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Neurocirurgia
A prática clínica e cirúrgica por meio de casos
Coordenadores
Eliova Zukerman
Reynaldo A. Brandt
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S ociedade beneficente israelita brasileir A pontos
HOSPITAL • ENSINO E PESQUISA • RESPONSABILIDADE SOCIAL
Neurologia e Neurocirurgia
a prática clínica e cirúrgica
por meio de casos
Neurologia e Neurocirurgia
a prática clínica e cirúrgica
por meio de casos
Hospital Israelita Albert Einstein
coordenadores
Eliova Zukerman
Reynaldo A. Brandt
ALBERT EINSTEIN
S ociedade b en eficen te israelita brasileirA
Vtanole HOSPITAL • ENSINO E PESQUISA • RESPONSABILIDADE SOCIAL
Copyright © 2011 Editora Manole Ltda., por meio de contrato de edição com a Sociedade Beneficente Israelita
Brasileira Albert Einstein (SBIBAE).
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-204-5231-8
CDD-617.48
-616.8
10-11262 N L M -W L 100
I a edição - 2011
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil
em 2009.
São de responsabilidade dos autores e dos coordenadores as informações contidas nesta obra.
A Neurologia e a Neurocirurgia são áreas do conhecimento em constante evolução e
transformação. As informações contidas neste livro devem ser consideradas resultado do
conhecimento atual. Contudo, de acordo com as novas pesquisas e experiências clínicas, algumas
alterações no tratamento e na terapia medicamentosa tornam-se necessárias ou adequadas. Os
leitores são aconselhados a conferir as informações fornecidas pelo fabricante de cada medicamento
a ser administrado, verificando a dose recomendada, o modo e o período da administração, as
contraindicações e os efeitos adversos, bem como as observações e atualizações sobre o produto
posteriores a esta publicação. É de responsabilidade do médico, com base em sua experiência e seu
conhecimento do paciente, determinar as dosagens e o melhor tratamento para cada situação, em
particular. Os coordenadores, os autores e a Editora Manole não assumem responsabilidade por
quaisquer prejuízos ou lesões a pessoas ou propriedades.
autores
Abram Topczewski
Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Mestre em Neurologia
pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Doutor em Neurociências
pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp).
Neurologista da Infância e Adolescência do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).
Alexandre Pieri
Mestre em Neurologia pela UNIFESP.
VII
VIII neurologia e neurocirurgia HIAE
Carlos Dzik
Oncologista Clínico pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e pelo HIAE.
Carlos Senne
Especialista em Patologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina
Laboratorial (SBPC/ML). Professor Instrutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP). Membro Fundador da Sociedade Brasileira de
Infectologia (SBI). Membro Fundador do Departamento Científico de Líquido Cefalorraquidiano
da Academia Brasileira de Neurologia.
Eduardo Weltman
Médico-assistente do Serviço de Radioterapia do HIAE. Professor Doutor da Disciplina
Radioterapia da FMUSP.
autores IX
Eliova Zukerman
Professor Adjunto da UNIFESP. Vice-Presidente do Conselho Deliberativo do HIAE.
Guilherme Junqueira
Médico Neurologista do HIAE.
João Radvany
Neurologista e Neurorradiologista do HIAE. Especialista em Neurologia pela American Board
of Psychiatry and Neurology. Fellow Member da Academia Americana de Neurologia. Membro
Titular da Academia Brasileira de Neurologia.
X neurologia e neurocirurgia HIAE
Keila Narimatsu
Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Médica-assistente da
Disciplina Neurologia do Departamento de Medicina da ISCMSP. Membro da Academia
Brasileira de Neurologia.
Marcelo Calderaro
Especialista em Neurologia pelo Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Membro Titular da
Academia Brasileira de Neurologia.
Marcelo Wajchenberg
Doutor em Ciências pela UNIFESP. Médico-assistente do Grupo de Coluna Vertebral do
Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP.
Márcia Camignani
Neurorradiologista do HIAE. Membro do American College of Radiology. Membro da SBNRDT.
Reynaldo A. Brandt
Especialista em Neurocirurgia pela ISCMSP. Neurocirurgião do HIAE. Membro Titular da SBN,
da American Association of Neurological Surgeons, do Congress of Neurological Surgeons, Ex-
fellow da Lahey Clinic, Massachussets, EUA. Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade
Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein.
Apresentação................................................................................................................................................XVII
Parte 1 - Neuroclínica
XIII
XIV neurologia e neurocirurgia H I AE
Seção 3 -C e fa le ia
7. Cefaleia na unidade de em ergência............................................................................................................. 87
8. Enxaqueca crônica........................................................................................................................................... 99
13. Ataxias.............................................................................................................................................................153
Seção 6 -D em ências
15. Doença de Alzheim er.................................................................................................................................. 177
Seção 7 - Infecções
17. Neuroaids...................................................................................................................................................... 199
Parte 2 - Neurocirurgia
Seção 9 -C o lu n a
24. Análise crítica da abordagem diagnostica e terapêutica da degeneração discai a partir de
Seção 1 2 -O u tro s
34. Hidrocefalia de pressão normal idiopática (HPNI)............................................................................... 427
XVII
XVIII neurologia e neurocirurgia HIAE
Os coordenadores
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
1
RELATO DE CASO
recebeu alta com anticoagulação oral e plano de alta. Em 90 dias, a paciente apre
sentou pontuação 1 na escala de AVC do NIH, 1 na escala modificada de Rankin
(Tabela 1.1) e 100 no índice de Barthel (Tabela 1.2).
2 Incapacidade leve Incapaz de realizar todas as suas atividades habituais prévias, mas
capaz de realizar suas necessidades pessoais sem ajuda
3 Incapacidade moderada Necessita de alguma ajuda para suas atividades, mas é capaz de
andar sem ajuda de outra pessoa
4 Incapacidade moderada a Incapaz de andar e realizar suas atividades sem ajuda
grave
5 Incapacidade grave Limitado à cama, incontinente, requer cuidados de enfermeiros e
atenção constante
6 Óbito
(continuação)
► DISCUSSÃO
(continuação)
MSD: membro superior direito; MSE: membro superior esquerdo; MID: membro inferior direito; MIE: membro inferior esquerdo.
10 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 1.1 Imagem que deve ser descrita pelos pacientes na verificação da linguagem na
Escala de AVC do NIH.
FIGURA 1.2 Objetos que devem ser descritos pelos pacientes na verificação da linguagem
na Escala de AVC do NIH.
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 11
Sala de em ergência
(PAS) maior que 220 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) maior que 120 mmHg.
Em alguns casos, como de edema agudo de pulmão, insuficiência renal aguda e angina
instável, a pressão deve ser avaliada individualmente. Preferencialmente, a PAS é mantida
acima de 140 mmHg. Fatores como ansiedade, retenção urinária e dor podem elevar a
PA, devendo ser avaliados antes do uso de agentes hipotensores. Após a estabilização, o
paciente é encaminhado para a realização do exame de tomografia computadorizada (TC)
ou ressonância magnética (RM).
A tomografia de crânio está disponível na maioria dos hospitais. Seus achados na fase
aguda do AVC são elementos chave na decisão terapêutica, sendo discutidos a seguir.
Em alguns casos, apesar de o tempo de início dos sinais e sintomas referido ser menor
que 4 horas e 30 minutos, a tomografia já mostra uma área hipodensa (isquêmica) bem
definida. Nesses casos, provavelmente, não haverá mais benefício com o tratamento trom-
bolítico e o risco de transformação hemorrágica pode ser maior. No AVCI, a tomografia
pode ser normal mesmo após 24 horas do início dos sinais e sintomas.
Em alguns casos, a tomografia não mostra alterações no parênquima cerebral, mas uma
hiperdensidade proximal se intensifica na topografia da artéria cerebral média (ACM),
sugestiva de oclusão arterial naquele local. Esse achado isolado não constitui uma con-
traindicação para trombólise endovenosa, mas, quando associado a outros sinais de alerta,
opta-se pela trombólise intra-arterial primária.
CAPÍTULO 1 t r o m b ó l i s e e n d o v e n o s a no a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l i s q u ê m i c o 13
Trombólise
Após o laudo do exame de imagem, o paciente é avaliado quanto aos critérios de inclusão
e exclusão para a terapia trombolítica. A dose do rt-PA é de 0,9 mg/kg (dose máxima de 90
mg), sendo 10% em bolus (1 minuto) e o restante em infusão contínua durante 1 hora, com
dispositivo de controle de fluxo (bomba de infusão).
A escala de AVC do NIH deve ser realizada imediatamente antes da infusão do bolus.
Durante a infusão do rt-PA e nas 24 horas seguintes, a PAS deve ser mantida abaixo de 185
mmHg, e a PAD, abaixo de 110 mmHg. Hipotensão deve ser sempre evitada.
Critérios de inclusão
■ AVCI em qualquer território encefálico;
■ possibilidade de iniciar a infusão do rt-PA dentro de 4 horas e 30 minutos do início
dos sintomas (para tanto, o horário do início dos sintomas deve ser precisamente esta
belecido. Caso os sintomas forem observados ao acordar, deve-se considerar o último
horário no qual o paciente foi observado normal);
■ TC do crânio ou RM sem evidência de hemorragia;
■ idade superior a 18 anos.
Critérios de exclusão
■ Uso de anticoagulantes orais com tempo de protrombina (TP) maior que 15 segundos
(RNI > 1,5);
■ uso de heparina nas últimas 48 horas com tempo de tromboplastina parcial ativada
(TTPA) elevado;
■ AVCI ou traumatismo cranioencefálico grave nos últimos 3 meses;
14 neurologia e neurocirurgia HIAE
pressóricos. Durante o tratamento, deve-se estar alerta para o risco de hipotensão medi
camentosa.
Em pacientes candidatos a terapia trombolítica, recomenda-se seguir o protocolo do
NINDS rt-PA Stroke Study Group, no qual são aceitos os seguintes níveis de PA nas pri
meiras 24 horas: PAD <105 mmHg e PAS <180 mmHg.
CUIDADOS GERAIS
Avaliações do estado neurológico e controle de sinais vitais (exceto temperatura) de
vem ser realizadas a cada 15 minutos durante a infusão do rt-PA e a cada 30 minutos du
rante as primeiras 6 horas e após isso, durante as primeiras 24 horas, a cada hora. Todos os
pacientes devem ser monitorizados com eletrocardiograma por ao menos 72 horas.
Aumento do escore da escala de AVC do NIH em 4 pontos ou mais é sinal de alerta e
sugere reavaliação tomográfica. Também devem ser considerados sinais de alerta cefaleia
intensa, piora do nível de consciência, elevação súbita da PA, náuseas e vômitos. A tempe
ratura deve ser avaliada no mínimo a cada 4 horas.
Não devem ser utilizados antitrombóticos (antiagregantes, heparina ou anticoagulante
oral) nas primeiras 24 horas após o rt-PA, assim como não deve-se realizar cateterização
venosa central, punção arterial ou passagem de sonda nasoenteral neste período. Não se
deve introduzir sonda vesical até pelo menos 30 minutos do término da infusão do rt-PA.
Sugere-se realizar exame de neuroimagem (TC ou RM) ao final de 24 horas antes de
iniciar a terapia antitrombótica.
■ certificar-se de que existam duas punções venosas pérvias e que estas estejam com so
lução cristaloide;
■ submeter o paciente à TC de crânio;
■ solicitar os seguintes exames laboratoriais: hematócrito, TP, TTPA, plaquetas, fibrinogê-
nio e se possível tipagem sanguínea;
■ infundir preferencialmente 6 a 8 U de crioprecipitado ou 2 a 3 U de plasma fresco. Se
houver continuidade da deterioração clínica após 4 a 6 horas, utilizar hemoderivados
de acordo com o coagulograma. Repetir a infusão de crioprecipitado, se o fibrinogênio
estiver baixo, ou administrar plasma fresco, se houver alteração de TP ou TTPA. Infun
dir 6 a 8 U de plaquetas se estiverem em nível baixo;
■ infundir concentrado de hemácias suficiente para manter o hematócrito adequado;
■ infundir fluidos e/ou drogas vasoativas para tratar a hipotensão, evitando soluções hi-
potônicas;
■ nos casos de hemorragia no sistema nervoso central, considerar uma consulta neuro-
cirúrgica e hematológica;
■ considerar o reinicio da infusão do trombolítico, caso a tomografia não demonstre he
morragia intracraniana.
Angioedema orolingual
Essa complicação pode ocorrer em cerca de 5% dos pacientes submetidos à trombólise
endovenosa, especialmente em pacientes com infarto em córtex insular e frontal, associa
do ao uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina. Em geral, o quadro tem
boa evolução. Recomenda-se atenção a essa possível complicação, para sua pronta corre
ção, sobretudo nos pacientes com perfil favorável à sua ocorrência.
CONCLUSÕES
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
1. Na avaliação inicial do paciente com AVCi candidato à trombólise, é correto afirmar que:
A. A glicemia não é um fator relacionado ao risco de transformação hemorrágica pós-rt-PA.
B. Os níveis pressóricos, durante a infusão do rt-PA, devem ficar abaixo de 185 x 110 mmHg.
C. A piora de 4 ou mais pontos na escala de AVC do NIH é comum durante a infusão do rt-PA.
3. Em relação aos exames de imagem na fase aguda do paciente com AVCI, é correto afirmar
que:
A. A tomografia de crânio é um excelente método, pois é amplamente disponível, de mais rápida
realização e com alta sensibilidade para diagnóstico de hemorragia.
B. A RM não apresenta vantagens em relação à tomografia no diagnóstico de AVCI de circulação
posterior.
18 neurologia e neurocirurgia HIAE
5. Quanto aos cuidados gerais no paciente com AVCI que recebeu rt-PA endovenoso na UTI,
pode-se afirmar que:
A. A cateterização venosa central está liberada antes de 24 horas, não havendo necessidade de
checar um coagulograma prévio ao procedimento nos casos em que este for indicado em caráter
emergencial.
B. Não é recomendado o uso de antitrombóticos nas primeiras 24 horas após a infusão endovenosa
de rt-PA.
C. O controle da PA deve ser realizado a cada 6 horas durante as primeiras 24 horas após a infusão
endovenosa de rt-PA.
BIBLIOGRAFIA
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2
INTRODUÇÃO
RELATO DE CASOS_______________________________________________________
Caso 1
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Caso 2
Caso 3
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Foi realizada recanalização por injeção intra-arterial (Figura 2.10) de rt-PA pré, intra e
pós-trombo, com fragmentação mecânica do mesmo, obtendo-se, após 40 min., reca
nalização completa da ACM direita e de seus ramos (Figuras 2.11 e 2.12).
► DISCUSSÃO
Múltiplos estudos têm mostrado melhor evolução dos pacientes submetidos às técnicas
endovasculares de reperfiisão por meio de injeção intra-arterial de drogas trombolíticas, asso
ciação de drogas (iniciada por via EV e complementada por via intra-arterial) e injeção intra—
-arterial com técnicas de recanalização com angioplastia, ste n t , ruptura mecânica do trombo
e tromboaspiração. Todas essas técnicas têm como finalidade a recanalização precoce do vaso
ocluído, preservando o território cerebral em risco, com menor morbimortalidade.
Pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) recente por oclusão de
ACM beneficiam-se após a injeção intra-arterial de trombolíticos, segundo os resultados
de estudo prospectivo, randomizado, fase III, com pró-uroquinase intra-arterial em pa
cientes apresentando AVCI de até 6 horas do início dos sintomas neurológicos.6 Dos 121
pacientes tratados com trombolítico, 40% apresentaram pontuação de 0 a 2 na escala de
Rankin modificada após 90 dias, enquanto apenas 25% no grupo controle de 59 pacientes
atingiram esses resultados (P = 0,04).
A recanalização de ACM ocorreu em 66% dos pacientes tratados com trombolítico
intra-arterial e em apenas 18% no grupo controle (P < 0,001). Hemorragia intracraniana
ocorreu em 10% dos pacientes tratados com trombolíticos e em 2% no grupo controle (P
= 0,06), não havendo, porém, diferença na taxa de mortalidade entre ambos os grupos.
O trombolítico utilizado (pró-uroquinase) não foi aprovado para uso clínico, embora a
uroquinase, quimicamente similar, e o rt-PA (alteplase) tenham sido largamente utilizados
como drogas trombolíticas EV.
Estudo recente7mostrou que pacientes tratados com uroquinase intra-arterial na época
de sua alta hospitalar apresentavam resultado favorável na escala Rankin modificada: de 0
a 2 em 51% no grupo tratado com uroquinase e 34% no grupo controle (P = 0,01).
Estudo não randomizado comparando os resultados em 83 pacientes com e sem sinal
de ACM hiperdensa na tomografia inicial, tratados por via EV e intra-arterial, mostrou
resultado favorável com melhora na escala NIHSS quando de sua alta nos pacientes trata
dos com rt-PA intra-arterial, sendo indiferente se apresentavam o sinal da artéria cerebral
média hiperdensa.8
Estudo randomizado em 16 pacientes que apresentavam oclusão em circulação poste
rior dentro de 24 horas do início dos sintomas e que foram tratados com uroquinase intra—
-arterial ou tratamento conservador mostra resultados favoráveis em 4 dos 8 pacientes
que receberam uroquinase intra-arterial e em apenas 1 dos 8 pacientes que pertenciam ao
grupo controle.9
O tratamento endovascular por angioplastia e s te n t associado à trombólise intra-arterial
em 50 pacientes com oclusão aguda de artéria carótida interna mostrou resultado favorável
em 56% contra 26% dos pacientes tratados com medicamentos.10
30 neurologia e neurocirurgia HIAE
n PONTOS RELEVANTES
0 Trombólise intra-arterial e trombólise endovenosa associadas ou trombólise intra-ar
terial isolada, com recanalização mecânica por microfio-guia ou angioplastia (sten t,
trombectomia aspirativa ou mecânica), são técnicas endovasculares que reduzem o
efeito deletério da isquemia arterial cerebral consequente à oclusão vascular, possibili
tando maior sobrevida ao paciente, com menores sequelas neurológicas.
0 As técnicas endovasculares aumentam a janela terapêutica e o tempo para reperfusão, po
dendo ser utilizadas nos pacientes em que o uso de fibrinolíticos EV em altas doses está
contraindicado, melhorando os índices de recanalização e reduzindo a morbimortalidade.
0 Todos os procedimentos terapêuticos endovasculares na circulação intracraniana de
vem ser realizados em serviços qualificados, com técnica e material apropriados, e por
profissionais experientes e habilitados.
QUES T ÕE S
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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3
RELATO DE CASO_________________________________________________________
Paciente do sexo masculino, 77 anos de idade, admitido às 1lh55, com relato de ter sido
visto às 23 horas do dia anterior sem qualquer anormalidade. Às 9h30, a esposa notou que
o mesmo estava com dificuldade para falar e, por volta das 10 horas, o cuidador notou que
o paciente apresentava dificuldade para mover o membro superior direito. Durante o tra
jeto até o hospital, houve melhora clínica parcial relatada. Possuía antecedentes de fibrila-
ção atrial crônica, artrite reumatoide, hipertensão arterial (HA) e prótese total de quadril
direito. O paciente estava em uso de drogas anti-hipertensivas e imunomoduladores e
não fazia uso de anticoagulante devido à hemorragia digestiva alta em passado recente.
A família negou traumas cranianos recentes ou crises convulsivas. Na admissão na sala
de emergência, os sinais vitais eram: pressão arterial (PA) de 150 x 93 mmHg, frequência
cardíaca (FC) de 73 bpm, saturação parcial de 0 2 de 95% e glicemia capilar de 144 mg/
dL. O exame clínico era normal, exceto por deformidades em articulações das mãos e dos
pés, além de limitação importante em coxofemoral direita. O exame neurológico caracte
rizava pontuação 2 na National Institute Health Stroke Scale (NIHSS) de entrada, à custa
de uma monoparesia braquial à direita grau 4 e de uma disartria leve.
Após as avaliações clínica e neurológica iniciais, foram colhidos exames laborato
riais (Figura 3.1) e realizada uma tomografia de crânio sem contraste (Figura 3.2).
A tomografia evidenciou sangramento intraparenquimatoso em região putaminal à
esquerda, com volume estimado de 3 cm3, sem sinais de hipertensão intracraniana
33
34 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL HEMORRÁGICO OU HEMORRAGIA
INTRACEREBRALESPONTÂNEA
Correção de coagulopatia
Controle da temperatura
A febre aumenta a mortalidade precoce e tardia, piora a hipertensão intracrania
na, estende as áreas isquêmicas e aumenta a quebra da barreira hematoencefálica, entre
outros efeitos. A meta é manter a temperatura central menor ou igual a 37,5°C ou a
temperatura axilar menor ou igual a 37°C. São particularmente deletérias as tempera
turas centrais maiores que 38°C. Idealmente, a temperatura monitorada deveria ser a
intracraniana. Não sendo possível, deve-se monitorar a temperatura retal, a esofágica ou
a timpânica. A temperatura axilar é inadequada e, sempre que possível, deve ser evitada
nos pacientes graves.
Após o primeiro pico febril, o paciente deverá ter prescrição de antitérmicos em ho
rários fixos. Geralmente, alterna-se, a cada 3 horas, dipirona (100 mg/dose IV) e acetami-
nofeno (500 mg/dose VS). Nos pacientes que permanecem febris, não havendo contrain-
dicações ao uso de anti-inflamatórios não hormonais (AINH), pode-se tentar o uso de
naproxeno ou outro anti-inflamatório.
Nos pacientes profundamente sedados, a utilização de métodos físicos de controle da
temperatura geralmente é eficiente (colchão térmico, compressas frias, entre outros).
Controle da glicemia
A hiperglicemia piora a lesão neurológica, entre outros efeitos, por aumentar a acidose
intracelular e a produção de radicais livres. Apesar de ainda não existirem estudos defi
nitivos controlando agudamente a glicemia em pacientes neurológicos graves, a redução
ativa da hiperglicemia pelo uso de insulina é recomendada pela maioria das diretrizes
publicadas. Na terapia intensiva, a glicemia capilar é inicialmente medida a cada 4 horas,
em todos os pacientes, nas primeiras 48 horas. Esse intervalo é diminuído ou aumentado
de acordo com a obtenção do controle glicêmico. A meta é manter a glicemia ao redor de
140 mg/dL.
São tolerados níveis glicêmicos maiores que os preconizados na literatura (110 mg/
dL), com a finalidade de reduzir os riscos de hipoglicemia. O protocolo de controle de gli
cemia é o mesmo empregado na UTI. Valores glicêmicos maiores que 140 mg/dL devem
ser reduzidos com o uso de insulina regular subcutânea (SC). Caso os níveis glicêmicos
permaneçam elevados por mais de três medidas, apesar da complementação de insulina
SC, o paciente passará a receber infusão contínua de insulina IV.
Sempre é necessário considerar se o aporte calórico está adequado e se o paciente está
em uso de drogas hiperglicemiantes. É importante enfatizar que não existem evidências
científicas para o uso de corticosteroides no tratamento da hemorragia intracerebral es
pontânea.
CAPÍTULO 3 t r a t a m e n t o do a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l h e m o r r á g i c o 39
Tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma complicação que pode atingir até 10% dos
pacientes com AVC. Desses casos, 1% poderia ter sido diagnosticado. Nesses pacientes, o
TEP é, na maioria das vezes, originado de trombose venosa profunda (TVP) de membros
inferiores paréticos, plégicos ou da pelve. Pacientes com menor mobilidade e mais idosos
possuem maior risco para desenvolver TVP. A TVP sintomática pode, ainda, causar a len-
tificação do processo de reabilitação.
As opções para profilaxia de TVP na fase aguda do AVCH são a deambulação e a mo
vimentação ativa no leito. Os métodos físicos, como a compressão externa (p.ex., meias
elásticas) e os compressores pneumáticos, utilizados em pacientes com contraindicação à
terapia farmacológica, são recomendados com nível de evidência IIA.
a PONTOS RELEVANTES
0 Diagnóstico clínico:
0 É um caso de um paciente com súbita fraqueza dimidiada, sem alteração da consciên
cia nem crise convulsiva. Portanto, como em todo o paciente com um sinal neurológi
co agudo e dimidiado, foi interpretado como um acidente vascular cerebral.
0 Diagnóstico radiológico:
0 Apesar de termos uma moderada repercussão ao exame neurológico, a tomografia de
crânio evidenciou um acidente vascular cerebral do tipo hemorrágico. Isto demonstra
a obrigatoriedade do exame de imagem no diagnóstico diferencial do acidente vascu
lar cerebral (isquêmico ou hemorrágico) e consequente definição da melhor opção de
tratamento para cada caso.
0 Tratamento clínico:
0 O tratamento clínico, como discutido no decorrer do capítulo, deve primordialmente
visar os fatores précipitantes com o controle da pressão arterial e correção das possíveis
CAPÍTULO 3 t r a t a m e n t o do a c i d e n t e v a s c u l a r c e r e b r a l h e m o r r á g i c o 41
QU E S T ÕE S
4. Qual das drogas abaixo deve ser primeira escolha no tratamento do paciente hipertenso com
AVCH e edema agudo de pulmão?
A. Nitroprussiato de sódio.
B. Furosemida.
C. Manitol.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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4
RELATO DE CASOS_______________________________________________________
Caso 1
Paciente do sexo masculino, 43 anos de idade, branco, foi avaliado no pronto aten
dimento com fraqueza na mão direita e dificuldades na fala há 4 horas. Acordou
sem qualquer alteração perceptível, notando, 30 min. após, fraqueza na mão direi
ta acompanhada de sensação de formigamento em membro superior direito, além
de leve dor de cabeça e fotofobia, com dificuldade para encontrar palavras. Foi ao
pronto-atendimento cerca de 4 horas após o início, assintomático, depois de ser
convencido pela esposa.
O paciente não apresentava antecedentes mórbidos, traumatismo craniano, dores
de cabeça ou antecedentes familiares de doenças cardiovasculares. Ao exame, apre
sentou pressão arterial de 167 x 108, frequência cardíaca de 98 bpm, pulso carotídeo
presente bilateral sem sopros e prova de Mingazzini para membros superiores com
queda distai de membro superior direito. O restante dos exames geral e neurológico
era normal. A escala de acidente vascular cerebral (AVC) do NIH (NIHSS) era igual
a zero. Eletrocardiograma (ECG) e tomografia computadorizada (TC) de crânio
sem contraste também estavam normais.
A hipótese diagnóstica inicial foi de ataque isquêmico transitório. O diagnóstico
diferencial inicial foi para cefaleia com características migranosas com aura pares-
tésica e afásica.
43
44 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 4.1 Área de restrição à difusão (brilho) na região da cápsula externa e do córtex
in su la r à esquerda.
FIGURA 4.2 Aneurisma na porção média de artéria carótida interna esquerda, com apagam en
to no fundo da mesma, sendo interpretado como presença de trom bo intra-aneurism ático.
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 45
FIGURA 4.3 Artéria carótida interna direita normal por ocasião do diagnóstico de dissecção
de artéria carótida interna esquerda, prim eiro vaso a sofrer dissecção.
46 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 4.4 Dissecção de artéria carótida interna d ire ita m ostrando grande irregularidade,
sem alterações d efluxo observadas em angiografia d ig ita l.
Caso 2
Paciente do sexo feminino, 36 anos de idade, branca, apresentou dor de início súbito
na região cervical posterior esquerda há 3 semanas, como se “alguém tivesse enfia
do uma estaca em seu pescoço”. Desde então, sente dores no hemicrânio esquerdo,
acompanhadas de olho vermelho, discreta ptose palpebral e anisocoria, e está com
a pupila esquerda menor que a direita. Há 4 dias, apresentou formigamento na face,
braço e perna direitos, associado a dor na garganta.
A paciente nega hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabete melito (DM), taba
gismo e uso de álcool e drogas, mas confirma avó com AVC e artrite reumatoide na
família. Ao exame, apresentou anisocoria, com pupila direita maior que a esquerda,
reflexos fotomotor direto e consensual presentes, discreta diminuição da fenda pal
pebral esquerda, sem outras alterações de nervos cranianos, e pulsos carotídeos pre
sentes sem sopros. Não houve outros achados ao exame físico geral ou neurológico.
TC cervical e RM de crânio mostraram dissecção de artéria carótida interna esquer
da (Figuras 4.7 e 4.8). A angiografia digital mostrou alterações compatíveis com dis
secção da artéria carótida interna esquerda, acima do bulbo, com discreta estenose
(Figura 4.9).
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 47
FIGURA 4.5 Após o prim eiro diagnóstico de dissecção, realizou-se angiotom ografia de vasos
cervicais m ostrando m aior redução no tam anho do aneurism a em artéria carótida interna
esquerda.
FIGURA 4.6 Angiotom ografia de vasos cervicais m ostrando redução das irregularidades e
d ila ta çã o em artéria carótida interna esquerda.
48 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 4.7 RM de crânio mostrando dissecção de artéria carótida interna esquerda (seta).
FIGURA 4.8 TC cervical m ostrando dissecção de artéria carótida interna esquerda (seta
branca) com artéria carótida interna direita norm al (seta preta).
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 49
FIGURA 4.9 Angiografia d ig ita l com dissecção da artéria carótida interna esquerda, acim a
do bulbo, com discreta estenose.
A paciente evoluiu com melhora da cefaleia/dor cervical, com regressão das altera
ções encontradas no exame inicial, com fenda palpebral simétrica bilateralmente e
diminuição da assimetria pupilar. O Doppler transcraniano não mostrou alterações
compatíveis com sinais de atividade embólica, sem alterações no fluxo das artérias
intracranianas.
Caso 3
► DISCUSSÃO
Epidem iologia
FIGURA 4.10 A ngiografia d ig ita l que revelou dissecção b ila te ra l de a rté ria s ve rte b ra is
d ire ita e esquerda (setas).
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 51
FIGURA 4.11 RM de crânio mostrou in fa rto isquêm ico lateral em porção baixa do bulbo à
esquerda e região cerebelar verm iana.
FIGURA 4.12 Angiografia d ig ita l que mostrou recanalização das artérias vertebrais, com
fluxo norm al (artéria vertebral esquerda).
média, 5 anos mais jovens que os homens, com dissecções múltiplas sendo mais comuns
nas mulheres (18 vs. 10%).14
Uma limitação no entendimento da DAC está no fato de não haver estudos populacio
nais com grande número de pacientes, visto que a doença é diagnosticada essencialmente
em pacientes que procuram atendimento médico. Assim, a prevalência da DAC quanto ao
sexo, maior no sexo masculino em algumas séries de casos, mas igual em outras, os fatores
de risco implicados de forma determinante na ocorrência da doença e a predominância
em caucasianos são controversos e de difícil comprovação.
Fatores de risco
Acredita-se que o ponto inicial necessário para a DAC espontânea seja um defeito estru
tural na parede da artéria, decorrente de uma alteração do colágeno, sendo mais observada
em doenças que cursam com alterações do colágeno, como síndrome de Ehlers-Danlos
tipo IV, osteogenesis im p e rfe c ta tipo I, Doença de Marfan e Doença renal policística de
transmissão autossômica dominante, identificáveis em 5% das DAC. Cerca de 5% dos pa
cientes apresentam algum parente com quadro de dissecção vascular espontânea, seja em
vasos cervicais ou na aorta.5,6
A hipertensão arterial é mais presente no homem (30 vs. 15%), sendo a migrânea mais co
mum nas mulheres (47 vs. 20%). Para migrânea com aura, 35 vs. 16%, sem aura, 12 vs. 4%.5,7
Evidência de comprometimento de ramos da artéria temporal superficial em pacientes
com DAC em comparação a controles sugere que a dissecção poderia estar relacionada a
quadro inflamatório sistêmico e transitório, que justificaria o aumentado risco de dissec
ção de vasos múltiplos em um curto período, fato comumente observado após o primeiro
evento.8 Evidência indireta de arteriopatia generalizada pode, ainda, ser suspeitada por
meio de maior associação de aneurismas intracranianos, alargamento da raiz da aorta,
redundâncias arteriais e aumento da distensibilidade arterial.
A relação entre dissecção arterial cervical e manipulação cervical, como na quiropraxia,
é difícil de ser estabelecida, uma vez que, em parte dos casos, os indivíduos procuram esse
tipo de tratamento devido à presença de dor cervical, que pode representar sintoma da
ocorrência da dissecção já em curso.
A avaliação de risco familiar para a DAC mostra que, embora algumas famílias mostrem
ocorrência de DAC, não há padrão definido ou conhecimento de fatores determinantes para
a ocorrência dessa manifestação. Não se observou diferença nos fatores de risco para DAC
em comparação aos casos esporádicos, nem foi possível determinar um padrão fenotípico de
alguma doença do colágeno nos casos familiares. Os pacientes com quadro familiar parecem
ter ocorrência mais precoce da DAC, com maior frequência no comprometimento de múl
tiplos vasos.6,9
Outros fatores de risco para doenças vasculares, como tabagismo, diabete melito e dislipi-
demia, não parecem exercer papel determinante na ocorrência da DAC. Estudo que avaliou a
CAPÍTULO 4 d i s s e c ç ã o de v a s o s c e r v i c a i s 53
Quadro clínico
Diagnósticos diferenciais
■ migrânea com aura: quando se manifesta apenas com cefaleia e sintomas neurológicos
transitórios, de curta duração, sendo a cefaleia, muitas vezes, descrita pelos pacientes
como semelhante à cefaleia migranosa. Como citado anteriormente, observa-se grande
prevalência de migrânea com aura nos pacientes que apresentam DAC;
■ cefaleia trigêmino-autonômica: cefaleia em salvas nos pacientes que apresentam cefaleia
de forte intensidade associada à paralisia oculossimpática, com Síndrome de Horner;
■ amaurose fugaz decorrente de doença ateromatosa carotídea.
Tratam ento
das semanas ou dos meses seguintes (30% na primeira semana; 60 a 80% em 3 meses), a
presença de trombos poderia aumentar o risco de embolia arteroarterial.15
A antiagregação simples ou combinada (com uso de um ou mais antiagregantes pla-
quetários) tem sido usada com sucesso no tratamento da DAC. O fato de a anticoagulação
plena poder levar ao aumento do hematoma intramural que caracteriza a DAC, a altera
ções hemodinâmicas associadas ao uso da heparina e a maior risco, embora relativamente
pequeno, de complicações hemorrágicas com uso de anticoagulantes, pode favorecer a
antiagregação plaquetária. Além disso, a antiagregação mostra-se mais efetiva em alguns
estudos na prevenção secundária do AVC de origem arterial. De modo geral, a anticoa
gulação na fase precoce ou inicial pós-DAC, em um período de 3 a 6 meses, seguida pela
substituição por antiagregação plaquetária, mostra boa segurança e evolução como trata
mento conservador.
O tratamento agudo com trombólise no AVCI decorrente da DAC tem sido descrito.
Riscos considerados no tratamento trombolítico da DAC são o aumento do hematoma
na parede do vaso, o deslocamento do trombo intra-arterial com consequente embolia, a
ocorrência de hemorragia subaracnoide e a formação de pseudoaneurisma. Até o momen
to, não há evidência de aumento do hematoma ou da lesão dissecante secundária ao uso
do trombolítico.1718
Lesões dissecantes de artéria carótida interna com extensão para segmento intracrania
no que evoluem com sintomas isquêmicos têm sido submetidas a tratamento endovascu
lar, sendo a colocação de ste n ts uma possibilidade terapêutica às lesões estenosantes com
comprometimento do fluxo posterior à lesão.19
Pacientes com dissecção arterial apresentam baixo risco de recorrência nas artérias
acometidas em longo prazo, bem como baixo risco de ocorrência de eventos isquêmicos
como sequela de lesões arteriais crônicas.20
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
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5
RELATO DE CASO_________________________________________________________
59
60 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 5.1 RM de crânio realizada 24 horas após o início do quadro revelou dim inutos focos
puntiform es de restrição à difusão (setas) em am bas as form ações hipocam pais, sem reper
cussão nas dem ais sequências. 0 mapa de coeficiente de difusão aparente (ADC) confirm ou
os focos puntiform es de restrição à difusão (círculos).
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 61
FIGURA 5.2 Aquisições no plano coronal podem ser úteis para confirm ar e a v a lia r m elhor os
pequenos focos de restrição à difusão, observados no plano axial.
COMENTÁRIOS
As memórias são formadas por uma representação mental conhecida como codifica
ção. Posteriormente, as informações codificadas são armazenadas e indexadas para uso
futuro. As memórias armazenadas podem ser evocadas para a consciência, quando neces
sário. Pacientes com problemas na codificação ou no armazenamento de novas memórias
têm um quadro denominado amnésia anterógrada. Aqueles com problemas para evocar
conteúdos armazenados previamente a um determinado ponto no tempo têm um quadro
denominado amnésia retrógrada. As amnésias retrógradas sem um período de amnésia
anterógrada são extremamente raras em doenças neurológicas.
As memórias podem, ainda, ser divididas em memórias de longa ou curta duração. As
de longa duração ou longo prazo são aquelas que podem ser evocadas após dias, meses ou
anos do seu armazenamento. Já as de curta duração ou curto prazo duram de segundos a
horas e são muito vulneráveis a perturbações ambientais. Estão diretamente relacionadas
ao sistema atencional e são dependentes de diferentes in p u ts sensoriais.
Inicialmente, acreditava-se que as memórias de curta duração eram convertidas em me
mórias de longa duração por meio de um mecanismo denominado consolidação da memó
ria. Atualmente, sabe-se que os mecanismos de memórias declarativas de longa duração e
curta duração são independentes, pois a maquinaria neural responsável pela memória decla
rativa encontra-se dispersa em vários sistemas neurais distribuídos pelo encéfalo.
Bender1 foi o primeiro a descrever, em 1956, alguns casos de pacientes com um epi
sódio agudo de confusão associada à amnésia. Posteriormente, em 1956 e 1964, Fisher e
Adams2,3 descreveram novos casos de pacientes com síndromes amnésicas de curta dura
ção e propuseram um nome para a síndrome, denominando-a amnésia global transitória
(AGT). Após a descrição original, surgiram numerosos relatos na literatura e, em 1978,
Rollison4 fez uma revisão, encontrando 213 casos descritos.
A AGT é caracterizada por um quadro reversível, relativamente isolado, de amnésia
anterógrada associado a quadros variáveis de amnésia retrógrada, acometendo principal
mente pessoas entre 50 e 80 anos de idade, com média entre 60 e 65 anos.56 Sua etiologia
permanece sendo um tema polêmico na literatura. Aparentemente, não apresenta diferen
ça de incidência entre os sexos.57Apesar do comportamento benigno, a síndrome possui
alguns diagnósticos diferenciais que podem evoluir de forma grave, devendo ser pronta
mente reconhecida.
E p id e m io lo g ia
Estima-se que, na população geral, a incidência de AGT encontre-se entre 5,2 a 10:100.000
habitantes por ano. A incidência em pacientes com 50 anos ou mais é de 24 a 32:100.000 ha
bitantes por ano.58Aparentemente, não há diferença de incidência entre os sexos.5,7
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 63
F is io p a to lo g ia
E tio lo g ia
■ a duração média da AGT costuma ser mais longa que a dos AIT;
■ os pacientes com AGT têm menor número de fatores de risco para doença vascular que
os pacientes com AIT;5,13
■ os pacientes com AGT têm risco menor de AVC no futuro que os pacientes com AIT,
mesmo quando corrigidos para outras variáveis demográficas, como a idade.613
■ por que a congestão venosa e a isquemia se apresentam de forma seletiva para estrutu
ras relacionadas à memória?
■ por que a AGT não é vista com maior frequência nos casos de trombose de seios veno
sos cerebrais?
■ por que a recorrência é rara se o quadro pode ser induzido pela manobra de Valsalva?
■ por que a doença ocorre geralmente em idosos?
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 65
A enxaqueca pode causar sintomas neurológicos transitórios, como nas auras, e tem
sido proposta como uma das hipóteses para explicar a etiologia da AGT. Algumas caracte
rísticas suportam essa hipótese, como a história pregressa de enxaqueca em pacientes com
AGT em alguns estudos de caso-controle. No entanto, as evidências contrárias são mais
fortes. Isto é, a enxaqueca é uma doença que acomete jovens e geralmente se apresenta de
forma recorrente, enquanto a AGT costuma acometer idosos e de forma isolada.
Alguns autores tentam explicar a fisiopatologia da AGT relacionando-a ao fenômeno
de depressão alastrante ocorrido na aura da enxaqueca.
Fenômeno epiléptico 14
Distúrbios psicogênicos 5
Quando a AGT foi inicialmente descrita, acreditava-se em uma possível origem psico-
gênica. Atualmente, porém, os achados clínicos e radiológicos fortalecem a hipótese de um
substrato orgânico para a doença.
Alguns trabalhos demonstram fatores psicogênicos como desencadeantes do quadro, po
rém as evidências científicas são pouco consistentes. A associação a doenças psiquiátricas e
a abuso ou dependência de álcool ou drogas é fraca e pouco replicável. Alguns defensores
dessa hipótese acreditam que o estresse emocional levaria à hiperventilação, que levaria à va-
soconstrição, que reduziria o fluxo sanguíneo cerebral. Isso, ocorrendo em pacientes idosos
com doença arterial de pequenos vasos, levaria a sintomas isquêmicos focais. Uma alternativa
seria a liberação de neurotransmissores excitatórios no lobo temporal, levando à disfunção do
hipocampo.
Aspectos clínicos
Os sintomas da AGT são típicos, com início bem marcado, e geralmente suficientes
para o diagnóstico. Os pacientes apresentam quadro de início abrupto de dificuldade para
incorporar novas memórias (amnésia anterógrada)14 e graus variáveis de amnésia retró
grada. Geralmente apresentam um componente amnésico episódico autobiográfico muito
mais intenso que um componente semântico factual. São capazes de enumerar e nomear
eventos ocorridos dias antes, mas não conseguem lembrar a ordem cronológica e de que
66 neurologia e neurocirurgia HIAE
forma aquele evento se relaciona à sua experiência pessoal. A amnésia retrógrada pode se
estender de algumas horas antes do início do evento a dias, semanas e, raramente, anos.10
A evocação imediata encontra-se preservada, porém a evocação tardia encontra-se
particularmente alterada. O tempo de processamento parece um pouco lentificado, prova
velmente relacionado à confusão em relação ao ambiente ao redor do paciente. As outras
áreas da cognição encontram-se preservadas.
