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Neurologia

Neurocirurgia
A prática clínica e cirúrgica por meio de casos

Coordenadores

Eliova Zukerman
Reynaldo A. Brandt

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A L B E R T E IN ST E IN
S ociedade beneficente israelita brasileir A pontos
HOSPITAL • ENSINO E PESQUISA • RESPONSABILIDADE SOCIAL
Neurologia e Neurocirurgia
a prática clínica e cirúrgica
por meio de casos
Neurologia e Neurocirurgia
a prática clínica e cirúrgica
por meio de casos
Hospital Israelita Albert Einstein

coordenadores
Eliova Zukerman
Reynaldo A. Brandt

ALBERT EINSTEIN
S ociedade b en eficen te israelita brasileirA
Vtanole HOSPITAL • ENSINO E PESQUISA • RESPONSABILIDADE SOCIAL
Copyright © 2011 Editora Manole Ltda., por meio de contrato de edição com a Sociedade Beneficente Israelita
Brasileira Albert Einstein (SBIBAE).

Logotipo: Copyright © Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SBIBAE).

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Capa: Hélio de Almeida.
Imagens do miolo: gentilmente cedidas pelos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Neurologia e neurocirurgia: a prática clínica e


cirúrgica por meio de casos / coordenadores Eliova
Zukerman, Reynaldo A. Brandt. - Barueri, SP : Manole, 2011.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-204-5231-8

1. Doenças do sistema nervoso 2. Neurologia


3. Neurocirurgia I. Zukerman, Eliova. II. Brandt, Reynaldo A.

CDD-617.48
-616.8
10-11262 N L M -W L 100

índices para catálogo sistemático:


1. N eurocirurgia: Medicina 617.48
2. N eurologia: Medicina 616.8

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I a edição - 2011

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Printed in Brazil

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São de responsabilidade dos autores e dos coordenadores as informações contidas nesta obra.
A Neurologia e a Neurocirurgia são áreas do conhecimento em constante evolução e
transformação. As informações contidas neste livro devem ser consideradas resultado do
conhecimento atual. Contudo, de acordo com as novas pesquisas e experiências clínicas, algumas
alterações no tratamento e na terapia medicamentosa tornam-se necessárias ou adequadas. Os
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a ser administrado, verificando a dose recomendada, o modo e o período da administração, as
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posteriores a esta publicação. É de responsabilidade do médico, com base em sua experiência e seu
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particular. Os coordenadores, os autores e a Editora Manole não assumem responsabilidade por
quaisquer prejuízos ou lesões a pessoas ou propriedades.
autores

Abram Topczewski
Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Mestre em Neurologia
pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Doutor em Neurociências
pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp).
Neurologista da Infância e Adolescência do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).

Alexandre Ottoni Kaup


Neurologista do HIAE. Doutor em Neurologia pela UNIFESP/Fellow pela Houston Headache
Clinic. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia.

Alexandre Pieri
Mestre em Neurologia pela UNIFESP.

Amâncio Ramalho Júnior


Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. Professor-assistente da Disciplina
Anatomia Descritiva Topográfica do Departamento de Morfologia da UNIFESP.

Ana Claudia Ferraz de Almeida


Especialista em Neurologia e Mestre em Medicina pela UNIFESP.

VII
VIII neurologia e neurocirurgia HIAE

Antonio Capone Neto


Especialista em Medicina Intensiva e Clínica Médica pela Unicamp. Mestrado e Doutorado em
Medicina pela Unicamp.

Carlos Dzik
Oncologista Clínico pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e pelo HIAE.

Carlos Senne
Especialista em Patologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina
Laboratorial (SBPC/ML). Professor Instrutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP). Membro Fundador da Sociedade Brasileira de
Infectologia (SBI). Membro Fundador do Departamento Científico de Líquido Cefalorraquidiano
da Academia Brasileira de Neurologia.

Charles Peter Tilbery


Especialista, Mestre e Doutor em Neurologia pela UNIFESP. Professor Titular da Disciplina
Neurologia da FCMSCSP.

Christiano da Cunha Tanuri


Neurologista da Disciplina Neurologia do Comportamento do Departamento de Neurologia da
UNIFESP.

David Salomão Lewi


Doutor em Infectologia pela UNIFESP. Professor Adjunto da Disciplina Infectologia do
Departamento de Medicina da UNIFESP.

Délio Eulálio Martins Filho


Mestre em Ciências e Médico-assistente do Grupo da Coluna Vertebral do Departamento de
Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP.

Eduardo Noda Kihara


Médico neurointervencionista do HIAE. Membro do Colégio Brasileiro de Radiologia e
Diagnóstico por Imagem (CBR), da Sociedade Brasileira de Neurorradiologia Diagnóstica e
Terapêutica (SBNRDT) e da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia
Endovascular (Sobrice).

Eduardo Weltman
Médico-assistente do Serviço de Radioterapia do HIAE. Professor Doutor da Disciplina
Radioterapia da FMUSP.
autores IX

Eliova Zukerman
Professor Adjunto da UNIFESP. Vice-Presidente do Conselho Deliberativo do HIAE.

Fernanda Teresa de Lima


Mestre em Morfologia Genética pela UNIFESP. Doutora em Ciências pela UNIFESP.

Fernando Morgadinho Santos Coelho


Neurologista-contratado do HIAE. Especialista em Neurologia e em Medicina do Sono
pela UNIFESP. Mestre e Doutor em Medicina do Sono pela UNIFESP. Pós-doutorando da
Universidade de Toronto, Canadá.

Friedrich Theodor Simon


Médico do Corpo Clínico do HIAE. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Associação
Médica Brasileira (AMB).

Guilherme Carvalhal Ribas


Doutor em Neurologia pela FMUSP. Professor Livre-docente da Disciplina Topografia Estrutural
Humana do Departamento de Cirurgia da FMUSP.

Guilherme Junqueira
Médico Neurologista do HIAE.

Gustavo Guimarães Protti


Neurologista da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP). Mestre em
Medicina pela FCMSCSP. Membro da Academia Brasileira de Neurologia.

Hallim Feres Jr.


Neurocirurgião do HIAE.

Ivan Hideyo Okamoto


Mestre e Especialista em Neurologia pela UNIFESP. Doutor em Medicina com Área de
Concentração em Neurologia pela UNIFESP.

João Radvany
Neurologista e Neurorradiologista do HIAE. Especialista em Neurologia pela American Board
of Psychiatry and Neurology. Fellow Member da Academia Americana de Neurologia. Membro
Titular da Academia Brasileira de Neurologia.
X neurologia e neurocirurgia HIAE

Keila Narimatsu
Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Médica-assistente da
Disciplina Neurologia do Departamento de Medicina da ISCMSP. Membro da Academia
Brasileira de Neurologia.

Leandro Cortoni Calia


Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Mestre e Doutor em
Medicina pela UNIFESP. Professor da Disciplina Clínica Médica da Universidade de Santo
Amaro (Unisa).

Luiz Augusto Franco de Andrade


Doutor em Neurologia pela UNIFESP. Professor Livre-docente de Neurologia da UNIFESP.
Pesquisador do Instituto do Cérebro (Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa - IIEP) do HIAE.

Luiz Paulo Queiroz


Neurologista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Cefaleia pelo
The New England Center for Headache (Stamford - Estados Unidos). Doutorando em Neurologia
pela UNIFESP. Supervisor do Programa de Residência Médica em Neurologia do Hospital
Governador Celso Ramos. Membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) e da International
Headache Society.

Marcelo Calderaro
Especialista em Neurologia pelo Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Membro Titular da
Academia Brasileira de Neurologia.

Marcelo Wajchenberg
Doutor em Ciências pela UNIFESP. Médico-assistente do Grupo de Coluna Vertebral do
Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP.

Márcia Camignani
Neurorradiologista do HIAE. Membro do American College of Radiology. Membro da SBNRDT.

Mario Fernando Prieto Peres


Pesquisador Sênior do HIAE. Professor do Curso de Pós-graduação da UNIFESP.

Mario Sérgio Duarte Andrioli


Especialista em Neurocirurgia pelo HC-FMUSP. Membro da Sociedade Brasileira de Neurologia
e da SBNRDT.
autores XI

Monique Bueno Alves


Especialista em Enfermagem em Emergências pela UNIFESP.

Orlando Graziani Povoas Barsottini


Professor Afiliado-doutor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP.
Coordenador dos Setores de Neurologia Geral e Ataxias da Disciplina Neurologia Clínica da
UNIFESP. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia e da The Movement Disorders
Society. Pesquisador do Instituto do Cérebro - IIEP do HIAE.

Pedro Camilo de Almeida Pimentel


Neurologista do HIAE. Especialista em Neurologia pela UNIFESP.

Reynaldo A. Brandt
Especialista em Neurocirurgia pela ISCMSP. Neurocirurgião do HIAE. Membro Titular da SBN,
da American Association of Neurological Surgeons, do Congress of Neurological Surgeons, Ex-
fellow da Lahey Clinic, Massachussets, EUA. Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade
Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein.

Roberto Naum Franco Morgulis


Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Mestre em Neurologia
Clínica pela UNIFESP.

Rodrigo Meirelles Massaud


Médico Neurologista da Unidade de Primeiro Atendimento (UPA) do HIAE. Especialista em
Distúrbios do Movimento pela UNIFESP.

Rodrigo Barbosa Thomaz


Médico Neurologista do Centro de Atendimento e Tratamento de Esclerose Múltipla (CATEM).
Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia e Associação Médica Brasileira
(AMB). Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de Julho (Uninove).

Rudolf Uri Hutzler


Professor-associado e Livre-docente da FMUSP.
XII neurologia e neurocirurgia HIAE

Sandro Luiz de Andrade Matas


Médico Neurologista. Mestre e Doutor em Neurologia pela UNIFESP. Professor Afiliado
do Departamento de Medicina, Setor de Medicina Laboratorial da UNIFESP. Neurologista
Coordenador dos Ambulatórios de Líquido Cefalorraquidiano e Doenças Neuro-infecciosas da
Disciplina Neurologia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP.

Suzana M. Fleury Malheiros


Médica-assistente, Doutora em Medicina pela UNIFESP. Coordenadora do Setor de Neuro-
-oncologia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP. Consultora do
Programa de Neuro-oncologia do HIAE.

Yára Dadalti Fragoso


Professora Titular de Neurologia da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes). Mestre e
Doutora em Ciências Médicas pela University of Aberdeen, Escócia.
sumário

Apresentação................................................................................................................................................XVII

Parte 1 - Neuroclínica

Seção 1 - Acidente Vascular Cerebral


1. Trombólise endovenosa no acidente vascular cerebral isquêmico........................................................3

2. Trombólise intra-arterial e tratamento endovascular no acidente vascular


cerebral isquêmico........................................................................................................................................... 21

3. Tratamento do acidente vascular cerebral hemorrágico......................................................................... 33

4. Dissecção de vasos c ervica is ....................................................................................................................... 43

5. Amnésia global transitória..............................................................................................................................59

Seção 2 -E p ile p sia


6. Espasmos in fa n tis ........................................................................................................................................... 73

XIII
XIV neurologia e neurocirurgia H I AE

Seção 3 -C e fa le ia
7. Cefaleia na unidade de em ergência............................................................................................................. 87

8. Enxaqueca crônica........................................................................................................................................... 99

9. Tratamento preventivo da enxaqueca........................................................................................................ 107

10. Cefaleia do tipo tensional (CTT).................................................................................................................. 115

Seção 4 - Síndromes Extrapiramidais


11. Doença de Parkinson (inicial e flutuações).............................................................................................. 131

12. Distonias......................................................................................................................................................... 145

13. Ataxias.............................................................................................................................................................153

Seção 5 - Esclerose Múltipla


14. Esclerose múltipla......................................................................................................................................... 163

Seção 6 -D em ências
15. Doença de Alzheim er.................................................................................................................................. 177

16. Demência frontotemporal............................................................................................................................189

Seção 7 - Infecções
17. Neuroaids...................................................................................................................................................... 199

18. Encefalite do troncocerebral de Bickerstaff...........................................................................................207

Seção 8 - Casos Clínicos Pouco Frequentes


19. Encefalopatia de Hashim oto..................................................................................................................... 215

20. Rombencefalite por Listeria monocytogenes em adulto jovem imunocompetente......................... 225

21. Doença priônica............................................................................................................................................ 233

22. Neuro-histoplasmose.................................................................................................................................. 243

23. Doença de Vogt-Koyanagi-Harada (VKH)................................................................................................. 251


sumário XV

Parte 2 - Neurocirurgia

Seção 9 -C o lu n a
24. Análise crítica da abordagem diagnostica e terapêutica da degeneração discai a partir de

evidências científicas.................................................................................................................................. 263

25. Estenose lombar no idoso............................................................................................................................279

26. Instrumentação cirúrgica na espondilose lombar - avaliação c r ít ic a ............................................. 295

Seção 10 - Tumores Cerebrais


27. Tratamento do glioblastoma multiforme - abordagem atual e perspectivas.................................309

28. Oncogenética em neurofibromatose tipos I e II - aplicações práticas...........................................325

29. Rádio e quimioterapia no tratamento dos gliomas de baixo g ra u .....................................................341

30. Protocolo para o tratamento de metástases cereb ra is ..................................................................... 353

Seção 11 - Acidente Vascular Cerebral


31. Tratamento endovascular dos aneurismas saculares intracranianos................................................ 375

32. Tratamento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas...................................... 391

33. Craniectomia descompressiva no AVC isquêmico m a lig n o .................................................................409

Seção 1 2 -O u tro s
34. Hidrocefalia de pressão normal idiopática (HPNI)............................................................................... 427

35. Terapia intensiva no traumatismo cranioencefálico g r a v e ...............................................................443

índice Remissivo 473


apresentação

Por que editar mais um livro com temas de neurologia e neurocirurgia?


Quando fomos convidados a organizar esta edição, fizemo-nos essa pergunta, uma vez
que a facilidade de se obter informações por meios eletrônicos poderia colocar em cheque
essa necessidade. Apesar disso, concluímos ser indispensável a publicação de material ade­
quadamente selecionado e organizado com base em casos clínicos e cirúrgicos reais.
Convencemo-nos de que poderíamos oferecer um texto atualizado, útil e aplicável à
prática médica diária, servindo de guia para neurologistas, neurocirurgiões, enfermei­
ros, fisioterapeutas, fonoterapeutas e demais profissionais da neurociência, que atuam no
diagnóstico e no tratamento de pacientes com afecções do sistema nervoso. Procuramos,
igualmente, desenvolver um texto que sirva aos residentes dessas áreas, preparando-os
para enfrentar as provas de obtenção dos respectivos títulos de especialistas.
A presente obra abrange os mais variados temas da neurologia e da neurocirurgia, que
foram divididos nos seguintes grupos:

Grupo 1 - Acidente Vascular Cerebral - contém as descrições dos métodos atuais de


tratamento, como a trombólise endovenosa ou intra-arterial; o tratamento atual dos
acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos e das dissecções arteriais cervicais, e a
amnésia global transitória completam este grupo de patologias vasculares cerebrais.
Grupo 2 - Epilepsia - enfoca especificamente os espasmos infantis.

XVII
XVIII neurologia e neurocirurgia HIAE

Grupo 3 - Cefaleia - um assunto fundamental na prática clínica, descreve as caracte­


rísticas de cada um dos tipos de cefaleia, com o respectivo diagnóstico e tratamento,
inclusive na sala de emergência.
Grupo 4 - Síndromes extrapiramidais - destaca os aspectos iniciais e as flutuações da
doença de Parkinson, das distonias e das ataxias.
Grupo 5 - Esclerose múltipla
Grupo 6 - Demências - elucida um problema de importância e complexidade crescen­
tes na prática clínica, em particular as demências de Alzheimer e frontotemporal.
Grupo 7 - Infecções - dedica um capítulo inteiro à neuroaids.
Grupo 8 - Casos clínicos pouco frequentes - descreve e revisa a literatura médica
de casos incomuns, como a encefalite do tronco cerebral de Bickerstaff, a encefalite
de Hashimoto, a rombencefalite por listeriose, a doença priônica, a histoplasmose e a
doença de Vogt-Koyanagi-Harada.
Grupo 9 - Afecções da coluna vertebral - faz uma análise crítica da abordagem diag­
nóstica e terapêutica das discopatias degenerativas, da estenose lombar do idoso e da
instrumentação cirúrgica no tratamento da espondilose lombar.
Grupo 10 - Tumores cerebrais - traz os aspectos atuais do tratamento do glioblastoma
multiforme, da oncogenética da neurofibromatose, do papel da rádio e da quimiotera­
pia no tratamento dos gliomas de baixo grau, além de apresentar um protocolo para a
abordagem das metástases cerebrais.
Grupo 11 - Acidente vascular cerebral - apresenta as diversas formas de tratamento
dos aneurismas intracranianos e das malformações arteriovenosas encefálicas, e as in­
dicações para a craniectomia descompressiva no infarto cerebral maligno.
Grupo 12 - Outros - atualiza sobre o diagnóstico e o tratamento da hidrocefalia de
pressão normal idiopática e o tratamento intensivo dos traumatismos cranioencefáli-
cos graves.

Cada um dos capítulos segue um padrão, com a finalidade de uniformizá-los, facili­


tando a leitura e a compreensão dos textos. No final de cada capítulo, o leitor encontra os
pontos relevantes discutidos e algumas questões para autoavaliar-se.
Estamos seguros de que este volume será de grande ajuda a todos os que procuram um
texto moderno e prático de atualização na matéria, indicado no preparo para as provas de
títulos de especialistas.

Os coordenadores
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
1

Trombólise endovenosa no acidente


vascular cerebral isquêmico
Alexandre Pieri
Monique Bueno Alves

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 83 anos de idade, branca, destra, natural e procedente de


São Paulo, apresentou quadro súbito de afasia e hemiparesia direita há 40 minutos
da admissão. A paciente estava trabalhando em sua empresa quando apresentou
quadro súbito de afasia com predomínio à expressão, hemiparesia e hemianopsia di­
reita. Sua secretária participara de um treinamento de primeiros socorros e pronta­
mente aplicou a escala de Cincinnati. Frente à suspeita de acidente vascular cerebral
(AVC), o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU - 192) foi acionado.
A paciente foi mantida deitada e nenhuma medicação lhe foi oferecida até a che­
gada do SAMU, que ocorreu em 15 minutos. Durante o percurso para o hospital,
a paciente apresentou sonolência e desvio do olhar conjugado para a esquerda. A
equipe do pré-hospitalar identificou os seguintes dados vitais: pressão arterial (PA):
190 x 115 mmHg; glicemia: 166 mg/dL; temperatura: 36,8°C; saturação de 0 2: 91%
em ar ambiente.
A PA e a temperatura foram mantidas nesses níveis. Foi administrado 5 U de in­
sulina regular, atingindo nível de glicemia capilar de 130 mg/dL. Um cateter de 0 2
de 5 L/min foi oferecido e a saturação de 0 2 foi a 97%. A paciente foi levada para
um hospital terciário certificado como Centro de Atendimento de AVC.
Na admissão, o tempo de início dos sinais e sintomas era de 40 minutos. A equipe de
enfermagem, após a aplicação da escala de LAPSS (Los Angeles Prehospital Stroke
3
4 neurologia e neurocirurgia HIAE

Screen), iniciou a assistência de emergência. A paciente foi monitorada, mantida


em decúbito a 45°, e foram puncionados dois acessos venosos e realizada a coleta
de sangue para análise do hemograma completo, coagulograma, bioquímica e tro-
ponina. Um eletrocardiograma (ECG) e nova glicemia capilar foram realizados. Os
parâmetros de fase aguda foram:

■ PA: 180 x 100 mmHg;


■ glicemia: 138 mg/dL;
■ temperatura: 36,5°C.

Durante os procedimentos iniciais, o neurologista da emergência foi chamado e o


código AVC, acionado. Foram realizados anamnese inicial, com a acompanhante, e
exame físico direcionado com aplicação da escala de AVC do National Institute of
Health (NIH). Na anamnese, não foram identificados problemas de saúde prévios,
como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabete, dislipidemia, obesidade centrí­
peta, cardiopatias, etilismo excessivo e tabagismo. O exame físico revelou ausência
de sopros carotídeos e pulsos simétricos e arrítmicos, enquanto a ausculta cardíaca
foi sugestiva de fibrilação atrial, confirmada pelo ECG. A paciente recebeu 21 pon­
tos na escala de AVC do NIH.
Após 14 minutos da admissão hospitalar, foi realizada tomografia de crânio sem
contraste, que revelou discreta perda da definição dos núcleos da base à esquerda.
Não foram identificados pontos de hemorragia ou sinais precoces de isquemia em
mais de 1/3 do território da artéria cerebral média (ACM).
Os critérios de inclusão e exclusão para o tratamento trombolítico foram avaliados
e a paciente foi considerada elegível para trombólise endovenosa. O peso foi esti­
mado e o tratamento iniciado com 0,9 mg/kg de ativador do plasminogênio tissular
(rt-PA), 10% em bolo e o restante em 1 hora. O tempo entre o início dos sinais e
sintomas e o início do trombolítico foi de 65 min. A infusão do rt-PA foi iniciada na
sala de emergência e a paciente foi transferida para a unidade de AVC.
A paciente foi monitorada com Doppler transcraniano (DTC) durante a infu­
são endovenosa do rt-PA. O DTC mostrou padrão inicial sugestivo de oclusão
da ACM esquerda e, após 25 minutos de infusão contínua, evidenciou padrão
compatível com recanalização arterial. Apresentou melhora dramática caracteri­
zada por queda de 15 pontos na escala de AVC do NIH. Após 6 horas da infusão
do rt-PA, a pontuação na escala de AVC do NIH foi 5. A paciente foi mantida em
cuidados interdisciplinares na unidade de AVC e, após 24 horas da trombólise
endovenosa, foi realizada uma nova tomografia de crânio, que revelou hipodensi-
dade profunda à esquerda em topografia de artérias perfurantes. A equipe optou
por heparinização plena para prevenção secundária precoce. Em 5 dias, a paciente
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 5

recebeu alta com anticoagulação oral e plano de alta. Em 90 dias, a paciente apre­
sentou pontuação 1 na escala de AVC do NIH, 1 na escala modificada de Rankin
(Tabela 1.1) e 100 no índice de Barthel (Tabela 1.2).

TABELA 1.1 Escala modificada de Rankin


Escore Classificação Descrição
0 Assintomático Regressão dos sintomas
1 Sintomas sem incapacidade Capaz de realizar suas tarefas e atividades habituais prévias

2 Incapacidade leve Incapaz de realizar todas as suas atividades habituais prévias, mas
capaz de realizar suas necessidades pessoais sem ajuda
3 Incapacidade moderada Necessita de alguma ajuda para suas atividades, mas é capaz de
andar sem ajuda de outra pessoa
4 Incapacidade moderada a Incapaz de andar e realizar suas atividades sem ajuda
grave
5 Incapacidade grave Limitado à cama, incontinente, requer cuidados de enfermeiros e
atenção constante
6 Óbito

TABELA 1.2 índice de Barthel


Função Escore
Evacuar 0 = Incontinente (ou precisa de enema)
5 = Acidente ocasional (1 vez/semana)
10 = Continente
Urinar 0 = Incontinente ou cateterizado e incapacitado para fazê-lo
5 = Acidente ocasional (máximo 1 vez/24 h)
10 = Continente (por mais de 7 dias)
Higiene pessoal 0 = Precisa de ajuda com o cuidado pessoal
5 = Independente para se barbear e cuidar dos dentes, do rosto e do cabelo
(utensílios fornecidos)
Ir ao banheiro 0 = Dependente
5 = Precisa de ajuda, mas consegue fazer algumas coisas sozinho
10 = Independente
Alimentar-se 0 = Incapaz
5 = Precisa de ajuda para cortar o pão, passar a manteiga etc.
10 = Independente (a comida é providenciada)
(continua)
6 neurologia e neurocirurgia HIAE

(continuação)

Deslocamentos 0 = Incapaz (não tem equilíbrio ao se sentar)


5 = Precisa de grande ajuda física (uma ou duas pessoas), mas consegue
sentar
10 = Pequena ajuda (verbal ou física)
15 = Independente
Mobilidade 0 = Imobilizado
5 = Independente na cadeira de rodas, incluindo cantos
10 = Anda com ajuda (verbal ou física)
15 = Independente (alguns contam com a ajuda de uma bengala)
Vestir-se 0 = Dependente
5 = Precisa de ajuda, mas faz cerca de metade do vestir sem ajuda
10 = Independente (incluindo botões e fechos)
Escadas 0 = Incapaz
5 = Precisa de ajuda (verbal, física)
10 = Independente para subir e descer
Tomar banho 0 = Dependente
5 = Independente (ou no chuveiro)
Total 0 a 100 pontos

► DISCUSSÃO

O uso do rt-PA, quando administrado ao paciente nas primeiras 4 horas e 30 minutos,


por via intravenosa, demonstrou diminuição da incapacidade funcional no grupo que uti­
lizou a droga em relação ao grupo placebo, sendo, no momento, o principal tratamento
específico recomendado na fase aguda do AVC isquêmico (AVCI). O sucesso desse trata­
mento está diretamente relacionado ao tempo entre o início dos sinais e sintomas e a ad­
ministração da droga. Com isso, todos os esforços devem ser empenhados na orientação
e conscientização da população, estruturação dos serviços de transporte pré-hospitalar e
capacitação intra-hospitalar.
A seguir, serão discutidos os pontos-chave na abordagem da fase aguda no paciente
com AVCI.

Atendim ento p ré-h o sp italar

O tratamento do AVCI é iniciado na fase pré-hospitalar, na qual o reconhecimento


precoce dos principais sinais e sintomas e o transporte imediato para um hospital apro­
priado são fundamentais. A população deve ser treinada para reconhecer os sinais e sin­
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 7

tomas e os serviços de emergência pré-hospitalar devem estar preparados para iniciar os


cuidados gerais no paciente com AVC. O reconhecimento dos sinais e sintomas pode ser
facilitado com a aplicação de escalas específicas, como a LAPSS e a Cincinnati (Tabelas
1.3 e 1.4, Figuras 1.1 e 1.2 e Quadro 1.1).

TABELA 1.3 Escala LAPSS


Critérios de seleção
Idade > 4 5 anos □ Sim □ Desconhecido □ Não
Ausência de história de crises convulsivas □ Sim □ Desconhecido □ Não
Sintomas neurológicos iniciados nas últimas 24 h □ Sim □ Desconhecido □ Não
Paciente deambulava antes do evento □ Sim □ Desconhecido □ Não
Glicemia capilar entre 60 e 400 mg/dL □ Sim □ Não
Exame (procurar assimetrias) Direita Esquerda
Facial: sorriso e careteamento □ Normal □ Queda □ Queda
Aperto de mão □ Normal □ Fraco □ Fraco
□ Ausente □ Ausente
Fraqueza no braço □ Normal □ Fraco □ Fraco
□ Ausente □ Ausente
Baseado no exame, apresenta déficit unilateral □ Sim □ Não
Critérios sugerem possível AVC □ Sim □ Não

TABELA 1.4 Escala de Cincinnati


Expressão facial
Simetria de face ao sorrir Assimetria de face ao sorrir
Força nos braços
Normal: força preservada nos dois membros Alterada: ausência ou fraqueza unilateral
Fala
Normal Alterada: palavras erradas, dificuldade para falar ou
ausência de comunicação

Durante o transporte, o paciente deve ser monitorado e estabilizado, mantendo-se as


vias aéreas pérvias e os parâmetros respiratórios e cardíacos adequados. A oxigenioterapia
é oferecida inicialmente com um cateter de 0 2, se a saturação for menor que 92%. Dois
acessos venosos devem ser obtidos e a hipotensão deve ser tratada com soluções isotônicas
ou drogas vasoativas. Soluções glicosadas não devem ser oferecidas, exceto nos casos de
hipoglicemia. O nível glicêmico é mantido entre 80 e 140 mg/dL, e a temperatura, abaixo
de 37,5°. Os sinais e sintomas são quantificados por meio da aplicação da escala de AVC
do NIH - NIHSS (NIH Stroke Scale) (Tabela 1.5).
8 neurologia e neurocirurgia HIAE

TABELA 1.5 Escala de AVC do NIH


Orientação Definição da escala Pontuação

la. Nível de consciência 0 = Alerta


Escolher uma alternativa, mesmo se a avalia­ 1 = Desperta com estímulo verbal
ção estiver prejudicada por tubo endotraqueal, 2 = Desperta somente com estímulo doloroso
linguagem ou trauma 3 = Respostas reflexas ou sem resposta aos
Marcar 3 somente se não for obtida resposta aos estímulos dolorosos
estímulos dolorosos
lb. Orientação: idade e mês 0 = Ambas corretas
A resposta deve ser correta, não há nota parcial 1 = Uma questão correta
Paciente com afasia ou alteração do nível de 2 = Ambas incorretas
consciência, que não compreende as perguntas,
receberá 2
Entubação endotraqueal, trauma, disartria grave
ou qualquer problema não secundário à afasia
receberá 1
lc. Comandos: abrir e fechar os olhos, 0 = Ambas corretas
apertar e soltar a mão 1 = Uma tarefa correta
Realizar com a mão não parética 2 = Ambas incorretas
Substituir por outro comando se as mãos não
puderem ser utilizadas. Dar crédito se a tentativa
for realizada, mas não completada devido ao
déficit neurológico
Se não responder ao comando, devem ser utiliza­
dos gestos
2. Motricidade ocular (voluntária ou olhos de 0 = Normal
boneca) 1 = Paresia do olhar conjugado
Testar somente o olhar horizontal 2 = Desvio conjugado do olhar
Se o paciente tem paresia do nervo craniano III, IV ou
VI isolada, marcar 1. Testar em pacientes afásicos.
Pacientes com trauma ocular ou alteração dos cam­
pos visuais devem ser testados com movimentos
reflexos. Todos os pacientes são testados
3. Campos visuais 0 = Normal
Se houver cegueira monocular, os campos visuais 1 = Hemianopsia parcial, quadrantanopsia,
do outro olho devem ser considerados extinção
Se o paciente for cego por qualquer outra causa, 2 = Hemianopsia completa
marcar 3 3 = Cegueira cortical
Extinção: o paciente recebe 1 e os resultados são
utilizados para respondera questão 11
4. Paresia facial 0 = Normal
Considerar simetria da contração facial em 1 = Paresia mínima (aspecto normal em
resposta aos estímulos dolorosos nos pacientes repouso, sorriso assimétrico)
com alteração do nível de consciência 2 = Paresia/segmento inferior da face
3 = Paresia/segmentos superior e inferior da face
(continua)
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 9

(continuação)

5. Motor membro superior: 0 = Sem queda MSD


braços estendidos a 90° (sentado) ou 1 = Queda, mas não atinge o leito
45° (deitado) por 10 segundos 2 = Força contra a gravidade, mas não
Iniciar com o lado não parético sustenta
Em paciente afásico, utilizar gestos e não estímu­ 3 = Sem força contra a gravidade, mas MSE
los dolorosos qualquer movimento mínimo conta
4 = Sem movimento
6. Motor membro inferior: 0 = Sem queda MID
elevar perna a 30° deitado por 5 segundos 1 = Queda, mas não atinge o leito
2 = Força contra a gravidade, mas não
sustenta
3 = Sem força contra a gravidade, mas ^
qualquer movimento mínimo conta
4 = Sem movimento
7. Ataxia apendicular 0 = Sem ataxia (ou afásico, hemiplégico)
Fazer os testes com os olhos abertos 1 = Ataxia em membro superior ou inferior
índex-nariz e calcanhar-joelho em ambos os lados 2 = Ataxia em membro superior e inferior
Ataxia considerada somente se presente
Se o paciente estiver afásico ou plégico, não considerar
8. Sensibilidade dolorosa 0 = Normal
Afásico ou com rebaixamento do nível de cons­ 1 = Déficit unilateral, mas reconhece o estí­
ciência, marcar 0 ou 1 mulo (ou afásico, confuso)
AVC de tronco com déficit bilateral, marcar 2 2 = Paciente não reconhece o estímulo ou
Se o paciente não responder e estiver tetraplégico, coma ou déficit bilateral
marcar 2
Paciente em coma, recebe 2
9. Linguagem 0 = Normal
Descrever o que está acontecendo na Figura 1.1 e 1 = Afasia leve a moderada (compreensível)
nomear os objetos da Figura 1.2. Deve ler frases 2 = Afasia severa (quase sem troca de
O paciente entubado deve ser solicitado para informações)
escrever uma frase 3 = Mudo, afasia global, coma
Paciente em coma, recebe 3
Em caso de mutismo que não permite realizar
comando algum, marcar 3
10. Disartria 0= Normal
Ler as palavras do Quadro 1.1 1= Leve a moderada
2= Severa, ininteligível ou mudo
X= Entubado
11. Extinção/negligência 0 = Normal
Se houver grave déficit visual e os estímulos 1 = Negligência ou extinção em uma modali­
sensitivos estiverem normais, deve ser considera­ dade sensória I
do normal 2 = Negligência em mais de uma modalidade
Se o paciente estiver afásico, mas perceber sensorial
ambos os lados, é considerado normal
A negligência é considerada somente quando presente

MSD: membro superior direito; MSE: membro superior esquerdo; MID: membro inferior direito; MIE: membro inferior esquerdo.
10 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 1.1 Imagem que deve ser descrita pelos pacientes na verificação da linguagem na
Escala de AVC do NIH.

FIGURA 1.2 Objetos que devem ser descritos pelos pacientes na verificação da linguagem
na Escala de AVC do NIH.
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 11

QUADRO 1.1 Palavras/frases que devem ser lidas


para verificar disartria na escala de AVC do NIH
Mamãe
Tip top
Foto
Fato
Tanque
Rico
Berro
Triste
Problema
Você sabe como
Com os pés no chão
Eu cheguei em casa do trabalho
Perto da mesa da sala de jantar
Eles o ouviram falar no rádio a noite passada

Sala de em ergência

O paciente é atendido pela equipe da sala de emergência, que reavaliará os parâmetros


cardiorrespiratórios e a glicemia capilar. A monitoração é mantida, um ECG é realizado,
os acessos venosos são checados e amostras de sangue, com coagulograma, Hb e Ht, só­
dio, potássio, creatinina, ureia, glicemia, troponina são enviadas ao laboratório. A tipagem
sanguínea e análise toxicológica são coletadas quando o médico julgar necessário.
Uma anamnese dirigida é realizada com o acompanhante e o paciente, quando este
tiver condições. Dados como tempo preciso do início dos sinais e sintomas, eventos re­
centes, como AVCI prévio, infarto agudo do miocárdio, trauma e cirurgias, sangramentos
e fatores de risco cardiovasculares, como diabete e hipertensão arterial sistêmica (HAS),
devem ser investigados.
Outra informação importante consiste no uso de medicamentos como hipoglicemian-
tes, anti-hipertensivos, antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais. A anamnese
deve tentar afastar os principais diagnósticos diferenciais de AVC, sendo os mais comuns
traumatismo cranioencefálico, crise epiléptica complicada, enxaqueca complicada, hipo e
hiperglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos, intoxicação exógena, hematoma subdural crô­
nico, meningoencefalite, encefalopatia hipertensiva, processos expansivos cerebrais, surto
de esclerose múltipla e quadros psiquiátricos.
O paciente deve ser estabilizado, mantendo-se a saturação de 0 2 maior ou igual a 92%,
glicemia entre 80 e 140 mg/dL e temperatura axilar inferior a 37,5°. A utilização de me­
dicação anti-hipertensiva deve ser reservada aos pacientes com pressão arterial sistólica
12 neurologia e neurocirurgia HIAE

(PAS) maior que 220 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) maior que 120 mmHg.
Em alguns casos, como de edema agudo de pulmão, insuficiência renal aguda e angina
instável, a pressão deve ser avaliada individualmente. Preferencialmente, a PAS é mantida
acima de 140 mmHg. Fatores como ansiedade, retenção urinária e dor podem elevar a
PA, devendo ser avaliados antes do uso de agentes hipotensores. Após a estabilização, o
paciente é encaminhado para a realização do exame de tomografia computadorizada (TC)
ou ressonância magnética (RM).
A tomografia de crânio está disponível na maioria dos hospitais. Seus achados na fase
aguda do AVC são elementos chave na decisão terapêutica, sendo discutidos a seguir.

Afastar hemorragia intracraniana e outros diagnósticos diferenciais

A tomografia de crânio pode fazer o diagnóstico das principais doenças intracrania­


nas que mimetizam um AVCI. Se houver suspeita clínica de hemorragia subaracnóidea
(HSA), deve-se considerar punção lombar e não indicar trombólise.

Afastar infarto definido e edema cerebral importante

Em alguns casos, apesar de o tempo de início dos sinais e sintomas referido ser menor
que 4 horas e 30 minutos, a tomografia já mostra uma área hipodensa (isquêmica) bem
definida. Nesses casos, provavelmente, não haverá mais benefício com o tratamento trom-
bolítico e o risco de transformação hemorrágica pode ser maior. No AVCI, a tomografia
pode ser normal mesmo após 24 horas do início dos sinais e sintomas.

Avaliara presença de sinais precoces de isquemia cerebral (apagamento de


sulcos e perda da diferenciação da substância branca/cinzenta)
Recomenda-se atenção nos casos em que esses sinais estejam presentes em mais de 1/3
do território da ACM, especialmente nos pacientes com tempo de início do quadro entre
3 e 4 horas e 30 minutos. Em casos muito favoráveis, como pacientes com menos de 1 hora
e meia de início dos sinais e sintomas, recomenda-se ampliar o critério para até 50% do
território da ACM.

Sinal da ACM hiperdensa

Em alguns casos, a tomografia não mostra alterações no parênquima cerebral, mas uma
hiperdensidade proximal se intensifica na topografia da artéria cerebral média (ACM),
sugestiva de oclusão arterial naquele local. Esse achado isolado não constitui uma con-
traindicação para trombólise endovenosa, mas, quando associado a outros sinais de alerta,
opta-se pela trombólise intra-arterial primária.
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 13

Ressonância m agnética de encéfalo

Tem como vantagens a melhor caracterização de lesões da fossa posterior e a demons­


tração precoce de lesões por meio da técnica de restrição de difusão. A maioria dos serviços
que apresentam ressonância na fase aguda utiliza um protocolo composto por sequências
de difusão, perfiisão, Flair, T l, T2 pesado (possibilita melhor definição de lesões hemorrá­
gicas) e angiorressonância intracraniana. Lesão na difusão maior que 50% é considerada
uma contraindicação para terapia trombolítica.
O m is m a tc h é calculado pela diferença entre a hipoperfusão verificada na perfusão e a
lesão na difusão e, pode ser um critério para decisão a favor da terapia trombolítica. Se o
m is m a tc h for maior que 25%, o paciente é trombolisado. Por outro lado, a ressonância não
está disponível em todos os serviços, é um exame mais demorado e possui contraindica-
ções e riscos relacionados.

Trombólise
Após o laudo do exame de imagem, o paciente é avaliado quanto aos critérios de inclusão
e exclusão para a terapia trombolítica. A dose do rt-PA é de 0,9 mg/kg (dose máxima de 90
mg), sendo 10% em bolus (1 minuto) e o restante em infusão contínua durante 1 hora, com
dispositivo de controle de fluxo (bomba de infusão).
A escala de AVC do NIH deve ser realizada imediatamente antes da infusão do bolus.
Durante a infusão do rt-PA e nas 24 horas seguintes, a PAS deve ser mantida abaixo de 185
mmHg, e a PAD, abaixo de 110 mmHg. Hipotensão deve ser sempre evitada.

Critérios de inclusão
■ AVCI em qualquer território encefálico;
■ possibilidade de iniciar a infusão do rt-PA dentro de 4 horas e 30 minutos do início
dos sintomas (para tanto, o horário do início dos sintomas deve ser precisamente esta­
belecido. Caso os sintomas forem observados ao acordar, deve-se considerar o último
horário no qual o paciente foi observado normal);
■ TC do crânio ou RM sem evidência de hemorragia;
■ idade superior a 18 anos.

Critérios de exclusão
■ Uso de anticoagulantes orais com tempo de protrombina (TP) maior que 15 segundos
(RNI > 1,5);
■ uso de heparina nas últimas 48 horas com tempo de tromboplastina parcial ativada
(TTPA) elevado;
■ AVCI ou traumatismo cranioencefálico grave nos últimos 3 meses;
14 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ história pregressa de alguma forma de hemorragia intracraniana ou de malformação


vascular cerebral;
■ TC de crânio com hipodensidade precoce igual ou maior que 1/3 do território da ACM;
■ PAS > 185 mmHg ou PAD >110 mmHg (em três ocasiões, com 10 min. de intervalo)
refratária ao tratamento anti-hipertensivo;
■ melhora rápida e completa dos sinais e sintomas no período anterior ao início da trom-
bólise;
■ déficits neurológicos leves (sem repercussão funcional significativa);
■ cirurgia de grande porte ou procedimento invasivo dentro das últimas 2 semanas;
■ hemorragia geniturinária ou gastrointestinal (nas últimas 3 semanas) ou história de
varizes esofágicas;
■ punção arterial em local não compressível na última semana;
■ coagulopatia com TP prolongado (RNI > 1,5), TTPA elevado ou plaquetas inferiores a
100.000/mm3;
■ glicemia menor que 50 mg/dL ou maior que 400 mg/dL com reversão dos sintomas
após a correção;
■ evidência de endocardite ou êmbolo séptico, gravidez;
■ infarto do miocárdio recente (3 meses);
■ suspeita clínica de hemorragia subaracnóidea ou dissecção aguda de aorta.

Alguns centros têm utilizado neuroimagem multimodal (RM com difusão/perfusão ou


TC com perfusão) para selecionar candidatos à terapia trombolítica, especialmente fora
da janela terapêutica ou com tempo indeterminado de início dos sinais e sintomas. Porém,
mais estudos são necessários nesse sentido.
Em pacientes sem história recente de uso de anticoagulantes orais ou heparina, o trata­
mento com o rt-PA pode ser iniciado antes dos resultados das provas laboratoriais de coagu­
lação, mas deve ser descontinuado se o RNI estiver maior que 1,5, o TTPA estiver elevado, de
acordo com valores de referência locais, ou as plaquetas forem inferiores a 100.000.
Determinados fatores interferem no risco/benefício da terapia trombolítica, não sendo,
contudo, contraindicação de seu uso, como escala de AVC do NIH maior que 22 e idade
superior a 80 anos.

Consentim ento inform ado


É necessária a discussão com os familiares ou responsáveis sobre os riscos e benefícios
do tratamento e fazer o registro por escrito no prontuário do paciente.

Manejo da hipertensão a rte ria l


O uso de rt-PA para o tratamento do AVCI agudo implica necessidade de um con­
trole rigoroso da PA, pois o risco de hemorragia cerebral correlaciona-se com os níveis
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 15

pressóricos. Durante o tratamento, deve-se estar alerta para o risco de hipotensão medi­
camentosa.
Em pacientes candidatos a terapia trombolítica, recomenda-se seguir o protocolo do
NINDS rt-PA Stroke Study Group, no qual são aceitos os seguintes níveis de PA nas pri­
meiras 24 horas: PAD <105 mmHg e PAS <180 mmHg.

CUIDADOS NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA


Todos os pacientes devem ser encaminhados para a unidade de terapia intensiva (UTI),
a fim de garantir uma abordagem interdisciplinar mais adequada, visando a prevenir com­
plicações neurológicas e sistêmicas. Os serviços de referência em tratamento de AVCI têm
utilizado a monitoração com Doppler transcraniano, com o intuito de avaliar a recanalização
e auxiliar no manejo pressórico na fase aguda. A investigação do mecanismo do AVCI deve
ser realizada o quanto antes, com o objetivo de evitar recorrência.

CUIDADOS GERAIS
Avaliações do estado neurológico e controle de sinais vitais (exceto temperatura) de­
vem ser realizadas a cada 15 minutos durante a infusão do rt-PA e a cada 30 minutos du­
rante as primeiras 6 horas e após isso, durante as primeiras 24 horas, a cada hora. Todos os
pacientes devem ser monitorizados com eletrocardiograma por ao menos 72 horas.
Aumento do escore da escala de AVC do NIH em 4 pontos ou mais é sinal de alerta e
sugere reavaliação tomográfica. Também devem ser considerados sinais de alerta cefaleia
intensa, piora do nível de consciência, elevação súbita da PA, náuseas e vômitos. A tempe­
ratura deve ser avaliada no mínimo a cada 4 horas.
Não devem ser utilizados antitrombóticos (antiagregantes, heparina ou anticoagulante
oral) nas primeiras 24 horas após o rt-PA, assim como não deve-se realizar cateterização
venosa central, punção arterial ou passagem de sonda nasoenteral neste período. Não se
deve introduzir sonda vesical até pelo menos 30 minutos do término da infusão do rt-PA.
Sugere-se realizar exame de neuroimagem (TC ou RM) ao final de 24 horas antes de
iniciar a terapia antitrombótica.

Com plicações hem orrágicas


As complicações hemorrágicas pelo uso de trombolítico ocorrem mais frequentemente
nas primeiras 24 horas da terapia. A hemorragia sintomática é definida como presença
de sangue no exame de imagem e piora de 4 ou mais pontos na escala de AVC do NIH.
Deve-se ficar alerta para deterioração neurológica, náuseas, vômitos, cefaleia, piora do
nível de consciência e elevação abrupta da PA. Nessa situação, recomenda-se:

■ cessar a infusão frente a qualquer sinal de deterioração neurológica ou evidência de


hemorragia significativa;
16 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ certificar-se de que existam duas punções venosas pérvias e que estas estejam com so­
lução cristaloide;
■ submeter o paciente à TC de crânio;
■ solicitar os seguintes exames laboratoriais: hematócrito, TP, TTPA, plaquetas, fibrinogê-
nio e se possível tipagem sanguínea;
■ infundir preferencialmente 6 a 8 U de crioprecipitado ou 2 a 3 U de plasma fresco. Se
houver continuidade da deterioração clínica após 4 a 6 horas, utilizar hemoderivados
de acordo com o coagulograma. Repetir a infusão de crioprecipitado, se o fibrinogênio
estiver baixo, ou administrar plasma fresco, se houver alteração de TP ou TTPA. Infun­
dir 6 a 8 U de plaquetas se estiverem em nível baixo;
■ infundir concentrado de hemácias suficiente para manter o hematócrito adequado;
■ infundir fluidos e/ou drogas vasoativas para tratar a hipotensão, evitando soluções hi-
potônicas;
■ nos casos de hemorragia no sistema nervoso central, considerar uma consulta neuro-
cirúrgica e hematológica;
■ considerar o reinicio da infusão do trombolítico, caso a tomografia não demonstre he­
morragia intracraniana.

Angioedema orolingual
Essa complicação pode ocorrer em cerca de 5% dos pacientes submetidos à trombólise
endovenosa, especialmente em pacientes com infarto em córtex insular e frontal, associa­
do ao uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina. Em geral, o quadro tem
boa evolução. Recomenda-se atenção a essa possível complicação, para sua pronta corre­
ção, sobretudo nos pacientes com perfil favorável à sua ocorrência.

Considerações sobre pacientes com tem po de início dos sinais e sintom as


entre 3 e 4 horas e 30 minutos

Um estudo recente demonstrou benefício com o tratamento trombolítico endovenoso


em pacientes com janela entre 3 e 4 horas e 30 minutos. O estudo excluiu pacientes com
mais de 80 anos de idade, escala de AVC do NIH basal > 25, em uso de anticoagulante oral
e com a combinação de AVCI prévio e diabete. A taxa de hemorragia sintomática foi de
2,4% e a frequência de pacientes com prognóstico favorável foi maior no grupo que rece­
beu rt-PA (OR 1,34, 95% Cl 1,02-1,76; p = 0,04). Esse estudo representa um importante
avanço no tratamento dos pacientes com AVCI.
A eficácia do tratamento com rt-PA endovenoso entre 3 e 4 horas e 30 minutos com os
critérios de exclusão mencionados não está bem estabelecida e requer novos estudos.
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 17

CONCLUSÕES

O tratamento trombolítico endovenoso do AVCI tem apresentado indicação susten­


tável. A relação risco-benefício favorável depende de um trabalho em equipe, no qual
capacitação e treinamento contínuo são fundamentais.
Há estudos em andamento avaliando os riscos e benefícios desse tratamento em condi­
ções especiais, como em pacientes muito idosos e janela de tempo estendida. Novas drogas
trombolíticas estão sendo testadas, bem como a combinação de trombólise endovenosa
com intra-arterial.

□ PONTOS RELEVANTES

0 O AVC é uma emergência médica tempo dependente.


0 O atendimento integrado por equipe capacitada reduz sequelas e salva vidas.
0 Todo paciente com AVCI na fase aguda deve ser avaliado para uso de trombolítico.
0 O monitoramento do paciente com ação precoce nas complicações neurológicas e sis­
têmicas, combinado com a investigação etiológica do AVC são pontos-chave no suces­
so do tratamento.

QU E S T ÕE S

1. Na avaliação inicial do paciente com AVCi candidato à trombólise, é correto afirmar que:
A. A glicemia não é um fator relacionado ao risco de transformação hemorrágica pós-rt-PA.
B. Os níveis pressóricos, durante a infusão do rt-PA, devem ficar abaixo de 185 x 110 mmHg.
C. A piora de 4 ou mais pontos na escala de AVC do NIH é comum durante a infusão do rt-PA.

2. São consideradas contraindicações absolutas para trombólise endovenosa no AVCI, exceto:


A. Escala de AVC do NIH maior que 20 e idade superior a 80 anos.
B. Suspeita clínica de hemorragia subaracnóidea e dissecção de aorta.
C. Coagulopatia com TP prolongado (INR > 1,5).

3. Em relação aos exames de imagem na fase aguda do paciente com AVCI, é correto afirmar
que:
A. A tomografia de crânio é um excelente método, pois é amplamente disponível, de mais rápida
realização e com alta sensibilidade para diagnóstico de hemorragia.
B. A RM não apresenta vantagens em relação à tomografia no diagnóstico de AVCI de circulação
posterior.
18 neurologia e neurocirurgia HIAE

C. A ausência de alterações precoces, como perda da diferenciação branco-cinzenta e apagamento


de sulcos, na primeira tomografia de crânio, é uma contraindicação para trombólise, pois o
diagnóstico mais provável é de ataque isquêmico transitório.

4. Nos casos de hemorragia intracerebral sintomática, é incorreto:


A. Solicitar um coagulograma em caráter emergencial e infundir 2 a 3 U de plasma ou 6 a 8 U de
crioprecipitado.
B. Solicitar a avaliação de um neurocirurgião.
C. Iniciar fenitoína endovenosa na dose de 20 mg/kg e dexametasona endovenosa na dose de 4 mg
a cada 6 horas.

5. Quanto aos cuidados gerais no paciente com AVCI que recebeu rt-PA endovenoso na UTI,
pode-se afirmar que:
A. A cateterização venosa central está liberada antes de 24 horas, não havendo necessidade de
checar um coagulograma prévio ao procedimento nos casos em que este for indicado em caráter
emergencial.
B. Não é recomendado o uso de antitrombóticos nas primeiras 24 horas após a infusão endovenosa
de rt-PA.
C. O controle da PA deve ser realizado a cada 6 horas durante as primeiras 24 horas após a infusão
endovenosa de rt-PA.

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2

Trombólise intra-arterial e tratamento endovascular


no acidente vascular cerebral isquêmico
Eduardo Noda Kihara
Mario Sergio Duarte Andrioli
Roberto Naum Franco Morgulis

INTRODUÇÃO

A injeção intra-arterial de drogas trombolíticas, como o fator recombinante do plas-


minogênio tecidual (rt-PA), aumenta sua concentração local intratrombo, aumentando os
índices de recanalização, que são maiores quando comparados à injeção endovenosa (EV)
do mesmo.1Pode-se obter melhor recanalização da artéria intracraniana ocluída por meio
de técnicas endovasculares de recanalização mecânica, como fragmentação do trombo
com microfio-guia, angioplastia intratrombo e trombectomia aspirativa ou mecânica.
O uso de ste n ts específicos para a circulação intracraniana aumenta o sucesso e a per-
viedade do vaso em longo prazo. Essas técnicas endovasculares ampliam o tempo da janela
terapêutica para a recanalização do vaso em até 6 horas do início dos sintomas neuroló­
gicos em território carotídeo e em até 24 horas no território vértebro-basilar, podendo ser
utilizadas isoladamente ou com drogas trombolíticas por via EV ou intra-arterial.2'5

RELATO DE CASOS_______________________________________________________

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade, apresentou tonturas, vertigens, altera­


ção do equilíbrio e dor cervical uma semana antes do início dos sintomas isquêmi-
cos. A angiografia por ressonância magnética (RM) demonstrou dissecção de arté-
21
22 neurologia e neurocirurgia HIAE

rias vertebrais. A paciente permaneceu internada sob anticoagulação com heparina.


Uma semana após o início dos sintomas, apresentou, de forma súbita, piora neuro­
lógica caracterizada por rebaixamento da consciência, diplopia, dupla hemiparesia
e dificuldade de deglutição e fala. Nova angiografia por RM demonstrou oclusão da
artéria basilar e do segmento distai da artéria vertebral esquerda.
A angiografia digital mostrou oclusão completa da artéria vertebral esquerda e seg­
mento distai estendendo-se para a artéria basilar (Figura 2.1). O segmento distai de ar­
téria basilar e seus ramos cerebrais posteriores e cerebelares superiores apresentam-se
opacificados pelas artérias comunicantes posteriores de pequeno calibre.

FIGURA 2.1 Oclusão da artéria basilar.

Por meio de microfio-guia direcionado na artéria vertebral esquerda e basilar, conse­


guiu-se passagem pelo segmento dissecado. Com a extremidade distai do microfio—
-guia na artéria cerebral posterior esquerda, realizou-se a angioplastia do segmento
ocluído com cateter de balão de alta complacência (Figura 2.2), não se obtendo bom
resultado.
Em vista da ausência de resposta à angioplastia, realizou-se a implantação de cinco
ste n ts autoexpansíveis específicos para serem utilizados na circulação intracraniana,
com recanalização completa do segmento ocluído (Figuras 2.3 e 2.4), sem reeste-
nose após estudo angiográfico aos 6 meses. A paciente evoluiu com pequena área
isquêmica em território de hemisfério cerebelar inferior esquerdo, sem sequelas
neurológicas.
CAPITULO 2 t r o m b ó l i s e i n t r a - a r t e r i a l e t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r no A V C I 23

FIGURA 2.2 A ngioplastia da artéria basilar.

A. basilar lat. pós

FIGURA 2.3 Artéria b a sila r recanalizada com stents,


24 neurologia e neurocirurgia HIAE

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K /
w . ) "»'* +C

FIGURA 2.4 Artéria b a sila r recanalizada com s t e n t s e m vista anteroposterior.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 84 anos de idade, apresentou-se no serviço de neuror-


radiologia intervencionista com 6 horas de história de hemiplegia à direita. A angio-
grafia digital mostrou oclusão completa do segmento M -l distai de artéria cerebral
média (ACM) esquerda (Figura 2.5).
Foi realizada injeção pós, intra e pré-trombo de 20 mg de rt-PA intra-arterial, segui­
da por recanalização mecânica do trombo com microfio-guia em J. Após 20 min.,
observou-se recanalização completa da artéria ocluída, com boa opacificação de
seus ramos silvianos.
O paciente evoluiu assintomático, com ultrassonografia Doppler mostrando reca­
nalização completa do segmento comprometido (Figura 2.6).

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 83 anos de idade, apresentou-se com 5 horas do início


dos sintomas (hemiplegia esquerda e pontuação na National Institute Health Stroke
Scale - NIHSS de 15). A tomografia demonstrou sinal de hiperatenuação da ACM
direita (Figura 2.7).
CAPITULO 2 t r o m b ó l i s e i n t r a - a r t e r i a l e t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r no A V C I 25

mm

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.

FIGURA 2.5 Oclusão da ACM esquerda.

FIGURA 2.6 Angiografia após recanalização.


26 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 2.7 Hiperatenuação da ACM direita.

A angiografia digital com 3 horas do início da clínica neurológica e após 10 mg de


rt-PA EV mostrou oclusão completa do segmento M -l/M -2 da artéria cerebral mé­
dia direita (Figuras 2.8 e 2.9).

FIGURA 2.8 Angiografia pré-terapêutica em anteroposterior.


CAPITULO 2 t r o m b ó l i s e i n t r a - a r t e r i a l e t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r no A V C I 27

FIGURA 2.9 A ngiografia pré-terapêutica em lateral.

Foi realizada recanalização por injeção intra-arterial (Figura 2.10) de rt-PA pré, intra e
pós-trombo, com fragmentação mecânica do mesmo, obtendo-se, após 40 min., reca­
nalização completa da ACM direita e de seus ramos (Figuras 2.11 e 2.12).

FIGURA 2.10 M icrocateterism o e injeção intratrom bo de rt-PA.


28 neurologia e neurocirurgia H I AE

F IG U R A 2 .il Angiografia pós-terapêutica em anteroposterior.

FIGURA 2.12 Imagem pós-terapêutica em lateral.


CAPÍTULO 2 t r o m b ó l i s e i n t r a - a r t e r i a l e t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r no A V C I 29

► DISCUSSÃO

Múltiplos estudos têm mostrado melhor evolução dos pacientes submetidos às técnicas
endovasculares de reperfiisão por meio de injeção intra-arterial de drogas trombolíticas, asso­
ciação de drogas (iniciada por via EV e complementada por via intra-arterial) e injeção intra—
-arterial com técnicas de recanalização com angioplastia, ste n t , ruptura mecânica do trombo
e tromboaspiração. Todas essas técnicas têm como finalidade a recanalização precoce do vaso
ocluído, preservando o território cerebral em risco, com menor morbimortalidade.
Pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) recente por oclusão de
ACM beneficiam-se após a injeção intra-arterial de trombolíticos, segundo os resultados
de estudo prospectivo, randomizado, fase III, com pró-uroquinase intra-arterial em pa­
cientes apresentando AVCI de até 6 horas do início dos sintomas neurológicos.6 Dos 121
pacientes tratados com trombolítico, 40% apresentaram pontuação de 0 a 2 na escala de
Rankin modificada após 90 dias, enquanto apenas 25% no grupo controle de 59 pacientes
atingiram esses resultados (P = 0,04).
A recanalização de ACM ocorreu em 66% dos pacientes tratados com trombolítico
intra-arterial e em apenas 18% no grupo controle (P < 0,001). Hemorragia intracraniana
ocorreu em 10% dos pacientes tratados com trombolíticos e em 2% no grupo controle (P
= 0,06), não havendo, porém, diferença na taxa de mortalidade entre ambos os grupos.
O trombolítico utilizado (pró-uroquinase) não foi aprovado para uso clínico, embora a
uroquinase, quimicamente similar, e o rt-PA (alteplase) tenham sido largamente utilizados
como drogas trombolíticas EV.
Estudo recente7mostrou que pacientes tratados com uroquinase intra-arterial na época
de sua alta hospitalar apresentavam resultado favorável na escala Rankin modificada: de 0
a 2 em 51% no grupo tratado com uroquinase e 34% no grupo controle (P = 0,01).
Estudo não randomizado comparando os resultados em 83 pacientes com e sem sinal
de ACM hiperdensa na tomografia inicial, tratados por via EV e intra-arterial, mostrou
resultado favorável com melhora na escala NIHSS quando de sua alta nos pacientes trata­
dos com rt-PA intra-arterial, sendo indiferente se apresentavam o sinal da artéria cerebral
média hiperdensa.8
Estudo randomizado em 16 pacientes que apresentavam oclusão em circulação poste­
rior dentro de 24 horas do início dos sintomas e que foram tratados com uroquinase intra—
-arterial ou tratamento conservador mostra resultados favoráveis em 4 dos 8 pacientes
que receberam uroquinase intra-arterial e em apenas 1 dos 8 pacientes que pertenciam ao
grupo controle.9
O tratamento endovascular por angioplastia e s te n t associado à trombólise intra-arterial
em 50 pacientes com oclusão aguda de artéria carótida interna mostrou resultado favorável
em 56% contra 26% dos pacientes tratados com medicamentos.10
30 neurologia e neurocirurgia HIAE

No território vértebro-basilar, foram relatados tratamentos combinados com s te n t , an-


gioplastia e trombólise intra-arterial em oclusão da circulação vértebro-basilar.11 A reca-
nalização mecânica com fragmentação do trombo associada à trombólise intra-arterial,
em estudo realizado com 350 pacientes, mostra melhora nos índices de recanalização.12
Estudo relatando resultados favoráveis em 80 pacientes, após 90 dias de tratamento por
via EV seguida por via intra-arterial, com NIHSS inicial > 10 e Interventional Manage­
ment of Stroke (IMS-I), face aos bons resultados das fases I e II, deu andamento ao estudo
IMS fase III.13

n PONTOS RELEVANTES
0 Trombólise intra-arterial e trombólise endovenosa associadas ou trombólise intra-ar­
terial isolada, com recanalização mecânica por microfio-guia ou angioplastia (sten t,
trombectomia aspirativa ou mecânica), são técnicas endovasculares que reduzem o
efeito deletério da isquemia arterial cerebral consequente à oclusão vascular, possibili­
tando maior sobrevida ao paciente, com menores sequelas neurológicas.
0 As técnicas endovasculares aumentam a janela terapêutica e o tempo para reperfusão, po­
dendo ser utilizadas nos pacientes em que o uso de fibrinolíticos EV em altas doses está
contraindicado, melhorando os índices de recanalização e reduzindo a morbimortalidade.
0 Todos os procedimentos terapêuticos endovasculares na circulação intracraniana de­
vem ser realizados em serviços qualificados, com técnica e material apropriados, e por
profissionais experientes e habilitados.

QUES T ÕE S

1. A trombólise intra-arterial está indicada:


A. Em todos os pacientes com AVCI.
B. Nos pacientes elegíveis para trombólise endovenosa que não responderam adequadamente den­
tro da janela terapêutica.
C. Nos pacientes que tenham placas ulceradas.

2. A trombólise intra-arterial deve ser realizada, na circulação anterior:


A. Em até 3 horas do ictus.
B. Em até 6 horas do ictus.
C. Em até 24 horas do ictus.
CAPÍTULO 2 t r o m b ó l i s e i n t r a - a r t e r i a l e t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r no A V C I 31

3. Não são métodos mecânicos de trombólise intra-arterial:


A. Fragmentação do trombo com microguia.
B. Angioplastia sobre o trombo.
C. Injeção local de rt-PA.

4. Pacientes com sinal de ACM hiperatenuante:


A. Podem ter indicação imediata de trombólise intra-arterial.
B. Nunca respondem à trombólise.
C. Sempre necessitam de sten t intracraniano.

5. Os stents de uso intracraniano são indicados:


A. Em pacientes idosos.
B. Nas dissecções e nas reestenoses elásticas.
C. Nas lesões de grandes artérias proximais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3

Tratamento do acidente vascular


cerebral hemorrágico
Fernando Morgadinho Santos Coelho
Antonio Capone Neto

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 77 anos de idade, admitido às 1lh55, com relato de ter sido
visto às 23 horas do dia anterior sem qualquer anormalidade. Às 9h30, a esposa notou que
o mesmo estava com dificuldade para falar e, por volta das 10 horas, o cuidador notou que
o paciente apresentava dificuldade para mover o membro superior direito. Durante o tra­
jeto até o hospital, houve melhora clínica parcial relatada. Possuía antecedentes de fibrila-
ção atrial crônica, artrite reumatoide, hipertensão arterial (HA) e prótese total de quadril
direito. O paciente estava em uso de drogas anti-hipertensivas e imunomoduladores e
não fazia uso de anticoagulante devido à hemorragia digestiva alta em passado recente.
A família negou traumas cranianos recentes ou crises convulsivas. Na admissão na sala
de emergência, os sinais vitais eram: pressão arterial (PA) de 150 x 93 mmHg, frequência
cardíaca (FC) de 73 bpm, saturação parcial de 0 2 de 95% e glicemia capilar de 144 mg/
dL. O exame clínico era normal, exceto por deformidades em articulações das mãos e dos
pés, além de limitação importante em coxofemoral direita. O exame neurológico caracte­
rizava pontuação 2 na National Institute Health Stroke Scale (NIHSS) de entrada, à custa
de uma monoparesia braquial à direita grau 4 e de uma disartria leve.
Após as avaliações clínica e neurológica iniciais, foram colhidos exames laborato­
riais (Figura 3.1) e realizada uma tomografia de crânio sem contraste (Figura 3.2).
A tomografia evidenciou sangramento intraparenquimatoso em região putaminal à
esquerda, com volume estimado de 3 cm3, sem sinais de hipertensão intracraniana

33
34 neurologia e neurocirurgia HIAE

ou comprometimento ventricular. O paciente foi transferido para a unidade de te­


rapia intensiva (UTI) e evoluiu com melhora progressiva, recebendo alta hospitalar
para seguimento em reabilitação ambulatorial após 5 dias de internação.

FIGURA 3.1 Fluxograma de atendim ento AVCH.


LAPSS: Los Angeles Prehospital Stroke Screen; MAV: malformação arteriovenosa.
CAPÍTULO 3 t r a t a m e n t o do a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l h e m o r r á g i c o 35

FIGURA 3.2 Tomografia de crânio sem contraste.

► DISCUSSÃO
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL HEMORRÁGICO OU HEMORRAGIA
INTRACEREBRALESPONTÂNEA

O acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH), ou hemorragia intracerebral es­


pontânea, é definido como um sangramento espontâneo resultante da ruptura de peque­
nas artérias cerebrais penetrantes em diferentes localizações em ordem de frequência: pu-
tâmen, tálamo, ponte, cerebelo e lobar.
O AVCH corresponde a 10 a 15% de todos os acidentes vasculares cerebrais, representan­
do cerca de 50 mil novos casos por ano nos Estados Unidos. A mortalidade por essa patolo­
gia é de 35 a 56% ao final de 30 dias e somente 20% dos sobreviventes estarão independentes
em 6 meses. Nesses pacientes, o volume do hematoma intracerebral é um importante predi-
tor de morbidade e mortalidade. Hematomas com volume maior que 30 cm3associam-se a
prognósticos desfavoráveis, enquanto aqueles com volume maior que 60 cm3geralmente são
fatais. Em até 1/3 dos casos, os hematomas podem aumentar de volume após o evento inicial,
especialmente nas primeiras 3 a 6 horas, ocasionando deterioração neurológica progressiva.
O National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS) desenvolveu um
consenso sobre as prioridades em pesquisa sobre o AVCH, incluindo estratificação da gra­
vidade da doença, escolha dos parâmetros mais relevantes de desfecho, estratégias para
diminuir o risco de aumento do hematoma e indicações de tratamento cirúrgico.
Trabalhos visaram a demonstrar o benefício do uso de fator VII ativado nas primeiras 3
horas do início dos sintomas. Após publicações de Mayer et al.1, em 2008, foi demonstrado que
havia menor volume do hematoma intracerebral na fase aguda do AVCH no grupo tratado com
fator VII ativado. Contudo, esse fato não interferiu no prognóstico final dos pacientes.
36 neurologia e neurocirurgia HIAE

Dentro desse panorama, vários estudos estão em andamento, incluindo as indicações, os


resultados das intervenções cirúrgicas, o controle da PA e o uso precoce de hemostáticos.
Os papéis dessas intervenções no tratamento do AVCH, no entanto, ainda não foram com­
pletamente estabelecidos. Atualmente, a melhor opção é o rigoroso acompanhamento e a
monitoração intensiva dos pacientes na fase aguda, além do controle de comorbidades para
evitar complicações inerentes à enfermidade e facilitar a reabilitação.
O tratamento de diferentes enfermidades de alta prevalência com auxílio de proto­
colos é importante por estar respaldado nas melhores práticas baseadas em evidências
científicas, além de poder ser monitorado por indicadores de qualidade que norteiam os
resultados e seus ajustes. A personalização do tratamento é fundamental e faz diferença no
resultado final. O estabelecimento de diretrizes facilita o manejo clínico de doenças poten­
cialmente graves e com prognóstico muitas vezes reservado, como o AVCH.

Tratam ento clínico do AVCH

O tratamento clínico do AVCH é baseado no controle das complicações das doenças de


base (se existirem), como HA, diabete melito e coagulopatias, além do manejo adequado
da hipertensão intracraniana e das eventuais crises convulsivas (Figura 3.3).

Protocolo de controle da HA na fase aguda da hem orragia in trace re b ral


espontânea

Os níveis de HA correlacionam-se diretamente à gravidade e ao prognóstico da hemor­


ragia intracerebral. Todavia, ainda não está determinado se o controle da PA muda o prog­
nóstico final do paciente e quais seriam os níveis pressóricos desejados para esse objetivo.
A redução abrupta da PA, por outro lado, pode ser deletéria na fase aguda da hemorra­
gia intracerebral. Agrava a pressão de perfusão cerebral (PPC) de áreas ainda não compro­
metidas e tem como consequência direta o aparecimento de áreas isquêmicas. Contudo,
níveis pressóricos muito elevados podem favorecer a expansão do hematoma intracerebral
ou agravar a hipertensão intracraniana. Até o momento, a relação entre PA sistêmica, prog­
nóstico e aumento do hematoma ainda não está bem definida.
A HA deve ser abordada na fase aguda do AVCH nas emergências hipertensivas, como
edema agudo de pulmão, insuficiência cardíaca congestiva, isquemia miocárdica, dissecção
aórtica, encefalopatia hipertensiva, eclâmpsia e insuficiência renal aguda, além de casos de
HA grave, definida como pressão arterial média (PAM) maior que 130 mmHg, pressão arte­
rial sistólica (PAS) maior que 180 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) maior que 105
mmHg. A PA deve ser monitorada por método não invasivo, a cada 15 min. nas primeiras 2
horas, a cada 30 min. nas próximas 6 horas e a cada 60 min. até 24 horas. A monitoração da
PA por métodos invasivos é recomendada nos casos graves, quando for necessário o uso de
anti-hipertensivos intravenosos (IV), como o nitroprussiato de sódio.
CAPÍTULO 3 t r a t a m e n t o do a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l h e m o r r á g i c o 37

FIGURA 3.3 Tratam ento clínico do AVCH.

Correção de coagulopatia

Deve-se colher de imediato coagulograma completo, bem como dosagem de hemo­


globina, especialmente se houver suspeita ou relato de uso de anticoagulantes. Nessas si­
tuações, o coagulograma deve ser repetido a cada 4 ou 6 horas, até que se normalize. Os
pacientes anticoagulados com dicumarínicos podem ter a anticoagulação revertida com o
uso do plasma fresco congelado (PFC) ou pela vitamina K. O uso de 10 mg IV de vitamina
K melhora substancialmente a coagulação dentro de 4 horas. Dependendo do resultado, a
dose poderá ser repetida até 3 vezes.
A dose de PFC para reverter a anticoagulação é de 15 mL/kg (10 a 20 mL/kg), o que,
para um indivíduo de 70 kg, representa cerca de 4 a 5 U de PFC. Seu efeito é imediato, mas
pode ocasionar sobrecarga volêmica em alguns pacientes.
Outros possíveis tratamentos para reverter a anticoagulação incluem o uso dos concen­
trados de protrombina ou de fator VII ativado.
38 neurologia e neurocirurgia HIAE

Controle da temperatura
A febre aumenta a mortalidade precoce e tardia, piora a hipertensão intracrania­
na, estende as áreas isquêmicas e aumenta a quebra da barreira hematoencefálica, entre
outros efeitos. A meta é manter a temperatura central menor ou igual a 37,5°C ou a
temperatura axilar menor ou igual a 37°C. São particularmente deletérias as tempera­
turas centrais maiores que 38°C. Idealmente, a temperatura monitorada deveria ser a
intracraniana. Não sendo possível, deve-se monitorar a temperatura retal, a esofágica ou
a timpânica. A temperatura axilar é inadequada e, sempre que possível, deve ser evitada
nos pacientes graves.
Após o primeiro pico febril, o paciente deverá ter prescrição de antitérmicos em ho­
rários fixos. Geralmente, alterna-se, a cada 3 horas, dipirona (100 mg/dose IV) e acetami-
nofeno (500 mg/dose VS). Nos pacientes que permanecem febris, não havendo contrain-
dicações ao uso de anti-inflamatórios não hormonais (AINH), pode-se tentar o uso de
naproxeno ou outro anti-inflamatório.
Nos pacientes profundamente sedados, a utilização de métodos físicos de controle da
temperatura geralmente é eficiente (colchão térmico, compressas frias, entre outros).

Controle da glicemia

A hiperglicemia piora a lesão neurológica, entre outros efeitos, por aumentar a acidose
intracelular e a produção de radicais livres. Apesar de ainda não existirem estudos defi­
nitivos controlando agudamente a glicemia em pacientes neurológicos graves, a redução
ativa da hiperglicemia pelo uso de insulina é recomendada pela maioria das diretrizes
publicadas. Na terapia intensiva, a glicemia capilar é inicialmente medida a cada 4 horas,
em todos os pacientes, nas primeiras 48 horas. Esse intervalo é diminuído ou aumentado
de acordo com a obtenção do controle glicêmico. A meta é manter a glicemia ao redor de
140 mg/dL.
São tolerados níveis glicêmicos maiores que os preconizados na literatura (110 mg/
dL), com a finalidade de reduzir os riscos de hipoglicemia. O protocolo de controle de gli­
cemia é o mesmo empregado na UTI. Valores glicêmicos maiores que 140 mg/dL devem
ser reduzidos com o uso de insulina regular subcutânea (SC). Caso os níveis glicêmicos
permaneçam elevados por mais de três medidas, apesar da complementação de insulina
SC, o paciente passará a receber infusão contínua de insulina IV.
Sempre é necessário considerar se o aporte calórico está adequado e se o paciente está
em uso de drogas hiperglicemiantes. É importante enfatizar que não existem evidências
científicas para o uso de corticosteroides no tratamento da hemorragia intracerebral es­
pontânea.
CAPÍTULO 3 t r a t a m e n t o do a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l h e m o r r á g i c o 39

Profilaxia da hemorragia digestiva de estresse


Todos os pacientes neurológicos graves devem receber profilaxia para hemorragia di­
gestiva de estresse, particularmente aqueles que estiverem com hipertensão intracraniana,
ventilação mecânica ou apresentarem coagulopatia. Nas primeiras 48 horas, recomenda-se
o uso de ranitidina na dose de 50 mg, IV, a cada 8 horas, ou omeprazol (ou similar), 40 mg,
IV, a cada 12 horas, seguido de 40 mg, 1 vez/dia.

Profilaxia de trombose venosa profunda

Tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma complicação que pode atingir até 10% dos
pacientes com AVC. Desses casos, 1% poderia ter sido diagnosticado. Nesses pacientes, o
TEP é, na maioria das vezes, originado de trombose venosa profunda (TVP) de membros
inferiores paréticos, plégicos ou da pelve. Pacientes com menor mobilidade e mais idosos
possuem maior risco para desenvolver TVP. A TVP sintomática pode, ainda, causar a len-
tificação do processo de reabilitação.
As opções para profilaxia de TVP na fase aguda do AVCH são a deambulação e a mo­
vimentação ativa no leito. Os métodos físicos, como a compressão externa (p.ex., meias
elásticas) e os compressores pneumáticos, utilizados em pacientes com contraindicação à
terapia farmacológica, são recomendados com nível de evidência IIA.

Tratam ento cirúrgico do AVCH

O tratamento cirúrgico do AVCH depende do volume e da localização do hematoma


intracerebral, da presença ou não de sangue nos ventrículos e do quadro clínico do pa­
ciente (Figura 3.4). Estudos recentes demonstram a importância de abranger mais indi­
cadores nos critérios para intervenção neurocirúrgica, uma vez que a análise criteriosa
de publicações de séries de casos de AVCH, operados entre 1993 e 2005, demonstra não
haver diferenças na morbidade e na mortalidade desses pacientes, apesar de respeitar os
g u id e lin e s.
A craniotomia visando à descompressão, para alívio da hipertensão intracraniana e/ou
drenagem do hematoma intracerebral, está associada a menor mortalidade, mas aumenta
significativamente a taxa de morbidade. As novas perspectivas do tratamento do AVCH
passam por cirurgias menos invasivas e pelo uso de agentes pró-trombóticos na fase pre­
coce da enfermidade. Melhores e maiores estudos demonstrarão se essa abordagem de
tratamento do AVCH mudará a história natural dessa doença.
40 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 3.4 Tratam ento cirúrgico do AVCH.

a PONTOS RELEVANTES

0 Diagnóstico clínico:
0 É um caso de um paciente com súbita fraqueza dimidiada, sem alteração da consciên­
cia nem crise convulsiva. Portanto, como em todo o paciente com um sinal neurológi­
co agudo e dimidiado, foi interpretado como um acidente vascular cerebral.
0 Diagnóstico radiológico:
0 Apesar de termos uma moderada repercussão ao exame neurológico, a tomografia de
crânio evidenciou um acidente vascular cerebral do tipo hemorrágico. Isto demonstra
a obrigatoriedade do exame de imagem no diagnóstico diferencial do acidente vascu­
lar cerebral (isquêmico ou hemorrágico) e consequente definição da melhor opção de
tratamento para cada caso.
0 Tratamento clínico:
0 O tratamento clínico, como discutido no decorrer do capítulo, deve primordialmente
visar os fatores précipitantes com o controle da pressão arterial e correção das possíveis
CAPÍTULO 3 t r a t a m e n t o do a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l h e m o r r á g i c o 41

alterações do sistema de coagulação. O ajuste da glicemia, assim como a prevenção de


úlceras de contato e de hemorragias gastrointestinais possem um papel primordial na
sobrevida e no resultado final da reabilitação destes pacientes.
0 Tratamento cirúrgico:
0 Neste caso o volume do hematoma era de 3 cm2, em região de gânglios da base, sem
evidencia de sangue em ventriculos cerebrais, nem de hidrocefalia. Uma interevenção
cirúrgica não foi necessária neste paciente após a avaliação do volume total do hemato­
ma, sua localização e as condições clínicas do paciente.

QU E S T ÕE S

1. Qual das regiões cerebrais não é comumente afetada no AVCH?


A. Putâmen.
B. Tálamo.
C. ínsula.

2. Qual dos fatores de risco abaixo não está relacionado ao AVCH?


A. Dieta pobre em fibras.
B. Hipertensão arterial.
C. Etilismo.

3. Assinale a alternativa correta:


A. Todo paciente com AVCH possui indicação de craniotomia.
B. Todo paciente com AVCH em fossa posterior tem indicação de craniotomia.
C. Dependendo do tamanho do hematoma e da sua localização, há indicação de abordagem cirúr­
gica do paciente após um AVCH.

4. Qual das drogas abaixo deve ser primeira escolha no tratamento do paciente hipertenso com
AVCH e edema agudo de pulmão?
A. Nitroprussiato de sódio.
B. Furosemida.
C. Manitol.

5. A monitoração da pressão intracraniana:


A. Deve ser realizada em todos os pacientes com AVCH.
B. É uma ferramenta útil no manejo de paciente com sinais de hipertensão intracraniana.
C. Não deve ser realizada em pacientes com AVCH.
42 neurologia e neurocirurgia HIAE

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4

Dissecção de vasos cervicais


Alexandre Ottoni Kaup
Roberto Naum Franco Morgulis

RELATO DE CASOS_______________________________________________________
Caso 1

Paciente do sexo masculino, 43 anos de idade, branco, foi avaliado no pronto aten­
dimento com fraqueza na mão direita e dificuldades na fala há 4 horas. Acordou
sem qualquer alteração perceptível, notando, 30 min. após, fraqueza na mão direi­
ta acompanhada de sensação de formigamento em membro superior direito, além
de leve dor de cabeça e fotofobia, com dificuldade para encontrar palavras. Foi ao
pronto-atendimento cerca de 4 horas após o início, assintomático, depois de ser
convencido pela esposa.
O paciente não apresentava antecedentes mórbidos, traumatismo craniano, dores
de cabeça ou antecedentes familiares de doenças cardiovasculares. Ao exame, apre­
sentou pressão arterial de 167 x 108, frequência cardíaca de 98 bpm, pulso carotídeo
presente bilateral sem sopros e prova de Mingazzini para membros superiores com
queda distai de membro superior direito. O restante dos exames geral e neurológico
era normal. A escala de acidente vascular cerebral (AVC) do NIH (NIHSS) era igual
a zero. Eletrocardiograma (ECG) e tomografia computadorizada (TC) de crânio
sem contraste também estavam normais.
A hipótese diagnóstica inicial foi de ataque isquêmico transitório. O diagnóstico
diferencial inicial foi para cefaleia com características migranosas com aura pares-
tésica e afásica.
43
44 neurologia e neurocirurgia HIAE

Adotou-se a conduta de internação, com realização de ressonância magnética


(RM) de crânio mostrando área de restrição à difusão na região da cápsula exter­
na e do córtex insular à esquerda (Figura 4.1) e irregularidades na artéria carótida
interna esquerda.

FIGURA 4.1 Área de restrição à difusão (brilho) na região da cápsula externa e do córtex
in su la r à esquerda.

A angiotomografia mostrou aneurisma na porção média da artéria carótida interna


esquerda, com apagamento no fimdo da mesma, sendo interpretada como presença de
trombo intra-aneurismático (Figura 4.2). O Doppler transcraniano estava normal.

FIGURA 4.2 Aneurisma na porção média de artéria carótida interna esquerda, com apagam en­
to no fundo da mesma, sendo interpretado como presença de trom bo intra-aneurism ático.
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 45

A hipótese diagnóstica foi de dissecção assintomática de artéria carótida interna es­


querda, acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) de provável causa arteroarterial e
aneurisma de porção subpetrosa de artéria carótida interna esquerda. Como conduta,
optou-se por anticoagulação plena e a relação do índice normatizado (INR) entre 2 e 3.
Foi programada nova angiotomografia dos vasos cervicais em 6 meses para avaliação
da artéria e acompanhamento de aneurisma. Indicou-se uso de valsartan, 80 mg/dia.
Cerca de 7 meses após o início da anticoagulação, o paciente interrompeu o uso da
medicação para realização de endoscopia digestiva alta (EDA), sendo introduzido
clopidogrel, 75 mg após sua realização.
Angiotomografia de vasos cervicais realizada 8 meses após a dissecção de artéria
carótida interna esquerda mostrou redução de tamanho do aneurisma, mas eviden­
ciou dissecção de artéria carótida interna direita, que ocorreu, provavelmente, em
vigência da anticoagulação, de forma assintomática, mostrando grande irregulari­
dade, sem alterações de fluxo observadas em angiografia digital (Figuras 4.3 e 4.4). O
Doppler transcraniano não continha evidências de atividade embólica espontânea.
Optou-se por manter o paciente sob anticoagulação plena, reavaliando-o por ima­
gens em 6 meses.
Um ano após o primeiro diagnóstico de dissecção, realizou-se angiotomografia de
vasos cervicais mostrando maior redução no tamanho do aneurisma em artéria ca­
rótida interna esquerda e das irregularidades de dilatação em artéria carótida inter­
na direita (Figuras 4.5 e 4.6).
Desde então, esse paciente está assintomático, sob antiagregação com clopidogrel
(75 mg/dia) e valsartan (80 mg).

FIGURA 4.3 Artéria carótida interna direita normal por ocasião do diagnóstico de dissecção
de artéria carótida interna esquerda, prim eiro vaso a sofrer dissecção.
46 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 4.4 Dissecção de artéria carótida interna d ire ita m ostrando grande irregularidade,
sem alterações d efluxo observadas em angiografia d ig ita l.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 36 anos de idade, branca, apresentou dor de início súbito
na região cervical posterior esquerda há 3 semanas, como se “alguém tivesse enfia­
do uma estaca em seu pescoço”. Desde então, sente dores no hemicrânio esquerdo,
acompanhadas de olho vermelho, discreta ptose palpebral e anisocoria, e está com
a pupila esquerda menor que a direita. Há 4 dias, apresentou formigamento na face,
braço e perna direitos, associado a dor na garganta.
A paciente nega hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabete melito (DM), taba­
gismo e uso de álcool e drogas, mas confirma avó com AVC e artrite reumatoide na
família. Ao exame, apresentou anisocoria, com pupila direita maior que a esquerda,
reflexos fotomotor direto e consensual presentes, discreta diminuição da fenda pal­
pebral esquerda, sem outras alterações de nervos cranianos, e pulsos carotídeos pre­
sentes sem sopros. Não houve outros achados ao exame físico geral ou neurológico.
TC cervical e RM de crânio mostraram dissecção de artéria carótida interna esquer­
da (Figuras 4.7 e 4.8). A angiografia digital mostrou alterações compatíveis com dis­
secção da artéria carótida interna esquerda, acima do bulbo, com discreta estenose
(Figura 4.9).
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 47

FIGURA 4.5 Após o prim eiro diagnóstico de dissecção, realizou-se angiotom ografia de vasos
cervicais m ostrando m aior redução no tam anho do aneurism a em artéria carótida interna
esquerda.

FIGURA 4.6 Angiotom ografia de vasos cervicais m ostrando redução das irregularidades e
d ila ta çã o em artéria carótida interna esquerda.
48 neurologia e neurocirurgia HIAE

A hipótese diagnóstica inicial foi de paralisia oculossimpática, associada à dor cer­


vical, com dissecção de artéria carótida interna esquerda. O diagnóstico diferencial
foi para processo expansivo em ápice pulmonar, cefaleia trigêmino-autonômica.
Conduta: antiagregação dupla (AAS + clopidogrel) e pizotifeno (0,5 mg) para a
cefaleia.

FIGURA 4.7 RM de crânio mostrando dissecção de artéria carótida interna esquerda (seta).

FIGURA 4.8 TC cervical m ostrando dissecção de artéria carótida interna esquerda (seta
branca) com artéria carótida interna direita norm al (seta preta).
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 49

FIGURA 4.9 Angiografia d ig ita l com dissecção da artéria carótida interna esquerda, acim a
do bulbo, com discreta estenose.

A paciente evoluiu com melhora da cefaleia/dor cervical, com regressão das altera­
ções encontradas no exame inicial, com fenda palpebral simétrica bilateralmente e
diminuição da assimetria pupilar. O Doppler transcraniano não mostrou alterações
compatíveis com sinais de atividade embólica, sem alterações no fluxo das artérias
intracranianas.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 43 anos de idade, branca, foi avaliada no pronto-atendi­


mento com história de tonturas, desequilíbrio e visão dupla há 15 min. não conse­
guindo caminhar ou ficar em pé. Referia aparecimento de dor cervical posterior e
na região escapular bilateralmente cerca de 24 horas antes, que atribuiu à atividade
física realizada no dia anterior.
Ao exame, apresentava pressão arterial de 170 x 110, pulso de 78 bpm, estrabismo e di-
plopia multidirecional, além de estar astásica, com disartria e disfonia, comprometimen­
to cerebelar à esquerda, ataxia e dismetria em membros superior e inferior esquerdos
e hemi-hipoestesia em dimidio direito. Apresentava pontuação na escala de coma de
Glasgow: 15; escala de AVC do NIH: 8; e glicemia capilar: 110.
A hipótese diagnóstica inicial foi de AVCI de circulação posterior associado à dor
cervical e dorsal iniciada 24 horas antes, com dissecção de artéria vertebral (AV). A
TC de crânio sem contraste mostrou hipersinal em AV esquerda.
Como conduta, foi feita a hipótese de acidente vascular de circulação posterior, com
início há 1 hora, quando terminada a TC, com NIHSS igual a 10 (piora desde a
50 neurologia e neurocirurgia HIAE

entrada). O tratamento instituído incluía trombólise endovenosa com Actilyse® na


dose total de 0,9 mg/kg. Durante a infusão, a paciente referiu hemianopsia, que
durou cerca de 5 min.
Realizou-se, então, angiografia digital (Figura 4.10), que revelou dissecção bilateral
de artérias vertebrais, com estenose significativa. A RM de crânio mostrou infarto is-
quêmico lateral em porção baixa do bulbo à esquerda e em região cerebelar vermiana
(Figura 4.11). A paciente evoluiu com melhora progressiva do déficit, com escore de
Rankin modificado de 1 aos 90 dias, atualmente com Rankin 0. Foi mantida a anticoa-
gulação por 6 meses e repetida a angiografia digital, que mostrou recanalização das
artérias vertebrais, com fluxo normal (Figura 4.12). O anticoagulante oral foi trocado
por antiagregante plaquetário.
A paciente evolui com Rankin 0 desde então, sem outros eventos neurológicos ou
vasculares.

► DISCUSSÃO
Epidem iologia

Considerada previamente uma condição rara, a dissecção de artérias cervicais (DAC)


tem sido reconhecida como importante causa de AVCI em pacientes jovens. A dissecção
da artéria carótida interna é mais comum que a dissecção da artéria vertebral.
A dissecção espontânea da artéria carótida tem uma incidência anual de 2,5 a 3 casos a cada
100 mil habitantes, enquanto a incidência da dissecção da artéria vertebral, acredita-se, seja de
1 a 1,5 caso a cada 100 mil habitantes por ano. Considera-se a dissecção como causa de 2% dos
AVCI para todas as faixas etárias, representando 10 a 25% de todos os AVCI em jovens.12

FIGURA 4.10 A ngiografia d ig ita l que revelou dissecção b ila te ra l de a rté ria s ve rte b ra is
d ire ita e esquerda (setas).
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 51

FIGURA 4.11 RM de crânio mostrou in fa rto isquêm ico lateral em porção baixa do bulbo à
esquerda e região cerebelar verm iana.

FIGURA 4.12 Angiografia d ig ita l que mostrou recanalização das artérias vertebrais, com
fluxo norm al (artéria vertebral esquerda).

A penetração do sangue circulante na parede do vaso entre a camada média e a íntima


(dissecção subintimal) leva à diminuição da luz do vaso, causando estenose ou oclusão,
enquanto a presença do sangue entre as camadas média e adventícia (subadventicial) leva
à formação de aneurismas.
Embora afete pessoas em qualquer faixa etária, parece haver maior concentração de ca­
sos ao redor da 5a década da vida. Na ocorrência da dissecção, as mulheres afetadas são, em
52 neurologia e neurocirurgia HIAE

média, 5 anos mais jovens que os homens, com dissecções múltiplas sendo mais comuns
nas mulheres (18 vs. 10%).14
Uma limitação no entendimento da DAC está no fato de não haver estudos populacio­
nais com grande número de pacientes, visto que a doença é diagnosticada essencialmente
em pacientes que procuram atendimento médico. Assim, a prevalência da DAC quanto ao
sexo, maior no sexo masculino em algumas séries de casos, mas igual em outras, os fatores
de risco implicados de forma determinante na ocorrência da doença e a predominância
em caucasianos são controversos e de difícil comprovação.

Fatores de risco

Acredita-se que o ponto inicial necessário para a DAC espontânea seja um defeito estru­
tural na parede da artéria, decorrente de uma alteração do colágeno, sendo mais observada
em doenças que cursam com alterações do colágeno, como síndrome de Ehlers-Danlos
tipo IV, osteogenesis im p e rfe c ta tipo I, Doença de Marfan e Doença renal policística de
transmissão autossômica dominante, identificáveis em 5% das DAC. Cerca de 5% dos pa­
cientes apresentam algum parente com quadro de dissecção vascular espontânea, seja em
vasos cervicais ou na aorta.5,6
A hipertensão arterial é mais presente no homem (30 vs. 15%), sendo a migrânea mais co­
mum nas mulheres (47 vs. 20%). Para migrânea com aura, 35 vs. 16%, sem aura, 12 vs. 4%.5,7
Evidência de comprometimento de ramos da artéria temporal superficial em pacientes
com DAC em comparação a controles sugere que a dissecção poderia estar relacionada a
quadro inflamatório sistêmico e transitório, que justificaria o aumentado risco de dissec­
ção de vasos múltiplos em um curto período, fato comumente observado após o primeiro
evento.8 Evidência indireta de arteriopatia generalizada pode, ainda, ser suspeitada por
meio de maior associação de aneurismas intracranianos, alargamento da raiz da aorta,
redundâncias arteriais e aumento da distensibilidade arterial.
A relação entre dissecção arterial cervical e manipulação cervical, como na quiropraxia,
é difícil de ser estabelecida, uma vez que, em parte dos casos, os indivíduos procuram esse
tipo de tratamento devido à presença de dor cervical, que pode representar sintoma da
ocorrência da dissecção já em curso.
A avaliação de risco familiar para a DAC mostra que, embora algumas famílias mostrem
ocorrência de DAC, não há padrão definido ou conhecimento de fatores determinantes para
a ocorrência dessa manifestação. Não se observou diferença nos fatores de risco para DAC
em comparação aos casos esporádicos, nem foi possível determinar um padrão fenotípico de
alguma doença do colágeno nos casos familiares. Os pacientes com quadro familiar parecem
ter ocorrência mais precoce da DAC, com maior frequência no comprometimento de múl­
tiplos vasos.6,9
Outros fatores de risco para doenças vasculares, como tabagismo, diabete melito e dislipi-
demia, não parecem exercer papel determinante na ocorrência da DAC. Estudo que avaliou a
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 53

presença de estigmas de doença do tecido conjuntivo ou achados laboratoriais que pudessem


corresponder a maior risco de ocorrência da DAC, comparando pacientes com DAC e con­
troles com AVCI por outras causas, concluiu ser impossível identificar pacientes que estives­
sem sob risco de DAC com base em um sinal clínico, seja isolado ou em combinação.10

Quadro clínico

Pacientes com dissecção de artéria cervical podem apresentar sintomas de isquemia


transitória na retina, no território carotídeo ou na circulação posterior, além de Síndro-
me de Horner, cefaleia hemicraniana, paralisia de nervos cranianos, AVCI ou hemorragia
subaracnoide.1,2Tipicamente, apresentam dor de cabeça, no olho ou pescoço, associada à
Síndrome de Horner ipsilateral (30% dos casos), ocorrendo isquemia retiniana ou cerebral
dias após.11Anidrose facial não é observada, uma vez que as glândulas sudoríparas faciais são
inervadas pelo plexo simpático presente no entorno da artéria carótida externa. A presença
de paralisia oculossimpática deve sempre ter a dissecção carotídea como diferencial.
A dor pode ter apresentação variável, tendo instalação gradual ou súbita, sendo pulsátil ou
em pressão/aperto, uni ou bilateral, desaparecendo totalmente na maioria dos casos em até 3
meses após a instalação do quadro. Cerca de 25% dos pacientes apresentam dor confinada à
região cervical anterolateral alta, podendo ser confundida com carotidínia. Cerca de 80% dos
pacientes têm cefaleia ou dor ocular, que pode ser de instalação gradual ou súbita, descrita
como uma facada, lembrando, às vezes, a instalação da hemorragia subaracnoide. Muitas vezes,
pacientes com migrânea consideram a dor semelhante, de alguma forma, à migranosa.11
O comprometimento de nervos cranianos baixos pode ser observado (nervo hipoglos-
so) por alteração direta de irrigação do nervo, que ocorre por ramos da artéria carótida
interna. A presença de alteração ocular e de nervos cranianos baixos pode levar à errônea
consideração de um quadro isquêmico de tronco cerebral. Zumbido pulsátil pode estar
presente em 25% dos casos.1
A DAC é uma causa importante de AVCI em pacientes jovens, devendo sempre ser
considerada em pacientes que apresentem doenças do colágeno previamente diagnosti­
cadas ou em pacientes jovens sem fatores de risco para doença cerebrovascular. Quan­
do comparadas a dissecção da artéria carótida interna e a da artéria vertebral, observa-se
maior ocorrência de eventos isquêmicos após a dissecção da artéria vertebral.12

Form ação de aneurism as

A dissecção arterial ocorre pela penetração de sangue na parede arterial. A presença


do sangue entre as camadas íntima e média leva à estenose da luz do vaso, enquanto a
dissecção entre as camadas média e adventícia causa dilatação aneurismática, que pode
ser observada por meio de angiografia digital, angiorressonância ou angiotomografia no
momento do diagnóstico ou no seguimento, em 20 a 30% dos pacientes com DAC.13
54 neurologia e neurocirurgia HIAE

A distribuição desses aneurismas na dissecção da artéria carótida interna (ACI) ocorre


de maneira decrescente na porção subpetrosa, no terço médio e na região pós-bifurcação
da ACI.
Embora em alguns casos o aneurisma possa servir como fonte embolígena, represen­
tando um risco para eventos isquêmicos, as séries de casos mostram que a presença dos
aneurismas não representa maior morbidade ou mortalidade, quando se comparam pa­
cientes com DAC sem aneurismas. A evolução benigna em longo prazo sugere que, a partir
do diagnóstico, o tratamento conservador com antiagregação plaquetária e acompanha­
mento radiológico por angiorressonância ou angiotomografia é seguro e mais razoável que
procedimentos cirúrgicos ou endovasculares, sujeitos a maior iatrogenia.14

Diagnósticos diferenciais

Os diagnósticos diferenciais baseados no quadro clínico da DAC são:

■ migrânea com aura: quando se manifesta apenas com cefaleia e sintomas neurológicos
transitórios, de curta duração, sendo a cefaleia, muitas vezes, descrita pelos pacientes
como semelhante à cefaleia migranosa. Como citado anteriormente, observa-se grande
prevalência de migrânea com aura nos pacientes que apresentam DAC;
■ cefaleia trigêmino-autonômica: cefaleia em salvas nos pacientes que apresentam cefaleia
de forte intensidade associada à paralisia oculossimpática, com Síndrome de Horner;
■ amaurose fugaz decorrente de doença ateromatosa carotídea.

Tratam ento

Não existe, até o momento, um consenso estabelecido baseado em clinicai trials ou


níveis de evidência para a decisão sobre o tratamento da DAC. Uma posição comum na
literatura médica nas séries de casos mostra que tanto a antiagregação quanto a anticoagu-
lação podem ser consideradas tratamentos efetivos para a DAC. Considerar o mecanismo
de possíveis lesões isquêmicas decorrentes da DAC serve para guiar a escolha entre as
opções descritas.
A anticoagulação deve ser considerada em pacientes com sinais de atividade embólica
a partir do sítio da DAC (Caso 1), naqueles com quadros isquêmicos à distância e lesões
sugestivas de mecanismo embólico nos exames de imagem, e para aqueles que apresen­
tam evidência de sinais transitórios de alta intensidade (HITS) ao Doppler transcraniano,
podendo ser observados em 25 a 60% dos casos de DAC. A presença de múltiplas lesões
isquêmicas observadas na RM com difusão é vista em 70% dos pacientes com dissecção de
artéria carótida interna, de distribuição cortical e/ou subcortical.15,16
A formação de trombos intra-arteriais pode, ainda, justificar o argumento a favor da
anticoagulação. Uma vez que a maioria dos vasos terá recanalização espontânea ao longo
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 55

das semanas ou dos meses seguintes (30% na primeira semana; 60 a 80% em 3 meses), a
presença de trombos poderia aumentar o risco de embolia arteroarterial.15
A antiagregação simples ou combinada (com uso de um ou mais antiagregantes pla-
quetários) tem sido usada com sucesso no tratamento da DAC. O fato de a anticoagulação
plena poder levar ao aumento do hematoma intramural que caracteriza a DAC, a altera­
ções hemodinâmicas associadas ao uso da heparina e a maior risco, embora relativamente
pequeno, de complicações hemorrágicas com uso de anticoagulantes, pode favorecer a
antiagregação plaquetária. Além disso, a antiagregação mostra-se mais efetiva em alguns
estudos na prevenção secundária do AVC de origem arterial. De modo geral, a anticoa­
gulação na fase precoce ou inicial pós-DAC, em um período de 3 a 6 meses, seguida pela
substituição por antiagregação plaquetária, mostra boa segurança e evolução como trata­
mento conservador.
O tratamento agudo com trombólise no AVCI decorrente da DAC tem sido descrito.
Riscos considerados no tratamento trombolítico da DAC são o aumento do hematoma
na parede do vaso, o deslocamento do trombo intra-arterial com consequente embolia, a
ocorrência de hemorragia subaracnoide e a formação de pseudoaneurisma. Até o momen­
to, não há evidência de aumento do hematoma ou da lesão dissecante secundária ao uso
do trombolítico.1718
Lesões dissecantes de artéria carótida interna com extensão para segmento intracrania­
no que evoluem com sintomas isquêmicos têm sido submetidas a tratamento endovascu­
lar, sendo a colocação de ste n ts uma possibilidade terapêutica às lesões estenosantes com
comprometimento do fluxo posterior à lesão.19
Pacientes com dissecção arterial apresentam baixo risco de recorrência nas artérias
acometidas em longo prazo, bem como baixo risco de ocorrência de eventos isquêmicos
como sequela de lesões arteriais crônicas.20

□ PONTOS RELEVANTES

El A dissecção de artérias cervicais é um evento imprevisível observado em pacientes jo­


vens, entre a 4a e 5a década de vida, que respondem por 10 a 25% dos AVC em pacientes
abaixo dos 45 anos.
0 Embora seja mais comum em pacientes portadores de doenças do colágeno, estes re­
presentam apenas 5% de todos os casos de dissecção de artérias cervicais.
0 A descrição de ocorrência familiar, com ou sem outros diagnósticos, parece predispor a
que o evento ocorra em pacientes mais jovens e acometa múltiplos vasos.
0 Cerca de 20 a 30% dos pacientes com dissecção de artérias cervicais apresentarão a
formação de aneurismas secundários à dissecção, que podem representar uma fonte
embolígena e, em sua grande maioria, devem ser tratados de maneira conservadora.
56 neurologia e neurocirurgia HIAE

0 O tratamento da dissecção arterial de vasos cervicais deve ser decidido levando-se em


conta o risco de embolia a partir da lesão arterial, podendo consistir em anticoagulação
ou antiagregação.
0 O uso de medicamentos trombolíticos em AVC isquêmicos decorrentes de dissecção
arterial tem sido descrito, com sucesso no tratamento da lesão aguda, sem descrições
até o momento de prejuízo ao vaso dissecado.

QU E S T ÕE S

1. A ocorrência da dissecção arterial de vasos cervicais:


A. Sempre leva a AVCI.
B. Sempre leva a comprometimento de nervos cranianos.
C. Pode ocasionar apenas quadro doloroso cervical e cefálico.

2. A dissecção de artérias cervicais:


A. É mais comum na circulação anterior.
B. É mais comum na circulação posterior.
C. Ocorre de maneira igual nas circulações anterior e posterior.

3. São fatores de risco para dissecção de vasos cervicais:


A. Osteogenesis imperfecta, diabetes e obesidade.
B. Doença de Marfan, hipertensão arterial e migrânea com aura.
C. Síndrome de Ehlers-Danlos, hipotireoidismo e sedentarismo.

4. Quanto ao comportamento e ao tratamento do aneurisma secundário à dissecção de artérias


cervicais:
A. Ocorrem em 20 a 30% dos pacientes e deve ser tratado cirurgicamente.
B. Podem servir como fonte embolígena; antiagregação ou anticoagulação.
C. Aumentam de tamanho; uso de tratamento endovascular está indicado.

5. Quanto ao tratamento da dissecção arterial cervical:


A. Trombólise pode ser usada no AVCI decorrente da dissecção arterial.
B. Tratamento inicial com anticoagulação e posterior antiagregação mostra-se efetivo.
C. Todas as anteriores.
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 57

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5

Amnésia global transitória


Rodrigo Meirelles Massaud
João Radvany

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 62 anos de idade, destro, branco, casado, executivo,


com 20 anos de escolaridade, natural de São Paulo, foi admitido no departamento
de emergência, trazido pela esposa, com queixa de confusão mental há 6 horas da
admissão. A esposa informou que o paciente acordou normalmente e foi para a
academia. Durante o esforço físico (musculação), evoluiu com quadro agudo de
alteração da memória, referida como confusão mental. Ela relatou ter testemunhado
o início do quadro e que em momento algum o paciente apresentou perda de cons­
ciência, abalos ou automatismos, perda de força muscular e liberação esfincteriana.
Ele falava fluentemente, sem aparente alteração de linguagem ou sintomas visuais.
Negou trauma de crânio precedendo o início do quadro.
O paciente parecia perplexo, repetia várias vezes a mesma pergunta, estava desorien­
tado no tempo e não se lembrava de fatos ocorridos há algumas horas, como ter ido
à academia, entre outros. A auto-orientação estava preservada. O paciente parecia
ter dificuldade com a ordem cronológica dos fatos. Encontrou algumas pessoas na
noite anterior em um evento de trabalho, mas não conseguia se lembrar do evento.
Perguntava o horário e a data várias vezes e, apesar da orientação da esposa, foi inca­
paz de reter as informações. O paciente chegou a manobrar o carro no estacionamen­
to da academia, quando foi convencido pela esposa a procurar o hospital.

59
60 neurologia e neurocirurgia HIAE

Ao exame neurológico, encontrava-se vígil, respondendo a solicitações verbais sim­


ples; abertura ocular espontânea e movimentação ocular extrínseca preservada;
mantendo contato ocular com o examinador; desorientado no tempo e orientado no
espaço; com face simétrica sem desvio de rima labial; com força muscular, campime-
tria, sensibilidade e provas cerebelares preservadas; com fala fluente com conteúdo
preservado; e ausência de disartria ou afasia e de sinais de negligência. A pontuação
na escala de acidente vascular cerebral (AVC) do National Institute of Health (NIH)
foi de 1. Na escala de Glasgow, apresentou pontuação total de 15.
O paciente estava hemodinamicamente estável, com exame físico sem alterações.
Apesar de várias apresentações do examinador, foi incapaz de reter o nome do mé­
dico que o atendeu e perguntou várias vezes o que estava acontecendo e por que
estava ali naquele momento. No miniexame do estado mental, perdeu pontos na
orientação temporal e na evocação de palavras, mas realizou cálculos de subtração
e cópia de figuras, apresentando pontuação total de 22. A tomografia computado­
rizada (TC) de crânio, o eletrocardiograma normal (ECG), o hemograma, a função
renal e os eletrólitos estavam normais na admissão.
O paciente foi internado com suspeita de amnésia global transitória (AGT) e evoluiu
com melhora espontânea dos sintomas após 10 horas do início do quadro. Reali­
zou eletroencefalograma (EEG) sem sinais de atividade epileptiforme e ressonância
magnética (RM) de crânio com difusão, após 24 horas do início do quadro, demons­
trando restrição à difusão no hipocampo bilateral com imagem correspondente no
coeficiente de difusão aparente (mapa ADC) (Figuras 5.1 e 5.2).

FIGURA 5.1 RM de crânio realizada 24 horas após o início do quadro revelou dim inutos focos
puntiform es de restrição à difusão (setas) em am bas as form ações hipocam pais, sem reper­
cussão nas dem ais sequências. 0 mapa de coeficiente de difusão aparente (ADC) confirm ou
os focos puntiform es de restrição à difusão (círculos).
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 61

FIGURA 5.2 Aquisições no plano coronal podem ser úteis para confirm ar e a v a lia r m elhor os
pequenos focos de restrição à difusão, observados no plano axial.

