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neuro<ciências
psicologia
Sumário
II JORNADA FLUMINENSE DE COGNIÇÃO IMUNE E NEURAL
Academia Nacional de Medicina
Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011
organização: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro e José Luiz Martins do Nascimento

EDITORIAIS
As Jornadas sobre Cognição Imune e Neural como plataforma
para a criação de uma nova neuroimunologia,
Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, José Luiz Martins do Nascimento .......................................... 3
Cognição imune e neural - Encontros e desencontros?
Vivian M. Rumjanek, Marcello André Barcinski ................................................................... 5

OPINIÃO
Immunology and intentionality - Observing immunologists,
Nelson Monteiro Vaz...................................................................................................... 11

ARTIGOS
Psicofármacos para aprimoramento das funções cognitivas,
José Luiz Martins do Nascimento, Gilmara de Nazareth Tavares Bastos ............................ 18
Plasticidade sináptica como substrato da cognição neural,
Ricardo Augusto de Melo Reis, Mário C. N. Bevilaqua, Clarissa S. Schitine ........................ 27
A distinção entre o próprio e o não próprio pelo sistema
immune adaptativo, Maristela O Hernandez, Jorge Kalil ................................................... 42
O mestre dos sonhos à casa torna: revisitando Freud, Sidarta Ribeiro.............................. 49
Reconhecimento do próprio pelo sistema imune inato,
Marcello André Barcinski................................................................................................ 55
A redundante composição antigênica do universo biológico,
o parasitismo e o desafio da tolerância aos auto-antígenos,
Yuri Chaves Martins, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro ........................................................... 60
Neurociência, a ciência do sistema nervoso: da descoberta
do impulso nervoso ao estudo da consciência e a uma nova
revolução tecnológica, Luiz Carlos de Lima Silveira,
Manoel da Silva Filho, José Luiz Martins do Nascimento................................................... 80
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neuro<ciências
psicologia ISSN 1807-1058

Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro


Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA
Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz
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Editorial

As Jornadas sobre Cognição Imune e


Neural como plataforma para a criação
de uma nova neuroimunologia
Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro*, José Luiz Martins do Nascimento**

Nesta edição de Neurociências apresen- decisivas para a mudança de paradigmas e o


tamos artigos referentes a comunicações avanço conceitual. Ler os discursos de colegas
realizadas por imunologistas e neurocientistas laureados com o Premio Nobel de Fisiologia ou
na II Jornada sobre Cognição Imune e Neural. Medicina pode ser bastante útil para ilustrar
Promovida pelo Instituto Oswaldo Cruz e pela essa realidade.
Academia Nacional de Medicina (ANM), a Assim, para discutir o tema dessa Jorna-
Jornada ocorreu nos salões da ANM em 11 da, a idéia foi trazer contribuições sob a forma
de agosto de 2011. As reflexões realizadas de ensaios que, embora descrevam conheci-
chamam a atenção para a necessidade de que mentos acerca de variados temas transversais
cientistas dessas áreas pensem e escrevam às ciências imunológica e neural, concernem
sobre o tema “cognição” com as abordagens tópicos apresentados e discutidos na Jornada
e paradigmas que usam em suas vivências potencialmente consideráveis como relativos à
cotidianas e repertórios de conhecimentos questão da cognição. Desse modo, os artigos
que norteiam seus pensares nas áreas em publicados aqui, não guardam um ordenamen-
que atuam, com o intuito e a perspectiva de to temático.
ampliar a agenda de debates sobre a maneira Estudos voltados aos sistemas cognitivos,
como os seres vivos aprendem e se adaptam como as neurociências e as imunociências
ao meio em que habitam. têm experimentado uma rápida transformação
Somos, todos nós, afetados pela (e nos nos últimos anos, testemunhando revoluções
queixamos da) falta de tempo para ler e nos sem precedentes na genética; biologias celu-
manter atualizados com a literatura de nossa lar, molecular e do desenvolvimento; fisiologia
própria área e áreas afins. No entanto, são as celular; processamento de informação, proteô-
contribuições de fora de nosso domínio estrito mica e vários campos do conhecimento, rela-
de atuação que, muitas vezes, se mostram cionados ou não a questões cognitivas. Está

Organizadores da II Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural, *Centro de Pesquisa, Diag-
nóstico e Treinamento em Malária, Fiocruz, *Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular, UFPA

Correspondência: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, ribeiro@ioc.fiocruz.br, José Luiz Martins do Nascimen-


to, jlmn@ufpa.br
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claro que os processos moleculares são, em do individuo com seus ambientes. Fica para
última analise, responsáveis pelos resultados trás a idéia de um sistema imune voltado
finais que poderíamos rotular, simplificada- para o mundo externo, funcionando como um
mente, de determinantes de comportamentos exército e com finalidades diagnosticadas (por
do sistema no indivíduo e deste no ambiente. nós) no contexto de metáforas defensivas.
O atributo que talvez mais bem defina Portanto, essa é a segunda coletânea de
os sistemas cognitivos é que eles, além de palestras oriundas de uma Jornada sobre Cog-
complexos e altamente organizados em redes, nição Imune e Neural (as palestras da primeira
envolvem mecanismos de resposta específica Jornada foram publicadas em: Neurociências
e geração de memória nas interações celula- vol 5 número 4 – out/dez de 2009) envolven-
res e moleculares que resultam em fenômenos do imunologistas: Marcello André Barcinski e
como consciência e processos autopoiéticos e Claúdio Tadeu Daniel-Ribeiro (IOC/Fiocruz); Jor-
que, vistos por observadores externos, podem ge Kalil (Inst. Butantan/USP); Nelson Monteiro
ser considerados como “análises” e “interpre- Vaz (ICB/UFMG) e neurocientistas: José Luiz
tações” dos sistemas e estarem na origem da Martins do Nascimento e Luiz Carlos de Lima
definição do indivíduo imune e neural. Silveira (UFPA), Sidarta Ribeiro (IC/UFRN);
O entendimento de que o sistema imune, Ricardo Augusto de Melo Reis (IB/UFRJ) de
como o nervoso, é organizado em redes (idiotí- atuação diferenciada em sua áreas de com-
picas em vez de neurais) produziu impacto em petência. Ela se firma como uma ferramenta
cientistas, que puderam: a) entendê-lo como potencialmente útil para o debate e ponto de
capaz de fazer seu autoreconhecimento e exer- convergência para a identificação de temas,
cer um permanente controle interno de seu conceitos e paradigmas comuns nos (que re-
estado de ativação; e b) pensá-lo como dotado conhecemos como) processos cognitivos dos
de circuitos que criam e trocam informações sistemas imune e neural. Pensamos que tal
com plasticidade, de forma dependente do re- abordagem pode estar na origem da criação
pertório de vivências imunológicas individuais de uma neuroimunologia cognitiva.
e determinante das modalidades de interação Boa leitura !
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Editorial

Cognição imune e neural -


Encontros e desencontros?
Vivian M. Rumjanek*, Marcello André Barcinski**

A pesquisa multidisciplinar está na ordem continuidade à idéia de Cláudio Tadeu Daniel-


do dia já há muitos anos. A pesquisa trans- -Ribeiro, secundado primeiro por Luiz Carlos de
disciplinar é mais jovem e a translacional é Lima Silveira e depois por José Luiz Martins
quase recém-nascida (a não ser que conside- do Nascimento de unir neurocientistas e imu-
remos que Carlos Chagas e Oswaldo Cruz já nologistas para buscar visões diversificadas e
a faziam desde o início do século passado, ao mesmo tempo propiciar uma aproximação
com outro nome). Muitas são as estratégias entre as duas áreas. Com esse espírito foram
de indução para a formação de grupos fazendo realizadas duas Edições da Jornada em 2009
ciência como descrito acima. Estas vão desde e 2011.
a simplória solução de passar a chamar de A relação entre os sistemas Nervoso e
Programas os antigos Departamentos até a Imune, com o aparecimento de diversas neu-
criação dos Institutos Nacionais de Ciência e roimunlogias foi mencionada anteriormente
Tecnologia agregando grupos das diferentes nesta mesma revista [1]. Historicamente a
áreas do saber. Outros, como o da presente relação é antiga. Em 1927 Ivan Petrovich
reunião, fazem algo intermediário: colocam Pavlov publicou o livro Conditioned Reflexes:
juntos, em um simpósio, pesquisadores que An Investigation of the Physiological Activity of
trabalham em temas que se quer ver agrega- the Cerebral Cortex, na versão traduzida por
dos. Falta agora uma avaliação crítica bem Anrep, em que Pavlov expunha seu trabalho
feita para que efetivamente se saiba quais de mais de 25 anos. Sob o impacto da Teoria
foram os impactos destas medidas no avanço da Evolução e das descrições de Pavlov, outro
da nossa ciência. russo Serguei Metalnikov percebe que, sob o
Na ocasião da 2a Jornada Fluminense so- ponto de vista evolutivo, um aprendizado as-
bre Cognição Imune e Neural tratou-se de dar sociativo neuroimune faria sentido como uma

*Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, **Instituto Oswaldo Cruz,
Fiocruz

Correspondência: vivianrumjanek@yahoo.com.br, mabarcinski@gmail.com


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maneira de responder de forma eficaz a agen- na ordem de mais de 35.000 e no sistema