Os pacientes com AGT parecem confusos, desorientados no tempo, questionam várias
vezes sobre a situação em que se encontram e apresentam fisionomia de perplexidade,
mas não parecem agitados ou em pânico. A perda da noção de s e lf praticamente exclui o
diagnóstico de AGT.1421 Os pacientes geralmente são capazes de realizar tarefas complexas,
como dirigir, cozinhar e tocar um instrumento musical.14,21
O exame neurológico, salvo as alterações de memória, encontra-se normal. A duração
média dos episódios é de aproximadamente 6 horas,5,6,10 com a maior parte dos episódios
apresentando duração entre 1 e 10 horas.5,11 Os episódios podem durar menos de 1 hora até
36 horas, porém, se passarem de 24 horas, outros diagnósticos devem ser aventados.
A amnésia retrógrada geralmente se resolve completamente ou permanece com dis
creta alteração de curto período precedendo o evento. Comumente, os pacientes perma
necem com uma “lacuna” de amnésia retrógrada para o período de duração do evento.
Os sintomas associados às alterações de memória são cefaleia, náusea, tontura, ansiedade,
parestesia nas extremidades, entre outros.5,10
Pacientes com história pregressa de episódios semelhantes são extremamente raros,
totalizando menos de 5% dos casos.5,10 Fatores precipitantes são relatados em 33 a 89% dos
casos. A variação desses fatores depende de quais fatores foram considerados precipitantes
e de sua busca sistemática em estudos clínicos. Os fatores precipitantes relatados incluem:
estresse emocional, esforço físico intenso, atividade sexual, procedimentos médicos (p.ex.,
angiografia e manobra de Valsalva), mudança postural, grandes altitudes, mergulho em
água gelada, alteração súbita da temperatura corpórea etc.5
Vários estudos sugerem que mais da metade dos episódios de AGT ocorre no período da
manhã.5O prognóstico dos pacientes com AGT costuma ser bom, com recuperação total dos
sintomas, manifestando-se como uma doença benigna. O tempo de recuperação da síndrome
amnésica parece variável, podendo chegar a alguns meses, em trabalhos com acompanha
mento prolongado com testes neuropsicológicos. Muitos trabalhos demonstram recuperação
mais rápida da memória retrógrada em relação à anterógrada.
Os pacientes com AGT não parecem ter risco aumentado de doença vascular cerebral,
crises epilépticas, morte súbita ou expectativa de vida diminuída em relação aos controles
da mesma idade.
D ia g n ó s tic o d if e r e n c ia l
■ Crises epilépticas;
■ AIT/AVC;
CAPÍTULO 5 amnésia global transitória 67
■ enxaqueca;
■ trauma cranioencefálico (TCE);
■ intoxicações exógenas;
■ síndrome de retirada de drogas e álcool;
■ encefalite por herpes simples e outras encefalites;
■ causas tóxico-metabólicas;
■ encefalopatia de Wernicke;
■ causas psicogênicas.
Diagnóstico e tratamento
Não há qualquer teste confirmatório para AGT. A investigação inicial visa à exclusão de
possíveis diagnósticos diferenciais, sendo recomendável:
Diversos estudos envolvendo a avaliação de pacientes com AGT por RM foram realiza
dos. A importância desse método de imagem tem sido cada vez mais reconhecida para o
auxílio diagnóstico, destacando-se as sequências ponderadas em difusão:7
68 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
O diagnóstico da AGT caracteriza-se pela constatação clínica do quadro agudo de alte
ração da memória, predominantemente amnésia anterógrada e a exclusão de outros sinais
neurológicos.
Desde a descrição original por Bender e da denominação da síndrome por Fisher e
Adams são escassos os estudos com avaliação neuropsicológica de forma sistemática que
quantifique e qualifique melhor os sintomas cognitivos, na fase aguda, após melhora clí
nica e o prognóstico de longo prazo. O estudo de um grande número de casos de forma
sistemática pode trazer melhor caracterização clínica. A correlação dos dados clínicos ao
estudo sistemático com exames complementares, como RM com difusão, SPECT, PET e
estudo eletrofisiológico, pode levar a uma melhor compreensão da etiologia e da fisiopato-
logia desta síndrome intrigante.
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
1. Na AGT, é correto afirmar que:
A. Possui uma alteração específica no EEG.
B. É mais frequente em pacientes com fatores de risco para doença vascular cerebral.
C. Pode estar relacionada a uma disfunção transitória em neurônios CA-1 do hipocampo.
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Epilepsia
Abram Topczewski
INTRODUÇÃO
73
74 neurologia e neurocirurgia HIAE
didos com sustos ou com o reflexo de Moro. Ao se tornarem mais frequentes ou quando o
desenvolvimento neuropsicomotor estaciona ou regride, chamam a atenção dos familiares
e do médico generalista. Nota-se, inicialmente, perda das habilidades motoras, da intera
ção social, do contato visual e do interesse pelos objetos.
O quadro progride rapidamente, em torno de 3 a 5 semanas a partir do início dos es
pasmos. A farmacorresistência é uma das características relevantes dos espasmos infantis.
Ao eletroencefalograma (EEG), pode-se encontrar um traçado com anormalidades focais
ou com hipsarritmia.
RELATO DE CASOS
Caso 1
Caso 2
Paciente do sexo masculino, 6 meses de idade, nascido de parto normal, com hemi-
paresia esquerda. Passou a apresentar espasmos em flexão e foi encaminhado para
EEG, que revelou um traçado de hipsarritmia.
Iniciou-se tratamento com ACTH, o que fez os espasmos desaparecerem no período
de 1 semana. Completou 60 dias de tratamento e não apresentou outro tipo de crise até
o momento.
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 75
Caso 3
Paciente do sexo feminino, 7 meses de idade, nascida de parto normal a termo, apre
sentou espasmos a partir do 4o mês de vida. O desenvolvimento neuropsicomotor,
até então, estava dentro dos limites da normalidade. O EEG revelou hipsarritmia.
Foi tratada com ACTH, o que fez com que os espasmos se tornassem menos fre
quentes na primeira semana. Completou os 60 dias de tratamento, mas os espas
mos não desapareceram. O desenvolvimento neuropsicomotor transcorreu dentro
da normalidade, apesar dos poucos espasmos que apresentava. Aos 12 meses, apre
sentou crise convulsiva do tipo grande mal generalizada, que se repetiu em outras
ocasiões, sendo controlada com primidona.
Atualmente, com 8 anos de idade, apresenta quadro de transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), para o qual toma medicamento específico. O de
sempenho escolar está na média superior.
Caso 4
Paciente do sexo feminino, 6 meses de idade, nascida de parto normal, com Síndro-
me de Down, teve, aos 5 meses, espasmos em flexão.
O EEG mostrou padrão de hipsarritmia. Na ocasião, não havia ACTH disponível,
sendo iniciado tratamento com prednisolona, com boa resposta terapêutica, mas
controle parcial dos espasmos. Acrescentou-se a vigabatrina, cessando as crises. O
EEG foi normalizado e o desenvolvimento neuropsicomotor está em franco pro
gresso, compatível com o seu quadro genético.
Atualmente, com 4 anos de idade, não toma medicamento antiepiléptico.
► DISCUSSÃO
As manifestações clínicas se evidenciam no Io ano de vida, sendo que 85% dos casos
ocorrem entre 3 e 8 meses de idade. Inicialmente, os espasmos são poucos e discretos, mas,
progressivamente, tornam-se mais frequentes, chegando a centenas ao dia.
A incidência está na ordem de 1:4.000, representando cerca de 5 a 6% das epilepsias
da infância. Predomina no sexo masculino e causa sequelas permanentes, como o retardo
mental, em 75 a 93% dos casos, segundo os dados registrados na literatura. Cerca de 50%
dos pacientes apresentam outros tipos de crises convulsivas após cessarem os espasmos.
Há casos, também, em que as crises convulsivas precedem o início dos espasmos.
Segundo sua origem, os espasmos podem ser classificados em idiopáticos e sintomáti
cos. Os idiopáticos (30% dos casos) podem ser considerados:
■ criptogenéticos: sem fator etiológico evidente, embora suspeite-se da sua existência. Pacien
tes com o desenvolvimento neuropsicomotor prévio normal têm prognóstico melhor;
■ duvidosos: desenvolvimento neuropsicomotor já defasado ao início dos espasmos.
O tempo preconizado para o tratamento, segundo alguns autores, deve ser de 1 ano. O
esquema adotado para o tratamento é de 2 meses, inicialmente com o ACTH e, após, com
a prednisona. Por ser um esquema terapêutico de curta duração, os riscos de infecção e
de Síndrome de Cushing são pouco frequentes. A hipertensão arterial pode ser verificada
durante o tratamento ou monitorada sem maiores dificuldades. Deve-se considerar que
os riscos inerentes ao tratamento são muito menores que os benefícios para o desenvolvi
mento neuropsicomotor e cognitivo. Na nossa casuística, 1/3 dos pacientes não apresentou
resposta satisfatória ao tratamento com corticosteroide.
Nos casos refratários ao tratamento com ACTH, tem-se obtido bons resultados com a
aplicação da imunoglobulina EV. Nesses casos, melhoram as crises, o padrão eletroencefa-
lográfico e as atividades motoras e cognitivas. Há quem use os medicamentos anticonvul-
sivos convencionais para a tentativa de controle dos espasmos, mas as respostas são pífias.
Esse ensaio terapêutico sem o controle das crises interfere de modo deletério no desenvol
vimento neurológico do paciente.
O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce, ou seja, antes que o compro
metimento neuropsicomotor seja relevante e definitivo. Além disso, o esquema terapêutico
com corticosteroides deve ser iniciado o mais brevemente possível.
Os avanços tecnológicos aprimorando os exames por imagem permitem a detecção, em
algumas ocasiões, de lesões focais como desencadeantes dos espasmos infantis. Esses acha
dos propiciam a possibilidade de tratamento cirúrgico, especialmente nos casos refratários
aos tratamentos clínicos.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Vários eventos clínicos, não epilépticos, que se manifestam no Io ano de vida, podem
ser confundidos com os espasmos infantis.
Síndrom e de Sandifer
Evidencia-se em crianças com até 6 meses de idade e é caracterizada por contração tô
nica dos membros, inclinação da cabeça e desvio do pescoço. O quadro se manifesta após
alguma refeição e está relacionado ao refluxo gastroesofágico.
São movimentos mioclônicos que aparecem na região distai dos membros, com dura
ção de até 30 min., e que desaparecem com o despertar. São notados nos primeiros dias ou
semanas de vida e somem progressivamente até os 6 meses de idade.
É uma manifestação que se assemelha aos espasmos nos pacientes portadores de en-
cefalopatia crônica infantil, do tipo tetraparético-espástico. Ao EEG, pode-se encontrar o
padrão ponta-onda lenta nas áreas posteriores.
Trem ores
Este quadro se assemelha muito aos espasmos infantis, mas não é acompanhado por de-
fasagem do desenvolvimento neuropsicomotor e alterações eletroencefalográficas. Nota-se
súbita flexão da cabeça e dos ombros, extensão dos membros e movimentos mioclônicos.
As mioclonias aparecem em salvas, entre 4 e 9 meses de idade, e desaparecem progres
sivamente.
E n c e f a lo p a t ia m io c lô n ic a p r e c o c e
A maioria dos pacientes evolui para o óbito no 2o ano de vida. A causa determinante
do quadro parece estar relacionada a erros inatos do metabolismo, como hiperglicinemia,
acidemia propiônica, Síndrome de Menkes e acidemia metilmalônica. Há, também, casos
considerados criptogenéticos.
O retardo neuropsicomotor é evidente e a refratariedade ao tratamento anticonvulsivo
é notória.
S ín d r o m e d e O h t a h a r a
E p ile p s ia m io c lô n ic a g r a v e do la c t e n t e
Quadro descrito por Dravet, em 1982, que tem início no Io ano de vida, com crises clô-
nicas uni ou bilaterais associadas à febre, com duração acima de 15 min. Posteriormente,
outras crises podem ser notadas, como mioclonias, perda do tono cervical, crises parciais,
automatismos e ausências.
O comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor é evidente. As alterações
eletroencefalográficas iniciais são do tipo ondas lentas nas regiões centroparietais e no
vértex, mas evoluem para descargas multifocais.
Síndrom e de Lennox-Gastaut
A maioria dos casos tem início entre 1 e 7 anos de idade, sendo o pico entre 3 e 5 anos,
predominando no sexo masculino. As crises epilépticas são do tipo tônico axial, atônico,
ausências simples, mioclônico, clônico e parcial complexa. As quedas ao solo e as frequen
tes quedas do segmento cefálico à mesa, durante as refeições ou tarefas, podem causar
traumatismos cranianos relevantes.
O comprometimento intelectual e comportamental acompanha o quadro em cerca de
80% dos casos. Cerca de 40% dos pacientes têm antecedente da Síndrome de West.
80 neurologia e neurocirurgia HIAE
O quadro clínico tem o seu início entre 1 e 5 anos de idade, em pacientes com de
senvolvimento neuropsicomotor normal até então. As crises podem ser mioclônicas,
astáticas ou mistas. O tipo mioclônico se manifesta de modo súbito e intenso, como se
a criança sofresse um empurrão ou um solavanco, com anteflexão da cabeça e do tron
co, causando queda ao solo. Há ocasiões que se associam a crises de ausência atípica e
crises do tipo tônico-clônico generalizadas. O EEG apresenta padrão ponta-onda lenta
ou poliponta-onda associada a atividade de base mais lenta, de 4 a 7 Hz, e com grande
amplitude.
Geralmente, esses pacientes têm antecedentes de crises febris ou afebris. Parece haver
uma predisposição genética, pois há incidência considerável de crises febris ou não em
parentes próximos. Às vezes, o diagnóstico diferencial com a Síndrome de West tardia ou
com a Síndrome de Lennox-Gastaut é difícil na fase inicial.
O prognóstico da Síndrome de Doose é variável, pois uma parte dos pacientes pode
apresentar remissão completa, enquanto outra caminha para as crises de difícil controle e
comprometimento cognitivo.
Manifesta-se por crise convulsiva que precede ou sucede afasia. Predomina no sexo
masculino e é mais frequente antes dos 6 anos de idade. Ao EEG, evidenciam-se complexos
espícula-onda predominando na região temporal e ativados pelo sono. A hiperatividade
e os distúrbios comportamentais acompanham o quadro. As crises convulsivas, na maior
parte das vezes, são controladas com o tratamento, mas as alterações da fala podem per
sistir.
n PONTOS RELEVANTES
0 Os espasmos em flexão na sua fase inicial podem ser confundidos com o Reflexo de
Moro.
0 Caso o suposto Reflexo de Moro seja muito frequente e sucitar dúvidas o eletrencefa-
lograma deverá ser indicado.
0 O eletrencefalograma na Síndrome de West tem um padrão gráfico bem definido.
0 Os espasmos infantis comprometem o desenvolvimento neuropsicomotor do lactente.
0 O diagnóstico precoce é o grande diferencial para o futuro da criança.
0 Os melhores resultados terapêuticos são alcançados, ainda, com o ACTH.
0 A Síndrome de West pode evoluir para outros tipos de crises convulsivas, muitas vezes
refratárias à terapêutica anticonvulsiva.
QUES T ÕE S
1. Os espasmos infantis guardam alguma relação com a idade, no que tange ao início do quadro?
A. Sim, pois as manifestações clínicas se evidenciam com grande frequência no pré-escolar.
B. Sim, pois as manifestações clínicas se evidenciam frequentemente no período lactente.
C. Não, pois as manifestações clínicas não guardam qualquer relação com a idade.
CAPÍTULO 6 espasmos infantis 83
4. Qual é o tratamento mais eficaz para o controle dos espasmos na Síndrome de West?
A. Todos os anticonvulsivos são eficazes para o tratamento da Síndrome de West.
B. Somente os anticonvulsivos de última geração são eficientes no tratamento da Síndrome de
West.
C. O hormônio adrenocorticotrófico é o mais eficiente no tratamento da Síndrome de West.
5. Quais espasmos infantis podem ser confundidos com quadros clínicos sem comprometimento
neurológico?
A. Síndrome de Sandifer, hiperekplexia, reflexo de Moro.
B. Reflexo de Moro, refluxo gastroesofágico, mioclonia benigna da infância.
C. Síndrome de Doose, reflexo de Moro, epilepsia mioclônica grave da infância.
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SEÇAO 3
CEFALEIA
7
RELATO DE CASO
EPIDEMI0L0GIA
Epidemiologia é uma das queixas mais frequentes na prática clínica. Estima-se que
99% das mulheres e 93% dos homens apresentam dor no segmento cefálico em algum
momento da vida.1Embora nem todos procurem serviços médicos, esta é uma das queixas
mais frequentes em qualquer cenário clínico. Em unidades de emergência, a queixa de ce-
87
88 neurologia e neurocirurgia HIAE
faleia como sintoma predominante varia de 0,5 a 4,5% dos atendimentos (apud2). Em um
estudo que avaliou 27.662 atendimentos por causas neuropsiquiátricas em três unidades
de emergência do Estado de São Paulo, cefaleia foi a queixa neurológica mais prevalente,
correspondendo a 26,9% desses atendimentos.3 As funções primordiais do médico que
atende pacientes com cefaleia na emergência são estabelecer um diagnóstico preciso, de
cidir sobre a solicitação ou não de exames complementares, tratar cefaleias secundárias,
tratar agudamente cefaleias primárias, esclarecer o paciente sobre sua cefaleia e reconhecer
a necessidade de tratamento profilático.
O primeiro fato a ser entendido é que cefaleia é um sintoma que contempla diagnós
ticos diferenciais tão diversos quanto uma cefaleia do tipo tensional infrequente ou uma
hemorragia subaracnoide. As cefaleias podem ser divididas, de acordo com critérios esta
belecidos pela Sociedade Internacional de Cefaleias,4 em primárias, quando não está evi
dente uma causa anatômica, ou secundárias, quando se encontra um fator causal. Em geral,
o diagnóstico das cefaleias primárias é clínico, enquanto, para o diagnóstico das cefaleias
secundárias, exames subsidiários frequentemente são necessários.
Embora as cefaleias primárias sejam as mais comuns na prática clínica geral e entre
aqueles que procuram serviços de emergência,5 é necessário um alto índice de suspeição
clínica para que diagnósticos potencialmente graves não sejam negligenciados. Uma vez
que uma cefaleia atenda aos critérios de primariedade estabelecidos pela Sociedade Inter
nacional de Cefaleias, na maioria das vezes, nenhum exame complementar será necessário.
Como exceção, há os casos em que se caracteriza a presença de um sinal de alarme ou
refratariedade ao tratamento (Figura 7.1).
Nenhum diagnóstico grave foi encontrado em pacientes do quarto grupo, sendo a re
corrência e a estereotipia na apresentação clínica importantes preditores de benignidade.
De acordo com o fluxo de atendimento para pacientes com cefaleias na Unidade de
Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein, são classificados como emer
gência (sinais de alarme de alto risco para patologias intracranianas agudas) pacientes com
as seguintes características:7
sintoma. Em um estudo prospectivo10 que avaliou 187 pacientes com cefaleia súbita, uma
patologia intracraniana grave foi encontrada em 37%, sendo hemorragia subaracnoide a
causa da cefaleia em 25%. Quando a cefaleia foi o único sintoma relatado, apenas 11,65%
dos pacientes apresentavam hemorragia subaracnoide.
Outras patologias que podem se apresentar com cefaleia súbita incluem hematoma in
tracraniano, trombose venosa cerebral, dissecção de artéria cervical, acidente vascular is-
quêmico, apoplexia pituitária, hipertensão arterial aguda, hipotensão intracraniana espon
tânea, cistos coloides de terceiro ventrículo e infecção intracraniana. Mais recentemente,
cefaleias súbitas têm sido descritas como sintoma da chamada síndrome de vasoconstrição
intracraniana reversível. Alguns pacientes apresentam investigação negativa, sendo rotula
dos de th u n d e rc la p h ea d a c h e idiopática (ou cefaleia em trovoada idiopática). Revisões re
centes foram publicadas sobre esse assunto e conferem um panorama bastante abrangente
da abordagem de pacientes com cefaleia súbita.11'13
A Figura 7.2 resume os diagnósticos diferenciais a serem considerados e os exames
subsidiários necessários para o diagnóstico diferencial de cada uma dessas patologias.
Sendo a hemorragia subaracnoide o diagnóstico mais importante a ser feito, visto que
um erro diagnóstico tem significativo impacto no prognóstico dessa patologia, a presen
ça de cefaleia súbita deve ser encarada como um sinal de alarme para acidente vascular
cerebral e, como tal, deve deflagrar seus mecanismos de investigação. Não existem sinais
clínicos que apontem para um diagnóstico diferencial mais benigno de forma inequívoca,
estando a investigação complementar indicada em todos os casos de cefaleia súbita.
O primeiro exame a ser realizado para investigar a etiologia da cefaleia é a tomografia
de crânio sem contraste, cuja sensibilidade para detectar sangramento intracraniano chega
a 98% nas primeiras 12 horas de sintoma, embora sua positividade caia para cerca de 50%
após 1 semana e seja nula em 3 semanas. Assim, a maior parte dos autores recomenda que,
frente a uma tomografia de crânio normal, seja realizada uma punção liquórica e um exa
me do líquido cefalorraquidiano.
O liquor, nas primeiras semanas após o sangramento meníngeo, tem sensibilidade de
100% para diagnóstico de hemorragia subaracnoide, combinando a análise a olho nu e
a verificação de xantocromia à espectroscopia. Discute-se, na literatura, que a punção li
quórica deve aguardar 12 horas de sintomas, pois, somente após esse tempo, seria possível
verificar a presença de xantocromia e, portanto, diferenciar uma hemorragia subaracnoide
de um acidente de punção.
Outros diagnósticos também podem ser feitos por meio da punção liquórica, como
infecções do sistema nervoso e infiltrações carcinomatosas. Alterações de pressão intracra
niana também podem ser demonstradas e dar subsídios para o diagnóstico de trombose
venosa cerebral, síndrome de pseudotumor cerebral ou hipotensão intracraniana.
Uma vez excluído sangramento meníngeo, a realização ou não de outros exames deve
ser decidida com base na suspeita clínica do examinador. Alguns diagnósticos diferenciais
de cefaleia súbita são discutidos a seguir, com ênfase naqueles em que a tomografia de
crânio e o exame do líquido cefalorraquidiano podem ser normais, situações que são par
ticularmente desafiadoras para o médico da unidade de emergência e para o neurologista
que assiste esses pacientes agudamente.
A cefaleia como sintoma isolado nos acidentes vasculares cerebrais é rara, mas pode ocorrer
em algumas situações, sobretudo em hematomas intraparenquimatosos em áreas pouco elo
quentes do encéfalo. Nesses casos, a tomografia de crânio tem alta sensibilidade diagnóstica.
Cefaleia é o sintoma mais comum das dissecções de artérias cervicais, sendo relatada
por pelo menos 50% dos pacientes. Caracteristicamente, sua apresentação não é súbita,
mas pode ser em até 13% dos pacientes com dissecção carotídea e em 22% daqueles com
dissecção de artéria vertebral.17
Nos casos de dissecção, a cefaleia ocorre caracteristicamente do lado da artéria acometida
e costuma ser no segmento anterior da cabeça, nos casos de dissecção carotídea, e posterior,
nos casos de dissecção vertebral. A ausência de dor cervical não exclui esse diagnóstico, pois
esse sintoma ocorre em menos da metade dos pacientes, sendo mais comum naqueles com
dissecção da artéria vertebral.17,18 Alguns dados de história, como lesão cervical em chico
te, manipulação quiropráxica da coluna cervical ou posturas viciosas em hiperextensão do
pescoço, podem alertar para esse diagnóstico. Quando há suspeita de dissecção de artérias
cervicais, a angiorressonância, a angiotomografia, a ressonância de pescoço e a angiografia
digital podem ser necessárias.
Cefaleia é um sintoma relatado por mais de 80% dos pacientes com trombose venosa cere
bral, mas sua instalação é tipicamente insidiosa. Contudo, em um estudo que avaliou 48 pacien
tes com trombose venosa cerebral,19seis (12,5%) apresentaram cefaleia de instalação súbita. A
cefaleia pode ser o único sintoma dessa patologia, embora, tipicamente, outros sintomas e sinais
estejam presentes, como crise epiléptica, sinais focais, alteração de consciência e papiledema.
De forma geral, a tomografia de crânio e o exame do líquido cefalorraquidiano dão pistas do
diagnóstico, pois estão alterados na maior parte dos pacientes. Contudo, em uma série de 123
pacientes consecutivos20com trombose venosa cerebral, 28 (23%) tiveram cefaleia como único
sintoma na ausência de papiledema e com tomografia de crânio e exame do líquido cefalorra
quidiano com manometria normais. Dessa forma, quando a cefaleia é persistente e a suspeita
de uma cefaleia secundária se mantém mesmo após a realização de tomografia de crânio e
liquor, a ressonância magnética de encéfalo é um exame que pode ser útil.
Crise hipertensiva
Atualmente, esse termo engloba as condições que cursam com cefaleia súbita e vasoes-
pasmo intracraniano, outrora denominadas th u n d e rc la p h ea d a c h e com vasoespasmo, an-
giopatia benigna do sistema nervoso, vasoespasmomigranoso, Síndrome de Call-Fleming,
angiopatia pós-parto e vasoespasmo induzido por droga. Nessa condição, o paciente apre
senta cefaleia súbita, com ou sem outros sinais clínicos, como alterações de consciência,
motoras ou sensitivas, crises convulsivas, distúrbios visuais e de linguagem, ataxia, náuseas
e vômitos. Sugere-se que esses pacientes apresentem cefaleia súbita com exame do líquido
cefalorraquidiano normal ou quase normal (proteína menor que 70 mg/dL, celularidade
inferior a 20 cél/mm3, glicose normal e sem evidência de hemorragia subaracnoide). Além
disso, deve-se demonstrar vasoespasmo segmentar cerebral que se reverta em até 12 sema
nas nas artérias do polígono de Willis.
É fundamental avaliar as drogas usadas pelo paciente, pois esse quadro foi descri
to em pacientes usando ergotamina, triptanos, inibidores de recaptação de serotonina,
pseudoefedrina, cocaína, anfetaminas, ecstasy e bromocriptina. O exame mais sensível
para demonstrar vasoespasmo intracraniano é a angiografia digital, mas exames menos
invasivos devem ser priorizados, como a angiotomografia e a angiorressonância. O papel
do Doppler transcraniano, nesses casos, ainda não foi totalmente estudado. O quadro an-
giográfico é indistinguível daquele das arterites primárias do sistema nervoso central, mas
nesta, em geral, as manifestações clínicas são mais insidiosas, a ressonância mostra outras
alterações estruturais e o líquido cefalorraquidiano é mais frequentemente alterado. Ainda
assim, frente a dúvidas diagnósticas, recomenda-se que o exame seja repetido em pelo
menos 4 semanas, a fim de evitar o uso de imunossupressores de forma desnecessária.
Apoplexia pituitária
Thunderclapheadacheidiopática
Quando toda a avaliação complementar é negativa, firma-se o diagnóstico de th u n d e r
clap h ea d a c h e idiopática. A Sociedade Internacional de Cefaleia propõe, em seus critérios
diagnósticos, que a cefaleia deva ser súbita e intensa, atingindo seu pico em menos de 1
min. e podendo durar de 1 hora a 10 dias. Neuroimagem e análise liquórica normais são
necessárias. Não há qualquer sinal clínico que possa diferenciar casos primários dos se
cundários, estando a investigação complementar indicada. Os casos idiopáticos são benig
nos, mas podem recorrer. Seu tratamento resume-se a orientação e analgesia.
CONCLUSÃO
► DISCUSSÃO
□ PONTOS RELEVANTES
IZI Cefaleias são queixas muito comuns na emergência. A maior parte das cefaleias na
emergência é primária, mas o risco de estarmos diante de cefaleias secundárias é maior
na emergência que fora dela.
IZI A anamnese é a principal ferramenta no diagnóstico diferencial.
IZI Os exames complementares são necessários quando o quadro clínico foge aos critérios
de cefaleias primárias ou se há suspeita de secundarismo.
IZI O tratamento deve ser estratificado e pode combinar medicamentos com mecanismos
de ação diferentes.
IZI Deve-se sempre explicar ao paciente o que ele tem.
QU E S T ÕE S
3. Assinale a correta.
A. A tomografia de crânio e o liquor normais descartam o diagnóstico de trombose venosa
cerebral.
B. A ausência de sinais focais descarta o diagnóstico de dissecção de artérias cervicais.
C. Em geral, a cefaleia nas dissecções arteriais é ipsolateral à dissecção.
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Enxaqueca crônica
Mario Fernando Prieto Peres
Eliova Zukerman
RELATO DE CASO_________________________________________________________
99
100 neurologia e neurocirurgia HIAE
ENXAQUECA CRÔNICA
O tratamento pode ser hospitalar quando o quadro é grave, as crises são acompanhadas
de vômitos incoercíveis, a retirada de analgésicos falhou à tentativa ambulatorial e quando
há comorbidades clínicas e psiquiátricas que levem ao difícil manejo. Os esquemas de trata
mento hospitalar propostos são diversos, havendo consenso maior no uso intravenoso (IV)
dos neurolépticos como a clorpromazina ou o droperidol, além do haloperidol. Podem-se
associar corticosteroides, como o solumedrol ou a dexametasona.
Quando há um componente cervical com contratura muscular da região do pescoço e
padrão de irradiação ou presença de pontos dolorosos ou pontos desencadeantes (trigger
p o in ts ), o bloqueio anestésico do nervo occipital maior e o bloqueio dos pontos dolorosos
podem ser indicados. Normalmente, infiltram-se 3 a 5 mL de lidocaína a 2% sem vasocons-
tritor, associada, quando possível, a um corticosteroide de depósito como a betametasona.
Devem-se associar hidratação, proteção gástrica e medicação antiemética, como ondan-
setron, metoclopramida e prometazina (atenção à associação com neurolépticos, que tam
bém são antieméticos). Para ansiedade e insônia, benzodiazepínicos (alprazolam, clonaze-
pam) e/ou antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina) são úteis. Nas eventuais
102 neurologia e neurocirurgia HIAE
crises que possam aparecer durante a internação, anti-inflamatórios, como cetorolaco (30 mg
IV), tenoxican (20 mg IV), cetoprofeno (100 mg IV) e diclofenaco (75 mg IM), podem ser
utilizados. Analgésicos como a dipirona ou a associação de dipirona e prometazina podem
ser utilizados parenteralmente, quando não há abuso. Sumatriptano subcutâneo (SC), sulfato
de magnésio (IV) e bolo das medicações administradas em horários fixos, como a clorpro-
mazina, o droperidol e o solumedrol, também são utilizados.
Alternativas como o propofol (necessita de acompanhamento de anestesista) ou a even
tual importação de medicamentos, como a di-hidroergotamina e o divalproato IV, podem
ser consideradas.
A otimização da profilaxia é um dos eixos para o tratamento da enxaqueca crônica.
O tratamento preventivo não medicamentoso deve sempre ser considerado junto com o
tratamento medicamentoso.
Fisioterapia
Déficit cognitivo e litíase renal podem ser impeditivos para a manutenção da terapêutica.
Parestesias de extremidades são comuns, mas podem ser minoradas com a suplementação
de potássio com alimentos como banana, tomate, laranja e folhas escuras, sendo raramente
necessária a reposição de potássio em comprimidos. A vantagem do topiramato, além da
sua boa eficácia, é a provável perda de peso. Essa droga dose-dependente pode ser definitiva
para a adesão do paciente. O divalproato é também eficaz, mas tem efeito oposto em relação
ao peso. Politerapia nos casos refratários acaba sendo a regra, sendo que o uso de múltiplas
classes de preventivos é mais racional. A flunarizina pode resultar em ganho de peso e de
pressão, devendo, se possível, ser evitada. Os betabloqueadores são importantes no esquema
medicamentoso, mas atenção especial deve ser dada à fadiga resultante de doses mais altas.
Atenolol, propranolol e metoprolol são os mais utilizados.
A presença de comorbidades deve guiar a escolha do medicamento preventivo, muitas
vezes necessitando de politerapia nos casos mais difíceis. Em pacientes com transtornos de
humor e ansiedade, os antidepressivos tricíclicos são ótimos candidatos, porém a amitrip-
tilina e a nortriptilina podem causar ganho de peso acentuado, sialoquese e obstipação. A
alternativa dos inibidores duplos de recaptação (serotonina e noradrenalina), como a ven-
lafaxina e a duloxetina, é interessante. Caso haja necessidade de um inibidor de recaptação
de serotonina, deve-se lembrar que a sertralina e a fluoxetina são neutras no controle da
cefaleia. A experiência com escitalopram é boa, mas faltam estudos comprobatórios. Em
pacientes com traço ou diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), devem-se
considerar clomipramina e fluvoxamina.
Os neuromoduladores também têm ação no humor e na ansiedade dos pacientes com
enxaqueca, de modo que uma tentativa inicial com topiramato ou divalproato pode sur
tir resultados satisfatórios. Outros anticonvulsivantes, como a carbamazepina, a fenitoína
e o fenobarbital não têm ação favorável, mas a gabapentina e a lamotrigina podem ser
utilizadas. Futuramente, a zonisamida, a pregabalina e o levatiracetam poderão ter algum
papel no tratamento das CCD. Na necessidade de estabilização do humor, o carbolítio
pode ser iniciado, assim como a carbamazepina ou a oxcarbazepina.
Tratamentos de transição, como bloqueios de nervo, corticosteroides e metisergida, são
eficazes. Recentemente, houve evidência favorável para a acupuntura no tratamento da en
xaqueca, podendo ser um tratamento complementar eficaz. Em alguns pacientes, a toxina
botulínica traz alívio importante.23
Quando há insônia, a melatonina é uma opção excelente, bem tolerada e eficaz. Sua
dose pode variar bastante e é uma tentativa válida. Deve-se iniciar com 3 mg, entre 22 e 23
horas, podendo aumentar a dose sem dificuldades. Mesmo na ausência de insônia, devido
ao seu perfil de tolerabilidade e potencial de eficácia, a melatonina pode ser opção para o
tratamento preventivo da enxaqueca.
Em casos com limitação para utilização de medicações preventivas clássicas, a coenzi-
ma qlO, a riboflavina, o sulfato de magnésio e os fitoterápicos P eta sites h y b rid u s e T anace-
tu m p a r th e n iu m podem ser considerados.
104 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
Este caso revela uma paciente com crises de enxaqueca sem aura, episódica há muitos
anos; essas crises intensificaram-se após um episódio emocional: o falecimento da mãe.
Esse fato, associado ao uso frequente de medicação analgésica, criou as condições para a
cronificação da enxaqueca. A orientação dada proporcionou melhora do quadro clínico.
□ PONTOS RELEVANTES
0 A enxaqueca crônica faz parte de um grupo de 4 tipos de cefaleia crônica diária, cuja
característica comum é a elevada frequência das crises (15 ou mais por mês).
0 A enxaqueca crônica está associada a comorbidades, principalmente à depressão e à
ansiedade.
0 A enxaqueca crônica, frequentemente, leva ou é consequência do uso excessivo de me
dicação analgésica.
0 O tratamento é multidisciplinar e objetiva a redução do uso de medicação analgésica,
o tratamento das cormobidades e o estabelecimento precoce da medicação antienxa-
quecosa preventiva.
QU E S T ÕE S
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9
INTRODUÇÃO
107
108 neurologia e neurocirurgia HIAE
Embora nenhum dos medicamentos utilizados para profilaxia da enxaqueca seja livre
de efeitos colaterais, às vezes, esses efeitos podem ser benéficos no controle das comorbi
dades. Pacientes com baixo índice de massa corpórea (IMC) e insônia podem se beneficiar
de baixas doses de tricíclicos, enquanto pacientes hipertensos ou com hiperidrose podem
responder bem com betabloqueadores, tanto para a enxaqueca quanto para as condições
associadas. Pacientes com obesidade e sonolência excessiva, por outro lado, não toleram
tricíclicos, assim como asmáticos não toleram betabloqueadores. Assim, a escolha da medi
cação deve ser ajustada para cada caso, dependendo do perfil do paciente que necessita de
tratamento profilático para sua enxaqueca.13
A indicação de troca de medicamento ou de aumento de dose deve ser bastante racio
nal, pois a maioria dos medicamentos necessita de mais tempo para agir do que o paciente
e/ou o médico estão dispostos a esperar. O ideal é aguardar pelo menos 6 semanas antes de
mudar a classe terapêutica ou proceder com associações de fármacos.
Não é comum haver necessidade das doses máximas dos medicamentos preventivos
para controle da enxaqueca. Habitualmente, deve-se iniciar com a dose mínima e prosseguir
com um escalonamento racional e lento até a dose eficaz. Embora a dose máxima de cada
fármaco esteja indicada a seguir, são exceções os pacientes que necessitam dessas doses.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 44 anos de idade, telefonista, casada, refere ter enxaque
ca desde a adolescência, apresentando, no momento, crises de maior intensidade,
110 neurologia e neurocirurgia HIAE
■ Qual é o diagnóstico?
■ Qual é o papel dos exames de imagem neste caso?
■ Existe evidência de uso excessivo de medicação para crises?
■ Existe indicação para tratamento preventivo?
■ Quais seriam os medicamentos de escolha e por quê?
■ Quais orientações podem ser dadas além do uso da medicação?
CAPÍTULO 9 t r a t a m e n t o p r e v e n t i v o da e n x a q u e c a 111
► DISCUSSÃO
O diagnóstico de enxaqueca sem aura em sua forma crônica pode ser confirmado por
meio da história clínica e dos exames clínico e neurológico. A solicitação de exames, tão
característica nesses pacientes, é desnecessária pelas próprias características típicas da ce-
faleia. No entanto, é comum observar que, muitas vezes, os pacientes desejam fazer os
exames, alegando que “querem ver porque a cabeça dói tanto”; e o médico, por sua vez,
muitas vezes pede o exame para não precisar argumentar e explicar por que os exames não
têm indicação alguma, dizendo que vai solicitá-los apenas “por desencargo de consciência”.
Quando a ressonância mostra UBO (achado comum em enxaqueca crônica e sem signifi
cado clínico, refletindo, possivelmente, a cronicidade da condição20), é comum o paciente
ser encaminhado para investigação de doença desmielinizante, criando mais um fator de
ansiedade e maiores despesas médicas desnecessárias.
Embora o uso de medicação para crises não possa ser considerado excessivo, parece ser
inadequado. É preciso orientar o paciente a utilizar medicamentos de forma racional no
início da crise e de forma adequada para cada crise.21'23
A frequência, a intensidade e a duração das crises podem ser alteradas com o uso de
tratamento preventivo. O risco de desemprego gerando insegurança na paciente deve ser
considerado. Nesse caso, entre os medicamentos de escolha, topiramato (gravidade das
crises e IMC acima do normal) ou betabloqueador (PA limítrofe) são boas opções.
As dificuldades financeiras do paciente, a disponibilidade do betabloqueador na rede pú
blica e o benefício semelhante das duas medicações (embora topiramato seja melhor) devem
ser considerados.1424Nesse caso, a melhor opção seria o atenolol, considerando-se que a pa
ciente trabalha em turnos e uma tomada de medicação por dia (propranolol exigiria duas
tomadas) tem maior chance de adesão ao tratamento. A paciente deve estar ciente de que
serão necessárias 4 a 6 semanas para a observação do benefício do tratamento.
A paciente deve também ser orientada a reestruturar seus hábitos alimentares, evitando
longos períodos sem comer, mas com orientação adequada para não aumentar seu peso.
Deve tentar dormir um número mínimo de horas por dia, de forma ininterrupta. Um
programa de atividade física leve e regular (caminhadas, alongamento) deve ser instituído.
Devido às dificuldades financeiras, a paciente pode fazer atividade física sem gastos, como
caminhadas e um programa diário de alongamento em casa. Todo o tratamento e a evolu
ção devem ser registrados em um diário.
Finalmente, é importante avaliar e orientar o caso do filho que também apresenta crises
frequentes de enxaqueca.25
n PONTOS RELEVANTES
0 O tratamento preventivo da enxaqueca deve ser instituído quando o paciente tiver 2 ou
mais crises ao mês.
112 neurologia e neurocirurgia HIAE
QU E S T ÕE S
4. Quando um paciente não apresenta mudança do padrão de crises nas 2 primeiras semanas
de tratamento profilático, recomenda-se:
A. Associar outra medicação.
B. Manter o mesmo tratamento.
C. Mudar a medicação.
5. Qual dos seguintes medicamentos não deve ser utilizado na profilaxia de enxaqueca para
mulheres em idade fértil:
A. Derivados do ácido valproico.
B. Tricíclicos.
C. Betabloqueadores.
CAPÍTULO 9 t r a t a m e n t o p r e v e n t i v o da e n x a q u e c a 113
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10
INTRODUÇÃO
Embora a cefaleia do tipo tensional (CTT) seja provavelmente o tipo de dor de cabeça
mais frequente na população geral, sua epidemiologia, sua fisiopatologia e seu tratamento
são pouco estudados.
