D) Demência com corpos de Lewy
E) Doença de Huntington

2. Paciente de 70 anos, previamente hígido e ativo, apresenta, há alguns meses, lentificação da marcha
com base um pouco alargada e passos curtos como se os pés estivessem presos ao chão. Essa
alteração veio seguida por uma diminuição da atenção, da concentração e da memória. Os familia-
res relatam que, ultimamente, o paciente tem incontinência urinária. Foi solicitada uma ressonância
magnética do crânio que evidenciou ventriculomegalia sem atrofia cortical. A hipótese diagnóstica
mais provável é de:

A) hidrocefalia de pressão normal.


B) demência de Alzheimer.
C) hematoma subdural crônico.
D) demência frontotemporal.

3. Em relação às demências, considere as afirmativas a seguir:

I. Na demência dos corpúsculos de Lewy, costumam ser observadas alucinações visuais e parkinso-
nismo.
II. A demência da hidrocefalia de pressão normal cursa com distúrbio da marcha com alargamento
da base de suporte e incontinência urinária.
III. A demência frontotemporal costuma cursar com mudanças da personalidade (por exemplo, desi-
nibição) e alterações da linguagem.
IV. A doença de Alzheimer moderada costuma cursar com flutuação de sua apresentação ao longo
das 24 horas do dia e exacerbação noturna dos sintomas.

46
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Assinale a alternativa correta:

Capítulo 2
A) I e II, apenas
B) I e IV, apenas
C) III e IV, apenas
D) I, II e III, apenas
E) II, III e IV, apenas

4. Sobre um paciente com síndrome demencial, podemos afirmar:

I) A doença de Alzheimer apresenta-se com perda da memória anterógrada insidiosa e perda do


senso geográfico, podendo evoluir para apraxia e agnosia.
II) A demência vascular pode evoluir com alteração cognitiva em período curto de 3 meses, associa-
da a alterações de humor e, muitas vezes, à história pregressa de AVC.
III) Presença de manifestações extrapiramidais, alucinações e distúrbios do sono são manifestações
clínicas tardias da doença de Alzheimer.
A) Somente I
B) Somente II e III
C) Somente II
D) Somente I e II
E) Somente I e III

5. Paciente de 68 anos, sexo feminino, apresenta história de 5 meses de incontinência urinária, distúr-
bios da marcha e perda de memória. Qual o diagnóstico provável?

A) Demência frontotemporal.
B) Hidrocefalia de pressão normal.
C) Demência de Alzheimer.
D) Demência com corpos de Lewy.

6. Que lesão neurodegenerativa pode surgir concomitante com esclerose lateral amiotrófica?

A) Demência frontotemporal
B) Esclerose múltipla
C) Demência priônica
D) Esclerose lateral primária

47
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

7. O quadro de um paciente com 68 anos de idade evoluiu, nos dois últimos anos, com clínica compatí-
Capítulo 2

vel com afasia primária progressiva. Nesse caso clínico, é correto afirmar que essa síndrome clínica
está associada à:

A) demência do tipo frontotemporal.


B) demência por corpos de Lewy.
C) degeneração córtico gânglio basal D) Demência vascular.
E) demência de Alzheimer.

8. Acerca da demência de Alzheimer é correto afirmar que:

A) mioclonias e parkinsonismo podem ocorrer em casos mais avançados.


B) a epilepsia pode ocorrer em casos precoces.
C) o reflexo palmo mentoniano pode ocorrer na doença de Alzheimer na fase inicial.
D) o sinal de Babinski pode ocorrer em estágios precoces da doença.
E) o diagnóstico definitivo da doença de Alzheimer ocorre somente em RNM com espectroscopia,
exame clínico e investigação de proteína tau no LCR.

9. Assinale a opção em que são apresentadas causas tratáveis de demência.

A) Transtorno bipolar e neurossífilis.


B) Esquizofrenia e hidrocefalia de pressão normal.
C) Deficiência de vitamina B12 e intoxicação por drogas.
D) Meningite crônica e doença de Parkinson
E) Depressão e príons

Texto para a questão 10

Um paciente com 69 anos de idade, contador, foi levado à consulta pela filha, que estava muito preo-
cupada com a situação do pai. Relatava que o pai sempre foi uma pessoa tímida e reservada. Gostava
de ficar em casa e evitava locais com grandes aglomerações de pessoas. Há seis meses, estava
evoluindo com apatia. Há três meses, foi a um evento em que observou o pai muito agitado, falando
alto e gesticulando muito, (muitas vezes, gestos obscenos). Há um mês, encontrou o pai andando nu
pela casa. Acha estranha a dificuldade que o pai vem tendo para realizar cálculos simples, coisa que
tinha muita facilidade pela profissão que exercia. Desde então, desistiu de trabalhar. Paciente negava
doenças prévias e uso de medicamentos. Exame físico sem achados anormais. Foi solicitada resso-
nância nuclear magnética do crânio que evidenciou atrofia focal de lobos frontais.

48
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

10. Com base nesse quadro clínico, assinale a opção que corresponde ao diagnóstico mais provável.

Capítulo 2
A) Doença de Creutzfeldt Jakob.
B) Degeneração frontotemporal.
C) Demência de Alzheimer
D) Demência por corpúsculo de Lewy
E) Demência vascular

49
Demências
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena
Maria Falcão | Taimara Zimath

Referências
Capítulo 2

Bang J, Spina S, Miller BL. Frontotemporal dementia. Lancet. 2015 Oct 24;386(10004):1672-82.

Braun B, Braun SDM, Braun KnH, Braun. [Alzheimer-Perusini disease: the 100th anniversary of Gaetano
Perusini’s publication]. (2011) Der Nervenarzt.

Ebert A, Bär KJ. Emil Kraepelin: A pioneer of scientific understanding of psychiatry and psychopharmacol-
ogy. (2010) Indian journal of psychiatry. 52 (2): 191-2.

Galton CJ, Patterson K, Xuereb JH et-al. Atypical and typical presentations of Alzheimer’s disease: a
clinical, neuropsychological, neuroimaging and pathological study of 13 cases. Brain. 2000;123 Pt
3 : 484-98.

Gorno-Tempini ML, Hillis AE, Weintraub S, et al. Classification of primary progressive aphasia and its vari-
ants. Neurology. 2011;76:1006–14.

Hippius H, Neundörfer G. The discovery of Alzheimer’s disease. (2003) Dialogues in clinical neuroscience.
5 (1): 101-8.

Jalbert JJ, Daiello LA, Lapane KL. Dementia of the Alzheimer type. Epidemiol Rev. 2008;30 : 15-34.

J.D. Oldan, V.L. Jewells, B. Pieper, T.Z. Wong. Complete Evaluation of Dementia: PET and MRI Correlation
and Diagnosis for the Neuroradiologist. (2021) American Journal of Neuroradiology. 42 (6): 998.

Knopman DS, Petersen RC. Mild cognitive impairment and mild dementia: a clinical perspective. Mayo
Clin Proc. 2014;89(10):1452-1459. doi:10.1016/j.mayocp.2014.06.019

Knopman DS, Roberts RO. Estimating the number of persons with frontotemporal lobar degeneration in
the US population. J Mol Neurosci. 2011;45:330–35.

Kuller LH, Lopez OL. ENGAGE and EMERGE: Truth and consequences?. (2021) Alzheimer’s & dementia :
the journal of the Alzheimer’s Association. 17 (4): 692-695.

Kunal P. Patel, David T. Wymer, Vinay K. Bhatia, Ranjan Duara, Chetan D. Rajadhyaksha. Multimodality
Imaging of Dementia: Clinical Importance and Role of Integrated Anatomic and Molecular Imaging. (2020)
RadioGraphics. 40 (1): 200-222.

Macchi G, Macchi BC, Macchi PM, Macchi. Alois Alzheimer and Gaetano Perusini: should man divide what
fate united?. (1997) Behavioural neurology.

​​Miri Kim, Hyo Eun Park, Si-Hyung Lee, Kyungdo Han, Ji Hyun Lee. Increased risk of Alzheimer’s disease in
patients with psoriasis: a nationwide population-based cohort study. (2020) Scientific Reports. 10 (1): 1.

50
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Idna Lara Goes de Sena Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Falcão | Taimara Zimath

Mori K, Weng SM, Arzberger T, May S, Rentzsch K, Kremmer E, Schmid B, Kretzschmar HA, Cruts M, Van

Capítulo 2
Broeckhoven C, Haass C, Edbauer D. The C9orf72 GGGGCC repeat is translated into aggregating dipep-
tide-repeat proteins in FTLD/ALS. Science. 2013 Mar 15;339(6125):1335-8.

Morris E, Chalkidou A, Hammers A, Peacock J, Summers J, Keevil S. Diagnostic accuracy of (18)F amyloid
PET tracers for the diagnosis of Alzheimer’s disease: a systematic review and meta-analysis. European
journal of nuclear medicine and molecular imaging. 43 (2): 374-85.

Nelson PT, Dickson DW, Trojanowski JQ, Jack CR, Boyle PA, Arfanakis K, Rademakers R, Alafuzoff I, Attems
J, Brayne C, Coyle-Gilchrist ITS, Chui HC, Fardo DW, Flanagan ME, Halliday G, Hokkanen SRK, Hunter S,
Jicha GA, Katsumata Y, Kawas CH, Keene CD, Kovacs GG, Kukull WA, Levey AI, Makkinejad N, Montine TJ,
Murayama S, Murray ME, Nag S, Rissman RA, Seeley WW, Sperling RA, White Iii CL, Yu L, Schneider JA.
Limbic-predominant age-related TDP-43 encephalopathy (LATE): consensus working group report. (2019)
Brain : a journal of neurology. 142 (6): 1503-1527.

Norfray JF, Provenzale JM. Alzheimer’s disease: neuropathologic findings and recent advances in imag-
ing. AJR Am J Roentgenol. 2004;182 (1): 3-13.

Pick A. Über die Beziehungen der senilen Hirnatrophie zur Aphasie. Prager Med Wochenschr. 1892;17:165–67.

Rascovsky K, Hodges JR, Knopman D, et al. Sensitivity of revised diagnostic criteria for the behavioural
variant of frontotemporal dementia. Brain. 2011;134:2456–77.

Sarazin M, de Souza LC, Lehéricy S et-al. Clinical and research diagnostic criteria for Alzheimer’s disease.
Neuroimaging Clin. N. Am. 2012;22 (1): 23-32,viii.

Vieira RT, Caixeta L, Machado S, et al. Epidemiology of early-onset dementia: a review of the literature. Clin
Pract Epidemiol Ment Health. 2013;9:88–95.

Yeo JM, Waddell B, Khan Z, Pal S. A systematic review and meta-analysis of (18)F-labeled amyloid imag-
ing in Alzheimer’s disease. Alzheimer’s & dementia (Amsterdam, Netherlands). 1 (1): 5-13.

WHO. [(accessed Ago 10, 2021)];Dementia fact sheet. 2021 Mar; http://www.who.int/mediacentre/fact-
sheets/fs362/en/

51
Demências
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

Capítulo 3
Doenças Cerebrovasculares

A
s doenças cerebrovasculares são doenças que envolvem, primariamente, os vasos san-
guíneos cerebrais, causando alterações funcionais e/ou estruturais em diferentes níveis
de intensidade. O acidente vascular cerebral (AVC) é definido como um comprometimento
neurológico focal (ou, às vezes, global) de início súbito, durando mais de 24h (ou levando à morte) e de
origem vascular presumida.

A manifestação mais comum das doenças cerebrovasculares é o acidente vascular cerebral, que
ocorre quando há interrupção de suprimento sanguíneo para determinada região cerebral por obstrução,
que corresponde a 85% dos casos, ou ruptura de uma ou mais artérias, que corresponde a 15% dos casos.
O AVC é a segunda maior causa de mortes, e a terceira maior causa de morbidade no mundo. Nos Esta-
dos Unidos, as doenças cerebrovasculares, de maneira geral, são responsáveis por, aproximadamente,
10% das mortes e são a principal causa de incapacidade permanente no país. No Brasil, é a maior causa
de incapacitação da população superior a 50 anos de idade, responsável por 10% dos óbitos, 32,6% das
mortes com causas vasculares e 40% das aposentadorias precoces. O país está entre os dez primeiros
com maiores índices de mortalidade por AVC.

Sabe-se que a maior parte das doenças cerebrovasculares estão associadas a causas multifato-
riais que incluem componentes genéticos (na maioria das vezes, com envolvimento de múltiplos alelos),
ambientais e de estilo de vida.

O principal impacto da doença cerebrovascular é o déficit na perfusão sanguínea cerebral, o que


geralmente leva a uma série de sintomas clínicos como disfunções sensoriais, motoras e cognitivas. No
entanto, algumas anormalidades cerebrovasculares podem ser inicialmente assintomáticas e silencio-
sas, a exemplo das micro-hemorragias, lesões da substância branca e lesões isquêmicas silenciosas.
Essas condições, que são, em geral, diagnosticadas ‘acidentalmente’ em exames de imagem, podem
levar, em longo prazo, a um maior risco de AVC, declínio cognitivo, demência e morte.

Os fatores de risco para doenças cerebrovasculares de alta prevalência, como o AVC, são mui-
to bem estabelecidos e incluem hipertensão, tabagismo, abuso de álcool, obesidade e outros. Para
algumas patologias mais raras, como as malformações arteriovenosas, vasculites, CADASIL etc., há
uma maior dificuldade em identificar os fatores de risco mais relevantes e o padrão de ocorrência na
população. Apesar de raras, essas doenças podem levar à manifestação de sintomas graves, como
o próprio AVC e à morte, sendo assim importante a realização de mais estudos clínicos e pesquisas
envolvendo tais patologias.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

Ainda nesse sentido, em 1989, após um estudo prospectivo de 1.805 pacientes com AVC, Sacco

Capítulo 3
e colaboradores concluíram que esses fatores de risco são responsáveis ​​por, aproximadamente, 50%
do risco de AVC; isso infere que outras influências, incluindo as genéticas, podem estar envolvidas no
risco de AVC. Com sua etiopatogenia heterogênea, o papel exato da genética em causar AVC permanece
controverso; estudos de história da família, estudos de gêmeos e estudos que adotam abordagens de
genes candidatos produziram resultados diversos. No entanto, há uma sugestão definitiva de que a sus-
cetibilidade ao AVC é influenciada por fatores genéticos, e várias síndromes de AVC mendelianas foram
identificadas em humanos. A predisposição genética para o AVC pode ser categorizada como um distúr-
bio de um único gene ou como um distúrbio poligênico. Existem muitos estudos que investigam genes de
risco potencial para AVC, mas os maiores avanços em nossa compreensão dessas condições têm sido
em distúrbios de um único gene.

Figura 3.1. Síndromes de um único gene associadas ao acidente vascular cerebral (Adaptado de Ravzi, 2006; Dichgans, 2019.

53
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

DOENÇA DE FABRY
Capítulo 3

Contexto
A doença de Fabry, também conhecida como doença de Anderson-Fabry, é um distúrbio multis-
sistêmico resultante de um erro inato do metabolismo ligado ao X; é um distúrbio de armazenamento
lisossomal. A doença resulta de mutações genéticas no gene GLA que causam expressão diminuída
ou ausente da hidrolase alfa-galactosidade A, resultando em acúmulo anormal de globotriaosilceramida
(GB3) em vários sistemas orgânicos.

As manifestações clínicas são variáveis e podem depender do defeito específico do gene e do grau
de atividade enzimática residual. Homens e mulheres heterozigotas podem exibir fenótipo grave.
Manifestações Clínicas
As principais manifestações cerebrovasculares que se apresentam na doença de Fabry incluem
acidente vascular cerebral isquêmico em uma idade precoce, na maioria das vezes, envolvendo a cir-
culação posterior do encéfalo, dolicoectasia dos vasos cerebrais, bem como anormalidades da subs-
tância branca na ressonância magnética. Além dessas, outras manifestações centrais incluem ata-
que isquêmico transitório (AIT), vertigem, deficiência auditiva, zumbido e distúrbios cognitivos. Ainda
nesse sentido, o envolvimento do sistema nervoso periférico manifesta-se como neuropatia periférica
de pequenas fibras com acroparestesia dolorosa, hipoidrose, sensação de temperatura diminuída e
dismotilidade intestinal. Os estudos de condução nervosa sensorial e motora de eletroneuromiografia
geralmente são normais. As principais manifestações sistêmicas incluem distúrbios de condução car-
díaca, cardiomiopatia, insuficiência renal, angioqueratomas e distrofia corneana. Radiograficamente,
a hiperintensidade na região do pulvinar na sequência T1 é descrita, além das anormalidades da subs-
tância branca. A angiografia por ressonância magnética pode evidenciar tortuosidade e dilatação dos
vasos sanguíneos.

A doença de Fabry foi, inicialmente, descrita em homens com uma forma de doença grave, um fenótipo
conhecido como Fabry “clássico”. No entanto, agora é reconhecido que existem formas de início precoce e
tardio da doença em homens, dependendo da mutação genética e do grau de comprometimento enzimático.

Da mesma forma, as mulheres que têm envolvimento genético em heterozigose têm um espectro
de apresentação que varia de assintomática a grave. Isso pode ser explicado por uma expressão variável
do gene ligado ao X mutado.

54
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

Capítulo 3
Figura 3.2. Doença de Fabry. A) Ectasia vascular leve do sistema vertebrobasilar. B) Moderada alteração isquêmica crônica bi-hemisféricas.
(Caso cortesia do prof Frank Gaillard, Radiopaedia.org, rID: 28041).

Principais Genes Relacionados à Doença de Fabry


A doença de Fabry é causada por mutações genéticas que resultam em atividade deficiente da
hidrolase lisossomal alfa-galactosidade A (GLA). Mais de 300 mutações distintas foram identificadas.
A herança está ligada ao X, com os homens abrigando as principais manifestações da doença, e as
mulheres sendo portadoras levemente afetadas. A doença de Fabry é categorizada como um distúrbio
de armazenamento lisossomal com inatividade do GLA, resultando no acúmulo progressivo de glicoes-
fingolipídios, como globotriaosilceramida, no endotélio vascular, células dos músculos lisos e gânglios
autonômicos e da raiz dorsal. Os depósitos de lipídios provavelmente contribuem para a oclusão dos va-
sos sanguíneos e consequente isquemia do tecido nervoso; entretanto, o mecanismo patogenético exato
do infarto cerebral ainda não foi elucidado. A dolicoectasia dos vasos cerebrais maiores pode resultar do
enfraquecimento mecânico da parede do vaso devido à deposição de glicoesfingolipídios.

A medição da atividade leucocitária GLA pode ser usada para diagnóstico e é um teste enzimático
padrão na maioria dos laboratórios. A sensibilidade e especificidade do ensaio de atividade de GLA se
aproximam de 100% em homens, mas identifica apenas cerca de 50% das portadoras do sexo feminino,
em que os níveis variam de normal a baixo. O teste genético molecular pode ser usado para diagnosticar
mulheres ou homens com atividade marginal de GLA. A biópsia de pele ou cultura de fibroblastos de pele
pode ajudar a estabelecer o diagnóstico se outros meios não estiverem disponíveis. Um diagnóstico de
doença de Fabry deve ser considerado ao avaliar o AVC em jovens, principalmente se o paciente tiver
histórico familiar de AVC e a circulação posterior estiver envolvida. Uma vez que o diagnóstico seja esta-
belecido, estudos adicionais devem incluir urinálise para proteinúria, medição da função renal e um ECG
para avaliar o envolvimento cardíaco.

55
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

CADASIL
Capítulo 3

Contexto
A doença cerebral de pequenos vasos (DCPV) é uma condição prevalente e uma importante cau-
sa de AVC e prejuízo cognitivo. Além disso, a DCPV tem sido apontada como um fator relevante para o
desenvolvimento e severidade da doença de Alzheimer e relacionada, também, com a manifestação de
sintomas motores na doença de Parkinson.

Apesar de suas formas esporádicas serem mais comuns, geralmente associadas à idade e
à hipertensão, a DCPV pode também ter etiologia genética monogênica. A causa hereditária mais
frequente para DCPV é a arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e
leucoencefalopatia (Cadasil), do inglês “Cerebral autosomal dominant arteriopathy with subcortical
infarcts and leukoencephalopathy”.

A Cadasil é uma doença de herança autossômica dominante que se manifesta mais comumente na
meia idade e está associada a uma variedade de mutações no gene NOTCH3, presentes em mais de 95%
dos pacientes com essa condição.

Os sintomas mais comuns da Cadasil são decorrentes de pequenas lesões isquêmicas subcor-
ticais e/ou ataques isquêmicos transitórios (AIT). Assim, a doença caracteriza-se por um quadro pre-
coce de múltiplos acidentes vasculares cerebrais em associação a sintomas como cefaleia, alterações
psiquiátricas, crises convulsivas e outros, podendo evoluir para um quadro de demência vascular do
tipo subcortical. Apesar disso, existe uma grande variedade, até mesmo, entre indivíduos da mesma
família, no que diz respeito à manifestação de sintomas, à gravidade e ao início da doença entre pa-
cientes com Cadasil.
Características clínicas
Na CADASIL, existe um amplo espectro de apresentação da doença. As características sintomato-
lógicas, início da doença, velocidade de progressão e gravidade dos sintomas variam de indivíduo para
indivíduo. É comum que pacientes jovens sejam assintomáticos e que o diagnóstico seja feito ocasional-
mente, a partir da identificação de pontos de hiperintensidade na substância branca cerebral evidencia-
dos em exames de ressonância magnética.

56
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

Capítulo 3
Figura 3.3. Paciente, sexo feminino, 40 anos, com história de alteração da personalidade. CADASIL. Hipersinal em T2 envolvendo
estruturas supratentorais com particular comprometimento dos lobos temporais anteriores. Região de gliose no aspecto anterior do
lobo temporal direito.

O quadro clínico típico mais frequente da CADASIL é a ocorrência de isquemias cerebrais, presen-
tes em mais de 50% dos pacientes. Nesse sentido, as manifestações clínicas da doença estão intima-
mente relacionadas às consequências da doença cerebral de pequenos vasos, incluindo declínio cogni-
tivo e perda progressiva das funções cerebrais, sendo os domínios de maior vulnerabilidade a memória,
atenção, função executiva, linguagem e função visuoespacial.

Manifestações psiquiátricas, como depressão, ansiedade e apatia, podem ser, frequentemente, ob-
servadas em pacientes com CADASIL e amplificam o potencial debilitante da doença. Outros distúrbios
neurológicos como quadros de fuga dissociativa têm sido reportados em diversos casos de CADASIL.

É possível, ainda, a ocorrência de convulsões, hemorragia intracraniana e manifestação de parkin-


sonismo vascular. Além disso, há uma incidência de até 40% maior de migrânea com aura em indivíduos
com CADASIL quando comparada com a população geral.

Assim como em outras vasculopatias, a velocidade de progressão para demência é ampla-


mente variável, podendo o processo de deterioração cognitiva durar décadas e levar o indivíduo a
uma condição de total dependência. Somado a isso, o processo de degeneração da substância bran-
ca e outras estruturas cerebrais podem levar ao desenvolvimento de espasticidade difusa, disartria,
disfagia, labilidade emocional e alterações motoras.

Tendo em vista a grande variedade de apresentações clínicas da CADASIL, o diagnóstico preciso


da doença pode ser desafiador. O exame de imagem por ressonância magnética é extremamente útil
na identificação de lesões características da CADASIL, que incluem hiperintensidades confluentes na
sequência FLAIR da substância branca e a difusão auxilia na identificação das áreas de isquemia aguda
e subaguda. Micro-hemorragias também estão presentes em aproximadamente 50% dos casos. Além

57
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

disso, algumas áreas, como os lobos temporais e a cápsula externa, são mais frequentemente atingidas
Capítulo 3

na CADASIL em comparação a outras patologias.

Assim, a manifestação de sintomas na idade adulta, associada ao padrão hereditário, e a identifi-


cação de lesões com características e localização indicativas de CADASIL nos exames de imagem são
importantes guias no diagnóstico assertivo da doença.
Principais genes associados à CADASIL
A CADASIL, como já ressaltado, é uma doença autossômica dominante associada a mutações
do gene NOTCH3, localizado no cromossomo 19. Apesar da dominância, vale ressaltar que a ausência
de história familiar clara de CADASIL não deve ser fator de exclusão da doença, pois a grande varieda-
de nas formas de desenvolvimento da doença em cada caso pode dificultar a delimitação do padrão
de hereditariedade.

A proteína Notch3 é expressa, quase exclusivamente, em células musculares lisas dos vasos san-
guíneos. Uma característica particular dessa proteína é que ela atua como um receptor e possui uma
extremidade intracelular e outra extracelular.

Ao conectar-se com seu ligante, a porção intracelular da proteína desprende-se e penetra no nú-
cleo, onde é responsável por regular a transcrição de outros genes, atividade que possui grande impor-
tância para a funcionalidade e sobrevivência da célula.

Mais de 270 mutações no gene NOTCH3 foram associadas ao desenvolvimento de CADASIL, estan-
do a maioria delas ligadas a alterações na sequência de cisteína. Estudos identificaram que a presença
de diversos polimorfismos que levam a alterações nas cadeias de aminoácidos no gene NOTCH3, mas
que não provocam alteração de cisteína, não estão relacionados à doença.

As mutações nas cadeias de cisteína estão amplamente distribuídas em uma região do gene cha-
mada epidermal growth factor-like (EGF-like). A alteração do gene NOTCH3 pode levar à apoptose celular
e, consequentemente, às alterações vasculares, culminando em processos isquêmicos recorrentes e ou-
tros sintomas da doença.

58
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

Painel genético para CADASIL:

Capítulo 3
Figura 3.4. Teste molecular para Cadasil. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Angioma Cavernoso
Contexto
O angioma cavernoso, também chamado de malformação cavernosa cerebral, hemangioma caver-
noso ou cavernoma, é uma doença caracterizada por lesões vasculares cerebrais em que se formam es-
paços vasculares dilatados em nível capilar com aumento da permeabilidade, estase venosa e disrupção
da barreira hematoencefálica.

As malformações cavernosas cerebrais (MCC), que podem ser esporádicas ou transmitidas por
herança autossômica dominante, têm prevalência de 0,1% a 0,5% na população geral, sendo a proporção
de casos familiares de até 50% entre hispano-americanos e de 10-40% nas demais populações.

Frequentemente se detectam tais lesões de forma acidental em exames de imagem realizados


por outras indicações, embora elas possam constituir um foco ictal ou desencadear uma hemorra-
gia cerebral. Até 50% dos indivíduos portadores de MCC familiar permanecem assintomáticos por
toda a vida.

59
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira
Capítulo 3

Figura 3.5. Paciente, 50 anos, sexo masculino, com história de convulsões. T2 axial evidenciando lesão arredondada com edema circundan-
te. As características são de um angioma cavernoso. (Caso cortesia do Dr. Hani Makky Al Salam, Radiopaedia.org, rID: 12629).

O angioma cavernoso familiar é causado por uma mutação do tipo perda de função que pode ocor-
rer nos genes CCM1/KRIT1, CCM2/Malcavernin ou CCM3/PDC10. Tais alterações levam ao aparecimento
de lesões multifocais no cérebro e medula espinhal, na medida em que prejudicam a síntese de proteínas
que fazem parte de diferentes processos e vias de sinalização molecular.

Em relação às formas herdadas, três síndromes estão bem definidas:

ƒ MCC tipo 1: causada por mutações no gene KRIT1;


ƒ MCC tipo 2: causada por mutações no gene CCM2;
ƒ MCC tipo 3: causada por mutações no gene PDCD10.

Características clínicas:
A doença ocorre, predominantemente, no sistema nervoso central. De 20% a 50% dos indivíduos
portadores de MCC são assintomáticos, e o diagnóstico é feito de maneira ocasional por meio de exames
de imagem que identificam as lesões sugestivas. Entre os sintomáticos, é comum que a manifestação
clínica ocorra entre a segunda e quinta décadas de vida.

O diâmetro das malformações cavernosas varia amplamente de tamanho, além de aumentar e di-
minuir de quantidade com o passar do tempo. Até centenas de pequenas lesões podem ser identificadas
a depender da idade do indivíduo e do método de imagem utilizado.

60
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

A apresentação histológica típica das lesões é a presença de aglomerados de canais vasculares

Capítulo 3
dilatados – cavernas – envolvidos por uma única camada endotelial com características de hemorragia
crônica no parênquima adjacente. Pode existir também edema ao redor de lesões hemorrágicas recentes.

Existe uma grande variedade de sintomas que podem ocorrer na MCC, incluindo convulsões (40-
70%), hemorragias cerebrais (30-40%), déficits neurológicos focais (25-50%) e cefaleia (10-30%). Além
disso, em alguns casos, podem ser evidenciadas lesões vasculares em outras regiões como pele e retina,
embora estas sejam raras.

O angioma cavernoso com hemorragia sintomática (CASH) é tratado como um aspecto clínico par-
ticular na MCC, tendo em vista seu potencial de causar impacto funcional na vida do paciente, com risco
aumentado de sangramentos recorrentes e de necessidade de maior atenção terapêutica. O risco entre
portadores de MCC de manifestar, pela primeira vez, um quadro de hemorragia sintomática é muito baixo
– em torno de 0,08% por paciente ao ano, de acordo com alguns estudos populacionais. No entanto, após
o primeiro episódio, o risco de recorrência de evento hemorrágico sintomático aumenta drasticamente.
Além disso, hemorragias parecem ser mais frequentes na MCC associada a mutações em CCM3/PDCD10,
o que pode estar ligado ao início precoce do desenvolvimento de lesões nesses pacientes.

Os critérios diagnósticos para MCC familiar incluem a identificação de variante heterozigótica pa-
tológica dos genes KRIT1, CCM2 ou PDCD10 e/ou a presença de múltiplas malformações cavernosas ou
de uma malformação cavernosa associada a histórico familiar de MCC.

Principais genes associados ao angioma cavernoso e suas funções

Mais de 100 mutações do gene CCM1, 30 do CCM2 e 20 do CCM3 foram identificadas e associadas
ao angioma cavernoso, sendo a maioria delas relacionadas à perda de função. De acordo com a frequên-
cia dessas mutações em pacientes com MCC familiar, 53-65%, 15-19% e 10-22% dos casos estão ligados
a alterações em CCM1, CCM2 e CCM3, respectivamente.

ƒ CCM1 / KRIT1:
O gene CCM1 ou KRIT1 é responsável por orientar a síntese da proteína KRIT1, a qual interage com
diversas outras proteínas e possui um importante papel de fortalecer a interação e ligação entre células
vizinhas nas paredes dos vasos sanguíneos, reduzindo o extravasamento de líquido e outras substâncias.

Mutações em KRIT1 são responsáveis por até 50% dos casos de angioma cavernoso familiar. Nes-
ses indivíduos, o aumento desse extravasamento no cérebro favorece o desenvolvimento dos sintomas
clássicos da MCC como convulsões, cefaleia e hemorragias.

ƒ CCM2:
O gene CCM2 é responsável por uma proteína chamada malcavernin, cuja função é a mesma
da KRIT1, ou seja, atua intensificando a interação entre células endoteliais vizinhas e limitando o

61
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

extravasamento através da parede vascular. Além disso, a malcavernin também atua no processo
Capítulo 3

de angiogênese.

ƒ CCM3 / PDCD10:
A função exata da proteína PDCD10 ainda não está totalmente esclarecida, embora estudos
sugiram que ela atua junto com outras proteínas na formação da estrutura da parede vascular. Por me-
canismos não conhecidos, ela ajuda a fortalecer as interações entre células da parede do vaso e impede
o extravasamento de substâncias. Além disso, é provável que a PDCD10 esteja envolvida em vias de
sinalização que controlam a apoptose celular.

Pacientes portadores de MCC por mutações em CCM3 parecem manifestar uma forma mais grave
da doença.

Painel genético para angioma cavernoso:

Figura 3.6. Imagem representativa para o painel genético do angioma cavernoso. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Acidente Vascular Cerebral Hereditário/Hemiplegia Hereditária


Contexto
Assim como inúmeras outras doenças, o acidente vascular cerebral (AVC) tem uma etiologia com-
plexa, com interação de múltiplos fatores genéticos e ambientais. Além disso, é uma condição hetero-

62
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

gênea, cuja manifestação clínica e fatores de risco possuem ampla variabilidade. Entretanto, em alguns

Capítulo 3
casos, pode-se estabelecer um componente familiar para o quadro. Estudos vêm mostrando que uma
história familiar positiva de AVC aumenta o risco do evento em cerca de 30%, sobretudo em indivíduos
com menos de 70 anos. Desse modo, síndromes hereditárias sempre devem ser consideradas como diag-
nóstico diferencial em face de um caso de AVC idiopático ou com forte histórico familiar.

Entre as síndromes hereditárias que aumentam o risco de AVC, estão, por exemplo, as doenças
de pequenos vasos cerebrais, como a Cadasil, os quadros associados a mutações nos genes COL4A1
e COL4A2, que codificam o colágeno tipo IV, a deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC), a doença
de Fabry e as síndromes epilépticas relacionadas a mutações nos genes POLG ou SLC2A1, entre outras.
Ademais, a enxaqueca hemiplégica familiar, que se associa a mutações nos genes CACNA1A (tipo 1),
ATP1A2 (tipo 2) e SCN1A (tipo 3), pode estar raramente relacionada a episódios de infarto cerebral.

Figura 3.7. Paciente, 45 anos, sexo masculino, em acompanhamento de uma condição crônica conhecida. Doença de Fabry. Axial FLAIR
evidenciando moderada isquemia bilateral periventricular. (Caso cortesia do Dr. Frank Gaillard, Radiopaedia.org, rID: 28041).

O AVC é uma manifestação comum, muito importante em várias doenças genéticas. Nesse sentido,
é importante o reconhecimento das características clínicas de doenças hereditárias relacionadas ao AVC,
especialmente para diagnóstico e tratamento precoces. A identificação dessas desordens é fundamental
para a adoção das melhores condutas, que tenham o objetivo de evitar a manifestação de eventos vascu-
lares visando ao melhor prognóstico.
Características clínicas
As características clínicas de síndromes hereditárias que aumentam o risco de AVC são extrema-
mente variáveis, pois levam ao alto risco de evento hemorrágico cerebral por meio de mecanismos e
mutações gênicas diferentes. Algumas dessas síndromes e suas manifestações clínicas são:

63
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

ƒ CADASIL:
Capítulo 3

Associada a mutações no gene NOTCH3, a CADASIL é uma doença com uma enorme variedade
de manifestações clínicas, podendo apresentar-se de forma branda ou severa e, inclusive, assintomática
(descrita anteriormente neste capítulo).

Um dos sintomas mais frequentes é a ocorrência de isquemias cerebrais, que são identificadas
por exames de imagens, muitas vezes de maneira acidental. As manifestações clínicas são decorrentes
dessas lesões, incluindo declínio cognitivo, perda progressiva de funções cerebrais, alterações psiquiá-
tricas, convulsões, hemorragia intracraniana, labilidade emocional, déficits motores etc. A velocidade de
progressão da doença é variável e, em geral, evolui com deterioração cognitiva e demência, levando o
indivíduo a uma condição de total dependência.

ƒ Mutações nos genes COL4A1 e COL4A2


Os genes COL4A1 e COL4A2 codificam a subunidade alfa-1 colágeno tipo IV, e suas mutações estão
associadas a uma série de condições patológicas. As principais doenças causadas por este grupo de
alterações genéticas são:

I. Porencefalia familiar: caracterizada pela presença de cistos cerebrais, a doença é causada por uma
mutação em COL4A1 que provoca deficiência na síntese das membranas celulares, culminando na
formação de vasos sanguíneos estruturalmente frágeis. Classicamente, apresenta-se com hemiple-
gia infantil, epilepsia, migrânea, distonia, déficit cognitivo e deficiências da fala. A severidade do qua-
dro clínico pode variar.

II. Doença cerebral de pequenos vasos associada a COL4A1 e COL4A2: a DCPV associada a COL4A1 e
COL4A2 é caracterizada por AVC precoce – muitas vezes sendo este o primeiro sintoma manifestado
– e anormalidades oculares. Além disso, muitos pacientes apresentam também migrânea com aura
e convulsões.

III. Síndrome HANAC (Hereditary angiopathy, nephropathy, aneurysms, and muscle cramps): síndrome
caracterizada pela deficiência na produção de colágeno e formação de vasos sanguíneos frágeis.
Diferentemente de outras doenças associadas a COL4A1/COLA42, na síndrome HANAC, o impacto
no tecido cerebral é mais leve. Indivíduos afetados desenvolvem nefropatia, podendo apresentar he-
matúria e cistos renais, alterações nos olhos devido à anormalidade vascular, câimbras musculares
e aneurismas em um ou mais vasos cerebrais, que podem levar à manifestação de AVC hemorrágico.
Metade dos pacientes acometidos apresentam leucoencefalopatia, com lesões cerebrais que podem
ser identificadas em exames de imagens.

ƒ Deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC)


Doença genética ligada ao X que inibe a degradação e excreção da amônia, o que culmina em
acúmulo da substância em níveis tóxicos, afetando, negativamente, o sistema nervoso central. Em neo-

64
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

natos, os sinais clínicos da patologia são taquipneia, vômitos e letargia, com manifestação no primeiro

Capítulo 3
dia de vida. Nos casos em que a manifestação da doença ocorre de maneira tardia, os principais sinto-
mas iniciais são inapetência, letargia, cefaleia matutina e confusão mental. O quadro pode evoluir para
uma apresentação clínica grave, incluindo convulsões, comportamento agressivo, encefalopatia, coma
e morte.

ƒ Síndromes epilépticas relacionadas a mutações nos genes POLG ou SLC2A1


Mutações em SLC2A1 estão associadas ao desenvolvimento de encefalopatia por deficiência de
transportador de glicose tipo 1 (GLUT1). A GLUT1 é uma proteína que, no sistema nervoso central, é
responsável pelo transporte de glicose pela barreira hematoencefálica, processo fundamental para que
os tecidos cerebrais recebam o aporte energético necessário para seu funcionamento. A maioria dos
indivíduos acometidos desenvolve um quadro de epilepsia nos primeiros meses de vida. Nesses pacien-
tes, o crescimento cerebral ocorre mais lentamente, o que pode resultar em microcefalia. Além disso, os
principais sintomas da doença são deficiência intelectual, espasticidade, ataxia e disartria. Apenas 10%
dos indivíduos afetados apresentam uma forma não epiléptica da doença, que, em geral, possui uma
apresentação sintomatológica mais branda que a forma clássica.