COMENTÁRIOS

As amnésias são consideradas parte de várias condições neurológicas, como as demên­


cias, o d e lir iu m , as epilepsias e os distúrbios do sono, porém raramente se apresentam de
forma isolada, estando geralmente associadas a outras alterações do estado mental.
Este capítulo tem como tema a AGT, um modelo clínico que facilitou o estudo das altera­
ções de memória de forma isolada ou quase isolada, sem outras alterações do estado mental.
No entanto, antes de se falar em amnésia, é preciso definir alguns conceitos fundamentais
para o entendimento da memória.
Estudos neuropsicológicos definem, de forma operacional, dois grandes grupos de me­
mórias: as declarativas ou explícitas e as não declarativas ou implícitas. A memória para
fatos e eventos é conhecida como memória declarativa, aquilo que geralmente se quer
dizer com a palavra “memória” em sua utilização diária. A expressão memória declarativa
não só faz referência à possibilidade de evocar conscientemente fatos e eventos, mas sugere
que se possa fazê-lo mediante verbalização.
A memória declarativa é subdividida em memória episódica ou pessoal e memória se­
mântica. A primeira é aquela que expressa o conhecimento de eventos vivenciados por um
indivíduo no passado. Os eventos que se relacionam a fatos referentes ao indivíduo são deno­
minados memória autobiográfica. Já a memória semântica é caracterizada pelo conhecimen­
to factual e do significado de palavras ou fatos. Geralmente, o componente episódico costuma
ser mais afetado que o componente semântico em pacientes com queixas de memória.
As síndromes amnésicas podem ser definidas como falência nos mecanismos asso­
ciados às memórias declarativas. As memórias não declarativas dividem-se em várias
categorias, como a memória de procedimentos (habilidades, como andar de bicicleta, e
hábitos) e de respostas emocionais (medo aprendido etc.). Esse tipo de memória foge ao
escopo deste estudo.
62 neurologia e neurocirurgia HIAE

As memórias são formadas por uma representação mental conhecida como codifica­
ção. Posteriormente, as informações codificadas são armazenadas e indexadas para uso
futuro. As memórias armazenadas podem ser evocadas para a consciência, quando neces­
sário. Pacientes com problemas na codificação ou no armazenamento de novas memórias
têm um quadro denominado amnésia anterógrada. Aqueles com problemas para evocar
conteúdos armazenados previamente a um determinado ponto no tempo têm um quadro
denominado amnésia retrógrada. As amnésias retrógradas sem um período de amnésia
anterógrada são extremamente raras em doenças neurológicas.
As memórias podem, ainda, ser divididas em memórias de longa ou curta duração. As
de longa duração ou longo prazo são aquelas que podem ser evocadas após dias, meses ou
anos do seu armazenamento. Já as de curta duração ou curto prazo duram de segundos a
horas e são muito vulneráveis a perturbações ambientais. Estão diretamente relacionadas
ao sistema atencional e são dependentes de diferentes in p u ts sensoriais.
Inicialmente, acreditava-se que as memórias de curta duração eram convertidas em me­
mórias de longa duração por meio de um mecanismo denominado consolidação da memó­
ria. Atualmente, sabe-se que os mecanismos de memórias declarativas de longa duração e
curta duração são independentes, pois a maquinaria neural responsável pela memória decla­
rativa encontra-se dispersa em vários sistemas neurais distribuídos pelo encéfalo.

Amnésia global transitó ria

Bender1 foi o primeiro a descrever, em 1956, alguns casos de pacientes com um epi­
sódio agudo de confusão associada à amnésia. Posteriormente, em 1956 e 1964, Fisher e
Adams2,3 descreveram novos casos de pacientes com síndromes amnésicas de curta dura­
ção e propuseram um nome para a síndrome, denominando-a amnésia global transitória
(AGT). Após a descrição original, surgiram numerosos relatos na literatura e, em 1978,
Rollison4 fez uma revisão, encontrando 213 casos descritos.
A AGT é caracterizada por um quadro reversível, relativamente isolado, de amnésia
anterógrada associado a quadros variáveis de amnésia retrógrada, acometendo principal­
mente pessoas entre 50 e 80 anos de idade, com média entre 60 e 65 anos.56 Sua etiologia
permanece sendo um tema polêmico na literatura. Aparentemente, não apresenta diferen­
ça de incidência entre os sexos.57Apesar do comportamento benigno, a síndrome possui
alguns diagnósticos diferenciais que podem evoluir de forma grave, devendo ser pronta­
mente reconhecida.

E p id e m io lo g ia

Estima-se que, na população geral, a incidência de AGT encontre-se entre 5,2 a 10:100.000
habitantes por ano. A incidência em pacientes com 50 anos ou mais é de 24 a 32:100.000 ha­
bitantes por ano.58Aparentemente, não há diferença de incidência entre os sexos.5,7
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 63

A idade de ocorrência é extremamente variável, podendo acometer de adolescentes até


idosos acima dos 80 anos de idade. A maioria dos casos ocorre acima dos 50 anos, com
média entre 60 e 65 anos.5,6
Apesar da associação com outras doenças, não há fatores de risco consistentemente as­
sociados. Fatores de risco para doenças vasculares (hipertensão arterial sistêmica, diabete
melito, dislipidemia) não são mais frequentes que em controles da mesma idade.9'13

F is io p a to lo g ia

Os sintomas clínicos da doença sugerem que a região médio-basal do lobo temporal,


principalmente algumas estruturas do hipocampo, sejam o provável sítio de acometimento
encefálico.14
Estudos de imagem funcional demonstram que as estruturas médio-basais do lobo
temporal estão envolvidas na formação de novas memórias episódicas, sendo o principal
déficit na AGT.15 Exames de RM com difusão demonstram lesões no hipocampo nas fases
aguda e subaguda.10,15'17
As lesões unilaterais à esquerda parecem ser mais comuns, mas podem ocorrer lesões
à direita ou bilaterais.11,12
Pacientes submetidos a exames de RM e avaliação neuropsicológica na fase aguda pare­
cem ter dados congruentes de lateralização.10Lesões do lado dominante parecem apresen­
tar maior disfunção em testes de memória verbal, enquanto lesões do lado não dominante
parecem apresentar maior disfunção em testes de memória visuoespacial. Os neurônios na
sub-região CA-1 do hipocampo parecem ser mais suscetíveis a estresse metabólico oxida-
tivo, principalmente quando submetidos à hipóxia ou isquemia.10,16 Essa vulnerabilidade
parece estar associada à maior sensibilidade ao efeito citotóxico glutamatérgico e à confor­
mação vascular do hipocampo.
As artérias hipocampais formam uma área de fronteira suscetível à hipóxia entre seus
ramos superior e inferior, em uma área conhecida como setor de Sommer. Alguns ramos
do sistema coróideo anterior e posterior também participam da vascularização. Possivel­
mente, esse conjunto representa um microssistema de autorregulação circulatória, com
mecanismos ainda não muito bem elucidados.

E tio lo g ia

Não há consenso quanto à suposta etiologia da AGT.11,18Várias hipóteses já foram aventa­


das; entre elas, hipótese vascular (arterial ou venosa), secundária ao fenômeno de depressão
alastrante relacionado à enxaqueca; epilepsias; e causas psicogênicas. Nenhuma dessas hipó­
teses explica de forma consistente os fenômenos clínicos da AGT.
Os achados de imagem demonstram localização anatômica relacionada à doença, mas
não esclarecem de forma clara sua etiologia.
64 neurologia e neurocirurgia HIAE

Hipótese vascular arterial

A AGT compartilha alguns aspectos com os ataques isquêmicos transitórios (AIT),


como ocorrência em pacientes idosos, associação com tromboembolismo, procedimentos
médicos (p.ex., angioplastia das artérias vertebrais, trombose de artéria basilar, dissecção
de aorta), estados de hipercoagulação e algumas síndromes relacionadas aos AVCs, que
também se manifestam com amnésia aguda semelhante à AGT.
Os pacientes com AGT parecem ter incidência maior de forame oval patente que con­
troles da mesma idade. Isso não parece ser uma causa de embolia paradoxal, mas talvez
apresente um papel hemodinâmico.
Algumas características contra a hipótese vascular arterial são:

■ a duração média da AGT costuma ser mais longa que a dos AIT;
■ os pacientes com AGT têm menor número de fatores de risco para doença vascular que
os pacientes com AIT;5,13
■ os pacientes com AGT têm risco menor de AVC no futuro que os pacientes com AIT,
mesmo quando corrigidos para outras variáveis demográficas, como a idade.613

Hipótese vascular venosa

Alguns autores aventaram a possibilidade de congestão venosa para explicar a fisiopa-


tologia da AGT. Essa explicação baseia-se na observação de que alguns eventos precipi­
tam episódios de AGT, como manobra de Valsalva, relação sexual, atividade intensa com
os membros superiores, ativação do sistema nervoso simpático por estresse emocional
importante e imersão em água gelada (mergulho). Supostamente, o aumento da pressão
intratorácica e o retorno venoso levariam à congestão venosa central, afetando o sistema
de drenagem profundo da região dorsomedial do tálamo e do hipocampo.16 O suporte
para essa teoria vem de estudos com Doppler que demonstraram refluxo venoso induzido
para as jugulares internas, com maior prevalência em pacientes com AGT (73%) que em
controles (36%).11,19 Isso presumivelmente reflete uma condição de insuficiência venosa
valvar nas veias jugulares internas, predispondo os pacientes à AGT.12
Algumas questões não são satisfeitas por essa hipótese11:

■ por que a congestão venosa e a isquemia se apresentam de forma seletiva para estrutu­
ras relacionadas à memória?
■ por que a AGT não é vista com maior frequência nos casos de trombose de seios veno­
sos cerebrais?
■ por que a recorrência é rara se o quadro pode ser induzido pela manobra de Valsalva?
■ por que a doença ocorre geralmente em idosos?
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 65

Fenômeno relacionado à enxaqueca 20

A enxaqueca pode causar sintomas neurológicos transitórios, como nas auras, e tem
sido proposta como uma das hipóteses para explicar a etiologia da AGT. Algumas caracte­
rísticas suportam essa hipótese, como a história pregressa de enxaqueca em pacientes com
AGT em alguns estudos de caso-controle. No entanto, as evidências contrárias são mais
fortes. Isto é, a enxaqueca é uma doença que acomete jovens e geralmente se apresenta de
forma recorrente, enquanto a AGT costuma acometer idosos e de forma isolada.
Alguns autores tentam explicar a fisiopatologia da AGT relacionando-a ao fenômeno
de depressão alastrante ocorrido na aura da enxaqueca.

Fenômeno epiléptico 14

A amnésia transitória pode ser uma manifestação de um fenômeno epiléptico. Entre­


tanto, as epilepsias não parecem estar relacionadas à AGT. Tratam-se de fenômenos recor­
rentes e não de episódios isolados. Os casos de AGT submetidos à monitoração com EEG
não demonstram atividade epileptiforme.

Distúrbios psicogênicos 5

Quando a AGT foi inicialmente descrita, acreditava-se em uma possível origem psico-
gênica. Atualmente, porém, os achados clínicos e radiológicos fortalecem a hipótese de um
substrato orgânico para a doença.
Alguns trabalhos demonstram fatores psicogênicos como desencadeantes do quadro, po­
rém as evidências científicas são pouco consistentes. A associação a doenças psiquiátricas e
a abuso ou dependência de álcool ou drogas é fraca e pouco replicável. Alguns defensores
dessa hipótese acreditam que o estresse emocional levaria à hiperventilação, que levaria à va-
soconstrição, que reduziria o fluxo sanguíneo cerebral. Isso, ocorrendo em pacientes idosos
com doença arterial de pequenos vasos, levaria a sintomas isquêmicos focais. Uma alternativa
seria a liberação de neurotransmissores excitatórios no lobo temporal, levando à disfunção do
hipocampo.

Aspectos clínicos
Os sintomas da AGT são típicos, com início bem marcado, e geralmente suficientes
para o diagnóstico. Os pacientes apresentam quadro de início abrupto de dificuldade para
incorporar novas memórias (amnésia anterógrada)14 e graus variáveis de amnésia retró­
grada. Geralmente apresentam um componente amnésico episódico autobiográfico muito
mais intenso que um componente semântico factual. São capazes de enumerar e nomear
eventos ocorridos dias antes, mas não conseguem lembrar a ordem cronológica e de que
66 neurologia e neurocirurgia HIAE

forma aquele evento se relaciona à sua experiência pessoal. A amnésia retrógrada pode se
estender de algumas horas antes do início do evento a dias, semanas e, raramente, anos.10
A evocação imediata encontra-se preservada, porém a evocação tardia encontra-se
particularmente alterada. O tempo de processamento parece um pouco lentificado, prova­
velmente relacionado à confusão em relação ao ambiente ao redor do paciente. As outras
áreas da cognição encontram-se preservadas.
Os pacientes com AGT parecem confusos, desorientados no tempo, questionam várias
vezes sobre a situação em que se encontram e apresentam fisionomia de perplexidade,
mas não parecem agitados ou em pânico. A perda da noção de s e lf praticamente exclui o
diagnóstico de AGT.1421 Os pacientes geralmente são capazes de realizar tarefas complexas,
como dirigir, cozinhar e tocar um instrumento musical.14,21
O exame neurológico, salvo as alterações de memória, encontra-se normal. A duração
média dos episódios é de aproximadamente 6 horas,5,6,10 com a maior parte dos episódios
apresentando duração entre 1 e 10 horas.5,11 Os episódios podem durar menos de 1 hora até
36 horas, porém, se passarem de 24 horas, outros diagnósticos devem ser aventados.
A amnésia retrógrada geralmente se resolve completamente ou permanece com dis­
creta alteração de curto período precedendo o evento. Comumente, os pacientes perma­
necem com uma “lacuna” de amnésia retrógrada para o período de duração do evento.
Os sintomas associados às alterações de memória são cefaleia, náusea, tontura, ansiedade,
parestesia nas extremidades, entre outros.5,10
Pacientes com história pregressa de episódios semelhantes são extremamente raros,
totalizando menos de 5% dos casos.5,10 Fatores precipitantes são relatados em 33 a 89% dos
casos. A variação desses fatores depende de quais fatores foram considerados precipitantes
e de sua busca sistemática em estudos clínicos. Os fatores precipitantes relatados incluem:
estresse emocional, esforço físico intenso, atividade sexual, procedimentos médicos (p.ex.,
angiografia e manobra de Valsalva), mudança postural, grandes altitudes, mergulho em
água gelada, alteração súbita da temperatura corpórea etc.5
Vários estudos sugerem que mais da metade dos episódios de AGT ocorre no período da
manhã.5O prognóstico dos pacientes com AGT costuma ser bom, com recuperação total dos
sintomas, manifestando-se como uma doença benigna. O tempo de recuperação da síndrome
amnésica parece variável, podendo chegar a alguns meses, em trabalhos com acompanha­
mento prolongado com testes neuropsicológicos. Muitos trabalhos demonstram recuperação
mais rápida da memória retrógrada em relação à anterógrada.
Os pacientes com AGT não parecem ter risco aumentado de doença vascular cerebral,
crises epilépticas, morte súbita ou expectativa de vida diminuída em relação aos controles
da mesma idade.

D ia g n ó s tic o d if e r e n c ia l

■ Crises epilépticas;
■ AIT/AVC;
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 67

■ enxaqueca;
■ trauma cranioencefálico (TCE);
■ intoxicações exógenas;
■ síndrome de retirada de drogas e álcool;
■ encefalite por herpes simples e outras encefalites;
■ causas tóxico-metabólicas;
■ encefalopatia de Wernicke;
■ causas psicogênicas.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico da AGT geralmente é baseado nas características clínicas. Critérios diag­


nósticos que têm sido propostos são:21'23

■ a informação sobre o início do episódio, relatada por um observador, para excluir a


presença de TCE, perda ou estreitamento da consciência e perda da noção de selfi
■ a instalação aguda da síndrome amnésica;
■ o paciente deve ser examinado durante a presença dos sintomas para a certificação de
que não há outros sinais e sintomas neurológicos além da amnésia anterógrada;
■ a perda de memória deve se resolver em até 24 horas; do contrário, outros diagnósticos
devem ser aventados;
■ pacientes com sinais ou sintomas sugestivos de atividade epileptiforme ou TCE devem
ser excluídos.

Não há qualquer teste confirmatório para AGT. A investigação inicial visa à exclusão de
possíveis diagnósticos diferenciais, sendo recomendável:

■ manter o paciente em observação até a melhora do quadro amnésico;


■ realizar testes laboratoriais, incluindo hemograma, VHS, gasometria arterial, glicemia,
creatinina, ureia, sódio, potássio, magnésio, cálcio total e iônico, TGO, TGP, gama GT,
FA, TSH e teste toxicológico;
■ realizar EEG em pacientes com suspeita de epilepsia;
■ administrar tiamina na dose de 100 mg, EV, a todos os pacientes no departamento de
emergência;
■ realizar TC no departamento de emergência, principalmente nos pacientes com fatores de
risco para doença vascular ou com alta probabilidade de outros diagnósticos diferenciais.

Diversos estudos envolvendo a avaliação de pacientes com AGT por RM foram realiza­
dos. A importância desse método de imagem tem sido cada vez mais reconhecida para o
auxílio diagnóstico, destacando-se as sequências ponderadas em difusão:7
68 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ a incidência dessas lesões na literatura é muito variável (0 a 84%).5,14>10>24Alguns trabalhos


demonstram que o tempo da realização da RM, preferencialmente entre 12 e 72 horas, e o
uso de aparelhos de alto campo magnético (3T), com espessuras de corte de 3 mm e b-values
de 2.000 e 3.000 s/mm2, aumentam substancialmente a detecção das lesões hipocampais;25
■ estudos de perfusão cerebral por tomografia por emissão de fótons (SPECT) mostra­
ram reduções do fluxo nas regiões temporais e hipocampais na maioria dos pacientes
nas fases agudas (24 horas do episódio). Após 48 horas, o fluxo nessas regiões pode
estar aumentado. A normalização ocorre em cerca de 1 semana a 3 meses;
■ SPECT e PET possuem dados conflitantes na literatura e pouca disponibilidade para
uso clínico em larga escala;
■ nenhum tratamento é para AGT. A doença geralmente não apresenta recorrências, não
sendo necessárias restrições para atividades de risco, como dirigir.

► DISCUSSÃO
O diagnóstico da AGT caracteriza-se pela constatação clínica do quadro agudo de alte­
ração da memória, predominantemente amnésia anterógrada e a exclusão de outros sinais
neurológicos.
Desde a descrição original por Bender e da denominação da síndrome por Fisher e
Adams são escassos os estudos com avaliação neuropsicológica de forma sistemática que
quantifique e qualifique melhor os sintomas cognitivos, na fase aguda, após melhora clí­
nica e o prognóstico de longo prazo. O estudo de um grande número de casos de forma
sistemática pode trazer melhor caracterização clínica. A correlação dos dados clínicos ao
estudo sistemático com exames complementares, como RM com difusão, SPECT, PET e
estudo eletrofisiológico, pode levar a uma melhor compreensão da etiologia e da fisiopato-
logia desta síndrome intrigante.

□ PONTOS RELEVANTES

El Pacientes trazidos ao pronto-socorro por familiares, com relato de confusão mental,


que deve ser presenciada pelo examinador.
0 Início agudo de alteração isolada da memória, principalmente na formação de novas
memórias episódicas predominantemente do componente autobiográfico, amnésia an­
terógrada.
0 Ocorrência igual entre os sexos, maioria dos casos ocorridos acima dos 50 anos de
idade.
0 Duração geralmente inferior a 12 horas, podendo durar até 36 horas.
0 Necessidade de realizar na fase aguda, diagnóstico diferencial com patologias graves.
0 Bom prognóstico, reversão espontânea do quadro clínico.
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 69

QU E S T ÕE S
1. Na AGT, é correto afirmar que:
A. Possui uma alteração específica no EEG.
B. É mais frequente em pacientes com fatores de risco para doença vascular cerebral.
C. Pode estar relacionada a uma disfunção transitória em neurônios CA-1 do hipocampo.

2. Qual sequência de RM de crânio é mais sensível para detecção de lesões na AGT?


A. Difusão.
B. FLAIR.
C. T2.

3. Qual é o tipo mais frequente de alteração neuropsicológica na AGT?


A. Afasia de broca.
B. Apraxia ideomotora.
C. Amnésia anterógrada.

4. Qual tratamento abaixo é preconizado na AGT?


A. Trombólise endovenosa.
B. AAS.
C. Nenhuma das anteriores.

5. Qual das seguintes alternativas não é classicamente um diagnóstico diferencial de AGT?


A. Enxaqueca.
B. Esclerose múltipla.
C. Ataque isquêmico transitório.

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Epilepsia
Abram Topczewski

INTRODUÇÃO

Os espasmos infantis representam um tipo especial de epilepsia que apresenta pontos


obscuros no que se refere à fisiopatologia do quadro, às dificuldades para o controle das
crises e à escolha de um esquema terapêutico eficiente. Guardam relação com a idade,
pois evidenciam-se na fase lactente e no infante muito jovem, além de poderem aparecer
de modo isolado, ou seja, como um único sintoma, ou fazer parte de um quadro clínico
mais complexo. Deve-se ainda considerar que os espasmos infantis necessitam de especial
atenção na sua identificação precoce, pois comprometem o desenvolvimento neuropsico-
motor em cerca de 2/3 dos casos. Ao cessarem os espasmos, outros tipos de crises epilép­
ticas podem se manifestar, em uma cifra próxima de 50%. Há ocasiões em que as crises
epilépticas precedem os espasmos infantis, o que, por vezes, pode interferir e dificultar seu
diagnóstico.
Os espasmos infantis podem se apresentar de três formas: em flexão do tronco e dos
membros (mais frequente), em extensão e mista. Deve-se estar atento, também, aos sinais
mais sutis, como a elevação dos olhos e a leve flexão do pescoço, que podem ser sinais pre­
coces dos espasmos. Essas crises mais discretas podem persistir por longo tempo sem serem
diagnosticadas.
Geralmente, os espasmos infantis se manifestam em série e os movimentos podem ser
simétricos ou assimétricos. São mais perceptíveis ao despertar ou adormecer e seguidos
por um sorriso ou choro. Inicialmente, não são reconhecidos como tais, pois são confun-

73
74 neurologia e neurocirurgia HIAE

didos com sustos ou com o reflexo de Moro. Ao se tornarem mais frequentes ou quando o
desenvolvimento neuropsicomotor estaciona ou regride, chamam a atenção dos familiares
e do médico generalista. Nota-se, inicialmente, perda das habilidades motoras, da intera­
ção social, do contato visual e do interesse pelos objetos.
O quadro progride rapidamente, em torno de 3 a 5 semanas a partir do início dos es­
pasmos. A farmacorresistência é uma das características relevantes dos espasmos infantis.
Ao eletroencefalograma (EEG), pode-se encontrar um traçado com anormalidades focais
ou com hipsarritmia.

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 7 meses de idade, nascido de parto cesariana com 33


semanas, sem anormalidades aparentes, apresentou septicemia e permaneceu hos­
pitalizado por 20 dias. O desenvolvimento neuropsicomotor estava defasado. Nesse
período, estava sendo tratado com medicamentos antiepilépticos devido ao apare­
cimento de espasmos em flexão, que eram pouco frequentes e breves, ocorrendo 2
a 3 vezes ao dia.
Os EEG realizados revelaram descargas do tipo irritativo nas regiões temporais e
parietais no hemisfério cerebral esquerdo. Não estava progredindo no aspecto neu­
ropsicomotor. Durante uma consulta para reavaliação clínica, apresentou 70 espas­
mos consecutivos, surpreendendo até os pais, que nunca haviam notado episódio
semelhante. O paciente, a partir de então, passou a ser tratado com imunoglobulina
endovenosa (EV), apresentando ótima resposta no controle dos espasmos. Após o
segundo pulso de tratamento, o EEG se apresentou sem anormalidades.
O progresso neuropsicomotor foi nítido, segundo os terapeutas que o acompanham
e a avaliação dos pais. A proposta terapêutica inicial foi tratar os espasmos com
hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), mas, devido à indisponibilidade do medi­
camento na ocasião, optou-se pela aplicação da imunoglobulina.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 6 meses de idade, nascido de parto normal, com hemi-
paresia esquerda. Passou a apresentar espasmos em flexão e foi encaminhado para
EEG, que revelou um traçado de hipsarritmia.
Iniciou-se tratamento com ACTH, o que fez os espasmos desaparecerem no período
de 1 semana. Completou 60 dias de tratamento e não apresentou outro tipo de crise até
o momento.
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 75

Atualmente, com 6 anos de idade, apresenta desenvolvimento neuropsicomotor


compatível com a idade, apesar de ser hiperativo e ainda manter discreta hemipa-
resia esquerda.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 7 meses de idade, nascida de parto normal a termo, apre­
sentou espasmos a partir do 4o mês de vida. O desenvolvimento neuropsicomotor,
até então, estava dentro dos limites da normalidade. O EEG revelou hipsarritmia.
Foi tratada com ACTH, o que fez com que os espasmos se tornassem menos fre­
quentes na primeira semana. Completou os 60 dias de tratamento, mas os espas­
mos não desapareceram. O desenvolvimento neuropsicomotor transcorreu dentro
da normalidade, apesar dos poucos espasmos que apresentava. Aos 12 meses, apre­
sentou crise convulsiva do tipo grande mal generalizada, que se repetiu em outras
ocasiões, sendo controlada com primidona.
Atualmente, com 8 anos de idade, apresenta quadro de transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), para o qual toma medicamento específico. O de­
sempenho escolar está na média superior.

Caso 4

Paciente do sexo feminino, 6 meses de idade, nascida de parto normal, com Síndro-
me de Down, teve, aos 5 meses, espasmos em flexão.
O EEG mostrou padrão de hipsarritmia. Na ocasião, não havia ACTH disponível,
sendo iniciado tratamento com prednisolona, com boa resposta terapêutica, mas
controle parcial dos espasmos. Acrescentou-se a vigabatrina, cessando as crises. O
EEG foi normalizado e o desenvolvimento neuropsicomotor está em franco pro­
gresso, compatível com o seu quadro genético.
Atualmente, com 4 anos de idade, não toma medicamento antiepiléptico.

► DISCUSSÃO

Diversas doenças podem se apresentar com espasmos infantis, sendo a Síndrome de


West a representante principal.
Descrita em 1841, essa síndrome é o quadro mais frequente, composto pela tríade:
espasmos em flexão, regressão do desenvolvimento neuropsicomotor e alterações eletro-
encefalográficas denominadas hipsarritmia (ondas lentas de alta voltagem, associadas a
espículas de projeção focal ou multifocal que se seguem à supressão da atividade elétrica
cerebral).
76 neurologia e neurocirurgia HIAE

As manifestações clínicas se evidenciam no Io ano de vida, sendo que 85% dos casos
ocorrem entre 3 e 8 meses de idade. Inicialmente, os espasmos são poucos e discretos, mas,
progressivamente, tornam-se mais frequentes, chegando a centenas ao dia.
A incidência está na ordem de 1:4.000, representando cerca de 5 a 6% das epilepsias
da infância. Predomina no sexo masculino e causa sequelas permanentes, como o retardo
mental, em 75 a 93% dos casos, segundo os dados registrados na literatura. Cerca de 50%
dos pacientes apresentam outros tipos de crises convulsivas após cessarem os espasmos.
Há casos, também, em que as crises convulsivas precedem o início dos espasmos.
Segundo sua origem, os espasmos podem ser classificados em idiopáticos e sintomáti­
cos. Os idiopáticos (30% dos casos) podem ser considerados:

■ criptogenéticos: sem fator etiológico evidente, embora suspeite-se da sua existência. Pacien­
tes com o desenvolvimento neuropsicomotor prévio normal têm prognóstico melhor;
■ duvidosos: desenvolvimento neuropsicomotor já defasado ao início dos espasmos.

Os sintomáticos ou secundários (70% dos casos) podem estar relacionados a intercor-


rências clínicas pré, peri e pós-natais, como:

■ pré-natais: infecções, malformações, síndromes neurocutâneas (esclerose tuberosa, Síndro-


me de Sturge-Weber, neurofibromatose tipo I), toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus;
■ perinatais: tocotraumatismo, síndrome hipóxico-isquêmica, hemorragias intracranianas;
■ pós-natais: infecções (meningite, encefalite), traumatismos, vacinas, doenças metabóli­
cas, doenças genéticas e deficiência de piridoxina.

O diagnóstico é clínico e corroborado pelo EEG, embora as alterações encontradas na


fase inicial do quadro possam não ser de padrão hipsarrítmico. Em cerca de 8 a 10% dos
casos, o EEG pode estar normal no início dos espasmos. A tomografia computadorizada
(TC) da cabeça e a ressonância magnética (RM) auxiliam na detecção das alterações estru­
turais e sequelares de alguma doença. O Spect revela alterações do fluxo sanguíneo cere­
bral, e o Pet-Scan, alterações relacionadas ao metabolismo cerebral da glicose. O screen in g
metabólico pode auxiliar no diagnóstico etiológico.
Como comorbidade, deve-se lembrar que o espectro autista é evidenciado em 10 a
15% dos casos criptogenéticos e em 60% dos pacientes portadores de esclerose tuberosa.
O tratamento mais eficaz é com o ACTH, que proporciona resposta rápida no controle das
crises e melhoria considerável do padrão eletroencefalográfico, bem como do desenvolvi­
mento neuropsicomotor.
O mecanismo de ação não é conhecido, mas acredita-se que tenha efeito neuro-
modulador colinérgico e serotoninérgico, além de diminuir a excitabilidade celular. O
ACTH também aumenta a Gaba, neurotransmissor inibitório do sistema nervoso cen­
tral (SNC).
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 77

O tempo preconizado para o tratamento, segundo alguns autores, deve ser de 1 ano. O
esquema adotado para o tratamento é de 2 meses, inicialmente com o ACTH e, após, com
a prednisona. Por ser um esquema terapêutico de curta duração, os riscos de infecção e
de Síndrome de Cushing são pouco frequentes. A hipertensão arterial pode ser verificada
durante o tratamento ou monitorada sem maiores dificuldades. Deve-se considerar que
os riscos inerentes ao tratamento são muito menores que os benefícios para o desenvolvi­
mento neuropsicomotor e cognitivo. Na nossa casuística, 1/3 dos pacientes não apresentou
resposta satisfatória ao tratamento com corticosteroide.
Nos casos refratários ao tratamento com ACTH, tem-se obtido bons resultados com a
aplicação da imunoglobulina EV. Nesses casos, melhoram as crises, o padrão eletroencefa-
lográfico e as atividades motoras e cognitivas. Há quem use os medicamentos anticonvul-
sivos convencionais para a tentativa de controle dos espasmos, mas as respostas são pífias.
Esse ensaio terapêutico sem o controle das crises interfere de modo deletério no desenvol­
vimento neurológico do paciente.
O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce, ou seja, antes que o compro­
metimento neuropsicomotor seja relevante e definitivo. Além disso, o esquema terapêutico
com corticosteroides deve ser iniciado o mais brevemente possível.
Os avanços tecnológicos aprimorando os exames por imagem permitem a detecção, em
algumas ocasiões, de lesões focais como desencadeantes dos espasmos infantis. Esses acha­
dos propiciam a possibilidade de tratamento cirúrgico, especialmente nos casos refratários
aos tratamentos clínicos.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Vários eventos clínicos, não epilépticos, que se manifestam no Io ano de vida, podem
ser confundidos com os espasmos infantis.

Síndrom e de Sandifer

Evidencia-se em crianças com até 6 meses de idade e é caracterizada por contração tô­
nica dos membros, inclinação da cabeça e desvio do pescoço. O quadro se manifesta após
alguma refeição e está relacionado ao refluxo gastroesofágico.

H iperekplexia (doença do susto ou do espanto)

É um quadro raro que se manifesta no Io ano de vida. Caracteriza-se por contração


muscular súbita e intensa, com hipertonia induzida por estímulos táteis ou sonoros. Os
mais frequentes são o estímulo tátil no dorso do nariz e o estímulo sonoro. Muitas vezes, é
confundida com epilepsia mioclônica. A origem é genética e a transmissão parece ser do
tipo autossômico dominante. O EEG, nesses casos, é normal.
78 neurologia e neurocirurgia HIAE

M ioclonia neonatal benigna do sono

São movimentos mioclônicos que aparecem na região distai dos membros, com dura­
ção de até 30 min., e que desaparecem com o despertar. São notados nos primeiros dias ou
semanas de vida e somem progressivamente até os 6 meses de idade.

Reflexo de Moro exacerbado

É uma manifestação que se assemelha aos espasmos nos pacientes portadores de en-
cefalopatia crônica infantil, do tipo tetraparético-espástico. Ao EEG, pode-se encontrar o
padrão ponta-onda lenta nas áreas posteriores.

Trem ores

Ocorrem em surtos, várias vezes ao dia, no Io ano de vida. O exame neurológico e o


EEG são normais. Há quem correlacione esses tremores à epilepsia benigna da infância.

M ioclonia benigna da infância

Este quadro se assemelha muito aos espasmos infantis, mas não é acompanhado por de-
fasagem do desenvolvimento neuropsicomotor e alterações eletroencefalográficas. Nota-se
súbita flexão da cabeça e dos ombros, extensão dos membros e movimentos mioclônicos.
As mioclonias aparecem em salvas, entre 4 e 9 meses de idade, e desaparecem progres­
sivamente.

Síndrom es epilépticas do 1° ano de vida

Há vários tipos de epilepsia que acometem as crianças no Io ano de vida e apresentam


espasmos que podem evoluir comprometendo o desenvolvimento neuropsicomotor, além
do desenvolvimento cognitivo, causando uma regressão das atividades já adquiridas.
Esses quadros têm como característica comum a refratariedade aos medicamentos an-
tiepilépticos convencionais.

E n c e f a lo p a t ia m io c lô n ic a p r e c o c e

As manifestações clínicas aparecem nas primeiras horas ou no decurso do Io mês de


vida, com mioclonias parciais (membros e face), uni ou bilaterais, associadas a crises tô­
nicas. Os movimentos mioclônicos podem ser notados em sono ou vigília e o EEG revela
um padrão de descargas com supressão do ritmo que, posteriormente, é substituído pelo
traçado hipsarrítmico atípico.
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 79

A maioria dos pacientes evolui para o óbito no 2o ano de vida. A causa determinante
do quadro parece estar relacionada a erros inatos do metabolismo, como hiperglicinemia,
acidemia propiônica, Síndrome de Menkes e acidemia metilmalônica. Há, também, casos
considerados criptogenéticos.
O retardo neuropsicomotor é evidente e a refratariedade ao tratamento anticonvulsivo
é notória.

S ín d r o m e d e O h t a h a r a

Trata-se de um quadro pouco frequente, descrito em 1976, e que recebe a denominação


de encefalopatia epiléptica infantil precoce. Caracteriza-se por espasmos tônicos breves
e repetidos, em flexão ou extensão, que se manifestam nos primeiros dias ou semanas
de vida, comprometendo gravemente o desenvolvimento neurológico. Cerca de 2/3 dos
casos evoluem para a Síndrome de West. O padrão eletroencefalográfico é do tipo surto-
-supressão e pode ser notado durante o sono e em vigília.
As causas determinantes estão relacionadas a malformações cerebrais ou insultos ce­
rebrais pré-natais. O prognóstico é ruim, pois metade dos pacientes falece no 2o ano de
vida em virtude de causas extraneurológicas. As crises são resistentes aos medicamentos
anticonvulsivos.

E p ile p s ia m io c lô n ic a g r a v e do la c t e n t e

Quadro descrito por Dravet, em 1982, que tem início no Io ano de vida, com crises clô-
nicas uni ou bilaterais associadas à febre, com duração acima de 15 min. Posteriormente,
outras crises podem ser notadas, como mioclonias, perda do tono cervical, crises parciais,
automatismos e ausências.
O comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor é evidente. As alterações
eletroencefalográficas iniciais são do tipo ondas lentas nas regiões centroparietais e no
vértex, mas evoluem para descargas multifocais.

Síndrom e de Lennox-Gastaut

A maioria dos casos tem início entre 1 e 7 anos de idade, sendo o pico entre 3 e 5 anos,
predominando no sexo masculino. As crises epilépticas são do tipo tônico axial, atônico,
ausências simples, mioclônico, clônico e parcial complexa. As quedas ao solo e as frequen­
tes quedas do segmento cefálico à mesa, durante as refeições ou tarefas, podem causar
traumatismos cranianos relevantes.
O comprometimento intelectual e comportamental acompanha o quadro em cerca de
80% dos casos. Cerca de 40% dos pacientes têm antecedente da Síndrome de West.
80 neurologia e neurocirurgia HIAE

Síndrom e de Doose (epilepsia m ioclônica astática)

O quadro clínico tem o seu início entre 1 e 5 anos de idade, em pacientes com de­
senvolvimento neuropsicomotor normal até então. As crises podem ser mioclônicas,
astáticas ou mistas. O tipo mioclônico se manifesta de modo súbito e intenso, como se
a criança sofresse um empurrão ou um solavanco, com anteflexão da cabeça e do tron­
co, causando queda ao solo. Há ocasiões que se associam a crises de ausência atípica e
crises do tipo tônico-clônico generalizadas. O EEG apresenta padrão ponta-onda lenta
ou poliponta-onda associada a atividade de base mais lenta, de 4 a 7 Hz, e com grande
amplitude.
Geralmente, esses pacientes têm antecedentes de crises febris ou afebris. Parece haver
uma predisposição genética, pois há incidência considerável de crises febris ou não em
parentes próximos. Às vezes, o diagnóstico diferencial com a Síndrome de West tardia ou
com a Síndrome de Lennox-Gastaut é difícil na fase inicial.
O prognóstico da Síndrome de Doose é variável, pois uma parte dos pacientes pode
apresentar remissão completa, enquanto outra caminha para as crises de difícil controle e
comprometimento cognitivo.

Crises de ausência m ioclônica

Caracterizadas por crises de ausência associadas a mioclonias difusas e bilaterais e à


contração tônica dos membros superiores, inferiores e dos ombros. O início do quadro
acontece entre 1 e 12 anos de idade, predominando no sexo masculino. O EEG asseme­
lha-se ao traçado da ausência simples. Há casos de evolução desfavorável, caminhando de
modo semelhante à Síndrome de Lennox-Gastaut, refratários aos antiepilépticos.

Síndrom e de Landau-K leffner

Manifesta-se por crise convulsiva que precede ou sucede afasia. Predomina no sexo
masculino e é mais frequente antes dos 6 anos de idade. Ao EEG, evidenciam-se complexos
espícula-onda predominando na região temporal e ativados pelo sono. A hiperatividade
e os distúrbios comportamentais acompanham o quadro. As crises convulsivas, na maior
parte das vezes, são controladas com o tratamento, mas as alterações da fala podem per­
sistir.

Outros quadros epilépticos refratário s

Há um grupo de pacientes que apresentam crises epilépticas de difícil controle, associa­


das a doenças neurocutâneas. Deve-se fazer referência à esclerose tuberosa, à Síndrome de
Sturge-Weber e à neurofibromatose do tipo I.
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 81

A coincidência da esclerose tuberosa com os espasmos infantis é referida há muito


tempo. Os espasmos aparecem, geralmente, aos 4 a 5 meses de idade e as crises epilépticas
iniciam no Io ano de vida, sendo mais frequentes as do tipo motor parcial, apesar de apa­
recerem, também, crises generalizadas do tipo tônico ou tônico-clônico.
O EEG apresenta traçado semelhante, em parte, às alterações da Síndrome de West,
caracterizada pelo padrão pseudo-hipsarrítmico ou pelas descargas multifocais. A defi­
ciência mental e o espectro autista são bastante frequentes. O tratamento recomendado
é com vigabatrina, embora 50% dos pacientes com espasmos desenvolvam resistência ao
medicamento.
A Síndrome de Sturge-Weber pode apresentar espasmos em flexão, embora sejam pre­
cedidos, na maior parte das vezes, por crises convulsivas intensas. A deficiência mental
acompanha grande parte da síndrome.
A neurofibromatose do tipo I, quando associada à Síndrome de West, habitualmente
tem boa evolução clínica. Os espasmos se manifestam, na maior parte das vezes, em crian­
ças com desenvolvimento neuropsicomotor normal. O EEG apresenta traçado típico da
hipsarritmia e a resposta ao tratamento com ACTH é rápida e eficiente. Nesses casos, o
desenvolvimento cognitivo transcorre dentro da normalidade.

R ecrudescência dos espasmos

Em várias ocasiões, os espasmos infantis reapareceram após 6 a 12 meses do tratamen­


to inicial. Nesses casos, preconiza-se o tratamento com imunoglobulina humana EV, de
modo que os espasmos desaparecem, o padrão eletroencefalográfico melhora e a melhoria
das condições neurológicas no tocante aos aspectos motor e cognitivo é notória.
O mecanismo de ação da imunoglobulina no controle das crises refratárias não está
muito bem estabelecido. Pode-se imaginar que a refratariedade das epilepsias tenha como
causa determinante uma alteração no mecanismo imunogenético cerebral. Devido ao fato
de a imunoglobulina atravessar a barreira hematoencefálica, acredita-se que deve haver
um efeito neuromodulador, com o qual as crises passem a ser controladas.
Em estudos anteriores, foram encontrados níveis baixos de imunoglobulinas e IgG em
pacientes com a Síndrome de West. Considerando esses achados, os pacientes que não
responderam de modo satisfatório ao tratamento com ACTH foram submetidos ao trata­
mento com imunoglobulina EV, o que levou ao controle das crises e à melhoria evidente
do desempenho motor e cognitivo.
Os efeitos adversos são pouco frequentes, podendo-se encontrar reação alérgica, fa­
cilmente contornável, e, às vezes, hipertermia sem maiores consequências. O tempo de
tratamento ainda não tem consenso, mas tem-se utilizado ciclos de 5 dias consecutivos,
mensais, durante 9 meses. Embora seja um tratamento de alto custo, apresenta resultados
muito gratificantes e que terão influências extremamente relevantes nas perspectivas do
paciente quanto ao desenvolvimento motor, cognitivo e, consequentemente, à qualidade de
82 neurologia e neurocirurgia HIAE

vida. Há pacientes que se beneficiam muito com a redução substancial da quantidade de


medicamentos em uso, pois denotam melhora importante no seu desempenho global.
As crises não controladas acarretam comprometimento do desenvolvimento neuropsi-
comotor, seja por estagnação ou regressão. Além disso, na tentativa de controle dessas crises
refratárias, são receitados medicamentos em excesso que, além de não eliminarem as crises,
exercem efeitos deletérios no tocante à parte comportamental e cognitiva.
Nas crianças em idade pré-escolar ou escolar, pode-se citar as dificuldades para o apren­
dizado, os distúrbios comportamentais, o embotamento mental, a adaptação psicossocial
comprometida, a autoimagem negativa e a baixa autoestima consequentes ao excesso de
medicamentos ingeridos e à falta de controle das crises.
Considerando-se que cerca de 30% das epilepsias são resistentes ao tratamento medica­
mentoso, há outra alternativa terapêutica: a cirurgia. Nos casos de lesões focais, a remoção
cirúrgica é um procedimento bastante eficaz, pois o paciente pode se livrar das crises e dos
medicamentos antiepilépticos.

n PONTOS RELEVANTES
0 Os espasmos em flexão na sua fase inicial podem ser confundidos com o Reflexo de
Moro.
0 Caso o suposto Reflexo de Moro seja muito frequente e sucitar dúvidas o eletrencefa-
lograma deverá ser indicado.
0 O eletrencefalograma na Síndrome de West tem um padrão gráfico bem definido.
0 Os espasmos infantis comprometem o desenvolvimento neuropsicomotor do lactente.
0 O diagnóstico precoce é o grande diferencial para o futuro da criança.
0 Os melhores resultados terapêuticos são alcançados, ainda, com o ACTH.
0 A Síndrome de West pode evoluir para outros tipos de crises convulsivas, muitas vezes
refratárias à terapêutica anticonvulsiva.

QUES T ÕE S

1. Os espasmos infantis guardam alguma relação com a idade, no que tange ao início do quadro?
A. Sim, pois as manifestações clínicas se evidenciam com grande frequência no pré-escolar.
B. Sim, pois as manifestações clínicas se evidenciam frequentemente no período lactente.
C. Não, pois as manifestações clínicas não guardam qualquer relação com a idade.
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 83

2. Podem-se considerar os espasmos infantis e a Síndrome de West sinônimos de uma mesma


doença?
A. Sim, pois ambos se manifestam por espasmos na fase lactente.
B. Não, pois os exames por imagem são diferentes.
C. Não, pois há uma diferença fundamental no EEG, a hipsarritmia, que é característica da Sín­
drome de West.

3. Qual é a importância do diagnóstico precoce da Síndrome de West?


A. Para o planejamento do tratamento cirúrgico.
B. 0 diagnóstico precoce não é importante, pois as consequências do quadro clínico são desprezí­
veis.
C. 0 diagnóstico precoce permite iniciar o tratamento adequado para que sejam minimizadas as
sequelas.

4. Qual é o tratamento mais eficaz para o controle dos espasmos na Síndrome de West?
A. Todos os anticonvulsivos são eficazes para o tratamento da Síndrome de West.
B. Somente os anticonvulsivos de última geração são eficientes no tratamento da Síndrome de
West.
C. O hormônio adrenocorticotrófico é o mais eficiente no tratamento da Síndrome de West.

5. Quais espasmos infantis podem ser confundidos com quadros clínicos sem comprometimento
neurológico?
A. Síndrome de Sandifer, hiperekplexia, reflexo de Moro.
B. Reflexo de Moro, refluxo gastroesofágico, mioclonia benigna da infância.
C. Síndrome de Doose, reflexo de Moro, epilepsia mioclônica grave da infância.

BIBLIOGRAFIA

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84 neurologia e neurocirurgia HIAE

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SEÇAO 3

CEFALEIA
7

Cefaleia na unidade de emergência


Marcelo Calderaro
Mario Fernando Prieto Peres

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 45 anos de idade, procurou o serviço de emergência devi­


do a uma forte cefaleia de instalação abrupta havia 2 horas. Avaliada pela enfermeira
na triagem do pronto-socorro (PS), foi encaminhada à sala de emergência para ava­
liação neurológica. Sua história médica pregressa incluía ataques perimenstruais de
cefaleia latejante de moderada intensidade que respondiam a analgésicos simples.
Recentemente, suas cefaleias ficaram um pouco mais frequentes, tendo apresentado
alguns ataques matinais, mas que mantinham as mesmas características das dores
prévias. Iniciou, há cerca de 1 mês, fluoxetina por recomendação de seu ginecologista,
que a achou mais depressiva. Pela manhã, contudo, acordou assintomática e, duran­
te sua aula de musculação, apresentou forte cefaleia holocraniana pulsátil enquanto
levantava peso. A pressão arterial à admissão era de 150 X 90 mmHg e o restante do
exame clínico e neurológico era normal.

EPIDEMI0L0GIA

Epidemiologia é uma das queixas mais frequentes na prática clínica. Estima-se que
99% das mulheres e 93% dos homens apresentam dor no segmento cefálico em algum
momento da vida.1Embora nem todos procurem serviços médicos, esta é uma das queixas
mais frequentes em qualquer cenário clínico. Em unidades de emergência, a queixa de ce-
87
88 neurologia e neurocirurgia HIAE

faleia como sintoma predominante varia de 0,5 a 4,5% dos atendimentos (apud2). Em um
estudo que avaliou 27.662 atendimentos por causas neuropsiquiátricas em três unidades
de emergência do Estado de São Paulo, cefaleia foi a queixa neurológica mais prevalente,
correspondendo a 26,9% desses atendimentos.3 As funções primordiais do médico que
atende pacientes com cefaleia na emergência são estabelecer um diagnóstico preciso, de­
cidir sobre a solicitação ou não de exames complementares, tratar cefaleias secundárias,
tratar agudamente cefaleias primárias, esclarecer o paciente sobre sua cefaleia e reconhecer
a necessidade de tratamento profilático.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E INVESTIGAÇÃO

O primeiro fato a ser entendido é que cefaleia é um sintoma que contempla diagnós­
ticos diferenciais tão diversos quanto uma cefaleia do tipo tensional infrequente ou uma
hemorragia subaracnoide. As cefaleias podem ser divididas, de acordo com critérios esta­
belecidos pela Sociedade Internacional de Cefaleias,4 em primárias, quando não está evi­
dente uma causa anatômica, ou secundárias, quando se encontra um fator causal. Em geral,
o diagnóstico das cefaleias primárias é clínico, enquanto, para o diagnóstico das cefaleias
secundárias, exames subsidiários frequentemente são necessários.
Embora as cefaleias primárias sejam as mais comuns na prática clínica geral e entre
aqueles que procuram serviços de emergência,5 é necessário um alto índice de suspeição
clínica para que diagnósticos potencialmente graves não sejam negligenciados. Uma vez
que uma cefaleia atenda aos critérios de primariedade estabelecidos pela Sociedade Inter­
nacional de Cefaleias, na maioria das vezes, nenhum exame complementar será necessário.
Como exceção, há os casos em que se caracteriza a presença de um sinal de alarme ou
refratariedade ao tratamento (Figura 7.1).

FIGURA 7.1 Fluxograma de decisão diagnóstica em pacientes com cefaleia.


Fonte: adaptado de Silberstein et al.f 1998.6
CAPÍTULO 7 c e f a l e i a na u n i d a d e de e m e r g ê n c i a 89

O diagnóstico de cefaleias secundárias é particularmente difícil em pacientes que apre­


sentam cefaleia isoladamente. Dessa forma, será discutido, a seguir, como o médico da
emergência deve proceder para tentar minimizar a chance de erros diagnósticos nesse
grupo de pacientes, enfatizando situações nas quais os exames subsidiários mais comuns
(tomografia de crânio e liquor) estão normais.
Uma abordagem organizada e estruturada no atendimento de pacientes com cefaleia
na emergência é útil, portanto, para minimizar a chance de erros diagnósticos. Um estudo2
avaliou a viabilidade da estratificação de risco para pacientes com patologias mais graves
em quatro cenários:

■ pacientes com cefaleia súbita, sinais focais, vômito ou síncope;


■ cefaleia com febre ou rigidez nucal;
■ cefaleia de início recente, progressiva ou persistente;
■ cefaleia semelhante a crises prévias apresentadas pelo paciente.

Nenhum diagnóstico grave foi encontrado em pacientes do quarto grupo, sendo a re­
corrência e a estereotipia na apresentação clínica importantes preditores de benignidade.
De acordo com o fluxo de atendimento para pacientes com cefaleias na Unidade de
Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein, são classificados como emer­
gência (sinais de alarme de alto risco para patologias intracranianas agudas) pacientes com
as seguintes características:7

■ cefaleia de instalação súbita (pico de dor desde o início);


■ cefaleias desencadeadas por atividade física/sexual;
■ “pior dor da vida”;
■ cefaleia associada a qualquer déficit neurológico, mesmo que transitório, ou a convulsão;
■ cefaleia nova pós-trauma de crânio;
■ cefaleia nova em pacientes com uso de anticoagulantes.

Embora, caracteristicamente, crises de enxaqueca piorem com esforço físico e, eventual­


mente, possam ser desencadeadas por ele, cefaleias de esforço devem ser investigadas para
patologias secundárias. Pascual et al.8avaliaram 6.423 pacientes, dos quais 97 (1,5%) tinham
como queixa primária cefaleia desencadeada por tosse, esforço físico ou sexual. Dos pa­
cientes com cefaleia desencadeada por tosse, a maioria tinha cefaleias secundárias (58,8%),
todas relacionadas a patologias da fossa posterior, principalmente malformações de Chiari.
Já entre os pacientes com cefaleias de esforço físico ou sexual, três (10,3%) apresentavam
cefaleia secundária, sendo hemorragia subaracnoide o diagnóstico em dois deles.
Cefaleia súbita, que se instala com pico de intensidade desde o início ou muito próximo
dele,9 é sintoma classicamente reconhecido como sinal de alarme para hemorragia suba­
racnoide. No entanto, essa não é a única situação clínica que se apresenta com esse tipo de
90 neurologia e neurocirurgia HIAE

sintoma. Em um estudo prospectivo10 que avaliou 187 pacientes com cefaleia súbita, uma
patologia intracraniana grave foi encontrada em 37%, sendo hemorragia subaracnoide a
causa da cefaleia em 25%. Quando a cefaleia foi o único sintoma relatado, apenas 11,65%
dos pacientes apresentavam hemorragia subaracnoide.
Outras patologias que podem se apresentar com cefaleia súbita incluem hematoma in­
tracraniano, trombose venosa cerebral, dissecção de artéria cervical, acidente vascular is-
quêmico, apoplexia pituitária, hipertensão arterial aguda, hipotensão intracraniana espon­
tânea, cistos coloides de terceiro ventrículo e infecção intracraniana. Mais recentemente,
cefaleias súbitas têm sido descritas como sintoma da chamada síndrome de vasoconstrição
intracraniana reversível. Alguns pacientes apresentam investigação negativa, sendo rotula­
dos de th u n d e rc la p h ea d a c h e idiopática (ou cefaleia em trovoada idiopática). Revisões re­
centes foram publicadas sobre esse assunto e conferem um panorama bastante abrangente
da abordagem de pacientes com cefaleia súbita.11'13
A Figura 7.2 resume os diagnósticos diferenciais a serem considerados e os exames
subsidiários necessários para o diagnóstico diferencial de cada uma dessas patologias.

FIGURA 7.2 Avaliação diagnóstica das cefaleias súbitas.


Fonte: adaptado de Matharu et al.f 2007.11
CAPÍTULO 7 c e f a l e i a na u n i d a d e d e e m e r g ê n c i a 91

Hem orragia subaracnoide

Sendo a hemorragia subaracnoide o diagnóstico mais importante a ser feito, visto que
um erro diagnóstico tem significativo impacto no prognóstico dessa patologia, a presen­
ça de cefaleia súbita deve ser encarada como um sinal de alarme para acidente vascular
cerebral e, como tal, deve deflagrar seus mecanismos de investigação. Não existem sinais
clínicos que apontem para um diagnóstico diferencial mais benigno de forma inequívoca,
estando a investigação complementar indicada em todos os casos de cefaleia súbita.
O primeiro exame a ser realizado para investigar a etiologia da cefaleia é a tomografia
de crânio sem contraste, cuja sensibilidade para detectar sangramento intracraniano chega
a 98% nas primeiras 12 horas de sintoma, embora sua positividade caia para cerca de 50%
após 1 semana e seja nula em 3 semanas. Assim, a maior parte dos autores recomenda que,
frente a uma tomografia de crânio normal, seja realizada uma punção liquórica e um exa­
me do líquido cefalorraquidiano.
O liquor, nas primeiras semanas após o sangramento meníngeo, tem sensibilidade de
100% para diagnóstico de hemorragia subaracnoide, combinando a análise a olho nu e
a verificação de xantocromia à espectroscopia. Discute-se, na literatura, que a punção li­
quórica deve aguardar 12 horas de sintomas, pois, somente após esse tempo, seria possível
verificar a presença de xantocromia e, portanto, diferenciar uma hemorragia subaracnoide
de um acidente de punção.
Outros diagnósticos também podem ser feitos por meio da punção liquórica, como
infecções do sistema nervoso e infiltrações carcinomatosas. Alterações de pressão intracra­
niana também podem ser demonstradas e dar subsídios para o diagnóstico de trombose
venosa cerebral, síndrome de pseudotumor cerebral ou hipotensão intracraniana.
Uma vez excluído sangramento meníngeo, a realização ou não de outros exames deve
ser decidida com base na suspeita clínica do examinador. Alguns diagnósticos diferenciais
de cefaleia súbita são discutidos a seguir, com ênfase naqueles em que a tomografia de
crânio e o exame do líquido cefalorraquidiano podem ser normais, situações que são par­
ticularmente desafiadoras para o médico da unidade de emergência e para o neurologista
que assiste esses pacientes agudamente.

Aneurism as intracranianos não rotos

No passado, já se discutiu se cefaleias súbitas poderiam ser sintomas de aneurismas in­


tracranianos não rotos,14 o que originou o conceito de cefaleia sentinela. Muitos pacientes
relatam ter apresentado cefaleias intensas e súbitas precedendo a cefaleia da hemorragia
subaracnoide, mas isso é verificado em estudos retrospectivos. Estudos prospectivos,15,16
contudo, não comprovaram essa teoria. Em pacientes nos quais o exame clínico, a tomo­
grafia e a punção liquórica são negativos, não está indicada a realização de angiografia para
investigar aneurismas.
92 neurologia e neurocirurgia HIAE

Acidente vascular cereb ral

A cefaleia como sintoma isolado nos acidentes vasculares cerebrais é rara, mas pode ocorrer
em algumas situações, sobretudo em hematomas intraparenquimatosos em áreas pouco elo­
quentes do encéfalo. Nesses casos, a tomografia de crânio tem alta sensibilidade diagnóstica.

Dissecção de artéria s cervicais

Cefaleia é o sintoma mais comum das dissecções de artérias cervicais, sendo relatada
por pelo menos 50% dos pacientes. Caracteristicamente, sua apresentação não é súbita,
mas pode ser em até 13% dos pacientes com dissecção carotídea e em 22% daqueles com
dissecção de artéria vertebral.17
Nos casos de dissecção, a cefaleia ocorre caracteristicamente do lado da artéria acometida
e costuma ser no segmento anterior da cabeça, nos casos de dissecção carotídea, e posterior,
nos casos de dissecção vertebral. A ausência de dor cervical não exclui esse diagnóstico, pois
esse sintoma ocorre em menos da metade dos pacientes, sendo mais comum naqueles com
dissecção da artéria vertebral.17,18 Alguns dados de história, como lesão cervical em chico­
te, manipulação quiropráxica da coluna cervical ou posturas viciosas em hiperextensão do
pescoço, podem alertar para esse diagnóstico. Quando há suspeita de dissecção de artérias
cervicais, a angiorressonância, a angiotomografia, a ressonância de pescoço e a angiografia
digital podem ser necessárias.

Trombose venosa cereb ral

Cefaleia é um sintoma relatado por mais de 80% dos pacientes com trombose venosa cere­
bral, mas sua instalação é tipicamente insidiosa. Contudo, em um estudo que avaliou 48 pacien­
tes com trombose venosa cerebral,19seis (12,5%) apresentaram cefaleia de instalação súbita. A
cefaleia pode ser o único sintoma dessa patologia, embora, tipicamente, outros sintomas e sinais
estejam presentes, como crise epiléptica, sinais focais, alteração de consciência e papiledema.
De forma geral, a tomografia de crânio e o exame do líquido cefalorraquidiano dão pistas do
diagnóstico, pois estão alterados na maior parte dos pacientes. Contudo, em uma série de 123
pacientes consecutivos20com trombose venosa cerebral, 28 (23%) tiveram cefaleia como único
sintoma na ausência de papiledema e com tomografia de crânio e exame do líquido cefalorra­
quidiano com manometria normais. Dessa forma, quando a cefaleia é persistente e a suspeita
de uma cefaleia secundária se mantém mesmo após a realização de tomografia de crânio e
liquor, a ressonância magnética de encéfalo é um exame que pode ser útil.

Crise hipertensiva

Na maioria dos pacientes com cefaleia e hipertensão na emergência, a medida da pressão


retorna a valores normais após a analgesia. Raramente, alguns pacientes apresentam sinto­
CAPÍTULO 7 c e f a l e i a na u n i d a d e de e m e r g ê n c i a 93

mas da chamada encefalopatia posterior reversível, que engloba o diagnóstico de encefalo-


patia hipertensiva. Outros sintomas normalmente estão presentes, como náusea, vômito, dis­
túrbios visuais, crises convulsivas, sinais focais e alteração de consciência. Tipicamente, esse
quadro se apresenta com patologias que levam à elevação rápida e aguda da pressão arterial,
mas já foi descrito em pacientes em uso de gamaglobulina, ciclosporina e interferon.
A tomografia de crânio e o liquor não fazem o diagnóstico. A ressonância magnética do
encéfalo mostra edema da substância branca posterior e dos córtices parietal e occipital. O
quadro é revertido com o tratamento da crise hipertensiva.

Síndrom e da vasoconstrição cereb ral reversível

Atualmente, esse termo engloba as condições que cursam com cefaleia súbita e vasoes-
pasmo intracraniano, outrora denominadas th u n d e rc la p h ea d a c h e com vasoespasmo, an-
giopatia benigna do sistema nervoso, vasoespasmomigranoso, Síndrome de Call-Fleming,
angiopatia pós-parto e vasoespasmo induzido por droga. Nessa condição, o paciente apre­
senta cefaleia súbita, com ou sem outros sinais clínicos, como alterações de consciência,
motoras ou sensitivas, crises convulsivas, distúrbios visuais e de linguagem, ataxia, náuseas
e vômitos. Sugere-se que esses pacientes apresentem cefaleia súbita com exame do líquido
cefalorraquidiano normal ou quase normal (proteína menor que 70 mg/dL, celularidade
inferior a 20 cél/mm3, glicose normal e sem evidência de hemorragia subaracnoide). Além
disso, deve-se demonstrar vasoespasmo segmentar cerebral que se reverta em até 12 sema­
nas nas artérias do polígono de Willis.
É fundamental avaliar as drogas usadas pelo paciente, pois esse quadro foi descri­
to em pacientes usando ergotamina, triptanos, inibidores de recaptação de serotonina,
pseudoefedrina, cocaína, anfetaminas, ecstasy e bromocriptina. O exame mais sensível
para demonstrar vasoespasmo intracraniano é a angiografia digital, mas exames menos
invasivos devem ser priorizados, como a angiotomografia e a angiorressonância. O papel
do Doppler transcraniano, nesses casos, ainda não foi totalmente estudado. O quadro an-
giográfico é indistinguível daquele das arterites primárias do sistema nervoso central, mas
nesta, em geral, as manifestações clínicas são mais insidiosas, a ressonância mostra outras
alterações estruturais e o líquido cefalorraquidiano é mais frequentemente alterado. Ainda
assim, frente a dúvidas diagnósticas, recomenda-se que o exame seja repetido em pelo
menos 4 semanas, a fim de evitar o uso de imunossupressores de forma desnecessária.

Apoplexia pituitária

Cefaleia é um sintoma frequente em tumores cerebrais, mas raramente é um sinto­


ma isolado. Tumores hipofisários, no entanto, podem se manifestar com cefaleia súbita
quando sofrem isquemia ou hemorragia em seu interior, o que caracteriza a apoplexia. O
quadro agudo dessa condição pode ser catastrófico, com coma e hipopituitarismo agudo,
ou se manifestar apenas com cefaleia súbita. Embora a tomografia de crânio possa estar
94 neurologia e neurocirurgia HIAE

alterada, casos em que o sangramento é isodenso com o parênquima hipofisário podem


ser negligenciados se uma ressonância magnética (RM) não for realizada.21

Hipotensão in tracran ian a

A causa mais frequente de hipotensão liquórica é a realização prévia de uma punção


lombar para coleta de líquido cefalorraquidiano. Eventualmente, alguns pacientes apresen­
tam pequenas fístulas liquóricas espontâneas, o que leva à síndrome de hipotensão liquó­
rica, caracterizada clinicamente por cefaleia postural. Em uma série,22 14% dos pacientes
com hipotensão liquórica espontânea apresentaram cefaleia súbita, semelhante à de uma
hemorragia subaracnoide. A tomografia de crânio, em geral, é normal, salvo nos raros ca­
sos de hematoma subdural complicando à hipotensão liquórica. A pressão de abertura do
exame do líquido cefalorraquidiano é tipicamente baixa (< 5 cmH20 ), mas pode ser nor­
mal. Um pequeno aumento de celularidade e de proteína pode ser encontrado.
A RM de encéfalo pode mostrar realce durai difuso pós-gadolínio, além de evidências
de queda do cérebro. Para o tratamento, repouso com decúbito a 0o, hidratação e analgesia
geralmente são suficientes. Nos casos refratários, alguns autores recomendam realizar, em­
piricamente, bloodpatch em nível lombar, porém, algumas vezes, sua realização deve ser no
nível da fístula, que pode ser localizada por cisternocintilografia isotópica, mielotomografia
ou mielografia por ressonância com injeção de gadolínio intratecal.

Thunderclapheadacheidiopática
Quando toda a avaliação complementar é negativa, firma-se o diagnóstico de th u n d e r ­
clap h ea d a c h e idiopática. A Sociedade Internacional de Cefaleia propõe, em seus critérios
diagnósticos, que a cefaleia deva ser súbita e intensa, atingindo seu pico em menos de 1
min. e podendo durar de 1 hora a 10 dias. Neuroimagem e análise liquórica normais são
necessárias. Não há qualquer sinal clínico que possa diferenciar casos primários dos se­
cundários, estando a investigação complementar indicada. Os casos idiopáticos são benig­
nos, mas podem recorrer. Seu tratamento resume-se a orientação e analgesia.

CONCLUSÃO

Cefaleia pode ser um sintoma bastante traiçoeiro, sobretudo na emergência. Deve-se


tentar eliminar o viés inicial da avaliação desses casos, decorrente do fato de que a maio­
ria esmagadora de pacientes com cefaleias isoladas tem patologias primárias benignas,
sobretudo enxaqueca. A postura do médico na emergência sempre deve ser de questionar
o diagnóstico de cefaleia primária, sem, contudo, solicitar exames desnecessários. As cefa­
leias primárias são, por definição, recorrentes, esterotipadas e autolimitadas. Na ausência
CAPÍTULO 7 c e f a l e i a na u n i d a d e de e m e r g ê n c i a 95

de sinais de alarme, esse padrão de apresentação clínica confere considerável segurança


para seu diagnóstico clínico sem a necessidade de exames complementares.
O tratamento das cefaleias primárias na emergência deve ser estratificado, de modo que cri­
ses mais intensas devem ser tratadas com medicamentos mais eficientes. Não há uma “fórmula
padrão” que sirva de tratamento para todos os pacientes, indiscriminadamente. Podem-se as­
sociar medicações com mecanismos de ação diferentes, de forma racional, para aliviar todos os
sintomas que estej am levando à incapacidade. Assim, deve-se tratar a dor, mas também a náusea,
e oferecer cuidados gerais, como deixar o paciente em um local tranquilo e com pouca ilumina­
ção, além de cuidar de sua hidratação e tranquilizá-lo quanto à benignidade do quadro.
Mais que aliviar a dor, deve-se devolver ao paciente um s ta tu s funcionalmente ativo.
De forma geral, a literatura médica aceita como eficiente um medicamento que torne uma
cefaleia moderada (que atrapalha atividades) a intensa (que incapacita para atividades) em
leve ou ausente em até 2 horas. Os medicamentos mais utilizados são os analgésicos, os
anti-inflamatórios não hormonais e os corticosteroides. Pode-se, ainda, utilizar neurolép-
ticos (clorpromazina, haloperidol, droperidol), mas deve-se evitar o uso de opiáceos. Nos
casos de dores com medicação trigêmino-vascular, como no caso da enxaqueca e da cefa­
leia em salvas, pode-se utilizar triptanos, medicamentos que agem fazendo um agonismo
de receptores de serotonina 5HTlb/d.
Quando há suspeita de patologias secundárias, seja pela atipia da apresentação clínica
ou pela presença de sinais de alarme (como cefaleia de instalação súbita), deve-se ter em
mente que existem diagnósticos que são perdidos quando se realiza apenas uma tomo-
grafia de crânio e/ou uma punção liquórica. Nesses casos, a adoção de protocolos clínicos
reduz a chance de erro e torna o atendimento mais ágil.
No caso da paciente apresentada, a investigação complementar foi negativa para cefa­
leias secundárias. Havia um histórico de enxaquecas que se exacerbaram recentemente,
provavelmente devido ao surgimento de sintomas depressivos, o que explica, também, a
ocorrência de cefaleias matinais.23 Como a angiorressonância não demonstrou sinais de
vasoespasmo intracraniano, o uso de inibidor seletivo de recaptação de serotonina não foi
proscrito. No entanto, sugeriu-se à paciente que trocasse a fluoxetina por um antidepres-
sivo que tivesse maior ação profilática para suas enxaquecas, o que ela optou por discutir
com seu ginecologista.

► DISCUSSÃO

Trata-se de uma paciente com história de prováveis crises de enxaqueca perimenstruais.


Quando as crises mantêm as características de cefaleia habitual, devem ser tratadas
com medicação para a crise, porém, se as características mudam e a intensidade é maior
que a habitual, cabe pensar em cefaleia secundária e investigar possíveis causas.
96 neurologia e neurocirurgia HIAE

□ PONTOS RELEVANTES

IZI Cefaleias são queixas muito comuns na emergência. A maior parte das cefaleias na
emergência é primária, mas o risco de estarmos diante de cefaleias secundárias é maior
na emergência que fora dela.
IZI A anamnese é a principal ferramenta no diagnóstico diferencial.
IZI Os exames complementares são necessários quando o quadro clínico foge aos critérios
de cefaleias primárias ou se há suspeita de secundarismo.
IZI O tratamento deve ser estratificado e pode combinar medicamentos com mecanismos
de ação diferentes.
IZI Deve-se sempre explicar ao paciente o que ele tem.

QU E S T ÕE S

1. Assinale a alternativa incorreta.


A. Atomografia de crânio normal descarta hemorragia subaracnoide no primeiro dia de cefaleia.
B. 0 liquor lombar pode estar normal nas primeiras horas após um sangramento meníngeo.
C. A angiorressonância pode diagnosticar aneurismas intracranianos maiores que 3 mm.

2. Considerando um paciente com histórico de enxaqueca e que se apresente na emergência


com dor há mais de 72 horas, assinale a alternativa correta.
A. Todos os pacientes nessa situação devem realizar tomografia de crânio e liquor.
B. A investigação está indicada se a cefaleia não tiver características de enxaqueca ou se não
apresentar melhora.
C. A investigação só está indicada se houver papiledema ou rigidez de nuca.

3. Assinale a correta.
A. A tomografia de crânio e o liquor normais descartam o diagnóstico de trombose venosa
cerebral.
B. A ausência de sinais focais descarta o diagnóstico de dissecção de artérias cervicais.
C. Em geral, a cefaleia nas dissecções arteriais é ipsolateral à dissecção.

4. Qual dos pacientes abaixo preenche critérios para enxaqueca?


A. Homem de 32 anos de idade com queixa de cefaleia recorrente (1 vez/mês) em peso, de modera­
da intensidade, bilateral, com piora ao esforço físico, náuseas e tono e fotofobia.
B. Mulher de 27 anos de idade com histórico de cefaleia hemicraniana esquerda constante, late-
jante, contínua, com episódios de exacerbação com náuseas.
C. Mulher de 22 anos de idade com histórico de cefaleia recorrente, perimenstrual, em peso, bilate­
ral, moderada, sem piora ao esforço físico, com tono, mas sem fotofobia, e náuseas ou vômitos.
CAPÍTULO 7 c e f a l e i a na u n i d a d e d e e m e r g ê n c i a 97

5. Em relação à síndrome de hipotensão liquórica espontânea, assinale a alternativa correta.


A. 0 hematoma subdural bilateral é uma complicação frequente.
B. O liquor pode apresentar pressão de abertura normal.
C. A localização mais comum das fístulas é na região lombar.

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Enxaqueca crônica
Mario Fernando Prieto Peres
Eliova Zukerman

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 35 anos de idade, refere há 20 anos crises de enxaqueca


com cefaleias hemicrânicas ora direitas, ora esquerdas, latejantes, com náuseas, foto
e fonofobia. As crises apareciam em uma média de 1 a 3 vezes por mês, mas, há 2
anos, começou a apresentar crises mais frequentes e, há 6 meses, ocorrem 15 ou mais
vezes por mês. A paciente relata que as crises intensificaram-se após o falecimento
de sua mãe, mas nega antecedentes pessoais ou familiares de valor. Ativa, trabalha
em escritório e vem sofrendo pressões importantes que provocam ansiedade e irri­
tabilidade.
Os exames clínico e neurológico não apresentaram anormalidades, bem como a
ressonância magnética (RM) do crânio e a angiorressonância do crânio, arterial e
venosa. A paciente foi medicada com amitriptilina (50 mg/dia) e logo após passou
por avaliação psicológica orientada para psicoterapia cognitiva.
Foi recomendado uso moderado de medicação analgésica. Após 60 dias dessa
orientação, a paciente obteve melhoras, com redução do número e da intensidade
das crises. Trata-se, portanto, de uma paciente com diagnóstico de enxaqueca sem
aura, que se transformou, por diferentes motivos, em enxaqueca crônica.

99
100 neurologia e neurocirurgia HIAE

ENXAQUECA CRÔNICA

A enxaqueca, ou migrânea, é uma doença neurológica crônica e debilitante que se ma­


nifesta por cefaleia e um conjunto de sintomas associados de maneira recorrente. É carac­
terizada pelo aparecimento de dores de cabeça uni ou bilaterais, geralmente com caráter
pulsátil e intensidade moderada a intensa, precedida ou não por sintomas neurológicos
focais, denominados aura.1Seguem-se náuseas, vômitos e foto e fonofobia.
A enxaqueca é uma doença muito comum em todo o mundo. A estimativa de 10 a
12% é uma média da prevalência de 1 ano em adultos (6% em homens e 15 a 18% em
mulheres).2 No Brasil, recente estudo epidemiológico revela 15,2% de prevalência, sendo
9% em homens e 20% em mulheres.3
Também possui importância significativa o grupo de pacientes com cefaleias diárias,
chamadas cefaleias crônicas diárias (CCD), definidas pela presença de cefaleia por mais
de 15 dias em 1 mês, por mais de 3 meses. As CCD respondem pela maioria das consultas
em centros especializados de cefaleia, cujos pacientes são os mais difíceis de tratar. Quatro
subtipos são descritos, incluindo enxaqueca crônica, cefaleia do tipo tensional crônica, ce­
faleia nova diária e persistente e hemicrania contínua. A enxaqueca crônica é o diagnóstico
mais relevante desse grupo.
Em levantamentos populacionais, a CCD primária tem ocorrência de 3,9 a 6%, sendo
enxaqueca crônica em 1 a 2,4%. No Brasil, a CCD tem prevalência de 6,9%.3Até 2004, as
CCD não podiam ser classificadas adequadamente; apenas a cefaleia do tipo tensional crô­
nica era contemplada. Com a segunda edição da Classificação Internacional das Cefaleias,
os outros três diagnósticos apareceram.
As CCD podem apresentar uma série de fatores complicadores. Um dos aspectos pri­
mordiais é o agravante da cefaleia rebote, que ocorre pelo uso excessivo de medicações anal­
gésicas. Caso o consumo de ergotaminas e combinações de analgésicos ou triptanos ocorra
por mais de 15 dias por mês e caso a cefaleia tenha piorado ou aparecido durante a ingestão
excessiva e, após a retirada, desapareça ou volte ao seu padrão anterior, o diagnóstico con­
siderado é o de cefaleia por uso excessivo de medicação e não enxaqueca crônica ou outra
CCD. Este é um diagnóstico de exclusão, pois a maioria dos pacientes tem mesmo algum tipo
de CCD, mais comumente a enxaqueca crônica. É importante implementar uma terapêutica
preventiva medicamentosa nesses pacientes já no primeiro momento do diagnóstico, sem
esperar reversão do quadro em 2 meses apenas com w a sh o u t e sem outro tratamento.
Outro tópico de extrema relevância é a presença de comorbidades psiquiátricas.4,5 Al­
gum grau de depressão é observado em 85% dos pacientes, depressão grave em 1/4 deles
e ansiedade significativa em 75% dos casos.6,7 Os transtornos mistos de ansiedade e de­
pressão são frequentes.8,9 Distúrbios do sono como insônia, além de fibromialgia, fadiga e
outras síndromes somáticas funcionais, também podem estar presentes.10,11
Além da enxaqueca crônica e da cefaleia do tipo tensional crônica, que são os tipos
mais frequentes, a cefaleia nova diária e persistente (CNDP) e a hemicrania contínua têm
CAPÍTULO 8 enxaqueca crônica 101

bastante importância. A CNDP tem como característica principal a instalação do quadro


já com frequência diária, sem a habitual transformação que ocorre nas síndromes mais
frequentes. A hemicrania contínua, por sua vez, tem a peculiaridade de uma dor locali­
zada em apenas um lado da cabeça, de caráter contínuo, com flutuações e exacerbações
da intensidade, fenômenos autonômicos ipsilaterais ocasionais12,13 e absoluta resposta à
indometacina, em dose inicial de 75 a 250 mg/dia.14
O diagnóstico é o primeiro passo para um adequado tratamento da enxaqueca crôni­
ca. Em pacientes com dores unilaterais, um teste com indometacina é obrigatório. Outro
ponto fundamental é o diagnóstico diferencial, pois dores diárias podem ser reflexos de
uma cefaleia secundária. Casos óbvios de doenças cerebrovasculares evidentes, tumores do
sistema nervoso central (SNC) e infecções não são difíceis de perceber, mas alguns diag­
nósticos merecem destaque especial.
Deve-se considerar o diagnóstico de hipertensão intracraniana idiopática (pseudotu-
mor cerebrii) em pacientes refratários. A prevalência dessa condição varia de 5 a 14% dos
casos de CCD. Suspeita adicional deve ser levantada em pacientes obesos, com alteração
visual ou zumbido.15 Deve-se realizar punção liquórica com medida da pressão inicial e
final, mesmo na ausência de edema de papila. A trombose venosa cerebral (TVC)16 pode
cursar apenas com cefaleia, sem os outros sinais clássicos da doença. A angiorressonância
magnética e/ou a angiografia cerebral devem ser realizadas.
Sendo a enxaqueca crônica o diagnóstico de maior dificuldade no manejo, serão des­
critos, a seguir, seus pontos mais relevantes, muito embora outros tipos de CCD possam se
beneficiar de alguns dos tópicos de tratamentos, aqui, mencionados.

Tratam ento hospitalar

O tratamento pode ser hospitalar quando o quadro é grave, as crises são acompanhadas
de vômitos incoercíveis, a retirada de analgésicos falhou à tentativa ambulatorial e quando
há comorbidades clínicas e psiquiátricas que levem ao difícil manejo. Os esquemas de trata­
mento hospitalar propostos são diversos, havendo consenso maior no uso intravenoso (IV)
dos neurolépticos como a clorpromazina ou o droperidol, além do haloperidol. Podem-se
associar corticosteroides, como o solumedrol ou a dexametasona.
Quando há um componente cervical com contratura muscular da região do pescoço e
padrão de irradiação ou presença de pontos dolorosos ou pontos desencadeantes (trigger
p o in ts ), o bloqueio anestésico do nervo occipital maior e o bloqueio dos pontos dolorosos
podem ser indicados. Normalmente, infiltram-se 3 a 5 mL de lidocaína a 2% sem vasocons-
tritor, associada, quando possível, a um corticosteroide de depósito como a betametasona.
Devem-se associar hidratação, proteção gástrica e medicação antiemética, como ondan-
setron, metoclopramida e prometazina (atenção à associação com neurolépticos, que tam­
bém são antieméticos). Para ansiedade e insônia, benzodiazepínicos (alprazolam, clonaze-
pam) e/ou antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina) são úteis. Nas eventuais
102 neurologia e neurocirurgia HIAE

crises que possam aparecer durante a internação, anti-inflamatórios, como cetorolaco (30 mg
IV), tenoxican (20 mg IV), cetoprofeno (100 mg IV) e diclofenaco (75 mg IM), podem ser
utilizados. Analgésicos como a dipirona ou a associação de dipirona e prometazina podem
ser utilizados parenteralmente, quando não há abuso. Sumatriptano subcutâneo (SC), sulfato
de magnésio (IV) e bolo das medicações administradas em horários fixos, como a clorpro-
mazina, o droperidol e o solumedrol, também são utilizados.
Alternativas como o propofol (necessita de acompanhamento de anestesista) ou a even­
tual importação de medicamentos, como a di-hidroergotamina e o divalproato IV, podem
ser consideradas.
A otimização da profilaxia é um dos eixos para o tratamento da enxaqueca crônica.
O tratamento preventivo não medicamentoso deve sempre ser considerado junto com o
tratamento medicamentoso.

Fisioterapia

A fisioterapia analgésica para a musculatura pericraniana, com atenção especial à colu­


na cervical, com aplicação de termoterapia, digitopressão, alongamento cervical e TENS, é
útil. Quando há alterações posturais, as técnicas de reposicionamento estão indicadas.
A avaliação psicológica é mandatória no paciente com dor diária. Os diagnósticos
de transtornos do humor e/ou ansiedade são os principais a serem procurados. Deve-se
lembrar sempre do espectro bipolar, que, muitas vezes, se apresenta por irritabilidade do
humor, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico. Fobias são extrema­
mente comuns nessa população, com destaque para a c e p h a la lg ia p h o b ia ,17 isto é, o medo de
ter dor de cabeça, que faz com que os pacientes usem analgésicos excessivamente.18
Um breve histórico sobre eventos de vida traumáticos, conflitos, manias e aspectos,
como alto grau de exigência, perfeccionismo e culpa, são importantes. Não é incomum
ideação suicida nos casos graves.
A educação do paciente deve ser enfatizada durante o tratamento, a fim de evitar re­
corrências de uso excessivo de sintomáticos e de garantir adesão ao tratamento preventivo.
Exercícios físicos regulares e parada do tabagismo devem ser encorajados.

Tratam ento m edicam entoso

O tratamento medicamentoso para prevenção da enxaqueca crônica talvez seja o mé­


todo mais eficaz e fácil para garantir ao paciente uma melhora rápida,19já que muitos dos
tratamentos não medicamentosos podem demorar no seu início de ação. As classes mais
úteis na prevenção da enxaqueca crônica são os neuromoduladores (anticonvulsivantes),
como o divalproato e o topiramato, e os antidepressivos.20'22O topiramato deve ser iniciado
com a dose de 25 mg, sendo escalados 25 mg semanalmente, até chegar, em 1 mês, a 100
mg. Entretanto, muitos pacientes já podem responder com 50 mg.
CAPÍTULO 8 enxaqueca crônica 103

Déficit cognitivo e litíase renal podem ser impeditivos para a manutenção da terapêutica.
Parestesias de extremidades são comuns, mas podem ser minoradas com a suplementação
de potássio com alimentos como banana, tomate, laranja e folhas escuras, sendo raramente
necessária a reposição de potássio em comprimidos. A vantagem do topiramato, além da
sua boa eficácia, é a provável perda de peso. Essa droga dose-dependente pode ser definitiva
para a adesão do paciente. O divalproato é também eficaz, mas tem efeito oposto em relação
ao peso. Politerapia nos casos refratários acaba sendo a regra, sendo que o uso de múltiplas
classes de preventivos é mais racional. A flunarizina pode resultar em ganho de peso e de­
pressão, devendo, se possível, ser evitada. Os betabloqueadores são importantes no esquema
medicamentoso, mas atenção especial deve ser dada à fadiga resultante de doses mais altas.
Atenolol, propranolol e metoprolol são os mais utilizados.
A presença de comorbidades deve guiar a escolha do medicamento preventivo, muitas
vezes necessitando de politerapia nos casos mais difíceis. Em pacientes com transtornos de
humor e ansiedade, os antidepressivos tricíclicos são ótimos candidatos, porém a amitrip-
tilina e a nortriptilina podem causar ganho de peso acentuado, sialoquese e obstipação. A
alternativa dos inibidores duplos de recaptação (serotonina e noradrenalina), como a ven-
lafaxina e a duloxetina, é interessante. Caso haja necessidade de um inibidor de recaptação
de serotonina, deve-se lembrar que a sertralina e a fluoxetina são neutras no controle da
cefaleia. A experiência com escitalopram é boa, mas faltam estudos comprobatórios. Em
pacientes com traço ou diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), devem-se
considerar clomipramina e fluvoxamina.
Os neuromoduladores também têm ação no humor e na ansiedade dos pacientes com
enxaqueca, de modo que uma tentativa inicial com topiramato ou divalproato pode sur­
tir resultados satisfatórios. Outros anticonvulsivantes, como a carbamazepina, a fenitoína
e o fenobarbital não têm ação favorável, mas a gabapentina e a lamotrigina podem ser
utilizadas. Futuramente, a zonisamida, a pregabalina e o levatiracetam poderão ter algum
papel no tratamento das CCD. Na necessidade de estabilização do humor, o carbolítio
pode ser iniciado, assim como a carbamazepina ou a oxcarbazepina.
Tratamentos de transição, como bloqueios de nervo, corticosteroides e metisergida, são
eficazes. Recentemente, houve evidência favorável para a acupuntura no tratamento da en­
xaqueca, podendo ser um tratamento complementar eficaz. Em alguns pacientes, a toxina
botulínica traz alívio importante.23
Quando há insônia, a melatonina é uma opção excelente, bem tolerada e eficaz. Sua
dose pode variar bastante e é uma tentativa válida. Deve-se iniciar com 3 mg, entre 22 e 23
horas, podendo aumentar a dose sem dificuldades. Mesmo na ausência de insônia, devido
ao seu perfil de tolerabilidade e potencial de eficácia, a melatonina pode ser opção para o
tratamento preventivo da enxaqueca.
Em casos com limitação para utilização de medicações preventivas clássicas, a coenzi-
ma qlO, a riboflavina, o sulfato de magnésio e os fitoterápicos P eta sites h y b rid u s e T anace-
tu m p a r th e n iu m podem ser considerados.
104 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO

Este caso revela uma paciente com crises de enxaqueca sem aura, episódica há muitos
anos; essas crises intensificaram-se após um episódio emocional: o falecimento da mãe.
Esse fato, associado ao uso frequente de medicação analgésica, criou as condições para a
cronificação da enxaqueca. A orientação dada proporcionou melhora do quadro clínico.

□ PONTOS RELEVANTES

0 A enxaqueca crônica faz parte de um grupo de 4 tipos de cefaleia crônica diária, cuja
característica comum é a elevada frequência das crises (15 ou mais por mês).
0 A enxaqueca crônica está associada a comorbidades, principalmente à depressão e à
ansiedade.
0 A enxaqueca crônica, frequentemente, leva ou é consequência do uso excessivo de me­
dicação analgésica.
0 O tratamento é multidisciplinar e objetiva a redução do uso de medicação analgésica,
o tratamento das cormobidades e o estabelecimento precoce da medicação antienxa-
quecosa preventiva.

QU E S T ÕE S

1. Pacientes com diagnóstico de enxaqueca crônica têm:


A. 10 crises por mês.
B. 6 crises por mês.
C. 15 ou mais crises por mês.

2. No tratamento preventivo da enxaqueca crônica, tem efeito:


A. Gabapentina + topiramato.
B. Hidantal + carbazepina.
C. Nenhum dos anteriores.

3. Cefaleia crônica diária apresenta os seguintes tipos de cefaleia:


A. Enxaqueca crônica, cefaleia em salvas, hemicrania contínua.
B. Enxaqueca crônica, cefaleia tensional crônica, cefaleia nova diária persistente, hemicrania contínua.
C. Enxaqueca crônica, cefaleia tensional crônica, hemicrania contínua e hemicrania paroxística.
CAPÍTULO 8 enxaqueca crônica 105

4. Hipertensão endocraniana idiopática (Pseudotumor cerebrii) pode cursar com:


A. Edema de papila do nervo óptico.
B. Papila do nervo óptico normal.
C. Ambas as condições.

5. Tratamento hospitalar da enxaqueca crônica inclui:


A. Neuroléptico IV.
B. Corticoide IV.
C. Ambas as condições.

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9

Tratamento preventivo da enxaqueca


Yára Dadalti Fragoso

INTRODUÇÃO

A indicação de tratamento preventivo para as crises de enxaqueca necessita, principal­


mente, de um bom relacionamento médico-paciente. O tratamento é relativamente longo,
não curativo e dependente de modificações dos hábitos de vida, da necessidade de retornar
às consultas com regularidade e de registrar a evolução da enxaqueca em diário ao lon­
go de todo o tempo. Os pacientes que se comprometerem a iniciar o tratamento devem
estar cientes da necessidade de aderir aos itens citados e plenamente esclarecidos sobre
as limitações e os eventuais eventos adversos das medicações profiláticas utilizadas para
enxaqueca.1
O tratamento preventivo é indicado quando a frequência e/ou a intensidade das crises
se tornam um importante fator limitante da qualidade de vida, levando à incapacidade
funcional. Obviamente, em um momento prévio à indicação do tratamento preventivo,
medidas de tratamento das crises já foram tomadas e falharam, assim como já houve iden­
tificação e afastamento dos fatores desencadeantes de crise, sem sucesso. É essencial que
o paciente já tenha abandonado o hábito de uso excessivo de analgésicos, pois nenhum
tratamento preventivo tem sucesso com pacientes que mantêm seu uso indiscriminado.
O diário de registro da cefaleia deve conter a informação da quantidade e da qualidade
dos medicamentos utilizados pelo paciente, que deve ter compreendido bem o efeito ne­
gativo do excesso de analgésicos.

107
108 neurologia e neurocirurgia HIAE

O tratamento não farmacológico preventivo de crises deve sempre incluir:

■ educação do paciente, com a finalidade de compreensão da cronicidade da enxaqueca,


criando expectativas realistas em relação ao tratamento farmacológico e determinando
motivação para adesão às recomendações de tratamento;12*'4*
■ mudança dos hábitos de vida, incluindo a regularização dos horários de sono e de ali­
mentação;
■ instituição de um programa de atividade física adaptado às condições individuais de
cada paciente;5,6
■ abordagem das comorbidades que interferem negativamente no sucesso terapêutico do
tratamento preventivo (p.ex., obesidade,7"9 fibromialgia,10 ansiedade11 e depressão12).

Embora nenhum dos medicamentos utilizados para profilaxia da enxaqueca seja livre
de efeitos colaterais, às vezes, esses efeitos podem ser benéficos no controle das comorbi­
dades. Pacientes com baixo índice de massa corpórea (IMC) e insônia podem se beneficiar
de baixas doses de tricíclicos, enquanto pacientes hipertensos ou com hiperidrose podem
responder bem com betabloqueadores, tanto para a enxaqueca quanto para as condições
associadas. Pacientes com obesidade e sonolência excessiva, por outro lado, não toleram
tricíclicos, assim como asmáticos não toleram betabloqueadores. Assim, a escolha da medi­
cação deve ser ajustada para cada caso, dependendo do perfil do paciente que necessita de
tratamento profilático para sua enxaqueca.13
A indicação de troca de medicamento ou de aumento de dose deve ser bastante racio­
nal, pois a maioria dos medicamentos necessita de mais tempo para agir do que o paciente
e/ou o médico estão dispostos a esperar. O ideal é aguardar pelo menos 6 semanas antes de
mudar a classe terapêutica ou proceder com associações de fármacos.
Não é comum haver necessidade das doses máximas dos medicamentos preventivos
para controle da enxaqueca. Habitualmente, deve-se iniciar com a dose mínima e prosseguir
com um escalonamento racional e lento até a dose eficaz. Embora a dose máxima de cada
fármaco esteja indicada a seguir, são exceções os pacientes que necessitam dessas doses.

1. Betabloqueadores. Eficazes na prevenção da enxaqueca, esses medicamentos ofere­


cem excelente custo-benefício14e apresentam boa adesão.15Embora diversos betablo­
queadores tenham sido avaliados para enxaqueca, propranolol (40 a 240 mg/dia, em 2
a 3 tomadas) e atenolol (25 a 150 mg/dia, em 1 a 2 tomadas) são os mais comumente
prescritos no Brasil. O uso prolongado desses medicamentos pode determinar distúr­
bios do sono (sonhos vívidos, pavor noturno), impotência, astenia, broncoespasmo,
depressão e, quando em doses maiores, alterações cardiocirculatórias.
2. Tricíclicos. Eficazes no manejo das dores crônicas, essas drogas têm ação na profilaxia
da enxaqueca independentemente de sua ação antidepressiva. Apresentam boa relação
custo-benefício e seu perfil de efeitos colaterais, por vezes, é limitante do uso em dose
eficaz. Amitriptilina (12,5 a 75 mg/dia, em 1 a 3 tomadas) e nortriptilina (10 a 75 mg/
CAPÍTULO 9 t r a t a m e n t o p r e v e n t i v o da e n x a q u e c a 109

dia, em 1 a 3 tomadas) podem se associar a sonolência, ganho de peso, secura de muco­


sas, obstipação, hipotensão postural, alteração da libido e retenção urinária.
3. Bloqueadores dos canais de cálcio. Entre os fármacos dessa categoria, apenas a fluna-
rizina (5 a 10 mg/dia, em tomada única) é recomendada para a prevenção das crises
de enxaqueca. Seus efeitos colaterais podem ser significativos mesmo em doses baixas,
incluindo sonolência, ganho de peso, depressão, síndromes extrapiramidais, astenia e
mialgia.
4. Antagonistas serotoninérgicos. Esse grupo de medicamentos inclui pizotifeno, metis-
sergida e ciproeptadina. Exceto pela ciproeptadina, que pode ser utilizada com sucesso
em crianças, as demais drogas dessa categoria são, atualmente, de terceira escolha de­
vido aos seus eventos adversos potencialmente graves (digestivos, neurológicos, vascu­
lares e fibroses).16
5. Anticonvulsivantes (estabilizadores de membrana). O tratamento profilático da en­
xaqueca na última década passou a incluir algumas drogas anticonvulsivantes que
têm papel para dores neuropáticas em geral.1718 Entre os medicamentos mais estuda­
dos para controle da enxaqueca disponíveis no Brasil, estão o divalproato de sódio e
o topiramato, atualmente considerados os únicos estabilizadores de membrana com
efeito comprovado na prevenção da enxaqueca.19 O divalproato oferece melhor perfil
de tolerância gastrintestinal que o ácido valproico. As doses recomendadas variam
de 500 a 1.500 mg/dia. É importante evitar o uso desse medicamento em mulheres
potencialmente férteis, devido ao seu perfil teratogênico. Entre os efeitos colaterais
do divalproato, encontram-se tremores, alopecia, sonolência e, muito raramente, pan­
creatite e hepatite. A dose habitual de topiramato varia de 25 a 200 mg/dia, em 1 a 2
tomadas. Os eventos adversos (parestesias, fadiga e alterações cognitivas) podem ser
melhorados com a introdução lenta e gradual da medicação, porém, às vezes, esses
efeitos são intoleráveis para manter o tratamento. A perda de peso associada ao uso do
topiramato pode ser vantajosa para certos pacientes. Glaucoma e nefrolitíase podem
ser observados em alguns pacientes e recomenda-se cautela com o perfil de eventos
adversos mais graves dessa medicação.

O tempo de uso dos medicamentos profiláticos ainda é motivo de discussão e pesquisas.


Recomenda-se manter o medicamento na dose eficaz por pelo menos 3 meses a partir do
momento em que a enxaqueca estiver controlada e só então diminuir gradativamente a dose
para suspensão. Durante todo o tratamento profilático, as crises devem ser tratadas em seu
início, com as medicações mais adequadas para o controle das crises agudas de piora.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 44 anos de idade, telefonista, casada, refere ter enxaque­
ca desde a adolescência, apresentando, no momento, crises de maior intensidade,
110 neurologia e neurocirurgia HIAE

frequência e duração. Já foi demitida de empregos anteriores duas vezes devido às


suas crises de cefaleia e receia ser demitida novamente, pois, além de alto índice de
absenteísmo, quando consegue ir ao trabalho estando em crise, seu rendimento é
muito baixo. Apresenta dores em locais diferentes da cabeça, geralmente de início
frontal, evoluindo para holocraniana. A cefaleia é latejante, geralmente iniciando
com intensidade já moderada e rapidamente evoluindo para muito forte (em cerca
de 60 min., a dor já atinge o pico de intensidade). A cefaleia acompanha foto, fono
e osmofobia, náuseas e, ocasionalmente, vômitos. Nos picos de dor das crises, mal
consegue movimentar a cabeça porque o latejamento se intensifica muito.
A paciente refere ter, em média, uma crise por semana, com duração de cerca de 24
horas. No período menstrual, apresenta crises de até 72 horas de duração. Faz uso
de analgésicos, anti-inflamatórios e derivados ergóticos, tomando diversas combi­
nações de medicamentos, todos prescritos por médicos que a atenderam ao longo
das décadas de queixas de cefaleia, sempre com orientação de uso nas crises. Em
geral, o consumo de medicamentos para crise é de 15 comprimidos ao mês (3 a 4
por crise).
Trouxe à consulta diversos exames de eletroencefalograma (EEG), tomografia com­
putadorizada (TC) e ressonâncias magnéticas (RM). Exceto pela RM, que apresenta
alterações em T2-FLAIR, com imagens inespecíficas em região subcortical periven­
tricular (objetos brilhantes não identificados - UBO), todos os exames estão sem
alterações.
Mãe e irmã apresentam história de cefaleia crônica, mas a paciente desconhece as
características da cefaleia delas.
Refere passar por dificuldades financeiras e estar preocupada com a possível de­
missão desse emprego. Seus hábitos alimentares e de sono são irregulares, porque
trabalha em turnos de 8 horas que podem ser em períodos diferentes do dia ou da
noite. Tem dois filhos saudáveis, de 12 e 17 anos de idade, sendo que o mais novo
apresenta crises de cefaleia frequentes (mais de 5 crises por mês), já diagnosticadas
como enxaqueca pelo pediatra e medicadas com paracetamol.
Apresentou exame clínico e neurológico normais, com pressão arterial (PA) de 140
x 80 mmHg e frequência cardíaca (FC) de 92 bpm, altura de 1,56 m, peso de 65 kg
e IMC 26,7.

■ Qual é o diagnóstico?
■ Qual é o papel dos exames de imagem neste caso?
■ Existe evidência de uso excessivo de medicação para crises?
■ Existe indicação para tratamento preventivo?
■ Quais seriam os medicamentos de escolha e por quê?
■ Quais orientações podem ser dadas além do uso da medicação?
CAPÍTULO 9 t r a t a m e n t o p r e v e n t i v o da e n x a q u e c a 111

► DISCUSSÃO

O diagnóstico de enxaqueca sem aura em sua forma crônica pode ser confirmado por
meio da história clínica e dos exames clínico e neurológico. A solicitação de exames, tão
característica nesses pacientes, é desnecessária pelas próprias características típicas da ce-
faleia. No entanto, é comum observar que, muitas vezes, os pacientes desejam fazer os
exames, alegando que “querem ver porque a cabeça dói tanto”; e o médico, por sua vez,
muitas vezes pede o exame para não precisar argumentar e explicar por que os exames não
têm indicação alguma, dizendo que vai solicitá-los apenas “por desencargo de consciência”.
Quando a ressonância mostra UBO (achado comum em enxaqueca crônica e sem signifi­
cado clínico, refletindo, possivelmente, a cronicidade da condição20), é comum o paciente
ser encaminhado para investigação de doença desmielinizante, criando mais um fator de
ansiedade e maiores despesas médicas desnecessárias.
Embora o uso de medicação para crises não possa ser considerado excessivo, parece ser
inadequado. É preciso orientar o paciente a utilizar medicamentos de forma racional no
início da crise e de forma adequada para cada crise.21'23
A frequência, a intensidade e a duração das crises podem ser alteradas com o uso de
tratamento preventivo. O risco de desemprego gerando insegurança na paciente deve ser
considerado. Nesse caso, entre os medicamentos de escolha, topiramato (gravidade das
crises e IMC acima do normal) ou betabloqueador (PA limítrofe) são boas opções.
As dificuldades financeiras do paciente, a disponibilidade do betabloqueador na rede pú­
blica e o benefício semelhante das duas medicações (embora topiramato seja melhor) devem
ser considerados.1424Nesse caso, a melhor opção seria o atenolol, considerando-se que a pa­
ciente trabalha em turnos e uma tomada de medicação por dia (propranolol exigiria duas
tomadas) tem maior chance de adesão ao tratamento. A paciente deve estar ciente de que
serão necessárias 4 a 6 semanas para a observação do benefício do tratamento.
A paciente deve também ser orientada a reestruturar seus hábitos alimentares, evitando
longos períodos sem comer, mas com orientação adequada para não aumentar seu peso.
Deve tentar dormir um número mínimo de horas por dia, de forma ininterrupta. Um
programa de atividade física leve e regular (caminhadas, alongamento) deve ser instituído.
Devido às dificuldades financeiras, a paciente pode fazer atividade física sem gastos, como
caminhadas e um programa diário de alongamento em casa. Todo o tratamento e a evolu­
ção devem ser registrados em um diário.
Finalmente, é importante avaliar e orientar o caso do filho que também apresenta crises
frequentes de enxaqueca.25

n PONTOS RELEVANTES
0 O tratamento preventivo da enxaqueca deve ser instituído quando o paciente tiver 2 ou
mais crises ao mês.
112 neurologia e neurocirurgia HIAE

0 O tratamento preventido da enxaqueca pode atender com um único medicamento a


enxaqueca e a comorbidade.
0 O tempo de um tratamento preventivo da enxaqueca deve ser aquele no qual o paciente
passa a ter menos que duas crises ao mês. A partir de então, os medicamentos podem
ser lentamente retirados.

QU E S T ÕE S

1. Quando iniciar o tratamento preventivo da enxaqueca?


A. Quando o paciente tem crises que necessitam de internação.
B. Quando existe limitação da qualidade de vida pela incapacidade gerada nas crises.
C. Quando existe uso excessivo de analgésicos.

2. Um programa de tratamento não farmacológico para auxiliar na prevenção de enxaqueca:


A. Não deve incluir atividade física, dado o risco de piora das dores.
B. Deve incluir homeopatia e fitoterapia.
C. Deve incluir orientação sobre a condição não curativa do tratamento.

3. 0 uso de amitriptilina é particularmente adequado na prevenção da enxaqueca de um pa­


ciente que apresente:
A. Baixo peso corporal e insônia.
B. Transtorno bipolar.
C. Depressão grave.

4. Quando um paciente não apresenta mudança do padrão de crises nas 2 primeiras semanas
de tratamento profilático, recomenda-se:
A. Associar outra medicação.
B. Manter o mesmo tratamento.
C. Mudar a medicação.

5. Qual dos seguintes medicamentos não deve ser utilizado na profilaxia de enxaqueca para
mulheres em idade fértil:
A. Derivados do ácido valproico.
B. Tricíclicos.
C. Betabloqueadores.
CAPÍTULO 9 t r a t a m e n t o p r e v e n t i v o da e n x a q u e c a 113

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10

Cefaleia d o tip o te n sio n a l (CTT)


Luiz Paulo Queiroz

INTRODUÇÃO

Embora a cefaleia do tipo tensional (CTT) seja provavelmente o tipo de dor de cabeça
mais frequente na população geral, sua epidemiologia, sua fisiopatologia e seu tratamento
são pouco estudados.
A CTT era previamente conhecida como cefaleia de tensão, cefaleia de contração mus­
cular, cefaleia do estresse, cefaleia psicomiogênica, cefaleia comum, cefaleia essencial, cefa­
leia idiopática e cefaleia psicogênica. A Sociedade Internacional de Cefaleia (International
Headache Society - IHS), na Ia edição da Classificação Internacional das Cefaleias, em 1998,
e depois ratificada na 2a edição, em 2004,1deu-lhe esse nome indicando que provavelmente
uma tensão muscular e/ou psicológica pode ter um papel na sua patogenia, apesar de esta
ainda não ser completamente conhecida.2,3
Como a CTT é menos intensa e incapacitante que a migrânea, a maioria dos pacientes
com CTT, especialmente os com crises episódicas, não procura consultórios médicos e
centros de emergência, fazendo uso de automedicação. Apesar disso, por sua alta frequên­
cia na população, a CTT tem elevado impacto socioeconômico na sociedade, com grande
custo direto (medicações, consultas médicas, atendimento em emergências e hospitaliza­
ção) e indireto (baixo rendimento no trabalho, absenteísmo). É possível, inclusive, que os
custos econômicos da CTT sejam maiores que os causados pela migrânea, especialmente
em países com alta prevalência, como a Dinamarca.4

115
116 neurologia e neurocirurgia HIAE

A prevalência de CTT nos vários estudos populacionais varia de 12,9 a 86,5%, com
média de 40%.5Essa ampla variação deve-se, provavelmente, ao emprego de diferentes me­
todologias e definições de casos, embora diferenças genéticas, culturais e socioeconômicas
entre as populações também possam contribuir.4 Outro fator é que, na maioria dos estu­
dos epidemiológicos de base populacional, geralmente é dado um diagnóstico para cada
sujeito, com base nas dores de cabeça mais intensas e incapacitantes, que geralmente são
as migrâneas, embora seja reconhecido que grande número (até 83%) dos pacientes com
migrânea também apresenta CTT, o que tende a subestimar sua prevalência.6Em crianças
e adolescentes, a prevalência de CTT tem sido estimada em 10 a 25%.7A prevalência esti­
mada de CTT crônica é de 1 a 4%.3,4
No Brasil, um estudo epidemiológico de abrangência nacional estimou a prevalência
de CTT em 13%,8 com taxas inferiores às da migrânea (15,2%). A prevalência de provável
CTT foi de 22,6%. Somando-se a prevalência de CTT com provável CTT, a prevalência
anual foi de 35,6%. A prevalência de CTT crônica foi de 1,8%, sendo que apenas 6,4% dos
pacientes com cefaleia crônica diária apresentavam CTT crônica.9

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 39 anos de idade, casado, contador, refere ter episódios
de dor de cabeça desde os 17 anos de idade, na época dos estudos pré-vestibulares.
Ao longo da vida, alterna períodos em que tem dores de cabeça ocasionais (1 a
2 crises por mês) com períodos de cefaleias mais frequentes (3 a 4 crises por se­
mana), geralmente relacionados a fases estressantes da vida, como em épocas de
provas finais, quando era estudante, e em finais de ano ou no mês anterior à entrega
da declaração do imposto de renda, quando tem trabalho redobrado. As dores são
geralmente frontais, bilaterais, embora, às vezes, sejam unilaterais, em aperto, de in­
tensidade leve a moderada e não pioram com atividades diárias. O paciente nega a
ocorrência de náuseas, vômitos e fono ou fotofobia.
As dores são mais comuns no final da tarde, mas podem ocorrer em qualquer ho­
rário do dia. Nunca acordou de madrugada pela dor. Duram de 2 a 4 horas, se con­
seguir parar as atividades e relaxar ou se tomar algum analgésico. Esporadicamente,
toma paracetamol (750 mg) ou naproxeno sódico (550 mg), obtendo melhora da dor.
Nega ter diabete melito (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS) (mas a pressão
arterial - PA - já chegou a 140 X 90 mmHg, em situações de estresse) ou qualquer
outra doença crônica. Nega história familiar de cefaleia e história de depressão maior,
mas diz ser ansioso e preocupado, tendendo ao perfeccionismo. Geralmente dorme
bem, mas, nos períodos de sobrecarga de trabalho, dorme pouco (cerca de 5 horas
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 117

por noite). Não faz atividades físicas regulares, fuma cerca de 15 cigarros por dia e
bebe de 3 a 5 latas de cerveja nos fins de semana. Nega utilização de drogas ilícitas.
Ao exame físico, apresenta bom estado geral, com PA de 130/85 mmHg, peso de 80
kg, altura de 1,67 m e índice de massa corpórea (IMC) de 28,7. Não apresenta pon­
tos miofasciais dolorosos. O restante dos exames clínico e neurológico está dentro
dos limites da normalidade.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 25 anos de idade, solteira, ouvidora de escola de línguas,


refere que tinha cefaleias ocasionais (2 a 4 crises por mês) desde os 14 anos de idade.
Há cerca de 2 anos, a frequência das dores aumentou, passando a ser quase diária
(20 a 25 dias por mês), principalmente ao fim do dia.
As dores são predominantemente occipitais, bilaterais, “em pressão”, de leves a modera­
das, mas, ocasionalmente, são fortes. A paciente nega náuseas ou vômitos, mas, às vezes,
tem anorexia. Nega fotofobia, mas, às vezes, tem fonofobia. A dor não é agravada por
esforços físicos habituais. Já fez uso de inúmeros analgésicos, incluindo paracetamol,
dipirona, Dorflex®, Neosaldina®, Sedilax®, Tandrilax®, Saridon® e naratriptano, que já
não aliviam mais as dores como no início da utilização. Atualmente, está em uso quase
diário de Parcel®, com melhora parcial das dores. Nega piora da cefaleia no período
pré-menstrual, mas refere piora nos períodos mais estressantes, principalmente relacio­
nados ao tipo de trabalho. Queixa-se de cervicalgia, dores torácicas e dores em membros
superiores, ocasionalmente. Nega estar com grandes problemas pessoais no momento.
Já teve dois episódios de depressão maior, aos 13 e 18 anos de idade, que melhoraram
com o uso de fluoxetina. Refere ser ansiosa e preocupar-se com tudo, mas nega estar
com sintomas depressivos. Ocasionalmente tem insônia, com dificuldade para pegar
no sono. Já tratou de uma disfunção de articulação temporomandibular, aos 17 anos de
idade, usando placas dentárias para dormir durante cerca de 1 ano. Refere ter bruxismo.
Nega ser portadora de DM, HAS ou qualquer outra doença. Faz uso de anticoncepcional
oral há vários anos. Sua mãe tem enxaqueca e depressão. Nega tabagismo, ingestão de
bebidas alcoólicas ou drogas ilícitas.
Ao exame físico, apresenta bom estado geral, com PA de 120 X 80 mmHg, peso de
64 kg, altura de 1,70 m e IMC 22,1. Apresenta pontos miofasciais muito dolorosos
à compressão manual. O restante dos exames clínico e neurológico não apresenta
particularidades.