A CTT era previamente conhecida como cefaleia de tensão, cefaleia de contração mus
cular, cefaleia do estresse, cefaleia psicomiogênica, cefaleia comum, cefaleia essencial, cefa
leia idiopática e cefaleia psicogênica. A Sociedade Internacional de Cefaleia (International
Headache Society - IHS), na Ia edição da Classificação Internacional das Cefaleias, em 1998,
e depois ratificada na 2a edição, em 2004,1deu-lhe esse nome indicando que provavelmente
uma tensão muscular e/ou psicológica pode ter um papel na sua patogenia, apesar de esta
ainda não ser completamente conhecida.2,3
Como a CTT é menos intensa e incapacitante que a migrânea, a maioria dos pacientes
com CTT, especialmente os com crises episódicas, não procura consultórios médicos e
centros de emergência, fazendo uso de automedicação. Apesar disso, por sua alta frequên
cia na população, a CTT tem elevado impacto socioeconômico na sociedade, com grande
custo direto (medicações, consultas médicas, atendimento em emergências e hospitaliza
ção) e indireto (baixo rendimento no trabalho, absenteísmo). É possível, inclusive, que os
custos econômicos da CTT sejam maiores que os causados pela migrânea, especialmente
em países com alta prevalência, como a Dinamarca.4
115
116 neurologia e neurocirurgia HIAE
A prevalência de CTT nos vários estudos populacionais varia de 12,9 a 86,5%, com
média de 40%.5Essa ampla variação deve-se, provavelmente, ao emprego de diferentes me
todologias e definições de casos, embora diferenças genéticas, culturais e socioeconômicas
entre as populações também possam contribuir.4 Outro fator é que, na maioria dos estu
dos epidemiológicos de base populacional, geralmente é dado um diagnóstico para cada
sujeito, com base nas dores de cabeça mais intensas e incapacitantes, que geralmente são
as migrâneas, embora seja reconhecido que grande número (até 83%) dos pacientes com
migrânea também apresenta CTT, o que tende a subestimar sua prevalência.6Em crianças
e adolescentes, a prevalência de CTT tem sido estimada em 10 a 25%.7A prevalência esti
mada de CTT crônica é de 1 a 4%.3,4
No Brasil, um estudo epidemiológico de abrangência nacional estimou a prevalência
de CTT em 13%,8 com taxas inferiores às da migrânea (15,2%). A prevalência de provável
CTT foi de 22,6%. Somando-se a prevalência de CTT com provável CTT, a prevalência
anual foi de 35,6%. A prevalência de CTT crônica foi de 1,8%, sendo que apenas 6,4% dos
pacientes com cefaleia crônica diária apresentavam CTT crônica.9
RELATO DE CASOS
Caso 1
Paciente do sexo masculino, 39 anos de idade, casado, contador, refere ter episódios
de dor de cabeça desde os 17 anos de idade, na época dos estudos pré-vestibulares.
Ao longo da vida, alterna períodos em que tem dores de cabeça ocasionais (1 a
2 crises por mês) com períodos de cefaleias mais frequentes (3 a 4 crises por se
mana), geralmente relacionados a fases estressantes da vida, como em épocas de
provas finais, quando era estudante, e em finais de ano ou no mês anterior à entrega
da declaração do imposto de renda, quando tem trabalho redobrado. As dores são
geralmente frontais, bilaterais, embora, às vezes, sejam unilaterais, em aperto, de in
tensidade leve a moderada e não pioram com atividades diárias. O paciente nega a
ocorrência de náuseas, vômitos e fono ou fotofobia.
As dores são mais comuns no final da tarde, mas podem ocorrer em qualquer ho
rário do dia. Nunca acordou de madrugada pela dor. Duram de 2 a 4 horas, se con
seguir parar as atividades e relaxar ou se tomar algum analgésico. Esporadicamente,
toma paracetamol (750 mg) ou naproxeno sódico (550 mg), obtendo melhora da dor.
Nega ter diabete melito (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS) (mas a pressão
arterial - PA - já chegou a 140 X 90 mmHg, em situações de estresse) ou qualquer
outra doença crônica. Nega história familiar de cefaleia e história de depressão maior,
mas diz ser ansioso e preocupado, tendendo ao perfeccionismo. Geralmente dorme
bem, mas, nos períodos de sobrecarga de trabalho, dorme pouco (cerca de 5 horas
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 117
por noite). Não faz atividades físicas regulares, fuma cerca de 15 cigarros por dia e
bebe de 3 a 5 latas de cerveja nos fins de semana. Nega utilização de drogas ilícitas.
Ao exame físico, apresenta bom estado geral, com PA de 130/85 mmHg, peso de 80
kg, altura de 1,67 m e índice de massa corpórea (IMC) de 28,7. Não apresenta pon
tos miofasciais dolorosos. O restante dos exames clínico e neurológico está dentro
dos limites da normalidade.
Caso 2
Esse paciente apresenta os critérios diagnósticos para uma CTT episódica frequente.
Refere alternar longos períodos de cefaleias esporádicas, não incapacitantes, com períodos
118 neurologia e neurocirurgia HIAE
mais curtos de cefaleias frequentes que dificultam suas atividades profissionais. Tem sobre
peso e possível hipertensão arterial lábil. É tabagista e etilista social. As cefaleias melhoram
com analgésicos comuns ou com AINH.
Esse tipo de paciente, especialmente do sexo masculino, não é comum nos ambulató
rios de atendimento especializado em cefaleia, procurando o médico por insistência da
esposa, neste caso. Como as dores são típicas de CTT e não apresentam qualquer sinal
de alerta para cefaleias secundárias, não foram solicitados exames complementares. Pela
frequência pequena das crises na maior parte do tempo, não foi instituída medicação pre
ventiva, mas apenas o uso de ibuprofeno (400 mg) ou naproxeno sódico (550 mg), quando
tiver cefaleia.
Ao paciente, esclareceu-se que, se a frequência das dores de cabeça permanecesse elevada
por tempo prolongado, ele deveria retornar para que fosse instituída medicação profilática.
Foi orientado a perder peso, com dieta hipocalórica e hipossódica, e a realizar atividades
físicas regulares. Foi também encaminhado ao psicólogo, para aprender estratégias de relaxa
mento a serem utilizadas principalmente nos períodos de sobrecarga de trabalho.
Caso 2
Essa paciente apresenta os critérios diagnósticos para uma provável CTT crônica e uma
provável cefaleia por uso excessivo de medicação. É um caso típico de longa história de
CTT episódica que evoluiu gradualmente para uma CTT crônica. Como fatores de cronifi-
cação, a paciente apresentava história de comorbidades psiquiátricas e dolorosas (ansieda
de, depressão, bruxismo, fibromialgia), além de, nos últimos 2 anos, ter feito uso excessivo
de medicações analgésicas.
A paciente foi conscientizada de que o uso quase diário de analgésicos estava contribuin
do para a cronificação da dor, devendo parar de utilizá-los. Foi prescrito naproxeno sódico
(550 mg), se tivesse dores fortes, restringindo seu uso a no máximo 2 dias por semana. O
tripé do tratamento preventivo da CTT crônica é formado por uso de antidepressivos tricí-
clicos, terapias físicas e terapias psicológicas, sendo prescrita amitriptilina (25 mg/dia).
A paciente foi orientada a realizar atividades físicas regulares e a fazer terapia cogniti-
vo-comportamental, além de reavaliar a necessidade de voltar a usar placas dentárias para
o bruxismo. Após 2 meses de tratamento, houve melhora importante na frequência das
cefaleias. A paciente referia também estar menos ansiosa e lidando melhor com as exigên
cias do seu trabalho.
DIAGNÓSTICO
■ CTT episódica infrequente, em que o paciente tem cefaleia menos de 1 dia por mês;
■ CCT episódica frequente, em que o paciente tem cefaleia de 1 a 14 dias por mês;
■ CTT crônica, em que a cefaleia ocorre em 15 dias ou mais por mês.
Há também o “provável CTT”, que pode ser infrequente, frequente ou crônico, em que
os pacientes preenchem todos os critérios para CTT, exceto um. Os critérios da IHS para o
diagnóstico dos vários subtipos de CTT estão evidenciados na Tabela 10.1.
TABELA 10.1 Critérios diagnósticos da CTT, segundo a Classificação Internacional das Cefaleias1
CTT episódica infrequente
A. Em média, pelo menos 10 crises ocorrendo em menos de 1 dia por mês e preenchendo os critérios de B a D
B. Cefaleia durando de 30 min. a 7 dias
C. A cefaleia tem pelo menos duas das seguintes características:
• localização bilateral
• caráter em pressão/aperto (não pulsátil)
• intensidade fraca ou moderada
• não é agravada por atividade física rotineira, como caminhar ou subir escadas
D. Ambos os seguintes:
• ausência de náuseas ou vômito (anorexia pode ocorrer)
• fotofobia ou fonofobia (apenas uma delas pode estar presente)
E. Não atribuída a outro transtorno
(continua)
120 neurologia e neurocirurgia HIAE
(continuação)
A CTT crônica é a que tem maior impacto na vida dos pacientes, incluindo sofrimento
físico, profundo efeito negativo na vida emocional e diminuição na qualidade de vida, além
das perdas econômicas.4
Na maioria dos casos, a CTT crônica evolui de forma episódica, mas, eventualmente,
pode iniciar com frequência diária, podendo, portanto, também ser diagnosticada como
cefaleia persistente e diária desde o início. Muitos dos pacientes com CTT crônica fazem
uso excessivo de medicações analgésicas;11 nesses casos, até a retirada dos analgésicos por
pelo menos 2 meses, deve-se dar o diagnóstico de provável CTT crônica ou provável cefa
leia por uso excessivo de medicação.1
A entidade que mais comumente causa confusão diagnóstica com a CTT é a migrânea
leve ou provável migrânea. Muitos pacientes que apresentam os critérios diagnósticos para
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 121
CTT podem apresentar alguns sintomas migranosos. Dos pacientes com migrânea, 30 a
40% podem ter cefaleia bilateral ou dor não latejante.12 Mesmo quando o diagnóstico de
CTT é feito por um especialista em cefaleia, pode ser mudado posteriormente, após o
preenchimento de um questionário sobre as características da dor.2
Outro diagnóstico diferencial importante é com a cefaleia secundária atribuída ao
uso excessivo de medicações analgésicas. Cerca de 27% dos pacientes com CCT crônica
fazem uso de analgésicos mais frequentemente que o recomendado para o tratamento
sintomático das crises (mais de 10 dias por mês).11 O diagnóstico definitivo de CTT crô
nica ou cefaleia por uso excessivo de medicações só pode ser feito definitivamente após
a suspensão desses medicamentos por pelo menos 2 meses, o que, na prática médica, é
muito difícil de realizar.
Como as CTT não apresentam características específicas, muitas cefaleias secundá
rias classificadas nos itens 5 a 12 da Classificação Internacional das Cefaleias podem se
apresentar, inicialmente, como uma típica CTT. A presença ou o surgimento posterior de
outros sintomas ou sinais orientarão a solicitação de exames complementares para corro
borar as eventuais suspeitas diagnósticas.
C0M0RBIDADES
Comorbidade é definida como uma condição que ocorre simultânea, mas indepen
dentemente, a outra, em uma associação maior que o mero acaso.4 Existe uma grande
comorbidade entre CTT e migrânea, assim como entre CTT e cefaleia por uso excessivo
de medicações.
Embora a obesidade seja um fator de risco para a cefaleia crônica diária, essa associa
ção parece ser significativa apenas para migrânea crônica e não para CTT crônica.13CTT
crônica e fibromialgia apresentam características fisiopatológicas, clínicas e terapêuticas
semelhantes, além de serem frequentemente comórbidas.2 Geralmente, bruxismo é as
sociado a vários tipos de dores musculoesqueléticas, como disfunções da articulação
temporomandibular e CTT.14
Existem poucos estudos que relacionam a CTT a comorbidades psiquiátricas. A preva
lência de desordens do humor e de ansiedade parece não estar associada à CTT episódica,
mas à CTT crônica. Essa associação ocorre em 40 a 84% dos casos de CTT crônica.15
Os principais diagnósticos psiquiátricos são: depressão maior, distimia, transtorno do
pânico e transtorno de ansiedade generalizada.15 Embora a depressão seja altamente pre-
valente em pacientes com CTT crônica, há poucas evidências da associação desse tipo de
cefaleia a transtornos de ansiedade.16
É muito importante o reconhecimento das doenças comórbidas, pois estas podem im
plicar maior impacto na qualidade de vida, mudanças na abordagem terapêutica e pior
prognóstico desses pacientes.
122 neurologia e neurocirurgia HIAE
FISIOPATOLOGIA
Mecanism os periféricos
Pacientes com CTT, tanto episódica como crônica, têm dolorimento aumentado à pal
pação dos tecidos pericranianos, incluindo os músculos e os tecidos nervosos, tanto du
rante quanto após os períodos de cefaleia.2,3,17 Indivíduos com CTT crônica apresentam
um baixo limiar à dor, tanto na região cefálica como em localizações extracefálicas (tendão
de Aquiles, músculos paravertebrais, articulações dos dedos).
O nível global da atividade eletromiográfica (EMG) está geralmente aumentado nos
pacientes com CTT crônica, mas essa diferença não é significativa quando somente alguns
músculos são examinados.3A maior atividade EMG não está associada a maior atividade
da dor. Embora a injeção de toxina botulínica tenha diminuído a atividade EMG nos mús
culos temporais, não houve diminuição correspondente na cefaleia.3
Os pontos de gatilho {trig g e rp o in ts) miofasciais são mais encontrados e mais ativos em
pacientes com CTT que nos controles. A dor miogênica referida, causada por pontos de
gatilho miofasciais ativos nos músculos da cabeça, do pescoço e dos ombros, pode contri
buir para o padrão da cefaleia em pacientes com CTT.3 Em pacientes com CTT episódica,
a injeção de substâncias algógenas no músculo trapézio causa dor local, mas não cefaleia,
sugerindo que a sensitização periférica é responsável pela hipersensibilidade muscular
desses pacientes.3,18
Mecanism os centrais
Neurotransmissores
O trinitrato de glicerol, doador de óxido nítrico (ON), produz uma cefaleia imediata
e outra algumas horas depois em pacientes com CTT crônica, mostrando que esta pode
estar associada a uma supersensitividade central ao ON.3,18
C A P Í T U L O 10 c e f a l e i a do t i p o t e n s i o n a l ( C T T ) 123
Sensitização central
Parece que tanto a hiperexcitabilidade do SNC (sensitização central) quanto a redução
nos mecanismos inibitórios da dor no tronco cerebral estão envolvidos na nocicepção da
CTT crônica. A teoria mais aceita é de que o principal mecanismo na CTT crônica é a sen
sitização central causada por estímulos nociceptivos periféricos prolongados, originados
nos tecidos musculares pericranianos.2
Estímulos periféricos dos músculos inervados pelo nervo trigêmeo e pelas raízes nervo
sas de C l a C3 estimulam os neurônios de segunda ordem no corno posterior da medula e
do n u cleu s ca u d a lis do nervo trigêmeo, sensibilizando o SNC (tálamo, sistema límbico, cór
tex sensitivo).2,17Pacientes com CTT crônica parecem ter decremento na substância cinzen
ta do tronco cerebral, que está envolvida no processamento da dor nociceptiva.3 O estado
de hipersensitização central manifesta-se clinicamente como alodinia, na qual os estímulos
não dolorosos causam dor.17 Outros fatores podem promover ou perpetuar esse processo
de sensitização central, como postura anterior da cabeça, atrofia dos músculos cervicais,
estresse psicológico e predisposição genética.2,3
Como a CTT crônica geralmente evolui de uma CTT episódica, a prevenção efetiva da
evolução de um mecanismo periférico para um central é de grande importância na estra
tégia do tratamento desses pacientes.
TRATAMENTO
O tratamento dos episódios agudos pode ser feito com analgésicos comuns e/ou
com anti-inflamatórios não hormonais (AINH),19 como ácido acetilsalicílico (500 a
1.000 mg), paracetamol (500 a 1.000 mg), ibuprofeno (400 a 800 mg) e naproxeno só-
dico (375 a 825 mg).
Na maioria dos ensaios clínicos, a eficácia dos analgésicos comuns foi inferior à dos
AINH. A adição de cafeína (130 a 200 mg) aumenta significativamente a eficácia dos
analgésicos e AINH.3Não há evidências de que os relaxantes musculares sejam eficazes na
CTT. Se os pacientes têm cefaleia em mais de 10 dias por mês, o uso de analgésicos pode levar
a uma cefaleia por uso excessivo de medicação, o que deve ser evitado. Eventualmente, os
triptanos são úteis para os pacientes com CTT, especialmente aos que apresentam cefaleias
latejantes.19
No Brasil, quando os pacientes com CTT procuram as emergências ou prontos-socorros
com episódios agudos de dores mais intensas, pode-se utilizar a dipirona endovenosa (EV)
(1.000 mg)20e/ou clorpromazina EV (0,1 mg/kg em 250 mL de soro fisiológico - SF).21
CTT crônica, mas os resultados dos estudos ainda são contraditórios. A experiência mos
tra que, em CTT, a injeção de toxina botulínica deve ser feita nos locais de dor e/ou em
pontos-gatilho, não tendo pontos predeterminados, como na migrânea.23
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
2. De acordo com a 2a edição da Classificação Internacional das Cefaleias, a CTT está subdivi
dida em:
A. CTT infrequente, CTT frequente, CTT crônica, CTT provável.
B. CTT episódica, CTT frequente, CTT crônica, CTT provável.
C. CTT episódica infrequente, CTT episódica frequente, CTT crônica, CTT provável.
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SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS
11
RELATO DE CASO_________________________________________________________
131
132 neurologia e neurocirurgia HIAE
aposentado há 3 anos, tendo sido engenheiro de obras por muitos anos. No mo
mento, apenas administrava alguns imóveis de aluguel que possuía.
Embora nunca tenha sido tabagista, tinha longo histórico de consumo de bebidas
alcoólicas, segundo ele em níveis “sociais” (3 latas de cerveja e 1 ou 2 doses de be
bida destilada ao dia), apesar de, nos últimos 2 anos, devido às advertências de seu
médico, ter diminuído bastante o consumo. Não tinha hipertensão arterial, diabete
melito, hipercolesterolemia ou outros fatores de risco cardiovascular, mas sofria de
uma hiperplasia benigna da próstata, com marcada nictúria e jato urinário diminuí
do, sendo medicado com cloridrato de oxibutinina na dose de 5 mg (1 comprimido)
à noite. Seu neurologista havia, 4 anos antes, iniciado seu tratamento com uma asso
ciação de pramipexol (Sifrol®) em doses baixas (0,25 mg, 3 vezes/dia) e biperideno
(Akineton® 2 mg, meio comprimido, 2 vezes/dia). Houve uma boa resposta inicial,
porém, cerca de 6 meses após, foi necessário aumentar o pramipexol para 0,5 mg, 3
vezes/dia, de modo a manter um controle, ainda assim, um pouco menos eficaz dos
sintomas motores que o obtido no início do tratamento.
Ao longo dos próximos 3 anos e meio, em virtude da acentuação dos sintomas
parkinsonianos, o especialista aumentou gradualmente as doses do pramipexol,
com ligeiro aumento do biperideno (1 comprimido de 2 mg, 2 vezes/dia), até que,
há aproximadamente 6 meses, sua dosagem diária era de 3 mg, com 3 doses de
1 mg. Segundo a esposa, o médico acreditava que, embora os sintomas não esti
vessem bem controlados, era melhor ainda não iniciar tratamento com levodopa
pela possibilidade de aparecerem sintomas colaterais próprios dessa medicação
que, no devido momento, ele passaria a administrar. No último ano, o paciente já
havia manifestado períodos de dias ou semanas em que dizia estar vendo vultos
em cantos da sala ou do quarto, às vezes apenas uma sensação de que havia outras
pessoas, mas sem propriamente vê-las. Essas visões e sensações ocorriam mais ao
final do dia ou à noite. Paralelamente, ele já havia manifestado à esposa que achava
que ela não estava mais sendo fiel, trocando olhares com alguém pela janela, o que
produzia um espanto na mesma. Em duas ocasiões, ao andar sob o sol, sentiu-se
mal, com a sensação de que estava prestes a desmaiar, a visão escureceu e teve de se
abaixar, chegando a se deitar, ficando pálido, transpirando e rapidamente voltando
ao normal, embora não pudesse se levantar pois o mal-estar começava a voltar.
Após uns 10 min., pôde levantar-se e andar novamente.
Logo após a admissão no PS, o paciente foi examinado por um clínico geral de
plantão, que encontrou o paciente nas condições já descritas. Apresentava pressão
arterial (PA) de 110 x 70 mmHg, ausculta cardíaca normal, sem sinais de desidra
tação, temperatura axilar de 37,3°C, exame dos órgãos abdominais nada revelan
do, com eritema e edema duro nas pernas e nos pés. A medida da PA na posição
em pé registrava 85 x 50 mmHg, sem manifestações clínicas. O exame neurológico
mostrou um quadro de tipo parkinsoniano bilateral, acentuado, mais evidente no
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 133
para a frente. Estava nitidamente mais parkinsoniano que antes da internação, segundo
a esposa. Foi introduzida, então, a levodopa/benserazida na dose de 200/50 mg (meio
comprimido), 4 vezes/dia, junto com as doses do pramipexol, o que permitiu uma
melhora inicialmente pequena, mas, em poucos dias, mais consistente, voltando a um
estado clínico melhor que o existente várias semanas antes dessas complicações. As alu
cinações visuais (vultos e pessoas) e os pensamentos delirantes de conotação paranoide
haviam cessado por completo. O edema distai dos membros inferiores ainda persistia
e um exame de ultrassonografia com Doppler do sistema venoso dos membros foi
realizado, mas não revelou anormalidades. Não havia aumento de temperatura na pele
das áreas edemaciadas e o paciente já havia, anteriormente, se submetido à pesquisa de
hipotireoidismo, com resultado negativo. Dessa maneira, aceitou-se o sintoma como
uma manifestação colateral do uso crônico do pramipexol. O paciente recebeu alta
hospitalar no 5o dia, ainda com antibioticoterapia a ser mantida por mais uma semana
e os demais medicamentos inalterados em relação às mudanças introduzidas durante
a internação, apenas com redução da dose da quetiapina (meio comprimido de 25 mg,
2 vezes/dia).
Tendo passado cerca de 2 semanas da alta hospitalar, o paciente foi a uma con
sulta para a orientação do problema parkinsoniano. Embora tenha melhorado em
relação à sua alta, ainda mostrava rigidez bilateral pequena no lado direito e mais
acentuada no lado esquerdo, com bradicinesia dos movimentos finos dos dedos da
mão esquerda na prova do fin g e r ta p p in g , tremor de repouso discreto na mão es
querda, marcha com passos diminuídos e postura levemente inclinada para a frente,
além de voz um pouco hipofônica. Mentalmente estava normal. O edema, segundo
a esposa, estava ligeiramente menos acentuado, mas havia a informação de que a
nictúria persistia, apesar de o exame de urina já se mostrar normal, com cultura
negativa. Decidiu-se, então, reduzir a dose do pramipexol para 0,25 mg, 3 vezes/dia,
aumentando a levodopa/benserazida de 200/50 mg para 3/4 de comprimido, 4 ve
zes/dia, reintroduzindo o cloridrato de oxibutinina na dose de 5 mg (1 comprimido
à noite). Em 15 dias, houve acentuada melhora dos sintomas motores, a nictúria di
minuiu consistentemente e os sintomas psíquicos anteriores continuaram ausentes,
de modo que foi retirada a quetiapina. O edema com eritema dos membros inferio
res havia reduzido notadamente e acreditou-se que deveria se resolver com as baixas
doses de pramipexol mantidas.
► DISCUSSÃO
Essa descrição de caso clínico permite uma série de considerações sobre reações cola
terais a medicamentos utilizados no dia a dia do tratamento da Doença de Parkinson e so
bre, mais importante, as estratégias de início de tratamento nessa enfermidade. Há muito
tempo sabe-se que os anticolinérgicos específicos para tratamento da Doença de Parkin-
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 135
na eficácia de remover os sintomas motores) e não serem capazes de ser mantidos como
monoterapia por muitos anos, necessitando da adição de levodopa após algum tempo.
Esses achados eram mais importantes e intensos em pacientes de início precoce que nos
pacientes acima dos 65 anos de idade.
Todos os pesquisadores ao redor do mundo, de posse desses conhecimentos, passaram
a divulgar em todos os meios a seu alcance a noção, à época praticamente indiscutível, de
que era necessário manter uma estratégia para poupar a levodopa nos pacientes, deixando
sua introdução para mais tarde, devido ao temor de desenvolvimento das discinesias e
flutuações.1,2 Os pacientes eram incentivados a abrir mão de um melhor rendimento em
seus sintomas motores para não se exporem a essas complicações precocemente. Esses con
ceitos lideraram as publicações e as informações apresentadas em congressos, simpósios,
cursos de atualização etc. Médicos e pacientes se uniram em uma cruzada contra a intro
dução da levodopa, com exceção de períodos mais avançados da evolução clínica. Quando
os medicamentos mais antigos, como os anticolinérgicos, a amantadina e a selegilina, já
não demonstravam capacidade de serem úteis, apesar de a qualidade de vida dos pacientes
já demonstrar uma queda expressiva há mais tempo, argumentava-se que um agonista do-
paminérgico em doses crescentes deveria ser adicionado. Apenas após longa permanência
deste é que se indicava introduzir a levodopa. Criou-se uma verdadeira “levodopafobia”
nos pacientes, que, já mais bem informados pelos seus médicos, com acesso às informa
ções pelas associações de pacientes e pela internet, nos últimos anos, demonstravam até
uma resistência quando os neurologistas tinham a intenção de iniciar a droga. Isso explica
a estratégia aplicada no tratamento do paciente que motivou este capítulo. Conduta cor
retíssima adotada pelo médico, a julgar pelas informações e sugestões de estratégias de
tratamento à disposição dos neurologistas até pouco tempo. Essa era a doutrina da época.
Olhando-se por essa ótica, as complicações que se desenvolveram no paciente foram as
esperadas para alguns, evidentemente não todos, mas relativamente previsíveis. Estava-se
fazendo o melhor em questão de estratégias de tratamento da Doença de Parkinson.
Em 2006, os pesquisadores Anthony Schapira, de Londres, e José Obeso publicaram
um artigo que propunha uma interpretação diferente dos resultados de três grandes en
saios clínicos de drogas na Doença de Parkinson, que passou a ser motivo para que outros
pesquisadores também dessem nova atenção àqueles resultados e procurassem uma nova
maneira de encarar as estratégias de início de tratamento. Inúmeros artigos nessa linha vêm
aparecendo, escritos por outros pesquisadores ou por eles mesmos, sedimentando a nova
proposta.3O estudo Datatop foi o primeiro grande ensaio clínico realizado com a selegilina,
inibidor de MAO-B, com centenas de pacientes pareados por sexo, idade e estado clínico,
que foram alocados aleatoriamente para um braço com placebo e outro com a selegilina,
em estudo duplo-cego, e o e n d -p o in t era o momento em que, em um ou outro braço, seria
necessário adicionar levodopa, devido à piora dos sintomas e à necessidade individual de
um tratamento mais eficaz. O grupo com a selegilina necessitou da adição da levodopa em
média de 9 a 12 meses depois dos pacientes do grupo do placebo.4Esse estudo foi continua-
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 139
Sob a ótica de Schapira e Obeso, esses resultados podem ser interpretados de outra
maneira. Os autores argumentam que, ao longo dos anos que decorrem no período assin-
tomático da enfermidade, quando os neurônios dopaminérgicos vão sendo comprome
tidos pela enfermidade (entre 7 e 20 anos, segundo os estudos mais recentes de Braak),
os mecanismos fisiológicos dos gânglios da base vão se adaptando, usando mecanismos
compensatórios de vários tipos, de modo que o resultado final da atividade do conjunto
se mantém equivalente e nada é visto do ponto de vista sintomático. Esses mecanismos
vão se exaurindo com o tempo e, a partir do momento em que não são mais suficientes
para a compensação da falta dos neurônios dopaminérgicos, os sintomas se apresentam.
A medicação por qualquer agente dopaminérgico (selegilina, rasagilina, levodopa ou ago-
nistas dopaminérgicos) permite que a fisiologia dos gânglios da base seja mantida sem
que os mecanismos compensatórios sejam ativados, mantendo-os para serem utilizados
mais intactos em épocas posteriores. Dessa maneira, seria lícito dizer que o uso mais pre
coce dos agentes dopaminérgicos seria benéfico no sentido de preservar os mecanismos
compensatórios, com resposta melhor ao longo do tempo, o que não se conseguiria com
uma introdução mais posterior desses agentes. Os autores apresentaram, então, a propos
ta, ainda a ser amplamente comprovada, de que as estratégias poupadoras dos agentes
dopaminérgicos são mais deletérias aos pacientes que um início mais precoce. É uma
inversão completa de atitude e remete a uma reflexão necessariamente profunda quan
to às nossas atitudes terapêuticas. O dogma implantado deve ser destruído. Essas novas
evidências são verdadeiras, mas, enquanto cabe a devida cautela histórica da Medicina, é
possível prejudicar nossos pacientes se não for logo adotada? Acredita-se que é necessá
rio antecipar a introdução dos agentes dopaminérgicos, mas o ponto que ainda não está
muito claro é em que momento. O do diagnóstico inicial, logo que começam os sintomas,
ou um pouco mais à frente, tão logo haja alguma deficiência instalada? Acredita-se que é
necessário antecipar essa introdução para o momento em que haja interferência com as
atividades do cotidiano ou que ameace a atividade profissional ou social. Esses momen
tos são difíceis de se estabelecer em pacientes diferentes. Essa nova direção está virando
quase uma onda irresistível entre os pesquisadores e formadores de opinião e, a menos
que haja novas evidências de peso em sentido inverso, será a tendência para os próximos
anos. É necessário lembrar, por fim, que a qualidade de vida e a manutenção de habili
dades físicas no sentido de preservar a capacidade de trabalho e a competitividade nos
empregos, de forma a fugir do fantasma do desemprego, também são parte importante na
escolha de qualquer tratamento.
É possível que, no caso do paciente apresentado, se a estratégia de tratamento fosse
diferente, com início de tratamento já com levodopa e, posteriormente, com complemen-
tação com o pramipexol, o rendimento do tratamento fosse superior ao produzido com os
3 mg diários de pramipexol. Além disso, as complicações teriam sido menores, pois não
C A P Í T U L O 11 d o e n ç a de P a r k i n s o n ( i n i c i a l e f l u t u a ç õ e s ) 141
□ PONTOS RELEVANTES
0 Pacientes com doença de Parkinson, especialmente os com idade acima dos 65 anos
e alguns anos de evolução, podem desenvolver quadros psiquiátricos agudos, com
agitação, desorientação, psicose, relacionados com os medicamentos e mudanças da
homeostase (febre, infecções, distúrbios metabólicos, traumas físicos ou psíquicos).
0 Alterações psiquiátricas no curso da doença de Parkinson podem ocorrer a longo pra
zo em pacientes idosos com doença em muitos anos de evolução, fazendo parte de um
quadro demencial, agravado pelos medicamentos antiparkinsonianos.
0 Todos os medicamentos antiparkinsonianos, anticolinérgicos de uso clínico geral,
tranquilizantes, antidepressivos, analgésicos opiáceos, anestésicos, entre outros, podem
favorecer a ocorrência ou a acentuação de sintomas psiquiátricos.
0 No tratamento do quadro agudo de alterações psiquiátricas em pacientes parkinsonia-
nos, são necessárias a redução e a retirada dos anticolinérgicos, amantadina, da selegi-
lina, dos agonistas dopaminérgicos e, ainda a redução gradual da levodopa, ao lado da
administração de antipsicóticos, especialmente dos atípicos (quetiapina e clozapina).
0 O diagnóstico da causa básica, isto é, infecções, distúrbios metabólicos ou outros dis
túrbios agudos extracerebrais, é necessário, assim como o seu tratamento.
0 As manifestações neurológicas agudas só melhoram com o controle da causa básica
que as desencadearam.
0 As estratégias de início de tratamento na doença de Parkinson, especialmente nos pa
cientes de início precoce (até 50 anos de idade), vêm sofrendo mudanças, no sentido
de não mais se postergar muito a introdução de medicamentos dopaminérgicos, como
outrora sempre se recomendou, privilegiando a qualidade de vida e a capacidade de
manutenção de empregos.
0 Há novas interpretações dos grandes ensaios clínicos de tratamento farmacológico da
doença de Parkinson, que indicam que o atraso na introdução dos medicamentos do
paminérgicos diminui a resposta obtida em relação àqueles que receberam tratamento
mais precoce. Há, entretanto, algumas críticas nessa abordagem.
0 Embora sem unanimidade, há tendência à revisão da postura de poupar a levodopa
e outros agentes dopaminérgicos, em fases mais iniciais da enfermidade. As decisões
devem levar em conta aspectos individuais, como a qualidade de vida, a capacidade de
manutenção de emprego e o estilo de vida do paciente. A discussão sobre o momen
to ideal para a introdução desses medicamentos está em pleno desenvolvimento, mas
deve levar em consideração os pontos aqui mencionados.
142 neurologia e neurocirurgia HIAE
QU E S T ÕE S
1. No paciente descrito neste capítulo, os sintomas urinários (nictúria, urgência urinária, dis
creta incontinência urinária) podem ser decorrentes da:
A. Própria enfermidade de Parkinson, especialmente na presença de hiperplasia prostática.
B. Própria enfermidade de Parkinson, mesmo sem afecções prostáticas.
C. Ambas as opções A e B.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Distonias
Orlando Graziani Povoas Barsottini
RELATO DE CASO_________________________________________________________
145
146 neurologia e neurocirurgia HIAE
■ Sindrômico:
- síndrome piramidal de liberação;
- síndrome extrapiramidal (distonia)/declínio cognitivo;
■ topográfico:
- gânglios da base;
■ etiológico:
- Doença de Hallervorden-Spatz;
- lipofuscinose ceroide;
- distrofia neuroaxonal.
FIGURA 12.1 RM indicando depósito de Fe nos globos pálidos (“ sinal do olho de tig re ” ).
C A P Í T U L O 12 distonias 147
► DISCUSSÃO
N eurodegeneração com acúm ulo cereb ral de ferro
(neurodegenerationwithbrainironaccumulation- NB IA)
Há várias vias regulatórias do metabolismo celular do ferro. Essas vias do processa
mento do ferro celular envolvem várias enzimas intracelulares e organelas, além de genes
conhecidos também envolvidos nesse processo.
O ferro é um importante elemento para a sobrevivência neuronal, sendo um compo
nente essencial das citocromo-oxidases e de outros complexos oxidativos, além de ter im
portante papel na produção de adenosina trifosfato (ATP). Várias doenças têm seu me
canismo fisiopatológico envolvendo o ferro, como a Doença de Alzheimer, a Doença de
Parkinson, a ataxia de Friedreich e a NBIA.
A NBIA foi inicialmente descrita por Julius Hallervorden e Hugo Spatz, em casos fami
liares de crianças com distonia, declínio cognitivo, coreoatetose, disartria e disfagia com
aparecimento entre 7 e 9 anos de idade e morte entre 16 e 27 anos. A descoberta do en
volvimento de Julius Hallervorden em processos de eutanásia durante o regime nazista na
Alemanha fez com que a doença tivesse seu nome mudado de Doença de Hallervorden-
-Spatz para neurodegeneração com acúmulo celular de ferro, amplamente aceito pela co
munidade científica.
nos globos pálidos e na substância negra, principalmente nas sequências com ponderação
SE. Esse hipossinal é decorrente da deposição de ferro, e a vacuolização das porções cen
trais do globo pálido pode levar à clássica apresentação radiológica do achado chamado
“olho de tigre”.
Os principais diagnósticos diferenciais são as distonias dopa-responsivas da infância,
as lipofuscinoses ceroides e a distrofia neuroaxonal infantil. Não existe tratamento conhe
cido para essa doença.
S ín d r o m e H A R P
Essa síndrome é muito semelhante à PKAN, mas alguns achados podem fazer a distin
ção entre essas entidades. O nome HARP é a abreviação para hipoprebetalipoproteinemia
(H), acantocitose (A), retinite pigmentar (P) e degeneração palidal (P). Clinicamente, é
caracterizada pela presença de distonia, parkinsonismo e coreoatetose. Do ponto de vista
patológico, a principal alteração é a degeneração palidal e a presença das alterações típicas
no exame de imagem do encéfalo (sinal do olho de tigre).
Igualmente à PKAN, é de transmissão autossômica recessiva e não tem tratamento es
pecífico.
N e u r o f e r r it in o p a t ia
A c e r u lo p la s m in e m ia
Os movimentos distônicos são caracterizados por serem lentos, com contrações mus
culares vigorosas, de longa duração e que podem acometer grupos musculares isolados,
um segmento corporal ou, eventualmente, ser generalizados. As contrações musculares
são sustentadas acometendo músculos agonistas e antagonistas. É mais comum acomete
rem a musculatura axial que a apendicular.
A distonia pode ocorrer como manifestação de diferentes doenças neurológicas e
como consequência do uso de várias drogas. No entanto, muitos casos acabam sendo ro
tulados como idiopáticos, uma vez que não é possível encontrar uma causa. Considera-se
a distonia uma disfunção do funcionamento dos gânglios da base, sendo que na maioria
das vezes, quando se pode ter uma comprovação anatomopatológica, as lesões envolvem
predominantemente o putâmen.
A classificação das distonias segundo sua etiologia inclui uma lista extensa de doenças.
Consideram-se distonia primária ou idiopática os casos em que não existe evidência de qual
quer agente etiológico ou lesão cerebral identificável. Considerável parte desses casos é gené
tica, apesar de muitos dos genes implicados ainda não terem sido identificados. As distonias
secundárias ou sintomáticas compõem outro grupo, no qual se identificam as doenças que
desencadeam a distonia. Nesse grupo, estão as lesões vasculares, traumáticas, inflamatórias,
infecciosas, parasitárias, tóxicas e cirúrgicas. Doenças genéticas também são causa de disto
nia, como as Doenças de Wilson e de Hallervorden-Spatz (PKAN), relatadas anteriormente.
Os exames complementares costumam apresentar anormalidades diagnósticas carac
terísticas.
Atualmente, tem-se enfatizado uma nova classificação, baseada no diagnóstico mole
cular genético. Os genes, já mapeados e sequenciados ou não, denominados D Y T , estão
numerados na sequência:
■ D Y T 7 , mapeado no lo cu s 18p: famílias alemãs, com início na idade adulta, com formas
cervicais e laringeanas ou craniais;
■ D Y T 8 , mapeado no locus 2q33-q35: famílias com distonia paroxística não cinesiogêni-
ca (canalopatia), conhecida como Síndrome de Mount-Reback;
■ D Y T 9 , mapeado no locus lp21: famílias com coreoatetose paroxística e ataxia e espas-
ticidade episódicas;
■ D Y T 1 0 , mapeado no locus 16pll.2-ql2.1: é conhecida como coreoatetose paroxística
cinesiogênica. O grupo das DYT 8,9 e 10 compõe as distonias paroxísticas;
■ D Y T 1 1 : existem dois loci descritos em conexão a essa forma de distonia associada a mio-
clonias (distonia mioclônica), um deles em 18pl 1 e outro em 7q21-q23 (proteína epsilon-
sarcoglicana). Os pacientes apresentam a distonia mioclônica que, na maior parte das
vezes, melhora com a ingestão de álcool. Transmissão autossômica dominante;
■ D Y T 12, mapeado no lo cu s 19ql3: famílias com parkinsonismo e distonia de desenvol
vimento rápido;
■ D Y T 1 3 , mapeado no lo cu s Ip36.3-p36.1: distonia cranial ou cervical, algumas focais e
outras generalizadas. Descrita em uma família italiana, iniciando-se na infância ou na
vida adulta. Transmissão autossômica dominante;
■ D Y T 14: família suíça, com distonia e parkinsonismo. Transmissão autossômica domi
nante, locus 14ql3 e proteína ainda não identificada;
■ D Y T 15: distonia -p lu s, responsiva ao álcool. Transmissão autossômica dominante, locus
18pl 1 e proteína ainda não identificada;
■ D Y T 16: distonia autossômica dominante, locus 2q31.2, família brasileira com distonia gene
ralizada de início precoce, envolvimento oromandibular e eventualmente parkinsonismo;
■ D Y T 1 7 : distonia generalizada autossômica recessiva, localização 20pl 1.22-ql3.12;
■ D Y T 1 8 : deficiência da GLUT 1, distonia induzida pelo exercício, localização Ip35-p31.3;
■ L D Y T , mapeado no genoma mitocondrial (DNAmt): famílias com neuropatia óptica
de Leber com distonia.
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
BIBLIOGRAFIA
RELATO DE CASO_________________________________________________________
Ê3 Sindrômico:
- síndrome atáxica;
- síndrome cordonal posterior;
IE topográfico:
- cerebelo e vias cerebelares;
- cordão posterior da medula;
M etiológico:
- ataxia de Friedreich;
- ataxia por deficiência de vitamina E;
- ataxia com apraxia ocular.
► DISCUSSÃO
Ataxias Recessivas
A ta x ia d e F r ie d r e ic h
reflexos profundos estão abolidos em até 80% dos pacientes e o reflexo cutaneoplantar em ex
tensão está presente em até 90% dos casos. A sensibilidade profunda cineticopostural e vibrató
ria está alterada na quase totalidade dos pacientes, os quais podem apresentar palidez da papila,
apesar de a diminuição da acuidade visual estar presente em apenas 10 a 20% dos casos.
Os pacientes também apresentam manifestações não neurológicas, como deformidade
esquelética (escoliose e pé cavo), em até 50% dos casos; hipoacusia neurossensorial, em
10 a 20% dos casos; miocardiopatia hipertrófica detectada pelo ECC, em cerca de 60%;
diabete melito ou intolerância à glicose, em 10 a 30%; e eletrocardiograma (ECG) com
alterações da repolarização. Após 11 anos do início da doença, a maioria dos pacientes
necessita de cadeira de rodas. É interessante observar que, atualmente, têm sido descritas
formas tardias de ataxia de Friedreich, com quadros clínicos que simulam quadros de pa-
raparesia espástica, sem a presença de ataxia.
O diagnóstico definitivo da doença é feito por meio da análise genética. O exame de
RM demonstra atrofia da medula cervical sem evidência de grande atrofia do cerebelo.
Os tratamentos propostos para a doença são direcionados à terapia antioxidante. Estudos
com uso de idebenone, uma benzoquinina estruturalmente similar à coenzima Q10, na dose
de 5 mg/kg, demonstraram diminuição da hipertrofia ventricular, mas sem melhora na fração
de ejeção cardíaca ou do desempenho neurológico. Estudos mais recentes com doses elevadas
de idebenone, até 40 mg/kg, no entanto, parecem demonstrar algum benefício sobre a função
neurológica.