Existe uma série de desordens neuronais associadas às mutações do gene POLG, incluindo síndro-
me de Alpers, MCHS (do inglês Childhood myocerebrohepatopathy spectrum), MEMSA (do inglês Myo-
clonic epilepsy myopathy sensory ataxia) e ANS (do inglês Ataxia neuropathy spectrum). A maioria das
doenças associadas a POLG são autossômicas recessivas e apresentam um amplo espectro fenotípico.
Entre as manifestações clínicas mais comuns, estão a hipotonia, as convulsões, o atraso de desenvolvi-
mento, as alterações motoras (disartria, mioclonia, parkinsonismo etc.) a ataxia, neuropatia periférica, as
alterações psiquiátricas e endocrinopatias.
Principais genes associados
ƒ NOTCH3
Mais de 270 mutações no gene NOTCH3 – localizado no cromossomo 19 – foram associadas
ao desenvolvimento de CADASIL. A proteína Notch3 é expressa quase que exclusivamente em célu-
las musculares lisas dos vasos sanguíneos. A ativação da proteína a partir da conexão moléculas
ligantes em sua extremidade extracelular desencadeia cascatas de sinalização que modulam a ex-
pressão de outros genes, atividade que possui grande importância para a funcionalidade e sobrevi-
vência celular.

A maioria das mutações em NOTCH3 estão relacionadas a alterações na sequência de cisteína


distribuídas em uma região do gene chamada epidermal growth factor-like (EGF-like). A desregulação do
gene NOTCH3 pode desencadear processos de apoptose celular e alterações vasculares responsáveis
pelas manifestações da CADASIL.

65
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

ƒ COL4A1 e COL4A2
Capítulo 3

O gene COL4A1 codifica a subunidade alfa-1 do colágeno tipo IV. O COL4A2 codifica a subunidade
alfa-2. O colágeno tipo IV é um heterodímero formado por 2 cadeias alfa-1 e 1 cadeia alfa-2. Diversas mu-
tações em COL4A1 e COL4A2 estão relacionadas a doenças como a doença cerebral de pequenos vasos
e a porencefalia familiar.

Moléculas de colágeno tipo IV se ligam formando uma rede proteica que é um dos principais com-
ponentes da membrana basal em tecidos de todo o corpo. Essa estrutura é importante na comunicação
entre células vizinhas e a membrana basal, participando de processos de migração, proliferação, dife-
renciação e sobrevivência celular. De modo geral, o colágeno tipo IV possui um papel fundamental no
funcionamento da membrana basal, especialmente em volta dos vasos sanguíneos.

ƒ POLG
Gene responsável por codificar a síntese da subunidade alfa de DNA-polimerase do tipo pol γ
(gama). A pol γ é uma enzima importante especialmente na replicação de DNA mitocondrial, processo
fundamental para o funcionamento celular. Uma série de mutações no gene POLG tem sido associada a
diferentes distúrbios do sistema nervoso central.

A maioria das mutações resulta na troca de um aminoácido da cadeia proteica da subunidade alfa
da DNA-polimerase. As mutações podem interferir na habilidade de correção de erros de replicação, na
capacidade de ligação às subunidades beta para formar pol γ, na união de nucleotídeos para formar nova
fita de DNA e na ligação a fitas molde de DNA mitocondrial.

ƒ SLC2A1
O gene SLC2A1 codifica a proteína transportadora de glicose tipo 1 (GLUT 1), proteína transmem-
brana responsável pela passagem de glicose do sangue para as células, onde pode ser utilizada como
fonte de energia. No sistema nervoso central, a GLUT1 é encarregada de transportar glicose através da
barreira hematoencefálica, além de permitir a troca de moléculas de glicose entre as células da glia. Esse
processo é fundamental para o funcionamento do SNC, visto que ele depende da glicose como fonte
exclusiva de produção de ATP.

Mais de 150 mutações em SLC2A1 foram identificadas e associadas à encefalopatia por deficiên-
cia de GLUT1. Essas mutações provocam inibição da função normal da proteína transportadora, fazendo
que o suprimento energético às células cerebrais fique comprometido, processo que leva a uma série de
sintomas neurológicos desde os primeiros dias de vida.

66
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

Painel genético para AVC hereditário

Capítulo 3
Figura 3.8. Imagem esquemática do painel genético para suscetibilidade à doença cerebrovascular.

67
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

Questões
Capítulo 3

1. Migraina associada com infartos corticais difusos pode estar relacionada à doença de CADASIL. Com
relação a essa doença, é correto afirmar que

A) hipertensão precoce é um achado patognomônico da doença.


B) CADASIL é uma doença autossômica recessiva localizada no cromossoma 19.
C) CADASIL não evolui para uma demência vascular.
D) CADASIL e doença de Biswanger são espectros diferentes da mesma doença, sendo esta última
mais frequente em idosos.
E) a migraina com aura é a que mais se correlaciona com CADASIL.

2. Os cavernomas (também conhecidos como hemangioma cavernoso) correspondem de 5% a 13% das


malformações vasculares do sistema nervoso central. Acerca desse assunto, assinale a opção correta.

A) Uma das formas de tratamento é por embolização.


B) A melhor forma de tratamento é por radioterapia estereotáxica.
C) O risco de hemorragia com significado clínico é menor que nas malformações arteriovenosas.
D) São bem demonstradas na angiografia, sendo importante a realização desse exame para o diagnóstico.
E) A manifestação clínica mais comum é de hemorragia subaracnoidea espontânea.

3. As causas de acidente vascular cerebral (AVC) na gravidez podem estar em duas categorias: as ori-
ginadas por etiologias específicas da gestação e as originadas por fatores relacionados a AVC em
jovem. Assinale a opção que cita três etiologias relacionadas à gravidez.

A) Embolia pelo líquido amniótico, síndrome de Snnedon e pré-eclâmpsia.


B) Anticorpos antifosfolípidios, lúpus eritematoso sistêmico e cardiomiopatia periparto.
C) Embolia pelo líquido amniótico, cardiomiopatia periparto e eclampsia.
D) Leucoencefalopatia posterior reversível, cardiomiopatia periparto e MELAS.
E) Embolia pelo líquido amniótico, cardiomiopatia periparto e púrpura trombocitopênica trombótica.

4. Um paciente, com 18 anos de idade, apresenta síndrome clínica caracterizada por oftalmoplegia ex-
terna progressiva e retinose pigmentar. De acordo com o quadro clínico apresentado, assinale a op-
ção que apresenta a patologia mais provável nesse caso.

A) Doença de Kearns-Sayre
B) Doença de Refsum
C) MELAS
D) Spru celíaco
E) Adrenoleucodistrofia

68
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

5. A respeito do acidente vascular cerebral em crianças, assinale a opção correta.

Capítulo 3
A) As principais medidas para o tratamento de acidente vascular cerebral em crianças estão relacio-
nadas ao uso imediato de agentes trombolíticos.
B) Na faixa etária neonatal, a drenagem precoce de hematomas no AVE hemorrágico pode contribuir
para reduções significativas da pressão intracraniana e melhorar o prognóstico em longo prazo.
C) As cardiopatias congênitas cianóticas com shunt apresentam complicações, como hipóxia, polici-
temia e cianose, e podem cursar com eventos isquêmicos cerebrais.
D) Eventos isquêmicos cerebrais em crianças têm baixa probabilidade de recorrência clínica.
E) O prognóstico da síndrome de Moyamoya é sempre ruim e independe da idade do paciente e do
aspecto angiográfico da lesão.

6. Assinale a opção correta acerca do acidente vascular encefálico (AVE).

A) A hiperventilação por intubação orotraqueal deve ser realizada apenas após queda da saturação
de oxigênio.
B) A craniectomia descompressiva é um tratamento recomendado em caso de AVE extenso e base-
ado em evidências.
C) A craniectomia descompressiva só deve ser realizada em casos em que o paciente apresente
deterioração rápida do quadro neurológico.
D) O prognóstico do paciente com AVE extenso submetido à cirurgia descompressiva, em geral, é
reservado e com complicações.
E) O AVE é a terceira causa de óbitos no Brasil.

7. Acerca da escala de Hunt-Hess, que deve ser sempre aplicada nos casos de hemorragias subaracnoi-
de aguda (HSA), assinale a opção correta.

A) Torpor e coma estão em estágios diferentes da escala.


B) A escala varia de 1 a 4.
C) A escala pode ser empregada em casos de acidentes vasculares hemorrágicos parenquimatosos.
D) O grau 4 equivale ao quadro clínico mais brando.
E) Os sinais meníngeos, cefaleia severa e neuropatia craniana equivalem ao grau 1.

8. Considerando que o vasoespasmo é a principal complicação no pósoperatório de cirurgia vascular


cerebral, é correto afirmar que

A) o pico do vasoespasmo ocorre em torno do décimo dia.


B) pode ser causa de acidente vascular cerebral isquêmico ou de morte em até 10% dos pacientes
com hemorragia subaracnoide.

69
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

C) é observado entre o quarto e o quinto dia após o segmento.


Capítulo 3

D) na fisiopatologia do vasoespasmo, está envolvido o quadro inflamatório do endotério vascular.


E) em torno do décimo quarto dia, há recanalização e fluxo na região do vasoespasmo.

9. Quais são os maiores fatores de risco para acidente vascular cerebral?

A) Estenose carotídea e fibrilação atrial.


B) Tabagismo e obesidade.
C) Diabetes e obesidade.
D) HAS e hipercolesterolemia.
E) Gênero masculino e abuso de álcool.

10. Quais das situações abaixo podem apresentar-se de forma clinicamente semelhante ao Acidente
Vascular Cerebral Isquêmico?

A) Gota, enxaqueca, lúpus e cirrose.


B) Hipoglicemia, enxaqueca, tumores e hematomas.
C) Hipotireoidismo e insuficiência suprarrenal.
D) Hipertireoidismo e insuficiência hepática.
E) Síndrome paraneoplásica e pan- hipopituitarismo.

70
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti Um Guia Prático de Pesquisa
Raphael Palomo Barreira

Referências

Capítulo 3
Adams H P, Bendixen B H, Kappelle L J.et al Classification of subtype of acute ischaemic stroke: defini-
tions for use in a multicenter clinical trial. TOAST (Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment). Stroke
19932435–41.

Donovan K, Guzman N. Ornithine Transcarbamylase Deficiency. [Updated 2020 Aug 24]. In: StatPearls
[Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.
nih.gov/books/NBK537257/

Dichgans M, Pulit SL, Rosand J. Stroke genetics: discovery, biology, and clinical applications. Lancet Neu-
rol. 2019 Jun;18(6):587-599.

Portegies, M., Koudstaal, P. and Ikram, M., 2016. Cerebrovascular disease. Neuroepidemiology, pp.239-
261.

Love, S. and Miners, J., 2015. Cerebrovascular disease in ageing and Alzheimer’s disease. Acta Neuropa-
thologica, 131(5), pp.645-658.

Griessenauer, C., Farrell, S., Sarkar, A., Zand, R., Abedi, V., Holland, N., Michael, A., Cummings, C., Me-
tpally, R., Carey, D., Goren, O., Martin, N., Hendrix, P. and Schirmer, C., 2018. Genetic susceptibility to
cerebrovascular disease: A systematic review. Journal of Cerebral Blood Flow & Metabolism, 38(11),
pp.1853-1871.

Wang, M., 2018. CADASIL. Neurogenetics, Part II, pp.733-743.

Medlineplus.gov. 2021. NOTCH3 gene: MedlinePlus Genetics. [online] Available at: <https://medlineplus.
gov/genetics/gene/notch3/#conditions> [Accessed 19 February 2021].

Medlineplus.gov. 2021. KRIT1 gene: MedlinePlus Genetics. [online] Available at: <https://medlineplus.
gov/genetics/gene/krit1/#conditions> [Accessed 19 February 2021].

Medlineplus.gov. 2021. CCM2 gene: MedlinePlus Genetics. [online] Available at: <https://medlineplus.
gov/genetics/gene/ccm2/> [Accessed 19 February 2021].

Medlineplus.gov. 2021. PDCD10 gene: MedlinePlus Genetics. [online] Available at: <https://medlineplus.
gov/genetics/gene/pdcd10/> [Accessed 19 February 2021].

Awad, I. and Polster, S., 2019. Cavernous angiomas: deconstructing a neurosurgical disease. Journal of
Neurosurgery, 131(1), pp.1-13.

Morrison L, Akers A. Cerebral Cavernous Malformation, Familial. In: GeneReviews®. University of


Washington, Seattle, Seattle (WA); 1993.

71
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Jackeline Osterno de Carvalho Barreto
Um Guia Prático de Pesquisa Natália França Marroquim | Nayara Christina de Lima Curti
Raphael Palomo Barreira

Kim, J., 2016. Introduction to cerebral cavernous malformation: a brief review. BMB Reports, 49(5),
Capítulo 3

pp.255-262.

Barrett, K. and Meschia, J., 2014. Genetic Stroke Syndromes. CONTINUUM: Lifelong Learning in Neurol-
ogy, 20, pp.399-411.

Hereditary angiopathy with nephropathy, aneurysms, and muscle cramps syndrome: MedlinePlus Ge-
netics. [online] Medlineplus.gov. Available at: <https://medlineplus.gov/genetics/condition/hereditary-an-
giopathy-with-nephropathy-aneurysms-and-muscle-cramps-syndrome/> [Accessed 24 February 2021].

Cohen BH, Chinnery PF, Copeland WC. POLG-Related Disorders. 2010 Mar 16 [Updated 2018 Mar 1]. In:
Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, et al., editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of
Washington, Seattle; 1993-2021. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK26471/

Omim.org. 2021. OMIM Entry - * 120090 - COLLAGEN, TYPE IV, ALPHA-2; COL4A2. [online] Available at:
<https://www.omim.org/entry/120090?search=col4a2&highlight=col4a2> [Accessed 24 February 2021].

Medlineplus.gov., 2021. Familial porencephaly: MedlinePlus Genetics. [online] Medlineplus.gov. Avail-


able at: <https://medlineplus.gov/genetics/condition/familial-porencephaly/#inheritance> [Accessed 6
March 2021].

Medlineplus.gov., 2021. GLUT1 deficiency syndrome: MedlinePlus Genetics. [online] Medlineplus.gov.


Available at: <https://medlineplus.gov/genetics/condition/glut1-deficiency-syndrome/> [Accessed 6
March 2021].

Philip M, Bath W, Lees K R. ABC of arterial and venous disease. BMJ 2000320920–923.

World Health Organization The WHO STEPwise approach to stroke surveillance. Geneva: WHO, 2005

Sacco R L, Ellenberg J H, Mohr J P.et al Infarcts of undetermined cause: the NINCDS Stroke Data Bank.
Ann Neurology 198925382–390.

Jousilahti P, Rastenyte D, Tuomilehto J.et al Parental history of cardiovascular disease and risk of stroke.
A prospective follow‐up of 14371 middle‐aged men and women in Finland. Stroke 1997281361–1366.

Bak S, Gaist D, Sindrup S H.et al Genetic liability in stroke: a long‐term follow‐up study of Danish twins.
Stroke 200233769–774.

Floβmann E, Schulz U G R, Rothwell P M. Systematic review of methods and results of studies of the
genetic epidemiology of ischaemic stroke. Stroke 200435212–227.

Razvi S S M, Bone I. Single gene disorders causing ischaemic stroke. J Neurol 2006253685–700.

72
Doenças cerebrovasculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Capítulo 4
Parkinsonismos

O
parkinsonismo, que acomete mais de 4 milhões de pessoas no mundo, compreende um grupo
heterogêneo de doenças caracterizadas por sinais e sintomas motores e não motores, tais
como bradicinesia, tremor em repouso, instabilidade postural, rigidez muscular, disautonomia,
declínio cognitivo, depressão, ansiedade, anosmia, alucinações, ideações paranoides e distúrbio do sono.

Entre os distúrbios compreendidos pelo espectro do parkinsonismo, a Doença de Parkinson


é a mais conhecida, sendo a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo. Outros
distúrbios, com fisiopatologias e evoluções diversas, também fazem parte deste grupo de doenças, por
compartilharem sinais e sintomas semelhantes – são estes: degeneração corticobasal, demência de
Corpos de Lewy, atrofia de múltiplos sistemas e paralisia supranuclear progressiva, por exemplo.

A idade avançada é o fator de risco mais proeminente para o parkinsonismo – com início clínico
próximo aos 50 a 60 anos de idade. Além disso, história familiar e exposição a pesticidas são outros dois
fatores de relevância notável.

Doença de Parkinson Familiar


Contexto
A doença de Parkinson é a mais comum das desordens motoras neurodegenerativas. A identifi-
cação de formas hereditárias dessa doença ampliou o entendimento da Doença de Parkinson e outras
formas de parkinsonismo para muito além de suas apresentações idiopáticas.

Cerca de 10% dos casos de Doença de Parkinson são de caráter familiar, e os indivíduos afetados
apresentam história de recorrência familiar ou características sugestivas de herança mendeliana. Sua
apresentação clínica pode-se sobrepor às formas não herdadas de Parkinson ou exibir características
clínicas que vão além do fenótipo clássico da doença.
Apresentação Clínica
A doença de Parkinson pode compreender manifestações motoras e não motoras.

ƒ Manifestações Motoras
Entre as manifestações motoras, tremor em repouso e bradicinesia são expressões clássicas do
parkinsonismo.

O tremor é, usualmente, unilateral e com início na extremidade de um dos membros, desenvolven-


do-se, a princípio, em um dos dedos, por exemplo. Costuma ser lento (4-6 Hz) e mais proeminente no
repouso, reduzindo com o movimento. Para alguns pacientes, é a única manifestação da doença.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

A bradicinesia é acompanhada por rigidez, hipocinesia e acinesia. O andar é comprometido, de


Capítulo 4

modo que o comprimento das passadas diminui, o movimento dos braços pode desaparecer, e o pacien-
te não consegue fazer curvas de uma única vez, precisando fazê-las aos poucos, em um movimento em
bloco, utilizando uma perna como eixo e a outra para girar. O equilíbrio do paciente também é afetado, e
sua postura torna-se inclinada, com uma tendência de quedas para frente (propulsão) e para trás (retro-
pulsão). A bradicinesia também resulta em hipomimia, sialorreia (não pela produção excessiva de saliva,
mas pela redução da deglutição espontânea e da capacidade de manter a boca fechada) e redução do
movimento palpebral (de modo que os olhos permanecem mais abertos, como se o paciente estivesse
encarando algo) – todas essas manifestações compõem a dita fácies parkinsoniana.

ƒ Manifestações Não Motoras


Os sintomas não motores incluem manifestações neuropsiquiátricas, distúrbios do sono, sintomas
gastrointestinais e geniturinários, além de comprometimento sensorial, visual e do sistema nervoso au-
tônomo. As manifestações não motoras representam um grande desafio para o bem-estar do paciente,
uma vez que não costumam responder à terapia dopaminérgica, cujos efeitos adversos podem compre-
ender o desenvolvimento de psicose e alucinações.

O diagnóstico da doença de Parkinson é eminentemente clínico, compreendendo suas manifes-


tações clínicas, avaliação do caráter progressivo da doença e da resposta do paciente à terapia dopa-
minérgica. Nesse contexto, o desafio encontra-se no diagnóstico diferencial da doença de Parkinson em
relação a outras entidades englobadas pelo parkinsonismo. Nesse contexto, a identificação de biomar-
cadores validados com alta sensibilidade e especificidade mostra-se, cada vez mais, necessária para a
diferenciação dessas inúmeras patologias.
Principais Genes Associados
Os aspectos genéticos da Doença de Parkinson permanecem apenas parcialmente conhecidos.
Nesse contexto, diversos genes associados ao parkinsonismo ainda não foram submetidos a estudos de
replicação e validação funcional, de modo que sua patogenicidade exige maior detalhamento.

Há ainda muito a se elucidar acerca dos mecanismos moleculares que sustentam a Doença de
Parkinson Monogênica e de sua aplicabilidade na fisiopatologia da forma esporádica da doença. Por fim,
aspectos observados no parkinsonismo, como penetrância reduzida, expressividade variável e ocorrência
de fenocópias, dificultam a caracterização do paciente como portador de história familiar positiva ou não
e a escolha do método diagnóstico mais apropriado.

SNCA (PARK1-4):

O gene SNCA é responsável pela codificação da proteína alfa-sinucleína, cujo acúmulo em neurô-
nios dopaminérgicos dá origem ao surgimento de inclusões citoplasmáticas eosinofílicas – os Corpos de
Lewy -, compondo a fisiopatologia do parkinsonismo.

74
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Mutações missenses no gene SNCA levam à formação de alfa-sinucleínas tóxicas, e o acúmu-

Capítulo 4
lo dessas proteínas sob a forma de Corpos de Lewy são, na realidade, uma tentativa de proteger
o corpo dessa toxicidade. Alterações neste gene estão relacionadas tanto ao Parkinson Familiar
Autossômico Dominante, quanto à forma esporádica da doença, e costumam promover um quadro
precoce, de rápida evolução, associado à demência e às manifestações atípicas, como hipoventila-
ção central e mioclonia.

Outras mutações, como duplicações e triplicações também são conhecidas e relacionadas à Do-
ença de Parkinson Familiar. Pacientes com duplicações apresentam-se com um quadro clínico muito
semelhante à forma idiopática da doença, enquanto as triplicações são responsáveis por uma rápida
evolução, demência precoce e baixa expectativa de vida.

LRRK2 (PARK8)

O gene LRRK2 codifica a proteína homônima, Leucine-Rich Repeat Kinase 2 (LRRK2). Apesar de
sua relação com a fisiopatologia do Parkinsonismo permanecer pouco elucidada, acredita-se que mu-
tações de ganho de função no gene da LRRK2 influenciam a interação dessa proteína com as demais,
favorecendo a formação de complexos proteicos ou sua fosforilação.

Mutações neste gene são a causa mais conhecida das formas familiar autossômica domi-
nante tardia e esporádica da doença, associadas ou não à presença de Corpos de Lewy, compondo
um quadro de lenta progressão, resposta satisfatória ao tratamento com Levodopa e não asso-
ciado à demência.

Parkin (PARK2)

A proteína homônima codificada pelo gene Parkin atua no processo de ubiquitinação como uma E3
ubiquitina ligase, conjugando ubiquitinas aos resíduos de lisina das proteínas-alvo.

O gene Parkin foi o primeiro gene relacionado a formas autossômicas recessivas do Parkinsonis-
mo, e suas mutações são a causa mais comum de Parkinson de início precoce. O quadro clínico resul-
tante tem início por volta da terceira ou quarta décadas de vida, mas pode ter início ainda na infância e
costuma evoluir lentamente, estabelecendo um Parkinsonismo com gliose, perda de Substância Nigra
e sem Corpos de Lewy.

PINK1 (PARK6)

O gene PINK1 codifica a proteína PTEN-induzida kinase 1 (PINK1) uma proteína serina-treonina
kinase, que se localiza na membrana mitocondrial e atua no recrutamento da proteína Parkin, envolven-
do-se no processo de autofagia de mitocôndrias disfuncionais, por meio de sua ubiquitinação.

Mutações no gene PINK1 são a segunda causa mais comum da forma autossômica recessiva de
Parkinson de início precoce.

75
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

DJ-1 (PARK7)
Capítulo 4

A proteína codificada pelo gene DJ-1 atua como um sensor celular para estresse oxidativo, de
modo que mutações sofridas por esse gene promovem formas dismórficas, instáveis e rapidamente de-
gradáveis pelo proteossoma, comprometendo sua função neuroprotetora e antioxidativa.

Mutações neste gene estão relacionadas a formas autossômicas recessivas do Parkinsonismo


e são observadas em 1 a 2% dos casos de Parkinson de início precoce. Contudo, por ser uma variante
raramente relacionada ao parkinsonismo, ainda há muito a se elucidar acerca de seu papel na fisiopa-
togenia parkinsoniana.

ATP13A2 (PARK 9)

O gene ATP13A2 codifica a proteína ATPase Transportadora de Cátion 13A2 (ATP13A2), localizada
na parede lisossomal. Mutações sofridas neste gene estão relacionadas à produção de formas defeituo-
sas e instáveis dessa proteína, facilitando sua degradação pelo proteossoma.

Essas alterações associam-se a formas autossômicas recessivas de um tipo de parkinsonismo


atípico, a Síndrome de Kufor-Rakeb, que se caracteriza por rápida evolução e associação com demência,
Paralisia Supranuclear Progressiva e sinais piramidais.

Figura 4.1. Painel genético das síndromes parkinsonianas. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

76
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Paralisia Supranuclear Progressiva

Capítulo 4
Contexto
A Paralisia Supranuclear Progressiva (PSP) é uma síndrome neurodegenerativa, considerada a
mais comum das síndromes parkinsonianas atípicas, sendo a segunda causa mais comum de parkinso-
nismo, atrás apenas da doença de Parkinson.

Caracteriza-se por comprometimento motor, visual, comportamental e comunicacional, com dife-


rentes apresentações, compondo uma clínica extremamente heterogênea.

A etiopatogenia da Paralisia Supranuclear Progressiva envolve a deposição de agregados neurofi-


brilares da isoforma 4R da proteína Tau nos gânglios basais, diencéfalo e tronco encefálico, comprome-
tendo, principalmente, o globo pálido a substância nigra e o núcleo subtalâmico.

Figura 4.2. Paciente, 70 anos, sexo masculino, com 2 anos de evolução dos sintomas parkinsonianos. Paralisia Supranuclear Progressiva.
Sagittal T2 evidenciando proeminente atrofia do mesencéfalo e dos colículos superiores. (Caso cortesia do Dr. Frank Gaillard, Radiopaedia.
org, rID: 34485).

Apresentação Clínica
A Paralisia Supranuclear Progressiva apresenta início insidioso, em média, por volta dos 63 anos de
idade. Seus marcadores clínicos são paralisia dos movimentos oculares verticais, paralisia pseudobulbar,
rigidez axial e comprometimento cognitivo. Contudo, as manifestações são numerosas e compreendem
bradicinesia, comprometimento de habilidades motoras finas e grossas, postura encurvada, quedas e
tropeços, ausência de movimento dos braços durante a marcha, curvas em bloco (utilizando uma perna

77
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

como eixo e outra para realizar o giro), tremor, comprometimento cognitivo frontal, apatia e comprome-
Capítulo 4

timento visual, com visão turva, redução dos movimentos verticais, fotofobia, blefaroespasmo e apraxia
palpebral. Além disso, hipomimia facial, frequência do piscar reduzida, retração palpebral e sulco nasoge-
niano proeminente também são observados.

Na Paralisia Supranuclear Progressiva, alterações da marcha costumam evoluir mais rapida-


mente do que na doença de Parkinson, de modo que o paciente apresenta quedas desde o primeiro
ano da doença e, ao terceiro ano, elas já se tornam comuns. A rigidez na PSP costuma concentrar-se
axialmente, enquanto na doença de Parkinson possui caráter apendicular. Além disso, a distonia
na PSP é mais intensa, e o retrocolo é mais comum do que o anterocolo, observada na Doença de
Parkinson. Contudo, a evolução dos sintomas na PSP pode ser bastante variável, dificultando seu
diagnóstico diferencial.

O diagnóstico costuma apresentar atraso de 4 a 5 anos após o início dos sintomas, e o exame neu-
ropatológico constitui-se como padrão-ouro para definição da PSP, com presença de astrócitos tufados
e emaranhados globosos.
Principais Genes Associados
MAPT

O gene MAPT é responsável por codificar a proteína Tau, envolvida na estabilização de microtú-
bulos. Durante o splicing do RNA mensageiro do gene MAPT, distinguem-se sequências codificadoras de
6 isoformas diferentes da proteína Tau.

Mutações no exon 10 deste gene podem alterar a conformação ou exacerbar a produção da


isoforma 4R da proteína Tau, levando a sua agregação e deposição no sistema nervoso, desencadeando
formas familiares e esporádicas da Paralisia Supranuclear Progressiva, cujo quadro clínico envolve sinto-
mas disexecutivos do lobo frontal, desinibição, demência, paralisia, parkinsonismo, amiotrofia e paralisia
supranuclear do olhar.

LRRK2 (PARK8)

O gene LRRK2 codifica a proteína Leucine-Rich Repeat Kinase 2 (LRRK2) e está envolvido, ainda de
forma pouco elucidada, com a doença de Parkinson.

Apesar de a relação da Paralisia Supranuclear Progressiva com mutações no LRRK2 ter sido de-
monstrada em diversos estudos, pouco se sabe sobre como essas alterações levam à taupatia envolvida
na PSP e sobre a relação dessas alterações com variantes associadas ao parkinsonismo.

78
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Capítulo 4
Figura 4.3. Imagem representativa do painel genético da paralisia supranuclear progressiva. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Demência de Corpos de Lewy


Contexto
Demência de Corpos de Lewy (DLB), observada mais frequentemente em pacientes com ida-
de avançada, é uma síndrome clínica caracterizada por associações variáveis de declínio cognitivo pro-
gressivo, parkiisonismo, alucinações visuais recorrentes, flutuações no estado cognitivo e aumento de
sensibilidade a neurolépticos. Nesse contexto, o compartilhamento de manifestações similares entre a
DLB e outras condições neurodegenerativas, como doença de Alzheimer e doença de Parkinson, torna o
diagnóstico diferencial um desafio.

Sua patogênese está relacionada ao acúmulo e à deposição cerebral de Corpos de Lewy - agrega-
dos de neurônios com proteínas Alfa-Sinucleínas. Uma importante diferença histopatológica entre a de-
mência de Corpos de Lewy e a doença de Parkinson consiste nas características e no local de deposição
desses agregados: na DLB, distribuem-se, difusamente, pelo córtex cerebral e são menos eosinofílicos e
filamentosos dos que se observam na doença de Parkinson na qual se concentram nos neurônios dopa-
minérgicos e na Substância Nigra.

79
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio
Capítulo 4

Figura 4.4. Paciente, 70 anos, sexo masculino, com declínio progressivo relativamente rápido da função cognitiva. Demência com Corpos
de Lewy. Axial FLAIR. Os achados de neuroimagem da Demência com Corpos de Lewy são sutis e inespecíficos (Caso cortesia do Dr. Frank
Gaillard, Radiopaedia.org, rID: 34485).

Apresentação Clínica
Para fins de diagnóstico, as manifestações clínicas da demência de Corpos de Lewy dividem-se em
essenciais e de suporte. Assim, temos:

Característica Essencial

ƒ Demência progressiva, frequentemente, associada a comprometimento de funções executivas, aten-


ção e habilidades.
Características Clínicas Centrais

ƒ Cognição flutuante com oscilações marcantes da atenção e do estado de alerta.


ƒ Alucinações visuais recorrentes.
ƒ Um ou mais sinais de parkinsonismo espontâneo.
ƒ Distúrbio Comportamental do Sono REM.

Características Clínicas de Suporte

ƒ Sensibilidade neuroléptica
ƒ Instabilidade postural
ƒ Síncope ou episódios de irresponsividade
ƒ Disfunção autonômica
ƒ Hipersonia
ƒ Hiposmia

80
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

ƒ Alucinações em outras modalidades diferentes das visuais

Capítulo 4
ƒ Apatia
ƒ Delírio
ƒ Ansiedade/depressão

Nesse contexto, o diagnóstico provável de DLB é dado se, em associação à demência, o paciente
manifesta, ao menos, duas características clínicas centrais, associadas ou não à presença dos biomarca-
dores indicativos – descritos abaixo. A DLB de diagnóstico provável pode ser definida ainda pela presença
de demência combinada a uma característica clínica central e a um ou mais biomarcadores indicativos. A
DLB possível, por sua vez, consiste na presença de apenas uma característica clínica central associada à
demência, mas sem presença de biomarcadores, ou ainda, pela presença de um ou mais biomarcadores
indicativos associados à demência, mas sem características clínicas centrais.

Por fim, os biomarcadores da demência de Corpos de Lewy são divididos em indicativos e centrais:

Biomarcadores Indicativos

ƒ SPECT/PET com captação reduzida de dopamina nos Núcleos da Base


ƒ Baixa captação na cintilografia miocárdica com 123I-MIBG
ƒ Evidência polissonográfica de sono REM sem atonia

Biomarcadores de Suporte

ƒ Ressonância magnética com preservação relativa de preservação das estruturas mesiais do lobo temporal.
ƒ SPECT/PET com captação baixa generalizada e redução da atividade occipital.
ƒ EEG com atividade de ondas lentas proeminente e flutuações pré-alfa/theta.
Principais Genes Associados
GBA

O gene GBA é responsável pela codificação da enzima lisossômica β-Glucocerebrosidase. Pacientes


com demência de Corpos de Lewy possuem probabilidade oito vezes maior de portar mutações no gene
GBA, em comparação com indivíduos-controle e apresentam formas mais severas e precoces da doença.

O mecanismo pelo qual mutações no gene GBA levam à DLB ainda não está totalmente elucida-
do, mas acredita-se que, uma vez que a β-Glucocerebrosidase é responsável pela degradação lisossômi-
ca da Alfa-Sinucleína, perdas em sua função estariam relacionadas ao maior acúmulo desta proteína.

SNCA

Como na doença de Parkinson, a demência de Corpos de Lewy também está associada a altera-
ções no gene da proteína Alfa-Sinucleína, cuja deposição em neurônios promove a formação de Corpos
de Lewy – um marcador patológico de ambas as doenças.

81
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Mutações de ponto, assim como duplicações e triplicações, estão relacionadas a alterações membrana-
Capítulo 4

res, cuja consequência é o aumento da capacidade de agregação da Alfa-Sinucleina. Além disso, triplicações
estão associadas a maior expressão dessa proteína, levando a formas precoces e mais severas da doença.

APOE

A Apolipoproteína E está envolvida no transporte e endocitose de lipídeos. Mutações em seu gene


vêm sendo relacionadas a maior risco de desenvolvimento de DLB, seja na forma isolada da doença, seja
associada à doença de Alzheimer.

Variações dos SNPs (rs429358 e rs7412) resultam no alelo ε4, definido como fator de risco tanto para doen-
ça de Alzheimer, como para DLB – visto que, nesta última, está relacionado a uma menor sobrevida dos pacientes.

Painel Genético

Figura 4.5. Imagem esquemática do painel genético da demência com corpos de Lewy. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Degeneração Corticobasal
Contexto
A Degeneração Corticobasal (CBD) consiste em uma taupatia 4R, caracterizada por atrofia cor-
tical focal, assimétrica e mais pronunciada nas regiões parassagitais. Histologicamente, espongiose e

82
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

placas astrocitárias tau-positivas são encontradas nas regiões cortical, subcortical e gânglios basais.

Capítulo 4
Além disso, Corpos de Cajal e astrócitos tufados também podem ser observados.

A doença, geralmente, tem início na idade adulta avançada e se apresenta, tipicamente, com
combinações variáveis de comprometimento motor, sensorial, comportamental e cognitivo.

É importante destacar a diferença entre os termos Degeneração Corticobasal e Síndrome


Corticobasal (CBS), de modo que o primeiro se refere ao conjunto de alterações histopatológicas
desta taupatia, enquanto o segundo consiste na apresentação clássica da CBD. Nesse contexto,
outras síndromes clínicas podem mimetizar clinicamente a CBS, mas apresentam alterações patoló-
gicas distintas, sendo elas: Doença de Alzheimer, Paralisia Supranuclear Progressiva e Degeneração
Lobar Frontotemporal.

Figura 4.6. Ressonância magnética de um paciente com diagnóstico comprovado de degeneração corticobasal. Sequências ponderadas
em T1 axiais com proeminente atrofia frontoparietal direita maior do que esquerda comumente vista na síndrome corticobasal. Imagem
reproduzida de Saeed et al.

Apresentação Clínica
Características corticais e extrapiramidais fazem parte da Síndrome Corticobasal. Apraxia, défi-
cits corticosensoriais e fenômeno do membro alienígena são as manifestações corticais mais frequentes,
enquanto o parkinsonismo assimétrico, a distonia e mioclonia compreendem as principais apresentações
extrapiramidais.

O parkinsonismo, na CBS, caracteriza-se por tremor atípico, dependente de posição ou movimen-


to, podendo ser irregular e apresentar caráter mioclonal. A distonia é mais comum em membros superio-
res, mas pode, também, expressar-se em região cervical, membros inferiores e como blefaroespasmo.

Além dos fenótipos clínicos clássicos da CBD, manifestações mais raras podem incluir demência
com caráter amnéstico, apraxia orofacial progressiva, atrofia cortical posterior, apraxia oculomotoral e
simultagnosia, afasia com dificuldade de repetição proeminente e síndrome pseudobulbar com disartria
e labilidade emocional.

83
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Principais Genes Associados


Capítulo 4

MAPT
Assim como na Paralisia Supranuclear Progressiva, o gene MAPT, responsável por codificar a pro-
teína Tau, envolvida na estabilização de microtúbulos, foi associado tanto a casos esporádicos, como a
familiares de Degeneração Corticobasal, a partir, por exemplo, de mutações localizadas no domínio de
ligação a microtúbulos do gene MAPT.

Contudo, ainda precisa ser esclarecida a participação deste gene na CBD.


MOBP
O gene MOBP é responsável por codificar a proteína oligodendrocítica associada à mielina, sendo
observado, exclusivamente, na mielina do Sistema Nervoso Central. Mutações neste gene foram asso-
ciadas tanto à Paralisia Supranuclear Progressiva, quanto à Degeneração Corticobasal, sendo um dos
primeiros genes não-MAPT relacionados à CBD.

Painel Genético

Figura 4.7. Imagem esquemática do painel genético da degeneração corticobasal.

84
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Atrofia de Múltiplos Sistemas

Capítulo 4
Contexto
A Atrofia de Múltiplos Sistemas (MSA) consiste em uma desordem neurodegenerativa, com início
na idade adulta. Manifesta-se com combinações variáveis de parkinsonismo, ataxia cerebelar, disauto-
nomia e sinais piramidais e, nesse contexto, pode ser classificada como MSA-C (disfunção cerebelar) e
MSA-P (parkinsonismo) – contudo manifestações cerebelares e parkinsonianas costumam se sobrepor,
formando um quadro clínico misto.

Epidemiologicamente, relacionada à etnicidade do paciente, de modo que manifestações parkinso-


nianas são mais pronunciadas em indivíduos caucasianos, enquanto alterações cerebelares se apresen-
tam mais proeminentes em japoneses.

Histopatologicamente, observam-se inclusões citoplasmáticas oligodendrogliais, resultantes de


filamentos dismórficos e hiperfosforilados de proteínas alfa-sinucleína, comprometendo estruturas oli-
vopontocerebelares e estriatonigrais.

Figura 4.8. Paciente, 50 anos, sexo masculino, com disfunção progressiva da marcha e ataxia, disartria e disfagia. Atrofia de Múltiplos Sis-
temas. Axial T2. O hipersinal é visto cruzando a ponte da esquerda para a direita e de anterior para posterior, criando o “hot-cross bun sign”
(Caso cortesia do Dr. Frank Gaillard, Radiopaedia.org, rID: 4856).

85
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Características Clínicas
Capítulo 4

O parkinsonismo na MSA caracteriza-se por uma síndrome acinética-rígida de rápida progressão e


de resposta insatisfatória à Levodopa.