tes infecciosos potencialmente patogênicos. imune cerca de 600. Não há dúvida que ten-
Segundo ele, o reflexo condicionado descrito do nascido nas neurociências esses termos
por Pavlov estaria também presente nas res- sejam menos frequentes quando abordamos
postas imunes. Em 1926 publica com Chorine o sistema imune. Mas, será que os próprios
os resultados de experimentos que realizou neurocientistas concordam entre si sobre o
mostrando que condicionando animais com que consideram cognição? Isso não parece
diferentes estímulos, por exemplo, coçando ser o caso, como veremos nas discussões
as costas dos mesmos, e associando esse que se seguem. Entre os participantes da
estímulo a injeções de patógenos era possível Jornada havia desde aqueles que consideram
aumentar a sobrevivência dos animais e a que cérebro e pâncreas tem a mesma capa-
quantidade de anticorpos produzidos [2]. Esse cidade cognitiva (o que gera a dificuldade de
tipo de experimento foi reproduzido nos anos caracterização da “dualidade mente/pâncre-
subsequentes por Nicolau e Antinescu-Dimitriu as”) até os que sugeriram que tentássemos
em 1929 e Ostravskaya em 1930, até serem nos limitar a estender e aplicar aos sistemas
gradativamente esquecidos e re-descobertos imune e nervoso o entendimento de cognição
por Ader e Cohen na década de 1970. Mas expresso no dicionário [Houaiss 1ª edição
dentro do escopo de cognição, o próprio re- (1-ato ou efeito de conhecer; 2-processo ou
flexo condicionado é visto, dependendo da faculdade de adquirir um conhecimento; 3-De-
linha, como envolvendo ou não uma atividade rivação: por extensão de sentido, percepção,
cognitiva. conhecimento)]
Para esta Jornada foi sugerido que a Ainda dentro das neurociências, a disputa
discussão não resvalasse para receptores e entre emoção ser ou não ser uma atividade
mediadores comuns aos dois sistemas, ou so- cognitiva ilustra este aspecto [3] e mostra a
bre a influência de um sistema sobre o outro, dificuldade das definições. Uns consideram
mas discutíssemos, com o auxílio de exemplos a percepção produzindo uma resposta como
das áreas de atuação de cada expositor, o que um processo cognitivo, outros consideram
cada grupo entendia por cognição. como cognição o processamento do estímulo
Padronizar definições de termos cientí- pós-perceptual.
ficos não é tarefa fácil (principalmente não Nelson Vaz, o primeiro palestrante levan-
se tratando de uma reunião sobre nomencla- tou imediatamente a questão “do que enten-
tura). Homogeneizar conceitos é ainda mais demos como cognição?” [4]. Vaz já discutiu
difícil. A primeira pergunta que fica é se a em diversas ocasiões que a imunologia clonal,
normatização é indispensável ou se dá para resultado da expansão de clones de linfócitos
conviver e trabalhar juntos, desde que cada não relacionados entre si, em que a memória
um dos atores saiba qual é a interpretação imunológica resultaria do aumento da frequ-
de um dado conceito adotada pelo colega de ência de clones de linfócitos reativos a um
outra disciplina. A imunologia se apropriou de determinado antígeno, sofre da dificuldade
muitos termos das neurociências, mas será de explicar a regulação desse modelo, que
que conceitualmente eles se equivalem? Se necessitaria de mecanismos de regulação
procurarmos por sinapse encontraremos em para regular a própria regulação [5]. Ele sugere
torno de 50.000 artigos sobre a sinapse ner- a necessidade de uma organização resultante
vosa e de 650 sobre a sinapse imunológica; de uma conservação de relações internas
mais de 51.000 artigos sobre memória (envol- ao organismo. A especificidade imunológica,
vendo o sistema nervoso) e mais de 18.000 normalmente atribuída em relação a um agen-
sobre memória do sistema imune; finalmente, te externo, seria, na verdade, conferida por
artigos sobre cognição no sistema nervoso nós, observadores. As células e moléculas
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que participam do que classificamos como processos sofrem influência de vários fatores
sistema imune, fazem o que podem fazer, e, e hormônios. Entre outros dados, o grupo de
nesta abordagem, as entidades cognitivas na Ricardo Reis demonstrou como as ampacinas,
imunologia seriam os imunologistas. Essa é compostos pró-cognitivos, são capazes de
uma forma de pensar bastante influenciada regular a neurogênese in vitro.
pelos neurobiólogos Humberto Maturana e A possibilidade de melhorar funções
Francisco Varela. Segundo eles, cognição cognitivas foi o tema discutido, em seguida,
pode ser atribuída a todos os seres vivos, por José Luiz Martins do Nascimento [7]. Por
com e sem sistema nervoso e a atividade funções cognitivas ele define “habilidades
neurobiológica é tratada por eles como “não- intelectuais que envolvem pensamento,
-cognitiva”. O sistema nervoso, assim como percepção, atenção, linguagem, memória,
o sistema imune seriam, cada qual, uma aprendizagem, criatividade, raciocínio lógico”
rede fechada, que sofre perturbações em seu e a apresentação discorreu sobre fármacos
contacto com o organismo e modifica a sua nootrópicos e seu uso indiscriminado por
estrutura em compensação a essas perturba- pessoas saudáveis sem déficit cognitivo. Sem
ções. Dentro dessa moldura conceitual, não esquecer de lembrar sua importância em pa-
existe “reconhecimento”, ao se intervir com cientes com Alzheimer, Parkinson, coreia de
uma célula afetam-se todas as demais que se Huntington, demência senil, déficit de atenção
re-organizariam dentro de modificações com- e hiperatividade entre outras doenças neurop-
pensatórias possíveis dentro desse sistema. siquiátricas. O uso de psicofármacos cresceu
Mas voltando ao ponto da reunião, o que com o aumento do nosso conhecimento sobre
seria cognição? Segundo Ricardo Reis [6] “o circuitos neurais, eventos celulares e molecu-
termo cognição pode ser definido como o ato lares, fazendo dos diferentes tipos de sinap-
de adquirir conhecimento, ou a faculdade de ses o alvo biológico de escolha. Dentre esse
conhecer”. Na sua abordagem, ele focalizou grupo discutiu-se o metilfenidato, o modafinil,
a plasticidade sináptica sob o ponto de vista as ampacinas e a memantina. No entanto, ou-
de moléculas e receptores envolvidos, da tros alvos biológicos foram mencionados entre
morfologia celular e de novas redes com a eles fármacos que atuam na vascularização,
geração de novos neurônios. A importância drogas que atuam no metabolismo celular,
biológica do processo cognitivo não foi o pon- e substâncias que atuam na transdução de
to de discussão, mas sim, como o sistema sinal. Um maior conhecimento das funções
nervoso, que é o foco de seu trabalho, pode cognitivas do cérebro está permitindo que se
modificar-se para se adaptar às mudanças interfira e se regule essas funções.
enfrentadas durante todo o desenvolvimento Até em torno dos anos 90 do século XX
do indivíduo. Discutiu-se mudanças morfo- o processo cognitivo era identificado com o
lógicas em estruturas que se transformam estado de consciência, levantando dúvidas
em espinhas dendríticas aumentando a sobre se em um estado inconsciente como o
possibilidade de chegada de informações ex- sono haveria o envolvimento do processo cog-
citatórias e o dinamismo de estruturas pré e nitivo [8]. Sidarta Ribeiro prendeu-se menos
pós-sinapticas. Um outro elemento, trazido à à discussão sobre cognição per se e trouxe a
tona, foi a neurogênese adulta que acontece baila o fato que graças a novas abordagens
em primatas, incluindo o homem. Neste caso de neurociências e psicologia experimental é
observa-se uma circularidade, por exemplo, possível atualmente reexaminar algumas pro-
a neurogênese no hipocampo participa dos posições freudianas [9]. A dicotomia do mundo
processos cognitivos de memória e aprendi- consciente e inconsciente foi levantada. Com
zagem, e, por outro lado o aprendizado leva isso discutiu-se a importância do sono como
a geração de novos neurônios. Todos esses consolidador de memórias e aprendizado,
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mostrando como a reativação neural durante outra responsável pelo controle homeostático,
o sono leva não só a um processamento ambas em constante interação [12].
neurofisiológico, mas também, a expressão Para grande parte dos imunologistas a
gênica diferenciada. E, nesse caso o processo abordagem conceitual enquadra-se na dicoto-
cognitivo pode ocorrer de forma inconsciente. mia do sistema reconhecer entre o “próprio”
O aspecto abordado se referiu mais ao pro- e o ”não próprio”, e esse ponto foi discutido
cessamento da informação e consolidação em algum momento por todos os palestrantes
da memória, levando consequentemente à da área, mesmo definindo que esse conceito
adaptação da resposta. Esses tipos de estudo não resistiu à prova do tempo. A semelhança
só foram possíveis com o conhecimento atual genômica e proteômica entre vários seres
em neurociências. vivos e o homem, dificultando muito a noção
Esse caminho para conhecer melhor as de “próprio” e “não próprio”, foi discutida por
propriedades e organização do sistema nervo- Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro [13]. O conceito
so, foi bastante longo, mas nos últimos anos de mimetismo molecular infere que parasitas
a velocidade de informação adquirida já nos com estruturas homólogas àquelas de seus
permite sistemas de obtenção de imagens hospedeiros garantiriam a sua sobrevivência
do cérebro em funcionamento. Uma história não somente por escaparem a uma respos-
detalhada desse desenvolvimento foi trans- ta imune, mas, também, por reconhecer e
mitida por Luiz Carlos de Lima Silveira [10]. responder a sinais fisiológicos presentes no
Ele também falou sobre “Consciência”, como meio. Devido à grande homologia encontrada
um aspecto fundamental da compreensão da entre microrganismos (patogênicos ou não)
existência, integrando a noção do “eu”, e a e a nossa espécie, existe a possibilidade de
pergunta envolvida é se haveria “alguma ma- autorreatividade e a de indução de patologia
neira de registrar a atividade consciente, ou resultante dela. Está claro que o fenômeno
seja, usar algum tipo de neuroimageamento denominado “tolerância imunológica” está
cuja análise revele exatamente o que um ser envolvendo reatividade, resultando em uma
humano esteja pensando”. Várias questões resposta altamente regulada, no caso aos
foram levantadas e foram discutidas inclu- antígenos parasitários assim como a todos
sive dentro do enquadramento da hipótese os elementos integrantes do organismo. A
do centro dinâmico de Edelman [11] o qual cognição sob o ponto de vista imunológico
propôs uma teoria biológica sobre a Consci- envolveria reconhecimento (um processo per-
ência, a qual procura associar determinados ceptivo) e memória imunológica (envolvendo
tipos de processos neurais às propriedades processamento e mudanças prévias). O siste-
chaves da experiência consciente. Sugere ma imune é um sistema altamente redundan-
que a consciência não é uma propriedade de te, com vários pontos de controle envolvendo
uma localização específica ou tipo de neurô- interações celulares e moleculares e seria seu
nio mas o resultado de interações dinâmicas desequilíbrio que, mais do que a existência
entre neurônios, dependendo da complexidade de antígenos comuns entre microorganismos
dessas interações e do nível de integração e seus hospedeiros vertebrados, poderia de-
entre esses complexos neuronais. O fato de sencadear reatividade patológica e doença.
Edelman ter estado envolvido em um ambien- A complexidade do sistema imune en-
te em que as teorias imunológicas estavam volveria a formação de uma memória imune
sendo formuladas (ele recebeu o Prêmio Nobel adaptativa, não dependente de circuitos
pela estrutura da imunoglobulina) talvez tenha neurais, mas formada por células do sistema
pesado na sua conceituação de interação de imune e moléculas capazes de interagir entre
dois níveis de organização nervosa uma res- si. Exemplos claros do mimetismo molecular
ponsável por categorizar estímulos externos e desencadeando doenças autoimunes foram
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discutidos por Jorge Kalil [14]. A semelhança vivo, uma vez que a regulação enzimática por
entre moléculas do Streptococcus pyogenes alosteria não depende do produto ou subs-
e a miosina cardíaca pode ser determinante trato, podendo ser efetuada por qualquer tipo
para desencadear reações auto-imunes na molecular que atue sobre o sítio regulatório
febre reumática e na doença reumática do da enzima, conferindo uma extrordinária “liber-
coração. Outro exemplo foi o da infecção pelo dade” ao processo evolutivo para criar redes
protozoário Trypanosoma cruzi produzindo uma metabólicas complexas e arbitrarias, através
resposta capaz de reagir com protozoário e de mutações dos sítios regulatórios. Alberto
com miosina cardíaca. Isso ilustra claramente observou como o conceito de Monod sobre a
a reatividade contra nossas próprias estrutu- alosteria molecular se estende naturalmente
ras e a necessidade de vários mecanismos para uma “regulação alostérica generalizada”
de controle central e periféricos para manter entre diferentes tipos celulares que consti-
a tolerância imunológica. Um conhecimento tuem os organismos metazoários, cada cé-
mais aprofundado de como ocorre essa regula- lula considerada agora como uma “unidade
ção permitiria um controle da autoimunidade. alostérica generalizada”, que é regulada por
O conceito original do reconhecimento centenas/milhares de ligantes. Nesse caso, a
imunológico, entre o próprio e o não próprio, complexidade da regulação aumenta de forma
envolvia especificidade e receptores clonais em exponencial quando passamos das unidades
linfócitos. Essa discriminação representaria o moleculares para as unidades celulares, ca-
processo de cognição do sistema imune adapta- pazes de gerar todo um organismo com suas
tivo. No entanto, existe um sistema paralelo, que complexas redes metabólicas e celulares. As
recebeu a denominação de imunidade inata, que redes neurais seriam construídas essencial-
permite a identificação de padrões moleculares mente de modo equivalente às redes alosté-
presentes em microorganismos patogênicos ricas generalizadas, de tal modo que as simu-
(PAMPs) e de padrões moleculares associados lações computacionais de ambas apresentam
a perigo, isto é, moléculas provenientes de cé- um isomorfismo algorítmico. Alberto sugeriu
lulas que sofreram traumas ou injurias (DAMPs). que esta equivalência poderia ser considerada
Neste sistema a dualidade permanece, como como elemento definidor do processo cognitivo
discutido por Marcello Barcinski [15], os PAMPs dos sistemas biológicos, variando conforme o
equivalem aos ligantes exógenos e os DAMPs grau de complexidade das redes regulatórias.
aos endógenos. No entanto, quando se trata No organismo biológico existem subsistemas
de doenças o eixo se desloca. A discriminação incluídos no sistema maior que forma o todo.
passa a ser realizada em uma primeira instân- No caso do sistema imune, Alberto sugeriu que
cia por células consideradas por anos pelos o complexo principal de histocompatibilidade
imunologistas como “células acessórias” como desempenhe o papel de elemento regulador
macrófagos, células dendríticas e neutrófilos, alostérico.
e não pelos linfócitos com seus receptores Afinal, o que entendemos por cognição?
recombinados. O reconhecimento de estruturas O fato de ser uma Jornada, e por definição
como PAMPs e DAMPs induziriam processos restrita a um dia de duração, não permitiu
inflamatórios e/ou imunoprotetores capazes de a reflexão e o debate que o tema propiciava
modular o dano tecidual. de forma exaustiva. No entanto, as Jornadas
Com Alberto Nóbrega, voltamos a uma vêm, desde a sua primeira edição em 2009,
tentativa de integrar sistemas. Ele apresentou chamando a atenção para a necessidade
a visão de Jacques Monod sobre a regulação desse debate e se tornando um fórum para
alostérica, segundo o qual esta constitui o que ele ocorra.
cerne da regulação metabólica de todo ser
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Referências 9. Ribeiro S. O mestre dos sonhos à casa


torna: revisitando Freud. Neurociências
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Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 11

Opinião

Immunology and intentionality –


Observing immunologists
Imunologia e intencionalidade –
Observando os imunologistas
Nelson Monteiro Vaz

Abstract
When we consider the immune system as a cognitive system, as most immunologists do, our questions
and the criteria we use to validate the answers to these questions, will inevitably follow what we understand
as cognition. An alternative is to ascribe cognition to what immunologists do when they operate as human
observers and generate descriptions of immunological activities. In this uncommon way of seeing, which
I prefer, we ascribe the specificity of immunological observations to what we do as humans observers
operating in human language, rather than to what cells and molecules, such as lymphocytes and immuno-
globulins, do as components of the immune system. In this alternative way of seeing, we, immunologists,
are the true cognitive entities in immunology.