A t a x ia - t e la n g ie c t a s ia
A ta x ia c o m a p r a x ia o c u lo m o to r a d o s tip o s 1 e 2
A ta x ia c o m d e fic iê n c ia is o la d a d e v it a m in a E
A ataxia com deficiência isolada de vitamina E (AVED) é uma rara forma de ataxia recessi
va, mais comum em países do norte da África. Pode ter o fenótipo semelhante ao da ataxia de
Friedreich, sendo seu principal diagnóstico diferencial quando a pesquisa genética é negativa.
É causada por uma mutação no gene da proteína do alfa-tocoferol, localizada no cro
mossomo 8ql3. Contudo, o diagnóstico é geralmente feito pelos baixos níveis séricos da
vitamina E e pela observação de melhora clínica com sua reposição. Habitualmente, a
idade de início é antes dos 20 anos e a presença de retinite pigmentosa é frequente.
A cardiomiopatia é a manifestação sistêmica mais comum, apesar de ser menos fre
quente que na ataxia de Friedreich. Alguns pacientes apresentam também retardo no cres
cimento, disfunção sexual e diabete.
O tratamento é realizado por meio da reposição da vitamina E.
A b e t a lip o p r o t e in e m ia
É uma doença rara caracterizada pela presença de má absorção lipídica desde o nasci
mento, hipocolesterolemia, acantocitose e retinite pigmentosa.
O quadro neurológico é de curso lento e progressivo, caracterizado por ataxia, fraqueza
muscular, hiporreflexia, neuropatia periférica e retinite pigmentosa. Os sintomas neurológicos
C A P Í T U L O 13 ataxias 157
devem-se à deficiência de vitamina E, ocasionada por uma mutação no gene localizado no cro
mossomo 4q22-24, que codifica uma proteína transportadora de triglicéride microssomal.
O tratamento envolve redução da ingestão de lipídios e suplementação de vitamina E,
na dose de 50 a 100 mg/kg/dia.
D o e n ç a d e R e fs u m
X a n t o m a t o s e c e r e b r o te n d ín e a
D o e n ç a d e T a y -S a c h s t a r d ia
S ín d r o m e d e M a r in e s c o -S jõ g r e n
É uma doença rara caracterizada por ataxia, catarata precoce, retardo mental, miopa-
tia, baixa estatura, deformidades esqueléticas e hipogonadismo hipogonadotrófico. Essa
doença é causada por uma mutação no gene S IL 1 , responsável pela produção da chape-
rona Hsp70.
158 neurologia e neurocirurgia HIAE
A ta x ia e s p in o c e r e b e la r d e in íc io n a in f â n c ia
d PONTOS RELEVANTES
IZI A ataxia de Friedreich é a forma mais comum de ataxia recessiva.
IZI O principal achado de imagem na ataxia de Friedreich é a atrofia da medula cervical.
IZI As ataxias recessivas geralmente têm inicio na infância ou na adolescência e comumen-
te são acompanhadas por neuropatia periférica.
IZI A elevação da alfa-fetoproteína é um importante biomarcador para algumas formas de
ataxia recessiva.
IZI A ataxia por deficiência de vitamina E pode apresentar fenótipo semelhante à ataxia de
Friedreich.
QU E S T ÕE S
2. Qual destes achados é importante para o diagnóstico de ataxia com apraxia ocular do tipo 2?
A. Elevação da alfa-fetoproteína.
B. Elevação da ferritina sérica.
C. Presença de diabete melito.
5. A alfa-fetoproteína está elevada nas seguintes condições, com exceção da seguinte ataxia:
A. Ataxia com apraxia ocular tipo 2.
B. Ataxia-telangiectasia.
C. Abetalipoproteinemia.
BIBLIOGRAFIA
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ESCLEROSE MÚLTIPLA
Esclerose m últipla
Charles Peter Tilbery
Rodrigo Barbosa Thomaz
INTRODUÇÃO
163
164 neurologia e neurocirurgia HIAE
QUADRO CLÍNICO
DIAGNÓSTICO
Vários critérios para o diagnóstico clínico da EM foram propostos no decorrer dos últi
mos anos. Todavia, apesar do avanço dos métodos de diagnóstico, a falta de conhecimento
preciso dos mecanismos fisiopatológicos, a ausência de achados clínicos patognomônicos,
a presença de sinais e sintomas variados e o extenso diagnóstico diferencial envolvido ain
da dificultam, por vezes, o diagnóstico de certeza da doença.2223
O diagnóstico da EM foi baseado, durante muitos anos, apenas na história e no exame
clínico; porém, o aparecimento de técnicas laboratoriais e o desenvolvimento da resso
nância magnética (RM), além da pesquisa de bandas oligoclonais no liquor (LCR/BO) e
alterações nos potenciais evocados (PE), principalmente o visual, possibilitaram avanços
na sensibilidade diagnóstica na EM.23,24
Atualmente, os critérios diagnósticos mais utilizados são os descritos por McDonald e
Halliday:22
TRATAMENTO
RELATO DE CASOS_______________________________________________________
Caso 1
Paciente do sexo masculino, 33 anos de idade, branco, hígido, sem antecedentes dig
nos de nota, procurou assistência médica com queixa de dor à movimentação ocular
à direita, diminuição da visão, principalmente para cores, e sombras de evolução
progressiva com início há 3 semanas. Negava processos infecciosos, vacinações e
uso de drogas prévios a esse quadro.
No exame clínico, a pressão arterial (PA) foi de 14/8, sem alterações ao exame dos
diferentes sistemas. Já no neurológico, constatou-se alteração restrita ao exame de
fundo de olho à direita, com discreto papiledema.
A movimentação ocular estava normal. Os exames complementares não apresen
tavam alterações. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) estava normal, com
presença de bandas oligoclonais. A RM revelou presença de lesões de aspecto des-
mielinizante periventriculares (Figura 14.1), buracos negros (Figura 14.2) e espessa-
mento do nervo óptico à direita (Figura 14.3).
Nos últimos anos, os autores têm chamado a atenção para o fato de que quanto mais
precocemente se inicia o tratamento, menor é a probabilidade de acumular incapacidades
neurológicas em longo prazo.28,30 Essas constatações, baseadas em estudos retro e prospec-
tivos, implicam caracterizar a síndrome clínica isolada (SCI), com risco de conversão para
EM definida.
A SCI é definida como o primeiro evento neurológico desmielinizante (neurite óptica,
mielite e síndrome isolada de tronco) e seu risco de conversão é determinado por carga
lesionai detectada à RM, tanto no cérebro quanto na medula.30,31
O Caso 1 denota a presença de lesões desmielinizantes silenciosas com distribuição ca
racterística da EM. Confirmando-se degeneração axonal, inicia-se precocemente nas fases
iniciais da doença28,31 e nota-se a presença de buracos negros à RM. É evidente, diante desse
C A P Í T U L O 14 esclerose múltipla 169
quadro clínico de SCI com risco de conversão, que o paciente deve iniciar o tratamento
com imunomodulador. A avaliação desse paciente durante os 2 anos de tratamento, até o
momento, mostrou-se eficaz. O paciente não apresentou mais surtos e sua RM permanece
inalterada.
Caso 2
► DISCUSSÃO
Os casos relatados acima demonstram duas situações comuns nos pacientes portadores
de EM. O primeiro caso trata-se de um paciente com o que se chama de SCI, que é o primei
ro evento clínico (no caso, neurite óptica) desmielinizante do indivíduo.
Quando o profissional se depara com uma situação dessas, deve investigar o paciente
amplamente para o diagnóstico diferencial e avaliar se o paciente apresenta alto risco de
conversão para esclerose múltipla clinicamente definida (EMCD). Nesta última situação,
atualmente se recomenda o tratamento precoce com imunomoduladores, com o objetivo de
impedir ou retardar a conversão de uma CIS para EMCD.
O segundo caso demonstra um paciente com EM remitente-recorrente, no qual o longo
período entre o diagnóstico e o início do tratamento com imunomoduladores pode impactar
significativamente no acúmulo de lesões e incapacidades neurológicas à longo prazo, uma vez
que essas medicações são consideradas drogas modificadoras da história natural da EM.
O uso de corticosteroides está indicado somente na vigência de surtos clínicos, ou seja,
na vigência de déficits neurológicos novos ou exacerbação de déficits antigos quando com
provada atividade inflamatória da doença. Os corticosteroides não alteram a história na
tural da EM e, portanto, não devem ser utilizados em outras situações no tratamento de
pacientes com EM.
E, por fim, a falha terapêutica aos imunomoduladores. Diversos estudos demonstram
que tais medicações têm eficácia em torno de 30 a 40% para o controle dos surtos e do apa
recimento de novas lesões à RM do SNC. O paciente deve ser monitorado periodicamente,
deve-se manter um período mínimo de 6 meses com um determinado imunomodulador
antes de se considerar falha ao tratamento.
Se a falha de tratamento for confirmada, deve-se optar pela troca do imunomodulador.
Uma vez realizada a migração de um imunomodulador para outro, e novamente haven
do falha, a recomendação é a mudança da modalidade terapêutica, imunossupressão. Os
anticorpos monoclonais são a segunda linha de tratamento atual.
n PONTOS RELEVANTES
0 A EM é a doença neurológica mais incapacitante em adultos jovens da raça branca, na
maioria mulheres entre 20 e 40 anos de idade.
0 Os principais fatores envolvidos na etiopatogenia da EM são: latitude, clima, altitude,
exposição à luz solar, fatores socioculturais, traumas, agentes infecciosos, gestação, va
cinações e dieta.
0 Fisiopatologicamente ocorre infiltrado de linfócitos e plasmócitos no tecido cerebral,
agressão autoimune inflamatória à mielina, aos axônios e aos oligodendrócitos (sinte
tizam a mielina) e, portanto, interrompem a condução nervosa, causando os sintomas
da doença.
172 neurologia e neurocirurgia HIAE
QU E S T ÕE S
2. Os imunomoduladores atuam:
A. Reduzindo o número de surtos.
B. Retardando a progressão da doença.
C. Em todas as formas clínicas da doença.
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SEÇAO 6
DEMÊNCIAS
Ivan Hideyo Okamoto
RELATO DE CASO_________________________________________________________
177
178 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
DOENÇA DE ALZHEIMER
Diagnóstico
DA definitiva
DA provável
DA possível
O paciente tem uma síndrome demencial sem causa aparente, mas apresenta variações
na forma de início, de apresentação ou no curso clínico, quando comparado a paciente
com DA típica. Pode, ainda, ter outra doença sistêmica ou neurológica que pode causar
demência, mas que não é considerada sua causadora, ou ter um déficit único, progressivo,
na ausência de qualquer outra causa identificável.
Quadro clínico
Cognição
Como descrito anteriormente, o comprometimento cognitivo ocorre principalmente na
memória, na linguagem, nas gnosias, nas praxias e nas funções executivas, evidenciado por
meio de testes objetivos neuropsicológicos.5Esses testes servem para o diagnóstico e são úteis
na evolução da DA, uma vez que o curso da doença tem, em média, 10 anos de evolução.6
A memória está comprometida precocemente, na forma de déficit de aprendizado de
informações no nível episódico, ou seja, o aprendizado de eventos e de pessoas está preju
dicado. Outra marca da DA é a dificuldade em resolver problemas do dia a dia e planejar
atividades corretamente (secundária ao déficit de aprendizado de informações). Um déficit
em evocar fatos e eventos, principalmente os adquiridos mais recentemente, também está
presente, sendo proporcional ao prejuízo de aprendizado episódico, e pode ser percebido
na dificuldade do paciente em reconhecer locais e sua relação com pessoas e objetos. Isso
explica a confusão, precocemente notada nos indivíduos, quando têm de enfrentar mu
danças rápidas de cena e local.
A linguagem na DA também está precocemente acometida, podendo-se notar na difi
culdade em nomear objetos e analisar discurso e vocabulário, na capacidade descritiva e na
compreensão de leitura. A fala pode se tornar um pouco lenta, podendo haver persevera-
ção, repetição de palavras e frases fora de contexto. Nas demais áreas cognitivas, as funções
visuoespaciais estão comprometidas no curso da doença, com os pacientes se perdendo, deso
rientados no espaço e com dificuldade em manusear aparelhos complexos. As funções execu
tivas podem estar comprometidas, o que parece ocorrer em estágios iniciais da doença.
Comportamento
Os sintomas não cognitivos ou as alterações de comportamento constituem um grande
problema na DA. Contudo, são frequentemente ignorados, ainda que produzam mais ansie-
182 neurologia e neurocirurgia HIAE
dade nos cuidadores e causem muito mais institucionalização dos pacientes que os déficits
cognitivos. As alterações de comportamento variam de progressiva passividade a marcantes
hostilidade e agressividade e podem surgir antes das dificuldades cognitivas na evolução da
doença. Os delírios, comumente os paranoides, afetam cerca de 50% dos pacientes com DA,
levando-os a acusações de roubo, infidelidade conjugal e perseguição. Muitos dos pacientes
com DA desenvolvem perturbações do ciclo sono-vigília, alteração na alimentação (voraci
dade ou anorexia) e mudanças no comportamento sexual (desinibição).
Resumidamente, podem-se incluir os distúrbios de comportamento na DA em sete
categorias maiores:
Esses sintomas, embora sejam característicos de DA, não estão presentes em todos os pa
cientes, mesmo na progressão da doença. Todas as categorias de distúrbios de comportamento,
quando presentes, atingem pico de ocorrência e magnitude antes do estágio grave da DA.
O tratamento da DA envolve o controle dos sintomas de alteração de comportamento
com o uso de antipsicóticos para os delírios e as alucinações, de antidepressivos para os
quadros depressivos (incluindo-se os tricíclicos e os inibidores seletivos de recaptação da
serotonina) e de indutores de sono ou outras drogas associadas para os distúrbios do ciclo
sono-vigília.
Tratam ento
Tratamento farmacológico
O tratamento farmacológico pode ser divido em duas áreas de atuação, que acontecem
paralelamente.9
In ib id o re s d e A C H E
cia vascular. Todavia, a aprovação em nosso meio ocorreu apenas para DA. Para monitorar
a ação e a eficácia da droga, é necessária constante avaliação do estado mental do paciente,
que pode ser realizada por testes de rastreio, como o miniexame do estado mental, o dese
nho do relógio e as baterias neuropsicológicas.
A troca de um inibidor de ACHE por outro pode representar uma alternativa terapêu
tica, devendo ser considerada com bases regulares de avaliação e sempre que não existirem
evidências de efeito terapêutico ou ocorrência de efeitos colaterais intoleráveis.
A Tabela 15.1 demonstra as principais drogas para o tratamento de DA.
A utilização de memantina associada a inibidores de ACHE tem sido uma prática crescen
te no Brasil, mas ainda são aguardados mais estudos clínicos sobre essa associação.
□ PONTOS RELEVANTES
IZI Doença de Alzheimer evolui com progressão e perda gradual das funções cognitivas.
IZI Os medicamentos atuais conseguem por vezes retardar a evolução.
IZI Existem novas perspectivas de tratamento farmacológico em estudo.
QU E S T ÕE S
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16
Demência frontotemporal
Ivan Hideyo Okamoto
Christiano da Cunha Tanuri
RELATO DE CASO___________________________________________________________
Paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, dona de casa, casada, apresentou, há cerca
de 1 ano, quadro de alteração comportamental caracterizado por delírios de ciúme em
relação ao esposo, fato confirmado pelas filhas e associado a episódios de muito apetite,
ganho de peso, perda do gerenciamento da casa e períodos de maior agressividade ver
bal alternados com períodos de isolamento social.
Os familiares relataram que ela explorava os objetos com a boca, além de ter tido
aumento importante do número de cigarros fumados por dia. Foi referido pouco
comprometimento de memória e linguagem. A paciente negou hipertensão arte
rial, diabetes e etilismo, mas referiu tabagismo de até 40 cigarros por dia. Negou,
também, patologia semelhante na família e estava em uso de clozapina e diazepam,
ambos prescritos por Psiquiatra.
Durante a investigação diagnóstica, a paciente foi submetida a exames laboratoriais,
como:
189
190 neurologia e neurocirurgia HIAE
DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL
TABELA 16.1 Critérios para o diagnóstico clínico de DF segundo o Consenso da Academia Americana de
Neurologia (AAN) de 1998
Características centrais do diagnóstico
Início insidioso e progressão gradual
Declínio precoce da conduta social interpessoal
Comprometimento precoce da regulação da conduta pessoal
Embotamento afetivo precoce
Perda precoce da crítica (insighf)
Características de suporte do diagnóstico
Transtorno do comportamento
declínio na higiene pessoal
rigidez mental e inflexibilidade
distraibilidade e impersistência
hiperoralidade e modificações dietéticas
comportamento perseverativo ou estereotipado
comportamento de utilização
Fala e linguagem
alteração do discurso (perda da espontaneidade e economia de fala, pressão do discurso)
fala estereotipada
ecolalia
perseveração
mutismo
Sinais físicos
reflexos primitivos
incontinência esfincteriana
acinesia, rigidez e tremor (síndrome parkinsoniana)
níveis tensionais baixos ou lábeis
investigações
neuropsicologia: comprometimento significativo de testes de lobo frontal na ausência de amnésia, afasia
ou transtorno perceptivo/espacial graves
eletroencefalografia: eletroencefalograma convencional, sem alterações, apesar da evidência clínica de
demência
neuroimagem estrutural e/ou funcional: anormalidade predominantemente frontal e/ou temporal
anterior
(continua)
192 neurologia e neurocirurgia HIAE
(continuação)
Em relação aos critérios neuropatológicos, reconheceu-se que apenas parte dos indi
víduos com DFT (25%) exibe os achados típicos de corpos e células de Pick, conforme a
descrição original.
O estabelecimento dos critérios para o diagnóstico da DFT3,4 permitiu o amplo reco
nhecimento dessa condição em diferentes partes do mundo. As principais formas, repre
sentando muito mais uma divisão clínica que histopatológica, são:
Tipos clínicos
Variante frontal da DFT
O início lento e progressivo das alterações cognitivas e comportamentais, como a de-
sinibição, o comportamento antissocial e estereotipado, a apatia e a impulsividade, fazem
parte do quadro clínico dessa variante, mas também são sintomas de outras formas de
demência.
As características clínicas que podem diferenciar esse grupo da doença de Alzheimer
são os comportamentos estereotipados e ritualizados (p.ex.: insistência em comer a mesma
comida exatamente no mesmo horário ou limpar a casa exatamente na mesma sequência),
as mudanças nas preferências de sabor para alimentos doces e outras alterações, como
hipersexualidade e hiperoralidade (síndrome de Kluver-Bucy), que ocorrem durante a
progressão da doença. Essas alterações de comportamento geralmente são os primeiros
sintomas da doença e, nos estudos de neuroimagem, caracterizam-se pelo comprometi
mento da região ventromedial (orbitobasal) do lobo frontal.5
Os déficits em planejamento e organização e as alterações de função executiva são
características neuropsicológicas dessa variante, com relativa preservação de memória no
início. Testes de rastreio, como o miniexame do estado mental, podem ser normais na
detecção e no acompanhamento desses pacientes, muito embora possa haver um compro
metimento mais acentuado nas atividades de vida diária (AVD). Nessa variante frontal da
DFT, exames de imagem funcional, como o SPECT, podem ser sensíveis no diagnóstico.46
► DISCUSSÃO
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
2. Qual item caracteriza melhor a DFT - variante afasia progressiva não fluente?
A. Alterações amnésticas.
B. Alterações de linguagem.
C. Alterações de função executiva.
3. Qual a principal diferença entre DFT - afasia progressiva não fluente - e DFT - afasia pro
gressiva fluente?
A. Na afasia não fluente, há preservação de conceitos, bem como de significado de palavras.
B. Na afasia fluente, há dificuldade em expressar as palavras.
C. Não há diferença.
196 neurologia e neurocirurgia H IA E
4. Qual exame pode ser útil no diagnóstico diferencial de DFT com doença de Alzheimer?
A. RM de encéfalo: atrofia hipocampal nas fases precoces de DF.
B. SPECT cerebral: hipofluxo frontal precoce na evolução da doença.
C. LCR: presença de partícula beta-amiloide na DA.
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SEÇÃO 7
INFECÇÕES
Neuroaids
David Salomão Lewi
RELATO DE CASO___________________________________________________________
Paciente do sexo masculino, 32 anos de idade, procurou clínico com relato de febre há
7 dias, acompanhada de cefaleia intensa, exantema maculopapular na face, no tronco
e nos membros, enantema e odinofagia (Figura 17.1). O paciente relatou que a febre
era contínua, sem melhora com antitérmicos. Após 2 dias da consulta, foi trazido à
unidade de pronto-atendimento após crise convulsiva e coma sem sinais localizató-
rios, com temperatura de 38,5°C, frequência cardíaca de 100 bpm, pressão arterial de
110 X 70 mmHg, micropoliadenopatia cervical, axilar e inguinal bilateral, exantema
maculopapular generalizado, enantema com lesões esbranquiçadas em orofaringe e
rigidez de nuca. Como antecedentes dignos de nota, apresentava relacionamento se
xual com parceiro do sexo masculino, sem uso de preservativo, há 1 mês.
Os exames de entrada no pronto-atendimento apresentavam:
199
200 neurologia e neurocirurgia HIAE
O paciente foi mantido em unidade de terapia intensiva (UTI), tendo recebido nutri
ção enteral e suporte ventilatório, além de esquema terapêutico com antirretrovirais,
como zidovudina, lamivudina e efavirenz. Após 3 dias da internação, apresentou
melhora neurológica gradual, recebendo alta da UTI, com recuperação neurossen-
sorial sem sequelas cognitivas. Atualmente, o paciente encontra-se em acompanha
mento médico há 15 anos, fazendo uso regular de antirretrovirais, e com carga virai
abaixo do limite de detecção e quantificação de linfócitos auxiliadores de 720 céls/
mm3 (nl: 500 a 1.500 céls/mm3).
► DISCUSSÃO
DIAGNOSTICO
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
TRATAMENTO
neur oai ds
aguda pelo HIV com alto risco ma, mialgia, artralgia, cefa- cionada ao vírus Epstein- vo ou indeterminado infecção aguda e opcional
de exposição ao vírus* leia, úlceras orais, leucopenia, -Barr ou não (citomegalo- western blot negativo ou Recrutamento em ensaios
trombocitopenia, elevação de vírus), hepatite virai, sífilis, indeterminado clínicos deve ser considerado
transaminases sarampo, estreptococcia Quantificação de RNA virai
positivo (geralmente com alta
viremia acima de 1 milhão de
cópias/mL, por PCR)
Subsequente soroconversão
com ELISA positivo após medi
cação de 8 semanas
203
204 neurologia e neurocirurgia HIAE
□ PONTOS RELEVANTES
IZI Infecção aguda pelo HIV caracteriza-se por início abruto com febre alta intensa, cefa-
leia e importante dor de garganta com odinofagia.
IZI Uma característica peculiar dessa manifestação clínica e a presença de meningoencefa-
lite virai com liquor apresentando proteinorraquia e citologia linfomonocitária.
IZI O diagnóstico diferencial compreende as demais síndromes mononucleose- como:
citomegalovírus, mononucleose e toxoplasmose.
IZI Caracteristicamente, o diagnóstico de certeza é baseado na presença de carga virai plas-
mática e no teste imunoenzimático com resultado negativo ou duvidoso.
QU E S T ÕE S
1. Devem-se considerar, no quadro clínico de infecção aguda pelo HIV, as seguintes manifesta
ções, exceto:
A. Febre, mialgia, cefaleia.
B. Diarreia, linfadenopatia.
C. Febre, demência, meningismo.
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18
RELATO DE CASO_________________________________________________________
Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade, foi atendida em julho de 2008, refe
rindo que, há 7 dias, começou a sentir dores no hemicrânio esquerdo e na hemiface
esquerda em forma de “fisgadas”, de curta duração, que se repetiam em mais de vinte
crises por hora e não acompanhavam congestão ocular, lacrimejamento ou outros
sintomas autonômicos. Além disso, a paciente também referia falta de equilíbrio ao
andar. Cerca de 10 dias antes, ela sentiu dores generalizadas no corpo e congestão
nasal, sem febre, que persistiu até a data da primeira consulta.
De acordo com os antecedentes pessoais, há 5 anos fizera coronariografia e foi colo
cado ste n t. Ao exame, apresentava-se globalmente orientada, tendo marcha atáxica
cerebelar. Não apareceram déficits motores. Os reflexos profundos estavam vivos e
simétricos e o reflexo cutâneo plantar estava em flexão bilateralmente. Não havia al
terações dos pares cranianos ou de sensibilidade, e havia uma duvidosa hipoestesia
dolorosa na face à esquerda.
O eletroencefalograma (EEG) revelou ondas lentas na região temporal esquerda,
enquanto a tomografia computadorizada (TC) do crânio, na mesma data, revelou
extensas áreas de alteração óssea frontoparietal e esfenoidal à esquerda e uma lesão
de tipo infiltrativa no pedúnculo cerebelar médio à esquerda e leve hipodensidade à
direita. A ressonância magnética (RM) do crânio mostrou alterações na calota cra
niana, confirmando o achado da TC do crânio. A RM mostrou uma lesão infiltrativa
207
208 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 18.1 Imagens axiais FLAIR à direita e T I à esquerda, mostrando hipersinal compro
metendo o pedúnculo cerebelar médio à esquerda e focos de impregnação por contraste no
pedúnculo cerebelar médio e no trato trigeminal à esquerda.
► DISCUSSÃO
Os primeiros casos foram descritos por Bickerstaff e Cloake em 1951; em 1957, Bickerstaff
descreveu oito novos casos com história inicial de sintomas de tipo infeccioso e, posterior
mente, evoluindo com sinais de comprometimento do tronco cerebral sem alterações cardía
cas ou respiratórias.1
Em 2003, Odaka et al.2 revisaram 62 pacientes com esse diagnóstico, descrevendo um
quadro clínico progressivo com pico máximo em 4 semanas. Os sinais neurológicos ini
ciais foram de oftalmoplegia externa bilateral, ataxia de tipo cerebelar, distúrbios de cons
ciência e hiper-reflexia profunda. Nesses casos, 92% tinham antecedente infeccioso, 74%
distúrbio de consciência, 40% sinal de Babinski, 45% diplegia facial, 34% oftalmoplegia
interna, 30% alterações na RM do crânio na substância branca e no tálamo, e 66% reações
sorológicas positivas para anticorpo anti-GQlb. A maioria cursava com um surto, portan
to monofásico, e 66% teve recuperação completa em 6 meses. Quanto ao tratamento utili
zado, verificou-se que 23% usaram plasmaferese, 21% esteroides, 8% esteroides associados
à imunoglobulina (IG) intravenosa e 5% usaram os três recursos.
A literatura relacionada ao assunto mostra que vários trabalhos descrevem essa síndro-
me como romboencefalite relacionada a diferentes agentes etiológicos, como adenovírus,3
C a m p y lo b a c te r je ju n i,4M y c o p la s m a p n e u m o n ia e ,5W e s t Nile vírus,6L iste ria m o n o c y to g en es,7
Epstein-Barr, salmonela e varicela zóster.4Frequentemente, esses casos apresentam positi-
vidade na reação para anticorpos anti-GQlb, sugerindo envolvimento de um mecanismo
imunológico.
Na realidade, esses dados sugerem que a síndrome de Bickerstaff corresponde a um
quadro clínico que afeta predominantemente o tronco cerebral, seguido de uma infecção
por agentes variados que determinam um quadro clínico pós-infeccioso por meio de um
mecanismo imunológico. Porém, geralmente, o prognóstico é bom.8
a PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
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SEÇÃO 8
Encefalopatia de Hashimoto
Keila Narimatsu
Gustavo Guimarães Protti
Leandro Cortoni Calia
Roberto Naum Franco Morgulis
RELATO DE CASO_________________________________________________________
215
216 neurologia e neurocirurgia HIAE
Diagnóstico clínico
Os achados clínicos são extremamente variáveis, não diferem entre idades, são inespe-
cíficos e podem remitir, persistir ou reaparecer com características distintas. Dois padrões
de apresentação são descritos na EH:
■ recidivante e remitente, também referida como tipo vasculítico, que se manifesta com episó
dios agudos e subagudos de déficits neurológicos focais com algum grau de disfunção cog
nitiva, alteração da consciência e episódios semelhantes a déficits por acometimento vascu
lar cerebral. Cerca de 25% dos doentes apresentam esse curso de apresentação clínica;3
■ progressiva e difusa, com início insidioso e lento declínio cognitivo, com flutuações do
nível de consciência e manifestado com sintomas psiquiátricos e demência.4,5
(continua)
218 neurologia e neurocirurgia HIAE
(continuação)
Elevados níveis séricos dos anticorpos anti-TPO e/ou anti-Tg são características labo
ratoriais essenciais na EH (Tabela 19.2). Anti-TPO pode estar presente em 95 a 100% dos
casos, e anti-Tg, em 73%. No entanto, não existe uma relação clara entre a gravidade dos
sintomas neurológicos e o tipo ou nível sérico do anticorpo. Além disso, níveis séricos dos
anticorpos podem ou não diminuir após tratamento com esteroides.6'8,11 A prevalência
desses anticorpos aumentados na população geral saudável é de 2 a 20%, não podendo ser
considerada um achado específico para a EH. Os anticorpos antitireoidianos raramente
são medidos no LCR e a especificidade e a sensibilidade desses anticorpos no LCR ainda
não estão bem estabelecidas.
(continuação)
Anormalidades no LCR
Hiperproteinorraquia 75%
Pleocitose linfocítica 25%
Anormalidades no EEG 98%
Anormalidades na RM 49%
SPECT
Hipoperfusão focal 73%
Hipoperfusão global 9%
Normal 18%
Bandas oligoclonais 27%
Fonte: Marshall e Doyle, 2006.
Anticorpos antialfa-enolase
Hormônios tireoidianos
Os níveis hormonais variam entre os pacientes com EH, desde eutireoidismo até hipo-
tireoidismo ou hipertireoidismo, seja subclínico ou sintomático.3,7
Eletroencefalograma (EEG)
Anormalidades inespecíficas são observadas em quase todos os casos, mais comumen-
te evidenciando ondas lentas generalizadas, atividade delta rítmica intermitente frontal,
ondas trifásicas ou anormalidades epileptiformes.4,6,14 Após o tratamento com esteroides,
as anormalidades eletroencefalográficas podem melhorar ou se recuperar totalmente.
220 neurologia e neurocirurgia HIAE
Na maioria dos casos, ocorre hipoperfusão focal. Em alguns casos, ocorre hipoperfusão
global, e o restante não tem anormalidades.3,6,8
Outros
■ doença de Creutzfeldt-Jakob;
■ acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório;
■ demência degenerativa (doença de Alzheimer, demência por corpos de Lewy, demên
cia frontotemporal);
■ estado de mal epiléptico;
■ encefalomielite aguda disseminada;
■ encefalopatias tóxico-metabólicas;
■ meningoencefalite;
■ doenças psiquiátricas (depressão, ansiedade, psicose);
■ deficiências vitamínicas;
■ doença de Wegener, lúpus eritematoso sistêmico;
■ meningite carcinomatosa;
■ encefalite paraneoplásica;
■ enxaqueca hemiplégica.
C A P Í T U L O 19 e n c e f a l o p a t i a de H a s h í m o t o 221
Tratam ento
► DISCUSSÃO
Outra proposta para o mecanismo fisiopatológico sugere que a EH seja uma vasculite ce
rebral autoimune envolvendo a deposição de complexos imunes.36Essa hipótese é suportada
pela presença de sintomas neurológicos focais e/ou globais e achados no EEG e na RM.
Uma característica nessa paciente foi o início tardio de apresentação da doença, uma
vez que a idade média de aparecimento é de 40 anos. Além disso, vale ressaltar que a EH
é um importante diagnóstico diferencial entre as manifestações neuropsiquiátricas em
doentes idosos, principalmente nas formas clínicas de demências rapidamente progressi
vas, como a doença de Creutzfeldt-Jakob.
a PONTOS RELEVANTES
QUES T ÕE S
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20
Rombencefalite
por Listeria monocytogenes em adulto jovem
imunocompetente
Gustavo Guimarães Protti
Keila Narimatsu
Márcia Camignani
Ivan Hideyo Okamoto
Roberto Naum Franco Morgulis
RELATO DE CASO_________________________________________________________
Diante do quadro clínico, dos achados radiológicos e dos resultados dos exames de
sangue e LCR, a hipótese de rombencefalite por L. m o n o c y to g e n e s foi firmada com
manutenção da ampicilina e aumento do espectro medicamentoso com a associação
da linezolida. Progressivamente, houve melhora do quadro clínico e neurológico e,
após 2 meses, o paciente apresentou recuperação quase total do quadro neurológi
co, permanecendo, atualmente, apenas com soluços esporádicos, controlados com o
uso contínuo de gabapentina.
► DISCUSSÃO
DIAGNOSTICO CLÍNICO
DIAGNOSTICO COMPLEMENTAR
TRATAMENTO
n PONTOS RELEVANTES
0 A rombencefalite por L iste ria m o n o c y to g e n e s é uma infecção grave do tronco ence
fálico, caracterizada pelo desenvolvimento subagudo de múltiplos abscessos. Embora
considerada rara, a maioria dos casos ocorre em indivíduos imunocompetentes e pre
viamente saudáveis. Cerca de 25% dos casos estão associados a meningite, geralmen
te de padrão linfomonocitário, com aumento de proteínas totais e glicose normal. A
detecção do L. m o n o c y to g e n e s não é fácil, pois no início do curso da doença, o bacilo
é geralmente isolado apenas na hemocultura e não na cultura do liquor. Assim, o trata
mento empírico deve ser instituído precocemente para prevenção de sequelas neuroló
gicas e morte. A confirmação etiológica é tardia na maioria dos casos.
230 neurologia e neurocirurgia HIAE
QU E S T ÕE S
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Eliova Zukerman
Guilherme Junqueira
Gustavo Guimarães Protti
Christiano da Cunha Tanuri
RELATO DE CASO_________________________________________________________
FIGURA 21.2 Corte axial (difusão). H ipersinal delineando córtex occipitotem poral e a cabeça
do núcleo caudado, m ais evidente à esquerda.
FIGURA 21.3 Corte axial (difusão). H ipersinal delineando núcleos caudados e segm entos
corticais, bem evidentes na porção posterior do giro do cíngulo à esquerda.
236 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 21.4 Corte coronal (difusão). H ipersinal delineando córtex tem poral m esial, cíngulo
e a cabeça dos núcleos caudados, m ais evidente à esquerda.
DOENÇAS PRIÔNICAS
■ scra p ie ;
■ encefalopatia transmissível do m in k ;
■ emagrecimento crônico da mula e do cervo;
■ encefalopatia espongiforme bovina.
■ Kuru;
■ DCJ;
■ variante da DCJ;
■ doença de Gerstmann-Straussler-Scheinker;
■ insônia fatal familiar.
C A P Í T U L O 21 doença priônica 237
É a forma clínica mais frequente das doenças priônicas em humanos, ainda que seja bas
tante rara. Estima-se que, anualmente, ocorra 1 caso/1 milhão na população mundial.2,3
Atualmente, são conhecidas as formas esporádica, familiar, variante e iatrogênica, sen
do que a forma esporádica corresponde a 85% dos casos.
Diagnóstico diferencial
Algumas entidades devem ser consideradas no diferencial com a DCJ, como a demên
cia por corpos de Lewy, a qual pode apresentar alucinações e quadro demencial progressi
vo, porém com evolução mais lenta que a DCJ.
Outras doenças podem ser confundidas com DCJ, como síndrome paraneoplásica, lin-
fomas e encefalopatia dismetabólica do tipo encefalopatia de Hashimoto.
Tratamento
Não existe comprovação de medicação eficiente para as doenças priônicas, mas várias
tentativas têm sido realizadas.
Medicamentos como vidarabina, amantadina e aciclovir foram tentados sem resulta
dos. Ultimamente, têm sido experimentados quinacrine, clorpromazina e pentosan polis-
sulfato, os quais determinam pequena melhora transitória.
Flupirtine é um analgésico não opioide de ação central, com efeito neuroprotetor in v i-
tro. Um estudo duplo-cego mostrou alguma melhora no déficit cognitivo, sem, entretanto,
aumentar a sobrevida dos pacientes.8,9
Variante da DCJ
Os primeiros casos foram descritos em 1996, particularmente devido à sua ligação com
a encefalopatia espongiforme bovina.10,11 Em 2005, já haviam sido descritos cerca de 165
casos, a maioria no Reino Unido e alguns na França, na Itália e no Canadá. Esses casos
seguiram-se à epidemia de encefalopatia bovina. Admite-se a possibilidade de a carne bo
vina contaminada transmitir a doença ao homem.
O diagnóstico pode ser confirmado pela análise do tecido das amídalas, que revela presença
da proteína priônica sensível.12O LCR não revela presença da proteína 14-3-3 e o EEG não
mostra as ondas sharp trifásicas periódicas, como aparecem na forma esporádica da DCJ.
A RM do crânio mostra sinais intensos na região do pulvinar ou no pulvinar e no tálamo.13
Quadro clínico
Em relação à forma esporádica da DCJ, apresenta-se com sintomas em idade bem mais
jovem (entre 16 e 46 anos) e de progressão mais lenta. Inicia com depressão, apatia, ansie
dade e confusões, além de sintomas sensitivos, como disestesias e parestesias. Seguem-se
ataxia, movimentos involuntários, distúrbios cognitivos e mutismo. Em 50% dos casos,
aparece paralisia do movimento vertical do olhar.
CAPÍ TUL O 21 doença priônica 239
DCJ iatrogênica
Esses casos apareceram após uso de hormônios hipofisários humanos cadavéricos,
transplante de dura-máter, de córnea e de fígado e uso de material neurocirúrgico conta
minado, como eletrodos para procedimentos estereotáxicos. O tempo de incubação varia
de 9 a 10 anos.14
Kuru
Foi uma das primeiras doenças priônicas estudadas, com ocorrência de forma endêmi
ca na Nova Guiné.15,16
Admite-se que a transmissão seja de humano para humano e que tenha ocorrido de
vido a um ritual canibalesco, no qual mulheres e crianças ingeriam cérebro dos falecidos.
Essa prática foi abolida em 1950, havendo uma redução considerável dos casos de Kuru.
Clinicamente, caracteriza-se por início com tremores lembrando calafrios e distúrbios
de marcha tipo ataxia cerebelar. Na sequência, aparecem mioclonias, coreoateose e, poste
riormente, quadro demencial. A evolução progressiva acontece em 9 a 24 meses.
O exame do LCR não mostra alterações. O EEG revela ondas lentas difusas, mas faltam
as ondas sh a rp bi ou trifásicas periódicas, frequentes nos casos de DCJ.
É uma forma com genética autossômica dominante. Manifesta-se dos 43 aos 48 anos de
idade, com quadro cerebelar progressivo, hiporreflexia e demência. Faltam as mioclonias,
como na DCJ. A evolução é lenta e o óbito ocorre após 5 anos.17
O EEG mostra ondas lentas difusas. A RM do crânio revela alterações no estriado e no
tronco cerebral. O diagnóstico pode ser confirmado pelo estudo genético que revela muta
ção no gene da proteína priônica.
Insônia fa ta l fa m ilia r
► DISCUSSÃO
□ PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Neuro-histoplasmose
Pedro Camilo de Almeida Pimentel
RELATO DE CASO_________________________________________________________
► DISCUSSÃO
Os fungos eram considerados vegetais. Somente a partir de 1969, passaram a ser classi
ficados em reino à parte denominado F u n g i. Diferenciam-se das plantas porque não sinte
tizam clorofila, não têm celulose na parede celular e não armazenam amido. A capacidade
de armazenar glicogênio os assemelha a células animais.
Os fungos estão presentes em toda parte (ubíquos), com mais abundância no solo, nos
vegetais, nos animais e no homem. Disseminam-se na natureza por meio de animais, inse
tos, água, ar (ventos) e pelo próprio homem.
HISTOPLASMOSE
Epidem iologia
Com entários
volver artérias e causar episódios de acidente vascular cerebral (AVC), como ocorreu neste
caso (Figura 22.2), ou mimetizar vasculites do SNC3 ou tumor cerebral com diagnóstico
feito após abordagem cirúrgica.24 Nos pacientes imunocompetentes, a histoplasmose pode
causar doença isolada do SNC com características diferentes nos imunodeficientes, com
curso evolutivo muito longo e benigno, sem comprometer o estado geral do paciente.256
Embora a confirmação da participação meningoencefálica na histoplasmose dissemi
nada não ofereça dificuldades, o diagnóstico da infecção isolada do SNC tem sido difícil
e muito demorado; não raramente pós - m o r te m .2,5 O PCR é adequado para detectar baixa
concentração de levedura, mas não tem sido eficiente no diagnóstico de histoplasmose,
além de ter significado incerto, pois um resultado positivo não pode ser considerado segu
ro como diagnóstico e a negatividade também não exclui a doença.7
Este caso é um exemplo da dificuldade diagnóstica e da evolução extremamente crôni
ca da histoplasmose do SNC em pacientes imunocompetentes, sendo muito difícil afirmar
quando a sintomatologia teve início neste paciente; se já nas primeiras dores de cabeça, em
dezembro de 1996, ou se a infecção do SNC ocorreu posteriormente.
Teria a derivação cistoperitoneal contribuído para a infecção encefálica deste paciente?
Na literatura, há citação de casos sugestivos de essa infecção estar relacionada à implanta
ção de derivação ventriculoperitoneal6 e de um caso no qual foi encontrado filamento de
histoplasma dentro da câmara da válvula de derivação ventriculoatrial.8
É importante destacar também o não comprometimento do estado geral desse paciente
durante longo curso evolutivo, o que pode até representar a história natural da evolução
dessa infecção encefálica em paciente imunocompetente, uma vez que, durante anos, este
só recebeu sintomáticos. Outro aspecto a ressaltar é a negatividade dos testes laboratoriais,
A j .