Os sintomas cerebelares incluem ataxia de membros e de marcha, disdiadococinesia, dismetria e


distúrbios oculomotores, como sacadas hipométricas e nistagmo de olhar evocado.

A disautonomia envolve, principalmente, os sistemas urogenital e cardiovascular. São comuns


disfunções eréteis em pacientes masculinos, redução da sensitividade genital em pacientes femininos,
urgência urinária, retenção urinária e incontinência urinária. Além disso, tontura, hipotensão ortostática,
cefaleia, náuseas, astenia, anidrose e constipação também podem ser observados. Início precoce e seve-
ro dos sintomas disautonômicos está relacionado a pior prognóstico.

Sinais piramidais como hiperreflexia generalizada e reflexo plantar anormal podem estar presentes.

Principais Genes Associados


SNCA

Mutações de ponto, duplicações e triplicações no gene da proteína Alfa-Sinucleína podem desem-


penhar papel predisponente para desenvolvimento de MSA e estão associadas a formas severas de do-
ença de Parkinson associada à Atrofia de Múltiplos Sistemas.

Apesar de os achados ainda serem escassos, pacientes com quadro clínico sugestivo de MSA
associado à história familiar da doença ou de Doença de Parkinson ou Doença de Corpos de Lewy devem
ser encaminhados para sequenciamento do gene SNCA, tendo em vista o papel central da Alfa-Sinucleína
na fisiopatologia da doença.

Painel Genético

Não há exame genético associado.

86
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Questões

Capítulo 4
(UFPR- UNIMED Curitiba/PR- 2012) O caso a seguir serve de base para as questões 01 e 02.

Um homem com 65 anos de idade vem à consulta com queixa de tremor na mão esquerda, que surgiu há
menos de 1 ano e não prejudica suas atividades, a não ser a escrita e assinatura. Não tem sintomas no
lado direito nem nas pernas, mas tem tropeçado mais frequentemente. Ao exame, há tremor de repouso
no membro superior esquerdo, e a escrita é tremida. O restante do exame é normal.

01 - Sobre essa condição, assinale a alternativa correta.

a) O caso sugere comprometimento do neurônio motor superior.


b) O caso sugere comprometimento do neurônio motor inferior.
c) O diagnóstico provável é tremor essencial do idoso.
d) Pode ser encontrada rigidez no membro superior esquerdo.
e) Na evolução precoce, surgirá ataxia apendicular.

02 -Tremor de mãos que é mais notado quando os membros estão em repouso do que em ação sugere
comprometimento de qual estrutura?

a) Tálamo.
b) Cerebelo.
c) Substância negra.
d) Medula espinal.z
e) Cápsula interna.

03-(Vunesp-EBSERH-2019) A doença de Parkinson é uma doença caracterizada por distúrbio do-


paminérgico central, com manifestações clínicas típicas. Sobre esta doença, assinale a alterna-
tiva correta:

a) A tétrade clássica inclui: tremor em repouso do tipo “contar dinheiro”, bradicinesia, rigidez em ca-
nivete e instabilidade postural.
b) A marcha parkinsoniana é descrita como passos curtos, sem movimentos dos braços, com incli-
nação do tronco para trás.
c) A fisiopatologia consiste na degradação progressiva do corpo estriado.
d) O uso de anticolinérgicos está indicado em pacientes jovens com tremor como sintoma principal.
e) A L-Dopa é a principal droga utilizada no tratamento, sendo seu principal efeito caracterizado pela
sua degradação no fígado e transformação em dopamina, que, então, atravessa a barreira hema-
toencefálica e atinge o sistema nervoso central.

87
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

04- (IADES-SES/DF-2018) Homem de 66 anos de idade, em acompanhamento com geriatra em razão


Capítulo 4

de quadro demencial manifestado há seis meses, é encaminhado para avaliação neurológica por ter
iniciado bradicinesia, rigidez muscular, alucinações visuais e episódios de síncope inexplicados. Qual
é o diagnóstico mais provável do paciente desse caso hipotético?

a) Doença de Parkinson
b) Doença de Alzheimer
c) Demência frontotemporal
d) Degeneração corticobasal
e) Demência com Corpos de Lewy

05- (AOCP-EBSERH-Nacional-2016) A alternativa a seguir que mais provavelmente evidencia o Parkin-


sonismo atípico é

a) a ausência de demência, distúrbios autonômicos ou instabilidade postural.


b) o início tardio, a ausência de história familiar e a instalação assimétrica.
c) a presença de déficit do olhar vertical para baixo, sinais piramidais e sinais cerebelares.
d) os tremores de início mais precoce e simétricos.
e) o fato de não haver comprometimento de marcha.

06-(Vunesp-EBSERH-2019) A Doença de Huntington(DH) e a Doença de Parkinson são enfermidades


relacionadas a disfunções no sistema extra piramidal.Com relação a essas doenças, assinale a alter-
nativa correta.

a) Na doença de Huntington, há hipoatividade do estriado com níveis normais de dopamina e dege-


neração de GABAérgicos.
b) Não é possível que a correia da DH corra unilateralmente.
c) A DH melhora com o uso de dopamina.
d)A função do globo pálido não tem relação com a doença de Parkinson.
e) A redução da dopamina da doença de Parkinson provoca inibição do corpo estriado.

07-(IBFC-EBSERH/HU-UNIVASF 2014) A população mundial apresenta, de forma geral, um au-


mento na longevidade. Assim sendo, é importante que o neurologista esteja atento aos diag-
nósticos diferenciais de demências. Assinale a alternativa que demonstre a associação corre-
ta sobre o tema:

1.Doença de Binswanger
2.Doença de Alzheimer.
3.Demência fronto-temporal.

88
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

4.Demência da Doença de Parkinson.

Capítulo 4
5.Demência pelo alcoolismo.
( ) Doença de Pick.
( ) Os sintomas mais comuns são caracterizados por acinesia,rigidez,tremor e instabilidade postural.
( ) É a causa mais comum de demência.
( ) Encefalopatia arteriosclerótica subaguda.
( ) Síndrome de Korsakoff.

a) 3;4;2;1;5
b) 1;2;3;4;5
c) 3;1;2;4;5
d) 2;3;1;4;5
e) 2;3;4;5;1

08-(EBSERH-/HC-UFTM 2014) Um senhor de 50 anos com histórico de depressão nos últimos dois
anos queixa-se de outras manifestações caracterizadas por anosmia, obstipação intestinal, e distúr-
bio comportamental do sono REM.Qual o diagnóstico mais provável?

a) Distúrbio bipolar.
b) Esquizofrenia.
c) Doença de Parkinson.
d) Doença de Pick.
e) Disautonomia.

9-(COPEVE/UFAL 2015) Mulher de 68 anos começou a apresentar dificuldade progressiva em deambular


há cerca de 8 meses. Há 1 mês, a filha notou que a paciente tem apresentado déficit cognitivo, aluci-
nações visuais e períodos de confusão mental. Ao exame, verificam-se rigidez plástica e bradicinesia
global. Qual o diagnóstico mais provável?

a) Doença de Pick.
b) Demência Vascular.
c) Doença de Parkinson.
d) Atrofia de múltiplos sistemas.
e) Demência com corpos de Lewy.

89
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

10-(AOCP-EBSERH-Nacional 2016) Paciente do sexo masculino, 50 anos, relata tremores posturais


Capítulo 4

simétricos há 20 anos, com piora nos últimos 10 meses, associado a comprometimento do segmento
cefálico.Sem histórico familiar.O exame físico não mostra alterações significativas.É provável que o
diagnóstico,nesse caso,seja.

a) Tremores de Parkinson.
b) Parkinsonismo atípico.
c) Tremor secundário a droga.
d) Tremor essencial.
e) Síndrome cerebelar.

90
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Referências

Capítulo 4
Ahmed S, Fairen M, Sabir M, Pastor P, Ding J, Ispierto L et al. MAPT p.V363I mutation. Neurology Genetics.
2019;5(4):e347.

Blauwendraat C, Nalls M, Singleton A. The genetic architecture of Parkinson’s disease. The Lancet Neu-
rology. 2020;19(2):170-178.

Capouch S, Farlow M, Brosch J. A Review of Dementia with Lewy Bodies’ Impact, Diagnostic Criteria and
Treatment. Neurology and Therapy. 2018;7(2):249-263.

Constantinides V, Paraskevas G, Paraskevas P, Stefanis L, Kapaki E. Corticobasal degeneration and corti-


cobasal syndrome: A review. Clinical Parkinsonism & Related Disorders. 2019;1:66-71.

Deng H, Wang P, Jankovic J. The genetics of Parkinson disease. Ageing Research Reviews.
2018;42:72-85.

Hayes M. Parkinson’s Disease and Parkinsonism. The American Journal of Medicine.


2019;132(7):802-807.

Im S, Kim Y, Kim Y. Genetics of Progressive Supranuclear Palsy. Journal of Movement Disorders.


2015;8(3):122-129.

Klein C, Westenberger A. Genetics of Parkinson’s Disease. Cold Spring Harbor Perspectives in Medicine.
2012;2(1):a008888-a008888.

Kouri N, Ross O, Dombroski B, Younkin C, Serie D, Soto-Ortolaza A et al. Genome-wide association study
of corticobasal degeneration identifies risk variants shared with progressive supranuclear palsy. Nature
Communications. 2015;6(1).

Kouri N, Whitwell J, Josephs K, Rademakers R, Dickson D. Corticobasal degeneration: a pathologically


distinct 4R tauopathy. Nature Reviews Neurology. 2011;7(5):263-272.

Krismer F, Wenning G. Multiple system atrophy: insights into a rare and debilitating movement disorder.
Nature Reviews Neurology. 2017;13(4):232-243.

Lubarsky M, Juncos J. Progressive Supranuclear Palsy. The Neurologist. 2008;14(2):79-88.

Orme T, Guerreiro R, Bras J. The Genetics of Dementia with Lewy Bodies: Current Understanding and Fu-
ture Directions. Current Neurology and Neuroscience Reports. 2018;18(10).

Outeiro T, Koss D, Erskine D, Walker L, Kurzawa-Akanbi M, Burn D et al. Dementia with Lewy bodies: an
update and outlook. Molecular Neurodegeneration. 2019;14(1).

91
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Hélvia Bertoldo de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Samuel de Osterno Façanha
Maria Victória Rocha Fontenele Maia | Aline Moreira Lócio

Saeed U, Compagnone J, Aviv RI, Strafella AP, Black SE, Lang AE, Masellis M. Imaging
Capítulo 4

biomarkers in Parkinson’s disease and Parkinsonian syndromes: current and emerging


concepts. Transl Neurodegener. 2017 Mar 28;6:8.

Schiesling C, Kieper N, Seidel K, Krüger R. Review: Familial Parkinson’s disease – genetics, clinical phe-
notype and neuropathology in relation to the common sporadic form of the disease. Neuropathology and
Applied Neurobiology. 2008;34(3):255-271.

Scholz S, Bras J. Genetics Underlying Atypical Parkinsonism and Related Neurodegenerative Disorders.
International Journal of Molecular Sciences. 2015;16(10):24629-24655.

Wen Y, Zhou Y, Jiao B, Shen L. Genetics of Progressive Supranuclear Palsy: A Review. Journal of Parkin-
son’s Disease. 2021;11(1):93-105.

92
Parkinsonismos
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Capítulo 5
Doenças do Neurônio Motor

A
s doenças do neurônio motor (DNM) representam um grupo de patologias progressivas
que danificam células responsáveis pela movimentação, respiração, fala e deglutição;
apesar disso, não é incomum o uso desse termo como sinônimo de esclerose lateral
amiotrófica (ELA); portanto, faz-se necessário destacar que o grupo contém outras condições, como
paralisia bulbar progressiva, atrofia muscular progressiva, esclerose lateral primária, paraparesia es-
pástica familiar (PEF) e outras. As DNMs podem ser divididas em hereditárias, objeto de estudo deste
capítulo, e esporádicas, além da divisão quanto à localização do neurônio motor, superior ou inferior.

Nesse sentido, os neurônios motores (NM) são divididos em dois grupos, os neurônios
motores superiores, localizados no córtex motor primário, e os neurônios motores inferiores, lo-
calizados nos núcleos motores do tronco encefálico e nos cornos anteriores da medula espinal.
Quando os neurônios motores superiores são lesados pela patologia, ocorre hipertonia elástica
(conhecida clinicamente como espasticidade), clônus, sinal de Babinski e sinal do canivete,
além da hiperreflexia dos reflexos tendinosos profundos. Quando a falha ocorre nos neurônios
motores inferiores, inicialmente haverá aumento da excitabilidade do neurônio, promovendo
fasciculações; entretanto, com a perda da conexão sináptica entre o músculo e o neurônio mo-
tor inferior, estabelece-se um quadro de atrofia muscular com hiporreflexia/arreflexia.

As DNMs são desordens neurológicas raras, com incidência anual de aproximadamente 2 para
100.000 indivíduos, que afetam homens e mulheres de diversas idades, com pico de incidência entre
50 a 70 anos. A apresentação das DNMs é bastante heterogênea, até mesmo nas doenças individuais,
devido à população de neurônios atingidos, o que causa disparidades na sobrevida dos pacientes.
Pode haver distinção, inclusive, no padrão de herança, nas doenças geneticamente herdadas. A apre-
sentação das DNMs é bastante heterogênea, até mesmo nas doenças individuais, devido ao fato de a
população atingida de neurônios ser variável, o que causa disparidades na sobrevida dos pacientes.
Além disso, ainda há distinção dos padrões de herança entre as doenças geneticamente herdadas.

Nesse viés, a evolução de técnicas diagnósticas em genética possibilitou a divisão dos pa-
cientes de acordo com o subtipo genético, por meio da identificação de múltiplos genes causadores
das patologias. A partir disso, pode-se revisar o perfil epidemiológico das doenças, estratificando de
acordo com o subtipo genético definido.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora
Um Guia Prático de Pesquisa Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Esclerose Lateral Amiotrófica


Capítulo 5

Contexto
A esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida como doença de Lou Gehrig ou doença de
Charcot, é uma doença paralítica progressiva, que se caracteriza pela degeneração de neurônios motores
no cérebro e na medula espinal. É considerada a principal doença do neurônio motor, podendo, inclusive,
alguns autores utilizarem essa denominação para se referir, exclusivamente, à ELA. Seu começo é insidio-
so, manifestando-se como fraqueza focal; todavia, espalha-se, implacavelmente, para envolver a maioria
dos músculos, inclusive o diafragma. A morte, tipicamente, ocorre por paralisia respiratória, com mediana
de mortes entre dois e três anos.

A incidência de ELA, nos Estados Unidos e na Europa, varia entre 1 e 2 casos por ano a cada 100.000
indivíduos, aumentando com a idade. Ainda nessas regiões, o risco cumulativo de desenvolvimento da
doença é de cerca de 1 em 400, isto é, apenas nos Estados Unidos, estima-se que 800.000 de todas as
pessoas vivas hoje morreriam devido à ELA. No Brasil, segundo a AbrELA, estima-se uma incidência de
1,5 casos/100.000 pessoas, ou seja, 2.500 pacientes/ ano.

Cerca de 10% de todos os casos de ELA são familiares, com padrão de herança dominante em
sua maioria. Os outros 90% são esporádicos. Nesse sentido, ELA é a desordem neurodegenerativa mais
frequente da meia idade, com início tipicamente entre 54 e 59 anos. Apesar disso, um início na juventude,
no fim da adolescência ou no início da vida adulta indica ELA familiar.

O principal achado patológico de ELA é a morte neuronal no córtex motor e na medula espinal. Na
ELA com demência frontoparietal, a degeneração dos neurônios ocorre de forma mais ampla, nos lobos
frontais e parietais. A destruição dos axônios corticoespinais leva à redução e à esclerose dos funiculos
laterais da medula espinal. A morte de neurônios é acompanhada por processos neuroinflamatórios, com
proliferação de astrócitos, micróglia e oligodendrócitos.
Características Clínicas
O início da ELA, majoritariamente, acomete membros, porém, cerca de um terço dos casos é bulbar,
o que causa dificuldade na mastigação, deglutição e fala. Geralmente, neurônios que inervam os olhos e
músculos esfincterianos serão afetados apenas ao final da doença.

A manifestação clínica da ELA é heterogênea, variando conforme as populações afetadas de


neurônios motores, o que influi, por conseguinte, no tempo de sobrevida individual. Quando há envolvi-
mento predominante dos neurônios motores corticobulbares, os quais auxiliam funções bulbares, um
achado notável é a labilidade emocional, indicando paralisia pseudobulbar, caracterizada por espas-
ticidade facial e tendência a rir ou chorar excessivamente em resposta a estímulos emocionais me-
nores. Caso sejam atingidos neurônios motores superiores, o paciente apresentará rigidez muscular e

94
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

espasticidade, com a degeneração do trato corticoespinal. Oposto a isso, quando neurônios motores

Capítulo 5
inferiores forem atingidos, o paciente apresentará, inicialmente, fasciculações, devido à excitabilidade
excessiva dos neurônios, e, quando, enfim, houver a morte dos neurônios, haverá perda da conectivi-
dade sináptica e atrofia.

Figura 5.1. Paciente, sexo feminino, 45 anos, com história de fraqueza muscular progressiva. Na SWI, a queda do sinal é observada ao longo
do córtex do giro pré-central. As características são consistentes com esclerose lateral amiotrófica.

Nos últimos 20 anos, notou-se que cerca de 15 a 20% dos indivíduos com ELA possuem anormali-
dades cognitivas progressivas, marcadas por mudanças comportamentais, com progressão à demência.
Esses achados são correlatos a evidências em autópsia de degeneração cortical dos lobos frontais e
temporais, condição chamada de demência frontotemporal.

O diagnóstico é baseado, primariamente, no exame clínico em conjunção à eletroneuromiografia,


visando a confirmar a extensão da denervação, e a testes laboratoriais, com o fito de descartar desordens
reversíveis que podem confundir-se com ELA.

O tratamento da ELA é centrado no gerenciamento de sintomas; apesar disso, algumas drogas


mostraram certo efeito sobre o curso da doença e foram aprovadas pela Food and Drug Administration
dos Estados Unidos. A administração dos fármacos visa a reduzir a morte neuronal em pessoas com ELA.
Apesar disso, algumas drogas mostraram certo efeito sobre o curso da doença, sendo, então, aprovadas
pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos. A administração dos fármacos visa a reduzir a
morte neuronal em pessoas com ELA.

95
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora
Um Guia Prático de Pesquisa Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Principais Genes Associados


Capítulo 5

Mais de 120 variantes genéticas foram associadas ao risco de desenvolver ELA, sendo o gene
SOD1, descoberto em 1993, o primeiro a ser relacionado com a doença. Por meio de estudos de corre-
lação entre as variantes genéticas, pôde-se estabelecer perfis clínicos de ELA, entre a variante e a idade
de início, duração da doença e população neuronal atingida. O achado patológico celular mais exten-
sivamente estudado da ELA é o acúmulo de proteínas agregadas e defeitos correspondentes nas vias
celulares para a degradação de proteínas.

SOD1

O primeiro gene em que a mutação foi associada ao desenvolvimento de ELA foi o codificador da
SOD1 (Cobre Zinco Superóxido Dismutase 1), uma enzima antioxidante que catalisa a decomposição de
superóxido em peróxido de oxigênio e oxigênio molecular. Mais de 160 mutações diferentes do gene SOD1
associadas à ELA foram identificadas. A SOD1 mutante frequentemente forma agregados intracelulares.
Nesse sentido, foi observado que a SOD1 mutante forma fibrilas amiloides em alguns sistemas in vitro,
mas ainda é debatida a formação de fibrilas amiloides pela SOD1 mutante in vivo. Enfim, o mecanismo
pelo qual a SOD1 mutante causa a morte neuronal ainda é desconhecido, apesar de serem formuladas
diversas hipóteses, como a disrupção do transporte axonal e da função mitocondrial, inibição do sistema
ubiquitina-proteossoma, excitotoxicidade de glutamato e apoptose mediada por caspase.

C9ORF72

O gene mais prevalente no desenvolvimento de ELA é responsável pela codificação da proteína


C9ORF72, que atua no transporte através das membranas nucleares e endossômicas, bem como regula
a autofagia. Um trecho não codificante de seis nucleotídeos (GGGGCC) é repetido até, aproximadamente,
30 vezes em pessoas normais, e a expansão deste segmento a centenas ou milhares de repetições causa
ELA. Vários mecanismos podem contribuir para a neurotoxicidade da expansão do hexanucleotídeo: as
transcrições dos segmentos mutantes são depositadas no núcleo, formando focos de RNA que seques-
tram proteínas nucleares; alguns dos RNA’s expandidos escapam para o citoplasma, onde geram cinco
dipeptídeos repetidos potencialmente tóxicos por meio de um processo de tradução não canônico; estu-
dos recentes também mostraram um defeito no transporte através da membrana nuclear em células com
as expansões de C9ORF72. Além disso, a redução do nível fisiológico de C9ORF72 pode contribuir para
neurotoxicidade. Além disso, estudos recentes também mostraram um defeito no transporte através da
membrana nuclear em células com as expansões de C9ORF72. Ademais, a redução do nível fisiológico de
C9ORF72 pode contribuir para neurotoxicidade.

96
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Capítulo 5

Figura 5.2. Principais genes relacionados à esclerose lateral amiotrófica (ELA). (Adaptado de Wahid, 2019).

97
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora
Um Guia Prático de Pesquisa Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Painel Genético
Capítulo 5

Figura 5.3. Painel genético da esclerose lateral amiotrófica (ELA). (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Paraparesia Espástica Familiar


Contexto
O termo paraparesia espástica familiar (PEF), chamada em inglês de Hereditary Spastic Paraple-
gia, conhecida como Síndrome de Strumpell-Lorraine (SSL), descreve um grupo heterogêneo de doenças
monogênicas neurodegenerativas hereditárias, caracterizado essencialmente pela progressiva espastici-
dade de membros inferiores.

As PEFs têm prevalência mundial, combinada próxima de 5 casos a cada 100.000 indivíduos. Seu
início clínico é variado, podendo apresentar-se desde a infância à idade adulta. Nesse sentido, o padrão
de herança também é heterogêneo, com relatos de forma autossômica dominante (75-80% dos indivídu-
os afetados), autossômica recessiva (25-30% dos indivíduos afetados) ou ligado ao X (1 a 2%), com 13 a
40% dos casos sendo esporádicos.

As alterações nos genes ligados ao desenvolvimento da PEF têm denominação própria e são de-
signadas como gene da paraparesia espástica, SPG em inglês — até o momento de confecção deste
capítulo, existem 79 SPG’s —, e.g., chama-se SPG4 a alteração no gene SPAST que leva à PEF. Apesar
98
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

disso, o diagnóstico genético de casos suspeitos de PEF ocorre apenas em 29-49% dos casos, com ou

Capítulo 5
sem história familiar positiva.
Características Clínicas
Os sinais e sintomas primordiais da PEF são relacionados à força e à espasticidade de membros
inferiores, com alteração insidiosa da marcha. Pode-se encontrar, no exame neurológico, espasticidade
bilateral de músculos dos membros inferiores (principalmente nos flexores da perna, quadríceps, aduto-
res da coxa, gastrocnêmios e sóleo), bem como redução da força (Iliopsoas, flexores da perna e tibiais
anteriores). Importante notar que a apresentação é variável, i.e., indivíduos podem apresentar espastici-
dade sem redução da força, enquanto outros pacientes apresentam ambas com intensidade semelhante;
hiperreflexia de extremidades inferiores e sinal de Babinski; palestesia reduzida nas extremidades.

Figura 5.4. Paciente, sexo masculino, adulto jovem, com história de espasticidade progressiva de membros inferiores e fraqueza muscular
desde a infância. Aumento do tônus muscular nos membros superiores. Comprometimento cognitivo leve. A imagem axial FLAIR mostra
hipersinal estendendo-se por uma curta distância dos cornos anteriores dos ventrículos laterais. Sinal das orelhas de Lince, sugestivo de
paraparesia espástica hereditária.

As PEFs podem ser classificadas clinicamente, segundo o proposto por Harding, como sindrômica
(“complicada”) ou Não Sindrômica (“Não complicada”):

ƒ PEF Não Sindrômica (Pura)


y Marcha dificultosa
y Necessidade de bengala, andador ou cadeira de rodas
y Possibilidade de urgência urinária
y Parestesia das extremidades dos membros inferiores
y Força normal e eudiadococinesia em membros superiores

99
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora
Um Guia Prático de Pesquisa Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

y Fala, mastigação e deglutição sem alterações


Capítulo 5

ƒ PEF Sindrômica (Complexa)


y Ataxia
y Convulsões
y Deficiência intelectual
y Demência
y Atrofia muscular
y Distúrbio extrapiramidal
y Neuropatia periférica

Importante notar que há variações fenotípicas importantes em uma mesma classe, até mesmo
com o mesmo SPG ou mutação específica, com alterações sutis, subclínicas ou que se desenvolvem em
um estado mais avançado da doença.

Caso a PEF se desenvolva clinicamente na infância, serão percebidos atrasos nos marcos de de-
senvolvimento motor, e, ocasionalmente, há o diagnóstico incorreto de paralisia cerebral. Infelizmente,
não existe tratamento para prevenir ou reverter a progressão natural da PEF, logo as medidas visam a
reduzir os sintomas e treinar o paciente em equilíbrio, força e agilidade. Os pacientes devem ser avaliados
periodicamente por neurologista e fisiatra, para desenvolver estratégias que maximizem a capacidade de
deambular e reduzam os sintomas. São recomendados:

ƒ regime diário de fisioterapia;


ƒ terapia ocupacional;
ƒ farmacoterapia que reduza a espasticidade muscular e urgências urinárias.
ƒ Principais genes associados
ƒ SPG4

A alteração SPG4, variante patogênico do gene SPAST, é o subtipo genético mais comum de PEF,
herdado de maneira autossômica dominante, é presente em até um terço dos pacientes com PEF, sendo
60% de todos os casos autossômicos dominantes e 15% dos esporádicos. O gene SPAST codifica a pro-
teína espastina, responsável pela regulação da dinâmica e seccionamento dos microtúbulos. Na SPG4,
há perda parcial dessa função, o que ocasiona degeneração celular. Normalmente, leva à forma não
sindrômica ou pura da doença, com início clínico variável. É comum haver declínio cognitivo e demência.

Na SPG4, há perda parcial dessa função, o que ocasiona degeneração celular, levando, geralmente, à forma
não sindrômica, ou pura da doença, com início clínico variável. É comum haver declínio cognitivo e demência.
SPG3A
A alteração SPG3A é uma variante patogênica do gene ATL1, responsável por cerca de 15% da
PEF de herança autossômica dominante, e a principal causa de PEF com início precoce (75% dos casos),

100
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

com raro início clínico na vida adulta. O gene ATL1 codifica a proteína atlastina-1 uma proteína integral

Capítulo 5
de membrana GTPase localizada no retículo endoplasmático (RE), presente, principalmente, no sistema
nervoso central, que está envolvida, junto a outras proteínas, na fusão de túbulos do RE, formando uma
rede poligonal. Mutações neste gene levam a alterações na morfologia fisiológica do RE, levando à axo-
nopatia pela alteração funcional dos REs axonais. A progressão dessa forma de PEF é estática, e pode
haver confusão com paralisia cerebral diplégica espástica.
SPG5A
A SPG5A é uma variante patogênica do gene CYP7B1, é o principal gene da PEF autossômica
recessiva (7,3%). O subtipo SPG5 causa, potencialmente, uma das formas mais tratáveis de PEF. A pro-
teína CYP7B1 é responsável por codificar a enzima oxisterol-7alfa-hidroxilase, que degrada colesterol em
ácidos biliares. Dessa forma, alterações SPG5 levam a acúmulo de oxisteróis neurotóxicos. Isso pode ser
dosado a partir da concentração de 25-hidroxicolesterol ou 27-hidroxicolesterol no plasma ou no líquido
cefalorraquidiano. Nesse viés, pode-se fazer o tratamento por meio de fármacos que reduzam os níveis
de colesterol, i.e., estatinas. A SPG5A se desenvolve ou na adolescência ou no início da vida adulta e pode
causar formas puras ou complexas da PEF, sendo características clínicas distintivas a ataxia, polineuro-
patia, sinais extrapiramidais e sinais de leucodistrofia à ressonância magnética.

Dessa forma, alterações SPG5 levam ao acúmulo de oxisteróis neurotóxicos, podendo estes serem
dosado a partir da concentração de 25-hidroxicolesterol ou 27-hidroxicolesterol no plasma ou no líquido
cefalorraquidiano.

Painel Genético

Figura 5.5. Painel genético da parapaesia espástica familiar. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

101
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora
Um Guia Prático de Pesquisa Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Questões
Capítulo 5

1. Paciente de 45 anos, do sexo masculino, hipertenso, tabagista e sedentário, acordou com perda de força
do lado esquerdo do corpo, associada à boca torta para a direita. Ao chegar ao PS, às 14 horas, foi aten-
dido, e o exame neurológico evidenciou hemiparesia esquerda completa, com hipotonia e hiporreflexia
esquerda. Reflexo cutâneoplantar em flexão bilateralmente. Sensibilidade e coordenação normais.

O diagnóstico sindrômico desse paciente é:


(A) síndrome do primeiro neurônio motor.
(B) síndrome do segundo neurônio motor.
(C) síndrome piramidal periférica e de liberação.
(D) síndrome paroxística motora.

2. (UFPR/2009) Quanto ao diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica (ELA), assinale a alternativa INCORRETA.

a) O diagnóstico de ELA é definido, pelos critérios El Escorial, como sinais de neurônio motor Inferior
(NMI) + neurônio motor inferior (NMS), em três regiões.
b) Com os novos critérios para ELA, não há necessidade do exame de eletroneuromiografia.
c) O diagnóstico de ELA é possível, pelos critérios El Escorial, como sinais de NMI+NMS, em 1 região.
d) A esclerose lateral primária compromete predominantemente o neurônio motor superior , o que
auxilia na sua diferenciação da ELA.
e) A atrofia muscular progressiva compromete predominantemente o neurônio motor inferior, o que
auxilia na sua diferenciação da ELA

3. (UFPR/2009) A neuropatia motora multifocal é uma doença que tem a maior importância na diferen-
ciação com qual das doenças abaixo?

a) Polirradiculoneurite aguda .
b) Porfiria.
c) Amiotrofia muscular espinhal infantil.
d) Esclerose lateral amiotrófica.
e) Polimiosite (forma crônica).

4. (CEPERJ/2018) Levando em conta a fisiopatogenia das doenças degenerativas dos neurônios motores
como esclerose lateral amiotrófica e atrofia muscular progressiva, deve-se considerar que:

A) a esclerose lateral amiotrófica é a mais comum delas e consiste na degeneração do neurônio


motor superior;
B) a esclerose lateral amiotrófica faz diagnóstico diferencial com a doença de Lou Gehrig;

102
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

C) a esclerose lateral amiotrófica não envolve fatores de hereditariedade;

Capítulo 5
D) a atrofia muscular progressiva ocorre por causa da degeneração do neurônio motor superior;
E) a esclerose lateral amiotrófica pode, às vezes, fazer diagnóstico diferencial com a mielopatia es-
pondilótica cervical.

5. (MAKIYAMA/2016) O comprometimento do corpo celular do neurônio motor inferior caracteriza-se


por atrofia, atonia, arreflexia, fraqueza e fasciculação. Considerando os sítios topográficos de envolvi-
mento, ao exposto acima, pode-se associar à seguinte doença:

A) diabetes
B) trauma
C) hérnia de disco
D) esclerose lateral amiotrófica

6. (EBSERH/HE-UFSCAR/2015) Qual é a doença extremamente importante no diagnóstico diferencial


da esclerose lateral amiotrófica?

A) Polineuropatia diabética.
B) Síndrome de Guillain-Barré.
C) Neuropatia motora multifocal.
D) Doença de Steinert.
E) Distrofia facio-escápulo-umeral.

7. (EBSERH/HU-UFJF/2015) É/são característica(s) inconsistente(s) com diagnóstico de Esclerose La-


teral Amiotrófica:

A) musculatura ocular extrínseca preservada, porém em fases tardias pode ocorrer paralisia supra-
nuclear progressiva.
B) envolvimento da musculatura cervical, comprometendo flexão e extensão cervical.
C) disfonia e labilidade emocional.
D) anormalidades esfincterianas e comprometimento sensitivo.
E) envolvimento da musculatura torácica com redução da capacidade vital forçada.

8. (CAMAR/2016) Uma mulher de 55 anos iniciou, há cinco meses, progressiva fraqueza, espasticidade e
hipotrofia muscular, além de miofasciculações e paraparesia, acometendo, principalmente, membros
inferiores, assimetricamente. Ao exame, apresentou reflexo cutãneoplantar em extensão bilateralmente.
A paciente relata, também, dificuldade para engolir, tanto alimentos líquidos, como os sólidos. Nota-se
pequena disartria e disfonia e funções cognitivas preservadas. Qual o diagnóstico mais provável?

103
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora
Um Guia Prático de Pesquisa Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

a) Miastenia gravis.
Capítulo 5

b) Esclerose múltipla.
c) Esclerose lateral amiotrófica.
d) Paralisia supranuclear progressiva.

9. (UNIMED/BH-2015) Analise o quadro clínico a seguir.

Paciente, 55 anos de idade, com queixa de paresia do membro inferior direito e com marcha carac-
teristicamente tipo pé caído, cujo sintoma evoluiu, progressivamente, há 90 dias, não tem queixa
de alteração da sensibilidade superficial e profunda. O reflexo aquileu e patelar do membro inferior
direito está aumentado com clônus esgotável e tem grau +++ em membro inferior esquerdo. O exame
da motricidade apresenta-se com paresia do músculo tibial anterior direito e tríceps sural direito. O
estudo de ressonância magnética lombar sacral e do encéfalo não mostraram anormalidade. Em
relação a esse quadro, é CORRETO afirmar que:

A) a possibilidade de doença do neurônio motor é a principal hipótese clínica.


B) a lesão do nervo fibular direito explica os dados clínicos descritos.
C) apesar da ressonância magnética do encéfalo não mostrar alteração, deve-se considerar o diag-
nóstico de doença cérebro vascular.
D) a hipótese de mielopatia cervical é a melhor explicação para os dados clínicos apresentados.

10. (EBSERH/HULW-UFPB/2014) O medicamento Riluzole tem sua indicação para o tratamento de

A) encefalites virais.
B) esclerose lateral amiotrófica.
C) esclerose múltipla.
D) doença de Pick.
E) doença de Steinert.

104
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Davi Bravo Huguinim Légora PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Luigi Adler Barbosa Guimarães | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Beatriz Vieira Loiola Coutinho

Referências

Capítulo 5
1. Brown RH, Al-Chalabi A. Amyotrophic Lateral Sclerosis. New England Journal Of Medicine. 2017 Jul
13;377:162-172.

2. Benatar M, Kurent J, Moore DH. Treatment for familial amyotrophic lateral sclerosis/motor neuron dis-
ease. Cochrane Database Of Systematic Reviews. 2009 Jan 21;:3-31.

3. Van Eijk RP, et al. Pharmacogenetic interactions in amyotrophic lateral sclerosis: a step closer to a
cure?. The Pharmacogenomics Journal. 2019 Oct 17;20:220-226.

4. Fga SP, Lima JM, Alvarenga RP. Epidemiology of Amyotrophic Lateral Sclerosis - Europe/North Ameri-
ca/South America/Asia. Discrepancies and similarities. Systematic review of the literature. Revista Bra-
sileira de Neurologia. 2009;2:5-10.

5. Wahid S, et al. Cell-based therapies for amyotrophic lateral sclerosis/motor neuron disease. Cochrane
Database Of Systematic Reviews. 2019 Dec 19;:3-38.

6. Shribman S. Hereditary spastic paraplegia: from diagnosis to emerging therapeutic approaches. The
Lancet Neurology. Dec 2019;18:1136-1146.

7. Tozawa T, et al. Complex hereditary spastic paraplegia associated with episodic visual loss caused by
ACO2 variants. Human Genome Variation. 2021 Jan 26;8

8. Rinaldi C, et al. Mutation in CPT1C Associated With Pure Autosomal Dominant Spastic Paraplegia.
Jama Neurology. 2015 May 01;72:561-571.

9. Matteis MA, Luini A. Mendelian Disorders of Membrane Trafficking. New England Journal Of Medicine.
2011 Sep 08;365:927-938.

105
Doenças do Neurônio Motor
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo
Um Guia Prático de Pesquisa Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias
Maria Carolina Silva Malta

Capítulo 6
Doenças Neuromusculares

A
s doenças neuromusculares compreendem um grupo heterogêneo de condições clínicas
que afetam, principalmente, um ou mais componentes da unidade neuromuscular - geral-
mente o músculo esquelético – mas, muitas vezes, também são multissistêmicos. O local
da lesão pode ser nos corpos celulares (ou seja, esclerose lateral amiotrófica [ELA] ou ganglionopatias
sensoriais), axônios (ou seja, neuropatias periféricas axonais ou plexopatias braquiais), células de Schwa-
nn (ou seja, polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica), junção neuromuscular (isto é,
miastenia gravis ou síndrome miastênica de Lambert-Eaton), músculo (isto é, miopatia inflamatória ou
distrofia muscular) ou qualquer combinação desses locais. O considerável impacto clínico dessas do-
enças é exemplificado pelas distrofias musculares e pela atrofia muscular espinhal (SMA), para as quais
o desenvolvimento de novas terapias moleculares é urgente e desafiador. Algumas doenças neuromus-
culares também estão associadas a doenças do sistema nervoso central, como a ELA, mas a maioria
está restrita ao sistema nervoso periférico. A multiplicidade de possíveis locais de lesão pode tornar as
doenças neuromusculares difíceis de diagnosticar.

Avanços recentes na biologia do RNA aceleraram o progresso de uma nova geração de terapias
moleculares baseadas no RNA. Agentes de ácido nucleico de fita simples ou dupla e agentes de molécu-
las pequenas estão sendo desenvolvidos como novas terapias para direcionar os mRNAs mutantes que
estão envolvidos na doença neuromuscular. Essas abordagens modulam o processamento do pré-mRNA
ou inibem os efeitos deletérios dos RNAs tóxicos.

Embora o desenvolvimento de terapias baseadas em RNA para doenças neuromusculares per-


maneça desafiador, o progresso recente neste campo é encorajador. No entanto, as principais barreiras
continuam sendo a pobre entrega in vivo da maioria dos agentes terapêuticos de RNA e as barreiras
regulatórias que estão associadas ao desenvolvimento de novos medicamentos personalizados.