Médico, Doutor em Bioquímica e Imunologia, Professor emérito de Imunologia, Instituto de Ciências Bio-
lógicas (ICB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Position paper to: II Jornada Fluminense
de Cognição Imune e Neural, Academia Nacional de Medicina, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011

Correspondência: Departamento de Bioquímica e Imunologia, ICB-UFMG, Caixa Postal 486 Pampulha


30161-970 Belo Horizonte MG, Fax: (31) 3499-2640, E-mail: nvaz@icb.ufmg.br
12 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Oral tolerance unaware of the immense changes this de-


manded from immunologists, “oral toler-
In the late 1970s, I was heading a ance” represented the natural insertion of
small laboratory at CARIH (Children’s the organism in its antigenic environment.
Asthma Research Institute and Hospital) I was then unaware that, although quite
associated to the University of Colorado, young, Francisco was already famous as
in Denver. Together with Donald G. Han- a neurobiologist and “cognitive scientist”,
son and Luiz Carlos Maia, I had literally praised by Gregory Bateson and other gi-
bumped into a phenomenon presently ants on the field. I was also unaware of
know as “oral tolerance”, which consisted the existence of Humberto Maturana, who
in a drastic reduction of specific antibody had been Francisco’s mentor and main
formation - i.e. of lymphocyte specific collaborator.
responsiveness - to proteins previously Francisco summarized and simplified
ingested as food [1,2]. All animals eat his epistemological (cognitive) approach
thousands of different proteins and many in a publication in Co-evolution Quartely,
other proteins produced by the intestinal presented as a conversation with Donna
microbiota; would all the responses to Johnson, entitled “Observing Natural
these proteins be also blocked? This lea- Systems”. In that paper, he dealt with
ds to a picture that simply didn’t fit - and the identity of systems, their wholeness
it still doesn’t - standard immunological - Varela’s main interest throughout his
understanding. We were fabbergasted. career - and claimed that the wholeness
In the more than 30 years that se- of systems may be perceived when we
parate us from those findings, “oral tole- figure their organizational “closure”, i.e.
rance” has generated many hundreds of when we see that, as compound unities
publications, but is still poorly understood (as systems), they are circularly or more
[3]. Current interpretations argue that oral elaborately turned into themselves [8].
tolerance regulates immune responses With these and other arguments,
initiated at the gut because, otherwise, Francisco introduced me to the notion of
progressive (secondary-type) immune systems as “closed” networks. Coinciden-
responses would generate inflammatory tally, Niels Jerne, a leading immunologist
bowel diseases (IBDs) [4]. Although it is of the time, who I greatly admired, had
correct to believe that oral tolerance pre- recently published his theory explaining
vents IBDs, this cannot explain its nature immunological activity as derived from
or evolutionary origin [5-7]. the operation of immunological networks,
created by anti-antibodies (anti-idiotypic
Enters Francisco Varela antibodies) [9]. Antigen-induced anti-
bodies generated anti-antibodies which
Simultaneously with our encounter were sustained each other in a complex
with “oral tolerance”, I had another un- interconnected network; this network em-
foreseen encounter: a fascinating meeting bodied the immune system. This was very
with the young Chilean neurobiologist, similar to what Francisco was telling and
Francisco Varela, who I immediately in- Jerne’s initiative could represent a major
vited to our laboratory and stayed with us theoretical breakthrough, beyond clonal
for about one semester. For Francisco, explanations of immune activity.
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Francisco and I wrote a paper arguing ance”, or the drastic inhibition of immune
that Jerne’s paper, although utterly impor- responsiveness to previously ingested
tant, was incomplete, exactly because it proteins. The analysis of “oral tolerance”
lacked the notion of “closure” (systemic turned out to be a lifelong objective in my
organization), which Francisco deemed own laboratory, but was abandoned by
as essential in the description of any Varela in his future association with im-
system [10]. We sent the paper to Jerne, munological research, in Antonio Coutin-
who praised it. Actually, Jerne himself, ho’s laboratory at the Institute Pasteur,
had formerly claimed that: “...we must in Paris (more on this below).
now accept that the immune system is In retrospect, then, I had stumbled on
essentially “closed” or self-sufficient in a surprising phenomenon that nobody un-
this respect” (in its recognitions and ac- derstands (“oral tolerance”) through which
tivations) [11]. This statement appeared immune responses to foreign proteins is
in Jerne’s internal report as Director of drastically reduced. We could transfer this
the Basel Institute for Immunology but, “tolerance” from “tolerant” mice to normal
to my knowledge, was never published mice with T-lymphocytes [12]. Thus, rather
elsewhere. than being a selective subtraction of im-
Actually, Jerne’s main paper lacked mune responsiveness, oral tolerance add-
this idea of “self-sufficiency”I [9]; he ed to the immune system something we
refers to “a revolutionary new idea that didn’t understand. Concomitantly, through
would change immunology as a whole”, the arguments of Francisco Varela, I was
but fails to describe this idea explicitly. convinced that the immune system oper-
It could not be the idea of (anti-idiotypic) ated as a “closed” network of lymphocyte
anti-antibodies - the links in the immune and antibody interactions. Immunologists
network -, because these connections are mainly concerned with self/nonself
could not be all equal. I believe, as Varela discrimination, but our paper described
also did, that this missing idea was actu- the immune system as a “closed” network
ally the idea of “closure”, or, more simply, of interactions, such that whatever fell
the idea of the inner organization which outside this “closed” domain, was simply
embodies the wholeness of systems. nonsensical. Moreover, the very notion of
Without the idea of an invariant organiza- anti-antibodies (anti-idiotypic antibodies)
tion (of a “closure” onto itself) the idea of [9], that provides an abundant internal con-
anti-antibodies is confusing, rather than nectivity of antibodies and lymphocytes,
clarifying. Thus, we wrote “Self and non- denied in itself the idea of self/nonself
sense: an organism-centered approach discrimination - although Jerne was never
to immunology”. It was rejected by the clear on this point. We also claimed that,
European Journal of Immunology as “too in “oral tolerance”, the immune network
theoretical” - which, of course, it indeed assimilates proteins encountered as food
was - and we published it in Medical Hy- or as products of the gut flora. Thus, in
potheses [10]. addition to the attempt to add the notion
In addition to its network aspect, our of organizational “closure” to Jerne’s
paper was also devoted to “oral toler- (idiotypic) network [9], we proposed that
physiological contacts with potential anti-
I Which is not the idea of organizational “closure”,
but rather a step in a similar direction. gens involved an assimilation, rather than
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a rejection of these materials [10,13]. This can only ascribe the conciliation of these
was a second very important point. opposing views to Varela’s great personal
talent in establishing associations with
Varela, Coutinho & Stewart other scientists.
Here we touch a delicate point be-
In his subsequent association with cause, in his collaboration with Coutinho
immunologists, Varela totally neglected and Stewart, Varela added an important
the relevance of “oral tolerance” [14]. collection of new findings to immune ne-
Curiously enough, he was also able to tworks, but his ideas on organizational
maintain a close collaboration with Couti- closure remained in a low key. What was
nho for many years, in spite of Coutinho’s at stake then? What was behind the titles
explicitly denial of the concept of closure: of Varela’s papers, such as: “What is the
immune network for?” [16]; or, “Immukno-
“I did not agree (and I still do not agree today, wledge: The immune system as a learning
despite many discussions with Nelson Vaz) process of somatic individuation” [17]? A
that their (Vaz-Varela) central claim was right. hint to what might have happened derives
I continue to think that a ‘decision-making from their proposal to divide immune res-
behavior’ naturally emerges from the immune ponsiveness into two immune systems,
system’s development, structure and opera- called CIS and PIS [18]. A central immune
tion, allowing for the differential treatment of system (CIS) would roughly correspond
molecular shapes it identifies either as ‘self’ to Jerne’s idiotypic network, i.e., to a
or ‘nonself.’” [15]. systemic description; and a peripheral
immune system (PIS) was responsible for
However, in our paper we explicitly lymphocyte clonal expansions in specific
claimed that: immune responses, as traditionally stu-
died in immunology - actually, a separation
“... the transformations of the cognitive do- between “local” and “global” events as
main of the immune network in an organism’s is common in connectionist approaches
ontogeny are a combination of its recursivity to cognitive sciences [19].
(its closure) and the fact that it is exposed to In our way of seeing, there is only
random perturbations or fluctuations from the one immune system, but different ways
environment (its openness). In other words, it of seeing and describing its activity. But,
exhibits self-organization, the transformation as it was standard in Varela’s approach
of environmental noise into adaptive functio- to cognition, the human observer, its ope-
nal order, in a manner similar to many other ration in language and its way of seeing
biological systems such as cells, nervous remained hidden. This is in sharp contrast
systems, and animal populations.” [10]. with Maturana’s attitude, who always tries
to make explicit the different phenomenal
Coutinho confounded the idea of “clo- domains which may be described by the
sure” with solipsism and insisted to ‘put observer in his actions in human langua-
the network back into the body’ although ging [20,21].
Varela himself was careful in explaining As almost everybody else, Varela con-
that, although ‘closed’ in its organization, ceived the immune system as a cognitive
the system is ‘open’ for intractions [8]. I system, a self with a defined identity [22].
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In his own words, his main interest was immunologists and has been treated as
the emergence of cognition, which he “degeneracy” [27] or “polyspecificity”
saw emerging everywhere [23]. On the [28]. But, to my knowledge, no one has
other hand, for Maturana, cells, organs, ascribed immunological specificity to what
etc. are totally blind (in cognitive terms) we do, as languaging humans, because
to their respective media; only organis- this may be understood as solipsism and
ms, as wholes, are capable of “effective scientists insist to be dealing with an
actions” that we identify as cognitive objective observer-independent reality.
actions [20]. In Maturana’s publications Maturana advise us about a reality [in
and presentations, the presence of the parentheses] that depends on the history
human observer and the importance of of the human observer, a kind of ‘inter-
human languaging in the construction of -subjectivity” we can build among oursel-
what is experienced as real, are always ves with our actions and beliefs [21].
made explicit. The characterization of
separate domains of description, which Demise and resurrection of immune
are typical of the context established by networks
Maturana in his Biology of Cognition and
Language, which is minimized in Varela’s The prolonged association of Varela
work, is totally absent from current immu- with frontier reasearch in immunology in
nological literature. Coutinho’s laboratory brought forth truly
systemic ideas, mathematical formalism
Enters the immunologist as an and computer modelings to the idiotypic
observer network, which were all lacking in Jerne’s
proposal [9] almost two decades before.
Describing a cognitive immune sys- Coutinho had been an important collabo-
tem is quite different from claiming that rator of Jerne at the Basel Institute and
the immunologist arbitrates which phe- produced an impressive array of experi-
nomena are specific and which are not, mental evidence in favor of the network
tracing a boundary between antibodies model both before, during and after the
and unspecific immunoglobulins, as Jerne association with Varela [29]. The 1980s
[24] and Talmage [25] did in the not so coincided with abundant experimental
distant past. As a consequence, descrip- and theoretical investigations on immune
tions of immunological activities based on networks, leading to the publication of
Varela’s ideas, or based on Maturana’s about five thousand papers. This, howe-
ideas, are significantly different. I have ver, had a negligible impact on the main
recently expanded this discussion and questions of immunology and the interest
argued that the specificity of immuno- in networks gradually waned and disappe-
logical activity resides in immunological ared from sight [30]. Why this happened?
observations, i.e. that the specificity Because only the wrong questions were
derives from what we immunologists do made, i.e. anti-idiotypic antibodies were
as human observers, operating in human seen as subsidiary means to “regula-
languaging [26]. That this specificity is not te” immune responses, when actually
inherent to lymphocytes of antibody mole- the idea of circular networks (systems)
cules is (or should be) consensual among should totally replace ‘cause/effect’ (sti-
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mulus/response/regulation) frameworks. If this minimally fulfill my expecta-