► DISCUSSÃO DOS CASOS


Caso 1

Esse paciente apresenta os critérios diagnósticos para uma CTT episódica frequente.
Refere alternar longos períodos de cefaleias esporádicas, não incapacitantes, com períodos
118 neurologia e neurocirurgia HIAE

mais curtos de cefaleias frequentes que dificultam suas atividades profissionais. Tem sobre­
peso e possível hipertensão arterial lábil. É tabagista e etilista social. As cefaleias melhoram
com analgésicos comuns ou com AINH.
Esse tipo de paciente, especialmente do sexo masculino, não é comum nos ambulató­
rios de atendimento especializado em cefaleia, procurando o médico por insistência da
esposa, neste caso. Como as dores são típicas de CTT e não apresentam qualquer sinal
de alerta para cefaleias secundárias, não foram solicitados exames complementares. Pela
frequência pequena das crises na maior parte do tempo, não foi instituída medicação pre­
ventiva, mas apenas o uso de ibuprofeno (400 mg) ou naproxeno sódico (550 mg), quando
tiver cefaleia.
Ao paciente, esclareceu-se que, se a frequência das dores de cabeça permanecesse elevada
por tempo prolongado, ele deveria retornar para que fosse instituída medicação profilática.
Foi orientado a perder peso, com dieta hipocalórica e hipossódica, e a realizar atividades
físicas regulares. Foi também encaminhado ao psicólogo, para aprender estratégias de relaxa­
mento a serem utilizadas principalmente nos períodos de sobrecarga de trabalho.

Caso 2

Essa paciente apresenta os critérios diagnósticos para uma provável CTT crônica e uma
provável cefaleia por uso excessivo de medicação. É um caso típico de longa história de
CTT episódica que evoluiu gradualmente para uma CTT crônica. Como fatores de cronifi-
cação, a paciente apresentava história de comorbidades psiquiátricas e dolorosas (ansieda­
de, depressão, bruxismo, fibromialgia), além de, nos últimos 2 anos, ter feito uso excessivo
de medicações analgésicas.
A paciente foi conscientizada de que o uso quase diário de analgésicos estava contribuin­
do para a cronificação da dor, devendo parar de utilizá-los. Foi prescrito naproxeno sódico
(550 mg), se tivesse dores fortes, restringindo seu uso a no máximo 2 dias por semana. O
tripé do tratamento preventivo da CTT crônica é formado por uso de antidepressivos tricí-
clicos, terapias físicas e terapias psicológicas, sendo prescrita amitriptilina (25 mg/dia).
A paciente foi orientada a realizar atividades físicas regulares e a fazer terapia cogniti-
vo-comportamental, além de reavaliar a necessidade de voltar a usar placas dentárias para
o bruxismo. Após 2 meses de tratamento, houve melhora importante na frequência das
cefaleias. A paciente referia também estar menos ansiosa e lidando melhor com as exigên­
cias do seu trabalho.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da CTT é eminentemente clínico, baseado na anamnese e nos exames clí­


nico e neurológico, que são normais. Não existem marcadores biológicos ou exames comple­
mentares que auxiliem no diagnóstico dessa entidade. Quando eventualmente solicitados,
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 119

os exames de laboratório e de imagem [tomografia computadorizada (TC) ou ressonância


magnética (RM) de crânio] são realizados para afastar a possibilidade de alguma cefaleia
secundária nos casos atípicos.
A CTT é caracterizada pela cefaleia “pura”, sem os sintomas acompanhantes da mi-
grânea. É também chamada de não migrânea, quando a dor não é latejante, unilateral,
nem intensa, não piora com os esforços, não apresenta náuseas ou vômitos, nem fono e
fotofobia.2,3 No entanto, os pacientes com CTT podem apresentar alguns sintomas migra-
nosos, como dor latejante ou unilateral, e náuseas discretas ou fono ou fotofobia, podendo,
às vezes, ser difícil diferenciá-la de uma provável migrânea, especialmente em crianças e
adolescentes.7 Geralmente, a dor é contínua, em aperto ou em pressão, pode ser frontal,
occipital ou em faixa e é bilateral, mas pode ser unilateral em 10 a 20% dos casos.10Comu-
mente ocorre agravo vespertino, especialmente quando associada a fatores estressantes ou
cansaço físico e/ou psicológico. Alguns pacientes apresentam dor à palpação dos músculos
pericranianos, o que levou a IHS a subdividir essas cefaleias em com ou sem dolorimento
pericraniano.
A CTT está classificada no item 2 da Classificação Internacional das Cefaleias,1 sendo
subdividida de acordo com a frequência das dores em três subtipos:

■ CTT episódica infrequente, em que o paciente tem cefaleia menos de 1 dia por mês;
■ CCT episódica frequente, em que o paciente tem cefaleia de 1 a 14 dias por mês;
■ CTT crônica, em que a cefaleia ocorre em 15 dias ou mais por mês.

Há também o “provável CTT”, que pode ser infrequente, frequente ou crônico, em que
os pacientes preenchem todos os critérios para CTT, exceto um. Os critérios da IHS para o
diagnóstico dos vários subtipos de CTT estão evidenciados na Tabela 10.1.

TABELA 10.1 Critérios diagnósticos da CTT, segundo a Classificação Internacional das Cefaleias1
CTT episódica infrequente
A. Em média, pelo menos 10 crises ocorrendo em menos de 1 dia por mês e preenchendo os critérios de B a D
B. Cefaleia durando de 30 min. a 7 dias
C. A cefaleia tem pelo menos duas das seguintes características:
• localização bilateral
• caráter em pressão/aperto (não pulsátil)
• intensidade fraca ou moderada
• não é agravada por atividade física rotineira, como caminhar ou subir escadas
D. Ambos os seguintes:
• ausência de náuseas ou vômito (anorexia pode ocorrer)
• fotofobia ou fonofobia (apenas uma delas pode estar presente)
E. Não atribuída a outro transtorno
(continua)
120 neurologia e neurocirurgia HIAE

(continuação)

CTT episódica frequente


A. Pelo menos 10 crises que ocorrem em 1 dia ou mais, porém em menos de 15 dias por mês, durante pelo
menos 3 meses e preenchendo os critérios de B a D
B. Cefaleia durando de 30 min. a 7 dias
C. A cefaleia tem pelo menos duas das seguintes características:
• localização bilateral
• caráter em pressão/aperto (não pulsátil)
• intensidade fraca ou moderada
• não é agravada por atividade física rotineira, como caminhar ou subir escadas
D. Apresenta os dois fatores seguintes:
• ausência de náuseas ou vômito (pode ocorrer anorexia)
• fotofobia ou fonofobia (apenas uma delas pode estar presente)
E. Não atribuída a outro transtorno
CTT crônica
A. Cefaleia que ocorre em 15 ou mais dias por mês, em média, por mais de 3 meses e preenchendo os crité­
rios de B a D
B. A cefaleia dura horas ou é contínua
C. A cefaleia tem pelo menos duas das seguintes características:
• localização bilateral
• caráter em pressão/aperto (não pulsátil)
• intensidade fraca ou moderada
• não é agravada por atividade física rotineira, como caminhar ou subir escadas
D. Apresenta os dois fatores seguintes:
• não mais que um dos seguintes sintomas: fotofobia, fonofobia ou náusea leve
• nem náusea moderada ou intensa, nem vômitos
E. Não atribuída a outro transtorno

A CTT crônica é a que tem maior impacto na vida dos pacientes, incluindo sofrimento
físico, profundo efeito negativo na vida emocional e diminuição na qualidade de vida, além
das perdas econômicas.4
Na maioria dos casos, a CTT crônica evolui de forma episódica, mas, eventualmente,
pode iniciar com frequência diária, podendo, portanto, também ser diagnosticada como
cefaleia persistente e diária desde o início. Muitos dos pacientes com CTT crônica fazem
uso excessivo de medicações analgésicas;11 nesses casos, até a retirada dos analgésicos por
pelo menos 2 meses, deve-se dar o diagnóstico de provável CTT crônica ou provável cefa­
leia por uso excessivo de medicação.1

Diagnóstico d iferen cial

A entidade que mais comumente causa confusão diagnóstica com a CTT é a migrânea
leve ou provável migrânea. Muitos pacientes que apresentam os critérios diagnósticos para
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 121

CTT podem apresentar alguns sintomas migranosos. Dos pacientes com migrânea, 30 a
40% podem ter cefaleia bilateral ou dor não latejante.12 Mesmo quando o diagnóstico de
CTT é feito por um especialista em cefaleia, pode ser mudado posteriormente, após o
preenchimento de um questionário sobre as características da dor.2
Outro diagnóstico diferencial importante é com a cefaleia secundária atribuída ao
uso excessivo de medicações analgésicas. Cerca de 27% dos pacientes com CCT crônica
fazem uso de analgésicos mais frequentemente que o recomendado para o tratamento
sintomático das crises (mais de 10 dias por mês).11 O diagnóstico definitivo de CTT crô­
nica ou cefaleia por uso excessivo de medicações só pode ser feito definitivamente após
a suspensão desses medicamentos por pelo menos 2 meses, o que, na prática médica, é
muito difícil de realizar.
Como as CTT não apresentam características específicas, muitas cefaleias secundá­
rias classificadas nos itens 5 a 12 da Classificação Internacional das Cefaleias podem se
apresentar, inicialmente, como uma típica CTT. A presença ou o surgimento posterior de
outros sintomas ou sinais orientarão a solicitação de exames complementares para corro­
borar as eventuais suspeitas diagnósticas.

C0M0RBIDADES

Comorbidade é definida como uma condição que ocorre simultânea, mas indepen­
dentemente, a outra, em uma associação maior que o mero acaso.4 Existe uma grande
comorbidade entre CTT e migrânea, assim como entre CTT e cefaleia por uso excessivo
de medicações.
Embora a obesidade seja um fator de risco para a cefaleia crônica diária, essa associa­
ção parece ser significativa apenas para migrânea crônica e não para CTT crônica.13CTT
crônica e fibromialgia apresentam características fisiopatológicas, clínicas e terapêuticas
semelhantes, além de serem frequentemente comórbidas.2 Geralmente, bruxismo é as­
sociado a vários tipos de dores musculoesqueléticas, como disfunções da articulação
temporomandibular e CTT.14
Existem poucos estudos que relacionam a CTT a comorbidades psiquiátricas. A preva­
lência de desordens do humor e de ansiedade parece não estar associada à CTT episódica,
mas à CTT crônica. Essa associação ocorre em 40 a 84% dos casos de CTT crônica.15
Os principais diagnósticos psiquiátricos são: depressão maior, distimia, transtorno do
pânico e transtorno de ansiedade generalizada.15 Embora a depressão seja altamente pre-
valente em pacientes com CTT crônica, há poucas evidências da associação desse tipo de
cefaleia a transtornos de ansiedade.16
É muito importante o reconhecimento das doenças comórbidas, pois estas podem im­
plicar maior impacto na qualidade de vida, mudanças na abordagem terapêutica e pior
prognóstico desses pacientes.
122 neurologia e neurocirurgia HIAE

FISIOPATOLOGIA

A fisiopatologia da CTT ainda é pouco estudada e não totalmente conhecida. Existem


controvérsias sobre se a CTT e a migrânea são diferentes espectros de uma mesma doença
ou entidades diferentes. Uma teoria é de que existe um contínuo entre as cefaleias primá­
rias, em que em um extremo está a CTT episódica infrequente e, no outro, a migrânea
crônica.10 Sem dúvida, alguns aspectos da fisiopatologia são comuns às duas entidades,
mas outros são diferentes.
A CTT crônica está geralmente associada a mudanças na percepção da dor nociceptiva
pelo sistema nervoso central (SNC).2Ainda não se sabe com certeza se essa hipersensibili-
dade à dor é causa ou consequência. Possivelmente, em casos de CTT episódica, estão mais
envolvidos mecanismos periféricos e, em casos de CTT crônica, mecanismos centrais.3

Mecanism os periféricos

Pacientes com CTT, tanto episódica como crônica, têm dolorimento aumentado à pal­
pação dos tecidos pericranianos, incluindo os músculos e os tecidos nervosos, tanto du­
rante quanto após os períodos de cefaleia.2,3,17 Indivíduos com CTT crônica apresentam
um baixo limiar à dor, tanto na região cefálica como em localizações extracefálicas (tendão
de Aquiles, músculos paravertebrais, articulações dos dedos).
O nível global da atividade eletromiográfica (EMG) está geralmente aumentado nos
pacientes com CTT crônica, mas essa diferença não é significativa quando somente alguns
músculos são examinados.3A maior atividade EMG não está associada a maior atividade
da dor. Embora a injeção de toxina botulínica tenha diminuído a atividade EMG nos mús­
culos temporais, não houve diminuição correspondente na cefaleia.3
Os pontos de gatilho {trig g e rp o in ts) miofasciais são mais encontrados e mais ativos em
pacientes com CTT que nos controles. A dor miogênica referida, causada por pontos de
gatilho miofasciais ativos nos músculos da cabeça, do pescoço e dos ombros, pode contri­
buir para o padrão da cefaleia em pacientes com CTT.3 Em pacientes com CTT episódica,
a injeção de substâncias algógenas no músculo trapézio causa dor local, mas não cefaleia,
sugerindo que a sensitização periférica é responsável pela hipersensibilidade muscular
desses pacientes.3,18

Mecanism os centrais
Neurotransmissores

O trinitrato de glicerol, doador de óxido nítrico (ON), produz uma cefaleia imediata
e outra algumas horas depois em pacientes com CTT crônica, mostrando que esta pode
estar associada a uma supersensitividade central ao ON.3,18
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 123

O peptídio relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) plasmático está aumentado nos


pacientes com CTT crônica com dor pulsátil, mas não nos com dor em pressão, mostrando
que CTT e migrânea podem ter mecanismos fisiopatológicos semelhantes.3
Em relação à serotonina (5-HT), os estudos são controversos, mas tendem a mostrar
aumento na reposição ( tu r n o v e r ) da 5-HT nos pacientes com CTT, ao contrário do achado
na migrânea.3Estudos indicam que pacientes com CTT episódica têm diminuição do con­
sumo (u p ta k e ) da 5-HT plaquetária e aumento dos níveis de 5-HT plasmática, enquanto
pacientes com CTT crônica têm um consumo de 5-HT plaquetário e níveis de 5-HT plas-
máticos normais.17
Pacientes com CTT crônica parecem ter incapacidade de aumentar a 5-HT plasmática
em resposta aos estímulos nociceptivos periféricos.17

Sensitização central
Parece que tanto a hiperexcitabilidade do SNC (sensitização central) quanto a redução
nos mecanismos inibitórios da dor no tronco cerebral estão envolvidos na nocicepção da
CTT crônica. A teoria mais aceita é de que o principal mecanismo na CTT crônica é a sen­
sitização central causada por estímulos nociceptivos periféricos prolongados, originados
nos tecidos musculares pericranianos.2
Estímulos periféricos dos músculos inervados pelo nervo trigêmeo e pelas raízes nervo­
sas de C l a C3 estimulam os neurônios de segunda ordem no corno posterior da medula e
do n u cleu s ca u d a lis do nervo trigêmeo, sensibilizando o SNC (tálamo, sistema límbico, cór­
tex sensitivo).2,17Pacientes com CTT crônica parecem ter decremento na substância cinzen­
ta do tronco cerebral, que está envolvida no processamento da dor nociceptiva.3 O estado
de hipersensitização central manifesta-se clinicamente como alodinia, na qual os estímulos
não dolorosos causam dor.17 Outros fatores podem promover ou perpetuar esse processo
de sensitização central, como postura anterior da cabeça, atrofia dos músculos cervicais,
estresse psicológico e predisposição genética.2,3
Como a CTT crônica geralmente evolui de uma CTT episódica, a prevenção efetiva da
evolução de um mecanismo periférico para um central é de grande importância na estra­
tégia do tratamento desses pacientes.

TRATAMENTO

Os diferentes aspectos fisiopatológicos da CTT podem justificar os motivos pelos


quais essa entidade é tão difícil de ser tratada, necessitando de vários tipos de abordagem
terapêutica.
O tratamento da CTT pode ser didaticamente dividido em abortivo e preventivo (far­
macológico e não farmacológico).
124 neurologia e neurocirurgia HIAE

Tratam ento abortivo das crises

O tratamento dos episódios agudos pode ser feito com analgésicos comuns e/ou
com anti-inflamatórios não hormonais (AINH),19 como ácido acetilsalicílico (500 a
1.000 mg), paracetamol (500 a 1.000 mg), ibuprofeno (400 a 800 mg) e naproxeno só-
dico (375 a 825 mg).
Na maioria dos ensaios clínicos, a eficácia dos analgésicos comuns foi inferior à dos
AINH. A adição de cafeína (130 a 200 mg) aumenta significativamente a eficácia dos
analgésicos e AINH.3Não há evidências de que os relaxantes musculares sejam eficazes na
CTT. Se os pacientes têm cefaleia em mais de 10 dias por mês, o uso de analgésicos pode levar
a uma cefaleia por uso excessivo de medicação, o que deve ser evitado. Eventualmente, os
triptanos são úteis para os pacientes com CTT, especialmente aos que apresentam cefaleias
latejantes.19
No Brasil, quando os pacientes com CTT procuram as emergências ou prontos-socorros
com episódios agudos de dores mais intensas, pode-se utilizar a dipirona endovenosa (EV)
(1.000 mg)20e/ou clorpromazina EV (0,1 mg/kg em 250 mL de soro fisiológico - SF).21

Tratam ento preventivo m edicam entoso

O tratamento preventivo (ou profilático) deve ser considerado em todos os pacientes


com CTT crônica, nos casos de CTT episódica com cefaleia em mais de 8 dias por mês e
nos pacientes com cefaleias incapacitantes.19
Os antidepressivos tricíclicos são os preventivos de primeira escolha e os mais efica­
zes, sendo a amitriptilina o mais estudado.2,3,19 Embora a amitriptilina seja relativamente
bem tolerada, muitos pacientes apresentam efeitos colaterais, especialmente sonolência e
aumento de peso. Outras opções são a nortriptilina e a clomipramina, mas sem muitas
evidências científicas. Doses baixas (10 a 25 mg/dia) podem ser suficientes, mas alguns
pacientes necessitam de 50 a 75 mg/dia.3 Deve-se manter o tratamento por pelo menos 6
meses e, depois, pode-se reduzir a dose lentamente, até parar. Muitos pacientes necessitam
manter o tratamento por longos períodos.
Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina, paroxetina, citalopram
etc.) não mostraram eficácia convincente. Alguns antidepressivos de ação dupla (inibido­
res da recaptação de serotonina e noradrenalina) têm mostrado eficácia em pacientes com
CTT crônica, como mirtazapina (15 a 30 mg/dia), venlafaxina (150 mg/dia) e duloxetina
(60 mg/dia). A mirtazapina, no entanto, pode causar fadiga e aumento de peso.
Em geral, os miorrelaxantes não têm efeito confirmado em CTT, mas a combinação
de tizanidina (4 mg/dia) com amitriptilina (20 mg/dia) parece ter eficácia superior à ami­
triptilina sozinha.19
Em um estudo aberto, topiramato (100 mg/dia) foi eficaz no tratamento de pacientes
com CTT crônica.22A toxina botulínica tipo A é usada ocasionalmente em pacientes com
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 125

CTT crônica, mas os resultados dos estudos ainda são contraditórios. A experiência mos­
tra que, em CTT, a injeção de toxina botulínica deve ser feita nos locais de dor e/ou em
pontos-gatilho, não tendo pontos predeterminados, como na migrânea.23

Tratam ento preventivo não m edicam entoso


Técnicas de relaxamento e psicoterapia

Existem evidências da utilidade de terapias de relaxamento e b io feed b a ck EMG em pa­


cientes com CTT.2,3A terapia cognitivo-comportamental pode ser benéfica, especialmente
se associada às técnicas de relaxamento e b io feed b a ck. Essas técnicas parecem ser particu­
larmente úteis se combinadas ao uso de amitriptilina ou nortriptilina.19

Técnicas de terapias físicas


Várias técnicas são utilizadas, incluindo reposicionamento, instruções ergonômicas,
massagens, estimulação elétrica transcutânea de nervos, aplicações de frio/calor e manipu­
lações, mas nenhuma tem efetividade comprovada.3Um programa de fisioterapia mostrou
alguma evidência de ser benéfico para pacientes com CTT.24
Existem evidências, embora ainda fracas, de que a acupuntura possa ajudar os pacientes
com CTT.25 Tratamento oromandibular, incluindo placas oclusais, exercícios mastigató-
rios e ajustes de má oclusão podem ser úteis para alguns pacientes.14Uma combinação de
terapias farmacológicas, psicológicas e físicas deve produzir melhores resultados que um
único tratamento isolado. A colaboração multidisciplinar deve ser estimulada.

□ PONTOS RELEVANTES

0 A CTT é o tipo de cefaleia mais frequente na população geral.


0 A CTT crônica é altamente incapacitante, com grande impacto na vida pessoal, social
e econômica.
0 O diagnóstico da CTT é eminentemente clínico, baseado nos critérios da 2a edição da
Classificação Internacional das Cefaleias.
0 O principal diagnóstico diferencial da CTT é com a migrânea leve ou provável migrânea.
0 A CTT é frequentemente comórbida, com migrânea, cefaleia por uso excessivo de me­
dicações, fibromialgia, bruxismo, ansiedade e depressão.
0 A fisiopatologia da CTT ainda não é totalmente conhecida e inclui mecanismos peri­
féricos e centrais.
0 O tratamento da CTT inclui medicamentos para abortar as crises e terapias preventi­
vas, tanto farmacológicas quanto não farmacológicas.
126 neurologia e neurocirurgia HIAE

QU E S T ÕE S

1. Sobre a epidemiologia da CTT, assinale a alternativa correta:


A. A prevalência anual de CTT crônica no Brasil é de 13%.
B. A média global da prevalência anual de CTT é de 40%.
C. A CTT crônica é o tipo de cefaleia crônica diária mais frequente.

2. De acordo com a 2a edição da Classificação Internacional das Cefaleias, a CTT está subdivi­
dida em:
A. CTT infrequente, CTT frequente, CTT crônica, CTT provável.
B. CTT episódica, CTT frequente, CTT crônica, CTT provável.
C. CTT episódica infrequente, CTT episódica frequente, CTT crônica, CTT provável.

3. As principais comorbidades com CTT são:


A. Migrânea, cefaleia por uso excessivo de medicamento, fibromialgia, depressão maior.
B. Migrânea, fibromialgia, depressão maior, obesidade.
C. Fibromialgia, transtorno de ansiedade generalizada, depressão maior, bruxismo.

4. Em relação à fisiopatologia da CTT, qual é a afirmação incorreta?


A. Os mecanismos de sensitização periféricos estão mais relacionados à CTT episódica, e os meca­
nismos de sensitização central, à CTT crônica.
B. Os pacientes com CTT invariavelmente apresentam um dolorimento da musculatura pericrania-
na à palpação, causado pelo baixo limiar à dor.
C. A hipersensitização central se manifesta clinicamente como alodinia.

5. Sobre o tratamento preventivo da CTT, assinale a alternativa incorreta:


A. As indicações do tratamento preventivo são: CTT crônica, CTT episódicas frequentes com crises
de mais de 8 dias/mês, cefaleias incapacitantes.
B. O tripé do tratamento preventivo é composto por: medicamentos antidepressivos, terapias físi­
cas e terapias psicológicas.
C. Os antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina são os medicamentos de primeira
escolha devido à baixa frequência de efeitos colaterais.
CAPÍ TUL O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 127

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SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS
11

Doenga de Parkinson (inicial e flutuações)


Luiz Augusto Franco de Andrade

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 69 anos de idade, foi admitido em um pronto-socorro


(PS) apresentando quadro de confusão mental com agressividade, agitação psico­
motora e alucinações visuais, que se iniciaram 3 dias antes, de forma menos inten­
sa, com gradual aumento, até que seus familiares, não sabendo mais como lidar
com a situação, transportaram-no para o serviço. O paciente dizia estar cercado de
estranhos, adultos e crianças que não o ameaçavam, mas sentia que estava se for­
mando um complô entre eles no sentido de roubarem suas coisas. Particularmente,
um dos personagens de seu delírio vinha assediando sua esposa e ele imaginava
que ela estava correspondendo ao assédio. Pedia insistentemente que a polícia fos­
se chamada para ajudá-lo. Nesses 3 dias em que os sintomas vinham se apresen­
tando, dormiu muito pouco, com sono agitado, muitos despertares e tentativas
de se levantar e sair da cama, exigindo que sua esposa atuasse de maneira mais
enérgica para reconduzi-lo ao leito. Ele apresentava, desde 4 anos antes, manifes­
tações motoras como rigidez muscular nos membros do lado esquerdo do corpo,
com tremor de repouso na mão esquerda de média intensidade, além de lentidão
dos movimentos nesse dimidio e na marcha, que evoluiu gradualmente para um
andar a pequenos passos e com o tronco levemente inclinado para a frente. Logo
foi diagnosticado com Doença de Parkinson, sem história familiar positiva. Está

131
132 neurologia e neurocirurgia HIAE

aposentado há 3 anos, tendo sido engenheiro de obras por muitos anos. No mo­
mento, apenas administrava alguns imóveis de aluguel que possuía.
Embora nunca tenha sido tabagista, tinha longo histórico de consumo de bebidas
alcoólicas, segundo ele em níveis “sociais” (3 latas de cerveja e 1 ou 2 doses de be­
bida destilada ao dia), apesar de, nos últimos 2 anos, devido às advertências de seu
médico, ter diminuído bastante o consumo. Não tinha hipertensão arterial, diabete
melito, hipercolesterolemia ou outros fatores de risco cardiovascular, mas sofria de
uma hiperplasia benigna da próstata, com marcada nictúria e jato urinário diminuí­
do, sendo medicado com cloridrato de oxibutinina na dose de 5 mg (1 comprimido)
à noite. Seu neurologista havia, 4 anos antes, iniciado seu tratamento com uma asso­
ciação de pramipexol (Sifrol®) em doses baixas (0,25 mg, 3 vezes/dia) e biperideno
(Akineton® 2 mg, meio comprimido, 2 vezes/dia). Houve uma boa resposta inicial,
porém, cerca de 6 meses após, foi necessário aumentar o pramipexol para 0,5 mg, 3
vezes/dia, de modo a manter um controle, ainda assim, um pouco menos eficaz dos
sintomas motores que o obtido no início do tratamento.
Ao longo dos próximos 3 anos e meio, em virtude da acentuação dos sintomas
parkinsonianos, o especialista aumentou gradualmente as doses do pramipexol,
com ligeiro aumento do biperideno (1 comprimido de 2 mg, 2 vezes/dia), até que,
há aproximadamente 6 meses, sua dosagem diária era de 3 mg, com 3 doses de
1 mg. Segundo a esposa, o médico acreditava que, embora os sintomas não esti­
vessem bem controlados, era melhor ainda não iniciar tratamento com levodopa
pela possibilidade de aparecerem sintomas colaterais próprios dessa medicação
que, no devido momento, ele passaria a administrar. No último ano, o paciente já
havia manifestado períodos de dias ou semanas em que dizia estar vendo vultos
em cantos da sala ou do quarto, às vezes apenas uma sensação de que havia outras
pessoas, mas sem propriamente vê-las. Essas visões e sensações ocorriam mais ao
final do dia ou à noite. Paralelamente, ele já havia manifestado à esposa que achava
que ela não estava mais sendo fiel, trocando olhares com alguém pela janela, o que
produzia um espanto na mesma. Em duas ocasiões, ao andar sob o sol, sentiu-se
mal, com a sensação de que estava prestes a desmaiar, a visão escureceu e teve de se
abaixar, chegando a se deitar, ficando pálido, transpirando e rapidamente voltando
ao normal, embora não pudesse se levantar pois o mal-estar começava a voltar.
Após uns 10 min., pôde levantar-se e andar novamente.
Logo após a admissão no PS, o paciente foi examinado por um clínico geral de
plantão, que encontrou o paciente nas condições já descritas. Apresentava pressão
arterial (PA) de 110 x 70 mmHg, ausculta cardíaca normal, sem sinais de desidra­
tação, temperatura axilar de 37,3°C, exame dos órgãos abdominais nada revelan­
do, com eritema e edema duro nas pernas e nos pés. A medida da PA na posição
em pé registrava 85 x 50 mmHg, sem manifestações clínicas. O exame neurológico
mostrou um quadro de tipo parkinsoniano bilateral, acentuado, mais evidente no
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 133

hemicorpo esquerdo, com tremor, rigidez e bradicinesia. Do ponto de vista psíqui­


co, constavam as alterações já informadas, que definiam um quadro confusional,
com delírio alucinatório com conotações paranoides; tinha visões de pessoas em
seu quarto (que não se dirigiam a ele e desapareciam se ele chegasse mais perto) e
agitação psicomotora. O clínico suspeitou que o paciente estivesse manifestando
alterações decorrentes de uma infecção e, devido ao edema eritematoso dos mem­
bros inferiores, havia a possibilidade de uma erisipela em fase inicial. Foi chamado
o neurologista de plantão, que confirmou todo o quadro apontado pelo clínico, mas
fez menção de que o edema com eritema dos membros inferiores devia ser resul­
tado do uso crônico do pramipexol, sendo uma reação vasomotora muito típica dos
pacientes que usam agonistas dopaminérgicos por longo prazo, especialmente os
do tipo ergot (bromocriptina, pergolida), mas também comum nos agonistas não
ergolínicos, como o pramipexol.
O médico deciciu pesquisar a possibilidade de infecção urinária, devido ao antece­
dente urológico do paciente e a uma acentuação da nictúria, com urgência miccio-
nal na última semana, relatada depois pela esposa. Ainda devido à recente mudan­
ça do padrão evolutivo do quadro clínico apresentado, o que não é o habitual nos
casos de Doença de Parkinson, e a um provável estado infeccioso em início como
provável causa da descompensação sintomática do paciente, decidiu também reali­
zar investigações visando a esclarecer melhor o quadro hipertérmico apresentado.
Realizaram-se radiografias do tórax, exames sanguíneos (hemograma, hemossedi-
mentação, cultura de sangue em várias amostras), ecocardiograma, exame de urina
tipo I, cultura de urina e ultrassonografia abdominal e de vias urinárias. À exceção
de discretas alterações no hemograma, com pequeno desvio à esquerda dos leucó­
citos, hemossedimentação de 20 mm e um exame de urina com 58.000 leucócitos e
6.000 hemácias, além de uma cultura de urina, pronta após poucos dias, acusando
o crescimento de E .co li , sensível a vários antibióticos, os demais exames estavam
normais.
Desde o resultado inicial do exame de urina, vinha sendo administrada a floxacina,
um dos antibióticos sensíveis no antibiograma. A dosagem diária do pramipexol
foi diminuída para 0,25 mg, 4 vezes/dia, o biperideno e o cloridrato de oxibutinina
foram suspensos e administrou-se a quetiapina na dose de 25 mg, 2 vezes/dia. Ao
cabo de 3 ou 4 dias, o quadro mental confusional, delirante e de agitação já havia
praticamente se resolvido, apesar de uma sonolência diurna residual que ainda per­
sistia, mas que estava gradualmente diminuindo. A temperatura axilar desde o 2o
dia já voltara ao normal.
O paciente teve uma acentuação dos sintomas motores parkinsonianos, com rigidez
bilateral mais pronunciada no hemicorpo esquerdo e bradicinesia global mais à es­
querda. O tremor se tornou bilateral, menos intenso no MSD, a fala estava mais hipo-
fônica e arrastada, sua marcha era mais lenta e sua postura um pouco mais inclinada
134 neurologia e neurocirurgia HIAE

para a frente. Estava nitidamente mais parkinsoniano que antes da internação, segundo
a esposa. Foi introduzida, então, a levodopa/benserazida na dose de 200/50 mg (meio
comprimido), 4 vezes/dia, junto com as doses do pramipexol, o que permitiu uma
melhora inicialmente pequena, mas, em poucos dias, mais consistente, voltando a um
estado clínico melhor que o existente várias semanas antes dessas complicações. As alu­
cinações visuais (vultos e pessoas) e os pensamentos delirantes de conotação paranoide
haviam cessado por completo. O edema distai dos membros inferiores ainda persistia
e um exame de ultrassonografia com Doppler do sistema venoso dos membros foi
realizado, mas não revelou anormalidades. Não havia aumento de temperatura na pele
das áreas edemaciadas e o paciente já havia, anteriormente, se submetido à pesquisa de
hipotireoidismo, com resultado negativo. Dessa maneira, aceitou-se o sintoma como
uma manifestação colateral do uso crônico do pramipexol. O paciente recebeu alta
hospitalar no 5o dia, ainda com antibioticoterapia a ser mantida por mais uma semana
e os demais medicamentos inalterados em relação às mudanças introduzidas durante
a internação, apenas com redução da dose da quetiapina (meio comprimido de 25 mg,
2 vezes/dia).
Tendo passado cerca de 2 semanas da alta hospitalar, o paciente foi a uma con­
sulta para a orientação do problema parkinsoniano. Embora tenha melhorado em
relação à sua alta, ainda mostrava rigidez bilateral pequena no lado direito e mais
acentuada no lado esquerdo, com bradicinesia dos movimentos finos dos dedos da
mão esquerda na prova do fin g e r ta p p in g , tremor de repouso discreto na mão es­
querda, marcha com passos diminuídos e postura levemente inclinada para a frente,
além de voz um pouco hipofônica. Mentalmente estava normal. O edema, segundo
a esposa, estava ligeiramente menos acentuado, mas havia a informação de que a
nictúria persistia, apesar de o exame de urina já se mostrar normal, com cultura
negativa. Decidiu-se, então, reduzir a dose do pramipexol para 0,25 mg, 3 vezes/dia,
aumentando a levodopa/benserazida de 200/50 mg para 3/4 de comprimido, 4 ve­
zes/dia, reintroduzindo o cloridrato de oxibutinina na dose de 5 mg (1 comprimido
à noite). Em 15 dias, houve acentuada melhora dos sintomas motores, a nictúria di­
minuiu consistentemente e os sintomas psíquicos anteriores continuaram ausentes,
de modo que foi retirada a quetiapina. O edema com eritema dos membros inferio­
res havia reduzido notadamente e acreditou-se que deveria se resolver com as baixas
doses de pramipexol mantidas.

► DISCUSSÃO

Essa descrição de caso clínico permite uma série de considerações sobre reações cola­
terais a medicamentos utilizados no dia a dia do tratamento da Doença de Parkinson e so­
bre, mais importante, as estratégias de início de tratamento nessa enfermidade. Há muito
tempo sabe-se que os anticolinérgicos específicos para tratamento da Doença de Parkin-
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 135

son (biperideno, triexifenidila), assim como os anticolinérgicos utilizados em urologia


para controle de incontinência urinária (cloridrato de oxibutinina), e os antidepressivos
tricíclicos com efeito anticolinérgico, podem facilitar a ocorrência de alucinações visuais
(visão de animais, pessoas, sombras) ou sensações de presença de pessoas ou vultos em
seu ambiente, além de confusão mental e desorientação espacial ou temporal e alterações
da memória em pacientes que, em condições normais, não apresentavam nenhuma des­
sas alterações. Quadros infecciosos, sejam pulmonares, intestinais ou urinários, ou situa­
ções com febre, ainda que de baixa intensidade, podem ser o suficiente para o início das
alterações mentais. Quadros diarreicos, desidratação ou alterações metabólicas, como
diabete descompensado, também podem exercer o mesmo efeito desencadeador dessas
alterações. Em algumas ocasiões, um ou mais dias antes do desencadeamento declara­
do desses quadros gerais, já podem se iniciar as perturbações mentais. Isto é, qualquer
modificação do estado de homeostase é suficiente para sensibilizar o cérebro de parkin-
sonianos (assim como no caso de cérebros danificados por outras doenças degenerativas
cerebrais, como Doença de Alzheimer, quadros demenciais de outra natureza, lesionados
por AVC etc.) e, na presença de drogas anticolinérgicas, produzir manifestações psiquiá­
tricas, uma verdadeira psicose farmacotóxica.
Outros fármacos também podem agir de maneira semelhante nesses pacientes. Anti—
-inflamatórios, analgésicos opiáceos (tramadol, oxicodona), antidepressivos inibidores
seletivos de recaptação de serotonina (fluoxetina, paroxetina, citalopram, sertralina etc.),
tranquilizantes diazepínicos, estimulantes do SNC (metilfenidato), anestésicos e medica­
ções usadas durante procedimentos cirúrgicos, demais medicamentos antiparkinsonianos
(amantadina, selegilina, agonistas dopaminérgicos, como a bromocriptina, o pramipexol,
a cabergolina etc.) e a própria levodopa são exemplos mais frequentes. Enquanto per­
sistirem as condições clínicas gerais adversas sem um tratamento que as regularize, os
sintomas persistirão. À medida que essas condições são tratadas e eliminadas, os sinto­
mas psiquiátricos vão amainando até voltarem ao normal. É absolutamente necessário
recomendar a retirada completa, quando possível, ou em grande parte dos fármacos que
facilitam o aparecimento das alterações mentais. Todo paciente parkinsoniano que está es­
tável, com boa resposta aos medicamentos, sem manifestações anormais do ponto de vista
psíquico, que começa de maneira mais ou menos rápida a demonstrar alterações mentais
como as descritas, deve ser encarado como um provável caso de modificação da homeos­
tase pelas causas mencionadas, ainda que nada aparente nesse sentido esteja ocorrendo.
Recomenda-se a diminuição ou retirada dos medicamentos que possam estar influindo, à
exceção da levodopa, e iniciar uma busca clínica e laboratorial para identificar uma pos­
sível causa. Muitas vezes, nos próximos poucos dias, começarão os sinais que vão indicar
a possível causa.
O pramipexol produz uma estimulação de receptores dopaminérgicos, especialmente
nos receptores D3, não apenas nos circuitos nigroestriatais (de onde se originam os sinto­
mas parkinsonianos motores mais importantes das fases iniciais e intermediárias da enfer-
136 neurologia e neurocirurgia HIAE

midade), mas em outros circuitos dopaminérgicos, como os mesolímbicos e mesocorticais


(onde interferem com sintomas psíquicos e emocionais) e no feixe hipotálamo-hipofisário
(interferindo na produção de prolactina). Em doses mais elevadas (acima de 1,5 mg/dia),
especialmente em pacientes mais idosos, a partir dos 65 a 70 anos de idade, sobretudo
quando existem déficits cognitivos isolados ou participando de um quadro demencial ini­
cial ou em fases mais avançadas, podem ocorrer sintomas psiquiátricos de instalação mais
gradual, insidiosa ou persistirem por longo tempo. Da mesma maneira que para os antico-
linérgicos, o aparecimento mais abrupto das alterações mentais em paciente até então sa­
dio do ponto de vista mental é sugestivo da existência de causas agudas ou subagudas de
alguma forma de modificação homeostática interna com as mesmas etiologias discutidas.
O mesmo procedimento deve ser adotado no sentido de reduzir acentuadamente a dose
do fármaco ou promover sua completa retirada, buscando melhor esclarecimento e trata­
mento dos motivos subjacentes.
Ao lado das manifestações comentadas, frequentemente ocorrem manifestações psi­
quiátricas delirantes com componentes paranoides (sensação de que há pessoas lhe fa­
zendo mal, com intenções malignas, delírios de traição por parte do cônjuge), sensação
de que existem intrusos, bandidos em sua casa, solicitando que se chame a polícia, além
de alucinações visuais, às vezes calmas, como um grupo de pessoas estranhas, crianças ou
animais que não se dirigem a ele ou mesmo bichos asquerosos ao seu redor. Todas essas
ideações e visões podem melhorar com a retirada parcial ou total do medicamento, mas
o uso de neurolépticos atípicos, como a risperidona, a quetiapina e a clozapina, pode ser
muito útil para o controle do quadro. A risperidona, em pouco tempo, tende a produzir
acentuação das manifestações motoras do parkinsonismo, devendo ser mantida por curto
prazo. A quetiapina, assim como a clozapina, não traz piora do quadro motor, mas pode
acentuar, nos pacientes mais idosos com sinais demenciais, queda na vigília e sonolên­
cia, facilitando, consequentemente, sintomas de desorientação e confusão mental. Isto é,
melhoram os sintomas positivos psiquiátricos, mas induzem sintomas negativos, como
confusão mental e desorientação.
A levodopa, principal arma terapêutica para todos os pacientes (mais dia, menos dia, to­
dos usarão a levodopa e, eventualmente, nos anos avançados da enfermidade, poderá ser a
única droga tolerada), é o agente dopaminérgico mais importante. O aminoácido levodopa,
que será o substrato para a formação da dopamina, suprirá a demanda dos neurônios dopa­
minérgicos e, eventualmente, pode ser causa de distúrbios psiquiátricos semelhantes em cir­
cunstâncias agudas de mesma natureza. Este capítulo não se deterá às manifestações psíquicas
do uso crônico, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), os distúrbios de controle
de impulsos (o jogo compulsivo, os transtornos do comportamento sexual - hiperssexua-
lidade), o transtorno de comportamento chamado p u n d in g , entre outros. Essa é uma parte
interessante, apesar de dramática, que afeta muitos pacientes em uso crônico da levodopa e/
ou de agonistas dopaminérgicos. O perfil de manifestações psiquiátricas agudas nos pacientes
em levodopaterapia é semelhante ao apresentado pelos agonistas dopaminérgicos e as causas
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 137

desencadeantes também são as apontadas anteriormente para as demais drogas. Devido


à importância crucial da levodopa no tratamento, como a mais eficaz de todas as alter­
nativas terapêuticas, nas fases agudas da situação descrita como psicose farmacotóxica,
deve-se baixar a dosagem da droga, mas não interrompê-la de uma vez, em virtude da
possibilidade de ocorrer grave acentuação do parkinsonismo, levando a um nível de rigi­
dez e acinesia que facilite a ocorrência de pneumonias aspirativas, de difícil controle e alta
letalidade, além da possibilidade mais remota, mas não menos grave, de desenvolver uma
síndrome neuroléptica maligna (apesar de a levodopa não ser um neuroléptico, produz a
mesma síndrome da retirada abrupta dos neurolépticos). Por esses motivos, recomenda-se
a retirada parcial de 1/3 ou metade da dose habitual e, nos próximos dias, julgar se deve
reduzir mais ainda. “Feriados de droga” com exclusão completa da levodopa podem ser
feitos nessas circunstâncias, em poucos dias de escalonamento para baixo da dose, mas
com o cuidado de tratar o paciente em ambiente hospitalar. Passando-se a fase aguda, com
o retorno do paciente a uma fase de menores graus de transtornos psíquicos e/ou com-
portamentais ou com a normalidade completa, começa-se a repor os medicamentos ante­
riormente utilizados de maneira gradual, iniciando-se sempre pela levodopa e, a seguir, os
demais, dentro da tolerância demonstrada pelos pacientes.
Apesar da dramaticidade e da gravidade envolvidas nessas reações agudas, acredita-se
que as estratégias de início do tratamento do paciente parkinsoniano são um ponto a ser
tratado. A importância dessa discussão reside no fato de que se pode considerar a política
de introdução dos medicamentos crucial no prognóstico de longo prazo dos pacientes.
O uso crônico da levodopa no tratamento da Doença de Parkinson, iniciado no final da
década de 1960, mostrou, logo ao final dos primeiros 10 anos, que uma proporção im­
portante de pacientes, após alguns anos de tratamento, superada a fase de “lua de mel
da levodopa”, começou a apresentar complicações como a deterioração de fim de dose
(w e a r in g -o ff ), com encurtamento do período de efeito, movimentos involuntários de tipo
coreico ou distônico (nos pacientes mais jovens) de vários tipos (de início, de final, de
início e final de efeito da dose, de pico de dose, contínua ao longo do efeito da dose), além
da ocorrência de flutuações motoras (que vieram a se acrescer de flutuações não motoras
de reconhecimento mais recente). Essas anormalidades passaram a tomar conta do quadro
clínico de pacientes, em intensidades variáveis, de leves ou moderadas a muito acentuadas,
podendo invalidar o paciente com consequente queda da qualidade da vida. Metade dos
pacientes apresentava discinesias aos 5 anos de tratamento e essa proporção chegava a
100% quando se tratava de pacientes com início precoce da enfermidade (início antes dos
40 anos de idade, atualmente considerados antes de 50 anos). Já na década de 1970, com
a introdução dos agonistas dopaminérgicos (bromocriptina inicialmente), e nas décadas
seguintes, com a introdução de novos agonistas (lisuride, pergolida, pramipexol, ropirinol
e rotigotine), os ensaios clínicos de longa duração mostravam que, por um efeito de classe,
todos esses novos compostos apresentavam menor capacidade de desenvolver discinesias
e flutuações que a levodopa, apesar de terem menor eficácia motora (resultados menores
138 neurologia e neurocirurgia HIAE

na eficácia de remover os sintomas motores) e não serem capazes de ser mantidos como
monoterapia por muitos anos, necessitando da adição de levodopa após algum tempo.
Esses achados eram mais importantes e intensos em pacientes de início precoce que nos
pacientes acima dos 65 anos de idade.
Todos os pesquisadores ao redor do mundo, de posse desses conhecimentos, passaram
a divulgar em todos os meios a seu alcance a noção, à época praticamente indiscutível, de
que era necessário manter uma estratégia para poupar a levodopa nos pacientes, deixando
sua introdução para mais tarde, devido ao temor de desenvolvimento das discinesias e
flutuações.1,2 Os pacientes eram incentivados a abrir mão de um melhor rendimento em
seus sintomas motores para não se exporem a essas complicações precocemente. Esses con­
ceitos lideraram as publicações e as informações apresentadas em congressos, simpósios,
cursos de atualização etc. Médicos e pacientes se uniram em uma cruzada contra a intro­
dução da levodopa, com exceção de períodos mais avançados da evolução clínica. Quando
os medicamentos mais antigos, como os anticolinérgicos, a amantadina e a selegilina, já
não demonstravam capacidade de serem úteis, apesar de a qualidade de vida dos pacientes
já demonstrar uma queda expressiva há mais tempo, argumentava-se que um agonista do-
paminérgico em doses crescentes deveria ser adicionado. Apenas após longa permanência
deste é que se indicava introduzir a levodopa. Criou-se uma verdadeira “levodopafobia”
nos pacientes, que, já mais bem informados pelos seus médicos, com acesso às informa­
ções pelas associações de pacientes e pela internet, nos últimos anos, demonstravam até
uma resistência quando os neurologistas tinham a intenção de iniciar a droga. Isso explica
a estratégia aplicada no tratamento do paciente que motivou este capítulo. Conduta cor­
retíssima adotada pelo médico, a julgar pelas informações e sugestões de estratégias de
tratamento à disposição dos neurologistas até pouco tempo. Essa era a doutrina da época.
Olhando-se por essa ótica, as complicações que se desenvolveram no paciente foram as
esperadas para alguns, evidentemente não todos, mas relativamente previsíveis. Estava-se
fazendo o melhor em questão de estratégias de tratamento da Doença de Parkinson.
Em 2006, os pesquisadores Anthony Schapira, de Londres, e José Obeso publicaram
um artigo que propunha uma interpretação diferente dos resultados de três grandes en­
saios clínicos de drogas na Doença de Parkinson, que passou a ser motivo para que outros
pesquisadores também dessem nova atenção àqueles resultados e procurassem uma nova
maneira de encarar as estratégias de início de tratamento. Inúmeros artigos nessa linha vêm
aparecendo, escritos por outros pesquisadores ou por eles mesmos, sedimentando a nova
proposta.3O estudo Datatop foi o primeiro grande ensaio clínico realizado com a selegilina,
inibidor de MAO-B, com centenas de pacientes pareados por sexo, idade e estado clínico,
que foram alocados aleatoriamente para um braço com placebo e outro com a selegilina,
em estudo duplo-cego, e o e n d -p o in t era o momento em que, em um ou outro braço, seria
necessário adicionar levodopa, devido à piora dos sintomas e à necessidade individual de
um tratamento mais eficaz. O grupo com a selegilina necessitou da adição da levodopa em
média de 9 a 12 meses depois dos pacientes do grupo do placebo.4Esse estudo foi continua-
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 139

do até 7 anos de evolução, ambos já recebendo levodopa e placebo ou levodopa e selegilina.


Aos 5 anos, os pacientes que recebiam placebo e levodopa passaram a receber levodopa
e selegilina, como o outro grupo, que usou selegilina inicialmente e depois até os 7 anos,
mantendo-se levodopa e selegilina. Nos dois últimos anos, ambos os grupos tinham sele­
gilina e levodopa, mas, por 5 anos, um dos grupos não teve a selegilina, mas placebo. Os
resultados de avaliação pela escala UPDRS, que mede a intensidade dos sintomas motores
(apenas a parte motora da escala, dos itens 13 ao 31), mostrou que o grupo que tomou
selegilina desde o começo apresentava pontuação menor (menos afetados) que o grupo
que passou a receber a selegilina apenas nos dois últimos anos (mais afetados). Se a selegi­
lina exercesse efeito sintomático desde o início de sua utilização, os dois grupos deveriam
mostrar uma pontuação semelhante na escala UPDRS, o que não ocorreu. Isso poderia ser
interpretado como um efeito neuroprotetor da droga, modificador da doença.5
Os estudos realizados para avaliar a ação da rasagilina, outra substância do grupo da
selegilina, inibidora de MAO-B de segunda geração, foram os primeiros ensaios clínicos
de estudo de ação de drogas que utilizaram uma metodologia diferente das anteriores em
pacientes parkinsonianos, o que poderia evidenciar melhor o efeito do uso desde o início
de uma substância, contra o uso mais retardado em outros pacientes.6’7 Um grupo inicial
dividido em dois braços usou a rasagilina na dose de 1 mg/dia e 2 mg/dia, desde o dia zero
do experimento. Um terceiro braço usou apenas placebo nos primeiros 6 meses e, a partir
de então, passou a usar a rasagilina (1 mg/dia) nos 6 meses seguintes. O estudo foi aleató­
rio e duplo-cego. Ao final de 12 meses, os grupos foram estudados pela escala UPDRS. Os
pontos obtidos pela média dos pacientes nos grupos que recebiam 1 e 2 mg de droga ativa
desde o início foram estatisticamente menores que os obtidos no grupo que se manteve
com placebo nos primeiros 6 meses. O resultado foi interpretado como um sinal de que a
rasagilina deve ter efeito neuroprotetor, pois, quando não tomada desde o início, propicia
que a doença avance mais nos 6 meses e, com a introdução da droga no teste, há ação, mas
nunca compensação da diferença estabelecida pelos 6 meses de falta da droga (não havia o
c a tc h -u p após a introdução da droga).
O estudo ELLDOPA, realizado por Stanley Fahn e os membros do Parkinson Study
Group, foi idealizado ainda sob a influência da dúvida sobre a levodopa ser ou não tóxica,
que influenciava a estratégia de dar levodopa logo no início ou postergá-la.8Foi um estudo
aleatório, duplo-cego, em que os pacientes foram alocados em quatro braços, sendo um
com placebo e os demais com levodopa em doses de 150 mg/dia, 300 mg/dia e 600 mg/
dia. Os grupos foram estudados ao longo de 38 semanas e as doses foram interrompidas
por 2 semanas (w a s h -o u t p e r io d ), sendo os pacientes estudados pela escala UPDRS. Se a
levodopa fosse tóxica, os grupos que receberam essa droga, examinados 2 semanas após
sua suspensão, deveriam mostrar números maiores na escala (pior) que o grupo placebo
(melhor). No entanto, o que se encontrou foi o inverso. Os grupos que utilizaram a levodo­
pa mostraram números inferiores (melhor) aos obtidos no grupo placebo, concluindo-se
que a levodopa pode ter uma ação trófica, protetora dos neurônios.
140 neurologia e neurocirurgia HIAE

Sob a ótica de Schapira e Obeso, esses resultados podem ser interpretados de outra
maneira. Os autores argumentam que, ao longo dos anos que decorrem no período assin-
tomático da enfermidade, quando os neurônios dopaminérgicos vão sendo comprome­
tidos pela enfermidade (entre 7 e 20 anos, segundo os estudos mais recentes de Braak),
os mecanismos fisiológicos dos gânglios da base vão se adaptando, usando mecanismos
compensatórios de vários tipos, de modo que o resultado final da atividade do conjunto
se mantém equivalente e nada é visto do ponto de vista sintomático. Esses mecanismos
vão se exaurindo com o tempo e, a partir do momento em que não são mais suficientes
para a compensação da falta dos neurônios dopaminérgicos, os sintomas se apresentam.
A medicação por qualquer agente dopaminérgico (selegilina, rasagilina, levodopa ou ago-
nistas dopaminérgicos) permite que a fisiologia dos gânglios da base seja mantida sem
que os mecanismos compensatórios sejam ativados, mantendo-os para serem utilizados
mais intactos em épocas posteriores. Dessa maneira, seria lícito dizer que o uso mais pre­
coce dos agentes dopaminérgicos seria benéfico no sentido de preservar os mecanismos
compensatórios, com resposta melhor ao longo do tempo, o que não se conseguiria com
uma introdução mais posterior desses agentes. Os autores apresentaram, então, a propos­
ta, ainda a ser amplamente comprovada, de que as estratégias poupadoras dos agentes
dopaminérgicos são mais deletérias aos pacientes que um início mais precoce. É uma
inversão completa de atitude e remete a uma reflexão necessariamente profunda quan­
to às nossas atitudes terapêuticas. O dogma implantado deve ser destruído. Essas novas
evidências são verdadeiras, mas, enquanto cabe a devida cautela histórica da Medicina, é
possível prejudicar nossos pacientes se não for logo adotada? Acredita-se que é necessá­
rio antecipar a introdução dos agentes dopaminérgicos, mas o ponto que ainda não está
muito claro é em que momento. O do diagnóstico inicial, logo que começam os sintomas,
ou um pouco mais à frente, tão logo haja alguma deficiência instalada? Acredita-se que é
necessário antecipar essa introdução para o momento em que haja interferência com as
atividades do cotidiano ou que ameace a atividade profissional ou social. Esses momen­
tos são difíceis de se estabelecer em pacientes diferentes. Essa nova direção está virando
quase uma onda irresistível entre os pesquisadores e formadores de opinião e, a menos
que haja novas evidências de peso em sentido inverso, será a tendência para os próximos
anos. É necessário lembrar, por fim, que a qualidade de vida e a manutenção de habili­
dades físicas no sentido de preservar a capacidade de trabalho e a competitividade nos
empregos, de forma a fugir do fantasma do desemprego, também são parte importante na
escolha de qualquer tratamento.
É possível que, no caso do paciente apresentado, se a estratégia de tratamento fosse
diferente, com início de tratamento já com levodopa e, posteriormente, com complemen-
tação com o pramipexol, o rendimento do tratamento fosse superior ao produzido com os
3 mg diários de pramipexol. Além disso, as complicações teriam sido menores, pois não
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ocorreria edema de membros inferiores e hipotensão ortostática e, talvez, a sintomatologia


psiquiátrica sequer tivesse ocorrido.

□ PONTOS RELEVANTES

0 Pacientes com doença de Parkinson, especialmente os com idade acima dos 65 anos
e alguns anos de evolução, podem desenvolver quadros psiquiátricos agudos, com
agitação, desorientação, psicose, relacionados com os medicamentos e mudanças da
homeostase (febre, infecções, distúrbios metabólicos, traumas físicos ou psíquicos).
0 Alterações psiquiátricas no curso da doença de Parkinson podem ocorrer a longo pra­
zo em pacientes idosos com doença em muitos anos de evolução, fazendo parte de um
quadro demencial, agravado pelos medicamentos antiparkinsonianos.
0 Todos os medicamentos antiparkinsonianos, anticolinérgicos de uso clínico geral,
tranquilizantes, antidepressivos, analgésicos opiáceos, anestésicos, entre outros, podem
favorecer a ocorrência ou a acentuação de sintomas psiquiátricos.
0 No tratamento do quadro agudo de alterações psiquiátricas em pacientes parkinsonia-
nos, são necessárias a redução e a retirada dos anticolinérgicos, amantadina, da selegi-
lina, dos agonistas dopaminérgicos e, ainda a redução gradual da levodopa, ao lado da
administração de antipsicóticos, especialmente dos atípicos (quetiapina e clozapina).
0 O diagnóstico da causa básica, isto é, infecções, distúrbios metabólicos ou outros dis­
túrbios agudos extracerebrais, é necessário, assim como o seu tratamento.
0 As manifestações neurológicas agudas só melhoram com o controle da causa básica
que as desencadearam.
0 As estratégias de início de tratamento na doença de Parkinson, especialmente nos pa­
cientes de início precoce (até 50 anos de idade), vêm sofrendo mudanças, no sentido
de não mais se postergar muito a introdução de medicamentos dopaminérgicos, como
outrora sempre se recomendou, privilegiando a qualidade de vida e a capacidade de
manutenção de empregos.
0 Há novas interpretações dos grandes ensaios clínicos de tratamento farmacológico da
doença de Parkinson, que indicam que o atraso na introdução dos medicamentos do­
paminérgicos diminui a resposta obtida em relação àqueles que receberam tratamento
mais precoce. Há, entretanto, algumas críticas nessa abordagem.
0 Embora sem unanimidade, há tendência à revisão da postura de poupar a levodopa
e outros agentes dopaminérgicos, em fases mais iniciais da enfermidade. As decisões
devem levar em conta aspectos individuais, como a qualidade de vida, a capacidade de
manutenção de emprego e o estilo de vida do paciente. A discussão sobre o momen­
to ideal para a introdução desses medicamentos está em pleno desenvolvimento, mas
deve levar em consideração os pontos aqui mencionados.
142 neurologia e neurocirurgia HIAE

QU E S T ÕE S

1. No paciente descrito neste capítulo, os sintomas urinários (nictúria, urgência urinária, dis­
creta incontinência urinária) podem ser decorrentes da:
A. Própria enfermidade de Parkinson, especialmente na presença de hiperplasia prostática.
B. Própria enfermidade de Parkinson, mesmo sem afecções prostáticas.
C. Ambas as opções A e B.

2. Os sintomas de disautonomia (hipotensão ortostática, incontinência urinária) no paciente


devem-se:
A. À própria enfermidade de Parkinson em fases mais avançadas, especialmente em uso de medi­
camentos de ação dopaminérgica.
B. À provável existência de outra afecção neurológica com comprometimento do sistema nervoso
autônomo.
C. Ao uso, exclusivamente, de medicamentos que interferem no sistema nervoso autônomo.

3. Sintomas psiquiátricos, com alucinações visuais, pensamentos delirantes com conotação


paranoide, confusão mental e desorientação:
A. Ocorrem frequentemente em pacientes parkinsonianos em fases iniciais da enfermidade.
B. Só ocorrem em fases avançadas da enfermidade ou na presença de outras comorbidades psi­
quiátricas.
C. Podem ocorrer em fases intermediárias da enfermidade, com o uso de medicamentos anticolinér-
gicos, dopaminérgicos e outros, como analgésicos opiáceos, anti-inflamatórios, antidepressivos
etc., durante mudanças da homeostase por infecções, alterações metabólicas etc., ou em fases
avançadas da enfermidade.

4. Em casos de ocorrência aguda de manifestações psiquiátricas em pacientes com Doença de


Parkinson, deve-se:
A. Retirar completamente todos os medicamentos antiparkinsonianos, administrando-se neurolép-
ticos ou sedativos.
B. Retirar anticolinérgicos, amantadina, o inibidor de MAO-B (selegilina), parte dos agonistas do­
paminérgicos (como o pramipexol), reduzir, inicialmente, apenas uma parte da levodopa e intro­
duzir, se necessário, antipsicóticos atípicos, como a clozapina ou quetiapina.
C. Nenhuma das alternativas anteriores.

5. A estratégia de início de tratamento, julgando-se a partir da revisão analítica de Schapira e


Obeso dos ensaios clínicos Datatop, ELLDOPA e da rasagilina, sugerem que se deve:
A. Manter a estratégia atual de poupar a levodopa e outros agentes dopaminérgicos até prazos
avançados, no sentido de reduzir a possibilidade das complicações de longo prazo possíveis com
esses agentes terapêuticos.
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 143

B. Antecipar a introdução da levodopa ou outros agentes dopaminérgicos para momentos em que


deficiências motoras já interfiram nas atividades do cotidiano ou nas atividades profissionais ou
sociais, de modo a preservar os mecanismos compensatórios cerebrais.
C. Introduzir os medicamentos dopaminérgicos assim que se iniciarem os sintomas da enfermidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Distonias
Orlando Graziani Povoas Barsottini

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 27 anos de idade, com ensino superior incompleto,


natural do Rio de Janeiro, teve história fornecida pela mãe de “estar com o corpo
todo duro”.
Há aproximadamente 6 anos, a mãe do paciente observou que o braço direito de
seu filho ficava espástico e desajeitado para a realização de tarefas como cortar pão
e escrever. Associado a isso e de maneira insidiosa, começaram a surgir alterações
na fala, na expressão facial e na marcha, dificuldade para se alimentar e “espasmos
por todo o corpo”. O paciente abandonou o trabalho e a faculdade, necessitando de
ajuda para todas as atividades do cotidiano. Além desses achados, havia menção a
dificuldades cognitivas progressivas.
O paciente apresentava dores difusas pelo corpo e negava cefaleia, alterações sensi­
tivas, visuais e esfincterianas, febre ou trauma. Teve emagrecimento de cerca de 25
kg desde o início do quadro.
Na história familiar, constavam duas pneumonias na infância e gastrostomia há 2
anos, além de ser ex-usuário de maconha e etilista social e ter irmão com quadro
neurológico semelhante. Fez uso de clonazepam (2 mg, 2 vezes/dia), diazepam (10
mg, 2 vezes/dia), triexifenidil (5 mg, 3 vezes/dia) e toxina botulínica em duas opor­
tunidades, sem melhora do quadro.

145
146 neurologia e neurocirurgia HIAE

Ao exame geral, apresentava estado geral regular, emagrecido e discretamente des­


corado. Cabeça, pescoço, tórax e extremidades não apresentavam alterações signifi­
cativas. Já ao exame neurológico, estava vígil, anártrico, realizando apenas coman­
dos simples, com presença de riso sardónico. Tinha força muscular e sensibilidade
sem alterações, reflexos vivos em MMSS, Hoffmann bilateral, MMII exaltados,
cutâneo plantar em extensão bilateralmente e clônus esgotável bilateral, além de
tônus com espasticidade global, mais importante em MMII. As provas cerebelares
foram dificultadas pelas alterações motoras e os pares cranianos tinham difícil ava­
liação devido às distonias orofaciais, mas sem alterações apreciáveis. Havia presença
de espasmos distônicos generalizados (opistótono) e piorados pela movimentação.

■ Sindrômico:
- síndrome piramidal de liberação;
- síndrome extrapiramidal (distonia)/declínio cognitivo;
■ topográfico:
- gânglios da base;
■ etiológico:
- Doença de Hallervorden-Spatz;
- lipofuscinose ceroide;
- distrofia neuroaxonal.

Hemograma, perfil de ferro e eletrólitos estavam normais. Funções renal e hepática


também, assim como ceruloplasmina e cobre urinário e sérico. CPK e LCR também
normais.
O estudo de ressonância magnética (RM) demonstrou hipossinal nas sequências
ponderadas em T2 nos globos pálidos e na substância negra. Esse sinal é decorrente
do depósito de ferro (Figura 12.1).
O diagnóstico foi de Doença de Hallervorden-Spatz ou NBIA.

FIGURA 12.1 RM indicando depósito de Fe nos globos pálidos (“ sinal do olho de tig re ” ).
C A P Í T U L O 12 distonias 147

► DISCUSSÃO
N eurodegeneração com acúm ulo cereb ral de ferro
(neurodegenerationwithbrainironaccumulation- NB IA)
Há várias vias regulatórias do metabolismo celular do ferro. Essas vias do processa­
mento do ferro celular envolvem várias enzimas intracelulares e organelas, além de genes
conhecidos também envolvidos nesse processo.
O ferro é um importante elemento para a sobrevivência neuronal, sendo um compo­
nente essencial das citocromo-oxidases e de outros complexos oxidativos, além de ter im­
portante papel na produção de adenosina trifosfato (ATP). Várias doenças têm seu me­
canismo fisiopatológico envolvendo o ferro, como a Doença de Alzheimer, a Doença de
Parkinson, a ataxia de Friedreich e a NBIA.
A NBIA foi inicialmente descrita por Julius Hallervorden e Hugo Spatz, em casos fami­
liares de crianças com distonia, declínio cognitivo, coreoatetose, disartria e disfagia com
aparecimento entre 7 e 9 anos de idade e morte entre 16 e 27 anos. A descoberta do en­
volvimento de Julius Hallervorden em processos de eutanásia durante o regime nazista na
Alemanha fez com que a doença tivesse seu nome mudado de Doença de Hallervorden-
-Spatz para neurodegeneração com acúmulo celular de ferro, amplamente aceito pela co­
munidade científica.

Doenças com m utações genéticas específicas das


vias regulatórias do ferro
N e u r o d e g e n e r a ç ã o a s s o c ia d a à p a n t o t e n a t o - k in a s e

A pantotenato-kinase (PKAN) é uma enzima regulatória da biossíntese da coenzima A.


Essa coenzima parece ter papel importante no metabolismo dos ácidos graxos, e a hipótese
mais aceita é de que a deficiência de fosfopantotenato levaria a um acúmulo de cisteína,
o que levaria a um rápido processo de auto-oxidação na presença de ferro, resultando em
peroxidação lipídica induzida pelo ferro, com consequente lesão celular.
A mutação do gene da PKAN 2 foi identificada no cromossomo 20pl3 por Zhou et
al., sendo uma doença de transmissão autossômica recessiva. O quadro clínico da PKAN
normalmente se inicia na infância, mas existem casos de início na adolescência e na idade
adulta, como no caso descrito. As manifestações mais comuns são distonia, coreotetose,
parkinsonismo, rigidez, hiper-reflexia e retinite pigmentar. Podem também aparecer mio-
clonias, tiques, crises epilépticas e ataxia.
Para o diagnóstico, início até a segunda década da vida, curso progressivo, evidência de
sinais extrapiramidais, distonia, rigidez e coreatetose são critérios obrigatórios. A doença
é caracterizada pela deposição anormal de ferro e pigmentos orgânicos, como lipofucina
e neuromelanina, na p a r s reticu la ta da substância negra e no segmento interno do globo
pálido. A ressonância de crânio mostra um hipossinal nas sequências ponderadas em T2
148 neurologia e neurocirurgia HIAE

nos globos pálidos e na substância negra, principalmente nas sequências com ponderação
SE. Esse hipossinal é decorrente da deposição de ferro, e a vacuolização das porções cen­
trais do globo pálido pode levar à clássica apresentação radiológica do achado chamado
“olho de tigre”.
Os principais diagnósticos diferenciais são as distonias dopa-responsivas da infância,
as lipofuscinoses ceroides e a distrofia neuroaxonal infantil. Não existe tratamento conhe­
cido para essa doença.

S ín d r o m e H A R P

Essa síndrome é muito semelhante à PKAN, mas alguns achados podem fazer a distin­
ção entre essas entidades. O nome HARP é a abreviação para hipoprebetalipoproteinemia
(H), acantocitose (A), retinite pigmentar (P) e degeneração palidal (P). Clinicamente, é
caracterizada pela presença de distonia, parkinsonismo e coreoatetose. Do ponto de vista
patológico, a principal alteração é a degeneração palidal e a presença das alterações típicas
no exame de imagem do encéfalo (sinal do olho de tigre).
Igualmente à PKAN, é de transmissão autossômica recessiva e não tem tratamento es­
pecífico.

N e u r o f e r r it in o p a t ia

Doença neurodegenerativa autossômica dominante (gene F T L , cromossomo 19ql3.3),


em que o acúmulo de ferro nos gânglios da base é associado à presença de distonia e co­
reoatetose. Tem apresentação clínica com início entre 20 e 40 anos de idade, com distonia,
espasticidade, rigidez, tremor palatal, discinesia orolingual e disfunção do lobo frontal.
É interessante observar que alguns pacientes podem ter evolução clínica aguda. Radiolo-
gicamente, podem apresentar aumento do sinal em T2 no globo pálido, na substância negra
e no putâmen, além de redução do sinal em TI no globo pálido e no núcleo denteado.
A diminuição da ferritina sérica é a marca laboratorial da doença, e o diagnóstico dife­
rencial inclui Doença de Huntington e atrofia dentatorrubropalidoluysiana (DRPLA).

A c e r u lo p la s m in e m ia

Doença de caráter autossômico recessivo com mutação do gene da ceruloplasmina no


cromossomo 3q23-24. O quadro clínico é caracterizado pela presença de diabete melito,
distonia, ataxia, coreia, parkinsonismo e demência. Laboratorialmente, apresenta ausência
de ceruloplasmina, nível de cobre sérico baixo, aumento da ferritina sérica e aumento do
ferro hepático como principais achados.
A RM tem os achados característicos de hipossinal em TI e T2 no estriado, no tálamo
e no núcleo denteado, semelhante à Doença de Wilson.
C A P Í T U L O 12 distonias 149

Sem iologia das distonias

Os movimentos distônicos são caracterizados por serem lentos, com contrações mus­
culares vigorosas, de longa duração e que podem acometer grupos musculares isolados,
um segmento corporal ou, eventualmente, ser generalizados. As contrações musculares
são sustentadas acometendo músculos agonistas e antagonistas. É mais comum acomete­
rem a musculatura axial que a apendicular.
A distonia pode ocorrer como manifestação de diferentes doenças neurológicas e
como consequência do uso de várias drogas. No entanto, muitos casos acabam sendo ro­
tulados como idiopáticos, uma vez que não é possível encontrar uma causa. Considera-se
a distonia uma disfunção do funcionamento dos gânglios da base, sendo que na maioria
das vezes, quando se pode ter uma comprovação anatomopatológica, as lesões envolvem
predominantemente o putâmen.
A classificação das distonias segundo sua etiologia inclui uma lista extensa de doenças.
Consideram-se distonia primária ou idiopática os casos em que não existe evidência de qual­
quer agente etiológico ou lesão cerebral identificável. Considerável parte desses casos é gené­
tica, apesar de muitos dos genes implicados ainda não terem sido identificados. As distonias
secundárias ou sintomáticas compõem outro grupo, no qual se identificam as doenças que
desencadeam a distonia. Nesse grupo, estão as lesões vasculares, traumáticas, inflamatórias,
infecciosas, parasitárias, tóxicas e cirúrgicas. Doenças genéticas também são causa de disto­
nia, como as Doenças de Wilson e de Hallervorden-Spatz (PKAN), relatadas anteriormente.
Os exames complementares costumam apresentar anormalidades diagnósticas carac­
terísticas.
Atualmente, tem-se enfatizado uma nova classificação, baseada no diagnóstico mole­
cular genético. Os genes, já mapeados e sequenciados ou não, denominados D Y T , estão
numerados na sequência:

■ D Y T 1 , mapeado no locus 9q34: famílias judias asquenazitas, com fenótipo de início na


infância, nos membros inferiores e generalizando-se progressivamente;
■ D Y T 2 , identificada em ciganos espanhóis, de caráter recessivo, com região cromossô-
mica ainda não mapeada e proteína não identificada;
■ D Y T 3 , mapeado no lo cu s Xql3.1: famílias com a forma Lubag, de parkinsonismo e
distonia (nas ilhas Panay);
■ D Y T 4 : distonia laríngea e cervical, descrita apenas em uma família australiana, inician­
do-se dos 13 aos 37 anos de idade, com transmissão autossômica dominante;
■ D Y T 5 , mapeado no locus 14q22.1-22.2: famílias com distonia dopa-responsiva, descrita
por Nygaard et al.;
■ D Y T 6 , mapeado no lo cu s 8p21-q22: famílias menonitas, com fenótipo misto (início
nos membros inferiores e envolvimento cranial ou cervical), transmissão autossômica
dominante;
150 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ D Y T 7 , mapeado no lo cu s 18p: famílias alemãs, com início na idade adulta, com formas
cervicais e laringeanas ou craniais;
■ D Y T 8 , mapeado no locus 2q33-q35: famílias com distonia paroxística não cinesiogêni-
ca (canalopatia), conhecida como Síndrome de Mount-Reback;
■ D Y T 9 , mapeado no locus lp21: famílias com coreoatetose paroxística e ataxia e espas-
ticidade episódicas;
■ D Y T 1 0 , mapeado no locus 16pll.2-ql2.1: é conhecida como coreoatetose paroxística
cinesiogênica. O grupo das DYT 8,9 e 10 compõe as distonias paroxísticas;
■ D Y T 1 1 : existem dois loci descritos em conexão a essa forma de distonia associada a mio-
clonias (distonia mioclônica), um deles em 18pl 1 e outro em 7q21-q23 (proteína epsilon-
sarcoglicana). Os pacientes apresentam a distonia mioclônica que, na maior parte das
vezes, melhora com a ingestão de álcool. Transmissão autossômica dominante;
■ D Y T 12, mapeado no lo cu s 19ql3: famílias com parkinsonismo e distonia de desenvol­
vimento rápido;
■ D Y T 1 3 , mapeado no lo cu s Ip36.3-p36.1: distonia cranial ou cervical, algumas focais e
outras generalizadas. Descrita em uma família italiana, iniciando-se na infância ou na
vida adulta. Transmissão autossômica dominante;
■ D Y T 14: família suíça, com distonia e parkinsonismo. Transmissão autossômica domi­
nante, locus 14ql3 e proteína ainda não identificada;
■ D Y T 15: distonia -p lu s, responsiva ao álcool. Transmissão autossômica dominante, locus
18pl 1 e proteína ainda não identificada;
■ D Y T 16: distonia autossômica dominante, locus 2q31.2, família brasileira com distonia gene­
ralizada de início precoce, envolvimento oromandibular e eventualmente parkinsonismo;
■ D Y T 1 7 : distonia generalizada autossômica recessiva, localização 20pl 1.22-ql3.12;
■ D Y T 1 8 : deficiência da GLUT 1, distonia induzida pelo exercício, localização Ip35-p31.3;
■ L D Y T , mapeado no genoma mitocondrial (DNAmt): famílias com neuropatia óptica
de Leber com distonia.

As estratégias de tratamento são variadas e incluem medicações orais, uso da toxina


botulínica, abordagem cirúrgica, imobilização de membros e uso de órteses, fisioterapia e
terapia ocupacional. Habitualmente, várias estratégias conjuntas são necessárias.
Entre as principais drogas utilizadas estão os anticolinérgicos (triexifenidil e biperide-
no), a levodopa (não esquecer das distonias dopa-responsivas) e os depletores dopaminér-
gicos (tetrabenazina), além do baclofeno e dos benzodiazepínicos. Atualmente, porém, a
toxina botulínica tem ganhado cada vez mais espaço no tratamento das distonias em razão
de sua eficácia e de seus poucos efeitos colaterais, desde que aplicada de maneira correta e
por especialistas em distúrbios do movimento.
Abordagens mais radicais, como a neurocirurgia, destacando-se a estimulação cerebral
profunda (deep b ra in s tim u la tio n - DBS) e a bomba intratecal de baclofeno, estão reserva­
das aos casos refratários aos tratamentos mais conservadores.
C A P Í T U L O 12 distonias 151

□ PONTOS RELEVANTES

0 O Fe é um importante elemento para a sobrevivência neuronal.


0 Atualmente, deve-se abandonar a denominação Doença de Hallervorden-Spatz.
0 As distonias podem ser primárias ou secundárias.
0 A presença na RM do chamado “olho de tigre” é altamente sugestiva do diagnóstico de
NBIA.
0 A maioria das distonias primárias é de origem genética, destacando a DYT1 e DYT5.

QU E S T ÕE S

1. Em qual cromossomo está a mutação responsável pelo aparecimento da PKAN?


A. 18.
B. 20.
C. 16.

2. Qual é o achado característico da RM nos pacientes com PKAN?


A. Atrofia putaminal.
B. Atrofia cortical generalizada.
C. Hipossinal nas sequências ponderadas em T2 nos globos pálidos e na substância negra.

3. Qual destas doenças tem transmissão autossômica dominante?


A. PKAN.
B. Aceruloplasminemia.
C. Neuroferritinopatia.

4. Qual achado é muito comum nos pacientes com aceruloplasminemia?


A. Tireoidite.
B. Diabete melito.
C. Cardiopatia.

5. Qual é a principal forma de distonia dopa-responsiva?


A. DYT5.
B. DYT1.
C. DYT11.
152 neurologia e neurocirurgia H I AE

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Orlando Graziani Povoas Barsottini

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 19 anos de idade, segundo grau completo e natural


de São Paulo, relata que, aos 15 anos de idade, começou progressivamente a sentir
desequilíbrio e passou, em determinado momento, a caminhar como se estivesse
bêbado. Procurou assistência médica e realizou vários exames, mas nada foi detec­
tado. O quadro de distúrbio da marcha piorou a ponto de o paciente necessitar de
andador. Simultaneamente ao quadro neurológico, passou a apresentar engasgos
frequentes e desvio da coluna, diagnosticado, por um ortopedista, como escoliose.
Com 4 anos de evolução, veio à consulta médica.
O paciente negou cefaleia, alteração visual, epilepsia ou declínio cognitivo. Referiu
que, em uma avaliação médica, foi aventada a hipótese de diabete ou intolerância à
glicose, em razão de uma alteração na glicemia durante a investigação da doença.
Negou quadros semelhantes na família (pais e primos de primeiro grau).
O paciente estava em uso de vitamina E, 400 UI, 2 vezes/dia, há 1 ano, sem me­
lhoras. Contudo, apresentava bom estado geral, sem história de emagrecimento.
Cabeça, pescoço, tórax e extremidades não possuíam alterações significativas. Era
orientado em tempo e espaço. O miniexame do estado mental estava normal. Apre­
sentou motilidade ocular normal, presença de ataxia apendicular e de tronco, fala
escandida, reflexos abolidos nos membros inferiores com reflexo cutaneoplantar
em extensão bilateralmente, sensibilidade profunda (vibratória e cineticopostural)
154 neurologia e neurocirurgia HIAE

diminuída nos membros inferiores e presença de escoliose, além de Escala de Ataxia


(International Cooperative Ataxia Rating Scale - ICARS) de 70 (0 a 100).

Ê3 Sindrômico:
- síndrome atáxica;
- síndrome cordonal posterior;
IE topográfico:
- cerebelo e vias cerebelares;
- cordão posterior da medula;
M etiológico:
- ataxia de Friedreich;
- ataxia por deficiência de vitamina E;
- ataxia com apraxia ocular.

Hemograma e funções renal, tireoidiana e hepática estavam normais, bem como


a dosagem de vitamina E e alfa-fetoproteína. Apresentava intolerância à glicose e
ecocardiograma (ECC) transtorácico dentro dos parâmetros da normalidade. Rea­
lizado exame genético para pesquisa de ataxia de Friedreich, constatou-se presença
da mutação do gene da frataxina (expansão GAA, cromossomo 9).
O estudo de ressonância magnética (RM) demonstrou discreta atrofia de cerebelo e
da medula cervical. O diagnóstico final foi de ataxia de Friedreich.

► DISCUSSÃO
Ataxias Recessivas

As formas hereditárias de ataxias representam um grupo heterogêneo e extenso de doen­


ças. Pode-se subdividir esse grupo em formas autossômicas dominantes, autossômicas reces­
sivas e ligadas ao X. Neste capítulo, serão discutidas apenas as formas autossômicas recessivas
de maior relevância clínica.
A maioria das ataxias recessivas tem início precoce, geralmente antes dos 20 anos de ida­
de. Apresentam manifestações clínicas heterogêneas. Em quase todos os subtipos de ataxias
recessivas, existe a presença de neuropatia periférica.

A ta x ia d e F r ie d r e ic h

A ataxia de Friedreich é considerada a forma mais comum de ataxia recessiva. É causada


pelos níveis reduzidos da proteína frataxina, resultante de uma expansão anormal do trinu-
cleotídeo GAA, localizado no cromossomo 9ql3. Estudos têm demonstrado o papel dessa
proteína no mecanismo antioxidativo mitocondrial ligado ao ferro e à cadeia respiratória.
A idade do início dos sintomas é tipicamente entre 5 e 25 anos de idade. A característica
mais importante da doença é a ataxia progressiva com acometimento axial e apendicular. Os
C A P Í T U L O 13 ataxias 155

reflexos profundos estão abolidos em até 80% dos pacientes e o reflexo cutaneoplantar em ex­
tensão está presente em até 90% dos casos. A sensibilidade profunda cineticopostural e vibrató­
ria está alterada na quase totalidade dos pacientes, os quais podem apresentar palidez da papila,
apesar de a diminuição da acuidade visual estar presente em apenas 10 a 20% dos casos.
Os pacientes também apresentam manifestações não neurológicas, como deformidade
esquelética (escoliose e pé cavo), em até 50% dos casos; hipoacusia neurossensorial, em
10 a 20% dos casos; miocardiopatia hipertrófica detectada pelo ECC, em cerca de 60%;
diabete melito ou intolerância à glicose, em 10 a 30%; e eletrocardiograma (ECG) com
alterações da repolarização. Após 11 anos do início da doença, a maioria dos pacientes
necessita de cadeira de rodas. É interessante observar que, atualmente, têm sido descritas
formas tardias de ataxia de Friedreich, com quadros clínicos que simulam quadros de pa-
raparesia espástica, sem a presença de ataxia.
O diagnóstico definitivo da doença é feito por meio da análise genética. O exame de
RM demonstra atrofia da medula cervical sem evidência de grande atrofia do cerebelo.
Os tratamentos propostos para a doença são direcionados à terapia antioxidante. Estudos
com uso de idebenone, uma benzoquinina estruturalmente similar à coenzima Q10, na dose
de 5 mg/kg, demonstraram diminuição da hipertrofia ventricular, mas sem melhora na fração
de ejeção cardíaca ou do desempenho neurológico. Estudos mais recentes com doses elevadas
de idebenone, até 40 mg/kg, no entanto, parecem demonstrar algum benefício sobre a função
neurológica.

A t a x ia - t e la n g ie c t a s ia

A ataxia-telangiectasia (AT) é causada por uma mutação no gene A T M , localizado no


cromossomo llq22-23, responsável pelo controle do ciclo celular e pelo reparo do DNA.
Apresenta início dos sintomas cerebelares em torno de 2 a 4 anos de idade. Os pacientes
podem apresentar coreoatetose, distonia e reflexos profundos diminuídos ou ausentes.
Uma característica comum nesses pacientes é a presença de apraxia oculomotora. Geral­
mente, as telangiectasias aparecem após o início da ataxia e afetam predominantemente a
região do ângulo da conjuntiva, a região malar e o pavilhão auricular. Aproximadamente
60% dos pacientes têm imunodeficiência, com infecções respiratórias de repetição. Há
também aumento importante do risco de neoplasias, como leucemias e linfomas, sendo o
aumento dos níveis de alfa-fetoproteína um achado laboratorial frequente da doença, além
do nível sérico baixo de IgA, IgE ou IgG.
Outra característica celular marcante da doença é a hipersensibilidade das células à
radiação ionizante, devendo-se evitar extensas investigações que exponham essas crianças
a ela. O teste genético não é feito rotineiramente em função do grande tamanho do gene e
ao elevado número de mutações distintas.
O tratamento consiste no controle das infecções e, eventualmente, o uso de imunoglo-
binas pode ser considerado nos casos de infecções de repetição.
156 neurologia e neurocirurgia HIAE

A ta x ia c o m a p r a x ia o c u lo m o to r a d o s tip o s 1 e 2

A ataxia do tipo 1 (AOA 1) inicia-se por volta de 7 anos de idade. Geralmente, os


pacientes apresentam ataxia de marcha e apendicular, neuropatia periférica, envolvimen­
to do cordão posterior da medula, arreflexia, alteração da motricidade ocular, que inclui
nistagmo, instabilidade na fixação do olhar e grau variável de apraxia do olhar. Alguns pa­
cientes também podem apresentar sinais extrapiramidais e leve envolvimento cognitivo.
A doença é causada pela mutação do gene apraxina no cromossomo 9pl3. Exames
laboratoriais demonstram, tipicamente, hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e níveis
normais de alfa-fetoproteína. A RM de encéfalo revela quadro de atrofia cerebelar de pre­
domínio na região do v e rm is cerebelar.
Na ataxia com apraxia oculomotora tipo 2 (AOA 2), o início dos sintomas geralmente
ocorre na adolescência, entre 10 e 12 anos de idade. Além disso, o quadro clínico costuma
ser mais leve que na AOA 1.
A AOA 2 é a segunda ataxia recessiva mais comum na Europa, sendo superada apenas
pela ataxia de Friedreich. É causada pela mutação do gene senataxina, localizado no cro­
mossomo 9q34.n Não se sabe o papel exato desse gene, mas está implicado no aparecimen­
to de uma forma juvenil, autossômica dominante, da esclerose lateral amiotrófica.
Os exames laboratoriais mostram níveis aumentados de alfa-fetoproteína e normais de al­
bumina. A RM de encéfalo evidencia atrofia do cerebelo de predomínio na região do verm is.

A ta x ia c o m d e fic iê n c ia is o la d a d e v it a m in a E

A ataxia com deficiência isolada de vitamina E (AVED) é uma rara forma de ataxia recessi­
va, mais comum em países do norte da África. Pode ter o fenótipo semelhante ao da ataxia de
Friedreich, sendo seu principal diagnóstico diferencial quando a pesquisa genética é negativa.
É causada por uma mutação no gene da proteína do alfa-tocoferol, localizada no cro­
mossomo 8ql3. Contudo, o diagnóstico é geralmente feito pelos baixos níveis séricos da
vitamina E e pela observação de melhora clínica com sua reposição. Habitualmente, a
idade de início é antes dos 20 anos e a presença de retinite pigmentosa é frequente.
A cardiomiopatia é a manifestação sistêmica mais comum, apesar de ser menos fre­
quente que na ataxia de Friedreich. Alguns pacientes apresentam também retardo no cres­
cimento, disfunção sexual e diabete.
O tratamento é realizado por meio da reposição da vitamina E.

A b e t a lip o p r o t e in e m ia

É uma doença rara caracterizada pela presença de má absorção lipídica desde o nasci­
mento, hipocolesterolemia, acantocitose e retinite pigmentosa.
O quadro neurológico é de curso lento e progressivo, caracterizado por ataxia, fraqueza
muscular, hiporreflexia, neuropatia periférica e retinite pigmentosa. Os sintomas neurológicos
C A P Í T U L O 13 ataxias 157

devem-se à deficiência de vitamina E, ocasionada por uma mutação no gene localizado no cro­
mossomo 4q22-24, que codifica uma proteína transportadora de triglicéride microssomal.
O tratamento envolve redução da ingestão de lipídios e suplementação de vitamina E,
na dose de 50 a 100 mg/kg/dia.

D o e n ç a d e R e fs u m

A Doença de Refsum é caracterizada clinicamente pela combinação dos seguintes sinais


e sintomas: ataxia cerebelar, polineuropatia periférica, surdez neurossensorial, anosmia, de­
formidades esqueléticas, retinite pigmentosa, ictiose, insuficiência renal, cardiomiopatia e
arritmias cardíacas. O início dos sintomas ocorre, geralmente, antes de 20 anos de idade.
É decorrente do acúmulo de ácido fitânico devido a uma mutação no gene da enzima pero-
xissomal fitanoil-CoA hidroxilase ou das proteínas associadas à membrana peroxissômica.
O tratamento consiste em dieta com restrição de ácido fitânico de 50 a 100 mg/dia para
menos de 10 mg/dia.

X a n t o m a t o s e c e r e b r o te n d ín e a

A xantomatose cerebrotendínea é uma forma de ataxia causada por acúmulo de co-


lestanol e colesterol em diversos tecidos devido a uma mutação no gene responsável pela
produção da enzima mitocondrial 27-hidroxilase.
O quadro clínico da doença é caracterizado por diarreia crônica, formação de xanto-
mas tendinosos, principalmente no calcâneo, catarata bilateral e síndrome neurológica,
incluindo ataxia.
O diagnóstico precoce é importante pela possibilidade de tratamento com ácidos bilia­
res de reposição. A RM de crânio e dos tendões pode auxiliar no diagnóstico.

D o e n ç a d e T a y -S a c h s t a r d ia

A deficiência total de hexosaminidase A causa Doença de Tay-Sachs (gene Hexa, cromos­


somo 15q23-24). A deficiência parcial de hexosaminidase A e B causa Doença de Sandhoff.
O início tardio da Doença de Tay-Sachs pode se manifestar com quadro cerebelar pro­
gressivo, doença do neurônio motor e psicose (40%). Pode também simular um quadro de
atrofia olivopontocerebelar, atrofia muscular espinhal ou esclerose lateral amiotrófica.

S ín d r o m e d e M a r in e s c o -S jõ g r e n

É uma doença rara caracterizada por ataxia, catarata precoce, retardo mental, miopa-
tia, baixa estatura, deformidades esqueléticas e hipogonadismo hipogonadotrófico. Essa
doença é causada por uma mutação no gene S IL 1 , responsável pela produção da chape-
rona Hsp70.
158 neurologia e neurocirurgia HIAE

A ta x ia e s p in o c e r e b e la r d e in íc io n a in f â n c ia

A ataxia espinocerebelar de início na infância (IOSCA) inicia-se caracteristicamente


antes de 2 anos de idade, com curso progressivo de ataxia, hipotonia, neuropatia sensitiva,
arreflexia, atrofia óptica, oftalmoplegia, perda auditiva, hipogonadismo (nos casos femi­
ninos), distúrbios do movimento e epilepsia. O gene implicado na doença é localizado no
cromossomo 10q24, que produz uma proteína mitocondrial de função ainda não total­
mente esclarecida.

d PONTOS RELEVANTES
IZI A ataxia de Friedreich é a forma mais comum de ataxia recessiva.
IZI O principal achado de imagem na ataxia de Friedreich é a atrofia da medula cervical.
IZI As ataxias recessivas geralmente têm inicio na infância ou na adolescência e comumen-
te são acompanhadas por neuropatia periférica.
IZI A elevação da alfa-fetoproteína é um importante biomarcador para algumas formas de
ataxia recessiva.
IZI A ataxia por deficiência de vitamina E pode apresentar fenótipo semelhante à ataxia de
Friedreich.

QU E S T ÕE S

1. Qual destas alterações é um achado comum na ataxia de Friedreich?


A. Hipotireoidismo.
B. Intolerância à glicose.
C. Síndrome do cólon irritável.

2. Qual destes achados é importante para o diagnóstico de ataxia com apraxia ocular do tipo 2?
A. Elevação da alfa-fetoproteína.
B. Elevação da ferritina sérica.
C. Presença de diabete melito.

3. Qual destas ataxias normalmente cursa com diarreia crônica?


A. Ataxia de Friedreich.
B. Ataxia-telangiectasia.
C. Abetalipoproteinemia.
C A P Í T U L O 13 ataxias 159

4. Em qual ataxia o achado de ictiose é muito comum?


A. Doença de Refsum.
B. Doença de Marinesco-Sjõgren.
C. I0SCA.

5. A alfa-fetoproteína está elevada nas seguintes condições, com exceção da seguinte ataxia:
A. Ataxia com apraxia ocular tipo 2.
B. Ataxia-telangiectasia.
C. Abetalipoproteinemia.

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ESCLEROSE MÚLTIPLA
Esclerose m últipla
Charles Peter Tilbery
Rodrigo Barbosa Thomaz

INTRODUÇÃO

A esclerose múltipla (EM) é a doença neurológica mais incapacitante em adultos jo­


vens, comprometendo aproximadamente 250 mil pacientes nos Estados Unidos e cerca de
2.500.000 indivíduos ao redor do mundo.1
Os sintomas da doença resultam de ataques recorrentes de inflamação no sistema ner­
voso central (SNC), seguidos de desmielinização, caracterizando doença autoimune. Os
alvos desse ataque são a mielina ou os oligodendrócitos que a sintetizam e, portanto, in­
terrompem a condução nervosa, causando os sintomas da doença. A EM é o exemplo de
uma das doenças do SNC na qual, em algum momento da sua evolução ou em uma das
várias apresentações clínicas, de forma isolada ou associada, se observam todos os sinais e
sintomas neurológicos no mesmo paciente.23
Nas últimas décadas, numerosas publicações demonstraram que existe um aumen­
to da prevalência da EM em todas as regiões. No Brasil, estima-se aproximadamente em
15:100.000 habitantes na capital do Estado de São Paulo4, 17:100.000 em Botucatu/SP5 e
18:100.000 em Belo Horizonte/MG.6
Numerosos fatores ambientais podem estar envolvidos na etiopatogenia da EM, mas
deve-se lembrar que há, concomitantemente, uma suscetibilidade individual determinante
no aparecimento da doença78 (Tabela 14.1).

163
164 neurologia e neurocirurgia HIAE

TABELA 14.1 Principais fatores envolvidos na etiopatogenia da EM


Geografia Risco biológico
Latitude Agentes infecciosos
Clima Traumas
Altitude Gestação
Socioculturais Vacinações
Socioeconômicos Dieta

Do ponto de vista fisiopatológico, as características inflamatórias na EM são constata­


das pela presença de infiltrado de linfócitos e plasmócitos no tecido cerebral, de distribui­
ção perivenular e pericapilar, causando reações secundárias à substância branca.9,10Essas
lesões têm distribuição preferencial, no início da doença, nas regiões periventriculares e
centro oval, no corpo caloso, no cerebelo e no tronco cerebral. Provavelmente, essa concen­
tração está diretamente relacionada à liberação de mediadores inflamatórios e proteínas
plasmáticas, concomitantemente à participação de linfócitos T (CD4) tanto nas lesões agu­
das, quanto nas mais avançadas (CD8).11,12Assim, pacientes com anormalidades no sistema
de antígenos de histocompatibilidade (predisposição genética) e com estado duradouro e
permanente de hiperatividade imunológica, caracterizada clinicamente por contínua e in­
tensa produção de anticorpos a vários antígenos virais, por fatores etiológicos ainda não
determinados, desencadeiam um processo inflamatório caracterizado pela passagem de
células T pela barreira hematoencefálica, iniciando uma cascata imunológica que causa a
desmielinização.13,14
Evidências mais recentes indicam a participação das células B na fisiopatologia da EM,
ligada às características imunopatológicas da doença, como a síntese intratecal de imu-
noglobulinas, principalmente IgG (bandas oligoclonais). As células B e os plasmócitos se
agrupam em estruturas com aspecto folicular nas meninges dos pacientes, como em al­
gumas lesões na substância branca. Uma proporção substancial dessas células é infectada
pelo vírus Epstein-Barr.
Recente estudo clínico com um anticorpo monoclonal que depleta células B (rituxi-
mabe) reforça o conceito recíproco na imunopatogênese da EM, com ativação anormal de
células B e T.15

QUADRO CLÍNICO

A EM se manifesta por uma variedade topográfica de sintomas e sinais neurológicos


recorrentes, de caráter evolutivo, variáveis entre os pacientes, com manifestações clínicas
sucessivas causadas pela desmielinização e pelo dano axonal, que a caracterizam como
doença com lesões que se disseminam no tempo e no espaço.16,17
Geralmente, a EM se inicia entre 30 e 40 anos de idade e é mais comum nas mulheres
e na raça branca.18,19Na maioria dos casos, a doença inicia com um surto e, frequentemen­
C A P Í T U L O 14 esclerose múltipla 165

te, de forma polissintomática. O início monossintomático (síndrome clínica isolada), que


ocorreu em 31% dos pacientes do estudo Atlântico Sul,20 tem diferenças quanto aos sinto­
mas predominantes iniciais nas várias publicações, sendo o mais habitual, no nosso meio,
o predomínio de sintomas motores, seguidos de sintomas sensitivos e visuais1921 (Tabela
14.2).

TABELA 14.2 Sintomas iniciais comuns na EM


Sintomas Pacientes (%)
Paresia em um ou mais membros 50
Parestesia em um ou mais membros 45
Neurite óptica 20
Marcha atáxica 15

DIAGNÓSTICO

Vários critérios para o diagnóstico clínico da EM foram propostos no decorrer dos últi­
mos anos. Todavia, apesar do avanço dos métodos de diagnóstico, a falta de conhecimento
preciso dos mecanismos fisiopatológicos, a ausência de achados clínicos patognomônicos,
a presença de sinais e sintomas variados e o extenso diagnóstico diferencial envolvido ain­
da dificultam, por vezes, o diagnóstico de certeza da doença.2223
O diagnóstico da EM foi baseado, durante muitos anos, apenas na história e no exame
clínico; porém, o aparecimento de técnicas laboratoriais e o desenvolvimento da resso­
nância magnética (RM), além da pesquisa de bandas oligoclonais no liquor (LCR/BO) e
alterações nos potenciais evocados (PE), principalmente o visual, possibilitaram avanços
na sensibilidade diagnóstica na EM.23,24
Atualmente, os critérios diagnósticos mais utilizados são os descritos por McDonald e
Halliday:22

■ dois ou mais surtos clínicos e evidências clínicas de duas lesões;


■ dois surtos, evidência clínica de uma lesão e disseminação à RM no espaço, LCR/BO
ou novo surto da doença;
■ um surto, evidência clínica de duas ou mais lesões e disseminação à RM no tempo ou
novo surto da doença;
■ um surto, evidência clínica de uma lesão e disseminação à RM no espaço ou LCR/BO
e duas ou mais lesões à RM compatíveis com EM e disseminação à RM no tempo ou
um novo surto.

No diagnóstico diferencial da EM, deve-se sempre excluir um grande número de doenças


que apresentam similaridades. A variedade de sintomas que os pacientes com EM apresen­
tam inclui uma série que é comum a outras moléstias (Tabela 14.3).
166 neurologia e neurocirurgia HIAE

TABELA 14.3 Diagnóstico diferencial na EM


Doenças inflamatórias
Angeíte primária doSNC
Lúpus eritematoso sistêmico
Síndrome de Sjõgren
Doença de Behçet
Periarterite nodosa
Miastenia grave
Doença de Lyme
Brucelose
Sarcoidose
Porfiria aguda intermitente
Encefalomielite disseminada aguda
Tumores intracranianos
Mielocompressão
Degeneração combinada de medula
Mielopatia associada ao HTLV-1

TRATAMENTO

A maioria dos autores concorda com o fato de que, atualmente, os corticosteroides


são a única alternativa medicamentosa eficaz no tratamento dos surtos graças aos seus
efeitos anti-inflamatórios e imunodepressores, já conhecidos por seu emprego em ou­
tras doenças.2526 Até o momento, a maior experiência adquirida foi com a corticotrofina
(ACTH), a prednisona e a metilprednisolona (MP), que ganhou espaço na terapêutica
dos surtos nos últimos anos por ter a vantagem do uso por tempo menor e em doses mais
elevadas que as de ACTH (1 g de MP equivale a 1.250 mg de prednisona e 210 mg de beta
ou dexametazona).26,27
Desde 1993, pacientes com EM são tratados com imunomoduladores (betainterferons
e acetato de glatirâmer), que são eficazes na redução do número de surtos, mas limitados
no retardo da progressão da doença.28 Recentemente, o espectro terapêutico da EM foi am­
pliado com a introdução de drogas potencialmente mais ativas, mas com riscos de efeitos
adversos maiores (natalizumabe e mitoxantrone). Essas drogas estão indicadas para pacien­
tes que apresentaram falha terapêutica aos imunomoduladores, nas formas transicionais
(remitente-recorrente para secundariamente progressiva) e nas formas progressivas com
atividade inflamatória.29
A resposta terapêutica aos imunomoduladores nas formas remitente-recorrentes da
EM pode ser avaliada pela redução do número de surtos e pela progressão avaliada pelas
escalas de incapacidade (EDSS).30
C A P Í T U L O 14 esclerose múltipla 167

Recentemente, constatou-se que o critério mais sensível na avaliação da resposta ao


tratamento baseia-se na detecção precoce da progressão da doença, em vez da taxa de
surtos, como preditor de prognóstico de acúmulo de incapacidades neurológicas em longo
prazo.31

RELATO DE CASOS_______________________________________________________
Caso 1

Paciente do sexo masculino, 33 anos de idade, branco, hígido, sem antecedentes dig­
nos de nota, procurou assistência médica com queixa de dor à movimentação ocular
à direita, diminuição da visão, principalmente para cores, e sombras de evolução
progressiva com início há 3 semanas. Negava processos infecciosos, vacinações e
uso de drogas prévios a esse quadro.
No exame clínico, a pressão arterial (PA) foi de 14/8, sem alterações ao exame dos
diferentes sistemas. Já no neurológico, constatou-se alteração restrita ao exame de
fundo de olho à direita, com discreto papiledema.
A movimentação ocular estava normal. Os exames complementares não apresen­
tavam alterações. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) estava normal, com
presença de bandas oligoclonais. A RM revelou presença de lesões de aspecto des-
mielinizante periventriculares (Figura 14.1), buracos negros (Figura 14.2) e espessa-
mento do nervo óptico à direita (Figura 14.3).

FIGURA 14.1 RM indicando presença de lesões de aspecto desm ielinizante periventriculares.


168 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 14.2 RM indicando presença de buracos negros.

FIGURA 14.3 RM indicando espessam ento do nervo óptico à direita.

Nos últimos anos, os autores têm chamado a atenção para o fato de que quanto mais
precocemente se inicia o tratamento, menor é a probabilidade de acumular incapacidades
neurológicas em longo prazo.28,30 Essas constatações, baseadas em estudos retro e prospec-
tivos, implicam caracterizar a síndrome clínica isolada (SCI), com risco de conversão para
EM definida.
A SCI é definida como o primeiro evento neurológico desmielinizante (neurite óptica,
mielite e síndrome isolada de tronco) e seu risco de conversão é determinado por carga
lesionai detectada à RM, tanto no cérebro quanto na medula.30,31
O Caso 1 denota a presença de lesões desmielinizantes silenciosas com distribuição ca­
racterística da EM. Confirmando-se degeneração axonal, inicia-se precocemente nas fases
iniciais da doença28,31 e nota-se a presença de buracos negros à RM. É evidente, diante desse
C A P Í T U L O 14 esclerose múltipla 169

quadro clínico de SCI com risco de conversão, que o paciente deve iniciar o tratamento
com imunomodulador. A avaliação desse paciente durante os 2 anos de tratamento, até o
momento, mostrou-se eficaz. O paciente não apresentou mais surtos e sua RM permanece
inalterada.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 58 anos de idade, branco, foi internado em dezembro


de 2006 com hemiparesia esquerda incompleta e proporcionada, grau III com sinais
de liberação piramidal, associada à ataxia da marcha do tipo cerebelar sequelar. Pos­
suía diagnóstico prévio de EM remitente-recorrente desde 2000, sem tratamento
específico, apenas com pulsoterapia com corticosteroides nos surtos (três surtos de
2000 a 2006).
Nesse momento, o paciente tinha indicação de tratamento imunomodulador, tanto
clinicamente quanto pela alta carga lesionai e pela doença ativa demonstrada pelo
exame de RM abaixo (Figura 14.4).

FIGURA 14.4 Dezembro de 2006.

O paciente permaneceu 2 anos em tratamento com imunomodulador. Nesse período,


apresentou dois surtos sensitivos e neuroimagem ainda demonstrando doença ativa.
Após 1 ano, a primeira medicação foi substituída por outro imunomodulador, até
que, em agosto de 2008, apresentou surto grave medular, conforme demonstrado na
Figura 14.5.
170 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 14.5 Agosto de 2008.

O paciente apresentou, portanto, falha terapêutica aos imunomoduladores, sendo,


então, indicada imunossupressão com anticorpos monoclonais.32Atualmente, o pa­
ciente encontra-se em terapia com natalizumabe, clinicamente estável e sem evi­
dências de doença em atividade conforme demonstrado na Figura 14.6.

FIGURA 14.6 Abril de 2009.


CAPÍ TUL O 14 esclerose múltipla 171

► DISCUSSÃO

Os casos relatados acima demonstram duas situações comuns nos pacientes portadores
de EM. O primeiro caso trata-se de um paciente com o que se chama de SCI, que é o primei­
ro evento clínico (no caso, neurite óptica) desmielinizante do indivíduo.
Quando o profissional se depara com uma situação dessas, deve investigar o paciente
amplamente para o diagnóstico diferencial e avaliar se o paciente apresenta alto risco de
conversão para esclerose múltipla clinicamente definida (EMCD). Nesta última situação,
atualmente se recomenda o tratamento precoce com imunomoduladores, com o objetivo de
impedir ou retardar a conversão de uma CIS para EMCD.
O segundo caso demonstra um paciente com EM remitente-recorrente, no qual o longo
período entre o diagnóstico e o início do tratamento com imunomoduladores pode impactar
significativamente no acúmulo de lesões e incapacidades neurológicas à longo prazo, uma vez
que essas medicações são consideradas drogas modificadoras da história natural da EM.
O uso de corticosteroides está indicado somente na vigência de surtos clínicos, ou seja,
na vigência de déficits neurológicos novos ou exacerbação de déficits antigos quando com­
provada atividade inflamatória da doença. Os corticosteroides não alteram a história na­
tural da EM e, portanto, não devem ser utilizados em outras situações no tratamento de
pacientes com EM.
E, por fim, a falha terapêutica aos imunomoduladores. Diversos estudos demonstram
que tais medicações têm eficácia em torno de 30 a 40% para o controle dos surtos e do apa­
recimento de novas lesões à RM do SNC. O paciente deve ser monitorado periodicamente,
deve-se manter um período mínimo de 6 meses com um determinado imunomodulador
antes de se considerar falha ao tratamento.
Se a falha de tratamento for confirmada, deve-se optar pela troca do imunomodulador.
Uma vez realizada a migração de um imunomodulador para outro, e novamente haven­
do falha, a recomendação é a mudança da modalidade terapêutica, imunossupressão. Os
anticorpos monoclonais são a segunda linha de tratamento atual.

n PONTOS RELEVANTES
0 A EM é a doença neurológica mais incapacitante em adultos jovens da raça branca, na
maioria mulheres entre 20 e 40 anos de idade.
0 Os principais fatores envolvidos na etiopatogenia da EM são: latitude, clima, altitude,
exposição à luz solar, fatores socioculturais, traumas, agentes infecciosos, gestação, va­
cinações e dieta.
0 Fisiopatologicamente ocorre infiltrado de linfócitos e plasmócitos no tecido cerebral,
agressão autoimune inflamatória à mielina, aos axônios e aos oligodendrócitos (sinte­
tizam a mielina) e, portanto, interrompem a condução nervosa, causando os sintomas
da doença.
172 neurologia e neurocirurgia HIAE

0 Sintomas iniciais comuns: paresia (perda de força) em um ou mais membros; pareste-


sias (p.ex. formigamentos) em um ou mais membros; neurite óptica; marcha atáxica ou
incoordenada.
0 O diagnóstico da EM está baseado nos critérios de McDonald (2001), que considera ca­
racterísticas clínicas e de neuroimagem por RM do encéfalo e medula espinhal; análise
do líquido cefalorraquidiano com pesquisa das bandas oligoclonais; e, eventualmente,
anormalidades nos exames de potenciais evocados.

QU E S T ÕE S

1. Na EM, quais são os fatores imunopatogênicos?


A. Ativação de reação imunoalérgica.
B. Células T autorreativas.
C. Ativação autoimune de células B e T.

2. Os imunomoduladores atuam:
A. Reduzindo o número de surtos.
B. Retardando a progressão da doença.
C. Em todas as formas clínicas da doença.

3. Quais dos fatores abaixo estão relacionados à etiopatogenia da EM?


A. Exposição à radiação e à luz solar ultravioleta.
B. Fatores geográficos e exposição à luz solar.
C. Fatores geográficos, predisposição genética e infecções virais.

4. Na CIS, os fatores que determinam o uso de imunomoduladores são:


A. Presença de bandas oligoclonais no liquor.
B. Alta carga lesionai à RM.
C. Idade abaixo de 50 anos.

5. Os anticorpos monoclonais são utilizados:


A. Como primeira opção de tratamento.
B. Em formas primariamente progressivas.
C. Em caso de falha terapêutica aos imunomoduladores.
CAPÍ TUL O 14 esclerose múltipla 173

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SEÇAO 6

DEMÊNCIAS
Ivan Hideyo Okamoto

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 80 anos de idade, funcionária pública aposentada, apre­


senta esquecimento de objetos e datas há 1 ano. Em fevereiro de 2006, apresentava
os seguintes sintomas: 1 ano de esquecimento de fatos e nomes de pessoas mais
distantes, falta a compromissos com esquecimento de datas, necessidade de lista de
compras, medo de sair de casa sozinha, maior facilidade para chorar, dificuldade em
realizar receitas de cozinha, esquecia panelas no fogo e temperava a comida várias
vezes. Fazia uso de escitalopram (10 mg/dia) e negava hipertensão arterial, diabetes,
tabagismo, etilismo ou patologia semelhante na família.
Foram realizados exame neuropsicológico (NPS) e tomografia computadorizada
(TC) do crânio. O primeiro demonstrou prejuízo em atenção, memória e apren­
dizagem, com acentuação de quadro emocional, enquanto o segundo demonstrou
atrofia cortical difusa, própria da idade.
A paciente foi submetida aos exames de TSH, T4 e vitamina B12; todos normais. Em
sua primeira consulta, foi aplicado o miniexame do Estado Mental (MEEM) (Figura
15.1), cujo resultado foi de 24 pontos. A pontuação para cada capacidade cognitiva
pode ser observada a seguir:

177
178 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 15.1 Miniexame do estado m ental.