Distrofia Muscular de Duchenne e Becker


CONTEXTO
As distrofinopatias constituem-se como uma das mais frequentes doenças monogênicas huma-
nas, destacando-se a distrofia muscular de Duchenne (DMD) e a distrofia muscular de Becker (BMD). Uma
pesquisa publicada por meio de estudos de triagem de recém-nascidos demonstrou que a incidência da
DMD varia entre 1:3802 e 1:6291 homens nascidos vivos; já a DMB manifesta-se com cerca de um terço
dessa frequência.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

Embora ambas as patologias sejam causadas por mutações no gene da distrofina ligado ao

Capítulo 6
X, seus fenótipos diferem entre si. Isso ocorre porque, enquanto, na DMD, a mutação interrompe a
leitura do gene - levando à deficiência da proteína -, na BMD, ocorre a expressão de uma distrofina
parcialmente funcional.

Essa proteína é responsável por manter a integridade da membrana da miofibrila durante a con-
tração muscular, fornecendo ligação entre a matriz extracelular e a actina do citoesqueleto. As caracte-
rísticas clínicas surgem, então, como consequência da perda da integridade dessa membrana, levando
à degeneração das fibras musculares, à exaustão da sua capacidade regenerativa e à substituição dos
músculos por gordura e tecido fibroso.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
Distrofia Muscular de Duchenne

Alterações da marcha, atraso motor e fraqueza muscular proximal fazem que as crianças com
DMD sejam levadas ao médico pela primeira vez entre 2 e 5 anos de idade. Ao exame físico, observa-
-se o aumento dos músculos, principalmente das panturrilhas; esse achado, embora reconhecido como
“pseudo-hipertrofia”, em função do tecido fibroadiposo instalado, também representa hipertrofia muscu-
lar verdadeira. O atraso no diagnóstico clínico acaba ocorrendo pela grande tendência dos médicos em
buscar causas ortopédicas diante desse quadro. Atualmente, alguns estudos recomendam a avaliação
da creatina quinase (CK) sérica como parte da triagem de rotina de todos os bebês com atraso motor.

A cognição e o desenvolvimento da linguagem também são afetados. Além disso, meninos com
DMD possuem risco aumentado de autismo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e
transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

A doença segue um curso tipicamente previsível. A força muscular pode apresentar melhora no 6º
ou 7º ano, seguindo-se por um período de 1 a 2 anos de estabilização que antecede o declínio muscular
progressivo em direção à dependência da cadeira de rodas. Caso não seja feita terapia com corticoste-
roides, a perda da deambulação independente ocorre em torno dos 12 anos de idade. Segue-se, então,
insuficiência respiratória crescente, redução da capacidade vital forçada e cardiomiopatia. Sem interven-
ção ventilatória e, na ausência de terapia esteroidal, espera-se o óbito por volta dos 20 anos do paciente.

Distrofia Muscular de Becker

A distrofia muscular de Becker é tida como uma variante benigna da doença, apresentando mani-
festações mais brandas. Pode iniciar-se na infância, com metade dos pacientes apresentando sintomas
de fraqueza muscular em torno dos 10 anos; todavia, diferentemente da DMD, eles mantêm a capacidade
de andar mesmo após os 12 anos. O padrão de distribuição da perda e fraqueza muscular da DMD é man-
tido, sendo majoritariamente proximal.

107
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo
Um Guia Prático de Pesquisa Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias
Maria Carolina Silva Malta

Os fenótipos da doença são extremamente diversos, com alguns pacientes demonstrando fraqueza
Capítulo 6

leve apenas na idade adulta ou reservada ao músculo quadríceps. Outras variantes incluem mioglobinúria
induzida por exercício, hiperCKemia e sintomas de mialgia e cãibras. Tanto na DMD quanto na BMD, mu-
lheres portadoras podem apresentar cardiomiopatia dilatada. O desenvolvimento cognitivo usualmente é
mantido, embora certo comprometimento cognitivo isolado tenha sido relatado.
PRINCIPAIS GENES ASSOCIADOS
O gene da distrofina (DMD) é o maior gene humano conhecido, contendo 79 éxons medindo 2.2
Mb. Sua taxa de mutação é elevada, de forma que, mesmo com as ferramentas de diagnóstico pré-natal
e aconselhamento familiar, novos casos surgem com frequência.

As duas formas de distrofia resultam, em, aproximadamente, 60 a 65% dos pacientes, de deleções
de um ou mais éxons do gene da distrofina. As duplicações abrangem cerca de 11% dos casos. Essas
mutações estão concentradas entre os éxons 45-55 e 2-10 para deleções e duplicações, respectivamente,
podendo acarretar em dois destinos distintos.

Quando o número de nucleotídeos deletados ou duplicados for divisível por 3, o quadro de leitura
não é interrompido, de forma que ocorre a tradução da proteína distrofina - ainda que em menor ou maior
extensão no centro -, mantendo-se os seus domínios N-terminal e C-terminal responsáveis pela ligação
do citoesqueleto de actina à matriz extracelular. Essas distrofinas são parcialmente funcionais e são
encontradas nos pacientes com DMB.

Por outro lado, quando o número de nucleotídeos deletados ou duplicados não é divisível por 3, o
quadro de leitura é deslocado, levando à formação de muitos códons de parada e interrompendo, preco-
cemente, a tradução da proteína. Formam-se distrofinas sem o domínio necessário para exercer a sua
função de conexão, sendo essas proteínas associadas à DMD.

Outros tipos de mutações também são encontrados em uma minoria dos pacientes, como muta-
ções intrônicas profundas, mutações missense e translocações.

Além disso, para pacientes com DMD e DMB, o fenótipo da doença pode variar para uma mesma
mutação, de forma que se estima que modificadores genéticos também desempenham um papel impor-
tante na determinação da gravidade da doença.

Para o diagnóstico genético, recomenda-se, a priori, uma análise quantitativa do gene DMD, a qual
será suficiente para detectar a alteração na maioria dos indivíduos.

O MLPA, sigla de multiplex ligation-dependent probe amplification, é o teste quantitativo mais


confiável para identificar exatamente quais éxons estão envolvidos em deleções ou duplicações. Todavia,
cerca de 30% dos pacientes com mutações pontuais precisam de sequenciamento direto de todas as
regiões codificantes, recorrendo-se à abordagem qualitativa.

108
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

Capítulo 6
Figura 6.1. Figura exemplificando o sequenciamento do gene DMD para a distrofia muscular de Duchenne e Becker. (Adaptado de Fleury
Medicina e Saúde).

Doença de Charcot-Marie-Tooth
Contexto
As neuropatias hereditárias (genéticas) podem ocorrer como parte de uma doença multissistêmica
ou com a neuropatia como característica primária (neuropatias hereditárias primárias). As classificações
fenotípicas nas extremidades do espectro de neuropatias genéticas primárias incluem as neuropatias
motoras hereditárias (NHM) com mínimo ou nenhum envolvimento sensorial e as neuropatias sensoriais
hereditárias (NSH), com envolvimento sensorial significativo (pode apresentar ulcerações de pele, devido
ao importante envolvimento sensorial ou envolvimento autonômico).

Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT) indica um grupo heterogêneo de neuropatias genéticas pri-


márias classicamente com envolvimento sensitivo e motor, denominado neuropatia sensorial e motora
hereditária (NSMH).

A CMT é globalmente o distúrbio hereditário mais comum dos nervos periféricos (neuropatia), com uma
prevalência de 1: 2500. A sua heterogeneidade genética se manifesta em diferentes padrões de herança (au-
tossômica dominante, autossômica recessiva, ligada ao X), bem como em classes eletrofisiológicas distintas
(axonal, desmielinizante, intermediária). A herança autossômica dominante é o padrão mais frequente.
Características Clínicas
Os sinais e sintomas geralmente se tornam evidentes pela primeira vez na infância. Normalmente,
isso começa nos membros inferiores com fraqueza, atrofia e deformidade e, posteriormente, afeta os
membros superiores. Raramente envolve a musculatura mais proximal ou os nervos cranianos. Alte-

109
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo
Um Guia Prático de Pesquisa Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias
Maria Carolina Silva Malta

rações sensoriais estão presentes, mas geralmente em menor grau. A maioria dos pacientes também
Capítulo 6

tem pés cavos como característica marcante, com porcentagens menores tendo escoliose, displasia do
quadril, síndrome das pernas inquietas, tremor ou perda auditiva.

A classificação é baseada na eletrofisiologia e consequente acometimento neuronal, dividida em


formas desmielinizantes e não desmielinizantes.

1. Forma Desmielinizantes

Velocidade de condução nervosa reduzida nos membros superiores e anormalidades da mielina na


biópsia (por exemplo, formação de bulbo de cebola). Isso inclui:

ƒ CMT tipo 1
y Mais comum.
y Herança autossômica dominante, mais comumente devido à superexpressão da proteína de mielina
periférica 22 (gene PMP22).
y Ciclos repetidos de desmielinização e remielinização resultam em uma espessa camada de mielina
anormal ao redor dos axônios periféricos.
y Esta forma de doença CMT é um distúrbio da mielinização periférica.
y Essas mudanças causam o que é conhecido como uma aparência de bulbo de cebola.

ƒ CMT tipo 4
y Herança autossômica recessiva.
2. Forma Axonal

Velocidade de condução nervosa preservada ou levemente afetada e evidência de degeneração e


regeneração por biópsia do nervo.

ƒ CMT tipo 2
y Neuropatia periférica por morte axonal direta e degeneração Walleriana.
y Herança autossômica dominante.
y Mais comumente devido a uma mutação no gene da mitofusina 2 (MFN2).

3. Outras Formas

ƒ Neuropatia motora pura (NMP) com preservação dos nervos sensoriais.


ƒ Envolvimento piramidal (CMT tipo 5).
ƒ Envolvimento do nervo óptico (CMT tipo 6).
ƒ CMT tipo 3 (também conhecida como doença de Déjerine-Sottas).
y Caracterizado por início infantil, resultando em desmielinização grave com atraso nas habilidades
motoras, é muito mais grave do que o tipo 1 de CMT.
y Aumento da proteína do LCR e desmielinização grave na biópsia do nervo são características.

110
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

ƒ CMT ligada ao cromossomo X (CMTX).

Capítulo 6
y Segunda forma mais comum de CMT geral.
y Mais comumente devido a uma mutação do gene GJB1.

Principais Genes Associados

Atualmente, mais de 90 variações genéticas distintas têm sido implicadas em causar ou contribuir para o
quadro clínico dessas neuropatias. Eles foram ligados a diversos mecanismos moleculares patológicos que envol-
vem a síntese de proteínas e processamento pós-traducional (processamento anormal de mRNA, disfunção endos-
sômica, anormalidades de agregação proteassomal/proteica, montagem aberrante de mielina), tráfego intracelular
(transporte axonal/anormalidades do citoesqueleto), disfunção dos canais iônicos (canalopatias) ou disfunção
mitocondrial. Embora haja uma miríade de associações de genes e mecanismos fisiopatológicos, quatro genes
compreendem mais de 90% dos casos geneticamente confirmados de CMT (PMP22, Genes MPZ, GJB1 e MFN2 ).

Tabela 6.2. Frequência das mutações genéticas mais comuns na doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT) e suas associações clínicas. (Adap-
tador de Jonathan, 2019).

111
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo
Um Guia Prático de Pesquisa Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias
Maria Carolina Silva Malta

Questões
Capítulo 6

1. Sobre a anamnese e o exame físico de crianças com quadro de fraqueza muscular, qual a alter-
nativa incorreta?

(A) Crianças com doenças neuromusculares frequentemente apresentam atraso motor.


(B) São frequentes as quedas em quadros de fraqueza de musculatura distal de membros inferiores.
(C) Crianças com distrofia muscular de Duchenne frequentemente andam nas pontas dos pés por
fraqueza dos gastrocnêmios, bilateralmente.
(D) Os reflexos osteotendinosos em crianças com miopatias metabólicas são, em geral, preservados
(E) Os reflexos osteotendinosos estão caracteristicamente abolidos em pacientes com a síndrome
de Guillain-Barré.

2. Paciente do sexo masculino, previamente hígido, com habilidades motoras, como rolar, sentar e ficar
de pé, alcançadas nas idades apropriadas, andou aos 12 meses de idade, contudo iniciou quadro de
hipotonia cervical discreta. Com 2 anos de vida, apresentou fraqueza da cintura pélvica e glútea e,
aos 3 anos de idade, sinal de Gowers, que se expressou inteiramente aos 5 anos de idade. Exames
laboratoriais mostraram CPK consistentemente aumentada. Marque a alternativa que apresente o
diagnóstico provável mais comum:

A) Hipotonia congênita benigna.


B) Artrogripose.
C) Doença de Scwartz-Jampel.
D) Distrofia muscular de Duchenne e Becker.
E) Distrofia muscular de Emery-Dreifuss.

03. Quanto à distrofia muscular de Becker, é correto afirmar:

a) É a forma mais maligna das distrofinopatias.


b) É semelhante à DMD, porém com início da doença mais precoce.
c) A eletromiografia tem padrão neurogênico.
d) Há redução total da distrofina no músculo.
e) O início dos sintomas se dá após 6 anos de idade.

4. A distrofia muscular é a designação coletiva para um grupo de doenças musculares hereditárias, sendo
sua principal característica a degeneração da membrana que envolve a célula muscular, causando
sua morte, afetando os músculos, causando fraqueza. Diante do exposto, marque V para as afirmati-
vas verdadeiras e F para as falsas.

112
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

( ) A distrofia muscular de Becker apresenta sinais e sintomas semelhantes aos da distrofia mus-

Capítulo 6
cular de Duchenne, mas com início mais tardio e de evolução menos severa.
( ) As distrofias musculares do tipo Duchenne e Becker são doenças genéticas causadas por muta-
ções no mesmo gene, o DMD, ambas com padrão de herança recessivo ligado ao cromossomo X.
( ) A doença de Steinert é uma doença neuromuscular autossômica dominante multissistêmica.
( ) A doença de Steinert é relativamente rara. Tem prevalência em todo o mundo, afetando,
igualmente, ambos os sexos, sem qualquer variação geográfica ou étnica. A sequência está
correta em
A) F, F, F, F.
B) F, F, F, V.
C) V, V, V, V.
D) V, V, F, F.
E) V, V, V, F

5. Menino, 6 anos de idade, apresenta-se com história de perda de força muscular simétrica e proximal
há 4 semanas. Há 2 semanas, apareceram lesões maculopapulares eritematosas em superfícies ex-
tensoras das articulações metacarpofalangeanas. Qual o diagnóstico provável?

A. Distrofia muscular de Becker.


B. Dermatomiosite juvenil.
C. Polimiosite.
D. Distrofia muscular de Duchenne.

6. Assinale a alternativa que completa, correta e respectivamente, as lacunas. Na doença de Charcot -


Marie -Tooth ou polineuropatia periférica hereditária, o (s) músculo (s) _________ são particularmente
afetados, caracterizando marcha do tipo_________.

A. fibulares; anserina.
B. tibial anterior; escarvante.
C. tibial anterior; equina.
D. fibulares; escarvante.

7. Na neuropatia de Charcot-Marie-Tooth, há acometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e peri-


férico, causando atrofia muscular e perda da propriocepção. A gênese da deformidade dos pés não
está fundamentada em:

A. persistência da força do tibial anterior; fraqueza dos fbulares curto e longo; não determinantes de
deformidades;

113
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo
Um Guia Prático de Pesquisa Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias
Maria Carolina Silva Malta

B. fraqueza do tibial anterior, tibial posterior e fbulares curto e longo; alterações estruturais acomo-
Capítulo 6

dativas dos ossos do mediopé, tornando a deformidade irredutível;


C. fraqueza do quadríceps e tibial anterior; acunhamento da epífise proximal da tíbia; não determi-
nantes de deformidades;
D. fraqueza do quadríceps e tibial anterior; alterações estruturais acomodativas dos ossos do medio-
pé, tornando a deformidade irredutível;
E. persistência da força do tibial posterior; fraqueza do tibial anterior e fibulares curto e longo; altera-
ções estruturais acomodativas dos ossos do retropé e antepé, tornando a deformidade irredutível.

8. Relacione a coluna 1 à coluna 2, associando as Distrofias de Duchenne e de Becker de acordo com


suas características.

Coluna 1
1. Distrofia de Duchenne.
2. Distrofia de Becker.

Coluna 2
( ) Início tardio, e os pacientes podem sobreviver até a idade adulta deambulando.
( ) Há fraqueza muscular que afeta, seletivamente, os músculos proximais dos membros antes
que os distais.
( ) Afeta primeiro os membros inferiores antes que os superiores.
( ) Predomínio de fibras atróficas angulares dispersas, fibras hipertróficas difusas dos tipos 1 e 2
e maior internalização de núcleo.
( ) Predomínio de tecido conjuntivo, infiltração de tecido adiposo e fibras atróficas redondas difu-
sas. A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:
a) 1 – 1 – 2 – 1 – 2.
b) 2 – 2 – 1 – 2 – 1.
c) 1 – 2 – 1 – 2 – 1.
d) 2 – 1 – 1 – 2 – 1.

9. As distrofias musculares progressivas (DMP) compreendem um grupo heterogêneo de doenças de


caráter e caracterizam-se por um comprometimento grave, progressivo e irreversível da muscula-
tura esquelética. Sobre a Distrofia Muscular de Duchenne são observadas nos estágios iniciais as
seguintes alterações:

A) retificação lombar;
B) marcha na ponta dos pés e pseudo-hipertrofia do músculo sartório;

114
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

C) contratura da musculatura abdominal;

Capítulo 6
D) pseudo-hipertrofia dos músculos gastrocnêmio e deltoide;
E) contratura dos músculos do quadril e do joelho e escoliose.

10. A distrofia muscular ligada ao sexo é a doença neuromuscular hereditária mais comum, podendo afe-
tar até 1 para cada 4.000 nascidos vivos segundo algumas literaturas. Sobre esse grupo de doenças,
assinale a alternativa correta.

A) A CPK sérica pode-se encontrar acima de 15.000 desde o nascimento.


B) Os indivíduos acometidos apresentam comumente hiper-reflexia após os 2 anos de vida.
C) A distrofia de Becker é caracterizada por ser uma variante mais grave da distrofia de Duchenne.
D) O levantar do chão característico, no qual a criança se apoia progressivamente sobre o próprio
corpo para alcançar a posição de pé é chamado de sinal de Godet.

115
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Ananda Sampaio Lamenha Falcão de Melo
Um Guia Prático de Pesquisa Anderson Luiz Castro Santiago | João Pedro Benati de Andrade Farias
Maria Carolina Silva Malta

Referências
Capítulo 6

1. Waldrop M, Flanigan K. Update in Duchenne and Becker muscular dystrophy. Current Opinion in Neurol-
ogy. 2019;32(5):722-727.

2. Aartsma-Rus A, Ginjaar I, Bushby K. The importance of genetic diagnosis for Duchenne muscular dys-
trophy. Journal of Medical Genetics. 2016;53(3):145-151.

3. Okubo M, Minami N, Goto K, Noguchi S, Mitsuhashi S, Nishino I. Genetic diagnosis of Duchenne/Becker


muscular dystrophy using next-generation sequencing: Validation analysis of DMD mutations. Neuromus-
cular Disorders. 2016;26:S96.

4. Mah J, Korngut L, Dykeman J, Day L, Pringsheim T, Jette N. A systematic review and meta-analysis on the
epidemiology of Duchenne and Becker muscular dystrophy. Neuromuscular Disorders. 2014;24(6):482-491.

5. Kalman Lisa, Leonard Jay, et al. Quality Assurance for Duchenne and Becker Muscular Dystrophy Ge-
netic Testing. The Journal of Molecular Diagnostics. 2011;13(2):167-174.

6. Flanigan Kevin. Duchenne and Becker Muscular Dystrophies. Neurol Clin. 2014;32:671-688.

7. Jonathan M., Anirudh G. and J. Chad Hoyle. Charcot-Marie-Tooth: From Molecules to Therapy. Int. J.
Mol. Sci. 2019, 20, 3419

116
Doenças Neuromusculares
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Capítulo 7
Distúrbios do Movimento

O
s distúrbios do movimento (tremor, coreia, distonia, atetose, balismo, tiques e mioclonia) es-
tão relacionados aos núcleos da base e/ou à disfunção de áreas cerebrais interconectadas,
como a substância negra e o núcleo subtalâmico. O exame clínico é um ponto fundamental
para caracterizar o movimento anormal e identificar os sinais associados que podem orientar a aborda-
gem etiológica.

A ligação do gene da doença de Huntington ao cromossomo 4, em 1983, marcou o nascimento da


genética moderna nos distúrbios do movimento. A descoberta de que uma repetição expandida de trinu-
cleotídeos de DNA era central para o mecanismo dessa doença foi repetida continuamente em uma lista
crescente de ataxias hereditárias.

Em 1997, uma mutação e um mecanismo genético diferentes foram descobertos em um tipo


grave de distonia de torção primária generalizada - a distonia de Oppenheim. Antes disso, apenas a
causa genética das distonias metabólicas raras era conhecida, notavelmente a distonia responsiva
à dopa (Segawa). No mesmo awno, a partir da identificação de mutação no gene da alfa-sinucleína
com parkinsonismo autossômico dominante, surgiu o conceito de que a doença de Parkinson pode
fazer parte de um grupo mais amplo de ‘sinucleinopatias’, em que se encontra um defeito fundamen-
tal no processamento de proteínas.

No ano seguinte, foram encontradas mutações no parkinsonismo autossômico recessivo de início


juvenil em um gene chamado ‘parkin’. As mutações de parkin são uma causa mais comum de parkin-
sonismo do que as raras mutações da alfa-sinucleína, particularmente na doença de início precoce. No
entanto, um entendimento mais importante, ocorrido no último ano, tem sido a relação entre o produto
do gene parkin, alfa-sinucleína, e a degradação anormal da proteína na célula.

Uma teoria unificada da morte neuronal na doença de Parkinson está surgindo, apontando para
novas terapias potenciais no futuro. As mutações de parkin são uma causa mais comum de parkin-
sonismo do que as raras mutações da alfa-sinucleína, particularmente na doença de início precoce.
No entanto, um entendimento mais importante, ocorrido no ano passado, tem sido a relação entre o
produto do gene parkin, alfa-sinucleína, e a degradação anormal de proteínas na célula. Uma teoria
unificada da morte neuronal na doença de Parkinson está surgindo, apontando para novas terapias
potenciais no futuro.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Distonias
Capítulo 7

Contexto
Durante as primeiras sete décadas do século XX, as distonias foram consideradas por muitos neu-
rologistas como psicogênicas. Isso começou a mudar a partir do primeiro simpósio internacional sobre
distonia, o qual contribuiu a favor da visão atual da patologia como um distúrbio neurológico hipercinético
do movimento. As distonias são caracterizadas por contrações musculares involuntárias, intermitentes ou
sustentadas, que levam a movimentos ou a posturas anormais e frequentemente repetitivos, geralmente na
forma de tremor ou de torção. O termo distonia pode-se referir a um único sinal ou a doenças nas quais a
distonia é a característica clínica única ou proeminente. Qualquer região do corpo pode ser acometida, e as
manifestações dependem da gravidade e da distribuição dos músculos afetados pelo distúrbio.

Felizmente, a distonia generalizada (que afeta múltiplas regiões do corpo) é rara, sendo mais fre-
quente o envolvimento de grupos menores de músculos em uma distribuição restrita do corpo (distonia
focal). Alguma das síndromes de distonia focal mais comuns envolvem os músculos do pescoço (disto-
nia cervical), a face (blefarospasmo), a laringe (disfonia espasmódica) ou um membro (distonias de mão
específicas para tarefas). A real prevalência da distonia permanece desconhecida, graças à sua hetero-
geneidade e às variações metodológicas dos estudos epidemiológicos sobre o tema, mas estima-se que
cerca de 20% dos pacientes em clínicas de distúrbios do movimento sofrem de distonia.

De acordo com a etiologia, são classificadas como hereditárias, adquiridas ou idiopáticas. Mais
de 20 mudanças monogênicas já foram identificadas nas distonias hereditárias e incluem tanto formas
com padrão de vantagem autossômica dominante quanto formas autossômicas recessivas e ligadas ao
X. Apesar de a distonia ser comparada à doença de Parkinson, já que ambas podem ser causadas por
múltiplos genes diferentes e por fatores não genéticos, no parkinsonismo, todos esses fatores convergem
para uma única via biológica. As distonias não estão associadas a alterações degenerativas em uma úni-
ca via neural, sendo, portanto, consideradas distúrbios de rede que resultam de distúrbios degenerativos
ou não degenerativos em regiões diferentes do sistema nervoso, com destaque para o circuito núcleos da
base-cerebelo-tálamo-cortical, em que há alterações dos padrões espaciais e temporais de atividade dos
núcleos da base, o que desregula a ativação e a inativação de movimentos corporais.
Manifestações Clínicas
A atualização do consenso de 2013 sobre a classificação das distonias concentra-se nas carac-
terísticas clínicas e classifica-as como isoladas (em que a distonia é a única manifestação clínica) ou
combinadas (em que a distonia é combinada a outros sinais neurológicos ou sistêmicos). As distonias
isoladas podem afetar todas as faixas etárias e levar a incapacidades substanciais com comprometi-
mento da qualidade de vida. Dependendo das regiões do corpo afetadas, a distonia pode ser subclas-
sificada como focal (uma região do corpo é afetada), segmentar (regiões adjacentes do corpo são afe-

118
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

tadas) ou generalizada (várias regiões do corpo são afetadas). A distonia pode ser, inicialmente, focal

Capítulo 7
e posteriormente progredir para segmentar ou mesmo para uma distonia generalizada. Clinicamente,
as distonias podem ser descritas pela idade de início, distribuição corporal ou relação com ações vo-
luntárias ou gatilhos.

Glossário de Fenótipos de Distonia

Distonias descritas pela distribuição corporal


ƒ Distonia generalizada: distonia afetando o tronco e, pelo menos, dois outros locais do corpo.
ƒ Hemidistonia: distonia afetando apenas um lado do corpo.
ƒ Distonia cervical: distonia que afeta o pescoço, levando a posturas anormais da cabeça; os subtipos
são torcicolo (cabeça virada para um lado), laterocolis (inclinação para o lado), retrocolis (extensão
do pescoço) e anterocolis (flexão do pescoço).
ƒ Distonia craniana: distonia que afeta a face ou a voz; pode-se apresentar como distonia laríngea
(também chamada de disfonia espasmódica), blefaroespasmo, distonia oromandibular ou uma
combinação das duas últimas (síndrome de Meige).

y Distonia laríngea (disfonia espasmódica): afeta as cordas vocais, tornando a voz estrangulada e
áspera com variações frequentes no tom (tipo adutora) ou, menos frequentemente, tornando a
sussurrante e soprosa (tipo abdutora).
y Blefaroespasmo: caracterizada por espasmos de fechamento dos olhos.
y Distonia oromandibular: afeta a boca e/ou mandíbula, levando a movimentos periorais involuntá-
rios de abertura ou fechamento da boca.

Distonias caracterizadas por sua relação com ações voluntárias ou gatilhos


ƒ Cãibra do escritor: distonia focal específica da tarefa que afeta a mão e/ou o antebraço; manifesta-se
como postura anormal quando os pacientes tentam escrever e piora conforme a escrita continua.
ƒ Distonia do músico: distonia específica da tarefa, que se manifesta na parte do corpo envolvida
quando os indivíduos tocam um instrumento musical.
ƒ Distonia paroxística: distonia que ocorre apenas intermitentemente com certos gatilhos, como a
distonia induzida por exercício e a discinesia cinesigênica paroxística.
y Distonia induzida por exercício: manifesta-se após exercícios prolongados como episódios autoli-
mitados de distonia no membro exercitado; a manifestação mais típica é a distonia do pé induzida
por exercício, a qual resulta em rotação dos pés após caminhada prolongada.
y Discinesia cinesigênica paroxística: manifesta-se como breves episódios autolimitados de postu-
ra distônica, os quais são desencadeados por movimentos bruscos.

119
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

A história natural da distonia isolada (idiopática ou genética) é de início insidioso com curso
Capítulo 7

de doença estável a partir de quando os sintomas se tornam plenamente estabelecidos, o que pode
levar meses a anos. Apesar disso, as síndromes clínicas e as etiologias da distonia se sobrepõem, o
que torna difícil criar uma conceituação única do ponto de vista clínico e fisiopatológico. Um gene
pode ser a base de diferentes fenótipos de distonia, e um fenótipo de distonia pode ser causado por
várias alterações genéticas. Uma pista clínica útil é o gesto antagonista (ou truque sensorial), ca-
racterizado por um movimento voluntário, geralmente de tocar a região afetada ou as proximidades
dessa parte do corpo para aliviar a postura distônica. Este é um sinal bastante específico para a
distonia e, muitas vezes, a melhora da postura distônica pode ser discernida mesmo antes do toque.

Devido à falta de um biomarcador único ou definidor de distonia, seu diagnóstico é clínico


e com base em uma abordagem sindrômica, levando em consideração a história e os achados
do exame clínico (incluindo a distribuição da distonia, idade de início, evolução temporária e
presença ou ausência de sinais neurológicos ou sistêmicos adicionais). O diagnóstico de uma
síndrome de distonia, por sua vez, orienta a investigação posterior que visa identificar a etiologia.
Normalmente, se as características clínicas apontarem para a distonia idiopática isolada - a mais
comum entre os pacientes ambulatoriais -, investigações de rotina adicionais visam excluir outras
etiologias que, raramente, podem manifestar-se com distonia isolada, como ressonância magnéti-
ca para excluir anormalidades estruturais ou níveis de cobre e ceruloplasmina para rastreamento
da doença de Wilson.

Se as características clínicas sugerirem outras etiologias, a investigação diagnóstica será


feita sob medida para aquele paciente. Nesse sentido, identificar uma causa genética de distonia é
importante, pois algumas formas podem evidenciar o prognóstico e prever a resposta ao tratamento
- a distonia associada a TOR1A, por exemplo, responde fortemente à estimulação cerebral profunda,
enquanto os resultados são menos favoráveis para distonia por mutações THAP1. Suspeita-se de
etiologia genética de distonia isolada se o paciente tiver uma história familiar positiva de distonia
ou se apresentar no início da vida. O teste genético subsequente é orientado pelas características
clínicas dos pacientes.

120
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Capítulo 7

Figura 7.1. Abordagem sindrômica clínicas nas distonias. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

121
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati
Capítulo 7

122
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Capítulo 7
Figura 7.2. Tabela da apresentação clínica típica das distonias monogênicas mais comuns. (Adaptado de Balint, 2018)

123
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Principais genes associados às distonias e suas funções


Capítulo 7

Distonias isoladas autossômicas dominantes

São as formas genéticas mais comuns que determinam distonias. Mutações que causam distonia autos-
sômica dominante são, muitas vezes, de penetrância incompleta, explicando a falta de história familiar positiva
em muitos indivíduos com esse transtorno. A penetrância varia entre as diferentes formas genéticas, sendo, por
exemplo, alta na distonia associada ao GNAL e de 20-30% em indivíduos com Deleções GAG de TOR1A.

TOR1A

O primeiro gene apontado como causador da distonia, TOR1A ou DYT-TOR1A (antes chamado tam-
bém de DYT1), foi identificado devido à recorrência de uma herança antiga de mutação com efeito fun-
dador (uma deleção GAG) na população Ashkenazi judaica. Nessa população, a mutação é encontrada
em, aproximadamente, 80% dos pacientes com início precoce de distonia isolada. Estudos subsequentes
demonstraram a mesma mutação em muitos indivíduos em todo o mundo, devido à mesma ancestrali-
dade compartilhada ou devido a mutações de novo. A proteína codificada por esse gene é um membro
da família AAA das adenosinas trifosfatases (ATPases) e está relacionada com a família Clp de protease/
HSP, sendo expressa de forma proeminente na parte compacta da substância nigra.

THAP1

Mais de 100 mutações distintas no gene THAP1 (antes chamado de DYT6) foram demonstradas em
pacientes com distonia isolada de início precoce familiar ou esporádica. Em contraste com a distonia asso-
ciada ao TOR1A, a distonia associada ao THAP1 tem um início ligeiramente mais tardio, em média durante
a adolescência, e envolvimento craniocervical mais proeminente, com destaque para a disfonia. A proteína
codificada por este gene contém um domínio THAP, um domínio de ligação ao DNA conservado. Esta pro-
teína colocaliza-se com a proteína de resposta à apoptose PAWR/PAR-4 em corpos nucleares de leucemia
promielocítica (PML) e funciona como um fator pró-apoptótico que liga PAWR a corpos nucleares de PML.

GNAL

O gene GNAL (antes conhecido como DYT25) codifica uma subunidade alfa da proteína G estimu-
ladora que medeia a sinalização de odor no epitélio olfatório. O gene está localizado em uma região de
suscetibilidade ao transtorno bipolar e à esquizofrenia e sua proteína codificada acopla os receptores
de dopamina tipo 1 e os receptores de adenosina A2A, sendo amplamente expressa no sistema nervoso
central. Mutações nesse gene têm sido associadas à distonia cervical com início predominante aos 30
anos de idade, porém podendo surgir entre os 7 a 54 anos.

Curiosamente, as mutações em THAP1 ou GNAL também podem ser herdadas de maneira re-
cessiva, resultando em um fenótipo clínico indistinguível ou mais grave do que o fenótipo causado por
mutações herdadas de forma dominante. Portanto, uma história familiar sugestiva de herança recessiva
não descarta as causas genéticas autossômicas dominantes de distonia.
124
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

TUBB4 e ANO3

Capítulo 7
Além do GNAL, dois outros genes também estão implicados na distonia segmentar de início na idade adul-
ta: ANO3 e TUBB4. O TUBB4 codifica uma proteína membro da família das beta-tubulinas, que heterodimerizam e
se agrupam para formar microtúbulos. Mutações neste gene causam leucodistrofia-6 hipomielinizante e distonia
da laringe, (manifestando-se como disfonia sussurrante) e distonia cervical (manifestando-se como torcicolo). O
ANO3 (antes denominado DYT24) codifica uma proteína pertencente à família TMEM16 de proteínas de membra-
na, conhecidas como anoctaminas. Embora pouco se saiba sobre a função desse gene, suas mutações foram
associadas a alguns casos de distonia craniocervical autossômica dominante. As células de indivíduos com uma
mutação neste gene exibiram anormalidades na sinalização de cálcio dependente do retículo endoplasmático.

Figura 7.3. Tabela evidenciando os principais genes relacionados às distonias. (Adaptado de Balint, 2018).

125
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati
Capítulo 7

Figura 7.4. Tabela evidenciando os principais genes relacionados às distonias heredodegenetativas. (Adaptado de Balint, 2018).

126
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Painel genético para distonias

Capítulo 7
Figura 7.5. Tabela evidenciando o painel genético das distonias. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Doença de Wilson
Contexto
Condição rara que afeta cerca de 1:30.000 indivíduos, a doença de Wilson (DW) está associada a
um distúrbio hereditário do metabolismo do cobre, caracterizado pelo acúmulo patológico desse com-
ponente, sobretudo com comprometimento hepático, neurológico e psiquiátrico em espectros variáveis.
As principais manifestações clínicas incluem icterícia, hepatite autolimitada crônica ou fulminante, dis-
túrbios do movimento, como tremores, perda do controle motor fino e coreia, distonias, depressão e al-
teração de comportamento. A doença de Wilson é uma das poucas patologias genéticas que podem ser
controladas com sucesso a partir do diagnóstico precoce e tratamento adequado, e a taxa de mortalida-
de dos pacientes pré-sintomáticos com aderência satisfatória ao tratamento é igual à da população geral.

A DW é de herança autossômica recessiva e está associada a mutações no gene ATP7B. Mais de 700
mutações desse gene foram descritas de acordo com o Human Gene Mutation Database, e os pacientes
afetados podem ser tanto homozigotos para uma mutação causadora de doença, quanto carregar duas
mutações diferentes do ATP7B, determinando a mutação em heterozigose composta. A disfunção do gene
repercute em uma falha na excreção biliar de cobre, que leva a uma sobrecarga de cobre nos hepatócitos as-
sociada à hepatopatia. Quando a capacidade do fígado de armazenar cobre se esgota, o cobre em excesso
é liberado na circulação sanguínea com acúmulo patológico secundário em outros tecidos, principalmente
no cérebro, o que se associa aos sintomas neurológicos e distúrbios psiquiátricos manifestados na doença.
127
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Características Clínicas
Capítulo 7

O fígado tem a maior expressão tecidual do transportador de cobre ATP7B e é o órgão regulador
principal do equilíbrio sistêmico de cobre. A lesão hepática é, portanto, a manifestação mais precoce e
frequente da DW. Os sintomas são variados e se manifestam mais comumente entre os 5 e os 35 anos de
idade. Normalmente, o primeiro achado em crianças e adultos jovens é uma esteatose hepática de grau
leve a moderado que é evidente em exames de imagem ou mediante biópsia hepática. A toxicidade do
cobre em excesso nos tecidos é, presumivelmente, uma consequência de sua atividade redox que leva ao
estresse oxidativo e ao subsequente dano de lipídios, proteínas, moléculas de DNA e RNA. Outros possí-
veis mecanismos de toxicidade incluem a indução de apoptose pela ativação da esfingomielinase ácida,
a qual desencadeia a liberação do mensageiro secundário apoptótico ceramida.

Os mecanismos citados acima geram injúria crônica hepática, situação que resulta em alterações
inflamatórias - hepatite - e em acúmulo de matriz extracelular que se manifesta como fibrose. Pacientes
não trathepatoesplenomegaliadados desenvolvem doença hepática crônica com hipertensão portal, as-
cite, icterícia, baixa concentração de albumina sérica e coagulopatia ao longo do tempo, sendo a forma
mais grave de falência hepática ligada à DW - a hepatite fulminante - quatro vezes mais comum entre as
mulheres. A hepatopatia resultante, independentemente de ter um caráter agudo ou crônico, pode ser
clinicamente indistinguível de outras condições hepáticas.

Quando a capacidade de armazenamento de hepatócitos se esgota, e o cobre ingerido e absorvido já não


pode ser mais sequestrado pelo fígado, esse cobre é liberado e se acumula progressivamente em outros órgãos,
principalmente cérebro, olhos, rins, ossos e coração. A exposição de longo prazo a altas concentrações de cobre
resulta em astrócitos danificados, disfunção da barreira hematoencefálica e injúria de outros tecidos cerebrais,
incluindo neurônios e oligodendrócitos. Astrogliose, desmielinização e desintegração de tecido (variando de rare-
fação leve à necrose) são mais frequentemente relatados nos gânglios da base, tálamo, cerebelo e tronco cerebral
superior; sendo essas anormalidades descritas como lesões T2 hiperintensas na ressonância magnética (figura 1).