Perhaps the interest in immune networks tions, we may finally abandon the idea of
will resurrect when the right questions immune systems as “cognitive” systems,
are finally made. I foresee different, yet endowed with a memory and the ability to
compatible, pathways to this end. recognize foreign substances, as epitomi-
In one pathway, we should continue zed by Capra in his article “The immune
and improve our analysis of immune ne- system: our second brain” [33].
tworks paying special attention to their
robust stabilizing mechanisms and try to Acknowledgments
define their invariant organization - amid
a ceaseless structural change; i.e., we I am grateful to Roger Harnden for
should find the relations which are kept discussing these ideas.
constant while the individual components
are replaced by equivalent ones. This is References
already being done in several laboratories
[31,32]. 1. Vaz, NM, Maia LCS, Hanson DG, Lynch
Another, more radical pathway invol- JM. Inhibition of homocytotropic antibody
ves recognizing the immunologist as the response in adult mice by previous
human observer responsible for his ob- feeding of the specific antigen. J Allergy
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servations and for the configuration of his
2. Hanson DG, Vaz NM, Maia LCS, Lynch JM.
realities. Immunologists have configured
Inhibition of specific immune responses
many different realities. In clinical and
by feeding protein antigens.III. Evidence
experimental laboratories, in spite of their against maintenance of tolerance to
degeneracy or polyspecificity, antibodies ovalbumin by orally-induced antibodies. J
have been used as if they were invaluable Immunol 1979;123:2337-44.
specific biochemical reagents, which seem 3. Faria AMC, Weiner HL. Oral tolerance.
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we, as human observers, may (legitimately
Barbosa de Castro Jr A, Cunha AP, Vaz
and profitably) use as specific reagents in NM. Immunopathology and oligoclonal
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Revisão

Psicofármacos para aprimoramento


das funções cognitivas
Psychotropic drugs to improvement
of cognitive functions
José Luiz Martins do Nascimento, D.Sc.*, Gilmara de Nazareth Tavares Bastos, D.Sc.**

Resumo
A neurociência moderna tem começado a identificar alguns dos circuitos neurais e os eventos moleculares
e neurotransmissores relacionados à performance cognitiva. Alterações moleculares e celulares são as
bases do entendimento de muitas desordens neurológicas e psiquiátricas. Esse conhecimento é importante
para o desenvolvimento de terapias direcionadas a alvos moleculares. Drogas inteligentes ou também
chamadas de nootrópicas, que incluem modafinil, metilfenidato, propanolol e ampacinas, tornaram-se
populares, porque elas podem aumentar atenção, sociabilidade, habilidade de lembrar eventos e perfor-
mance cognitiva. Essas drogas podem variar em suas ações, propriedades fisiológicas e psicológicas e
outras consequências imprevisíveis.

Palavras-chave: memória, atenção, cognição, drogas nootrópicas, alvos moleculares

Abstract
Modern neuroscience has begun to identify neuronal circuits and molecular/ neurotransmitter events
on synapse formation related to cognitive performance. Molecular and cellular changes are the basis to
understanding many neurological and psychiatric disorders. This knowledge is important to development
of molecular therapies. Smart or nootropic drugs which included modafinil, methylphenidate, propanolol
and ampakines, have become popular, because they enhance attention, sociability, ability to remember
events and cognitive performance. These drugs may differ in their pharmacological properties, physiologi-
cal and psychological effects and unpredictable consequences.

Key-words: memory, attention, cognition, nootropic drugs, molecular targets.

*Professor Associado III do Instituto de Ciências Biológicas, Laboratório de Neuroquímica Molecular


e Celular, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, **Professora Adjunta I do Instituto de Ciências
Biológicas, Laboratório de Neuroinflamação, Universidade Federal do Pará

Correspondência: José Luiz Martins do Nascimento, Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular do


Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, 66075-110 Belém PA, E-mail: jlmn@ufpa.br.
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Introdução [2]. Por essa conduta terapêutica, esses


fármacos tornaram-se populares entre
A palavra performance e/ou aprimo- jovens saudáveis que os usam atual-
ramento está em evidencia. Para isso, mente com o intuito de melhorar suas
existem diversas maneiras para aumentar performances cognitivas.
o desempenho. Na prática esportiva em
grandes competições o uso de anaboli- Figura 1 - O filme Sem limites dirigido
zantes é de uso comum, o Viagra vem por Neil Burger com roteiro de Leslie
sendo usado em grande escala, inclusive Dixon (2011) foi baseado no romance
entre jovens para melhorar a performance The Dark Fields, 2001 de Alan Glynn
sexual. Nessa ultima década, uma de- (1960) [6]. O filme mostra a história de
manda da sociedade que vem aumentan- um escritor mal sucedido, desmotivado e
do exponencialmente o seu consumo são sem habilidades cognitivas para escrever
os aprimoradores de cognição. Existem um livro contratado a uma grande edito-
diversas maneiras de aprimoramento ra, mas que subitamente ao ingerir uma
do cérebro, tais como ambiente enrique- droga nootrópica, passa a redigir sem
cidos, dietas alimentares, vitaminas, parar, focado na elaboração do texto, au-
exercícios físicos e os psicofármacos que mento da memória e com o uso regular
são bastante utilizados na atualidade. A da droga passa a ter grande capacidade
razão para seu uso indiscriminado é que de resolver problemas e outras habilida-
supostamente espera-se uma ação mais des cognitivas.
rápida dessas drogas, na medida que
possam induzir modificações estruturais
e funcionais nas sinapses centrais envol-
vidas nas redes cognitivas [1, 2]
Habilidades intelectuais que envol-
vem pensamento, percepção, atenção,
linguagem, memória, aprendizagem,
criatividade, raciocínio lógico, são ditas
funções cognitivas [3]. Essas funções
supostamente podem melhorar o seu
desempenho pelo uso de fármacos
chamados de neuroaprimoradores ou
nootrópicos. Essas drogas podem variar
em efeitos fisiológicos, psicológicos e
em suas propriedades farmacológicas
[3-5]. Drogas neuroaprimoradoras, que in-
cluem modafinil, metilfenidato, propanol,
amapacinas, memantinas, atomoxetina,
anfetaminas, piracetam, entre outras,
foram usadas inicialmente com o intuito
de restaurar algumas funções cognitivas
e déficit de memória em pessoas envelhe-
cidas e em doenças neurodegenerativas
20 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Entretanto, é preciso cuidado com o Aprimoradores de cognição e


uso dessas drogas, pois muito desses memória
fármacos ainda não foram avaliados
suficientemente por testes clínicos de Neurobiologia da memória
longa duração em humanos para serem
usados com esse objetivo, sem esquecer De um modo sucinto, aprendizagem
as implicações éticas e sociais sobre seu e memória constituem-se em uma das
uso [1,6,8]. As bases farmacológicas e propriedades mais importantes para as
moleculares da ação dos nootrópicos so- funções cognitivas. O gênero humano se
bre os circuitos neuronais e os sistemas caracteriza por fazer uso intenso dessa
de neurotransmissores envolvidos nas propriedade e através dela pode dese-
funções cognitivas ainda estão em estudo nhar planos de atuação antecipatória.
e é objetivo dessa revisão. A memória tem um substrato molecular
determinado e regulado pelo genoma, mas
Histórico dos psicofármacos que pode sofrer modelagem quanto ao
numero, tipo e função das conexões entre
Desde os anos 50 quando se desco- as sinapses, essa regulação sináptica
briram as potentes ações sedativas da que é intensa durante o período crítico,
reserpina, um fármaco que interfere no chamamos de plasticidade. O termo plas-
armazenamento das vesículas sinápticas ticidade foi cunhado por William James
de varias aminas transmissoras e os em 1890, para descrever a susceptibili-
efeitos antipsicóticos da clorpromazina dade e modificações no comportamento
(que bloqueia receptores dopaminérgi- humano. Liu e Chambers [14] mostraram
cos), a partir dessas duas evidências pela primeira vez a formação de botões si-
farmacológicas, foi sugerida a hipótese nápticos no SNC. A partir dessa evidencia
de que é nas sinapses que nascem a morfológica, tem-se acumulado um grande
maior parte das patologias neurológicas numero de dados na literatura que o SNC
e psiquiátricas e são essas os alvos tem a capacidade de sofrer modificações
biológicos susceptíveis que se modifi- morfológicas e funcionais nas sinapses e
cam por ação dos fármacos. A utilização mais recentemente tem-se demonstrado
clinica dessas drogas no tratamento que as redes neurais dos mamíferos per-
das enfermidades mentais (ansiedade, manecem plásticas durante toda a vida
esquizofrenia, mania, crise do pânico, do organismo, incluindo a produção de
enxaqueca) e neurológicas (Parkinson, novas células neurais [15]. Bliss e Lomo,
Huntington, epilepsias), alem do uso em 1973, demonstraram que estímulos
das drogas nootrópicas no tratamento repetidos no córtex entorrinal de coelhos
da perda de memória que resulta em e registrados eletrofisiologicamente em
doenças como Alzheimer, demência neurônios do giro denteado, produziam
vascular ou traumas craneoencefálicos mudanças na amplitude dos potenciais
e AVC. Portanto, a aplicação dos psico- pós-sinápticos, que foi denominado de
fármacos na neuropsiquiatria é bastante potenciação de longa duração (LTP). Inú-
diversificada, além de seu uso atual na meras evidências indicam que esse fenô-
cognição [9-13]. meno é uma maneira que o cérebro tem
de armazenar memória, particularmente
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 21