■ orientação temporal: 4 pontos;


■ orientação espacial: 5 pontos;
■ memória imediata: 3 pontos;
■ cálculo: 3 pontos;
■ evocação: 0 pontos;
■ nomeação: 2 pontos;
■ comando: 3 pontos;
■ linguagem: 4 pontos;
■ total: 24 pontos.

Outros testes foram realizados, cujos resultados foram:

■ teste do desenho do relógio (Figura 15.2): 14/15 pontos;


■ fluência verbal - animais: 9;
■ lista de evocação de palavras:
I a tentativa: 2;
- 2a tentativa: 4;
- 3a tentativa: 4;
■ evocação da lista: 0;
■ reconhecimento da lista: 6;
■ teste de Boston resumido: 11/15.

Esses resultados indicaram comprometimento de memória de fixação e de trabalho,


linguagem e capacidade atencional.
CAPÍ TUL O 15 d o e n ç a de A l z h e i m e r 179

FIGURA 15.2 Teste do desenho do relógio.

► DISCUSSÃO

O diagnóstico foi de síndrome demencial, provável doença de Alzheimer (DA). Assim,


a paciente iniciou o tratamento com inibidor de acetilcolinesterase (I-ACHE), donepezil,
na dose inicial de 5 mg/dia e, depois de 1 mês, com aumento de dose para 10 mg/dia. Per­
maneceu estável por longo período, com consultas periódicas.
Cerca de 3 anos após o diagnóstico, em uso de donepezil na dose de 10 mg/dia, o resultado
do MEEM foi de 21 pontos, indicando uma perda menor de pontos que o esperado para a
evolução natural doença, com indicativo de resposta ao tratamento com inibidor de ACHE.

DOENÇA DE ALZHEIMER

O neuropatologista alemão Alois Alzheimer relatou, em 1907, o primeiro caso de uma


paciente de 52 anos de idade com queixa de perda de memória e de funções em suas ati­
vidades de vida diária (AVD), além de distúrbio de comportamento e sintomas psicóticos,
definidos, na época, como demência senil precoce. Apenas em meados do século XX é que
essa patologia se tornou mais conhecida, recebendo o nome de DA.
Trata-se da forma mais frequente das síndromes demenciais, responsável por cerca de 50
a 70% das causas de demência (isolada ou em associação). De etiologia degenerativa, possui
características clínicas e patológicas próprias. Provavelmente não apresenta causa única,
mas uma heterogeneidade de fatores, além de variações na apresentação clínica, como taxa
de progressão, déficits neuropsicológicos e sintomas comportamentais. Não existem, atual­
mente, marcadores biológicos da DA que permitam o diagnóstico pré-sintomático ou pré-
-mórbido definitivo, porém, o diagnóstico clínico, se realizado de acordo com as normas de
consenso, permite diagnóstico correto em cerca de 80 a 90% dos pacientes.1
180 neurologia e neurocirurgia HIAE

Em avaliação anatomopatológica de cérebros de pacientes com DA, encontra-se atrofia


difusa, mais acentuada em regiões temporais, frontais e parietais, quando observada ma­
croscopicamente pós-morte.2Ao exame microscópico, observam-se perda de neurônios e
degeneração sináptica cortical. Além disso, encontraram-se dois tipos de lesões caracte­
rísticas da DA: as placas senis (extracelulares) e os novelos neurofibrilares (intracelulares).
Essas alterações histológicas parecem estar relacionadas ao declínio cognitivo e aos demais
sintomas que surgem no curso clínico da DA.
Os critérios diagnósticos mais utilizados na prática clínica e em pesquisa são os do
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV)3, da Academia Ame­
ricana de Psiquiatria, e os do National Institute of Neurological and Communicative Di­
sorders and Stroke-Alzheimer s Disease and Related Disorders Association Work Group
(NINCDS-ADRDA).4
A DA é definida em três categorias - DA definitiva, DA provável e DA possível -,
baseadas nas características clínicas e patológicas obtidas.

Diagnóstico
DA definitiva

Requer um diagnóstico de DA provável em vida com evidências histopatológicas de


DA obtidas em tecido cerebral (autópsia ou, mais raramente, biópsia). Obviamente, repre­
senta uma categoria de diagnóstico muito limitada à obtenção do tecido cerebral.

DA provável

Inclui a presença de demência estabelecida por um questionário e confirmada por tes-


tagem neuropsicológica, déficits em duas ou mais áreas da cognição, piora progressiva da
memória e de outras funções, ausência de distúrbios de consciência, início entre 40 e 90
anos de idade e ausência de distúrbios sistêmicos ou doenças cerebrais que possam justifi­
car o comprometimento cognitivo. Algumas características que reforçam o diagnóstico de
DA, mas não são essenciais, são:

■ deterioração progressiva de funções específicas, como linguagem (afasia), habilidades


motoras (apraxias) e percepção (agnosia);
■ comprometimento das AVD;
■ alterações de comportamento;
■ história familiar de doenças semelhantes, especialmente se confirmadas histologicamente;
■ análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) normal;
■ eletroencefalograma (EEG) normal ou com alterações inespecíficas;
■ TC de crânio mostrando atrofia cerebral com progressão documentada por observação
seriada.
C A P Í T U L O 15 d o e n ç a de A l z h e i m e r 181

Algumas características que tornam o diagnóstico de DA improvável são o início súbi­


to, os sinais neurológicos focais, os distúrbios de marcha ou a presença de crises convulsi­
vas que se manifestam precocemente no curso da doença.

DA possível

O paciente tem uma síndrome demencial sem causa aparente, mas apresenta variações
na forma de início, de apresentação ou no curso clínico, quando comparado a paciente
com DA típica. Pode, ainda, ter outra doença sistêmica ou neurológica que pode causar
demência, mas que não é considerada sua causadora, ou ter um déficit único, progressivo,
na ausência de qualquer outra causa identificável.

Quadro clínico
Cognição
Como descrito anteriormente, o comprometimento cognitivo ocorre principalmente na
memória, na linguagem, nas gnosias, nas praxias e nas funções executivas, evidenciado por
meio de testes objetivos neuropsicológicos.5Esses testes servem para o diagnóstico e são úteis
na evolução da DA, uma vez que o curso da doença tem, em média, 10 anos de evolução.6
A memória está comprometida precocemente, na forma de déficit de aprendizado de
informações no nível episódico, ou seja, o aprendizado de eventos e de pessoas está preju­
dicado. Outra marca da DA é a dificuldade em resolver problemas do dia a dia e planejar
atividades corretamente (secundária ao déficit de aprendizado de informações). Um déficit
em evocar fatos e eventos, principalmente os adquiridos mais recentemente, também está
presente, sendo proporcional ao prejuízo de aprendizado episódico, e pode ser percebido
na dificuldade do paciente em reconhecer locais e sua relação com pessoas e objetos. Isso
explica a confusão, precocemente notada nos indivíduos, quando têm de enfrentar mu­
danças rápidas de cena e local.
A linguagem na DA também está precocemente acometida, podendo-se notar na difi­
culdade em nomear objetos e analisar discurso e vocabulário, na capacidade descritiva e na
compreensão de leitura. A fala pode se tornar um pouco lenta, podendo haver persevera-
ção, repetição de palavras e frases fora de contexto. Nas demais áreas cognitivas, as funções
visuoespaciais estão comprometidas no curso da doença, com os pacientes se perdendo, deso­
rientados no espaço e com dificuldade em manusear aparelhos complexos. As funções execu­
tivas podem estar comprometidas, o que parece ocorrer em estágios iniciais da doença.

Comportamento
Os sintomas não cognitivos ou as alterações de comportamento constituem um grande
problema na DA. Contudo, são frequentemente ignorados, ainda que produzam mais ansie-
182 neurologia e neurocirurgia HIAE

dade nos cuidadores e causem muito mais institucionalização dos pacientes que os déficits
cognitivos. As alterações de comportamento variam de progressiva passividade a marcantes
hostilidade e agressividade e podem surgir antes das dificuldades cognitivas na evolução da
doença. Os delírios, comumente os paranoides, afetam cerca de 50% dos pacientes com DA,
levando-os a acusações de roubo, infidelidade conjugal e perseguição. Muitos dos pacientes
com DA desenvolvem perturbações do ciclo sono-vigília, alteração na alimentação (voraci­
dade ou anorexia) e mudanças no comportamento sexual (desinibição).
Resumidamente, podem-se incluir os distúrbios de comportamento na DA em sete
categorias maiores:

■ sintomas de delírios e/ou paranoides;


■ distúrbios de alucinações;
■ distúrbios de atividade;
■ agressividade;
■ distúrbios de ritmo (sono) diurno;
■ distúrbios afetivos;
■ ansiedade e fobias.

Esses sintomas, embora sejam característicos de DA, não estão presentes em todos os pa­
cientes, mesmo na progressão da doença. Todas as categorias de distúrbios de comportamento,
quando presentes, atingem pico de ocorrência e magnitude antes do estágio grave da DA.
O tratamento da DA envolve o controle dos sintomas de alteração de comportamento
com o uso de antipsicóticos para os delírios e as alucinações, de antidepressivos para os
quadros depressivos (incluindo-se os tricíclicos e os inibidores seletivos de recaptação da
serotonina) e de indutores de sono ou outras drogas associadas para os distúrbios do ciclo
sono-vigília.

Atividades de vida diária

Os pacientes com DA apresentam deterioração progressiva em suas capacidades em


desenvolver as AVD. A perda dessas funções repercute na qualidade de vida do paciente
e de seus cuidadores. Essas perdas parecem ocorrer de forma hierárquica, isto é, das mais
complexas para as mais simples. As perdas funcionais podem estar relacionadas aos défi­
cits que ocorrem na esfera cognitiva, pelo comprometimento que atinge percepção, fun­
ções executivas e comportamento. Uma descrição desse declínio pode ser útil no acompa­
nhamento da severidade da doença e no planejamento dos cuidados. Vários questionários
funcionais estruturados estão disponíveis na literatura, porém, para a escolha de um em
particular, deve-se considerar o propósito da escolha e sua praticidade, além das funções
psicométricas desse instrumento. A avaliação das AVD é essencial para a obtenção de um
diagnóstico preciso do nível de autonomia do paciente.7
C A P Í T U L O 15 d o e n ç a de A l z h e i m e r 183

Costuma-se dividir a evolução da DA em três fases: leve, moderada e grave. O grau de


comprometimento de funções e de AVD pode ser um dos parâmetros para essa divisão.
A fase leve é caracterizada quando há comprometimento das AVD, com prejuízo no
funcionamento diário, por vezes passando despercebido pelos familiares, que o atribuem
ao “envelhecimento normal”, quando, na verdade, já é manifestação inicial da DA.
A necessidade de supervisão por um acompanhante ou cuidador (na maioria das vezes, no
Brasil, um familiar) caracteriza a fase moderada da doença, na qual há um nítido comprome­
timento cognitivo. Ocorrem, também, maiores alterações de comportamento, como agitação
psicomotora, agressividade, irritabilidade, entre outras alterações.
Finalmente, a fase grave da DA tem como característica a dependência do paciente para
suas AVD, mesmo as básicas, como alimentação, higiene pessoal e vestimentas, podendo
haver fragmentos de memória, preservação da marcha, entre outras funções. Essa fase não
deve ser confundida com uma fase terminal do doente, na qual as necessidades passam a
ser outras.

Tratam ento

O tratamento atual de pacientes com DA visa à manutenção de qualidade de vida, me­


lhorando a função e a independência, minimizando as perdas cognitivas e tratando as al­
terações de humor e comportamento. A abordagem do tratamento deve ser global, dentro
do possível, multiprofissional e multidisciplinar, incorporando tratamento farmacológico
e não farmacológico.
A equipe multiprofissional/multidisciplinar deve ser coordenada pelo profissional mais
diretamente envolvido na avaliação e no tratamento desse paciente, geralmente o médico.
Pode envolver um enfermeiro, uma equipe de fisioterapeutas, psicólogos ou fonoaudiólo-
gos, além de nutricionistas e farmacêuticos.8

Tratamento farmacológico

O tratamento farmacológico pode ser divido em duas áreas de atuação, que acontecem
paralelamente.9

In ib id o re s d e A C H E

Todas as medicações dessa classe podem melhorar a função cognitiva e comportamen-


tal, além de retardarem a progressão da doença. É importante que paciente e familiares te­
nham expectativas realistas a respeito dos potenciais benefícios da terapia farmacológica,
a fim de se evitarem falsas expectativas e maiores frustrações.
Diversos estudos vêm sendo desenvolvidos para avaliar o uso dessas substâncias em
outros tipos de demência, como demência com corpos de Lewy, demência mista e demên­
184 neurologia e neurocirurgia HIAE

cia vascular. Todavia, a aprovação em nosso meio ocorreu apenas para DA. Para monitorar
a ação e a eficácia da droga, é necessária constante avaliação do estado mental do paciente,
que pode ser realizada por testes de rastreio, como o miniexame do estado mental, o dese­
nho do relógio e as baterias neuropsicológicas.
A troca de um inibidor de ACHE por outro pode representar uma alternativa terapêu­
tica, devendo ser considerada com bases regulares de avaliação e sempre que não existirem
evidências de efeito terapêutico ou ocorrência de efeitos colaterais intoleráveis.
A Tabela 15.1 demonstra as principais drogas para o tratamento de DA.

TABELA 15.1 Drogas principais para o tratamento de DA


Droga Dose inicial Titulação Dose máxima
Rivastigmina 1,5 mg, 2 vezes/dia, com Aumentar para 3 mg, 2 vezes/dia, 6 mg, 2 vezes/dia
as refeições, pela manhã e após, pelo menos, 4 semanas (12 mg no total)
à noite Aumentos subsequentes para 4,5 mg,
2 vezes/dia e 6 mg, 2 vezes/dia, após,
pelo menos, 4 semanas da dosagem
anterior
Rivastigmina 5 cm2 na pele 10 cm2 na pele 10 cm2 na pele
patch 1 adesivo/dia 1 adesivo/dia 1 adesivo/dia
Donepezil 5 mg, 1 vez/dia, ao deitar Aumentar para 10 mg, 1 vez/dia, ao 10 mg, 1 vez/dia,
deitar, após 4 a 6 semanas ao deitar
Galantamina 8 mg, ER, 1 vez/dia, prefe­ Aumentar para 16 mg, ER, 1 vez/dia, 24 mg, ER/dia
rencialmente com refeição após, pelo menos, 4 semanas, 24 mg/
dia, ER, após outras 4 semanas
Memantina 5 mg, 1 vez/dia, pela ma­ Aumentar para 10 mg, 2 vezes/dia, 10 mg, 2 vezes/dia
nhã, por 1 semana após 1 semana, em 2 tomadas (5 + (20 mg no total)
5 mg)
Aumento semanal subsequente para
15 mg em 2 tomadas (10 + 5 mg) e
novo aumento para 20 mg (10 + 10
mg) na 4a semana

Antagonistas não competitivos de receptor NMDA do glutamato

A memantina é um antagonista de receptores NMDA (glutamatérgicos), de modo que


tem mecanismo de ação diferente dos inibidores de ACHE. Em dois estudos multicêntri-
cos, randomizados, com cerca de 100 pacientes com DA moderada e grave, mostrou eficá­
cia estatisticamente significativa no grupo tratado na esfera cognitiva e comportamental,
principalmente nas funções das AVD. A aprovação para utilização de memantina ocorre
para fases moderadamente graves e graves da DA. A dose inicial recomendada é de 5 mg/
dia, sendo escalonada até 10 mg, 2 vezes/dia (20 mg/dia).6
C A P Í T U L O 15 d o e n ç a de A l z h e i m e r 185

A utilização de memantina associada a inibidores de ACHE tem sido uma prática crescen­
te no Brasil, mas ainda são aguardados mais estudos clínicos sobre essa associação.

Novas perspectivas de tratamento farmacológico para DA 10

A inexistência de medicações que modifiquem o curso clínico da DA, até o momento,


fez com que os esforços para pesquisa e desenvolvimento de drogas para a DA se voltassem
para as diferentes etapas da patologia da doença. Têm surgido, então, drogas com possível
efeito modificador da doença, mas ressalta-se que são drogas ainda em estudo, em fases
iniciais de pesquisa clínica, sem comercialização e sem evidência científica.
Várias formas de abordagem da patologia da DA têm sido tentadas, como inibição e
modulação de beta-secretase e gama-secretase, imunização passiva e ativa contra beta-
-amiloide e inibidor de agregação Tau, além de outras drogas com mecanismos diversos.
A transferência passiva de anticorpos monoclonais exógenos contra beta-amiloide parece
ser mais fácil, pois não ativa a imunidade mediada por linfócitos-T, que pode ser a cau­
sa dos efeitos colaterais da imunização ativa. Cerca de quatro estudos com essa linha de
tratamento estão em andamento, com resultados animadores de fase 2, com sequência de
estudos de fase 3 ainda em andamento.
A modulação ou inibição de enzimas que degradam a proteína precursora do amiloi-
de (APP) podem representar outra linha na modificação do curso da DA. Atualmente,
estudos com resultados controversos estão em andamento, como aquele com tarenflurbil
(flurizan), cujos resultados de fase 3 não demonstraram diferença com o grupo placebo,11
porém outras substâncias desse grupo estão em pesquisa fase 2.
Resultados de um recente estudo fase 2 demonstraram que a metiltionina (rember)
pode ser uma nova linha de modificação da doença, com boa tolerabilidade e resultados
favoráveis na avaliação cognitiva. Trata-se de um inibidor de agregação de proteína Tau,
trazendo uma nova perspectiva de tratamento com base em sua formação e, portanto, na
formação das degenerações neurofibrilares.12
Outra droga com resultados recentes de estudo aberto, o Dimebon, demonstrou resultados
favoráveis na avaliação cognitiva, nas AVD e no comportamento. O mecanismo de ação não é
totalmente conhecido, mas a droga pode exercer efeito na DA, melhorando a função mitocon-
drial de células que se encontram em estresse, antes da morte neuronal, como ocorre na DA.
Mais estudos estão em andamento para verificar a real eficácia dessa droga.
Apesar de essas novas perspectivas de tratamento da DA serem promissoras e muito
animadoras, principalmente para grupos envolvidos em pesquisa clínica, ressalta-se que
são medicações ainda em fase de estudo, colocadas neste capítulo somente como novas
perspectivas de tratamento para DA.
O tratamento farmacológico para DA com nível de evidência científica a ser conside­
rado é o uso de inibidores de ACHE e/ou memantina, com as respectivas indicações para
as fases da doença.
186 neurologia e neurocirurgia HIAE

□ PONTOS RELEVANTES

IZI Doença de Alzheimer evolui com progressão e perda gradual das funções cognitivas.
IZI Os medicamentos atuais conseguem por vezes retardar a evolução.
IZI Existem novas perspectivas de tratamento farmacológico em estudo.

QU E S T ÕE S

1. Qual item define o estágio da demência?


A. Nível funcional do paciente.
B. Clinicai de m entia rating.
C. Miniexame do estado mental.

2. 0 que caracteriza a DA leve?


A. Perda de memória (1,5 desvio-padrão abaixo da normatização).
B. Necessidade mínima de supervisão para AVD.
C. Interferência em AVD.

3. 0 que deve ser esperado como resposta ao tratamento com os l-ACHE?


A. Melhora nos testes cognitivos e funcionais.
B. Estabilização nos testes cognitivos e funcionais.
C. Estabilização e declínio mais lento em testes.

4. Em quais fases da DA está indicado o tratamento com ACHE?


A. Fase pré-clínica.
B. Fase leve e moderada.
C. Todas as fases da doença.

5. Em quais fases da DA está indicado o tratamento com memantina?


A. Fase leve e moderada.
B. Fase moderadamente grave e grave.
C. Todas as fases da doença.
CAPÍ TUL O 15 d o e n ç a de A l z h e i m e r 187

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C onference on A lzheim er’s Disease, 2008.
16

Demência frontotemporal
Ivan Hideyo Okamoto
Christiano da Cunha Tanuri

RELATO DE CASO___________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, dona de casa, casada, apresentou, há cerca
de 1 ano, quadro de alteração comportamental caracterizado por delírios de ciúme em
relação ao esposo, fato confirmado pelas filhas e associado a episódios de muito apetite,
ganho de peso, perda do gerenciamento da casa e períodos de maior agressividade ver­
bal alternados com períodos de isolamento social.
Os familiares relataram que ela explorava os objetos com a boca, além de ter tido
aumento importante do número de cigarros fumados por dia. Foi referido pouco
comprometimento de memória e linguagem. A paciente negou hipertensão arte­
rial, diabetes e etilismo, mas referiu tabagismo de até 40 cigarros por dia. Negou,
também, patologia semelhante na família e estava em uso de clozapina e diazepam,
ambos prescritos por Psiquiatra.
Durante a investigação diagnóstica, a paciente foi submetida a exames laboratoriais,
como:

■ TSH, T4I e dosagem de vitamina B12: todos normais;


■ tomografia computadorizada (TC) de crânio: exame normal para a idade, sem atro­
fia cortical importante;
■ SPECT cerebral: hipofluxo frontal e temporal anterior (ambos discretos); à avaliação
cognitiva (por neuropsicólogo), constatou-se comprometimento nas áreas de me­
mória (aprendizado e armazenamento de informações).

189
190 neurologia e neurocirurgia HIAE

Apresentava dificuldade no planejamento de ações visuoconstrutivas, com perse-


veração de elementos, falhas de supervisão e manutenção do desempenho, além
de empobrecimento do vocabulário, estereotipias de respostas e dificuldade de
integração perceptiva. A paciente estava alerta e contactuante, com a fala e os
pares cranianos preservados, com força muscular grau V nos quatro membros,
reflexos osteotendíneos normoativos e simétricos, presença de reflexo orbicular
de boca (sucção), ausência do reflexo palmomentoneano e reflexo cutaneoplantar
em flexão bilateral.
Ao miniexame do estado mental, obteve 24 pontos (30 possíveis); ao teste do
relógio, apresentou inversão dos ponteiros de horas por minutos; ao teste de tri­
lhas, teve dificuldade em seguir sequência e alternar comando, com erros fre­
quentes; e, à lista de palavras, estava discretamente abaixo do esperado para a
escolaridade.
A hipótese diagnóstica foi de síndrome demencial e demência frontotemporal -
variante frontal.
A paciente evoluiu com progressiva deterioração do quadro comportamental nos 12
meses seguintes, com perda de crítica social, maior impulsividade, persistência de delí­
rios de ciúme, além de delírios persecutórios. Também apresentou impersistência mo­
tora acentuada e alguns períodos de desinibição, sem demonstrar hipersexualidade.
Foram tentadas várias medicações neurolépticas e estabilizadores de humor, com pou­
ca resposta nos sintomas.
Após 18 meses da primeira avaliação, iniciou quadro de agressividade verbal e fí­
sica, com as filhas e o esposo, sendo contida com altas doses de olanzapina. Após
mais 6 meses, retornou em consulta apresentando muita dificuldade em construir
frases inteiras, com riso sarcástico, alguns jargões na fala, movimentos estereotipa­
dos mais frequentes e dificuldade em manter contato, com fala telegráfica. Apesar
disso, apresentava melhora dos delírios e do sono.
Atualmente, está em uso de divalproato de sódio, quetiapina e ziprazidona.

DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL

A demência frontotemporal (DFT) é uma síndrome clínica associada à degeneração


lobar frontotemporal (FTLD). Foi descrita primeiramente por Arnold Pick1, em 1892, e
teve sua histopatologia definida por Alois Alzheimer, em 1911, que observou a ausência de
placas senis e depósitos neurofibrilares, comuns na doença de Alzheimer, mas com a pre­
sença de inclusões neuronais (posteriormente denominadas corpos de Pick) e de células
balonadas (do inglês sw o llen cells , posteriormente denominadas células de Pick). A DFT
manifesta-se principalmente no período pré-senil, entre os 45 e 65 anos de idade, ocorren­
do na mesma proporção em homens e mulheres.
C A P Í T U L O 16 demência frontotemporal 191

A história familiar de demência é observada em metade dos casos, sugerindo impor­


tante papel de fatores genéticos no desenvolvimento da DFT.2Representa um grupo clini­
camente heterogêneo de doenças que envolvem atrofia lobar de córtex frontal e temporal.
Em 1994, pesquisadores de Lund (Suécia) e Manchester (Inglaterra) propuseram critérios
clínicos e neuropatológicos para o diagnóstico da DFT (Tabela 16.1).3

TABELA 16.1 Critérios para o diagnóstico clínico de DF segundo o Consenso da Academia Americana de
Neurologia (AAN) de 1998
Características centrais do diagnóstico
Início insidioso e progressão gradual
Declínio precoce da conduta social interpessoal
Comprometimento precoce da regulação da conduta pessoal
Embotamento afetivo precoce
Perda precoce da crítica (insighf)
Características de suporte do diagnóstico
Transtorno do comportamento
declínio na higiene pessoal
rigidez mental e inflexibilidade
distraibilidade e impersistência
hiperoralidade e modificações dietéticas
comportamento perseverativo ou estereotipado
comportamento de utilização
Fala e linguagem
alteração do discurso (perda da espontaneidade e economia de fala, pressão do discurso)
fala estereotipada
ecolalia
perseveração
mutismo
Sinais físicos
reflexos primitivos
incontinência esfincteriana
acinesia, rigidez e tremor (síndrome parkinsoniana)
níveis tensionais baixos ou lábeis
investigações
neuropsicologia: comprometimento significativo de testes de lobo frontal na ausência de amnésia, afasia
ou transtorno perceptivo/espacial graves
eletroencefalografia: eletroencefalograma convencional, sem alterações, apesar da evidência clínica de
demência
neuroimagem estrutural e/ou funcional: anormalidade predominantemente frontal e/ou temporal
anterior
(continua)
192 neurologia e neurocirurgia HIAE

(continuação)

Características de suporte do diagnóstico (comuns a outras síndromes de degeneração lobar frontotemporal)


Início antes dos 65 anos de idade, história familiar positiva de transtorno similar em parente de primeiro grau
Paralisia bulbar, fraqueza muscular e fasciculações (sinais de doença do neurônio motor presentes na
minoria dos pacientes)
Características de exclusão do diagnóstico (comuns a outras síndromes de degeneração lobar frontotemporal)
Baseadas na história e na clínica
início abrupto com eventos ictais
traumatismo craniano associado ao início do quadro
amnésia grave precoce
desorientação espacial
discurso logoclônico, festinante
mioclonias
fraqueza corticoespinhal
ataxia cerebelar
coreoatetose
Investigações
neuroimagem: alterações estruturais ou funcionais predominantemente pós-centrais e lesões multifocais
na tomografia ou ressonância de encéfalo
testes laboratoriais sugerindo envolvimento cerebral por distúrbios metabólicos ou inflamatórios, como
esclerose múltipla, sífilis, Aids e encefalite herpética
Características de exclusão relativa do diagnóstico (comuns a outras síndromes de degeneração lobar frontotemporal)
Alcoolismo crônico
Hipertensão arterial crônica persistentemente elevada
História de doença vascular, como angina ou claudicação

Em relação aos critérios neuropatológicos, reconheceu-se que apenas parte dos indi­
víduos com DFT (25%) exibe os achados típicos de corpos e células de Pick, conforme a
descrição original.
O estabelecimento dos critérios para o diagnóstico da DFT3,4 permitiu o amplo reco­
nhecimento dessa condição em diferentes partes do mundo. As principais formas, repre­
sentando muito mais uma divisão clínica que histopatológica, são:

■ variante frontal da DFT;


■ afasia progressiva fluente (demência semântica);
■ afasia progressiva não fluente.

Mudança da personalidade e conduta social inadequada são as características domi­


nantes no início e ao longo da evolução da doença. Funções de percepção, habilidade espa­
cial, praxia e memória estão intactas ou relativamente bem preservadas.
C A P Í T U L O 16 demência frontotemporal 193

Tipos clínicos
Variante frontal da DFT
O início lento e progressivo das alterações cognitivas e comportamentais, como a de-
sinibição, o comportamento antissocial e estereotipado, a apatia e a impulsividade, fazem
parte do quadro clínico dessa variante, mas também são sintomas de outras formas de
demência.
As características clínicas que podem diferenciar esse grupo da doença de Alzheimer
são os comportamentos estereotipados e ritualizados (p.ex.: insistência em comer a mesma
comida exatamente no mesmo horário ou limpar a casa exatamente na mesma sequência),
as mudanças nas preferências de sabor para alimentos doces e outras alterações, como
hipersexualidade e hiperoralidade (síndrome de Kluver-Bucy), que ocorrem durante a
progressão da doença. Essas alterações de comportamento geralmente são os primeiros
sintomas da doença e, nos estudos de neuroimagem, caracterizam-se pelo comprometi­
mento da região ventromedial (orbitobasal) do lobo frontal.5
Os déficits em planejamento e organização e as alterações de função executiva são
características neuropsicológicas dessa variante, com relativa preservação de memória no
início. Testes de rastreio, como o miniexame do estado mental, podem ser normais na
detecção e no acompanhamento desses pacientes, muito embora possa haver um compro­
metimento mais acentuado nas atividades de vida diária (AVD). Nessa variante frontal da
DFT, exames de imagem funcional, como o SPECT, podem ser sensíveis no diagnóstico.46

Demência semântica (afasia progressiva fluente)

Há perda da representação permanente do conhecimento sobre as coisas que cercam


o indivíduo e seu inter-relacionamento, como fatos e conceitos, bem como palavras e seus
significados. Os pacientes queixam-se de perda de memória para palavras, com nítido
comprometimento do significado e substituição de palavras mais complexas por outras
mais simples, como “coisa” ou “aquilo lá”.
Alguns trabalhos também a definem por afasia progressiva primária em decorrência
da preservação de regras gramaticais e estrutura fonológica da linguagem. Esses pacientes
apresentam relativa preservação da memória episódica, com manutenção do funciona­
mento para AVD, pelo menos em suas casas.
Alteração de comportamento pode não ocorrer em fases iniciais da doença, mas sur­
ge na evolução do quadro. Testes neuropsicológicos de avaliação de memória semântica
mostram-se comprometidos, como teste de fluência verbal na categoria semântica. A atro­
fia de lobos temporais torna-se muito evidente, com o lado esquerdo mais comprometido
nos exames de neuroimagem (TC e RM).
194 neurologia e neurocirurgia HIAE

Afasia progressiva não fluente


Os pacientes apresentam deficiência na fluência da fala, com dificuldades em achar
palavras, sendo mais evidente anomia para verbos que para nomes, frequentemente asso­
ciada a patologias do neurônio motor e envolvendo as áreas 44 e 45 de Brodman.7 Erros
fonológicos são logo percebidos na conversação, estando a compreensão preservada. Na
evolução, os pacientes passam a apresentar mutismo, com preservação das AVD. Nos tes­
tes de fluência verbal e categoria fonética, há grande alteração, com relativa manutenção
de outras áreas cognitivas.
Neste tópico, cabe salientar que uma das mais conhecidas doenças frontotemporais des­
critas por Pick, conhecida como doença de Pick, pressupõe um diagnóstico anatomopa­
tológico. A presença de inclusões argirofílicas (corpúsculos de Pick) em neurônios do
neocórtex e do hipocampo, com perda neuronal no córtex dos lobos frontal e temporal,
determina o diagnóstico dessa doença. O quadro clínico pode ser muito semelhante ao da
doença de Alzheimer, mas os sintomas comportamentais ocorrem mais precocemente. A
história de ocorrência na família, mudanças precoces de personalidade e comportamento
(apatia, desinibição, compulsão), alteração de funcionamento executivo e afasia progres­
siva (isoladamente) podem levar ao diagnóstico. Formas frontais da doença de Pick são
obviamente diferenciadas das formas temporais da doença - situação em que ocorre maior
comprometimento de memória e linguagem.

► DISCUSSÃO

A paciente evoluiu em aproximadamente 1 ano com importantes alterações compor­


tamentais, tais como agressividade verbal e perda da gerência da casa, sugeriu quadro de
alteração psiquiátrica ou de comprometimento frontal; porém com a dificuldade no plane­
jamento e o empobrecimento do vocabulário assim como a persistência da hiperoralida-
de (exploração de objetos com a boca) e comportamento obssessivo-compulsivo (ciúmes
exacerbado pelo marido e o aumento do consumo de cigarros) associado à perda da crítica
e desinibição confirmaram o diagnóstico topográfico de degeneração do lobo frontal.
No entanto, quando a paciente foi submetida ao exame neurológico, e observou-se a
presença de reflexo axial da face (oro - orbicular ou de sucção de liberação frontal) asso­
ciado à avaliação neuropsicológica, na qual demonstrou empobrecimento do vocabulário,
estereotipias das respostas, alteração viso-construtivas e ao teste de relógio, apresentou in­
versão dos ponteiros que marcam horas pelos ponteiros que marcam os minutos; ao teste
de trilhas, teve dificuldade em seguir sequência e alternar comando, com erros frequentes,
fechou o diagnóstico de demência frontotemporal variante frontal.
C A P Í T U L O 16 demência frontotemporal 195

□ PONTOS RELEVANTES

IZI A demência frontotemporal (DFT) é uma síndrome clínica associada à degeneração


lobar frontotemporal (FTLD).
IZI Manifesta-se principalmente no período pré-senil, entre os 45 e os 65 anos de idade,
com início insidioso e progressão gradual.
IZI Comprometimento precoce da regulação da conduta pessoal.
IZI Embotamento afetivo precoce e perda precoce da crítica (in sig h t).
IZI Alteração do discurso, ecolalia, perseveração e/ou mutismo.
IZI Comprometimento significativo de testes de lobo frontal na ausência de amnésia, afasia
ou transtorno perceptivo-espacial graves.
IZI Neuroimagem estrutural e/ou funcional: anormalidade predominantemente frontal e/
ou temporal anterior.
IZI Mudança da personalidade e conduta social inadequada são características dominantes
no início e ao longo da evolução da doença. Funções como a percepção, a habilidade
espacial, a praxia e a memória estão intactas ou relativamente bem preservadas.

QU E S T ÕE S

1. Qual item caracteriza melhor a DFT - variante frontal em faseinicial?


A. Alterações amnésticas.
B. Alterações funcionais.
C. Alterações de comportamento.

2. Qual item caracteriza melhor a DFT - variante afasia progressiva não fluente?
A. Alterações amnésticas.
B. Alterações de linguagem.
C. Alterações de função executiva.

3. Qual a principal diferença entre DFT - afasia progressiva não fluente - e DFT - afasia pro­
gressiva fluente?
A. Na afasia não fluente, há preservação de conceitos, bem como de significado de palavras.
B. Na afasia fluente, há dificuldade em expressar as palavras.
C. Não há diferença.
196 neurologia e neurocirurgia H IA E

4. Qual exame pode ser útil no diagnóstico diferencial de DFT com doença de Alzheimer?
A. RM de encéfalo: atrofia hipocampal nas fases precoces de DF.
B. SPECT cerebral: hipofluxo frontal precoce na evolução da doença.
C. LCR: presença de partícula beta-amiloide na DA.

5. 0 que caracteriza a patologia da doença de Pick?


A. Placas senis formadas por acúmulo de beta-amiloide.
B. Degenerações neurofibrilares em decorrência da fosforilação da proteína Tau.
C. Inclusões argirofílicas em neurônios do neocórtexe hipocampo.

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aphasia syndrom e. Brain 2001; 124:103-20.
SEÇÃO 7

INFECÇÕES
Neuroaids
David Salomão Lewi

RELATO DE CASO___________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 32 anos de idade, procurou clínico com relato de febre há
7 dias, acompanhada de cefaleia intensa, exantema maculopapular na face, no tronco
e nos membros, enantema e odinofagia (Figura 17.1). O paciente relatou que a febre
era contínua, sem melhora com antitérmicos. Após 2 dias da consulta, foi trazido à
unidade de pronto-atendimento após crise convulsiva e coma sem sinais localizató-
rios, com temperatura de 38,5°C, frequência cardíaca de 100 bpm, pressão arterial de
110 X 70 mmHg, micropoliadenopatia cervical, axilar e inguinal bilateral, exantema
maculopapular generalizado, enantema com lesões esbranquiçadas em orofaringe e
rigidez de nuca. Como antecedentes dignos de nota, apresentava relacionamento se­
xual com parceiro do sexo masculino, sem uso de preservativo, há 1 mês.
Os exames de entrada no pronto-atendimento apresentavam:

■ Gv 5.300.000 hemácias/mm3, hemoglobina 15,20, leucócitos 3.100 (neutrófilos 58%,


eosinófilos 1%, basófilos 0%, linfócitos 32%, monócitos 9%), 30% dos linfócitos com
atipias, plaquetas 130.000 céls/mm3;
■ exame de liquor; quimiocitológico; 108 leucócitos (70% linfócitos, 30% neutrófilos),
hemácias 78 céls/mm3;
■ reação sorológica para mononucleose: IgG positivo, IgM negativo;
■ reação sorológica para lues: teste imunoenzimático negativo;

199
200 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ reação sorológica para toxoplasmose: IgG 1/256, IgM negativo;


■ reação sorológica para citomegalovírus: IgG 1/160, IgM negativo;
■ antígeno p24: positivo;
■ Cv 150.000 cópias/mL;
■ w estern blot: indeterminado;
■ ELISA para HIV: indeterminado;
■ dosagem de linfócitos auxiliadores (CD4): 342 céls/mm3;
■ dosagem de linfócitos supressores (CD8): 893 céls/mm3.

O paciente foi mantido em unidade de terapia intensiva (UTI), tendo recebido nutri­
ção enteral e suporte ventilatório, além de esquema terapêutico com antirretrovirais,
como zidovudina, lamivudina e efavirenz. Após 3 dias da internação, apresentou
melhora neurológica gradual, recebendo alta da UTI, com recuperação neurossen-
sorial sem sequelas cognitivas. Atualmente, o paciente encontra-se em acompanha­
mento médico há 15 anos, fazendo uso regular de antirretrovirais, e com carga virai
abaixo do limite de detecção e quantificação de linfócitos auxiliadores de 720 céls/
mm3 (nl: 500 a 1.500 céls/mm3).

► DISCUSSÃO

Calcula-se em 33 milhões o número de indivíduos infectados pelo HIV no mundo,


embora sejam descritos menos de mil casos no primeiro mês de infecção. Atualmente, até
40% dos pacientes infectados pelo HIV podem apresentar um quadro agudo resultante da
infecção pelo vírus. A maior parte desses pacientes apresenta quadros frustros, com pouca
sintomatologia específica de síndrome retroviral aguda. As manifestações duram de 2 a 4
semanas e são seguidas por uma fase latente clínica, sobrevindo, após 3 a 10 anos, colapso
imunológico que resulta no desenvolvimento de inúmeras doenças oportunistas, definin­
do o quadro clínico de Aids.
A síndrome antirretroviral aguda pode ser definida como manifestações clínicas da
infecção pelo HIV que surgem na janela imunológica correspondente ao intervalo entre
a detecção de HIV no soro e no plasma e a formação de anticorpos. Esse intervalo com­
preende a infecção pelo HIV com sua correspondente viremia plasmática, 2 a 3 dias após
a contaminação, e o aparecimento de anticorpos anti-HIV em média de 3 a 4 semanas de­
pois. Nessa fase, o paciente apresenta, caracteristicamente, altos níveis de viremia, já que a
replicação do HIV não é contida pela resposta imunológica. Cerca de 30 dias após a infec­
ção, a resposta imune específica imediata é montada com subsequente redução da viremia,
atingindo-se equilíbrio virológico ( s e tp o in t) após 4 a 6 meses.
Entre as manifestações clínicas, destacam-se febre, exantema, odinofagia intensa e cefa-
leia (Tabela 17.1). As manifestações neurológicas são mais raras, sendo descritas meningoen-
cefalite asséptica (rara), neuropatia periférica ou radiculopatia, paralisia facial, síndrome de
Guillain-Barré, neurite braquial, psicose ou déficit cognitivo.
C A P Í T U L O 17 neuroaids 201

TABELA 17.1 Frequência de sintomas em infecção aguda pelo HIV


Sintomas Frequência (%)
Febre 80
Linfadenopatia, faringite, exantema, mialgia, artralgia, cefaleia 40 a 80
Úlceras orais e genitais, náusea/vômitos, diarreia 10 a 40
Fonte: adaptado de Hecht et al., 20021, e Kahn et al., 19982.

Na realidade, já em 1985, 3 anos após os primeiros casos descritos de Aids, ocorreram


as primeiras citações de manifestações clínicas agudas relacionadas à infecção primária
pelo HIV. Ho et al, na época, descreveram três pacientes nos quais se isolou o vírus e a
concorrente soroconversão de teste imunoenzimático. Esses pacientes apresentavam febre,
artralgia, exantema maculopapular em tronco, dor abdominal e diarreia. O período de
incubação estimado foi de 4 a 6 semanas e os sintomas tiveram duração de 2 a 3 semanas.
A soroconversão com os testes disponíveis na época, menos sensíveis, ocorreu em 8 a
12 semanas. Dois desses pacientes desenvolveram meningite asséptica. Já foram descritos,
também, quadros encefálicos mais graves com evolução fatal.
Análise retrospectiva de pacientes com síndrome retroviral aguda demonstra que cerca
de 25% podem apresentar sinais e sintomas de meningite asséptica com pleiocitose e, in­
clusive, encontro do agente em liquor. Existem descrições de encefalopatia, crises convul­
sivas e mielopatia, incluindo espasticidade de membros inferiores e retenção urinária, com
progressão para membros superiores semelhantes à Síndrome de Guillain-Barré.
Na maior parte dos quadros clínicos, existe regressão dos sintomas após 3 a 4 semanas
de evolução. No presente caso, a introdução precoce de terapia antirretroviral pode ter con­
tribuído para a rápida melhora do paciente, embora não exista consenso e a padronização
de terapia antirretroviral precoce na síndrome retroviral aguda esteja nas normatizações
nacionais ou em fóruns americanos, europeus e da International Aids Society.

DIAGNOSTICO

O diagnóstico baseia-se fundamentalmente na caracterização da janela imunológica


com os testes imunoenzimáticos e de w estern b lo t para detecção de anticorpos anti-HIV
negativos ou indeterminados. A comprovação por meio de reação de polimerase (PCR)
com altos níveis virêmicos, geralmente mais de 1 milhão de cópias/mL de HIV, inclui:

■ teste imunoenzimático (ELISA) negativo ou indeterminado;


■ w estern b lo t indeterminado;
■ PCR-HIV RNA positivo (geralmente níveis superiores a 1 milhão de cópias).

Antes do pleno desenvolvimento das técnicas de PCR, utilizava-se a detecção de an-


tígeno p24, proteína de 24 kilodaltons do nucleocapsídeo do vírus, que é mensurável em
período de alta viremia.
202 neurologia e neurocirurgia HIAE

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Como em qualquer quadro virai agudo, o diagnóstico diferencial é realizado preferen­


cialmente com síndromes exantemáticas agudas febris, destacando-se citomegalovirose,
mononucleose, toxoplasmose, rubéola e sarampo.

TRATAMENTO

A partir do desenvolvimento, em 1987, de zidovudina como monoterapia inicial para


tratamento de Aids e da posterior associação de inúmeras drogas antirretrovirais, a evo­
lução natural inexorável para a morte mudou. Em 1996, diversos grupos desenvolveram
o conceito de terapia antirretroviral altamente potente, que, hoje, possibilita a recupera­
ção da deficiência imunológica dos pacientes. Vários consensos nacionais e internacionais
estabelecem as bases da indicação das drogas antirretrovirais e o momento de início da
terapia no seguimento do paciente.
De modo geral, preconiza-se a administração de drogas com base na mensuração de
linfócitos auxiliadores (CD4) e indicação ao redor de 300 a 350 (DST/Aids).
Embora haja consenso no tratamento da Aids, há polêmica quanto à administração de
antirretrovirais na síndrome retroviral aguda, recomendando-se o seguimento em ensaios
clínicos. Teoricamente, a instituição do tratamento nessa fase poderia alterar a evolução
natural da doença ou, mesmo hipoteticamente, eliminá-la, embora diversos ensaios clí­
nicos não tenham conseguido demonstrar sustentabilidade na negativação da replicação
virai após a suspensão do tratamento.
Destaca-se, contudo, que, na síndrome retroviral aguda, o momento único de transmis­
são e patogênese e o tratamento podem ter impacto na prevenção da transmissão, já que o
risco de transmissibilidade é 8 a 20 vezes maior durante relacionamento com parceiro em
fase aguda. Na Tabela 17.2, estão sumarizadas as bases de diagnóstico clínico e laboratorial
e as recomendações de seguimento de pacientes com quadro de infecção aguda pelo HIV.
O presente caso ilustra a complexidade da Aids, patologia com cerca de 30 anos de reco­
nhecimento clínico, com inúmeras facetas e que deve ser lembrada como causa de encefalite
em pacientes previamente hígidos.
CAPÍTULO 17
TABELA 17.2 Identificação, diagnóstico e controle de infecção aguda pelo HIV
Possível infecção aguda pelo HIV Sinais, sintomas e achados Diagnóstico diferencial Diagnóstico laboratorial de infecção Conduta terapêutica
laboratoriais incluem, mas não se aguda
limitam a:
Sinais e sintomas de infecção Febre, linfadenopatia, exante­ Síndrome mononucleose rela Teste imunoenzimático negati­ Tratamento de paciente com

neur oai ds
aguda pelo HIV com alto risco ma, mialgia, artralgia, cefa- cionada ao vírus Epstein- vo ou indeterminado infecção aguda e opcional
de exposição ao vírus* leia, úlceras orais, leucopenia, -Barr ou não (citomegalo- western blot negativo ou Recrutamento em ensaios
trombocitopenia, elevação de vírus), hepatite virai, sífilis, indeterminado clínicos deve ser considerado
transaminases sarampo, estreptococcia Quantificação de RNA virai
positivo (geralmente com alta
viremia acima de 1 milhão de
cópias/mL, por PCR)
Subsequente soroconversão
com ELISA positivo após medi­
cação de 8 semanas

Fonte: adaptado de Centerfor Diseases Control, 2008.


*Alto risco de exposição inclui: contato sexual com parceiro HIV positivo ou risco de ser positivo, compartilhamento de agulhas e seringas, contato com sangue ou muco de pessoa HIV positiva

203
204 neurologia e neurocirurgia HIAE

□ PONTOS RELEVANTES

IZI Infecção aguda pelo HIV caracteriza-se por início abruto com febre alta intensa, cefa-
leia e importante dor de garganta com odinofagia.
IZI Uma característica peculiar dessa manifestação clínica e a presença de meningoencefa-
lite virai com liquor apresentando proteinorraquia e citologia linfomonocitária.
IZI O diagnóstico diferencial compreende as demais síndromes mononucleose- como:
citomegalovírus, mononucleose e toxoplasmose.
IZI Caracteristicamente, o diagnóstico de certeza é baseado na presença de carga virai plas-
mática e no teste imunoenzimático com resultado negativo ou duvidoso.

QU E S T ÕE S

1. Devem-se considerar, no quadro clínico de infecção aguda pelo HIV, as seguintes manifesta­
ções, exceto:
A. Febre, mialgia, cefaleia.
B. Diarreia, linfadenopatia.
C. Febre, demência, meningismo.

2. No diagnóstico diferencial da infecção aguda com manifestações neurológicas incluem-se


mais frequentemente:
A. Síndrome de Guillan-Barré, mononeurites.
B. Meningite asséptica, encefalite.
C. Síndrome parkinsoniana, psicose orgânica.

3. 0 diagnóstico laboratorial de certeza da infecção aguda pelo HIV é feito com:


A. Teste imunoenzimático positivo e quantificação de RNA virai (PCR) positivo.
B. Teste imunoenzimático negativo e quantificação de RNA virai (PCR) negativo.
C. Teste imunoenzimático negativo e quantificação de RNA virai (PCR) positivo.

4. Quanto ao tratamento da infecção aguda pelo HIV, pode-se dizer que:


A. É altamente eficiente, podendo se constituir em momento único de controle e eventual cura da
infecção.
B. Não existem consensos quanto à eficácia, sendo opcional.
C. Pode ser feito com monoterapia, associando-se drogas na vigência da plena imunodeficiência.
C A P Í T U L O 17 neuroaids 205

5. Quanto à prevalência da síndrome antirretroviral aguda, sabe-se que:


A. Trinta a 40% dos pacientes infectados pelo HIV podem ter manifestações clínicas de infecção
aguda.
B. É pouco frequente, sendo descritos mil casos na literatura médica.
C. As manifestações neurológicas são frequentes quando o paciente apresenta síndrome retroviral
aguda.

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18

Encefalite do troncocerebral de Bickerstaff


Eliova Zukerman
Reynaldo A. Brandt
Rudolf Uri Hutzler
Friedrich Theodor Simon

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade, foi atendida em julho de 2008, refe­
rindo que, há 7 dias, começou a sentir dores no hemicrânio esquerdo e na hemiface
esquerda em forma de “fisgadas”, de curta duração, que se repetiam em mais de vinte
crises por hora e não acompanhavam congestão ocular, lacrimejamento ou outros
sintomas autonômicos. Além disso, a paciente também referia falta de equilíbrio ao
andar. Cerca de 10 dias antes, ela sentiu dores generalizadas no corpo e congestão
nasal, sem febre, que persistiu até a data da primeira consulta.
De acordo com os antecedentes pessoais, há 5 anos fizera coronariografia e foi colo­
cado ste n t. Ao exame, apresentava-se globalmente orientada, tendo marcha atáxica
cerebelar. Não apareceram déficits motores. Os reflexos profundos estavam vivos e
simétricos e o reflexo cutâneo plantar estava em flexão bilateralmente. Não havia al­
terações dos pares cranianos ou de sensibilidade, e havia uma duvidosa hipoestesia
dolorosa na face à esquerda.
O eletroencefalograma (EEG) revelou ondas lentas na região temporal esquerda,
enquanto a tomografia computadorizada (TC) do crânio, na mesma data, revelou
extensas áreas de alteração óssea frontoparietal e esfenoidal à esquerda e uma lesão
de tipo infiltrativa no pedúnculo cerebelar médio à esquerda e leve hipodensidade à
direita. A ressonância magnética (RM) do crânio mostrou alterações na calota cra­
niana, confirmando o achado da TC do crânio. A RM mostrou uma lesão infiltrativa

207
208 neurologia e neurocirurgia HIAE

no pedúnculo cerebelar esquerdo, heterogeneamente contrastante, com focos de hi-


possinal em T2, além de alteração na substância branca bilateralmente, ascendendo
pelo trato corticoespinhal esquerdo (Figuras 18.1 e 18.2).

FIGURA 18.1 Imagens axiais FLAIR à direita e T I à esquerda, mostrando hipersinal compro­
metendo o pedúnculo cerebelar médio à esquerda e focos de impregnação por contraste no
pedúnculo cerebelar médio e no trato trigeminal à esquerda.

FIGURA 18.2 Imagens multiplanares T I pós-gadolínio, mostrando impregnação do contras­


te delineando o trato trigeminal à esquerda.
C A P Í T U L O 18 e n c e f a l i t e do t r o n c o c e r e b r a I d e B i c k e r s t a f f 209

A espectroscopia por RM do crânio revelou discreto aumento das relações colina/


creatinina, não sendo sugestiva de neoplasia. As aquisições FLAIR e T2 revelaram
alterações na substância branca, sugerindo desmielinização.
A paciente permaneceu inalterada por 2 dias, consciente e orientada, apresentando
ataxia de tronco e ainda com as dores neuralgiformes na hemiface esquerda.
O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) revelou 600 cél/mm3,43% neutrófilos,
56% linfócitos, 1% monócitos e 82 mg% de proteínas, com taxas de glicose e cloretos
normais. As reações para cisticercose, VDRL e FTA-ABS foram negativas. Reações
sorológicas para citomegalovírus, blastomicose, vírus herpes simples e herpes zóster
foram negativas, bem como para anticorpo anti-B orrelia b u rg d o rferi. Foram realiza­
das culturas para fungos, listeria e BAAR, igualmente negativas. Diante desses dados,
foi feita hipótese de quadro desmielinizante ou encefalite viral/romboencefalite.
A paciente foi medicada com antivirais, como zovirax e, posteriormente, ganciclovir.
Após 5 dias, o quadro clínico agravou-se, ficando muito sonolenta, respondendo
mal às solicitações e tendo vômitos repetidos. Ao exame, apresentava reflexos pro­
fundos vivos, praticamente exaltados nos membros, aparecendo esboço de sinal de
Babinski bilateral. Algumas horas após, apareceram hemiparesia direita com predo­
mínio braquial, reflexos exaltados nos quatro membros e sinal de Babinski bilateral
e paresia do músculo retolateral ocular direito.
Nessa ocasião, o PET Scan revelou aumento heterogêneo do metabolismo glicolítico
no córtex frontoparietal esquerdo, no putâmen e no tálamo, verme cerebelar à esquer­
da e pedúnculo cerebelar à esquerda, sugerindo processo inflamatório/infeccioso em
atividade. Após 3 dias, houve novo agravo, aparecendo torpor acentuado, tetraplegia,
hiper-reflexia profunda nos quatro membros, sinal de Babinski bilateral, paresia de
abdução ocular bilateral e paresia facial bilateral.
Resumindo, tratava-se de um quadro clínico com sintomas de processo infeccioso
e comprometimento do tronco cerebral, com manifestações neuralgiformes na face
esquerda, ataxia cerebelar evoluindo para síndrome piramidal bilateral, e oftalmo-
paresia, chegando ao coma.
Os exames de imagem mostraram a topografia das lesões. A espectroscopia por RM
do crânio não sugeria processo neoplásico e o PET Scan, igualmente, apontava para
o diagnóstico de processo inflamatório.
Foi feito diagnóstico de encefalite do tronco cerebral ou romboencefalite de Bickerstaff,
prescrevendo-se metilprednisolona intravenosa, na dose de 250 mg/dia, por 1 semana.
No dia seguinte, houve melhora do nível de consciência, com períodos em que atendia
a solicitações simples, sendo o restante do exame neurológico inalterado. A paciente
foi se recuperando progressivamente e, após 3 meses, estava com exame neurológico
normal.
210 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO

Os primeiros casos foram descritos por Bickerstaff e Cloake em 1951; em 1957, Bickerstaff
descreveu oito novos casos com história inicial de sintomas de tipo infeccioso e, posterior­
mente, evoluindo com sinais de comprometimento do tronco cerebral sem alterações cardía­
cas ou respiratórias.1
Em 2003, Odaka et al.2 revisaram 62 pacientes com esse diagnóstico, descrevendo um
quadro clínico progressivo com pico máximo em 4 semanas. Os sinais neurológicos ini­
ciais foram de oftalmoplegia externa bilateral, ataxia de tipo cerebelar, distúrbios de cons­
ciência e hiper-reflexia profunda. Nesses casos, 92% tinham antecedente infeccioso, 74%
distúrbio de consciência, 40% sinal de Babinski, 45% diplegia facial, 34% oftalmoplegia
interna, 30% alterações na RM do crânio na substância branca e no tálamo, e 66% reações
sorológicas positivas para anticorpo anti-GQlb. A maioria cursava com um surto, portan­
to monofásico, e 66% teve recuperação completa em 6 meses. Quanto ao tratamento utili­
zado, verificou-se que 23% usaram plasmaferese, 21% esteroides, 8% esteroides associados
à imunoglobulina (IG) intravenosa e 5% usaram os três recursos.
A literatura relacionada ao assunto mostra que vários trabalhos descrevem essa síndro-
me como romboencefalite relacionada a diferentes agentes etiológicos, como adenovírus,3
C a m p y lo b a c te r je ju n i,4M y c o p la s m a p n e u m o n ia e ,5W e s t Nile vírus,6L iste ria m o n o c y to g en es,7
Epstein-Barr, salmonela e varicela zóster.4Frequentemente, esses casos apresentam positi-
vidade na reação para anticorpos anti-GQlb, sugerindo envolvimento de um mecanismo
imunológico.
Na realidade, esses dados sugerem que a síndrome de Bickerstaff corresponde a um
quadro clínico que afeta predominantemente o tronco cerebral, seguido de uma infecção
por agentes variados que determinam um quadro clínico pós-infeccioso por meio de um
mecanismo imunológico. Porém, geralmente, o prognóstico é bom.8

a PONTOS RELEVANTES

0 A encefalite do tronco cerebral de Bickerstaff é um quadro clínico raro.


0 A encefalite do tronco cerebral de Bickerstaff é provavelmente um quadro clínico pós—
-infecção em virtude de um mecanismo imunológico.
CAPÍ TUL O 18 e n c e f a l i t e do t r o n c o c e r e b r a l d e B i c k e r s t a f f 211

QU E S T ÕE S

1 . 0 tratamento da encefalite do tronco cerebral de Bickerstaff pode ser feito com:


A. Zovirax.
B. Gamciclovir.
C. Nenhuma das anteriores.

2.0 quadro clínico de encefalite do tronco cerebral de Bickerstaff inclui:


A. Crise convulsiva e confusão mental.
B. Ataxia cerebelar e oftalmoplegia.
C. Nenhuma das anteriores.

3. PET Scan na encefalite de Bickerstaff revela:


A. Aumento do metabolismo nas áreas afetadas.
B. Redução do metabolismo nas áreas afetadas.
C. Aumento do metabolismo em algumas áreas e redução em outras.

4.0 prognóstico de encefalite de Bickerstaff em geral é:


A. Recuperação sem sequelas.
B. Elevada porcentagem de mortalidade.
C. Nenhuma das anteriores.

5.0 tratamento de encefalite de Bickerstaff inclui:


A. Corticosteroide/imunoglobulina.
B. Plasmaférese.
C. Todas as anteriores.

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SEÇÃO 8

CASOS CLÍNICOS POUCO


FREQUENTES
19

Encefalopatia de Hashimoto
Keila Narimatsu
Gustavo Guimarães Protti
Leandro Cortoni Calia
Roberto Naum Franco Morgulis

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 83 anos de idade, com antecedente de hipotireoidismo


controlado com levotiroxina, internada no sétimo dia de pós-operatório em virtude
da correção bem-sucedida de fratura de fêmur, iniciou quadro clínico com alteração
do estado mental, de instalação rapidamente progressiva. Segundo os familiares, a
paciente apresentava, nos últimos meses, leve e gradual comprometimento da me­
mória recente, mas era independente para as atividades da vida diária.
Na avaliação inicial, encontrava-se inquieta no leito, alternando períodos de lentificação
psicomotora, nos quais era capaz de atender a comandos verbais simples, com perío­
dos de apatia e sonolência, nos quais perdia completamente o contato com o meio.
“Distraía-se” facilmente e permanecia a maior parte do tempo pouco colaborativa. As
respostas verbais, quando obtidas, eram curtas. Não havia sinais neurológicos focais ou
sinais meníngeos, mantendo-se afebril e sem sinais aparentes de infecção do sítio cirúr­
gico. Exames de ressonância magnética (RM) de encéfalo e análise do líquido cefalorra-
quidiano (LCR) não revelaram anormalidades significativas. Foi realizado eletroencefa­
lograma (EEG), evidenciando ondas trifásicas.
A paciente evoluiu com piora progressiva do quadro cognitivo nas 48 horas sub­
sequentes, com inversão do ciclo sono-vigília parcialmente controlada com 25 mg
de quetiapina à noite. Nesse mesmo período, foram observados abalos motores
discretos, inespecíficos e intermitentes em membros superiores. No terceiro dia,

215
216 neurologia e neurocirurgia HIAE

apresentou crise convulsiva tônico-clônico generalizada associada à presença de


atividade periódica no traçado do EEG. As dosagens dos hormônios tireoidianos
evidenciaram T4 livre igual a 1,04 ng/dL (valores de referência 0,7 a 1,8), T4 total
igual a 8,4 mcg/dL (valores de referência 3,2 a 12,6) e hormônio tireoestimulante
(TSH) elevado, igual a 16,37 mcUI/mL (valores de referência 0,35 a 5,50), além
de anticorpos antiperoxidade tireoidiano (anti-TPO) elevados, iguais a 654 UI/mL
(valor negativo inferior a 35 UI/mL), e anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) tam­
bém elevados, iguais a 137 UI/mL (valor negativo inferior a 40 UI/mL).
A hipótese diagnóstica de encefalopatia de Hashimoto (EH) foi aventada pelo qua­
dro de encefalopatia associado a crises convulsivas, anticorpos antitireoidianos ele­
vados e exclusão dos diagnósticos diferenciais. Foi iniciado tratamento com pulso-
terapia de metilprednisolona na dose de 500 mg/dia, por 5 dias consecutivos. Após
a segunda dose de corticosteroide, evoluiu com significativa recuperação do estado
mental, melhora dos traçados eletroencefalográficos com o desaparecimento da ati­
vidade periódica e sem recorrências das crises epilépticas. Apesar da melhora dos
quadros clínico e laboratorial e do EEG, persistiu com alterações cognitivas leves
durante todo o seu acompanhamento médico, porém perdeu-se o contato com a
paciente 1 mês após a alta hospitalar.

ENCEFALOPATIA DE HASHIMOTO (EH)

A EH é uma desordem neurológica controversa, de etiologia desconhecida e que com­


preende um grupo heterogêneo de sintomas neurológicos que se manifestam em pacientes
com altos títulos de anticorpos antitireoidianos. É mais frequentemente caracterizada por
início subagudo e flutuante de sintomas neuropsicológicos, estado confusional, convulsões
e mioclonias. Acredita-se que seja um distúrbio imunomediado e que não representa o
efeito direto de um estado alterado da tireoide sobre o sistema nervoso central (SNC).
Foi descrita, pela primeira vez, em 1966, por Brain et al.1, em um homem apresentando
episódios recorrentes de encefalopatia, sintomas semelhantes a déficits vasculares cerebrais e
crises convulsivas. Os episódios eram transitórios e estavam associados à hiperproteinorra-
quia e a anormalidades eletroencefalográficas inespecíficas. O paciente apresentava história
prévia de hipotireoidismo, anticorpos antitireoidianos aumentados e biópsia da tireoide com
estudo histológico evidenciando tireoidite de Hashimoto (TH).
Uma revisão da literatura realizada por Ferracci et al.,2 em 2006, identificou 121 casos
publicados desde sua primeira descrição. No entanto, essa doença pode ser subdiagnosti-
cada. Nesse mesmo estudo epidemiológico, em pacientes com sintomas neurológicos de
etiologia indeterminados e consistentes para EH, a prevalência estimada foi de 2,1 por 100
mil habitantes. A idade média de aparecimento dos primeiros sintomas é entre 41 e 44
anos de idade (faixa etária de 9 a 78 anos), e as mulheres são mais frequentemente afetadas
que os homens, na proporção de 4:1.3
C A P Í T U L O 19 e n c e f a l o p a t i a de H a s h i m o t o 217

O interesse pela EH é relativamente recente e muitos aspectos ainda são controversos,


particularmente em relação ao quadro clínico, ao diagnóstico e ao tratamento. Há basica­
mente duas ideias difundidas:

■ o diagnóstico é baseado na associação de tireoidite autoimune e sintomas neuropsiquiá-


tricos, após exclusão de outras causas mais comuns;
■ os corticosteroides representam o tratamento de escolha.

Fundamentada nesses dois conceitos, surgiu a proposta da nova denominação: ence­


falopatia corticosteroide responsiva associada à tireoidite autoimune (stero id -resp o n sive
e n c e p h a lo p a th y a sso cia ted w ith a u to im m u n e th y ro id itis - SREAT).

Diagnóstico clínico

Os achados clínicos são extremamente variáveis, não diferem entre idades, são inespe-
cíficos e podem remitir, persistir ou reaparecer com características distintas. Dois padrões
de apresentação são descritos na EH:

■ recidivante e remitente, também referida como tipo vasculítico, que se manifesta com episó­
dios agudos e subagudos de déficits neurológicos focais com algum grau de disfunção cog­
nitiva, alteração da consciência e episódios semelhantes a déficits por acometimento vascu­
lar cerebral. Cerca de 25% dos doentes apresentam esse curso de apresentação clínica;3
■ progressiva e difusa, com início insidioso e lento declínio cognitivo, com flutuações do
nível de consciência e manifestado com sintomas psiquiátricos e demência.4,5

Esses dois padrões clínicos podem se sobrepor. Além da confusão e da alteração do


estado mental, qualquer tipo de apresentação pode estar associado a outros sinais neuro­
lógicos, como crises epilépticas focais ou generalizadas, mioclonias ou tremores, psicose,
alucinações visuais, sonolência, estupor e coma (Tabela 19.1).24,69
Não há sintomas sistêmicos, como febre, com raras exceções.6 Sintomas neurológicos
podem ocorrer em pacientes com um diagnóstico de TH ou em pacientes sem diagnóstico
prévio. A disfunção tireoidiana é variável, sendo que o estado hormonal no momento da
EH pode estar aumentado, diminuído ou normal. O desenvolvimento da TH sintomática
pode ocorrer em até 3 anos após a apresentação da encefalopatia.10

TABELA 19.1 Manifestações demográficas e clínicas na EH

(continua)
218 neurologia e neurocirurgia HIAE

(continuação)

Fonte: Marshall e Doyle, 2006.

Diagnóstico com plem entar


Anticorpos antitireoidianos

Elevados níveis séricos dos anticorpos anti-TPO e/ou anti-Tg são características labo­
ratoriais essenciais na EH (Tabela 19.2). Anti-TPO pode estar presente em 95 a 100% dos
casos, e anti-Tg, em 73%. No entanto, não existe uma relação clara entre a gravidade dos
sintomas neurológicos e o tipo ou nível sérico do anticorpo. Além disso, níveis séricos dos
anticorpos podem ou não diminuir após tratamento com esteroides.6'8,11 A prevalência
desses anticorpos aumentados na população geral saudável é de 2 a 20%, não podendo ser
considerada um achado específico para a EH. Os anticorpos antitireoidianos raramente
são medidos no LCR e a especificidade e a sensibilidade desses anticorpos no LCR ainda
não estão bem estabelecidas.

TABELA 19.2 Diagnóstico complementar na EH


Anticorpos antitireoidianos
Antiperoxidade anti-TPO elevado 100%
Antimicrossomal anti-M elevado 95%
Antitireoglobulina anti-Tg elevado 73%
Hormônios tireoidianos
Hipotireoidismo subclínico 35%
Eutireoidismo 30%
Hipotireoidismo sintomático 20%
Hipertireoidismo 7%
(continua)
C A P Í T U L O 19 e n c e f a l o p a t i a de H a s h i m o t o 219

(continuação)

Anormalidades no LCR
Hiperproteinorraquia 75%
Pleocitose linfocítica 25%
Anormalidades no EEG 98%
Anormalidades na RM 49%
SPECT
Hipoperfusão focal 73%
Hipoperfusão global 9%
Normal 18%
Bandas oligoclonais 27%
Fonte: Marshall e Doyle, 2006.

Anticorpos antialfa-enolase

Foram recentemente encontrados no soro de pacientes com EH como um marcador


sorológico útil, especialmente anticorpos séricos contra o terminal de aminoácidos de
alfa-enolase. Entretanto, o antialfa-enolase também foi encontrado em outras doenças au-
toimunes, como doença inflamatória intestinal e artrite reumatoide.12

Hormônios tireoidianos

Os níveis hormonais variam entre os pacientes com EH, desde eutireoidismo até hipo-
tireoidismo ou hipertireoidismo, seja subclínico ou sintomático.3,7

Líquido cefalorraquidiano (LCR)


É anormal em aproximadamente 80% dos doentes. A anormalidade mais comum é
uma hiperproteinorraquia que ocorre em aproximadamente 75% dos casos. Pleocitose lin­
focítica está presente em 10 a 25% dos pacientes.4,7,8 Bandas oligoclonais estão presentes
em torno de 27% e existem relatos de aumento da proteína 14-3-3 relacionada à doença de
Creutzfeldt-Jakob, mas ainda não é um achado comum.13

Eletroencefalograma (EEG)
Anormalidades inespecíficas são observadas em quase todos os casos, mais comumen-
te evidenciando ondas lentas generalizadas, atividade delta rítmica intermitente frontal,
ondas trifásicas ou anormalidades epileptiformes.4,6,14 Após o tratamento com esteroides,
as anormalidades eletroencefalográficas podem melhorar ou se recuperar totalmente.
220 neurologia e neurocirurgia HIAE

Ressonância magnética (RM) do crânio


A RM em pacientes com EH geralmente é normal, mas pode demonstrar atrofia cere­
bral ou lesões inespecíficas subcorticais na substância branca.3Esta última tem sido descri­
ta em cerca de metade dos doentes e não está associada ao realce do gadolínio,3)4,6podendo
ser um achado incidental, embora alguns autores tenham relatado a regressão ou a resolu­
ção desses resultados com o tratamento.3

Tomografia computadorizada (TC) por emissão de fóton único (SPECT)

Na maioria dos casos, ocorre hipoperfusão focal. Em alguns casos, ocorre hipoperfusão
global, e o restante não tem anormalidades.3,6,8

Outros

Aumentos da proteína C-reativa, da velocidade de hemossedimentação e dos níveis de


enzimas hepáticas foram observados, mas com baixa especificidade.15

Diagnóstico d iferen cial

Qualquer doença associada a quadro confiísional, crises convulsivas, déficits motores


ou demência rapidamente progressiva deve ser investigada. Alguns exemplos são:

■ doença de Creutzfeldt-Jakob;
■ acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório;
■ demência degenerativa (doença de Alzheimer, demência por corpos de Lewy, demên­
cia frontotemporal);
■ estado de mal epiléptico;
■ encefalomielite aguda disseminada;
■ encefalopatias tóxico-metabólicas;
■ meningoencefalite;
■ doenças psiquiátricas (depressão, ansiedade, psicose);
■ deficiências vitamínicas;
■ doença de Wegener, lúpus eritematoso sistêmico;
■ meningite carcinomatosa;
■ encefalite paraneoplásica;
■ enxaqueca hemiplégica.
C A P Í T U L O 19 e n c e f a l o p a t i a de H a s h í m o t o 221

Tratam ento

O tratamento da EH constitui-se em agentes imunossupressores (principalmente es-


teroides), hormônios tireoidianos (na presença de disfunção tireoidiana) e drogas an-
tiepilépticas, dependendo do quadro clínico do paciente. A maioria dos pacientes (90 a
98%) responde bem à terapia esteroide. Entretanto, uma dose ideal de esteroides ainda não
foi definida pelo fato de os casos serem subdiagnosticados ou incomuns. Nas referências
estudadas, a recomendação no tratamento inicial na forma de apresentação aguda ou su-
baguda consiste em altas doses de prednisona por via oral (50 a 150 mg/dia) ou altas doses
de metilprednisolona intravenosa (1 g/dia) por 3 a 7 dias, que normalmente resultam em
acentuada melhora dos sintomas neurológicos dentro de 1 semana.
A duração do tratamento e da taxa de recorrência geralmente é ajustada conforme a
resposta clínica do paciente. Em casos de recorrência, os sintomas geralmente respondem
similarmente ao esquema acima e, para prevenir novos episódios, a utilização de predniso­
na por semanas a meses pode ser necessária, sendo sua dose progressivamente diminuída
dependendo do quadro. Contudo, existe relato de completa remissão espontânea dos sinto­
mas, sem a necessidade de qualquer medicação imunossupressora.16
Em pacientes com quadros recidivados durante a diminuição gradual do esteroide, que não
toleram corticosteroides ou que não respondem ao tratamento referido, podem-se utilizar dro­
gas imunossupressoras, como azatioprina ou ciclofosfamida.6,17A melhora clínica com imuno-
globulina intravenosa18e plasmaférese19,20tem sido observada apenas em relatos de casos.
O prognóstico da EH é geralmente bom, porém o atraso no diagnóstico e, portanto,
no tratamento, pode estar associado a um prognóstico menos favorável, com recuperação
incompleta mesmo após alguns anos do início dos sintomas. O prejuízo cognitivo residual
ocorre principalmente em pacientes com longa história de doença sem tratamento.6

► DISCUSSÃO

A patogênese da EH ainda não está esclarecida e é amplamente debatida, devido à apre­


sentação clínica extremamente diversificada, por ser uma doença incomum, subdiagnos-
ticada. Não parece estar diretamente relacionada ao hipotireoidismo ou ao hipertireoidis-
mo, pois alguns pacientes estão eutireoidianos no momento da apresentação. Um efeito
tóxico do aumento do hormônio liberador da tireotropina sobre o SNC tem sido proposto,
pois alguns pacientes parecem melhorar com a suplementação do hormônio tireoidiano
apesar do eutireoidismo.4,3,10
Outros mecanismos fisiopatológicos possivelmente atribuíveis são o mecanismo de
autoimunidade, devido à sua alta prevalência no sexo feminino; o curso flutuante; a asso­
ciação a outras desordens autoimunes ( m ia ste n ia g ra v is , glomerulonefrites, cirrose biliar
primária, anemia perniciosa e artrite reumatoide); os achados inflamatórios no LCR; e a
boa resposta à terapia esteroide.6,10,17
neurologia e neurocirurgia HIAE

Outra proposta para o mecanismo fisiopatológico sugere que a EH seja uma vasculite ce­
rebral autoimune envolvendo a deposição de complexos imunes.36Essa hipótese é suportada
pela presença de sintomas neurológicos focais e/ou globais e achados no EEG e na RM.
Uma característica nessa paciente foi o início tardio de apresentação da doença, uma
vez que a idade média de aparecimento é de 40 anos. Além disso, vale ressaltar que a EH
é um importante diagnóstico diferencial entre as manifestações neuropsiquiátricas em
doentes idosos, principalmente nas formas clínicas de demências rapidamente progressi­
vas, como a doença de Creutzfeldt-Jakob.

a PONTOS RELEVANTES

0 EH é um termo que deve ser substituído por encefalopatia corticosteroide responsiva


associada à tireoidite autoimune.
0 As manifestações clínicas da EH podem ser agudas ou subagudas e flutuantes.
0 Na presença de encefalopatia com origem indeterminada associada a disfunção cogni­
tiva, mioclonia ou crise epiléptica, a pesquisa de marcadores autoimunes deve incluir a
avaliação da função tireoidiana e a determinação da presença de anticorpos antitireoi-
dianos.
0 Encefalopatia associada a doenças autoimunes da tireoide pode ser episódica.
0 A evolução da síndrome neurológica não está relacionada ao grau de disfunção tireoi­
diana ou aos níveis dos anticorpos antitireoidianos.
0 Disfunção hormonal tireoidiana é geralmente leve e deve ser corrigida, mas não melho­
ra os sintomas neurológicos.
0 O diagnóstico de encefalopatia corticosteroide-responsiva associada à tireoidite autoi­
mune deve ser realizado após a exclusão de infecções bacterianas, virais e fúngicas,
encefalopatias tóxico-metabólicas, crises de natureza epiléptica e quadros demenciais
e vasculares.
0 O reconhecimento precoce e o tratamento adequado levam a um prognóstico favorável.
0 A importância de conhecer e pensar no diagnóstico possibilita um tratamento efetivo,
melhorando a qualidade de vida do paciente.

QUES T ÕE S

1. Qual é a explicação fisiopatológica da elevação dos anticorpos antitireoidianos, da desor­


dem imunológica e dos sinais e sintomas neurológicos?
A. A resposta da EH aos esteroides e outras terapias, como plasmaférese, suporta a hipótese de que
se trata de uma desordem que envolve mecanismos autoimunes.
B. Efeito tóxico do aumento do hormônio liberador da tireotropina sobre o SNC.
C. Até o momento, não existe um consenso e ambas as alternativas são aceitas.
C A P Í T U L O 19 e n c e f a l o p a t i a de H a s h í m o t o

2. Na presença de um paciente com quadro progressivo de encefalopatia, flutuações do nível


de consciência e mioclonias, qual alternativa melhor sugere o diagnóstico de EH?
A. Altos títulos de anticorpos tireoidianos no soro, hiperproteinorraquia no LCR e ondas lentas di­
fusas ao EEG.
B. Altos títulos de anticorpos antitireoidianos no soro e boa resposta à terapia corticosteroide após
a exclusão dos possíveis diagnósticos diferenciais.
C. Altos títulos de anticorpos tireoidianos no soro, hiperproteinorraquia no LCR, ondas lentas difu­
sas ao EEG e RM do crânio com lesões na substância branca.

3. Em relação ao quadro clínico, qual alternativa melhor compreende um possível quadro de


EH?
A. A apresentação clínica é hetorogênea, podendo apresentar um curso recidivante e remitente com
déficits neurológicos agudos e subagudos ou progressivo e difuso com início insidioso, podendo
essas duas formas se sobreporem.
B. A crise convulsiva é essencial para o diagnóstico.
C. A forma clínica recidivante e remitente está associada a um pior prognóstico e compreende
flutuação do nível de consciência, sintomas psiquiátricos e demência.

4. Qual das alernativas está correta em relação ao tratamento medicamentoso na EH?


A. Poucos pacientes respondem bem à terapia esteróide e a grande maioria apresenta completa
remissão espontânea.
B. O tratamento constitui de agentes imunossupressores, principalmente esteróides, hormônios
tireoidianos e drogas antipilépticas, dependendo de cada paciente.
C. No tratamento inicial são recomendadas altas doses de esteróide por via oral e imunoglobina
intravenosa.

5. 0 atraso no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento pode estar associado a um


prognóstico menos favorável. Qual das alternativas está correta?
A. A maioria tem um bom prognóstico, mas uma minoria pode persistir com déficits cognitivos.
B. Recaídas podem ocorrer e o uso da terapia com imunossupressores, como azatioprina e ciclofos-
famida, não está indicado.
C. O prognóstico está diretamente relacionado com o aumento dos anticorpos antiperoxidase e
antitireoglobulina.
224 neurologia e neurocirurgia HIAE

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20
Rombencefalite
por Listeria monocytogenes em adulto jovem
imunocompetente
Gustavo Guimarães Protti
Keila Narimatsu
Márcia Camignani
Ivan Hideyo Okamoto
Roberto Naum Franco Morgulis

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Jovem do sexo masculino, 21 anos de idade, previamente hígido, iniciou quadro


de mal-estar generalizado, náuseas, vômitos, cefaleia holocraniana de moderada in­
tensidade e vertigem, que pioravam com ortostatismo. As náuseas e os vômitos se
iniciaram 3 dias antes da internação e o paciente estava viajando pela Europa há 30
dias. Realizou tomografia computadorizada (TC) de crânio sem anormalidades e
exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) evidenciando 280 células com predo­
mínio linfomonocitário, proteinorraquia e glicorraquia dentro dos limites da nor­
malidade. Rapidamente, apresentou piora do quadro neurológico, evoluindo com
diplopia, hemiparesia à direita, disartria, disfagia, paresia do VI nervo craniano à
esquerda, soluços incoercíveis e insuficiência respiratória aguda, com necessidade
de entubação orotraqueal. O paciente foi transferido à unidade de terapia intensiva
(UTI) e iniciou tratamento empírico com ceftriaxona, aciclovir, rifampicina, etam-
butol, isoniazida e ampicilina.
A ressonância magnética (RM) de crânio evidenciou processo inflamatório aco­
metendo o tronco encefálico e a medula cervical (nível C2), associado a múltiplas
lesões com captação de contraste (Figura 20.1). As sorologias foram negativas e, em
exame de hemocultura, ocorreu isolamento de L iste ria m o n o c y to g e n e s.
226 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 20.1 Ressonância m agnética, imagem sa g ita l T I pós-contraste.

Diante do quadro clínico, dos achados radiológicos e dos resultados dos exames de
sangue e LCR, a hipótese de rombencefalite por L. m o n o c y to g e n e s foi firmada com
manutenção da ampicilina e aumento do espectro medicamentoso com a associação
da linezolida. Progressivamente, houve melhora do quadro clínico e neurológico e,
após 2 meses, o paciente apresentou recuperação quase total do quadro neurológi­
co, permanecendo, atualmente, apenas com soluços esporádicos, controlados com o
uso contínuo de gabapentina.

► DISCUSSÃO

um bacilo Gram-positivo, anaeróbio facultativo, subclassifica-


L iste ria m o n o c y to g e n e s é
do em 13 sorotipos, de acordo com a reatividade de anticorpos contra antígenos somáticos
e flagelares. Em humanos, os sorotipos l/2a, l/2b e 4b são os principais causadores da
doença. A bactéria se multiplica tanto no meio ambiente quanto no espaço extracelular do
hospedeiro. Entretanto, L. m o n o c y to g e n e s pertence a um grupo de bactérias capazes de pe­
netrar, sobreviver e se multiplicar no interior de qualquer célula nucleada do hospedeiro.
Por meio das internalinas A e/ou B, células do hospedeiro internalizam as bactérias
aderidas à sua superfície. No interior da célula, o patógeno produz hemolisinas e fosfoli-
pases que possibilitam que ele deixe o vacúolo, atingindo o citoplasma. No citosol, o pa­
tógeno utiliza o citoesqueleto da célula hospedeira para polimerizar actina. Os filamentos
de actina se formam predominantemente na região apical da bactéria, na qual agem como
força motriz, deslocando-a até a superfície interna da membrana citoplasmática da célula
hospedeira. Em seguida, a célula hospedeira é estimulada a produzir extrusões que pene­
tram nas células adjacentes, disseminando L. m o n o c y to g e n e s nas células vizinhas. Por esse
mecanismo de disseminação célula a célula, o patógeno intracelular permanece protegido
contra a ação da imunidade celular do hospedeiro.
CAPÍ TULO 20 r o m b e n c e f a l i t e por L is te ria m onocytogenes em a d u l t o j o v e m i m u n o c o m p e t e n t e 227

A L. m o n o c y to g e n e s é uma causa incomum de doença na população geral. No entanto,


essa bactéria está relacionada a condições clínicas crônicas em certos grupos de indiví­
duos, como neonatos, gestantes, idosos e imunossuprimidos. Todavia, cerca de 30% dos
adultos e 54% das crianças que contraem listeriose não apresentam qualquer evidência de
imunocomprometimento. A sepse é a forma de listeriose mais frequente (52%) em indi­
víduos imunocomprometidos, enquanto em imunocompetentes, as infecções do sistema
nervoso central (SNC) são mais comuns (64%).
Estudos experimentais mostram que a L. m o n o c y to g e n e s pode invadir o SNC por dis­
seminação hematogênica ou, mais raramente, por transporte axonal retrógrado a partir
dos tecidos periféricos. A via hematogênica pode ocorrer por invasão direta das células
endoteliais que compõem a barreira hematoencefálica ou por transporte da bactéria para
o SNC por leucócitos circulantes (cavalos de Troia).

DIAGNOSTICO CLÍNICO

As formas de infecção do SNC por L. m o n o c y to g e n e s incluem meningite, meningoen-


cefalite e abscessos. A meningite por L. m o n o c y to g e n e s , com ou sem sinais neurológicos
focais, é a forma neurológica de listeriose mais comum. As características clínicas da me­
ningite por listeria são semelhantes às apresentadas por agentes mais comuns, ou seja,
febre alta, rigidez de nuca, possíveis tremores e ataxia, além de crises convulsivas que,
aliás, são mais frequentes na meningite por listeria que nos outros tipos de meningite. A
instalação da infecção pode ser aguda ou subaguda.
A forma não meníngea mais comum de infecção do SNC por L. m o n o c y to g e n e s é a
rombencefalite. A rombencefalite por listeria é uma infecção grave do tronco encefálico,
de instalação geralmente subaguda, associada a alta mortalidade (51%) e sequelas graves
nos sobreviventes. Embora considerada rara, a rombencefalite representou 11% das liste­
rioses em um estudo realizado na Noruega. Em contraste com outras formas neurológicas
de listeriose, a maioria das rombencefalites ocorre em indivíduos previamente saudáveis,
sem evidência aparente de comprometimento imunológico.
A rombencefalite por L. m o n o c y to g e n e s apresenta curso de evolução bifásico. A pri­
meira fase caracteriza-se por sintomas prodrômicos inespecíficos de febre em 75% dos
pacientes, cefaleia, náusea e vômitos que persistem por cerca de 4 dias e evoluem para a
segunda fase, com comprometimento súbito e assimétrico dos nervos cranianos, sinais
cerebelares, hemiparesia, hipoestesia e rebaixamento da consciência. Os nervos cranianos
mais acometidos são o 6o, o 7o, o 9o, o 10° e o 1Io.
A doença progride rapidamente e cerca de 40% apresentam insuficiência respiratória.
Rigidez de nuca e deterioração do estado mental ocorrem em cerca de 50% dos pacientes.
228 neurologia e neurocirurgia HIAE

DIAGNOSTICO COMPLEMENTAR

Cerca de 10% dos pacientes com acometimento do SNC por L. m o n o c y to g e n e s evoluem


com abscessos cerebrais, principalmente indivíduos imunossuprimidos. Abscessos subcor-
ticais localizados no tálamo, na ponte e no bulbo são relativamente comuns na rombence-
falite por listeria e extremamente raros nas infecções causadas por outros agentes.
O desenvolvimento de abscessos está associado à maior mortalidade pela L. m o n o c y to ­
genes. Praticamente todos os pacientes que desenvolvem abscesso apresentam bacteriemia
e 25% apresentam também meningite.
Os achados patológicos de necropsia em cérebros humanos incluem hemorragias focais
e áreas de necrose com meningite purulenta na macroscopia. Inflamação com necrose, mi-
croabscesso e vasculite com infiltrado linfocítico perivascular e infiltrado mononuclear na
parede do vaso são achados da análise histológica. Tipicamente, os bacilos são encontrados
no parênquima necrótico, mas não nos espaços perivasculares. O tamanho das lesões varia
de 50 a 500 mcm. À medida que o tamanho das lesões aumenta, o número de macrófagos
diminui, mas o de bacilos e neutrófilos aumenta. Lesões maiores ou microabscessos são
mais comuns na formação reticular do mesencéfalo, da ponte e do bulbo, mas podem ser
encontrados em qualquer local do encéfalo. Além das lesões parenquimatosas, infiltrados
meníngeos periventriculares também são encontrados, constituídos, predominantemente,
de células mononucleares com poucos neutrófilos.
Geralmente, os valores da proteína C reativa e da contagem de leucócitos no sangue pe­
riférico são normais. O liquor pode mostrar bacilos Gram-positivos, mas não é diagnóstico
para infecções por L. m o n o c y to g e n e s. Achados liquóricos comuns incluem pleocitose com
predomínio polimorfonuclear ou mononuclear, aumento de proteínas e glicose normal.
Em relação às meningites causadas por agentes extracelulares, a L. m o n o c y to g e n e s ge­
ralmente produz menor contagem de leucócitos totais e de proteína no liquor. A positivi-
dade da cultura no liquor é tardia, ocorrendo em apenas 41% dos casos. A hemocultura
demonstra L. m o n o c y to g e n e s geralmente em fase mais precoce e com maior positividade
(61%) em relação à cultura do liquor. Portanto, para definir o diagnóstico, muitas vezes é
necessária a realização de hemoculturas seriadas.

TRATAMENTO

O início do tratamento antimicrobiano precoce é de crucial importância para a sobre­


vivência e a redução de sequela neurológica. Quando instituído precocemente, a sobrevida
pode superar 70%. Entretanto, 30% dos pacientes morrem e 61% permanecem com seque­
las graves, apesar do tratamento adequado. Assim, conclui-se que as infecções do SNC por
L. m o n o c y to g e n e s apresentam alta letalidade.
CAPÍ TULO 20 r o m b e n c e f a l i t e por L is te ria m onocytogenes em a d u l t o j o v e m i m u n o c o m p e t e n t e 229

Embora a L. m o n o c y to g e n e s seja sensível a uma grande variedade de antimicrobianos,


a maioria deles não tem ação bactericida in v iv o devido à sua dificuldade de atuação no
compartimento intracelular. Além disso, a escolha do antimicrobiano deve considerar sua
capacidade de penetração através da barreira hematoliquórica.
Ampicilina ou penicilina combinadas à gentamicina representam a primeira linha de tra­
tamento contra infecções do SNC por L. m onocytogenes. Nas situações em que o uso de peni­
cilina não é possível, sulfametoxazol-trimetoprim é a alternativa de escolha.
A linezolida é outra droga que vem sendo recentemente utilizada no tratamento das
rombencefalites por L. m o n o c y to g e n e s. Qualquer que seja a droga escolhida, a duração do
tratamento deve ser de, no mínimo, 6 semanas. O uso de dexametasona como adjuvante
no tratamento de infecções do SNC por L. m o n o c y to g e n e s ainda não está bem estabelecido.
Alguns autores recomendam cautela devido à frequente associação com a imunodeficiên­
cia. Contudo, algumas evidências indicam que o corticosteroide pode ser útil, levando à
recuperação mais rápida dos sintomas neurológicos.
A detecção e a identificação da L. m o n o c y to g e n e s não é fácil e, por isso, a doença cau­
sada por esse agente pode ser subdiagnosticada, principalmente na fase inicial, quando a
instituição do tratamento adequado é crucial para redução da mortalidade e da sequela
neurológica. Assim, deve-se sempre suspeitar de listeria especialmente em adultos imu-
nocompetentes com febre, acometimento assimétrico dos nervos cranianos e outros sin­
tomas neurológicos focais localizados no tronco encefálico. Nesses casos, a introdução do
tratamento deve ser empírica.
O diagnóstico correto é geralmente tardio e baseado em neuroimagem por RM e he-
moculturas para L. m o n o c y to g e n e s.

n PONTOS RELEVANTES
0 A rombencefalite por L iste ria m o n o c y to g e n e s é uma infecção grave do tronco ence­
fálico, caracterizada pelo desenvolvimento subagudo de múltiplos abscessos. Embora
considerada rara, a maioria dos casos ocorre em indivíduos imunocompetentes e pre­
viamente saudáveis. Cerca de 25% dos casos estão associados a meningite, geralmen­
te de padrão linfomonocitário, com aumento de proteínas totais e glicose normal. A
detecção do L. m o n o c y to g e n e s não é fácil, pois no início do curso da doença, o bacilo
é geralmente isolado apenas na hemocultura e não na cultura do liquor. Assim, o trata­
mento empírico deve ser instituído precocemente para prevenção de sequelas neuroló­
gicas e morte. A confirmação etiológica é tardia na maioria dos casos.
230 neurologia e neurocirurgia HIAE

QU E S T ÕE S

1. 0 quadro clínico da rombencefalite por L. m onocytogenes pode cursar com os seguintes


achados, exceto:
A. Meningite linfomonocitária.
B. Múltiplos abscessos em forma posterior com liquor normal.
C. Dissociação proteíno-citológica.

2. 0 quadro clínico da rombencefalite por L. m onocytogenes pode cursar com os seguintes


achados, exceto:
A. Hemocultura positiva e cultura do liquor negativa.
B. Meningite com predomínio polimorfonuclear sem lesões parenquimatosas.
C. Glicorraquia normal.

3. Sobre a rombencefalite por L. m onocytogenes não é correto afirmar que:


A. 0 quadro clínico inicial típico é de febre e acometimento assimétrico dos nervos cranianos em
adulto imunocompetente.
B. Proteína C reativa e contagem de leucócitos no sangue periférico normais.
C. Estado geral preservado e prognóstico favorável, desproporcional à extensão e à distribuição das
lesões (dissociação clínico-radiológica).

4. Sobre a rombencefalite por L. monocytogenes, é correto afirmar que:


A. Se não tratada precocemente, evolui rapidamente com insuficiência respiratória, rebaixamento
da consciência e morte.
B. Trata-se geralmente de uma complicação da forma meníngea de listeriose.
C. Ocorre predominantemente em indivíduos imunossuprimidos.

5. Sobre a rombencefalite por L. monocytogenes, é correto afirmar que:


A. Cursa com meningite linfomonocitária autolimitada.
B. Trata-se de uma doença sistêmica.
C. É a forma mais comum de infecção do SNC por L. monocytogenes.
CAPÍ TULO 2 0 r o m b e n c e f a I i t e por L is te ria m onocytogenes em a d u l t o j o v e m i m u n o c o m p e t e n t e 231

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Eliova Zukerman
Guilherme Junqueira
Gustavo Guimarães Protti
Christiano da Cunha Tanuri

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 64 anos de idade, atendida em outubro de 2008, apre­


sentava, há 1 mês, queixa de visão turva. Dias após, relatava distúrbio de equilíbrio
e alteração na coordenação motora dos membros, o que ocasionou um acidente
quando dirigia um automóvel.
A tomografia computadorizada (TC) do crânio não revelou anormalidades. Dias após,
familiares notaram que a paciente estava apática e fazia algumas confusões na con­
versação. Começou a apresentar distúrbios de memória para fatos recentes e quedas
inexplicáveis. Progressivamente, surgiu fraqueza nos membros superior e inferior à
esquerda. A fala alterou-se, ficando “pastosa”, e os distúrbios da marcha e do equilíbrio
se agravaram.
Durante muitos anos, essa paciente foi tratada de enxaqueca com aura visual e, por
vezes, aura visual sem cefaleia, além de períodos de depressão nervosa. Ao exame,
apresentava apatia, fazia confusões e tinha dificuldade em identificar objetos co­
locados à direita de seu campo visual, além de marcha atáxica cerebelar e incoor-
denação dos movimentos dos membros à direita. A oculomotricidade intrínseca e
extrínseca não apresentava alterações, tinha reflexos profundos exaltados nos qua­
tro membros.
A cooperação ao exame era deficiente, mas era evidente que ela desconhecia suas
dificuldades visuais. Algumas horas depois apresentou movimentos involuntários
234 neurologia e neurocirurgia HIAE

de grande amplitude no membro superior esquerdo, sugerindo balismo, e, a seguir,


mioclonias nos membros superiores.
Os achados neurológicos caracterizaram um quadro de evolução, em aproximada­
mente 2 meses, de síndrome visual cortical, provavelmente com agnosia visual e
desconhecimento desta, síndrome piramidal, ataxia cerebelar, mioclonias e quadro
demencial. O eletroencefalograma (EEG) mostrou ondas trifásicas difusas e, nos
exames subsequentes, apareceu atividade periódica (Figura 21.1).

FIGURA 21.1 EEG com ondas trifá s ic a s com atividade periódica.

O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) mostrou positividade da proteína 14-3-3.


A ressonância magnética (RM) do crânio, nas sequências T l, T2 e FLAIR, não reve­
lou alterações significativas, porém, na difusão, apareceram alterações encontradas
na doença de Creutzfeld-Jakob (DCJ), como mostram as Figuras 21.2,21.3 e 21.4.
Trata-se de um quadro clínico com evolução progressiva, afetando campo visual, de­
terminando agnosia visual, síndrome cerebelar com ataxia na marcha e alterações na
coordenação dos membros. Apareceram movimentos involuntários mioclônicos e um
quadro rapidamente progressivo de perda das funções cognitivas, além de alterações
na difusão da RM, no EEG e no LCR com a positividade da proteína 14-3-3.
Diante desses dados clínicos e laboratoriais, foi feito o diagnóstico de provável DCJ.
Foi instituída medicação com clonazepam e clorpromazina, a qual controlou as
mioclonias. A paciente permaneceu inalterada durante 6 meses de observação, com
mutismo acinético, sem reação aos diferentes estímulos, tetraplégica, com flacidez
nos membros superiores e discreta hipertonia nos membros inferiores, reflexos pro­
fundos exaltados nos quatro membros, sem reação a estímulos visuais, mantendo as
pálpebras abertas por horas e com pupilas isocóricas com reações normais à fotoes-
timulação. Não reagia a estímulos dolorosos, mesmo vigorosos.
CAPÍ TUL O 21 doença priônica

FIGURA 21.2 Corte axial (difusão). H ipersinal delineando córtex occipitotem poral e a cabeça
do núcleo caudado, m ais evidente à esquerda.

FIGURA 21.3 Corte axial (difusão). H ipersinal delineando núcleos caudados e segm entos
corticais, bem evidentes na porção posterior do giro do cíngulo à esquerda.
236 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 21.4 Corte coronal (difusão). H ipersinal delineando córtex tem poral m esial, cíngulo
e a cabeça dos núcleos caudados, m ais evidente à esquerda.

DOENÇAS PRIÔNICAS

Tratam-se de doenças neurodegenerativas com longo período de incubação e quadro


clínico de evolução progressiva. Têm um quadro anatomopatológico similar ao da encefa-
lopatia espongiforme. São causadas por uma partícula proteica, o príon, que tem capaci­
dade infecciosa.1
Esse tipo de doença afeta animais e humanos. A encefalopatia espongiforme nos ani­
mais tem várias formas:

■ scra p ie ;
■ encefalopatia transmissível do m in k ;
■ emagrecimento crônico da mula e do cervo;
■ encefalopatia espongiforme bovina.

A encefalopatia espongiforme humana tem cinco formas clínicas reconhecidas:

■ Kuru;
■ DCJ;
■ variante da DCJ;
■ doença de Gerstmann-Straussler-Scheinker;
■ insônia fatal familiar.
C A P Í T U L O 21 doença priônica 237

O quadro anatomopatológico é similar em todas as entidades citadas e revela perda


neuronal e proliferação de células gliais, sem reação inflamatória, e com pequenos vacúo-
los nos neurônios, o que determina o aspecto espongiforme.

Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ)

É a forma clínica mais frequente das doenças priônicas em humanos, ainda que seja bas­
tante rara. Estima-se que, anualmente, ocorra 1 caso/1 milhão na população mundial.2,3
Atualmente, são conhecidas as formas esporádica, familiar, variante e iatrogênica, sen­
do que a forma esporádica corresponde a 85% dos casos.

Forma esporádica da DCJ


O quadro clínico é caracterizado por sintomas prodrômicos, como astenia, decréscimo
de apetite, perda de peso e ansiedade. Em seguida, aparecem confusão mental, ataxia ce-
rebelar, mioclonias e distúrbios comportamentais, evoluindo para demência. Essa forma
clínica esporádica apresenta-se sob várias subformas.
A forma clínica de Heidenhain tem distúrbios visuais e demência rapidamente progres­
siva. O quadro anatomopatológico mostra encefalopatia espongiforme predominando nos
lobos occipitais.4A forma de Brownell e Oppenheimer, por sua vez, revela ataxia precoce e
demência tardia. Outra variante descrita é a forma amiotrófica, com sintomas decorrentes
do comprometimento do tronco cerebral e da medula espinhal.
Os exames subsidiários mostram alterações sugestivas dessa doença. O EEG revela on­
das sh a rp trifásicas periódicas, enquanto o exame do LCR pode revelar positividade para
a proteína 14-3-3.5
A RM revela, na técnica de difusão, aumento de sinal em T2 nas áreas corticais, nos
núcleos da base ou no cerebelo.6,7
O diagnóstico definitivo depende de confirmação anatomopatológica ou inoculação do
material cerebral em animais de experimentação. A maioria dos casos se enquadra no diag­
nóstico de provável DCJ, revelando demência progressiva, EEG típico e pelo menos duas
das seguintes características: mioclonias, distúrbios visuais, sinais cerebelares, piramidais,
extrapiramidais e mutismo acinético.

Diagnóstico diferencial

A DCJ deve ser diferenciada de outras demências. Ocasionalmente, a doença de Al­


zheimer pode ser acompanhada de mioclonias, mas as características clínicas e labora­
toriais permitem o diferencial.
238 neurologia e neurocirurgia HIAE

Algumas entidades devem ser consideradas no diferencial com a DCJ, como a demên­
cia por corpos de Lewy, a qual pode apresentar alucinações e quadro demencial progressi­
vo, porém com evolução mais lenta que a DCJ.
Outras doenças podem ser confundidas com DCJ, como síndrome paraneoplásica, lin-
fomas e encefalopatia dismetabólica do tipo encefalopatia de Hashimoto.

Tratamento

Não existe comprovação de medicação eficiente para as doenças priônicas, mas várias
tentativas têm sido realizadas.
Medicamentos como vidarabina, amantadina e aciclovir foram tentados sem resulta­
dos. Ultimamente, têm sido experimentados quinacrine, clorpromazina e pentosan polis-
sulfato, os quais determinam pequena melhora transitória.
Flupirtine é um analgésico não opioide de ação central, com efeito neuroprotetor in v i-
tro. Um estudo duplo-cego mostrou alguma melhora no déficit cognitivo, sem, entretanto,
aumentar a sobrevida dos pacientes.8,9

Variante da DCJ
Os primeiros casos foram descritos em 1996, particularmente devido à sua ligação com
a encefalopatia espongiforme bovina.10,11 Em 2005, já haviam sido descritos cerca de 165
casos, a maioria no Reino Unido e alguns na França, na Itália e no Canadá. Esses casos
seguiram-se à epidemia de encefalopatia bovina. Admite-se a possibilidade de a carne bo­
vina contaminada transmitir a doença ao homem.
O diagnóstico pode ser confirmado pela análise do tecido das amídalas, que revela presença
da proteína priônica sensível.12O LCR não revela presença da proteína 14-3-3 e o EEG não
mostra as ondas sharp trifásicas periódicas, como aparecem na forma esporádica da DCJ.
A RM do crânio mostra sinais intensos na região do pulvinar ou no pulvinar e no tálamo.13

Quadro clínico

Em relação à forma esporádica da DCJ, apresenta-se com sintomas em idade bem mais
jovem (entre 16 e 46 anos) e de progressão mais lenta. Inicia com depressão, apatia, ansie­
dade e confusões, além de sintomas sensitivos, como disestesias e parestesias. Seguem-se
ataxia, movimentos involuntários, distúrbios cognitivos e mutismo. Em 50% dos casos,
aparece paralisia do movimento vertical do olhar.
CAPÍ TUL O 21 doença priônica 239

DCJ iatrogênica
Esses casos apareceram após uso de hormônios hipofisários humanos cadavéricos,
transplante de dura-máter, de córnea e de fígado e uso de material neurocirúrgico conta­
minado, como eletrodos para procedimentos estereotáxicos. O tempo de incubação varia
de 9 a 10 anos.14

Kuru

Foi uma das primeiras doenças priônicas estudadas, com ocorrência de forma endêmi­
ca na Nova Guiné.15,16
Admite-se que a transmissão seja de humano para humano e que tenha ocorrido de­
vido a um ritual canibalesco, no qual mulheres e crianças ingeriam cérebro dos falecidos.
Essa prática foi abolida em 1950, havendo uma redução considerável dos casos de Kuru.
Clinicamente, caracteriza-se por início com tremores lembrando calafrios e distúrbios
de marcha tipo ataxia cerebelar. Na sequência, aparecem mioclonias, coreoateose e, poste­
riormente, quadro demencial. A evolução progressiva acontece em 9 a 24 meses.
O exame do LCR não mostra alterações. O EEG revela ondas lentas difusas, mas faltam
as ondas sh a rp bi ou trifásicas periódicas, frequentes nos casos de DCJ.

Síndrom e de G erstm ann-S traussler-S cheinker

É uma forma com genética autossômica dominante. Manifesta-se dos 43 aos 48 anos de
idade, com quadro cerebelar progressivo, hiporreflexia e demência. Faltam as mioclonias,
como na DCJ. A evolução é lenta e o óbito ocorre após 5 anos.17
O EEG mostra ondas lentas difusas. A RM do crânio revela alterações no estriado e no
tronco cerebral. O diagnóstico pode ser confirmado pelo estudo genético que revela muta­
ção no gene da proteína priônica.

Insônia fa ta l fa m ilia r

Os primeiros casos foram descritos em famílias da Itália e, posteriormente, apareceram


em pacientes de outras regiões, assim como casos esporádicos.
O início ocorre em torno de 56 anos de idade, com insônia progressivamente mais
intensa e estado confusional. Durante a vigília, registram-se manifestações de um estado
confusional leve. Em seguida, aparecem ataxia, mioclonias e espasticidade.
Chama a atenção um quadro de disautonomia com hiper-hidrose, taquicardia, hiper-
termia e hipertensão arterial. O EEG e a RM não revelam as alterações sugestivas de DCJ.
Faltam também alterações no LCR, como a proteína 14-3-3.1820
240 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO

Paciente apresentou quadro rapidamente progressivo de agnosia visual e desconheci­


mento desta, síndrome piramidal, ataxia cerebelar, movimentos involuntários mioclônicos
e quadro demencial, em aproximadamente 2 meses.
O EEG mostrou ondas trifásicas difusas com evolução nos exames subsequentes, apa­
recendo atividade periódica. O LCR mostrou positividade da proteína 14-3-3, e a RM do
crânio na sequência de difusão mostrou o sinal co rtica l rib b o n sign.
Diante desses dados clínicos e laboratoriais, foi feito o diagnóstico de provável DCJ.

□ PONTOS RELEVANTES

0 Demência priônica é uma doença rapidamente progressiva. O quadro clínico revela


mioclonias, sinais piramidais e extrapiramidais, quadro demencial, evoluindo para êxi­
to letal em menos de 1 ano.
0 Oitenta e cinco por cento dos casos são raros e esporádicos, sendo alguns iatrogênicos
usados como material cirúrgico empregado em pacientes doentes, ou como no passado,
pela prática de canibalismo de cérebros doentes na forma do Kuru.
0 Prions atuam como modificadores moleculares, alterando a estrutura e a função da
proteína príon normal (PrP).
0 A anatomia patológica revela “s ta tu s espongiforme”: vacuolização intracelular afetan­
do, principalmente, a substância cinzenta (neocortical e substância cinzenta profunda),
com áreas focais de edema axonal e dendrítico.
0 A proteína 14-3-3 no LCR é um marcador de perda neuronal normalmente presente
no citoplasma neuronal do sistema nervoso central (SNC). Tem alta sensibilidade (94 a
97%) e especificidade (84 a 87%).
0 Inicialmente, o EGG apresenta ondas lentas difusas com a progressão da doença apare­
cem ondas agudas di ou trifásicas e atividade periódica.
0 A RM de crânio revela aumento do sinal T2 no neocortex, no tálamo, no núcleo cauda-
do e no putamen, preserva o globo pálido e a maioria das alterações são assimétricas.
O cortical rib b o n sign é melhor notado na imagem de difusão, demonstrando perda
neuronal importante do neocórtex.
CAPÍ TUL O 21 doença priônica 241

QU E S T ÕE S

1. O diagnóstico definitivo da DCJ pode ser feito:


A. Com o exame do LCR.
B. Com RM do crânio.
C. Com exame anatomopatológico cerebral.

2. 0 tratamento curativo da DCJ pode ser feito com:


A. Aciclovir.
B. Vidarabina.
C. Nenhuma das anteriores.

3. A DCJ iatrogênica pode ser determinada pon


A. Uso de hormônio hipofisário de origem humana.
B. Transplante de córnea.
C. Todas as anteriores.

4. A variante da DCJ pode ser determinada por:


A. Picada de mosquito.
B. Ingestão de carne contaminada.
C. Todas as anteriores.

5. A forma esporádica da DCJ apresenta demência progressiva mais:


A. Alterações no LCR, EEG e RM do crânio.
B. Somente alterações no RM do crânio.
C. Somente LCR.
242 neurologia e neurocirurgia HIAE

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22

Neuro-histoplasmose
Pedro Camilo de Almeida Pimentel

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 39 anos de idade, começou a sofrer de dores de cabe­


ça contínuas em dezembro de 1996. Foi submetido à tomografia computadorizada
(TC) de crânio, que mostrou cisto de aracnoide no polo temporal esquerdo. Após
1 mês, em virtude de a cefaleia ter persistido, foi submetido à drenagem desse cis­
to mediante derivação cistoperitoneal. Como não obteve alívio da dor de cabeça,
procurou acupuntura, obtendo, por meio desse recurso de analgesia, significativa
melhora, com acentuada redução dos analgésicos que tomava diariamente. Passou
relativamente bem por 4 anos, quando voltou a ter dores de cabeça. Procurou nova­
mente acupuntura, mas, dessa vez, não obteve alívio das dores de cabeça, que se tor­
naram muito incômodas, levando-o a tomar analgésicos diariamente. Em setembro
de 2003, passou a apresentar febre entre 37 e 38,5°C, também persistente. Referiu
que, nessa época, chegava a tomar 20 comprimidos de analgésicos por dia.
Em fevereiro de 2004, o exame de líquido cefalorraquidiano (LCR) mostrou altera­
ções com as características de meningite linfomonocitária crônica. Foi, então, reti­
rado o sistema de drenagem da derivação cisto-peritoneal. Esse material foi exami­
nado e cultivado com resultados negativos.
O paciente continuou sendo tratado apenas com sintomáticos (analgésicos e an­
titérmicos). Durante o mesmo ano, realizou mais alguns exames de liquor, todos
mostrando pleocitose predominantemente linfomonocitária, com proteína aumen­
tada e glicose baixa (Tabela 22.1).
243
244 neurologia e neurocirurgia HIAE

TABELA 22.1 Exames de LCR


Data Células Proteínas Glicose Cloretos Bac Lues ADA Baar Fungo Outros
Global N LM P exames
(%) (%)
2 6 /2 /2 0 0 4 256 10 90 123 22 105 N N N N N
5 /6 /2 0 0 4 64 5 95 117 32 120 N N N N N
8 /1 1 /2 0 0 4 58 100 133 15 124 N N N N N
1 7 /1 1 /2 0 0 4 65 18 82 145 37 120 N N N N N
1 5 /1 2 /2 0 0 4 60 20 80 87 36 107 N N N N N
Listeria
e histopl.
4 /3 /2 0 0 5 108 43 56 1% 147 17 117 N N N N N
n eg ati-
vas
N: neutrófilos; LM: linfócitos e monócitos; P: plasmócitos; ADA: adenosina deaminase; Baan bacilo álcool-ácido resistente.