Figura 7.6. Envolvimento cerebral da Doença de Wilson. Ressonância magnética com imagem ponderada em T2. Cortesia de Dr Paresh K
Desai, Radiopaedia.org, rID: 12107

128
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Após as manifestações hepáticas, os sintomas neurológicos são os mais frequentes da DW, sur-

Capítulo 7
gindo em média entre os 20 e 30 anos. O principal espectro clínico desses sintomas inclui diferentes
distúrbios do movimento com uma ampla variedade de movimentos involuntários, muitas vezes, sobre-
postos. O putâmen é a região do cérebro mais frequente e severamente afetada, com lesões relacionadas
à distonia e ao parkinsonismo. Há formas clínicas de DW em que há predominância de tremores, distonia
ou parkinsonismo, todos frequentemente associados à disartria, distúrbios da marcha e da postura, sali-
vação e disfagia. Disfunção das vias corticoestriatais pode levar a déficits cognitivos e sintomas psiquiá-
tricos, os quais podem ser intensificados por encefalopatia hepática induzida pela DW.

Um sintoma neurológico característico e frequente da DW é o tremor, que ocorre em até 55% dos
pacientes neurológicos no momento do diagnóstico de DW. Ele se apresenta de formas heterogêneas,
mas, com a progressão da doença, pernas, cabeça ou mesmo todo o corpo podem ser afetados, ge-
ralmente de forma bilateral. A apresentação distônica mais característica de WD é a expressão facial
anormal ou risus sardonicus, que se apresenta como um sorriso fixo devido à distonia do músculo risório.
Na doença não tratada, os sintomas geralmente progridem para distonia generalizada. O parkinsonismo
ocorre em 19–62% dos pacientes e, geralmente, apresenta-se como bradicinesia simétrica, rigidez, hipo-
mímia, distúrbios da marcha e da postura, além de disfagia, salivação e disartria, que é relatada em até
97% dos pacientes neurológicos com DW.

Entre as manifestações psiquiátricas, as mais comuns são os distúrbios do humor. 20–60% dos
pacientes com WD desenvolvem depressão, com uma alta taxa de tentativas de suicídio em até 16%
deles. As primeiras manifestações podem surgir como declínio no desempenho escolar, comportamento
inadequado ou impulsividade. Transtornos comportamentais e de personalidade também são frequentes
na WD, sendo comuns a irritabilidade, agressão e comportamento antissocial. Importante sinal clínico
para o diagnóstico, os anéis de Kayser-Fleischer (figura 7.7) ocorrem em quase 100% dos pacientes com
DH neurológica. São causados pelo acúmulo de cobre na membrana de Descemet e aparecem como
coloração dourada, marrom ou verde na periferia da córnea. Estão presentes em 40–50% dos pacientes
com DH hepática e 20–30% dos pacientes com WD pré-sintomáticos.

Figura 7.7. Anéis de Kayser-Fleischer. Cortesia do Dr Mark Thurston, Radiopaedia.org, rID: 51508

129
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

O diagnóstico do quadro é estabelecido pela combinação de sinais clínicos, como a presença do anel
Capítulo 7

de Kayser-Fleischer na córnea e achados bioquímicos, podendo ser confirmado, também, pela detecção de
variantes patogênicas bialélicas no gene ATP7B. Como nenhum dos testes de laboratório disponíveis apresen-
ta especificidade para WD e sinais e sintomas clínicos podem estar ausentes, uma pontuação de diagnóstico
com base em todos os testes disponíveis foi proposto em 2001, apresentando boa acurácia diagnóstica.

Figura 7.8. Tabela evidenciando os sinais e sintomas típicos da doença de Wilson. (Adaptado de Czlonkowska, 2018).

130
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Uma biópsia hepática com medição da concentração de cobre no parênquima hepático é neces-

Capítulo 7
sária se os sinais clínicos e os testes não invasivos não permitirem um diagnóstico final ou se houver
suspeita de outra patologia hepática adicional. A análise mutacional é outra ferramenta importante de
diagnóstico. No entanto, os resultados do diagnóstico genético-molecular direto podem demorar para se-
rem obtidos, e a análise é difícil, uma vez que há mais de 700 mutações possíveis, e muitos pacientes são
heterozigotos compostos. Além disso, os testes ainda são caros e, em cerca de 17% dos casos, nenhuma
mutação foi identificada. No entanto, o sequenciamento está se tornando cada vez mais rápido e barato
e se tornará um teste de diagnóstico comumente usado no futuro. Interpretação dos principais achados
laboratoriais e clínicos na doença de Wilson:

Figura 7.9. Tabela evidenciando a interpretação dos principais achados laboratoriais e clínicos da doença de Wilson. (Adaptado de
Czlonkowska, 2018).

131
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Principal Gene Associado à Doença de Wilson e suas Funções


Capítulo 7

O gene ATP7B, localizado no braço curto do cromossomo 13, codifica uma proteína chamada
ATPase 2 transportadora de cobre (também chamada de ATP7B). Essa ATPase do tipo P transporta me-
tais para dentro e fora das células usando a energia de moléculas de ATP. Ela é encontrada, principalmen-
te, no fígado, no complexo de Golgi, fornecendo cobre a uma proteína chamada ceruloplasmina, a qual
transporta cobre de forma fisiológica a outras partes do corpo através do sangue. Se os níveis de cobre
no fígado ficarem muito altos, a ATPase 2 transportadora de cobre deixa o complexo de Golgi e transfere
o cobre em vesículas para a sua eliminação via bile.

A mutação do ATP7B - que pode ocorrer em quase todos os 21 de seus éxons - e a inativação do
transportador ATP7B resultam na falha da excreção de cobre biliar e na redução da síntese de ceruloplas-
mina, a qual tem seus níveis séricos reduzidos. Na WD, os níveis detectados laboratorialmente de cobre
sérico total podem estar diminuídos devido à baixa formação de ceruloplasmina. Apesar disso, os níveis
de cobre não ligado à ceruloplasmina (cobre tóxico) são frequentemente elevados. A sobrecarga hepática
e sistêmica de cobre tóxico é a principal causa de patologia tecidual e sintomas clínicos na DH.

Figura 7.10. Tabela evidenciando o painel genético relacionada à doença de Wilson. (Adaptado de Czlonkowska, 2018).

132
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

Questões

Capítulo 7
1. Na avaliação diagnóstica da doença de Parkinson, é importante excluir causas secundárias de parkin-
sonismo. Com relação a essa informação, assinale a opção que apresenta um achado observado em
causas secundárias de parkinsonismo.

A) disfunção do sistema nervoso periférico;


B) tremor de repouso com uma frequência de 4 a 6 ciclos por segundo;
C) rigidez observada nos movimentos passivos lentos D postura flexionada nos membros e no tronco;
E) disautonomias.

2. Acerca do tremor essencial, assinale a opção correta.

A) Na maioria das vezes, tem aparência de “rolar pílulas”.


B) A primidona é considerada droga eficaz.
C) É autossômico recessivo.
D) β bloqueador adrenérgico cardiosseletivo é considerado tratamento farmacológico de primeira linha.
E) Piora com a ingestão de etanol.

3. Julgue os itens subsequentes, relativos aos distúrbios do movimento.

( ) Uma das formas hereditárias da doença de Parkinson está associada a um gene anômalo no
cromossomo X que codifica uma proteína (“-sinucleína) mutante.
( ) O tremor essencial é um distúrbio pouco frequente, afeta tipicamente os membros superiores
de forma simétrica e piora com o uso de medicamentos bloqueadores adrenérgicos.
( ) A síndrome de Tourette é um distúrbio do movimento que frequentemente tem como comorbi-
dade uma fobia específica.
( ) A instabilidade postural e as quedas aparecem cedo na evolução da doença de Parkinson e
tendem a diminuir conforme a doença avança.

4. Qual dos seguintes sinais neurológicos pode ser observado em pacientes com tremor essencial?

A) Ataxia
B) Disartria
C) Disfagia
D) Hiperreflexia
E) Nistagmo

133
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima
Um Guia Prático de Pesquisa João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

5. Um homem de 64 anos apresenta uma história de 1 ano de perda progressiva de memória e iní-
Capítulo 7

cio mais recente de movimentos anormais de braços, pernas e tronco que resultaram em sua
aposentadoria antes do planejado de seu trabalho como eletricista. Ele também foi recentemente
diagnosticado com apneia obstrutiva do sono, e sua esposa, que o acompanha na visita, descreve
movimentos estranhos durante o sono em que ele parece estar realizando suas atividades ante-
riores de trabalho, como enfiar fios. No exame, ele apresenta paralisia do olhar vertical. Qual é o
diagnóstico mais provável?

A) Discinesia relacionada a ADCY5


B) Encefalite anti-CASPR2.
C) Doença anti-IgLON5.
D)Atrofia dentatorubral-palidoluysiana.
E) Neurodegeneração associada a pantotenato quinase.

6. Um menino de 22 meses apresenta vários meses de movimentos oculares rápidos e irregulares e


mioclonia generalizada. Qual das seguintes condições deve ser definitivamente excluída?

A) Doença de Lyme.
B) Neuroblastoma.
C) Sarcoidose.
D) Faringite estreptocócica.
E) Carcinoma embrionário testicular.

7. Os métodos de sequenciamento da próxima geração detectarão quais dos seguintes distúrbios genéticos?

A) Discinesia relacionada a ADCY5.


B)Atrofia dentatorubral-palidoluysiana.
C) Síndrome do X frágil.
D) Ataxia de Friedreich
E) Doença de Huntington

8. Os sintomas neurológicos da ataxia-telangiectasia podem ser precedidos por qual dos seguintes sin-
tomas sistêmicos recorrentes?

A) Apendicite
B) Bronquite / sinusite
C) Celulite
D) Colecistite
E) Pielonefrite

134
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Juliana Louise Dias Lima PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
João Erivan Façanha Barreto | Maria Carolina Silva Malta Um Guia Prático de Pesquisa
Rafaella Iughetti da Costa | Lia de Oliveira Jereissati

9. Uma mulher chinesa de 45 anos se apresenta ao pronto-socorro com agitação do braço direito que

Capítulo 7
começou agudamente dois dias atrás. Melhora durante o sono. No exame físico, ela também apre-
senta movimentos anormais no rosto e na perna direita, mas são menos graves. Qual dos seguintes
estudos laboratoriais têm maior probabilidade de revelar a etiologia subjacente de seus sintomas?

A) Glicose no sangue
B) Contagem completa de células sanguíneas.
C) Nível de cálcio sérico.
D) Hormônio estimulador da tireoide (TSH).
E) Gonadotrofina coriônica humana na urina.

10. O uso de levodopa em pacientes com atrofia de múltiplos sistemas pode piorar qual dos seguin-
tes sintomas?

A) Apneia central
B) Dismetria
C) Ortostase
D) Distúrbio comportamental do sono de movimento rápido dos olhos (REM).
E) Estridor

135
Distúrbios do Movimento
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

Capítulo 8
Neuropatias Hereditárias

A
s neuropatias hereditárias constituem um conjunto de doenças com clínica e etiologia ge-
nética diversas com acometimento neurológico de caráter degenerativo e congênito, afe-
tando, principalmente, os nervos periféricos motores e autonômicos. As neuropatias podem
ser classificadas em neuropatias motoras, quando há somente o acometimento de neurônios eferentes;
neuropatias sensitivas, nas quais há o acometimento de neurônios aferentes e autônomos; e neuropatias
sensitivas e motoras, em que há concomitância entre os tipos de neurônios acometidos.

A apresentação clínica é caracterizada por fraqueza muscular progressiva, atrofia muscular e dis-
túrbios sensoriais. O quadro pode, ainda, acompanhar dor neuropática, deformidades ósseas, surdez, dé-
ficit cognitivo, tremores, discurso prejudicado e disfagia, distúrbios respiratórios e alterações estruturais
do sistema nervoso central.

Mais de 100 genes já foram identificados e associados à patogênese das neuropatias, cujas altera-
ções podem ser herdadas de forma dominante, recessiva, ou, ainda, ligada ao X.

A prevalência das neuropatias hereditárias é estimada em 1:2500, o que corresponderia a cerca de


84 mil indivíduos no território brasileiro. Nesse contexto, demonstra-se, cada vez mais, a necessidade de
implementar medidas de acolhimento e de atendimento genético a essa população.

Doença de Charcot-Marie-Tooth
Contexto
Há três tipos principais de neuropatias sensitivas e motoras, predominantemente de fibras gros-
sas. Os tipos 1 e 2 são os mais comuns e apresentam caráter autossômico dominante, consistindo em
variações da Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT), ou atrofia muscular fibular, doença caracterizada
por perda de força e atrofia, principalmente nos músculos fibulares e distais das pernas. A prevalência da
CMT no mundo é de 1:2500, o que indica uma média de 83 mil portadores da doença no Brasil. É comum
que os pacientes apresentem história familiar de neuropatia e história natural variável, incluindo desde
quadros assintomáticos/abrandados até acometimentos mais severos.
Características clínicas
Os sintomas da CMT tipo I, ou Neuropatia Desmielinizante Periférica Primária, decorrem da des-
mielinização segmentar e consequente comprometimento da velocidade de condução nervosa (<35
m/s). A neuropatia motora é distal e simétrica, apresentando-se na infância com queda do pé e atrofia
lenta e progressiva da musculatura distal (pernas de cegonha). Com a evolução da doença, ocorre
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

comprometimento da musculatura intrínseca das mãos. A sensibilidade vibratória, dolorosa e térmica

Capítulo 8
diminui em padrão de bota e luva. Há, também, ausência dos reflexos tendinosos profundos. Porta-
dores menos afetados podem apresentar arcos podais elevados e/ou dedos em martelo como únicos
achados. A desmielinização segmentar promove redução na velocidade de condução nervosa e pro-
longamento das latências distais. Os nervos periféricos aumentados pela constante remielinização
podem ser visíveis à palpação.

A CMT tipo II é resultado da degeneração axônica do tipo walleriana. Nesse caso, não há envolvi-
mento de processo desmielinizante. Sua gama de sintomas apresenta extensas similaridades à da CMT
tipo I, sendo, muitas vezes, impossível realizar a sua distinção unicamente à luz da observação clínica.
Entretanto, na CMT tipo II, a velocidade de condução do impulso nervoso tende a se manter > 45m/s,
e a doença tende a evoluir mais lentamente, com a fraqueza desenvolvendo-se em um momento mais
posterior. Os pacientes apresentam condução nervosa relativamente normal junto a potenciais de nervos
sensoriais de baixa amplitude e a potenciais de ação muscular compostos. A CMT tipo II costuma ser
menos incapacitante que a variante tipo I.

A CMT Intermediária Dominante (ID) é definida pela velocidade de condução nervosa entre 35 e
45 m/s. Os achados clínicos e as repercussões na qualidade de vida do paciente são mistos e variáveis.

A CMT tipo IV, por sua vez, inclui diversos sintomas típicos da CMT tipo I e II. Os sintomas
iniciam na infância e, ao contrário dos outros tipos, sua herança tem, invariavelmente, caráter au-
tossômico recessivo.

A CMT ligada ao X apresenta quadro condizente com as CMTs tipo I e tipo II. No entanto, como se
encontra associada ao cromossomo X, os sintomas costumam atingir com mais severidade os indivíduos
do sexo masculino, enquanto pacientes do sexo feminino apresentam quadros mais leves, ou mesmo
assintomáticos.

Anteriormente classificada como CMT tipo III, a Neuropatia Intersticial Hipertrófica, ou Neuropatia
de Dejerine-Sottas (NDS), configura-se como uma entidade à parte que pode apresentar caráter autossô-
mico dominante ou recessivo. Mais rara, os sintomas iniciam na infância com perda progressiva de força
e sensibilidade, acompanhada de ausência de reflexos tendinosos profundos. Embora inicialmente seme-
lhante à CMT, a fraqueza motora evolui mais rapidamente, e análises neurofisiológicas revelam redução
severa da velocidade de condução nervosa (até <10 m/s). A constante desmielinização e remielinização
provoca aumento dos nervos periféricos e presença dos característicos bulbos de cebola, detectados por
meio de biópsia. Proteínas do líquido cefalorraquidiano também podem-se mostrar elevadas. Os achados
são mais proeminentes e incapacitantes do que na CMT.

O diagnóstico dos diferentes fenótipos de CMT baseia-se na avaliação do quadro clínico e do exame
físico neurológico que identificam a distribuição característica da perda de força motora, deformidades

137
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

dos pés e história familiar. O envolvimento marcante do SNC torna a CMT menos provável. Certas caracte-
Capítulo 8

rísticas são consistentes com a doença e, de fato, podem até ajudar a orientar o teste genético molecular.
Apesar de consistir, predominantemente, em uma neuropatia periférica, alguns achados menos comuns
da CMT são a perda auditiva neurossensorial (5% dos pacientes), a pupila de Adie (quase patognomônica
para a mutação Thr124Met em MPZ), oftalmoparesia, fraqueza facial, paralisia das cordas vocais e si-
nais bulbares (refletem envolvimento de nervos cranianos, comum em mutações EGR2), hiperqueratose
e o glaucoma juvenil (mutações nos genes NEFL e MTMR13), respectivamente. A escoliose está presente
em 20% dos casos e é um fenômeno secundário causado pela fraqueza neuromuscular. Exames com-
plementares, como a eletroneuromiografia, são utilizados para detecção e determinação de reduções
expressivas na velocidade de condução do impulso nervoso. A análise genética também oferece grande
auxílio na confirmação diagnóstica de quadros inconclusivos.

O tratamento é de suporte e pode envolver desde o uso de aparelhos para a correção da queda do
pé, até a realização de cirurgias ortopédicas. A fisioterapia e a terapia ocupacional também são úteis para
a manutenção do fortalecimento muscular e da saúde mental do paciente, respectivamente.
Principais Genes Associados
A principal alteração da qual deriva a CMT tipo 1 é uma duplicação, ou mutação com ganho de
função no gene da proteína mielínica periférica 22 (PMP22), localizada no braço curto do cromossomo
17. A PMP22 é primordial para a atividade das células de Schwann, e alterações em sua estrutura ou
funcionamento podem gerar problemas na mielinização das fibras, comprometendo a condução do
impulso nervoso.

A CMT tipo II resulta, principalmente, de mutações no gene mitocondrial MFN2 que codifica a pro-
teína mitofusina-2, uma GTPase acoplada à membrana externa da mitocôndria. Nos neurônios, a MFN2 é
essencial para o transporte de mitocôndrias ao longo dos prolongamentos axônicos, por meio da intera-
ção com proteínas motoras. Além disso, a MFN está envolvida na modulação de vias, como a progressão
do ciclo celular, autofagia e apoptose. A CMT ID também é associada a alterações no gene MFN2.

Mutações no gene GDAP1 têm sido associadas à patogênese da CMT IV. A proteína GDAP1 está
relacionada à diferenciação induzida por gangliosídeos, desempenhando um importante papel na via de
transdução de sinal durante o desenvolvimento neuronal.

Mutações no gene GJB1, por sua vez, culminam na maioria absoluta dos casos de CMT ligada ao X,
sendo responsáveis por cerca de 90% dos quadros dessa apresentação. Esse gene codifica a proteína co-
nexina 32 (Cx32), uma proteína transmembrana que faz parte da composição das junções gap, regulando
a transferência de sinais de comunicação por meio das membranas celulares, principalmente no fígado
e no sistema nervoso periférico. As mutações culminam na produção de proteínas com menor meia-vida,
número insuficiente ou com ineficácia de funcionamento.

138
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

A NDS, por fim, resulta, principalmente, de três mutações que acometem genes codificadores

Capítulo 8
de proteínas essenciais ao funcionamento das células de Schwann: o PMP22, já previamente men-
cionado; o PRX, que codifica as proteínas L-Periaxina e S-Periaxina (proteínas mielinizantes); e o MPZ,
codificador da Proteína Zero da Mielina, a qual constitui o principal componente da bainha de mielina
nos nervos periféricos.
Painel Genético

Figura 8.1. Imagem representativa do painel genético para a doença de Charcot-Marie-Tooth. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

139
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta
Capítulo 8

Figura 8.2. Imagem representativa do painel genético para a doença de Charcot-Marie-Tooth estendido. (Adaptado de Fleury Medicina e
Saúde).

Neuropatias motoras hereditárias


Contexto
As neuropatias motoras hereditárias (NMH) compreendem um grupo de doenças clínica e
geneticamente heterogêneas decorrentes da degeneração de neurônios motores, culminando em
fraqueza muscular distal progressiva, sem grande evidência de alterações sensitivas. Estudos de
condução nervosa podem revelar axonopatia motora pura, e o teste de eletromiografia indica des-
nervação crônica segmentar.

140
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

A etiologia genética das NHMs é diversa, e vários genes e loci associados já foram descritos,

Capítulo 8
envolvendo herança ligada ao X, herança autossômica dominante e herança autossômica recessiva.
Apresentação clínica
As neuropatias motoras hereditárias apresentam uma vasta gama de padrões e graus de acome-
timento motor. A apresentação clássica é um déficit motor progressivo amiotrófico distal, que se inicia
mais frequentemente nos membros inferiores, associado à arreflexia distal (tipos I, II, III e IV).

A transmissão genética tem caráter autossômico dominante, com raros casos envolvendo reces-
sividade ou ligação ao X. A idade de início é variável. Os primeiros sinais podem aparecer ainda na vida
intrauterina, com manifestações mais visíveis na fase adulta. O padrão de sintomas permite uma classi-
ficação das apresentações (classificação de Harding):

ƒ NHM tipos I e II (herança autossômica dominante): amiotrofia distal fibulotibial com início nas duas pri-
meiras décadas de vida (as NHMs são diferenciadas com base no padrão de envolvimento genético).
ƒ NHM tipo III (herança autossômica recessiva): amiotrofia distal fibulotibial com início nas duas primei-
ras décadas de vida e associada à paresia diafragmática.
ƒ NHM tipo IV (herança autossômica recessiva): amiotrofia distal fibulotibial com início nas duas primei-
ras décadas de vida.
ƒ NHM tipo V: amiotrofia distal com início e predomínio de acometimento dos membros superiores as-
sociada à manifestação frequente de sinais piramidais.
ƒ NHM tipo VI (herança autossômica recessiva): amiotrofia distal com início e predomínio de acometi-
mento dos membros superiores associada à paralisia diafragmática e severa insuficiência respiratória.
O início dos sintomas ocorre nas duas primeiras décadas de vida.
ƒ NHM tipo VII (herança autossômica dominante): amiotrofia distal com início de acometimento dos
membros superiores associada à paralisia de cordas vocais.
ƒ NHM congênita não evolutiva (herança autossômica dominante): amiotrofia distal congênita associa-
da à artrogripose, ausência de evolução e contraturas.
ƒ NHM juvenil com sinais piramidais (herança autossômica dominante): amiotrofia distal com início de
acometimento dos membros inferiores associada a sinais piramidais. O início dos sintomas ocorre na
primeira década de vida. A progressão do quadro costuma ser mais lenta.
ƒ NHM tipo Jerash (herança autossômica recessiva): amiotrofia distal com início de acometimento dos
membros inferiores associada a sinais piramidais precoces. O início dos sintomas ocorre na primeira
década de vida.
ƒ CMT espinhal: déficit amiotrófico distal associado a alterações sensitivas sem correlação eletroneuro-
gráfica.
ƒ NHM ligada ao X: início de acometimento da musculatura distal de membros inferiores na primeira
década de vida. A evolução costuma ser lenta.

141
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

Principais Genes Associados


Capítulo 8

O SLC5A7 codifica uma proteína transportadora de colina, essencial para a síntese de acetilco-
lina (principal neurotransmissor do sistema nervoso periférico). Em famílias com NHM tipo VIIA, foi
identificada, no gene SLC5A7, uma mutação heterozigótica truncada que elimina sequências citosóli-
cas do terminal C, conhecidas por regular o tráfego do transportador. Ensaios de expressão funcional
in vitro mostraram que a mutação resultou em níveis reduzidos da proteína e, consequentemente, do
transporte de colina, acometendo a síntese da acetilcolina. Em relação à NHM tipo VIIB, foi encontra-
da uma mutação pontual no gene DCTN1, que codifica a dinactina, resultando na substituição de um
aminoácido serina por glicina na posição 59. A dinactina é uma proteína necessária para o transporte
retrógrado de vesículas e organelas mediado por dineína ao longo dos microtúbulos. Estudos in vitro
demonstraram que a mutação G59S interrompeu a ligação de DCTN1 aos microtúbulos, comprome-
tendo o transporte intracelular.

Em indivíduos de uma família belga acometidos pela NMH distal IIB, foi identificada uma transi-
ção 379C-T no exon 2 do gene HSPB1, ocasionando uma substituição arg127-para-trp (R127W), a qual
também foi identificada em membros de uma família chinesa com membros afetados por uma variação
da doença de Charcot-Marie-Tooth. A análise de haplótipos indicou um efeito fundador. Três portadores
da mutação de ambas as famílias, com idades entre 23 e 37 anos, eram assintomáticos, possivelmente
refletindo penetrância dependente da idade.

Por fim, em membros afetados de uma família austríaca com NHM tipo VB foi identificada uma
mutação no sítio de splice do gene REEP1, resultando em salto do exon 5 e uma proteína mutante sem os
resíduos 102-139. A mutação foi encontrada por análise de ligação seguida de sequenciamento do exo-
ma. Os pacientes apresentavam fenótipo de neurônio motor puramente inferior, com fraqueza e atrofia
dos músculos intrínsecos da mão e fraqueza e atrofia peroneal mais leves, sem sinais de espasticidade.
Postula-se que a perda de função da REEP1 possa causar doença do neurônio motor superior, enquanto
mutações de ganho de função possam causar doença do neurônio motor inferior.

142
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

Capítulo 8
Figura 8.3. Imagem representativa do painel genético para a neuropatia motora hereditária. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

143
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta
Capítulo 8

Figura 8.4. Imagem representativa dos principais genes associados às neuropatias motoras hereditárias. (Adaptado de Fleury Medicina e
Saúde).

Neuropatias Sensitivas Hereditárias


Contexto
As neuropatias sensitivas hereditárias (NSH) envolvem o acometimento predominante de
fibras finas, ocasionando, portanto, sintomas essencialmente sensitivos. Essas neuropatias cos-
tumam ser mais raras, e a perda da sensação dolorosa pode ser a principal manifestação, com
fraturas e lesões subsequentes derivadas da perda da sensibilidade. Dependendo da forma de
apresentação, manifestações autonômicas, como arritmias cardíacas, indigestão e anidrose, po-
dem complicar o quadro. Paradoxalmente, outras manifestações podem incluir hiperalgesia e
sensação periódica de queimação. Devido à sua raridade, a prevalência dessas desordens ainda
não foi plenamente estabelecida.
Apresentações clínicas
Os sintomas são relacionados à percepção da sensibilidade periférica do indivíduo, com predomi-
nância de hipoestesia e anestesia térmicas e dolorosas, bem como funcionamento irregular de órgãos

144
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

autônomos. A principal complicação é a mutilação podal decorrente da insensibilidade à dor, ocasionan-

Capítulo 8
do alto risco de infecção e osteomielite.

A forma mais comum do quadro é a neuropatia autonômica e sensitiva hereditária tipo 1, ou Coreia
Fibrilar de Morvan, síndrome rara que envolve hiperexcitação de nervos periféricos, instabilidade autonô-
mica e encefalopatia, frequentemente associados a imunocomplexos de autoanticorpos contra canais
de potássio dependentes de voltagem. A síndrome é mais frequente em homens na razão 19:1. Sintomas
comuns envolvem insônia, hiperidrose, disautonomia, mioquimia e alucinações. Autoanticorpos contra
canais de potássio dependentes de voltagem são encontrados em metade dos pacientes. Eletromiografia
demonstra atividade muscular contínua e/ou repetitiva na forma de fasciculações decorrentes de múlti-
plas descargas miotônicas.

O tratamento consiste em terapia anticonvulsivante, timectomia, imunossupressão, imunoglobu-


lina humana intravenosa e transferência de plasma, intervenção que demonstrou a maior efetividade,
especialmente quando associado à imunossupressão.
Principais Genes Associados
O gene SPTLC1 está implicado como o principal envolvido na patogênese da neuropatia autonômi-
ca e sensitiva hereditária tipo I. Em membros de uma família afetada pela doença, foi identificada uma
transição heterozigótica no exon 5 do gene SPTLC1, resultando em uma substituição de cys133-para-tyr
(C133Y), o que acarretou perda de função da proteína. Em relação ao gene SPTLC2, foram identificadas,
em pacientes não relacionados acometidos por neuropatia hereditária sensorial e autonômica tipo IC,
três mutações heterozigóticas diferentes. Estudos com leveduras in vitro e in vivo demonstraram que as
mutações causaram perda parcial ou completa da atividade enzimática. Esses genes codificam as duas
subunidades da proteína serina palmitoiltransferase, enzima que atua nas primeiras etapas da biossínte-
se de esfingolipídeos.

Mutações truncadas homozigóticas com perda de função do gene FAM134B foram apontadas em
pacientes acometidos pela neuropatia hereditária sensorial e autonômica tipo IIB.

O gene NGF codifica o fator neurotrófico, neuropeptídeo essencial para a regulação do cres-
cimento, manutenção, proliferação e sobrevivência de neurônios. Usando um modelo de herança
recessiva, pesquisadores reconheceram uma região de 8,3 Mb no cromossomo 1p13.2-p11.2 com-
partilhada por indivíduos afetados pela neuropatia hereditária sensorial e autonômica tipo V. A aná-
lise dos genes revelou uma mutação na região codificadora do gene NGF que cossegregou com o
fenótipo da doença.

Em uma família com neuropatia sensorial hereditária tipo ID, foi detectada uma mutação hetero-
zigótica no gene ATL1, codificador da proteína atlastina-1. Pesquisadores postularam que um defeito no
retículo endoplasmático tubular pode ser a base do distúrbio.

145
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

Em uma família consanguínea afegã com neuropatia sensorial hereditária tipo IIC, foi identificada
Capítulo 8

uma mutação truncada homozigótica no gene KIF1A, codificador da proteína transportadora axonal de
vesículas sinápticas. A triagem desse gene em 112 pacientes não relacionados acometidos pela doença
apontou duas famílias adicionais com a mesma mutação.

Em três pacientes não relacionados com insensibilidade congênita à dor e anidrose (cada um dos
quais com pais consanguíneos), foram verificadas uma deleção, uma aberração de sítio de splice e uma mu-
tação missense no domínio da tirosina quinase de NTRK1. Essas descobertas sugeriram, fortemente, que
defeitos no gene estão relacionados à patogênese da doença. O NTRK1 é um gene que codifica o receptor
neurotrófico da tirosina quinase, atuante como receptor para o NGF. Quando ativada, a proteína estimula o
crescimento de axônios e dendritos, promovendo a sobrevivência de neurônios sensoriais e simpáticos na
fase embrionária. O sistema NTRK1-GNF apresenta, portanto, um papel crucial no desenvolvimento e na
função do sistema de recepção nociceptivo, bem como no estabelecimento da regulação térmica via suor.

Figura 8.5. Imagem representativa do painel genético para as neuropatias sensitivas hereditárias. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Neuropatia Hereditária por Labilidade à Pressão Contexto


Com incidência estimada de até 1/20.000, a Neuropatia Hereditária por Labilidade à Pressão
(HNPP) caracteriza-se por episódios recorrentes de mononeuropatias sensitivo-motoras agudas, focais

146
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

e usualmente indolores em um único nervo, geralmente desencadeados por compressão. O início dos

Capítulo 8
sintomas geralmente se dá na terceira década de vida, embora possa ocorrer em qualquer idade. O diag-
nóstico na infância costuma ser mais raro.
Apresentação Clínica
O padrão sintomático mais frequente é condizente com uma neuropatia sensitivo-motora assimé-
trica com atrasos focais da condução em topografias específicas, visíveis em estudos de condução ner-
vosa. As manifestações são episódicas e incluem, frequentemente, paralisia do nervo fibular com queda
do pé, paralisia do nervo ulnar e síndrome do túnel do carpo, podendo ser leves ou severas. São comuns
os relatos de fraqueza e dormência nas áreas afetadas. A dor neuropática vem sendo cada vez mais
incluída como uma manifestação comum. Os episódios apresentam duração extremamente variável, de
minutos a meses; em seguida, cerca de metade dos pacientes se recupera totalmente. No restante do
tempo, os sintomas costumam ser leves.

À apresentação clínica dos sintomas clássicos, deve-se suspeitar da HNPP em qualquer paciente
que apresente mononeuropatias de compressão recidivantes ou múltiplas de origem obscura, sintomas
sugestivos de polineuropatia desmielinizante recidivante, ou com história familiar de síndrome do túnel
do carpo. O diagnóstico pode ser feito mediante exame genético e exames eletrodiagnósticos que com-
provem a alteração de condução do impulso nervoso. Biópsias são raramente requeridas.

O tratamento envolve cuidados de suporte e de prevenção das atividades causadoras dos sinto-
mas, podendo incluir fisioterapia e terapia ocupacional para o melhor manejo das possíveis limitações
motoras em atividades da vida diária. Atividades comumente associadas às manifestações incluem
a permanência prolongada em posições que favoreçam a compressão de nervos (pernas cruzadas,
apoio nos cotovelos), movimentos repetitivos de punho e brusca perda ponderal. O uso de Vincristina
também tem sido apontado como fator precipitador de crises. Órteses e equipamentos protetores
podem ser utilizados para a redução da pressão a fim de evitar novas lesões que impeçam a reparação
da mielina do nervo em questão. Intervenções cirúrgicas são raramente indicadas. O aconselhamento
genético é indicado, visto que cada filho de um indivíduo afetado tem 50% de risco de herdar a variante
patogênica PMP22.
Principais Genes Associados
Em 80% dos casos, a HNPP é decorrente de uma deleção, ou mutação com perda de função no
gene PMP22 do cromossomo 17, apresentando caráter autossômico dominante.

A alteração genética induz o comprometimento da condução efetiva de impulsos nervosos a partir


da perda da bainha de mielina nos nervos periféricos. A PMP22 é essencial para a atividade mielinizante
das células de Schwann; por isso, alterações em sua estrutura ou funcionamento podem gerar problemas
na mielinização das fibras, comprometendo a condução do impulso nervoso.

147
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

Painel Genético
Capítulo 8

Figura 8.6. Imagem representativa do painel genético para as neuropatias periféricas sensível à compressão. (adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Polineuropatia Amiloidótica Familiar


Contexto
A Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) consiste em um grupo de quatro doenças etiologica-
mente distintas. A PAF tipo I é uma polineuropatia sensitivo-motora e autonômica, lentamente progres-
siva, causada por uma mutação no gene codificador da proteína transtirretina (TTR), a qual compõe a
substância amiloide, o que gera as lesões e sintomas que caracterizam o quadro. A disfunção autonô-
mica compromete múltiplos sistemas, cursando com cardiomiopatia, nefropatia, gastropatia, opacidade
vítrea, alterações do sistema nervoso central, acometimento cutâneo, entre outras manifestações. Outros
tipos de PAF, bem menos frequentes, são a PAF tipo II (de Rukovina ou tipo Indiana), a PAF tipo III (de Van
Allen ou tipo Iowa) e a PAF tipo IV (de Meretoja ou tipo Finlandês).
Apresentação clínica
A neuropatia periférica é a principal apresentação clínica, e os sintomas neurológicos se iniciam
tardiamente, na terceira ou quarta décadas de vida, com manifestações autonômicas e sensitivas nos
membros inferiores de caráter insidioso e mal definido. A progressão ocorre em ritmo variável, sempre
ascendente, para as porções proximais e membros superiores. A incapacidade neurológica é progressiva
e grave e, ao final de 10 anos, o paciente pode ficar restrito ao leito; o óbito advém com 15 a 20 anos de

148
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

quadro. As principais manifestações neuropáticas incluem distúrbio sensitivo dissociativo superficial,

Capítulo 8
atrofia muscular, dor esporádica, alterações da pupila, alterações da pele, hipoestesia do tronco e rouqui-
dão. Os sintomas autonômicos envolvem distúrbios urológicos, diarreia, obstipação, hipotensão ortostá-
tica, arritmias, impotência sexual, desidrose e náuseas. Demais manifestações inespecíficas relatadas
compreendem anemia, perda ponderal, edema cutâneo e queimaduras.

Para fins diagnósticos, além da observação clínica dos sintomas, a identificação da proteína mutan-
te também pode ser processada por meio das técnicas immunoblot ou ELISA. A confirmação da deposi-
ção via biópsia de tecidos é recomendada, mas não obrigatória. Para tanto, costuma-se utilizar amostras
de tecido adiposo subcutâneo abdominal, ou de nervos periféricos. A confirmação genética da mutação
TTR é mandatória para o diagnóstico da PAF tipo I. Testes genéticos diretos podem ser performados em
famílias conhecidamente afetadas, e pacientes sem histórico familiar de PAF devem ser submetidos ao
sequenciamento completo do gene TTR.

Como mais de 90% da TTR é produzida no fígado, o único tratamento considerado específico e ca-
paz de efetivamente impedir a evolução da doença é o transplante hepático, que leva ao desaparecimento
da proteína mutante. O tratamento sintomático não difere do utilizado para outras neuropatias, com
especial ênfase para os sintomas autonômicos associados a maiores taxas de mortalidade e morbidade.
Principais genes
A alteração mais comum é uma mutação do tipo val30met no gene que codifica a proteína trans-
tirretina (TTR), por meio da qual são formadas as fibrilas que compõem a substância amiloide. Na PAF
tipo I, a TTR mutante é não fibrilar e insolúvel, o que induz o acúmulo da substância amiloide em nervos e
em diversos outros tecidos, culminando nas lesões e nos sintomas que compõem o quadro. A alteração
genética ocorre no cromossomo 18, com herança autossômica dominante. A PAF tipo II é associada ao
acometimento do mesmo gene TTR, por meio de mutação do tipo i84S.

A PAF tipo III, por sua vez, é associada à mutação da apolipoproteína A1, maior componente das
moléculas plasmáticas de HDL. A via metabólica para a concretização da amiloidose decorrente desta
alteração ainda se encontra em discussão.

Por fim, a PAF tipo IV é associada ao gene GSN, que codifica a gelsolina. Em pacientes acometidos
por essa modalidade da doença, foi identificada uma transição 654G-A no gene GSN, resultando em uma
substituição asp187-para-asn. Estudos imuno-histoquímicos dos rins demonstraram depósitos glomeru-
lares pesados ​​de amiloide derivado de gelsolina.

149
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

Painel genético
Capítulo 8

Figura 8.6. Imagem representativa do painel genético para a polineuropatia amiloidótica familiar. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

150
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

Questões

Capítulo 8
1. Sobre as doenças do sistema nervoso periférico:

I. Dentre as neuropatias periféricas associadas a proteínas monoclonais, o tipo mais frequente é o


mieloma múltiplo.
II. A neuropatia hereditária com susceptibilidade à paralisia por pressão é uma doença autossômica
recessiva caracterizada por aumento da suscetibilidade dos nervos periféricos à tração mecânica
ou compressão.
III. Na Síndrome de Guillan-Barré (SGB), a presença de pleocitos moderada no exame do líquido cefa-
lorraquidiano é uma característica da SBG associada à infecção por HIV.

a) Apenas a afirmativa I está correta.


b) Apenas a afirmativa II está correta.
c) Apenas a afirmativa III está correta.
d) Apenas as afirmativas I e II estão corretas.
e) Apenas a afirmativa I e III estão corretas.