no hipocampo [16,17]. Ao se considerar toda a dinâmica dos diferentes tipos de


que as sinapses, onde ocorre LTP são sinapses presentes no SNC, tem permi-
excitatórias e o glutamato é o neurotrans- tido avanços importantes no estabeleci-
missor majoritário, é de se esperar que mento das etiologias e patogêneses das
ao ser liberado pré sinapticamente, esse enfermidades psiquiátricas e neurológi-
neurotransmissor atue em receptores pós- cas. Esse avanço possibilitou o desen-
-sinápticos que coexistem nas espinhas volvimento de novos fármacos e algumas
sinápticas. Esses receptores são do tipo estratégias terapêuticas para contornar
AMPA, que respondem preferencialmente o déficit cognitivo e a qualidade de vida
ao agonista do glutamato chamado AMPA de pacientes com essas desordens [23].
e receptores NMDA que respondem prefe- As doenças neurodegenerativas,
rencialmente ao agonista NMDA [18-20]. como doença de Alzheimer, Parkinson,
Na transmissão sináptica normal, a che- coréia de Huntington, demência senil,
gada de um potencial de ação do terminal doenças vasculares e outras enfermi-
axonal produz a liberação do glutamato dades como epilepsias, depressão,
que interage em receptores AMPA, que desordem do humor, déficit de atenção,
ao serem ativados produzem uma maior entre outros, apresentam em seu estado
densidade de corrente pós-sináptica des- mais grave severa perdas de memórias
polarizante através de canais de sódio. com impedimentos cognitivos. Todas as
Os receptores de NMDA contribuem muito etapas de aprendizado e estocagem de
pouco, nesse momento por encontrarem- informação que vão desde a aquisição de
-se inibidos por íons magnésios. Contudo, informações até memória de longa dura-
na medida em que aumenta a frequência ção estão severamente comprometidas
de estímulos, ocorre uma despolarização em algumas dessas doenças [2,24]. Os
maior da membrana pós-sináptica e o íon mecanismos neurais subjacentes envol-
Mg++ se dissocia do receptor de NMDA, vidos parecem afetar vias preferenciais
que permite a entrada de íons Ca++ e (redes neurais) do sistema límbico, hipo-
ativação de proteína cinase dependente campo e córtex pré-frontal que modulam
de Ca++- Calmodulina e fosforilação, nes- memória explícita [2,23,25,26].
se momento ocorre a inserção de novos No caso particular da doença de
receptores AMPA [2,21,22]. Alzheimer em que ocorre uma perda
A entrada de íons Ca++ também au- acentuada da memória, o tratamento
menta a produção de fosfolipídeos na preconizado inicialmente foi de aumen-
membrana, como o ácido aracdônico tar a concentração de acetilcolina para
e aumento na atividade de NO-sintase melhorar o desempenho cognitivo, já que
neuronal e formação de óxido nítrico. ocorre degeneração das células colinérgi-
Essas moléculas podem ser mensageiros cas no principal núcleo neural que projeta
retrógrados para manter a sinapse ativa para o córtex, chamado núcleo basal de
por muito tempo [2]. Meynert, localizado na substancia inomi-
nata. Esse núcleo recebe inúmeras fibras
Doenças que afetam a memória do sistema límbico e dá origem a quase
totalidade das fibras colinérgicas do cór-
O salto no conhecimento, dos even- tex [5,13,27,28]. Os resultados obtidos
tos moleculares á clínica que mostram ainda são inconclusivos; pois os efeitos
22 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

dessas drogas colinérgicas podem levar pensamento abstrato, associação de


diversas semanas para produzir algum idéias, habilidades e potencial criativo)
efeito e até o momento, não foram regis- [27,32].
trados uma associação entre drogas ini- Esses fármacos atuam preferencial-
bidoras de acetilcolinesterase e melhora mente na dinâmica da sinapse, modifi-
de desempenho cognitivo. Mesmo assim, cando a sua síntese, armazenamento,
inibidores da AChE (tacrina e donepezil) liberação, ação nos receptores, recap-
que permitem um aumento nos níveis ce- tação e degradação metabólica. Esses
rebrais de acetilcolina e recentemente um são os alvos moleculares que estão
antagonista não competitivo de receptor afetados nas enfermidades e como o
de NMDA (memantina), o qual está indi- uso dos psicofármacos podem melhorar
cado para as formas moderadas a graves o desempenho cognitivo. Portanto, existe
da doença, são os únicos fármacos atual- uma razão a priori de se acreditar que as
mente aprovados pelo FDA (U.S. Food and drogas nootrópicas ao atingir seu alvo
Drug Administration) para o tratamento podem ativar vias preferenciais das redes
da doença de Alzheimer [13,20,27-30]. neuronais [33,34].
As duas drogas que são mais usadas
Psicofármacos para a cognição atualmente para fins não terapêuticos
são o metilfenidato e o modafinil.
Os fármacos que afetam o sistema O metilfenidato (Ritalina) é o neuro-
nervoso influenciam a vida de quase todo estimulante mais usado hoje e de maior
o mundo. O que seria da cirurgia moderna eficácia no tratamento do transtorno de
sem os anestésicos, a qualidade de vidas défict de atenção e hiperatividade (TDAH)
de pacientes terminais com câncer sem na redução da sonolência em narcolép-
os opiáceos e seus derivados. Hoje, dis- ticos, diminuição da fadiga e vem sendo
pomos de medicamentos que incremen- usado em grande escala para tratamento
tam a atenção, reduzem ou aumentam o da obesidade [31]. O alvo neuroquímico
sono, reduzem a ingestão de alimentos, primário do Metilfenidato é o transpor-
tratam a depressão, mania, esquizo- tador de dopamina e da noradrenalina,
frenia, transtorno bipolar, ansiedade, essas duas drogas atuam diferentes
convulsões, doenças neurodegenerativas das anfetaminas e não são capazes de
e a consciência. Também é importante se ligarem em receptores pré- sinápticos
observar os efeitos adversos dos psico- aminérgicos, não induzem dependência
farmacos na memória, como é o caso química e não produzem efeitos cardio-
dos diazepínicos que produzem amnésia, tóxicos. Em estudos epidemiológicos
os efeitos adversos dos alucinógenos e recentes com diferentes metodologias
anfetaminas sobre a percepção [31,26]. de analises estatísticas para medir aten-
Os psicofármacos também podem servir ção, humor, memória, vigília, motivação
de opção como ferramentas moleculares e funções executivas mostraram que
importantes para dissecção das vias pre- Metilfenidato em dose única foi capaz de
ferenciais das redes neurais, que cons- melhorar a memória, mas não os outros
tituem os substratos das funções mais parâmetros analisados. Não existem da-
importantes relacionadas a cognição de dos sólidos sobre seu uso por períodos
nosso cérebro (consciência, memória, longos [4,35-39].
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 23

Modafinil foi usado inicialmente para ampacinas estão em fase adiantada


o tratamento do sono excessivo da nar- de testes clínicos e apresentam resul-
colepsia. Depois seu uso foi ampliado tados promissores para o tratamento
para tratamento da síndrome da apneia e de disfunções de memória associadas
hipopneia obstrutiva do sono, desordem ao Alzheimer [2,8,13].
do sono em trabalhadores noturnos,
melhora cognitiva de esquizofrênicos Memantina
[2,31,35,36,40,41].
A ação neuroquímica do modafinil ape- A memantina foi sintetizada e paten-
sar de pouco conhecido, parece atuar prin- teada em 1968 e usada pela primeira vez
cipalmente sobre o transportador de do- para tratar pessoas envelhecidas com
pamina e noraepinefrina.com aumento na déficits de memória e mais recentemente
liberação dessas aminas [35,36,40,41]. na doença de Alzheimer severa. A estra-
Outros sistemas de neurotransmissores tégia é baseada no principio que a droga
são afetados somente secundariamente. só entra em ação em estados patológi-
Parece que existe certa seletividade de cos devido á estimulação excessiva do
ação nas áreas corticais sobre as sub- receptor de NMDA [28,29]. A memantina
-corticais. Em doses terapêuticas parece se liga próximo ao sítio do Mg e bloqueia
melhorara atenção, memória de trabalho a atividade canal do receptor. Ainda não
e memória episódica e outros processos existem dados sobre o efeito dessa droga
dentro do córtex pré-frontal. Esses efeitos na performance de pessoas jovens. Seu
são observados em roedores, indivíduos potencial uso como nootrópico é para aju-
adultos e sadios, bem como em varias de- dar no raciocínio e memória [28,29,41].
sordens psiquiátricas. Contudo em doses
repetidas, modafinil foi incapaz de impedir Drogas que atuam na circulação
a deterioração da performance cognitiva cerebral e como aprimoradores
por um período de tempo mais longo em metabólicos
indivíduos de privados de sono [31,41].
Diferentes das anfetaminas não produzem Existem drogas nootrópicas que po-
dependência química e apresentam pouco dem melhorar a performance cognitiva
efeitos colaterais [32]. atuando na vascularização. Por apre-
sentar uma altíssima taxa metabólica,
Ampacinas o cérebro consome 1/5 da utilização do
oxigênio disponível no corpo, por isso
Outro grupo de moléculas nootrópi- demanda um grande aporte de sangue.
cas são ampacinas que ativam sinapses Portanto, qualquer impedimento no flu-
glutamatergicas excitatorias no córtex xo sanguíneo cerebral e consequente
cerebral. Sua ação é sobre os receptores diminuição no suprimento de oxigênio
AMPA que despolarizam a membrana por podem influenciar as funções cognitivas.
entrada de íons sodio. Essa despolariza- Ginkgo biloba é considerada uma droga
ção ativa receptores de NMDA que podem que pode atuar no leito vascular como
induzir LTP, portanto essas moléculas se- vasodilatadora, alteração na viscosidade
riam importantes para aquisição de novas cerebral e função plaquetária. Essa planta
informações e estocagem de memória. As é usada em muitos países para tratar o
24 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

impedimento cognitivo durante o envelhe- duzindo propriedades estimulatórias. As


cimento, em doenças neurodegenerativas cinases são enzimas envolvidas nas vias
e demências [2,7,42-44]. O piracetam é de sinalização que podem ser bastantes
outra droga usada por muitos anos em di- uteis como alvos de drogas nootrópicas,
ferentes países para tratar impedimentos entre as cinsases mais importantes como
cognitivos no envelhecimento e em doen- alvo de drogas temos a Proteina cinase A ,
ças neurodegenerativas. O seu mecanis- proteína cinase C, proteína cinase ativada
mo de ação foi inicialmente relacionado por Ca++-calmodulina. Entre os fatores de
a modulação dos sistemas colinérgico transcrição mais estudado por sua parti-
e glutamatérgico e com isso melhorar cipação em memória de longo prazo é o
eventos relacionados a neuroplasticida- CREB (cAMP response element-binding).
de. Mais recentemente suas ações foram Manipulações genéticas que levam a um
relacionadas ás propriedades reológicas aumento na função do CREB parecem não
e melhora na fluidez das membranas, interferir na aprendizagem e memoria de
inclusive das mitocondrias de células neu- curto prazo, mas aumentam a memória
ronais. Ao fazer isso, o piracetam poderia de longo prazo, podendo ser um alvo im-
trazer benefícios e contribuir para sua portante para o desenvolvimento de droga
eficácia terapêutica com repercussões aprimoradora de memória [2,49,50].
na captação de glicose e produção de
ATP e melhorar o desempenho cognitivo Conclusão
[2,7,42,45,46]. Substancias naturais e
seus derivados, podem ser usadas com A importância do conhecimento dos
êxito em doenças psiquiátricas e também circuitos neurais, dos eventos molecula-
como drogas nootrópicas, como é o caso res e neurotransmissores relacionados
da glutationa e seus derivados, por suas a performance cognitiva, vai desde a
ações antioxidantes [44,47,48]. função normal do cérebro aos distúrbios
psiquiátricos e neurodegenerativos, per-
Drogas que atuam em mecanismo mitindo que novas drogas aprimoradoras
de transdução de sinal ou nootrópicas sejam desenvolvidas,
como estratégias para exercerem efeitos
As moléculas de sinalização celular específicos e benéficos sobre a cognição
exercem seus efeitos após sua ligação e ajudem pacientes com doenças neurop-
com os receptores expressos nas células- siquiátricas na redução dos sintomas e
-alvos, que, por sua vez, ativam uma serie melhora em sua qualidade de vida.
de alvos intracelulares, como enzimas,
segundo mensageiros, canais iônicos, Referências
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Revisão

Plasticidade sináptica como substrato


da cognição neural
Synaptic plasticity as substratum
of the neural cognition
Ricardo Augusto de Melo Reis*, Mário C. N. Bevilaqua**, Clarissa S. Schitine*

Resumo
O cérebro humano é formado por quase cem bilhões de neurônios cuja organização em redes permite
a execução de inúmeras funções comportamentais. Estímulos ambientais modificam a estrutura dos
circuitos neurais, refinando e tornando as sinapses mais eficientes. O tamanho e a área de superfície
do cérebro de primatas superiores, portadores de cérebros girencefálicos, são fatores determinantes
nas habilidades intelectuais. Neste ensaio serão discutidos como as mudanças plásticas nas sinapses
ocorrem (os pontos de contato entre as células na ordem de centenas de milhares por neurônio) e como
se dá a transferência de informações no sistema nervoso, que tem um papel essencial nos processos
cognitivos. A plasticidade sináptica é discutida do ponto de vista de moléculas (glutamato e seus recep-
tores), células e suas protuberâncias (espinhas dendríticas) e de redes elaboradas a partir da geração
de novos neurônios nos chamados nichos neurogênicos.