Em outubro e novembro de 2004, teve espisódio agudo de hemiparesia direita, re­


feridos como AVC, com muito boa recuperação em ambos os episódios. Com o
resultado do LCR realizado em novembro de 2004, foi iniciado tratamento com
hidrazida (400 mg), rifampicina (600 mg), pirazinamida (200 mg) e prednisona
como prova terapêutica antituberculose. Após cerca de um mês desse tratamento,
foi refeito, em dezembro, um novo LCR que não mostrou modificações na análise
quimiocitológica. Ainda nesse último exame do liquor, a bacterioscopia foi negativa,
VDRL e cisticercose não reagentes, pesquisa de criptococos e de bacilos álcool-ácido
resistente negativos e PCR para M. tu b ercu lo sis negativo. As culturas para bactérias,
micobactérias e fungos também negativas, bem como os teste para HIV, hepatites
B e C, células LE, fator reumatoide e fatores antinúcleo. Este paciente estava sen­
do assistido no Estado do Paraná e, como não havia melhora, permanecendo com
cefaleia e febre, veio para São Paulo a fim de continuar a investigação diagnóstica
em março de 2005. Era um paciente em bom estado geral, com face de sofrimento,
consciente, lúcido com diálogo normal e fala fluente, referindo muita dor de cabeça
e visão dupla. Ao exame neurológico havia hiperreflaxia no dimidio direito, reflexo
cutaneoplantar em extensão à direita, diplopia com paresia do músculo reto late­
ral esquerdo e rigidez de nuca. A pesquisa para histoplasma em novo LCR nesssa
ocasião também foi negativa, e a ressonância magnética (RM) do crânio mostrou
lesões contrastantes no lobo temporal direito (Figura 22.1). Foi submetido a biópsia
cerebral que identificou infecção pelo H isto p la sm a c a p su la tu m .
CAPÍTULO 22 neuro-histoplasmose 245

FIGURA 22.1 Imagem da RM após injeção de contraste paramagnético.


246 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO

Os fungos eram considerados vegetais. Somente a partir de 1969, passaram a ser classi­
ficados em reino à parte denominado F u n g i. Diferenciam-se das plantas porque não sinte­
tizam clorofila, não têm celulose na parede celular e não armazenam amido. A capacidade
de armazenar glicogênio os assemelha a células animais.
Os fungos estão presentes em toda parte (ubíquos), com mais abundância no solo, nos
vegetais, nos animais e no homem. Disseminam-se na natureza por meio de animais, inse­
tos, água, ar (ventos) e pelo próprio homem.

HISTOPLASMOSE

O H isto p la sm a c a p su la tu m é um fungo dimórfico, apresentando, em vida livre, a fase de


bolor e, em vida parasitária, a fase de levedura. A contaminação humana resulta de sua inala­
ção, desenvolvendo infecção no pulmão. Na maioria das pessoas, o quadro infeccioso inicial
é subclínico, passando despercebido ou como um resfriado comum. Como marca, podem
ficar calcificações nodulares residuais no pulmão, à semelhança da tuberculose. Em poucos
casos, o histoplasma pode se disseminar por células do sistema reticuloendotelial, atingindo
baço, fígado, rins, suprarrenais, pâncreas, medula óssea e outros, podendo, também, causar
lesões ulceradas na mucosa orofaríngea e perioral. A principal característica é ser um parasi­
ta quase exclusivo do citoplasma das células do sistema reticuloendotelial.

Epidem iologia

Tem distribuição cosmopolita, ocorrendo em solos com vegetais em decomposição,


principalmente em solos com dejetos de aves e morcegos, como galinheiros, pombais e
grutas habitadas por morcegos. As regiões mais endêmicas estão situadas nos Estados Uni­
dos e em alguns países da América do Sul.1 Embora seja rara no Brasil, tem aumentado
com a síndrome de imunodeficiência.1

Com entários

O histoplasma é uma doença benigna e autolimitada, podendo se disseminar e atin­


gir, principalmente, as pessoas com deficiência imunológica, como na imunossupressão
farmacológica ou adquirida. O envolvimento do sistema nervoso central (SNC) pode fa­
zer parte da histoplasmose disseminada ou ocorrer de forma isolada. Sua participação na
doença disseminada tem sido referida entre 10 e 20%. A histoplasmose isolada no SNC,
por sua vez, é bastante rara.2
A forma mais frequente de infecção do SNC pelo H isto p la sm a c a p su la tu m é de meningi­
te crônica isolada ou associada a lesões do parênquima cerebral. A doença pode, ainda, en­
CAPÍTULO 22 neuro-histoplasmose 247

volver artérias e causar episódios de acidente vascular cerebral (AVC), como ocorreu neste
caso (Figura 22.2), ou mimetizar vasculites do SNC3 ou tumor cerebral com diagnóstico
feito após abordagem cirúrgica.24 Nos pacientes imunocompetentes, a histoplasmose pode
causar doença isolada do SNC com características diferentes nos imunodeficientes, com
curso evolutivo muito longo e benigno, sem comprometer o estado geral do paciente.256
Embora a confirmação da participação meningoencefálica na histoplasmose dissemi­
nada não ofereça dificuldades, o diagnóstico da infecção isolada do SNC tem sido difícil
e muito demorado; não raramente pós - m o r te m .2,5 O PCR é adequado para detectar baixa
concentração de levedura, mas não tem sido eficiente no diagnóstico de histoplasmose,
além de ter significado incerto, pois um resultado positivo não pode ser considerado segu­
ro como diagnóstico e a negatividade também não exclui a doença.7
Este caso é um exemplo da dificuldade diagnóstica e da evolução extremamente crôni­
ca da histoplasmose do SNC em pacientes imunocompetentes, sendo muito difícil afirmar
quando a sintomatologia teve início neste paciente; se já nas primeiras dores de cabeça, em
dezembro de 1996, ou se a infecção do SNC ocorreu posteriormente.
Teria a derivação cistoperitoneal contribuído para a infecção encefálica deste paciente?
Na literatura, há citação de casos sugestivos de essa infecção estar relacionada à implanta­
ção de derivação ventriculoperitoneal6 e de um caso no qual foi encontrado filamento de
histoplasma dentro da câmara da válvula de derivação ventriculoatrial.8
É importante destacar também o não comprometimento do estado geral desse paciente
durante longo curso evolutivo, o que pode até representar a história natural da evolução
dessa infecção encefálica em paciente imunocompetente, uma vez que, durante anos, este
só recebeu sintomáticos. Outro aspecto a ressaltar é a negatividade dos testes laboratoriais,

A j .

< 2 - 15 > ^ . < 2 - 10 >

*- 2
* -W . “ * "1 J **
R • Rc ; t . i ' s w l
4 ^ 7

P
P

FIGURA 22.2 Imagem da ressonância m ostrando com prom etim ento troncocerebral.
248 neurologia e neurocirurgia HIAE

mesmo repetidos várias vezes (o que está de acordo com a literatura),7 e o diagnóstico
etiológico feito pela biópsia cerebral.
Em virtude do curso crônico e do LCR similar ao da tuberculose, não é raro
esses pacientes serem tratados inicialmente com medicação antituberculose. O caso
apresentado, junto com outros exemplos da literatura, leva à conclusão de que, nos pa­
cientes imunocompetentes com meningite linfomonocitária com curso longo e benigno,
sem comprometer o estado geral, é possível aguardar o diagnóstico correto antes de
iniciar medicação aleatória.

Tratam ento

Não existe um esquema padrão de tratamento da histoplasmose do SNC; não há estudo


definido nesse sentido. As orientações de tratamento são baseadas em opiniões, na expe­
riência de serviços e em casos relatados na literatura. Ainda assim, há consenso de que o
tratamento deve ser agressivo e de que as drogas de escolha são anfotericina, na fase inicial,
continuando-se com fluconazol, por tempo prolongado.
O paciente relatado recebeu anfotericina até a dose total de 2 g e, depois, fluconazol na
dose de 800 mg/dia durante 1 ano. Teve muito boa evolução clínica, com desaparecimento
da cefaleia e normalização do liquor. A última reavaliação, feita em julho de 2009, estava
normal e sem qualquer sinal de recidiva.

□ PONTOS RELEVANTES

0 Os fungos estão separados dos vegetais e animais, eles são classificados em reino a par­
te, denominado F u n g i , e estão presentes em várias superfícies: no solo, nos vegetais, nos
animais e no homem.
0 A contaminação humana dá-se por inalação geralmente com quadro subclínico, be­
nigno e autolimitado, podendo tornar-se uma infecção disseminada nas pessoas com
deficiência imunológica.
0 A histoplasmose isolada do SNC em pessoas imunocompetentes é rara, apresentando-se
como meningite crônica associada ou não a infecções do parênquima cerebral, vasculi­
tes e mesmo mimetizando tumor cerebral.
0 A confirmação da infecção isolada do SNC tem sido muito difícil, com a biópsia sendo
um recurso diagnóstico de grande valor, e o tratamento com anfotericina e fluconazol.
CAPÍTULO 22 neuro-histoplasmose 249

QU E S T ÕE S

1. A forma mais comum de contaminação humana pelo capsulatum é:


A. Por inalação.
B. Por alimentos enlatados.
C. Por carne mal cozida.

2. Em relação a histoplasmose assinale a alternativa correta:


A. Só ocorre nos imunocomprometidos.
B. 0 SNC só é envolvido na forma disseminada.
C. A histoplasmose isolada no SNC é rara.

3. Na infecção do SNC pelo Histoplasma capsulatum em pessoas com competência imunológica,


qual afirmativa é correta:
A. A meningite tem evolução crônica.
B. Pode ocorrer lesões do parênquima cerebral, vasculites e AVC.
C. As duas alternativas anteriores estão corretas.

4. Na meningoencefalite crônica isolada do SNC, a biópsia em busca do diagnóstico:


A. Só deve ser feita após prova terapêutica.
B. É de valor após esgotados todos exames laboratoriais e em serviços capacitados para tal pro­
cedimento.
C. Não tem indicação com os recursos diagnósticos atuais.

5. Para o tratamento da infecção do SNC pelo histoplasma, quais medicamentos devem ser
usados:
A. Rifampicina e hidrazida.
B. Cefalosporina de 4a geração e prednisolona.
C. Anfotericina efluconazol.
250 neurologia e neurocirurgia H I AE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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23

Doenga de Vogt-Koyanagi-Harada (VKH)


Sandro Luiz de Andrade Matas
Carlos Senne

RELATO DE CASO_________________________________________________________

A.M.S, sexo feminino, 54 anos de idade, natural de Crato (CE), procedente de São
Paulo há 37 anos. Queixa-se de surdez há mais ou menos 7 anos e de episódios de
confusão mental há cerca de 5.
Em 2002, a paciente apresentou perda progressiva da audição, que evoluiu para sur­
dez profunda em 1 ano. Após 2 anos do início da surdez, começou a apresentar epi­
sódios curtos de confusão mental, caracterizados por alteração do comportamento
e alucinações, intercalados por períodos assintomáticos de meses a anos. No primei­
ro episódio, foi internada com diagnóstico de depressão psicótica, recebeu drogas
antipsicóticas durante o período de internação e teve alta hospitalar após 2 semanas,
com regressão completa do quadro.
Em dezembro de 2003, durante um dos episódios de confusão mental, ocorreram
duas crises epilépticas focais à direita, acompanhadas de febre. No hospital em que
foi atendida, após resultados normais de tomografia computadorizada (TC) e res­
sonância magnética (RM) de crânio, foi coletado líquido cefalorraquidiano (LCR),
o qual evidenciou meningite linfocitária. Com o quadro composto por convulsão,
alteração do comportamento e meningite, iniciou-se tratamento para meningoen-
cefalite herpética com aciclovir endovenoso.
Foi transferida para o setor de neurologia de outro hospital, onde ficou internada
por 3 meses. Na enfermaria, a paciente não apresentou alterações no exame clínico

251
neurologia e neurocirurgia HIAE

geral, mas no exame neurológico constava: acordada, respondendo a comandos ver­


bais, confusão mental, ausência de déficits motores, reflexos profundos presentes,
simétricos e normais; provas cerebelares normais, sensibilidade sem anormalida­
des, hipoacusia neurossensorial, oftalmoscopia direta de difícil realização (pupilas
puntiformes), marcha e equilíbrio sem alterações.
Na evolução da enfermaria, o quadro clínico melhorou progressivamente, e o aciclovir
foi suspenso no 14° dia, com manutenção do processo inflamatório linfomonocitário
em repetidos exames de LCR. Ainda na enfermaria, foi realizada uma nova RM de
crânio (Figura 23.1 A e B), que mostrou lesões no lobo frontal esquerdo, no qual foi
realizada uma biópsia cérebro-meníngea, com laudo anatomopatológico de processo

FIGURA 23.1 Exame de RM encefálica da paciente, axial FLAIR, m ostrando m ú ltiplos com ­
prom etim entos corticais e da substância branca.
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H )

inflamatório crônico inespecífico. Recebeu alta, com melhora do quadro clínico,


para dar continuidade à investigação ambulatorial de causas de meningite crôni­
ca. A avaliação audiológica mostrou surdez neurossensorial profunda, e a avalia­
ção oftalmológica mostrou uveíte bilateral sugestiva de tuberculose ocular. Foram
iniciados esquema tríplice para tuberculose e corticosteroides pelo serviço de of­
talmologia. Logo após essa conduta, houve piora da doença com nova alteração
comportamental, cefaleia, febre e modificação do exame de LCR, o qual mostrou
aumento do número de células e acentuada elevação da taxa de proteína (Quadro
23.1). Como as culturas para bacilo de Koch foram negativas, e não ocorreu me­
lhora clínica e laboratorial após 2 meses, o esquema para tuberculose foi suspenso.
No acompanhamento ambulatorial subsequente, voltou ao estado basal consciente,
orientada no tempo e no espaço, porém com importante surdez e o contato era re­
alizado por escrito, o que dificultava a anamnese. Em julho de 2006, fez nova RM de
crânio que revelou regressão das lesões encefálicas. O LCR mantinha-se alterado,
porém com baixo número de células. Em fevereiro de 2007, ocorreu novo episódio
de confusão mental, acompanhado de hiperglicemia (> 600 mg/100mL) e hiper­
tensão arterial. Foi realizada uma nova TC de crânio, que mostrou lesões frontais à
esquerda. A análise de LCR mostrou piora do processo inflamatório inespecífico, e
foi indicada uma nova biópsia cérebro-meníngea, que evidenciou novamente pro­
cesso inflamatório inespecífico.
Exames realizados de LCR: adenosina deaminase (ADA) 8 UI (VN: até 9 U/L), ELI­
SA-IgM para herpes vírus 1 e 2 não reagentes, ELISA-IgM para varicela zóster não
reagente, ELISA-IgM para varicela zóster reagente, PCR para varicela zóster negativo,
pesquisa e cultura negativas para fungos (P aracoccidioidom icose , C a n d id a sp, C ryp to -
coccus, H isto p la sm a sp, A sp erg illu s sp).
Outros exames: T4 livre e TSH normais; perfil reumatológico, fator reumatoide,
FAN, ADN, crioglobulinas, ANCA, anticardiolipina não reagentes; complemento
normal e anti-FIIV negativo.
Biópsia cérebro-meníngea, em 2 de abril de 2004: paquimeningite com ausência de
vasculite ou granulomas; cérebro com infiltrado linfocitário perivascular sem sinais
de vasculite.
Frente à ausência de etiologia infecciosa e fúngica, foi introduzida corticoterapia
com 1 mg/kg/dia de prednisona, com a qual houve estabilização dos sintomas por
meses até ocorrer descontrole diabético. Foi necessário reduzir a dose prescrita
pela metade. Durante a evolução, com a análise de relatos familiares e fotos desde
o início da doença, foram observados sinais de poliose ciliar e capilar, fechando o
diagnóstico de Vogt-Koyanagi-Harada (VKH). Após um mês da redução do corti-
costeroide, novos sintomas neurológicos recrudesceram. A paciente foi internada
em outro hospital, onde veio a falecer.
254
QUADRO 23.1 Resultados dos exames de liquor realizados na paciente durante o acompanhamento médico
Células
Data notemas
nm4- a o
Glicose Cloretos Bactéria Lues ADA Baar Fungo Outros exames
Global N LM P

1/12/03 118 2 98 235 138 117 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa

3/12/03 480 100 264 97 115 Negativo Negativo - Negativo Negativo


18/12/03 16 100 241 89 108 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa

17/2/04 60 2 98 200 93 110 Negativo Negativo - Negativo Negativo

ECA 7,6 (VN: 25


10/3/04 2 - - 1.230 99 - Negativo Negativo 8 Negativo Negativo
a 30)

2/4/04 20 2 98 1.550 102 123 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa

20/4/04 12 1 99 412 67 122 Negativo Negativo - Negativo Negativo -

28/4/05 11 2 98 570 59 125 Negativo Negativo 28,6 Negativo Negativo

10/7/06 25 1 99 188 126 120 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa
15/2/07 4,3 34 66 560 43 - Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa

neur ol ogi a e n e u r o c i r u r g i a
N: neutrófilos; LM: linfócitos e monócitos; P: plasmócitos; ADA: adenosina deaminase; Baan bacilo álcool-ácido resistente; ECA: enzima conversora de angiotensina; VN: valor normal.

HIAE
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H )

► DISCUSSÃO

A VKH é uma desordem multissistêmica caracterizada por panuveíte granulomatosa,


com descolamento exsudativo de retina, que é frequentemente associada à manifestações
neurológicas e cutâneas. Essa doença ocorre em pacientes com predisposição genética
para a doença, incluindo asiáticos, populações americanas indígenas e hispânicas. Vogt,
Koyanagi e Harada descreveram independentemente, por vinte anos, vários pacientes com
uveíte bilateral, descolamento exsudativo de retina, anormalidades neurológicas e altera­
ções do tegumento (pele, pelos e cabelos). Apesar das diferenças nos pacientes, as mani­
festações descritas parecem representar aspectos da mesma doença, por isso foi sugerido
nomeá-la de síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada.
Casos típicos da VKH são incomuns. Critérios revisados definiram três categorias da
doença: VKH completa, VKH incompleta e VKH provável. As alterações a seguir são co­
muns a todas elas:

■ pacientes sem história anterior de trauma ocular ou cirurgia;


■ pacientes sem evidência de outra doença ocular, fundamentada em exame clínico ou
laboratorial;
■ pacientes com envolvimento ocular bilateral.

Seguem adiante os critérios adicionais para cada forma da doença.

DOENÇA DE VKH COMPLETA

Manifestações precoces com coroidite difusa, podendo incluir descolamento exsuda­


tivo de retina ou áreas focais de fluido sub-retiniano. Pacientes sem essas alterações po­
dem apresentar anormalidades características na angiofluoresceína (AGF). Manifestações
tardias incluem cicatrizes retinais, denotando lesões sequelares de uveítes pregressas com
despigmentação ocular, cicatriz coriorretinal numular, uveíte anterior, acúmulo e migra­
ção de epitélio pigmentado retiniano. Pacientes com a forma completa também apresen­
tam evidências de alteração neurológica, déficit auditivo, poliose e vitiligo. As alterações
pigmentares aparecem após surgirem as alterações neurológicas.

DOENÇA DE VKH INCOMPLETA

Doença ocular bilateral sem uma das alterações: auditiva, neurológica ou tegumentar.

DOENÇA DE VKH PROVÁVEL

Doença ocular isolada associada a uma das alterações: auditiva, neurológica ou te­
gumentar. A patogenia da doença de VKH é incerta; porém, foram descritas inflamação
256 neurologia e neurocirurgia HIAE

e perda de melanócitos em vários tecidos, inclusive pele, orelha interna, meninges e


úvea. Essas mudanças histopatológicas sugerem causa autoimune celular-mediada con­
tra melanócitos. Parece haver predisposição imunogenética para a doença correlacio­
nada com antígenos de histocompatibilidade HLA: HLA-DR4, HLA-DR53, HLA-DQ4,
HLA-DQ7. Nos EUA, a doença é mais comum em brancos, correspondendo a 50%
dos casos; 35% equivalem a negros e 13%, a hispânicos. No Japão, 7 a 8% dos casos de
uveíte têm VKH. A doença é raramente vista na Europa. É doença de adulto jovem, mais
frequente em mulheres, com relação de 2:1. Habitualmente, a doença se desenvolve em
quatro etapas.

Fase prodrôm ica

Caracterizada por febre, dor de cabeça, meningismo, náusea, vertigem, dor orbital e
tinido. No LCR há pleocitose (meningite asséptica) em mais de 80% dos casos. Fotofobia
e lacrimejamento podem ocorrer, e os pacientes também notam que a pele e o cabelo são
mais sensíveis ao toque. Outras manifestações incluem paralisia de nervos cranianos, neu-
rite ótica etc.

Fase de uveíte

Esta fase aparece vários dias após a fase prodrômica, e o sintoma mais comum é a tur-
vação bilateral da visão (70%). Ao exame, há sinais de uveíte posterior bilateral com edema
de retina, hiperemia de disco ótico e descolamento de retina. Essa fase dura tipicamente
várias semanas.

Fase crônica

Durante esta fase, ocorrem alterações dermatológicas e oculares. A despigmentação


da coroide começa após os primeiros 3 meses do início da doença, e as alterações derma­
tológicas incluem vitiligo e poliose de cílios, sobrancelhas e cabelo. O vitiligo tende a se
distribuir simetricamente por cabeça, pálpebras e tronco. A duração da fase crônica pode
variar de meses a muitos anos.

Fase periódica

Durante a fase periódica, os pacientes podem desenvolver panuveíte crônica com uveíte
anterior granulomatosa recorrente; porém, a ocorrência de uveíte posterior com descola­
mento soroso da retina é rara. Complicações oculares são relativamente comuns durante esta
fase e incluem cataratas, glaucoma, neovascularização de coroide e fibrose sub-retiniana.
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H ) 257

As manifestações neurológicas podem ocorrer em todas as fases e incluem sinais me-


níngeos, dor de cabeça e confusão mental; paralisia de nervo craniano, hemiparesia, mielite
transversa e ganglionite ciliar. As desordens auditivas incluem disacusia, tinido e vertigem.
Há perda auditiva progressiva principalmente de sons agudos. Habitualmente, as alterações
auditivas melhoram com o uso constante de corticosteroides. O diagnóstico da doença de
VKH é baseado em sinais e sintomas, sem, no entanto, haver testes confirmatórios. Porém,
vários procedimentos diagnósticos podem ser úteis, como angiofluoresceína retiniana, exa­
me do LCR, RM de encéfalo, audiometria e exames neurofisiológicos.

TRATAMENTO

A chave para uma terapia próspera é o tratamento precoce e agressivo com corticoste­
roides sistêmicos. Pacientes que são tratados na fase crônica têm prognóstico mais reser­
vado para a recuperação da acuidade visual e, provavelmente, têm um risco maior de infla­
mação crônica. Para a maioria dos pacientes, inicia-se a terapia com prednisona com dose
variável de 1 a 2 mg/kg/dia. Nos casos mais severos, pode-se utilizar metilprednisolona
na dose de 1 g/dia, por via intravenosa, por 3 a 5 dias antes do início da prednisona oral.
A terapia sistêmica deve perdurar por 6 meses a 1 ano, porque há grande possibilidade de
recorrência nesse período. Nos casos em que a resposta ao corticosteroide é baixa, deve-se
lançar mão de terapia imunomoduladora, como ciclosporina, tacrolimus, micofenolato,
azatioprina, ciclofosfamida ou clorambucil.
O acompanhamento oftalmológico é fundamental para avaliar a evolução da doença
com o tratamento, visando a diagnosticar complicações precoces e prevenir recidivas. Do
mesmo modo, a atuação do otorrinolaringologista é importante para amenizar a perda
auditiva por meio da interposição de próteses auditivas.

PROGNÓSTICO

Na maioria das vezes, o prognóstico é bom sob o ponto de vista vital, já que raramente
há evolução fatal. Quanto ao comprometimento auditivo e oftalmológico, o tratamento
adequado evita a progressão e, em alguns casos, as alterações regridem. Em geral, também
há regressão das alterações neurológicas; porém, é comum persistirem meningites assép­
ticas recorrentes.

□ PONTOS RELEVANTES

0 Uveíte recidivante.
0 Hipoacusia bilateral progressiva.
0 Poliose ciliar e couro cabeludo.
0 Meningite asséptica crônica ou de repetição.
258 neurologia e neurocirurgia H I AE

QU E S T ÕE S

1. Das manifestações mais importantes da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (VKH), a mais


frequente é:
A. Poliose capilar e ciliar.
B. Meningite asséptica.
C. Uveíte supurativa récidivante.

2. Durante a evolução da doença de VKH é comum aparecer sintomas relacionados aos diver­
sos sistemas envolvidos nessa grave doença autoimune. A característica mais incômoda
para o paciente é:
A. Meningite récidivante.
B. Hipoacusia progressiva.
C. Queda capilar.

3. São características da síndrome de VKH, exceto:


A. Associação com antígenos de histocompatibilidade HLA.
B. Herança familiar.
C. Comprometimento de adolescentes, predominando o sexo feminino.

4. São diagnósticos diferenciais de VKH, exceto:


A. Meningotuberculose.
B. Uveíte sifilítica.
C. Schwannoma de rombencéfalo.

5. 0 tratamento precoce da síndrome de VKH inclui:


A. Imunossupressão profunda com transplante de medula óssea.
B. Avaliação oftalmológica frequente e controle das recidivas com corticosteroides.
C. Tratamento profilático com esquema 1 para tuberculose, pela grande associação com esta doença.
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H ) 259

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260 neurologia e neurocirurgia HIAE

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SEÇAO 9

COLUNA
24
Análise crítica da abordagem diagnóstica e
terapêutica da degeneração discai a partir de
evidências científicas
Marcelo Wajchenberg
Délio Eulálio Martins Filho

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 26 anos de idade, estudante universitário, jogador de


voleibol, compareceu à consulta médica com dor lombar há 1 ano e 6 meses. A dor
piorava durante o movimento de ataque no jogo e quando ficava muito tempo em
pé, não atrapalhando suas atividades diárias, mas limitando a prática do voleibol. O
paciente não apresentava outras queixas e negava etilismo e tabagismo.
Ao exame físico, notou-se piora das dores com manobras de extensão e rotação do
tronco e melhora com flexão lombar e bom alongamento da musculatura isquioti-
bial. O teste de Giordano e a manobra de Lasègue foram negativos. Os exames neu­
rológico, sensitivo e motor dos membros inferiores estavam normais. A radiografia
em perfil da coluna vertebral lombossacra (Figura 24.1) não mostrou alterações
significativas. A tomografia computadorizada (TC) permitiu avaliar a presença de
artrose na faceta articular de L4-L5, inclusive com osteófito insinuando-se para o
interior do forame (Figura 24.2). A ressonância magnética (RM) em imagem sagital
ponderada em T2 mostrou diminuição da hidratação (discopatia) em L3-L4 e L4-L5,
sem causar compressão neural (Figura 24.3). Foi realizada discografia provocativa
nos discos L3-L4 e L4-L5 (Figuras 24.4 e 24.5), com resposta negativa. Neste mesmo
procedimento, realizou-se infiltração bilateral das facetas articulares L3-L4 e L4-L5

263
264 neurologia e neurocirurgia HIAE

com esteroides, proporcionando o alívio dos sintomas. Em seguida, o paciente foi


tratado com medicação anti-inflamatória e fisioterapia específica, havendo boa me­
lhora clínica e retorno gradual à atividade física.

FIGURA 24.1 Radiografia em perfil da coluna vertebral lom bossacra.

FIGURA 24.2 TC m ostrando artrose facetária em L4-L5.


CAPÍTULO 24 degeneração discal 265

FIGURA 24.3 Corte sagital de RM ponderada em T2, mostrando discopatia em L3-L4 e L4-L5.

FIGURA 24.4 Imagem em perfil de discografia, com aspecto normal do disco L4-L5.

FIGURA 24.5 Imagem fro n ta l de discografia, com aspecto norm al do disco L4-L5.
266 neurologia e neurocirurgia HIAE

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, dona de casa, procurou atendimento


médico com dor importante nas costas com irradiação para o membro inferior di­
reito há 6 meses. A dor iniciou na região lombar com moderada intensidade, irra­
diando progressivamente.
Ao exame físico, notou-se posição antálgica em leve flexão. A dor lombar piorava com
a flexão do tronco, havendo parestesia no território da raiz L5 e manobra de Lasè-
gue positiva no membro inferior direito. A radiografia em perfil da coluna vertebral
lombossacra (Figura 24.6) mostrou retificação da lordose lombar e diminuição dos
espaços discais L3-L4 e L4-L5. Ao realizar a radiografia com flexão do tronco, notou-se
abertura posterior do espaço discai L4-L5 (Figura 24.7), sugerindo instabilidade. Foi
realizada RM, a qual evidenciou, em corte sagital ponderado em T2 (Figura 24.8),
discopatia em L3-L4 e L4-L5 com hérnia discai em L4-L5. A imagem axial (Figura
24.9) permitiu evidenciar sua localização centrolateral direita.

FIGURA 24.6 Radiografia em perfil de coluna lom bossacra, com retificação da lordose lom ­
bar e d im in uição dos espaços discais L3-L4 e L4-L5.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 267

FIGURA 24.7 Radiografia em perfil de coluna lombossacra, ortostática, com flexão do tronco
com abertura da região posterior do espaço discai L4-L5.

FIGURA 24.8 Corte sagital de RM ponderada em T2, mostrando discopatia em L3-L4 e


L4-L5. Neste último nível, há hérnia discai extrusa.
268 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 24.9 Corte axial de RM ponderada em T2, m ostrando hérnia discai centrolateral
direita em L4-L5.

Realizou-se tratamento clínico com medicação anti-inflamatória, inicialmente não


hormonal e, em seguida, hormonal, além de analgésicos, fisioterapia e acupuntura,
sem melhora significativa. Com a falha do tratamento clínico, após 4 meses, optou-se
pelo tratamento cirúrgico, realizando-se, antes do procedimento, discografia provo­
cativa nos níveis L3-L4 e L4-L5 (Figura 24.10), com resposta positiva em ambos os
níveis. Em seguida, foi realizado procedimento cirúrgico com descompressão neu-
ral e retirada de hérnia discai no nível de L4-L5 e artrodese posterolateral em L3-L4
e L4-L5, associada à fixação pedicular nos referidos níveis (Figuras 24.11 e 24.12). A
paciente teve evolução satisfatória e retorno às suas atividades normais após 3 meses
de reabilitação.

FIGURA 24.10 Imagem fro n ta l da realização de discografia nos níveis L3-L4 e L4-L5.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 269

FIGURA 24.11 Radiografia pós-operatória fro n ta l, m ostrando fixação com parafusos pedi-
culares em L3-L4 e L4-L5.

FIGURA 24.12 Radiografia pós-operatória em perfil, m ostrando fixação com parafusos pe-
diculares em L3-L4 e L4-L5.
270 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO

Dor lombar é uma das causas mais frequentes de afastamento do trabalho por adultos
em idade produtiva em países desenvolvidos.12 A doença degenerativa do disco está en­
tre uma das causas mais prevalentes de dor lombar.2 É importante salientar que não são
sinônimos,3 mas que sua gravidade tem sido relacionada ao início dos sintomas.14
A maioria dos casos de lombalgia é de natureza benigna e não se torna crônica. Apenas
uma pequena porcentagem dos pacientes que permanecem com dores crônicas é respon­
sável pela grande frustração dos médicos e pelo interesse cada vez maior de pesquisadores
em investigar os fatores relacionados à dor lombar. Muitas são as dificuldades para o en­
tendimento e a abordagem das lombalgias. O segmento lombar apresenta uma difusa rede
de nervos que dificulta a determinação do local de origem da dor, além de faltarem estudos
que comprovem uma relação entre os achados clínicos e de imagens.
O disco intervertebral degenerado apresenta maior concentração de vasos e terminações
nervosas, localizados principalmente no terço externo do ânulo fibroso5'7e no ligamento lon­
gitudinal anterior.6,7Contudo, as implicações clínicas e a correlação desses achados às altera­
ções do disco intervertebral permanecem controversas. Oliveira et al.5estudaram a presença
de terminações nervosas em discos intervertebrais com diferentes graus de degeneração e
observaram que o número e o tipo de fibras variam de acordo com a região e o grau de de­
generação do disco intervertebral de colunas lombares de cadáveres.8
Existe uma linha tênue entre a maturidade e a degeneração dos discos interverte­
brais, de modo que alguns autores tentaram definir o termo “degeneração do disco”. Ro­
berts et al.6 definiram como mudanças histológicas no nível celular, e Adams e Rough-
ley9 propuseram a definição “degeneração do disco é uma resposta aberrante mediada
por células a uma falência progressiva da estrutura do disco”.9Assim, entender o que é o
processo de degeneração do disco e o bom diagnóstico da origem da dor lombar é de­
terminante para o tratamento ideal de cada paciente, conforme apresentado nos casos
clínicos em que foi possível realizar o tratamento clínico no primeiro caso e indicada a
cirurgia no segundo.
Nos exames de radiografias, há alguns aspectos que sugerem instabilidade lombar, segun­
do White-Panjabi, podendo-se citar listese (escorregamento) anterior do corpo vertebral na
radiografia em perfil em ortostase de mais de 4,5 mm ou 15% de seu tamanho; angulação na
radiografia estática de mais de 22°; e, nas radiografias em perfil dinâmico, angulação de mais
de 15° entre os níveis L1-L2, L2-3 ou L3-L4 ou de mais de 20° no nível L4-L5 ou mais de 25°
no nível L5-S1. Esse fato foi observado no segundo caso clínico em relação ao nível L4-L5. As
radiografias dinâmicas em perfil são de fácil realização e adicionam um dado importante em
relação à estabilidade. O fato de o paciente realizar a TC e a RM em decúbito pode omitir essa
informação. A TC é um exame importante para a avaliação de estruturas ósseas, possibili­
tando avaliar a artrose das facetas articulares e a presença de osteófitos, conforme observado
no primeiro caso.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 271

Alguns autores referem que a RM é um exame útil para a identificação da dor radicular e
pouco útil para a dor discogênica.10Em muitos casos, a RM auxilia no diagnóstico de doenças
que cursam com dor lombar, como é o caso de tumores e infecções. Esse exame vem sendo uti­
lizado em larga escala para documentar alterações do disco intervertebral, mas sua correlação
com os sintomas do paciente nem sempre é definitiva.11Não é incomum encontrar imagens de
RM com presença de disco negro em indivíduos sem dor.
A discografia é uma importante ferramenta no auxílio do diagnóstico da dor lombar.
Consiste no aumento da pressão intradiscal por meio de uma punção com agulha no nú­
cleo pulposo e em sua correlação com os sintomas do paciente. Os opositores da discogra­
fia comumente referem-se ao trabalho de Holt12realizado em presidiários, porém, quando
esse trabalho foi refeito sob condições controladas e em pacientes que não se beneficiariam
por apresentarem dor, a discografia se mostrou um ótimo e específico teste para identificar
o disco doloroso.10 Alguns autores afirmam que a seleção correta do disco por meio da
discografia aumenta o índice de sucesso com a artrodese lombar, principalmente quando
há uma correlação entre as imagens da RM e a discografia, mas esses dados são apenas
indicativos e não foram estudados em estudos controlados.13
Scuderi et al.14 avaliaram 48 pacientes por meio de discografia, RM e análise bioquí­
mica discai, observando pouca correlação entre as imagens, a discografia e os marcadores
inflamatórios estudados. Concluíram que não foi possível identificar os discos dolorosos
por meio da RM.14
As principais indicações do uso da discografia são:

■ a falha de resposta ao tratamento clínico e como complementação aos testes diagnósti­


cos não invasivos que não ofereceram informações suficientes para o diagnóstico;
■ avaliar a extensão das alterações presentes na RM e a correlação com os sintomas;
■ estudar a degeneração discai adjacente após artrodese lombar;
■ verificar os discos antes da fusão para determinar quais níveis são sintomáticos e me­
recem tratamento.

Nos casos clínicos apresentados, esse exame auxiliou na decisão de não operar o pri­
meiro paciente e de realizar a fixação nos níveis L3-L4 e L4-L5 da segunda paciente.
Em relação ao tratamento, a literatura mundial está repleta de artigos sobre a terapêu­
tica da degeneração discai, mas não fornece um consenso absoluto na compreensão da
progressão da doença discai e, consequentemente, do tratamento adequado. O profissional
responsável pelo tratamento dessa condição é impulsionado pelo desejo de aliviar o sofri­
mento do paciente de forma rápida e eficiente, mas não deve enfocar somente a melhora
da sintomatologia por meio de remédios. Os desafios devem combater os seguintes fatores:
sedentarismo e falta de condicionamento físico, dependência farmacológica e distúrbios
psicossociais de âmbito familiar e laborai.
Orientar repouso e imobilização é uma tendência natural no tratamento das lesões
musculoesqueléticas, considerando-se a diminuição da dor e do processo inflamatório;
272 neurologia e neurocirurgia HIAE

porém, os efeitos colaterais dessa atitude podem causar a diminuição da mobilidade e atro­
fia tecidual. É consenso que o repouso por curto período pode auxiliar na recuperação do
paciente. Alguns autores preconizam um período entre 2 e 7 dias, estimulando, em seguida,
o retorno progressivo às atividades diárias. Essa medida visa a evitar a desagregação da
rotina familiar e do trabalho do paciente.
A utilização de medicamentos faz parte do tratamento da doença discai. As medicações
disponíveis para o controle das dores são os anti-inflamatórios não esteroides e esteroides,
os analgésicos comuns e narcóticos, os relaxantes musculares, os ansiolíticos e os antide-
pressivos. A principal causa de dor está relacionada à irritação ou inflamação das estruturas
relacionadas à degeneração discai, como apresentado no primeiro caso clínico. O processo
inflamatório dos nervos pode causar a radiculopatia por meio de compressão mecânica,
irritação química e comprometimento vascular por diminuição de fluxo sanguíneo local
ou estase venosa, conforme observado no segundo caso clínico.
A abordagem terapêutica inicial é a utilização dos anti-inflamatórios não hormo­
nais, que agem diminuindo a síntese de prostaglandinas e dos fatores quimiostáticos de
inflamação celular e seus mediadores, proporcionando a melhora da dor. No entanto, é
necessário ter precaução no uso prolongado dessas medicações, principalmente em pa­
cientes idosos, devido aos efeitos colaterais que podem comprometer a função renal e cau­
sar distúrbios da coagulação e lesão do trato gastrointestinal. Dessa forma, os analgésicos
comuns, como a dipirona e o paracetamol, podem auxiliar no controle da dor e permitir o
uso dos anti-inflamatórios não hormonais por curto período.
Em algumas circunstâncias, os anti-inflamatórios esteroides podem ser utilizados. Sua
utilização por via enteral pode produzir efeito mais imediato, permitindo que o paciente
retorne às suas atividades e inicie um processo ativo de reabilitação. Contudo, corre-se o
risco de haver recidiva da sintomatologia após sua suspensão. Os esteroides devem ser
utilizados por períodos curtos, a fim de evitar seus efeitos colaterais, como síndrome de
Cushing, necrose óssea avascular e danos ao trato gastrointestinal. As drogas que podem
ser utilizadas são a dexametasona e a prednisona, em doses decrescentes. Outras medica­
ções, como relaxantes musculares, ansiolíticos e antidepressivos, podem ser utilizadas em
situações específicas, não sendo de primeira escolha.
As injeções epidurais de esteroides têm eficácia duvidosa no tratamento da doença dege­
nerativa discai. Esse procedimento pode proporcionar alívio passageiro dos sintomas em pa­
cientes com dor radicular refratária ao tratamento convencional, sendo uma opção terapêu­
tica em pacientes que não têm condições clínicas de suportar um procedimento cirúrgico.
As complicações desse procedimento são a hipotensão, a cefaleia, o aumento dos sintomas e
a infecção. As infiltrações facetárias também podem proporcionar alívio temporário, além de
terem valor diagnóstico sobre a causa da dor. Ainda assim, esse procedimento não propor­
cionará a resolução do problema. Foi realizado no primeiro caso clínico e auxiliou o paciente
a realizar as sessões de fisioterapia.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 273

Todas as medidas descritas visam a encorajar o paciente à reabilitação por meio de ati­
vidade física, com melhora gradual de condicionamento físico, tônus muscular e controle
do peso corpóreo. A melhora da dor e da autoestima do paciente permite transformar o
ciclo vicioso de dor, inatividade e depressão em um ciclo virtuoso. Esse fator foi observado
no primeiro caso clínico apresentado.
O tratamento cirúrgico da doença degenerativa discai deve ser indicado em pacientes
que não responderam de forma satisfatória ao tratamento clínico, mantendo restrição à
sua qualidade de vida. Os critérios para indicação de um procedimento cirúrgico devem
ser claros e compartilhados com o paciente. Alguns sinais podem indicar diminuição na
possibilidade de sucesso do procedimento cirúrgico, como dor lombar inespecífica, que
ocorre em vários locais, sem relação com a movimentação do paciente, e dor irradiada
para os membros inferiores, incompatível com os achados nos exames de imagem. Além
disso, alguns fatores individuais podem indicar que o paciente não é um candidato ideal
para o procedimento cirúrgico, como:

■ extrema ansiedade para realizar qualquer procedimento para aliviar a dor;


■ possibilidade de ganhos secundários, geralmente relacionados a problemas trabalhistas;
■ distúrbios psicológicos e conflitos familiares;
■ incapacidade para aceitar e seguir as recomendações médicas;
■ tabagismo, alcoolismo e uso de drogas ilícitas.

Em razão desses fatores, deve-se fazer uma anamnese completa e, em seguida, orientar
o paciente sobre os possíveis riscos do procedimento. Assim, é possível criar um sólido
relacionamento entre médico e paciente, evitando frustrações com resultados indesejáveis
e complicações.
Os procedimentos cirúrgicos indicados para o tratamento da degeneração discai de­
vem considerar a necessidade da descompressão neural e a presença de instabilidade.
A caracterização da instabilidade deve ser realizada por meio de sinais clínicos, como
dor lombar mais importante que dor radicular e relacionada à movimentação, e radiográ-
ficos, como espondilolistese que se modifica de forma significativa durante movimentos
de flexão e extensão. Escoliose degenerativa, presença de laterolistese e artrose facetária in­
tensa com deslocamento articular também podem ser sinais de instabilidade. No segundo
caso clínico apresentado, as radiografias dinâmicas demonstraram alteração da angulação
do disco intervertebral e a discografia confirmou a origem discai dos sintomas.
Alguns procedimentos necessários durante a cirurgia também podem gerar instabi­
lidade, como a retirada completa da faceta articular e dos ligamentos em paciente com
severa estenose do canal vertebral e dos forames. A laminectomia aberta com adequa­
da descompressão neural e retirada de fragmentos discais, responsáveis pela compressão,
poupando as facetas articulares, é o procedimento padrão para o tratamento das síndro-
mes compressivas sem instabilidade.
274 neurologia e neurocirurgia HIAE

Em relação à retirada do material discai, Watters e McGirt15realizaram revisão sistemá­


tica na literatura comparando a remoção apenas do fragmento discai responsável pela com­
pressão neural, por meio de técnicas menos invasivas, geralmente relacionadas ao uso do
microscópio, a técnicas envolvendo ampla remoção dos fragmentos discais, inclusive com
curetagem do espaço discai. Os autores concluíram que não existem estudos de nível 1 que
comparem as duas técnicas, porém, os dados encontrados sugerem que as cirurgias menos
invasivas têm menor tempo cirúrgico, retorno mais rápido ao trabalho e diminuição das ta­
xas de recorrência de dor lombar, ainda que com maior taxa de recidiva da hérnia discai.15
As taxas de sucesso da cirurgia tradicional para tratamento da hérnia discai e da mi-
crodiscectomia têm entre 90 e 95% de bons e excelentes resultados. Outras técnicas, como
a quimionucleólise, a nucleoplastia e as técnicas artroscópicas, não demonstraram taxas de
sucesso maiores que os procedimentos tradicionais, além de requererem material específi­
co e dependerem de maior aprendizado por parte dos profissionais.
A indicação de fusão na doença degenerativa discai deve ser limitada a pacientes com
comprovada instabilidade, notada nos exames físicos e radiográficos, como no segundo
caso. Atualmente, a artrodese (fusão) permanece como padrão para o tratamento cirúr­
gico da doença degenerativa discai da coluna lombar que não responde ao tratamento
clínico. Fritzell et al.16 relataram, em trabalho multicêntrico, randomizado, que a artrode­
se se mostrou superior ao tratamento não cirúrgico em pacientes com dor discogênica
crônica.
A artrodese pode ser realizada por técnica posterolateral, utilizando enxerto de crista
ilíaca (autólogo), como no segundo caso clínico. São descritas técnicas com utilização de
dispositivos intersomáticos pelas vias posterior (PLIF), transforaminal (TLIF) e anterior
(ALIF), que possibilitam aumento nas taxas de fusão, sem interferir nas taxas de bons e
excelentes resultados clínicos, além de aumentarem o custo e a duração do procedimento.
A utilização da proteína-2 recombinante (RHBMP-2) permite a obtenção de altas taxas
de fusão, sem causar os inconvenientes da retirada do enxerto da crista ilíaca, conforme
relatado por Burkus et al, mas com significativo aumento dos custos.17
A utilização das próteses discais tem suas indicações restritas a pacientes que não te­
nham osteoporose e processos infecciosos discais prévios, alterações significativas das fa­
cetas articulares e estenose do canal neural ou radiculopatia.18Alguns estudos prospectivos
com 2 anos de seguimento mostram taxas de bons e excelentes resultados entre 60 e 70%,
inferiores à realização da artrodese.18 Ademais, não é possível prever a durabilidade da
prótese discai e a possibilidade de sua substituição. Assim, as técnicas de fixação dinâmica
posterior, sem fusão, podem ser uma alternativa nos pacientes mais jovens. As técnicas ci­
rúrgicas de não fusão da coluna vertebral lombossacra necessitam de maior demonstração
científica por meio de trabalhos científicos de longo prazo.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 275

a PONTOS RELEVANTES

0 Dor lombar é uma das causas mais frequentes de afastamento do trabalho por adultos
em idade reprodutiva.
0 Degeneração discai é causa importante de dor lombar, particularmente quando asso­
ciada a artrose facetária e instabilidade lombar.
0 Espondilolistese é um fator agravante da instabilidade lombar e uma causa importante
de dor.
0 Discografia pode ser um adjunto diagnóstico importante para a reprodução da dor e
confirmação do disco intervertebral responsável por esta.
0 Compressão radicular determina dor e déficit neurológico sensitivo-motor da raiz cor­
respondente.
0 Tratamento conservador com anti-inflamatórios não hormonais e analgésicos é o trata­
mento inicial da lombalgia e determina bons resultados na maioria dos casos.
0 Tratamento cirúrgico é reservado aos pacientes com quadros persistentes e que não
responderam ao tratamento conservador.
0 Tratamento cirúrgico inclui discectomia lombar microcirúrgica nas hérnias de disco,
laminectomia nas estenoses e artrodese instrumentada quando há instabilidade verte­
bral.

QUES T ÕE S

1. A doença degenerativa discai é:


A. Uma doença isolada do disco intervertebral.
B. Uma doença de tratamento cirúrgico, para substituição do disco intervertebral e das facetas
articulares.
C. Relacionada ao processo degenerativo ósseo, discai e articular da coluna vertebral.

2. Em relação ao diagnóstico da doença degenerativa discai:


A. É clínico, não havendo necessidade de exames de imagem.
B. Radiografia e RM auxiliam no diagnóstico.
C. A discografia é o exame mais específico no diagnóstico desta doença.

3. Em relação ao disco intervertebral:


A. É uma estrutura cartilaginosa com terminações nervosas e vasos no ânulo fibroso.
B. É uma estrutura cartilaginosa avascular e sem terminações nervosas.
C. Quanto mais jovem, maior é o número de vasos e terminações nervosas.
276 neurologia e neurocirurgia HIAE

4. Em relação ao tratamento da doença degenerativa discai:


A. 0 repouso absoluto é formalmente indicado até que a dor do paciente desapareça completa­
mente.
B. Os analgésicos e anti-inflamatórios são drogas bem indicadas por sua eficácia e seus poucos
efeitos colaterais.
C. Deve-se considerar o perfil psicológico do paciente.

5. Em relação ao tratamento cirúrgico da doença degenerativa discai:


A. A artrodese (fusão) está bem indicada nos pacientes com instabilidade comprovada.
B. A indicação cirúrgica é absolutamente dependente dos exames de imagem, como a RM e a
discografia.
C. Deve ser indicado apenas após se esgotar o tratamento medicamentoso e fisioterápico.

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25

Estenose lombar no idoso


Reynaldo A. Brandt

INTRODUÇÃO

Estenose lombar é o estreitamento dos diâmetros do canal vertebral lombar, que con­
tém as raízes da cauda equina, e pode ser central ou lateral. Quando é central, por redução
do diâmetro anteroposterior do canal vertebral lombar, pode comprimir raízes da cau­
da equina. Quando é lateral, comprometendo o recesso lateral e o forame intervertebral,
pode comprimir uma ou, ocasionalmente, duas raízes nervosas. A compressão de raízes da
cauda equina determina quadro clínico caracterizado por dor e disfunção dessas raízes,
motoras e sensitivas, conhecido como claudicação da cauda equina. A compressão de uma
raiz nervosa no forame determina quadro clínico caracterizado por dor e/ou disfunção
sensitivo-motora ou claudicação radicular.
A estenose lombar do idoso é consequência de degeneração e protrusão dos discos in-
tervertebrais, degeneração e hipertrofia das apófises interarticulares, formação de osteófitos
e hipertrofia do ligamento amarelo. Esse conjunto de alterações leva à redução do canal ver­
tebral e dos forames intervertebrais. Difere da estenose congênita, na qual o canal vertebral
é primariamente estreito, com manifestação clínica no adulto jovem. Às vezes, a estenose
degenerativa associa-se à espondilolistese.

279
280 neurologia e neurocirurgia HIAE

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 75 anos de idade, aposentado, foi internado por reuma-
tologista com indicação de cirurgia por estenose lombar degenerativa. Há 20 anos,
apresenta episódios progressivamente mais frequentes de dor lombar, geralmente re­
lacionada a pequenos esforços. Há 2 anos, passou a ter dor irradiada para a nádega,
a face posterior da coxa e a face lateral da perna direita, com sensações de formiga­
mentos no dorso do pé. Nas últimas semanas, a dor tornou-se contínua e incapacitan-
te, mantendo-o acamado a maior parte do tempo. Fora previamente medicado com
corticosteroide, após falha terapêutica com anti-inflamatórios não hormonais, o que
causou gastrite e suspensão do medicamento. Quando medicado com opiáceo, desen­
volveu retenção urinária e obstrução intestinal, obrigando sua suspensão.
Ao exame, o paciente estava obeso, com 110 kg e estatura de 1,75 m. A avaliação neu­
rológica revelou sinais de radiculopatia em L4 e L5 à direita, de predomínio motor. A
ressonância magnética (RM) da coluna lombar mostrou sinais de degeneração discai
difusa, predominando entre L4 e L5, associada à estenose do canal vertebral no mes­
mo nível, hipertrofia do ligamento amarelo e das apófises interarticulares, obliteração
do forame L4-L5 à direita e compressão das raízes L4 e L5 do mesmo lado.
O paciente foi submetido a laminectomia em L4-L5 e foramenotomia à direita.
Apresentou boa evolução pós-operatória, com desaparecimento da dor e recupera­
ção do déficit radicular. O resultado pós-operatório manteve-se nos anos seguintes,
com períodos ocasionais de lombalgia.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 84 anos de idade, industrial em atividade na direção de


sua empresa, foi atendido, inicialmente, por apresentar sensação de choques elétri­
cos na face posterior de ambos os membros inferiores há 1 mês. Apresentava ante­
cedentes de insuficiência coronariana, tendo sido submetido, anos antes, à revascu-
larização do miocárdio, além de anemia crônica. Avaliado por neurologista, que não
encontrou anormalidades radiculares nos membros inferiores ao exame, recebeu
solicitação de RM da coluna lombar. Esse exame mostrou sinais de intensa degene­
ração discai e difusa, redução acentuada do espaço discai L4-L5, protrusões discais
posteriores em L3-L4-L5 com estenose do canal vertebral nesses níveis e hipertrofia
do ligamento amarelo e das apófises interarticulares de L3-L4-L5. Foi inicialmen­
te tratado conservadoramente, com analgésicos e fisioterapia, mas, 2 meses depois,
retornou referindo piora progressiva do quadro. Passou a sentir dor em ambos os
membros inferiores ao caminhar, não conseguindo ultrapassar 100 metros sem ser
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 281

obrigado a parar, sentar e descansar. Ao mesmo tempo, o paciente e seus familiares


notaram uma evidente deterioração de sua marcha, passando a arrastar os pés.
Esse paciente consultou outros especialistas, recebendo indicações de laminectomia
e artrodese instrumentada da coluna lombar e endoscópica. Não aceitou essas indi­
cações e procurou tratamento conservador, com fisioterapia, massagens, acupuntura
e hidroterapia, sem resultado. Reexaminado, apresentava paresia da extensão de am­
bos os pés, pior à direita. Sua marcha era parética, impossível sobre os calcanhares,
não conseguindo caminhar mais de 100 metros sem desencadear dor intensa irradia­
da para as nádegas e os membros inferiores, sendo obrigado a parar. Reinternado, foi
submetido à laminectomia em L3-L4-L5 sem artrodese. No período pós-operatório,
apresentou fibrilação atrial que regrediu com medicação e recebeu alta hospitalar
alguns dias depois, sem dor radicular e sem limitação à marcha.
O paciente foi acompanhado regularmente no ano seguinte, tendo retornado intei­
ramente a suas atividades como empresário e suas caminhadas regulares, fazendo
fisioterapia para reforço muscular e condicionamento físico. Cerca de 1 ano e meio
depois da cirurgia, voltou de uma viagem à Europa com dor intensa na face anterior
da coxa direita. Novamente internado, apresentava, ao exame neurológico, pare­
sia discreta de extensão do joelho direito, limitação à marcha por dor, ausência do
reflexo patelar desse lado e hipoestesia da face anterior da coxa. A RM da coluna
lombar mostrou sinais de laminectomia em L3-L4-L5 e de descompressão do canal
vertebral, sinais previamente conhecidos de discopatia degenerativa, e a presença de
um grande fragmento de disco extruso, L3-L4 à direita, deformando o saco durai e
comprimindo a raiz L4 direita. Não houve melhora com tratamento conservador,
razão pela qual foi submetido à microdiscectomia em L3-L4 direita, com o desapa­
recimento dos sinais e sintomas radiculares. Cerca de 5 anos depois, foi submetido
à substituição de válvula aórtica, ficando inativo por algumas semanas. A seguir,
passou a apresentar dor na nádega e na coxa à esquerda, que regrediram com fisio­
terapia e recondicionamento físico.
Este paciente já completou 90 anos de idade e continua profissionalmente ativo em
sua empresa.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 60 anos de idade, editora, encaminhada por reumato-


logista, 4 meses antes começou a apresentar dor muito intensa na região lombar,
irradiada para a nádega e a face lateral da perna esquerda, sendo que a dor predomi­
nava na perna. Cerca de 2 meses antes, foi internada e tratada com anti-inflamatório
não hormonal e, a seguir, com corticosteroide, com resultado discreto. Após a alta
hospitalar, apesar de estar medicada e em fisioterapia, piorou. Passou a ter dor tam­
bém no membro inferior direito, acompanhada de cãibras. A dor limitava muito
282 neurologia e neurocirurgia HIAE

sua atividade profissional, obrigando-a a permanecer acamada por vários dias, com
muita dificuldade para se manter em pé e caminhar. Frequentemente, era impossível
caminhar mesmo pequenas distâncias dentro de casa. Foi reinternada e novamente
submetida a exames de imagens.
O exame neurológico não evidenciou déficit radicular, apesar da marcha antálgica
e possível por apenas alguns metros. A RM da coluna lombar mostrou as mesmas
alterações diagnosticadas na primeira internação, com estenose do canal em L3-L4-
-L5 por hipertrofia das apófises interarticulares, hipertrofia do ligamento amarelo
e hérnia de disco com fragmento extruso no recesso lateral entre L4-L5 à esquerda.
Foi submetida à laminectomia em L3-L4-L5 associada a foramenotomia e discecto-
mia em L4-L5 esquerdas e facetectomia em L4-L5 esquerda. Apresentou excelente
evolução pós-operatória, com desaparecimento da dor e retorno às suas atividades
normais. Por apresentar obesidade, recebeu a recomendação de reduzir o peso e
aumentar progressivamente a atividade física. Voltou a ser acompanhada por seu
reumatologista, perdeu peso e manteve atividade física regular, trabalhando nor­
malmente.
Cerca de 9 anos depois, aos 69 anos, passou a apresentar dor lombar irradiada para
a face posterior da coxa e lateral da perna direita. Foi tratada conservadoramente,
com analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia, sem resultado. Recebeu cortico-
terapia e uma infiltração foraminal, também sem resultado. Passou a apresentar
progressiva dificuldade para caminhar, com dor de intensidade crescente no trajeto
da raiz L5 à direita, obrigando-a a parar e descansar a cada 100 metros. O mesmo
ocorria ao ficar em pé por períodos superiores a 10 min. Seu peso aumentara de 75
para 81 kg em 1 ano.
O exame neurológico mostrava discreta paresia da raiz L5 direita. Os exames por ima­
gem, incluindo radiografia, TC e RM da coluna lombar, mostraram sinais de laminec­
tomia em L3-L4-L5, abaulamento discai difuso em L2-L3, fragmento discai migrado
inferiormente, comprimindo a raiz L3 à direita, além de abaulamento discai difuso
em L3-4 e L4-L5, estreitamento foraminal em L4-L5, compressão da raiz L4 direita
extremo-lateral, listese degenerativa em L1-L2, L2-L3, L3-L4 e em retrolistese em L5—
-Sl. Foi submetida à facetectomia em L4-L5 direita, com liberação da raiz em L5, e
artrodese instrumentada com parafusos pediculares e hastes de LI a Sl.
No período pós-operatório imediato, apresentou dor lombar intensa, necessitando
de infusão de opiáceo por bomba controlada por ela mesma por alguns dias. Rece­
beu alta melhor, sem dor radicular, mas com dor lombar, medicada com analgésicos.
Melhorou progressivamente nos 2 meses seguintes, após os quais tinha dor lombar
apenas esporádica e discretamente. Perdera peso com regime alimentar e aumento
da atividade física. A partir de então, voltou à sua atividade profissional, inclusive
com viagens internacionais, praticamente sem dores ou limitações físicas.
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 283

FISIOPATOLOGIA

Estenose lombar é o estreitamento dos diâmetros do canal vertebral lombar. Pode ser con­
gênita, adquirida ou degenerativa. Esta última ocorre como consequência dos processos de
artrose, próprios do envelhecimento, e pode estar associada ao estreitamento congênito do ca­
nal lombar. Quando a redução do diâmetro anteroposterior predomina, há estenose central,
que pode levar à compressão de raízes da cauda equina e, consequentemente, ao aparecimento
de sinais e sintomas multirradiculares. Quando predomina o estreitamento dos canais ou dos
forames radiculares, há estenose lateral, que pode levar à compressão de uma ou, por vezes,
duas raízes, geralmente unilaterais. Quando há escorregamento de uma vértebra sobre outra,
há espondilolistese que agrava a estenose. Em geral, ocorre entre L4 e L5, com escorregamento
anterior de L4, e pode levar à compressão das raízes nervosas entre a face posterior do corpo
de L5 e as facetas articulares inferiores de L4.0 escorregamento raramente ultrapassa 20 a 30%
da largura da vértebra inferior, sendo contido pela remodelação dos processos articulares. O
escorregamento de L4 sobre L5 é 6 vezes mais frequente que o de L3 sobre L4 e o de L5 sobre Sl.
O predomínio da listese de L4 em relação às demais vértebras provavelmente está relacionado à
obliquidade do eixo de seus processos articulares. É possível haver escorregamento de mais de
uma vértebra, havendo espondilolistese múltipla em cerca de 1/4 desses pacientes.
A estenose lombar do idoso é secundária às alterações progressivas das unidades fun­
cionais vertebrais, que são compostas pelas vértebras superior e inferior, pelas facetas ar­
ticulares, pelos ligamentos longitudinais anterior e posterior, interespinhoso e amarelo e
pelo disco intervertebral. Esse conjunto de estruturas funciona de modo sinérgico, tendo
o disco intervertebral a função de suportar e distribuir a carga na porção anterior, e as
facetas, na porção posterior, auxiliadas pela musculatura paravertebral e pelos ligamentos,
permitindo os movimentos de rotação e translação.
No processo normal de envelhecimento, o disco intervertebral perde suas caracterís­
ticas viscoelásticas, desidratando-se e surgindo lacerações do anel fibroso, ressecamento,
fragmentação e protrusão do núcleo pulposo, além de perda do volume discai, com redu­
ção do seu espaço. O tecido elástico das articulações é substituído por colágeno tipo II, se­
guindo-se deposição de cristais de cálcio. Há hialinização das fibras colágenas, proliferação
de condrócitos e ossificação dos ligamentos.12 A hipertrofia das facetas articulares e dos
pedículos, juntamente com a hipertrofia e a ossificação do ligamento amarelo, determinam
o estreitamento central do canal vertebral. Osteófitos podem reduzir os forames interver-
tebrais e comprimir as raízes nervosas.
No início desse processo degenerativo, há aumento da mobilidade local que favore­
ce uma pequena instabilidade da unidade funcional. O enfraquecimento da musculatu­
ra paravertebral e abdominal, associado ao aumento de peso comum no idoso, favorece
uma distribuição assimétrica da carga axial, piorando o desgaste articular e a osteoartrose.
Pode haver retro ou espondilolistese associada às alterações descritas. Com a progressão
das alterações degenerativas, há um retorno à estabilidade da coluna, com cicatrização do
compartimento discai e, muitas vezes, fusão das estruturas vertebrais.3
284 neurologia e neurocirurgia HIAE

A estenose do canal vertebral e dos forames intervertebrais, por vezes, associa-se tam­
bém ao comprometimento da microcirculação e da nutrição das raízes nervosas, agravan­
do os sinais e sintomas radiculares.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A dor lombar, uma das manifestações da estenose e de outras patologias da coluna lom­
bar, corresponde a 2,8% das quase 30 milhões de consultas ambulatoriais nos EUA no perío­
do de 1 ano,4 sendo a quinta causa para consultas médicas, precedida por hipertensão arte­
rial, gravidez, exames médicos gerais de rotina e infecção do trato respiratório superior. Das
consultas por lombalgia, 11,1% são por hérnias de disco e 3,9%, por estenose lombar, sendo
as restantes devidas a causas variáveis ou inespecíficas. Uma estimativa da prevalência feita
pelo National Spine Network, nos EUA, mostrou dados de 17.775 pacientes portadores de
alterações da coluna cervical e da lombar atendidos em 25 instituições. Destes, 13,1% tiveram
diagnóstico de estenose lombar e 12,9% de espondilose degenerativa ligada à idade, além de
outros 19,2% que tiveram diagnóstico de hérnia de disco.5
A presença de estenose lombar não significa que a pessoa apresente, obrigatoriamente, os
seus sintomas ou sinais, pois nem todos os pacientes com estenose lombar são sintomáticos.6,7
Cerca de 3,3 a 5% da população adulta apresenta estenose lombar central assintomática,
assim como 7 a 16% apresentam estenose foraminal. A proporção é maior nos pacientes
idosos,8 ocorrendo em 21% daqueles com mais de 60 anos de idade e em menos de 1%
daqueles com idade abaixo dos 60 anos. Do mesmo modo, nem todos os pacientes com
espondilolistese são sintomáticos. No estudo longitudinal para avaliação de cardiopatias de
Framingham,9 das pessoas com dor lombar crônica, com idade média de 79 anos de idade,
32% tinham espondilolistese. Por outro lado, 68% daquelas que tinham espondilolistese não
tinham dor crônica. Nessa população, 17,6% das pessoas sem dor lombar crônica tinham
espondilolistese degenerativa.
A incidência de estenose lombar, calculada na Suécia, foi de 50:100.000 habitantes, dos
quais 42 a 58% eram sintomáticos. Em outras palavras, 25:100.000 habitantes apresenta­
ram claudicação radicular ou da cauda equina associada à estenose lombar. A compressão
grave da cauda equina com comprometimento dos esfincteres e da função sexual foi cal­
culada em menos de 1:100.000.10
Além da dor lombar, que geralmente é inespecífica, a estenose lombar caracteriza-se
clinicamente por dor radicular. Quando há compressão da cauda equina, surge dor irra­
diada para as nádegas e ambos os membros inferiores, frequentemente acompanhada por
cãibras nestes. Surge, caracteristicamente, ao caminhar. Os pacientes referem progressiva
diminuição da distância que conseguem percorrer até serem obrigados a parar, descansar
e, muitas vezes, sentar, para obterem alívio da dor e prosseguirem a marcha. No início, a
dor é de pequena intensidade, muitas vezes referida como queimação nos membros in­
feriores. Pode progredir para dor intensa, com cãibras, e chega a ser incapacitante. Esses
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 285

dados podem sugerir também claudicação arterial dos membros inferiores. No entanto, na
estenose lombar, o simples fato de levantar e permanecer em pé pode desencadear dor, le­
vando o paciente a inclinar o tronco anteriormente para obter alívio. Os pacientes relatam
que obtêm alívio também ao assumirem a posição de cócoras, agachando-se, o que não
ocorre na claudicação de causa arterial. O exame mostra uma retificação da coluna lombar,
com perda da lordose, havendo anteriorização do tronco.
Raramente, ocorre compressão das raízes sacras na estenose lombar, com consequente com­
prometimento dos esfincteres. Em geral, acompanha-se de sinais de compressão intensa, grave,
das raízes nervosas para os membros inferiores, e caracteriza uma urgência neurocirúrgica.
A estenose lateral pode determinar compressão de uma raiz nervosa, sendo mais frequente
a da raiz L5. Seguem-se, em frequência, o comprometimento da raiz SI e da raiz L4. Por vezes,
há comprometimento de duas raízes simultaneamente, geralmente L5 e Sl. O quadro clínico
caracteriza-se por dor no trajeto de uma dessas raízes, ao ortostatismo e à deambulação, com
claudicação radicular progressiva ao caminhar. Ao exame, poderá haver sinais de comprometi­
mento sensitivo e/ou motor da raiz correspondente ao trajeto referido de dor.

DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR

O diagnóstico complementar é feito, fundamentalmente, por meio de exames por ima­


gem.11 Radiografias simples da coluna lombar e sacra constituem o estudo inicial, sendo
preferencialmente feitas com o paciente em pé, nas posições neutra, em flexão e em exten­
são lombar (Figuras 25.1 e 25.2).

FIGURA 25.1 Radiografia sim ples anteroposterior da coluna lom bar de paciente com este­
nose degenerativa. Nota-se escoliose com rotação dos corpos vertebrais, redução dos espaços
discais, presença de osteófitos e listeses degenerativas, além da presença de gotículas de
contraste iodado correspondente à m ielografia prévia.
286 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 25.2 Radiografia de coluna lom bar em ortostase m ostra redução acentuada dos
espaços discais, osteófitos e estenose do canal vertebral.

Esses exames permitem avaliar a presença de estenose lombar, pedículos curtos, redução
dos espaços discais, presença de osteófitos, redução dos diâmetros do canal vertebral, hiper­
trofia das interapofisárias, existência ou não de listese degenerativa e seu grau e sua estabili­
dade ou instabilidade aos movimentos da coluna, além de outras alterações, como a escoliose
secundária aos processos degenerativos e a possível associação com cistos sinoviais.
A TC da coluna lombar e sacra mostra as mesmas alterações ósseas e articulares com
maior detalhamento (Figura 25.3). No entanto, pode subestimar o grau de estreitamento

FIGURA 25.3 Reconstrução bidim ensional de TC da coluna lom bar m ostrando listese dege­
nerativa em L4-L5, redução acentuada do espaço discai e estenose do canal vertebral.
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 287

do canal vertebral e dos forames intervertebrais, exceto quando associada à mielografia,


constituindo a mielotomografia computadorizada.
A RM é o melhor exame por imagem para o diagnóstico complementar (Figura 25.4).
Possibilita a visualização dos tecidos moles, incluindo os ligamentos posterior e amarelo,
a gordura epidural, o espaço subaracnóideo, as raízes nervosas e os discos intervertebrais,
além dos elementos osteoarticulares.

FIGURA 25.4 RM da coluna lom bar m ostrando acentuada estenose do canal vertebral em
L4-L5 e L5-S1, listese degenerativa de prim eiro grau em L4-L5 e compressão das raízes da
cauda equina.

A sensibilidade para o diagnóstico de estenose lombar varia entre 0,81 e 0,97 para a
RM, entre 0,7 e 1 para a TC e entre 0,67 e 0,78 para a mielografia. Alterações compatíveis
com diagnóstico de estenose lombar são encontradas em 4 a 28% de exames por imagens
em pessoas assintomáticas, tanto na TC quanto na RM, sendo mais comuns nos idosos.
Não há estudos com o rigor científico necessário que comprovem a acurácia de quaisquer
desses métodos de exames por imagens.
Os exames por imagens são muito úteis, também, para o controle pós-operatório dos
pacientes, tanto para o acompanhamento das alterações previamente existentes quanto
para o diagnóstico de possíveis complicações dos procedimentos cirúrgicos (Figuras 25.5
e 25.6).
288 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 25.5 RM da coluna lom bar de paciente subm etido à lam inectom ia em L3-L4-L5 por
estenose degenerativa m ostrando excelente descompressão do canal vertebral e das raízes
da cauda equina. Notam -se a degeneração e a protrusão dos discos intervertebrais que não
foram abordados e que não interferem m ais na com pressão ra d icu la r previam ente existente.

FIGURA 25.6 Reconstrução trid im e n sio n a l de RM de coluna lom bar de paciente subm etida
à artrodese instrum entada da coluna lom bar por estenose degenerativa e in sta b ilid a d e após
lam inectom ia e facetectom ia descom pressivas.

Eletroneuromiografia, por vezes, é necessária para a confirmação do comprometimento


de raízes da cauda equina em pacientes com claudicação dos membros inferiores.12Em geral,
é possível fazer o diagnóstico diferencial a partir do quadro clínico e do exame do pacien­
te. Quando, mesmo assim, ainda há dúvidas quanto à causa da claudicação, se arterial ou
neurogênica, e tendo em vista que os exames por imagens não permitem separar pacientes
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 289

sintomáticos dos assintomáticos, a eletroneuromiografia permite documentar o comprome­


timento das raízes nervosas quando sua compressão é responsável pelo quadro clínico.

TRATAMENTO

Quando a estenose lombar é assintomática, ela não requer tratamento. A dor lombar
aguda ou subaguda deve ser tratada com analgésicos comuns e anti-inflamatórios não
esteroides, associados a miorrelaxante, quando houver contratura da musculatura paraver­
tebral, mantendo a atividade física do paciente. Não há evidência de que repouso seja efe­
tivo. Se a dor persistir além de alguns dias, indica-se fisioterapia.
Programas multidisciplinares de reabilitação biopsicossocial apresentam uma efetividade
discutível na dor aguda ou subaguda, havendo evidência apenas moderada. O uso de corti-
costeroide é reservado aos casos em que não há resultado satisfatório com os anti-inflamató-
rios não hormonais, devendo ser utilizados com moderação e por curto período.
Infiltração epidural com anestésico e corticosteroide pode melhorar a dor lombar por
algum tempo em pacientes selecionados, sendo a evidência da sua efetividade considera­
da limitada. Também é limitada a evidência de efetividade do uso de neuroestimulação
transcutânea, de tração esquelética e de terapias comportamentais. Não há evidência, na
literatura, da efetividade de antidepressivos, injeções em pontos-gatilho, agentes físicos,
exercícios lombares, massagens, acupuntura e uso de coletes no tratamento da dor lombar
aguda ou subaguda.13
A dor lombar crônica, diferentemente da dor aguda, responde satisfatoriamente à fisio­
terapia, aos programas multidisciplinares de reabilitação, à manipulação da coluna lombar
e aos programas de exercícios físicos regulares.14A indicação de tratamento cirúrgico da
dor lombar consequente à espondilolistese degenerativa lombar é controversa, pois não
há comprovação de que a descompressão ou a fusão vertebral sejam melhores que o trata­
mento clínico, ou mesmo o placebo, no tratamento desta dor.15
A dor radicular, na ausência de déficit motor ou sensitivo, deve, inicialmente, ser trata­
da conservadoramente. O tratamento inclui a adaptação das atividades, de analgésicos, de
anti-inflamatórios não esteroides, de medicamentos neuromoduladores, como a gabapen-
tina, de infiltração epidural, de bloqueio radicular e de fisioterapia. Na maioria dos casos, a
dor regride e os pacientes retornam à sua atividade habitual ou à sua adaptação.
A cirurgia está indicada nos casos de radiculopatia em que o tratamento conserva­
dor falha, com persistência de dor intratável e incapacitante, presença de déficit radicular
ou deterioração neurológica progressiva devido à compressão das raízes da cauda equi­
na, com a devida comprovação imagenológica de estenose lombar. Nos casos de estenose
sem sinais de instabilidade, que constituem a maioria dos pacientes, caracterizados por
ausência de espondilolistese e escoliose inferior a 20°, a técnica cirúrgica indicada é a da
laminectomia descompressiva, com remoção do ligamento amarelo hipertrofiado e dos
elementos do arco posterior (processos espinhosos, lâminas e pedículos) (Figura 25.5).
290 neurologia e neurocirurgia HIAE

Na presença de osteófitos posteriores, a remoção da porção medial das facetas articu­


lares é necessária, o que pode levar à instabilidade, particularmente se a facetectomia for
bilateral.16 A facetectomia unilateral total, assim como a facetectomia bilateral, aumenta
o risco de instabilidade, além de possivelmente favorecer maior degeneração dos discos
adjacentes. Do mesmo modo, na estenose lombar complexa, em que há espondilolistese de
grau maior que 1 e escoliose superior a 20°, o risco de instabilidade aumenta. Nesses casos,
a associação da fusão à laminectomia pode estar indicada. Quando a fusão ou a artrodese
lombar são necessárias, prefere-se a associação de instrumentação com parafusos pedicu-
lares, hastes e enxertos ósseos autólogos (Figura 25.6).
Uma opção interessante de tratamento cirúrgico é a laminectomia descompressiva par­
cial, nos vários níveis comprometidos, em que são retiradas a face inferior da vértebra supe­
rior e a face superior da vértebra inferior, com retirada do ligamento amarelo hipertrofiado,
minimizando o risco de instabilidade. Esse procedimento é possível nos pacientes com es­
tenose moderada. Quando indicada, a hemilaminectomia pode ser feita, com risco de insta­
bilidade igualmente minimizado. Técnicas microcirúrgicas, com fenestração das lâminas e
preservação dos elementos posteriores do canal vertebral, podem levar a ótimos resultados,
com menor dor pós-operatória e recuperação pós-operatória mais rápida.17
Os resultados de pacientes submetidos à laminectomia descompressiva, adequadamen­
te selecionados (com sinais e sintomas persistentes por 12 semanas ou mais) e sem espon­
dilolistese, foram melhores que os de pacientes tratados conservadoramente em estudo
randomizado feito por um grupo de 13 clínicas especializadas nos EUA.18
Metanálise de 30 artigos da literatura, com um total de 1.668 casos, revelou que pacien­
tes operados por estenose lombar com menos de 8 anos de evolução apresentaram me­
lhores resultados quando submetidos à laminectomia descompressiva sem fusão. Aqueles
com quadro clínico de duração de 15 anos ou mais apresentaram melhores resultados com
laminectomia descompressiva associada à fusão instrumentada. Em geral, esses pacientes
apresentam quadros mais graves e que exigem uma descompressão ampla do canal verte­
bral, com retirada das facetas articulares.
No conjunto de todos os pacientes, a laminectomia descompressiva foi a que apresen­
tou melhores resultados, com o menor número de complicações, seguida da laminectomia
associada à fusão instrumentada. Os piores resultados foram observados nos pacientes
submetidos à laminectomia com fusão sem instrumentação.19

► DISCUSSÃO

Estenose lombar sintomática é cada vez mais frequente na prática médica, pelo au­
mento da população idosa e pelo maior acesso desta aos sistemas de atenção à saúde.
Caracteriza-se por dificuldade progressiva à marcha, associada à dor e a parestesias em
membros inferiores por claudicação da cauda equina ou radicular. Deve ser diferenciada
da claudicação secundária à arteriopatia periférica e das neuropatias periféricas, que tam ­
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 291

bém são relativamente comuns no idoso. Os exames por imagem revelam estenose central
nos casos de claudicação da cauda equina e estenose lateral ou foraminal nos casos de
claudicação radicular. O inverso não é verdadeiro, ou seja, a presença de estenose lombar
em exames por imagens não está diretamente relacionada à existência de sinais e sinto­
mas de estenose lombar.
O tratamento conservador está indicado nos casos leves, com controle da dor, redução
de peso, reabilitação física e adaptação das atividades diárias. Nos pacientes em que sinais
e sintomas são progressivos e incapacitantes, indica-se tratamento cirúrgico. Laminecto-
mia descompressiva apresenta os melhores resultados e os menores índices de compli­
cações, particularmente nos casos em que os sinais e sintomas têm duração inferior a 8
anos e nos quais não há instabilidade importante consequente à facetectomia unilateral
total ou bilateral, ou, ainda, à espondilolistese de grau maior que 1, associada à escoliose
superior a 20°.
Deve-se evitar a indicação desnecessária de fusão e instrumentação da coluna lombar,
reservando sua indicação aos casos comprovados de instabilidade sintomática e, em espe­
cial, àqueles em que há necessidade de retirada de ambas as facetas articulares. Tendo em
vista que a estenose degenerativa ocorre quase exclusivamente em pacientes idosos, nos
quais doenças metabólicas e cardiovasculares podem comprometer seriamente a saúde e
aumentar os riscos cirúrgicos, é importante que seja avaliada e tratada de maneira mul-
tidisciplinar e integrada. Resultados cirúrgicos bons e ótimos são vistos em cerca de 70%
dos pacientes.

□ PONTOS RELEVANTES

0 Estenose lombar degenerativa é uma consequência do processo considerado normal de


envelhecimento.
0 Estenose lombar ocorre em virtude da degeneração e da protrusão dos discos interver-
tebrais lombares, com redução do espaço discai, osteofitose e hipertrofia das articula­
ções e dos ligamentos intervertebrais.
0 Estenose lombar degenerativa por vezes associa-se à listese dos elementos vertebrais, o
que contribui para a redução dos diâmetros do canal vertebral lombar e dos respecti­
vos foramina. Esse conjunto, eventualmente, leva à compressão de uma ou mais raízes
lombares da cauda equina.
0 Quando sintomática, a estenose lombar manifesta-se por radiculopatia ou claudicação
das raízes da cauda equina.
0 A claudicação da cauda equina é causada por estenose central do canal vertebral.
0 A claudicação radicular é causada por estenose lateral ou foraminal.
0 Não há correlação direta entre o grau de estenose lombar, avaliada por exames de ima­
gens, e a presença ou a gravidade do quadro clínico. Não é incomum encontrar pessoas
assintomáticas com estenose lombar em exames de imagens.
292 neurologia e neurocirurgia HIAE

0 Não há correlação direta entre o encontro de espondilolistese degenerativa e a presença


ou a intensidade de dor ou sinais de compressão radicular.
0 Não há correlação entre o grau de estenose lombar e a intensidade do quadro clínico,
quando presente.
0 O tratamento da dor deve ser conservador de início, sendo suficiente na maioria dos
casos. A dor aguda geralmente responde adequadamente a analgésicos, anti-inflamató-
rios, restrição temporária da atividade física e sua modificação. Por vezes, é indicado
bloqueio anestésico, quando essas medidas falham.
0 A dor crônica geralmente responde a programas de reabilitação, adaptação das ativida­
des físicas e redução de peso.
0 Na presença de déficit radicular persistente ou de claudicação neurogênica da cauda
equina moderada ou grave, há indicação de tratamento cirúrgico.
0 Laminectomia descompressiva é o procedimento de escolha para o tratamento cirúr­
gico das estenoses sintomáticas, sendo o que apresenta os melhores resultados e os
menores índices de complicações.
0 Instrumentação cirúrgica associada à fusão pode ser necessária nos casos de instabilidade
lombar, particularmente quando determinada pela remoção das facetas articulares.

QUES T ÕE S

1. Em relação à estenose central do canal lombar, pode-se afirmar que:


A. Pode ser assintomática.
B. Quando identificada em exames por imagem, sempre traduz a presença de quadro clínico de
claudicação neurogênica da cauda equina.
C. Determina claudicação radicular.

2. 0 tratamento inicial da dor lombar aguda inclui:


A. Neuromoduladores e bloqueio radicular.
B. Corticoterapia.
C. Analgésico e anti-inflamatório não hormonal.

3. Os melhores resultados cirúrgicos no tratamento da estenose lombar com espondilolistese


de grau 1 ocorrem após:
A. Laminectomia descompressiva.
B. Laminectomia descompressiva com fusão sem instrumentação.
C. Laminectomia descompressiva com facetectomia ampla e instrumentação.
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 293

4. Estenose lombar degenerativa é:


A. Resultado de excesso de atividades esportivas associadas a trauma.
B. Sempre por causa genética.
C. Resultado do processo normal de envelhecimento.

5. Claudicação radiculan
A. Pode ser causada por insuficiência da artéria poplítea.
B. É urgência neurocirúrgica.
C. É causada por estenose lateral ou foraminal.

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26

Instrumentação cirúrgica na espondilose lom bar—


avaliação crítica
Amâncio Ramalho Júnior

INTRODUÇÃO

As doenças degenerativas da coluna vertebral, cuja prevalência aumenta progressiva­


mente desde o final do século XX, são atualmente, encaradas com grande atenção por
causa do seu impacto na qualidade de vida das pessoas.
Paralelamente, os avanços tecnológicos, que tanto contribuíram para os avanços da
medicina diagnóstica, induziram o desenvolvimento de novas técnicas para o tratamento
dessas doenças. Nesse grupo de afecções, a estenose do canal vertebral, decorrente da es­
pondilose, tornou-se alvo de tratamentos cirúrgicos que tornam-se mais complexos, inva-
sivos e dispendiosos a cada dia.
Para que se possa compreender melhor os riscos e benefícios dessas novas técnicas, é ne­
cessário conhecer a história natural da estenose vertebral, uma doença insidiosa que cursa
com períodos de exacerbação associados ao trauma ou a atividades com maior sobrecarga
sobre a coluna vertebral. Não é incomum observar um paciente assintomático com signi­
ficativas manifestações documentadas em exames de imagem. Em estudo publicado por
Johnsson et al.1, 70% dos pacientes com estenose vertebral moderada e não tratada perma­
neceram inalterados após 4 anos, enquanto 15% melhoraram e os demais 15% pioraram,
mas sem maiores sequelas. Ainda em outro estudo realizado separadamente, os mesmos
autores relatam que 11 de 19 pacientes (58%) permaneceram inalterados após 31 meses de
seguimento e somente 2 apresentaram piora dos sintomas.

295
296 neurologia e neurocirurgia HIAE

Amundsen et al., em estudo prospectivo e randomizado de 100 pacientes que apresen­


tavam estenose vertebral sintomática, relatam que 19 indivíduos com sintomas importan­
tes foram tratados cirurgicamente, 50 com sintomas moderados foram tratados com méto­
dos conservadores e 31 foram randomicamente selecionados para tratamentos cirúrgicos
ou conservadores. A melhora da dor foi observada após 3 meses na maioria dos pacientes,
independentemente da forma de tratamento; contudo, alguns só apresentaram resultados
positivos após 1 ano.
Os resultados do tratamento conservador foram perdidos com o tempo e, após 4 anos,
eram excelentes ou regulares em apenas 50% dos indivíduos, enquanto 80% dos operados
ainda apresentavam bons resultados. Todavia, não foi possível identificar quais seriam os
fatores preditivos para a piora dos sintomas. Em sua conclusão, os autores consideraram o
tratamento conservador apropriado para os pacientes com sintomas moderados, dos quais
50% devem apresentar melhora em até 3 meses. Aqueles com dor incapacitante e nos quais
o tratamento conservador falhou devem ser submetidos ao tratamento cirúrgico.
De acordo com essas publicações, entende-se que os pacientes portadores de estenose
vertebral podem evoluir de forma estável com 15 a 50% de melhora, se tratados por mé­
todos não invasivos, e que a indicação para o tratamento cirúrgico decorre da piora dos
sintomas apesar de um tratamento conservador adequado. Partindo dessas observações,
a avaliação crítica sobre as indicações e os métodos de tratamento cirúrgico torna-se
mandatória.
Entre os métodos e técnicas cirúrgicas habitualmente utilizados, a descompressão por
laminectomia ainda é o tratamento de escolha principalmente para os pacientes idosos
com estenose severa. Para pacientes mais jovens, com discos preservados, a laminotomia
bilateral com preservação das estruturas da linha mediana parece ser a melhor indica­
ção. A artrodese vertebral deve ser considerada na presença de instabilidade primária ou
secundária a ressecções ósseas extensas ou na presença de deformidades e degeneração
adjacente e na recorrência da estenose.
A instrumentação, isto é, o uso de materiais de síntese para a fixação óssea como
método de estabilização temporária até que ocorra a fusão óssea, está indicada nas si­
tuações em que a ressecção óssea para a descompressão do canal vertebral é extensa e
compromete a estabilidade ou quando é necessário corrigir alguma deformidade, sem­
pre lembrando a necessidade de uma artrodese sólida, com ressecção das superfícies ar­
ticulares facetárias e enxertia óssea com enxerto autólogo, que ainda é o melhor método
de fusão óssea. O uso e a indicação inadequada dessas técnicas podem levar a resultados
desastrosos.
Para ilustrar essa avaliação, serão relatados dois casos tratados com fusão vertebral ins-
trumentada.
CAPÍ TULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 297

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 60 anos de idade, diabético tipo 2 há 20 anos, em uso


de três medicações hipoglicemiantes orais, já submetido à revascularização do mio-
cárdio e portador de litíase renal; foi submetido, há 5 anos, a discectomia em L4/L5 e
implante de espaçador interespinhoso, por causa de dores lombares com irradiação
para a perna esquerda (Figuras 26.1 e 26.2).

FIGURA 26.1 Ressonância m agnética (RM) T2 realizada na ocasião do início dos sintom as,
m ostrando hérnia param ediana esquerda com discreta com pressão da raiz L5 esquerda, em
cortes sa g ita is e axial.

FIGURA 26.2 Tomografia com putadorizada (TC) e RM após 2 anos da prim eira cirurgia, com
a presença de alterações discais em L4/L5.
298 neurologia e neurocirurgia HIAE

Após 1 ano, o paciente voltou a apresentar dores lombares sem irradiação para os
membros inferiores. Nessa época, havia aumentado de peso e tinha dificuldade no
controle da glicemia.
Foi indicado o tratamento conservador com reforço muscular e perda de peso, o
qual não foi seguido adequadamente. Devido à persistência da dor, nova cirurgia
foi realizada 4 anos após a primeira, constando de laminectomia descompressiva
associada a implantação de espaçadores intersomáticos (PLIF - p o s te r io r lu m b a r
in te rb o d y fu s io n ) nos níveis L4/5 e L5/S1 e artrodese posterior com parafusos pedi-
culares em L4, L5 e SI (Figura 26.3).

FIGURA 26.3 Radiografia pós-operatória, na qual se percebe a presença dos espaçadores


do tip o PUF em L 4 /L 5 e L 5 /S l.

Após 15 dias da operação, o paciente apresentou febre, dor lombar intensa e secreção
na ferida operatória. Foi realizada limpeza cirúrgica local e instituída a antibiotico-
terapia, mas a dor persistiu. Em novo exame por imagem, foi identificada coleção
líquida em torno dos implantes. Então, foi realizada a drenagem e mantida a anti-
bioticoterapia de forma empírica, uma vez que não se isolou o agente patogênico
(Figura 26.4).
Após 4 meses, o paciente persistia com dores importantes que o limitavam para
a marcha por distância maior que 15 m e sem condição de permanecer em pé ou
CAPÍTULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 299

FIGURA 26.4 RM e TC com presença de coleção líquida ju n to às lâm inas, deslocam ento do
espaçador interdiscal em L5/S1 e afrouxam ento dos parafusos (setas).

sentado por mais que 15 min. Foi, então, indicada nova cirurgia para remoção dos
implantes e enxertia óssea intersomática com a troca do instrumental de síntese.
Neste caso, fica evidente o fato de que a indicação inadequada para o tratamento de
uma pequena hérnia discai em paciente com vários fatores de risco conduziu a um
problema de difícil, se não impossível, solução.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, hipermóvel, ativa, fumante de 20 ci­


garros por dia, apresenta queixa de dor lombar incapacitante para o trabalho, de
início há 5 anos, que se intensificou nos últimos 6 meses. A dor era lombar à direita,
sem irradiação, que piora quando sentada e ao se levantar. Diversas tentativas de
tratamento conservador por meio de fisioterapia, fortalecimento muscular, corre­
ção postural, acupuntura, medicações e infiltrações facetárias foram realizadas por
período prolongado e com boa cooperação pela paciente, mas não houve sucesso.
Os exames de imagem demonstram instabilidade sagital durante a flexão e a exten­
são lombar, com espessamento do ligamento amarelo e redução do canal vertebral
em L4/L5 (Figuras 26.5 e 26.6).
Em função da persistência dos sintomas e dos achados nos exames, foi indicada
a cirurgia para estabilização do segmento L3/L4/L5 e a laminotomia bilateral em
L4 com preservação das estruturas medianas (Figura 26.7). Após a cirurgia, a
paciente evoluiu com melhora significativa dos sintomas e retomou suas ativida­
des normais.
300 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 26.5 R adiografias sim ples dem onstram a in sta b ilid a d e entre L4 e L5 durante a
flexão e a extensão.

FIGURA 26.6 Im agens em corte axial por RM, nas quais se percebe a redução do canal
vertebral e a presença de líquido nas articulações in te rfa ce tá ria s.

FIGURA 26.7 TC pós-operatória dem onstrando descompressão por lam inotom ia em L4, pre­
servação das estruturas m edianas e artrodese com enxerto ósseo, além de estabilização com
parafusos pediculares em L3, L4 e L5.
CAPÍTULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 301

► DISCUSSÃO

Os dois casos apresentados ilustram alguns pontos importantes que devem ser consi­
derados para o tratamento da espondilose vertebral, evidenciando princípios importantes
que devem ser observados, como:

■ a área sintomática deve ser considerada com muito cuidado e extensivamente explora­
da por meio de anamnese e exame físico cuidadoso;
■ os exames de imagem podem induzir a valorização excessiva de alterações degenerati­
vas nem sempre sintomáticas;
■ a descompressão extensa deve ser indicada apenas quando a área sintomática não for
confirmada;
■ quando se realiza a descompressão de apenas uma raiz e não há instabilidade, a fusão
é desnecessária;
■ quando há remoção completa de mais que uma faceta, a artrodese deve ser feita (exceto
em pacientes idosos ou quando o espaço discai nesse nível for ausente);
■ nas orientações pré-operatórias, o paciente deve ser alertado e preparado para o caso
de uma eventual artrodese e para o risco de complicações, como lesão ou laceração de
dura ou raiz, infecções, tromboflebites, embolia pulmonar e recidiva de sintomas de­
correntes de uma descompressão inadequada ou por recidiva da estenose.

Em uma metanálise realizada por Niggemeyer et al.2 sobre as publicações referentes


ao estudo comparativo de procedimentos cirúrgicos utilizados no tratamento da estenose
vertebral entre 1975 a 1995, foi observado que:

■ pacientes com até 7 anos de sintomas apresentaram melhor resultado com descompres­
são isolada;
■ pacientes com 15 anos ou mais de sintomas tiveram melhores resultados com descom­
pressão com fusão e instrumentação;
■ pacientes com 8 a 15 anos de sintomas não apresentaram diferença entre os procedi­
mentos.

Na avaliação do Center for Reviews and Dissemination (CRD), filiado ao National


Health Service (NHS), que mantém o registro de revisões sistemáticas sobre a efetividade
de cuidados em saúde, esse estudo deve ser considerado com as seguintes observações:

■ trata-se de pesquisa limitada a uma base de dados (Medline);


■ não há especificação sobre quem escolheu os estudos;
■ não são especificados os critérios de qualidade para a inclusão de estudos.
302 neurologia e neurocirurgia HIAE

A laminectomia isolada foi comparada por Katz et al.3 à artrodese não instrumentada
nas espondiloses, com o objetivo de identificar quais fatores estariam relacionados à deci­
são pela artrodese associada à descompressão. Foram estudados 310 pacientes operados
por oito cirurgiões em quatro hospitais considerados centros de referência em ortopedia
(Boston, Massachusetts, Winston Salem, North Carolina e Hanover), avaliando os sinto­
mas, a capacidade de marcha e a satisfação aos 6 e 24 meses pós-laminectomia e laminec­
tomia com artrodese com e sem instrumentação. O seguimento mínimo de 6 meses foi
observado em 236 pacientes, enquanto 199 foram acompanhados por 24 meses. A laminec­
tomia isolada foi realizada em 71% dos casos e esse procedimento foi associado à artrodese
com (15%) ou sem (14%) instrumentação nos 29% restantes. Como resultado dessa análise,
observou-se que a decisão sobre a realização da artrodese depende mais do cirurgião que da
presença de variáveis, como espondilolistese, e que a artrodese não instrumentada levou a
maior alívio da dor lombar entre 6 e 24 meses (p = 0,01). O custo médio do tratamento com
a laminectomia foi de U$ 12.615, de U$ 18.495 com a artrodese não instrumentada e de U$
25.914 com a artrodese instrumentada.
Para a análise de qualidade de vida Epstein et al.4, em 2007, aplicaram o questionário
SF-36 em 140 pacientes submetidos a laminectomias em múltiplos níveis e a fusões instru-
mentadas em um nível (95 pacientes) e dois níveis (45 pacientes). Os resultados pelo SF-36
e as taxas de fusão foram avaliadas após 3, 6 e 12 meses dos procedimentos. Após 1 ano,
observou-se melhora em seis das oito escalas de saúde do SF-36.0 uso de enxerto autólo-
go de ilíaco, lâminas e processos espinhosos suplementados por diferentes tipos de matriz
óssea desmineralizada para completar a massa lateral de fusão foi adotado na proporção
de 50:50 e a fusão foi documentada em 92,6% aos 5,2 meses, em média. Os resultados do
questionário SF-36 são apresentados na Tabela 26.1.

TABELA 26.1 Resultados do SF-36


índice 1 nível 2 níveis
Desempenho físico ++ ++
Condição física ++ +++
Dor no corpo ++ ++
Saúde geral + —

Vitalidade ++ ++
Atividade social + +
Condição emocional +++ +++
piora; +: melhora discreta; + + : melhora moderada; + + + : melhora significativa.

O CRD, ao avaliar esse estudo, observa que:

■ a decisão sobre qual procedimento empregar depende da disponibilidade de recursos


sociais para determinado ganho de efetividade;
CAPÍTULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 303

■ existe dependência do resultado obtido com a capacidade social de arcar com os custos;
■ a forma de medir esses parâmetros é ainda controversa, dependendo de melhores in­
formações sobre os procedimentos e seus custos.

Um importante estudo publicado por Kuntz et al.5 avalia a relação entre custos e efetivi­
dade das fusões vertebrais com e sem instrumentação para o tratamento das espondiloliste-
ses degenerativas e estenoses vertebrais. Nesta análise, são comparados os resultados após as
laminectomias, as laminectomias e a fusão não instrumentada e as laminectomias e a fusão
instrumentada com parafusos pediculares. Os estudos publicados nos Estados Unidos entre
1987 e 1998 foram avaliados quanto à efetividade dos procedimentos e seus custos, baseados
em valores correntes nos anos de 1996 e 1997. Entre as complicações imediatas, observou-se
que a infecção ocorreu em 1% das laminectomias contra 1,8% dos casos de artrodese. A lesão
permanente de medula ou cauda equina foi relatada em 0,2% dos pacientes com fusão e a
lesão permanente de raiz em 1,8% nas fusões não instrumentadas e em 1,5% nas fusões ins-
trumentadas. A lesão durai ocorreu em 5,7% das fusões não instrumentadas e em 7,4% das
instrumentadas, sendo que as complicações neurológicas são 60% menores no grupo sem
fusão. A consolidação da artrodese em até 6 meses no grupo sem instrumentação foi de 70%
e, nos pacientes com instrumentação, de 90%.
Quanto aos resultados clínicos, houve 60% de melhora nos laminectomizados e 80% no
grupo com laminectomia e fusão. Entre os pacientes sem melhora em até 6 meses, 50% foram
submetidos a uma segunda cirurgia e, destes, 60% tiveram algum benefício. Para essa popu­
lação, foi calculado o n u m b e r o f q u a lity -a d ju ste d life-years (QALYs), que permite estimar o
impacto financeiro de um determinado problema de saúde, considerando a quantidade e a
qualidade de anos de vida.
Foram considerados em dólares os custos diretos das operações e reoperações, os custos
indiretos e o custo anual de perdas salariais para os pacientes que permaneceram sintomá­
ticos. Para os casos representativos, são citados custos de U$ 21.025 sem fusão, U$ 26.965
para a fusão não instrumentada e U$ 35.669 com instrumentação. Para estes, o QALYs foi
de 7,938 anos nos casos sem fusão, 8,053 anos nos com fusão não instrumentada e 8,056
anos nas instrumentadas.
O incremento em custo-efetividade foi de U$ 56,500 por QALYs para as fusões não
instrumentadas, enquanto o incremento de custo-efetividade nas fusões instrumentadas,
quando comparadas às laminectomias sem fusão, foi de U$ 3.112.800 por QALYs.
Em sua análise final, os autores concluem que a relação de custo-efetividade para as lami­
nectomias sem fusão foi superior à dos outros procedimentos, mas que esse resultado deve ser
fortemente considerado quanto à sua real efetividade para o alívio dos sintomas e pela valo­
rização de qualidade de vida por parte dos pacientes. A fusão instrumentada foi considerada
excessivamente dispendiosa quando analisada e comparada aos resultados e taxas de melhora.
Em sua avaliação sobre as implicações desse estudo, o CRD considera que a tecnolo­
gia adotada depende da disponibilidade para arcar com os custos relativos ao ganho em
304 neurologia e neurocirurgia HIAE

efetividade por parte da sociedade, ou seja, o procedimento a ser adotado depende da


disponibilidade de recursos.

n PONTOS RELEVANTES
0 Importância do conhecimento sobre a história natural da espondilose vertebral.
0 Pacientes assintomáticos podem apresentar significativas manifestações em exames de
imagem.
0 A melhora dos sintomas pode ocorrer em até 3 meses na maioria dos pacientes, inde­
pendentemente da forma de tratamento.
0 A indicação para o tratamento cirúrgico decorre da piora dos sintomas apesar de um
tratamento conservador adequado.
0 A instrumentação está indicada principalmente nas situações em que a ressecção óssea
para a descompressão do canal vertebral é extensa e compromete a estabilidade.
0 A consolidação da artrodese foi mais frequente nos pacientes submetidos a fusões com
instrumentação e uso de enxerto autólogo.
0 Nos estudos avaliados, a decisão sobre a realização das artrodeses, instrumentadas ou não,
dependeu mais do cirurgião que da presença de variáveis, como instabilidade ou deformi­
dades.
0 As complicações neurológicas são mais frequentes nas fusões instrumentadas.
0 De acordo com as respostas obtidas em questionários sobre qualidade de vida, após os
procedimentos de laminectomia e fusão, a melhora da dor, do desempenho físico e da
vitalidade foi moderada. A melhora na saúde geral foi discreta e houve melhora signifi­
cativa apenas na qualidade emocional.
0 A fusão instrumentada foi considerada excessivamente dispendiosa quando analisada
e comparada aos resultados e taxas de melhora.

QUES T ÕE S

1. Quanto à espondilose vertebral, é possível afirmar que:


A. A evolução com piora do quadro clínico ocorre em 100% dos casos.
B. É doença insidiosa que cursa com períodos de exacerbação associados ao trauma ou a ativida­
des com maior sobrecarga.
C. As alterações documentadas em exames de imagem estão sempre associadas aos sintomas do
paciente.
CAPÍTULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 305

2. A indicação para o tratamento cirúrgico deve ser feita:


A. Sempre que há piora dos sintomas.
B. Na presença de sintomas neurológicos.
C. Quando não houver melhora com o tratamento conservador adequado.

3. A instrumentação está indicada nos casos em que:


A. A ressecção óssea é extensa e compromete a estabilidade.
B. Não se dispõe de enxertos ósseos autólogos.
C. 0 paciente for idoso e apresentar compressão de uma raiz nervosa.

4. A consolidação da artrodese não depende:


A. Da decorticação óssea e facetária.
B. Da ocorrência de lesão neurológica durante o ato cirúrgico.
C. Da extensão óssea a ser removida na ressecção.

5. Considerando as respostas obtidas em questionários SF-36 sobre qualidade de vida, após o


tratamento da espondilose vertebral, pode-se afirmar que:
A. A melhora da dor e do desempenho físico foi significativa.
B. A melhora na saúde geral foi discreta.
C. Houve melhora significativa apenas na qualidade emocional.

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306 neurologia e neurocirurgia H I AE

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SEÇÃO 10

TUMORES CEREBRAIS
27

Tratamento do glioblastom a m ultiform e -


abordagem atual e perspectivas
Carlos Dzik
Eduardo Weltman
Suzana M. Fleury Malheiros

INTRODUÇÃO

O glioblastoma (astrocitoma grau IV) e o astrocitoma anaplásico (astrocitoma grau III)


fazem parte do grupo dos tumores primários do sistema nervoso central (SNC), denomi­
nados gliomas de alto grau, juntamente com os oligodendrogliomas anaplásicos (grau III)
e os oligoastrocitomas anaplásicos (grau III). São neoplasias constituídas por células da
glia, os chamados astrócitos e oligodendrócitos. No caso dos astrocitomas graus III e IV, as
células que geram essas neoplasias são os astrócitos.
Os oligodendrócitos podem compor com os astrócitos e constituir o oligoastrocitoma
anaplásico e o glioblastoma com componente oligodendroglial ou se apresentar de forma
isolada, como oligodendrogliomas anaplásicos. Essas entidades ganham algumas caracte­
rísticas diferentes em seu diagnóstico e prognóstico. O glioblastoma e o astrocitoma ana­
plásico são responsáveis por 78% de todos os casos de tumor maligno primário do SNC.
Historicamente, o comportamento natural dessas neoplasias é devastador, sendo que,
no caso do glioblastoma, a sobrevida mediana é de cerca de 9 a 12 meses, enquanto a
do astrocitoma anaplásico é de 2 a 3 anos. As manifestações clínicas mais frequentes dos
gliomas malignos são decorrentes de hipertensão intracraniana, ou seja, cefaleia, náuseas,
vômitos e distúrbios visuais associados ou não a déficits neurológicos relacionados à topo­
grafia da lesão, como afasia, fraqueza, déficits de sensibilidade ou motores etc. Com menos
frequência, os gliomas malignos podem originar diferentes síndromes convulsivas (em 15
a 30% das vezes), o que é uma característica clínica comum dos gliomas de baixo grau.

309
310 neurologia e neurocirurgia HIAE

Neste capítulo, serão abordados dois casos de glioblastoma. Posteriormente, serão dis­
cutidos os aspectos mais relevantes de seu diagnóstico, prognóstico e tratamento.

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 53 anos de idade, deu entrada no pronto-atendimento


do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) após ter batido o carro. O motivo do
acidente foi o fato de o paciente não ter percebido uma fila de carros em seu campo
visual direito. A anamnese inicial, feita na entrada do paciente no pronto-socorro,
era de um homem normal. Nos exames físico geral e neurológico, apresentava ape­
nas um quadro de hemianopsia direita. Não havia, no relato do paciente, qualquer
história anterior de dificuldade neurológica.
A ressonância magnética (RM) cerebral inicial mostrava grande processo expansivo
córtico-subcortical, predominantemente parietal, occipital e temporal esquerdo, com
realce heterogêneo (Figura 27.1). O paciente foi submetido, em setembro de 2008, a
uma craniotomia e à ressecção completa do tumor. O diagnóstico anatomopatológico
foi compatível com glioblastoma. Após 3 semanas, o paciente foi tratado com radiote­
rapia conformada em associação à temozolomida (75 mg/m2/dia), continuadamente
durante o período da radioterapia, que foi administrada em um total de 60 Gy (frações
diárias de 1,8 Gy) direcionados para a cavidade operatória, com margem de 2 cm.

FIGURA 27.1 T I axial pós-contraste. Grande massa córtico-subcortical predom inantem ente
parietal, o ccip ita l e tem poral esquerda, com realce heterogêneo.
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 311

A partir de dezembro de 2008, após o término da radioterapia, o paciente foi trata­


do com temozolomida na dose de 200 mg/m2/dia, por 5 dias, a cada 28 dias. Esse
tratamento vem sendo administrado desde então sem complicações. A última RM
cerebral mostra a cavidade cirúrgica inalterada desde o pós-operatório imediato
(Figura 27.2) e o paciente está estável do ponto de vista clínico geral. Já do ponto de
vista neurológico, apresenta uma afasia de Wernicke caracterizada por déficit de no­
meação, repetição, compreensão, leitura e escrita, além de hemianopsia homônima
à direita e mínimo déficit motor à direita de predomínio braquial distai. O plano foi
administrar essa quimioterapia até completar 6 meses de tratamento.

FIGURA 27.2 T I axial pós-contraste. Cavidade operatória sem sinais de recrescim ento. Área
nodular de im pregnação inalterada em relação ao exame pós-operatório.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, iniciou, em maio de 2008, a ter sinto­
mas leves de formigamento em mento e sensação forte episódica de gosto ruim na
boca. Procurou o pronto-atendimento do HIAE e foi atendido pelo serviço de neu­
rologia que, após exames físico e neurológico normais, solicitou uma RM cerebral.
Nesse exame, foi possível observar um processo expansivo medindo 6 cm em seu
maior diâmetro, envolvendo a ínsula, o lobo frontal profundo, os giros pré-central e
temporal superior direito, acarretando discreto desvio da linha média para a esquer­
da, de aspecto heterogêneo, com limites mal definidos, hipossinal em T l, hipersinal
em T2 e FLAIR com realce periférico (Figura 27.3).
312 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 27.3 T I axial pós-contraste. Imagem com tum or que acomete predom inantem ente giro
tem poral superior que desloca a fissura sylviana caudalm ente e mostra realce heterogêneo.