2. Na neuropatia de Charcot-Marie-Tooth, há acometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e periféri-


co causando atrofia muscular e perda da propriocepção. A gênese da deformidade dos pés não está
fundamentada em:

a) Persistência da força do tibial anterior; fraqueza dos fibulares curto e longo; não determinantes
de deformidades;
b) fraqueza do tibial anterior, tibial posterior e fibulares curto e longo; alterações estruturais acomo-
dativas dos ossos do mediopé, tomando a deformidade irredutível;
c) fraqueza do quadríceps e tibial anterior; acunhamento da epífise proximal da tíbia; não determi-
nantes de deformidades;
d) fraqueza do quadríceps e tibial anterior; alterações estruturais acomodativas dos ossos do medio-
pé, tornando a deformidade irredutível;
e) persistência da força do tibial posterior; fraqueza do tibial anterior e fibulares curto e longo; altera-
ções estruturais acomodativas dos ossos do retropé e antepé, tornando a deformidade irredutível;

151
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

3. Assinale a alternativa que completa correta e respectivamente as lacunas. Na doença de Charcot -


Capítulo 8

Marie -Tooth ou polineuropatia periférica hereditária, o (s) músculo (s) _________ são particularmente
afetados caracterizando marcha do tipo_________.

a) fibulares; anserina.
b) tibial anterior; escarvante.
c) tibial anterior; equina.
d) fibulares; escarvante.

4. Qual das seguintes condições tem mais chance de se apresentar com dor neuropática?

a) Neuropatia sensitivomotora hereditária.


b) Neuropatia hereditária com suscetibilidade à compressão.
c) Neuropatia motora multifocal com bloqueio de condução.
d) Esclerose múltipla.
e) Polineurite vasculítica.

5. Qual a maior causa de dor neuropática na população geral?

a) Neuralgia trigeminal.
b) Polineuropatia diabética.
c) Neuropatia idiopática de fibras finas.
d) Polineuropatia amiloide.

6. Com relação às neuropatias periféricas, analise as assertivas abaixo:

I - No Brasil, encontram-se casos de polineuropatia amiloidótica familiar do tipo português, cuja he-
rança é autossômica dominante, relacionada à mutação do gene da transtiretina, sendo o trans-
plante hepático uma forma de tratamento.
II - A poliarterite nodosa é uma vasculite associada ao anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA),
predominante entre 20 e 30 anos, no sexo feminino, cuja manifestação neurológica mais comum
é a vasculite do sistema nervoso central, com cefaleia, seguida de polineuropatia periférica aguda,
raramente ocorrendo mononeuropatia múltipla.
III - A polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica caracteriza-se por fraqueza, fadiga, fascicu-
lação, arreflexia e presença de anticorpo anti-GM1.
IV - O beribéri, causado por deficiência de tiamina, é uma polineuropatia axonal com dor em queima-
ção nos pés; a pelagra, causada por deficiência de niacina, manifesta-se por neuropatia periférica
e lesões hiperceratóticas na pele; e a deficiência de vitamina B12 pode cursar com ataxia e perda
de sensibilidade postural.

152
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

Estão CORRETAS as assertivas: A. ( ) I e IV, apenas.

Capítulo 8
B. ( ) I, II e III, apenas.
C. ( ) I, II e IV, apenas.
D. ( ) III e IV, apenas.

7. O sistema nervoso periférico (SNP) pode ser comprometido em qualquer uma de suas estruturas ou
de seus componentes. O termo neuropatia periférica abrange uma grande variedade de afecções
quanto a topografia, função e aspectos patológicos, são desordens comuns relacionadas a muitas
enfermidades sistêmicas ou próprias do sistema nervoso periférico, acometem indivíduos em todas
as faixas etárias, apresentam diversas formas de manifestações clínicas e, muitas vezes, são extre-
mamente debilitantes para os indivíduos acometidos. Diante desse pressuposto, analise as asserti-
vas e assinale a alternativa correta.

I. A caracterização clínica da neuropatia por meio da anamnese e de exame físico geral e neurológi-
co cuidadoso é a principal ferramenta para um diagnóstico etiológico correto.
Alguns aspectos são fundamentais na avaliação das neuropatias: tipo de fibras nervosas envolvi-
das (motora, sensitiva, autonômica), distribuição anatômica do comprometimento, forma de início
e tempo de evolução (aguda, subaguda ou crônica), história familiar (neuropatias hereditárias),
doenças associadas, exposição às substâncias tóxicas e medicações utilizadas.
II. A distribuição anatômica do comprometimento é importante para a caracterização do tipo de neuropa-
tia e para direcionar ao diagnóstico etiológico mais provável. A forma mais comum de acometimento
é a de predomínio proximal, assimétrica entre os membros, com caráter descendente, iniciando-se nos
membros inferiores e, posteriormente, nos membros superiores com gradiente proximal-distal, dessa
maneira, os sintomas motores e sensitivos iniciam-se nos pés com progressão para as pernas e evoluin-
do para as mãos, com atrofias proximais e alterações de sensibilidade dos tipos em “bota” e em “luva”.
III. As polineuropatias apresentam acometimento, normalmente, simétrico dos nervos, inicialmente de
predomínio distal com progressão ascendente e em gradiente (distal para proximal), frequentemen-
te relacionadas a doenças metabólicas (diabetes melito, insuficiência renal crônica, entre outras),
tóxicas, carenciais (vitaminas do complexo B, ácido fólico) e a maioria das neuropatias hereditárias.
IV. Neuropatias com acometimento predominante de fibras finas podem apresentar-se com perda da sen-
sibilidade álgica e térmica, disfunções autonômicas ou combinadas, sintomas como dor dos tipos quei-
mação, agulhada, pontada e choque são característicos da dor neuropática, além de que hiperalgesia e
alodinia (sensação de dor desencadeada por estímulo normalmente não doloroso) também podem es-
tar presentes e hipotensão postural é um sinal sugestivo de comprometimento autonômico acentuado.
V. As plexopatias são as que apresentam comprometimento isolado de um único nervo, afetando
todas as suas funções, as neuropatias dos nervos radial, ulnar no cotovelo, mediano no punho são
exemplos de plexopatias.

153
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar
Maria Carolina Silva Malta

a) Apenas I, III e IV estão corretas.


Capítulo 8

b) Apenas II e V estão corretas.


c) Apenas IV e V estão corretas.
d) Todas estão corretas.

8. Sobre as disfunções do sistema nervoso simpático e dor, marque a afirmativa INCORRETA:

a) A síndrome de dor complexa regional corresponde a uma síndrome dolorosa caracterizada por
alterações sensoriais acompanhada por sintomas autonômicos e alterações tróficas desencade-
adas por um estímulo nóxico.
b) Essa síndrome reflete a participação do sistema nervoso autônomo nos mecanismos de dor crônica.
c) Sinapses aberrantes e brotamentos neurais acontecem na interface do sistema nervoso simpático
e neurônios sensitivos periféricos.
d) O “termo dor complexo regional tipo I” é utilizado quando há uma injúria nervosa demonstrável
desencadeando os sintomas, enquanto que, no tipo II, essa injúria nem sempre é demonstrável.
e) Outra evidência de relação entre sistema nervoso autônomo e dor seria na neuropatia autonômica
hereditária tipo IV, causada por uma mutação do gene NTRK1, na qual existe insensibilidade à dor
associada a uma resposta autonômica disfuncional, com anidrose.

9. Em relação às neuropatias hereditárias. Qual a sequência de genes que corresponde a cerca de 85 a
90% dos casos de Charcot-Marie-Tooth?

a) MPZ, GJB1, MPZ, NEFL.


b) GJB1, AARS, NEFL, LITAF.
c) PMP22, MPZ, GJB1, MFN2.
d) PMP22, EGR2, MPZ, GDAP, MFN2.

10. Paciente masculino, 20 anos de idade, encaminhado ao serviço de eletroneuromiografia para investi-
gação de parestesia leve nos quatro membros e pé cavo. Estudo de condução demonstra prolonga-
mento global das latências motoras distais, com diminuição das velocidades de condução motoras
na ordem de 25 m/s com leve diminuição das amplitudes dos potenciais de ação motores. Não há
evidência de bloqueio de condução. Os potenciais de ação sensitivos estão ausentes nos quatro
membros. Assinale a alternativa com a possibilidade diagnóstica mais provável.

a) Síndrome de Guillain-Barre.
b) Neuropatia hereditária com suceptibilidade à pressão.
c) Doença de Charcot-Marie-Tooth tipo I (CMT-I).
d) Doença de Charcot-Marie-Tooth tipo II (CMT-II).

154
Neuropatias Hereditárias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Isadora Mônica Ponte de Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Jackeline Osterno de Carvalho Barreto | Luiz Eduardo Lima Aguiar Um Guia Prático de Pesquisa
Maria Carolina Silva Malta

Referências

Capítulo 8
1. Masood Wajeed, Sitammagari Kranthi K. Morvan Syndrome. Treasure Island (FL): StatPearls Publish-
ing. 2020;

2. Chance Phillip F., et al. Two autosomal dominant neuropathies result from reciprocal DNA duplication/
deletion of a region on chromosome 17. Human Molecular Genetics. 1994;3(2):223-228.

3. Szigeti Kinga, Lupski James R., et al. Charcot–Marie–Tooth disease. European Journal of Human Ge-
netics. 2009;17:703-710.

4. Bird Thomas Dl. Charcot-Marie-Tooth (CMT) Hereditary Neuropathy Overview. GeneReviews® [Internet].
1998;

5. Fontés Michel. Charcot Marie Tooth Disease. A Single Disorder?. International Journal of Molecular
Sciences. 2018;

6. Sanvito Wilson Luiz, Cataldo Berenice Oliveira V, Costa Agnaldo Rodrigues. Neuropatia sensitiva e au-
tonômica herditátia tipo II: a propósito de dois casos. Arq. Neuro-Psiquiatr. [Internet]. 2003 Sep [cited
2021 Mar 10] ; 61( 3A ): 654-658.

7. Oliveira Aline Pinheiro Martins de, Pereira Raquel Campos, Onofre Patrícia Toscano, Marques Vanessa
Daccach, Andrade Gilberto Brown de, Barreira Amilton Antunes et al . Clinical and neurophysiological
features of the hereditary neuropathy with liability to pressure palsy due to the 17p11.2 deletion. Arq.
Neuro-Psiquiatr. [Internet]. 2016 Feb [cited 2021 Mar 10] ; 74( 2 ): 99-105.

8. Chrestian Nicolas, et al. Hereditary Neuropathy with Liability to Pressure Palsies. GeneReviews®
[Internet]. 1998;

9. Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) Tipo I: Uma Visão Actual, de um Problema de Saúde Antigo
[Dissertação]. [place unknown]: Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior; 2008.
Mestrado em Medicina.

155
Neuropatias Hereditárias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Capítulo 9
Ataxias

G
rupo de doenças de etiologia genética, as ataxias hereditárias (AH) decorrem de uma disfun-
ção cerebelar, comprometimento da medula espinhal, alterações neurológicas periféricas ou
uma combinação desses fatores. Tem, como característica comum, um déficit progressivo
da coordenação, com especial impacto na marcha, que se mostra com base alargada e instável. Em geral,
observam-se também nistagmo, alteração dos movimentos dos membros e disartria.

Nas AH, a heterogeneidade genética é ampla e mutações em inúmeros genes, com diferentes tipos
de herança, já foram estabelecidas como causa dos diversos quadros. As ataxias cerebelares autossômi-
cas dominantes, ou ataxias espinocerebelares, têm prevalência estimada de 1-5:100.000, sendo os tipos
3, 1, 2 e 6 os mais frequentes. As AH autossômicas recessivas ocorrem em cerca de 3:100.000 indivídu-
os, e as síndromes mais comuns incluem a ataxia de Friedreich, a ataxia-telangiectasia e a ataxia com
apraxia oculomotora.

Ataxias Cerebelares Autossômicas Dominantes (ACADs)


Contexto
As ataxias espinocerebelares (AEC), ou ataxias cerebelares autossômicas dominantes, formam
um grupo heterogêneo de doenças degenerativas caracterizadas por uma disfunção do cerebelo e do
tronco cerebral. Todos os pacientes afetados exibem ataxia cerebelar associada a outros sintomas, como
nistagmo, disartria, disdiadococinesia, neuropatia periférica, manifestações extrapiramidais e, em alguns
casos, até comprometimento cognitivo e convulsões.

Apesar da semelhança clínica, causas genéticas diversas estão relacionadas às ataxias espinoce-
rebelares, que são divididas em mais de 30 diferentes síndromes clínicas. Nesse cenário, as decorrentes
de expansão da poliglutamina (expansão CAG) ocorrem com maior frequência, com destaque para os
tipos 3, 1, 2 e 6, que são os mais prevalentes.
Características clínicas;
Clinicamente, os principais achados clínicos nas ACADs incluem ataxia e incoordenação da mar-
cha, nistagmo e disartria. Além disso, também é possível encontrar achados adicionais, como sinais
piramidais, extrapiramidais, oftalmoplegia e comprometimento cognitivo.

A classificação de Harding, criada em 1982, continua sendo bastante útil. É feita principalmente
com base nas características clínicas e divide os diversos subtipos de ataxias espinocerebelares em três
grandes grupos: ACAD Tipo I, ACAD Tipo II e ACAD Tipo III.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

ƒ ACAD TIPO I

Capítulo 9
O espectro clínico do tipo I é extremamente amplo, variando de ataxia pura até a inclusão de síndromes
da medula espinhal, doença dos nervos periféricos, deficiência cognitiva, sinais oftalmológicos cerebe-
lares ou supranucleares, problemas psiquiátricos e distúrbios convulsivos.

A ACAD tipo I mais comum é a Ataxia Espinocerebelar Tipo 3 (AEC3), seguido por AEC2, AEC1 e AEC8,
em ordem decrescente.

É caracterizada como movimento voluntário desordenado na amplitude, na coordenação, na velocida-


de (disdiadococinesia), no início e no cessamento (discronometria), além dos tremores de ação.

Outros sinais clínicos além da ataxia:

Figura 9.1. Tabela evidenciando os outros sinais clínicos para além da ataxia (adaptado de Fogel, 2018).

ƒ ACAD TIPO II
Refere-se à ataxia cerebelar com distrofia pigmentar da mácula e consiste apenas em Ataxia Espinoce-
rebelar tipo 7 (AEC7). Ela causa alterações oculomotoras, particularmente nos movimentos sacádicos
e de perseguição lenta, indicando, dessa forma, alterações importantes em estruturas situadas na
região do córtex cerebral.
157
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

ƒ ACAD TIPO III


Capítulo 9

Refere-se à ataxia cerebelar “pura”. Inclui AEC5, 6, 11, 23, 26, 30, 37, 41 e 45.

Embora genes distintos sejam responsáveis por mais de 30 etiologias de ataxia dominante, grupos
de distúrbios podem ser reconhecidos como mecanismos moleculares compartilhados de doença. As
mutações dos subtipos genéticos são, mais frequentemente, o resultado de expansões de repetição
de poliglutamina, mutações convencionais e grandes rearranjos em genes com funções diversas. No
futuro, o número de subtipos tende a aumentar, visto que muitos loci ainda não foram determinados.

Principais genes associados à doença e suas funções

Figura 9.2. Tabela evidenciando as ataxia cerebelares autossômicas dominantes (adaptado de Fogel, 2018).

158
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

ƒ Expansão de Poliglutamina

Capítulo 9
Representa a maioria dos tipos de AEC, sendo resultado da expansão da sequência CAG - codifica-
dora de glutamina. Inclui AEC1, AEC2, AEC3, AEC6, AEC7, AEC12, AEC17 e Atrofia Dentato-Rubro-Palido-
-Luysiana (DRPLA).

Esses distúrbios comumente mostram o fenômeno da antecipação, no qual o início da doença ten-
de a ocorrer mais cedo em gerações sucessivas devido à instabilidade de repetição CAG, levando a uma
expansão adicional em gerações sucessivas.

O mecanismo exato pelo qual a expansão de poliglutamina leva à ataxia permanece desconhecido,
porém alguns foram propostos:

1. função alterada de proteínas por erro de dobramento;


2. desregulação transcricional;
3. disfunção mitocondrial;
4. toxicidade por acúmulo de RNA;
5. formação de complexos oligoméricos;
6. sinalização neuronal aberrante;
7. desregulação na homeostase de proteínas celulares;

ƒ Expansão de sequência não codificadora / Toxicidade por RNA.


Ocorre, principalmente, por acúmulo de sequências de RNA ligadas a proteínas de ligação de RNA,
que podem causar toxicidade e, assim, levar à patogênese da doença. Está implicada em subtipos de AEC
que incluem AEC8, 10, 12, 31, 36 e 37.

Por exemplo, a expansão do íntron ATTCT foi descoberta como a causa da AEC10, com uma faixa
de 800 a 4500 repetições.

ƒ Disfunção de Canais Iônicos (Canalopatias)


Mutações que codificam subunidades de canais iônicos ou proteínas regulatórias, canalopatias,
estão, frequentemente, envolvidas na patologia de AECs, principalmente por inibição do movimento do
íon através de um poro de canal aberto e alteração da passagem do canal iônico por meio de mudanças
nos processos de abertura de canal ou processos de inativação. Inclui:

AEC5: Mutação no gene da β-III Espectrina, responsável por estabilizar o transportador para Glutamato
específico para Células de Purkinje.

AEC6: Mutação por expansão de poliglutamina (CAG) no gene do canal de cálcio dependente de volta-
gem do tipo P/Q.

AEC13: Mutações no gene KCNC3, que codifica o canal de potássio controlado por voltagem Kv3.3.

AEC15/16: Mutações no gene receptor 1 de inositol 1,4,5-trifosfato (ITPR1), que codifica um canal de

159
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

cálcio controlado por ligante intracelular altamente expresso em neurônios de Purkinje.


Capítulo 9

AEC19/22: Mutações de perda de função no gene KCND3, que codifica o canal de potássio Kv4.3.

AEC27: Mutações no FGF14 que, provavelmente, levam à expressão anormal de canais de sódio depen-
dentes de voltagem em neurônios cerebelares.

ƒ Transdução de Sinal
Mutações em genes implicados na transdução de sinal causam ataxia em SCA11, SCA12, SCA14
e SCA23, embora as alterações nas vias de transdução de sinal, provavelmente, estejam indiretamente
envolvidas na maioria das SCAs.

Painel genético

Figura 9.3. Tabela evidenciando o painel genético das ataxias espinocerebelares. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Ataxias Episódicas
Contexto
A ataxia episódica (EA, do inglês Episodic Ataxias) é um grupo de doenças caracterizadas por epi-
sódios recorrentes de incoordenação e desequilíbrio, clinicamente heterogêneos, comumente desenca-
deados por esforço ou estresse. Sua incidência provável é de 1 caso a cada 100.000 habitantes, sendo

160
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

essa incerteza relacionada aos testes genéticos exigentes e a não identificação de genes causadores, o

Capítulo 9
que pode subestimar a quantidade.

Apesar de apresentar um quadro clínico característico, seu diagnóstico, às vezes, pode atrasar
devido à presença de clínica interictal e a sua associação no mesmo paciente com outras doenças neu-
rológicas episódicas, como epilepsia, discinesia paroxística e enxaqueca.

Existem oito subtipos de EA, os quais são definidos de acordo com características clínicas e carac-
terizações genéticas. No entanto, a heterogeneidade clínica e genética não é incomum.

2. Características clínicas;

As ataxias episódicas são clinicamente caracterizadas pelos ataques discretos de incoordenação,


com início e fim claros desses sintomas. É possível, também, que alguns pacientes apresentem ataxia
progressiva, tornando difícil distinguir EA com características progressivas de ataxia progressiva com
exacerbação intermitente. Além disso, com exceção dos subtipos EA1 e EA1, as características clínicas
dos outros subtipos se sobrepõem.

ƒ EA1
EA1 é caracterizado, clinicamente, por breves episódios recorrentes de tontura e desequilíbrio de-
sencadeados por esforço físico, estresse emocional ou excitação associada à mioquimia, mais facilmente
observados em pequenos músculos da face e da mão. A duração típica dos ataques persiste de segundos
a minutos, mas, também, foram descritos ataques prolongados que duram horas ou dias. Os sintomas
adicionais incluem fraqueza distal, tremor, coreoatetose, sensação de giro e disfunções cognitivas.

Um grande estudo prospectivo revelou que pelo menos um quinto dos pacientes com EA1 desen-
volvem sintomas e sinais cerebelares permanentes.

A acetazolamida e os antiepilépticos podem ser usados no tratamento para reduzir a frequência e


a gravidade dos ataques, mas não em todos os indivíduos. Além disso, medidas comportamentais, como
evitar o estresse, movimentos abruptos, ruídos altos e cafeína, podem ser usadas para reduzir as mani-
festações da doença em indivíduos sintomáticos e assintomáticos.

161
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida
Capítulo 9

Figura 9.4. Tabela evidenciando os desencadeantes comuns e sintomas ictais na EA1.

ƒ EA2
EA2 é, clinicamente, caracterizado por crises paroxísticas debilitantes recorrentes de instabilidade, inco-
ordenação, vertigem e fala arrastada, que podem durar de horas a dias, com ataxia progressiva basal variável. O
início é, geralmente, no início da vida, mas também foram relatados pacientes com início durante a sexta década.

Na maioria dos pacientes com EA2, a idade de início dos episódios de ataxia varia da infância até
a primeira infância. Os ataques podem ocorrer espontaneamente ou podem ser desencadeados por es-
forço físico, fadiga, angústia emocional ou excitação. Muitos pacientes experimentam seus primeiros
ataques enquanto praticam esportes ou realizam outras atividades associadas à excitação emocional
ou estresse.

ƒ EA3
A EA3 começou a ser designada após a identificação de uma grande família canadense com EA
distinta de EA1 e EA2. Eles foram caracterizados por episódios recorrentes de marcha ebriosa, vertigem e
zumbido, geralmente durando menos de 30 minutos. A presença da vertigem e do zumbido e a ausência
de nistagmo no período entre convulsões, além dos episódios mais curtos, distinguem EA3 de EA1 e EA2.

ƒ EA4
É caracterizado por ataxia, vertigem, nistagmo de olhar evocado e rastreamento ocular (movimen-
tação suave do olho) defeituoso. A idade de início variou da terceira à sexta décadas. Os ataques geral-
mente duram horas e não respondem à acetazolamida.

162
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

ƒ EA5

Capítulo 9
É semelhante à EA2, incluindo a duração dos ataques, nistagmo interictal e resposta à acetazola-
mida. Difere-se no seu início mais tardio em comparação com a EA2.

ƒ EA6
Foi identificado em dois indivíduos sem relação entre si e com manifestações clínicas diferentes.
Uma criança apresentou uma forma grave de EA com convulsão, enxaqueca e hemiplegia alternada, que
foi desencadeada por doença febril. A outra, uma família holandesa, mostrou sintomas típicos de EA2,
como episódios com duração de várias horas, nistagmo interictal e uma boa resposta à acetazolamida.

ƒ EA7
Relatado em uma família na qual 7 membros tinham EA. Ela possui características clínicas seme-
lhantes às EA2, porém não encontramos os achados interictais.

ƒ EA8
Foi encontrado em uma família irlandesa com ataques caracterizados por instabilidade, fra-
queza geral e fala arrastada. Outras características adicionais incluem espasmos ao redor dos olhos,
nistagmo, mioquimia e tremor de intenção persistente. Além disso, responderam ao clonazepam ao
invés da acetazolamida.

Principais genes associados à doença e suas funções

Existem, pelo menos, 8 loci para EA, 5 dos quais são genes conhecidos. As proteínas codificadas
pelos genes, com exceção do UBR4, compõem canais iônicos da membrana neuronal e glial, tendo um
importante papel na neurotransmissão excitatória.

EA1(KCNA1): é decorrente de uma mutação envolvendo o gene KCNA1 localizado no cromossomo


12p13. Ele codifica o canal de potássio controlado por voltagem, Kv1.1, que é altamente expresso em
células em cesto e interneurônios que formam as sinapses GABAérgicas nas células de Purkinje. Essas
mutações resultam na hiperexcitabilidade das células pré-sinápticas em cesto e na liberação excessiva
de GABA, que podem inibir a geração de potenciais de ação nas células de Purkinje.

EA2 (CACNA1A): é decorrente de uma mutação envolvendo o gene CACNA1A localizado no cro-
mossomo 19p13, que codifica Cav2.1, a subunidade α1 do canal de cálcio controlado por voltagem do
tipo P/Q. Esse gene é amplamente expresso nas células de Purkinje e granulares do cerebelo.

Além desses dois genes, outros três são conhecidos e relacionados com as ataxias episódicas.
A EA5 é associada a mutações envolvendo o gene CACNB4, que codifica a subunidade β4 do canal de
cálcio e está localizado no cromossomo 2q22-23. A EA6 está associada a mutações no gene SLC1A3
do cromossomo 5p, que codifica o transportador de aminoácido excitatório 1 (EAAT1), um transportador
de glutamato glial. A EA8 pode estar associada com mutações no gene UBR4, mas ainda faltam estudos
funcionais para comprovação.

163
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida
Capítulo 9

Figura 9.5. Tabela evidenciando os principais genes relacionados às ataxias episódicas. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

4. Painel genético

Figura 9.6. Painel genético das taxias episódicas. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

164
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Ataxias Cerebelares Autossômicas Recessivas

Capítulo 9
Contexto
As ataxias cerebelares autossômicas recessivas são descritas há muito tempo na literatura, na
qual eram classificadas com base em sua etiologia, isto é, conhecida ou não. Geralmente, começam
antes dos 40 anos e compreendem mais da metade das formas genéticas conhecidas de ataxia. Com
prevalência de 3-4 casos por 100.000 habitantes, representam um grupo de distúrbios com clínica hetero-
gênea bem distinta que podem ocorrer em qualquer idade, principalmente na idade adulta, sendo a Ataxia
de Friedreich a doença mais comum.

Diferentemente das ataxias cerebelares dominantes, que possuíam um sistema claro de nomencla-
tura, as ataxias cerebelares autossômicas recessivas eram nomeadas individualmente. Atualmente, para
facilitar, os novos distúrbios são classificados em Ataxias Cerebelares Autossômicas Recessivas (ACAR),
enquanto outras clássicas ainda utilizam a nomenclatura mais comum.
Características clínicas
É difícil determinar um diagnóstico de ataxia recessiva apenas pela clínica pois, apesar de existi-
rem doenças com características únicas, ainda há um elevado grau de sobreposição de achados clínicos.
Comparadas aos distúrbios dominantes, elas apresentam uma maior propensão ao aparecimento de
distúrbios fora do sistema nervoso central, sendo frequente os achados de polineuropatia em conjunto
com uma ataxia sensorial correspondente.

As principais características que sugerem um transtorno recessivo incluem:

ƒ presença de irmãos afetados, pais não afetados e doença em homens e mulheres;


ƒ consanguinidade (Sugestiva, mas não é um essencial).

A idade deve ser utilizada apenas para orientar avaliação diagnóstica adicional, visto que distúrbios
autossômicos recessivos e dominantes podem surgir precoce ou tardiamente.

ƒ Ataxia de Friedreich
Representa 25% de todas as ACARs, com uma prevalência de cerca de 1 a cada 30.000 pessoas nos
países da Europa Central, e possui uma idade de início por volta dos 10-15 anos (classicamente dos 2
aos 25 anos).

A apresentação clássica consiste em uma ataxia aferente baseada na degeneração dos gânglios da
raiz dorsal, com sinais do trato piramidal (em particular espasticidade e respostas plantares exten-
soras) e neuropatia axonal sensorial levando ao comprometimento da posição e sentido de vibração,
um sinal de Romberg positivo e arreflexia em membros inferiores. Outras características neurológicas
aparecem à medida que a condição progride, incluindo fraqueza muscular e escoliose, que costumam
piorar durante a puberdade.

165
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

ƒ Ataxia espástica autossômica recessiva de Charlevoix-Saguenay


Capítulo 9

É a segunda ACAR mais prevalente, apenas atrás da Ataxia de Friedreich, sendo responsável por cerca
de 5% de todas elas (Essa taxa é muito maior no Quebec, Canadá, onde foi inicialmente descrita).

Cerca de 80% de todos os pacientes apresentam uma tríade clássica de ataxia cerebelar, espas-
ticidade dos membros inferiores e neuropatia periférica sensório motora desmielinizante axonal,
começando entre 1 e 30 anos de idade. Cerca de 20% dos pacientes apresentam clínicas atípicas,
como distúrbios do tipo Charcot-Marie-Tooth. Além disso, a epilepsia está presente em até 15% de
todos os pacientes.

ƒ Ataxia- telangiectasia
AT tem uma prevalência de, aproximadamente, 1 em 40.000 a 100.000 nascidos vivos nos Estados
Unidos, começando normalmente antes dos 5 anos. Na Ataxia-telangiectasia clássica, a ataxia é ge-
ralmente acompanhada por características não cerebelares adicionais graves, como apraxia oculo-
motora (até 100% de todos os pacientes), coreoatetose (até 100%), espasmos mioclônicos (até 25%),
distonia (até 80%), telangiectasias da conjuntiva (geralmente evidente por volta dos 6 anos), imuno-
deficiência (60-80%), infecções frequentes (com evidência de acompanhamento de imunodeficiências
séricas e celulares) e um risco aumentado de malignidade (acima para 38%), particularmente leucemia
e linfoma (85% de todos os associados a AT malignidades).

ƒ Ataxia com apraxia oculomotora tipo 2


Representa cerca de 3% de todas as ACARs. Normalmente se apresenta com ataxia cerebelar pro-
gressiva, neuropatia axonal sensório-motora (98% de todos os indivíduos), apraxia oculomotora
(50%), estrabismo (12%) e distúrbios de movimento hipercinéticos adicionais como distonia (14%)
e/ou coreia (10 %).
Principais genes associados à doença e suas funções
As Ataxias Cerebelares Autossômicas Recessivas, tal qual sua clínica, são bastantes heterogêneas
com relação ao gene causador de cada uma delas. A seguir, alguns tipos e seus genes associados.

ƒ FNX (Ataxia de Friedreich)


O gene responsável pela ataxia de Friedreich, FXN, está localizado no cromossomo 9 e codifica a prote-
ína frataxina. Até 98% dos pacientes com ataxia de Friedreich carregam expansões homozigóticas de
repetição de nucleotídeos GAA, que variam de menos de 40 até 600-900 repetições, dentro do primeiro
íntron do gene FXN.

Em contraste com os distúrbios genéticos dominantes, nos quais a expansão repetida é uma causa
comum, a ataxia de Friedreich é a única ataxia recessiva causada por esse mecanismo.

Essa expansão de repetição não codificadora reduz a expressão do gene FXN por vários mecanismos
propostos, incluindo a inibição estrutural da transcrição, alteração dos padrões epigenéticos normais

166
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

e/ou aumentando a formação de híbridos de RNA / DNA (R-loops) que prejudicam a transcrição do

Capítulo 9
gene, desse modo, silenciando o alelo afetado.

ƒ (ATM) Ataxia Telangiectasia


O primeiro gene identificado das ataxias recessivas de início precoce foi o responsável pela
ataxia-telangiectasia (AT), que é, provavelmente, a segunda ataxia recessiva mais comum. Ela
é causada pela mutação do gene ATM, que está envolvida na resposta de dano ao DNA a que-
bras de fita dupla e na regulação do ponto de verificação de dano do ciclo celular para evitar a
instabilidade genômica.

ƒ SACS (Ataxia Autossômica Recessiva de Charlevoix-Saguenay)


A ataxia autossômica recessiva de Charlevoix-Saguenay (ou ARSACS), é causada pela mutação do
gene SACS. Originalmente identificado como um distúrbio raro e geograficamente localizado, os esfor-
ços contínuos de genética molecular expandiram o tamanho do gene SACS, a diversidade de apresen-
tações clínicas e a prevalência mundial de suas mutações.

A Sacsina, o produto do gene SACS, tinha sido prevista para desempenhar um papel no controle
de qualidade da proteína; no entanto, trabalhos mais recentes apoiam um modelo em que a patogênese
subjacente é devida a alterações do citoesqueleto que afetam a morfologia e função mitocondrial.

APTX e SETX (Ataxia com Apraxia Oculomotora)

Os distúrbios de ataxia com apraxia oculomotora (AOA), tipos 1 a 4 e XRCC1-AOA, são apresen-
tados juntos devido à sua semelhança clínica. AOA1 é causada pela mutação do gene APTX, enquanto
AOA2 é causada pela mutação do gene SETX.

Funcionalmente, a Aprataxina (produto do gene APTX) desempenha um papel no reparo do


DNA como parte da resposta ao dano do DNA e serve para manter a integridade do genoma. Sena-
taxina, o produto do gene SETX, provavelmente funciona na transcrição, processamento de RNA e
reparo de DNA, mas desempenha um papel principal na estabilidade do genoma por meio da elimi-
nação de R-loops.

167
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida
Capítulo 9

Figura 9.7. Tabela das ataxias de início precoce. (Adaptada de Fogel, 2018).

168
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Capítulo 9
Figura 9.8. Tabela das ataxias de início precoce. (Adaptada de Fogel, 2018).

169
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida
Capítulo 9

Figura 9.9. Tabela das ataxias hereditárias autossômicas recessivas. (Adaptada de Fogel, 2018).

170
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Painel genético

Capítulo 9
Figura 9.10. Painel genético das ataxias cerebelares autossômicas recessivas. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Ataxias Hereditárias com Herança Ligada ao X


Contexto
As ataxias cerebelares ligadas ao X (XLCA) compreendem um grupo heterogêneo de condições
genéticas e clinicamente variáveis ​​caracterizadas por disgenesia cerebelar (hipoplasia, atrofia ou dis-
plasia) causada por mutações genéticas ou desequilíbrios genômicos no cromossomo X. Mais de 20
genes no cromossomo X, envolvidos no desenvolvimento do cérebro e função sináptica, e várias famí-
lias com herança ligada ao X foram relatadas. Dado o excesso de homens com ataxia, este grupo de
condições está, provavelmente, subestimado, e as famílias de pacientes com evidências neurorradio-
lógicas e clínicas de um distúrbio cerebelar devem ser aconselhadas quanto ao alto risco de herança
ligada ao X.

171
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Características clínicas
Capítulo 9

As características neurológicas da XLCA incluem hipotonia, atraso no desenvolvimento, deficiência


intelectual, ataxia e outros sinais cerebelares. O desenvolvimento cognitivo normal também foi relatado.
Os defeitos cerebelares podem estar isolados ou associados a outras malformações cerebrais ou envol-
vimento extraneurológico.

ƒ Ataxia e anemia sideroblástica ligada ao X.


A anemia sideroblástica ligada ao X com ataxia é uma doença rara, caracterizada por ataxia de iní-
cio precoce e lentamente progressiva associada à anemia sideroblástica devido ao acúmulo de ferro
mitocondrial. As principais características neurológicas do XLSA-A incluem atraso na marcha, ataxia
evidente desde a primeira infância e disartria. Alguns pacientes apresentam espasticidade leve. Além
disso, é possível observar, frequentemente, hipoplasia ou atrofia cerebelar e sinais do neurônio motor
superior (UMN) nas pernas, manifestados por reflexos tendinosos profundos vivos, clônus insustentá-
vel do tornozelo e respostas plantares equívocas ou extensoras em alguns homens.

ƒ Microcefalia com hipoplasia pontina e cerebelar (MICPCH) ou Doença relacionada ao CASK.


A síndrome CASK foi descrita pela primeira vez em uma menina de 4 anos. Apresentava-se microce-
falia congênita e pós-natal acentuada, grave atraso no desenvolvimento, convulsões e perda auditiva
neurossensorial. Outras anomalias menores são vistas: testa baixa, hipertelorismo, ponte nasal larga,
filtro nasolabial apagado, orelhas grandes e micrognatia. Ela também tinha hiperpneia episódica e pa-
lidez do disco óptico com anisocoria. A ressonância magnética cerebral mostrou hipoplasia cerebelar
predominante no vermis, uma pequena ponte com base achatada, quarto ventrículo discretamente
aumentado, além de número e complexidade reduzidos de giros corticais.

ƒ Síndrome de Tremor/Ataxia associada ao X frágil.


A síndrome de tremor / ataxia associada ao X frágil é caracterizada por tremor progressivo de intenção
de início na idade adulta e ataxia de marcha. Estudos de neuroimagem de indivíduos mostram perda
global de volume cerebral, em particular atrofia cerebelar e cortical, além de maior intensidade de
lesões de substância branca ao redor da área periventricular e nos pedúnculos cerebelares médios.
A neuropatologia nessa síndrome está associada à perda irregular de axônios no cérebro, espongiose
dos pedúnculos cerebelares médios e perda de células de Purkinje.

ƒ Hipoplasia cerebelar com deficiência intelectual ligada ao X.


Deficiência intelectual ligada ao X (XLMR) cursa com disfunção cognitiva e é a única característica
distintiva. Também conhecida como Síndrome de Oligofrenina-1 (OPHN1), foi descrita, pela primeira
vez, em uma menina de 12 anos que apresentou hipotonia congênita, atraso grave no neuro-desen-
volvimento, comprometimento cognitivo moderado, convulsões parciais complexas de início precoce,
estrabismo divergente bilateral e dismetria.

172
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Principais genes associados à doença e suas funções

Capítulo 9
Mais de 20 genes no cromossomo X são responsáveis pela codificação das proteínas envolvidas
no desenvolvimento do cérebro e na função sináptica, que têm sido constante ou ocasionalmente asso-
ciadas a um fenótipo cerebelar patológico, e várias famílias com herança ligada ao X foram relatadas.
Alguns exemplos são:

ƒ ABCB7 (Ataxia e anemia sideroblástica ligada ao X)


ABCBT é gene localizado na banda Xq13.3 e codifica uma proteína transportadora de adenosina
trifosfato mitocondrial (ATP) (ABC) envolvida na homeostase do ferro. A família de transportadores
ABC consiste em um grande grupo de proteínas transmembrana dependentes de ATP que trans-
portam uma ampla variedade de substratos através das membranas celulares e organelas. Ela é
altamente expressa no cerebelo, particularmente nos terminais pré-sinápticos das fibras paralelas
- neurônios de Purkinje. Pensa-se que está relacionada com uma molécula reguladora do metabo-
lismo celular do ferro.

ƒ CASK (Microcefalia com hipoplasia pontina e cerebelar (MICPCH) ou doença relacionada ao CASK)
A síndrome CASK foi descrita, pela primeira vez, em uma menina de 4 anos, portadora de uma aparente
inversão paracêntrica de novo 46X, interrompendo o gene da serina proteína quinase dependente de
cálcio / calmodulina (CASK), localizado em Xp11.4, que codifica uma proteína que pertence à família
de proteínas guanilato quinase associada à membrana encontrada nas sinapses neuronais envolvidas
no tráfego, direcionamento e sinalização de canais iônicos.