Palavras-chave: plasticidade, Hebb, cálcio, cognição, glutamato, sinapse, memória, neurogênese, epi-
genética

*Laboratório de Neuroquímica, **Laboratório de Neurobiologia da Retina, Instituto de Biofísica Carlos


Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Correspondência: Ricardo Augusto de Melo Reis, Laboratório de Neuroquímica, Instituto de Biofísica Carlos
Chagas Filho, CCS, UFRJ, 21949-900 Rio de Janeiro, Tel: (21) 2562-6594, E-mail: ramreis@biof.ufrj.br
28 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Abstract
The human brain is constituted by almost a hundred billion neurons organized in neuronal-glial networks
that allow a great number of behavioral outputs. The interaction of the environment with the genetic con-
tents of neural cells modifies the structure of neural circuits, refining the synapses into a more efficient
structure. Here we discuss how plastic changes at the molecular, cellular and network levels target the
synapses (the space between neuronal-glial cells that might reach up to 104 per neuron) and how infor-
mation is exchanged in the nervous system, an essential role in cognition. Synaptic plasticity might be
related to distinct mechanisms such as the traffic of glutamatergic receptors, spine volume modification,
integration of novel neurons in established networks and potentiation or depression of synaptic pathways.

Key-words: plasticity, Hebb, calcium, cognition, glutamate, synapse, memory, neurogenesis, epigenetics.

Introdução periores são dois fatores determinantes


nas habilidades intelectuais. A maior
O termo cognição pode ser definido densidade neuronal parece estar
como o ato de adquirir conhecimento, ou relacionada com o aparecimento de um
a faculdade de conhecer. Os que estu- grupo de células progenitoras de rápida
dam a cognição têm associado diversos amplificação, e que durante a evolução,
mecanismos cerebrais subjacentes à gerou uma estrutura neocortical mais den-
percepção, à atenção, à memória e ao sa, com neurônios migratórios cujas tra-
pensamento, com as etapas do desen- jetórias modificadas produziram variantes
volvimento do cérebro pós-natal e a inte- das encontradas nos demais mamíferos
ração com o ambiente durante a infância [4]. O elaborado desempenho cognitivo
e a adolescência. Estudos envolvendo a nos humanos tem sido relacionado com
psicologia do desenvolvimento frequente- parâmetros quantitativos celulares, envol-
mente geram perguntas sobre como as vendo o número de neurônios e de células
redes neurais são refinadas através de não neuronais [5], o volume de massa
experiências sensório-motoras, fruto de cinzenta e de substância branca [6] e com
interações entre o conteúdo genético her- a complexidade e o volume de espinhas
dado e a influência de aspectos ambien- dendríticas de neurônios de vertebrados
tais que resulta na elaboração da riqueza superiores [7], entre outros aspectos.
dos comportamentos. Perguntas do tipo: Estudos recentes referentes ao escalona-
como a consciência surge e se modifica mento do cérebro humano sugerem que,
em meio à interatividade das redes neu- em números absolutos, este órgão apre-
rais? Como a atividade neural origina o senta vantagens na constituição cerebral
sentido de sermos seres conscientes? em relação aos roedores e aos demais
E como o desenvolvimento do sistema primatas, contendo um maior número de
nervoso central (SNC) leva a emergência neurônios [5], e consequentemente de
das faculdades mentais, são chaves no pontos de contatos entre estas células, o
entendimento desse assunto [1-3]. que favoreceria as habilidades cognitivas.
O tamanho e a área de superfície do Registros arqueológicos apontam
cérebro de mamíferos de forma geral e a poucos sinais de inventividade nos homi-
girencefalia, presente nos primatas su- nídeos presentes no período anterior a
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 29

200.000 anos atrás na Africa; porém, com nico Charles Sherrington. Num trecho de
o surgimento do Homo sapiens durante sua obra de 1897, Sherrington atribui aos
o Paleolítico superior, houve um salto na espaços observados entre os neurônios
criatividade por volta de 50.000 anos atrás (visualizados na época por Santiago Ra-
[8]. É possível que substituições de ami- mon y Cajal e outros usando a técnica
noácidos em alguns genes, como do fator de impregnação de prata nos neurônios
de transcrição Forkhead box p2 (Foxp2) desenvolvida por Camilo Golgi), uma im-
envolvido na evolução da linguagem, pos- portante função na troca de informações
sam ter acarretado mudanças cognitivas elétricas no sistema nervoso.
substanciais em nossos ancestrais [9]. A resposta da sinapse é modificável,
É no mínimo tentador correlacionar as o que gera uma plasticidade, que é uma
consequências neurológicas com a pos- propriedade essencial do desenvolvimen-
sibilidade de como a fala, a linguagem to e uma das principais funções cerebrais
e a capacidade cognitiva diferenciaram [11]. É sabido que o cérebro é sensível
os humanos dos demais hominídeos no aos fatores ambientais, seguindo inicial-
passado remoto. Nesse sentido, camun- mente um plano genético durante a fase
dongos com um gene Foxp2 de humanos pré-natal, com a elaboração de gradientes
apresentam maior plasticidade sináptica moleculares especificados no eixo dorso-
e comprimentos dendríticos, pelo menos ventral no embrião. A rápida proliferação
nos circuitos entre o córtex e os núcleos da de células progenitoras gera múltiplos
base analisados. A introdução da versão neurônios e células gliais, através de uma
humana de Foxp2 em camundongos levam orquestração de genes pró-neurogênicos
a alterações na vocalização ultrassônica e gliogênicos [4]. Estímulos ambientais
e no comportamento exploratório desses modificam a estrutura dos circuitos neu-
animais, assim como nas concentrações rais, refinando e tornando as sinapses,
de dopamina cerebral [10]. alvo de ação dos neurotransmissores,
Neste ensaio, discutiremos como as mais eficientes por meio de atividade
mudanças plásticas nas sinapses ocorrem elétrica e mensageiros químicos. Essa
(os pontos de contato entre as células na plasticidade resulta na modificação da
ordem de centenas de milhares por neurô- estrutura e da função do sistema ner-
nio) e como se dá a transferência de infor- voso. A questão de quanto e de como o
mações no sistema nervoso, que tem um ambiente influencia no desenvolvimento
papel essencial nos processos cognitivos. do cérebro é de grande interesse geral,
Abordaremos a plasticidade sináptica do com particular atenção nos campos
ponto de vista de moléculas (glutamato e da neurobiologia do desenvolvimento,
seus receptores), células e suas protube- desenvolvimento infantil, educação e
râncias (espinhas dendríticas) e de redes psicopatologia infantil.
com a geração de novos neurônios nos Inúmeros modelos de plasticidade
chamados nichos neurogênicos. sináptica são observados em diversos
circuitos cerebrais [11]. Nesse sentido,
A sinapse podem ser citadas estruturas como o
hipocampo e a amigdala que estão envol-
O termo sinapse surgiu por volta de vidas com processos de consolidação de
110 anos atrás com o fisiologista britâ- memória espacial e emocional, proces-
30 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

sos associativos nos sistemas límbicos, ou se resulta do produto da interação


pré-frontais e subcorticais, com a partici- entre neurônios e células gliais.
pação de várias moléculas e processos A estrutura pré-sináptica se apresen-
celulares. Durante o envelhecimento pode ta como um sítio de plasticidade quando
ocorrer perda de cognição associada com ocorre um aumento na liberação de vesí-
sinaptotoxinas em desordens neurode- culas contendo neurotransmissores [14],
generativas, como os oligômeros dos processo chave na liberação exocitótica
peptídeos beta-amilóide, encontradas dependente de Ca2+. Diversos sinais con-
na patologia do mal de Alzheimer, e a vergem em sensores de Ca2+ localizados
proteína do príon com a interação em na região pré-sináptica, sendo a proteína
alvos sinápticos. sinaptotagmina a mais importante, indu-
Um dos elementos que reforçam zindo uma liberação de vesículas via o
a atividade sináptica e que só recente- complexo SNARE que é frequentemente
mente adquiriu um status apropriado na modulado [15].
formação dos circuitos neurais é a célula A estrutura pós-sináptica de uma
da glia, em especial os astrócitos, que sinapse excitatória (glutamatérgica) é
juntamente com os neurônios pré- e pós- muito dinâmica e tem grande controle na
-sináptico formam a chamada sinapse densidade de receptores pós-sinápticos,
tripartite [12]. Embora tenham sido des- principalmente os complexos pertencen-
critas há mais de um século, por muito tes às subfamílias de receptores ionotró-
tempo essas estruturas gliais foram apre- picos AMPA e NMDA. Um dos processos
sentadas como tendo um papel meramen- mais implicados com a plasticidade
te acessório no cérebro. A constatação sináptica envolve o tráfego de subunida-
de que a glia contribui para o refinamento des de receptores AMPA (subunidades
sináptico [13], só foi possível a partir da GluAs) de regiões extra-sinápticas para
utilização de métodos apropriados para o as regiões sinápticas, processo esse que
estudo de propriedades encontradas nas requer pelo menos duas etapas, e que
macro- e microglias, como ondas de Ca2+ envolve vias regulatórias e constitutivas,
geradas por transmissores, secreção de dependendo do tipo de subunidade em
fatores tróficos mantenedores de popula- questão [16]. As subunidades GluA1
ções seletivas, potenciação e depressão apresentam uma longa cauda carbóxi
sinápticas, entre outras [12]. Como os (COOH) terminal, e são transferidas do
astrócitos estão associados às sinapses citoplasma para a membrana da região
de forma íntima e compartimentalizada, extra-sináptica por processos regulató-
a integração da informação química e rios, que tem a participação das enzimas
elétrica é frequentemente modificada nos Ca2+ Calmodulina Cinase II e a via da
circuitos por fatores gliais o que leva a Pi3Cinase. Esse processo é dependente
uma intensa modulação neuro-glial. de atividade e fundamental nos períodos
Existem questões em aberto sobre de intensa plasticidade, como no período
os mecanismos e o local exato de ex- crítico [17]. Se a habilidade para mudar
pressão da plasticidade sináptica nos o comportamento depende do fortaleci-
circuitos neurais em desenvolvimento e mento e do enfraquecimento seletivo das
no adulto. Existem dúvidas se ocorrem na sinapses, o incremento de subunidades
estrutura pré-, pós-sináptica, em ambas GluA1 na região extra-sináptica (vindo do
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 31

citoplasma) pode ser o primeiro passo nas redes neurais, o que induz uma
para que estas subunidades atinjam a grande interatividade entre as células
região sináptica e aumentem a densidade e consequente aumento do número de
de receptores, e que uma vez ativados, sinapses. Estudos realizados na década
induzam despolarização, fluxo de Ca2+ e de 1970 em cerca de 2600 cérebros
modificações estruturais com base na autopsiados de um banco de órgãos em
polimerização de filamentos de actina. Washington, EUA, mostrou que durante o
Isso leva a transformação de estruturas desenvolvimento, o crescimento cerebral
imaturas (filopódios) presentes durante aumenta rapidamente entre os primeiros
o desenvolvimento a se transformarem meses e os primeiros anos de vida, e que
em protuberâncias compartimentalizadas a curva (no formato de U invertido) e se
(espinhas) volumosas na forma de co- estabiliza na adolescência [19-20]. Essa
gumelo e em cálice, ricas nos estoques análise foi revisitada recentemente com
intracelulares de cálcio, e que uma vez o imageamento de centenas de cérebros
ativadas, se tornam funcionais (e deixam de crianças, adolescentes e adultos (3-27
de ser silenciosas) [18]. Nesse contexto, anos), com o emprego de uma técnica
é sabido que modelos de plasticidade não invasiva (ressonância magnética
como a LTP (potencialização de longo funcional) e que confirmou a curva em U
termo, discutido em seguida) e a LTD invertida para diversos parâmetros. Po-
(depressão de longo termo) podem ser rém, o estudo mostra que diferentes áre-
expressos com a inserção e a remoção de as cerebrais amadurecem em momentos
subunidades de receptores AMPA, respec- distintos, e que os circuitos neurais têm
tivamente [18] e esse modelo pode ser a diferentes trajetórias durante o desenvol-
base para o estudo de funções cognitivas vimento no que concerne ao volume de
e de disfunção sináptica. massa cinzenta (onde estão os corpos
celulares dos neurônios e astrócitos) e a
Crescimento cerebral pós natal e branca (conjunto de fibras que conectam
plasticidade sináptica as regiões) [6].
Os bilhões de células no cérebro es-
Entre os primeiros dias após o nas- tão conectados de forma a permitir um
cimento e a infância (por volta dos 6 grande repertório de respostas compor-
anos de idade), uma criança sadia está tamentais, desde a execução de padrões
em um período em que apresenta a sua básicos de movimento até na elaborada
maior plasticidade e interatividade com o tarefa de improvisar um longo discurso.
meio e o seu cérebro passa de cerca de Para que os circuitos cerebrais controlem
350 para 1200 gramas, e que chega até essa diversidade de respostas, foram
1400 gramas no pico da adolescência necessárias a proliferação e a diferen-
(um pouco maior nos garotos em função ciação de progenitores no embrião em
do peso corporal e influência hormonal) uma diversidade de neurônios, células
[19]. A atividade neural relacionada gliais e outros tipos, e que atingissem os
com a experiência nos mais diversos locais corretos. No pico da embriogênese,
níveis (sensorial, motora, emotiva e estima-se que cerca de 250 mil neurônios
social) é talvez o principal substrato são gerados por minuto [19] – processo
para o grande aumento dos processos controlado por fatores que se difundem
32 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