Em maio de 2008, o paciente foi submetido a uma craniotomia, quando toda a lesão
foi ressecada (Figura 27.4). O exame anatomopatológico mostrou um glioblastoma.
Após a cirurgia, houve desaparecimento dos sintomas neurológicos. O paciente foi
encaminhado ao serviço de radioterapia, quando foi realizada radioterapia loca-
lizada/conformada (dose total de 61,4 Gy, com frações diárias de 1,8 Gy/dia) no
período de 3 de junho de 2008 a 21 de julho de 2008. Concomitante ao tratamento
radioterápico, foi realizado tratamento com temozolomida na dose de 75 mg/m2/
dia, de forma contínua, durante todo o tratamento da radioterapia.

FIGURA 27.4 T I axial com contraste. C avidade operatória, estável em relação ao exame
pós-operatório im ediato.
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 313

Após a conclusão do tratamento radioquimioterápico, iniciou-se a fase de tratamento


adjuvante com temozolomida nas doses de 200 mg/m2/dia, por 5 dias (tratamento ini­
cial com 150 mg/mVdia, por 5 dias). O paciente recebeu um total de três tratamentos
com temozolamida, quando voltou a ter os mesmos sintomas, ainda que em intensidade
menor, de formigamento e dificuldades na fala. Foram realizadas novas imagens de RM
cerebral que, dessa vez, mostraram discreta piora da lesão, com sinais de piora/apareci-
mento de realce nodular após contraste nas margens da lesão (Figura 27.5). O paciente
foi tratado com a combinação de bevacizumabe (10 mg/m2) em associação a irinoteca-
no (340 mg/m2) a cada 2 semanas. Está em tratamento desde dezembro de 2008. Houve
melhora imediata dos sintomas e melhora do realce nas imagens de RM (Figura 27.6).

FIGURA 27.5 T I com pulso de transferência de m agnetização pós-contraste. Controle evo­


lutivo ta rd io evidenciando extensão das áreas de alteração de sinal e leve efeito expansivo ao
longo das m argens da cavidade cirúrgica em relação ao exame anterior, com surgim ento de
foco adicional de quebra da barreira hem atoencefálica em permeio. Tais achados, em conjun­
to com a avaliação da perfusão tis s u la r e da espectroscopia, favorecem a presença de tecido
neoplásico rem anescente viável com alta densidade vascular.

FIGURA 27.6 T I com pulso de transferência de m agnetização pós-contraste. Controle evo­


lutivo, que evidencia extensão sem elhante das áreas de alteração de sinal circunjacentes ao
leito cirúrgico e redução da área de quebra de barreira. Nesta im agem , não m ais se observa a
form ação nodular vista no exame anterior.
314 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO

Em relação ao prognóstico, é possível identificar fatores clínicos favoráveis e desfavoráveis.


Entre os fatores favoráveis, destacam-se a idade jovem, a ausência de sintomas neurológicos,
o bom sta tu s funcional e a magnitude da ressecção possível em cada caso, o que pode variar
de apenas uma biópsia estereotáxica, nos casos irressecáveis, até a ressecção quase completa. É
difícil admitir que possa haver ressecções completas dessas neoplasias, visto que se tratam de
neoplasias verdadeiramente infiltrativas com células neoplásicas presentes, mesmo que isola­
damente, próximas às margens de ressecção até os limites do hipersinal em T2 e FLAIR.
Em gliomas, não há o conceito de margens patológicas livres. Além disso, muito comu-
mente, mesmo se fosse possível uma ressecção completa, esta não seria tentada se o tumor
estivesse em áreas eloquentes, como é o caso de tumores localizados próximos às áreas
da linguagem, motoras ou de controle de funções vitais. Tumores em áreas eloquentes
obviamente podem trazer repercussão clínica, em curto e médio prazos, suficiente para
interferir de forma dramática na qualidade de vida do paciente - aspecto fundamental na
evolução dos tumores cerebrais.
Ainda nos aspectos prognósticos atuais, destacam-se a caracterização do perfil mo­
lecular dessas neoplasias e a correlação desses aspectos com a evolução da doença, bem
como sua maior e menor responsividade ao tratamento complementar após a cirurgia.
Esses mesmos marcadores moleculares estão sendo estudados como possíveis alvos para a
terapêutica alvo-molecular.
É possível determinar o perfil de alterações genéticas nos gliomas em geral, o que é um
tópico extremamente importante nessa nova era de tratamentos alvo-dirigidos. Quando se
identifica um gene mutado que tenha relação com proliferação tumoral e impacto prog­
nóstico, podem-se buscar drogas que se dirijam a esses alvos com o objetivo de interferir
no comportamento dos tumores. Assim, tiveram origem as primeiras gerações de trata­
mentos alvo-molecular dirigidos em toda a oncologia e no tratamento dos gliomas.
A respeito dos gliomas de alto grau, alguns aspectos devem ser ressaltados. Podem ser dife­
renciados dois tipos de glioblastomas. O primeiro tipo é aquele que claramente se formou a partir
da transformação de um glioma de baixo grau. Nesses casos, geralmente é possível depreender
da história clínica que o paciente já apresentava sintomas convulsivos desde idade mais jovem e
que, às vezes, já teve até imagens consistentes com infiltração difusa compatível com glioma de
baixo grau. Podem ser observadas, também, modificações das imagens no decorrer do tempo,
com aparecimento de realce compatível com quebra de barreira hematoencefálica. Quando isso
acontece, pode-se suspeitar de que houve transformação maligna para um glioblastoma e que,
no nível molecular, se caracteriza por presença de mutação no gene p 5 3 e superexpressão dos
ligantes e receptores do p la telet-d erived g ro w th fa c to r (PDGF).
A mutação do gene p 5 3 está associada à divisão celular anormal e à transformação
neoplásica. Antes de se transformarem em um glioblastoma, esses gliomas de baixo grau
passam, provavelmente, por uma fase intermediária de astrocitoma anaplásico a partir de
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 315

outras alterações genéticas intratumorais que incluem deleção ou mutações de ciclinas de­
pendentes de quinase, associadas à inibição d o p 16 ou do gene do retinoblastoma. O passo
de transformação secundária para glioblastoma ocorre, provavelmente, a partir de uma
deleção do cromossomo 10. Nesse cromossomo, está incluído o p h o sp h a ta se a n d te n sin
h o m o lo g (PTEN), que acaba por sofrer deleção. Nesses primeiros tipos de casos, o glioblas­
toma recebe a denominação de secundário, porque ocorre após essa complexa transfor­
mação genética. Por outro lado, tem-se o que se chama de glioblastomas de n o v o , ou seja,
de forma primária, sem que tenha havido qualquer fase anterior de glioma de baixo grau.
Trata-se do segundo tipo e o mais frequente das formas de glioblastoma, diagnosticado em
pacientes de idade mais avançada.
Do ponto de vista molecular, os glioblastomas primários compartilham algumas das al­
terações moleculares já descritas anteriormente para os casos de glioblastoma secundário,
como a perda do PTEN e a mutação ou deleção d o p 16. Como características específicas,
no entanto, são frequentes a presença de amplificação dos receptores de EGF e a ausência
de alterações dop53. A compreensão desses mecanismos tem levado à idealização de estra­
tégias racionais de terapias alvo-direcionadas no tratamento dos gliomas malignos.
Outro aspecto muito importante que está sendo estudado é a determinação do s ta ­
tu s da metilação do promotor do gene da metilguanina metil transferase (MGMT). Esse
gene é responsável pela produção da enzima MGMT, responsável pela reparação do DNA,
que sofre a ação de radio ou quimioterapia alquilante. A metilação do gene promotor da
MGMT inativa essa enzima em sua posição O6da guanina, de modo que esses tumores são
mais sensíveis à ação de agentes alquilantes e da radioterapia. Com técnica de imuno-his-
toquímica, Friedman et al. registraram resposta em 60% dos pacientes com glioblastomas
recém-diagnosticados e que continham níveis altos de metilação do promotor do gene da
enzima MGMT, levando à sua inativação, tratados com temozolomida, em comparação
a 9% de resposta daqueles que tinham esses níveis baixos. A metilação do promotor do
MGMT está presente em até 35% dos pacientes.

DIAGNOSTICO

A RM constitui o padrão-ouro na orientação diagnóstica dos tumores do SNC. Ima­


gens de TC podem perder lesões menores, principalmente se estas forem basicamente in-
filtrativas difusas, sobretudo na área da fossa posterior. Em particular, os gliomas malignos
caracterizam-se por lesões infiltrativas que mostram algum grau de quebra de barreira
após a injeção do contraste paramagnético. Os astrocitomas anaplásicos usualmente exi­
bem sinal hipointenso em TI e hiperintenso em T2 na RM. Já o glioblastoma apresenta ca-
racteristicamente lesões com realces periféricos com necrose central e edema vasogênico.
Como diagnóstico diferencial, deve-se sempre lembrar das lesões metastáticas que afe­
tam o SNC ou, ainda, de lesões de natureza inflamatória, como no caso dos abscessos ou
granulomas ou de certas lesões vasculares, muito menos comuns. Juntamente com a RM
316 neurologia e neurocirurgia HIAE

convencional, o emprego de técnicas de espectroscopia e estudos de perfiisão pode ajudar


a identificar lesões proliferativas ou mostrar aumento do volume sanguíneo intratumoral.
Exame de PET Scan com fluordesoxiglicose pode ser útil para se fazer a diferença com
doenças benignas. O diagnóstico é feito por meio de biópsia estereotáxica, nos casos em
que não é possível se fazer a ressecção completa da lesão, ou diretamente, por meio da
ressecção cirúrgica por craniotomia. Os critérios anatomopatológicos para o astrocitoma
anaplásico são atipia celular, pleomorfismo nuclear e mitoses, enquanto, no caso do glio-
blastoma, estes são acrescidos de proliferação vascular e áreas de necrose com frequente
aspecto de pseudopaliçadas.

TRATAMENTO DOS GLIOMAS

Após o diagnóstico histológico, os pacientes são tratados de forma multidisciplinar. A


ressecção cirúrgica completa é um objetivo muito importante. A ressecção máxima, sem­
pre que possível, parece aumentar as chances de sobrevida.
Após o tratamento cirúrgico, os pacientes são tratados de forma complementar com ra­
dioterapia associada à quimioterapia. A radioterapia é administrada geralmente na dose de
58 a 60 Gy (em frações de 1,5 a 2 Gy) dirigidos para a área operada que continha o tumor,
mantendo-se uma margem de 2 a 3 cm. A droga de escolha é a temozolomida (Temodal®),
que promove uma reação de metilação em três posições específicas na molécula do DNA: N7
da guanina, O3da adenina e O6da guanina. Essa ação farmacológica leva à apoptose celular.
A temozolomida é uma medicação com 100% de biodisponibilidade oral, atravessando
imediatamente a barreira hematoencefálica e atingindo ao redor de 40% da concentração
plasmática. A droga é administrada na dose de 75 mg/m2/dia, concomitantemente à radio­
terapia. De modo geral, é uma medicação facilmente tolerada. Seu perfil de toxicidade é
hematológico e gastrointestinal. Os pacientes são monitorados com exames hematológicos
regulares e infecções graves são infrequentes.
Outras manifestações não hematológicas leves a moderadas são náusea, vômitos, cons­
tipação e fadiga. Terminada a radioterapia, os pacientes são tratados com temozolomida,
agora como tratamento único, na dose de 150 a 200 mg/m2/dia, por 5 dias, a cada 28 dias.
São realizados pelo menos seis ciclos de Temodal®, o que significa um total de pelo menos
6 meses de tratamento. A associação do Temodal® à radioterapia foi estabelecida como
tratamento de escolha após a publicação de um importante estudo prospectivo e randomi-
zado, no qual essa associação, em comparação à radioterapia isolada, aumentou significa­
tivamente a sobrevida dos pacientes que receberam a associação. Nesse estudo, conduzido
pelo European Organization for Research and Treatment of Câncer (EORTC) e pelo Na­
cional Câncer Institute of Canada (NCIC), 573 pacientes foram randomizados entre radio­
terapia isolada e radioterapia com temozolomida. A taxa de sobrevida em 2 anos foi de 10
e 24%, respectivamente. O cálculo da sobrevida mediana foi superior em 12,5 meses para
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 317

os pacientes que receberam o tratamento combinado. Esse benefício foi estatisticamente


significativo, sobretudo nos pacientes que tiveram ressecção cirúrgica máxima.
Outro dado importante nesse estudo que corroborou o significado prognóstico do
s ta tu s do gene MGMT foi o achado de que, em estudo por PCR, aqueles pacientes que
apresentavam o promotor do gene MGMT metilado (baixo nível de atividade da enzima
reparadora) apresentavam maior sobrevida em relação àqueles cujo promotor do MGMT
estava em estado não metilado (alto nível de atividade da enzima reparadora). Nessa análi­
se, a sobrevida em 2 anos no grupo com MGMT metilado tratado com radioterapia foi de
22%, ao passo que, quando se adicionou temozolomida à radioterapia, passou para 46%.
Na mesma análise, para aqueles com o status não metilado da enzima, a sobrevida em 2 anos
foi de apenas 2% para o grupo tratado somente com radioterapia e de 13% para o grupo tratado
com a combinação. Esse resultado reforça a ideia de que o status de metilação do gene da enzima
MGMT tem significado prognóstico independente e, ao mesmo tempo, preditivo de resposta
quando os pacientes são tratados com radioterapia e temozolomida. Esses resultados foram ob­
tidos a partir de análise retrospectiva e devem ser validados em estudos prospectivos.
Para os pacientes com glioblastoma que não podem ser ressecados, seja pela extensão
da doença ou pela localização em áreas eloquentes, o tratamento de eleição também é a
associação de radioterapia e temozolomida. Nessas situações, contudo, o resultado parece
ser inferior. No caso de pacientes com astrocitoma anaplásico, esse tratamento tem sido
empregado de forma consensual. No entanto, o real benefício para esses pacientes ainda
está para ser elucidado em estudo semelhante que está em andamento.
Ainda como tratamento complementar, existe outro tratamento que, apesar de não es­
tar disponível no Brasil, é utilizado em outros países. Devido ao fato de a maioria dos
astrocitomas malignos recidivarem dentro de 2 cm do local do tumor primário, tratamen­
tos locorregionais poderiam evitar potencialmente a recorrência da doença. É o caso das
chamadas “bolachas de carmustina” (c a r m u s tin e w a fers). Outras modalidades desse tipo de
tratamento são a radiocirurgia estereotáxica, os radioimunoconjugados e os conjugados
biológicos envolvendo toxinas.
As bolachas de carmustina são feitas de um material biodegradável chamado Polifeprosan
20, contendo o quimioterápico carmustina, que é colocado no leito tumoral após a ressecção
cirúrgica. Baseado em dois estudos randomizados, duplo-cegos, que mostraram pequeno be­
nefício de sobrevida estatisticamente significativo, a Food and Drug Administration (FDA)
aprovou esse tratamento em glioblastomas recém-diagnosticados e operados. Em um desses
estudos envolvendo 240 pacientes, a colocação das bolachas de carmustina proporcionou
benefício de sobrevida da ordem de 2 meses quando comparada ao placebo.

MANEJO DA RECIDIVA TUMORAL

Esse é um aspecto muito importante, visto que, infelizmente, a imensa maioria dos pa­
cientes com glioma de alto grau, tratados da melhor maneira possível, recairá de sua doença
318 neurologia e neurocirurgia HIAE

em um prazo de aproximadamente 6 meses a 1 ano. O diagnóstico de recorrência representa


um dilema importante no acompanhamento desses pacientes. A interpretação da imagem de
RM, quando se trata de uma progressão tumoral ou de um processo chamado radionecrose,
pode ser particularmente difícil nos pacientes tratados previamente com radioterapia.
A radionecrose é um processo vascular crônico que se caracteriza pela destruição gra­
dativa da microvasculatura, resultando em necrose da área irradiada. Na imagem de RM
cerebral, esse processo pode se apresentar como imagem de necrose, quebra de barreira
com realce após contraste e edema perilesional. Esse padrão é muito parecido com o que
se vê na progressão tumoral. A diferença entre progressão tumoral e radionecrose, baseada
em critérios de imagem de RM convencional, é, na maioria das vezes, impossível.
Outras modalidades de estudo de imagem podem ser realizadas, como ressonância com
espectroscopia, estudo de difusão, perfixsão e PET-CT Scan. O estudo de ressonância com es-
pectroscopia examina a relação de metabólitos teciduais na área do tumor, em comparação ao
parênquima cerebral normal. Os metabólitos examinados são a colina e a creatina. Uma relação
elevada entre colina e creatina, usualmente, representa um sinal de proliferação celular e, por­
tanto, recidiva tumoral. Quando, por outro lado, ocorre supressão dos metabólitos, geralmen­
te isso significa resposta antitumoral e, portanto, radionecrose. Esse estudo tem valor quando
analisado sequencialmente e em comparação aos exames anteriores, já que, muitas vezes, o que
ocorre é a mistura de progressão em meio a uma área de radionecrose.
A técnica de ressonância com estudos de difusão mede a mobilidade da água através do
tecido cerebral. O índice de difusão da água geralmente é maior no tecido necrótico e menor
no tecido com infiltração celular, de modo que as taxas de difusão costumam ser menores nos
tecidos infiltrados por tumor em comparação aos tecidos tratados e sem evidência de tumor.
Já a técnica de perfiisão mede a riqueza de vascularização intratumoral, a qual se apresenta de
forma mais acentuada quando existe proliferação tumoral. No caso de necrose, a vasculariza­
ção e, portanto, a perfiisão se tornam reduzidas. Finalmente, o exame de PET-CT Scan é outra
técnica para medir proliferações tumorais por meio da medida de hipercaptação de radiofár-
macos, os quais podem ser 18Fluordeoxiglicose, 18F-fluordeoxitimidina e nC-metionina. Essas
modalidades de imagem podem auxiliar ainda mais na diferenciação entre recidiva tumoral
e radionecrose.
Uma vez realizado o diagnóstico da recidiva tumoral, o prognóstico é sombrio e per­
cebido imediatamente como o final da história natural dessa doença. A primeira pergunta
a se fazer é sobre a possibilidade de ressecção cirúrgica. A ressecção cirúrgica pode ser
considerada para confirmação diagnóstica da recidiva, alívio sintomático do efeito expan­
sivo ou edema e para conseguir citorredução antes de prosseguir com outras terapêuticas.
É verdade, também, que a ressecção cirúrgica pode, em situações excepcionais, prolongar a
sobrevida. Assim como a utilização de c a r m u s tin e w a fers mostrou benefício em sobrevida
nos glioblastomas recém-diagnosticados, um estudo menor mostrou algum benefício des­
sas “bolachas” no tratamento da recidiva tumoral. Um estudo demonstrou prolongamento
de sobrevida de 8 semanas.
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 319

Outra possibilidade que às vezes se anuncia é a reirradiação, que nunca pode ser feita
com doses convencionais de radioterapia em função do risco elevadíssimo de radionecro-
se. Outras técnicas, como in te n se m o d u la tio n ra d ia tio n th e ra p y (IMRT) e radiocirurgia,
também são cogitadas no cenário de radioterapia pós-rerressecção. Vários pequenos estu­
dos têm demonstrado algum benefício da radiocirurgia na recidiva tumoral, sugerindo um
prolongamento da sobrevida para cerca de 10 a 12 meses, quando utilizada radiocirurgia
de fração única, ou de 7 a 12 meses, quando fracionada. Não há, no entanto, estudo pros-
pectivo e randomizado que possa esclarecer o real benefício desse tratamento. Ambas as
possibilidades são consideradas em função de alguns aspectos importantes.
O intervalo livre de recidiva e a perspectiva de sequelas pós-tratamento local são os ele­
mentos essenciais na decisão de retratamento local. O local da recidiva e as áreas funcionais
que podem ser afetadas constituem fatores fundamentais para uma escolha de tratamentos
locais de resgate. Mesmo quando a opção de retratamento local é viável, o prognóstico per­
manece sombrio na quase totalidade dos casos, ainda que possa representar um período a
mais livre de sintomas e progressão tumoral. Frequentemente, contudo, a situação se revela
intratável do ponto de vista local e inevitavelmente desastrosa para o paciente, os familia­
res e a equipe médica. Até o momento, praticamente não há opção de tratamento quimio-
terápico com resultados razoáveis nessa situação. Podem ser encontradas, no entanto, na
literatura médica, algumas opções que frequentemente são tentadas. O retratamento com
temozolomida em doses contínuas talvez seja a mais importante. Pode-se, também, cogitar
o retratamento em doses convencionais, se o paciente teve um intervalo livre de progres­
são e, principalmente, se teve resposta objetiva no passado.
O retratamento com temozolamida em associação a outros agentes quimioterápi-
cos, como procarbazina, BCNU, irinotecano, etoposide e topotecano, já foi testado, mas
os resultados não foram muito promissores. Mais recentemente, têm sido exploradas
algumas opções de tratamentos com drogas-alvo. O esquema mais importante é a com­
binação de bevacizumabe com irinotecano. Esse esquema tem sido estudado em séries
relativamente pequenas de pacientes. Trata-se de um protocolo de tratamento que foi
inicialmente ensaiado pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e que entusias­
mou muito a comunidade oncológica quando mostrou que cerca de 40% dos pacientes
apresentaram remissão objetiva da área de edema e, muitas vezes, do volume de realce
tumoral. O elemento-chave desse protocolo é a droga bevacizumabe, uma molécula de
ação antiangiogênica, um anticorpo monoclonal humanizado que se liga ao v a sc u la r e n -
d o th e lia l g r o w th fa c t o r (VEGF), de administração endovenosa e que, claramente, trouxe
ação marcantemente antiedematosa com repercussão quase imediata no controle dos
sintomas nos pacientes tratados. O impacto dessa associação tem chamado muito a aten­
ção em relação à melhora do edema e da sintomatologia clínica decorrente. Muitas vezes,
nota-se que essa melhora é mais importante que a advinda do uso de corticosteroide.
Acrescenta-se a isso a possibilidade de retirada do corticosteroide e os benefícios que
isso acarreta ao bem-estar do paciente.
320 neurologia e neurocirurgia HIAE

Um dos primeiros estudos dessa combinação demonstrou resposta radiográfica fasci­


nante em 63% dos pacientes tratados, com período livre de progressão em 6 meses de 32%,
para glioblastoma (GBM), e 61%, para astrocitomas anaplásicos recidivados. Ainda não foi
relatado estudo que tenha randomizado pacientes com glioblastoma, de modo que não é
possível fazer a comparação entre a associação de bevacizumabe e irinotecano e qualquer
outra combinação histórica. Apesar disso, em função dos resultados surpreendentes, essa
associação tem sido aceita como tratamento de resgate em pacientes com glioblastoma que
progride após tratamento com radioterapia e temozolamida. O tempo médio livre de pro­
gressão desse esquema é de 4 a 6 meses. A comparação com a experiência histórica é que,
uma vez tendo ocorrido progressão de um glioblastoma, a sobrevida livre de progressão
em 6 meses é de apenas 15% e a sobrevida livre de progressão na mediana é de 9 semanas.
A partir daí, os pacientes geralmente mostram sinais de progressão contínua e morte em
poucas semanas. Perto disso, a experiência relatada com bevacizumabe e irinotecano traz
uma perspectiva mais alentadora. Muitos estudos clínicos estão sendo realizados para me­
lhor comprovar ou desmentir esses achados. Outro ponto importante que se deve salientar
é que vários estudos clínicos estão trazendo o uso dessas medicações antiangiogênicas em
associação à quimioterapia para as fases mais precoces do tratamento dessa doença, sendo
que essa estratégia representa, sem dúvida, o foco atual na pesquisa do tratamento dos
gliomas de alto grau, particularmente do glioblastoma.

a PONTOS RELEVANTES

0 Os gliomas de alto grau correspondem a 78% dos tumores primários do SNC em adul­
tos e têm comportamento bastante agressivo, com sobrevida mediana de 9 a 12 meses,
para o glioblastoma, e de 2 a 3 anos, para o astrocitoma anaplásico.
0 O glioblastoma compreende duas entidades clínicas distintas que evoluem por vias ge­
néticas diversas e se manifestam em diferentes faixas etárias, embora com caracterís­
ticas morfológicas e microscópicas indistinguíveis. O glioblastoma primário (d e n o v o )
corresponde a 95% dos casos, geralmente apresenta curto intervalo entre a apresen­
tação dos sintomas e o diagnóstico e ocorre com mais frequência em pacientes ido­
sos, com predomínio no sexo masculino. Do ponto de vista molecular, caracteriza-se,
frequentemente, por amplificação dos receptores do EGF e mutações ou deleções do
PTEN, levando a uma desregulação da via de sinalização PI3K/AKT, entre outras. O
glioblastoma secundário é relativamente raro e se desenvolve a partir de um astrocito­
ma de baixo grau. Tende a acometer pacientes mais jovens, com predomínio no sexo
feminino, e apresenta, mais frequentemente, mutações do gene supressor p 5 3 , aumento
da expressão ou amplificação dos ligantes ou receptores do PDGF, alterações das vias
do p 16, retinoblastoma, entre outros.
0 A cirurgia é essencial para permitir o diagnóstico definitivo do glioblastoma. O papel
da extensão da ressecção como fator prognóstico, embora altamente provável, ainda é
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 321

controverso. A tendência da maioria dos serviços tem sido indicar a cirurgia mais am­
pla possível, desde que segura (sem risco de causar piora do quadro neurológico), nos
pacientes com tumores acessíveis, particularmente nos jovens.
0 Atualmente, a associação de radioterapia fracionada na dose de 58 a 60 Gy e temozo-
lomida (75 mg/m2/dia) de forma contínua, concomitante à radioterapia, seguida de te-
mozolomida na dose de 150 a 200 mg/m2/dia, por 5 dias, a cada 28 dias, por 6 ciclos, foi
estabelecida como tratamento de escolha após a publicação de um importante estudo
prospectivo e randomizado.
0 O s ta tu s de metilação do gene da enzima MGMT tem significado prognóstico indepen­
dente e, ao mesmo tempo, preditivo de resposta, quando os pacientes são tratados com
radioterapia e temozolomida.
0 O tratamento de escolha nos casos de recidiva ainda não está estabelecido. Mais re­
centemente, têm sido exploradas algumas opções de tratamento com drogas-alvo. O
esquema mais utilizado é a combinação de bevacizumabe e irinotecano.
0 A combinação de drogas antiangiogênicas e quimioterapia com e sem associação à
radioterapia é o foco atual da pesquisa clínica no tratamento concomitante e adjuvante
do glioblastoma e dos gliomas de alto grau.

QUES T ÕE S

1. Em relação aos gliomas malignos, qual afirmação é verdadeira?


A. São os tumores malignos do SNC mais frequentes no adulto.
B. A sobrevida mediana esperada é de 18 meses.
C. Crises epilépticas costumam ser o sintoma mais frequente.

2. É característica dos glioblastomas secundários:


A. Idade avançada.
B. Amplificação dos receptores EGF.
C. Mutação do gene p53.

3. Em relação ao tratamento do glioblastoma, qual afirmação é falsa?


A. A cirurgia radical aumenta a sobrevida dos pacientes.
B. A combinação de temozolomida e radioterapia seguida de 6 ciclos de temozolomida é o
tratamento de escolha nos pacientes recém-diagnosticados.
C. A combinação de bevacizumabe e irinotecano é o tratamento de escolha nas recidivas.
neurologia e neurocirurgia HIAE

4. Em relação à enzima MGMT, qual afirmação é falsa?


A. A metilação do gene promotor da MGMT inativa a enzima, de modo que os tumores se tornam
mais sensíveis à ação de agentes alquilantes e da radioterapia.
B. A avaliação do status da MGMT rotineira está indicada em todos os pacientes com diagnóstico
de glioblastoma.
C. A metilação do gene da enzima MGMT tem significado prognóstico independente e, ao mesmo
tempo, preditivo de resposta, quando esses pacientes são tratados com radioterapia e temozo-
lomida.

5. Em relação à recidiva no glioblastoma, qual afirmação é verdadeira?


A. A RM é o método de escolha para o diagnóstico.
B. O diagnóstico diferencial com radionecrose pode ser complexo nesses pacientes.
C. O retratamento com temozolomida em doses convencionais deve ser tentado sempre.

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28

Oncogenética em neurofibromatose tipos I e II —


aplicações práticas
Fernanda Teresa de Lima

INTRODUÇÃO

As neurofibromatoses são doenças genéticas que afetam primariamente o crescimento


celular de tecidos neurais.1Constituem um grupo heterogêneo de doenças, sendo a neuro­
fibromatose tipo 1 (NF1) a forma mais comum, também conhecida como doença de Von
Recklinghausen.2 A segunda forma é a neurofibromatose tipo 2 (NF2), caracterizada por
schwannomas vestibulares (SV) bilaterais. As formas alternativas são definidas como con­
dições que apresentam algumas das características clássicas, mas não de maneira típica.2
A NF1 e a NF2 são doenças autossômicas dominantes, progressivas, com penetrância
completa e, em cerca da metade dos casos, sem história familiar positiva.3A NF1 afeta cerca
de 1:3.500 indivíduos4e apresenta grande variabilidade clínica, de modo que os pais devem
ser submetidos à avaliação clínica e complementar antes de serem definidos como não afeta­
dos.3A NF2, por sua vez, é mais rara, afetando cerca de 1:25.000 indivíduos, e caracterizada
por SV.2 Apresenta grande homogeneidade clínica intrafamiliar e evolução muito variável,
dependente do comprometimento tumoral, do manejo e das complicações cirúrgicas.2

325
326 neurologia e neurocirurgia HIAE

RELATO DE CASOS

Caso 1 — NF1

Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, nasceu com poucas manchas “café
com leite” e, com 1 ano de idade, já apresentou dificuldades visuais, especialmente
à esquerda. Foram diagnosticados miopia e estrabismo, iniciando-se correção vi­
sual e oclusão intermitente. Evoluiu com quedas. Aos 7 a 8 anos, aumentaram as
manchas e apareceram as sardas. Aos 8 anos, iniciou cefaleia intensa e, aos 9 anos,
foi levantada a suspeita diagnóstica de NF1, sendo encaminhada ao neurologista.
Aos 10 anos, fez ressonância magnética (RM) de crânio e exames oftalmológicos
específicos, quando foi identificada perda visual quase completa à esquerda e feito o
diagnóstico de glioma óptico. A paciente não fez tratamento algum.
Aos 11 anos, apareceram nódulos cutâneos. Após 12 anos, iniciou acompanhamen­
to com RM cerebral anual. Há 11 anos, iniciou exérese seletiva de neurofibromas
cutâneos que causavam dor e desconforto e fez RM da coluna cervical, torácica e
lombossacral e dos membros inferiores, detectando neurofibromas intrarraquianos
e paravertebrais e nas panturrilhas, mantendo acompanhamento periódico (Figura
28.1). Os nódulos aumentaram em número e tamanho. Há 2 anos, apresenta cefaleia
intensa seguida de perda de consciência e convulsão, não acompanhada de altera­
ção de tamanho dos tumores de sistema nervoso central (SNC).

FIGURA 28.1 Espessamento do nervo óptico esquerdo sem realce associado. A: nódu­
lo córtico-subcortical tem poral esquerdo, lobulado, com hipersinal em T2/FLAIR, hipossinal
em T l, m ínim o realce periférico e diâm etro médio igual a 2,5 cm. B: nódulo em projeção
córtico-subcortical fro n ta l à direita, param ediano, com diâm etro máximo igual a 1,5 cm e
característica sem elhante à descrita.
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 327

D ia g n ó s tic o c lín ic o

Os critérios diagnósticos estão listados na Tabela 28 .1 1 e são muito sensíveis e especí­


ficos em adultos, mas pouco sensíveis para crianças, visto que os sinais da NF1 são idade—
-dependentes.

TABELA 28.1 Critérios diagnósticos de NF1


NF1 está presente em um paciente com dois ou mais dos seguintes critérios
Seis ou mais manchas “ café com leite” > 5 mm no maior diâmetro em indivíduos pré-puberais ou > 15 mm
após a puberdade
Dois ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um ou mais neurofibromas plexiformes
Sardas nas regiões axilares ou inguinais (sinal de Crowe)
Um tumor na via óptica
Dois ou mais nódulos de Lisch (hamartomas da íris)
Uma lesão óssea distinta, como displasia da asa do esfenoide ou espessamento do córtex de ossos longos
com ou sem pseudoartrose
Um parente de primeiro grau com NF1 que preencha os critérios anteriores

D ia g n ó s tic o c o m p le m e n t a r

A abordagem inicial de pacientes com NF 1 deve constar de anamnese com ênfase aos
sinais e sintomas da doença e exame físico, com antropometria, medida da pressão arterial
(PA), avaliação da pele, inspeção dos ossos longos e coluna e exame neurológico.5Uma vez
considerado o diagnóstico, o paciente deve ser encaminhado a um médico com experiên­
cia em neurofibromatose.6
Investigações complementares não são recomendadas para a detecção da maioria das
complicações da doença, mas deve-se realizar uma avaliação oftalmológica, principalmen­
te em crianças, que normalmente não se queixam de sintomas visuais.6

D ia g n ó s tic o s d if e r e n c ia is

Os diagnósticos diferenciais são mostrados na Tabela 28.2.6

TABELA 28.2 Diagnósticos diferenciais


Outras formas de neurofibromatose
Neurofibromatose segmentar
Síndrome de Watson
Manchas “ café com leite" autossômicas dominantes
Neurofibromatose tipo 2
Schwannomatose
(continua)
328 neurologia e neurocirurgia HIAE

(continuação)

Outras condições com ‘‘manchas café com leite"


Síndrome de McCune-AIbright
Síndromes de reparo de DNA
Homozigose para um dos genes causadores da Síndrome de Lynch
Condições com máculas hiperpigmentadas confundidas com NF1
Leopard
Melanose neurocutânea
Síndrome de Peutz-Jeghers
Piebaldismo
Síndromes com hipertrofia localizada
Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber
Síndrome de Proteus
Condições com tumores confundidos com neurofibromas
Lipomatose
Síndrome de Bannayan-Riley-Ruvalcaba
Neoplasia endócrina múltipla tipo 2B
Fibromatoses

T r a ta m e n to

Os pacientes com NF1 devem ser cuidadosamente acompanhados, especialmente du­


rante a infância. O acompanhamento deve ser multidisciplinar e baseado na monitoração
idade-específica dos sintomas e na educação do paciente.6 Complicações graves podem
aparecer em todas as idades, de modo que os pacientes devem ser orientados a procurar o
médico frente a sintomas não usuais. Todas as crianças com doença não complicada de­
vem ser avaliadas anualmente, conforme as orientações da Tabela 28.3.6

TABELA 28.3 Monitoração da doença em crianças6


Avaliação anual em crianças
Desenvolvimento e progresso escolar
Avaliação oftalmológica, acuidade visual e fundoscopia até os 7 anos de idade (avaliação de visão a cores)
Perímetro cefálico, peso e altura
Desenvolvimento puberal
Pressão arterial
Exame cardiovascular
Avaliação da coluna e da pele
Exame sistêmico se houver sintomas específicos
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 329

Adultos com quadro mais grave devem ser acompanhados periodicamente. Aos adul­
tos assintomáticos, o acompanhamento mínimo inclui monitoração da PA e controle de
sintomas não usuais. Na presença de qualquer alteração, o paciente deve ser encaminhado
a um especialista. As RM de crânio e coluna basais e imagem do tórax e abdome não in­
fluenciam o manejo e não são recomendadas.6
O controle dos principais sintomas da doença é sumarizado na Tabela 28.4.

TABELA 28.4 Controle dos principais sinais e sintomas7


Sintoma/sinal Conduta
Manchas “ café com leite" Sem necessidade de remoção
Sardas Sem necessidade de acompanhamento
Nódulos de Lisch Acompanhamento oftalmológico
Neurofibroma cutâneo Remoção cirúrgica se houver dor ou necessidade cosmética,
dependendo do tamanho e da localização. Terapia a pode ser
útil. Depois da remoção, pode haver recidiva local, queloide e déficit
neurológico
Neurofibroma plexiforme Acompanhamento periódico com atenção especial a sinais de
malignização. FGD-PET pode ajudar na diferenciação de maligni­
dade. Excisão cirúrgica para tumores sintomáticos. Radioterapia é
contraindicada
Tumores malignos da bainha dos Ressecção completa com margens livres é o ideal, mas a localização
nervos periféricos (TMBNP) tumoral determina a possibilidade cirúrgica. Radioterapia pode ser
útil para tumores parcialmente ressecáveis, agressivos ou maiores
que 5 cm. Quimioterapia permanece controversa. Acompanhamento
periódico de metástases
Displasia esquelética Escoliose pode necessitar de tratamento. Pseudoartroses geralmente
não respondem bem à cirurgia e a amputação pode ser necessária,
embora o tratamento com bifosfonados possa ser útil
Gliomas ópticos RM de crânio a cada 3 a 12 meses, com avaliação neuro-oftalmoló-
gica eendocrinológica. Quimioterapia padrão inclui carboplatina e
vincristina
Déficits neurocognitivos Desenvolvimento de um plano individual educacional, avaliações
precoces e periódicas com especialista em educação especial
Anomalias cardiovasculares Se a PA estiver elevada, arteriografia renal e dosagem de catecolami-
nas totais e fracionadas em urina de 24 h. Se houver sopro, encami­
nhar ao cardiologista

Terapias que retardam o avanço de neurofibromas estão em fase experimental e podem


ser classificadas em dois grupos: um que atua sobre as vias de sinalização desreguladas nos
tumores deficientes em neurofibromina e outro que atua sobre as células neurofibromina
negativas estromais no microambiente tumoral. Além disso, estratégias baseadas na corre­
ção da sinalização de RAS estão sendo propostas para o tratamento de déficits cognitivos
na neurofibromatose.7
330 neurologia e neurocirurgia HIAE

► DISCUSSÃO
N e u ro fib ro m a s

Os neurofibromas são tumores benignos que surgem da bainha dos nervos periféri­
cos, sendo classificados em discretos (cutâneos ou subcutâneos) ou plexiformes (nodu­
lares ou difusos).4,6 Os neurofibromas cutâneos ou subcutâneos geralmente aparecem na
adolescência e podem estar associados a prurido2 (Figura 28.2). Já os plexiformes (Figura
28.3) envolvem múltiplos feixes nervosos e podem crescer exageradamente e causar des­
figuração, apresentando ramificações digitiformes que se insinuam nos tecidos adjacentes
normais, tornando a remoção cirúrgica completa praticamente impossível.4 Geralmente
aparecem nos primeiros anos de vida.

FIGURA 28.2 Neurofibrom as cutâneos e subcutâneos.

FIGURA 28.3 A: neurofibrom a plexiform e que acom ete todo o m em bro in fe rio r esquerdo.
B: neurofibrom as plexiform es cervicais, p a ra tra q u e a is, em tra je to de plexo b ra q u ia l e su -
p ra cla vicu la re s b ila te ra is .
(continua)
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 331

FIGURA 28.3 (continuação) C: neurofibrom as plexiform es de um mesmo paciente, acom e­


tendo raízes nervosas lom bares e sacrais e nervos dos membros inferiores, bilateralm ente.

Os neurofibromas plexiformes podem malignizar, dando origem aos tumores malignos


da bainha dos nervos periféricos (TMBNP), antes denominados neurofibrossarcomas ou
schwannomas malignos,46 tumores de difícil detecção e mau prognóstico.8 Entre os sinto­
mas, estão intensa dor, aumento rápido no tamanho ou mudança na consistência ou déficit
neurológico.8 Os TMBNP devem ser removidos cirurgicamente com amplas margens livres,
sempre que possível, e o tratamento oncológico é semelhante ao de tumores de tecidos moles
de pacientes não NF1. A radioterapia tem pouco efeito na sobrevida em longo prazo, embora
possa auxiliar no controle de recidivas locais. O uso de quimioterápicos é controverso.8

G lio m a s ó p tic o s

Os gliomas ópticos são astrocitomas pilocíticos grau I (WHO), ocorrendo em cerca de


15% das crianças com NF1, em qualquer porção da via óptica.4 Geralmente, são assinto-
máticos e mais indolentes que os gliomas esporádicos. O risco de gliomas sintomáticos é
maior nos primeiros 7 anos de vida. Podem causar alterações visuais e disfunção hipotalâ-
mica.6 Nos negros com NF1, a ocorrência de gliomas ópticos é menor.6Além dos gliomas
ópticos, os gliomas não ópticos na NF1 podem ocorrer em qualquer ponto do neuroáxis e
apresentam maior frequência de progressão maligna que tumores semelhantes na popula­
ção geral, sem NF1.9

G e n é tic a

O gene da NF1 está localizado em 17ql 1.2 e é um gene supressor tumoral, grande, com­
posto por 60 éxons.10 Codifica a proteína neurofibromina, uma região de homologia com
a família de proteínas ativadoras de GTPase (GAP), o domínio relacionado a GAP (GRD).
O GRD pode estimular a atividade GTPase intrínseca de RAS.10-12
neurologia e neurocirurgia HIAE

O gene R A S é um proto-oncogene que codifica a proteína RAS, ativa quando ligada à


GTP e inativa quando ligada à GDP. A neurofibromina inativa RAS-GTP e a diminuição de
seus níveis leva a um aumento da proliferação e da sobrevivência celular (Figura 28.4).10)12

FIGURA 28.4 Esquema m ostrando efeitos da inativação da neurofibrom ina m utada, m anten­
do o RAS na sua form a ativa (RAS-GTP) e causando aum ento da proliferação e sobrevivência
celulares.71012

A análise de mutações nos pacientes com NF1 é de difícil execução por causa do grande
tamanho do gene e da falta de pontos quentes de mutação. Atualmente, mutações no gene NF1
são encontradas em aproximadamente 85 a 95% dos pacientes usando uma combinação de téc­
nicas moleculares que incluem DHPLC, sequenciamento direto, FISH, MLPA e array de CGH.6
A maior parte das mutações resulta em uma proteína truncada.11 Acredita-se que a extrema
variabilidade clínica observada na NF1 ocorra devido à atuação de genes modificadores.1013
Outro gene, o S P R E D 1 , foi associado a manchas “café com leite” e sardas, transmitidas
de maneira autossômica dominante, sem outras características da NF1.14

A c o n s e lh a m e n to g e n é tic o

O aconselhamento genético deve ser oferecido para todas as famílias afetadas por NF1.
O risco de NF1 para cada descendente de um afetado é de 50%, independentemente do
sexo. É importante ressaltar que existe grande variabilidade clínica da doença e que ainda
não existem maneiras de se prever a gravidade e a evolução.56
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 333

Caso 2 - NF2

Paciente do sexo masculino, 31 anos de idade, com início da sintomatologia aos 9


anos, com paralisia facial do lado direito, removeu um tumor benigno localizado no
ouvido médio que comprimia o nervo facial com exérese de martelo, estribo e bi­
gorna, evoluindo com melhora da paralisia facial e acentuada perda de audição. Três
anos após, reconstruiu o ouvido médio, sem melhora auditiva. Aos 19 anos, iniciou
perda auditiva no ouvido esquerdo, que melhorou com uso de corticosteroides, e
realizou RM do SNC, detectando SV bilateral, com aproximadamente 5 mm do lado
direito e 7 mm do lado esquerdo, com diagnóstico de NF2. Abordou cirurgicamente
o ouvido direito com uma equipe de neurocirurgiões e otorrinolaringologistas, atra­
vés da fossa média e com monitoração intraoperatória do nervo auditivo e facial,
com preservação da audição e remoção integral do tumor, evoluindo com paralisia
facial completa do lado operado. Seis meses após essa cirurgia, período durante o
qual realizou fisioterapia facial, realizou a abordagem cirúrgica do ouvido esquerdo,
também por fossa média, com preservação da audição e remoção total do tumor.
Após o diagnóstico da NF2, iniciou a realização de exames anuais de RM do SNC e
da coluna para acompanhamento da doença. Aos 21 anos, foram encontrados dois
meningiomas calcificados intradurais e um intramedular (Figura 28.5). Aos 23 anos,
os exames de RM começaram a apresentar evolução dos SV removidos, principal­
mente à direita. Manteve monitoramento por 6 meses e, após esse período, o tumor
à direita apresentava cerca de 1,5 cm de diâmetro. Aos 25 anos, o tumor apresentava
2,5 cm, já quase sem audição no ouvido direito e com paralisia facial do mesmo
lado. Realizou radiocirurgia.

FIGURA 28.5 A: recidiva de SV à direita. B e C: m eningiom as intram edulares e intradurais.


334 neurologia e neurocirurgia HIAE

Como resultado do tratamento com radiação, obteve perda completa de audição


à direita e controle do crescimento do tumor. Aos 27 anos, o SV esquerdo come­
çou a crescer comprimindo o nervo auditivo e causando perda de audição do lado
esquerdo. Com cerca de 2 cm, o SV esquerdo foi removido, com a colocação do
implante auditivo de tronco cerebral. Como resultado do tratamento, o paciente
preservou seu nervo facial do lado esquerdo e recuperou parcialmente a audição.
Atualmente, a RM de crânio mostra controle do SV direito tratado com radioci-
rurgia e a RM de coluna mostra os meningiomas estáveis e sem desenvolvimento,
embora tenha iniciado perda de massa muscular na perna direita aos 30 anos.

D ia g n ó s tic o c lín ic o

Para o diagnóstico da NF2, também existem critérios diagnósticos específicos, listados


na Tabela 28.5.21516 No entanto, todos são falhos no diagnóstico inicial de pacientes sem
SV bilaterais, especialmente naqueles sem história familiar.16

TABELA 2 8 .5 Critérios diagnósticos de NF221415


Critérios diagnósticos revistos
SV bilaterais
Parente de 1° grau com NF2 e SV unilateral ou dois dos seguintes:
meningioma
schwannoma
glioma
neurofibroma
opacidade subcapsular posterior
SV unilateral e dois dos seguintes:
meningioma
schwannoma
glioma
neurofibroma
opacidade subcapsular posterior
Meningiomas múltiplos e SV unilateral ou dois dos seguintes:
meningioma
schwannoma
glioma
neurofibroma
opacidade subcapsular posterior
Qualquer uma das quatro situações é necessária para o diagnóstico de NF2

D ia g n ó s tic o c o m p le m e n t a r

Na investigação inicial, deve-se solicitar avaliações oftalmológica, dermatológica, neu­


rológica e audiológica completas e considerar a possibilidade de realização de RM cerebral
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 335

e de coluna total com gadolíneo, principalmente em pacientes com suspeita diagnóstica ou


déficits neurológicos.1517

D ia g n ó s tic o s d if e r e n c ia is

Embora tenham o mesmo nome, a NF1 e a NF2 são doenças clinicamente diferen­
tes, mesmo havendo alguma sobreposição clínica.15 O principal diagnóstico diferencial
da NF2 é a schwannomatose, caracterizada pela presença de múltiplos schwannomas sem
evidência de tumores vestibulares. Os critérios diagnósticos revistos são descritos na Ta­
bela 28.6.2

TABELA 2 8 .6 Critérios diagnósticos revistos de schw annom atose6


Indivíduos não devem preencher critérios para NF2 ou apresentar qualquer uma das seguintes características:
Um SV na RM
Mutação no gene NF2
Parente de primeiro grau com NF2
Schwannomatose definitiva
Idade > 30 anos e dois ou mais schwannomas intradérmicos (pelo menos um com confirmação histológica)
Um schwannoma confirmado por histologia e um parente de primeiro grau que preencha o critério acima
Schwannomatose possível
Idade < 30 anos e dois ou mais schwannomas não intradérmicos (pelo menos um com confirmação histológica)
Idade > 45 anos e ausência de sintomas de disfunção do VIII par e dois ou mais schwannomas não intradér­
micos (pelo menos um com confirmação histológica) (nesses casos, a NF2 não é provável)
Evidência radiográfica de um schwannoma e um parente de primeiro grau que preencha os critérios para
schwannomatose definitiva
Schwannomatose segmentar
Preenche os critérios para schwannomatose definitiva ou possível, mas está limitado a um membro ou cinco
ou menos segmentos contíguos da coluna

Meningiomas múltiplos também são autossômicos dominantes, mas geralmente não


cursam com tumores cerebrais. Todas as crianças com meningiomas múltiplos devem ser
consideradas afetadas por NF2, até que se prove o contrário, e pacientes com meningiomas
múltiplos devem ser submetidos à RM de canal auditivo interno para excluir SV.15

T r a ta m e n to

Uma equipe multidisciplinar com neurocirurgiões, otorrinolaringologistas, neurorra-


diologistas, audiologistas, oftalmologistas e geneticistas deve acompanhar o paciente com
NF2.17 Logo após o diagnóstico, avaliações e imagens devem ser mais frequentes para de­
terminar a velocidade de crescimento tumoral que, uma vez estabelecida, permite maior
336 neurologia e neurocirurgia HIAE

intervalo entre as avaliações. Anualmente, devem-se realizar revisões neurológicas, radio-


gráficas e auditivas.15,17
Nas crianças com risco de NF2, o acompanhamento é iniciado ao nascimento e in­
clui avaliação oftalmológica rotineira. Aos 10 anos de idade, inicia-se o rastreamento de
tumores vestibulares, com avaliações audiológicas e RM realizadas a cada 2 anos, em in­
divíduos assintomáticos com menos de 20 anos de idade, e a cada 3 anos, em indivíduos
com mais de 20 anos de idade.15,18 Imagens anuais da coluna vertebral são reservadas para
indivíduos com tumores extensos ou sintomáticos nessa localização e podem ser dispensadas
em indivíduos cuja avaliação inicial foi negativa.15,17,18A NF2 está associada a uma significativa
diminuição da sobrevida e da qualidade de vida, de modo que o diagnóstico precoce tem
um impacto significativo no prognóstico.15
O manejo conservador é recomendado para tumores clinicamente estáveis na avaliação
por neuroimagem. A cirurgia é indicada para tumores grandes ou sintomáticos que cau­
sem compressão, perda auditiva progressiva ou déficits de nervo facial.2 Os SV associados
à NF2 são cirurgicamente mais difíceis de se abordar e têm pior prognóstico, sendo que a
cirurgia pode resultar em perda auditiva, paralisia facial e cefaleias debilitantes. A inter­
venção cirúrgica em um tumor minimamente ativo pode trazer mais desconforto e com­
plicações que o tumor por si só.15 Indivíduos nos quais a cirurgia não pode ser realizada
ou que se recusam a fazê-la podem ser tratados com radiocirurgia, embora os benefícios
desse tratamento devam ser balanceados com o risco, aumentado em NF2, de tumores
induzidos por radiação.2
Estratégias para facilitar a comunicação devem ser instituídas desde o início, pois to­
dos os pacientes apresentam risco de perda auditiva. Aparelhos auditivos ou implantes co-
cleares podem beneficiar pacientes com perdas maiores ou danos vasculares na cóclea.17,18A
antecipação de complicações é mandatória na NF2 e a qualidade de vida deve ser preserva­
da. Os pacientes devem ser amplamente informados sobre a história natural da doença, de
modo que possam planejar suas ações e seu estilo de vida de acordo com ela. Estratégias que
facilitem a aceitação e a adequação à doença devem ser precocemente instituídas.15

► DISCUSSÃO
S c h w a n n o m a s e o u tro s tu m o re s

A principal manifestação da NF2 é a presença de SV bilaterais, cuja principal mani­


festação clínica é a perda auditiva neurossensorial, inicialmente unilateral, que pode ser
acompanhada por zumbido ou outras manifestações vestibulares. Os sintomas podem
ser intermitentes, com perda auditiva súbita, seguida de recuperação completa ou parcial.
Pode haver também alterações de equilíbrio, vertigens, fraqueza facial e disfunção visual.
O início dos sintomas ocorre entre 18 e 25 anos. A taxa de crescimento dos SV é muito
variável, mesmo entre familiares cujo início dos sintomas se deu na mesma idade. Ou­
tros schwannomas intracranianos estão presentes em 25% dos pacientes, e até 80% dos
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 337

pacientes apresentam alguma evidência radiográfica de schwannomas espinhais assinto -


máticos. Meningiomas aparecem em 50% dos pacientes, geralmente intracraniais. Tumo­
res gliais são radiograficamente comuns, mas geralmente assintomáticos.15,17,18

O u tra s m a n ife s ta ç õ e s

Além das manifestações tumorais, a maioria dos pacientes apresenta cataratas, geralmente
opacidades lenticulares subcapsulares posteriores de início precoce, que raramente necessi­
tam de tratamento cirúrgico.15,17Observam-se também membranas epirretineanas, tumores e
outras alterações visuais precoces. Quanto mais precoce o início, maior a frequência de perda
visual e maior a chance de tumores de SNC.19Pode ocorrer polineuropatia generalizada em 3
a 5% dos adultos, associada a nervos com aspecto de cebola à biópsia.15,17
Embora mais sutis que na NF1, as alterações dérmicas são muito comuns na NF2. Tu­
mores dérmicos geralmente despercebidos são os primeiros sinais da doença, em cerca de
70% dos pacientes, sendo a maioria schwannomas, mas, eventualmente, são observados
neurofibromas.15,17Na infância, a primeira manifestação, habitualmente, é não vestibular, po­
dendo ocorrer tumores dérmicos sutis, opacidades lenticulares, ambliopias congênitas ou
estrabismo. Retrospectivamente, sinais da doença já estão presentes em cerca de metade dos
indivíduos afetados antes dos 5 anos de idade, mas requerem uma avaliação cuidadosa.17

G e n é tic a

O gene da NF2, localizado em 22ql 1.2, codifica uma proteína denominada merlin, ex­
pressa em muitos tipos celulares, que atua na adesão e na sinalização celular.17,20 Mutações
são encontradas em todos os éxons do gene, exceto nos 16 e 17, na maior parte dos pa­
cientes, geralmente levando a uma proteína truncada com perda de fimção. Em famílias
nas quais não se encontram mutações, observa-se idade de início mais tardia e menor
frequência de tumores não vestibulares.15,20,21 Mutações que geram uma proteína truncada
causam fenótipo mais grave.2
Por ser uma doença autossômica dominante, o aconselhamento genético deve ser ofe­
recido para indivíduos afetados.2

a PONTOS RELEVANTES

El Neurofibromatoses são doenças autossômicas dominantes progressivas com penetrân-


cia completa, com história familiar positiva em metade dos casos.
EI NF1 é a mais comum, também conhecida como doença de Von Recklinghausen.
EI NF1 caracteriza-se por seis ou mais manchas “café com leite”, dois ou mais neurofibro­
mas, tumor de via óptica, dois ou mais hamartomas de íris, lesão óssea como displasia
do esfenoide e um parente de primeiro grau com NF1.
338 neurologia e neurocirurgia HIAE

0 NF2 caracteriza-se por schwannomas vestibulares bilaterais associados a parente de


primeiro grau com NF2 ou schwannoma unilateral, além da associação com dois
ou mais de outros tumores (meningeoma, schwannoma, glioma, neurofibroma), ou
schwannoma vestibular unilateral associado a dois tumores referidos anteriormente.
0 O tratamento é conservador até quando possível, sendo cirúrgico para os tumores mui­
to sintomáticos, tendo em vista o risco considerável de complicações, como surdez,
paralisia facial e recidivas.
0 A educação do paciente, o controle sintomático e a orientação dos familiares é impor-
tate no acompanhamento especializado.

QU E S T ÕE S

1. Em qual dos casos clínicos abaixo se deve suspeitar de NF1?


A. Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade, com RM de coluna mostrando vários tumores intrame-
dulares na coluna torácica, sem alterações dermatológicas e oftalmológicas comprovadas.
B. Paciente do sexo feminino, de 4 anos de idade, com manchas “ café com leite” , proptose ocular
e estrabismo unilateral.
C. Paciente do sexo masculino que, aos 20 anos de idade, iniciou perda auditiva acompanhada de
zumbido, sendo detectado SV unilateral.

2. No acompanhamento do paciente com NF1, é fundamental:


A. A realização de neuroimagem anual.
B. A educação do paciente e o controle de sintomas não usuais.
C. A realização deteste molecular para confirmação da doença.

3. Deve-se suspeitar de NF2:


A. Em uma criança com meningiomas múltiplos.
B. Em um paciente com manchas “ café com leite” e glioma óptico.
C. Em um adulto de 50 anos de idade com meningioma múltiplo e RM de crânio normal.

4. 0 tratamento da NF2:
A. Deve sempre objetivar a exérese total dos SV bilaterais.
B. É única e exclusivamente cirúrgico, geralmente apresentando bons resultados.
C. Deve antecipar a possibilidade de complicações, perda auditiva, paralisia facial e recidiva
tumoral.
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 339

5. Em relação à genética das NF1 e NF2, é errado afirmar que:


A. Ambas são autossômicas dominantes, progressivas e com penetrância completa.
B. São causadas por mutações em dois genes diferentes.
C. Constituem variação da expressão de mutações em um mesmo gene.

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29

Rádio e quim ioterapia no tratam ento dos


gliomas de baixo grau
Eduardo Weltman
Suzana M. Fleury Malheiros
Carlos Dzik

INTRODUÇÃO

Gliomas são tumores que se originam das células da glia, as células de suporte do siste­
ma nervoso central (SNC), incluindo os astrocitomas, os oligodendrogliomas e os oligoas-
trocitomas, também chamados de gliomas mistos. Fazem parte do grupo dos tumores neu-
roepiteliais e correspondem a 36% dos tumores primários e 81% dos tumores malignos do
SNC. Na sua análise imuno-histoquímica, os gliomas expressam necessariamente a g lia l
fib r illa r y a cid ic p r o te in (GFAP) nos processos citoplasmáticos que estendem a partir dos
astrócitos, demonstrando, assim, sua natureza glial.
Na classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), os gliomas podem ser, em
geral, classificados por graus histológicos, sendo que os gliomas de baixo grau (GBG) de
malignidade correspondem aos gliomas classificados como grau II (astrocitoma difuso),
em contraposição aos gliomas grau I (astrocitoma pilocítico), grau III (astrocitoma ana-
plásico) e grau IV (glioblastoma).
Os GBG constituem infiltrações difusas e sem delimitação precisa que se expandem
pelo parênquima cerebral, obliterando as fronteiras normais entre as substâncias branca e
cinzenta. Células tumorais podem, inclusive, ser identificadas à distância da formação tu-
moral mais densa e principal dentro do parênquima normal, mostrando seu caráter inexo­
rável e infiltrativo. Os astrocitomas grau II podem também ser divididos em três subtipos
principais: fibrilar (mais comum), protoplásmico e gemistocítico (mais agressivo).

341
342 neurologia e neurocirurgia HIAE

EPIDEMIOLOGIA, DIAGNÓSTICO E FATORES PROGNÓSTICOS

Os astrocitomas difusos ou de baixo grau (grau II da OMS) são frequentes em adultos


jovens, com pico de incidência entre a 3a e a 4a décadas da vida. A primeira manifestação
clínica costuma ser o aparecimento de crises epilépticas, menos frequentemente acom­
panhadas por sinais e sintomas focais e de hipertensão intracraniana, em decorrência do
crescimento lento do tumor.
A ressonância magnética (RM) é o exame mais indicado para diagnóstico, principalmen­
te quando se considera a frequente ausência de realce ao contraste e o aspecto difuso e infil-
trativo, característicos desses tumores. Entretanto, tumores que não apresentam realce e têm
aspecto de imagem sugestivo de astrocitoma ou GBG podem corresponder a astrocitomas
anaplásicos ou a glioblastomas, em 5 a 30% dos casos. Esse fato tem grande importância nos
tumores localizados em áreas eloquentes ou de difícil acesso cirúrgico, nos quais se opta pela
realização de biópsia com o objetivo de reduzir a morbidade do procedimento. As sequên­
cias de perfusão por RM e a tomografia por emissão de positrons com 18-fluordeoxiglicose
(FDG-PET) podem ser úteis na localização dos melhores alvos para biópsia nos tumores
não acessíveis à ressecção ampla. Essas técnicas podem indicar, respectivamente, as áreas de
maior perfusão (proliferação microvascular) ou metabolismo de glicose, que podem cor­
responder a focos de alto grau ou de componente oligodendroglial. A inclusão dessas áreas
na amostragem é essencial para o diagnóstico anatomopatológico correto, com importantes
implicações terapêuticas.
Os oligodendrogliomas ou oligodendrogliomas não anaplásicos (baixo grau ou grau II
da OMS) também fazem parte do grupo dos GBG. São tumores raros e costumam acometer
mais frequentemente adultos jovens. Já os oligoastrocitomas ou gliomas mistos (baixo grau
ou grau II da OMS) são tumores que contêm componente astrocítico e oligodendroglial. O
quadro clínico dos oligodendrogliomas e oligoastrocitomas não difere dos astrocitomas, e
a apresentação clínica mais comum (> 70%) é de crises epilépticas, seguidas de cefaleia e
déficits focais. A localização mais frequente (50 a 65%) é nos lobos frontais, embora possam
acometer qualquer local do SNC. Em relação ao aspecto nos exames de imagem (tomografia
computadorizada - TC - e RM), os oligodendrogliomas costumam apresentar calcificações,
envolvimento cortical e hemorragias espontâneas com mais frequência que os astrocitomas.
Contudo, o diagnóstico diferencial não pode ser baseado apenas no aspecto da imagem.
Quanto ao realce após a injeção do meio de contraste, os tumores de baixo grau apresentam
realce mais raramente (< 10%), quando comparados aos tumores de alto grau (> 80%). A
presença de realce, no entanto, não é critério suficiente para caracterizar o grau de anaplasia
desses tumores.
Desde o final da década de 1980, os oligodendrogliomas e oligoastrocitomas se torna­
ram alvo de grande interesse em neuro-oncologia, a partir da observação de que apresen­
tavam respostas à quimioterapia (QT) e sobrevida mais favoráveis quando comparados
aos astrocitomas. Essas diferenças foram posteriormente relacionadas à presença da perda
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 343

alélica (LOH) combinada dos cromossomos lp e 19q, que, atualmente, tem sido atribuída,
em grande parte dos casos, a uma translocação (t[l,19][ql0;pl0]), também associada ao
fenótipo mais clássico desses tumores do ponto de vista anatomopatológico. Recentemen­
te, foi demonstrado que o aumento da sobrevida dos pacientes cujos tumores apresentam
codeleção de lp e 19q é significativo e independe do tratamento realizado. Assim, foi possí­
vel estabelecer, pela primeira vez em tumores primários do SNC, um marcador genético de
prognóstico. A análise cromossômica tende a se tornar, portanto, um passo essencial nas
decisões terapêuticas e na avaliação do prognóstico desses pacientes.
Diferentemente do que ocorre nos tumores com componente oligodendroglial, ainda
não se conhecem marcadores biológicos bem definidos relacionados ao prognóstico dos
astrocitomas. Alguns fatores parecem influenciar favoravelmente o prognóstico desses pa­
cientes, como menor idade, melhor estado funcional, menor índice de proliferação celular,
maior grau de ressecção e menor volume de tumor residual pós-operatório. Esses fatores
devem ser levados em consideração nas decisões individuais sobre o tratamento.

TRATAMENTO DOS GBG

Não se conhece tratamento curativo para os GBG (grau II da OMS). A conduta adotada
nos pacientes com esses tumores ainda é um dos assuntos mais controversos em neuro-on-
cologia, considerando-se que, na maioria das vezes, o tumor acomete pacientes jovens, cuja
única manifestação clínica costuma ser a presença de crises epilépticas. Por outro lado,
apesar da ausência de características histológicas malignas (ausência de mitoses, prolife­
ração microvascular e necrose), os GBG não podem ser considerados benignos, pois são
frequentemente infiltrativos, favorecendo a recidiva. Além disso, apesar da sobrevida me­
diana relativamente longa (entre 5 e 8 anos), tendem a recrescer ou progredir para graus
mais malignos em 50 a 75% dos pacientes.
Entre as três variantes dos astrocitomas de baixo grau (fibrilar, protoplasmático e ge-
mistocítico), destaca-se o astrocitoma gemistocítico. Segundo a maioria dos autores, o as-
trocitoma gemistocítico poderia apresentar evolução para transformação maligna mais
precoce. Entretanto, essa questão é polêmica, já que, nos últimos anos, alguns autores têm
questionado o papel do astrócito gemistocítico na transformação maligna desses tumores,
sugerindo que, possivelmente, essa evolução poderia estar relacionada a um componente
anaplásico do tumor.
Em termos do manejo inicial dos gliomas em geral, sobretudo dos GBG, existem duas
abordagens-padrão. Discute-se ressecção cirúrgica ou apenas biópsia. Diante do diagnóstico
de um provável glioma, quando há localização e percepção de uma possível ressecção máxima,
geralmente, opta-se pela segunda abordagem. Quando a ressecção não é possível, procede-se à
biópsia estereotáxica para que se possa fazer o diagnóstico anatomopatológico.
Apesar das controvérsias e da ausência de estudos randomizados que comprovem vanta­
gem da ressecção ampla sobre a biópsia, a maioria dos autores é favorável à cirurgia, com ob­
344 neurologia e neurocirurgia HIAE

jetivo de estabelecer o melhor diagnóstico histológico e proporcionar a maior citorredução


possível, desde que sem riscos de sequelas. O efeito da radicalidade cirúrgica na sobrevida
global e na sobrevida livre de progressão, porém, é incerto, havendo estudos que mostram
resultados conflitantes. A natureza infiltrativa dos GBG torna essa doença virtualmente in­
curável pela cirurgia, independentemente de parecer completa à inspeção cirúrgica e aos
exames de imagem pós-operatórios. Todavia, é certo que a citorredução máxima possível -
utilizando ferramentas tecnológicas, como o mapeamento cortical funcional e o conheci­
mento da conectividade e da plasticidade cerebral, permitindo a manutenção da função e
boa qualidade de vida - impacta favoravelmente a evolução clínica dos pacientes.
Nos tumores localizados em áreas eloquentes, não acessíveis à ressecção cirúrgica ampla,
os métodos de imagem (FDG-PET ou RM com estudo de perfusão) podem auxiliar na esco­
lha do melhor alvo, reduzindo o risco de erros de amostragem das biópsias estereotáxicas. Os
avanços técnicos de imagem, neuronavegação, monitoração intraoperatória e nas técnicas ci­
rúrgicas também têm permitido melhores resultados, com ressecções mais amplas e seguras.
Uma vez realizada a ressecção cirúrgica e confirmado o diagnóstico histológico, desde
que o paciente permaneça oligossintomático (crises controladas), especialmente nos jo­
vens abaixo de 40 anos de idade e com ressecções amplas, existem duas opções possíveis
após o diagnóstico cirúrgico: a conduta conservadora de observação, até que haja pro­
gressão, e o tratamento imediato. O estudo prospectivo multicêntrico patrocinado pela
European Organization for Research and Treatment of Câncer (EORTC 22845) mostrou
que os pacientes randomizados para tratamento com radioterapia (RT) imediatamente
após o diagnóstico apresentaram maior sobrevida livre de doença, quando comparados
aos pacientes tratados com RT somente no momento da progressão do tumor. Contudo,
não houve diferença na sobrevida global desses pacientes.
Pelo fato de não haver informação adequada sobre os resultados do tratamento imedia­
to ou tardio em relação à qualidade de vida dos pacientes avaliados nesse estudo, as duas
condutas permanecem válidas. Em geral, a recomendação mais aceita é de se adiar a RT até
que haja progressão do tumor nos pacientes jovens (< 40 anos) e oligossintomáticos, espe­
cialmente nos que tenham sido submetidos à ressecção ampla, desde que haja acompanha­
mento clínico e de neuroimagem rigoroso e periódico, que permita o diagnóstico precoce
da progressão. Já nos pacientes acima de 40 anos de idade ou com ressecções parciais, a
tendência é indicar a RT no período pós-operatório, seguindo o mesmo esquema adotado
para os gliomas anaplásicos, embora com doses totais menores (45 a 54 Gy). A mesma indi­
cação é considerada nos casos em que há indícios de tumores potencialmente mais agressi­
vos, como os astrocitomas gemistocíticos grau II. A dose de RT é baseada em dois estudos
multicêntricos (EORTC 22844 e 1996 e North Central Câncer Treatment Group/Radiation
Therapy Oncology Group/Eastern Cooperative Oncology Group - NCCTG/RTOG/ECOG
2002) que demonstraram não haver benefício no uso de altas doses para o tratamento des­
ses tumores, mas sim maior toxicidade. Nos pacientes sintomáticos desde a apresentação
(déficits progressivos ou sinais e sintomas de hipertensão intracraniana), a indicação de RT
ao diagnóstico é inquestionável.
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 345

As possíveis complicações da RT em pacientes que, supostamente, poderiam levar vá­


rios anos para apresentar uma progressão do tumor são uma das principais razões dessa
controvérsia. Classicamente, os grandes temores relacionados à RT incluem a deteriora­
ção cognitiva e o risco de induzir transformação maligna. O estudo EORTC 22845 mos­
trou que a transformação maligna ocorreu em 65 a 72% dos pacientes, mas não houve
diferença entre os dois grupos (tratados com RT no diagnóstico ou na progressão). A
questão do déficit cognitivo pós-RT, por sua vez, não foi esclarecida. A maioria dos estu­
dos apresenta limitações metodológicas e acredita-se que, provavelmente, as alterações
observadas sejam multifatoriais e dependam de uma associação de variáveis que incluem
RT, quimioterapia (QT), drogas antiepilépticas e o próprio tumor. Por outro lado, no mes­
mo estudo, observou-se tendência a um melhor controle de crises nos pacientes tratados
precocemente. Novos estudos que avaliem especificamente a qualidade de vida e as alte­
rações cognitivas são necessários para definir essas questões fundamentais.
Vários esquemas de QT vêm sendo testados nos GBG, com resultados inconclusivos
até o momento. Entre eles, destaca-se o estudo multicêntrico americano (RTOG/SWOG/
ECOG/NCCTG 9802) que incluiu pacientes randomizados em três grupos. Os pacientes
classificados de baixo risco (abaixo de 40 anos de idade e com ressecção ampla) foram
selecionados para observação; já os pacientes classificados de alto risco (idade acima de
40 anos ou com ressecção parcial) foram randomizados para RT isolada (54 Gy) ou RT
associada à QT com o esquema lomustina, procarbazina e vincristina (PCV).
A análise preliminar com seguimento de 4 anos parece não ter demonstrado benefício na
adição de QT ao tratamento desses pacientes, porém a análise mais recente, com cerca de 5,9
anos de seguimento, parece demonstrar algum benefício na sobrevida dos pacientes tratados
com RT e QT. Outro estudo em andamento (EORTC + N C I22041) para pacientes de alto ris­
co avalia o uso de temozolomida em baixas doses, por 21 dias, a cada 28 dias, comparada à RT
(50,4 Gy), considerando a estratificação dos pacientes de acordo com a perda alélica do cro­
mossomo lp, além da qualidade de vida e da função cognitiva como desfechos secundários.
Também para pacientes de alto risco, o estudo RTOG 0424 avalia o uso de RT com temozolo­
mida concomitante, seguida de seis ciclos de temozolomida, como vem sendo utilizada para o
tratamento de glioblastoma. Deve-se aguardar a publicação desses estudos com os resultados
definitivos para definir o real papel da QT nos GBG.
É importante ressaltar que todos os estudos multicêntricos citados incluem pacientes
com astrocitoma, oligodendroglioma e oligoastrocitomas, em decorrência da relativa rari­
dade desses tumores. Esse fato limita, em parte, as conclusões e exige cautela na interpre­
tação dos resultados.
Nos pacientes que apresentam recidiva pós-RT e se encontram em bom estado funcio­
nal, a cirurgia deve ser considerada, sempre que possível, com o objetivo de confirmar o
diagnóstico (diagnóstico diferencial com radionecrose) e permitir a ressecção mais ampla
possível. A QT também deve ser utilizada, especialmente nos casos de transformação ma­
ligna. Vários esquemas vêm sendo testados em estudos fase II (principalmente PCV e te-
346 neurologia e neurocirurgia HIAE

mozolomida). As modalidades de RT localizada (radiocimrgia ou braquiterapia) também


podem ser usadas em casos selecionados de recidiva/recrescimento local.

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo feminino, 35 anos de idade, apresentou, em maio de 2003, o primei­


ro episódio de crises tônico-clônicas generalizadas. A RM mostrou um processo ex­
pansivo em região temporal direita caracterizado por hipossinal em TI e hipersinal
em T2 e FLAIR, de limites relativamente definidos e sem realce após injeção de con­
traste. Submetida, na época, à ressecção parcial da lesão, o estudo histopatológico re­
velou um astrocitoma difuso fibrilar (grau II). A RM pós-operatória mostrou resíduo
do tumor e o cirurgião optou por nova cirurgia, 3 meses após a primeira. As crises
generalizadas cessaram após a primeira cirurgia, mas a paciente passou a apresentar
episódios frequentes de crises parciais sensoriais auditivas após a segunda, sem que
tenha seguido rigorosamente a prescrição de medicamentos antiepilépticos.
A RM realizada 3 meses após a segunda cirurgia demonstrou resíduo tumoral em
leito cirúrgico. Indicada a radiocimrgia, foi encaminhada ao serviço em abril de 2004,
ocasião em que pareceu não estar havendo crescimento tumoral, sendo, então, con-
traindicada a RT e sugerida a observação armada. A partir de novembro de 2005, as
RM de controle mostraram duvidoso aumento do resíduo tumoral, até que o exame
de março de 2006 mostrou aumento inequívoco do volume hipointenso em TI e hi-
perintenso em T2 e FLAIR, com ausência de realce após contraste na região medial
do leito cirúrgico (Figura 29.1).

FIGURA 29.1 Imagens referentes a março de 2006, quando se considerou haver progressão
da neoplasia. A: im agens de RM ponderadas em T I com contraste.
(continua)
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 347

FIGURA 29.1 (Continuação) B: imagens de RM ponderadas em FLAIR (axiais) e T2 (coronais).

Entre maio e junho de 2006, a paciente foi submetida à RT remissiva com finalidade
curativa, pela técnica conformada com modulação de intensidade do feixe (IMRT)
na região temporal direita na dose de 54 Gy, divididos em 30 frações diárias de 1,8
Gy. Um mês após o término da RT, apresentava diminuição da frequência das crises
parciais que ocorriam, então, uma vez a cada 3 ou 4 dias. A RM de controle realizada
em julho de 2006 apontou para o controle do tumor, sem alterações significativas em
seu volume. Seguiu com a mesma sintomatologia de crises parciais com frequência
variável, e a RM de janeiro de 2007 mostrou regressão do volume com hipossinal em
TI e hipersinal em T2 e FLAIR.
348 neurologia e neurocirurgia HIAE

No início de abril de 2007, passou a apresentar quadro de cefaleia holocraniana. A


RM realizada no fim de abril de 2007 (Figura 29.2) mostrou progressão caracteri­
zada por aumento do volume hipointenso em TI e hiperintenso em T2 e FLAIR,
na região medial do leito cirúrgico, com efeito expansivo e realce heterogêneo após
contraste, sugerindo se tratar de um astrocitoma de alto grau. Reoperada, o estudo
histopatológico demonstrou um glioblastoma que progrediu após QT e a paciente
faleceu alguns meses após em virtude da progressão da doença.

abril de 2007 janeiro de 2007 abril de 2007 janeiro de 2007

FIGURA 29.2 Imagens com parativas de abril de 2007, na segunda progressão com provável
transform ação m aligna em janeiro de 2007. A: im agens ponderadas em T I com contraste
(axiais). B: im agens coronais e sa g ita is ponderadas em T I com contraste.

► DISCUSSÃO

Os GBG são tumores incuráveis, mas apresentam uma evolução clínica que pode
ser indolente, especialmente em pacientes jovens. Assim, sua abordagem terapêutica
deve ser muito cuidadosa no sentido de não causar mais dano que a própria doença. Ao
contrário de grande parte das neoplasias, a observação armada é uma opção bastante
interessante nas diversas fases da evolução clínica dessa doença, e as intervenções tera­
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 349

pêuticas com cirurgia parcial ou radical, RT exclusiva ou adjuvante e, eventualmente, QT


devem ser estrategicamente planejadas, de modo a retardar a progressão da doença sem
impor sequelas além do minimamente aceitável.
A história clínica dessa paciente é de uma jovem adulta (35 anos ao diagnóstico) que
teve diagnóstico de GBG e foi submetida, inicialmente, à ressecção parcial da lesão. Segui­
ram-se nova cirurgia parcial, observação armada, progressão, RT e transformação maligna
do tumor, culminando com a morte em pouco mais de 4 anos após o diagnóstico inicial.
Os aspectos relevantes e exemplares desse caso são a indicação e a extensão da cirurgia, o
papel e a oportunidade da observação armada, a indicação da RT, a progressão do tumor
para alto grau e o papel da QT.
Há controvérsia na indicação de ressecção cirúrgica nos GBG. No caso em discussão,
após uma primeira cirurgia razoavelmente extensa, foi muito discutível uma segunda
abordagem cirúrgica, que não promoveu melhor controle das crises epilépticas e não mos­
trou benefícios óbvios na evolução global da paciente. No entanto, o procedimento pode
ser justificado pela esperança de que a possibilidade de atingir uma ressecção completa ti­
vesse impacto positivo no desfecho final do caso - lembrando que a noção de radicalidade
cirúrgica é quase um conceito sagrado em oncologia.
Foi indicada observação armada e melhor adequação dos medicamentos antiepilépti-
cos. A paciente seguiu oligossintomática, com exames de imagem sugerindo a estabilidade
da doença por cerca de 2 anos.
No caso em questão, apesar das controvérsias da RT nos GBG, o crescimento do tumor
(Figura 29.1) em uma situação na qual a cirurgia não poderia contribuir levou à indicação
da RT, feita ao leito cirúrgico do tumor em crescimento, com margens utilizando a técnica
conformada e dose total de 54 Gy, conforme protocolo de condutas e de acordo com a
literatura. As imagens subsequentes mostraram regressão parcial da lesão tratada e dimi­
nuição das queixas neurológicas.
Em 8 meses após o término da RT e apenas 3 meses após uma RM considerada com
doença estável, a reavaliação por imagem mostrou crescimento do tumor com carac­
terísticas de imagem que sugeriam transformação maligna (Figura 29.2), as quais, ao
estudo histopatológico, mostraram se tratar de um glioblastoma multiforme. Esse fato é
um exemplo da história natural dos GBG, já mencionada anteriormente em discussões
introdutórias, lembrando a possibilidade de transformação maligna em até 70% dos ca­
sos, sendo mais frequente nos indivíduos com mais de 40 anos de idade na época do
diagnóstico.
A RT facilitou a transformação maligna na paciente? Como mencionado, essa questão
não está totalmente esclarecida na literatura, mas os dados do estudo randomizado de
observação versu s tratamento imediato não mostraram resultados diferentes em termos
da taxa de transformação maligna nos dois grupos. Ao final, a doença seguiu o seu curso
natural e a paciente veio a falecer em decorrência de um glioblastoma após 4 anos do
diagnóstico.
350 neurologia e neurocirurgia HIAE

□ PONTOS RELEVANTES

IZI Os gliomas de baixo grau são tumores que têm curso indolente durante grande parte
de sua história natural, mas que se tornam fatais em praticamente todos os casos após
transformação em glioblastoma.
IZI A ressecção cirúrgica é uma conduta controversa, mas ainda buscada em casos de pa­
cientes jovens e cujo tumor propicie um máximo de radicalidade cirúrgica sem que
isso traga sequelas irreparáveis em razão da localização do tumor em áreas eloquentes.
IZI O momento ideal para indicação da RT no diagnóstico ou na progressão deve ser in­
dividualizado, considerando-se fatores prognósticos, como idade, estado funcional, ta­
manho do tumor, extensão da ressecção e tipo histológico.
IZI A dose de RT deve ser de 50 a 54 Gy, com base em estudos com nível de evidência I.
IZI O papel da QT como tratamento isolado ou combinada com RT ainda é objeto de es­
tudos em andamento.

QU E S T ÕE S

1. A cirurgia radical dos GBG deve sempre ser tentada por:


A. Permitir um diagnóstico histopatológico mais confiável.
B. Aumentar a sobrevida dos pacientes.
C. Ser mais efetiva em melhorar a sintomatologia e a qualidade de vida.

2. Em um GBG, o fato de haver uma translocação lp 19q sugere que:


A. 0 tratamento adjuvante deve ser feito exclusiva mente com QT.
B. 0 prognóstico do paciente é melhor.
C. A RT está contraindicada.

3. A observação armada está mais bem indicada nos pacientes com GBG e:
A. Mais de 60 anos de idade e ressecção parcial da lesão.
B. Lesões apresentando contrastação em algum ponto do tumor.
C. Tumor completamente ressecado.

4. 0 tratamento dos GBG é:


A. Curativo, desde que feito em uma fase precoce da doença e com ressecção radical do tumor.
B. Primariamente cirúrgico, com citorredução máxima possível, preferencialmente utilizando
mapeamento cortical funcional e conhecimento da conectividade e plasticidade cerebrais.
C. Primariamente quimioterápico, uma vez que a RT não age nesses tumores.
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 351

5. Nos pacientes que apresentam recidiva pós-RT e se encontram em bom estado funcional:
A. A cirurgia deve ser feita com a finalidade de citorredução máxima e confirmação de diagnóstico
histológico.
B. A QT não é mais ativa e não deve ser indicada, a não ser nos casos com translocação lp 19q.
C. A radiocirurgia é a melhor alternativa de tratamento.

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A nnual M eeting Proceedings. J Clin O ncol 2006; 24 (Suppl. 18).
30

Protocolo para o tratam ento


de métastasés cerebrais
Reynaldo A. Brandt
Eduardo Weltman

INTRODUÇÃO

O câncer é a principal causa de morte em indivíduos entre 35 e 64 anos de idade, além


de ser a segunda maior causa geral de morte nos países desenvolvidos. Diversos fatores
levam ao aumento progressivo da sua frequência, como a maior longevidade, os hábitos
inadequados de vida e de alimentação, o tabagismo e a poluição ambiental. A maior fa­
cilidade de acesso aos modernos meios de diagnóstico por imagens, como a tomografia
computadorizada (TC), a ressonância magnética (RM) e as tomografias por emissão de
prótons, tem levado a diagnósticos mais precoces e em números crescentes.
O desenvolvimento de terapias cada vez mais eficazes no controle do câncer sistêmico,
aumentando a sobrevida útil dos pacientes, bem como a busca ativa por meio de exames
de imagens, levam ao diagnóstico de metástases cerebrais com frequência crescente. Atual­
mente, esta é maior que a dos gliomas cerebrais.
Cerca de 1 em cada 4 pacientes com câncer apresenta metástases cerebrais, sendo que
2/3 destes apresentam sintomas e sinais graves como consequência direta.1 Por essas ra­
zões, entre outras, é importante que todos os especialistas envolvidos com a neuro-oncolo-
gia estejam familiarizados com as características clínicas e diagnósticas e com as diferentes
modalidades de tratamento atualmente disponíveis.
À semelhança de outras áreas médicas, a abordagem atual das metástases cerebrais é
multidisciplinar e obrigatoriamente holística no que concerne à avaliação e ao tratamento
354 neurologia e neurocirurgia HIAE

do paciente. Envolve oncologistas clínicos, neurocirurgiões, radioterapeutas, imagenolo-


gistas e neurologistas, além de diversos outros profissionais da saúde.
Segundo Posner,2 a neuro-oncologia pode ser considerada uma especialidade pelas se­
guintes razões:

■ os problemas neuro-oncológicos são comuns;


■ sua frequência está aumentando;
■ na maioria das vezes, os problemas neuro-oncológicos são graves;
■ o diagnóstico, muitas vezes, é difícil;
■ os tratamentos ajudam;
■ os problemas neuro-oncológicos são específicos;
■ a pesquisa é essencial;
■ o sistema nervoso e o câncer apresentam afinidades biológicas.

As metástases cerebrais mais comuns são as secundárias ao câncer de pulmão, de mama,


de pele (melanoma), de cólon e dos rins. Por ocasião do diagnóstico, quando feito por TC do
crânio, 49% dos pacientes apresentam metástase cerebral única, 21% apresentam duas metás­
tases e 30% apresentam metástases múltiplas.3Assim, 70% dos pacientes poderiam ser consi­
derados candidatos a alguma forma de terapia focal. Quando se utiliza RM para a busca ativa
ou para o diagnóstico de quadro sintomático, o encontro de lesões múltiplas é ainda maior.4
A disseminação para o sistema nervoso central (SNC) a partir da neoplasia primária
ocorre principalmente por via hematogênica arterial, atingindo preferencialmente o pa-
rênquima cerebral. Com menor frequência, atinge a dura-máter ou a leptomeninge. Na
maioria das vezes, surge na junção entre as substâncias cinzenta e branca, local correspon­
dente à circulação terminal das arteríolas cerebrais, particularmente nas regiões limítrofes
entre os territórios de vascularização dos grandes troncos arteriais.3,5
As metástases raramente atingem o SNC por via direta, pela invasão de tumores da pele,
do crânio e da região cervical ou através de nervos cranianos. A invasão meníngea pode
ocorrer por via hematogênica arterial, venosa, a partir do plexo de Batson do sistema venoso
vertebral, por extensão direta de ossos adjacentes ou do parênquima nervoso ou, ainda, por
disseminação durante a ressecção cirúrgica de metástase parenquimatosa. Nesse caso, o risco
é maior nas cirurgias de fossa posterior em relação às supratentoriais.

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, apresentou nódulo avermelhado,


de crescimento rápido, e sangramento local na perna esquerda. Cerca de 6 me­
ses depois, foi submetido à ressecção cirúrgica, feita por cirurgião plástico, com
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s

diagnóstico de melanoma. Aproximadamente 1 mês depois, foi submetido à am­


pliação da ressecção e do nódulo sentinela, da região inguinal, com diagnóstico de
resíduo tumoral na margem de ressecção inicial e metástase em linfonodo. Rece­
beu imunoterapia, sendo o tratamento suspenso por toxicidade. Após 15 meses, o
diagnóstico inicial evoluiu com obstrução intestinal, sendo o paciente operado e
identificados inúmeros implantes neoplásicos em alças intestinais e em linfonodos
retroperitoneais. O paciente evoluiu com peritonite e sepse, recuperando-se com
tratamento intensivo.
Durante a internação, surgiram diplopia e anisocoria. A RM da cabeça revelou a
presença de três metástases intracranianas nos lobos frontal direito, occipital di­
reito e occipital esquerdo. O exame neurológico mostrou apenas anisocoria, sendo
a pupila esquerda maior que a direita, mas ambas fotorreagentes. Foi submetido à
radiocirurgia das lesões cerebrais.
O controle por RM, 2 meses após a radiocirurgia, mostrou redução do volume das
metástases, sem aparecimento de novas lesões. O paciente continua em acompa­
nhamento oncológico.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 39 anos de idade, recebeu diagnóstico inicial de carci­


noma ductal invasivo de mama esquerda. O tumor foi tratado com quadrantecto-
mia, seguida de radio e quimioterapia. Cerca de 7 anos após o diagnóstico inicial,
desenvolveu metástases pulmonares e ósseas, envolvendo o esterno, o ilíaco, o fêmur
e as vértebras. A partir de então, voltou a ser tratada com diversos esquemas de qui­
mioterapia.
Aos 48 anos de idade, desenvolveu metástases cerebrais, sendo tratada por meio de
radioterapia de todo o cérebro. Os controles por RM da cabeça mostraram remissão
completa 7 meses após a radioterapia. Nos 3 anos seguintes, várias metástases ósseas
foram tratadas por meio de radioterapia.
Aos 51 anos de idade, passou a apresentar escotomas e crises de hemianopsia. A RM
revelou recidiva de metástase junto ao sulco intraparietal à esquerda e aparecimento
de novas metástases no v e r m is , no pedúnculo cerebelar direito e em ambos os he­
misférios cerebelares. Todas as lesões foram tratadas por meio de radiocirurgia em
uma sessão. Os controles por RM mostraram estabilidade das metástases e desapa­
recimento dos sintomas visuais, sendo mantida quimioterapia sistêmica.
Cerca de 13 meses após a radiocirurgia, apresentou hemorragia cerebelar à direita,
provavelmente a partir de um nódulo metastático, sendo operada. Novos controles
por RM da cabeça mostraram progressivo aumento, porém discreto, das metásta­
ses cerebrais e cerebelares, sem anormalidades ao exame neurológico.
Aos 53 anos de idade, surgiu quadro de afasia e sensação de dormência na face
direita e no membro superior direito, com duração de algumas horas e remissão
356 neurologia e neurocirurgia HIAE

espontânea. A RM da cabeça mostrou aumento de todas as metástases cerebrais e


cerebelares, envoltas por edema, além do aparecimento de uma nova lesão hemor­
rágica no giro temporal inferior esquerdo.
O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) mostrou presença de 20% de células
neoplásicas. A paciente foi tratada com dexametasona, iniciando-se novo ciclo de
quimioterapia. A TC com emissão de prótons mostrou inúmeras lesões hiperme-
tabólicas em ambos os hemisférios cerebrais, no cerebelo, na pleura, no abdome e
no esqueleto. A partir de então, apresentou uma piora progressiva do estado geral
de saúde, com emagrecimento, vômitos, diminuição global da força muscular, de­
sequilíbrio e incoordenação motora, até o óbito, aos 54 anos de idade, 15 anos após
o diagnóstico inicial.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A busca ativa, a partir de exames por imagens periódicos em pacientes com câncer,
pode levar ao diagnóstico de metástases cerebrais assintomáticas. Quando o diagnóstico
é feito juntamente com o do tumor primário, diz-se que é síncrono. Na maioria das vezes,
no entanto, o diagnóstico é metácrono, feito algum tempo após o diagnóstico do tumor
primário e, muitas vezes, depois de diagnosticadas as metástases extracranianas. Quando
há apenas metástase cerebral, não havendo outras extracranianas, diz-se que a mesma é
solitária. Quando há apenas uma no sistema nervoso, na existência de outras extracrania­
nas, diz-se que é única.
Quando sintomáticas, as metástases cerebrais podem manifestar-se por distúrbios ir-
ritativos ou deficitários do SNC. Quadros irritativos caracterizam-se por crises de tipo
epiléptico, que podem ser generalizadas ou focais, dependentes da localização da lesão me-
tastática. Em 15 a 20% dos casos, são a manifestação inicial da lesão cerebral.6Convulsões
ocorrem em 30 a 40% dos pacientes com metástases cerebrais.
Quadros deficitários caracterizam-se por perda funcional, dependente da localização
da lesão, como paresias, parestesias e alterações da coordenação motora, da marcha, do
equilíbrio, visuais, da memória, da cognição e mentais. Em geral, acompanham-se de sinto­
mas de hipertensão intracraniana, com cefaleia e vômitos, podendo haver edema de papila
à fundoscopia.

DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR E DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

A capacidade de diagnosticar metástases cerebrais aumentou extraordinariamente com


o advento da TC e da RM. Nas TC do crânio sem contraste, as metástases cerebrais são
percebidas como alterações geralmente isodensas, com o tecido cerebral normal, circun­
dadas por alterações hipodensas correspondentes ao edema periférico às metástases. Já
lesões hemorrágicas ou hipercelulares caracterizam-se por alterações hiperdensas, como
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 357

os melanomas e hipernefromas. Após a injeção endovenosa de contraste, as metástases ca­


racterizam-se pela intensa contrastação, em consequência da rotura da barreira hematoen-
cefálica e da neovascularização neoplásica, circundadas por área hipodensa corresponden­
te ao edema periférico (Figura 30.1).

FIGURA 30.1 TC do crânio após injeção endovenosa de contraste m ostrando m etástase


cerebral de periferia fortem ente contrastante, área irregular central não contrastante, envolta
por área irre g ular hipodensa correspondente a edema. 0 conjunto determ ina compressão do
corno posterior do ventrículo lateral e desvio do sistem a ve n tricu la r para o lado oposto.

A RM é a modalidade de diagnóstico por imagem mais sensível para a detecção de me­


tástases intracranianas. Na maioria das vezes, apresentam-se como lesões iso ou hipointen-
sas nas aquisições pesadas em TI sem contraste, envoltas por áreas hipointensas corres­
pondentes ao edema circunjacente. Melanomas e adenocarcinomas podem apresentar-se
como lesões hiperintensas. Quando são hemorrágicas, porém, suas características variam
de acordo com a idade do sangramento.
Nas aquisições pesadas em T2, as lesões são hiperintensas, mas não tanto quanto o ede­
ma periférico, exceto os adenocarcinomas, que costumam ser hipointensos. A maioria das
metástases contrasta-se intensamente após a infusão endovenosa de gadolínio. O padrão
de contrastação pode ser homogêneo, heterogêneo ou anelar. O diagnóstico diferencial
pode ser difícil com outras lesões de aspecto anelar, como os abscessos, as lesões desmieli-
nizantes e os hematomas em fase de reabsorção. Em tumores, a contrastação anelar tende
a ser mais espessa e mais irregular que em abscessos. Metástases tendem a ser esféricas,
múltiplas, raramente se estendem através do corpo caloso ou para a substância cinzenta
cerebral, além de geralmente comprometerem a interface entre as substâncias branca e
cinzenta. Essas características podem auxiliar no diagnóstico diferencial com tumores pri-
358 neurologia e neurocirurgia HIAE

mários do SNC (Figuras 30.2 e 30.3). No cerebelo, as metástases tendem a ser alongadas,
como se acompanhassem as foliaeos sulcos cerebelares (Figura 30.4).

FIGURA 30.2 RM da cabeça m ostrando duas m etástases cerebrais em paciente com ca rc i­


noma de pulm ão, após infusão endovenosa de contraste. Nota-se a localização na interface
entre as substâncias cinzenta e branca, bem como a capacidade de d ia g n o stica r lesões m i­
lim étricas.

FIGURA 30.3 RM da cabeça após infusão endovenosa de contraste de paciente com m úl­
tip la s m etástases cerebrais. Nesse corte coronal, observam -se duas lesões, uma delas com
aspecto anelar e outra possivelm ente com im plantação meníngea sobre a tenda do cerebelo.
Nota-se o edema que circunda cada uma das lesões.
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 359

FIGURA 30.4 RM da cabeça m ostrando m etástases intensam ente contrastantes, alongadas


nos hem isférios cerebelares e em ponte, deform ando o 4o ventrículo.

A diferenciação das metástases com granulomas, infartos cerebrais e radionecrose, às


vezes, é impossível em um primeiro exame. Quando são hemorrágicas, podem ser con­
fundidas com outras alterações sangrantes não neoplásicas e vice-versa, especialmente
quando solitárias ou únicas.
Em uma série de pacientes com lesões intracranianas únicas sugestivas de metástases e
submetidos à biópsia ou à ressecção cirúrgica, 11% apresentaram lesões não metastáticas
(gliomas, abscessos ou processos inflamatórios).7Em série de 100 pacientes com múltiplas le­
sões cerebrais e sem neoplasia primária ou doença sistêmica conhecida, submetidos à biópsia
estereotáxica, apenas 15% receberam diagnóstico de metástase.8
Os equipamentos cada vez melhores e as novas técnicas de aquisição das imagens têm
levado a um aumento da sensibilidade e da especificidade da RM no diagnóstico das metás­
tases intracranianas.9,10 A espectroscopia por RM pode ser útil no diagnóstico diferencial,
visto que metástases tendem a apresentar aumento da colina e redução do N-acetilaspartato
em relação ao tecido nervoso, enquanto lesões necróticas tendem a apresentar lípides ou
lactato no seu interior.
A tomografia por emissão de prótons da cabeça pode ser útil para a avaliação da ativi­
dade metabólica das lesões, bem como para a diferenciação entre lesões ativas e necróticas
após radio e/ou quimioterapia. Do mesmo modo, a tomografia por emissão de prótons de
corpo inteiro é útil na investigação de uma neoplasia primária nos pacientes em que me­
tástase ou metástases cerebrais constituem a primeira manifestação da doença.
Nos pacientes sem neoplasia primária conhecida e cuja manifestação inicial é neuro­
lógica, deve-se prosseguir na investigação à procura da identificação do tumor primário.
Além do exame clínico completo, são feitos exames complementares, como TC do tórax e
abdome, biópsias por broncoscopia, punção direta ou exploração cirúrgica, conforme cada
caso. Na impossibilidade de se fazer diagnóstico de certeza, nos casos de lesão intracrania-
360 neurologia e neurocirurgia HIAE

na única e acessível, indica-se sua remoção cirúrgica. Nos casos de lesões intracranianas
múltiplas, indica-se biópsia estereotáxica.

TRATAMENTO

O tratamento inicial dos pacientes com quadros neurológicos instáveis, consequentes a


metástases cerebrais, é reduzir ou eliminar os fatores responsáveis por esses quadros.11,12 É o
caso da hipertensão intracraniana, especialmente quando há evidência de herniações cere­
brais, das crises epilépticas e do estado de mal epiléptico. Edema cerebral secundário à quebra
da barreira hematoencefálica é a principal causa de hipertensão intracraniana nesses pacien­
tes. Seu tratamento é feito com glucocorticosteroides, capazes de reduzir significativamente
os sinais e sintomas decorrentes do edema cerebral, em 75% dos pacientes, poucas horas após
o início do tratamento. Em geral, utiliza-se a dexametasona em dose inicial de 10 mg, seguida
de doses de 4 mg a cada 6 horas. Doses menores também podem ser eficazes, procurando-se
ministrar a menor dose efetiva possível, a fim de minimizar os efeitos colaterais.
A corticoterapia é mantida na menor dose possível durante o restante do tratamento
oncológico, sendo, a seguir, gradativamente retirada e suspensa, quando os sinais e sintomas
neurológicos desaparecerem. Na presença de quadro clínico de hipertensão intracraniana
grave e com risco de morte, deve-se tratar o paciente em unidade de terapia intensiva com
sedação, osmoterapia e hiperventilação controlada, mantendo-se monitoração invasiva da
pressão intracraniana.
Crises convulsivas são relativamente frequentes, ocorrendo em até 40% de todos os pa­
cientes com metástases cerebrais em algum momento de sua evolução. O tratamento deve ser
instituído naqueles que apresentam ou apresentaram manifestação convulsiva. A fenil-hidan-
toína é a droga de escolha inicial, seguida da carbamazepina, do fenobarbital e do valproato de
sódio, exatamente nessa ordem. O uso de anticonvulsivantes em pacientes sem manifestações
epilépticas não é indicado, pois não há comprovação de benefício com seu uso profilático,
além do risco de complicações e efeitos colaterais indesejáveis.13
Os tratamentos gerais abrangem todas as formas de terapia das lesões existentes, com
ou sem manifestações clínicas, incluindo a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia.
Um estudo prospectivo com 48 pacientes elegíveis mostrou que a associação de remoção
cirúrgica com radioterapia de todo o cérebro em pacientes com metástases cerebrais únicas
resultou em tempo de sobrevida útil maior que biópsia e radioterapia de todo o cérebro (so-
brevida mediana de 9,2 meses contra 3,4 meses e independência funcional mediana de 8,7
meses contra 1,8 mês).7Em outro estudo, com 63 pacientes elegíveis, comparando a remoção
cirúrgica de metástase única seguida de radioterapia de todo o cérebro à radioterapia sem
remoção cirúrgica, foi observada superioridade significativa na sobrevida do primeiro grupo
(mediana de 12 meses contra 7 meses). No entanto, nos pacientes com doença sistêmica em
progressão e não controlada, a sobrevida foi a mesma em ambos os grupos (mediana de 5
meses).14
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 361

A indicação da remoção cirúrgica de metástases múltiplas é controversa e, em geral, não


é feita. No entanto, em um estudo com 26 pacientes nos quais todas as metástases foram
removidas cirurgicamente, os autores descreveram sobrevida mediana de 14 meses, me­
lhoria dos sintomas neurológicos em 83%, piora dos sintomas em 6%, morbidade de 9% e
mortalidade de 4% em 30 dias.15
Os melhores candidatos a tratamento cirúrgico são os pacientes que apresentam boa
performance clínica (índice de Karnofsky igual ou superior a 70), lesão cerebral única e
acessível, sem evidência de doença sistêmica em atividade e com tumor primário radiorre-
sistente. Técnicas microcirúrgicas e uso de neuronavegador reduziram a morbimortalida-
de desses pacientes a cerca de 3%.
Radioterapia de todo o cérebro, com acelerador linear de partículas, é a principal mo­
dalidade de tratamento para a maioria dos pacientes com metástases cerebrais. Leva à
paliação dos sintomas rapidamente e não exige sofisticação de equipamentos. No entanto,
seu uso em pacientes com previsão de sobrevida longa é limitado, tendo em vista a possi­
bilidade de recidiva e do desenvolvimento de demência induzida pela irradiação. Em geral,
são aplicadas 10 frações diárias de 300 cGy, em 2 semanas. Há outros esquemas, com resul­
tados semelhantes, que procuram reduzir os riscos de demência, utilizados nos pacientes
com expectativa de sobrevida maior. Nesses casos, pode ser preferível o uso de 15 frações
de 250 cGy ou de 20 frações de 200 cGy.
A radioterapia em pacientes previamente operados para a retirada de metástase cerebral
única aumentou a sobrevida mediana de 14 para 21 meses, em comparação aos pacientes ope­
rados, mas não irradiados, em um estudo retrospectivo do Memorial Sloan-Kettering Câncer
Center.16Resultados semelhantes foram encontrados em estudo retrospectivo da Mayo Clinic,
em pacientes que apresentaram doença sistêmica controlada. A sobrevida mediana dos opera­
dos e irradiados foi de 1,3 ano em comparação a 0,7 ano dos que não foram irradiados.17
Em estudo prospectivo de pacientes previamente submetidos à retirada de metástase
única, a sobrevida mediana dos pacientes irradiados foi de 11 meses, enquanto a dos não
irradiados foi de 9,9 meses. Recidiva local ocorreu em 46% dos pacientes não irradiados
e em 10% dos irradiados. Nos pacientes irradiados, o tempo para aparecimento de novas
metástases intracranianas foi significativamente maior. Morte de causa neurológica ocor­
reu em 44% dos pacientes não irradiados e em 14% dos irradiados.18
Tendo em vista que em pelo menos 50% dos pacientes com metástases cerebrais estas
são múltiplas, a opção de remoção cirúrgica deixa de existir na maioria das vezes.
A radiocirurgia, que tem sido utilizada desde a década de 1980 para o tratamento de me-
tátases cerebrais únicas ou múltiplas, é uma modalidade importante para este procedimento.
Consiste na irradiação, em dose única e elevada, geralmente entre 15 Gy e 22 Gy (variando
de 8 Gy a 25 Gy), utilizando-se de um equipamento dedicado (g a m m a k n ife ) ou um acelera­
dor linear devidamente adaptado para essa finalidade. Utiliza-se técnica estereotáxica para
a irradiação precisa das lesões, minimizando a dose de radiação para as estruturas nervosas
adjacentes. A radiocirurgia apresenta várias vantagens sobre a cirurgia, como:
362 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ é um procedimento não invasivo;


■ sem risco de infecção;
■ risco de hemorragia quase nulo;
■ tempo de permanência hospitalar de 1 dia;
■ menor custo;
■ possibilidade de tratamento de várias lesões independentemente de sua localização in­
tracraniana;
■ possibilidade de retorno do paciente às suas atividades logo após o procedimento;
■ outras.

Não deve ser utilizada, porém, no tratamento de lesões com diâmetro superior a 35 mm,
sendo preferível não tratar pacientes com mais de seis metástases. A radiocirurgia pode ser
ou não associada à radioterapia de todo o cérebro, dependendo do caso. Leva ao controle
das lesões tratadas (ausência de crescimento ou redução volumétrica) em 90% dos casos,
mas não impede o aparecimento de novas metástases no curso da doença. A sobrevida
mediana após radiocirurgia é de 9 meses e o tempo de sobrevida varia consideravelmente,
de acordo com algumas variáveis, como a performance do paciente (avaliada pelo índice de
Karnofsky - Tabela 30.1), a idade, o estado da doença sistêmica, o número de metástases
intracranianas e o volume da maior destas. Conferindo-se uma nota de 0 a 2 para cada uma
dessas cinco variáveis, obtém-se um índice que varia de 0 a 10 e que corresponde ao score
in d e x f o r stereo ta ctic ra d io su rg ery o fb r a in m etá sta ses (SIR) (Tabela 30.2).

TABELA 30.1 ÍNDICE DE PERFORMANCE CLÍNICA DE KARNOFSKY


100 Normal, sem queixas e sem evidência de doença
90 Capaz de atividades normais, sintomas discretos
80 Atividade normal com esforço, sintomas moderados
70 Cuida de si, incapaz de trabalhar
60 Independente na maioria das atividades, requer assistência ocasional
50 Requer assistência considerável e cuidados frequentes
40 Dependente, incapacitado, requer assistência e cuidados especiais
30 Incapacidade severa, hospitalizado, sem risco de morte iminente
20 Muito doente, requer suporte clínico ativo
10 Moribundo, óbito iminente ou próximo
0 Óbito

TABELA 30.2 PARÂMETROS PARA CÁLCULO D0 SIR


Pontuação 2 1 0
índice de Karnofsky >80 60 a 70 <50
Idade (anos) <50 51 a 59 >60
(continua)
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 363

(continuação)

Estado da doença Sem evidência de Resposta parcial/doença Doença


extracraniana neoplasia estável progressiva
Volume da maior lesão < 5 cc 5 a 13 cc > 13 cc
metastática
Número de lesões metastáticas 1 2 >3

Pacientes tratados com radiocirurgia associada à radioterapia de todo o cérebro com


SIR de Oa 3 tiveram sobrevida mediana de 3 meses, enquanto os com SIR de 4 a 7 tiveram
sobrevida mediana de 7 meses, e os com SIR de 7 a 10, de 31 meses. A quase totalidade dos
pacientes tratados dessa maneira faleceu em consequência da doença sistêmica e não pelas
metástases cerebrais.19'21
A reunião dos dados obtidos em três estudos pelo Radiation Therapy Oncology Group
(RTOG) levou à criação de outro índice utilizado para a análise dos resultados de pa­
cientes submetidos à radiocirurgia, o Recursive Partitioning Analysis (RPA), que divide os
pacientes em três classes:22

■ classe I: pacientes com índice de Karnofsky igual ou superior a 70, idade inferior a 65
anos, tumor primário controlado e sem evidência de metástase em outros órgãos, além
do cérebro;
■ classe III: pacientes com índice de Karnofsky inferior a 70;
■ classe II: os demais pacientes.

De acordo com esse sistema de análise, pacientes tratados com os métodos tradicionais,
incluindo radioterapia, mas excluindo radiocirurgia, apresentaram sobrevida de 7,1 meses
na classe 1,4,2 meses na classe II e 2,3 meses na classe III. Os pacientes tratados por radioci­
rurgia associada à radioterapia de todo o cérebro apresentaram sobrevida de 13,6 meses na
classe 1,9,4 meses na classe II e 8,4 meses na classe III.
A possibilidade de identificar os pacientes que poderão se beneficiar da radiocirurgia,
por meio do SIR ou do RPA, e evitar sua indicação àqueles que não se beneficiarão é impor­
tante para a adequada seleção e para a obtenção dos melhores resultados possíveis.23
A partir dos conhecimentos atuais quanto aos resultados das diversas modalidades de trata­
mento, pode-se sugerir o algoritmo da Figura 30.5 para a abordagem terapêutica inicial.
A biópsia cirúrgica está indicada nos pacientes com metástases únicas ou ocasional­
mente múltiplas, nas quais a natureza da lesão é duvidosa ou desconhecida. A remoção
cirúrgica está indicada nos pacientes com lesões únicas ou lesão predominante (nos casos
de lesões múltiplas), quando há necessidade de eliminar efeito de massa importante sobre
o tecido nervoso, determinando instabilidade neurológica, ou quando há necessidade de
comprovação histopatológica. O mesmo vale para pacientes com edema grave, hidrocefa­
lia obstrutiva consequente à metástase ou, ainda, quando há probabilidade de sobrevida
364 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 30.5 A lgoritm o de tra ta m e nto prim ário de m etástases cerebrais.