ƒ FMR1 (Síndrome de Tremor/Ataxia associada ao X frágil)


A síndrome é causada por uma grande expansão do tripleto CGG na região 5 não traduzida do gene
FMR1 que resulta no silenciamento transcricional do gene. A perda da função da proteína FMRP leva
a anormalidades da maturação da coluna dendrítica associadas à plasticidade sináptica alterada e
aprendizagem motora cerebelar (condicionamento de piscar de olhos), também observado em pacien-
tes de FXS.

ƒ OPHN1 (Hipoplasia cerebelar com deficiência intelectual ligada ao X)


A síndrome OPHN1 foi descrita, pela primeira vez, em uma menina de 12 anos, portadora de uma trans-
locação de novo t(X; 12)(q11; q15) que interrompeu o gene OPHN1 em Xq12 e codifica uma proteína
ativadora de RhoGTPase envolvida na morfogênese sináptica e função.

173
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida
Capítulo 9

Figura 9.11. Ataxias hereditárias com herança ligada ao X. (Adaptada de Fogel, 2018).

Painel genético

Figura 9.12. Painel genético das ataxias hereditárias com herança ligada ao X. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

174
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Ataxias Espásticas

Capítulo 9
Contexto
As ataxias espásticas primárias são um tipo raro de doença hereditária com o predomínio clíni-
co, como o próprio nome já diz, de uma ataxia espástica. Além de sua prevalência exata ainda não ser
bem estabelecida, muitos médicos podem encontrar dificuldade em definir se estão diante de ataxias
cerebelares hereditárias ou paraplegias espásticas hereditárias (HSPs), pelas características clínicas
que se sobrepõem.
Características clínicas
A principal diferença entre as paraplegias e ataxias espásticas está na sua origem. As HSPs são ca-
racterizadas por uma espasticidade progressiva predominante e fraqueza nos membros inferiores devido
à degeneração dos tratos corticospinais, enquanto a principal característica das ataxias cerebelares é a
degeneração cerebelar progressiva, levando a equilíbrio, marcha e fala prejudicados. Ambas podem estar
ligadas a outras características neurológicas e não neurológicas, resultando em fenótipos complexos
com frequente variabilidade intra e interfamiliar.

Com relação às ataxias espásticas primárias propriamente ditas, é possível classificá-las em 5


tipos: SPAX1, SPAX2, SPAX4, SPAX5, e SPAX7.

ƒ SPAX1
Essa condição é incomumente prevalente na província de Newfoundland, Canadá, com um fundador
ligado a uma população isolada com grande tamanho de família. A idade típica de início é durante as
primeiras duas décadas, porém a doença parece não afetar, significativamente, a expectativa de vida.
O modo de herança é autossômico dominante com penetrância dependente da idade.

É caracterizada por, inicialmente, apresentar um aceno de cabeça rápido característico ou um breve


espasmo involuntário. Na segunda e terceira décadas de vida, a espasticidade progride nas extremi-
dades inferiores, e outros sintomas aparecem, como disartria, disfagia, anormalidades oculomotoras
(movimentos sacádicos lentos, visão vertical prejudicada, retração palpebral), distonia, torcicolo e per-
da proprioceptiva.

Na quarta década, a marcha espástica de base ampla prejudica a mobilidade. Além disso, existe uma
notável diversidade fenotípica dentro de cada família, variando de sintomas muito leves a fenótipos
complexos graves.

ƒ SPAX2
Esse tipo de ataxia foi descrito, pela primeira vez, em famílias consanguíneas do Marrocos. Os indivíduos
afetados apresentam disartria seguida de ataxia da marcha e 3 em cada 4 desenvolvem espasticidade.
Seu início ocorre normalmente nas duas primeiras décadas de vida, e suas características comuns in-

175
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

cluem disartria, ataxia cerebelar, quedas frequentes, dismetria, tremor, espasticidade dos membros infe-
Capítulo 9

riores, hiperreflexia, respostas plantares extensoras e fasciculações. A cognição não é afetada.

ƒ SPAX3
SPAX3 ou ataxia espástica com leucoencefalopatia (ARSAL) consiste em uma ataxia espástica com
alterações da matéria branca periventricular e atrofia cerebelar, tendo seu início com idade que varia
de 2 a 59 anos.

Principais genes associados à doença e suas funções.

Figura 9.13. Painel genético das ataxias espásticas. (Adaptado de Fogel, 2018).

ƒ SPAX1 e SPAX2
SPAX1 é causada por mutação no gene autossômico dominante VAMP1, que codifica uma proteína
crítica para a exocitose sináptica, localizado no cromossomo 12p13 encontrado em 1 família marro-
quina consanguínea com disartria e marcha ataxia aos 14 anos, seguida de espasticidade leve com
amiotrofia e fasciculações. Foi levantada a hipótese de que a perda de função do KIF1C altera o tráfego
da membrana e o envolvimento da membrana em oligodendrócitos ao longo dos axônios, destacando
o papel da proteína KIF1C na preservação da integridade estrutural e função da mielina.

ƒ SPAX3
SPAX3 é causada por mutações no gene MARS2, que produz uma proteína mitocondrial metionil-tRNA
sintetase. Pelo menos, três tipos de mutações, todas apresentando um evento de duplicação de gene,
foram identificadas em uma grande coorte de famílias franco-canadenses.

176
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

4. Painel genético

Capítulo 9
Figura 9.14. Painel genético das ataxias espásticas. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

177
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Questões
Capítulo 9

1. Paciente de 51 anos, etilista, é admitido no serviço de emergência devido a quadro de confusão


mental, ataxia e oftalmoplegia. Foi realizado o diagnóstico de encefalopatia de Wernicke. Qual das
vitaminas do complexo B está deficiente e é a causa do diagnóstico acima descrito?

a) B1
b) B2
c) B3
d) B6
e) B12

2. Lucas, de 8 anos de idade, foi levado à avaliação neuropediátrica com quadro iniciado aos 3 anos
de idade, caracterizado por ataxia cerebelar global, ataxia cordonal posterior, alteração da sensibili-
dade profunda, arreflexia global e sinal de babinski. Na investigação complementar, foi constatada
cardiomiopatia hipertrófica e neuronopatia sensitiva. O estudo genético evidenciou mutação do gene
frataxina (X25), localizado no cromossomo 19q13, com expansão do trinucleotídeo GAA. Com relação
a esse caso clínico, assinale a opção que apresenta o diagnóstico mais provável.

a) Ataxia de Friedreich
b) Ataxia familiar por deficiência de vitamina E.
c) Ataxia telangiectasia (doença de Louis-Bar).
d) Abetalipoproteinemia (doença de Bassen Kornzweig).
e) Ataxia espinocerebelar tipo 3 (doença de Machado-Joseph)

3. Acerca das drogas anticonvulsivantes, julgue os itens a seguir.

I. Ataxia, nistagmo e sonolência são sintomas de intoxicação pela fenitoína.


II. A lamotrigina, em doses elevadas, pode provocar náuseas, diplopia, ataxia e cefaleia.
III. O clonazepam está indicado nas crises mioclônicas.
IV. A carbamazepina não provoca discrasia sanguínea.
V. O ácido valproico pode levar à disfunção hepática.
A quantidade de itens certos é igual a:
a) 1.
b) 2.
c) 3.
d) 4.
e) 5

178
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

4. A síndrome que se caracteriza clinicamente por ataxia, teleangiectasia conjuntival e apraxia ocular é

Capítulo 9
chamada de:

a) encefalite de Dawson.
b) ataxia de Friedreich.
c) síndrome olivo-ponto-cerebelar.
d) síndrome de Louis-Bar.
e) síndrome de Bourneville.

5. São características da Ataxia de Friedreich, EXCETO:

a) A principal queixa é de marcha cambaleante.


b) O início dos sintomas se dá entre 4-5 anos de idade.
c) Os distúrbios de fala, fraqueza muscular e arreflexia iniciam-se após a instalação da ataxia.
d) A evolução é lentamente progressiva, leva à invalidez completa com duração variável de
10-20 anos.

6. Ao se examinar um paciente com lesão cortical, observou-se que, ao informar um ato motor (imite
como se abre a porta de um carro), o paciente era capaz de descrever verbalmente o ato motor, mas
não pode realizá-lo. No entanto, ao fornecer um objeto a ele (chave) ele é capaz de fazer. Com base
nessas informações, assinale a opção que apresenta o principal sintoma neurológico.

a) Agnosia visual
b) Ataxia
c) Apraxia ideomotora
d) Apraxia ideacional
e) Apraxia cinética

7. Assinale a opção correta com relação aos achados neurológicos encontrados na deficiência de vita-
mina B12.

a) Paraparesia e ataxia de membros.


b) Acometimento do neurônio motor inferior e neurônio motor superior.
c) Polineuropatia e piramidalismo.
d) Manifestações psiquiátricas e rebaixamento do nível de consciência
e) Ataxia e perda da sensibilidade térmica e dolorosa.

179
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

8. Quanto às ataxias agudas, marque a afirmativa INCORRETA:


Capítulo 9

a) Na ataxia cerebelar aguda, os exames de imagem, como tomografia e ressonância magnética,


costumam ser normais.
b) O tratamento para a cerebelite deve ser iniciado, imediatamente, ao diagnóstico e consiste em
altas doses de corticóide endovenoso.
c) A cerebelite constitui-se na causa mais comum de disfunção cerebelar aguda na criança, e é mais
frequente entre 1 e 5 anos de idade.
d) A cerebelite instala-se de forma abrupta, com intenso comprometimento axial e componente
apendicular de menor intensidade e, eventualmente, assimétrico.

9.Com relação aos achados do exame físico característico da síndrome cerebelar, não se diagnostica:

a) bradicinesia.
b) ataxia.
c) nistagmo.
d) disdiadococinesia.
e) dismetria.

10. Uma das possíveis complicações do uso de flunarizina é:

a) a síndrome parkinsoniana.
b) a síndrome demencial.
c) a mielinólise pontina central.
d) a ataxia cerebelar.
e) a síndrome neuroléptica maligna.

180
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo Um Guia Prático de Pesquisa
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Referências

Capítulo 9
Mundwiler A, Shakkottai V. Autosomal-dominant cerebellar ataxias. Neurogenetics, Part I. 2018;:173-185.

Schöls L, Bauer P, Schmidt T, Schulte T, Riess O. Autosomal dominant cerebellar ataxias: clinical features,
genetics, and pathogenesis. The Lancet Neurology. 2004;3(5):291-304.

Rossi M, Perez-Lloret S, Doldan L, Cerquetti D, Balej J, Millar Vernetti P et al. Autosomal dominant cerebel-
lar ataxias: a systematic review of clinical features. European Journal of Neurology. 2014;21(4):607-615.

Sullivan R, Yau W, O’Connor E, Houlden H. Spinocerebellar ataxia: an update. Journal of Neurology.


2018;266(2):533-544.

Pilotto F, Saxena S. Epidemiology of inherited cerebellar ataxias and challenges in clinical research. Clini-
cal and Translational Neuroscience. 2018;2(2):2514183X1878525.

de Castilhos R, Furtado G, Gheno T, Schaeffer P, Russo A, Barsottini O et al. Spinocerebellar Ataxias in


Brazil—Frequencies and Modulating Effects of Related Genes. The Cerebellum. 2013;13(1):17-28.

Duenas A. Molecular pathogenesis of spinocerebellar ataxias. Brain. 2006;129(6):1357-1370.

Muro García I, Toribio-Díaz M, Quintas S. Ataxia episódica: 20 años de retraso diagnóstico. Neurología.
2020;35(7):500-501.

Jen J, Wan J. Episodic ataxias. The Cerebellum: Disorders and Treatment. 2018;:205-215.

Choi K, Choi J. Episodic Ataxias: Clinical and Genetic Features. Journal of Movement Disorders.
2016;9(3):129-135.

Strupp M, Zwergal A, Brandt T. Episodic ataxia type 2. Neurotherapeutics. 2007;4(2):267-273.

Fogel B. Autosomal-recessive cerebellar ataxias. Neurogenetics, Part I. 2018;:187-209.

Beaudin M, Matilla-Dueñas A, Soong B, Pedroso J, Barsottini O, Mitoma H et al. The Classification of


Autosomal Recessive Cerebellar Ataxias: a Consensus Statement from the Society for Research on the
Cerebellum and Ataxias Task Force. The Cerebellum. 2019;18(6):1098-1125.

Anheim M, Tranchant C, Koenig M. The Autosomal Recessive Cerebellar Ataxias. New England Journal of
Medicine. 2012;366(7):636-646.

Giordano I, Harmuth F, Jacobi H, Paap B, Vielhaber S, Machts J et al. Clinical and genetic characteristics
of sporadic adult-onset degenerative ataxia. Neurology. 2017;89(10):1043-1049.

Schulz J, Boesch S, Bürk K, Dürr A, Giunti P, Mariotti C et al. Diagnosis and treatment of Friedreich ataxia:
a European perspective. Nature Reviews Neurology. 2009;5(4):222-234.

181
Ataxias
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Alyne Faria Bonifacio Aleixo
Lara Maria de Oliveira Paiva Freitas | Nícolas Apratto de Almeida

Synofzik M, Soehn A, Gburek-Augustat J, Schicks J, Karle K, Schüle R et al. Autosomal recessive spastic
Capítulo 9

ataxia of Charlevoix Saguenay (ARSACS): expanding the genetic, clinical and imaging spectrum. Orphanet
Journal of Rare Diseases. 2013;8(1):41.

Ambrose M, Gatti R. Pathogenesis of ataxia-telangiectasia: the next generation of ATM functions. Blood.
2013;121(20):4036-4045.

Le Ber I. Cerebellar ataxia with oculomotor apraxia type 1: clinical and genetic studies. Brain.
2003;126(12):2761-2772.

Zanni G, Bertini E. X-linked ataxias. The Cerebellum: Disorders and Treatment. 2018;:175-189.

D’Hooghe M, Selleslag D, Mortier G, Van Coster R, Vermeersch P, Billiet J et al. X-linked sideroblastic ane-
mia and ataxia: A new family with identification of a fourth ABCB7 gene mutation. European Journal of
Paediatric Neurology. 2012;16(6):730-735.

de Bot S, Willemsen M, Vermeer S, Kremer H, van de Warrenburg B. Reviewing the genetic causes of spas-
tic-ataxias. Neurology. 2012;79(14):1507-1514.

Grewal K, Stefanelli M, Meijer I, Hand C, Rouleau G, Ives E. A founder effect in three large Newfoundland
families with a novel clinically variable spastic ataxia and supranuclear gaze palsy. American Journal of
Medical Genetics. 2004;131A(3):249-254.

Dor T, Cinnamon Y, Raymond L, Shaag A, Bouslam N, Bouhouche A et al. KIF1Cmutations in two families
with hereditary spastic paraparesis and cerebellar dysfunction. 2021.

Bayat V, Thiffault I, Jaiswal M, Tétreault M, Donti T, Sasarman F et al. Mutations in the Mitochondrial Me-
thionyl-tRNA Synthetase Cause a Neurodegenerative Phenotype in Flies and a Recessive Ataxia (ARSAL)
in Humans. PLoS Biology. 2012;10(3):e1001288.

Marchionni E, Méneret A, Keren B, Melki J, Denier C, Durr A et al. KIF1C Variants Are Associated with Hypo-
myelination, Ataxia, Tremor, and Dystonia in Fraternal Twins. Tremor and Other Hyperkinetic Movements.
2019;9(0).

Bourassa C, Meijer I, Merner N, Grewal K, Stefanelli M, Hodgkinson K et al. VAMP1 Mutation Causes Dom-
inant Hereditary Spastic Ataxia in Newfoundland Families. The American Journal of Human Genetics.
2012;91(3):548-552.

182
Ataxias
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Capítulo 10
Epilepsia

Contexto

A
Epilepsia é um distúrbio neurológico comum caracterizado por crises epilépticas recorren-
tes que possuem inúmeras causas possíveis, quadros clínicos e prognósticos. A etiologia,
em aproximadamente 70% dos casos, compreende mutações de um ou mais genes inseri-
dos em uma base genética ampla associada à condição, enquanto os 30% restantes decorrem de lesões
estruturais e condições metabólicas.

Devido ao predomínio genético, os riscos de acometimento de parentes de primeiro grau, em com-


paração com não afetados, é de 5 a 10 vezes maior na epilepsia generalizada e de 2 a 3 vezes maior na
focal. Além disso, a predisposição genética é tratada como o maior fator de risco, já que a incidência da
doença não difere significativamente nos diferentes sexos e idades.

Em cada ano, a epilepsia acomete em média 61,44 indivíduos a cada 100.000 pessoas, ao
mesmo tempo em que possui uma prevalência de 6,38:1000. Entre os tipos da doença, a epilepsia
focal se mostra a mais comum, de forma a apresentar uma alta taxa de prevalência junto aos casos
de etiologia desconhecida.

A classificação das epilepsias genéticas é dividida em epilepsias mendelianas, não mendelianas


e distúrbios cromossômicos. As epilepsias mendelianas são provocadas por alterações monogênicas,
a exemplo das convulsões benignas neonatais-infantis familiares e da epilepsia do lobo frontal noturna
autossômica dominante. As epilepsias não mendelianas são provocadas por mutações em genes pela
interação com o meio ambiente, como a epilepsia mioclônica juvenil. Por fim, nos distúrbios cromos-
sômicos, a epilepsia é provocada por situações mais complexas que levam à desordem do SNC, como
microdeleção, microduplicação e polimorfismos de nucleotídeo único.

Por causa da diversidade de causas, é extremamente importante estabelecer a base ge-


nética da doença, por meio de um sequenciamento, que possibilite um bom acompanhamento e
aconselhamento genético para a família, além de estabelecer um prognóstico dentro da gama de
alternativas possíveis.
Característica Clínica
A crise epiléptica é oriunda de uma descarga anormal excessiva de neurônios e, diferentemente do
que se pensa, nem todos os indivíduos que a vivenciaram possuem o diagnóstico de epilepsia, visto que o
distúrbio é constatado somente quando o indivíduo apresenta qualquer uma das condições abaixo:
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves
Um Guia Prático de Pesquisa Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo
Ivan Barboza Abreu
Capítulo 10

ƒ Duas crises epilépticas não provocadas ou reflexas em um intervalo superior a 24 horas.


ƒ Uma crise epiléptica não provocada ou reflexa e a probabilidade de ocorrência de crises epilépticas
similares ao risco de recorrência em geral (≥ 60%) após duas crises não provocadas, ocorrendo nos
próximos 10 anos.
ƒ Diagnóstico de uma síndrome epiléptica.

O quadro clínico da doença varia de acordo com o tipo de crise epiléptica e, por isso, torna-se im-
portante a determinação da classificação. Primeiro, é preciso estabelecer o início da crise que pode ser
focal, generalizada ou desconhecida.

A epilepsia focal tem sua origem em uma rede neuronal limitada a um só hemisfério e, dessa forma,
a consciência pode ou não estar prejudicada durante a crise. Podem ser classificadas como perceptivas,
quando há consciência de si e do ambiente durante a crise, e disperceptiva quando há perda desta. Outra
divisão do tipo focal é de início motor, em que ocorrem contrações involuntárias de certo grupo muscular,
e de início não motor, que tem como exemplo as crises de parada comportamental, podendo evoluir para
tônico-clônica bilateral.

Assim como nas focais, a epilepsia de origem generalizada também possui uma divisão: motora e
não motora. O tipo não motor, mais comum em pessoas jovens, é conhecido como ausência, caracteriza-
da por uma cessação súbita na atividade e na consciência.

Na classe das crises epilépticas de início desconhecido, existe a divisão motora e não motora, além
das não classificadas por não se encaixarem nos demais padrões.

Principais Genes Associados à Epilepsia e suas funções

ƒ CHRNA4 e CHRNB2
O CHRNA4 e o CHRNB2 são genes codificadores de proteína - o primeiro localizado no braço longo
do cromossomo 20 e o segundo no braço longo do cromossomo 1 - responsáveis por sintetizar, respec-
tivamente, a subunidade alfa-4 e a subunidade beta-2 do receptor nicotínico de acetilcolina neuronal.
Esse receptor, importante no processo de transmissões de alta velocidade nas sinapses, é um pentâmero
composto por subunidades homólogas que se agrupam e formam um canal iônico para cátions ativado
por ligante (acetilcolina).

Mutações nesses dois genes levam a modificações no segundo domínio transmembrana do recep-
tor, responsável, principalmente, pela formação da parede do canal. Tais alterações foram relacionadas
com a epilepsia hipermotora relacionada ao sono, antes conhecida como epilepsia do lobo frontal notur-
na, e também podem estar associadas com outros distúrbios neurológicos ou déficits cognitivos.

Com um padrão de herança autossômico dominante, a epilepsia hipermotora relacionada ao sono


é caracterizada por convulsões motoras focais, por despertares paroxísticos recorrentes de ocorrência

184
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Capítulo 10
fora do sono não REM (rapid eye moviments) com duração de 2 a 20 segundos. A crise epiléptica se inicia
com suspiros ou grunhidos seguidos por atividade hipercinética (abalos) ou enrijecimento dos membros
sobrepostos por espasmos clônicos. Além disso, é comum ocorrerem momentos de sonambulismo e
relatos de sintomas epigástricos, sensoriais e psíquicos que precedem as crises, bem como falta de sono
e cansaço durante o dia.

ƒ KCNQ2 e KCNQ3
Os genes KCNQ2, presente no cromossomo 20, e KCNQ3, presente no cromossomo 8, são clas-
sificados como codificadores de proteínas, cada um responsável por uma subunidade do canal M de
potássio voltagem-dependente expresso no cérebro.

O canal M atua na regulação da excitabilidade neuronal por meio do controle da frequência na


qual os potenciais de ação são formados, visto que levam a saída de potássio da célula quando abertos
de modo a interromper ou impedir a formação do impulso. Por possuírem uma função essencial na es-
tabilização do potencial de membrana, mutações em um dos dois genes citados acarretam o quadro de
epilepsia chamado de convulsões neonatais familiares benignas (BFNC).

O distúrbio BFNC apresenta uma herança autossômica dominante e acomete recém-nascidos,


possuindo uma idade de início entre o primeiro dia e o quarto mês de vida. Geralmente, as crises são
generalizadas do tipo tônica ou clônica, acompanhadas por sinais autonômicos, sintomas oculares e
apneia. Os sintomas cessam, na maior parte dos pacientes, até os 6 meses de idade, porém estudos pos-
teriores mostraram a possibilidade de atrasos no desenvolvimento psicomotor das crianças afetadas, de
forma a contestar o avanço benigno da doença.

ƒ SCN2A
O SCN2A é um gene codificador de proteína, localizado no cromossomo 2, encarregado de codificar a
subunidade alfa do canal de sódio voltagem dependente Nav1.2. Esse canal, expresso na porção inicial dos
axônios e nos nodos de Ranvier, é essencial para a iniciação e condução do potencial de ação, já que, na maioria
das células excitáveis, o influxo de sódio é o grande responsável por tornar positivo o potencial de membrana.

No decorrer do desenvolvimento, os canais de sódio do tipo Nav1.2 são substituídos pelo tipo
Nav1.6, permanecendo somente nos axônios e dendritos não mielinizados. Por isso, mutações que cau-
sam ganho de função no canal Nav1.2 acarretam uma síndrome de curso benigno que atinge a primeira
infância, as convulsões neonatais infantis familiares benignas (BFNIS).

A BFNIS é uma síndrome de herança autossômica dominante em que as crises epilépticas co-
meçam a aparecer entre os 4 e 6 meses de idade e cessam depois dos primeiros anos de vida, sem
deixar sequelas e provocar prejuízo no desenvolvimento psicomotor e cognitivo da criança. Quanto
ao tipo da convulsão, ela pode ser focal, generalizada clônica, generalizada tônica ou generalizada
tônica clônica.

185
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves
Um Guia Prático de Pesquisa Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo
Ivan Barboza Abreu
Capítulo 10

Além da BFNIS, existem mutações do gene SCN2A que levam à perda de função no canal Nav1.2.
Essas condições também provocam quadros de epilepsia, já que algumas fibras que se projetam entre
áreas hipocampais se comunicam com interneurônios inibitórios (GABA). Com isso, uma hipoativação
dessas fibras leva a um processo de não inibição e, consequentemente, uma hiperexcitabilidade hipo-
campal, gerando crises epilépticas. Como as fibras hipocampais não fazem a troca do canal Nav1.2
pelo Nav1.6 e as mutações de perda de função não acarretam crises no início do desenvolvimento, as
convulsões acontecem em estágios tardios e de forma mais grave.

Outras doenças epilépticas como encefalopatías epilépticas, síndrome de Otahara, epilepsia com
crises focais migratórias da infância, síndrome de West e espasmos infantis também estão relacionadas
a mutações no gene SCN2A, sendo estas uma das causas genéticas mais comuns de epilepsia.

ƒ SCN1A
Responsável por codificar a subunidade alfa do canal de sódio voltagem-dependente Nav1.1, ex-
pressos nos corpos celulares de axônios do sistema nervoso central, o gene SCN1A localizado no cro-
mossomo 2 é classificado como codificador de proteína. Assim como o Nav1.2, o Nav1.1 é essencial
para o processo de condução e deflagração do potencial de ação, de modo que suas mutações foram
relacionadas com mais de uma doença epiléptica.

A maioria das mutações no gene SCN1A que provocam quadros de epilepsia são caracterizadas
por uma perda de função no canal Nav1.1, que, assim como os canais Nav1.2, estão presentes em inter-
neurônios inibitórios GABAérgicos responsáveis por evitar sobrecargas em certas regiões hipocampais.
Logo, a perda de função no canal Nav1.1, mesmo que não total, traz consigo uma hiperexcitabilidade
provocada pela diminuição da eficácia do processo inibitório, gerando crises epilépticas.

Quando o comprometimento da perda de função, é leve ocorre quadros de convulsões febris, no


comprometimento moderado, ocorre a síndrome chamada epilepsia generalizada com convulsões febris
plus (GEFS+) e, na perda de função total, acontece o quadro mais grave, a epilepsia mioclônica grave da
infância (SMEI).

A epilepsia mioclônica grave da infância, também conhecida como síndrome de Dravet, é carac-
terizada por um início de vida sem atrasos no desenvolvimento psicomotor, por convulsões febris no
primeiro ano de vida e, posteriormente, por vários tipos de convulsões. O que torna a SMEI uma condição
mais grave é a farmacorresistência da doença atrelada aos atrasos no desenvolvimento psicomotor e
cognitivo da criança a partir do segundo ano de vida. O padrão de herança é autossômico dominante,
podendo ser oligogênico.

Nas GEFS+, os indivíduos apresentam crises epilépticas generalizadas tônico-clônicas, mioclôni-


cas, de ausência e atônicas. A síndrome possui um padrão de herança autossômica dominante em alguns
casos e em outros um padrão oligogênico, sendo este último padrão de herança mais aceito por causa

186
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Capítulo 10
da variabilidade clínica da doença. Os pacientes acometidos, diferente da epilepsia mioclônica grave da
infância, normalmente têm seus sintomas facilmente controlados com medicamentos, bem como uma
ausência de comprometimento cognitivo. Mutações em vários outros genes também foram relacionadas
com essa síndrome, entre eles, o SCN2A, citado anteriormente, o SCN2B, responsável por codificar a su-
bunidade beta do canal de sódio voltagem-dependente Nav1.2, e o GABRG2, responsável por codificar a
subunidade gama 2 do receptor GABA do tipo A, sendo importante para o processo inibitório.

ƒ LGI1
Fora do grupo de genes relacionados com canais iônicos, o LGI1, posicionado no cromossomo 10,
é um gene codificador de proteína encarregado em sintetizar a Proteína 1 rica em leucina-inativada por
glioma (LGI1) – proteína secretada por neurônios que carrega o mesmo nome do gene.

A LGI1 está relacionada com o processo de desenvolvimento do cérebro, além de formar um com-
plexo com a proteína identificada como seu receptor, chamada de ADAM22, incluindo, também, outras
proteínas sinápticas e o canal de potássio voltagem dependente (Kv1). Ademais, a ADAM22 se liga ao
complexo formado por AMPA e seu canal de cálcio associado, de modo a possibilitar a modulação, pela
proteína LGI1, da transmissão sináptica mediada pelo receptor AMPA.

Presente em grande quantidade no segmento inicial dos axônios, o complexo LGI1–ADAM22 está
diretamente ligado com a densidade dos canais de potássio Kv1 responsáveis pela repolarização. Logo,
por mais que seja pouco conhecida a função fisiológica da LGI1, mutações na proteína foram relaciona-
das com a epilepsia autossômica dominante do lobo temporal lateral.

187
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves
Um Guia Prático de Pesquisa Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo
Ivan Barboza Abreu
Capítulo 10

Painel Genético para Epilepsia

Figura 10.1. Principais genes associados à epilepsia. (Adaptado de Myers, 2019)

188
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Capítulo 10
Figura 10.2. Painel genético para epilepsia acionável. (Adaptado de Myers, 2019)

189
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves
Um Guia Prático de Pesquisa Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo
Ivan Barboza Abreu
Capítulo 10

Figura 10.3. Painel genético para epilepsia ampliado. (Adaptado de Myers, 2019)

190
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Capítulo 10

Figura 10.4. Painel genético para epilepsia infantil. (Adaptado de Myers, 2019)

191
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves
Um Guia Prático de Pesquisa Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo
Ivan Barboza Abreu

Questões
Capítulo 10

1. Com relação à lobectomia temporal anterior, para tratamento de epilepsia, assinale a opção que
apresenta a condição pré-operatória que indica bom resultado cirúrgico no controle das crises
convulsivas.

A) Eletroencefalograma com espículas interictais difusas, mas restritas a um hemisfério cerebral.


B) Ausência de distúrbios psiquiátricos, como depressão e ansiedade.
C) Esclerose hipocampal na ressonância magnética de crânio.
D) Ausência de crises convulsivas por, no mínimo, um mês, antes do procedimento cirúrgico.
E) Epilepsia de longa duração, com histórico arrastado de refratariedade a medicamentos.

2. Um paciente epiléptico, com 30 anos de idade e com cerca de 80 kg, deu entrada no hospital em
estado de mal epiléptico, por provável descontinuação dos medicamentos anticonvulsivantes.
Ele recebeu primeiramente diazepam em bolus intravenoso, que interrompeu as crises motoras.
Em seguida, a equipe médica preparou solução de fenitoína, na dose de 20 mg/kg, que também
foi aplicada por via intravenosa durante cinco minutos. Após o segundo medicamento, houve
súbita hipotensão de 60 mmHg × 30 mmHg, e bradicardia chegando a 30 batimentos por minuto.
De acordo com as informações acima, assinale a opção que apresenta a explicação mais prová-
vel para o ocorrido.

A) Desenvolvimento de edema cerebral pelas crises prolongadas, com hipertensão intracraniana e


reação autonômica.
B) O intervalo de tempo entre o diazepam e a fenitoína foi muito curto.
C) A dose aplicada de fenitoína foi muito grande para esta situação clínica.
D) A velocidade de infusão da fenitoína foi muito elevada para essa situação clínica.
E) O estado de mal epiléptico foi interrompido, e as alterações cardiovasculares indicam estado pós-ictal.

3. Com relação ao eletroencefalograma (EEG), assinale a opção correta.

A) A suspeita de atividade elétrica anormal ou de crises gera sempre a necessidade do EEG.


B) Na investigação de quadros demenciais, o EEG pode trazer pouca contribuição.
C) O status epileticus não convulsivo é indicação precisa para o EEG de urgência.
D) O EEG não deve ser indicado em ambiente de emergência médica.
E) A monitorização por vídeo EEG não é obrigatória em cirurgias de epilepsia.

192
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Capítulo 10
4. Um jovem de 17 anos de idade consome cocaína de forma esporádica, e, certa vez, após seu uso,
apresentou cefaleia de forte intensidade, que logo foi acompanhada de náuseas e vômitos. Apresen-
tou crise convulsiva após três horas de cefaleia, o que motivou sua ida ao pronto-socorro. No trans-
porte, apresentou novas convulsões. Chegou ao hospital em estado pósictal; foi verificado aumento
da pressão arterial e instalada monitorização dos sinais vitais. Diante desse quadro hipotético, a
conduta mais prudente a ser adotada é

A) solicitar tomografia de crânio e prescrever fenitoína endovenosa.


B) solicitar eletroencefalograma e após sua realização prescrever fenitoína se o exame evidenciar
atividade epileptogênica.
C) encaminhar à psiquiatria por ser paciente toxicômano.
D) solicitar ressonância de encéfalo e prescrever diazepam.
E) realizar punção lombar para afastar a possibilidade de meningite bacteriana.

5. Uma mulher de 68 anos de idade apresenta, há três anos, declínio cognitivo e, no último ano, passou a apre-
sentar episódios compatíveis com crises epilépticas parciais. O exame neurológico evidenciou lentificação
psicomotora e confusão em tempo e espaço. Apresenta também hipertensão arterial de difícil controle
e ganho de peso, sem disfunção urinária. O aumento de peso no último ano foi associado ao aumento
de queixas de cefaleia ao acordar. Os exames hematológicos estavam normais, inclusive com relação à
função renal, hepática e tireoidiana. A monitorização da pressão arterial de 24 horas evidenciou ausência
do descenso sistólico e diastólico noturno, além de picos hipertensivos noturnos. A paciente estava com
índice de massa corpórea de 30. Diante desse caso clínico hipotético, assinale a opção correta.

A) Deve-se solicitar polissonografia, para avaliar a presença de distúrbio do sono.


B) Deve-ser fazer reavaliação cardiológica, para pesquisar alteração da pressão arterial noturna.
C) Deve-se solicitar pesquisa do Apoe 2 para a doença de Alzheimer.
D) Deve-se solicitar tomografia com contraste, para avaliar a provável esclerose mesial hipocampal.
E) Uso de benzodiazepínicos e antidepressivos, para afastar a possibilidade de pseudodemência de-
pressiva, deve ser indicado.

6. Paciente do sexo feminino, 68 anos de idade, epiléptica há mais de 30 anos, vinha em uso de feno-
barbital, sem controle das crises. Seu neurologista associou a fenitoína ao fenobarbital, com melhora
significativa. Um ano depois, a família percebe dificuldade na deambulação e a leva ao médico, que
verifica tratar-se de uma síndrome coreica. Considerando a situação hipotética apresentada, assinale
a opção que apresente a melhor conduta a ser adotada.

A) Trocar a fenitoína pela oxcarbazepina.


B) Trocar a fenitoína pelo ácido valproico.

193
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves
Um Guia Prático de Pesquisa Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo
Ivan Barboza Abreu
Capítulo 10

C) Introduzir haloperidol.
D) Investigar doença de Huntington.
E) Introduzir clorpromazina.

7. Complexos de espícula-onda regulares, ritmados a 3 Hz, de projeção difusa, bilateral e síncrona são
característicos de

A) síndrome de West.
B) epilepsia do lobo temporal.
C) epilepsia rolândica.
D) epilepsia ausência da infância.
E) síndrome de Landau-Klefner.

8. Assinale a opção onde se localiza a terapêutica antiepiléptica mais teratogênica.

A) carbamazepina
B) valproato de sódio
C) oxcarbazepina
D) lamotrigina
E) topiramato

9. Com relação ao tratamento medicamentoso para estado de mal epiléptico, assinale a opção correta.

A) Deve-se administrar o diazepam intramuscularmente como forma de aumentar a sua meia vida.
B) Devido às frequentes flebites decorrentes do seu uso, a fenitoína deve ser diluída em soro glicosado.
C) Deve-se administrar o diazepam por via endovenosa.
D) O fenobarbital é a droga a ser instituída inicialmente no tratamento de estado de mal epiléptico.
E) O fentanil deve ser empregado, na falha da fenitoína.

10. Leia o caso clínico a seguir.

Uma criança de 7 anos, do sexo feminino, apresenta dificuldades escolares. Segundo os professores,
em vários episódios, a criança permanece parada, faz piscamento e fica irresponsiva, com duração
de um a dois segundos, e retorna ao estado normal sem se dar conta do ocorrido.

Que tipo de crise epiléptica essa criança apresenta?


A) Crise do lobo occipital.
B) Crise de ausência simples.
C) Crise do lobo temporal.
D) Crise mioclônica juvenil.

194
Epilepsia
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Laís Damasceno Rodrigues | Nely Regina Sartori Neves PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Rafael Wanderley Persiano Malta | Victor Oliveira Araújo Um Guia Prático de Pesquisa
Ivan Barboza Abreu

Referências

Capítulo 10
Myers KA, Johnstone DL, Dyment DA. Epilepsy genetics: Current knowledge, applications, and future di-
rections. Clin Genet 2019;95:95–111. Available from: https://doi.org/10.1111/cge.13414.

Fiest KM, Sauro KM, Wiebe S, Patten SB, Kwon C-S, Dykeman J, et al. Prevalence and incidence of epilepsy:
A systematic review and meta-analysis of international studies. Neurology 2017;88:296–303. Available
from: https://doi.org/10.1212/WNL.0000000000003509.

Steinlein OK. Genetics and epilepsy. Dialogues Clin Neurosci 2008;10:29–38. Available from: https://doi.
org/10.31887/DCNS.2008.10.1/oksteinlein.

Bamikole OJ, Olufeagba MB, Soge ST, Bukoye NO, Olajide TH, Abigail S. Genetics of Epilepsy. J Neurol
Neurophysiol 2019;10:488.

Fisher RS, Cross JH, D’Souza C, French JA, Haut SR, Higurashi N, et al. Instruction manual for the ILAE
2017 operational classification of seizure types. Epilepsia 2017;58:531–42. Available from: https://doi.
org/10.1111/epi.13671.

Fisher RS, Cross JH, French JA, Higurashi N, Hirsch E, Jansen FE, et al. Operational classification of seizu-
re types by the International League Against Epilepsy: Position Paper of the ILAE Commission for Classi-
fication and Terminology. Epilepsia 2017;58:522–30. Available from: https://doi.org/10.1111/epi.13670.

Scheffer IE, Berkovic S, Capovilla G, Connolly MB, French J, Guilhoto L, et al. ILAE classification of the epi-
lepsies: Position paper of the ILAE Commission for Classification and Terminology. Epilepsia 2017;58:512–
21. Available from: https://doi.org/10.1111/epi.13709.

Wolff M, Johannesen KM, Hedrich UBS, Masnada S, Rubboli G, Gardella E, et al. Genetic and phenotypic
heterogeneity suggest therapeutic implications in SCN2A-related disorders. Brain 2017;140:1316–36.
Available from: https://doi.org/10.1093/brain/awx054.