ao longo do tubo neural e que ativam ge- psicólogo canadense Donald Hebb. Es-
nes responsáveis por diversas proteínas, sas sinapses hoje são conhecidas como
que regulam a produção da neurogênese. hebbianas, e as regras hebbianas são
Se a produção dos neurônios sofrer uma aplicadas a modelos de aprendizagem no
interferência nessa fase da ação de dro- neocórtex e em estruturas plásticas [22].
gas (canabinóides ou do álcool), de toxi- Estudos recentes mostram que as es-
nas ambientais (como o metil-mercúrio), pinhas dendríticas (em média, com cerca
ou ainda de um particular defeito genéti- de 0,5-2 µm de comprimento, chegando
co, pode ocorrer a formação incorreta da a 6 µm na região CA3 do hipocampo)
estrutura do sistema nervoso. Hoje é acei- são muito dinâmicas, heterogêneas em
ta a ideia que os circuitos cerebrais se forma e estrutura, e modificadas por ex-
transformam através de uma combinação periência e por atividade (alvo de LTP), e
de influências genéticas e ambientais, e que poderia ser o substrato morfológico
que o ambiente e a genética contribuem da plasticidade sináptica. Um neurônio
para a construção cerebral. Os primeiros maduro apresenta de 1–10 espinhas/
eventos no desenvolvimento cerebral (no µm num dendrito, sendo esse o local de
embrião) são grandemente dependentes chegada das informações excitatórias no
dos genes, seus produtos, e do milieu no SNC. Embora o imageamento dessas es-
qual isso ocorre. Em resumo, a interação truturas mostrando a motilidade evidencie
entre a genética e o ambiente conectando o possível impacto funcional no neocórtex
as sinapses mostra-se necessária para a e no hipocampo em neurônios vivos, o
formação dos substratos neurais neces- siginificado da plasticidade das espinhas
sários para a riqueza do comportamento ainda é um assunto polêmico [23].
humano [2].
Plasticidade via novos neurônios no
LTP, Hebb e memória cérebro adulto

O fenômeno de LTP (potencialização Um importante paradigma estabeleci-


de longo termo) foi descrito na década de do há quase um século, e tido como dog-
1970 como uma forma de plasticidade ma até recentemente, dizia que “o núme-
encontrada nos circuitos hipocampais ro de neurônios no cérebro é determinado
[21]. Estímulos tetânicos (de alta fre- durante o desenvolvimento embrionário, e
quência) quando apresentados a uma que durante a vida pós-natal, o cérebro é
via pré-sináptica provocam o aumento incapaz de gerar novos neurônios” [24].
da resposta da região pós-sináptica, em Entretanto, algumas observações iniciais
termos de incremento dos potenciais ex- questionaram este paradigma na década
citatórios pós-sinápticos (PEPS), de forma de 1960, e revelaram uma capacidade
sincrônica e numa escala temporal que até então desconhecida no cérebro de
pode ultrapassar segundos e minutos, vertebrados adultos: a geração de novos
chegando a horas, ou mesmo a dias ou neurônios (neurogênese). Sidman et al.
semanas. Esse modelo de resposta foi [25] desenvolveram a técnica da incor-
logo reconhecido como sendo adequado poração de timidina tritiada, que ao ser
para explicar o processo de memória, incorporada ao DNA durante sua síntese,
algo que foi postulado inicialmente pelo revela células que foram geradas após
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 33

sua administração. Esta técnica sugeriu a desencadeamento desse processo. Duas


geração de novos neurônios, e destacou regiões do cérebro se destacam onde a
uma importante área cerebral pela sua ca- neurogênese é amplamente reconhecida:
pacidade neurogênica: o hipocampo [26]. a zona subventricular (ZSV), situada nas
Nas décadas seguintes, estabeleceu-se paredes dos ventrículos laterais e a zona
que novos neurônios recebem aferências subgranular (ZSG) do giro denteado do
sinápticas e estendem prolongamentos hipocampo (figura 1). Os novos neurônios
[27]. gerados na ZSV migram através de uma
Estudos em pássaros canoros foram rota precisa, a rota migratória rostral
fundamentais para a implicação funcional (RMS) e se estabelecem no bulbo olfa-
da neurogênese adulta. Canários pre- tório, onde continuadamente substituem
cisam aprender novas canções e para interneurônios locais [35]. Os neurônios
isso, novos neurônios são gerados e imaturos gerados no hipocampo adulto,
adicionados aos “centros vocais” desses especificamente na zona subgranular
pássaros a cada ano. A geração desses (SVZ) do giro denteado, migram para o
novos neurônios parece acompanhar interior da zona granular onde se esta-
flutuações hormonais e expressão de belecem e emitem/recebem contatos
fatores de crescimento que ocorrem de sinápticos [36] (figura 1). Os progenitores
forma sazonal [28]. encontrados em ambos os nichos neuro-
A neurogênese adulta foi inicialmente gênicos têm natureza astroglial [37].
vista como um fenômeno exclusivo de ani-
mais evolutivamente menos complexos, Neurogênese na zona subventricular
excluindo, dessa forma, os primatas [29].
Entretanto, a partir dos anos 90, vários A presença de células proliferativas
trabalhos identificaram nichos neurogêni- na ZSV tem sido estudada há bastante
cos no cérebro de mamíferos superiores, tempo e demonstrada em vários verte-
incluindo o homem [30-31], participando brados. Tais células têm características
de processos cognitivos como na memó- astrocitárias, sendo conhecidas como
ria e no aprendizado [32-34]. Atualmente, “astrócitos da zona subventricular”. De
a capacidade neurogênica é uma das fato, tais células expressam marcadores
formas de plasticidade celular, associada de células astrogliais, como GFAP, GLAST
a diversas linhas de pesquisa que pro- e outros [38-39]. Essas células-tronco da
curam identificar as bases, as funções ZSV são conhecidas como “células B”. As
e as implicações da geração de novos células B dão origem a uma população
neurônios no cérebro adulto. de células altamente proliferativas: os
precursores intermediários (PI) conheci-
Circuitos neurais nos nichos dos como células C. As células C têm
neurogênicos importante papel como amplificadoras
do potencial proliferativo do nicho neu-
Os nichos neurogênicos apresentam rogênico. Os precursores intermediários
condições específicas para a geração de dão origem aos neuroblastos (células A).
novas células, como a sua composição As células A migram em cadeia para o
celular e a presença de um ambiente favo- bulbo olfatório onde se diferenciam em
rável contendo fatores essenciais para o interneurônios GABAérgicos (inibitórios)
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e se integram a circuitos previamente capazes de estabilizar os receptores


estabelecidos (figura 1) [40-41]. glutamatérgicos do tipo AMPA no seu
Dados recentes mostram que na ZSV estado aberto, potencializando a resposta
ocorre geração de neurônios glutamatérgi- sináptica excitatória [51]. Esse compos-
cos (excitatórios), e não apenas interneu- to melhora o desempenho em diversos
rônios inibitórios do bulbo olfatório durante modelos em animais com privação de
a fase adulta [42]. Explantes de ZSV sono [51] e em testes de memória em
pós-natal e adulta dão origem a neurônios humanos idosos [52], além de reduzir os
glutamatérgicos quando colocados em sintomas em modelos de Parkinson [53],
contato com a zona ventricular embrionária esquizofrenia e em lesões isquêmicas
[43], evidenciando maior plasticidade des- [51]. Sabendo que as células na ZSV de
sa região em relação ao fenótipo neuronal animais adultos apresentam receptores
gerado. Experimentos de imageamento glutamatérgicos funcionais do tipo NMDA
revelaram ainda que células provenientes e AMPA e que o neurotransmissor gluta-
da ZSV, até a primeira semana pós-natal, mato regula eventos de diferenciação e
apresentam migração para regiões do proliferação na ZSV [39,54], o uso de
cérebro como o córtex, estriado e núcleo ampacinas poderia modular o processo
acumbens, onde se diferenciam em inter- de neurogenêse nessa região. Resultados
neurônios GABAérgicos [44]. Essa migra- do nosso grupo mostram que a ampacina
ção no animal adulto pode ter implicações CX 546 aumenta o número de neurônios
importantes, pois tem sido mostrado que funcionais em culturas de células deriva-
após lesões cerebrais, neuroblastos po- da da SVZ [55].
dem ser direcionados para os locais de Diversos marcadores permitem a
lesão. Esse processo poderia ocorrer após identificação e o acompanhamento das
isquemia estriatal e cortical, assim como células desde o nicho neurogênico (ZSV)
em modelos animais de Parkinson e na até o seu destino final (bulbo olfatório).
doença de Huntington [45-48]. Visando a Enquanto as células progenitoras expres-
plasticidade de circuitos cerebrais, proge- sam marcadores tipicamente gliais como
nitores da ZSV são considerados fonte de a proteína acídica fibrila ácida (GFAP),
células reparadoras, capazes de substituir os neuroblastos expressam a molécula
células de regiões afetadas por lesões de adesão neural associada ao ácido
[49]. Existe ainda uma grande expectativa poli-siálico (PSA-NCAM) e a proteína dou-
em relação aos mecanismos celulares e blecortina (DCX). Após a integração na
moleculares do controle da neurogênese, circuitaria do bulbo olfatório (na camada
face ao contínuo envelhecimento da popu- de células granulares ou na camada
lação mundial e da incidência crescente periglomerular), as células expressam
de doenças neurodegenerativas, que receptores glutamatérgicos dos tipos
permitiriam novas estratégias para tratar AMPA e NMDA. Vale ressaltar que desde
déficits cognitivos. o estágio proliferativo até a integração
sináptica, os novos neurônios expressam
Em busca de compostos pró-cognitivos receptores de GABA [36].
Vários fatores regulam as etapas da
Existe uma família de compostos neurogênese na ZSV. Durante o estágio
pró-cognitivos chamada de ampacinas, proliferativo, a neurogênese é regulada
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 35