NC: neurocirurgia (com neuronavegador ou não); QT: quimioterapia sistêmica (diversos esquemas); RC: radiocirurgia estereotáxica (dose
única entre 8 Gy e 25 Gy); RCT: radioterapia de todo o cérebro (10 X 3 Gy ou 15 X 2,5 Gy ou 20 X 2 Gy); SIR: score index fo r stereotactic
radiosurgery o f brain metastases-, /: um ou outro (as duas opções são válidas, mas a primeira é mais indicada que a segunda); +: um e
outro (fazer as duas modalidades; sequência temporal determinada caso a caso); ±: um com ou sem outro (fazer o primeiro procedimento
obrigatoriamente e o segundo opcionalmente; sequência temporal determinada caso a caso); cc: volume da maior lesão cerebral metastática
em centímetros cúbicos.
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 365

independente longa. As mesmas considerações valem para casos em que há duas metásta­
ses próximas e cuja remoção cirúrgica seja considerada segura.
Quando o diagnóstico do tumor primário é conhecido, é possível determinar a conduta
terapêutica relativa às metástases cerebrais de acordo com esse diagnóstico. Os pacientes
com SIR igual ou inferior a 3 e que apresentam prognóstico sombrio são tratados por meio
de radioterapia de todo o cérebro e terapias de suporte. Os pacientes que apresentam SIR
igual ou superior a 4 são tratados de acordo com o diagnóstico do tumor primário.
Nas lesões secundárias a carcinoma de pequenas células (o a t cells) do pulmão, que, em
geral, são inúmeras, o melhor tratamento é a radioterapia de todo o cérebro associada à
quimioterapia. Nas metástases de tumores radiorresistentes, como melanomas, hiperne-
fromas e sarcomas, indica-se retirada cirúrgica, quando esta é possível - é o caso das lesões
únicas ou suficientemente próximas para uma remoção cirúrgica ou das lesões volumosas
com instabilidade neurológica.
Na presença de múltiplas metástases, opta-se por radiocirurgia, a qual, muitas vezes, é
efetiva, apesar da radiorresistência a tratamentos convencionais. Se o número de metásta­
ses for superior a seis e/ou a maior metástase tiver volume superior a 30 cc, opta-se pela
radioterapia de cérebro total, pela falta de melhor possibilidade de tratamento.
Outras neoplasias são tratadas de acordo com o número e o volume das lesões intracra­
nianas. As metástases únicas ou próximas, com volume da maior superior a 30 cc, são pre­
ferencialmente tratadas por meio de cirurgia, seguida de radioterapia de todo o cérebro. Na
presença de múltiplas metástases ou quando o volume da maior metástase for inferior a 30
cc, a opção é pela radiocirurgia. Se o número de metástases for de até seis e a maior delas tiver
volume de até 30 cc, o tratamento é feito por meio de radioterapia de todo o cérebro e/ou ra­
diocirurgia. Se for superior a seis, opta-se por radioterapia de todo o cérebro.
A quimioterapia pode ser útil no tratamento de pacientes com metástases cerebrais de
tumores sensíveis, particularmente naqueles em que está indicada no tratamento da lesão
primária e das extracranianas, quando as intracranianas são oligossintomáticas. A barreira
hematoencefálica é um fator limitante muito importante para a ação dos quimioterápicos,
mas há relatos de resultados satisfatórios no controle das metástases em pacientes com
carcinomas de mama e pulmão e com melanomas.24,25
São contraindicações para tratamentos focais eletivos:

■ doença sistêmica rapidamente progressiva, antevendo um mau prognóstico;


■ índice de Karnofsky menor que 50;
■ má compreensão da situação;
■ recusa em assinar o consentimento informado pelo paciente e seus responsáveis.

Nos casos de recidivas, pode-se sugerir o algoritmo da Figura 30.6.


366 neurologia e neurocirurgia HIAE

Observação + tratamento de suporte

FIGURA 30.6 A lgoritm o para tra ta m e nto de recidivas de m etástases cerebrais.


NC: neurocirurgia (com neuronavegador ou não); QT: quimioterapia sistêmica (diversos esquemas); RC: radiocirurgia estereotáxica (dose
única entre 8 Gy e 25 Gy); RCT: radioterapia de todo o cérebro (10 X 3 Gy ou 15 X 2,5 Gy ou 20 X 2 Gy); SIR: score index fo r stereotactic
radiosurgery o f brain metastases-, /: um ou outro (as duas opções são válidas, mas a primeira é mais indicada que a segunda); +: um e
outro (fazer as duas modalidades; sequência temporal determinada caso a caso); ±: um com ou sem outro (fazer o primeiro procedimento
obrigatoriamente e o segundo opcionalmente; sequência temporal determinada caso a caso); cc: volume da maior lesão cerebral metastática
em centímetros cúbicos.
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 367

Pacientes com recidivas após radioterapia de cérebro total, associada ou não à radioci-
rurgia ou à cirurgia, podem, ainda, ser tratados por meio de radiocirurgia e quimioterapia,
dependendo do número de metástases e de apresentarem SIR igual ou superior a 4. Ocasio­
nalmente, podem ser retratados por meio de radioterapia de todo o cérebro, se a perspectiva
de sobrevida for relativamente curta. Se o paciente não tiver sido tratado por meio de ra­
dioterapia de todo o cérebro até então, esta estará indicada, nos casos de tumores sensíveis,
associada à cirurgia ou à radiocirurgia, quando o número de volume das metástases permitir.
Nos pacientes com tumores radiorresistentes, mantém-se o mesmo raciocínio, reservando-se
a radioterapia de todo o cérebro apenas aos casos com mais de seis metástases intracranianas
ou volume superior a 30 cc.
Pacientes com recidivas após o tratamento e com SIR igual ou inferior a 3 recebem
apenas tratamento de suporte.

► DISCUSSÃO

O câncer é a segunda causa de mortalidade nos países desenvolvidos e constitui um con­


junto de doenças de custo muito significativo.26 Cerca de 1/4 dos pacientes com câncer de­
senvolve metástases cerebrais. Destes, metade apresenta metástases cerebrais múltiplas por
ocasião do diagnóstico, limitando muito as possibilidades de tratamento efetivo. Seu diag­
nóstico é facilitado pela procura ativa com exames de imagens, como a TC e a RM da cabeça,
a qual tem maior sensibilidade, particularmente para o diagnóstico de lesões pequenas.
A maioria dos pacientes com metástases cerebrais é tratada por meio de radioterapia
de todo o cérebro, que reduz significativamente os sintomas em até 80% dos pacientes e
estende a sobrevida mediana de 1 ou 2 meses para 3 a 4 meses. Corticosteroides, particu­
larmente a dexametasona, são um adjunto importante para o controle do edema cerebral
que envolve as metástases cerebrais, sendo a causa principal de hipertensão intracrania­
na e aparecimento de déficit neurológico. Anticonvulsivantes devem ser utilizados para
controle de manifestações epilépticas, não tendo valor na profilaxia destas em pacientes
assintomáticos.
Metástases únicas podem ser tratadas cirurgicamente, particularmente nos casos em que
a lesão é volumosa e apresenta risco iminente de deterioração neurológica ou morte, quando
o tumor primário não é conhecido ou há dúvida quanto à natureza da lesão intracraniana.
A cirurgia também está indicada nos casos em que a metástase oclui o sistema ventricular.
Cirurgia associada à radioterapia de todo o cérebro aumenta o tempo de sobrevida.
A radiocirurgia apresenta resultados equivalentes aos da cirurgia, com vantagens clíni­
cas e de custo. Eleva o tempo de sobrevida, na dependência de fatores como performance
clínica, idade, número e tamanho das metástases, além do estado da doença sistêmica,
podendo atingir mais de 2 anos ou, ocasionalmente, a cura. A sobrevida mediana após ra­
diocirurgia é de 9 a 11 meses. índices como SIR e RPA, que levam em consideração fatores
como idade, performance clínica, número e volume das metástases cerebrais e controle da
368 neurologia e neurocirurgia HIAE

neoplasia primária, permitem prever a sobrevida com razoável precisão. Desse modo, é
possível indicar as modalidades existentes de tratamento para aqueles pacientes que, efeti­
vamente, poderão se beneficiar delas.
A quimioterapia tem papel restrito no tratamento de metástases cerebrais, havendo
relatos de efetividade em alguns tipos de carcinomas de mama e pulmão. Uma vez contro­
ladas as metástases cerebrais, a maioria dos pacientes morre em consequência da doença
sistêmica e de suas complicações.
As Figuras 30.5 e 30.6 resumem os algoritmos sugeridos para o tratamento primário
das metástases cerebrais e suas recidivas. Devem ser entendidos como uma ferramenta
rápida de consulta e tomados apenas como uma sugestão, devendo o médico responsável
pelo caso individualizar a situação clínica e definir a conduta que considerar adequada a
cada paciente, em cada momento de sua evolução.
Em suma, pacientes com câncer e metástases cerebrais apresentam prognóstico reser­
vado, sendo a maioria das formas atuais de tratamento insatisfatória e voltada para a palia-
ção do quadro clínico. Quando adequadamente indicadas, as atuais formas de tratamento
aumentam o tempo e a qualidade de sobrevida desses pacientes.

a PONTOS RELEVANTES

0 O câncer é a principal causa de morte em indivíduos entre 35 e 64 anos de idade.


0 Terapias cada vez mais eficazes aumentam o tempo de sobrevida e as chances de apare­
cimento de metástases cerebrais.
0 Cerca de 25% dos pacientes com câncer apresentam metástases cerebrais e 50% destes
apresentam metástases múltiplas por ocasião do diagnóstico.
0 RM da cabeça é o melhor exame por imagem para o diagnóstico.
0 As metástases cerebrais mais comuns são as secundárias aos tumores de pulmão, mama,
pele (melanoma), cólon e rins, pela ordem de frequência.
0 Os sintomas neurológicos podem ser irritativos ou deficitários.
0 Dexametasona é útil para o controle do edema cerebral.
0 Metástase única de grande volume, que determina hipertensão intracraniana grave ou
oclui o sistema ventricular, deve ser tratada cirurgicamente.
0 A radioterapia de todo o cérebro é o tratamento mais utilizado, pois controla os sinto­
mas em até 80% dos casos e aumenta o tempo e a qualidade de sobrevida.
0 A quimioterapia tem papel limitado no tratamento de metástases cerebrais.
0 A radiocirurgia equivale à cirurgia no tratamento das metástases com diâmetro menor
que 3,5 cm ou volume inferior a 30 cc e é superior no tratamento das lesões múltiplas.
0 A radiocirurgia aumenta o tempo e a qualidade de sobrevida.
0 É possível fazer prognóstico de pacientes com metástases cerebrais múltiplas e avaliar
as chances de influência na sobrevida após radiocirurgia a partir de parâmetros clínicos
e de exames por imagens.
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 369

0 Algoritmos auxiliam nas decisões de tratamento inicial de pacientes com metástases


cerebrais, assim como de suas recidivas.

QU E S T ÕE S

1. Qual das seguintes afirmações é falsa?


A. Cerca de 25% dos pacientes com câncer apresentam disseminação intracraniana da doença.
B. A TC do crânio é equivalente à RM da cabeça para a avaliação de metástases cerebrais múltiplas.
C. Radioterapia de todo o cérebro é a forma mais comum de tratamento de metástases cerebrais
múltiplas.

2. Qual das seguintes afirmações é verdadeira?


A. A radiocirurgia pode ser utilizada em lesões de até 5 cm de diâmetro.
B. Quimioterapia é a modalidade terapêutica de escolha em metástases de melanoma intracranianas.
C. As metástases intracranianas mais frequentes são as de câncer de pulmão e de mama.

3. Qual das seguintes afirmações é verdadeira?


A. É impossível prever a sobrevida de pacientes com metástases cerebrais após tratamento por
radiocirurgia.
B. A radiocirurgia equivale à cirurgia em pacientes com metástase cerebral única e é superior a
esta em pacientes com metástases múltiplas quando não há risco de deterioração neurológica
iminente ou obstrução das vias liquóricas.
C. A radiocirurgia apresenta risco elevado de complicações hemorrágicas e infecciosas.

4. Assinale a alternativa verdadeira para o tratamento de pacientes com uma ou três metástases
cerebrais:
A. A omissão da radioterapia cerebral total diminui a sobrevida global.
B. O uso de radiocirurgia isolada diminui o intervalo livre de recidiva em SNC.
C. A associação da radiocirurgia à radioterapia cerebral total não aumenta a sobrevida global.

5. Assinale a alternativa falsa:


A. A radiocirurgia trata melhor as lesões radiorresistentes do que a radioterapia cerebral total.
B. A cirurgia está indicada quando não há o diagnóstico de tumor primário.
C. A cirurgia pode ser substituída pela radiocirurgia mesmo em situações de emergência.
370 neurologia e neurocirurgia HIAE

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ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
31

Tratamento endovascular dos aneurismas


saculares intracranianos
Mario Sergio Duarte Andrioli
Eduardo Noda Kihara

INTRODUÇÃO

Os aneurismas saculares intracranianos são comuns na população geral.1'3 Sua pre­


valência está estimada em 0,4 a 8%. Apesar de muitos não serem detectados, sua ruptura
aguda - resultando em hemorragia subaracnoide - pode ter consequências devastadoras,
atingindo índices de mortalidade de 30 a 67% e de morbidade entre 15 e 30%.15 Os avan­
ços recentes em imaginologia não invasiva, incluindo tomografia computadorizada (TC),
ressonância magnética (RM), angiotomografia e angiografia por RM, aumentaram a pos­
sibilidade de diagnóstico antes da ruptura dessas lesões.
Antes de 1990, o tratamento endovascular dos aneurismas era feito por meio de oclusão
da artéria portadora proximal à lesão por balão destacável e oclusão direta do aneurisma
pelo mesmo método, em casos selecionados.
Com o desenvolvimento das espiras de liberação controlada e, mais recentemente, dos
ste n ts intracranianos, a opção do tratamento endovascular se expandiu, passando a ser pos­
sível mesmo em aneurismas com características inicialmente desfavoráveis e nas situações
clínicas mais extremas.1'4,6'8
No ano de 2002, um estudo prospectivo, randomizado, multicêntrico (International Suba­
rachnoid Aneurysm Trial [ISAT]) foi prematuramente interrompido após concluir-se que, de
2.143 pacientes portadores de aneurismas intracranianos rotos, aqueles tratados por método
endovascular por meio de embolização com espiras de liberação controlada apresentavam
redução de 22,6% no risco relativo de morte ou sequela grave após 1 ano, quando comparados

375
376 neurologia e neurocirurgia HIAE

aos tratados por clipagem microcirúrgica. Esse estudo modificou os padrões de tratamento,
aumentando, nos anos seguintes, o encaminhamento desses pacientes para o tratamento en­
dovascular quando o aneurisma fosse passível de tratamento por ambos os métodos.2
Os aneurismas saculares intracranianos não têm uma causa única. Sua origem é multifa-
torial. Tratam-se de condições congênitas que afetam a parede dos vasos e predispõem a sua
formação. As causas mais comuns são degeneração da parede sob o esforço circulatório (mais
comum das lesões em algumas bifurcações arteriais em que há fluxo turbulento), aterosclero-
se, estados hiperdinâmicos (p.ex., associados a malformações arteriovenosas), doenças vascu­
lares subjacentes, trauma, infecção, arterite, invasão neoplásica, abuso de drogas etc.3
Doenças sistêmicas também podem se associar na formação de aneurismas intracranianos,
como hipertensão arterial, coarctação da aorta, doença renal policística do adulto, displasia fibro-
muscular e doenças do tecido conjuntivo (Síndromes de Marfan e de Ehlers-Danlos). O tabagis­
mo também está relacionado à gênese e ao aumento do risco de ruptura dos aneurismas.3,9
Além dos saculares, os aneurismas podem ser fiísiformes e dissecantes. Os primeiros
são secundários a aterosclerose e hipertensão, formando dilatações que acometem todo o
segmento arterial, com degeneração da parede arterial ao longo de todo o seu diâmetro,
enquanto os dissecantes são secundários a ateroesclerose, hipertensão, displasia fibromus-
cular, arterites e trauma.3
Neste capítulo, é abordado o tratamento dos aneurismas saculares.

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 46 anos de idade, tabagista, apresentou hemorragia su-


baracnoide há 6 meses. Foi diagnosticado aneurisma do segmento oftálmico de colo
largo e fimdo dirigido medialmente e realizada embolização com espiras apoiadas
em microbalão e implante de ste n t intracraniano. Controles tardios sem recanalização
(Figura 31.1).
CAPITULO 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 377

STEN T LIBERADO

M I C R O . CAT. A N E U R

FIGURA 31.1 A ngiografia cerebral m ostra aneurism a sacular da artéria carótida in te rn a /


artéria o ftá lm ica antes e depois de oclusão por via endovascular com espiras de liberação
controlada.
378 neurologia e neurocirurgia HIAE

Caso 2

gia subaracnoide com classificação de Hunt & Hess III e tomografia com classifica­
ção de Fischer grau IV. Foi tratada com 10 horas de história, por meio de técnica de
remodelagem com balão e implante de espiras com PGLA. Embolização completa.
Controle angiográfico tardio sem recanalização (Figura 31.2).

FIGURA 31.2 Angiografia cerebral mostra aneurism a da artéria carótida interna antes e
após oclusão por via endovascular com espiras de liberação controlada.
CAPÍTULO 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 379

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade, hipertensa, tabagista, apresentou he­


morragia subaracnoide em janeiro de 2007. Foi diagnosticado aneurisma no topo
da artéria basilar com colo em continuidade com os segmentos PI das artérias cere­
brais posteriores e realizada embolização, em abril do mesmo ano, com implante de
ste n ts cruzados no topo da artéria basilar.
Nessa técnica, o segundo s te n t é aberto dentro das malhas do primeiro. As espiras
são implantadas com um microcateter posicionado através das malhas dos sten ts.
Nas imagens, os pontos radiopacos correspondem aos extremos dos sten ts. Os con­
troles angiográficos tardios atestaram a estabilidade da oclusão (Figura 31.3).

FIGURA 31.3 Angiografia cerebral mostra aneurism a do topo da artéria ba silar antes e após
oclusão por via endovascular com espiras de liberação controlada e s te n ts cruzados.
380 neurologia e neurocirurgia HIAE

INCIDÊNCIA E HISTÓRIA NATURAL

Estima-se a prevalência dos aneurismas intracranianos entre 0,4 e 8%, indicando que
há um grande número de pessoas portadoras da doença. As maiores incidências de rup­
tura encontram-se entre 40 e 70 anos de idade. A idade média das hemorragias fatais é de
50 anos. Os aneurismas com menos de 5 mm de diâmetro raramente sangram, enquanto
aqueles com 6 a 10 mm são os que mais apresentam sangramentos. Cerca de 20% dos
pacientes têm mais de um aneurisma. As mulheres são mais acometidas que os homens e
as crianças raramente apresentam aneurismas, sintomáticos ou não. Os aneurismas gigantes
geralmente se manifestam por seu efeito de massa sobre o parênquima cerebral e/ou sobre
os nervos cranianos, mas também podem sangrar. A mortalidade em 5 anos dos aneurismas
gigantes localizados na fossa posterior é de 100%, enquanto a daqueles com circulação
anterior atinge 80%.2'4,6'8
Segundo o Estudo Cooperativo, a mortalidade geral dos aneurismas rotos é de 36%,
com adicional de 18% de risco de graves sequelas. Apenas 46% dos pacientes têm evolução
favorável em 90 dias. Cerca de 20% das mortes acontecem nas primeiras 24 horas, 40% ao
longo da primeira semana e 66% até o fim da terceira.
O ressangramento é mais frequente ao longo dos primeiros 10 dias. Cerca de 15% dos
pacientes morrem antes de chegar a um hospital. Acontece em 20% dos remanescentes em
2 semanas, em 30% em 1 mês e em 40% em 6 meses. Em 40% dos casos, é fatal. Nos 6 pri­
meiros meses, ocorre em 50% dos pacientes. Esse risco decresce a 3% ao final de um ano e
assim se mantém.2'4,6'8
Os aneurismas mais suscetíveis ao rompimento e sangramento têm entre 5 e 15 mm
de diâmetro. O aneurisma rompe no local mais frágil de suas paredes, geralmente o fixndo.
Durante o sangramento, ocorre abrupta elevação da pressão intracraniana, que atinge valores
próximos aos da pressão arterial sistólica (PAS), reduzindo a pressão de perfixsão cerebral e o
fluxo sanguíneo cerebral e possibilitando o tamponamento da hemorragia, que se dá, inicial­
mente, pela ativação e agregação plaquetárias e pela ativação da cascata da coagulação dentro
do aneurisma, com a formação de um trombo de plaquetas e fibrina no local da ruptura, que
tampona provisoriamente a lesão. Os fatores trombolíticos endógenos podem facilitar o res­
sangramento, bem como esforços físicos, hipervolemia e hipertensão arterial.
Nos casos em que o sangramento é extenso, pode ocorrer redução da absorção liquóri-
ca ou interrupção do fluxo liquórico, resultando em hidrocefalia. No Estudo Cooperativo
Internacional, 8% dos pacientes foram tratados com derivação ventriculoperitoneal. Em
outras séries, esse dado varia de 6 a 67%.
O déficit neurológico isquêmico tardio, ou vasoespasmo sintomático, é uma importante
causa de morte e sequelas em pacientes que sofreram hemorragias subaracnoides. Ocorre
a partir do 4o ou 5o dia do sangramento e pode durar até o 20° dia, tendo maior intensidade
entre o 7o e o 10° dia. Atinge 20 a 40% dos pacientes, resultando em mortalidade e morbi-
C A P Í T U L O 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 381

dade de 35 e 30%, respectivamente. O tratamento precoce do aneurisma, porém, seguido


de tratamento clínico apropriado, incluindo o uso de nimodipina, reduz a 10% ou menos.
Apesar de muitos considerarem que a remoção e a lavagem cirúrgica do sangue cis-
ternal pode reduzir ou mesmo eliminar o vasoespasmo, pequena porção do mesmo pode
ser retirada na cirurgia precoce. O Estudo Cooperativo Internacional não demonstrou
influência benéfica significativa da cirurgia precoce sobre a mortalidade e a morbidade
relacionadas ao vasoespasmo. A dificuldade de remover coágulos fortemente aderidos a
estruturas vasculares delicadas e fragilizadas, os produtos de degradação do sangue e os
efeitos da manipulação cirúrgica poderiam explicar a ineficácia da cirurgia para a redução
da incidência do vasoespasmo.
A exclusão do aneurisma da circulação é o único tratamento capaz de evitar novos san-
gramentos e suas consequências, além de permitir o manejo mais seguro das complicações
do primeiro sangramento (vasoespasmo e hidrocefalia). A eliminação do aneurisma da
circulação é feita por meio da clipagem microcirúrgica ou da embolização endossacular
com espiras destacáveis.1'6,10

Em bolização dos aneurism as intracranianos com espiras de liberação


controlada

A terapêutica endovascular tem se aprimorado continuamente desde a introdução da em­


bolização por balões destacáveis nos anos 1970.0 desenvolvimento da tecnologia das espiras
de liberação controlada, inicialmente por eletrólise e, depois, por meios mecânicos e outros,
possibilitou a realização de tratamentos mais seguros e eficazes.
Há alguns anos, os aneurismas saculares cerebrais eram tratados apenas por técnica
microcirúrgica. Após a abertura de uma janela no osso craniano, a dura-máter também é
aberta e o cérebro sofre uma dissecção de suas cisternas e seus sulcos, expondo as artérias
acometidas e possibilitando o posicionamento de um clipe metálico na base do aneurisma,
excluindo-o da circulação e preservando as artérias a ele relacionadas.
Na técnica endovascular, um microcateter é navegado ao longo da circulação cerebral,
sendo sua ponta posicionada no interior do aneurisma. Também, por meio desse microca­
teter, são implantadas pequenas espiras de platina de formato, diâmetro e comprimentos
compatíveis no interior da lesão. Várias espiras são colocadas em sequência, preenchendo
a lesão e induzindo trombose e oclusão dela.1,3,5,10Não é necessário abrir o crânio do pa­
ciente nem realizar qualquer manipulação do cérebro ou dos nervos cranianos. Utiliza-se
o próprio sistema arterial para atingir a lesão e tratá-la.
As espiras são altamente delgadas e flexíveis, destacadas de seu fio-guia por meio da ele­
trólise de sua conexão com este ou por outro método elétrico ou mecânico. Quanto mais
densamente compactadas no interior do aneurisma e junto ao colo, maior a probabilidade
de oclusão estável, sem recanalização do aneurisma e sem novo crescimento. Do ponto de
382 neurologia e neurocirurgia HIAE

vista da proteção contra o ressangramento, a oclusão do fundo e do corpo da lesão confere


proteção adequada, permitindo o tratamento agressivo e precoce do vasoespasmo.3"5’7’8,10
O tratamento pode ser realizado logo após a angiografia diagnóstica e feito em qual­
quer fase do sangramento, permitindo também o tratamento endovascular do espasmo
arterial, seja por infusão de drogas vasodilatadoras, seja por angioplastia com balão ou por
técnica mista.2'810 Nos casos em que o colo do aneurisma é muito grande, pode-se realizar
o procedimento com a técnica do balão de modelagem, que permite a colocação das molas
no interior do aneurisma sem risco de que saiam ou fiquem pouco compactadas em seu
interior.
Inicialmente, o tratamento endovascular era restrito a pacientes portadores de lesões
consideradas inoperáveis ou cirurgicamente difíceis, em mau estado neurológico, com
aneurismas na circulação posterior ou muito proximais na carótida, que estivessem entre
o 3o e o 10° dia de hemorragia, que tivessem mais de 70 anos de idade e com vasoespasmo
ativo. O desenvolvimento da técnica permitiu a expansão das indicações para aneurismas
em qualquer localização, principalmente por permitir o tratamento precoce de lesões com
sangramento recente cujo tratamento cirúrgico seria contraindicado.2'81011
Os objetivos tanto do tratamento micro cirúrgico quanto do endovascular são a oclusão
do aneurisma e o fechamento estável do seu orifício de entrada, impedindo o sangramento
nos aneurismas não rotos e evitando novos sangramentos naqueles já rotos. Os controles
angiográficos 6 meses e 2 anos após o tratamento são importantes para determinar a estabili­
dade das oclusões e selecionar os eventuais casos que necessitarão de novo tratamento.11'14
Alguns fatores devem ser considerados antes de se fazer a opção pelo método terapêu­
tico, como as condições clínicas do paciente, a história natural da doença e as característi­
cas anatômicas do aneurisma. Do ponto de vista do tratamento endovascular, as primeiras
são menos limitantes que a última.
A localização, o tamanho, o formato, o tamanho do colo do aneurisma e a relação entre o
seu diâmetro e o colo são fatores importantes na definição da técnica a ser utilizada. A localiza­
ção de artérias perfurantes e a origem de ramos arteriais muito próximos ao colo do aneurisma
podem tornar o tratamento mais arriscado. Quanto maior a relação entre o fundo e o colo,
melhor o resultado de longo prazo, pois, nesses casos, é possível compactar mais densamente as
espiras dentro da lesão. Geralmente, relações de até 1,5 são favoráveis, permitindo a ocupação
de 25 a 30% do volume interno do aneurisma com as espiras de platina.1516
No início, os aneurismas com colo largo, por definição maiores que 4 mm, eram mais
difíceis de embolizar, pois algumas alças das espiras podiam sair do aneurisma para a luz
da artéria portadora, com risco de formação de coágulos e isquemia.
Nas lesões com relações fundo/colo moderadas (entre 1,2 e 1,5) e ruins (acima de 1,5), as
possibilidades de conseguir um enchimento suficientemente denso e estável eram menores.
Esses casos passaram a ter maior sucesso por tratamento endovascular após o desenvolvi­
mento da técnica do balão de remodelagem, associada ou não ao implante de s te n t intracra­
niano, que permitiu a compactação adequada das espiras com oclusão estável das lesões.
C A P Í T U L O 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 383

A técnica de remodelagem do colo com balão foi desenvolvida para contornar as li­
mitações do tratamento dos aneurismas de colo largo. Nos casos com relação fundo/colo
desfavorável, é muito difícil manter as espiras dentro do saco aneurismal, bem como obter
uma compactação densa das mesmas sem risco de ocluir a artéria portadora. A vantagem
da proteção com balão é permitir uma oclusão com compactação densa das espiras, en­
quanto se mantém a artéria portadora aberta, com menor risco de migração das espiras e
de complicações tromboembólicas.3'6,10,11
Nos aneurismas tratados poucas horas após a hemorragia, em que o fimdo encontra-se
muito frágil e propenso a nova ruptura, o balão adiciona maior proteção em relação a sangra-
mentos durante o tratamento. A técnica de remodelagem também pode ser utilizada em outras
situações, como nos casos em que o colo do aneurisma se estende pelo segmento proximal de
um ramo arterial adjacente, criando o risco de ocluir tal ramo. Essa situação não é incomum
quando se tratam de aneurismas do topo das artérias basilar e cerebral média, por exemplo.
As complicações mais comuns no tratamento endovascular dos aneurismas saculares são
o tromboembolismo e a ruptura intraoperatória do aneurisma. Uma revisão de 48 estudos
publicados, totalizando 1.383 pacientes tratados com embolização, demonstrou a ocorrência
total de complicações relacionadas ao método de 12%. Os índices de mortalidade e morbi-
dade atingiram 3,7 e 1,1%, respectivamente.3,5,8,10A incidência de ruptura intraoperatória nas
embolizações de aneurismas saculares atinge 1,9 a 16% dos aneurismas rotos e 0 a 1,3% dos
não rotos.1718 Invariavelmente, as rupturas acontecem em aneurismas já rotos, principalmen­
te nos tratados precocemente. Aneurismas pequenos também são mais associados à ruptura
intraoperatória. Quanto à localização, os mais suscetíveis ao sangramento intraoperatório
são os de comunicante anterior. A mortalidade nas rupturas intraoperatórias é maior quan­
do ocorrem no início da implantação das espiras, bem como nos pacientes com pior estado
neurológico (Hunt & Hess III e IV).17,18
A ruptura intraoperatória do aneurisma é percebida quando uma alça de espira se des­
loca além dos contornos da lesão. Esta, uma vez identificada, é contornada com a comple-
mentação da embolização associada à reversão da anticoagulação e à hipotensão induzida
por drogas.5’8,14,17’18
A complicação mais comum e mais perigosa é o tromboembolismo, levando a isquemia
e infarto cerebral.17,18Apesar do uso da heparina durante a embolização, as complicações re­
lacionadas a fenômenos tromboembólicos ocorrem em 2,5 a 20% dos pacientes. A maioria
ocorre em até 24 horas do término do procedimento, sendo indicado o uso de dispositivos
de oclusão de local de punção e cateterismo ao término dos procedimentos e da manuten­
ção, ou, pelo menos, a não reversão da anticoagulação ao final desses procedimentos.17,18
O tromboembolismo intraoperatório pode ser tratado com a infusão intra-arterial super-
seletiva de fibrinolíticos no local da obstrução. As drogas mais utilizadas são o rt-PA e os
antiplaquetários de uso endovenoso, como o tirofiban e o abciximabe.
Para que se tenha segurança quanto à adequada anticoagulação profilática dos pacien­
tes submetidos à embolização, é mandatório controlar a anticoagulação com a medição
384 neurologia e neurocirurgia HIAE

do tempo de coagulação ativada ao longo do procedimento. Em virtude de os pacientes


estarem anticoagulados durante os procedimentos, esses fenômenos podem ocorrer pela
formação de agregados plaquetários nos cateteres e nas espiras utilizados no tratamento. A
invasão do saco aneurismal pelas espiras pode deslocar um trombo ali existente e fazê-lo
atingir a circulação cerebral e ocluir um ramo arterial.
A utilização do balão de modelagem com anticoagulação adequada pode reduzir o
dano da ruptura intraoperatória, por limitar a hemorragia, e prevenir a migração de trom-
bos do interior do aneurisma para a circulação.17
Alguns fatores determinam o sucesso e a estabilidade da oclusão dos aneurismas sacu-
lares pelo método endovascular. A embolização dos aneurismas intracranianos rotos com
espiras destacáveis determina 4,4% de redução absoluta de morte ou dependência grave ao
final e 23,9% de redução de risco relativo, quando comparada à clipagem microcirúrgica. A
principal dúvida está relacionada à durabilidade e à estabilidade da oclusão. A recorrência
do aneurisma pode ser potencialmente danosa ao paciente e decorre do crescimento de
remanescentes do aneurisma embolizado.19-23
O objetivo do tratamento é fechar totalmente a lesão, mas há casos em que as espiras
se compactam no fundo do aneurisma ou ocorre crescimento de novo a partir de resíduo
junto ao colo, nos casos de embolização incompleta. O conhecimento da história natural
de longo prazo dos resíduos dos aneurismas embolizados ainda é incompleto. O ressangra-
mento é incomum, mas bem reconhecido.
O seguimento angiográfico mediato e tardio pode determinar as modificações anatô­
micas dos aneurismas tratados, de modo a selecionar pacientes cujos eventuais remanes­
centes demonstram recanalização e aumento. São necessárias angiografias de controle pelo
menos 6 e 24 meses após o tratamento para assegurar a estabilidade da oclusão.1213,21
Por causa do baixo risco de sangramento dos remanescentes de aneurismas, novas em-
bolizações devem adicionar baixo risco de morbidade. A taxa de complicações na reemboli-
zação de aneurismas intracranianos varia de 0 a 11%, segundo publicações. Algumas dessas
séries incluíam pacientes tratados após nova ruptura, além de pacientes submetidos a tra­
tamentos programados em série. No International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT),
66% dos aneurismas foram totalmente ocluídos, 26% tinham um remanescente junto ao
colo e 8% estavam incompletamente ocluídos.
O tratamento neurocirúrgico também apresenta falhas na oclusão. Entre os 42% dos
aneurismas clipados estudados com angiografia pós-operatória, 12% apresentavam restos
junto ao colo e 6% estavam incompletamente ocluídos. Outras séries cirúrgicas reportam
4% de clipagens incompletas e 4% de clipagens não satisfatórias. Em uma série, foram en­
contrados 3,8% de aneurismas com resíduos, sendo que, destes, houve ressangramento em
3,7%. A incidência de ressangramento em aneurismas recorrentes é de 7,9% em compara­
ção a 0,4% de oclusões estáveis. Em uma série de 105 aneurismas totalmente ocluídos, com
espiras ou mínimos restos junto ao colo, nenhuma hemorragia ocorreu durante 42 meses
de seguimento.
C A P Í T U L O 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 385

A taxa de ressangramento após embolização verificada no ISAT foi de 0,2% por paciente/
ano, com seguimento de 1 a 8 anos (média de 4 anos). Dados do Cerebral Aneurysm Rerup-
ture After Treatment (Carat) demonstram taxa de ressangramento no grupo tratado com
espiras de 1,3:100 pacientes/ano, sendo que nenhum ocorreu em até 2 anos. Os principais
fatores de risco são aneurismas grandes e oclusão incompleta no tratamento inicial e no
seguimento de 6 meses.
A recanalização ocorre mais frequentemente nos aneurismas com mais de 10 mm de
diâmetro, colos grandes, maiores que 4 mm e com oclusão incompleta no primeiro trata­
mento. A embolização com alta densidade de espiras é um importante fator para evitar a
recanalização, sendo que as espiras devem ocupar pelo menos 25% do volume do aneuris­
ma para se obter um resultado mais estável e seguro.15,16
Pelos estudos até agora publicados, conclui-se que, apesar de apresentar pequeno incre­
mento na taxa de recanalização frente à cirurgia, esta é pouco frequente e pouco relacio­
nada a novos sangramentos. Conclui-se, também, que o risco de um novo tratamento não
elimina as vantagens do tratamento inicial.1,2,48,10,14,16,24
No que se refere a aneurismas não rotos, a técnica também tem se mostrado mais se­
gura e eficaz. Estudo sobre resultados em 2.535 casos tratados em 429 hospitais de 18
estados americanos em 1 ano demonstrou menos eventos adversos (6,6 versu s 13,2%),
menor mortalidade (0,9 versu s 2,5%), menor tempo de internação (4,5 versu s 7,4 dias) e
menores custos hospitalares (US$ 42.044,00 versu s US$ 47.567,00) quando comparada ao
tratamento cirúrgico (p < 0,05). Após o ajustamento estatístico dos dados, observou-se que
o tratamento cirúrgico implicava possibilidade 70% maior de evento adverso, 80% maior
em tempo de internação e 30% maior em despesas.

AVANÇOS TÉCNICOS

No que se refere aos avanços técnicos, com reais perspectivas de alargamento das indi­
cações de tratamento endovascular e de melhora nos resultados em curto e longo prazos,
devem-se citar as espiras associadas a meios mecânicos e farmacológicos, bem como os
ste n ts intracranianos.
No tratamento corrente, utilizam-se espiras de platina que agem produzindo trombose
dos aneurismas apenas por seu posicionamento no interior das lesões. A exemplo do uso
de ste n ts coronarianos farmacologicamente ativos, foram desenvolvidas espiras destacáveis
revestidas com polímeros capazes de se expandir, aumentando o volume ocupado interna­
mente pelas espiras, bem como outras portadoras de substâncias que, liberadas localmente,
promovem a indução da cicatrização do orifício de entrada das lesões, possibilitando me­
lhores resultados terapêuticos, como o PGLA.
Os relatos iniciais dos resultados obtidos com o uso desses dispositivos são muito po­
sitivos. Espera-se, com o uso desses equipamentos, a obtenção de melhoras significativas
nas oclusões completas e estáveis.
386 neurologia e neurocirurgia HIAE

O uso de stents intracranianos no tratamento dos aneurismas intracranianos é baseado em


dois princípios. O primeiro resulta da capacidade que os stents têm de conter mecanicamente as
espiras dentro dos aneurismas de colo muito largo. Outro princípio é o de preservar, aberto e com
bom fluxo, um ramo arterial cuja origem se localize em continuidade ao colo de um aneurisma,
como ocorre nas lesões no topo da artéria basilar e na bifurcação da artéria cerebral média.25
Em alguns casos selecionados, verificou-se que o simples posicionamento do s te n t
modificando a geometria da artéria portadora foi capaz de induzir mudanças no fluxo
dentro de aneurismas que, sem espiras em seu interior, sofreram progressiva diminuição
ou desaparecimento. Esse fenômeno foi verificado em lesões saculares e fusiformes, le­
vando ao desenvolvimento de ste n ts com características geométricas capazes de modificar
o fluxo arterial desviando-o do ponto de entrada no aneurisma e auxiliando seu trata­
mento. Outros ste n ts revestidos por camada de tecido, como o dacron, à semelhança das
endopróteses,26foram desenvolvidos e são capazes de revestir e fechar o orifício de entrada
dos aneurismas, promovendo sua oclusão. Os resultados obtidos nos casos selecionados
para tratamento pelas novas técnicas são muito bons e espera-se que venham a aumentar
as indicações e os bons resultados da técnica endovascular.

► DISCUSSÃO

Inicialmente restrito ao tratamento de pacientes com hemorragias subaracnoides em


situação clínica desfavorável, o tratamento endovascular evoluiu aumentando objetiva­
mente sua segurança e sua eficácia. Seu espectro de indicações tem aumentado progres­
sivamente, atingindo resultados que o tornaram uma alternativa à cirurgia, além de, em
muitas situações, ser superior. Esses fatos, por serem recentes, poderiam permitir a suges­
tão de que o tratamento endovascular substituísse, eventual e integralmente, o tratamento
cirúrgico dos aneurismas saculares.
Não obstante os avanços alcançados e os ainda esperados, deve-se salientar que nem to­
dos os aneurismas têm morfologia favorável ou são passíveis de tratamento endovascular
com a tecnologia atualmente disponível, devendo, então, se possível, serem tratados com
técnica microcirúrgica.27,28
Como ocorre em todas as decisões que resultam em boas práticas médicas, a indicação
do método de tratamento de um determinado paciente, apesar de se fazer caso a caso, deve
ser baseada nas evidências obtidas em estudos metodologicamente corretos.
Apesar das limitações atuais do método endovascular, as quais se espera que sejam
reduzidas com os avanços tecnológicos atualmente em curso, este tem demonstrado sa­
tisfazer este importante pressuposto, devendo ser sempre oferecido e realizado, quando
aplicável, no tratamento dos aneurismas intracranianos.
CAPÍTULO 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 387

a PONTOS RELEVANTES

0 Aneurismas intracranianos ocorrem em 0,4 a 8% da população geral.


0 Rotura de aneurisma intracraniano determina hemorragia subaracnoide e pode ter
consequências devastadoras, com mortalidade de 40 a 67% e morbidade de 15 a 30%.
0 Tratamento endovascular para embolização de aneurismas intracranianos é possível
desde 1990, com técnicas que evoluem rápida e significativamente, por meio de espiras
de liberação controladas e sten ts.
0 Os aneurismas são tratados preferencialmente nas primeiras horas após a hemorragia
subaracnoide a fim de evitar ressangramento e permitir profilaxia ou tratamento agres­
sivo do vasoespasmo cerebral.
0 Os resultados do tratamento endovascular é superponível ao do tratamento microci-
rúrgico e em alguns centros especializados é melhor do que este.
0 Os melhores resultados do tratamento endovascular são obtidos em pacientes com
aneurismas cujo colo é menor que 4 mm.
0 Embolização associada e balão de remodelagem ou uso de s te n t melhoram os resulta­
dos em aneurismas de colo largo, porém aumentam o risco de tromboembolismo.
0 As complicações do tratamento endovascular incluem tromboembolismo e rotura in-
traoperatória do aneurisma.
0 Os índices de mortalidade e morbidade do tratamento endovascular dos aneurismas
são de 3,7 e 1,1% respectivamente.

QUES T ÕE S

1. A embolização de aneurisma cerebral roto só pode ser realizada após quanto tempo da
hemorragia?
A. Uma semana.
B. A qualquer tempo.
C. No término do vasoespasmo.

2. A embolização de aneurisma cerebral tem menor índice de recanalização, com técnica sim­
ples, quando a lesão tiven
A. Fundo maior do que 4 mm.
B. Colo menor do que 4 mm.
C. Relação fundo/colo < 1,5.
388 neurologia e neurocirurgia HIAE

3. As angiografias de controle após embolização de aneurisma cerebral devem ser realizadas:


A. Após 1 e 4 anos.
B. Após 1 e 6 semanas.
C. Após 6 e 24 meses.

4. As complicações mais comuns nas embolizações de aneurismas cerebrais são:


A. Hidrocefalia e hemorragia.
B. Tromboembolismo e hemorragia.
C. Vasoespasmo e hidrocefalia.

5. As técnicas de embolização associada a balão de remodelagem e/ou implante de stents


intracranianos têm uma vantagem e uma potencial desvantagem, a saben
A. Permitem tratar todos os aneurismas cerebrais, mas causam mais espasmo.
B. Melhoram os resultados nos aneurismas de colo largo, mas podem induzir mais fenômenos trom-
boembólicos.
C. Não têm qualquer desvantagem.

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32

Tratamento cirúrgico e radiocirúrgico das


malformações arteriovenosas
Eduardo Weltman
Hallim Feres Jr.

INTRODUÇÃO

A malformação arteriovenosa cerebral (MAV) é um desvio do desenvolvimento dos


vasos sanguíneos durante o estágio embrionário inicial. Diversas teorias tentam explicar
sua gênese, quase todas atribuindo uma natureza congênita à lesão.
A compreensão dos fenômenos relacionados à formação das MAV é de crucial impor­
tância para o entendimento de seu comportamento. Acredita-se que desvios do desenvolvi­
mento normal do sistema vascular cerebral a partir da sétima semana de vida embrionária
podem promover a coalescência de capilares em estruturas vasculares maiores e displásicas,
no período de diferenciação do plexo primitivo nos seus componentes aferentes, capilares e
eferentes, ou, ainda, que a persistência de conexões entre os lados arterial e venoso do plexo
primitivo pode dar origem às lesões.
As MAV exibem características endoteliais maduras e alto fluxo sanguíneo, que predis­
põem ao recrutamento vascular, à arterialização de estruturas venosas e à gliose adjacente.
O alto fluxo e o estresse hemodinâmico podem induzir alterações fenotípicas no endoté-
lio e na integridade tecidual. Estudos demonstram a presença de proteínas de membrana
características de artérias na parede vascular de porções venosas, como a SM2 (marcador
histológico de músculo liso). Outra evidência histológica dessa teoria é a alta expressão
de fatores de crescimento e seus receptores, além do tu rn o v e r tecidual aumentado. Trata-se,
certamente, de um grupo heterogêneo de anomalias vasculares do cérebro ligadas ao de­
senvolvimento.

391
392 neurologia e neurocirurgia HIAE

Teoricamente, essa lesão não deveria apresentar aumento do volume, uma vez que não
se trata de patologia neoplásica. No entanto, muitos casos de crescimento das MAV são re­
latados. Sua detecção no período gestacional é raramente relatada, especulando-se que sua
formação ocorra no período de absorção de múltiplas veias piodurais subaracnóideas com
um potencial de crescimento posterior.
Até hoje, o papel dos fatores de angiogênese ainda não foi totalmente estabelecido. Exis­
tem relatos de recorrência após a exérese completa em até 3,5% dos casos, os quais nor­
malmente são descritos em crianças, possivelmente fatores desreguladores da angiogênese,
como a presença de citosinas inflamatórias e fatores de crescimento como o v a sc u la r e n ­
d o th e lia l g r o w th fa c to r (VEGF),o basic fib r o b la s t g r o w th fa c to r (BFGF) e o p la te le t- d e riv e d
g r o w th fa c to r (PDGF). Outras causas que promovem o desvio do desenvolvimento vascu­
lar normal no embrião, ou mesmo a transformação vascular patológica após o nascimento,
permanecem desconhecidas.
Outro conceito teórico relevante no reaparecimento dessas lesões é o “compartimento
oculto”, em que áreas angiograficamente invisíveis ao redor da lesão mantêm uma rede ca­
pilar dilatada perinidal, vasos que se comunicam com a rede capilar normal e a displásica,
possibilitando o recrudescimento dessas lesões.
As MAV são responsáveis por cerca de 2% de todos os acidentes vasculares cerebrais
(AVC), mas, apesar dessa frequência relativamente baixa, são importantes por incidirem em
pacientes jovens e sem comorbidades. Além disso, a evolução dos exames de imagem não
invasivos tem aumentado muito a incidência de diagnóstico incidental dessa doença.1

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

A abordagem terapêutica dos pacientes com MAV pode ser feita por observação ar­
mada, tratamento endovascular, neurocirurgia (NC) ou radiocirurgia (RC) ou pela com­
binação dessas possibilidades. As intervenções terapêuticas endovascular, neuro e radio-
cirúrgica carregam consigo riscos de complicações clínicas e neurológicas e sua indicação
depende do conhecimento da história natural e do prognóstico da doença, assim como da
eficiência relativa de cada um desses procedimentos no caso específico.1
O primeiro parâmetro a ser determinado para a decisão terapêutica é o estadiamento da
lesão pela classificação de Spetzler-Martin, que estabeleceu cinco grupos pela somação de
pontos relativos ao tamanho, à eloquência e ao padrão de drenagem venosa (Tabela 32.1).2

TABELA 32.1 Classificação de Spetzler-Martin* para malformações arteriovenosas2

(continua)
CAPÍ TULO 32 t r at amento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 393
(continuação)

*0 grau é o resultado da soma das três marcas, representado em algarismos romanos.


**Sítios eloquentes: córtex sensório-motor, da linguagem ou visual, hipotálamo, tálamo, cápsula interna, tronco cerebral, pedúnculos
cerebelares ou núcleos cerebelares.

De Oliveira et al.3 propuseram um adendo a essa classificação, dividindo a classe III em


IIIA, para aqueles casos em que, somando-se três pontos pela classificação de Spetzler-Martin,
a lesão é grande (diâmetro maior que 6 cm), e IIIB, quando a lesão é pequena (menos de 3 cm
de diâmetro), mas se encontra em área eloquente do cérebro. Segundo os últimos autores, essa
classificação ajuda a separar os pacientes primariamente cirúrgicos (classes I e II) daqueles
em que o tratamento geralmente é associado (IIIA: embolização seguida de cirurgia, IIIB:
embolização seguida de RC) e daqueles para os quais seria preconizado um tratamento con­
servador (IV e V).3
De maneira geral, após a classificação do caso segundo Spetzler-Martin, para se tomar a
conduta no tratamento de um paciente com MAV, consideraram-se fatores como tamanho
da lesão, presença de drenagem venosa profunda, localização em área eloquente ou pro­
funda, nidus compacto ou racemoso e presença de aneurismas (distantes ou intranidais).4
Na verdade, a decisão terapêutica em cada caso não pode ser feita apenas com base na
classificação da lesão e nas outras variáveis clínicas, devendo ser sempre tomada levando
em conta a opinião do paciente e de seus familiares, após devidamente informados sobre
os riscos de cada uma das possibilidades terapêuticas.

TRATAMENTO ENDOVASCULAR

Na abordagem terapêutica clássica das MAV, a embolização, quando indicada, pode ser
considerada o primeiro passo do tratamento, uma vez que reduz o tamanho do nidus ou o
fluxo sanguíneo pela obliteração de s h u n ts arteriovenosos.5
A embolização seguida de microcirurgia demonstrou ser um procedimento seguro e
efetivo, sendo especialmente indicado em pacientes apresentando MAV com mais de 3 cm
de diâmetro localizadas em regiões acessíveis do sistema nervoso central (SNC).4
Embora a diminuição das MAV proporcionada pela embolização possibilite a aplicação
de doses maiores de radioterapia e, portanto, leve a supor que o controle pela RC poderia
ser mais efetivo, os resultados do grupo de Pittsburgh apontaram em direção contrária,
mostrando uma taxa de persistência de nidus fora do volume irradiado em 18% dos casos
embolizados contra 5% dos demais. A explicação desse achado foi a pior definição do alvo
nesses casos, levando a regiões de subdosagem da radioterapia.6
394 neurologia e neurocirurgia HIAE

TRATAMENTO NEUROCIRÚRGICO

A complexidade anatômica das MAV gera grande discussão no que diz respeito ao seu
tratamento. Essas lesões apresentam ruptura ao longo dos anos, promovendo hemorragias
de padrão e tamanho variados, e, dada a heterogeneidade das lesões, os fatores que levam
a esse processo não foram totalmente esclarecidos.
Atualmente, sabe-se que as MAV apresentam ruptura média de 2,4% ao ano, porém,
nos primeiros anos após o primeiro sangramento, esses índices podem chegar a até 4,6%
ao ano; considerando-se um período de duas décadas, a taxa de ruptura chega a 39%. Es­
ses índices são inaceitáveis, principalmente quando se relembra que essas lesões ocorrem
em pacientes jovens entre a 3a e a 4a década de vida. Inúmeros são os fatores relacionados
a esse evento e longos seguimentos demonstram que o período livre de hemorragia será
maior nos pacientes com lesões superficiais, de drenagem venosa superficial, não rotas e
supratentoriais. Além disso, quanto maior for a lesão, menor será o período livre de san-
gramentos.
A escolha do tratamento a ser adotado é feita em função do tamanho, da localização,
do tipo de drenagem venosa e dos fenômenos que podem ocorrer concomitantemente no
momento do diagnóstico da MAV, como hematomas de grande volume, que sempre exigem
a abordagem cirúrgica inicial. A abordagem cirúrgica tem, ainda, a vantagem de resolver de
imediato a patologia, sem período de carência, quando ainda pode ocorrer sangramento,
segundo observado anteriormente.
De modo sucinto, podem-se definir como cirúrgicas as malformações acompanhadas
de hematomas importantes, com repercussão regional. Na eventualidade de se tratar de
lesões muito volumosas, que exijam cirurgia emergencial, eventualmente sem possibili­
dade de estudo angiográfico, pode-se optar pela simples drenagem do coágulo, visando a
manter as condições de sobrevivência, e proceder-se ao estudo angiográfico, visando ao
planejamento terapêutico definitivo em um segundo momento.
Cabem no tratamento cirúrgico preferencial as lesões em áreas menos eloquentes e as
mais superficiais, principalmente com drenagem venosa superficial ou como complemen­
to do tratamento endovascular, nos casos em que já ocorreu hemorragia, e é imperativo o
tratamento dos pseudoaneurismas, que constituem a causa principal dos sangramentos.

TRATAMENTO RADIOCIRÚRGICO

Os resultados da RC em um paciente com MAV levam em conta o binômio risco de


sequela/efetividade. Se, por um lado, a RC é um procedimento altamente efetivo, levando
à obliteração de 60 a 90% dos casos, dependendo do tamanho da MAV, da forma, da loca­
lização e dos aspectos técnicos do tratamento, por outro, carrega em si um risco de 30%
CAPÍTULO 32 t r a t a m e n t o cirúrgico e radiocirúrgico das mal f or ma çõ es arteri ovenosas 395

de alterações radiológicas perilesionais, com 1/3 delas levando a sintomas (9% do total de
pacientes tratados).
A probabilidade de obliteração de uma MAV está diretamente relacionada à dose apli­
cada à periferia da mesma (dose mínima aplicada). Flickinger et al.6 estudaram a relação
dose-resposta em 351 pacientes apresentando MAV, tratados na Universidade de Pittsburgh
entre 1987 e 1997 e com seguimento imagenológico mínimo de 3 anos. A conclusão dos au­
tores (Tabela 32.2) foi que doses de 12 Gy lograriam sucesso em cerca de 25% dos casos e
que doses superiores a 25 Gy trariam um aumento mínimo à efetividade do método. Dessa
forma, as doses prescritas, desde que respeitando a tolerância do cérebro normal, devem
estar entre 14 Gy e 23 Gy. Os pacientes que haviam sido submetidos à embolização prévia
apresentaram menor índice de obliteração que os demais. Outro fator inesperado foi a
maior probabilidade de sucesso nos pacientes do sexo masculino.

TABELA 32.2 Probabilidade de obliteração segundo dose prescrita à periferia da lesão6


Dose marginal (Gy) Percentagem de obliteração em Percentagem de obliteração em
pacientes embolizados (%) pacientes não embolizados (%)
12 22,4 27,6
14 35,8 44,1
16 4 8 ,9 60,1
18 58,9 72,5
20 65,3 80,3
22 68,7 84,5
23 69,7 85,7
24 70,3 86,5
26 71 87,4

Flickinger et al.,6 estudando 422 pacientes submetidos à RC por MAV, avaliaram as


características de 85 pacientes que desenvolveram complicações sintomáticas secundárias
a esse procedimento, principalmente em virtude da radionecrose e do edema cerebral. O
risco de complicação demonstrou estar diretamente relacionado ao volume de tecido cere­
bral normal, que recebe dose de 12 Gy ou superior (indiretamente relacionado ao volume
da lesão), e ao sítio de localização da MAV. O que eles apuraram é que os pacientes com
lesões em região frontal submetidos à RC apresentaram o menor risco de complicação, en­
quanto aqueles com lesões em tronco cerebral e mesencéfalo apresentaram o maior (risco
ascendente de complicação: frontal, temporal, intraventricular, parietal, cerebelar, corpo
caloso, medula oblonga, tálamo, gânglios da base e tronco cerebral/mesencéfalo).
Por apresentarem risco crescente de complicações proporcional ao tamanho, o tratamen­
to de MAV volumosas (maiores que 10 mL) pode ser feito ou por RC estagiada (tratamento
de partes da lesão em tratamentos sequenciais)7 ou hipofracionada (5 frações com dose va-
396 neurologia e neurocirurgia HIAE

riando de 6 a 7 Gy cada).8Esses tratamentos lograram entre 50 e 80% de obliteração e 2 e 28%


de complicações clínicas graves.
A reirradiação de MAV que não ocluíram com o primeiro tratamento é uma possibi­
lidade que foi estudada pela Universidade da Flórida, em Gainesville.9 Foram avaliados,
retrospectivamente, 52 pacientes submetidos a uma segunda RC para a MAV residual. O
volume mediano apurado do nidus no primeiro tratamento foi de 13,8 cm3, enquanto, no
segundo, foi de 4,7 cm3, com uma redução de, em média, 66%. A exata redução de volume
permitiu que doses mais elevadas de radiação fossem utilizadas e, após o segundo procedi­
mento, 24 dos 41 pacientes avaliáveis evoluíram para a cura (60% de sucesso). O índice de
complicações foi comparável ao dos tratamentos primários.

NEUROCIRURGIA OU RADIOCIRURGIA?

Embora cada serviço de neurocirurgia tenha uma definição estabelecida de quais são os
pacientes com indicação de NC ou RC, existem casos em que ambas as indicações são ra­
zoáveis e a conduta dependerá de variáveis subjetivas. Dentro desse cenário, é muito pouco
provável que em algum dia se tenha um estudo randômico, e o melhor grau de evidência
que será possível ter será por meio de estudos pareados retrospectivos, como o realizado no
Saint Anne Hospital, em Paris, pareando 39 de seus casos tratados com RC com 39 subme­
tidos à NC no Hospital Lariboisière, da mesma cidade.5
Foram pareados pacientes segundo os grupos de Spetzler-Martin (grau I: 27%, grau
II: 42%, grau III: 23%, grau IV: 7,7%, nenhum paciente grau V), idade, sexo, sangramento
prévio, convulsões, cefaleia, déficit neurológico progressivo e embolização prévia. Embora
a taxa de cura tenha sido muito semelhante, esse estudo concluiu que a NC é mais efetiva
em prevenir novos sangramentos e que a RC é menos mórbida.

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, apresentou, em março de 1997, quadro


de cefaleia, febre, rigidez de nuca e vômitos. Feita a hipótese diagnóstica de menin­
gite, foi submetida à punção liquórica, que detectou hemorragia meníngea. Uma
tomografia computadorizada (TC) cerebral em abril de 1997 (Figura 32.1) detec­
tou extensa MAV em região parietal direita, classificada como grau IV de Spetzler-
-Martin (diâmetro médio de 5 cm, localização eloquente e com drenagem venosa
profunda - Tabela 32.1). Com esse quadro, foi submetida a mais exames e duas
embolizações, em outubro e dezembro de 1997. Esses exames mostraram MAV ori-
398 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 32.2 Angiografia em março


de 1998.

FIGURA 32.3 A ngiografia de controle em outubro de 2001, quando foi considerada com
oclusão com pleta da MAV.
CAPÍTULO 32 tratam ento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 399

"M
FIGURA 32.4 Angiorressonância em m aio de 2006.
400 neurologia e neurocirurgia HIAE

realizada em outubro de 2008, com RM cerebral de controle, mostrou apenas altera­


ções sequelares dos sangramentos e radiogênicas, sem que se constatasse fluxo pela
MAV. Foi programado controle anual.

► DISCUSSÃO

Em resumo, trata-se de paciente com 27 anos de idade que, aos 16 anos, apresentou
hemorragia meníngea em virtude de uma MAV em região parietal direita, classificada
como do grupo IV de Spetzler-Martin (Tabela 32.1). Submetida à RC em agosto de 1998,
evoluiu com ressangramento em junho de 2004, sendo submetida a uma segunda RC
em agosto de 2004. Em controle desde então, documentou-se a obliteração da MAV por
angiografia em outubro de 2007.
Este caso remete a algumas considerações relativas à associação da embolização prévia,
à dose-volume para obliteração da MAV, ao volume recebendo 12 Gy, ao risco de compli­
cações e à possibilidade de repetir RC.
Conforme descrito por Flickinger et al.,6 essa paciente apresentava alguns fatores pre­
dispondo ao insucesso da primeira RC. A lesão, que fora previamente embolizada, era de
volume médio para grande, o que limitou a dose que poderia ter sido aplicada a 16 Gy,
levando a uma probabilidade de 48,9% de obliteração (Tabela 32.2). Outro fator que pode
ter influenciado no resultado negativo é o fato de ser do sexo feminino.
Já na segunda RC, o volume de tratamento foi muito menor e a dose aplicada foi de 20
Gy, o que faz supor um maior índice de sucesso agora.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 49 anos de idade, apresentou perda súbita da consciên­


cia quando fazia compras no supermercado, sem detalhes em relação aos sintomas.
Foi tratado inicialmente em unidade de emergência próxima ao local e, 5 horas após
o início dos sintomas, foi transferido para o hospital. Apresentava-se comatoso (sob
efeito de sedação), com pupilas anisocóricas (ainda reagentes) e sinais de descere-
bração (escala de Glasgow 4). A TC do crânio, realizada em caráter de emergência,
demonstrou a presença de volumoso hematoma occipital esquerdo e sinais de calci­
ficação perilesional (Figura 32.5).
O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico, em caráter de urgência, para drena­
gem do hematoma, e encaminhado para complementação do tratamento na unidade
de hemodinâmica, visando à oclusão de MAV residual visualizada no intraoperatório
(Figuras 32.6 e 32.7). Um dia após sua admissão, os exames de controle evidenciaram
edema difuso no hemisfério cerebral esquerdo, com desvio de estruturas medianas,
associado à presença de hematoma subdural decorrente do extravasamento da lesão
CAPÍTULO 32 t r a t a m e n t o cirúrgico e radiocirúrgico das m alfor m a çõ es arteriovenosas 401

FIGURA 32.5 TC de em ergência na abertura do quadro m ostrando volum oso hem atom a
o ccip ita l à esquerda.

FIGURA 32.6 Angiografia realizada para o procedim ento de em bolização.

inicial (Figura 32.8). Foi submetido à drenagem do hematoma subdural residual à


esquerda, que determinava significativa compressão adicional, obtendo-se adequa­
da relação continente/conteúdo após o procedimento (Figura 32.9). O paciente foi
mantido sob cuidados neurointensivos prolongados, observando-se progressiva re­
cuperação clínica e neurológica. Recebeu alta hospitalar apresentando boa função
cognitiva, com déficits motores que tornavam sua marcha incaracterística, de aspecto
cerebelar.
402 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 32.7 Angiografia após embolização.

FIGURA 32.8 TC após em bolização m ostrando edema cerebral difuso e hem atom a subdural
agudo por extravasam ento.

Em virtude da presença de nutrição residual da MAV (Figura 32.10) observada em


controle tardio, uma nova intervenção para exérese microcirúrgica da lesão foi ne­
cessária. O paciente recebeu alta após expressiva melhora (Figura 32.11).
No seguimento de 18 meses, teve boa capacidade de comunicação verbal e deam­
bulava sem apoio, ainda apresentando postura atípica caracterizada por flexão do
tronco contra a bacia, mas sem sinais de desequilíbrio.
CAPITULO 32 tratam ento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 403

FIGURA 32.9 TC após craniotom ia para drenagem do hem atom a subdural agudo.

FIGURA 32.10 A ngiografia m ostrando nidus residual.


404 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 32.11 Angiografia quando da alta, após exérese m icrocirúrgica do resíduo da MAV.

Em resumo, trata-se de paciente de 49 anos de idade apresentando uma MAV grau I I


de Spetzler-Martin (lesão pequena, em região eloquente, mas com drenagem venosa
superficial exclusiva), inicialmente submetido à craniectomia de urgência, seguida de
embolização, e à micro cirurgia, tratamento que culminou com cura da MAV com um
mínimo de sequelas.

► DISCUSSÃO

Como ocorre muito frequentemente, esse paciente apresentou um quadro clínico gravíssi­
mo de instalação aguda, tendo de ser socorrido com agilidade do ponto de vista tanto clínico
quanto neurocirúrgico. Uma equipe médica atenta ao risco de morte inerente a essa situação
clínica foi fundamental para que se chegasse ao sucesso alcançado. Os tratamentos instituídos,
com coma induzido e cirurgia de urgência para socorrer o efeito de massa causado pelo hema­
toma e pelo edema cerebral secundário, foram as medidas emergenciais que permitiram que
fosse instituído o tratamento definitivo.
O tratamento multidisciplinar, com embolização proporcionando uma redução signifi­
cativa do nidus e permitindo que a cirurgia fosse mais simples e com menos riscos para o
paciente, contribuiu de forma definitiva para o sucesso do tratamento.
CAPÍTULO 32 tratam ento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 405

CONCLUSÃO

A abordagem multidisciplinar dos pacientes com MAV é fundamental para o sucesso


do tratamento. Essa abordagem deve se iniciar à admissão do paciente no caso de um
eventual quadro clínico de instalação aguda, seguindo com uma equipe de neurologia, clí­
nica, neurocirurgia, radiologia intervencionista e radiocirurgia capacitada para resolução
definitiva da doença.
Após a resolução de um eventual quadro agudo, o tratamento específico instituído deve
levar em conta o grau da lesão segundo a classificação de Spetzler-Martin (tamanho, lo­
calização e drenagem venosa) e o protocolo específico do serviço que estiver responsável
pelo caso.

n PONTOS RELEVANTES
0 Malformações arteriovenosas (MAV) cerebrais são consequência de desvio do desen­
volvimento dos vasos sanguíneos cerebrais durante o estágio embrionário.
0 MAV cerebrais são responsáveis por 2% dos AVC.
0 O tratamento das MAV inclui microneurocirurgia, embolização endovascular e radioci­
rurgia.
0 A escala de Spetzler-Martin considera o tamanho da lesão, a localização quanto à elo­
quência e o padrão de drenagem venosa, o que permite uma avaliação prognóstica das
MAV.
0 Quanto maior o valor na escala de Spetler-Martin, pior o prognóstico.
0 Embolização por via endovascular é adjunto ao tratamento microcirúrgico e ocasional­
mente é o único tratamento necessário.
0 Microcirurgia leva a cura se houver ressecção completa da MAV.
0 Radiocirurgia está indicada nas MAV não passíveis de abordagem microcirúrgica dire­
ta ou nos pacientes sem condições suficientes para cirurgia.
0 Quanto menor o volume da MAV, melhores são os resultados da radiocirurgia.
0 A oclusão das MAV tratadas por radiocirurgia ocorre em até 2 a 3 anos após o proce­
dimento.
406 neurologia e neurocirurgia HIAE

QU E S T ÕE S

1. A cirurgia no tratamento das MAV está mais indicada quando:


A. A lesão é de grau I ou II de Spetzler-Martin.
B. A lesão é de grau IV ou V de Spetzler-Martin.
C. 0 diagnóstico é feito de forma incidental em pacientes assintomáticos.

2. A embolização no tratamento das MAV:


A. Está formalmente indicada como tratamento inicial das MAV.
B. Está contraindicada nos casos do grupo IIIA de Spetzler-Martir que vão à cirurgia.
C. É útil por diminuir o volume e o fluxo sanguíneo das lesões com indicação cirúrgica.

3. A radiocirurgia no tratamento das MAV:


A. Deve ser feita de preferência após embolização prévia.
B. Pode ser feita com qualquer volume de MAV, desde que em dose única e abrangendo todo o
volume da lesão.
C. Cura até 90% dos casos quando bem indicada.

4. Na radiocirurgia das MAV, é correto afirmar que:


A. A obliteração do nidus ocorre em geral até 12 meses após a realização do procedimento, e o
diagnóstico dessa obliteração pode ser feito por angiorressonância.
B. 0 volume de tecido cerebral normal recebendo 12 Gy ou mais e a localização da lesão são os
fatores mais diretamente relacionados com o risco de radionecrose sintomática.
C. A radiocirurgia deve ser feita no máximo até 2 semanas após o sangra mento a fim de evitar outros
episódios.

5. A embolização precedendo a radiocirurgia:


A. Em geral diminui o volume a ser tratado e facilita a determinação do nidus.
B. Pode dificultar a identificação do nidus e diminuir a eficácia da radiocirurgia.
C. Deve ser feita só em lesões pequenas que já tenham apresentado episódios de hemorragia.
CAPÍTULO 32 tratam ento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 407

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33

Craniectomia descompressiva no
AVC isquêmico maligno
Reynaldo A. Brandt
Hallim Feres Jr.

INTRODUÇÃO

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) constituem a segunda causa de morte nos países
desenvolvidos,1sendo de 70 a 80% isquêmicos (AVCI). O tratamento destes visa a minimizar
suas consequências e prevenir sua recidiva.
Os AVCI lacunares ou corticais pequenos, geralmente, determinam consequências dis­
cretas. Por outro lado, AVCI extensos costumam ser fatais, como no caso da oclusão de
grandes artérias cerebrais, particularmente das artérias cerebral média e carótida interna,
que correspondem a cerca de 10% dos AVCI.
A mortalidade secundária aos infartos cerebrais extensos é de 50 a 80%, em virtude
do inchaço cerebral, que causa hipertensão intracraniana, redução da pressão de perfusão
cerebral, isquemia dos territórios vasculares vizinhos, herniação cerebral e compressão do
tronco encefálico.2 Por essa razão, esse tipo de AVCI é chamado de maligno.
O tratamento conservador é insuficiente na maioria das vezes, razão pela qual o trata­
mento cirúrgico, por meio de craniectomia descompressiva e durotomia, tem sido cada vez
mais considerado. Esse procedimento foi utilizado, pela primeira vez, por Harvey Cushing,3
que o descreveu no tratamento de um tumor inoperável, com a finalidade de controlar a
hipertensão intracraniana, em 1905.
Após o advento da tomografia computadorizada (TC) do crânio e graças à facilidade de
sua realização na fase aguda do AVCI, o diagnóstico da forma maligna tornou-se factível
na rotina dos serviços de emergência. Desse modo, a indicação de craniectomia descom-

409
410 neurologia e neurocirurgia HIAE

pressiva tem sido crescente, desde as primeiras publicações sobre os resultados superiores
desta em relação ao tratamento clínico.4
Nos últimos anos, trabalhos prospectivos confirmaram a superioridade do tratamento
cirúrgico, levando ao estabelecimento de indicações e critérios de inclusão e exclusão de
pacientes para a obtenção dos melhores resultados.5

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 38 anos de idade, estava em casa quando apresentou


quadro inicial de cefaleia intensa e sonolência, que evoluiu rapidamente para coma
e hemiplegia esquerda. Foi trazida por ambulância ao serviço de pronto-socorro e
internada em unidade de terapia intensiva (UTI), entubada e ventilada mecanica­
mente. Cerca de 2 semanas antes, fora internada por dor cervical aguda e intensa,
com hemiparesia esquerda.
A angiografia cerebral mostrara dissecção espontânea da artéria carótida interna
direita intracraniana. A paciente foi medicada com anticoagulante e evoluiu favora­
velmente, com regressão do quadro neurológico deficitário, recebendo alta e man­
tendo a medicação.
O exame neurológico na reinternação, porém, revelou paciente em coma, com he­
miplegia esquerda e paralisia do terceiro nervo direito. A TC do crânio mostrou
extenso infarto no território da artéria cerebral média direita. A paciente foi sub­
metida à craniectomia descompressiva e à durotomia em caráter de urgência e re­
cuperou, progressiva e totalmente, o nível de consciência, mantendo hemiplegia de
predomínio braquial, hemianestesia e hemianopsia à esquerda, por ocasião da alta
hospitalar, 23 dias após a admissão. Após 6 semanas, foi reinternada para recolo-
cação do retalho ósseo, que fora mantido em banco de ossos, e recebeu alta após
alguns dias, com excelente resultado estético.
A paciente continuou em reabilitação ambulatorial, voltou às suas atividades sociais
e profissionais, apesar de hemiparesia, hemi-hipoestesia e hemianopsia à esquerda.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, foi internado em UTI por ter acor­
dado, pela manhã, com hemiplegia esquerda. Havia retornado alguns dias antes de
uma viagem à Europa, durante a qual apresentou um episódio de escurecimento
visual e perda de força em membro inferior, fugaz. Não apresentava antecedentes
médicos relevantes.
CAPÍ TULO 33 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s i v a no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 411

O exame neurológico de admissão confirmou a presença de hemiplegia, hemianeste-


sia e hemianopsia à esquerda, estando o paciente consciente, lúcido e orientado. A TC
do crânio mostrou imagem compatível com extenso infarto cerebral à direita, cor­
respondente ao território da artéria cerebral média, com discreta compressão sobre o
ventrículo lateral direito, sem desvios da linha média. A angiografia cerebral por cate-
terismo revelou oclusão da artéria carótida interna, por dissecção espontânea, haven­
do circulação colateral precária através das artérias carótida externa, oftálmica direita
e carótida interna esquerda para o território da artéria cerebral anterior do mesmo
lado, não havendo circulação colateral a partir da circulação posterior. Controles diá­
rios por TC do crânio mostraram progressiva compressão sobre o ventrículo lateral
direito e desvio das estruturas da linha média para a esquerda até atingir 16 mm.
Cerca de 4 dias após a admissão, o paciente tornou-se sonolento. A TC do crânio
mostrou herniação do uncus temporal direito, compressão e rotação do tronco ence­
fálico. Até então, estava sendo tratado com enoxaparina e antiagregante plaquetário,
além das medidas gerais. Recebeu, então, indicação de craniectomia descompressiva,
que foi aceita pelo paciente e por seus familiares diretos. O procedimento foi realiza­
do na noite do quarto dia de internação, sendo feitas craniectomia ampla e monito­
ração da pressão intracraniana.
O paciente evoluiu bem nas primeiras horas, mas, a seguir, apresentou elevação da
pressão intracraniana, piora do nível de consciência e midríase à direita. A TC de
crânio mostrou presença de hematoma extraencefálico sobre a convexidade cere­
bral direita.
Foi reoperado 5 horas após o término da craniectomia, com retirada do hematoma
e revisão da hemostasia, tendo o sangramento sido originado na superfície interna
da dura-máter, possivelmente relacionado à anticoagulação. A partir de então, apre­
sentou boa evolução, com normalização do nível de consciência, melhora discre­
ta da movimentação do membro inferior esquerdo e recuperação da sensibilidade
à esquerda, assim como do campo visual desse lado. Recebeu alta 26 dias após a
admissão, continuando o programa de reabilitação em regime ambulatorial.
Cerca de 7 semanas após a alta hospitalar, foi reinternado para recolocação do re­
talho ósseo craniano, que havia sido mantido em banco de ossos. Nessa mesma
internação, foi feita aplicação de toxina botulínica para redução de espasticidade
em mão e pé esquerdos. Recebeu alta e voltou ao programa de reabilitação física e
neuropsicológica em regime ambulatorial.
Atualmente, 4 anos depois, o paciente está totalmente reintegrado às suas ativida­
des familiares, sociais e profissionais, apesar da hemiparesia esquerda espástica, de
predomínio braquial.
412 neurologia e neurocirurgia HIAE

DIAGNOSTICO CLÍNICO

O quadro clínico do AVCI maligno é relativamente uniforme e sua evolução é previsí­


vel. Inicia-se pela instalação súbita de hemiplegia, hemianestesia, hemianopsia homônima,
desvio conjugado do olhar para o lado do hemisfério afetado e afasia, quando compromete
o hemisfério dominante. Evolui para coma, dilatação pupilar, sinais de compressão do
tronco encefálico e morte, em cerca de 80% dos pacientes, caso não haja intervenção tera­
pêutica eficaz. O tempo de evolução varia de 2 a 7 dias, com média de 4 dias.2
Por causa da gravidade desse tipo de AVCI, é fundamental que esses pacientes sejam
internados em UTI e continuamente observados. As características do quadro clínico são
documentadas por meio de protocolo específico, segundo os critérios do National Institute
of Health Stroke Scale (NIHSS), que inclui os seguintes parâmetros:

■ nível de consciência;
■ respostas do paciente referentes a data e idade;
■ obediência a dois comandos verbais;
■ direcionamento do olhar;
■ avaliação dos campos visuais;
■ movimentos faciais;
■ movimentação dos membros superiores e inferiores;
■ coordenação motora;
■ avaliação da sensibilidade corpórea;
■ linguagem;
■ articulação da fala;
■ avaliação da presença dos fenômenos de extinção e desatenção.

Utiliza-se, ainda, a escala de Glasgow para documentar e acompanhar a evolução do


nível de consciência. Ela varia de 3 a 15, segundo os parâmetros demonstrados na Tabela
33.1.

TABELA 33.1 Escala de Glasgow


Nível de consciência Pontos
Abertura ocular
espontânea 4
a estímulo sonoro 3
a estímulo doloroso 2
sem resposta 1
Melhor resposta motora
obedece comandos 6
(continua)
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 413

(continuação)

localiza dor 5
retirada normal 4
flexão anormal (decorticação) 3
extensão anormal (descerebração) 2
sem resposta 1
Melhor resposta verbal
orientado 5
confuso 4
inapropriada 3
incompreensível 2
sem resposta 1

DIAGNOSTICO COMPLEMENTAR

A TC do crânio é o principal exame complementar no diagnóstico e no acompanha­


mento do AVCI maligno. Por vezes, as alterações próprias do AVCI maligno já estão pre­
sentes no exame de admissão. Outras vezes, por causa da precocidade do exame, as altera­
ções são discretas, razão pela qual deve ser repetido periodicamente, mesmo que não haja
piora do quadro clínico. Caracteristicamente, observa-se uma extensa área de hipodensi-
dade no território cerebral da artéria cerebral média. Acompanhando a deterioração do
quadro clínico, observa-se aparecimento de um efeito de massa dessa área hipodensa, de­
saparecimento dos sulcos corticais, compressão do ventrículo lateral ipsilateral, desvio do
sistema ventricular para o lado oposto, desaparecimento das cisternas da base do crânio e
herniação de tecido cerebral sob a foice inter-hemisférica, pelo tentório e, ocasionalmente,
pelo forame magno. Em alguns casos, há transformação hemorrágica do infarto, passando
a área de hipodensidade a apresentar focos de hiperdensidade que acentuam os desvios das
estruturas intracranianas (Figuras 33.1 e 33.2).
A RM da cabeça tem sido menos utilizada na fase aguda do AVCI maligno, apesar de ser
capaz de mostrar as alterações iniciais do infarto cerebral agudo melhor que a TC. Sua sensi­
bilidade é maior que a da TC na fase hiperaguda do AVCI, estando particularmente indicada
nessa fase. Sua utilidade é maior para o acompanhamento evolutivo e especialmente para a
avaliação das alterações pós-operatórias (Figuras 33.3 e 33.4).
O Doppler transcraniano é utilizado com frequência tanto para o diagnóstico quanto
para o acompanhamento desses pacientes. Demonstra as oclusões arteriais e permite
avaliar a hemodinâmica cerebral e diagnosticar desvios das estruturas nervosas pela li­
nha média.
Na maioria dos casos, a angiorressonância magnética pode substituir a angiografia cere­
bral convencional para a confirmação diagnóstica da oclusão dessas artérias (Figura 33.5).
414 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 33.1 TC do crânio m ostrando extensa área de hipodensidade no te rritó rio cerebral
da artéria cerebral média direita, além de apagam ento dos sulcos corticais desse lado, com ­
pressão do ventrículo lateral e pequeno desvio deste para o lado oposto.

FIGURA 33.2 TC do crânio m ostrando com pressão do ventrículo lateral direito e desvio das
estruturas cerebrais para o lado oposto por causa do efeito de massa de extensa área de in-
fa rto em te rritó rio da artéria cerebral média.
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 415

FIGURA 33.3 RM da cabeça em corte coronal mostrando extensa área de infarto em território
da artéria cerebral média direita, com extrusão de tecido nervoso por meio de fa lh a óssea após
craniectom ia extensa. Nota-se a posição dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo após a
descompressão cirúrgica.

FIGURA 33.4 RM da cabeça m ostrando extenso in fa rto em te rritó rio da artéria cerebral mé­
dia d ire ita após craniectom ia descom pressiva e recolocação de retalho ósseo craniano, com
discreta d ila ta çã o com pensatória do ventrículo lateral direito.
416 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 33.5 Angiorressonância m agnética da cabeça m ostrando oclusão da artéria cere­


bral média.

A monitoração da pressão intracraniana é importante por estar demonstrada a rela­


ção entre hipertensão intracraniana e mortalidade nesses pacientes. Pode ser feita a partir
de sensores tanto subepidurais como intraparenquimatosos, colocados do lado do infarto
cerebral. A monitoração deve ser mantida, ou instalada, se ainda não tiver sido, após a des­
compressão cirúrgica, a fim de detectar possíveis complicações pós-operatórias.

TRATAMENTO

O tratamento clínico com sedação, o uso de agentes hiperosmolares, a hiperventilação


mecânica e a hipotermia controlada falham na maioria dos casos de infartos cerebrais ex­
tensos, razão pela qual é indicado o tratamento cirúrgico, feito por meio de craniectomia
descompressiva extensa associada à duroplastia, ou seja, à abertura ampla da dura-máter.
Trabalhos prospectivos multicêntricos demonstraram a superioridade do tratamento
cirúrgico sobre o tratamento clínico,56nos quais foram observados os critérios de inclusão
e exclusão abordados a seguir.

Critérios de inclusão

■ Idade entre 18 e 60 anos;


■ déficits neurológicos sugestivos de infarto em território da artéria cerebral média com
escore pela escala de AVC do NIHSS superior a 15;
■ piora do nível de consciência para escore de 1 ou mais no item 1 da escala de AVC do
NIHSS;
CAPÍ TULO 33 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s i v a no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 417

■ sinais de infarto em TC do crânio de pelo menos 50% do território da artéria cerebral


média, com ou sem infarto adicional nos territórios das artérias cerebrais anterior e
posterior do mesmo lado, ou volume de infarto superior a 145 cc demonstrado pela
técnica de difusão na RM;
■ inclusão no período de 45 horas desde a instalação dos sintomas;
■ possibilidade de intervenção cirúrgica em até 6 horas da indicação;
■ consentimento informado escrito pelo paciente ou por seu representante legal.

Critérios de exclusão

■ Escore pela escala de Rankin modificada igual ou superior a 2;


■ escore pela escala de Glasgow inferior a 6;
■ midríase fixa bilateral;
■ isquemia cerebral contralateral ou outra lesão cerebral capaz de comprometer o prog­
nóstico;
■ transformação hemorrágica do infarto com efeito de massa;
■ expectativa de vida inferior a 3 anos;
■ outras doenças graves que possam comprometer o prognóstico;
■ coagulopatia conhecida ou outra doença hemorrágica sistêmica;
■ contraindicação anestésica;
■ gravidez.

A descompressão cirúrgica é feita por meio da retirada da calota craniana frontotem-


poroparieto-occipital, com diâmetro de 12 cm ou mais, do lado do infarto cerebral. A cra­
niectomia deve chegar próximo à linha média do crânio, a fim de permitir a descompressão
adequada das veias cerebrais que se dirigem ao seio sagital superior, após a abertura ampla
da dura-máter. Quando a craniectomia é restrita, a compressão das veias contra a borda da
craniectomia leva à acentuação do inchaço cerebral e favorece a transformação hemorrá­
gica do infarto cerebral. Caso não tenha sido colocado sensor para monitoração da pressão
intracraniana antes da craniectomia, este deve ser instalado por ocasião da craniectomia e
da duroplastia, para o controle da mesma após a descompressão cirúrgica.
O retalho ósseo retirado deve ser mantido estéril em banco de ossos para posterior re-
colocação, a qual é feita após a estabilização do quadro neurológico e a regressão da hiper­
tensão intracraniana, com retorno do tecido cerebral para o interior da cavidade craniana,
geralmente 2 meses após a craniectomia (Figuras 33.3 e 33.4).
Complicações pós-operatórias incluem hematoma epidural, hemorragia parenquima-
tosa, infarto hemorrágico por compressão venosa e hidrocefalia (Figura 33.6), a qual deve
ser ativamente pesquisada em exames evolutivos por imagens, em razão da sua alta preva­
lência em pacientes submetidos à craniectomia descompressiva, sendo tratada por deriva­
ção liquórica (Figura 33.7).
418 neurologia e neurocirurgia HIAE

FIGURA 33.6 TC do crânio m ostrando hidrocefalia em paciente subm etido à craniectom ia


descom pressiva.

FIGURA 33.7 TC do crânio m ostrando retração do tecido nervoso e redução do volum e ven­
tric u la r após derivação liquórica em paciente que apresentou hidrocefalia após craniectom ia
descom pressiva. Presença de cateter radiopaco no ventrículo lateral direito.
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 419

► DISCUSSÃO

A reformulação do conceito de AVCI como uma emergência médica, particularmente


após a introdução da trombólise como forma de tratamento, levou ao aumento no número
de pacientes com uma forma especialmente grave de AVCI. Caracteriza-se por uma insta­
lação abrupta e de evolução rapidamente fatal, apresentando extenso infarto em território
da artéria cerebral média, já no momento da admissão aos serviços de emergência, não
sendo candidatos ao tratamento trombolítico.
O infarto cerebral extenso, consequente à oclusão da artéria cerebral média ou da ar­
téria carótida interna com circulação colateral insuficiente, é o mais devastador dos AVCI,
sendo denominado AVCI maligno. Sua mortalidade chega a 80%, atestando a insuficiência
do tratamento conservador, baseado em sedação, hiperventilação, osmoterapia e hipoter-
mia controlada.2,7 Deve-se à hipertensão intracraniana progressiva, devido ao extenso in­
farto cerebral, que causa redução da pressão de perfusão, isquemia da zona de penumbra
adjacente e herniação do tecido cerebral sob a foice inter-hemisférica, através do hiato
tentorial e do forame magno, com compressão do tronco encefálico.
O quadro clínico caracteriza-se pela rápida deterioração neurológica. Há instalação agu­
da de hemiplegia, hemianestesia e hemianopsia homônima, que evoluem para piora do nível
de consciência até o coma, com aparecimento de sinais de comprometimento do tronco en­
cefálico, como midríase, instabilidade hemodinâmica e respiratória, decorticação que evolui
para a descerebração e morte após 4 dias, em média, da instalação do quadro clínico.
O advento da TC do crânio e a facilidade de acesso a esse tipo de exame em serviços
de emergência favoreceram muito a compreensão desses fenômenos e a importância de
interromper a tempo a cascata de eventos neuropatológicos. Essa compreensão levou à
proposta de tratar esses pacientes com remoção da calota craniana, uni ou bilateralmente,
e abertura ampla da dura-máter, com ou sem a remoção do tecido nervoso necrosado.8,9
A craniectomia descompressiva não é um procedimento novo no arsenal neurocirúr-
gico, tendo sido utilizada desde a descrição feita por Harvey Cushing,3 em 1905, para o
controle da hipertensão intracraniana em paciente portador de tumor inoperável.
Nos anos 1980 e 90, surgiram várias publicações de séries não randomizadas de pacien­
tes submetidos a craniectomia e durotomia extensas para o tratamento do AVCI maligno,
com redução significativa dos índices de mortalidade em relação aos observados nas séries
de pacientes tratados clinicamente.8'10
O uso crescente da hemicraniectomia descompressiva no tratamento do AVCI ma­
ligno, sem a evidência de estudos clínicos controlados, levou ao surgimento de debates
e controvérsias sobre sua indicação, o que culminou com a realização desses estudos. O
primeiro destes, denominado Hemicraniectomy and Durotomy upon Deterioration from
Infarction Related Swelling Trial (HeADDFIRST),11 foi coordenado pelo Departamento
de Neurologia da Universidade de Chicago. Sua intenção foi dividir, aleatoriamente, 75 pa­
cientes para tratamento clínico ou cirúrgico, tomando por base a deterioração neurológica
420 neurologia e neurocirurgia HIAE

nas primeiras 96 horas após o icto. Foi interrompido após terem sido tratados 26 pacientes,
com idades de 18 a 75 anos, de 2000 a 2003. A mortalidade dos tratados clinicamente foi
de 46% e a dos tratados cirurgicamente foi de 27%, uma diferença estatisticamente não
significativa, mas considerada suficiente para a suspensão do estudo.
O estudo francês coordenado pelo Serviço de Neurologia do Hospital Lariboisière, em
Paris, denominado Decompressive Craniectomy in Malignant Middle Cerebral Artery In-
farcts (Decimal), foi formulado para avaliar os resultados em 60 pacientes alocados alea­
toriamente para tratamento clínico ou cirúrgico. Foi interrompido após a avaliação de 38
pacientes, em razão da alta mortalidade daqueles tratados clinicamente.6
O estudo alemão Decompressive Surgery for the Treatment of Malignant Infarction of
the Middle Cerebral Artery (Destiny) pretendia avaliar 60 pacientes, com os mesmos crité­
rios, tendo sido interrompido após 32 pacientes tratados, em 2006. Novamente, foi observada
a tendência de resultados muito melhores nos pacientes operados. O estudo foi interrompido
por questões éticas, apesar da necessidade de serem avaliados 188 pacientes para que fosse
atingida significância estatística.
A avaliação conjunta dos dados desses estudos, aos quais foram acrescentados os do
estudo holandês Hemicraniectomy After Middle Cerebral Artery Infarction with Life-
threatening Edema Trial (Hamlet),12 incompleto até aquela avaliação, gerou as seguintes
conclusões:5

1. Um total de 93 pacientes pôde ser avaliado no conjunto de indivíduos tratados clínica


ou cirurgicamente.
2. Os pacientes incluídos em qualquer dos estudos tinham idade entre 18 e 60 anos, apre­
sentaram infartos extensos no território da artéria cerebral média e foram tratados em
até 48 horas após o icto.
3. Foram avaliados pela escala de Rankin modificada,13 em que a gravidade do quadro
neurológico é classificada de 0 (sem sintomas) a 6 (morte). Uma primeira avaliação
dividiu os pacientes em um grupo de resultado favorável (escore 0 a 4) e outro de re­
sultado desfavorável (escore 5 a 6), 1 ano após o tratamento. Uma segunda avaliação
foi feita quanto à mortalidade após 1 ano do tratamento, e à divisão entre o grupo com
escore 0 a 3 e o grupo com escore 4 a 6.
4. Houve um número maior de pacientes com escore menor ou igual a 4 no grupo de pa­
cientes operados (75 versu s 24%), com uma redução do risco absoluto de 95%. Houve,
também, um número maior com escore menor ou igual a 3 (43 versu s 21%) no grupo
de pacientes operados.
5. Houve uma proporção significativamente maior de sobreviventes no grupo de pacien­
tes operados em relação aos tratados clinicamente (78 versu s 29%), com redução de
49% do risco de morte no grupo de pacientes operados.
6. Esses resultados foram consistentes nos três estudos.
CAPÍ TULO 33 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s i v a no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 421

7. A craniectomia descompressiva realizada nas primeiras 48 horas após o icto cerebral


reduz significativamente a mortalidade e aumenta a proporção de pacientes com resul­
tado funcional favorável.
8. A decisão de realizar craniectomia descompressiva deve ser feita em bases individuais
para cada paciente.

Conclui-se que a hemicraniectomia descompressiva deve ser fortemente considera­


da no tratamento do AVCI maligno nas primeiras horas em que houver deterioração
neurológica, com confirmação, por exames de imagens, da presença de infarto extenso
no território da artéria cerebral média, particularmente em pacientes relativamente jo ­
vens. A questão da sua indicação para pacientes com idade superior a 60 anos deverá
ser respondida em trabalhos randomizados e que devem ser feitos com urgência. Até
sua realização, as decisões deverão ser individualizadas, considerando-se os demais
parâmetros clínicos de cada paciente. Igualmente importante é a disponibilidade de
recursos de terapia intensiva adequados para o tratamento desses casos, tendo em vista
a prevalência de comorbidades e complicações nestes.14 É importante também decidir
sobre a indicação de cirurgia em pacientes com infartos extensos do hemisfério domi­
nante, bem como a determinação dos aspectos éticos relacionados aos que sobrevivem
com déficits neurológicos intensos.15
A contínua sofisticação dos recursos de UTI pode melhorar os resultados de tratamen­
to clínico do AVCI maligno, especialmente de pacientes que não se enquadram nos atuais
critérios para indicação cirúrgica. O mesmo é verdadeiro para os que são tratados cirurgi­
camente, com maior redução dos índices de mortalidade em ambos os grupos.16
Uma questão a ser também devidamente avaliada em estudos prospectivos é a da qua­
lidade de vida dos sobreviventes. Uma avaliação retrospectiva de 48 pacientes, com idade
média de 48 anos, tratados cirurgicamente, revelou um índice de mortalidade de 26%,
sendo idade-dependente. Os índices de qualidade de vida medidos pela escala de Glasgow
e pelo índice de Barthel não diferiram significativamente entre pacientes com lesões dos
hemisférios direito ou esquerdo, nem em relação aos pacientes com ou sem afasia, tendo
83% dos sobreviventes e/ou seus dependentes declarado que aceitariam a mesma indica­
ção cirúrgica no futuro, caso fosse necessária.17
Em outro estudo feito pelo mesmo grupo de especialistas,18 foram analisados ape­
nas os pacientes com infartos do hemisfério cerebral direito, com 23 sobreviventes de
um grupo de 32. Os resultados foram avaliados 20 meses após a cirurgia, em relação à
funcionalidade, à depressão e à qualidade de vida. Dos 23 pacientes, 13 (56,5%) apresen­
taram quadro depressivo. Apenas 60,9% aprovaram o resultado cirúrgico. Nesse grupo,
a idade não influenciou na prevalência de depressão nem de decisão desfavorável em
relação à cirurgia.
422 neurologia e neurocirurgia HIAE

n PONTOS RELEVANTES
0 O AVCI é uma emergência médica.
0 O AVCI maligno é um tipo específico de AVCI, caracterizado por infarto extenso do
território da artéria cerebral média, o qual evolui com inchaço cerebral e hipertensão
intracraniana grave, compressão do tronco encefálico e morte, em até 80% dos casos,
com evolução média de 4 dias.
0 O diagnóstico é confirmado por meio de exames por imagens, especialmente por TC
do crânio, complementada por RM e angiorressonância magnética da cabeça.
0 O tratamento clínico é feito em UTI, com entubação traqueal, hiperventilação, osmotera-
pia, sedação e, por vezes, hipotermia controlada, sendo inefetivo na maioria dos casos.
0 O tratamento cirúrgico é feito por meio de craniectomia extensa e durotomia. Deve ser
realizado tão logo sejam comprovados a tendência de deterioração neurológica pela
NIHSS e o infarto de 50% ou mais do território da artéria cerebral média.
0 Os critérios de exclusão são: comprometimento neurológico grave avaliado pelas es­
calas de Rankin modificada e Glasgow, midríase fixa bilateral, isquemia cerebral con-
tralateral ou outra lesão cerebral capaz de comprometer o prognóstico, transformação
hemorrágica do infarto com efeito de massa, expectativa de vida inferior a 3 anos, ou­
tras doenças graves que podem comprometer o prognóstico, coagulopatias, contraindi-
cação anestésica e gravidez.
0 Estudos randomizados mostraram índices de mortalidade significativamente menores
nos pacientes tratados por cirurgia em relação aos tratados conservadoramente.
0 A qualidade de vida é significativamente melhor nos sobreviventes de tratamento ci­
rúrgico em relação aos de tratamento clínico.
0 A idade é um fator determinante nos índices de sobrevida (os melhores resultados
ocorrem em pacientes mais jovens).
0 A depressão é um fator importante na avaliação da qualidade de vida de sobreviventes
com infartos do hemisfério cerebral direito.
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 423

QU E S T ÕE S

1. O AVCI maligno é caracterizado por:


A. Déficit neurológico de instalação súbita no território da artéria carótida interna.
B. Hemiplegia de instalação súbita e sinais de isquemia capsular pela TC do crânio ou pela RM da
cabeça.
C. Nenhuma das anteriores.

2. 0 tratamento do AVCI maligno deve sen


A. Preferencialmente clínico, com osmoterapia, hiperventilação, sedação e hipotermia controlada.
B. Cirúrgico, tão logo surjam sinais de deterioração neurológica pelas escalas de Glasgow e da
NIHSS, particularmente em pacientes com idade inferior a 60 anos.
C. Postergado até que se comprove a compressão do tronco encefálico por exames de imagens.

3. Estudos randomizados mostraram que:


A. Não há diferença nos resultados cirúrgicos de pacientes jovens e idosos com AVCI maligno.
B. Os modernos recursos de UTI levam a resultados semelhantes após tratamento clínico ou cirúr­
gico de pacientes com AVCI maligno.
C. Questões éticas levaram à suspensão destes estudos pelas diferenças notadas nos resultados
de tratamento clínico ou cirúrgico nos pacientes, antes de serem alcançados os números neces­
sários para avaliação estatística.

4.0 AVCI maligno:


A. É uma emergência médica por ser um tipo específico grave de AVCI.
B. É consequência da oclusão das artérias lentículo-estriadas que nutrem a cápsula interna.
C. Tem prognóstico que não varia com a idade do paciente.

5. A confirmação diagnóstica do AVCI maligno é feita por meio de:


A. Doppler transcraniano associado a quadro clínico de hemiplegia.
B. Monitoração contínua por EEG.
C. Exames por imagens, especialmente TC do crânio complementada por RM e angiorressonância
magnética da cabeça.
424 neurologia e neurocirurgia HIAE

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SEÇÃO 12

OUTROS
34

Hidrocefalia de pressão
normal idiopática (HPNI)
Reynaldo A. Brandt

INTRODUÇÃO

A hidrocefalia de pressão normal é uma entidade nosológica clinicamente caracteriza­


da por uma tríade sintomática constituída por alteração da marcha, demência e inconti­
nência urinária. Exames por imagens mostram dilatação do sistema ventricular, enquan­
to punções liquóricas geralmente revelam pressão normal. Esse quadro foi objeto da tese
apresentada à Escola de Medicina da Universidade de Bogotá, em 1964, pelo neurocirur-
gião Samuel Hakim.1No ano seguinte, juntamente com Adams et al.,23 ele descreveu três
pacientes e definiu com o nome de “hidrocefalia oculta sintomática com pressão liquórica
normal”. Por muitos anos, também foi referida como Síndrome de Adams-Hakim.
É possível separar dois tipos de hidrocefalia de pressão normal. O primeiro é o da hidro­
cefalia consequente a alterações meníngeas pregressas, como hemorragias e meningites, na
qual há uma alteração dos mecanismos de circulação e reabsorção liquórica, responsáveis
pela dilatação do sistema ventricular. No segundo tipo, denominado hidrocefalia de pres­
são normal idiopática (HPNI), não há doença pregressa hemorrágica ou infecciosa das
meninges, sendo sua causa desconhecida. Acredita-se que haja uma alteração da circulação
liquórica relacionada ao envelhecimento.
Apesar de reconhecida como uma entidade específica, muitos aspectos da HPNI ainda
não estão suficientemente esclarecidos, dificultando o diagnóstico e, consequentemente,
a conduta. Neste capítulo, serão apresentados dois casos e, a seguir, o tema será abordado
segundo os mais recentes critérios de diagnóstico e tratamento.

427
428 neurologia e neurocirurgia HIAE

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 82 anos de idade, apresentou-se inicialmente com seu filho
e informou que há 6 meses apresentava uma dificuldade progressiva para caminhar,
com sensação de fraqueza nos membros inferiores. Nas últimas semanas, passou a
se apoiar em paredes e móveis para não cair, mas sofreu algumas quedas. Há 4 anos,
apresentava urgência miccional, tendo sido medicada, por urologista, com anticoli-
nérgico, melhorando por algum tempo. Nos últimos meses, surgiu dificuldade para
evocar fatos recentes e simples da vida diária. Consultara alguns neurologistas, re­
cebendo, inicialmente, diagnóstico de doença de Parkinson, que posteriormente foi
negado, sendo medicada sem resultado por algum tempo. Trazia vários exames labo­
ratoriais, incluindo dosagem de vitamina BI2, bioquímica sanguínea e hemograma
normais. Seus antecedentes médicos incluíam hipertensão arterial, hipotireoidismo e
osteopenia, para os quais estava adequadamente medicada.
O exame clínico revelou pressão arterial normal, bulhas cardíacas rítmicas, pulsos
periféricos presentes e discreta escoliose dorsolombar, com movimentos da coluna
vertebral livres e indolores. O exame neurológico revelou estar lúcida, orientada e
capaz de informar adequadamente. Sua marcha era apráxica, com discreta alteração
do equilíbrio, tendendo a cair para a frente, de modo que preferia se apoiar ao cami­
nhar, pois sentia-se insegura ao fazê-lo.
Solicitada a girar 360° em torno de si mesma, o fez com 10 passos e precisando de apoio.
Os reflexos profundos estavam abolidos nos membros inferiores e a sensibilidade estava
preservada em todas as suas formas, assim como os nervos cranianos. A ressonância
magnética (RM) da cabeça mostrou alargamento das fissuras cerebrais, com sinais su­
gestivos de microangiopatia da substância branca dos hemisférios cerebrais e acentuada
dilatação dos ventrículos cerebrais, desproporcional ao grau de alargamento das fissuras
e à redução do volume cerebral, com presença de líquido em torno dos ventrículos late­
rais, sugerindo hidrocefalia de pressão normal. Finalmente, a avaliação neuropsicológi-
ca mostrou alteração difusa da velocidade de raciocínio e realização motora, enquanto a
prova urodinâmica mostrou hiper-reflexia do detrusor.
A paciente foi internada e submetida a três punções lombares, em dias alternados.
Em todas, a pressão liquórica foi normal. Após cada uma das punções, sua marcha
melhorou de maneira acentuada, mas temporariamente, bem como o controle es-
fincteriano. Uma cisternografia com radioisótopo mostrou refluxo do marcador para
o sistema ventricular e lentificação da reabsorção liquórica. A paciente recebeu indi­
cação de derivação liquórica, mas preferiu receber alta hospitalar para se decidir.
Retornou em consulta 5 meses depois dessa internação, referindo ter consultado
vários especialistas, alguns concordando com o diagnóstico de hidrocefalia de pres­
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 429

são normal, outros diagnosticando microangiopatia cerebral, depressão e síndrome


parkinsoniana. A partir desses diagnósticos, recebeu diversos medicamentos, sem
resultado. Seu quadro clínico piorara acentuadamente. A marcha piorara muito,
tendo sofrido várias quedas e ferindo os membros inferiores, e a urgência miccional
evoluiu para incontinência urinária.
Duas RM confirmaram as alterações já previamente conhecidas, com índice de
Evans de 0,36 em uma e de 0,42 em outra. O exame neurológico mostrou as altera­
ções de marcha e de memória previamente notadas, mas de grau mais intenso, agora
associadas a tremor dos membros superiores. A paciente foi internada e submetida
à derivação ventriculoperitoneal, com interposição de uma válvula programável,
regulada para drenagem a baixa pressão. Nos dias seguintes, sua marcha melhorou
acentuadamente.
Cerca de 1 mês após a cirurgia, era capaz de fazer caminhadas diárias de 20 qua­
dras, queixando-se de alguma insegurança ao caminhar. O tremor nos membros
superiores desapareceu, o controle esfincteriano foi totalmente recuperado, seu
humor se normalizou e sua memória melhorou. Cerca de 4 meses depois da cirur­
gia, a memória se normalizou e, nessa ocasião, fazia caminhadas diárias de 20 a 30
quadras, sentindo-se segura. Cerca de 1 ano e meio após a cirurgia, seu quadro se
mantinha estável.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 68 anos de idade, encaminhado por seu neurologis­


ta com suspeita de hidrocefalia de pressão normal. Aproximadamente 2 anos antes,
foi internado para correção cirúrgica de aneurisma dissecante da aorta descendente,
descoberto em uma avaliação geral de saúde. Durante a cirurgia, sofreu isquemia
cerebral grave, atribuída à “chuva de êmbolos”. Em consequência desse evento, saiu
da cirurgia com hemiplegia direita, afasia e disfagia. Recebeu alta hospitalar 1 mês
depois, passando a ser tratado ambulatorialmente, com fisioterapia, e apresentando
melhora progressiva da hemiplegia, da marcha, do equilíbrio, da memória e da capa­
cidade de comunicação verbal, mas ainda incapaz de retornar ao seu trabalho. Cerca
de 1 ano e 10 meses depois do acidente cirúrgico, seu quadro neurológico começou
a se deteriorar. A marcha piorou progressivamente, bem como sua capacidade de se
comunicar, e surgiu incontinência urinária.
Ao exame neurológico, o paciente se comunicava apenas por palavras isoladas. Era
incapaz de se levantar da posição sentada, necessitando de forte apoio e ajuda. Quan­
do em pé, não conseguia coordenar os movimentos para se sentar, necessitando de
ajuda e instrução. Caminhava com passos muito curtos e lentos, caracterizando mar­
cha apráxica. Fazia giro de 360° em 22 passos e apresentava hiper-reflexia e espasti-
cidade à direita.
430 neurologia e neurocirurgia HIAE

A RM da cabeça mostrou alteração compatível com necrose laminar parietal es­


querda, occipital bilateral, infartos talâmicos bilaterais, dilatação ventricular supe­
rior ao esperado para o grau de redução do volume encefálico, aumento dos sulcos,
cisternas e fissuras cerebrais, aumento do espaço liquórico parietal bilateral e índice
de Evans de 0,38.0 exame foi repetido, com estudo do fluxo liquórico pelo aquedu­
to, que se revelou normal.
O paciente foi internado e submetido a duas punções liquóricas em dias alternados.
Na primeira, a pressão liquórica foi normal, sendo retirados 30 mL de liquor. Na se­
gunda, a pressão liquórica inicial foi normal e a pressão final foi 0, após a retirada de
40 mL de liquor. Após cada uma dessas punções e drenagens, apresentou melhora
evidente, testemunhada por familiares e profissionais. A marcha tornou-se mais rápi­
da, o paciente foi capaz de se levantar da posição sentada com pouca ajuda, o intelecto
e a comunicação melhoraram e a incontinência urinária foi substituída por urgência
miccional. Em pé, girou 360° em 4 a 5 passos. Foi submetido à cisternografia com ra-
dioisótopo, que se revelou normal, não havendo refluxo do marcador para o sistema
ventricular. Tendo em vista a normalidade da cisternografia, optou-se por observar a
evolução do paciente, que recebeu alta hospitalar, sendo acompanhado por seu neu­
rologista em consultas periódicas. Cerca de 2 meses depois, seu quadro havia piorado
consideravelmente, optando-se por tratar a hidrocefalia cirurgicamente.
O paciente foi reinternado e submetido à derivação ventriculoperitoneal com inter­
posição de válvula programável, ajustada à baixa pressão de drenagem. Dias após
o procedimento, houve melhora discreta, particularmente da marcha. Cerca de 2
meses depois, a melhora foi evidente. Sua capacidade de levantar da posição sentada
melhorou muito, precisando de pequena ajuda. A marcha melhorou a ponto de sair
diariamente de casa para caminhadas curtas, em companhia da esposa, apesar de
manter discreta espasticidade no membro inferior direito. Caminhava com passos
mais largos, fazendo um giro de 360° em 6 passos, e passou a controlar os esfíncteres
no período diurno, usando fralda apenas à noite. Recuperou o humor, expressando-se
muito melhor, com raciocínio lógico, e capaz de descrever fatos recentes com pouca
dificuldade. Esse quadro manteve-se estável por 5 meses, quando foi reinternado
por ter sofrido uma queda acidental, no quintal de sua casa. Ao se levantar sem aju­
da de uma cadeira, desequilibrou-se e caiu para a frente, ferindo a fronte.
Foram feitas limpeza e sutura de ferimento cortocontuso da região frontal. A tomo-
grafia computadorizada (TC) do crânio mostrou pequenos hematomas laminares
nas regiões frontobasal e polar à direita, convexidade parietal e temporal à esquerda,
junto à foice inter-hemisférica, com espessura máxima de 7 mm, além das alterações
previamente conhecidas, e presença de cateter de derivação no ventrículo lateral di­
reito. Permaneceu internado por 3 dias, sem alterações do quadro neurológico e dos
exames diários por TC do crânio. Cerca de 1 mês depois, a TC do crânio mostrou a
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 431

presença de hematomas subdurais bilateralmente, maiores à esquerda, com redução


do volume dos ventrículos laterais, sem alterações do exame neurológico.
O paciente foi reinternado e submetido à drenagem cirúrgica dos hematomas
subdurais. Ficou internado durante 1 mês, período em que as coleções subdurais
se refizeram repetidamente, sendo drenadas por mais 3 vezes. Em uma ocasião,
apresentou hemiparesia esquerda, que regrediu com a drenagem seguinte. Ape­
sar das drenagens repetidas, não se conseguiu a resolução completa das coleções
subdurais. A pressão de drenagem da válvula de derivação foi, então, progressi­
vamente aumentada, de modo que as coleções diminuíram lentamente. Com o
retorno do quadro neurológico ao nível anterior ao trauma, o paciente recebeu
alta hospitalar.
Controles por TC do crânio mostraram o completo desaparecimento das coleções
subdurais, 4 meses após a alta hospitalar. No entanto, o quadro neurológico e parti­
cularmente a marcha pioraram novamente, 2 meses após a alta hospitalar. Por essa
razão, a pressão de drenagem da válvula foi progressivamente reduzida até o nível
de pressão baixa, com o que voltou a melhorar e atingir o estado anterior à queda.