Catterall WA, Kalume F, Oakley JC. NaV1.1 channels and epilepsy. J Physiol 2010;588:1849–59. Available
from: https://doi.org/10.1113/jphysiol.2010.187484.

Yamagata A, Fukai S. Insights into the mechanisms of epilepsy from structural biology of LGI1-ADAM22.
Cell Mol Life Sci 2020;77:267–74. Available from: https://doi.org/10.1007/s00018-019-03269-0.

Winawer MR, Ottman R, Hauser WA, Pedley TA. Autosomal dominant partial epilepsy with auditory features:
defining the phenotype. Neurology 2000;54:2173–6. Available from: https://doi.org/10.1212/wnl.54.11.2173.

Ronen GM, Rosales TO, Connolly M, Anderson VE, Leppert M. Seizure characteristics in chromosome 20
benign familial neonatal convulsions. Neurology 1993;43:1355 LP – 1355. Available from: https://doi.
org/10.1212/WNL.43.7.1355.
195
Epilepsia
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
RASopatias, Adrenoleucodistrofias e Síndrome de Rett

Neurofibromatose

O
termo neurofibromatose compreende um conjunto de doenças, entre as quais se destacam
a neurofibromatose tipo 1 (NF1), neurofibromatose tipo 2 (NF2) e Schwannomatose, con-
sideradas doenças genéticas raras. Herdada de forma autossômica dominante, essa faco-
matose é classificada por múltiplas lesões cutâneas e tumores do sistema nervoso periférico e central.
Essa entidade patológica foi descrita, primeiramente, por Friedrich Daniel Von Recklinghausen, em 1882,
e é um grupo de distúrbios genéticos que culminam em anormalidades neuroectodérmicas, com possível
comprometimento da pele, do sistema nervoso, dos ossos, olhos e outros sítios. Embora sejam raras, as
neurofibromatoses dão origem a uma carga tumoral no sistema nervoso mais elevada do que qualquer
outra doença neoplásica que acomete esse sistema.

Neurofibromatose tipo 1 (NF1)


Contexto
A NF1 (doença de Von Recklinghausen) é uma síndrome genética associada a malformações e ao
crescimento tumoral no sistema nervoso e em outros sistemas corporais. Sua frequência na população
é de, aproximadamente, 1 em cada 3000 neonatos, independentemente de sexo ou de etnia, sendo o tipo
de neurofibromatose mais comum. A expectativa de vida das pessoas afetadas é cerca de 15 anos a
menos que o normal, em virtude, principalmente, do surgimento de malignidades, ataque cardíaco e AVC.
Características Clínicas
Embora sejam doenças hereditárias, as neurofibromatoses podem ser diagnosticadas com base
em critérios clínicos definidos pelos National Institutes of Health (NIH) e dispostos no quadro abaixo.
No caso da NF1, cerca de 70% dos portadores preenchem os critérios diagnósticos antes do primeiro
aniversário, e todos os pacientes apresentam as características clínicas preconizadas antes dos 20 anos,
evidenciando o início precoce dos sintomas nessa síndrome.
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
Neurofibromatose tipo 1 (NF1) Neurofibromatose tipo 2 (NF2) Schwannomatose
Diagnóstico definitivo Diagnóstico definitivo: Diagnóstico definitivo:
2 ou mais das seguintes manifesta-
ções:
-Schwannomas vestibulares (VS) - Idade > 30 anos e 2 ou mais
bilaterais schwannomas não intradérmicos,
os quais, pelo menos, um foi con-
OU
firmado histologicamente, além de
- 6 ou mais manchas café com leite NF2 em parente de primeiro grau e nenhuma evidência de VS na RM e
(> 5mm antes da puberdade ou > 15
- VS unilateral e idade < 30 anos ou inexistência de mutação constitu-
mm depois da puberdade). cional NF2.
-Dois dos seguintes: meningioma,
- 2 ou mais neurofibromas ou 1 ou
glioma, schwanoma, opacidade ju- OU
mais neurofibroma plexiforme.
venil do cristalino posterior/ catara- Um schwannoma não vestibular
- Sarnas axilares ou inguinais. ta juvenil cortical. confirmado histologicamente e um
- 2 ou mais nódulos de Lisch parente de primeiro grau que preen-
che os critérios acima
- Glioma do nervo óptico Diagnóstico possível ou provável:
-Mudanças ósseas típicas (displasia
do osso esfenoide, afinamento cor- Diagnóstico possível:
- VS unilateral, idade < 30 anos e,
tical de ossos longos [com ou sem
pelo menos, um dos seguintes:
pseudoartrose])
meningioma, glioma, schwannoma, - Idade < 30 anos e dois schwanno-
-Parente de primeiro grau com NF1 opacificação do cristalino posterior mas não dérmicos, os quais, pelo
juvenil/catarata juvenil cortical. menos, um foi confirmado histolo-
- Mais de 2 meningiomas e VS e ida- gicamente, e nenhuma evidência de
de > 30 anos ou um dos seguintes: VS na RM e inexistência de mutação
glioma, schwannoma, opacificação constitucional NF2
do cristalino posterior juvenil/cata- Ou
rata juvenil cortical.
Idade >45 anos e dois ou mais
schwannomas não dérmicos, os
quais, pelo menos, um foi confirma-
do histologicamente e ausência de
disfunções do nervo vestibulococle-
ar, além de inexistência de mutação
constitucional NF2.
Ou
Evidência radiológica de schwan-
noma não vestibular e parente de
primeiro grau que preenche os cri-
térios definitivos de schwannoma-
tose.
Quadro 11.1. Critérios diagnósticos para neurofibromatose.

197
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha
Capítulo 11

Há diversas manifestações clínicas na NF1, destacando-se a tendência ao surgimento de tumo-


rações em diversos sistemas corporais, especialmente a pele e o SNC, além de anormalidades de pig-
mentação e manifestações musculoesqueléticas. Entre as formações tumorais, notabilizam-se os neu-
rofibromas cutâneos, que estão presentes na maioria dos pacientes com NF1 e costumam surgir na
adolescência. Ademais, 30-50% dos pacientes apresentam neurofibromas plexiformes subcutâneos, os
quais podem transformar-se, em cerca de 8-13% dos pacientes com NF1, em tumores malignos da bai-
nha do nervo periférico (MPNST), os quais tendem a metastizar precocemente, constituindo a principal
causa de diminuição da expectativa de vida dos pacientes com NF1.

Além disso, eles apresentam risco elevado de desenvolver gliomas de baixo e alto grau,
entre os quais o mais comum é o astrocitoma pilocítico do nervo óptico. Os portadores de NF1
apresentam, ainda, sete vezes mais chances de desenvolver malignidades hematopoiéticas, espe-
cialmente leucemia mieloide, maior tendência de manifestar câncer de mama em mulheres acima
de 50 anos, feocromocitoma benigno, rhabdomyosarcoma, tumores estromais gastrointestinais
e endócrinos.

Em relação às anormalidades de pigmentação cutânea, evidenciam-se as chamadas manchas


café com leite, que são manifestações clínicas frequentes e de surgimento precoce na NF1. Cerca de
99% dos pacientes com NF1 apresentam seis ou mais manchas, medindo, no mínimo, 5 mm de diâ-
metro, já ao final de seu primeiro ano de vida. Em alguns pacientes, pode haver, também, a presença
de sarnas em pregas cutâneas e os chamados nódulos de Lisch, que são hamartomas melanocíticos
localizados na íris.

Paralelamente, pode haver manifestações musculoesqueléticas, especialmente escoliose, displa-


sia da asa do osso esfenoide, displasia tibial congênita e osteopenia. Também podem ser observados
déficits cognitivos em alguns portadores da síndrome, que, frequentemente, apresentam inteligência mo-
deradamente abaixo da média e, até mesmo, déficit de atenção.

Em relação ao tratamento da NF1, este consiste em medidas sintomáticas, como a realização de


cirurgias para a ressecção de tumores, já que ainda não há como reverter a causa dessa síndrome. O seu
objetivo consiste em melhorar a qualidade de vida do paciente, o que exige não somente o tratamento
sintomatológico, mas o diagnóstico precoce e o aconselhamento genético.

Principais genes associados à NF1 e suas funções

A NF1 é herdada segundo um padrão autossômico dominante, com penetrância completa e ex-
pressão variável. Dado o tipo de herança genética, um dos fatores de risco para a sua ocorrência é a
idade paterna avançada (superior a 40 anos). Aproximadamente, 50% dos indivíduos acometidos não
apresentam pais afetados e representam mutações de novo do gene da NF1. O gene responsável pelo
desenvolvimento da síndrome está localizado no braço longo do cromossomo 17, especificamente na

198
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
posição 17q11.2, possuindo 60 éxons, e codifica uma proteína de 2818 aminoácidos e massa de 327 kDa,
denominada neurofibromina. A maior parte das mutações nesse gene culminam em perda de função
e podem ser de natureza diversa, incluindo trocas de nucleotídeos, inserções ou deleções, mutações
de splicing e deleções completas do gene. Contudo, já foram observadas relações entre o número e a
extensão de mutações e a gravidade da doença. A deleção de todo o gene está atrelada a um curso
patológico mais severo, ao passo que os mosaicismos genéticos geralmente estão associados a formas
mais moderadas da doença. O diagnóstico pré-natal não é disponível no Brasil, mas pode ser realizado e
é plausível, sendo feito em outros países, como a Alemanha, tendo em vista as possíveis manifestações
graves em pacientes antes dos 18 meses.

A neurofibromina é predominantemente expressa em neurônios, células de Schwann, oligodendró-


citos e astrócitos. Essa proteína é uma chamada GAP, que atua estabilizando o proto-oncogene Ras em
sua forma inativa, elemento de diversas vias que culminam em crescimento e proliferação celular, como
mostra a imagem a seguir.

Dessa forma, mutações no gene da neurofibromina resultam em crescimento celular exacerbado,


já que esta para de modular o crescimento da célula. Torna-se simples compreender, portanto, a maior
parte das manifestações clínicas da NF1, como a formação de tumores em diversos sítios do corpo hu-
mano ou a proliferação excessiva de melanócitos que culminam no surgimento das manchas café com
leite ou sarnas em pregas cutâneas. Nesse sentido, uma opção terapêutica que vem sendo estudada é o
tratamento com inibidores da MEK, os quais desempenham um papel no downstream em vias de sinaliza-
ção que envolvem a proteína Ras. Sua inibição poderia, portanto, evitar a proliferação celular exacerbada,
característica da NF1.

Neurofibromatose tipo 2 (NF2)


Contexto
A neurofibromatose tipo 2 é uma síndrome genética rara, de herança autossômica dominante e de
prevalência de, aproximadamente, 1 em cada 33000 nascidos, sendo caracterizada por uma predisposi-
ção ao surgimento de tumorações. Cerca de metade dos casos é ocasionada por mutações de novo, não
herdadas. A mortalidade em virtude dessa patologia vem declinando nos últimos anos, em virtude da
realização de um diagnóstico mais precoce, da realização do tratamento em centros multidisciplinares e
de terapias inovadoras focadas na preservação das funções neurológicas.
Características clínicas
O crescimento dos chamados schwannomas vestibulares (SV), antigamente denominados de
neurinomas do acústico, bilaterais é um achado considerado patognomônico da NF2, presente em
90-95% dos pacientes. O principal objetivo do manejo desses tumores é prevenir a perda de função,
especialmente a auditiva, até porque foi observado que intervenções cirúrgicas em pacientes com NF2

199
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha
Capítulo 11

apresentam ressecção cirúrgica mais desafiadora do que pacientes com SV esporádicos. Para tal, de-
ve-se realizar uma ressecção cirúrgica cuidadosa, e possíveis perdas auditivas podem ser atenuadas
pela realização de reabilitação auditiva e pela inserção de implante coclear ou implante auditivo do
tronco encefálico.

Recentemente, vem sendo estudada a utilização do anticorpo monoclonal bevacizumab, um inibi-


dor do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), como opção terapêutica para os pacientes com
NF2, já que foi evidenciado que os schwannomas vestibulares expressam essa molécula e seu receptor.
Esse tratamento vem sendo associado a uma melhora de cerca de 57% na audição e uma redução tumo-
ral em 55% dos pacientes. Além disso, outros tipos de tumores benignos também são comuns, enquanto
manifestações cutâneas não são tão pronunciadas como na NF1. Tendo em vista que alguns pacientes,
inicialmente, não apresentam schwannomas vestibulares bilaterais pronunciados, há alguns critérios
para auxiliar o estabelecimento do diagnóstico do paciente, presentes no quadro 1 acima.

Em relação aos outros sintomas característicos da NF2, destacam-se o surgimento de outros tu-
mores, inclusive, outros schwannomas, entre eles, schwannomas dos nervos cranianos e dos nervos
periféricos, os quais geralmente são acompanhados de dor e distúrbios motores e sensitivos. Diferen-
temente da NF1, os schwannomas da NF2 dificilmente se transformam em malignos. A ressecção é o
tratamento de escolha para os tumores periféricos. Outro tipo de tumoração comum em pacientes com
NF2 são os meningiomas, e cerca de um quinto de todas as crianças com meningiomas são portadoras
de neurofibromatose.

Ademais, também é comum o surgimento de tumores espinais e ependimomas, especialmente os


intramedulares. É importante salientar que o crescimento dessas tumorações é, majoritariamente, “salta-
tório”, com períodos de grande crescimento intercalados por pausas que podem durar anos. Neuropatia
periférica, catarata subcapsular e outras complicações oculares também podem ocorrer nos portadores
da síndrome.
Principais genes associados à NF2 e suas funções
O gene envolvido com a NF2 (22q11.2) codifica a proteína citoesquelética Merlin, que, em huma-
nos, também atua como fator de supressão tumoral. A perda de função dessa proteína contribui para
incapacidade celular de inibir o crescimento celular, especialmente de células do tecido nervoso, o que
promove a formação tumoral. Isso também está associado com a ativação de vias proliferativas por meio
da modulação da molécula Ras, ligada a alvos também relacionados com a patogênese da NF1. A NF2
também pode ser identificada pelo mesmo mecanismo evidenciado pela NF1.

200
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Schwannomatose

Capítulo 11
Contexto
A schwannomatose (SWN) é uma síndrome com manifestações clínicas semelhantes à NF2,
que somente foi classificada como uma entidade separada das demais a partir do ano 2005. Tem
prevalência de, aproximadamente, 1 em cada 69000 nascimentos, sendo caracterizada como uma
doença genética rara, mas sua prevalência pode ser ainda maior, tendo em vista a grande quantidade
de casos assintomáticos.
Características clínicas
Essa entidade patológica é definida pela ocorrência de múltiplos schwannomas, sem que haja
qualquer estigma de NF2, como schwannomas vestibulares bilaterais, catarata subcapsular e mutação
NF2 identificada no sangue do paciente. Os critérios diagnósticos podem ser vistos no quadro 1.

Em relação aos sintomas, notabilizam-se a dor crônica, muito comum entre os pacientes, e o de-
senvolvimento de schwannomas e outros tumores, que podem desenvolver-se em qualquer momento
da vida. Os schwannomas vestibulares não são comuns nessa doença, e os schwannomas espinais são
vistos em, aproximadamente, 2/3 dos pacientes. Meningiomas também já foram observados nos porta-
dores da doença.

O tratamento consiste na melhoria da qualidade de vida, com ressecção de schwannomas doloro-


sos e funcionalmente limitantes. Além disso, a investigação genética é muito relevante para o estabeleci-
mento do diagnóstico e prognóstico, tendo em vista a heterogeneidade genética da doença.

Principais genes associados à SWN e suas funções

A SWN apresenta mecanismos genéticos muito mais complexos que a NF1 e NF2, com a possi-
bilidade de mutações em diversos genes e probabilidade elevada do surgimento de novas mutações,
variando de 50 a 80%.

Essa síndrome está associada a mutações em inúmeros genes, inclusive, diversas mutações no
gene NF2 já foram encontradas no tecido tumoral de alguns pacientes, embora não identificadas nas cé-
lulas sanguíneas. Também foram identificadas mutações no gene SMARCB1, mas em menor proporção
que no gene LZTR1. Foi observado que a SWN afeta múltiplos membros da mesma família em menos de
20% dos casos, com padrão de herança ainda obscuro, embora alguns autores considerem que a síndro-
me tenha herança autossômica dominante, com penetrância incompleta e expressão variável.

201
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha
Capítulo 11

Painel genético

Figura 11.1. Painel genético da Schwannomatose. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

ADRENOLEUCODISTROFIAS
Contexto
A adrenoleucodistrofia (ALD) é uma desordem metabólica peroxisomal que possui uma apresenta-
ção clínica muito complexa. Ela é causada por mutações no gene ABCD1, o que culmina na acumulação
de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFA) no plasma e nos tecidos. A ALD tem herança genética
ligada ao cromossomo X e é a leucodistrofia mais comum. Sua prevalência é de aproximadamente um
em cada 17000 nascimentos, e não há evidências de que essa prevalência varie com a etnia. Essa doença
foi retratada no filme amplamente conhecido “O óleo de Lorenzo”, dirigido por George Miller.
Características clínicas
A ADL é uma doença progressiva; foi observado que a maior parte dos pacientes já nascem pré-sin-
tomáticos. A primeira manifestação clínica da doença é geralmente a insuficiência adrenal, tipicamente
observada na infância. Já a mielopatia também é muito comum entre os portadores de ADL, comumente
vista em adultos. A desmielinização cerebral progressiva, que resultana chamada ADL cerebral, pode
ocorrer em todas as faixas etárias, como primeira manifestação da doença ou associada à insuficiência

202
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
adrenal e mielopatia. Dado o tipo de herança genética, a doença é muito menos prevalente em mulheres,
e estas apresentam sintomas muito mais tardiamente.

Como supracitado, a insuficiência adrenal primária é uma manifestação preponderante na ALD e


é caracterizada por altos níveis de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e baixos níveis de cortisol, de
forma que os níveis elevados de ACTH promovem hiperpigmentação da pele. O efeito tóxico que a ADL
propicia na glândula suprarrenal ainda não foi plenamente elucidado. Além disso, foi observado que a
função gonadal também pode ser afetada por essa síndrome, pela promoção de hipogonadismo primário,
possivelmente devido à toxicidade nas células de Leydig e Sertoli.

Outra manifestação muito relevante da ALD é a mielopatia, geralmente caracterizada por dis-
túrbios progressivos de marcha, em virtude de paraparesia espástica e ataxia sensorial. Ademais,
disfunções da bexiga são quase invariavelmente presentes, as quais progridem para incontinência
completa. Em mulheres, a mielopatia surge em idades mais avançadas que nos homens. Além disso,
a neuropatia periférica, principalmente a sensório-motora axonal, é frequentemente manifestada em
pacientes com ALD.

Paralelamente, homens com ALD apresentam risco de desenvolver lesões desmielinizantes na


substância branca cerebral, caracterizando a chamada ALD cerebral. Diferentemente de outras manifes-
tações, a ALD cerebral está atrelada à associação entre a mutação genética característica da síndrome
com inúmeras variantes genéticas e fatores ambientais, inclusive, traumas na cabeça, por exemplo, já
foram apontados como possíveis gatilhos para tal. As lesões começam tipicamente no esplênio do corpo
caloso e, posteriormente, são expandidas gradualmente para a substância branca periventricular e oc-
cipital. Os sintomas associados a isso dependem do local da lesão, mas, em crianças em idade escolar,
os primeiros sintomas costumam ser déficits cognitivos e problemas comportamentais, cursando, até
mesmo, com o surgimento do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Quando as lesões
evoluem, sinais de lesão piramidal, dificuldade visual central e convulsões podem ocorrer. A ALD cerebral
é considerada implacavelmente progressiva e, quando não tratada, leva a uma grave desabilidade e à
morte em média 2 anos após o início dos sintomas. Essa manifestação é extremamente rara em mulhe-
res com ALD.

Outras manifestações da ALD que podem ser destacadas são: cabelo fino e escasso, calvície pre-
coce, usualmente antes dos 20 anos, além de sintomas neuropsiquiátricos mesmo sem a presença de
desmielinização cerebral. A partir da suspeita clínica de ALD, o diagnóstico pode ser confirmado por meio
da mensuração dos níveis plasmáticos de VLCFA e da análise de possível mutação no gene ABCD1. O
espectro clínico da ALD, ao longo do tempo, pode ser visto na figura abaixo.

203
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha
Capítulo 11

Figura 11.2. Faixa de progressão das manifestações clínicas nas adrenoleucodistrofias. (Adaptado de Fleury Medicina e Saúde).

Em relação ao tratamento, deve ser realizada suplementação de glicocorticoides, caso o paciente tenha
desenvolvido insuficiência adrenal primária. Contudo, a única intervenção terapêutica para a ALD cerebral é o
transplante de células tronco hematopoiéticas, mas o resultado do procedimento somente é significativo se
for realizado em estágios iniciais da doença. Outra opção terapêutica, que, embora não seja comprovadamente
eficaz na melhoria da função neurológica e endócrina, é capaz de melhorar a qualidade de vida, é a ingestão do
chamado “Óleo de Lorenzo”. Descoberto por Augusto Odone, o pai de uma criança com ALD, esse óleo é com-
posto pela mistura de ácido oleico e erúcico, ambos na forma de triglicerídeos, o qual é capaz de normalizar os
níveis de ácido hexacosanoico (C26:0), um tipo de VLCFA, dentro de aproximadamente um mês, na maioria dos
pacientes com ALD. Contudo, esse tratamento não afeta os níveis de C26:0 no sistema nervoso central, mas
seu uso precoce foi capaz de evitar o desenvolvimento de ALD cerebral.

Principais genes associados à ALD e suas funções

Todos os pacientes com ALD carregam uma mutação no gene ABDC1, o qual possui 10 éxons. Essa
desordem é herdada por um padrão ligado ao cromossomo X e somente cerca de 4% dos pacientes são afeta-
dos por mutações de novo, indicando que a mutação ocorre na linhagem germinativa. O ABCD1 codifica uma
proteína transmembrana peroxissomal de 745 aminoácidos, que possui a estrutura geral de transportadores
ABC (ATP-binding cassette), denominada ALDP. Essa é uma proteína integral da membrana peroxissomal, com
domínio de ligação de ATP localizado na superfície citoplasmática da membrana. A ALDP transporta VLCFA-
-CoA para a matriz peroxissomal, o qual será degradado por beta-oxidação.

Mesmo com a deficiência de ABDC1, os genes ABDC2 e ABCD3 também codificam um tipo de transpor-
tador de VLCFA-Coa, o que justifica a existência de B-oxidação peroxissomal residual em alguns pacientes que
apresentam esses genes superexpressos. Dessa forma, com a diminuição da beta-oxidação peroxissomal, há
um aumento dos níveis de VLCFA-CoA, que se acumulam no citoplasma e passam a ser alongados por ação

204
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
da elongase de ácidos graxos de cadeia muito longa 1 (ELOVL1), o que aumenta a incorporação de VLCFA
em lipídios complexos. Logo, uma das estratégias terapêuticas que podem ser desenvolvida é a inibição da
atividade da ELOV1, realizada, por exemplo, pelo fármaco bezafibrato, o qual realiza inibição competitiva da
ELOV1, reduzindo, portanto, a síntese de novo da C26:0 em fibroblastos humanos, mas não em leucócitos, o que
dificulta a obtenção de níveis terapêuticos in vivo.

Os VLCFA, a exemplo do ácido hexacosanoico e tetracosanoico, são extremamente hidrofóbicos e com


propriedades fisiológicas distintas em relação aos ácidos graxos de cadeia longa. O papel exato desses ácidos
graxos na patogênese da ALD ainda não foi plenamente elucidado, mas sabe-se que a exposição tecidual ex-
cessiva, especialmente ao ácido hexacosanoico, induz a geração de espécies reativas de oxigênio, despolariza-
ção mitocondrial in situ, e desregulação da homeostase de cálcio intracelular. No entanto, novos achados têm
sugerido que a deficiência de ALDP poderia afetar outras funções celulares, além do metabolismo de VLCFA,
como a modificação estrutural do endotélio presente no tecido cerebral, promovendo maior transmigração de
monócitos, observado em estudos in vitro, por exemplo.

O diagnóstico de meninos com ALD por meio da triagem neonatal não está disponível no Brasil nem
mesmo na rede privada, mas já é realizado rotineiramente nos EUA. Esse é muito importante para a detec-
ção precoce de insuficiência adrenal, a fim de fornecer reposição de corticoides de forma precoce e permitir
uma identificação precoce da ALD cerebral, aumentando as chances de sucesso com a realização do trans-
plante hematopoiético de células tronco.

Painel genético

Figura 11.3. Painel genético da adrenoleucodistrofia. (Adaptado de Genomika).

205
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Síndrome de Rett
Capítulo 11

Contexto
A síndrome de Rett (RTT) foi descrita, pela primeira vez, pelo neurologista pediatra austríaco An-
dreas Rett, após observar e examinar duas pacientes do sexo feminino com estereotipias idênticas nas
mãos, em sua sala de espera. Atualmente, a RTT é conhecida como uma desordem neurológica rara e
progressiva, que afeta, principalmente, meninas, com prevalência de 1:10000-15000 meninas nascidas.
O diagnóstico clínico da síndrome é pautado no cumprimento de critérios de inclusão e exclusão, que
envolvem a manifestação de sintomas tanto neurológicos, quanto metabólicos.

Características clínicas

Os sintomas característicos da síndrome de Rett incluem perda da fala adquirida e de habilidades


motoras, movimentos repetitivos nas mãos, irregularidades respiratórias e convulsões. Pacientes com
RTT também podem sofrer com episódios esporádicos de problemas gastrointestinais, hipoplasia, oste-
oporose precoce, bruxismo e crises de choro. Os sintomas dessa síndrome se manifestam, progressiva-
mente, de acordo com estágios, como se mostra seguir:

Fase I: estagnação Fase II: regressão rápida

-Atraso do desenvolvimento progressivo - Perda de habilidades motoras e de lingua-


-Hipotonia gem adquiridas
-Início de microcefalia -Movimentos estereotipados e repetitivos nas
Duração: semanas a meses mãos
-Aparecimento de irregularidade respiratórias
-Piora da microcefalia
-Possíveis convulsões
Duração: semanas a meses, até 1 ano

Fase III: Pseudoestagnação Fase IV: deterioração motora

-Apraxia/dispraxia proeminente nas mãos -Inabilidade física severa


Convulsões comuns -Distonia e bradicinesia
Duração: anos a décadas Escoliose
Dependência de cadeira de rodas
Nem todos progridem para essa fase
Duração: décadas

206
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
O começo da progressão da doença se inicia aproximadamente aos seis meses de vida, com fase I
ocorrendo dos 6 aos 18 meses de vida da criança, fase II podendo ocorrer de 1 a 4 anos, fase III podendo
ser iniciada aos 2 anos e durar por toda vida e fase IV iniciando aos 10 anos e permanecendo por toda a
vida, embora nem todos os acometidos alcancem essa fase.

É importante ressaltar que muitas crianças com RTT apresentam o volume cerebral reduzido,
por redução do corpo celular neuronal nas camadas III e IV do córtex cerebral, tálamo, substância ni-
gra, núcleos da base, amígdala, cerebelo e hipocampo, apresentando, até mesmo, hipopigmentação da
substância nigra. Ademais, complicações metabólicas são comuns, e inúmeros pacientes apresentam
dislipidemia, elevação dos níveis plasmáticos de leptina e adiponectina, hiperamonemia e inflamação da
vesícula biliar. Também foram observadas mudanças no metabolismo cerebral de carboidratos e de neu-
rometabólitos associados com a integridade cerebral e o turnover da membrana da célula. Além disso, foi
observado funcionamento mitocondrial inadequado em alguns pacientes com RTT.

O tratamento para essa síndrome é limitado ao controle sintomático. É importante atentar para
complicações ortopédicas, controle de convulsões e da nutrição dos pacientes, possibilitando, dessa
forma, maior sobrevida para os acometidos. Contudo, os pacientes com RTT apresentam uma taxa de
mortalidade de 26%, muito maior do que pessoas saudáveis, e tipicamente morrem em virtude de infec-
ções respiratórias, instabilidade cardíaca e falha respiratória

Principais genes associados à síndrome de Rett e suas principais funções

A síndrome de Rett é uma anomalia genética rara causada pela mutação do gene MECP2,
localizado no cromossomo X, especificamente em Xq28 e codificado por quatro éxons. Foram identi-
ficados diversos tipos de mutações em MECP2 nos portadores da síndrome, como mutação Missen-
se, frameshift, nonsense, inserções, duplicações e deleções, e as mutações nesse gene contribuem
para cerca de 95% dos casos típicos de RTT. Os pacientes com RTT são heterozigotos para a muta-
ção MECP2. Cerca de 99,5% dessas mutações ocorrem de novo, ou seja, são alterações que surgem
em indivíduo sem que nenhum dos seus progenitores apresente a mesma alteração, geralmente no
cromossomo X de origem paterna, o que explica a maior prevalência da síndrome em meninas, já
que os meninos herdam o cromossomo Y dos pais. Pode haver, ainda, mutações da CDKL5 e FOXG1
em alguns casos atípicos de RTT. A mutação em MECP2 também foi associada à deficiência intelec-
tual, autismo e lúpus eritematoso.

A proteína codificada pelo gene MECP2, a MeCP2, é uma proteína nuclear abundante expressa
em todos os tecidos humanos, especialmente no Sistema Nervoso Central e é uma grande regula-
dora da transcrição gênica. A MeCP2 é expressa em baixos níveis durante o período pré-natal, mas
aumenta progressivamente durante a maturação neuronal e o alcance da sinaptogênese, atingindo
seu pico em neurônios pós-migratórios maduros, o que sugere que a MeCP2 participa da manuten-

207
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha
Capítulo 11

ção da maturação, atividade neuronal e neuroplasticidade. A expressão gradual da MeCP2 pode,


também, explicar o motivo pelo qual os sintomas da síndrome de Rett só começam a surgir a partir
dos seis meses de vida.

Tendo em vista a importância da MeCP2 para a modulação da transcrição gênica não somente no
SNC, mas em todos os tecidos do corpo humano, sua disfunção também culmina em muitas anormalida-
des metabólicas, principalmente por modificação do metabolismo de lipídios. Entre essas, destacam-se a
modificação do metabolismo de carboidratos e o aumento de piruvato e lactato no LCR, a inflamação da
vesícula biliar, o aumento dos níveis de leptina, piruvato e lactado no sangue, além da redução dos níveis
de grelina sanguíneos e hiperamonemia.

Painel genético

Figura 11.4. Painel genético da doença de Rett e Angelman e síndromes relacionadas. (Adaptado de DNA Clinic).

208
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Questões

Capítulo 11
1. Considere um paciente, com 22 anos de idade, com hipoacusia neurosensorial bilateral em que, na
imagem de RNM, é detectado tumor em ambos os nervos otoacústicos. Com base nesse caso clínico,
assinale a opção que apresenta a provável patologia.

A) Neurofibromatose do tipo I
B) Neurofibromatose do tipo II
C) Esclerose tuberosa
D) Meningioma
E) Ependimoma

2. O termo mielodisplasia compreende um grupo bastante heterogêneo de distúrbios mais ou menos


malignos da medula óssea. Todas essas doenças, apesar de terem características histológicas e
morfológicas semelhantes, são produto da expansão de um clone de células progenitoras hemato-
poéticas mutantes. Na infância, existem distúrbios constitucionais e defeitos associados a genes
que predispõem à síndrome mielodisplásica. Com base nesse assunto, assinale a opção que exibe a
associação correta.

A) Síndrome de Kostman — gene PTPN 11.


B) Anemia de Fanconi — gene ELA2.
C) Síndrome de Noonan — gene NF1.
D) Trissomia 21 (mosaicismo) — gene GATA1.
E) Neurofibromatose tipo 1 — gene FANC A-G.

3. Um paciente com 7 anos de idade apresentou crise convulsiva associada a retardo mental leve. A ec-
toscopia apresentou manchas hipopigmentadas em forma de folha, adenomas sebáceos, placas de
Shagreen na região sacral e, no fundo de olho, lesão em amora. Na tomografia computadorizada (TC),
observou-se calcificação do tipo gotejamento de cera de vela. Nesse caso, a patologia desse paciente
pode ser

A) sequela de infecção de infecção pelo CMV.


B) síndrome de Sturge-Weber.
C) esclerose tuberosa.
D) ataxia telangiectasia.
E) sífilis congênita.

209
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha
Capítulo 11

4. A neurofibromatose tipo 2 é uma patologia de caráter hereditário, autossômica dominante cujo gene
está no cromossoma 22. Essa patologia desperta interesse na neurocirurgia pediátrica porque

A) há angiomatose disseminada em um hemisfério cerebral.


B) a associação com aneurismas de veia de Galeno é comum.
C) pode apresentar hamatomas cerebrais e tumores subependimários.
D) o portador geralmente apresenta gliomas de vias ópticas, tumor característico dessa facomatose.
E) o paciente apresenta tumores bilaterais do oitavo nervo.

5. Assinale a opção em que são apresentados os subgrupos do DSM-IV para transtornos invasivos de
desenvolvimento.

A) Transtorno autista, transtorno de Asperger, autismo atípico, outros transtornos desintegrativos da


infância e outros transtornos globais do desenvolvimento.
B) Transtorno autista, síndrome de Rett, transtorno de Asperger, autismo atípico e outros transtornos
desintegrativos da infância.
C) Autismo infantil, autismo atípico, síndrome de Rett, síndrome de Asperger, outros transtornos de-
sintegrativos da infância e outros transtornos globais do desenvolvimento.
D) Autismo infantil, autismo atípico, síndrome de Rett, síndrome de Asperger, outros transtornos de-
sintegrativos da infância, outros transtornos globais do desenvolvimento, transtornos globais não
especificados do desenvolvimento
E) Transtorno autista, síndrome de Rett, transtorno de Asperger, transtorno desintegrativo da infância
e transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação.

6. Um menino, com 4 anos de idade, foi levado ao médico pela mãe, dadas mudanças significativas de
comportamento nos últimos três meses. Ele apresentou, inicialmente, sintomas de agitação e ansieda-
de e, após algumas semanas, seu comportamento regrediu muito em diversas áreas, o menino parou
de falar, urinava e evacuava nas roupas e não se socializava ou interagia com as pessoas. A criança
apresentou um desenvolvimento neuropsicomotor adequado até o momento em que os pais notaram
as mudanças de comportamento. O menino era sociável, falante, e brincava normalmente com outras
crianças. Na avaliação médica (exames laboratoriais, exames de imagem, eletroencefalograma), não foi
detectada nenhuma alteração fisiológica. Nessa situação, o diagnóstico mais provável é de

A) transtorno desintegrativo da infância.


B) retardo mental.
C) transtorno depressivo.
D) autismo.
E) transtorno de Rett.

210
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
7. Camila, de 24 meses de idade, foi levada ao consultório do neuropediatra com o seguinte quadro:
regressão da fala havia cerca de oito meses, baixo padrão comunicacional, uso estereotipado das
mãos, desaceleração do crescimento cefálico, apraxia de marcha, convulsão e padrão respiratório
irregular. Camila era totalmente normal antes do início dos sintomas. Organomegalia ou outros sinais
de doença de depósito, nem alterações oftalmológicas não estão presentes. Com relação a esse caso
clínico, assinale a opção que apresenta a principal hipótese diagnóstica.

A) Síndrome de Canavan.
B) Síndrome de Pelizaeus-Merzbacher.
C) Síndrome de Asperger.
D) Síndrome de Sotos.
E) Síndrome de Rett.

8. Um paciente, com 18 anos de idade, apresenta síndrome clínica caracterizada por oftalmoplegia ex-
terna progressiva e retinose pigmentar. De acordo com o quadro clínico apresentado, assinale a op-
ção que apresenta a patologia mais provável nesse caso.

A) Doença de Kearns-Sayre.
B) Doença de Refsum.
C) MELAS
D) Spru celíaco.
E) Adrenoleucodistrofia.

9. A adrenoleucodistrofia

A) apresenta lesões que realçam após a injeção venosa de meio de contraste.


B) não afeta o desempenho mental.
C) cursa com ataxia.
D) é típica em idosos (>60 anos).
E) apresenta hipertrofia do corpo caloso.

10. Assinale a opção que apresenta a síndrome descrita como sendo a associação entre hemangioma
capilar e trombocitopenia e que é composta por hemangiomas tuberosos extensos, proliferativos,
que crescem rapidamente durante o primeiro ano de vida.

A) Síndrome de Maffucci.
B) Síndrome de Kasabach-Merritt.
C) Síndrome de Sturge-Weber.
D) Síndrome de Klippel-Trenaunay.
E) Síndrome de Parkes Weber.

211
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira
Um Guia Prático de Pesquisa Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Referências
Capítulo 11

1. Antonio J, Goloni-Bertollo E, Tridico L. Neurofibromatosis: chronological history and current issues.


Anais Brasileiros de Dermatologia. 2013;88(3):329-343.

2. Engelen M, Kemp S, Poll-The B. X-Linked Adrenoleukodystrophy: Pathogenesis and Treatment. Current


Neurology and Neuroscience Reports. 2014;14(10).

3. Farschtschi S, Mautner V, Lawson McLean A, Schulz A, Friedrich R, Rosahl S. The Neurofibromatoses.


Deutsches Aerzteblatt Online. 2020;.

4. Kemp S, Huffnagel I, Linthorst G, Wanders R, Engelen M. Adrenoleukodystrophy – neuroendocrine


pathogenesis and redefinition of natural history. Nature Reviews Endocrinology. 2016;12(10):606-615.

5. Kyle S, Vashi N, Justice M. Rett syndrome: a neurological disorder with metabolic components. 2021.

212
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett
Júlio César Claudino dos Santos | Leandro Freitas Oliveira PRINCÍPIOS DE NEUROGENÉTICA
Laís Damasceno Rodrigues | Afonso Rocha Eisele Um Guia Prático de Pesquisa
Caroline Meneses Resende | Samuel de Osterno Façanha

Capítulo 11
O
livro Princípios de Neurogenética – Um Guia de Pesquisa Prático
tem como objetivo propagar o conhecimento da neurogenética
no contexto das principais doenças neurológicas no âmbito da
pesquisa em neurociências e/ou clínico neurológico. O conteúdo foi pensado
para o público que tem interesse na iniciação à neurogenética como um guia
prático, de linguagem didática e acessível àqueles que querem enveredar em
uma das ciências mais complexas que compõe a neurologia e a neurociên-
cias. Ainda nesse sentido, por meio do conhecimento técnico-científico dos
autores, os capítulos abordam as principais doenças neurogenética em que
descreve seus mecanismos genéticos, fisiopatológicos e os principais acha-
dos clínico-radiológicos. Um livro pensado de professores para alunos.

Júlio C. C. Santos
Leandro F. Oliveira

213
RASopatias, Adrenoleucodistrofias eSíndrome de Rett

Você também pode gostar