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R • Rc ; t . i ' s w l
4 ^ 7
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FIGURA 22.2 Imagem da ressonância m ostrando com prom etim ento troncocerebral.
248 neurologia e neurocirurgia HIAE
mesmo repetidos várias vezes (o que está de acordo com a literatura),7 e o diagnóstico
etiológico feito pela biópsia cerebral.
Em virtude do curso crônico e do LCR similar ao da tuberculose, não é raro
esses pacientes serem tratados inicialmente com medicação antituberculose. O caso
apresentado, junto com outros exemplos da literatura, leva à conclusão de que, nos pa
cientes imunocompetentes com meningite linfomonocitária com curso longo e benigno,
sem comprometer o estado geral, é possível aguardar o diagnóstico correto antes de
iniciar medicação aleatória.
Tratam ento
□ PONTOS RELEVANTES
0 Os fungos estão separados dos vegetais e animais, eles são classificados em reino a par
te, denominado F u n g i , e estão presentes em várias superfícies: no solo, nos vegetais, nos
animais e no homem.
0 A contaminação humana dá-se por inalação geralmente com quadro subclínico, be
nigno e autolimitado, podendo tornar-se uma infecção disseminada nas pessoas com
deficiência imunológica.
0 A histoplasmose isolada do SNC em pessoas imunocompetentes é rara, apresentando-se
como meningite crônica associada ou não a infecções do parênquima cerebral, vasculi
tes e mesmo mimetizando tumor cerebral.
0 A confirmação da infecção isolada do SNC tem sido muito difícil, com a biópsia sendo
um recurso diagnóstico de grande valor, e o tratamento com anfotericina e fluconazol.
CAPÍTULO 22 neuro-histoplasmose 249
QU E S T ÕE S
5. Para o tratamento da infecção do SNC pelo histoplasma, quais medicamentos devem ser
usados:
A. Rifampicina e hidrazida.
B. Cefalosporina de 4a geração e prednisolona.
C. Anfotericina efluconazol.
250 neurologia e neurocirurgia H I AE
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23
RELATO DE CASO_________________________________________________________
A.M.S, sexo feminino, 54 anos de idade, natural de Crato (CE), procedente de São
Paulo há 37 anos. Queixa-se de surdez há mais ou menos 7 anos e de episódios de
confusão mental há cerca de 5.
Em 2002, a paciente apresentou perda progressiva da audição, que evoluiu para sur
dez profunda em 1 ano. Após 2 anos do início da surdez, começou a apresentar epi
sódios curtos de confusão mental, caracterizados por alteração do comportamento
e alucinações, intercalados por períodos assintomáticos de meses a anos. No primei
ro episódio, foi internada com diagnóstico de depressão psicótica, recebeu drogas
antipsicóticas durante o período de internação e teve alta hospitalar após 2 semanas,
com regressão completa do quadro.
Em dezembro de 2003, durante um dos episódios de confusão mental, ocorreram
duas crises epilépticas focais à direita, acompanhadas de febre. No hospital em que
foi atendida, após resultados normais de tomografia computadorizada (TC) e res
sonância magnética (RM) de crânio, foi coletado líquido cefalorraquidiano (LCR),
o qual evidenciou meningite linfocitária. Com o quadro composto por convulsão,
alteração do comportamento e meningite, iniciou-se tratamento para meningoen-
cefalite herpética com aciclovir endovenoso.
Foi transferida para o setor de neurologia de outro hospital, onde ficou internada
por 3 meses. Na enfermaria, a paciente não apresentou alterações no exame clínico
251
neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 23.1 Exame de RM encefálica da paciente, axial FLAIR, m ostrando m ú ltiplos com
prom etim entos corticais e da substância branca.
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H )
1/12/03 118 2 98 235 138 117 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa
2/4/04 20 2 98 1.550 102 123 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa
10/7/06 25 1 99 188 126 120 Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa
15/2/07 4,3 34 66 560 43 - Negativo Negativo - Negativo Negativo Cultura negativa
neur ol ogi a e n e u r o c i r u r g i a
N: neutrófilos; LM: linfócitos e monócitos; P: plasmócitos; ADA: adenosina deaminase; Baan bacilo álcool-ácido resistente; ECA: enzima conversora de angiotensina; VN: valor normal.
HIAE
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H )
► DISCUSSÃO
Doença ocular bilateral sem uma das alterações: auditiva, neurológica ou tegumentar.
Doença ocular isolada associada a uma das alterações: auditiva, neurológica ou te
gumentar. A patogenia da doença de VKH é incerta; porém, foram descritas inflamação
256 neurologia e neurocirurgia HIAE
Caracterizada por febre, dor de cabeça, meningismo, náusea, vertigem, dor orbital e
tinido. No LCR há pleocitose (meningite asséptica) em mais de 80% dos casos. Fotofobia
e lacrimejamento podem ocorrer, e os pacientes também notam que a pele e o cabelo são
mais sensíveis ao toque. Outras manifestações incluem paralisia de nervos cranianos, neu-
rite ótica etc.
Fase de uveíte
Esta fase aparece vários dias após a fase prodrômica, e o sintoma mais comum é a tur-
vação bilateral da visão (70%). Ao exame, há sinais de uveíte posterior bilateral com edema
de retina, hiperemia de disco ótico e descolamento de retina. Essa fase dura tipicamente
várias semanas.
Fase crônica
Fase periódica
Durante a fase periódica, os pacientes podem desenvolver panuveíte crônica com uveíte
anterior granulomatosa recorrente; porém, a ocorrência de uveíte posterior com descola
mento soroso da retina é rara. Complicações oculares são relativamente comuns durante esta
fase e incluem cataratas, glaucoma, neovascularização de coroide e fibrose sub-retiniana.
CAPÍTULO 23 d o e n ç a de V o g t - K o y a n a g i - H a r a d a ( V K H ) 257
TRATAMENTO
A chave para uma terapia próspera é o tratamento precoce e agressivo com corticoste
roides sistêmicos. Pacientes que são tratados na fase crônica têm prognóstico mais reser
vado para a recuperação da acuidade visual e, provavelmente, têm um risco maior de infla
mação crônica. Para a maioria dos pacientes, inicia-se a terapia com prednisona com dose
variável de 1 a 2 mg/kg/dia. Nos casos mais severos, pode-se utilizar metilprednisolona
na dose de 1 g/dia, por via intravenosa, por 3 a 5 dias antes do início da prednisona oral.
A terapia sistêmica deve perdurar por 6 meses a 1 ano, porque há grande possibilidade de
recorrência nesse período. Nos casos em que a resposta ao corticosteroide é baixa, deve-se
lançar mão de terapia imunomoduladora, como ciclosporina, tacrolimus, micofenolato,
azatioprina, ciclofosfamida ou clorambucil.
O acompanhamento oftalmológico é fundamental para avaliar a evolução da doença
com o tratamento, visando a diagnosticar complicações precoces e prevenir recidivas. Do
mesmo modo, a atuação do otorrinolaringologista é importante para amenizar a perda
auditiva por meio da interposição de próteses auditivas.
PROGNÓSTICO
Na maioria das vezes, o prognóstico é bom sob o ponto de vista vital, já que raramente
há evolução fatal. Quanto ao comprometimento auditivo e oftalmológico, o tratamento
adequado evita a progressão e, em alguns casos, as alterações regridem. Em geral, também
há regressão das alterações neurológicas; porém, é comum persistirem meningites assép
ticas recorrentes.
□ PONTOS RELEVANTES
0 Uveíte recidivante.
0 Hipoacusia bilateral progressiva.
0 Poliose ciliar e couro cabeludo.
0 Meningite asséptica crônica ou de repetição.
258 neurologia e neurocirurgia H I AE
QU E S T ÕE S
2. Durante a evolução da doença de VKH é comum aparecer sintomas relacionados aos diver
sos sistemas envolvidos nessa grave doença autoimune. A característica mais incômoda
para o paciente é:
A. Meningite récidivante.
B. Hipoacusia progressiva.
C. Queda capilar.
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SEÇAO 9
COLUNA
24
Análise crítica da abordagem diagnóstica e
terapêutica da degeneração discai a partir de
evidências científicas
Marcelo Wajchenberg
Délio Eulálio Martins Filho
RELATO DE CASOS
Caso 1
263
264 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 24.3 Corte sagital de RM ponderada em T2, mostrando discopatia em L3-L4 e L4-L5.
FIGURA 24.4 Imagem em perfil de discografia, com aspecto normal do disco L4-L5.
FIGURA 24.5 Imagem fro n ta l de discografia, com aspecto norm al do disco L4-L5.
266 neurologia e neurocirurgia HIAE
Caso 2
FIGURA 24.6 Radiografia em perfil de coluna lom bossacra, com retificação da lordose lom
bar e d im in uição dos espaços discais L3-L4 e L4-L5.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 267
FIGURA 24.7 Radiografia em perfil de coluna lombossacra, ortostática, com flexão do tronco
com abertura da região posterior do espaço discai L4-L5.
FIGURA 24.9 Corte axial de RM ponderada em T2, m ostrando hérnia discai centrolateral
direita em L4-L5.
FIGURA 24.10 Imagem fro n ta l da realização de discografia nos níveis L3-L4 e L4-L5.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 269
FIGURA 24.11 Radiografia pós-operatória fro n ta l, m ostrando fixação com parafusos pedi-
culares em L3-L4 e L4-L5.
FIGURA 24.12 Radiografia pós-operatória em perfil, m ostrando fixação com parafusos pe-
diculares em L3-L4 e L4-L5.
270 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
Dor lombar é uma das causas mais frequentes de afastamento do trabalho por adultos
em idade produtiva em países desenvolvidos.12 A doença degenerativa do disco está en
tre uma das causas mais prevalentes de dor lombar.2 É importante salientar que não são
sinônimos,3 mas que sua gravidade tem sido relacionada ao início dos sintomas.14
A maioria dos casos de lombalgia é de natureza benigna e não se torna crônica. Apenas
uma pequena porcentagem dos pacientes que permanecem com dores crônicas é respon
sável pela grande frustração dos médicos e pelo interesse cada vez maior de pesquisadores
em investigar os fatores relacionados à dor lombar. Muitas são as dificuldades para o en
tendimento e a abordagem das lombalgias. O segmento lombar apresenta uma difusa rede
de nervos que dificulta a determinação do local de origem da dor, além de faltarem estudos
que comprovem uma relação entre os achados clínicos e de imagens.
O disco intervertebral degenerado apresenta maior concentração de vasos e terminações
nervosas, localizados principalmente no terço externo do ânulo fibroso5'7e no ligamento lon
gitudinal anterior.6,7Contudo, as implicações clínicas e a correlação desses achados às altera
ções do disco intervertebral permanecem controversas. Oliveira et al.5estudaram a presença
de terminações nervosas em discos intervertebrais com diferentes graus de degeneração e
observaram que o número e o tipo de fibras variam de acordo com a região e o grau de de
generação do disco intervertebral de colunas lombares de cadáveres.8
Existe uma linha tênue entre a maturidade e a degeneração dos discos interverte
brais, de modo que alguns autores tentaram definir o termo “degeneração do disco”. Ro
berts et al.6 definiram como mudanças histológicas no nível celular, e Adams e Rough-
ley9 propuseram a definição “degeneração do disco é uma resposta aberrante mediada
por células a uma falência progressiva da estrutura do disco”.9Assim, entender o que é o
processo de degeneração do disco e o bom diagnóstico da origem da dor lombar é de
terminante para o tratamento ideal de cada paciente, conforme apresentado nos casos
clínicos em que foi possível realizar o tratamento clínico no primeiro caso e indicada a
cirurgia no segundo.
Nos exames de radiografias, há alguns aspectos que sugerem instabilidade lombar, segun
do White-Panjabi, podendo-se citar listese (escorregamento) anterior do corpo vertebral na
radiografia em perfil em ortostase de mais de 4,5 mm ou 15% de seu tamanho; angulação na
radiografia estática de mais de 22°; e, nas radiografias em perfil dinâmico, angulação de mais
de 15° entre os níveis L1-L2, L2-3 ou L3-L4 ou de mais de 20° no nível L4-L5 ou mais de 25°
no nível L5-S1. Esse fato foi observado no segundo caso clínico em relação ao nível L4-L5. As
radiografias dinâmicas em perfil são de fácil realização e adicionam um dado importante em
relação à estabilidade. O fato de o paciente realizar a TC e a RM em decúbito pode omitir essa
informação. A TC é um exame importante para a avaliação de estruturas ósseas, possibili
tando avaliar a artrose das facetas articulares e a presença de osteófitos, conforme observado
no primeiro caso.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 271
Alguns autores referem que a RM é um exame útil para a identificação da dor radicular e
pouco útil para a dor discogênica.10Em muitos casos, a RM auxilia no diagnóstico de doenças
que cursam com dor lombar, como é o caso de tumores e infecções. Esse exame vem sendo uti
lizado em larga escala para documentar alterações do disco intervertebral, mas sua correlação
com os sintomas do paciente nem sempre é definitiva.11Não é incomum encontrar imagens de
RM com presença de disco negro em indivíduos sem dor.
A discografia é uma importante ferramenta no auxílio do diagnóstico da dor lombar.
Consiste no aumento da pressão intradiscal por meio de uma punção com agulha no nú
cleo pulposo e em sua correlação com os sintomas do paciente. Os opositores da discogra
fia comumente referem-se ao trabalho de Holt12realizado em presidiários, porém, quando
esse trabalho foi refeito sob condições controladas e em pacientes que não se beneficiariam
por apresentarem dor, a discografia se mostrou um ótimo e específico teste para identificar
o disco doloroso.10 Alguns autores afirmam que a seleção correta do disco por meio da
discografia aumenta o índice de sucesso com a artrodese lombar, principalmente quando
há uma correlação entre as imagens da RM e a discografia, mas esses dados são apenas
indicativos e não foram estudados em estudos controlados.13
Scuderi et al.14 avaliaram 48 pacientes por meio de discografia, RM e análise bioquí
mica discai, observando pouca correlação entre as imagens, a discografia e os marcadores
inflamatórios estudados. Concluíram que não foi possível identificar os discos dolorosos
por meio da RM.14
As principais indicações do uso da discografia são:
Nos casos clínicos apresentados, esse exame auxiliou na decisão de não operar o pri
meiro paciente e de realizar a fixação nos níveis L3-L4 e L4-L5 da segunda paciente.
Em relação ao tratamento, a literatura mundial está repleta de artigos sobre a terapêu
tica da degeneração discai, mas não fornece um consenso absoluto na compreensão da
progressão da doença discai e, consequentemente, do tratamento adequado. O profissional
responsável pelo tratamento dessa condição é impulsionado pelo desejo de aliviar o sofri
mento do paciente de forma rápida e eficiente, mas não deve enfocar somente a melhora
da sintomatologia por meio de remédios. Os desafios devem combater os seguintes fatores:
sedentarismo e falta de condicionamento físico, dependência farmacológica e distúrbios
psicossociais de âmbito familiar e laborai.
Orientar repouso e imobilização é uma tendência natural no tratamento das lesões
musculoesqueléticas, considerando-se a diminuição da dor e do processo inflamatório;
272 neurologia e neurocirurgia HIAE
porém, os efeitos colaterais dessa atitude podem causar a diminuição da mobilidade e atro
fia tecidual. É consenso que o repouso por curto período pode auxiliar na recuperação do
paciente. Alguns autores preconizam um período entre 2 e 7 dias, estimulando, em seguida,
o retorno progressivo às atividades diárias. Essa medida visa a evitar a desagregação da
rotina familiar e do trabalho do paciente.
A utilização de medicamentos faz parte do tratamento da doença discai. As medicações
disponíveis para o controle das dores são os anti-inflamatórios não esteroides e esteroides,
os analgésicos comuns e narcóticos, os relaxantes musculares, os ansiolíticos e os antide-
pressivos. A principal causa de dor está relacionada à irritação ou inflamação das estruturas
relacionadas à degeneração discai, como apresentado no primeiro caso clínico. O processo
inflamatório dos nervos pode causar a radiculopatia por meio de compressão mecânica,
irritação química e comprometimento vascular por diminuição de fluxo sanguíneo local
ou estase venosa, conforme observado no segundo caso clínico.
A abordagem terapêutica inicial é a utilização dos anti-inflamatórios não hormo
nais, que agem diminuindo a síntese de prostaglandinas e dos fatores quimiostáticos de
inflamação celular e seus mediadores, proporcionando a melhora da dor. No entanto, é
necessário ter precaução no uso prolongado dessas medicações, principalmente em pa
cientes idosos, devido aos efeitos colaterais que podem comprometer a função renal e cau
sar distúrbios da coagulação e lesão do trato gastrointestinal. Dessa forma, os analgésicos
comuns, como a dipirona e o paracetamol, podem auxiliar no controle da dor e permitir o
uso dos anti-inflamatórios não hormonais por curto período.
Em algumas circunstâncias, os anti-inflamatórios esteroides podem ser utilizados. Sua
utilização por via enteral pode produzir efeito mais imediato, permitindo que o paciente
retorne às suas atividades e inicie um processo ativo de reabilitação. Contudo, corre-se o
risco de haver recidiva da sintomatologia após sua suspensão. Os esteroides devem ser
utilizados por períodos curtos, a fim de evitar seus efeitos colaterais, como síndrome de
Cushing, necrose óssea avascular e danos ao trato gastrointestinal. As drogas que podem
ser utilizadas são a dexametasona e a prednisona, em doses decrescentes. Outras medica
ções, como relaxantes musculares, ansiolíticos e antidepressivos, podem ser utilizadas em
situações específicas, não sendo de primeira escolha.
As injeções epidurais de esteroides têm eficácia duvidosa no tratamento da doença dege
nerativa discai. Esse procedimento pode proporcionar alívio passageiro dos sintomas em pa
cientes com dor radicular refratária ao tratamento convencional, sendo uma opção terapêu
tica em pacientes que não têm condições clínicas de suportar um procedimento cirúrgico.
As complicações desse procedimento são a hipotensão, a cefaleia, o aumento dos sintomas e
a infecção. As infiltrações facetárias também podem proporcionar alívio temporário, além de
terem valor diagnóstico sobre a causa da dor. Ainda assim, esse procedimento não propor
cionará a resolução do problema. Foi realizado no primeiro caso clínico e auxiliou o paciente
a realizar as sessões de fisioterapia.
CAPÍTULO 24 degeneração discal 273
Todas as medidas descritas visam a encorajar o paciente à reabilitação por meio de ati
vidade física, com melhora gradual de condicionamento físico, tônus muscular e controle
do peso corpóreo. A melhora da dor e da autoestima do paciente permite transformar o
ciclo vicioso de dor, inatividade e depressão em um ciclo virtuoso. Esse fator foi observado
no primeiro caso clínico apresentado.
O tratamento cirúrgico da doença degenerativa discai deve ser indicado em pacientes
que não responderam de forma satisfatória ao tratamento clínico, mantendo restrição à
sua qualidade de vida. Os critérios para indicação de um procedimento cirúrgico devem
ser claros e compartilhados com o paciente. Alguns sinais podem indicar diminuição na
possibilidade de sucesso do procedimento cirúrgico, como dor lombar inespecífica, que
ocorre em vários locais, sem relação com a movimentação do paciente, e dor irradiada
para os membros inferiores, incompatível com os achados nos exames de imagem. Além
disso, alguns fatores individuais podem indicar que o paciente não é um candidato ideal
para o procedimento cirúrgico, como:
Em razão desses fatores, deve-se fazer uma anamnese completa e, em seguida, orientar
o paciente sobre os possíveis riscos do procedimento. Assim, é possível criar um sólido
relacionamento entre médico e paciente, evitando frustrações com resultados indesejáveis
e complicações.
Os procedimentos cirúrgicos indicados para o tratamento da degeneração discai de
vem considerar a necessidade da descompressão neural e a presença de instabilidade.
A caracterização da instabilidade deve ser realizada por meio de sinais clínicos, como
dor lombar mais importante que dor radicular e relacionada à movimentação, e radiográ-
ficos, como espondilolistese que se modifica de forma significativa durante movimentos
de flexão e extensão. Escoliose degenerativa, presença de laterolistese e artrose facetária in
tensa com deslocamento articular também podem ser sinais de instabilidade. No segundo
caso clínico apresentado, as radiografias dinâmicas demonstraram alteração da angulação
do disco intervertebral e a discografia confirmou a origem discai dos sintomas.
Alguns procedimentos necessários durante a cirurgia também podem gerar instabi
lidade, como a retirada completa da faceta articular e dos ligamentos em paciente com
severa estenose do canal vertebral e dos forames. A laminectomia aberta com adequa
da descompressão neural e retirada de fragmentos discais, responsáveis pela compressão,
poupando as facetas articulares, é o procedimento padrão para o tratamento das síndro-
mes compressivas sem instabilidade.
274 neurologia e neurocirurgia HIAE
a PONTOS RELEVANTES
0 Dor lombar é uma das causas mais frequentes de afastamento do trabalho por adultos
em idade reprodutiva.
0 Degeneração discai é causa importante de dor lombar, particularmente quando asso
ciada a artrose facetária e instabilidade lombar.
0 Espondilolistese é um fator agravante da instabilidade lombar e uma causa importante
de dor.
0 Discografia pode ser um adjunto diagnóstico importante para a reprodução da dor e
confirmação do disco intervertebral responsável por esta.
0 Compressão radicular determina dor e déficit neurológico sensitivo-motor da raiz cor
respondente.
0 Tratamento conservador com anti-inflamatórios não hormonais e analgésicos é o trata
mento inicial da lombalgia e determina bons resultados na maioria dos casos.
0 Tratamento cirúrgico é reservado aos pacientes com quadros persistentes e que não
responderam ao tratamento conservador.
0 Tratamento cirúrgico inclui discectomia lombar microcirúrgica nas hérnias de disco,
laminectomia nas estenoses e artrodese instrumentada quando há instabilidade verte
bral.
QUES T ÕE S
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25
INTRODUÇÃO
Estenose lombar é o estreitamento dos diâmetros do canal vertebral lombar, que con
tém as raízes da cauda equina, e pode ser central ou lateral. Quando é central, por redução
do diâmetro anteroposterior do canal vertebral lombar, pode comprimir raízes da cau
da equina. Quando é lateral, comprometendo o recesso lateral e o forame intervertebral,
pode comprimir uma ou, ocasionalmente, duas raízes nervosas. A compressão de raízes da
cauda equina determina quadro clínico caracterizado por dor e disfunção dessas raízes,
motoras e sensitivas, conhecido como claudicação da cauda equina. A compressão de uma
raiz nervosa no forame determina quadro clínico caracterizado por dor e/ou disfunção
sensitivo-motora ou claudicação radicular.
A estenose lombar do idoso é consequência de degeneração e protrusão dos discos in-
tervertebrais, degeneração e hipertrofia das apófises interarticulares, formação de osteófitos
e hipertrofia do ligamento amarelo. Esse conjunto de alterações leva à redução do canal ver
tebral e dos forames intervertebrais. Difere da estenose congênita, na qual o canal vertebral
é primariamente estreito, com manifestação clínica no adulto jovem. Às vezes, a estenose
degenerativa associa-se à espondilolistese.
279
280 neurologia e neurocirurgia HIAE
RELATO DE CASOS
Caso 1
Paciente do sexo masculino, 75 anos de idade, aposentado, foi internado por reuma-
tologista com indicação de cirurgia por estenose lombar degenerativa. Há 20 anos,
apresenta episódios progressivamente mais frequentes de dor lombar, geralmente re
lacionada a pequenos esforços. Há 2 anos, passou a ter dor irradiada para a nádega,
a face posterior da coxa e a face lateral da perna direita, com sensações de formiga
mentos no dorso do pé. Nas últimas semanas, a dor tornou-se contínua e incapacitan-
te, mantendo-o acamado a maior parte do tempo. Fora previamente medicado com
corticosteroide, após falha terapêutica com anti-inflamatórios não hormonais, o que
causou gastrite e suspensão do medicamento. Quando medicado com opiáceo, desen
volveu retenção urinária e obstrução intestinal, obrigando sua suspensão.
Ao exame, o paciente estava obeso, com 110 kg e estatura de 1,75 m. A avaliação neu
rológica revelou sinais de radiculopatia em L4 e L5 à direita, de predomínio motor. A
ressonância magnética (RM) da coluna lombar mostrou sinais de degeneração discai
difusa, predominando entre L4 e L5, associada à estenose do canal vertebral no mes
mo nível, hipertrofia do ligamento amarelo e das apófises interarticulares, obliteração
do forame L4-L5 à direita e compressão das raízes L4 e L5 do mesmo lado.
O paciente foi submetido a laminectomia em L4-L5 e foramenotomia à direita.
Apresentou boa evolução pós-operatória, com desaparecimento da dor e recupera
ção do déficit radicular. O resultado pós-operatório manteve-se nos anos seguintes,
com períodos ocasionais de lombalgia.
Caso 2
Caso 3
sua atividade profissional, obrigando-a a permanecer acamada por vários dias, com
muita dificuldade para se manter em pé e caminhar. Frequentemente, era impossível
caminhar mesmo pequenas distâncias dentro de casa. Foi reinternada e novamente
submetida a exames de imagens.
O exame neurológico não evidenciou déficit radicular, apesar da marcha antálgica
e possível por apenas alguns metros. A RM da coluna lombar mostrou as mesmas
alterações diagnosticadas na primeira internação, com estenose do canal em L3-L4-
-L5 por hipertrofia das apófises interarticulares, hipertrofia do ligamento amarelo
e hérnia de disco com fragmento extruso no recesso lateral entre L4-L5 à esquerda.
Foi submetida à laminectomia em L3-L4-L5 associada a foramenotomia e discecto-
mia em L4-L5 esquerdas e facetectomia em L4-L5 esquerda. Apresentou excelente
evolução pós-operatória, com desaparecimento da dor e retorno às suas atividades
normais. Por apresentar obesidade, recebeu a recomendação de reduzir o peso e
aumentar progressivamente a atividade física. Voltou a ser acompanhada por seu
reumatologista, perdeu peso e manteve atividade física regular, trabalhando nor
malmente.
Cerca de 9 anos depois, aos 69 anos, passou a apresentar dor lombar irradiada para
a face posterior da coxa e lateral da perna direita. Foi tratada conservadoramente,
com analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia, sem resultado. Recebeu cortico-
terapia e uma infiltração foraminal, também sem resultado. Passou a apresentar
progressiva dificuldade para caminhar, com dor de intensidade crescente no trajeto
da raiz L5 à direita, obrigando-a a parar e descansar a cada 100 metros. O mesmo
ocorria ao ficar em pé por períodos superiores a 10 min. Seu peso aumentara de 75
para 81 kg em 1 ano.
O exame neurológico mostrava discreta paresia da raiz L5 direita. Os exames por ima
gem, incluindo radiografia, TC e RM da coluna lombar, mostraram sinais de laminec
tomia em L3-L4-L5, abaulamento discai difuso em L2-L3, fragmento discai migrado
inferiormente, comprimindo a raiz L3 à direita, além de abaulamento discai difuso
em L3-4 e L4-L5, estreitamento foraminal em L4-L5, compressão da raiz L4 direita
extremo-lateral, listese degenerativa em L1-L2, L2-L3, L3-L4 e em retrolistese em L5—
-Sl. Foi submetida à facetectomia em L4-L5 direita, com liberação da raiz em L5, e
artrodese instrumentada com parafusos pediculares e hastes de LI a Sl.
No período pós-operatório imediato, apresentou dor lombar intensa, necessitando
de infusão de opiáceo por bomba controlada por ela mesma por alguns dias. Rece
beu alta melhor, sem dor radicular, mas com dor lombar, medicada com analgésicos.
Melhorou progressivamente nos 2 meses seguintes, após os quais tinha dor lombar
apenas esporádica e discretamente. Perdera peso com regime alimentar e aumento
da atividade física. A partir de então, voltou à sua atividade profissional, inclusive
com viagens internacionais, praticamente sem dores ou limitações físicas.
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 283
FISIOPATOLOGIA
Estenose lombar é o estreitamento dos diâmetros do canal vertebral lombar. Pode ser con
gênita, adquirida ou degenerativa. Esta última ocorre como consequência dos processos de
artrose, próprios do envelhecimento, e pode estar associada ao estreitamento congênito do ca
nal lombar. Quando a redução do diâmetro anteroposterior predomina, há estenose central,
que pode levar à compressão de raízes da cauda equina e, consequentemente, ao aparecimento
de sinais e sintomas multirradiculares. Quando predomina o estreitamento dos canais ou dos
forames radiculares, há estenose lateral, que pode levar à compressão de uma ou, por vezes,
duas raízes, geralmente unilaterais. Quando há escorregamento de uma vértebra sobre outra,
há espondilolistese que agrava a estenose. Em geral, ocorre entre L4 e L5, com escorregamento
anterior de L4, e pode levar à compressão das raízes nervosas entre a face posterior do corpo
de L5 e as facetas articulares inferiores de L4.0 escorregamento raramente ultrapassa 20 a 30%
da largura da vértebra inferior, sendo contido pela remodelação dos processos articulares. O
escorregamento de L4 sobre L5 é 6 vezes mais frequente que o de L3 sobre L4 e o de L5 sobre Sl.
O predomínio da listese de L4 em relação às demais vértebras provavelmente está relacionado à
obliquidade do eixo de seus processos articulares. É possível haver escorregamento de mais de
uma vértebra, havendo espondilolistese múltipla em cerca de 1/4 desses pacientes.
A estenose lombar do idoso é secundária às alterações progressivas das unidades fun
cionais vertebrais, que são compostas pelas vértebras superior e inferior, pelas facetas ar
ticulares, pelos ligamentos longitudinais anterior e posterior, interespinhoso e amarelo e
pelo disco intervertebral. Esse conjunto de estruturas funciona de modo sinérgico, tendo
o disco intervertebral a função de suportar e distribuir a carga na porção anterior, e as
facetas, na porção posterior, auxiliadas pela musculatura paravertebral e pelos ligamentos,
permitindo os movimentos de rotação e translação.
No processo normal de envelhecimento, o disco intervertebral perde suas caracterís
ticas viscoelásticas, desidratando-se e surgindo lacerações do anel fibroso, ressecamento,
fragmentação e protrusão do núcleo pulposo, além de perda do volume discai, com redu
ção do seu espaço. O tecido elástico das articulações é substituído por colágeno tipo II, se
guindo-se deposição de cristais de cálcio. Há hialinização das fibras colágenas, proliferação
de condrócitos e ossificação dos ligamentos.12 A hipertrofia das facetas articulares e dos
pedículos, juntamente com a hipertrofia e a ossificação do ligamento amarelo, determinam
o estreitamento central do canal vertebral. Osteófitos podem reduzir os forames interver-
tebrais e comprimir as raízes nervosas.
No início desse processo degenerativo, há aumento da mobilidade local que favore
ce uma pequena instabilidade da unidade funcional. O enfraquecimento da musculatu
ra paravertebral e abdominal, associado ao aumento de peso comum no idoso, favorece
uma distribuição assimétrica da carga axial, piorando o desgaste articular e a osteoartrose.
Pode haver retro ou espondilolistese associada às alterações descritas. Com a progressão
das alterações degenerativas, há um retorno à estabilidade da coluna, com cicatrização do
compartimento discai e, muitas vezes, fusão das estruturas vertebrais.3
284 neurologia e neurocirurgia HIAE
A estenose do canal vertebral e dos forames intervertebrais, por vezes, associa-se tam
bém ao comprometimento da microcirculação e da nutrição das raízes nervosas, agravan
do os sinais e sintomas radiculares.
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
A dor lombar, uma das manifestações da estenose e de outras patologias da coluna lom
bar, corresponde a 2,8% das quase 30 milhões de consultas ambulatoriais nos EUA no perío
do de 1 ano,4 sendo a quinta causa para consultas médicas, precedida por hipertensão arte
rial, gravidez, exames médicos gerais de rotina e infecção do trato respiratório superior. Das
consultas por lombalgia, 11,1% são por hérnias de disco e 3,9%, por estenose lombar, sendo
as restantes devidas a causas variáveis ou inespecíficas. Uma estimativa da prevalência feita
pelo National Spine Network, nos EUA, mostrou dados de 17.775 pacientes portadores de
alterações da coluna cervical e da lombar atendidos em 25 instituições. Destes, 13,1% tiveram
diagnóstico de estenose lombar e 12,9% de espondilose degenerativa ligada à idade, além de
outros 19,2% que tiveram diagnóstico de hérnia de disco.5
A presença de estenose lombar não significa que a pessoa apresente, obrigatoriamente, os
seus sintomas ou sinais, pois nem todos os pacientes com estenose lombar são sintomáticos.6,7
Cerca de 3,3 a 5% da população adulta apresenta estenose lombar central assintomática,
assim como 7 a 16% apresentam estenose foraminal. A proporção é maior nos pacientes
idosos,8 ocorrendo em 21% daqueles com mais de 60 anos de idade e em menos de 1%
daqueles com idade abaixo dos 60 anos. Do mesmo modo, nem todos os pacientes com
espondilolistese são sintomáticos. No estudo longitudinal para avaliação de cardiopatias de
Framingham,9 das pessoas com dor lombar crônica, com idade média de 79 anos de idade,
32% tinham espondilolistese. Por outro lado, 68% daquelas que tinham espondilolistese não
tinham dor crônica. Nessa população, 17,6% das pessoas sem dor lombar crônica tinham
espondilolistese degenerativa.
A incidência de estenose lombar, calculada na Suécia, foi de 50:100.000 habitantes, dos
quais 42 a 58% eram sintomáticos. Em outras palavras, 25:100.000 habitantes apresenta
ram claudicação radicular ou da cauda equina associada à estenose lombar. A compressão
grave da cauda equina com comprometimento dos esfincteres e da função sexual foi cal
culada em menos de 1:100.000.10
Além da dor lombar, que geralmente é inespecífica, a estenose lombar caracteriza-se
clinicamente por dor radicular. Quando há compressão da cauda equina, surge dor irra
diada para as nádegas e ambos os membros inferiores, frequentemente acompanhada por
cãibras nestes. Surge, caracteristicamente, ao caminhar. Os pacientes referem progressiva
diminuição da distância que conseguem percorrer até serem obrigados a parar, descansar
e, muitas vezes, sentar, para obterem alívio da dor e prosseguirem a marcha. No início, a
dor é de pequena intensidade, muitas vezes referida como queimação nos membros in
feriores. Pode progredir para dor intensa, com cãibras, e chega a ser incapacitante. Esses
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 285
dados podem sugerir também claudicação arterial dos membros inferiores. No entanto, na
estenose lombar, o simples fato de levantar e permanecer em pé pode desencadear dor, le
vando o paciente a inclinar o tronco anteriormente para obter alívio. Os pacientes relatam
que obtêm alívio também ao assumirem a posição de cócoras, agachando-se, o que não
ocorre na claudicação de causa arterial. O exame mostra uma retificação da coluna lombar,
com perda da lordose, havendo anteriorização do tronco.
Raramente, ocorre compressão das raízes sacras na estenose lombar, com consequente com
prometimento dos esfincteres. Em geral, acompanha-se de sinais de compressão intensa, grave,
das raízes nervosas para os membros inferiores, e caracteriza uma urgência neurocirúrgica.
A estenose lateral pode determinar compressão de uma raiz nervosa, sendo mais frequente
a da raiz L5. Seguem-se, em frequência, o comprometimento da raiz SI e da raiz L4. Por vezes,
há comprometimento de duas raízes simultaneamente, geralmente L5 e Sl. O quadro clínico
caracteriza-se por dor no trajeto de uma dessas raízes, ao ortostatismo e à deambulação, com
claudicação radicular progressiva ao caminhar. Ao exame, poderá haver sinais de comprometi
mento sensitivo e/ou motor da raiz correspondente ao trajeto referido de dor.
DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR
FIGURA 25.1 Radiografia sim ples anteroposterior da coluna lom bar de paciente com este
nose degenerativa. Nota-se escoliose com rotação dos corpos vertebrais, redução dos espaços
discais, presença de osteófitos e listeses degenerativas, além da presença de gotículas de
contraste iodado correspondente à m ielografia prévia.
286 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 25.2 Radiografia de coluna lom bar em ortostase m ostra redução acentuada dos
espaços discais, osteófitos e estenose do canal vertebral.
Esses exames permitem avaliar a presença de estenose lombar, pedículos curtos, redução
dos espaços discais, presença de osteófitos, redução dos diâmetros do canal vertebral, hiper
trofia das interapofisárias, existência ou não de listese degenerativa e seu grau e sua estabili
dade ou instabilidade aos movimentos da coluna, além de outras alterações, como a escoliose
secundária aos processos degenerativos e a possível associação com cistos sinoviais.
A TC da coluna lombar e sacra mostra as mesmas alterações ósseas e articulares com
maior detalhamento (Figura 25.3). No entanto, pode subestimar o grau de estreitamento
FIGURA 25.3 Reconstrução bidim ensional de TC da coluna lom bar m ostrando listese dege
nerativa em L4-L5, redução acentuada do espaço discai e estenose do canal vertebral.
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 287
FIGURA 25.4 RM da coluna lom bar m ostrando acentuada estenose do canal vertebral em
L4-L5 e L5-S1, listese degenerativa de prim eiro grau em L4-L5 e compressão das raízes da
cauda equina.
A sensibilidade para o diagnóstico de estenose lombar varia entre 0,81 e 0,97 para a
RM, entre 0,7 e 1 para a TC e entre 0,67 e 0,78 para a mielografia. Alterações compatíveis
com diagnóstico de estenose lombar são encontradas em 4 a 28% de exames por imagens
em pessoas assintomáticas, tanto na TC quanto na RM, sendo mais comuns nos idosos.
Não há estudos com o rigor científico necessário que comprovem a acurácia de quaisquer
desses métodos de exames por imagens.
Os exames por imagens são muito úteis, também, para o controle pós-operatório dos
pacientes, tanto para o acompanhamento das alterações previamente existentes quanto
para o diagnóstico de possíveis complicações dos procedimentos cirúrgicos (Figuras 25.5
e 25.6).
288 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 25.5 RM da coluna lom bar de paciente subm etido à lam inectom ia em L3-L4-L5 por
estenose degenerativa m ostrando excelente descompressão do canal vertebral e das raízes
da cauda equina. Notam -se a degeneração e a protrusão dos discos intervertebrais que não
foram abordados e que não interferem m ais na com pressão ra d icu la r previam ente existente.
FIGURA 25.6 Reconstrução trid im e n sio n a l de RM de coluna lom bar de paciente subm etida
à artrodese instrum entada da coluna lom bar por estenose degenerativa e in sta b ilid a d e após
lam inectom ia e facetectom ia descom pressivas.
TRATAMENTO
Quando a estenose lombar é assintomática, ela não requer tratamento. A dor lombar
aguda ou subaguda deve ser tratada com analgésicos comuns e anti-inflamatórios não
esteroides, associados a miorrelaxante, quando houver contratura da musculatura paraver
tebral, mantendo a atividade física do paciente. Não há evidência de que repouso seja efe
tivo. Se a dor persistir além de alguns dias, indica-se fisioterapia.
Programas multidisciplinares de reabilitação biopsicossocial apresentam uma efetividade
discutível na dor aguda ou subaguda, havendo evidência apenas moderada. O uso de corti-
costeroide é reservado aos casos em que não há resultado satisfatório com os anti-inflamató-
rios não hormonais, devendo ser utilizados com moderação e por curto período.
Infiltração epidural com anestésico e corticosteroide pode melhorar a dor lombar por
algum tempo em pacientes selecionados, sendo a evidência da sua efetividade considera
da limitada. Também é limitada a evidência de efetividade do uso de neuroestimulação
transcutânea, de tração esquelética e de terapias comportamentais. Não há evidência, na
literatura, da efetividade de antidepressivos, injeções em pontos-gatilho, agentes físicos,
exercícios lombares, massagens, acupuntura e uso de coletes no tratamento da dor lombar
aguda ou subaguda.13
A dor lombar crônica, diferentemente da dor aguda, responde satisfatoriamente à fisio
terapia, aos programas multidisciplinares de reabilitação, à manipulação da coluna lombar
e aos programas de exercícios físicos regulares.14A indicação de tratamento cirúrgico da
dor lombar consequente à espondilolistese degenerativa lombar é controversa, pois não
há comprovação de que a descompressão ou a fusão vertebral sejam melhores que o trata
mento clínico, ou mesmo o placebo, no tratamento desta dor.15
A dor radicular, na ausência de déficit motor ou sensitivo, deve, inicialmente, ser trata
da conservadoramente. O tratamento inclui a adaptação das atividades, de analgésicos, de
anti-inflamatórios não esteroides, de medicamentos neuromoduladores, como a gabapen-
tina, de infiltração epidural, de bloqueio radicular e de fisioterapia. Na maioria dos casos, a
dor regride e os pacientes retornam à sua atividade habitual ou à sua adaptação.
A cirurgia está indicada nos casos de radiculopatia em que o tratamento conserva
dor falha, com persistência de dor intratável e incapacitante, presença de déficit radicular
ou deterioração neurológica progressiva devido à compressão das raízes da cauda equi
na, com a devida comprovação imagenológica de estenose lombar. Nos casos de estenose
sem sinais de instabilidade, que constituem a maioria dos pacientes, caracterizados por
ausência de espondilolistese e escoliose inferior a 20°, a técnica cirúrgica indicada é a da
laminectomia descompressiva, com remoção do ligamento amarelo hipertrofiado e dos
elementos do arco posterior (processos espinhosos, lâminas e pedículos) (Figura 25.5).
290 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
Estenose lombar sintomática é cada vez mais frequente na prática médica, pelo au
mento da população idosa e pelo maior acesso desta aos sistemas de atenção à saúde.