QUADRO CLÍNICO E INCIDÊNCIA

A presença da tríade clássica de distúrbio de marcha, demência e incontinência uriná­


ria, sem antecedentes de hemorragia ou infecção meníngea, deve levar à suspeita de HPNI.
Em geral, a alteração da marcha é a primeira manifestação, sendo considerada, por alguns,
uma ataxia e, por outros, uma apraxia, muitas vezes associada a alterações do equilíbrio.
Essa alteração progride por meses, surgindo alterações cognitivas e de memória, evoluindo
para demência. As alterações esfincterianas comprometem particularmente o controle ve-
sical, inicialmente com urgência e, a seguir, com incontinência urinária. Após a derivação
liquórica, essas alterações regridem na proporção direta com a intensidade das alterações
neurológicas e do tempo de evolução. As melhores respostas ao tratamento são vistas nos
pacientes com déficits menos intensos e evolução inferior a 2 anos.
A HPNI é responsável por até 5% dos quadros de demência em adultos e deve ser di­
ferenciada da Doença de Alzheimer (DA), apesar de os critérios de separação entre uma
e outra não estarem claramente definidos, bem como os da demência vascular e de outras
menos comuns. Corresponde, nos EUA, a 375 mil pessoas.
Devido às inúmeras dificuldades para o diagnóstico e a conduta diante de pacientes
com suspeita de HPNI, foi constituído um grupo de trabalho independente, no Congress
of Neurological Surgeons, em 2000, sob a liderança de Anthony Marmarou. Em 2005, esse
grupo desenvolveu e publicou as diretrizes para o diagnóstico e o tratamento da HPNI.4
De acordo com o nível de evidências científicas da literatura, não surgiu, nesse trabalho,
qualquer padrão (s ta n d a r d ) para o diagnóstico e o tratamento da HPNI, mas diversas di­
retrizes (g u id elin es ) e algumas opções (o p tio n s ). As diretrizes referem-se a uma ou mais
432 neurologia e neurocirurgia HIAE

estratégias que refletem um grau moderado de certeza clínica. Já as opções referem-se a es­
tratégias remanescentes de tratamento, sendo o grau de certeza clínica incerto. Assim, não
há, atualmente, princípios aceitos que reflitam um alto grau de certeza clínica, seja para o
diagnóstico ou para o tratamento da HPNI, e que caracterizariam os sta n d a rd s.

DIRETRIZES PARA 0 DIAGNOSTICO DE HPNI

1. Evidências convergentes a partir de história clínica, exame físico e exames por imagens.
2. Manifestação, na idade adulta, de forma insidiosa e progressiva, sem haver antecedente
causal identificável.
3. Alteração da marcha e/ou do equilíbrio.
4. Alterações cognitivas e do controle esfincteriano.
5. Documentação de dilatação dos ventrículos cerebrais por meio de exame por imagem
- necessária, porém insuficiente, para o diagnóstico de HPNI. Seu resultado deve ser
interpretado juntamente com a história clínica e os achados de exame físico para o
diagnóstico acurado e o diferencial com outras patologias.

OPÇÕES PARA 0 DIAGNÓSTICO DE HPNI

■ Avaliação neuropsicológica;
■ avaliação urodinâmica;
■ avaliação da marcha;
■ RM funcional;
■ pressão liquórica lombar em decúbito lateral de 70 a 245 mmH20 ;
■ cisternografia.

É importante observar que nenhum teste isolado é diagnóstico.

DIAGNOSTICO DIFERENCIAL COM HPNI

■ DA;
■ doença de Parkinson;
■ doença de Lewy body;
■ distúrbios urológicos primários;
■ estenose lombar;
■ outros.

A partir da história, do exame clínico, dos exames por imagens e da fisiologia liquórica
dos pacientes com suspeita de HPNI, a possibilidade de acerto do diagnóstico pode ser
dividida em provável, possível e improvável.
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 433

HPNI provável

O diagnóstico de HPNI é considerado provável se a história clínica revelar início insi­


dioso, e não agudo, diferenciando esse quadro do observado em pacientes com anteceden­
tes de hemorragia ou infecção meníngea prévia, entre outras causas conhecidas de hidro­
cefalia. Também não deve haver história de trauma craniano recente. O início ocorre após
os 40 anos de idade e a duração mínima dos sintomas é de 3 a 6 meses. O quadro clínico é
progressivo e não está associado a outros quadros neurológicos, psiquiátricos ou médicos,
em geral, que expliquem os sintomas e sinais do paciente.
Na HPNI provável, o exame clínico revela alteração da marcha e/ou do equilíbrio, asso­
ciada à alteração da cognição, podendo haver, ainda, alteração do controle esfincteriano.
A alteração da marcha e do equilíbrio apresenta pelo menos duas das seguintes carac­
terísticas e que não estão relacionadas inteiramente a outras causas possíveis:

■ redução da altura dos passos;


■ redução da extensão dos passos;
■ redução da cadência/velocidade da marcha;
■ maior oscilação do tronco à marcha;
■ aumento da base de sustentação;
■ artelhos voltados para fora durante a marcha;
■ retropulsão (espontânea ou provocada);
■ rotação em bloco requerendo 3 ou mais passos para giro de 180°;
■ alteração do equilíbrio durante a marcha, com duas ou mais correções em 8 passos ao
teste de marcha em linha.

A alteração da cognição é documentada por teste apropriado ou, ao menos, por duas
das seguintes alterações, não inteiramente atribuíveis a outras causas:

■ lentificação psicomotora, com respostas de latência aumentada;


■ redução da motricidade fina;
■ dificuldade para dividir ou manter a atenção;
■ dificuldade para evocar memórias recentes;
■ disfunção executiva, como incapacidade para tarefas sequenciais, memória de execu­
ção, formulação de abstrações e semelhanças;
■ in sig h t (discernimento);
■ alterações do comportamento ou da personalidade.

As alterações da cognição da HPNI são, em grande parte, diferentes das existentes na


DA. Nesta, predominam as dificuldades de memória, do aprendizado, da orientação espacial,
da concentração, da atenção, das funções executivas, da escrita, das performances motora,
434 neurologia e neurocirurgia HIAE

psicomotora, visuoespacial, da linguagem e da leitura. Na HPNI, estão principalmente compro­


metidas as velocidades psicomotora, da coordenação fina e de sua acurácia, a memória auditi­
va, a concentração e a atenção, as funções executivas, o comportamento e a personalidade.
As alterações esfincterianas caracterizam-se por incontinência urinária episódica ou
persistente e não atribuível à causa urológica, podendo estar associada à incontinência
fecal. É documentada por meio de dois dos seguintes parâmetros:

■ urgência miccional;
■ aumento da frequência com mais de seis episódios miccionais em 12 horas com inges­
tão normal de líquidos;
■ noctúria com mais de duas micções noturnas.

As alterações nos exames por imagens, sejam TC ou RM da cabeça, são constituídas por
uma dilatação ventricular não atribuível inteiramente à atrofia cerebral ou congênita, com
índice de Evans maior que 0,3 ou outra medida equivalente. O índice de Evans é obtido
pela divisão da largura máxima dos cornos frontais dos ventrículos laterais pelo diâmetro
transversal interno do crânio no nível desses cornos (Figura 34.1). Não há obstrução ao
fluxo liquórico nesses exames. Há, ainda, pelo menos uma das seguintes anormalidades:

■ aumento dos cornos temporais não inteiramente atribuível à atrofia do hipocampo;


■ ângulo caloso igual ou superior a 40° (Figura 34.2);
■ alteração do conteúdo de água periventricular não atribuível às alterações isquêmicas
microvasculares ou à desmielinização;
■ flo w v o id (baixo sinal de fluxo na RM) no aqueduto ou no quarto ventrículo.

FIGURA 34.1 RM da cabeça de paciente com HPNI e índice de Evans igual a 0,4 (largura máx. dos
cornos frontais de 48,13 mm e diâmetro interno do crânio no mesmo nível de 119,2 mm).
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 435

FIGURA 34.2 TC do crânio de paciente com HPNI e ângulo caloso de 97°.

Outros exames por imagem podem ser considerados para suporte diagnóstico, mas não
são obrigatórios. É o caso de TC e RM da cabeça prévias, mostrando ventrículos cerebrais
menores ou sem sinais de hidrocefalia. A cisternografia com radioisótopo (Figura 34.3) revela
retardo do clearance (retirada) do marcador na convexidade cerebral após 48 a 72 horas e
sinais de refluxo do marcador para os ventrículos laterais. A cinerressonância magnética, ou
outra técnica equivalente, mostra aumento da velocidade do fluxo liquórico ventricular. A TC
por emissão de fóton (Spect - single p h o to n em ission c o m p u te d to m o g ra p h y ) mostra redução
da perfiisão periventricular, que não se altera após administração de acetazolamida. O valor
preditivo da cisternografia com radioisótopo para o diagnóstico provável de HPNI em relação
ao conjunto do quadro clínico com os exames por TC ou RM da cabeça é igual em 43%, me­
lhor em 24% e pior em 33%. Em outras palavras, não melhora a acurácia diagnóstica.

FIGURA 34.3 C isternografia com radioisótopo de paciente com hidrocefalia de pressão nor­
mal evidenciando refluxo do m arcador para o sistem a ventricular.
436 neurologia e neurocirurgia HIAE

A pressão liquórica inicial, por punção lombar ou avaliação equivalente, deve estar en­
tre 5 e 18 mmHg (70 a 245 mmH20). Medidas significativamente maiores ou menores não
são consistentes com o diagnóstico de HPNI. O valor preditivo da manometria liquórica
é variável na literatura, com sensibilidade entre 26 e 62%, especificidade entre 33 e 100% e
acurácia entre 45 e 54%. A drenagem de liquor tem como valor preditivo sensibilidade que
varia entre 50 e 100%, especificidade entre 60 e 100% e acurácia entre 58 e 100%.

HPNI possível

O diagnóstico de HPNI é possível a partir da história clínica, quando os sintomas têm


início subagudo ou indeterminado, em qualquer idade após a infância, quando a duração
for inferior a 3 meses ou indeterminada, com surgimento após trauma cranioencefálico,
acidente vascular cerebral (AVC), meningite ou qualquer outro quadro julgado como não
relacionado à HPN, e quando coexistirem com outras patologias cerebrais julgadas não
diretamente relacionadas e não forem progressivos ou não claramente progressivos.
Na HPNI possível, o exame clínico mostra qualquer um dos seguintes sinais:

■ distúrbio da marcha;
■ demência isoladamente;
■ incontinência urinária e/ou distúrbio cognitivo, na ausência de distúrbio da marcha ou
do equilíbrio.

Nos exames por imagens da HPNI possível, há dilatação ventricular consistente com hidro­
cefalia, além de evidência de atrofia cerebral de intensidade suficiente para explicar a hidroce­
falia ou as lesões estruturais que podem influenciar no tamanho dos ventrículos cerebrais.
A HPNI é considerada possível quando as medidas de pressão liquóricas forem inexis­
tentes ou fora dos limites determinados para o diagnóstico da HPNI provável.

HPNI im provável

O diagnóstico de HPNI é improvável quando os exames por imagens não mostrarem


ventriculomegalia, quando houver sinais de hipertensão intracraniana, como papiledema,
quando quaisquer dos componentes da tríade clínica da HPNI estiverem ausentes e quan­
do os sintomas forem explicáveis por outras causas, como a estenose lombar.

TRATAMENTO

O tratamento mais eficaz da HPNI é a derivação liquórica a partir dos ventrículos


laterais, de preferência para o peritônio. No caso de paciente submetido a múltiplas lapa­
rotomias, pode ser preferível a derivação para o átrio direito do coração. À derivação, é
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 437

interposta uma válvula com sistema antissifão e, de preferência, utiliza-se uma válvula de
pressão regulável,5 ajustada inicialmente a baixa pressão. A cirurgia é precedida de uma
cuidadosa avaliação dos riscos existentes por comorbidades como coagulopatias, imuno-
patias, idade avançada, cardiopatias, pneumopatias etc.
Não há padrão para a avaliação dos resultados cirúrgicos. Na literatura, os bons resulta­
dos variam entre 46 e 63%. Os melhores resultados são vistos nos pacientes que preenchem
os critérios de diagnóstico provável, sendo piores naqueles com diagnóstico possível ou
improvável.6Em geral, a principal melhora ocorre em relação à marcha, seguida da melho­
ra da cognição e das alterações esfincterianas.7
Complicações pós-operatórias precoces e tardias não são incomuns e ocorrem em cer­
ca de 35% dos pacientes, incluindo infecção, mau funcionamento do sistema de derivação,
formação de pseudocistos peritoneais e hematomas subdurais, entre outras.

► DISCUSSÃO

A HPNI pode ser diagnosticada com grau apenas moderado de certeza, a partir da
presença simultânea de alterações da marcha, da cognição e do controle esfincteriano, de
evolução insidiosa e progressiva, em pacientes adultos. Não deve haver um fator causal
prévio conhecido, como hemorragia, infecção ou trauma cranianos. Os exames por ima­
gens devem mostrar ventriculomegalia com presença de líquido periventricular compatí­
vel com alteração da dinâmica liquórica, e não secundária à atrofia do tecido cerebral. Por
definição, a pressão liquórica deve ser normal, apesar da demonstração de surtos de hiper­
tensão liquórica à monitoração contínua da pressão intracraniana. A drenagem liquórica
pode ser utilizada como teste terapêutico antes do tratamento por derivação ventricular,
com interposição de válvulas do tipo antissifão, de baixa pressão. Mesmo com observação
dos critérios de diagnóstico das diretrizes detalhadas, bons resultados ocorrem em menos
de 70% dos pacientes, podendo ocorrer complicações em 1/3 dos pacientes tratados.
Bret et al.8 criticaram diversos conceitos relacionados à HPNI por meio de cinco ques­
tões fundamentais:

1. A hidrocefalia de pressão normal foi, efetivamente, uma nova entidade nosológica,


como descrita por Hakim e Adams?
Publicações anteriores, desde 1936, já haviam chamado a atenção para a existência de
pacientes com hidrocefalia progressiva, sem sintomas de hipertensão intracraniana,
inclusive associada à demência, sugerindo uma alteração da circulação liquórica e com
documentação de pressão normal à punção liquórica.
2. A pressão liquórica é efetivamente normal em pacientes com hidrocefalia de pressão
normal?
Os três pacientes descritos por Hakim e Adams apresentaram pressão liquórica normal,
tendo cada um sido puncionado apenas uma vez. Atualmente, sabe-se que pacientes
438 neurologia e neurocirurgia HIAE

com suspeita de hidrocefalia de pressão normal e submetidos à monitoração contínua


da pressão intracraniana mostram períodos de ondas B consequentes aos episódios de
hipertensão intracraniana. Do mesmo modo, testes de infusão subaracnóidea também
revelam o aparecimento de períodos de hipertensão liquórica nesses pacientes. No en­
tanto, o valor preditivo desses testes para avaliar a chance de sucesso terapêutico não
está estabelecido. Sabe-se que os melhores resultados com a derivação liquórica são
observados nos pacientes que apresentam uma etiologia conhecida, como hemorragia
intracraniana ou meningite, nos quais predominam as alterações da marcha, com pouco
ou sem déficit cognitivo, que melhoram de modo evidente com drenagem liquórica de
teste, e que apresentam dilatação ventricular com preservação dos espaços liquóricos
das cisternas e fissuras cerebrais, bem como ausência de alterações da substância branca
dos hemisférios cerebrais.
3. A hidrocefalia de pressão normal é uma causa curável de demência?
Essa questão é importante, pois, após as publicações de Hakim e Adams, vários pacien­
tes com demência foram submetidos à derivação liquórica, sem sucesso e, por vezes,
com complicações importantes. As alterações mentais da HPNI devem ser adequada­
mente caracterizadas e diferenciadas das apresentadas pelos pacientes com DA, de­
mência aterosclerótica e outras. Pacientes com HPNI apresentam, aos testes neuropsi-
cológicos, perfil de demência de origem subcortical, incluindo esquecimento, redução
da atenção, inércia e lentificação do pensamento, sendo as alterações da memória dife­
rentes das demências de origem degenerativa do sistema nervoso. Na HPNI, não há o
padrão afasia-apraxia-agnosia, que sugere demência de origem cortical. A presença de
atrofia importante dos hipocampos na RM deve ser tomada como critério diagnóstico
da DA, e não de HPNI.
4. A HPNI é específica de adultos idosos?
Há uma entidade clínica que se superpõe à dos adultos na infância, com a tríade deterio­
ração mental manifesta por performance escolar insuficiente ou progressiva, alterações
da marcha manifestas por retardo na sua aquisição ou tendência a quedas repetidas e
alterações esfincterianas manifestas por retardo ou perda do seu controle. Os exames
por imagens mostram dilatação ventricular que pode ser inadequadamente considerada
uma hidrocefalia compensada, independentemente de ter sido ou não derivada.
5. A derivação liquórica é o único tratamento para a HPNI?
A derivação ventriculoperitoneal continua sendo o tratamento de escolha para a HPNI,
apesar dos riscos de complicações. A derivação ventriculoatrial está indicada nos pa­
cientes com alterações peritoneais importantes, geralmente consequentes a múltiplas la­
parotomias. A derivação a partir da coluna lombar para o peritônio é pouco utilizada,
não apresentando vantagens sobre as anteriores. A introdução de válvulas programáveis
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 439

e com mecanismos antissifão pode reduzir o número de complicações e facilitar o seu


tratamento. Ocasionalmente, pode-se observar resposta terapêutica à acetazolamida e às
punções lombares repetidas, porém, geralmente é temporária.

Certamente, há espaço para novos estudos que expliquem melhor a fisiopatologia das
alterações clínicas,9 como o caso da redução do fluxo sanguíneo cerebral nesses pacientes,
além da alteração da dinâmica liquórica, a fim de permitir a descoberta de novas e melho­
res modalidades terapêuticas para a HPNI.

a PONTOS RELEVANTES

0 HPN caracteriza-se, clinicamente, por alteração da marcha, demência e incontinência


urinária.
0 Em geral, a alteração de marcha precede as demais alterações clínicas e manifesta-se
por ataxia ou apraxia de marcha associada a alterações do equilíbrio.
0 As alterações cognitivas são progressivas e levam à demência, que é distinta da demên­
cia por DA.
0 As alterações esfincterianas caracterizam-se por urgência miccional que evolui para
incontinência urinária e pode incluir incontinência fecal.
0 Exames por imagens mostram dilatação do sistema ventricular desproporcional ao
alargamento dos espaços liquóricos das cisternas e fissuras cerebrais.
0 Nos casos de HPNI, não se identificam fatores causais prévios, como hemorragias ou
infecções intracranianas.
0 A HPNI provavelmente é causada por distúrbio da circulação liquórica relacionada ao
processo de envelhecimento.
0 O diagnóstico de certeza não é possível com os atuais métodos de avaliação clínica e
por imagens na suspeita de hidrocefalia de pressão normal.
0 O diagnóstico da HPNI é provável quando seu início for insidioso e não houver ante­
cedente de trauma, hemorragia ou infecção intracraniana, ocorrer após os 40 anos de
idade, com duração dos sintomas superior a 3 meses, quando o quadro for progressivo
e não for determinado por outras doenças neurológicas.
0 Punções lombares repetidas seguidas de melhoria neurológica, hidrocefalia com índice
de Evans maior que 0,3 e ângulo caloso maior ou igual a 40° são parâmetros importan­
tes para o diagnóstico de HPNI.
0 Derivação ventriculoperitoneal é o tratamento de escolha para a HPNI.
0 Bons resultados cirúrgicos são observados em 46 a 63% dos pacientes.
0 Complicações pós-operatórias podem ocorrer em 35% dos pacientes.
440 neurologia e neurocirurgia HIAE

QU E S T ÕE S

1. 0 diagnóstico de HPNI é provável quando há ventriculomegalia associada a:


A. Alteração da marcha, perda de memória recente e retenção urinária.
B. Alterações da marcha, da cognição e do controle esfincteriano há menos de 3 meses.
C. Alterações da marcha, demência e incontinência urinária.

2. A demência na HPNI difere da demência por DA porque:


A. Na DA, predominam os déficits de memória, aprendizado, orientação, funções executivas, escri­
ta, concentração e execução.
B. Na HPNI, predominam as alterações da velocidade psicomotora, da coordenação fina, da acurá-
cia dessa movimentação, do comportamento e da personalidade.
C. As alternativas A e B estão corretas.

3. Na HPNI, é correto afirmar que:


A. A dilatação do sistema ventricular é sempre acompanhada de aumento dos espaços liquóricos
nas cisternas e nas fissuras cerebrais e de sinais de microangiopatia da substância branca
cerebral.
B. Medidas da pressão intracraniana podem revelar surtos de hipertensão liquórica.
C. A drenagem liquórica não tem valor na determinação da conduta terapêutica.

4. A HPNI é provavelmente causada pon


A. Dificuldade de circulação liquórica através do aqueduto.
B. Microssangramentos meníngeos por pequenos traumas repetidos.
C. Distúrbio da circulação liquórica relacionado ao processo de envelhecimento.

5. 0 tratamento de escolha para a HPNI é:


A. Repouso com a cabeceira elevada para estimular a circulação liquórica.
B. Diuréticos e betabloqueador.
C. Derivação ventrículo-peritoneal.
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 441

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35

Terapia intensiva no traum atism o


cranioencefálico grave
Ana Claudia Ferraz de Almeida
Guilherme Carvalhal Ribas

RELATO DE CASO_________________________________________________________

Paciente do sexo masculino, 22 anos de idade, previamente hígido, vítima de acidente


automobilístico, foi admitido inicialmente em outro serviço, no qual chegou com es­
core 8 na escala de coma de Glasgow (ECG). Foi realizada entubação orotraqueal e o
paciente foi transferido algumas horas depois, chegando ao Hospital Israelita Albert
Einsten aproximadamente 18 horas após o acidente. Na admissão, estava hemodi-
namicamente estável, com pressão arterial (PA) igual a 120 x 80 mmHg, sem drogas
vasoativas e com frequência cardíaca (FC) de 100 bpm. Teve via aérea estabelecida e
segura, por meio de entubação orotraqueal, com ventilação mecânica, boa expansibi­
lidade pulmonar, saturação arterial de 0 2igual a 98% e F i02 de 40%. Sem evidência
externa de trauma em outros segmentos, havia recebido sedativos durante o trans­
porte e o escore na ECG era de 5. As pupilas estavam isocóricas e fotorreagentes.
Após a verificação das condições circulatórias e respiratórias e a coleta de sangue
para exames bioquímicos e hematológicos, o paciente foi encaminhado para reali­
zação de exames de imagem. Na admissão, os exames demonstravam:

■ P a02: 144;
■ PaC 02:31,2;
■ pH: 7,39;
■ creatinina: 1,1 mg/dL;
443
444 neurologia e neurocirurgia HIAE

■ glicemia: 239 mg/dL;


■ sódio: 144 mEq/L;
■ hemoglobina: 14,9 mg/dL;
■ hematócrito: 44,4%;
■ leucometria: 22.700/mm3;
■ plaquetas: 299.000/mm3.

A tomografia computadorizada (TC) de crânio inicial mostrou fratura temporopa­


rietal direita, hematoma extradural laminar temporoparietal direito, adjacente ao
foco de fratura, e contusão frontal esquerda com áreas petequiais dispersas. A TC
de tórax mostrou pequena contusão pulmonar basal esquerda. Não foram eviden­
ciadas outras lesões.
A conduta neurocirúrgica inicial consistiu em drenagem do hematoma extradural,
fechamento do ferimento lacerocontuso em região parietal direita e instalação de
monitor de pressão intracraniana (PIC) em ventrículo lateral esquerdo.
Do primeiro ao segundo dia, a PIC manteve-se abaixo de 15 mmHg e a pressão arte­
rial média (PAM) manteve-se acima de 70 mmHg, sem necessidade de vasopressores.
O paciente foi normoventilado, com monitoração de EtC02, e a sedação foi mantida
com midazolam, em dose titulada para manter sedação profunda, com escore entre 1
e 2 na escala de sedação/agitação (SAS). O paciente apresentou picos febris, tratados
com antitérmicos, e foi realizada investigação de foco infeccioso. Foi introduzida an-
tibioticoterapia empírica de largo espectro, por provável foco pulmonar.
No terceiro dia, a PIC atingiu 20 mmHg. Uma TC de controle mostrou aumento dos
sinais expansivos da contusão frontal esquerda. Já na manhã do quarto dia, o paciente
apresentou elevação da PIC até 30 mmHg e houve resposta após infusão de 1 g/kg de
manitol. Algumas horas mais tarde, apresentou outro pico de elevação da PIC até 35
mmHg, acompanhada de midríase à direita e reflexo de Cushing (bradicardia e hiper­
tensão arterial). Foi iniciada a hiperventilação aguda e o paciente recebeu manitol no­
vamente, com boa resposta, redução da PIC e reversão das anormalidades pupilares.
Uma TC de urgência revelou hematoma extradural temporoparietal direito e áreas
hipoatenuantes temporoparietais à direita e frontotemporoparietais à esquerda, com
aumento do efeito expansivo, provocando importante apagamento dos sulcos, das fis­
suras e das cisternas basais. Um segundo procedimento neurocirúrgico foi realizado,
com drenagem do hematoma extradural e instalação de um segundo monitor de PIC
em ventrículo lateral direito.
No quinto dia, a monitoração da PIC mostrou valores moderadamente elevados,
entre 15 e 29 mmHg. Foi instituída terapia com tiopental para controle da PIC, com
doses tituladas para controlá-la e manter o padrão de surto-supressão no eletroen­
cefalograma (EEG). A dose total diária de tiopental foi de 6 g/dia. O paciente passou
a apresentar poliúria, com volume urinário maior que 300 mL/hora, osmolaridade
urinária baixa e tendência à elevação do sódio plasmático. Foi feito diagnóstico de
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 445

diabete insípido e administrou-se desmopressina entre o quinto e o oitavo dia, com


controle dos distúrbios hidreletrolíticos. Nesse período, o paciente esteve com mo­
nitoração multimodal, incluindo monitoração hemodinâmica com cateter de artéria
pulmonar, E tC 02, PIC, pressão de perfusão cerebral (PPC), EEG contínuo e SatA02.
Houve necessidade de vasopressores para manter a PPC entre 60 e 70 mmHg.
No oitavo dia, o EEG estava intensamente suprimido. A TC de controle não mostrou
novas anormalidades, nem piora das preexistentes. Nesse dia, o tiopental foi suspenso,
mas a PIC permaneceu sob controle. A noradrenalina foi progressivamente reduzida
e suspensa no décimo dia, quando o EEG ainda mostrava supressão bilateral.
No 12° dia, o padrão do EEG mudou, mostrando atividade elétrica cerebral con­
tínua, constituída por ondas lentas. No 13° dia, o paciente começou a apresentar
sinais de melhora do nível de consciência, com abertura ocular espontânea e lo­
calização de estímulos neurológicos. A tomografia mostrava melhora global do
inchaço e ausência de novas lesões.
No 14° dia foi retirado o cateter de monitoração da PIC. O paciente já apresentava
movimentação ativa dos quatro membros e obedecia a comandos. Obteve alta da
unidade de terapia intensiva (UTI) no 18° dia e alta hospitalar no 32° dia.
À avaliação funcional na alta hospitalar, o paciente alimentava-se por via oral, deam­
bulava com auxílio, estava calmo e cooperativo. Na avaliação após 1 ano, o paciente
estava independente e havia retornado às suas atividades habituais, apresentando es­
core 15 na ECG.

► DISCUSSÃO

O trauma cranioencefálico (TCE) constitui um grave problema médico, com extensas


repercussões socioeconômicas. É a principal causa de morte traumática, sendo respon­
sável por 1/3 de todas as mortes relacionadas ao trauma, além de ser a principal causa
de incapacidade funcional em vítimas de trauma. Dados europeus mostram que, entre as
vítimas de trauma, o TCE é o responsável pelo maior número de anos vividos com inca­
pacidade funcional.
Nos países em desenvolvimento, tem sido observado um aumento acentuado da incidên­
cia de TCE, devido, principalmente, ao aumento do uso de veículos motorizados. A Organi­
zação Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2020, os acidentes de trânsito serão a terceira
causa mundial de doença. No Brasil, tem-se observado particularmente o aumento de TCE
associado ao uso de motocicletas, resultando em significativa morbimortalidade.
Já nos países desenvolvidos, medidas preventivas e uma legislação mais atenta às normas
de segurança no trânsito têm levado a uma redução da incidência do TCE. Esses países tam­
bém apresentaram redução da proporção de acidentes por veículos motorizados em relação
aos outros tipos de trauma, como quedas e trauma em atividades desportivas.
Alguns estudos têm sugerido redução na morbimortalidade do TCE nos últimos 20
anos. O cuidado ao paciente com TCE parece ter impacto considerável na sua evolução.
446 neurologia e neurocirurgia HIAE

As taxas de mortalidade de TCE grave têm caído cerca de 10% por década nos últimos 25
anos nos centros acadêmicos com interesse em neurotrauma. Todavia, coincidentemente,
esses centros situam-se nos mesmos países que tiveram redução da proporção de trauma
craniano associado a acidentes envolvendo veículos motorizados (acidentes de trânsito
em alta velocidade com homens jovens). A taxa de mortalidade no TCE grave, em séries
recentes de centros especializados em neurotrauma, está em torno de 35%.
O advento de unidades especializadas no tratamento de pacientes neurológicos e a im­
plementação de recomendações baseadas em evidências provavelmente exerceram efeito
positivo no manuseio do TCE. Avanços na monitoração neurológica, nas técnicas de neu-
roimagem e nas intervenções neurocirúrgicas agressivas precoces provavelmente contri­
buíram para a melhora dos desfechos nesses pacientes.

PATOGÊNESE DO TCE: A IMPORTÂNCIA DO RECONHECIMENTO DA LESÃO


CEREBRAL SECUNDÁRIA

Classicamente, a lesão cerebral envolvida no trauma tem sido dividida em duas fa­
ses: lesão cerebral primária e lesão cerebral secundária. A lesão cerebral primária decorre
de forças externas, como consequência de impacto direto, aceleração e desaceleração, pe­
netração de objeto ou explosão. A natureza e a intensidade dessas forças determinam o
padrão e o grau da lesão cerebral. Por exemplo, acidentes com veículos motorizados em
alta velocidade frequentemente determinam lesões extensas e difusas, enquanto quedas
(comumente vistas em pacientes idosos) causam contusões focais.
Já a lesão cerebral secundária decorre de múltiplos processos, que podem continuar por
dias ou semanas após a lesão inicial. O conceito de lesão cerebral secundária é importante
na terapia intensiva neurológica, pois mostra que a lesão cerebral é um evento dinâmico,
cuja extensão pode evoluir nas horas e nos dias que se seguem ao trauma. A lesão cere­
bral secundária pode ser desencadeada e/ou perpetuada por vários eventos, cerebrais e
sistêmicos (Tabela 35.1), muitos dos quais podem ser prevenidos por meio da adequada
monitoração e do manuseio do paciente neurológico grave.

TABELA 35.1 Causas de lesão cerebral secundária no TCE


Intracranianas Sistêmicas
Hipertensão intracraniana Hipotensão
Hematomas intra ou extra-axiais Hipóxia
Edema cerebral Hipocapnia
Hiperemia cerebral Hipercapnia
Hérnias cerebrais Anemia
Hidrocefalia Febre
Vasoespasmo Hipoglicemia/hiperglicemia
(continua)
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 447

(continuação)

Convulsões Hiponatremia
Infecções do SNC: abscessos, coleções Sepse/pneumonia
Lesões vasculares: trombose traumática de carótida, Coagulopatia
compressão vascular por herniação
Resposta inflamatória cerebral ao trauma
SNC: sistema nervoso central.

ATENDIMENTO INICIAL NO TCE GRAVE

O objetivo fundamental do atendimento inicial do paciente com TCE grave é a estabi­


lização das funções vitais por meio da restauração da volemia e da PA e de oxigenação e
ventilação adequadas. Hipotensão e hipóxia devem ser evitadas e, quando presentes, rapi­
damente corrigidas.
Não é recomendado o uso de modalidades terapêuticas para reduzir empiricamente a
PIC no momento inicial, em que ainda não há sua monitoração. Essas medidas, como hi-
perventilação e uso de manitol e barbitúricos, têm potencial para induzir hipotensão e/ou
isquemia cerebral e, na ausência de monitoração da PIC, devem ser reservadas para casos
extremos que mostram sinais inequívocos de deterioração neurológica e/ou sinais de her-
niação ou de iminência de herniação.

R estauração da volem ia e da PA

A hipotensão aumenta a morbimortalidade no TCE. Vários estudos mostraram que a


hipotensão é um preditor independente de desfecho ruim (morte/estado vegetativo/inca-
pacidade funcional grave) no TCE. Chesnut et al., em 1993, em estudo prospectivo mul-
ticêntrico com 717 pacientes, mostraram que um único episódio de hipotensão entre o
trauma e o atendimento inicial dobra a mortalidade, além de aumentar a morbidade.
Há indícios de que a elevação da PA em pacientes com TCE grave e hipotensão melho­
re o desfecho clínico. O limiar exato de PA que deve ser atingido não é conhecido. Dados
epidemiológicos suportam a recomendação de evitar e tratar agressivamente a hipotensão
(pressão arterial sistólica [PAS] menor que 90 mmHg), pois esse evento é fator preditivo
de mau prognóstico. Contudo, é bem provável que, nas primeiras horas após o trauma e
durante todo o período de ressuscitação, sejam necessários níveis mais altos de PA. Tem-se
admitido que é razoável manter a PAS igual ou maior que 120 mmHg e/ou a PAM igual ou
maior que 100 mmHg em pacientes com TCE grave sem trauma penetrante em outros sí­
tios. Recomenda-se administrar solução salina isotônica, o mais rápido possível, por meio
de dois acessos periféricos calibrosos.
O melhor tipo de fluido para a ressuscitação, porém, continua sendo objeto de debate.
Estudos mostram que, em pacientes hipotensos com TCE grave, a correção da hipotensão
associa-se a um melhor desfecho clínico, e essa melhora é proporcional à eficácia da res-
448 neurologia e neurocirurgia HIAE

suscitação. Esses dados são importantes quando se analisam as evidências que se têm para
determinar qual é a melhor opção de fluido para ressuscitação e correção da hipotensão
no trauma.
Há tempos que as soluções hipertônicas têm sido estudadas nesse contexto. As pro­
priedades das soluções salinas hipertônicas foram descobertas em estudos sobre ressus­
citação volêmica em pacientes politraumatizados. Estudos preliminares sugeriram que
a salina hipertônica (SH) beneficia principalmente o subgrupo com TCE, promovendo
melhora dos parâmetros hemodinâmicos e redução da mortalidade.
Na década de 1990, os estudos de Vassar et al. em pacientes politraumatizados mos­
traram que a SH foi mais eficaz que a salina normal em promover correção da hipoten­
são. Uma análise p o s t- h o c de um desses estudos sugeriu benefício da SH no subgrupo
de pacientes com TCE grave, mostrando aumento, embora sem significância estatística,
de sobrevida até a alta. Todavia, esses benefícios potenciais não foram confirmados
em um ensaio clínico mais recente, publicado por Cooper et al, em 2004, que avaliou a
ressuscitação volêmica pré-hospitalar, com SH v e rsu s salina normal em 229 pacientes
com TCE grave e hipotensão. Não houve diferença no desfecho clínico primário, que
consistiu em avaliar a recuperação neurológica.
Após a instalação do monitor de PIC, o manuseio da PA passará a ser guiado pela PPC.
Em pacientes com hipertensão intracraniana (HIC), é mandatória uma medida fidedigna
da PAM, por meio de monitoração invasiva. A medida acurada da PAM assume impor­
tância tanto por seu papel no cálculo da PPC quanto pela falta de consistência entre a da
PAS e a PAM, que torna pouco confiável o cálculo da PAM a partir da aferição da PAS.

Oxigenação e ventilação adequada

O estabelecimento de uma via aérea definitiva é mandatório em pacientes com TCE


grave. A hipóxia, comum nesse período inicial, tem efeitos dramáticos na evolução do pa­
ciente traumatizado. É prioridade garantir via aérea segura e ventilação adequada, a fim de
manter a Sat02 maior que 90% (recomendação grau III de evidência).
O acesso preferencial é a entubação orotraqueal com imobilização cervical. A cabeceira
do leito deve permanecer elevada a 30° e a cabeça deve permanecer alinhada com o uso de
um colar cervical. Este serve para proteger a coluna cervical até que uma avaliação apro­
priada exclua lesão cervical instável e para evitar que a rotação da cabeça dificulte o retorno
venoso do segmento cefálico, o que poderia provocar estase venosa intracraniana e elevação
da PIC.
Pacientes com TCE grave (escore menor ou igual a 8 na ECG) quase sempre apresentam
dificuldade em manter os mecanismos protetores das vias aéreas, aumentando o risco de
hipoxemia grave. Além disso, existe o risco de vômitos por gastroparesia pós-traumática e,
muitas vezes, pela presença de conteúdo gástrico elevado. O emergencista deve estar pre­
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 449

parado para a possibilidade de vômitos e ter um plano de ação estabelecido. Um aspirador


calibroso deve estar disponível.
Além do rebaixamento de consciência, há outras condições associadas à perda dos re­
flexos protetores de vias aéreas e que, portanto, requerem uma via aérea segura estabeleci­
da precocemente. Essas condições incluem intoxicações exógenas, colapso cardiovascular
e trauma facial grave.
A entubação orotraqueal deverá ser realizada somente após sedação adequada, visando
a evitar estímulo orofaríngeo e traqueal que provoque vômitos. Precedendo a entubação, o
paciente deve receber oxigênio a 100% por 5 min, com uso de máscara com reservatório.
Nessa fase, deve-se evitar compressões da bolsa-reservatório por causa da alta possibilidade
de distensão gástrica e vômitos.
As drogas sedativas quase sempre provocam ou agravam a hipotensão. A associação de
fentanil e etomidato apresenta a vantagem de ter menor feito hipotensor. Tiopental e pro­
pofol devem ser evitados nesse momento, pelo grande potencial de produzir hipotensão. O
uso de lidocaína antes da entubação é controverso, pois esta tem sido usada para reduzir os
reflexos das vias aéreas e as alterações hemodinâmicas induzidas pela entubação.
A hiperventilação profilática está contraindicada. Deve-se garantir ventilação adequa­
da para manter normoventilação, ou seja, PaC 02entre 35 e 40 mmHg. A hipocapnia é um
potente vasoconstritor cerebral, causando redução do fluxo sanguíneo cerebral. Medidas
do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) em pacientes com TCE grave mostram que, nas primei­
ras horas após o trauma, há redução acentuada do fluxo, que chega próximo aos valores
consistentes com isquemia. A hiperventilação reduz ainda mais o FSC e pode causar perda
da autorregulação.
Estudo randomizado em pacientes com TCE grave mostrou que a hiperventilação pro­
filática correlacionou-se a um pior desfecho, reduzindo a proporção de pacientes com boa
recuperação funcional. A hiperventilação pode ser usada por curtos períodos, se houver
deterioração neurológica, ou por períodos maiores na HIC refratária, que será discutida
adiante.
A ventilação mecânica com pressão positiva aumenta a pressão intratorácica e reduz o
retorno venoso, elevando, consequentemente, a PIC. Por isso, a pressão intratorácica deve
ser mantida, no mínimo, suficiente para evitar hipoxemia (manter saturação de 0 2 maior
que 90% e PaC 02 em níveis de normoventilação - entre 35 e 40 mmHg).

Avaliações neurológicas

Avaliações clínicas sequenciais são fundamentais no acompanhamento de pacientes


com TCE grave na terapia intensiva. A evolução do paciente pode ser fortemente deter­
minada pela detecção precoce de eventos graves e pela instituição imediata de tratamento.
Um exame neurológico rápido e ordenado é suficiente para detectar mudanças significa­
tivas no quadro clínico.
450 neurologia e neurocirurgia HIAE

As avaliações clínicas são importantes mesmo em pacientes com monitoração contínua


da PIC e da PPC. A frequência das avaliações clínicas depende da fase e da situação clínica.
Nos primeiros 2 a 3 dias e durante todo o período de instabilidade (que, nos casos graves,
pode durar vários dias), recomenda-se que sejam horárias, a cada 1 hora. O intervalo entre
as avaliações pode ir aumentando à medida que o quadro clínico se estabiliza.
As avaliações neurológicas devem incluir os itens mínimos de exame neurológico do
paciente com alteração do estado mental, como mostra a Tabela 35.2.

TABELA 35.2 Itens mínimos do exame neurológico na terapia intensiva


Nível de consciência A ECG é comumente utilizada
Em pacientes com sedação, uma escala de sedação deverá ser utilizada
Pupilas Constitui etapa fundamental na avaliação sequencial de pacientes neurológicos
graves
0 diagnóstico precoce de degeneração rostrocaudal das herniações cerebrais pode ser
feito com a simples avaliação pupilar. Deve-se ressaltar a importância de reconhecer
a Síndrome de Horner, pois esta reflete dano hipotalâmico na herniação transtentorial
iminente
A herniação uncal é caracterizada por midríase unilateral
Posição dos olhos e Desvios oculares podem ser facilmente percebidos, e alterações evolutivas podem
reflexos oculares indicar comprometimento estrutural do SNC
0 desvio conjugado do olhar pode ocorrer em lesão hemisférica ou pontina. Nas lesões
hemisféricas, o desvio é para o lado oposto da hemiparesia, enquanto nas lesões
pontinas, é para o mesmo lado da hemiparesia
Os reflexos oculares testam as funções oculomotoras e comprovam integridade do
tronco, porém, o reflexo oculomotor não deve ser testado em pacientes com trauma de
crânio ou da coluna, pela possibilidade de ocasionar lesão medular em pacientes com
trauma raquimedular não reconhecido
Resposta motora Também pode ser avaliada na ECG
Ritmo respiratório Em pacientes em ventilação espontânea, o ritmo respiratório pode indicar mudanças
no sta tu s neurológico. Ritmos como a hiperpneia neurogênica, a respiração apnêustica
e a respiração irregular (atáxica) podem constituir indícios de extensão do comprome­
timento neurológico

Controle glicêm ico e da tem p eratu ra

A hiperglicemia é frequente em pacientes críticos, sejam eles diabéticos ou não. Muitos


estudos mostram que a hiperglicemia é um fator independente de pior prognóstico em
pacientes neurológicos graves, inclusive no TCE.
Muito se tem debatido sobre a melhor estratégia de controle glicêmico em pacientes
críticos. Estudos iniciais com pacientes críticos cirúrgicos mostraram que o controle gli­
cêmico agressivo poderia reduzir a mortalidade, porém, esses resultados não foram repro­
duzidos em outros estudos. Em estudos recentes com pacientes críticos, o controle estrito
não mostrou benefício, além de expor os pacientes a um risco bastante aumentado de
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 451

hipoglicemia. O alvo do controle glicêmico sugerido por muitos autores tem sido manter
a glicemia abaixo de 140 mg/dL.
A febre está associada a pior desfecho neurológico em estudos experimentais. A febre
aumenta a demanda metabólica cerebral, aumentando o FSC e podendo, assim, elevar a
PIC. Portanto, deve ser evitada e tratada agressivamente.
Antitérmicos podem ser usados de forma preventiva para evitar a febre nos primeiros
dias após o TCE. A associação de antitérmicos, com horários intercalados, e medidas físi­
cas (compressas frias, exposição a temperatura ambiente, colchões térmicos) muitas vezes
é necessária para o controle da temperatura.

MONITORAÇÃO MULTIMODAL RECONHECIMENTO E INTERRUPÇÃO DE


OUTROS EVENTOS QUE LEVAM À LESÃO CEREBRAL SECUNDÁRIA

A lesão cerebral secundária envolve numerosos eventos desencadeados pelo trauma,


que podem acarretar FSC e isquemia. A vasculatura cerebral dispõe de um sofisticado e
eficiente mecanismo capaz de manter o fluxo sanguíneo constante e adequado às deman­
das metabólicas, independentemente da PPC (a chamada autorregulação do FSC). Esse
sistema é capaz de manter o fluxo constante, dentro de uma ampla faixa de PPC, entre 50
e 150 mmHg. Em condições fisiológicas, o FSC é regulado principalmente pela resistência
vascular cerebral (Figura 35.1).

Dilatação Zona de Constrição


máxima autorregulação normal máxima

OOOOOoooob O O O O

FSC = —
RVC

PPC = PAM - PIC

FIGURA 35.1 Autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral.


FSC: fluxo sanguíneo cerebral; PAM: pressão arterial média; PPC: pressão de perfusão cerebral; PIC: pressão intracraniana; RVC: resistência
vascular cerebral.
Fonte: adaptado de Kaplan, 1994.13
452 neurologia e neurocirurgia HIAE

Os mecanismos de autorregulação estão prejudicados, de forma parcial, em até 50% dos


casos de TCE grave. As alterações do FSC e de sua autorregulação, associadas à resposta
inflamatória decorrente do próprio trauma e da lesão de reperfiisão, parecem aumentar a
vulnerabilidade encefálica à isquemia.
O FSC está tipicamente reduzido após o TCE grave. Nas primeiras 6 horas após o trau­
ma, tem-se observado redução do fluxo para níveis compatíveis com isquemia em até 30%
dos pacientes. No entanto, se essa redução do FSC for indicativa de isquemia, ou refletir
redução do metabolismo, deve permanecer em debate.
Estudos que combinam tomografia por emissão de pósitrons (PET) e microdiálise
mostram que a fração de extração de oxigênio não está aumentada, enquanto o lactato está
aumentado em 25% dos casos. Essas observações não dão suporte ao conceito de isquemia
e sugerem que outro mecanismo esteja envolvido na redução do fluxo sanguíneo, como
disfunção mitocondrial e disfunção de membrana decorrente de edema citotóxico.
Os mecanismos de lesão secundária incluem inflamação, lesão mediada por receptor,
lesão oxidativa e lesão mediada por cálcio. A resposta inflamatória cerebral ao trauma,
extensamente demonstrada em estudos recentes, é acentuada e contribui para a lesão
cerebral secundária. Além de inflamação, o trauma desencadeia liberação maciça de
aminoácidos excitatórios, especialmente glutamato e aspartato. Esses neurotransmisso-
res estimulam receptores pós-sinápticos, N-metil-D-aspartato (NMDA) e alfa-amino-3
hidróxi-5 metil-4 isoaxonal-ácido propiônico (AMPA), causando grande influxo neuro-
nal de sódio e cálcio. O aumento de cálcio intraneuronal desencadeia diversos efeitos
que culminam em lesão e morte neuronal, como despolarização, disfunção mitocondrial,
falência de produção de ATP, ativação de protesases, lesão de membrana e, finalmente,
necrose e apoptose neuronal.
Cada tipo de trauma pode iniciar mecanismos fisiopatológicos cerebrais distintos, que
variam em extensão e duração. Por exemplo, enquanto nas contusões por golpe/contragol­
pe, predomina a lesão mediada por inflamação, na lesão axonal (cizalhamento), predomina
a lesão mediada pelo influxo intraneuronal de cálcio. Da mesma forma, variam a extensão
e a duração dos eventos sistêmicos que prejudicam a homeostase intracraniana. Estudos
recentes mostram que mesmo a lesão axonal difusa pode demorar até 48 horas para se
instalar completamente, sendo, portanto, acessível a intervenções terapêuticas protetoras.
O conceito da lesão axonal difusa como estática, plenamente configurada no impacto trau­
mático inicial e incapaz de regeneração, foi abalado à luz dessas evidências.
Eventos cerebrais e sistêmicos agem de forma aditiva e, às vezes, sinérgica, para per­
petuar a lesão cerebral secundária. Esses eventos são cruciais nas primeiras horas após o
trauma. Hipotensão e hipóxia são mais frequentes e mais intensas nas primeiras 24 a 48
horas, justamente o período de maior vulnerabilidade cerebral à isquemia, ocasionada por
alterações da autorregulação do FSC.
A existência de um período inicial de maior vulnerabilidade, associado à evidência de
um processo dinâmico de lesão secundária que se instala e evolui em horas, dá a possibi-
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 453

lidade de intervenção nas “horas de ouro” do TCE, em que se pode melhorar a chance de
preservação da função neuronal.

M o n ito r a ç ã o d a P IC

A HIC em adultos, definida como acima de 20 mmHg, é um evento fisiopatológi-


co crucial no TCE. No TCE grave, a HIC é a via final comum de vários mecanismos
fisiopatológicos que resultam na elevação da PIC, como aumento do conteúdo hídri­
co (edema), aumento do conteúdo sanguíneo (hiperemia), lesões expansivas intra ou
extra-axiais (hematomas e coleções) e aumento do conteúdo de liquor (hidrocefalia),
além de ser frequente e ter implicações terapêuticas e prognósticas, sendo a principal
causa de morte.
A monitoração da PIC está indicada nos casos de TCE com alta probabilidade de apre­
sentar HIC na evolução. São fatores preditivos de HIC no TCE: pontuação na ECG, idade,
anormalidade na TC de crânio e resposta motora anormal.
A Tabela 35.3 mostra o risco de HIC segundo os achados de TC, usando a classificação
de lesão cerebral difusa, uma das mais usadas no TCE.

TABELA 35.3 Classificação de lesão cerebral e risco de HIC


Categoria de lesão Achados iniciais na TC Risco de HIC (%)
Lesão difusa 1 Normal <3
Lesão difusa II Cisternas presentes, 27
DLM 0 a 5 mm, sem LH/M > 25 mL
Lesão difusa III Cisternas comprimidas ou ausentes, 63
(edema swelling) DLM 0 a 5 mm, sem LH/M > 25 mL
Lesão difusa IV DLM > 5 mm 100
(desvio shiff) Sem LH/M > 25 mL
DLM: desvio da linha média; LH/M: lesão hiperdensa/mista.

A monitoração da PIC está indicada em todos os pacientes com TCE grave e TC de


crânio anormal. Nesse grupo, a chance de HIC é de 50 a 60%.
O TCE grave é definido por escore entre 3 e 8 na ECG após a ressuscitação. Anormali­
dades na TC incluem hematomas, contusões, edema e compressão das cisternas. Pacientes
com TCE grave e TC normal devem ser monitorados na presença de dois ou mais dos
seguintes fatores de risco:

■ idade maior que 40 anos;


■ postura anormal (descerebração);
■ instabilidade hemodinâmica persistente (PAS menor que 90 mmHg).
454 neurologia e neurocirurgia HIAE

A monitoração da PIC deve ser considerada também em pacientes que apresentaram


lesões expansivas, evacuadas ou não, pois há risco de lesões adicionais nas horas subse­
quentes (Figura 35.2).

FIGURA 35.2 Indicações de m onitoração da PIC.

A medida da PIC permite o cálculo da PPC, que constitui uma medida indireta do FSC.
Têm-se evidências de que a redução do FSC prejudica a função cerebral e compromete sua
viabilidade, sendo bastante razoável basear as intervenções terapêuticas em medidas do
FSC e de parâmetros que o afetam, como PIC, PAM , PPC, PaC 02 e P a0 2.
Apesar da convincente racionalidade de se monitorar a PIC, não se dispõem de estudos
clínicos randomizados sobre o tratamento da HIC guiada pela monitoração da PIC. Um
estudo randomizado na fase atual do conhecimento acerca da importância dessa variável
seria eticamente questionável, além de demandar um número muito elevado de pacientes.
Protocolos de tratamento que incluíram a monitoração da PIC mostraram desfechos me­
lhores, quando comparados aos períodos anteriores, na era pré-monitoração. Há também
fortes evidências de que os pacientes que respondem ao tratamento da HIC têm melhores
desfechos que aqueles que não respondem.
A monitoração da PIC apresenta outras vantagens, apresentadas na Tabela 35.4.

Tratam ento da HIC guiado pela PIC versusguiado pela PPC

A PIC é reconhecida como um importante fator de lesão secundária no TCE e tem


sido usada como alvo terapêutico em vários algoritmos. Contudo, o valor crítico da PIC e
sua interação com a PPC ainda não está totalmente estabelecido. O valor absoluto da PIC
parece estar intimamente relacionado ao risco de herniação e o limiar de herniação pode
variar entre pacientes e em um mesmo paciente no decorrer do tempo.
Além de prevenir a herniação, o objetivo da monitoração da PIC é garantir um fluxo
sanguíneo adequado ao encéfalo. No presente momento, pode-se medir o fluxo de forma
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 455

TABELA 35.4 Vantagens da monitoração da PIC


Vantagens Comentários
Permite o diagnóstico O valor preditivo para HIC dos parâmetros clínicos (exame neurológico) e de
precoce da HIC neuroimagem são muito baixos
Parâmetros clínicos:
Rebaixamento da consciência: não avaliável em pacientes sedados
Sinais clínicos de progressão da herniação transtentorial: a herniação é um even­
to tardio, acompanhado de sofrimento tecidual extenso, com elevadíssimo risco
de morte e incapacidade funcional grave
Tomografia: o desvio da linha média na TC é indicativo de HIC, porém sofre
influência de outros fatores, como a localização de outras lesões na TC e a
presença de lesões bilaterais. O DLM maior que 5 mm em pacientes acima de 45
anos tem valor preditivo positivo de 78% para desfecho desfavorável. Para desvio
acima de 15 mm, o valor preditivo positivo é de 70% para desfecho desfavorável,
independentemente da faixa etária
Contribui para a indica- Drenagem de hematomas e/ou coleções
ção precoce de cirurgia Derivação ventricular se houver hidrocefalia
Craniectomia descompressiva
Limita a utilização indis- Muitas das medidas de controle da HIC apresentam efeitos colaterais graves Ate-
criminada de tratamento rapia guiada pela medida por PIC/PPC limita a utilização “cega” dessas medidas
para HIC
Permite a drenagem de Quando o probe é intraventricular, é possível a drenagem de pequenas alíquotas
liquor de liquor como medida de controle da HIC

contínua apenas indiretamente, por meio da estimativa da PPC, que representa o gradiente
de pressão por meio do leito vascular cerebral e é uma estimativa, embora grosseira, do FSC.
Por isso, a PPC (e não a PIC) tem sido defendida por muitos autores como o alvo principal
do tratamento em pacientes com HIC. Esse assunto ainda é motivo de intenso debate, como
exposto a seguir.
A pressão de perfusão ideal para garantir um FSC adequado é entre 50 e 60 mmHg.
No entanto, não há justificativas para manter PPC supranormal, já que, acima do nível
fisiológico, o aumento da PPC não elevará mais o FSC. Além de ser inútil, há fortes indí­
cios de que esforços para manter PPC inapropriadamente alta podem piorar o desfecho
clínico no TCE. Esses esforços envolvem a administração de doses elevadas de expansores
plasmáticos e catecolaminas e podem levar a complicações, como a síndrome da angústia
respiratória aguda (Sara), e a piores desfechos clínicos e neurológicos.
A elevação da PPC para acima do limiar fisiológico (60 mmHg) só levará ao aumento
do FSC se houver falência da autorregulação cerebral, o que acontece apenas em casos ex­
tremos, acompanhados de HIC refratária. Nesses casos gravíssimos, ocorre o que se chama
de “cascata da vasodilatação”, em que o fluxo oscila em função da PPC. O aumento da PPC
eleva o FSC, que, por sua vez, aumenta o conteúdo sanguíneo, ocasionando hiperemia
encefálica, que aumenta a PIC ainda mais. A PIC, então, aumenta continuamente, ao longo
456 neurologia e neurocirurgia HIAE

de várias horas, a níveis extremos e leva à morte cerebral se medidas agressivas não forem
tomadas.
Alguns autores têm chamado a atenção para o fato de que a PPC fisiológica em torno de
60 mmHg pode ser alta demais em alguns pacientes com TCE. Estudos recentes mostraram
que, em pacientes com autorregulação deficiente, a PPC acima do limiar de isquemia pode
ser prejudicial. Howells, em 2005, comparando dois protocolos diferentes, um baseado em
PIC e outro baseado em PPC, concluiu que a PPC acima de 60 mmHg era muito alta em
pacientes com autorregulação prejudicada.
Os dados que estabelecem os limiares para o tratamento da HIC baseiam-se nas evi­
dências obtidas em numerosos estudos clínicos nas duas últimas décadas, baseados em
protocolos guiados pela PIC. Por isso, a PIC tem sido chamada de limiar “clínico” para o
tratamento, enquanto a PPC é chamada de limiar “fisiológico”. A Tabela 35.5 apresenta as
diferenças entre essas duas variáveis usadas para guiar o tratamento.

TABELA 35.5 Vantagens e desvantagens do tratamento da HIC guiado pela PIC vs. tratamento guiado pela PPC
PIC PPC
Limiar “clínico" Limiar “fisiológico"
É mais determinante do risco de herniação Quando a PPC está abaixo do nível de autorregulação
cerebral (50 mmHg), o aumento da PPC elevará o FSC
Este é o objetivo do tratamento da HIC
Potente preditor de desfecho clínico Em pacientes com autorregulação preservada, o au­
mento da PPC para níveis supranormais (acima de 70
mmHg) não elevará o FSC e pode causar complicações
e piorar o desfecho clínico
Pacientes com HIC responsiva têm melhor desfecho
clínico
0s dados que estabelecem limiares para o trata­
mento basearam-se em evidências provenientes de
protocolos guiados pela PIC

Estudo randomizado de Contant et al, em 2001, comparando dois protocolos dife­


rentes, mostrou resultados piores no grupo de pacientes tratados com protocolo guiado
para manter PPC acima de 70 mmHg. Essa terapia agressiva envolvia indução de hiper­
tensão arterial (hipertensão arterial induzida) e resultou em um aumento de 5 vezes na
ocorrência de Sara e de 2 vezes em desfecho desfavorável (morte ou estado vegetativo
persistente). No outro grupo, os objetivos eram manter PIC abaixo de 20 mmHg e PPC
acima de 50 mmHg.
Recentemente, foram publicadas as recomendações para o tratamento da HIC no TCE,
formuladas pela Brain Trauma Foundation. Essas recomendações classificam as interven­
ções de acordo com a qualidade das evidências disponíveis até o momento e estão apre­
sentadas na Tabela 35.6.
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 457

TABELA 35.6 Recomendações para o tratamento da HIC no TCE


Recomendação Qualidade das evidências
Tratamento da HIC deve ser iniciado se PIC > 20 a 25 mmHg II
Interpretação e tratamento da PIC devem considerar o exame neurológico, o III
exame tomográfico e a PPC. Nessa situação, a PIC pode ser mantida acima
de 20 a 25, desde que a PPC esteja adequada e o exame neurológico e a TC
estejam estáveis
Manter PPC alvo entre 50 e 70 mmHg III
Evitar PPC < 50 mmHg
Tentativas agressivas de manter a PPC acima de 60 a 70 devem ser evitadas, II
pelo risco de Sara

Tecnologia de m onitoração da PIC

O cateter intraventricular conectado a um transdutor externo do tipo medidor de tensão


(,strain g a u g e ) é o método mais acurado e mais custo-efetivo de monitoração da PIC, sendo
considerado padrão-ouro. Tem a grande vantagem de permitir a drenagem de liquor (útil
para o controle da HIC), além de poder ser recalibrado. Contudo, nem sempre é possível in­
troduzir um cateter no ventrículo. Em pacientes com edema cerebral acentuado, a inserção
intraventricular do cateter pode ser muito difícil.
Os equipamentos de monitoração podem ser classificados em função de três variáveis:

■ tipo de transdutor de pressão: fibra óptica ou medidor de tensão (stra in g a u g e). O trans­
dutor de fibra óptica baseia-se em mudança da reflexão da luz causada pela mudança
da pressão e tem custo mais elevado;
■ posição da ponta do cateter: intraventricular, intraparenquimatoso, subdural, epidu­
ral ou subaracnoide. Equipamentos de monitoração de pressão, inseridos nos espaços
sub ou epidural ou subaracnoide, têm menor acurácia, mas apresentam a vantagem de
menor risco de hemorragia que o intraventricular, já que não penetram no encéfalo. O
cateter intraparenquimatoso é tão acurado quanto o intraventricular, mas tem as des­
vantagens de não poder ser recalibrado e não permitir a drenagem de liquor;
■ localização do transdutor de pressão: externo ou interno (localizado na ponta do cate­
ter). Os transdutores localizados na ponta do cateter têm a desvantagem de não permi­
tirem recalibração, que, muitas vezes, é necessária no decorrer do processo de monito­
ração. Exceto os cateteres intraparenquimatosos, todos os demais podem ser acoplados
a um transdutor de pressão preenchido com fluido (flu id couple) que permite a recali­
bração.

Além do valor numérico da PIC, outros dados significativos podem ser avaliados por
meio de sua monitoração. A análise do comportamento da onda de pressão em função do
tempo é útil e tem valor prognóstico. Onda A, ou p la te a u , é definida como aumento persis­
458 neurologia e neurocirurgia HIAE

tente do valor para níveis acima de 40 mmHg, com 5 a 20 minutos de duração. A onda em
p la te a u é sempre patológica e indica redução da complacência e autorregulação intacta.
A análise dos componentes da onda de pressão da PIC revela informações sobre a compla­
cência intracraniana. A complacência exprime o quanto o sistema ainda pode absorver de vo­
lume para variar em uma unidade pressórica. Um sistema com complacência baixa tem pouca
capacidade para se adaptar a novos incrementos de volume. O liquor, apesar de corresponder
a apenas 10% do volume intracraniano, tem alta capacidade de tamponamento, contribuindo
com 30 a 70% da capacidade total de tamponamento do sistema, por meio de sua transferên­
cia dos ventrículos e das cisternas para o espaço subaracnóideo raquiano. Já o parênquima
cerebral, que ocupa 80% do volume intracraniano, participa desse processo de forma mais len­
ta, por compressões e deslocamentos. A capacidade de tamponamento pressórico do sistema
intracraniano é evidentemente limitada e depende da magnitude do incremento de volume e
da velocidade com que ele é introduzido.
A curva de pressão de pulso da PIC possui três componentes: Pl, P2 e P3. A onda PI é
a de maior amplitude e representa o pulso arterial sistólico. Quando a PIC sobe, P2 e P3 se
igualam e, depois, ultrapassam Pl. É possível, ainda, saber qual a é posição na curva pressão—
-volume da caixa craniana, por meio da análise da correlação entre a amplitude da pressão
de pulso da PIC e a PIC média.
A reatividade vascular às mudanças da PAM, chamada de vasorreatividade pressórica,
também deve ser analisada. A reatividade vascular dos vasos cerebrais a uma mudança da
pressão transmural é um componente chave da autorregulação. Em pacientes com autor­
regulação intacta e, portanto, com reatividade pressórica intacta, a elevação da PAM leva à
vasoconstrição e à redução da PIC em 5 a 15 segundos. Em pacientes com autorregulação
comprometida, ocorre o inverso: a elevação da PAM leva ao aumento do FSC e, conse­
quentemente, ao aumento do volume sanguíneo cerebral e da PIC.
O aumento da PIC continuamente, ao longo de várias horas, leva a níveis extremos
de PIC e ao colapso circulatório intracraniano, culminando em morte cerebral. Portanto,
nos pacientes com comprometimento da autorregulação, a elevação da PAM pode piorar
a situação. Estudos recentes sugerem que a reatividade pressórica poderá ser usada para
definir estratégias de tratamento, como alvos individuais de PPC.
Além da PA, o s ta tu s ácido básico e a P C 0 2 são condições fisiológicas que deflagram
reatividade dos vasos cerebrais. Hipertensão, alcalose e hipocarbia causam vasoconstrição,
enquanto hipotensão, acidose e hipercarbia causam vasodilatação. Essas variáveis frequen­
temente sofrem variações drásticas no politraumatizado grave, concorrendo para interfe­
rir nos mecanismos de autorregulação do FSC. Em pacientes submetidos à hiperventilação
por várias horas, p.ex., a compensação metabólica em resposta à hipocarbia leva à acidose
metabólica, que anula o efeito vasoconstritor da hipocarbia. Todos esses fatores devem ser
analisados quando se avalia a vasorreatividade da vasculatura intracraniana.
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 459

As principais complicações da monitoração da PIC são infecção e hemorragia no sítio


de inserção do cateter. O risco de hemorragia é baixo (em torno de 1,4%), mas pode ser
mais alto em pacientes com diáteses hemorrágicas graves.
O risco de infecção relacionada ao cateter de monitoração da PIC está entre 6 e 11% e é
maior nos equipamentos com cateter na posição intraventricular. O uso profilático de an­
tibióticos para inserção do cateter não é efetivo em reduzir essa taxa de infecção, portanto,
não é recomendado. Também não se recomenda a troca rotineira do cateter intraventricular
como medida para reduzir a taxa de infecção. A taxa de colonização é tempo-dependente e o
cateter deve ser retirado tão logo seja verificado que este não está mais sendo útil.
As técnicas atuais garantem uma excelente relação de custo-benefício para a monito­
ração da PIC, incluindo baixo custo e informações relevantes, com uma taxa de complica­
ções aceitável. Isso faz com que a monitoração da PIC seja considerada a pedra angular do
manuseio da lesão cerebral crítica.

MEDIDAS DE CONTROLE DA HIC

O tratamento da HIC pode ser dividido em clínico e cirúrgico. É fundamental que o


paciente seja constantemente avaliado em relação à possibilidade cirúrgica, para evacua­
ção de hematomas, debridamento e tratamento de hidrocefalia. A possibilidade de lesão
cirúrgica deve ser sempre investigada diante de qualquer piora clínica ou da ocorrência
de HIC de difícil controle. O emergencista pode e deve utilizar medidas clínicas, mas não
pode negligenciar a potencialidade de uma nova lesão neurocirúrgica.
Atualmente, há várias alternativas terapêuticas efetivas na redução da PIC (Tabela
35.7). A maioria delas, porém, está associada a efeitos colaterais significativos. As medidas
iniciais são aquelas com menor potencial deletério, incluindo adequado posicionamento
da cabeça, sedação e analgesia adequadas, drenagem de liquor, hiperventilação e terapia hi-
perosmolar. A falta de resposta a essas medidas gerais caracteriza a HIC refratária e requer
o uso de medidas agressivas e com efeitos colaterais potencialmente deletérios, devendo,
portanto, ser usadas em centros especializados, capazes de oferecer condições seguras.

TABELA 35.7 Medidas de controle da HIC


Medidas iniciais de controle da HIC
Posicionamento da cabeça Facilita o retorno venoso intracraniano, evitando que uma potencial estase
a 30° venosa contribua para elevar a PIC
Sedação e analgesia Agitação, tosse, incoordenação com a ventilação mecânica e hipertonia
adequadas aumentam a PIC
Drenagem de liquor 0 liquor deve ser drenado lentamente e acompanhado da observação atenta
da PIC. Deve ser drenado apenas o suficiente para reduzir a PIC a níveis
aceitáveis e, depois, o sistema deve ser fechado novamente
(continua)
460 neurologia e neurocirurgia HIAE

(continuação)

Terapia hiperosmolar Manitol é efetivo para o controle da HIC, nas doses de 0,25 a lg/kg
Manter a osmolaridade plasmática alvo em 300 a 320 mOsm e o sódio
plasmático entre 145 e 155 mEq/L
Soluções hipertônicas de cloreto de sódio em concentrações de 7 a 20% são
eficientes para reduzir a HIC
Dose sugerida: 30 mL de NaCI 20%, em 15 min
Hiponatremia deve ser excluída antes do uso de soluções salinas hipertôni­
cas, devido ao risco de mielinólise
Hiperventilação É eficaz como medida temporária para redução da PIC, podendo ser usada por
períodos curtos (alguns minutos até algumas horas) na ocorrência de HIC
A hiperventilação terapêutica prolongada constitui uma alternativa terapêu­
tica na HIC refratária às demais medidas gerais (drenagem de liquor, seda­
ção, agente osmótico). Nesses casos, é fortemente recomendado que haja
monitoração da relação entre oferta e demanda de 02 pelo tecido cerebral,
para garantir que a hiperventilação não esteja causando isquemia cerebral
Medidas usadas na HIC refratária
Indução farmacológica de Barbitúricos em altas doses são recomendados para controlar a HIC refratá­
coma: barbitúricos ria aos tratamentos médico e cirúrgico máximos. Recomendação classe II
Estabilidade hemodinâmica é essencial antes e durante a administração de
barbitúrico
Tiopental (dose de ataque: 5 a 10 mg/kg, em 30 min; dose de manutenção:
1 a 4 mg/kg/h)
Indução farmacológica de Propofol é recomendado para controle da HIC. Recomendação classe II
coma: propofol Não reduz a morbimortalidade em 6 meses, quando comparado a outros sedativos
A síndrome da infusão letal pode ocorrer com doses altas, principalmente
em crianças, mas também tem sido descrita em adultos. Essa síndrome
caracteriza-se por hipercalemia, lipemia, acidose metabólica e colapso
cardiovascular. Recomenda-se cuidado com doses acima de 4 mg/kg/h ou
em qualquer dose por mais de 48 horas
Hipotermia A hipotermia é eficaz em controlar a HIC
A hipotermia terapêutica constitui uma opção para o controle da HIC
refratária. Há complicações potencialmente graves, devendo ser realizada
apenas em centros especializados
Temperatura-alvo: 32 a 34°C
Craniotomia descompressiva Em estudos recentes, pacientes com HIC refratária tratados com craniotomia
descompressiva tiveram melhora significativa no controle da HIC e apresenta­
ram melhor desfecho clínico em relação ao desfecho dos controles históricos

Drenagem de liquor

Conforme mencionado anteriormente, em situações fisiológicas, a capacidade de tam-


ponamento pressórico do liquor é grande. Contudo, no TCE, pode haver obstrução da
drenagem liquórica, reduzindo sua expulsão dos ventrículos. Deslocamentos das estrutu­
ras intracranianas e/ou lesões expansivas (hematomas, corpo estranho, fragmentos ósseos)
podem ocasionar obstrução parcial ou total da drenagem liquórica (hidrocefalia).
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 461

A obstrução parcial é mais comum e ocorre quando a compressão ventricular é sufi­


ciente para obstruir o forame de Monro, causando hidrocefalia regional (v e n tric u la r en -
tr a p m e n t ), caracterizada pelo aumento de um ou de ambos os ventrículos laterais. Essa
obstrução ventricular pode ter participação do aumento da PIC.
A possibilidade de retirada do liquor para reduzir a PIC é particularmente útil nesses casos.
Os cateteres de monitoração de PIC inseridos no ventrículo lateral oferecem essa vantagem.

Sedação e analgesia
Pacientes com HIC devem estar adequadamente sedados e com controle da dor. A agi­
tação dificulta o controle da HIC e pode significar dor, hipóxia, d e liriu m ou intolerância à
ventilação mecânica.
Para o controle da dor, analgésicos narcóticos de curta duração devem ser preferidos.
A infusão contínua de narcótico de curta duração, como fentanil ou remifentanil, pode ser
interrompida por curtos períodos para avaliação neurológica sequencial.
Quando a agitação for causada por d e lir iu m , um neuroléptico deve ser considerado.
Na fase aguda, o haloperidol é a droga de escolha, pois tem menor efeito sedativo que os
demais neurolépticos, não prejudicando tanto a avaliação neurológica. Em uma fase suba-
guda, na qual os efeitos sedativos dos neurolépticos atípicos não são tão indesejáveis, estes
podem ser considerados.
Em pacientes com HIC, além da analgesia e controle da agitação, é necessário que o
paciente seja mantido imóvel e com pouca reatividade. Agitação, tosse, incoordenação com
a ventilação mecânica e hipertonia aumentam a PIC. Nessa situação, quase sempre é neces­
sário um agente hipnótico potente. As alternativas incluem benzodiazepínicos (preferen­
cialmente de curta duração, como o midazolam), propofol ou barbitúricos.
Há alguma controvérsia acerca do melhor agente sedativo em pacientes com TCE gra­
ve. Houve um grande entusiasmo inicial com o uso de barbitúricos, aos quais têm sido
atribuídas propriedades neuroprotetoras, porém, os resultados dos ensaios clínicos contro­
lados não confirmaram o benefício esperado. Os resultados dos estudos randomizados e
de uma metanálise incluindo esses estudos permitem algumas recomendações, resumidas
na Tabela 35.8.

TABELA 35.8 Sedativos e analgésicos usados em pacientes com TCE grave


Analgesia e sedação = analgésico narcótico + hipnótico (midazolam ou propofol)
Fentanil Dose de ataque: 2 mcg/kg
Dose de manutenção: 2 a 5 mcg/kg/h
Midazolam 0 efeito colateral mais indesejado nesse contexto é a hipotensão. Podem-se
testar doses pequenas em bolo antes de iniciar infusão contínua
Dose de teste: 2 mg
Infusão contínua: 2 a 4 mg/h
Propofol Dose de teste: 0,5 mg/kg
Dose de manutenção: 1 a 4 mg/kg/h
462 neurologia e neurocirurgia HIAE

A associação de um agente hipnótico (benzodiazepínico de curta duração ou propo­


fol) e de um analgésico narcótico é a alternativa inicial em pacientes estáveis e sem HIC
refratária. As drogas com curta duração devem ser preferidas. Em pacientes com HIC re­
fratária, o uso de barbitúricos constitui alternativa. Após o início de barbitúrico, os demais
sedativos e analgésicos devem ser suspensos, pois tornam-se desnecessários diante da po­
tência hipnótica dos barbitúricos, além de poderem potencializar efeitos hemodinâmicos
indesejáveis.

Terapia hiperosm olar

O manitol tem sido o principal agente osmolar usado para o controle da HIC nas últimas
três décadas, apesar de nunca ter sido avaliado em estudo controlado com placebo. É efetivo
para o controle da HIC, nas doses de 0,25 a 1 g/kg (recomendação classe II de evidência).
O uso de manitol deve ser restrito aos pacientes com monitoração da PIC. Seu uso
emergencial antes da instalação do monitor de PIC pode ser necessário caso haja de­
terioração neurológica ou herniação transtentorial. Há dados que sugerem que o uso
intermitente é mais efetivo que o uso contínuo, o qual pode levar ao acúmulo de manitol
no cérebro, causando um efeito osmótico reverso e aumentando a osmolaridade no te­
cido cerebral.
Manitol em altas doses pode provocar necrose tubular renal, principalmente se a os­
molaridade sérica exceder 320 mOsm. Os cuidados para seu uso incluem assegurar a
normovolemia e manter osmolaridade sérica abaixo de 320 mOsm.
O uso de SH tem sido apontado como uma alternativa terapêutica para o controle da
HIC. Seu mecanismo de ação envolve mobilização osmótica de água por meio da barreira
hematoencefálica intacta, reduzindo o conteúdo hídrico cerebral.
As propriedades da SH foram descobertas em estudos sobre ressuscitação volêmica em
pacientes politraumatizados. Esses estudos mostraram que a SH beneficia principalmente
o subgrupo de pacientes com TCE, com melhora dos parâmetros hemodinâmicos e redu­
ção da mortalidade. Outros estudos sobre o efeito das SH em pacientes com TCE e HIC
foram motivados por esses trabalhos.
SH em concentrações de 7 a 20% são eficientes para reduzir a HIC. Há relatos de que a
SH é eficaz em controlar a HIC mesmo em casos refratários ao manitol. O fenômeno re­
bote parece ser menos comum com a SH que com o manitol. Outra vantagem parece ser a
manutenção do efeito da SH com o uso repetido, o que nem sempre ocorre com o manitol,
cuja eficácia é reduzida após doses repetidas.
Soluções salinas com concentração igual ou superior a 3% devem ser administradas em
veia central, em virtude do risco de tromboflebite quando administradas em veia perifé­
rica. Em infusão contínua, a solução hipertônica geralmente é preparada na proporção de
1:1 de cloreto e acetato de sódio, para evitar a indução de acidose metabólica hiperclorê-
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 463

mica. A infusão muito rápida pode causar hemólise, ocasionada pela mudança brusca do
gradiente osmótico no soro, recomendando-se infusão lenta, em 10 a 15 min.

H iperventilação

A hiperventilação é uma medida efetiva de redução da HIC, porém, está associada a con­
siderável risco de isquemia cerebral. Como mencionado anteriormente, o uso da hiperven­
tilação profilática (PaC02 menor que 35 mmHg) não é recomendado, pois pode compro­
meter a perfiisão cerebral, e está associado a pior desfecho no TCE grave. A hiperventilação
deve ser particularmente evitada nas primeiras 24 horas após o TCE, quando, usualmente,
o FSC está criticamente reduzido.
A hiperventilação terapêutica pode ser moderada (PaC02 menor que 35mmHg) ou
agressiva (PaC02 menor que 25 mmHg) e constitui uma medida eficaz e segura em duas
situações distintas:

■ como medida temporária para redução da PIC, podendo ser usada por períodos curtos
na ocorrência de deterioração neurológica ou HIC. Alguns minutos são suficientes para
reduzir a PIC nos pacientes responsivos;
■ a hiperventilação terapêutica prolongada constitui uma alternativa na HIC refratá­
ria às demais medidas gerais (drenagem de liquor, sedação, agente osmótico). Nesses
casos, é fortemente recomendado que haja monitoração da relação entre oferta e
demanda de 0 2 pelo tecido cerebral, o que pode ser feito por meio de monitoração
da saturação venosa no bulbo jugular (Svj02) ou da tensão de 0 2no tecido cerebral
(P b rü 2).

Barbitúricos

Barbitúricos em altas doses são recomendados para controlar a HIC refratária aos tra­
tamentos médico e cirúrgico máximos (recomendação classe II de evidência).
O tratamento cirúrgico máximo inclui a evacuação de massas intracranianas (hemato­
mas, corpos estranhos, fragmentos ósseos) e a derivação ventricular, no caso de bloqueios
liquóricos. Já o tratamento médico máximo inclui as medidas iniciais para controle da
HIC, citadas na Tabela 35.8.
Os barbitúricos já foram bastante estudados no TCE grave e a eles tem sido atribuído
um efeito neuroprotetor. No entanto, não há dados que corroborem esse benefício.
Dois estudos randomizados não mostraram benefício com o uso de barbitúricos
para indução de coma, avaliados por meio da indução de surto-supressão no EEG. As­
sim, a indução profilática de coma barbitúrico em pacientes com TCE grave não é re­
comendada (classe II).
464 neurologia e neurocirurgia HIAE

Hipoterm ia

A hipotermia é eficaz em controlar a HIC. A redução da PIC é mediada por redução do


FSC, decorrente de menor atividade metabólica.
O objetivo é atingir a temperatura-alvo de 32 a 34°C. Essa temperatura é a central, me­
dida em sítio interno: tímpano, esôfago, reto ou intracerebral. Há no mercado opções de
monitores de PIC acoplados a medidores de temperatura intracerebral.
A hipotermia pode ser induzida por métodos externos ou internos. Métodos externos,
como uso de colchão térmico ou compressas geladas próximas aos grandes vasos (axilas, re­
gião inguinal e pescoço) são eficazes, embora lentos. Estudos mostram que o tempo neces­
sário para atingir a temperatura-alvo com métodos externos é de 2 a 4 horas, o que é muito
quando se consideram as consequências da HIC. A infusão intravenosa de fluidos gelados
(salina 0,9% ou Ringer) pode acelerar o processo de forma segura e com baixo custo. O
uso de bloqueio neuromuscular também acelera o processo de esfriamento, abolindo os
tremores que geralmente ocorrem na indução da hipotermia.
Mais recentemente, métodos de esfriamento interno usando dispositivos intravascula­
res têm sido usados para a indução rápida de hipotermia, principalmente no contexto de
hipotermia terapêutica em vítimas de coma após uma parada cardiorrespiratória.
O reaquecimento deverá ser lento e passivo, pois o reaquecimento rápido pode pro­
vocar HIC rebote acentuada. Recomenda-se que a velocidade de elevação da temperatura
não exceda 1°C a cada 8 a 12 horas.
Além da HIC rebote, há mais riscos e complicações graves da hipotermia, discutidas a
seguir.

In fe c ç õ e s

A hipotermia aumenta o risco de infecções, principalmente de pneumonia. Em di­


versos estudos que avaliaram hipotermia, a pneumonia parece ter sido mais frequente
no grupo com hipotermia. Pneumonia e/ou sepse são contraindicações para indução
de hipotermia.

C o a g u lo p a t ia

Aumento do tempo de protrombina parcial ativado e da plaquetopenia são frequentes


em pacientes hipotérmicos, embora raramente sejam clinicamente significativos. Pacientes
politraumatizados com lesões hemorrágicas graves e que persistem com risco de sangra-
mento muito aumentado não devem ser tratados com hipotermia.
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 465

A lte r a ç õ e s c a r d io v a s c u la r e s e d is tú r b io s h id r e le t r o lít ic o s

Arritmias são frequentes durante o período de hipotermia. Podem ocorrer pela própria
hipotermia ou ser induzidas pelos distúrbios eletrolíticos. A bradicardia é a arritmia mais
frequente, geralmente sem repercussão clínica, e não requer intervenção.
A hipotermia provoca aumento da resistência vascular sistêmica e queda do débito car­
díaco, além de induzir aumento da diurese com potencial de hipovolemia. O aumento da
diurese pode causar perda renal de vários íons, como potássio, magnésio, fósforo e cálcio.
Dessa forma, as condições hemodinâmicas e eletrolíticas devem ser intensamente monitora­
das nesses pacientes.
O nível de potássio deve ser monitorado também no reaquecimento, quando ocorre
seu retorno para o meio extracelular, com risco de hipercalemia.

H ip e r g lic e m ia

A hiperglicemia é frequente em pacientes hipotérmicos. A hipotermia reduz a secreção


e aumenta a resistência à insulina, e a glicemia deve ser intensamente monitorada.
Recomenda-se, como alvo do controle glicêmico, a manutenção da glicemia abaixo de
140 mg/dL, como discutido anteriormente. O controle glicêmico foi estudado em pacientes
com hipotermia terapêutica, em estudo randomizado de controle estrito (glicemia entre 72
e 108) versus controle moderado (glicemia entre 108 e 144). Nesse estudo, assim como em
outros estudos recentes em pacientes críticos, o controle estrito não mostrou benefício, além
de expor os pacientes a um risco bastante aumentado de hipoglicemia.

Craniotom ia descom pressiva

A craniotomia descompressiva é uma terapia emergente no tratamento do TCE grave.


A experiência mundial recente, principalmente advinda de trauma no contexto militar,
nos campos de batalha, tem mostrado resultados bastante promissores.
Os pacientes com HIC refratária tratados com craniotomia descompressiva tiveram
melhora significativa no controle da HIC e apresentaram melhor desfecho clínico em rela­
ção ao desfecho dos controles históricos.
No momento, está em curso um estudo randomizado, controlado, multicêntrico, ava­
liando craniotomia descompressiva versu s tratamento clínico em pacientes com HIC re­
fratária.

C0RTIC0STER0IDES

Corticosteroides não são recomendados no TCE. Um estudo randomizado multicên­


trico avaliou o seu uso em mais de 10 mil pacientes com TCE. O risco de morte foi signi-
466 neurologia e neurocirurgia HIAE

ficativamente maior no grupo tratado com corticosteroide. A falta de benefício foi obser­
vada em todos os subgrupos de gravidade e de janela terapêutica. Os resultados mostram
que os corticosteroides não apresentam nenhum benefício em pacientes com TCE, além
de poderem aumentar a mortalidade.

PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES
Profilaxia anticonvulsivante

As crises convulsivas pós-traumáticas são divididas em precoces ou tardias. As crises


precoces ocorrem em até 7 dias após o trauma, enquanto as tardias iniciam-se após esse
período. Estudos mostraram que tanto a fenitoína quanto a carbamazepina previnem as
crises precoces, mas não as tardias. Embora as crises precoces não estejam associadas a
pior desfecho clínico, a maioria dos autores concorda que crises nesse período podem
dificultar muito o manejo do TCE grave, recomendando o uso de anticonvulsivante profi­
lático na primeira semana. Se o paciente não apresentar crises, o anticonvulsivante deverá
ser suspenso após o sétimo dia (Tabela 35.9).

TABELA 35.9 Recomendações atuais sobre a profilaxia anticonvulsivante no TCE


Recomendações Nível de evidência
Anticonvulsivantes são indicados para prevenir crises pós-traumáticas precoces II
(que ocorrem na I a semana após o TCE). 0 anticonvulsivante deve ser interrompido
a partir do 8° dia nos pacientes que não apresentaram crises e deverá ser reintro-
duzido apenas se ocorrerem crises tardias
Não se recomenda o uso de anticonvulsivantes para prevenir crises pós-traumáti­ II
cas tardias

Se o paciente apresentar crises precoces ou tardias, o anticonvulsivante deverá ser man­


tido por longo prazo. Em caso de crises tardias, tem sido preferido o uso de drogas antiepi-
lépticas com melhor perfil para uso crônico, como carbamazepina, valproato ou leviterace-
tano, por apresentarem menor potencial para efeitos colaterais cognitivos que a fenitoína.

Profilaxia para trom bose venosa profunda

O risco de trombose venosa profunda (TVP) detectada laboratorialmente em pacientes


com TCE grave é de cerca de 20%. Todavia, na maioria dos casos, trata-se de TVP de veias
distais isoladas, com baixo risco de tromboembolismo pulmonar. O risco de embolia pul­
monar no TCE grave é menor que 1%.
A profilaxia mecânica é recomendada, por meio de compressão pneumática inter­
mitente ou do uso de meias de compressão gradual, exceto na presença de lesões em
membros inferiores que limitem seu uso, e deve ser mantida até que o paciente inicie a
deambulação (grau de recomendação I I I ) .
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 467

A profilaxia medicamentosa, por sua vez, com heparina convencional ou fracionada,


em baixas doses, deve ser usada em combinação com a profilaxia mecânica. Contudo,
há aumento do risco de expansão da hemorragia intracraniana e não há dados sufi­
cientes para recomendar o agente de escolha, a dose ou o momento seguro para sua
introdução.
A profilaxia farmacológica não deve ser usada no período pós-operatório do TCE grave.

Profilaxia de infecções

A Tabela 35.10 mostra as principais recomendações sobre a profilaxia de infecção em


pacientes com TCE e os respectivos níveis de evidência.

TABELA 35.10 Recomendações sobre a profilaxia de infecção em pacientes com TCE


Recomendação Níveis de evidência
Recomenda-se o uso de antibiótico previamente à I0T, para reduzir a incidência de II
pneumonia. Contudo, essa medida não reduz tempo de internação e mortalidade
Traqueostomia precoce é recomendada para reduzir o tempo de ventilação II
mecânica. Contudo, não reduz taxa de pneumonia hospitalar e de mortalidade
Não é recomendado o uso de antibiótico profilático para inserção de cateter III
ventricular
Não é recomendada a troca rotineira do cateter intraventricular para reduzir III
infecção
Extubação precoce pode ser tentada em pacientes selecionados, pois não aumenta o III
risco de pneumonia
I0T: entubação orotraqueal.

CONTROVÉRSIAS E PERSPECTIVAS
Hipoterm ia profilática

Nas duas últimas décadas, tem havido muito interesse em avaliar o efeito da hipoter­
mia profilática em pacientes com TCE, mas este ainda é um assunto controverso. A hi­
potermia profilática, induzida precocemente logo após o trauma (independentemente da
presença de HIC) e mantida por 24 a 48 horas, foi estudada em pacientes com TCE grave.
Até o momento, pouco mais de uma dezena de ensaios clínicos randomizados controlados
foi publicado, mostrando que a hipotermia profilática não reduziu a mortalidade no TCE
grave, embora dados preliminares sugiram redução da mortalidade e melhora do desfecho
funcional, quando a temperatura-alvo é mantida por um período maior que 48 horas (grau
de evidência III).
Em crianças, um ensaio recentemente publicado sugeriu que a hipotermia provoca au­
mento da mortalidade, além de não resultar em melhora do desfecho neurológico. Esses
dados sugerem fortemente que a hipotermia profilática pode ser deletéria em crianças.
468 neurologia e neurocirurgia HIAE

n PONTOS RELEVANTES
0 TCE constitui um grave problema médico com repercussões socioeconômicas exten­
sas, sendo a principal causa de morte traumática e a principal causa de incapacidade
funcional em vítimas de trauma.
0 Acidentes são a terceira causa de morte em todo o mundo.
0 TCE determina dois tipos de lesões cerebrais: primária e secundária.
0 A lesão cerebral primária é decorrente das forças externas de impacto, como aceleração,
desaceleração ou penetração de objetos.
0 A lesão cerebral secundária é decorrente de múltiplos processos orgânicos, que se de­
senvolvem a partir do TCE e podem durar desde dias até semanas.
0 Lesões cerebrais secundárias são causadas por hipertensão intracraniana, hematomas
intracranianos, edema cerebral, hiperemia cerebral, hérnias cerebrais, hidrocefalia, va-
soespasmo.
0 Causas sistêmicas de lesões cerebrais secundárias incluem hipotensão, hipóxia,hipocap-
nia, hipercapnia, anemia, febre, hiper ou hipoglicemia.
0 Manobras imediatas de ressucitação são muito importantes para o prognóstico de pa­
cientes com TCE grave.
0 O tratamento do TCE grave inclui sedação, manutenção da pressão intracraniana, dre­
nagem de liquor ventricular, oxigenação e ventilação adequadas, controle glicêmico e
da temperatura corpórea.
0 Monitoração da pressão intracraniana é fundamental nos TCE graves.
0 Exames por imagem são importantes na identificação precoce de complicações como
hematomas intracranianos e hidrocefalia.
0 Craniotomia descompressiva pode ser necessária nos TCE graves em que falharam ou­
tras medidas para controle da pressão intracraniana.
0 Corticosteroides não estão indicados no TCE.
0 Anticonvulsivante profilático é utilizado na primeira semana após TCE grave e suspen­
so se não houver convulsão neste período.
0 O uso de hipotermia profilática é controverso.
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 469

QU E S T ÕE S

1. Constituem indicações de monitoração de PIC no trauma craniano:


A. Escore menor que 9 na escala de coma de Glasgow e tomografia de crânio anormal, independen­
temente da idade.
B. Escore menor que 9 na escala de coma de Glasgow e tomografia normal, na presença de dois ou
mais dos seguintes fatores: hipotensão, idade maior que 40 anos ou postura anormal.
C. Todas as anteriores.

2. Assinale a alternativa correta:


A. NoTCE grave, constituem fatores preditores de pior desfecho clínico: hipotensão arterial, hipóxia,
HIC, hiperglicemia e febre.
B. Em pacientes com TCE grave, recomenda-se profilaxia anticonvulsivante até a alta hospitalar.
C. Nenhuma das anteriores.

3. A maior causa de morte no TCE grave é:


A. Infecção.
B. Choque hipovolêmico.
C. HIC.

4. As alternativas para o manuseio inicial da HIC incluem:


A. Sedação adequada, drenagem de liquor, terapia osmótica e hiperventilação de curta duração.
B. Sedação adequada, drenagem de liquor, terapia osmótica e barbitúricos.
C. Todas as anteriores.

5. Em relação ao objetivo da terapia da HIC, é correto afirmar que:


A. O alvo terapêutico baseado na PPC deve ser sempre prioritário.
B. A interpretação e o tratamento da HIC devem considerar a PIC, a PPC, o exame neurológico e a
evolução dos exames de neuroimagem.
C. Nenhuma das anteriores.
470 neurologia e neurocirurgia HIAE

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índice remissivo

A angiografia(s) 382,384 ataxia(s) 153,431


digital 9 apendicular 6
abetalipoproteinem ia 156 angioplastia 382 com apraxia oculom otora
abscessos 359 angiorressonância 422 d o s t i p o s l e 2 156
acelerador linear 361 m agnética 413 com deficiência isolada de
aceruloplasm inem ia 148 angiotom ografia 44 vitam ina E 156
acidentes 445 anisocoria 46 de Friedreich 154
vasculares cerebrais (AVC) 3, antagonistas serotoninérgicos espinocerebelar de início n a
92,409 109 infância 158
isquêm icos 16 anticonvulsivante(s) 109,466 recessivas 154
adenocarcinom as 357 anti-inflam atórios 272 -telangiectasia 155
afasia 309 ânulo fibroso 270 atendim ento pré-hospitalar 43
agentes hiperosm olares 416 apoplexia pituitária 93 atenolol 103,108
alterações genéticas 314 apoptose 316,452 atipia celular 316
am an tad in a 135 apraxia 431 atividade epileptiform e 67
am aurose fugaz 54 áreas eloquentes 314 atrofia lobar de córtex 191
am itrip tilin a 108 arritm ias 465 aura
am nésia(s) 61 artéria afásica 413
global tran sitó ria 59 carótida in tern a 46 parestésica 413
retrógradas 62 cerebral m édia 413 autorregulação 452,455,456,
analgésicos 2 7 2,373,374 artrodese 271 458
aneurism a(s) 44,51,381 artrose 270 AVCi 412
de artéria carótida in tern a aspartato 452
esquerda 44 astrocitom a(s) 309,331 B
in tracran ianos 386 anaplásico 309
não rotos 91 gem istocítico 343,344 barbitúricos 463
angioedem a orolingual 26 astrócitos 309 B C N U 319
angiogênese 392 ataque isquêm ico tran sitório 43 benserazida 134

473
474 neurologia e neurocirurgia HIAE

betabloqueadores 103,108 ventriculoperitoneal 429, d roperidol 101


bevacizum abe 319 439 d u ra-m áter 354
BFGF 392 descom pressão cirúrgica 417 duroplastia 416
biópsia 342,135 dexam etasona 368 d u ro to m ia 409
estereotáxica 316 diabete 4
biperideno 132,318 m elito 52 E
bloqueadores dos canais de cálcio diagnóstico diferencial 77
109 difusão 318 edem a 452
bloqueio anestésico 101 no hipocam po bilateral 60 cerebral 12
braquiterapia 346 di-hid ro erg o tam in a 102 de papila 356
bulbo 50 dilatação EGF 315
aneurism ática 53 eletroneurom iografia 288,289
c ventricular 434 em bolia 466
p u lm o n ar 301
diploplia 49
coluna vertebral 295 d isartria 49 em bolização 375
com a 410 discectom ia 297 encefalopatia
com binação de trom bólise discografia 271 deW ernicke 67
endovenosa com intra- disco intervertebral 270 m ioclônica precoce 78
-arterial 15 disfonia 49 entubação orotraqueal 448,449
com placência in tracran ian a 458 dislipidem ia 4 enxaqueca 100
com plicações 287,328 dissecção(ões) crônica 100
hem orrágicas 14 de artéria(s) epilepsia m ioclônica grave do
com pressão 279 carótida in tern a 45 lactente 79
consentim ento inform ado 16 direita 45 escala
convulsões 356 cervicais 92 de AVC 4
corticosteroides 101,367,465 vertebral 49 d o N IH (N IH S S ) 8
corticoterapia 360 espontânea 410 de Glasgow 412,422
craniectom ia 417 subintim al 51 de R ankin 417,422
descom pressiva 409 m últiplas 52 m odificada de R ankin 5
craniotom ia 310 distonias 145 específicas 7
descom pressiva 465 distúrbios C incinnati 7
creatina 318 de controle de im pulsos 136 LAPSS 76
crioprecipitado 80 visuais 309 esclerose tuberosa 286,304
crise(s) divalproato IV 102 escoliose 273,283,297
convulsivas 466 DNA 316 espaçador interespinhoso 74
de ausência m ioclônica 119 doença(s) espasm os
epilépticas 342 com m utações genéticas 147 em flexão 73
hipertensiva 92 de A lzheim er 431 infantis 76
critérios diagnósticos da CTT 303 de C reutzfeldt-Jakob 237 espectro autista 316
crom ossom os 343 degenerativa 274 espectroscopia 209
de G erstm ann-Straussler- p o rR M 384
D -Scheinker 236 espiras 386
de M arfan 52 de liberação controlada 381
déficits neurológicos 309 de P arkinson 131 espondilolistese(s) 284,303
degeneração 279 d e R e fsu m 157 espondilose 296
discai 273 de Tay-Sachs tard ia 157 estabilização 284
delirium 461 de von R ecklinghausen 325 estenose(s) 272,285
dem ência 361 priônica 233 lom bar 279,303
fro n to tem p oral 189,190 renal policística 52 esteroides 89
sem ântica 193 doppler transcraniano 15,410,419 estratificação de risco 65
depressão 421 d o r 270,271,461 estresse em ocional 63
derivação drenagem de liquor 457 etiologia 319
liquórica 431,436 droga 6 etoposide 9
índice remissivo 475

F gravidez 417 hipóxia 447,448,452


grupos de m em órias hip sarritm ia 74
fatores précipitantes 66 declarativas 61 h o rm ô n io adrenocorticotrófico
FD G -PET 342,344 explícitas 61 (A CTH ) 381
febre 451 H P N 439
feriados de droga 137 H H P N I 427
fisiopatologia 63
d a C T T 122 hem atom a(s) 394,411,453,459, I
fisioterapia 289 460
flow void 434 epidural 417 iatrogenia 54
flunarizina 109 subdurais 437 im plantes cocleares 336
fluxo sanguíneo 454 hem ianestesia 411,412 IM RT 319
cerebral 380 hem ianopsia 310 im unoglobulina
fraqueza 309 direita 3 endovenosa 74
fusão 291 h o m ô n im a 419 h u m an a 81
vertebral 296,303 hem icrania contínua 100 incapacidade funcional 6
hem icraniectom ia inchaço cerebral 409,422
G descom pressiva 419 inclusões argirofílicas 194
hem ilam inectom ia 290 incontinência u rin á ria 429,431
gam m a knife 361 hem iparesia 410 índice
gastroparesia 448 direita 3 d e B a rth e l 5,421
gene 331 hem iplegia 410 de Evans 429,430,434
DYT1 149 hem oderivados 16 de K arnofsky 361,286,413
DYT3 149 hem orragia(s) 3 4 2 ,3 8 3 ,4 5 9 ,4 6 7 indom etacina 101
DYT4 149 intracerebral espontânea 35 infarto(s) 319,359,383,302
DYT5 149 in tracran ian a 12,76 agudo do m iocárdio 11
DYT6 149 p arenquim atosa 417 cerebral 409,411,421
DYT8 150 subaracnoide 55 ,9 1 ,3 7 5 hem orrágico 417
DYT9 150 h eparina 467 infecção 3 0 1 ,3 0 3 ,4 3 7 ,4 5 9 ,4 6 4
DYT10 150 herniação 411 inflam ação 452
DYT11 150 cerebral 409 insônia fatal fam iliar 236,381
DYT12 150 hérnia instabilidade 273
DYT13 150 de disco 274,284 lo m b ar 270
DYT14 150 hidrocefalia 363,380,381,436, in stru m en tação 296
DYT15 150 453,459,460,461 insuficiência venosa valvar nas
DYT16 150 de pressão no rm al 427 veias jugulares internas 64
GYT2 149 hipercoagulação 77 ínsula 311
GYT7 150 hiperekplexia 357 intoxicações exógenas 67
LDYT 150 hiperem ia 453 irinotecano 313
p l6 315 hiperglicem ia 450,465 isquem ia 382,452,456
p53 314 hipernefrom as 309 cerebral 417
giros hipertensão in tracran ian a 101,
pré-central 311 422 K
tem p o ral 311 idiopática 101
Glasgow 454 p seu d o tu m o r cerebrii 65 K uru 236,239
glia 309 hiperventilação 6 3 ,4 4 9 ,4 5 8 ,4 6 3
glioblastom a 3 0 9 ,3 4 2,343,350 hipocam po 94 L
m ultiform e 349 hipotensão 447,448, 449,452
gliom as 320,341 in tracran ian a 416 lam inectom ia 2 7 3 ,2 8 9,290 ,2 9 1 ,
292,296,299, 302, 303, 304
ópticos 331 h ip oterm ia 4 1 9 ,4 2 9 ,4 6 4 ,4 6 5 ,
467 descom pressiva 298
gliose 391
controlada 75 lam inotom ia
glutam ato 452
hipovolem ia 465 leptom eninge 354
granulom as 359
476 neurologia e neurocirurgia HIAE

lesão m ielotom ografia óbito 5


axonal 452 com putadorizada 287 oligoastrocitom as 309,341,342,
cerebral m igrânea 100 345
p rim ária 446 com aura 54 oligodendrócitos 309
secundária 446,451 m ioclonia oligodendrogliom a 309,341,
durai 303 b enigna da infância 78 342,345
secundária 452,454 néonatal benigna do sono 78 o n d a A 457
levodopa 134 m itoses 316 osm oterapia 360
levodopafobia 138 m onitoração 328,451,453,454, osteófitos 283,286
liberação de neurotransm issores 457,459 osteogenesis im perfecta tip o I
excitatórios 65 da pressão in tracran ian a 411, 52
ligam ento am arelo 279 416,417 oxibutinina 134
linguagem 9 m o n ito r de PIC 448
liquor 458,460,461 m orbidade 375 p
listese 270 m ortalidade 375
lisuride 137 de TCE 446 parafusos pediculares 303
lobo frontal 311 m orte 4 1 2 ,4 4 5 ,4 5 6 ,4 6 5 paralisia oculossim pática 53
lom balgia 270 cerebral 458 PD G F 314,392
lordose 285 neuronal 452 p erda
m utações 337 auditiva 336
M da diferenciação da substância
N branca/cinzenta 12
m alform ação arteriovenosa perfusão 316
cerebral 391 narcótico 461 pergolida 133
m anejo da hipertensão arterial 14 N ational Institute o f H ealth 4 PET-CT 318
m an o b ra de Valsalva 64 náuseas 309 PET Scan 209,108
m apeam ento cortical 344 necrose 315 Pick
m archa 431,433 negligência 9 corpos 190
m ateriais de síntese 296 neoplasia 354 corpúsculos 194
MAV 392 nervo occipital m aior 101 pizotifeno 109
m ecanism os neurocirurgia 392 placebo 6
centrais 122 neurodegeneração com acúm ulo pleom orfism o nuclear 316
periféricos 122 cerebral de ferro 147 polineuropatia 337
m edicações analgésicas 100 neuroferritinopatia 148 pram ipexol 132
m elanom as 357 neurofibrom as 329 pressão
m em ória neurofibrom atose 325,327 de perfusão cerebral 380,409
autobiográfica 61 do tipo I 76,81 in tracran ian a 380,438
episódica o u pessoal 61 neuronavegação 344 liquórica 437
de longa o u cu rta duração 62 neuronavegador 361 positiva 449
sem ântica 61 neuro-oncologia 343 procarbazina 319
visuoespacial 63 neurotransm issores 122 profilaxia
m eningiom as 337 n eu ro trau m a 446 da hem orragia digestiva de
m erlin 337 NF1 327 estresse 39
m etanálise 290 NF2 334,416 de trom bose venosa p ro fu n d a
m etástases 357 nidus 393 39
cerebrais 353 NIHSS 412 prognóstico 314
m etissergida 109 nível glicêm ico 7 propofol 102
m etoprolol 103 n o rtrip tilin a 108 propranolol 103
M G M T 315 nucleoplastia 274 prostaglandinas 272
m icrocateter 381 pro teín a RAS 332
m icro cirurgia 393 o protocolo de controle da HA 36
m icrodiscectom ia 274 proto-oncogene 332
m idríase 411 obesidade centrípeta 4 p ró -u ro q u in ase 29
índice remissivo 477

p seu d o an eu rism a 55 s técnicas


de relaxam ento e psicoterapia
pseudocistos peritoneais 437
PTEN 315 sala de em ergência 11 125
ptose palpebral 46 Sam u 3 endovasculares 30
SARA 455,456 tem ozolom ida 310
a sarcom as 365 tem p eratu ra 7
saturação de 0 2 11 terapêutica endovascular 381
QALYs 303 schw annom as 325,419 terapia hiperosm olar 462
Q T 350 sedação 55,360,461 Thunderclap headache idiopática
quadros epilépticos refratários selegilina 135 94
80 sem iologia das distonias 149 tom o grafia
qualidade de vida 302,421 sensibilidade dolorosa 9 com putadorizada 409
quetiapina 134 sensitização central 123 p o r em issão de p ró to n s 359
quim ionucleólise 274 SF-36 302 topiram ato 102
quim ioterapia 316,342,345,360, SH 462 topotecano 319
365,368 shunts arteriovenosos 393 transform ação m aligna 345,373
quiropraxia 52 sinal(is) tra n sto rn o obsessivo-com pulsivo
de alarm e 88 136
R precoces de isquem ia tratam en to
cerebral 12 abortivo das crises 124
radiculopatia 272,274,289 cirúrgico do AVCH 39
síndrom e(s)
radiocirurgia 3 1 9 ,3 3 6,346,361, endovascular 21
da vasoconstrição cerebral
3 6 2 ,3 6 3 ,3 6 5 ,3 6 7 ,3 6 8 ,3 9 2 preventivo
reversível 93
estereotáxica 317 da enxaqueca 107
de A dam s-H akim 427
radionecrose 318,345,359 m edicam entoso 124
de D oose 80
radioterapia 3 1 0 ,3 1 2,316,321, não m edicam entoso 125
de E hlers-D anlos tipo IV 52
3 3 1 ,3 4 4 ,3 6 0 ,3 6 1 ,3 6 2 ,3 6 3 , trom bolítico 4
de G erstm ann-Straussler-
367,368,393 tra u m a cranioencefálico (TCE)
-Scheinker 239
reabilitação 289 445
de Landau-K leffher 80
recidiva 301,361 trau m atism o cranioencefálico
de Lennox- G astaut 79
recorrência 318 grave 13
de M arinesco-Sjögren 157
reflexo de m oro exacerbado 78 tricíclicos 108
de O h tah ara 79
região m édio-basal do lobo trom boflebites 301
de Sandifer 77
tem poral 63 trom bólise 13,419
de Sturge-W eber 76
reirradiação 396 in tra-arterial 21
de W est 75
relação risco-benefício 17 trom bose 381
extrapiram idais 129
ressonância m agnética 342 venosa
HA RP 148
ressuscitação 447,448 cerebral 92,101
SIR 362
retardo m ental 76 p ro fu n d a 466
Sociedade Internacional de
riboflavina 103 tro n co encefálico 409
Cefaleias 88
risco fam iliar 52 tum or(es) 320,342
solução hipertônica 448,462
RM 344 m aligno 309
SPECT 435
da cabeça 413 p rim ários 309
Spetzler-M artin 392
de encéfalo 13
stent 21,382
ropirinol 137
rotigotine 137
sulfato de m agnésio 103 u
RPA 367 uncus tem poral direito 411
RT 350
T
unidade de terapia intensiva 15
rt-PA 383 tabagism o 52,376 urgência 285
TC 354,375,435 m iccional 428,434,439
do crânio 413,419
TCE 4 4 7 ,4 4 8 ,4 4 9 ,4 5 0 ,4 5 2 ,4 5 3 ,
454,463,466
478 neurologia e neurocirurgia HIAE

V X
variante xantom atose cerebrotendínea
da DCJ 236, 238 157
frontal da D FT 193
vasoespasm o 380,381,382
VEGF 392
ventriculom egalia 437
vertigens 336
vôm itos 309
to
O
IO
ru Elaborado para atualizar o especialista de ambas as áreas,
u
Neurologia e Neurocirurgia foi organizado em 35 capítulos
a> escritos por profissionais do Hospital Israelita Albert Einstein
"D
(HIAE) e discute temas como acidente vascular cerebral, epi­
o lepsia, cefaleia, esclerose múltipla, demências e tumores ce-
*<u
rebrais.Todos os casos destacados abrangem:
E • o diagnóstico;
• o tratamento;
o
a •

a avaliação crítica;
a revisão bibliográfica;
ro
u • conteúdo prático de grande interesse para enfermeiros,
fisioterapeutas, fonoterapeutas e demais profissionais
envolvidos na abordagem e na terapêutica de pacientes
com afecções do sistema nervoso.
u As questões de múltipla escolha, ao final de cada capítulo,
a» também estão disponíveis na plataforma de educação con­
tinuada www.universidademanole.com.br/neurologiacc. Essa
ru
u atividade não presencial está cadastrada na Comissão Nacio­
nal de Acreditação (CNA) e foi elaborada para avaliar o grau
de aproveitamento do conteúdo impresso, permitindo acu­
u mular 10 pontos para a obtenção do Certificado de Atualiza­
(ü ção Profissional (CAP).
u


a
<

BEM-VINDO À
Universidade
Manole
Manole www.universidademanole.com.br/neurologiacc

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