Caracteriza-se por dificuldade progressiva à marcha, associada à dor e a parestesias em
membros inferiores por claudicação da cauda equina ou radicular. Deve ser diferenciada
da claudicação secundária à arteriopatia periférica e das neuropatias periféricas, que tam
CAPÍTULO 25 e s t e n o s e l o m b a r no i d o s o 291
bém são relativamente comuns no idoso. Os exames por imagem revelam estenose central
nos casos de claudicação da cauda equina e estenose lateral ou foraminal nos casos de
claudicação radicular. O inverso não é verdadeiro, ou seja, a presença de estenose lombar
em exames por imagens não está diretamente relacionada à existência de sinais e sinto
mas de estenose lombar.
O tratamento conservador está indicado nos casos leves, com controle da dor, redução
de peso, reabilitação física e adaptação das atividades diárias. Nos pacientes em que sinais
e sintomas são progressivos e incapacitantes, indica-se tratamento cirúrgico. Laminecto-
mia descompressiva apresenta os melhores resultados e os menores índices de compli
cações, particularmente nos casos em que os sinais e sintomas têm duração inferior a 8
anos e nos quais não há instabilidade importante consequente à facetectomia unilateral
total ou bilateral, ou, ainda, à espondilolistese de grau maior que 1, associada à escoliose
superior a 20°.
Deve-se evitar a indicação desnecessária de fusão e instrumentação da coluna lombar,
reservando sua indicação aos casos comprovados de instabilidade sintomática e, em espe
cial, àqueles em que há necessidade de retirada de ambas as facetas articulares. Tendo em
vista que a estenose degenerativa ocorre quase exclusivamente em pacientes idosos, nos
quais doenças metabólicas e cardiovasculares podem comprometer seriamente a saúde e
aumentar os riscos cirúrgicos, é importante que seja avaliada e tratada de maneira mul-
tidisciplinar e integrada. Resultados cirúrgicos bons e ótimos são vistos em cerca de 70%
dos pacientes.
□ PONTOS RELEVANTES
QUES T ÕE S
5. Claudicação radiculan
A. Pode ser causada por insuficiência da artéria poplítea.
B. É urgência neurocirúrgica.
C. É causada por estenose lateral ou foraminal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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26
INTRODUÇÃO
295
296 neurologia e neurocirurgia HIAE
RELATO DE CASOS
Caso 1
FIGURA 26.1 Ressonância m agnética (RM) T2 realizada na ocasião do início dos sintom as,
m ostrando hérnia param ediana esquerda com discreta com pressão da raiz L5 esquerda, em
cortes sa g ita is e axial.
FIGURA 26.2 Tomografia com putadorizada (TC) e RM após 2 anos da prim eira cirurgia, com
a presença de alterações discais em L4/L5.
298 neurologia e neurocirurgia HIAE
Após 1 ano, o paciente voltou a apresentar dores lombares sem irradiação para os
membros inferiores. Nessa época, havia aumentado de peso e tinha dificuldade no
controle da glicemia.
Foi indicado o tratamento conservador com reforço muscular e perda de peso, o
qual não foi seguido adequadamente. Devido à persistência da dor, nova cirurgia
foi realizada 4 anos após a primeira, constando de laminectomia descompressiva
associada a implantação de espaçadores intersomáticos (PLIF - p o s te r io r lu m b a r
in te rb o d y fu s io n ) nos níveis L4/5 e L5/S1 e artrodese posterior com parafusos pedi-
culares em L4, L5 e SI (Figura 26.3).
Após 15 dias da operação, o paciente apresentou febre, dor lombar intensa e secreção
na ferida operatória. Foi realizada limpeza cirúrgica local e instituída a antibiotico-
terapia, mas a dor persistiu. Em novo exame por imagem, foi identificada coleção
líquida em torno dos implantes. Então, foi realizada a drenagem e mantida a anti-
bioticoterapia de forma empírica, uma vez que não se isolou o agente patogênico
(Figura 26.4).
Após 4 meses, o paciente persistia com dores importantes que o limitavam para
a marcha por distância maior que 15 m e sem condição de permanecer em pé ou
CAPÍTULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 299
FIGURA 26.4 RM e TC com presença de coleção líquida ju n to às lâm inas, deslocam ento do
espaçador interdiscal em L5/S1 e afrouxam ento dos parafusos (setas).
sentado por mais que 15 min. Foi, então, indicada nova cirurgia para remoção dos
implantes e enxertia óssea intersomática com a troca do instrumental de síntese.
Neste caso, fica evidente o fato de que a indicação inadequada para o tratamento de
uma pequena hérnia discai em paciente com vários fatores de risco conduziu a um
problema de difícil, se não impossível, solução.
Caso 2
FIGURA 26.5 R adiografias sim ples dem onstram a in sta b ilid a d e entre L4 e L5 durante a
flexão e a extensão.
FIGURA 26.6 Im agens em corte axial por RM, nas quais se percebe a redução do canal
vertebral e a presença de líquido nas articulações in te rfa ce tá ria s.
FIGURA 26.7 TC pós-operatória dem onstrando descompressão por lam inotom ia em L4, pre
servação das estruturas m edianas e artrodese com enxerto ósseo, além de estabilização com
parafusos pediculares em L3, L4 e L5.
CAPÍTULO 26 i n s t r u m e n t a ç ã o c i r ú r g i c a na e s p o n d i l o s e l o m b a r - a v a l i a ç ã o c r í t i c a 301
► DISCUSSÃO
Os dois casos apresentados ilustram alguns pontos importantes que devem ser consi
derados para o tratamento da espondilose vertebral, evidenciando princípios importantes
que devem ser observados, como:
■ a área sintomática deve ser considerada com muito cuidado e extensivamente explora
da por meio de anamnese e exame físico cuidadoso;
■ os exames de imagem podem induzir a valorização excessiva de alterações degenerati
vas nem sempre sintomáticas;
■ a descompressão extensa deve ser indicada apenas quando a área sintomática não for
confirmada;
■ quando se realiza a descompressão de apenas uma raiz e não há instabilidade, a fusão
é desnecessária;
■ quando há remoção completa de mais que uma faceta, a artrodese deve ser feita (exceto
em pacientes idosos ou quando o espaço discai nesse nível for ausente);
■ nas orientações pré-operatórias, o paciente deve ser alertado e preparado para o caso
de uma eventual artrodese e para o risco de complicações, como lesão ou laceração de
dura ou raiz, infecções, tromboflebites, embolia pulmonar e recidiva de sintomas de
correntes de uma descompressão inadequada ou por recidiva da estenose.
■ pacientes com até 7 anos de sintomas apresentaram melhor resultado com descompres
são isolada;
■ pacientes com 15 anos ou mais de sintomas tiveram melhores resultados com descom
pressão com fusão e instrumentação;
■ pacientes com 8 a 15 anos de sintomas não apresentaram diferença entre os procedi
mentos.
A laminectomia isolada foi comparada por Katz et al.3 à artrodese não instrumentada
nas espondiloses, com o objetivo de identificar quais fatores estariam relacionados à deci
são pela artrodese associada à descompressão. Foram estudados 310 pacientes operados
por oito cirurgiões em quatro hospitais considerados centros de referência em ortopedia
(Boston, Massachusetts, Winston Salem, North Carolina e Hanover), avaliando os sinto
mas, a capacidade de marcha e a satisfação aos 6 e 24 meses pós-laminectomia e laminec
tomia com artrodese com e sem instrumentação. O seguimento mínimo de 6 meses foi
observado em 236 pacientes, enquanto 199 foram acompanhados por 24 meses. A laminec
tomia isolada foi realizada em 71% dos casos e esse procedimento foi associado à artrodese
com (15%) ou sem (14%) instrumentação nos 29% restantes. Como resultado dessa análise,
observou-se que a decisão sobre a realização da artrodese depende mais do cirurgião que da
presença de variáveis, como espondilolistese, e que a artrodese não instrumentada levou a
maior alívio da dor lombar entre 6 e 24 meses (p = 0,01). O custo médio do tratamento com
a laminectomia foi de U$ 12.615, de U$ 18.495 com a artrodese não instrumentada e de U$
25.914 com a artrodese instrumentada.
Para a análise de qualidade de vida Epstein et al.4, em 2007, aplicaram o questionário
SF-36 em 140 pacientes submetidos a laminectomias em múltiplos níveis e a fusões instru-
mentadas em um nível (95 pacientes) e dois níveis (45 pacientes). Os resultados pelo SF-36
e as taxas de fusão foram avaliadas após 3, 6 e 12 meses dos procedimentos. Após 1 ano,
observou-se melhora em seis das oito escalas de saúde do SF-36.0 uso de enxerto autólo-
go de ilíaco, lâminas e processos espinhosos suplementados por diferentes tipos de matriz
óssea desmineralizada para completar a massa lateral de fusão foi adotado na proporção
de 50:50 e a fusão foi documentada em 92,6% aos 5,2 meses, em média. Os resultados do
questionário SF-36 são apresentados na Tabela 26.1.
Vitalidade ++ ++
Atividade social + +
Condição emocional +++ +++
piora; +: melhora discreta; + + : melhora moderada; + + + : melhora significativa.
■ existe dependência do resultado obtido com a capacidade social de arcar com os custos;
■ a forma de medir esses parâmetros é ainda controversa, dependendo de melhores in
formações sobre os procedimentos e seus custos.
Um importante estudo publicado por Kuntz et al.5 avalia a relação entre custos e efetivi
dade das fusões vertebrais com e sem instrumentação para o tratamento das espondiloliste-
ses degenerativas e estenoses vertebrais. Nesta análise, são comparados os resultados após as
laminectomias, as laminectomias e a fusão não instrumentada e as laminectomias e a fusão
instrumentada com parafusos pediculares. Os estudos publicados nos Estados Unidos entre
1987 e 1998 foram avaliados quanto à efetividade dos procedimentos e seus custos, baseados
em valores correntes nos anos de 1996 e 1997. Entre as complicações imediatas, observou-se
que a infecção ocorreu em 1% das laminectomias contra 1,8% dos casos de artrodese. A lesão
permanente de medula ou cauda equina foi relatada em 0,2% dos pacientes com fusão e a
lesão permanente de raiz em 1,8% nas fusões não instrumentadas e em 1,5% nas fusões ins-
trumentadas. A lesão durai ocorreu em 5,7% das fusões não instrumentadas e em 7,4% das
instrumentadas, sendo que as complicações neurológicas são 60% menores no grupo sem
fusão. A consolidação da artrodese em até 6 meses no grupo sem instrumentação foi de 70%
e, nos pacientes com instrumentação, de 90%.
Quanto aos resultados clínicos, houve 60% de melhora nos laminectomizados e 80% no
grupo com laminectomia e fusão. Entre os pacientes sem melhora em até 6 meses, 50% foram
submetidos a uma segunda cirurgia e, destes, 60% tiveram algum benefício. Para essa popu
lação, foi calculado o n u m b e r o f q u a lity -a d ju ste d life-years (QALYs), que permite estimar o
impacto financeiro de um determinado problema de saúde, considerando a quantidade e a
qualidade de anos de vida.
Foram considerados em dólares os custos diretos das operações e reoperações, os custos
indiretos e o custo anual de perdas salariais para os pacientes que permaneceram sintomá
ticos. Para os casos representativos, são citados custos de U$ 21.025 sem fusão, U$ 26.965
para a fusão não instrumentada e U$ 35.669 com instrumentação. Para estes, o QALYs foi
de 7,938 anos nos casos sem fusão, 8,053 anos nos com fusão não instrumentada e 8,056
anos nas instrumentadas.
O incremento em custo-efetividade foi de U$ 56,500 por QALYs para as fusões não
instrumentadas, enquanto o incremento de custo-efetividade nas fusões instrumentadas,
quando comparadas às laminectomias sem fusão, foi de U$ 3.112.800 por QALYs.
Em sua análise final, os autores concluem que a relação de custo-efetividade para as lami
nectomias sem fusão foi superior à dos outros procedimentos, mas que esse resultado deve ser
fortemente considerado quanto à sua real efetividade para o alívio dos sintomas e pela valo
rização de qualidade de vida por parte dos pacientes. A fusão instrumentada foi considerada
excessivamente dispendiosa quando analisada e comparada aos resultados e taxas de melhora.
Em sua avaliação sobre as implicações desse estudo, o CRD considera que a tecnolo
gia adotada depende da disponibilidade para arcar com os custos relativos ao ganho em
304 neurologia e neurocirurgia HIAE
n PONTOS RELEVANTES
0 Importância do conhecimento sobre a história natural da espondilose vertebral.
0 Pacientes assintomáticos podem apresentar significativas manifestações em exames de
imagem.
0 A melhora dos sintomas pode ocorrer em até 3 meses na maioria dos pacientes, inde
pendentemente da forma de tratamento.
0 A indicação para o tratamento cirúrgico decorre da piora dos sintomas apesar de um
tratamento conservador adequado.
0 A instrumentação está indicada principalmente nas situações em que a ressecção óssea
para a descompressão do canal vertebral é extensa e compromete a estabilidade.
0 A consolidação da artrodese foi mais frequente nos pacientes submetidos a fusões com
instrumentação e uso de enxerto autólogo.
0 Nos estudos avaliados, a decisão sobre a realização das artrodeses, instrumentadas ou não,
dependeu mais do cirurgião que da presença de variáveis, como instabilidade ou deformi
dades.
0 As complicações neurológicas são mais frequentes nas fusões instrumentadas.
0 De acordo com as respostas obtidas em questionários sobre qualidade de vida, após os
procedimentos de laminectomia e fusão, a melhora da dor, do desempenho físico e da
vitalidade foi moderada. A melhora na saúde geral foi discreta e houve melhora signifi
cativa apenas na qualidade emocional.
0 A fusão instrumentada foi considerada excessivamente dispendiosa quando analisada
e comparada aos resultados e taxas de melhora.
QUES T ÕE S
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306 neurologia e neurocirurgia H I AE
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SEÇÃO 10
TUMORES CEREBRAIS
27
INTRODUÇÃO
309
310 neurologia e neurocirurgia HIAE
Neste capítulo, serão abordados dois casos de glioblastoma. Posteriormente, serão dis
cutidos os aspectos mais relevantes de seu diagnóstico, prognóstico e tratamento.
RELATO DE CASOS
Caso 1
FIGURA 27.1 T I axial pós-contraste. Grande massa córtico-subcortical predom inantem ente
parietal, o ccip ita l e tem poral esquerda, com realce heterogêneo.
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 311
FIGURA 27.2 T I axial pós-contraste. Cavidade operatória sem sinais de recrescim ento. Área
nodular de im pregnação inalterada em relação ao exame pós-operatório.
Caso 2
Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, iniciou, em maio de 2008, a ter sinto
mas leves de formigamento em mento e sensação forte episódica de gosto ruim na
boca. Procurou o pronto-atendimento do HIAE e foi atendido pelo serviço de neu
rologia que, após exames físico e neurológico normais, solicitou uma RM cerebral.
Nesse exame, foi possível observar um processo expansivo medindo 6 cm em seu
maior diâmetro, envolvendo a ínsula, o lobo frontal profundo, os giros pré-central e
temporal superior direito, acarretando discreto desvio da linha média para a esquer
da, de aspecto heterogêneo, com limites mal definidos, hipossinal em T l, hipersinal
em T2 e FLAIR com realce periférico (Figura 27.3).
312 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 27.3 T I axial pós-contraste. Imagem com tum or que acomete predom inantem ente giro
tem poral superior que desloca a fissura sylviana caudalm ente e mostra realce heterogêneo.
Em maio de 2008, o paciente foi submetido a uma craniotomia, quando toda a lesão
foi ressecada (Figura 27.4). O exame anatomopatológico mostrou um glioblastoma.
Após a cirurgia, houve desaparecimento dos sintomas neurológicos. O paciente foi
encaminhado ao serviço de radioterapia, quando foi realizada radioterapia loca-
lizada/conformada (dose total de 61,4 Gy, com frações diárias de 1,8 Gy/dia) no
período de 3 de junho de 2008 a 21 de julho de 2008. Concomitante ao tratamento
radioterápico, foi realizado tratamento com temozolomida na dose de 75 mg/m2/
dia, de forma contínua, durante todo o tratamento da radioterapia.
FIGURA 27.4 T I axial com contraste. C avidade operatória, estável em relação ao exame
pós-operatório im ediato.
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 313
► DISCUSSÃO
outras alterações genéticas intratumorais que incluem deleção ou mutações de ciclinas de
pendentes de quinase, associadas à inibição d o p 16 ou do gene do retinoblastoma. O passo
de transformação secundária para glioblastoma ocorre, provavelmente, a partir de uma
deleção do cromossomo 10. Nesse cromossomo, está incluído o p h o sp h a ta se a n d te n sin
h o m o lo g (PTEN), que acaba por sofrer deleção. Nesses primeiros tipos de casos, o glioblas
toma recebe a denominação de secundário, porque ocorre após essa complexa transfor
mação genética. Por outro lado, tem-se o que se chama de glioblastomas de n o v o , ou seja,
de forma primária, sem que tenha havido qualquer fase anterior de glioma de baixo grau.
Trata-se do segundo tipo e o mais frequente das formas de glioblastoma, diagnosticado em
pacientes de idade mais avançada.
Do ponto de vista molecular, os glioblastomas primários compartilham algumas das al
terações moleculares já descritas anteriormente para os casos de glioblastoma secundário,
como a perda do PTEN e a mutação ou deleção d o p 16. Como características específicas,
no entanto, são frequentes a presença de amplificação dos receptores de EGF e a ausência
de alterações dop53. A compreensão desses mecanismos tem levado à idealização de estra
tégias racionais de terapias alvo-direcionadas no tratamento dos gliomas malignos.
Outro aspecto muito importante que está sendo estudado é a determinação do s ta
tu s da metilação do promotor do gene da metilguanina metil transferase (MGMT). Esse
gene é responsável pela produção da enzima MGMT, responsável pela reparação do DNA,
que sofre a ação de radio ou quimioterapia alquilante. A metilação do gene promotor da
MGMT inativa essa enzima em sua posição O6da guanina, de modo que esses tumores são
mais sensíveis à ação de agentes alquilantes e da radioterapia. Com técnica de imuno-his-
toquímica, Friedman et al. registraram resposta em 60% dos pacientes com glioblastomas
recém-diagnosticados e que continham níveis altos de metilação do promotor do gene da
enzima MGMT, levando à sua inativação, tratados com temozolomida, em comparação
a 9% de resposta daqueles que tinham esses níveis baixos. A metilação do promotor do
MGMT está presente em até 35% dos pacientes.
DIAGNOSTICO
Esse é um aspecto muito importante, visto que, infelizmente, a imensa maioria dos pa
cientes com glioma de alto grau, tratados da melhor maneira possível, recairá de sua doença
318 neurologia e neurocirurgia HIAE
Outra possibilidade que às vezes se anuncia é a reirradiação, que nunca pode ser feita
com doses convencionais de radioterapia em função do risco elevadíssimo de radionecro-
se. Outras técnicas, como in te n se m o d u la tio n ra d ia tio n th e ra p y (IMRT) e radiocirurgia,
também são cogitadas no cenário de radioterapia pós-rerressecção. Vários pequenos estu
dos têm demonstrado algum benefício da radiocirurgia na recidiva tumoral, sugerindo um
prolongamento da sobrevida para cerca de 10 a 12 meses, quando utilizada radiocirurgia
de fração única, ou de 7 a 12 meses, quando fracionada. Não há, no entanto, estudo pros-
pectivo e randomizado que possa esclarecer o real benefício desse tratamento. Ambas as
possibilidades são consideradas em função de alguns aspectos importantes.
O intervalo livre de recidiva e a perspectiva de sequelas pós-tratamento local são os ele
mentos essenciais na decisão de retratamento local. O local da recidiva e as áreas funcionais
que podem ser afetadas constituem fatores fundamentais para uma escolha de tratamentos
locais de resgate. Mesmo quando a opção de retratamento local é viável, o prognóstico per
manece sombrio na quase totalidade dos casos, ainda que possa representar um período a
mais livre de sintomas e progressão tumoral. Frequentemente, contudo, a situação se revela
intratável do ponto de vista local e inevitavelmente desastrosa para o paciente, os familia
res e a equipe médica. Até o momento, praticamente não há opção de tratamento quimio-
terápico com resultados razoáveis nessa situação. Podem ser encontradas, no entanto, na
literatura médica, algumas opções que frequentemente são tentadas. O retratamento com
temozolomida em doses contínuas talvez seja a mais importante. Pode-se, também, cogitar
o retratamento em doses convencionais, se o paciente teve um intervalo livre de progres
são e, principalmente, se teve resposta objetiva no passado.
O retratamento com temozolamida em associação a outros agentes quimioterápi-
cos, como procarbazina, BCNU, irinotecano, etoposide e topotecano, já foi testado, mas
os resultados não foram muito promissores. Mais recentemente, têm sido exploradas
algumas opções de tratamentos com drogas-alvo. O esquema mais importante é a com
binação de bevacizumabe com irinotecano. Esse esquema tem sido estudado em séries
relativamente pequenas de pacientes. Trata-se de um protocolo de tratamento que foi
inicialmente ensaiado pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e que entusias
mou muito a comunidade oncológica quando mostrou que cerca de 40% dos pacientes
apresentaram remissão objetiva da área de edema e, muitas vezes, do volume de realce
tumoral. O elemento-chave desse protocolo é a droga bevacizumabe, uma molécula de
ação antiangiogênica, um anticorpo monoclonal humanizado que se liga ao v a sc u la r e n -
d o th e lia l g r o w th fa c t o r (VEGF), de administração endovenosa e que, claramente, trouxe
ação marcantemente antiedematosa com repercussão quase imediata no controle dos
sintomas nos pacientes tratados. O impacto dessa associação tem chamado muito a aten
ção em relação à melhora do edema e da sintomatologia clínica decorrente. Muitas vezes,
nota-se que essa melhora é mais importante que a advinda do uso de corticosteroide.
Acrescenta-se a isso a possibilidade de retirada do corticosteroide e os benefícios que
isso acarreta ao bem-estar do paciente.
320 neurologia e neurocirurgia HIAE
a PONTOS RELEVANTES
0 Os gliomas de alto grau correspondem a 78% dos tumores primários do SNC em adul
tos e têm comportamento bastante agressivo, com sobrevida mediana de 9 a 12 meses,
para o glioblastoma, e de 2 a 3 anos, para o astrocitoma anaplásico.
0 O glioblastoma compreende duas entidades clínicas distintas que evoluem por vias ge
néticas diversas e se manifestam em diferentes faixas etárias, embora com caracterís
ticas morfológicas e microscópicas indistinguíveis. O glioblastoma primário (d e n o v o )
corresponde a 95% dos casos, geralmente apresenta curto intervalo entre a apresen
tação dos sintomas e o diagnóstico e ocorre com mais frequência em pacientes ido
sos, com predomínio no sexo masculino. Do ponto de vista molecular, caracteriza-se,
frequentemente, por amplificação dos receptores do EGF e mutações ou deleções do
PTEN, levando a uma desregulação da via de sinalização PI3K/AKT, entre outras. O
glioblastoma secundário é relativamente raro e se desenvolve a partir de um astrocito
ma de baixo grau. Tende a acometer pacientes mais jovens, com predomínio no sexo
feminino, e apresenta, mais frequentemente, mutações do gene supressor p 5 3 , aumento
da expressão ou amplificação dos ligantes ou receptores do PDGF, alterações das vias
do p 16, retinoblastoma, entre outros.
0 A cirurgia é essencial para permitir o diagnóstico definitivo do glioblastoma. O papel
da extensão da ressecção como fator prognóstico, embora altamente provável, ainda é
CAPÍTULO 27 t r a t a m e n t o do g l i o b l a s t o m a m u l t i f o r m e - a b o r d a g e m a t u a l e p e r s p e c t i v a s 321
controverso. A tendência da maioria dos serviços tem sido indicar a cirurgia mais am
pla possível, desde que segura (sem risco de causar piora do quadro neurológico), nos
pacientes com tumores acessíveis, particularmente nos jovens.
0 Atualmente, a associação de radioterapia fracionada na dose de 58 a 60 Gy e temozo-
lomida (75 mg/m2/dia) de forma contínua, concomitante à radioterapia, seguida de te-
mozolomida na dose de 150 a 200 mg/m2/dia, por 5 dias, a cada 28 dias, por 6 ciclos, foi
estabelecida como tratamento de escolha após a publicação de um importante estudo
prospectivo e randomizado.
0 O s ta tu s de metilação do gene da enzima MGMT tem significado prognóstico indepen
dente e, ao mesmo tempo, preditivo de resposta, quando os pacientes são tratados com
radioterapia e temozolomida.
0 O tratamento de escolha nos casos de recidiva ainda não está estabelecido. Mais re
centemente, têm sido exploradas algumas opções de tratamento com drogas-alvo. O
esquema mais utilizado é a combinação de bevacizumabe e irinotecano.
0 A combinação de drogas antiangiogênicas e quimioterapia com e sem associação à
radioterapia é o foco atual da pesquisa clínica no tratamento concomitante e adjuvante
do glioblastoma e dos gliomas de alto grau.
QUES T ÕE S
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28
INTRODUÇÃO
325
326 neurologia e neurocirurgia HIAE
RELATO DE CASOS
Caso 1 — NF1
Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, nasceu com poucas manchas “café
com leite” e, com 1 ano de idade, já apresentou dificuldades visuais, especialmente
à esquerda. Foram diagnosticados miopia e estrabismo, iniciando-se correção vi
sual e oclusão intermitente. Evoluiu com quedas. Aos 7 a 8 anos, aumentaram as
manchas e apareceram as sardas. Aos 8 anos, iniciou cefaleia intensa e, aos 9 anos,
foi levantada a suspeita diagnóstica de NF1, sendo encaminhada ao neurologista.
Aos 10 anos, fez ressonância magnética (RM) de crânio e exames oftalmológicos
específicos, quando foi identificada perda visual quase completa à esquerda e feito o
diagnóstico de glioma óptico. A paciente não fez tratamento algum.
Aos 11 anos, apareceram nódulos cutâneos. Após 12 anos, iniciou acompanhamen
to com RM cerebral anual. Há 11 anos, iniciou exérese seletiva de neurofibromas
cutâneos que causavam dor e desconforto e fez RM da coluna cervical, torácica e
lombossacral e dos membros inferiores, detectando neurofibromas intrarraquianos
e paravertebrais e nas panturrilhas, mantendo acompanhamento periódico (Figura
28.1). Os nódulos aumentaram em número e tamanho. Há 2 anos, apresenta cefaleia
intensa seguida de perda de consciência e convulsão, não acompanhada de altera
ção de tamanho dos tumores de sistema nervoso central (SNC).
FIGURA 28.1 Espessamento do nervo óptico esquerdo sem realce associado. A: nódu
lo córtico-subcortical tem poral esquerdo, lobulado, com hipersinal em T2/FLAIR, hipossinal
em T l, m ínim o realce periférico e diâm etro médio igual a 2,5 cm. B: nódulo em projeção
córtico-subcortical fro n ta l à direita, param ediano, com diâm etro máximo igual a 1,5 cm e
característica sem elhante à descrita.
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 327
D ia g n ó s tic o c lín ic o
D ia g n ó s tic o c o m p le m e n t a r
A abordagem inicial de pacientes com NF 1 deve constar de anamnese com ênfase aos
sinais e sintomas da doença e exame físico, com antropometria, medida da pressão arterial
(PA), avaliação da pele, inspeção dos ossos longos e coluna e exame neurológico.5Uma vez
considerado o diagnóstico, o paciente deve ser encaminhado a um médico com experiên
cia em neurofibromatose.6
Investigações complementares não são recomendadas para a detecção da maioria das
complicações da doença, mas deve-se realizar uma avaliação oftalmológica, principalmen
te em crianças, que normalmente não se queixam de sintomas visuais.6
D ia g n ó s tic o s d if e r e n c ia is
(continuação)
T r a ta m e n to
Adultos com quadro mais grave devem ser acompanhados periodicamente. Aos adul
tos assintomáticos, o acompanhamento mínimo inclui monitoração da PA e controle de
sintomas não usuais. Na presença de qualquer alteração, o paciente deve ser encaminhado
a um especialista. As RM de crânio e coluna basais e imagem do tórax e abdome não in
fluenciam o manejo e não são recomendadas.6
O controle dos principais sintomas da doença é sumarizado na Tabela 28.4.
► DISCUSSÃO
N e u ro fib ro m a s
Os neurofibromas são tumores benignos que surgem da bainha dos nervos periféri
cos, sendo classificados em discretos (cutâneos ou subcutâneos) ou plexiformes (nodu
lares ou difusos).4,6 Os neurofibromas cutâneos ou subcutâneos geralmente aparecem na
adolescência e podem estar associados a prurido2 (Figura 28.2). Já os plexiformes (Figura
28.3) envolvem múltiplos feixes nervosos e podem crescer exageradamente e causar des
figuração, apresentando ramificações digitiformes que se insinuam nos tecidos adjacentes
normais, tornando a remoção cirúrgica completa praticamente impossível.4 Geralmente
aparecem nos primeiros anos de vida.
FIGURA 28.3 A: neurofibrom a plexiform e que acom ete todo o m em bro in fe rio r esquerdo.
B: neurofibrom as plexiform es cervicais, p a ra tra q u e a is, em tra je to de plexo b ra q u ia l e su -
p ra cla vicu la re s b ila te ra is .
(continua)
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 331
G lio m a s ó p tic o s
G e n é tic a
O gene da NF1 está localizado em 17ql 1.2 e é um gene supressor tumoral, grande, com
posto por 60 éxons.10 Codifica a proteína neurofibromina, uma região de homologia com
a família de proteínas ativadoras de GTPase (GAP), o domínio relacionado a GAP (GRD).
O GRD pode estimular a atividade GTPase intrínseca de RAS.10-12
neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 28.4 Esquema m ostrando efeitos da inativação da neurofibrom ina m utada, m anten
do o RAS na sua form a ativa (RAS-GTP) e causando aum ento da proliferação e sobrevivência
celulares.71012
A análise de mutações nos pacientes com NF1 é de difícil execução por causa do grande
tamanho do gene e da falta de pontos quentes de mutação. Atualmente, mutações no gene NF1
são encontradas em aproximadamente 85 a 95% dos pacientes usando uma combinação de téc
nicas moleculares que incluem DHPLC, sequenciamento direto, FISH, MLPA e array de CGH.6
A maior parte das mutações resulta em uma proteína truncada.11 Acredita-se que a extrema
variabilidade clínica observada na NF1 ocorra devido à atuação de genes modificadores.1013
Outro gene, o S P R E D 1 , foi associado a manchas “café com leite” e sardas, transmitidas
de maneira autossômica dominante, sem outras características da NF1.14
A c o n s e lh a m e n to g e n é tic o
O aconselhamento genético deve ser oferecido para todas as famílias afetadas por NF1.
O risco de NF1 para cada descendente de um afetado é de 50%, independentemente do
sexo. É importante ressaltar que existe grande variabilidade clínica da doença e que ainda
não existem maneiras de se prever a gravidade e a evolução.56
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 333
Caso 2 - NF2
D ia g n ó s tic o c lín ic o
D ia g n ó s tic o c o m p le m e n t a r
D ia g n ó s tic o s d if e r e n c ia is
Embora tenham o mesmo nome, a NF1 e a NF2 são doenças clinicamente diferen
tes, mesmo havendo alguma sobreposição clínica.15 O principal diagnóstico diferencial
da NF2 é a schwannomatose, caracterizada pela presença de múltiplos schwannomas sem
evidência de tumores vestibulares. Os critérios diagnósticos revistos são descritos na Ta
bela 28.6.2
T r a ta m e n to
► DISCUSSÃO
S c h w a n n o m a s e o u tro s tu m o re s
O u tra s m a n ife s ta ç õ e s
Além das manifestações tumorais, a maioria dos pacientes apresenta cataratas, geralmente
opacidades lenticulares subcapsulares posteriores de início precoce, que raramente necessi
tam de tratamento cirúrgico.15,17Observam-se também membranas epirretineanas, tumores e
outras alterações visuais precoces. Quanto mais precoce o início, maior a frequência de perda
visual e maior a chance de tumores de SNC.19Pode ocorrer polineuropatia generalizada em 3
a 5% dos adultos, associada a nervos com aspecto de cebola à biópsia.15,17
Embora mais sutis que na NF1, as alterações dérmicas são muito comuns na NF2. Tu
mores dérmicos geralmente despercebidos são os primeiros sinais da doença, em cerca de
70% dos pacientes, sendo a maioria schwannomas, mas, eventualmente, são observados
neurofibromas.15,17Na infância, a primeira manifestação, habitualmente, é não vestibular, po
dendo ocorrer tumores dérmicos sutis, opacidades lenticulares, ambliopias congênitas ou
estrabismo. Retrospectivamente, sinais da doença já estão presentes em cerca de metade dos
indivíduos afetados antes dos 5 anos de idade, mas requerem uma avaliação cuidadosa.17
G e n é tic a
O gene da NF2, localizado em 22ql 1.2, codifica uma proteína denominada merlin, ex
pressa em muitos tipos celulares, que atua na adesão e na sinalização celular.17,20 Mutações
são encontradas em todos os éxons do gene, exceto nos 16 e 17, na maior parte dos pa
cientes, geralmente levando a uma proteína truncada com perda de fimção. Em famílias
nas quais não se encontram mutações, observa-se idade de início mais tardia e menor
frequência de tumores não vestibulares.15,20,21 Mutações que geram uma proteína truncada
causam fenótipo mais grave.2
Por ser uma doença autossômica dominante, o aconselhamento genético deve ser ofe
recido para indivíduos afetados.2
a PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
4. 0 tratamento da NF2:
A. Deve sempre objetivar a exérese total dos SV bilaterais.
B. É única e exclusivamente cirúrgico, geralmente apresentando bons resultados.
C. Deve antecipar a possibilidade de complicações, perda auditiva, paralisia facial e recidiva
tumoral.
CAPÍTULO 28 o n c o g e n é t i c a e m n e u r o f i b r o m a t o s e t i p o s I e II - a p l i c a ç õ e s p r á t i c a s 339
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29
INTRODUÇÃO
Gliomas são tumores que se originam das células da glia, as células de suporte do siste
ma nervoso central (SNC), incluindo os astrocitomas, os oligodendrogliomas e os oligoas-
trocitomas, também chamados de gliomas mistos. Fazem parte do grupo dos tumores neu-
roepiteliais e correspondem a 36% dos tumores primários e 81% dos tumores malignos do
SNC. Na sua análise imuno-histoquímica, os gliomas expressam necessariamente a g lia l
fib r illa r y a cid ic p r o te in (GFAP) nos processos citoplasmáticos que estendem a partir dos
astrócitos, demonstrando, assim, sua natureza glial.
Na classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), os gliomas podem ser, em
geral, classificados por graus histológicos, sendo que os gliomas de baixo grau (GBG) de
malignidade correspondem aos gliomas classificados como grau II (astrocitoma difuso),
em contraposição aos gliomas grau I (astrocitoma pilocítico), grau III (astrocitoma ana-
plásico) e grau IV (glioblastoma).
Os GBG constituem infiltrações difusas e sem delimitação precisa que se expandem
pelo parênquima cerebral, obliterando as fronteiras normais entre as substâncias branca e
cinzenta. Células tumorais podem, inclusive, ser identificadas à distância da formação tu-
moral mais densa e principal dentro do parênquima normal, mostrando seu caráter inexo
rável e infiltrativo. Os astrocitomas grau II podem também ser divididos em três subtipos
principais: fibrilar (mais comum), protoplásmico e gemistocítico (mais agressivo).
341
342 neurologia e neurocirurgia HIAE
alélica (LOH) combinada dos cromossomos lp e 19q, que, atualmente, tem sido atribuída,
em grande parte dos casos, a uma translocação (t[l,19][ql0;pl0]), também associada ao
fenótipo mais clássico desses tumores do ponto de vista anatomopatológico. Recentemen
te, foi demonstrado que o aumento da sobrevida dos pacientes cujos tumores apresentam
codeleção de lp e 19q é significativo e independe do tratamento realizado. Assim, foi possí
vel estabelecer, pela primeira vez em tumores primários do SNC, um marcador genético de
prognóstico. A análise cromossômica tende a se tornar, portanto, um passo essencial nas
decisões terapêuticas e na avaliação do prognóstico desses pacientes.
Diferentemente do que ocorre nos tumores com componente oligodendroglial, ainda
não se conhecem marcadores biológicos bem definidos relacionados ao prognóstico dos
astrocitomas. Alguns fatores parecem influenciar favoravelmente o prognóstico desses pa
cientes, como menor idade, melhor estado funcional, menor índice de proliferação celular,
maior grau de ressecção e menor volume de tumor residual pós-operatório. Esses fatores
devem ser levados em consideração nas decisões individuais sobre o tratamento.
Não se conhece tratamento curativo para os GBG (grau II da OMS). A conduta adotada
nos pacientes com esses tumores ainda é um dos assuntos mais controversos em neuro-on-
cologia, considerando-se que, na maioria das vezes, o tumor acomete pacientes jovens, cuja
única manifestação clínica costuma ser a presença de crises epilépticas. Por outro lado,
apesar da ausência de características histológicas malignas (ausência de mitoses, prolife
ração microvascular e necrose), os GBG não podem ser considerados benignos, pois são
frequentemente infiltrativos, favorecendo a recidiva. Além disso, apesar da sobrevida me
diana relativamente longa (entre 5 e 8 anos), tendem a recrescer ou progredir para graus
mais malignos em 50 a 75% dos pacientes.
Entre as três variantes dos astrocitomas de baixo grau (fibrilar, protoplasmático e ge-
mistocítico), destaca-se o astrocitoma gemistocítico. Segundo a maioria dos autores, o as-
trocitoma gemistocítico poderia apresentar evolução para transformação maligna mais
precoce. Entretanto, essa questão é polêmica, já que, nos últimos anos, alguns autores têm
questionado o papel do astrócito gemistocítico na transformação maligna desses tumores,
sugerindo que, possivelmente, essa evolução poderia estar relacionada a um componente
anaplásico do tumor.
Em termos do manejo inicial dos gliomas em geral, sobretudo dos GBG, existem duas
abordagens-padrão. Discute-se ressecção cirúrgica ou apenas biópsia. Diante do diagnóstico
de um provável glioma, quando há localização e percepção de uma possível ressecção máxima,
geralmente, opta-se pela segunda abordagem. Quando a ressecção não é possível, procede-se à
biópsia estereotáxica para que se possa fazer o diagnóstico anatomopatológico.
Apesar das controvérsias e da ausência de estudos randomizados que comprovem vanta
gem da ressecção ampla sobre a biópsia, a maioria dos autores é favorável à cirurgia, com ob
344 neurologia e neurocirurgia HIAE
RELATO DE CASO_________________________________________________________
FIGURA 29.1 Imagens referentes a março de 2006, quando se considerou haver progressão
da neoplasia. A: im agens de RM ponderadas em T I com contraste.
(continua)
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 347
Entre maio e junho de 2006, a paciente foi submetida à RT remissiva com finalidade
curativa, pela técnica conformada com modulação de intensidade do feixe (IMRT)
na região temporal direita na dose de 54 Gy, divididos em 30 frações diárias de 1,8
Gy. Um mês após o término da RT, apresentava diminuição da frequência das crises
parciais que ocorriam, então, uma vez a cada 3 ou 4 dias. A RM de controle realizada
em julho de 2006 apontou para o controle do tumor, sem alterações significativas em
seu volume. Seguiu com a mesma sintomatologia de crises parciais com frequência
variável, e a RM de janeiro de 2007 mostrou regressão do volume com hipossinal em
TI e hipersinal em T2 e FLAIR.
348 neurologia e neurocirurgia HIAE
FIGURA 29.2 Imagens com parativas de abril de 2007, na segunda progressão com provável
transform ação m aligna em janeiro de 2007. A: im agens ponderadas em T I com contraste
(axiais). B: im agens coronais e sa g ita is ponderadas em T I com contraste.
► DISCUSSÃO
Os GBG são tumores incuráveis, mas apresentam uma evolução clínica que pode
ser indolente, especialmente em pacientes jovens. Assim, sua abordagem terapêutica
deve ser muito cuidadosa no sentido de não causar mais dano que a própria doença. Ao
contrário de grande parte das neoplasias, a observação armada é uma opção bastante
interessante nas diversas fases da evolução clínica dessa doença, e as intervenções tera
CAPÍTULO 29 r á d i o e q u i m i o t e r a p i a no t r a t a m e n t o d o s g l i o m a s d e b a i x o g r a u 349
□ PONTOS RELEVANTES
IZI Os gliomas de baixo grau são tumores que têm curso indolente durante grande parte
de sua história natural, mas que se tornam fatais em praticamente todos os casos após
transformação em glioblastoma.
IZI A ressecção cirúrgica é uma conduta controversa, mas ainda buscada em casos de pa
cientes jovens e cujo tumor propicie um máximo de radicalidade cirúrgica sem que
isso traga sequelas irreparáveis em razão da localização do tumor em áreas eloquentes.
IZI O momento ideal para indicação da RT no diagnóstico ou na progressão deve ser in
dividualizado, considerando-se fatores prognósticos, como idade, estado funcional, ta
manho do tumor, extensão da ressecção e tipo histológico.
IZI A dose de RT deve ser de 50 a 54 Gy, com base em estudos com nível de evidência I.
IZI O papel da QT como tratamento isolado ou combinada com RT ainda é objeto de es
tudos em andamento.
QU E S T ÕE S
3. A observação armada está mais bem indicada nos pacientes com GBG e:
A. Mais de 60 anos de idade e ressecção parcial da lesão.
B. Lesões apresentando contrastação em algum ponto do tumor.
C. Tumor completamente ressecado.
5. Nos pacientes que apresentam recidiva pós-RT e se encontram em bom estado funcional:
A. A cirurgia deve ser feita com a finalidade de citorredução máxima e confirmação de diagnóstico
histológico.
B. A QT não é mais ativa e não deve ser indicada, a não ser nos casos com translocação lp 19q.
C. A radiocirurgia é a melhor alternativa de tratamento.
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30
INTRODUÇÃO
RELATO DE CASOS
Caso 1
Caso 2
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
A busca ativa, a partir de exames por imagens periódicos em pacientes com câncer,
pode levar ao diagnóstico de metástases cerebrais assintomáticas. Quando o diagnóstico
é feito juntamente com o do tumor primário, diz-se que é síncrono. Na maioria das vezes,
no entanto, o diagnóstico é metácrono, feito algum tempo após o diagnóstico do tumor
primário e, muitas vezes, depois de diagnosticadas as metástases extracranianas. Quando
há apenas metástase cerebral, não havendo outras extracranianas, diz-se que a mesma é
solitária. Quando há apenas uma no sistema nervoso, na existência de outras extracrania
nas, diz-se que é única.
Quando sintomáticas, as metástases cerebrais podem manifestar-se por distúrbios ir-
ritativos ou deficitários do SNC. Quadros irritativos caracterizam-se por crises de tipo
epiléptico, que podem ser generalizadas ou focais, dependentes da localização da lesão me-
tastática. Em 15 a 20% dos casos, são a manifestação inicial da lesão cerebral.6Convulsões
ocorrem em 30 a 40% dos pacientes com metástases cerebrais.
Quadros deficitários caracterizam-se por perda funcional, dependente da localização
da lesão, como paresias, parestesias e alterações da coordenação motora, da marcha, do
equilíbrio, visuais, da memória, da cognição e mentais. Em geral, acompanham-se de sinto
mas de hipertensão intracraniana, com cefaleia e vômitos, podendo haver edema de papila
à fundoscopia.
mários do SNC (Figuras 30.2 e 30.3). No cerebelo, as metástases tendem a ser alongadas,
como se acompanhassem as foliaeos sulcos cerebelares (Figura 30.4).
FIGURA 30.3 RM da cabeça após infusão endovenosa de contraste de paciente com m úl
tip la s m etástases cerebrais. Nesse corte coronal, observam -se duas lesões, uma delas com
aspecto anelar e outra possivelm ente com im plantação meníngea sobre a tenda do cerebelo.
Nota-se o edema que circunda cada uma das lesões.
CAPÍTULO 30 p r o t o c o l o p a r a o t r a t a m e n t o de m e t á s t a s e s c e r e b r a i s 359
na única e acessível, indica-se sua remoção cirúrgica. Nos casos de lesões intracranianas
múltiplas, indica-se biópsia estereotáxica.
TRATAMENTO
Não deve ser utilizada, porém, no tratamento de lesões com diâmetro superior a 35 mm,
sendo preferível não tratar pacientes com mais de seis metástases. A radiocirurgia pode ser
ou não associada à radioterapia de todo o cérebro, dependendo do caso. Leva ao controle
das lesões tratadas (ausência de crescimento ou redução volumétrica) em 90% dos casos,
mas não impede o aparecimento de novas metástases no curso da doença. A sobrevida
mediana após radiocirurgia é de 9 meses e o tempo de sobrevida varia consideravelmente,
de acordo com algumas variáveis, como a performance do paciente (avaliada pelo índice de
Karnofsky - Tabela 30.1), a idade, o estado da doença sistêmica, o número de metástases
intracranianas e o volume da maior destas. Conferindo-se uma nota de 0 a 2 para cada uma
dessas cinco variáveis, obtém-se um índice que varia de 0 a 10 e que corresponde ao score
in d e x f o r stereo ta ctic ra d io su rg ery o fb r a in m etá sta ses (SIR) (Tabela 30.2).
(continuação)
■ classe I: pacientes com índice de Karnofsky igual ou superior a 70, idade inferior a 65
anos, tumor primário controlado e sem evidência de metástase em outros órgãos, além
do cérebro;
■ classe III: pacientes com índice de Karnofsky inferior a 70;
■ classe II: os demais pacientes.
De acordo com esse sistema de análise, pacientes tratados com os métodos tradicionais,
incluindo radioterapia, mas excluindo radiocirurgia, apresentaram sobrevida de 7,1 meses
na classe 1,4,2 meses na classe II e 2,3 meses na classe III. Os pacientes tratados por radioci
rurgia associada à radioterapia de todo o cérebro apresentaram sobrevida de 13,6 meses na
classe 1,9,4 meses na classe II e 8,4 meses na classe III.
A possibilidade de identificar os pacientes que poderão se beneficiar da radiocirurgia,
por meio do SIR ou do RPA, e evitar sua indicação àqueles que não se beneficiarão é impor
tante para a adequada seleção e para a obtenção dos melhores resultados possíveis.23
A partir dos conhecimentos atuais quanto aos resultados das diversas modalidades de trata
mento, pode-se sugerir o algoritmo da Figura 30.5 para a abordagem terapêutica inicial.
A biópsia cirúrgica está indicada nos pacientes com metástases únicas ou ocasional
mente múltiplas, nas quais a natureza da lesão é duvidosa ou desconhecida. A remoção
cirúrgica está indicada nos pacientes com lesões únicas ou lesão predominante (nos casos
de lesões múltiplas), quando há necessidade de eliminar efeito de massa importante sobre
o tecido nervoso, determinando instabilidade neurológica, ou quando há necessidade de
comprovação histopatológica. O mesmo vale para pacientes com edema grave, hidrocefa
lia obstrutiva consequente à metástase ou, ainda, quando há probabilidade de sobrevida
364 neurologia e neurocirurgia HIAE
independente longa. As mesmas considerações valem para casos em que há duas metásta
ses próximas e cuja remoção cirúrgica seja considerada segura.
Quando o diagnóstico do tumor primário é conhecido, é possível determinar a conduta
terapêutica relativa às metástases cerebrais de acordo com esse diagnóstico. Os pacientes
com SIR igual ou inferior a 3 e que apresentam prognóstico sombrio são tratados por meio
de radioterapia de todo o cérebro e terapias de suporte. Os pacientes que apresentam SIR
igual ou superior a 4 são tratados de acordo com o diagnóstico do tumor primário.
Nas lesões secundárias a carcinoma de pequenas células (o a t cells) do pulmão, que, em
geral, são inúmeras, o melhor tratamento é a radioterapia de todo o cérebro associada à
quimioterapia. Nas metástases de tumores radiorresistentes, como melanomas, hiperne-
fromas e sarcomas, indica-se retirada cirúrgica, quando esta é possível - é o caso das lesões
únicas ou suficientemente próximas para uma remoção cirúrgica ou das lesões volumosas
com instabilidade neurológica.
Na presença de múltiplas metástases, opta-se por radiocirurgia, a qual, muitas vezes, é
efetiva, apesar da radiorresistência a tratamentos convencionais. Se o número de metásta
ses for superior a seis e/ou a maior metástase tiver volume superior a 30 cc, opta-se pela
radioterapia de cérebro total, pela falta de melhor possibilidade de tratamento.
Outras neoplasias são tratadas de acordo com o número e o volume das lesões intracra
nianas. As metástases únicas ou próximas, com volume da maior superior a 30 cc, são pre
ferencialmente tratadas por meio de cirurgia, seguida de radioterapia de todo o cérebro. Na
presença de múltiplas metástases ou quando o volume da maior metástase for inferior a 30
cc, a opção é pela radiocirurgia. Se o número de metástases for de até seis e a maior delas tiver
volume de até 30 cc, o tratamento é feito por meio de radioterapia de todo o cérebro e/ou ra
diocirurgia. Se for superior a seis, opta-se por radioterapia de todo o cérebro.
A quimioterapia pode ser útil no tratamento de pacientes com metástases cerebrais de
tumores sensíveis, particularmente naqueles em que está indicada no tratamento da lesão
primária e das extracranianas, quando as intracranianas são oligossintomáticas. A barreira
hematoencefálica é um fator limitante muito importante para a ação dos quimioterápicos,
mas há relatos de resultados satisfatórios no controle das metástases em pacientes com
carcinomas de mama e pulmão e com melanomas.24,25
São contraindicações para tratamentos focais eletivos:
Pacientes com recidivas após radioterapia de cérebro total, associada ou não à radioci-
rurgia ou à cirurgia, podem, ainda, ser tratados por meio de radiocirurgia e quimioterapia,
dependendo do número de metástases e de apresentarem SIR igual ou superior a 4. Ocasio
nalmente, podem ser retratados por meio de radioterapia de todo o cérebro, se a perspectiva
de sobrevida for relativamente curta. Se o paciente não tiver sido tratado por meio de ra
dioterapia de todo o cérebro até então, esta estará indicada, nos casos de tumores sensíveis,
associada à cirurgia ou à radiocirurgia, quando o número de volume das metástases permitir.
Nos pacientes com tumores radiorresistentes, mantém-se o mesmo raciocínio, reservando-se
a radioterapia de todo o cérebro apenas aos casos com mais de seis metástases intracranianas
ou volume superior a 30 cc.
Pacientes com recidivas após o tratamento e com SIR igual ou inferior a 3 recebem
apenas tratamento de suporte.
► DISCUSSÃO
neoplasia primária, permitem prever a sobrevida com razoável precisão. Desse modo, é
possível indicar as modalidades existentes de tratamento para aqueles pacientes que, efeti
vamente, poderão se beneficiar delas.
A quimioterapia tem papel restrito no tratamento de metástases cerebrais, havendo
relatos de efetividade em alguns tipos de carcinomas de mama e pulmão. Uma vez contro
ladas as metástases cerebrais, a maioria dos pacientes morre em consequência da doença
sistêmica e de suas complicações.
As Figuras 30.5 e 30.6 resumem os algoritmos sugeridos para o tratamento primário
das metástases cerebrais e suas recidivas. Devem ser entendidos como uma ferramenta
rápida de consulta e tomados apenas como uma sugestão, devendo o médico responsável
pelo caso individualizar a situação clínica e definir a conduta que considerar adequada a
cada paciente, em cada momento de sua evolução.
Em suma, pacientes com câncer e metástases cerebrais apresentam prognóstico reser
vado, sendo a maioria das formas atuais de tratamento insatisfatória e voltada para a palia-
ção do quadro clínico. Quando adequadamente indicadas, as atuais formas de tratamento
aumentam o tempo e a qualidade de sobrevida desses pacientes.
a PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
4. Assinale a alternativa verdadeira para o tratamento de pacientes com uma ou três metástases
cerebrais:
A. A omissão da radioterapia cerebral total diminui a sobrevida global.
B. O uso de radiocirurgia isolada diminui o intervalo livre de recidiva em SNC.
C. A associação da radiocirurgia à radioterapia cerebral total não aumenta a sobrevida global.
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ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
31
INTRODUÇÃO
375
376 neurologia e neurocirurgia HIAE
aos tratados por clipagem microcirúrgica. Esse estudo modificou os padrões de tratamento,
aumentando, nos anos seguintes, o encaminhamento desses pacientes para o tratamento en
dovascular quando o aneurisma fosse passível de tratamento por ambos os métodos.2
Os aneurismas saculares intracranianos não têm uma causa única. Sua origem é multifa-
torial. Tratam-se de condições congênitas que afetam a parede dos vasos e predispõem a sua
formação. As causas mais comuns são degeneração da parede sob o esforço circulatório (mais
comum das lesões em algumas bifurcações arteriais em que há fluxo turbulento), aterosclero-
se, estados hiperdinâmicos (p.ex., associados a malformações arteriovenosas), doenças vascu
lares subjacentes, trauma, infecção, arterite, invasão neoplásica, abuso de drogas etc.3
Doenças sistêmicas também podem se associar na formação de aneurismas intracranianos,
como hipertensão arterial, coarctação da aorta, doença renal policística do adulto, displasia fibro-
muscular e doenças do tecido conjuntivo (Síndromes de Marfan e de Ehlers-Danlos). O tabagis
mo também está relacionado à gênese e ao aumento do risco de ruptura dos aneurismas.3,9
Além dos saculares, os aneurismas podem ser fiísiformes e dissecantes. Os primeiros
são secundários a aterosclerose e hipertensão, formando dilatações que acometem todo o
segmento arterial, com degeneração da parede arterial ao longo de todo o seu diâmetro,
enquanto os dissecantes são secundários a ateroesclerose, hipertensão, displasia fibromus-
cular, arterites e trauma.3
Neste capítulo, é abordado o tratamento dos aneurismas saculares.
RELATO DE CASOS
Caso 1
STEN T LIBERADO
M I C R O . CAT. A N E U R
Caso 2
gia subaracnoide com classificação de Hunt & Hess III e tomografia com classifica
ção de Fischer grau IV. Foi tratada com 10 horas de história, por meio de técnica de
remodelagem com balão e implante de espiras com PGLA. Embolização completa.
Controle angiográfico tardio sem recanalização (Figura 31.2).
FIGURA 31.2 Angiografia cerebral mostra aneurism a da artéria carótida interna antes e
após oclusão por via endovascular com espiras de liberação controlada.
CAPÍTULO 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 379
Caso 3
FIGURA 31.3 Angiografia cerebral mostra aneurism a do topo da artéria ba silar antes e após
oclusão por via endovascular com espiras de liberação controlada e s te n ts cruzados.
380 neurologia e neurocirurgia HIAE
Estima-se a prevalência dos aneurismas intracranianos entre 0,4 e 8%, indicando que
há um grande número de pessoas portadoras da doença. As maiores incidências de rup
tura encontram-se entre 40 e 70 anos de idade. A idade média das hemorragias fatais é de
50 anos. Os aneurismas com menos de 5 mm de diâmetro raramente sangram, enquanto
aqueles com 6 a 10 mm são os que mais apresentam sangramentos. Cerca de 20% dos
pacientes têm mais de um aneurisma. As mulheres são mais acometidas que os homens e
as crianças raramente apresentam aneurismas, sintomáticos ou não. Os aneurismas gigantes
geralmente se manifestam por seu efeito de massa sobre o parênquima cerebral e/ou sobre
os nervos cranianos, mas também podem sangrar. A mortalidade em 5 anos dos aneurismas
gigantes localizados na fossa posterior é de 100%, enquanto a daqueles com circulação
anterior atinge 80%.2'4,6'8
Segundo o Estudo Cooperativo, a mortalidade geral dos aneurismas rotos é de 36%,
com adicional de 18% de risco de graves sequelas. Apenas 46% dos pacientes têm evolução
favorável em 90 dias. Cerca de 20% das mortes acontecem nas primeiras 24 horas, 40% ao
longo da primeira semana e 66% até o fim da terceira.
O ressangramento é mais frequente ao longo dos primeiros 10 dias. Cerca de 15% dos
pacientes morrem antes de chegar a um hospital. Acontece em 20% dos remanescentes em
2 semanas, em 30% em 1 mês e em 40% em 6 meses. Em 40% dos casos, é fatal. Nos 6 pri
meiros meses, ocorre em 50% dos pacientes. Esse risco decresce a 3% ao final de um ano e
assim se mantém.2'4,6'8
Os aneurismas mais suscetíveis ao rompimento e sangramento têm entre 5 e 15 mm
de diâmetro. O aneurisma rompe no local mais frágil de suas paredes, geralmente o fixndo.
Durante o sangramento, ocorre abrupta elevação da pressão intracraniana, que atinge valores
próximos aos da pressão arterial sistólica (PAS), reduzindo a pressão de perfixsão cerebral e o
fluxo sanguíneo cerebral e possibilitando o tamponamento da hemorragia, que se dá, inicial
mente, pela ativação e agregação plaquetárias e pela ativação da cascata da coagulação dentro
do aneurisma, com a formação de um trombo de plaquetas e fibrina no local da ruptura, que
tampona provisoriamente a lesão. Os fatores trombolíticos endógenos podem facilitar o res
sangramento, bem como esforços físicos, hipervolemia e hipertensão arterial.
Nos casos em que o sangramento é extenso, pode ocorrer redução da absorção liquóri-
ca ou interrupção do fluxo liquórico, resultando em hidrocefalia. No Estudo Cooperativo
Internacional, 8% dos pacientes foram tratados com derivação ventriculoperitoneal. Em
outras séries, esse dado varia de 6 a 67%.
O déficit neurológico isquêmico tardio, ou vasoespasmo sintomático, é uma importante
causa de morte e sequelas em pacientes que sofreram hemorragias subaracnoides. Ocorre
a partir do 4o ou 5o dia do sangramento e pode durar até o 20° dia, tendo maior intensidade
entre o 7o e o 10° dia. Atinge 20 a 40% dos pacientes, resultando em mortalidade e morbi-
C A P Í T U L O 31 t r a t a m e n t o e n d o v a s c u l a r dos a n e u r i s m a s s a c u l a r e s i n t r a c r a n i a n o s 381
A técnica de remodelagem do colo com balão foi desenvolvida para contornar as li
mitações do tratamento dos aneurismas de colo largo. Nos casos com relação fundo/colo
desfavorável, é muito difícil manter as espiras dentro do saco aneurismal, bem como obter
uma compactação densa das mesmas sem risco de ocluir a artéria portadora. A vantagem
da proteção com balão é permitir uma oclusão com compactação densa das espiras, en
quanto se mantém a artéria portadora aberta, com menor risco de migração das espiras e
de complicações tromboembólicas.3'6,10,11
Nos aneurismas tratados poucas horas após a hemorragia, em que o fimdo encontra-se
muito frágil e propenso a nova ruptura, o balão adiciona maior proteção em relação a sangra-
mentos durante o tratamento. A técnica de remodelagem também pode ser utilizada em outras
situações, como nos casos em que o colo do aneurisma se estende pelo segmento proximal de
um ramo arterial adjacente, criando o risco de ocluir tal ramo. Essa situação não é incomum
quando se tratam de aneurismas do topo das artérias basilar e cerebral média, por exemplo.
As complicações mais comuns no tratamento endovascular dos aneurismas saculares são
o tromboembolismo e a ruptura intraoperatória do aneurisma. Uma revisão de 48 estudos
publicados, totalizando 1.383 pacientes tratados com embolização, demonstrou a ocorrência
total de complicações relacionadas ao método de 12%. Os índices de mortalidade e morbi-
dade atingiram 3,7 e 1,1%, respectivamente.3,5,8,10A incidência de ruptura intraoperatória nas
embolizações de aneurismas saculares atinge 1,9 a 16% dos aneurismas rotos e 0 a 1,3% dos
não rotos.1718 Invariavelmente, as rupturas acontecem em aneurismas já rotos, principalmen
te nos tratados precocemente. Aneurismas pequenos também são mais associados à ruptura
intraoperatória. Quanto à localização, os mais suscetíveis ao sangramento intraoperatório
são os de comunicante anterior. A mortalidade nas rupturas intraoperatórias é maior quan
do ocorrem no início da implantação das espiras, bem como nos pacientes com pior estado
neurológico (Hunt & Hess III e IV).17,18
A ruptura intraoperatória do aneurisma é percebida quando uma alça de espira se des
loca além dos contornos da lesão. Esta, uma vez identificada, é contornada com a comple-
mentação da embolização associada à reversão da anticoagulação e à hipotensão induzida
por drogas.5’8,14,17’18
A complicação mais comum e mais perigosa é o tromboembolismo, levando a isquemia
e infarto cerebral.17,18Apesar do uso da heparina durante a embolização, as complicações re
lacionadas a fenômenos tromboembólicos ocorrem em 2,5 a 20% dos pacientes. A maioria
ocorre em até 24 horas do término do procedimento, sendo indicado o uso de dispositivos
de oclusão de local de punção e cateterismo ao término dos procedimentos e da manuten
ção, ou, pelo menos, a não reversão da anticoagulação ao final desses procedimentos.17,18
O tromboembolismo intraoperatório pode ser tratado com a infusão intra-arterial super-
seletiva de fibrinolíticos no local da obstrução. As drogas mais utilizadas são o rt-PA e os
antiplaquetários de uso endovenoso, como o tirofiban e o abciximabe.
Para que se tenha segurança quanto à adequada anticoagulação profilática dos pacien
tes submetidos à embolização, é mandatório controlar a anticoagulação com a medição
384 neurologia e neurocirurgia HIAE
A taxa de ressangramento após embolização verificada no ISAT foi de 0,2% por paciente/
ano, com seguimento de 1 a 8 anos (média de 4 anos). Dados do Cerebral Aneurysm Rerup-
ture After Treatment (Carat) demonstram taxa de ressangramento no grupo tratado com
espiras de 1,3:100 pacientes/ano, sendo que nenhum ocorreu em até 2 anos. Os principais
fatores de risco são aneurismas grandes e oclusão incompleta no tratamento inicial e no
seguimento de 6 meses.
A recanalização ocorre mais frequentemente nos aneurismas com mais de 10 mm de
diâmetro, colos grandes, maiores que 4 mm e com oclusão incompleta no primeiro trata
mento. A embolização com alta densidade de espiras é um importante fator para evitar a
recanalização, sendo que as espiras devem ocupar pelo menos 25% do volume do aneuris
ma para se obter um resultado mais estável e seguro.15,16
Pelos estudos até agora publicados, conclui-se que, apesar de apresentar pequeno incre
mento na taxa de recanalização frente à cirurgia, esta é pouco frequente e pouco relacio
nada a novos sangramentos. Conclui-se, também, que o risco de um novo tratamento não
elimina as vantagens do tratamento inicial.1,2,48,10,14,16,24
No que se refere a aneurismas não rotos, a técnica também tem se mostrado mais se
gura e eficaz. Estudo sobre resultados em 2.535 casos tratados em 429 hospitais de 18
estados americanos em 1 ano demonstrou menos eventos adversos (6,6 versu s 13,2%),
menor mortalidade (0,9 versu s 2,5%), menor tempo de internação (4,5 versu s 7,4 dias) e
menores custos hospitalares (US$ 42.044,00 versu s US$ 47.567,00) quando comparada ao
tratamento cirúrgico (p < 0,05). Após o ajustamento estatístico dos dados, observou-se que
o tratamento cirúrgico implicava possibilidade 70% maior de evento adverso, 80% maior
em tempo de internação e 30% maior em despesas.
AVANÇOS TÉCNICOS
No que se refere aos avanços técnicos, com reais perspectivas de alargamento das indi
cações de tratamento endovascular e de melhora nos resultados em curto e longo prazos,
devem-se citar as espiras associadas a meios mecânicos e farmacológicos, bem como os
ste n ts intracranianos.
No tratamento corrente, utilizam-se espiras de platina que agem produzindo trombose
dos aneurismas apenas por seu posicionamento no interior das lesões. A exemplo do uso
de ste n ts coronarianos farmacologicamente ativos, foram desenvolvidas espiras destacáveis
revestidas com polímeros capazes de se expandir, aumentando o volume ocupado interna
mente pelas espiras, bem como outras portadoras de substâncias que, liberadas localmente,
promovem a indução da cicatrização do orifício de entrada das lesões, possibilitando me
lhores resultados terapêuticos, como o PGLA.
Os relatos iniciais dos resultados obtidos com o uso desses dispositivos são muito po
sitivos. Espera-se, com o uso desses equipamentos, a obtenção de melhoras significativas
nas oclusões completas e estáveis.
386 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
a PONTOS RELEVANTES
QUES T ÕE S
1. A embolização de aneurisma cerebral roto só pode ser realizada após quanto tempo da
hemorragia?
A. Uma semana.
B. A qualquer tempo.
C. No término do vasoespasmo.
2. A embolização de aneurisma cerebral tem menor índice de recanalização, com técnica sim
ples, quando a lesão tiven
A. Fundo maior do que 4 mm.
B. Colo menor do que 4 mm.
C. Relação fundo/colo < 1,5.
388 neurologia e neurocirurgia HIAE
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32
INTRODUÇÃO
391
392 neurologia e neurocirurgia HIAE
Teoricamente, essa lesão não deveria apresentar aumento do volume, uma vez que não
se trata de patologia neoplásica. No entanto, muitos casos de crescimento das MAV são re
latados. Sua detecção no período gestacional é raramente relatada, especulando-se que sua
formação ocorra no período de absorção de múltiplas veias piodurais subaracnóideas com
um potencial de crescimento posterior.
Até hoje, o papel dos fatores de angiogênese ainda não foi totalmente estabelecido. Exis
tem relatos de recorrência após a exérese completa em até 3,5% dos casos, os quais nor
malmente são descritos em crianças, possivelmente fatores desreguladores da angiogênese,
como a presença de citosinas inflamatórias e fatores de crescimento como o v a sc u la r e n
d o th e lia l g r o w th fa c to r (VEGF),o basic fib r o b la s t g r o w th fa c to r (BFGF) e o p la te le t- d e riv e d
g r o w th fa c to r (PDGF). Outras causas que promovem o desvio do desenvolvimento vascu
lar normal no embrião, ou mesmo a transformação vascular patológica após o nascimento,
permanecem desconhecidas.
Outro conceito teórico relevante no reaparecimento dessas lesões é o “compartimento
oculto”, em que áreas angiograficamente invisíveis ao redor da lesão mantêm uma rede ca
pilar dilatada perinidal, vasos que se comunicam com a rede capilar normal e a displásica,
possibilitando o recrudescimento dessas lesões.
As MAV são responsáveis por cerca de 2% de todos os acidentes vasculares cerebrais
(AVC), mas, apesar dessa frequência relativamente baixa, são importantes por incidirem em
pacientes jovens e sem comorbidades. Além disso, a evolução dos exames de imagem não
invasivos tem aumentado muito a incidência de diagnóstico incidental dessa doença.1
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
A abordagem terapêutica dos pacientes com MAV pode ser feita por observação ar
mada, tratamento endovascular, neurocirurgia (NC) ou radiocirurgia (RC) ou pela com
binação dessas possibilidades. As intervenções terapêuticas endovascular, neuro e radio-
cirúrgica carregam consigo riscos de complicações clínicas e neurológicas e sua indicação
depende do conhecimento da história natural e do prognóstico da doença, assim como da
eficiência relativa de cada um desses procedimentos no caso específico.1
O primeiro parâmetro a ser determinado para a decisão terapêutica é o estadiamento da
lesão pela classificação de Spetzler-Martin, que estabeleceu cinco grupos pela somação de
pontos relativos ao tamanho, à eloquência e ao padrão de drenagem venosa (Tabela 32.1).2
(continua)
CAPÍ TULO 32 t r at amento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 393
(continuação)
TRATAMENTO ENDOVASCULAR
Na abordagem terapêutica clássica das MAV, a embolização, quando indicada, pode ser
considerada o primeiro passo do tratamento, uma vez que reduz o tamanho do nidus ou o
fluxo sanguíneo pela obliteração de s h u n ts arteriovenosos.5
A embolização seguida de microcirurgia demonstrou ser um procedimento seguro e
efetivo, sendo especialmente indicado em pacientes apresentando MAV com mais de 3 cm
de diâmetro localizadas em regiões acessíveis do sistema nervoso central (SNC).4
Embora a diminuição das MAV proporcionada pela embolização possibilite a aplicação
de doses maiores de radioterapia e, portanto, leve a supor que o controle pela RC poderia
ser mais efetivo, os resultados do grupo de Pittsburgh apontaram em direção contrária,
mostrando uma taxa de persistência de nidus fora do volume irradiado em 18% dos casos
embolizados contra 5% dos demais. A explicação desse achado foi a pior definição do alvo
nesses casos, levando a regiões de subdosagem da radioterapia.6
394 neurologia e neurocirurgia HIAE
TRATAMENTO NEUROCIRÚRGICO
A complexidade anatômica das MAV gera grande discussão no que diz respeito ao seu
tratamento. Essas lesões apresentam ruptura ao longo dos anos, promovendo hemorragias
de padrão e tamanho variados, e, dada a heterogeneidade das lesões, os fatores que levam
a esse processo não foram totalmente esclarecidos.
Atualmente, sabe-se que as MAV apresentam ruptura média de 2,4% ao ano, porém,
nos primeiros anos após o primeiro sangramento, esses índices podem chegar a até 4,6%
ao ano; considerando-se um período de duas décadas, a taxa de ruptura chega a 39%. Es
ses índices são inaceitáveis, principalmente quando se relembra que essas lesões ocorrem
em pacientes jovens entre a 3a e a 4a década de vida. Inúmeros são os fatores relacionados
a esse evento e longos seguimentos demonstram que o período livre de hemorragia será
maior nos pacientes com lesões superficiais, de drenagem venosa superficial, não rotas e
supratentoriais. Além disso, quanto maior for a lesão, menor será o período livre de san-
gramentos.
A escolha do tratamento a ser adotado é feita em função do tamanho, da localização,
do tipo de drenagem venosa e dos fenômenos que podem ocorrer concomitantemente no
momento do diagnóstico da MAV, como hematomas de grande volume, que sempre exigem
a abordagem cirúrgica inicial. A abordagem cirúrgica tem, ainda, a vantagem de resolver de
imediato a patologia, sem período de carência, quando ainda pode ocorrer sangramento,
segundo observado anteriormente.
De modo sucinto, podem-se definir como cirúrgicas as malformações acompanhadas
de hematomas importantes, com repercussão regional. Na eventualidade de se tratar de
lesões muito volumosas, que exijam cirurgia emergencial, eventualmente sem possibili
dade de estudo angiográfico, pode-se optar pela simples drenagem do coágulo, visando a
manter as condições de sobrevivência, e proceder-se ao estudo angiográfico, visando ao
planejamento terapêutico definitivo em um segundo momento.
Cabem no tratamento cirúrgico preferencial as lesões em áreas menos eloquentes e as
mais superficiais, principalmente com drenagem venosa superficial ou como complemen
to do tratamento endovascular, nos casos em que já ocorreu hemorragia, e é imperativo o
tratamento dos pseudoaneurismas, que constituem a causa principal dos sangramentos.
TRATAMENTO RADIOCIRÚRGICO
de alterações radiológicas perilesionais, com 1/3 delas levando a sintomas (9% do total de
pacientes tratados).
A probabilidade de obliteração de uma MAV está diretamente relacionada à dose apli
cada à periferia da mesma (dose mínima aplicada). Flickinger et al.6 estudaram a relação
dose-resposta em 351 pacientes apresentando MAV, tratados na Universidade de Pittsburgh
entre 1987 e 1997 e com seguimento imagenológico mínimo de 3 anos. A conclusão dos au
tores (Tabela 32.2) foi que doses de 12 Gy lograriam sucesso em cerca de 25% dos casos e
que doses superiores a 25 Gy trariam um aumento mínimo à efetividade do método. Dessa
forma, as doses prescritas, desde que respeitando a tolerância do cérebro normal, devem
estar entre 14 Gy e 23 Gy. Os pacientes que haviam sido submetidos à embolização prévia
apresentaram menor índice de obliteração que os demais. Outro fator inesperado foi a
maior probabilidade de sucesso nos pacientes do sexo masculino.
NEUROCIRURGIA OU RADIOCIRURGIA?
Embora cada serviço de neurocirurgia tenha uma definição estabelecida de quais são os
pacientes com indicação de NC ou RC, existem casos em que ambas as indicações são ra
zoáveis e a conduta dependerá de variáveis subjetivas. Dentro desse cenário, é muito pouco
provável que em algum dia se tenha um estudo randômico, e o melhor grau de evidência
que será possível ter será por meio de estudos pareados retrospectivos, como o realizado no
Saint Anne Hospital, em Paris, pareando 39 de seus casos tratados com RC com 39 subme
tidos à NC no Hospital Lariboisière, da mesma cidade.5
Foram pareados pacientes segundo os grupos de Spetzler-Martin (grau I: 27%, grau
II: 42%, grau III: 23%, grau IV: 7,7%, nenhum paciente grau V), idade, sexo, sangramento
prévio, convulsões, cefaleia, déficit neurológico progressivo e embolização prévia. Embora
a taxa de cura tenha sido muito semelhante, esse estudo concluiu que a NC é mais efetiva
em prevenir novos sangramentos e que a RC é menos mórbida.
RELATO DE CASOS
Caso 1
FIGURA 32.3 A ngiografia de controle em outubro de 2001, quando foi considerada com
oclusão com pleta da MAV.
CAPÍTULO 32 tratam ento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 399
"M
FIGURA 32.4 Angiorressonância em m aio de 2006.
400 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
Em resumo, trata-se de paciente com 27 anos de idade que, aos 16 anos, apresentou
hemorragia meníngea em virtude de uma MAV em região parietal direita, classificada
como do grupo IV de Spetzler-Martin (Tabela 32.1). Submetida à RC em agosto de 1998,
evoluiu com ressangramento em junho de 2004, sendo submetida a uma segunda RC
em agosto de 2004. Em controle desde então, documentou-se a obliteração da MAV por
angiografia em outubro de 2007.
Este caso remete a algumas considerações relativas à associação da embolização prévia,
à dose-volume para obliteração da MAV, ao volume recebendo 12 Gy, ao risco de compli
cações e à possibilidade de repetir RC.
Conforme descrito por Flickinger et al.,6 essa paciente apresentava alguns fatores pre
dispondo ao insucesso da primeira RC. A lesão, que fora previamente embolizada, era de
volume médio para grande, o que limitou a dose que poderia ter sido aplicada a 16 Gy,
levando a uma probabilidade de 48,9% de obliteração (Tabela 32.2). Outro fator que pode
ter influenciado no resultado negativo é o fato de ser do sexo feminino.
Já na segunda RC, o volume de tratamento foi muito menor e a dose aplicada foi de 20
Gy, o que faz supor um maior índice de sucesso agora.
Caso 2
FIGURA 32.5 TC de em ergência na abertura do quadro m ostrando volum oso hem atom a
o ccip ita l à esquerda.
FIGURA 32.8 TC após em bolização m ostrando edema cerebral difuso e hem atom a subdural
agudo por extravasam ento.
FIGURA 32.9 TC após craniotom ia para drenagem do hem atom a subdural agudo.
FIGURA 32.11 Angiografia quando da alta, após exérese m icrocirúrgica do resíduo da MAV.
► DISCUSSÃO
Como ocorre muito frequentemente, esse paciente apresentou um quadro clínico gravíssi
mo de instalação aguda, tendo de ser socorrido com agilidade do ponto de vista tanto clínico
quanto neurocirúrgico. Uma equipe médica atenta ao risco de morte inerente a essa situação
clínica foi fundamental para que se chegasse ao sucesso alcançado. Os tratamentos instituídos,
com coma induzido e cirurgia de urgência para socorrer o efeito de massa causado pelo hema
toma e pelo edema cerebral secundário, foram as medidas emergenciais que permitiram que
fosse instituído o tratamento definitivo.
O tratamento multidisciplinar, com embolização proporcionando uma redução signifi
cativa do nidus e permitindo que a cirurgia fosse mais simples e com menos riscos para o
paciente, contribuiu de forma definitiva para o sucesso do tratamento.
CAPÍTULO 32 tratam ento cirúrgico e radiocirúrgico das malformações arteriovenosas 405
CONCLUSÃO
n PONTOS RELEVANTES
0 Malformações arteriovenosas (MAV) cerebrais são consequência de desvio do desen
volvimento dos vasos sanguíneos cerebrais durante o estágio embrionário.
0 MAV cerebrais são responsáveis por 2% dos AVC.
0 O tratamento das MAV inclui microneurocirurgia, embolização endovascular e radioci
rurgia.
0 A escala de Spetzler-Martin considera o tamanho da lesão, a localização quanto à elo
quência e o padrão de drenagem venosa, o que permite uma avaliação prognóstica das
MAV.
0 Quanto maior o valor na escala de Spetler-Martin, pior o prognóstico.
0 Embolização por via endovascular é adjunto ao tratamento microcirúrgico e ocasional
mente é o único tratamento necessário.
0 Microcirurgia leva a cura se houver ressecção completa da MAV.
0 Radiocirurgia está indicada nas MAV não passíveis de abordagem microcirúrgica dire
ta ou nos pacientes sem condições suficientes para cirurgia.
0 Quanto menor o volume da MAV, melhores são os resultados da radiocirurgia.
0 A oclusão das MAV tratadas por radiocirurgia ocorre em até 2 a 3 anos após o proce
dimento.
406 neurologia e neurocirurgia HIAE
QU E S T ÕE S
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33
Craniectomia descompressiva no
AVC isquêmico maligno
Reynaldo A. Brandt
Hallim Feres Jr.
INTRODUÇÃO
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) constituem a segunda causa de morte nos países
desenvolvidos,1sendo de 70 a 80% isquêmicos (AVCI). O tratamento destes visa a minimizar
suas consequências e prevenir sua recidiva.
Os AVCI lacunares ou corticais pequenos, geralmente, determinam consequências dis
cretas. Por outro lado, AVCI extensos costumam ser fatais, como no caso da oclusão de
grandes artérias cerebrais, particularmente das artérias cerebral média e carótida interna,
que correspondem a cerca de 10% dos AVCI.
A mortalidade secundária aos infartos cerebrais extensos é de 50 a 80%, em virtude
do inchaço cerebral, que causa hipertensão intracraniana, redução da pressão de perfusão
cerebral, isquemia dos territórios vasculares vizinhos, herniação cerebral e compressão do
tronco encefálico.2 Por essa razão, esse tipo de AVCI é chamado de maligno.
O tratamento conservador é insuficiente na maioria das vezes, razão pela qual o trata
mento cirúrgico, por meio de craniectomia descompressiva e durotomia, tem sido cada vez
mais considerado. Esse procedimento foi utilizado, pela primeira vez, por Harvey Cushing,3
que o descreveu no tratamento de um tumor inoperável, com a finalidade de controlar a
hipertensão intracraniana, em 1905.
Após o advento da tomografia computadorizada (TC) do crânio e graças à facilidade de
sua realização na fase aguda do AVCI, o diagnóstico da forma maligna tornou-se factível
na rotina dos serviços de emergência. Desse modo, a indicação de craniectomia descom-
409
410 neurologia e neurocirurgia HIAE
pressiva tem sido crescente, desde as primeiras publicações sobre os resultados superiores
desta em relação ao tratamento clínico.4
Nos últimos anos, trabalhos prospectivos confirmaram a superioridade do tratamento
cirúrgico, levando ao estabelecimento de indicações e critérios de inclusão e exclusão de
pacientes para a obtenção dos melhores resultados.5
RELATO DE CASOS
Caso 1
Caso 2
Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, foi internado em UTI por ter acor
dado, pela manhã, com hemiplegia esquerda. Havia retornado alguns dias antes de
uma viagem à Europa, durante a qual apresentou um episódio de escurecimento
visual e perda de força em membro inferior, fugaz. Não apresentava antecedentes
médicos relevantes.
CAPÍ TULO 33 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s i v a no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 411
DIAGNOSTICO CLÍNICO
■ nível de consciência;
■ respostas do paciente referentes a data e idade;
■ obediência a dois comandos verbais;
■ direcionamento do olhar;
■ avaliação dos campos visuais;
■ movimentos faciais;
■ movimentação dos membros superiores e inferiores;
■ coordenação motora;
■ avaliação da sensibilidade corpórea;
■ linguagem;
■ articulação da fala;
■ avaliação da presença dos fenômenos de extinção e desatenção.
(continuação)
localiza dor 5
retirada normal 4
flexão anormal (decorticação) 3
extensão anormal (descerebração) 2
sem resposta 1
Melhor resposta verbal
orientado 5
confuso 4
inapropriada 3
incompreensível 2
sem resposta 1
DIAGNOSTICO COMPLEMENTAR
FIGURA 33.1 TC do crânio m ostrando extensa área de hipodensidade no te rritó rio cerebral
da artéria cerebral média direita, além de apagam ento dos sulcos corticais desse lado, com
pressão do ventrículo lateral e pequeno desvio deste para o lado oposto.
FIGURA 33.2 TC do crânio m ostrando com pressão do ventrículo lateral direito e desvio das
estruturas cerebrais para o lado oposto por causa do efeito de massa de extensa área de in-
fa rto em te rritó rio da artéria cerebral média.
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 415
FIGURA 33.3 RM da cabeça em corte coronal mostrando extensa área de infarto em território
da artéria cerebral média direita, com extrusão de tecido nervoso por meio de fa lh a óssea após
craniectom ia extensa. Nota-se a posição dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo após a
descompressão cirúrgica.
FIGURA 33.4 RM da cabeça m ostrando extenso in fa rto em te rritó rio da artéria cerebral mé
dia d ire ita após craniectom ia descom pressiva e recolocação de retalho ósseo craniano, com
discreta d ila ta çã o com pensatória do ventrículo lateral direito.
416 neurologia e neurocirurgia HIAE
TRATAMENTO
Critérios de inclusão
Critérios de exclusão
FIGURA 33.7 TC do crânio m ostrando retração do tecido nervoso e redução do volum e ven
tric u la r após derivação liquórica em paciente que apresentou hidrocefalia após craniectom ia
descom pressiva. Presença de cateter radiopaco no ventrículo lateral direito.
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 419
► DISCUSSÃO
nas primeiras 96 horas após o icto. Foi interrompido após terem sido tratados 26 pacientes,
com idades de 18 a 75 anos, de 2000 a 2003. A mortalidade dos tratados clinicamente foi
de 46% e a dos tratados cirurgicamente foi de 27%, uma diferença estatisticamente não
significativa, mas considerada suficiente para a suspensão do estudo.
O estudo francês coordenado pelo Serviço de Neurologia do Hospital Lariboisière, em
Paris, denominado Decompressive Craniectomy in Malignant Middle Cerebral Artery In-
farcts (Decimal), foi formulado para avaliar os resultados em 60 pacientes alocados alea
toriamente para tratamento clínico ou cirúrgico. Foi interrompido após a avaliação de 38
pacientes, em razão da alta mortalidade daqueles tratados clinicamente.6
O estudo alemão Decompressive Surgery for the Treatment of Malignant Infarction of
the Middle Cerebral Artery (Destiny) pretendia avaliar 60 pacientes, com os mesmos crité
rios, tendo sido interrompido após 32 pacientes tratados, em 2006. Novamente, foi observada
a tendência de resultados muito melhores nos pacientes operados. O estudo foi interrompido
por questões éticas, apesar da necessidade de serem avaliados 188 pacientes para que fosse
atingida significância estatística.
A avaliação conjunta dos dados desses estudos, aos quais foram acrescentados os do
estudo holandês Hemicraniectomy After Middle Cerebral Artery Infarction with Life-
threatening Edema Trial (Hamlet),12 incompleto até aquela avaliação, gerou as seguintes
conclusões:5
n PONTOS RELEVANTES
0 O AVCI é uma emergência médica.
0 O AVCI maligno é um tipo específico de AVCI, caracterizado por infarto extenso do
território da artéria cerebral média, o qual evolui com inchaço cerebral e hipertensão
intracraniana grave, compressão do tronco encefálico e morte, em até 80% dos casos,
com evolução média de 4 dias.
0 O diagnóstico é confirmado por meio de exames por imagens, especialmente por TC
do crânio, complementada por RM e angiorressonância magnética da cabeça.
0 O tratamento clínico é feito em UTI, com entubação traqueal, hiperventilação, osmotera-
pia, sedação e, por vezes, hipotermia controlada, sendo inefetivo na maioria dos casos.
0 O tratamento cirúrgico é feito por meio de craniectomia extensa e durotomia. Deve ser
realizado tão logo sejam comprovados a tendência de deterioração neurológica pela
NIHSS e o infarto de 50% ou mais do território da artéria cerebral média.
0 Os critérios de exclusão são: comprometimento neurológico grave avaliado pelas es
calas de Rankin modificada e Glasgow, midríase fixa bilateral, isquemia cerebral con-
tralateral ou outra lesão cerebral capaz de comprometer o prognóstico, transformação
hemorrágica do infarto com efeito de massa, expectativa de vida inferior a 3 anos, ou
tras doenças graves que podem comprometer o prognóstico, coagulopatias, contraindi-
cação anestésica e gravidez.
0 Estudos randomizados mostraram índices de mortalidade significativamente menores
nos pacientes tratados por cirurgia em relação aos tratados conservadoramente.
0 A qualidade de vida é significativamente melhor nos sobreviventes de tratamento ci
rúrgico em relação aos de tratamento clínico.
0 A idade é um fator determinante nos índices de sobrevida (os melhores resultados
ocorrem em pacientes mais jovens).
0 A depressão é um fator importante na avaliação da qualidade de vida de sobreviventes
com infartos do hemisfério cerebral direito.
CAPÍ TULO 3 3 c r a n i e c t o m i a d e s c o m p r e s s iva no AVC i s q u ê m i c o m a l i g n o 423
QU E S T ÕE S
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SEÇÃO 12
OUTROS
34
Hidrocefalia de pressão
normal idiopática (HPNI)
Reynaldo A. Brandt
INTRODUÇÃO
427
428 neurologia e neurocirurgia HIAE
RELATO DE CASOS
Caso 1
Paciente do sexo feminino, 82 anos de idade, apresentou-se inicialmente com seu filho
e informou que há 6 meses apresentava uma dificuldade progressiva para caminhar,
com sensação de fraqueza nos membros inferiores. Nas últimas semanas, passou a
se apoiar em paredes e móveis para não cair, mas sofreu algumas quedas. Há 4 anos,
apresentava urgência miccional, tendo sido medicada, por urologista, com anticoli-
nérgico, melhorando por algum tempo. Nos últimos meses, surgiu dificuldade para
evocar fatos recentes e simples da vida diária. Consultara alguns neurologistas, re
cebendo, inicialmente, diagnóstico de doença de Parkinson, que posteriormente foi
negado, sendo medicada sem resultado por algum tempo. Trazia vários exames labo
ratoriais, incluindo dosagem de vitamina BI2, bioquímica sanguínea e hemograma
normais. Seus antecedentes médicos incluíam hipertensão arterial, hipotireoidismo e
osteopenia, para os quais estava adequadamente medicada.
O exame clínico revelou pressão arterial normal, bulhas cardíacas rítmicas, pulsos
periféricos presentes e discreta escoliose dorsolombar, com movimentos da coluna
vertebral livres e indolores. O exame neurológico revelou estar lúcida, orientada e
capaz de informar adequadamente. Sua marcha era apráxica, com discreta alteração
do equilíbrio, tendendo a cair para a frente, de modo que preferia se apoiar ao cami
nhar, pois sentia-se insegura ao fazê-lo.
Solicitada a girar 360° em torno de si mesma, o fez com 10 passos e precisando de apoio.
Os reflexos profundos estavam abolidos nos membros inferiores e a sensibilidade estava
preservada em todas as suas formas, assim como os nervos cranianos. A ressonância
magnética (RM) da cabeça mostrou alargamento das fissuras cerebrais, com sinais su
gestivos de microangiopatia da substância branca dos hemisférios cerebrais e acentuada
dilatação dos ventrículos cerebrais, desproporcional ao grau de alargamento das fissuras
e à redução do volume cerebral, com presença de líquido em torno dos ventrículos late
rais, sugerindo hidrocefalia de pressão normal. Finalmente, a avaliação neuropsicológi-
ca mostrou alteração difusa da velocidade de raciocínio e realização motora, enquanto a
prova urodinâmica mostrou hiper-reflexia do detrusor.
A paciente foi internada e submetida a três punções lombares, em dias alternados.
Em todas, a pressão liquórica foi normal. Após cada uma das punções, sua marcha
melhorou de maneira acentuada, mas temporariamente, bem como o controle es-
fincteriano. Uma cisternografia com radioisótopo mostrou refluxo do marcador para
o sistema ventricular e lentificação da reabsorção liquórica. A paciente recebeu indi
cação de derivação liquórica, mas preferiu receber alta hospitalar para se decidir.
Retornou em consulta 5 meses depois dessa internação, referindo ter consultado
vários especialistas, alguns concordando com o diagnóstico de hidrocefalia de pres
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 429
Caso 2
estratégias que refletem um grau moderado de certeza clínica. Já as opções referem-se a es
tratégias remanescentes de tratamento, sendo o grau de certeza clínica incerto. Assim, não
há, atualmente, princípios aceitos que reflitam um alto grau de certeza clínica, seja para o
diagnóstico ou para o tratamento da HPNI, e que caracterizariam os sta n d a rd s.
1. Evidências convergentes a partir de história clínica, exame físico e exames por imagens.
2. Manifestação, na idade adulta, de forma insidiosa e progressiva, sem haver antecedente
causal identificável.
3. Alteração da marcha e/ou do equilíbrio.
4. Alterações cognitivas e do controle esfincteriano.
5. Documentação de dilatação dos ventrículos cerebrais por meio de exame por imagem
- necessária, porém insuficiente, para o diagnóstico de HPNI. Seu resultado deve ser
interpretado juntamente com a história clínica e os achados de exame físico para o
diagnóstico acurado e o diferencial com outras patologias.
■ Avaliação neuropsicológica;
■ avaliação urodinâmica;
■ avaliação da marcha;
■ RM funcional;
■ pressão liquórica lombar em decúbito lateral de 70 a 245 mmH20 ;
■ cisternografia.
■ DA;
■ doença de Parkinson;
■ doença de Lewy body;
■ distúrbios urológicos primários;
■ estenose lombar;
■ outros.
A partir da história, do exame clínico, dos exames por imagens e da fisiologia liquórica
dos pacientes com suspeita de HPNI, a possibilidade de acerto do diagnóstico pode ser
dividida em provável, possível e improvável.
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 433
HPNI provável
A alteração da cognição é documentada por teste apropriado ou, ao menos, por duas
das seguintes alterações, não inteiramente atribuíveis a outras causas:
■ urgência miccional;
■ aumento da frequência com mais de seis episódios miccionais em 12 horas com inges
tão normal de líquidos;
■ noctúria com mais de duas micções noturnas.
As alterações nos exames por imagens, sejam TC ou RM da cabeça, são constituídas por
uma dilatação ventricular não atribuível inteiramente à atrofia cerebral ou congênita, com
índice de Evans maior que 0,3 ou outra medida equivalente. O índice de Evans é obtido
pela divisão da largura máxima dos cornos frontais dos ventrículos laterais pelo diâmetro
transversal interno do crânio no nível desses cornos (Figura 34.1). Não há obstrução ao
fluxo liquórico nesses exames. Há, ainda, pelo menos uma das seguintes anormalidades:
FIGURA 34.1 RM da cabeça de paciente com HPNI e índice de Evans igual a 0,4 (largura máx. dos
cornos frontais de 48,13 mm e diâmetro interno do crânio no mesmo nível de 119,2 mm).
CAPÍTULO 34 h i d r o c e f a l i a de p r e s s ã o n o r m a l i d i o p á t i c a ( H P N I ) 435
Outros exames por imagem podem ser considerados para suporte diagnóstico, mas não
são obrigatórios. É o caso de TC e RM da cabeça prévias, mostrando ventrículos cerebrais
menores ou sem sinais de hidrocefalia. A cisternografia com radioisótopo (Figura 34.3) revela
retardo do clearance (retirada) do marcador na convexidade cerebral após 48 a 72 horas e
sinais de refluxo do marcador para os ventrículos laterais. A cinerressonância magnética, ou
outra técnica equivalente, mostra aumento da velocidade do fluxo liquórico ventricular. A TC
por emissão de fóton (Spect - single p h o to n em ission c o m p u te d to m o g ra p h y ) mostra redução
da perfiisão periventricular, que não se altera após administração de acetazolamida. O valor
preditivo da cisternografia com radioisótopo para o diagnóstico provável de HPNI em relação
ao conjunto do quadro clínico com os exames por TC ou RM da cabeça é igual em 43%, me
lhor em 24% e pior em 33%. Em outras palavras, não melhora a acurácia diagnóstica.
FIGURA 34.3 C isternografia com radioisótopo de paciente com hidrocefalia de pressão nor
mal evidenciando refluxo do m arcador para o sistem a ventricular.
436 neurologia e neurocirurgia HIAE
A pressão liquórica inicial, por punção lombar ou avaliação equivalente, deve estar en
tre 5 e 18 mmHg (70 a 245 mmH20). Medidas significativamente maiores ou menores não
são consistentes com o diagnóstico de HPNI. O valor preditivo da manometria liquórica
é variável na literatura, com sensibilidade entre 26 e 62%, especificidade entre 33 e 100% e
acurácia entre 45 e 54%. A drenagem de liquor tem como valor preditivo sensibilidade que
varia entre 50 e 100%, especificidade entre 60 e 100% e acurácia entre 58 e 100%.
HPNI possível
■ distúrbio da marcha;
■ demência isoladamente;
■ incontinência urinária e/ou distúrbio cognitivo, na ausência de distúrbio da marcha ou
do equilíbrio.
Nos exames por imagens da HPNI possível, há dilatação ventricular consistente com hidro
cefalia, além de evidência de atrofia cerebral de intensidade suficiente para explicar a hidroce
falia ou as lesões estruturais que podem influenciar no tamanho dos ventrículos cerebrais.
A HPNI é considerada possível quando as medidas de pressão liquóricas forem inexis
tentes ou fora dos limites determinados para o diagnóstico da HPNI provável.
HPNI im provável
TRATAMENTO
interposta uma válvula com sistema antissifão e, de preferência, utiliza-se uma válvula de
pressão regulável,5 ajustada inicialmente a baixa pressão. A cirurgia é precedida de uma
cuidadosa avaliação dos riscos existentes por comorbidades como coagulopatias, imuno-
patias, idade avançada, cardiopatias, pneumopatias etc.
Não há padrão para a avaliação dos resultados cirúrgicos. Na literatura, os bons resulta
dos variam entre 46 e 63%. Os melhores resultados são vistos nos pacientes que preenchem
os critérios de diagnóstico provável, sendo piores naqueles com diagnóstico possível ou
improvável.6Em geral, a principal melhora ocorre em relação à marcha, seguida da melho
ra da cognição e das alterações esfincterianas.7
Complicações pós-operatórias precoces e tardias não são incomuns e ocorrem em cer
ca de 35% dos pacientes, incluindo infecção, mau funcionamento do sistema de derivação,
formação de pseudocistos peritoneais e hematomas subdurais, entre outras.
► DISCUSSÃO
A HPNI pode ser diagnosticada com grau apenas moderado de certeza, a partir da
presença simultânea de alterações da marcha, da cognição e do controle esfincteriano, de
evolução insidiosa e progressiva, em pacientes adultos. Não deve haver um fator causal
prévio conhecido, como hemorragia, infecção ou trauma cranianos. Os exames por ima
gens devem mostrar ventriculomegalia com presença de líquido periventricular compatí
vel com alteração da dinâmica liquórica, e não secundária à atrofia do tecido cerebral. Por
definição, a pressão liquórica deve ser normal, apesar da demonstração de surtos de hiper
tensão liquórica à monitoração contínua da pressão intracraniana. A drenagem liquórica
pode ser utilizada como teste terapêutico antes do tratamento por derivação ventricular,
com interposição de válvulas do tipo antissifão, de baixa pressão. Mesmo com observação
dos critérios de diagnóstico das diretrizes detalhadas, bons resultados ocorrem em menos
de 70% dos pacientes, podendo ocorrer complicações em 1/3 dos pacientes tratados.
Bret et al.8 criticaram diversos conceitos relacionados à HPNI por meio de cinco ques
tões fundamentais:
Certamente, há espaço para novos estudos que expliquem melhor a fisiopatologia das
alterações clínicas,9 como o caso da redução do fluxo sanguíneo cerebral nesses pacientes,
além da alteração da dinâmica liquórica, a fim de permitir a descoberta de novas e melho
res modalidades terapêuticas para a HPNI.
a PONTOS RELEVANTES
QU E S T ÕE S
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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35
RELATO DE CASO_________________________________________________________
■ P a02: 144;
■ PaC 02:31,2;
■ pH: 7,39;
■ creatinina: 1,1 mg/dL;
443
444 neurologia e neurocirurgia HIAE
► DISCUSSÃO
As taxas de mortalidade de TCE grave têm caído cerca de 10% por década nos últimos 25
anos nos centros acadêmicos com interesse em neurotrauma. Todavia, coincidentemente,
esses centros situam-se nos mesmos países que tiveram redução da proporção de trauma
craniano associado a acidentes envolvendo veículos motorizados (acidentes de trânsito
em alta velocidade com homens jovens). A taxa de mortalidade no TCE grave, em séries
recentes de centros especializados em neurotrauma, está em torno de 35%.
O advento de unidades especializadas no tratamento de pacientes neurológicos e a im
plementação de recomendações baseadas em evidências provavelmente exerceram efeito
positivo no manuseio do TCE. Avanços na monitoração neurológica, nas técnicas de neu-
roimagem e nas intervenções neurocirúrgicas agressivas precoces provavelmente contri
buíram para a melhora dos desfechos nesses pacientes.
Classicamente, a lesão cerebral envolvida no trauma tem sido dividida em duas fa
ses: lesão cerebral primária e lesão cerebral secundária. A lesão cerebral primária decorre
de forças externas, como consequência de impacto direto, aceleração e desaceleração, pe
netração de objeto ou explosão. A natureza e a intensidade dessas forças determinam o
padrão e o grau da lesão cerebral. Por exemplo, acidentes com veículos motorizados em
alta velocidade frequentemente determinam lesões extensas e difusas, enquanto quedas
(comumente vistas em pacientes idosos) causam contusões focais.
Já a lesão cerebral secundária decorre de múltiplos processos, que podem continuar por
dias ou semanas após a lesão inicial. O conceito de lesão cerebral secundária é importante
na terapia intensiva neurológica, pois mostra que a lesão cerebral é um evento dinâmico,
cuja extensão pode evoluir nas horas e nos dias que se seguem ao trauma. A lesão cere
bral secundária pode ser desencadeada e/ou perpetuada por vários eventos, cerebrais e
sistêmicos (Tabela 35.1), muitos dos quais podem ser prevenidos por meio da adequada
monitoração e do manuseio do paciente neurológico grave.
(continuação)
Convulsões Hiponatremia
Infecções do SNC: abscessos, coleções Sepse/pneumonia
Lesões vasculares: trombose traumática de carótida, Coagulopatia
compressão vascular por herniação
Resposta inflamatória cerebral ao trauma
SNC: sistema nervoso central.
R estauração da volem ia e da PA
suscitação. Esses dados são importantes quando se analisam as evidências que se têm para
determinar qual é a melhor opção de fluido para ressuscitação e correção da hipotensão
no trauma.
Há tempos que as soluções hipertônicas têm sido estudadas nesse contexto. As pro
priedades das soluções salinas hipertônicas foram descobertas em estudos sobre ressus
citação volêmica em pacientes politraumatizados. Estudos preliminares sugeriram que
a salina hipertônica (SH) beneficia principalmente o subgrupo com TCE, promovendo
melhora dos parâmetros hemodinâmicos e redução da mortalidade.
Na década de 1990, os estudos de Vassar et al. em pacientes politraumatizados mos
traram que a SH foi mais eficaz que a salina normal em promover correção da hipoten
são. Uma análise p o s t- h o c de um desses estudos sugeriu benefício da SH no subgrupo
de pacientes com TCE grave, mostrando aumento, embora sem significância estatística,
de sobrevida até a alta. Todavia, esses benefícios potenciais não foram confirmados
em um ensaio clínico mais recente, publicado por Cooper et al, em 2004, que avaliou a
ressuscitação volêmica pré-hospitalar, com SH v e rsu s salina normal em 229 pacientes
com TCE grave e hipotensão. Não houve diferença no desfecho clínico primário, que
consistiu em avaliar a recuperação neurológica.
Após a instalação do monitor de PIC, o manuseio da PA passará a ser guiado pela PPC.
Em pacientes com hipertensão intracraniana (HIC), é mandatória uma medida fidedigna
da PAM, por meio de monitoração invasiva. A medida acurada da PAM assume impor
tância tanto por seu papel no cálculo da PPC quanto pela falta de consistência entre a da
PAS e a PAM, que torna pouco confiável o cálculo da PAM a partir da aferição da PAS.
Avaliações neurológicas
hipoglicemia. O alvo do controle glicêmico sugerido por muitos autores tem sido manter
a glicemia abaixo de 140 mg/dL.
A febre está associada a pior desfecho neurológico em estudos experimentais. A febre
aumenta a demanda metabólica cerebral, aumentando o FSC e podendo, assim, elevar a
PIC. Portanto, deve ser evitada e tratada agressivamente.
Antitérmicos podem ser usados de forma preventiva para evitar a febre nos primeiros
dias após o TCE. A associação de antitérmicos, com horários intercalados, e medidas físi
cas (compressas frias, exposição a temperatura ambiente, colchões térmicos) muitas vezes
é necessária para o controle da temperatura.
OOOOOoooob O O O O
FSC = —
RVC
lidade de intervenção nas “horas de ouro” do TCE, em que se pode melhorar a chance de
preservação da função neuronal.
M o n ito r a ç ã o d a P IC
A medida da PIC permite o cálculo da PPC, que constitui uma medida indireta do FSC.
Têm-se evidências de que a redução do FSC prejudica a função cerebral e compromete sua
viabilidade, sendo bastante razoável basear as intervenções terapêuticas em medidas do
FSC e de parâmetros que o afetam, como PIC, PAM , PPC, PaC 02 e P a0 2.
Apesar da convincente racionalidade de se monitorar a PIC, não se dispõem de estudos
clínicos randomizados sobre o tratamento da HIC guiada pela monitoração da PIC. Um
estudo randomizado na fase atual do conhecimento acerca da importância dessa variável
seria eticamente questionável, além de demandar um número muito elevado de pacientes.
Protocolos de tratamento que incluíram a monitoração da PIC mostraram desfechos me
lhores, quando comparados aos períodos anteriores, na era pré-monitoração. Há também
fortes evidências de que os pacientes que respondem ao tratamento da HIC têm melhores
desfechos que aqueles que não respondem.
A monitoração da PIC apresenta outras vantagens, apresentadas na Tabela 35.4.
contínua apenas indiretamente, por meio da estimativa da PPC, que representa o gradiente
de pressão por meio do leito vascular cerebral e é uma estimativa, embora grosseira, do FSC.
Por isso, a PPC (e não a PIC) tem sido defendida por muitos autores como o alvo principal
do tratamento em pacientes com HIC. Esse assunto ainda é motivo de intenso debate, como
exposto a seguir.
A pressão de perfusão ideal para garantir um FSC adequado é entre 50 e 60 mmHg.
No entanto, não há justificativas para manter PPC supranormal, já que, acima do nível
fisiológico, o aumento da PPC não elevará mais o FSC. Além de ser inútil, há fortes indí
cios de que esforços para manter PPC inapropriadamente alta podem piorar o desfecho
clínico no TCE. Esses esforços envolvem a administração de doses elevadas de expansores
plasmáticos e catecolaminas e podem levar a complicações, como a síndrome da angústia
respiratória aguda (Sara), e a piores desfechos clínicos e neurológicos.
A elevação da PPC para acima do limiar fisiológico (60 mmHg) só levará ao aumento
do FSC se houver falência da autorregulação cerebral, o que acontece apenas em casos ex
tremos, acompanhados de HIC refratária. Nesses casos gravíssimos, ocorre o que se chama
de “cascata da vasodilatação”, em que o fluxo oscila em função da PPC. O aumento da PPC
eleva o FSC, que, por sua vez, aumenta o conteúdo sanguíneo, ocasionando hiperemia
encefálica, que aumenta a PIC ainda mais. A PIC, então, aumenta continuamente, ao longo
456 neurologia e neurocirurgia HIAE
de várias horas, a níveis extremos e leva à morte cerebral se medidas agressivas não forem
tomadas.
Alguns autores têm chamado a atenção para o fato de que a PPC fisiológica em torno de
60 mmHg pode ser alta demais em alguns pacientes com TCE. Estudos recentes mostraram
que, em pacientes com autorregulação deficiente, a PPC acima do limiar de isquemia pode
ser prejudicial. Howells, em 2005, comparando dois protocolos diferentes, um baseado em
PIC e outro baseado em PPC, concluiu que a PPC acima de 60 mmHg era muito alta em
pacientes com autorregulação prejudicada.
Os dados que estabelecem os limiares para o tratamento da HIC baseiam-se nas evi
dências obtidas em numerosos estudos clínicos nas duas últimas décadas, baseados em
protocolos guiados pela PIC. Por isso, a PIC tem sido chamada de limiar “clínico” para o
tratamento, enquanto a PPC é chamada de limiar “fisiológico”. A Tabela 35.5 apresenta as
diferenças entre essas duas variáveis usadas para guiar o tratamento.
TABELA 35.5 Vantagens e desvantagens do tratamento da HIC guiado pela PIC vs. tratamento guiado pela PPC
PIC PPC
Limiar “clínico" Limiar “fisiológico"
É mais determinante do risco de herniação Quando a PPC está abaixo do nível de autorregulação
cerebral (50 mmHg), o aumento da PPC elevará o FSC
Este é o objetivo do tratamento da HIC
Potente preditor de desfecho clínico Em pacientes com autorregulação preservada, o au
mento da PPC para níveis supranormais (acima de 70
mmHg) não elevará o FSC e pode causar complicações
e piorar o desfecho clínico
Pacientes com HIC responsiva têm melhor desfecho
clínico
0s dados que estabelecem limiares para o trata
mento basearam-se em evidências provenientes de
protocolos guiados pela PIC
■ tipo de transdutor de pressão: fibra óptica ou medidor de tensão (stra in g a u g e). O trans
dutor de fibra óptica baseia-se em mudança da reflexão da luz causada pela mudança
da pressão e tem custo mais elevado;
■ posição da ponta do cateter: intraventricular, intraparenquimatoso, subdural, epidu
ral ou subaracnoide. Equipamentos de monitoração de pressão, inseridos nos espaços
sub ou epidural ou subaracnoide, têm menor acurácia, mas apresentam a vantagem de
menor risco de hemorragia que o intraventricular, já que não penetram no encéfalo. O
cateter intraparenquimatoso é tão acurado quanto o intraventricular, mas tem as des
vantagens de não poder ser recalibrado e não permitir a drenagem de liquor;
■ localização do transdutor de pressão: externo ou interno (localizado na ponta do cate
ter). Os transdutores localizados na ponta do cateter têm a desvantagem de não permi
tirem recalibração, que, muitas vezes, é necessária no decorrer do processo de monito
ração. Exceto os cateteres intraparenquimatosos, todos os demais podem ser acoplados
a um transdutor de pressão preenchido com fluido (flu id couple) que permite a recali
bração.
Além do valor numérico da PIC, outros dados significativos podem ser avaliados por
meio de sua monitoração. A análise do comportamento da onda de pressão em função do
tempo é útil e tem valor prognóstico. Onda A, ou p la te a u , é definida como aumento persis
458 neurologia e neurocirurgia HIAE
tente do valor para níveis acima de 40 mmHg, com 5 a 20 minutos de duração. A onda em
p la te a u é sempre patológica e indica redução da complacência e autorregulação intacta.
A análise dos componentes da onda de pressão da PIC revela informações sobre a compla
cência intracraniana. A complacência exprime o quanto o sistema ainda pode absorver de vo
lume para variar em uma unidade pressórica. Um sistema com complacência baixa tem pouca
capacidade para se adaptar a novos incrementos de volume. O liquor, apesar de corresponder
a apenas 10% do volume intracraniano, tem alta capacidade de tamponamento, contribuindo
com 30 a 70% da capacidade total de tamponamento do sistema, por meio de sua transferên
cia dos ventrículos e das cisternas para o espaço subaracnóideo raquiano. Já o parênquima
cerebral, que ocupa 80% do volume intracraniano, participa desse processo de forma mais len
ta, por compressões e deslocamentos. A capacidade de tamponamento pressórico do sistema
intracraniano é evidentemente limitada e depende da magnitude do incremento de volume e
da velocidade com que ele é introduzido.
A curva de pressão de pulso da PIC possui três componentes: Pl, P2 e P3. A onda PI é
a de maior amplitude e representa o pulso arterial sistólico. Quando a PIC sobe, P2 e P3 se
igualam e, depois, ultrapassam Pl. É possível, ainda, saber qual a é posição na curva pressão—
-volume da caixa craniana, por meio da análise da correlação entre a amplitude da pressão
de pulso da PIC e a PIC média.
A reatividade vascular às mudanças da PAM, chamada de vasorreatividade pressórica,
também deve ser analisada. A reatividade vascular dos vasos cerebrais a uma mudança da
pressão transmural é um componente chave da autorregulação. Em pacientes com autor
regulação intacta e, portanto, com reatividade pressórica intacta, a elevação da PAM leva à
vasoconstrição e à redução da PIC em 5 a 15 segundos. Em pacientes com autorregulação
comprometida, ocorre o inverso: a elevação da PAM leva ao aumento do FSC e, conse
quentemente, ao aumento do volume sanguíneo cerebral e da PIC.
O aumento da PIC continuamente, ao longo de várias horas, leva a níveis extremos
de PIC e ao colapso circulatório intracraniano, culminando em morte cerebral. Portanto,
nos pacientes com comprometimento da autorregulação, a elevação da PAM pode piorar
a situação. Estudos recentes sugerem que a reatividade pressórica poderá ser usada para
definir estratégias de tratamento, como alvos individuais de PPC.
Além da PA, o s ta tu s ácido básico e a P C 0 2 são condições fisiológicas que deflagram
reatividade dos vasos cerebrais. Hipertensão, alcalose e hipocarbia causam vasoconstrição,
enquanto hipotensão, acidose e hipercarbia causam vasodilatação. Essas variáveis frequen
temente sofrem variações drásticas no politraumatizado grave, concorrendo para interfe
rir nos mecanismos de autorregulação do FSC. Em pacientes submetidos à hiperventilação
por várias horas, p.ex., a compensação metabólica em resposta à hipocarbia leva à acidose
metabólica, que anula o efeito vasoconstritor da hipocarbia. Todos esses fatores devem ser
analisados quando se avalia a vasorreatividade da vasculatura intracraniana.
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 459
(continuação)
Terapia hiperosmolar Manitol é efetivo para o controle da HIC, nas doses de 0,25 a lg/kg
Manter a osmolaridade plasmática alvo em 300 a 320 mOsm e o sódio
plasmático entre 145 e 155 mEq/L
Soluções hipertônicas de cloreto de sódio em concentrações de 7 a 20% são
eficientes para reduzir a HIC
Dose sugerida: 30 mL de NaCI 20%, em 15 min
Hiponatremia deve ser excluída antes do uso de soluções salinas hipertôni
cas, devido ao risco de mielinólise
Hiperventilação É eficaz como medida temporária para redução da PIC, podendo ser usada por
períodos curtos (alguns minutos até algumas horas) na ocorrência de HIC
A hiperventilação terapêutica prolongada constitui uma alternativa terapêu
tica na HIC refratária às demais medidas gerais (drenagem de liquor, seda
ção, agente osmótico). Nesses casos, é fortemente recomendado que haja
monitoração da relação entre oferta e demanda de 02 pelo tecido cerebral,
para garantir que a hiperventilação não esteja causando isquemia cerebral
Medidas usadas na HIC refratária
Indução farmacológica de Barbitúricos em altas doses são recomendados para controlar a HIC refratá
coma: barbitúricos ria aos tratamentos médico e cirúrgico máximos. Recomendação classe II
Estabilidade hemodinâmica é essencial antes e durante a administração de
barbitúrico
Tiopental (dose de ataque: 5 a 10 mg/kg, em 30 min; dose de manutenção:
1 a 4 mg/kg/h)
Indução farmacológica de Propofol é recomendado para controle da HIC. Recomendação classe II
coma: propofol Não reduz a morbimortalidade em 6 meses, quando comparado a outros sedativos
A síndrome da infusão letal pode ocorrer com doses altas, principalmente
em crianças, mas também tem sido descrita em adultos. Essa síndrome
caracteriza-se por hipercalemia, lipemia, acidose metabólica e colapso
cardiovascular. Recomenda-se cuidado com doses acima de 4 mg/kg/h ou
em qualquer dose por mais de 48 horas
Hipotermia A hipotermia é eficaz em controlar a HIC
A hipotermia terapêutica constitui uma opção para o controle da HIC
refratária. Há complicações potencialmente graves, devendo ser realizada
apenas em centros especializados
Temperatura-alvo: 32 a 34°C
Craniotomia descompressiva Em estudos recentes, pacientes com HIC refratária tratados com craniotomia
descompressiva tiveram melhora significativa no controle da HIC e apresenta
ram melhor desfecho clínico em relação ao desfecho dos controles históricos
Drenagem de liquor
Sedação e analgesia
Pacientes com HIC devem estar adequadamente sedados e com controle da dor. A agi
tação dificulta o controle da HIC e pode significar dor, hipóxia, d e liriu m ou intolerância à
ventilação mecânica.
Para o controle da dor, analgésicos narcóticos de curta duração devem ser preferidos.
A infusão contínua de narcótico de curta duração, como fentanil ou remifentanil, pode ser
interrompida por curtos períodos para avaliação neurológica sequencial.
Quando a agitação for causada por d e lir iu m , um neuroléptico deve ser considerado.
Na fase aguda, o haloperidol é a droga de escolha, pois tem menor efeito sedativo que os
demais neurolépticos, não prejudicando tanto a avaliação neurológica. Em uma fase suba-
guda, na qual os efeitos sedativos dos neurolépticos atípicos não são tão indesejáveis, estes
podem ser considerados.
Em pacientes com HIC, além da analgesia e controle da agitação, é necessário que o
paciente seja mantido imóvel e com pouca reatividade. Agitação, tosse, incoordenação com
a ventilação mecânica e hipertonia aumentam a PIC. Nessa situação, quase sempre é neces
sário um agente hipnótico potente. As alternativas incluem benzodiazepínicos (preferen
cialmente de curta duração, como o midazolam), propofol ou barbitúricos.
Há alguma controvérsia acerca do melhor agente sedativo em pacientes com TCE gra
ve. Houve um grande entusiasmo inicial com o uso de barbitúricos, aos quais têm sido
atribuídas propriedades neuroprotetoras, porém, os resultados dos ensaios clínicos contro
lados não confirmaram o benefício esperado. Os resultados dos estudos randomizados e
de uma metanálise incluindo esses estudos permitem algumas recomendações, resumidas
na Tabela 35.8.
O manitol tem sido o principal agente osmolar usado para o controle da HIC nas últimas
três décadas, apesar de nunca ter sido avaliado em estudo controlado com placebo. É efetivo
para o controle da HIC, nas doses de 0,25 a 1 g/kg (recomendação classe II de evidência).
O uso de manitol deve ser restrito aos pacientes com monitoração da PIC. Seu uso
emergencial antes da instalação do monitor de PIC pode ser necessário caso haja de
terioração neurológica ou herniação transtentorial. Há dados que sugerem que o uso
intermitente é mais efetivo que o uso contínuo, o qual pode levar ao acúmulo de manitol
no cérebro, causando um efeito osmótico reverso e aumentando a osmolaridade no te
cido cerebral.
Manitol em altas doses pode provocar necrose tubular renal, principalmente se a os
molaridade sérica exceder 320 mOsm. Os cuidados para seu uso incluem assegurar a
normovolemia e manter osmolaridade sérica abaixo de 320 mOsm.
O uso de SH tem sido apontado como uma alternativa terapêutica para o controle da
HIC. Seu mecanismo de ação envolve mobilização osmótica de água por meio da barreira
hematoencefálica intacta, reduzindo o conteúdo hídrico cerebral.
As propriedades da SH foram descobertas em estudos sobre ressuscitação volêmica em
pacientes politraumatizados. Esses estudos mostraram que a SH beneficia principalmente
o subgrupo de pacientes com TCE, com melhora dos parâmetros hemodinâmicos e redu
ção da mortalidade. Outros estudos sobre o efeito das SH em pacientes com TCE e HIC
foram motivados por esses trabalhos.
SH em concentrações de 7 a 20% são eficientes para reduzir a HIC. Há relatos de que a
SH é eficaz em controlar a HIC mesmo em casos refratários ao manitol. O fenômeno re
bote parece ser menos comum com a SH que com o manitol. Outra vantagem parece ser a
manutenção do efeito da SH com o uso repetido, o que nem sempre ocorre com o manitol,
cuja eficácia é reduzida após doses repetidas.
Soluções salinas com concentração igual ou superior a 3% devem ser administradas em
veia central, em virtude do risco de tromboflebite quando administradas em veia perifé
rica. Em infusão contínua, a solução hipertônica geralmente é preparada na proporção de
1:1 de cloreto e acetato de sódio, para evitar a indução de acidose metabólica hiperclorê-
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 463
mica. A infusão muito rápida pode causar hemólise, ocasionada pela mudança brusca do
gradiente osmótico no soro, recomendando-se infusão lenta, em 10 a 15 min.
H iperventilação
A hiperventilação é uma medida efetiva de redução da HIC, porém, está associada a con
siderável risco de isquemia cerebral. Como mencionado anteriormente, o uso da hiperven
tilação profilática (PaC02 menor que 35 mmHg) não é recomendado, pois pode compro
meter a perfiisão cerebral, e está associado a pior desfecho no TCE grave. A hiperventilação
deve ser particularmente evitada nas primeiras 24 horas após o TCE, quando, usualmente,
o FSC está criticamente reduzido.
A hiperventilação terapêutica pode ser moderada (PaC02 menor que 35mmHg) ou
agressiva (PaC02 menor que 25 mmHg) e constitui uma medida eficaz e segura em duas
situações distintas:
■ como medida temporária para redução da PIC, podendo ser usada por períodos curtos
na ocorrência de deterioração neurológica ou HIC. Alguns minutos são suficientes para
reduzir a PIC nos pacientes responsivos;
■ a hiperventilação terapêutica prolongada constitui uma alternativa na HIC refratá
ria às demais medidas gerais (drenagem de liquor, sedação, agente osmótico). Nesses
casos, é fortemente recomendado que haja monitoração da relação entre oferta e
demanda de 0 2 pelo tecido cerebral, o que pode ser feito por meio de monitoração
da saturação venosa no bulbo jugular (Svj02) ou da tensão de 0 2no tecido cerebral
(P b rü 2).
Barbitúricos
Barbitúricos em altas doses são recomendados para controlar a HIC refratária aos tra
tamentos médico e cirúrgico máximos (recomendação classe II de evidência).
O tratamento cirúrgico máximo inclui a evacuação de massas intracranianas (hemato
mas, corpos estranhos, fragmentos ósseos) e a derivação ventricular, no caso de bloqueios
liquóricos. Já o tratamento médico máximo inclui as medidas iniciais para controle da
HIC, citadas na Tabela 35.8.
Os barbitúricos já foram bastante estudados no TCE grave e a eles tem sido atribuído
um efeito neuroprotetor. No entanto, não há dados que corroborem esse benefício.
Dois estudos randomizados não mostraram benefício com o uso de barbitúricos
para indução de coma, avaliados por meio da indução de surto-supressão no EEG. As
sim, a indução profilática de coma barbitúrico em pacientes com TCE grave não é re
comendada (classe II).
464 neurologia e neurocirurgia HIAE
Hipoterm ia
In fe c ç õ e s
C o a g u lo p a t ia
A lte r a ç õ e s c a r d io v a s c u la r e s e d is tú r b io s h id r e le t r o lít ic o s
Arritmias são frequentes durante o período de hipotermia. Podem ocorrer pela própria
hipotermia ou ser induzidas pelos distúrbios eletrolíticos. A bradicardia é a arritmia mais
frequente, geralmente sem repercussão clínica, e não requer intervenção.
A hipotermia provoca aumento da resistência vascular sistêmica e queda do débito car
díaco, além de induzir aumento da diurese com potencial de hipovolemia. O aumento da
diurese pode causar perda renal de vários íons, como potássio, magnésio, fósforo e cálcio.
Dessa forma, as condições hemodinâmicas e eletrolíticas devem ser intensamente monitora
das nesses pacientes.
O nível de potássio deve ser monitorado também no reaquecimento, quando ocorre
seu retorno para o meio extracelular, com risco de hipercalemia.
H ip e r g lic e m ia
C0RTIC0STER0IDES
ficativamente maior no grupo tratado com corticosteroide. A falta de benefício foi obser
vada em todos os subgrupos de gravidade e de janela terapêutica. Os resultados mostram
que os corticosteroides não apresentam nenhum benefício em pacientes com TCE, além
de poderem aumentar a mortalidade.
PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES
Profilaxia anticonvulsivante
Profilaxia de infecções
CONTROVÉRSIAS E PERSPECTIVAS
Hipoterm ia profilática
Nas duas últimas décadas, tem havido muito interesse em avaliar o efeito da hipoter
mia profilática em pacientes com TCE, mas este ainda é um assunto controverso. A hi
potermia profilática, induzida precocemente logo após o trauma (independentemente da
presença de HIC) e mantida por 24 a 48 horas, foi estudada em pacientes com TCE grave.
Até o momento, pouco mais de uma dezena de ensaios clínicos randomizados controlados
foi publicado, mostrando que a hipotermia profilática não reduziu a mortalidade no TCE
grave, embora dados preliminares sugiram redução da mortalidade e melhora do desfecho
funcional, quando a temperatura-alvo é mantida por um período maior que 48 horas (grau
de evidência III).
Em crianças, um ensaio recentemente publicado sugeriu que a hipotermia provoca au
mento da mortalidade, além de não resultar em melhora do desfecho neurológico. Esses
dados sugerem fortemente que a hipotermia profilática pode ser deletéria em crianças.
468 neurologia e neurocirurgia HIAE
n PONTOS RELEVANTES
0 TCE constitui um grave problema médico com repercussões socioeconômicas exten
sas, sendo a principal causa de morte traumática e a principal causa de incapacidade
funcional em vítimas de trauma.
0 Acidentes são a terceira causa de morte em todo o mundo.
0 TCE determina dois tipos de lesões cerebrais: primária e secundária.
0 A lesão cerebral primária é decorrente das forças externas de impacto, como aceleração,
desaceleração ou penetração de objetos.
0 A lesão cerebral secundária é decorrente de múltiplos processos orgânicos, que se de
senvolvem a partir do TCE e podem durar desde dias até semanas.
0 Lesões cerebrais secundárias são causadas por hipertensão intracraniana, hematomas
intracranianos, edema cerebral, hiperemia cerebral, hérnias cerebrais, hidrocefalia, va-
soespasmo.
0 Causas sistêmicas de lesões cerebrais secundárias incluem hipotensão, hipóxia,hipocap-
nia, hipercapnia, anemia, febre, hiper ou hipoglicemia.
0 Manobras imediatas de ressucitação são muito importantes para o prognóstico de pa
cientes com TCE grave.
0 O tratamento do TCE grave inclui sedação, manutenção da pressão intracraniana, dre
nagem de liquor ventricular, oxigenação e ventilação adequadas, controle glicêmico e
da temperatura corpórea.
0 Monitoração da pressão intracraniana é fundamental nos TCE graves.
0 Exames por imagem são importantes na identificação precoce de complicações como
hematomas intracranianos e hidrocefalia.
0 Craniotomia descompressiva pode ser necessária nos TCE graves em que falharam ou
tras medidas para controle da pressão intracraniana.
0 Corticosteroides não estão indicados no TCE.
0 Anticonvulsivante profilático é utilizado na primeira semana após TCE grave e suspen
so se não houver convulsão neste período.
0 O uso de hipotermia profilática é controverso.
CAPÍTULO 35 t e r a p i a i n t e n s i v a no t r a u m a t i s m o c r a n i o e n c e f á l i c o g r a v e 469
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índice remissivo
473
474 neurologia e neurocirurgia HIAE
V X
variante xantom atose cerebrotendínea
da DCJ 236, 238 157
frontal da D FT 193
vasoespasm o 380,381,382
VEGF 392
ventriculom egalia 437
vertigens 336
vôm itos 309
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ru Elaborado para atualizar o especialista de ambas as áreas,
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Neurologia e Neurocirurgia foi organizado em 35 capítulos
a> escritos por profissionais do Hospital Israelita Albert Einstein
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(HIAE) e discute temas como acidente vascular cerebral, epi
o lepsia, cefaleia, esclerose múltipla, demências e tumores ce-
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rebrais.Todos os casos destacados abrangem:
E • o diagnóstico;
• o tratamento;
o
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•
a avaliação crítica;
a revisão bibliográfica;
ro
u • conteúdo prático de grande interesse para enfermeiros,
fisioterapeutas, fonoterapeutas e demais profissionais
envolvidos na abordagem e na terapêutica de pacientes
com afecções do sistema nervoso.
u As questões de múltipla escolha, ao final de cada capítulo,
a» também estão disponíveis na plataforma de educação con
tinuada www.universidademanole.com.br/neurologiacc. Essa
ru
u atividade não presencial está cadastrada na Comissão Nacio
nal de Acreditação (CNA) e foi elaborada para avaliar o grau
de aproveitamento do conteúdo impresso, permitindo acu
u mular 10 pontos para a obtenção do Certificado de Atualiza
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