por sinalização via ativação de receptores cérebro adulto e as etapas que seguem a
de serotonina, dopamina e acetilcolina. geração desses novos neurônios são bem
Diversas moléculas como hormônio tireoi- conhecidas. Milhares de novos neurônios
diano, prolactina, polipeptídeo de ativa- são diariamente gerados no hipocampo
ção da adenil ciclase pituitária (PACAP), de ratos adultos [58]. No giro denteado,
além de fatores de crescimento como o novos neurônios são originados a partir
fator de crescimento epidérmico (EGF), fa- de progenitores ou precursores locali-
tor de crescimento de fibroblastos (FGF), zados na própria estrutura. As células
fator neurotrófico derivado de gânglio progenitoras hipocampais têm caracte-
ciliar (CNTF) e fator neurotrófico derivado rísticas astrocitárias e são concentradas
de cérebro (BDNF), entre outros, também na chamada “camada de células granu-
atuam modulando a neurogênese na ZSV. lares”. A camada de células granulares
Durante a migração na rota migratória ros- fica localizada entre o hilus e a camada
tral e no bulbo olfatório, a própria migra- molecular, sendo o sítio neurogênico en-
ção e diferenciação celular é regulada via contrado especificamente, na camada de
sinalização GABAérgica e interação com células subgranulares, região adjacente
componentes do microambiente, como ao hilus (Figura 1).
PSA-NCAM, efrinas e neuroregulinas. A No sítio neurogênico, mais especifica-
sobrevivência e a integração dos novos mente na zona subgranular, três tipos de
neurônios no bulbo olfatório podem ser células podem ser identificados: células
afetadas ainda pela ação da acetilcolina, B, células D e células G. As células B são
e de fatores ambientais como atividade astrócitos que são fortemente marcados
sensorial, e a exposição do animal a no- com anticorpos anti-GFAP. Tais astrócitos
vos odores [revisado em 56]. emitem prolongamentos radiais para o
A integração contínua de novos neu- interior da camada de células granulares.
rônios no bulbo olfatório parece ter papel As células B sofrem mitose e podem
importante na plasticidade da discrimi- gerar novas células B ou células D. As
nação de novos odores. Em um estudo células D são amplificadoras e proliferam
realizado com animais com expressão rapidamente, gerando novas células D
deficiente da proteína NCAM (necessária que amadurecem e dão origem a novos
para a migração celular), foi demonstrado neurônios granulares. As células G são
que o número de interneurônios no bulbo neurônios granulares maduros (figura 1)
olfatório foi drasticamente reduzido e que [59].
o animal apresentava dificuldades em Os neurônios imaturos (células D)
discriminar odores semelhantes [57]. estendem um prolongamento apical em
Este estudo sugere que a neurogênese direção a camada molecular, ao mesmo
na ZSV adulta pode ser importante para tempo em que migram para o interior
a função olfativa. da camada de células granulares. Além
disso, estendem axônios em direção aos
Neurogênese no hipocampo adulto neurônios piramidais de CA3 [36]. As cé-
lulas que não são integradas aos circuitos
O giro denteado do hipocampo é são eliminadas por apoptose. A maior
uma das duas regiões cerebrais onde a parte da morte celular parece ocorrer
neurogênese é largamente verificada num quando as células saem do ciclo celular
36 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Figura 1 - Os nichos neurogênicos são representados pela zona subventricular (ZSV)


localizada nas paredes dos ventrículos laterais e pela zona subgranular (SVZ) do giro
denteado no hipocampo. A presença de células proliferativas na ZSV tem sido demons-
trada em vários vertebrados, com células que mantêm capacidade proliferativa durante
a vida adulta. A geração dos novos neurônios depende de um ambiente favorável con-
tendo fatores essenciais para o desencadeamento desse processo. Os novos neurônios
gerados na ZSV migram através de uma rota precisa, a rota migratória rostral e se es-
tabelecem no bulbo olfatório, onde continuadamente substituem interneurônios locais.
Os neurônios imaturos gerados no hipocampo adulto, especificamente na zona subgra-
nular migram para o interior da zona granular onde se estabelecem e emitem/recebem
contatos sinápticos. Os progenitores encontrados em ambos os nichos neurogênicos
têm natureza astroglial.

e se tornam pós-mitóticas, expressando a geração de milhares de neurônios por


ambos os marcadores DCX e calretinina. dia? Esses novos neurônios substituiriam
Acredita-se que o processo de eliminação outros que porventura morreram durante
das células não integradas aos circuitos o desenvolvimento? Ou mesmo aqueles
seja constitutivo e balanceado por fatores que morreram durante a vida adulta? De
promotores da sobrevivência celular [60]. fato, Gould e colaboradores mostraram
A funcionalidade da neurogênese hi- [61] uma substancial morte de neurô-
pocampal adulta ainda é um assunto bas- nios na camada de células granulares,
tante controverso. Haveria uma razão para especialmente entre os novos neurônios
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 37

nos cérebros de roedores e primatas em do fator Notch1 ativado, aumenta a pro-


situação controlada. Entretanto, sabe-se liferação das células hipocampais e a
que fatores ambientais são responsáveis manutenção da expressão de GFAP pelas
por aumentar o potencial neurogênico células progenitoras [63]. As BMPs são
do hipocampo e a sobrevivência desses moléculas extracelulares que geralmente
novos neurônios [33]. Com base em tais antagonizam a neurogênese [64]. No-
fatos, uma importante questão pode ser ggina, que inibe as proteínas BMP, au-
levantada: seriam as condições expe- menta os níveis de neurogênese [64].
rimentais dos trabalhos em laboratório Shh é uma molécula solúvel que atua
(ausência de estímulos) a razão da morte no desenvolvimento do sistema nervoso
dos neurônios recentemente gerados? e a sinalização mediada por Shh exerce
Será que os animais vivendo em seus importantes funções na expansão e no
habitats naturais apresentariam o mesmo estabelecimento dos progenitores pós-
balanço entre geração e morte de novas -natais do hipocampo [65].
células hipocampais? Outros reguladores relevantes da
A neurogênese hipocampal pa- neurogênese são o estresse e o exercício
rece estar diretamente envolvida em físico. Estresse é um dos mais potentes
processos cognitivos de memória e inibidores da neurogênese hipocampal e
aprendizagem. Sabe-se que fatores que sua ação foi demonstrada em várias espé-
aumentam a neurogênese no hipocampo cies de mamíferos [66]. O efeito deletério
têm importante impacto em tarefas mne- do estresse na proliferação celular foi
mônicas, avaliadas no teste do labirinto evidenciado por diferentes paradigmas,
aquático de Morris [33]. É interessante como por subordinação ou provocado por
notar que o próprio aprendizado tem efei- invasão de um intruso [67], choque, odor
to pró-neurogênico [31]. Além do aprendi- de predadores [68] entre outros [60].
zado em si, a permanência do animal em A duração do estímulo não parece ser
um ambiente enriquecido promove mais relevante nos diferentes protocolos de
oportunidades de aprendizado do que um estresse, já que tanto o paradigma agudo
ambiente padrão. quanto o crônico diminuem a proliferação
celular no hipocampo [66].
Fatores intrínsecos e neurogênese A neurogênese hipocampal é bas-
tante sensível ao aumento dos níveis de
Dentre os fatores intrínsecos que corticóides [66], isto é, tais hormônios re-
regulam a neurogênese hipocampal gulam negativamente a neurogênese. Um
destacam-se a via de sinalização de- estudo recente mostrou que a ablação
sencadeada pelos fatores Wnt, Notch, da neurogênese hipocampal modulou as
a proteina morfogênea óssea (BMP) e taxas de glicocorticóides após um estres-
Sonic hedgehog (Shh). A superexpres- se moderado, mantendo as taxas desse
são de Wnt3 aumenta a neurogênese hormônio altas após o evento estressor
no hipocampo enquanto o seu bloqueio [69]. Existem inúmeras evidências recen-
diminui esse processo [62]. Para uma tes mostrando que o exercício físico além
melhor compreensão desses fatores en- de beneficiar a saúde dos indivíduos,
volvidos com a neurogênese, destaca-se melhora o desempenho cognitivo e outras
o papel de Notch cuja superexpressão funções cerebrais [70]. Em roedores, a
38 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

corrida voluntária aumenta a proliferação Agradecimentos


dos progenitores neurais da zona subgra-
nular do giro dentado em animais jovens Apoio financeiro do INNT-INCT, CNPq,
e envelhecidos [34]. Além disso, a corrida CAPES e FAPERJ.
voluntária aumenta a magnitude da LTP
no giro dentado e aumenta o desempenho Referências
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Perspectiva

A distinção entre o próprio e o não


próprio pelo sistema immune adaptativo
Maristela O Hernandez*, Jorge Kalil**

Resumo
A distinção entre o próprio e o não próprio é essencial à sobrevivência de todos os organismos. O sistema
imune inato é encontrado em todos os seres vivos. Nos vertebrados também é encontrado um sistema
bem mais complexo, o sistema imune adaptativo. Os linfócitos, as células responsáveis pela imunidade
adaptativa, precisam ser selecionados já que eles irão fazer a distinção entre o próprio e o não próprio.
Neste breve artigo iremos discutir o processo de seleção dos linfócitos e também alguns mecanismos
para a manutenção homeostática deste sistema. Já sabemos que falhas na resposta imune adaptativa
levam às doenças. Precisamos agora identificar maneiras de controlar a resposta imune específica.
Assim poderemos contribuir para melhorar o tratamento de doenças autoimunes, onde ocorre ativação
exacerbada contra autoantígenos. Ao mesmo tempo poderemos favorecer uma melhor resposta imune
em doenças onde o sistema imune é reprimido, como câncer.

*Pesquisadora Científica do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração – InCor, FMUSP, São


Paulo, **Professor Titular de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo – FMUSP, São Paulo (SP), Brasil, Diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Cora-
ção – INCOR, São Paulo (SP), Coordenador do Instituto de Investigação em Imunologia (III), INCT – MCT,
Diretor do Instituto Butantan, São Paulo

Correspondência: Prof. Dr. Jorge Kalil, Av. Dr Eneas de Carvalho Aguiar, 44 bloco II 9 andar São Paulo SP,
Tel: (11) 2661-5900, e-mail: jkalil@usp.br
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 43

Todos os organismos, de bactérias moléculas não próprias, o sistema imune


até vertebrados possuem sistemas que adaptativo precisa aprender a fazer esta
permitem discriminar o próprio do não distinção. A habilidade de discriminar o
próprio e todos possuem mecanismos próprio e o não próprio é feita inicialmente
de defesa contra o não próprio. Este sis- nos órgãos linfóides primários, sendo
tema de imunidade inata, em geral, está chamada de tolerância central [4]. No
baseado na utilização de receptores gene- timo, para os linfócitos T, e na medula
ticamente codificados, que reconhecem óssea, para os linfócitos B, ocorre a
moléculas comuns a muitos patógenos, e eliminação das células que reconhecem
possibilita uma resposta imune imediata. antígenos próprios com alta afinidade.
Um sistema imune bem mais complexo O receptor de antígenos encontrado nos
é encontrado em vertebrados. Além da linfócitos T é chamado de TCR e aquele
imunidade inata, os vertebrados também encontrado nos linfócitos B é o BCR.
contam com o sistema imune adaptativo O processo de seleção dos linfócitos
(Figura 1). As células, chamadas de lin- utiliza inicialmente somente antígenos
fócitos T e B, montam receptores antigê- próprios e ele é dividido em duas etapas.
nicos capazes de reconhecer antígenos Inicialmente ocorre seleção positiva –
específicos através da recombinação somente células que expressam um
aleatória de genes. Uma vantagem im- receptor antigênico funcional recebem
portante é que este sistema é capaz de sinal para sobrevivência. Em sequência
memória, guardando a informação para ocorre a seleção negativa – morte dos
fazer uma resposta imune mais rápida clones que apresentam alta afinidade por
frente ao mesmo antígeno no futuro [1-3]. antígenos próprios (Figura 2). A apresen-
tação dos antígenos é feita por células
Figura 1 – Esquema ilustrativo da evolu- especializadas, entre elas as células
ção do sistema imune indicando a pre- dendríticas, os macrófagos e as células
sença da imunidade adaptativa somente epiteliais do timo, chamadas coletivamen-
em vertebrados. te de APC (Antigen Presenting Cell). As
APC associam os antígenos a moléculas
do complexo MHC (Major Histocompati-
bity Complex) e este complexo é então
reconhecido pelos linfócitos (Figura 3) [5].
Assim, através da interação com as APC,
os linfócitos são capazes de reconhecer
simultaneamente células próprias já que
elas identificam as moléculas MHC e
ainda identificam o antígeno que está
sendo exposto.

Figura 2 – Durante o processo de se-


leção clonal, os linfócitos cujo TCR não
reconhece as moléculas do MHC são
Enquanto os receptores da imuni- eliminados, sofrem processo de morte
dade inata reconhecem especialmente e sua diferenciação não segue a diante
44 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

(Negligência). As células que apresentam A interação entre a célula apresenta-


um TCR funcional, mas com alta afinida- dora de antígeno e o linfócito é essencial
de por antígenos próprios sofrem pro- para o desenvolvimento da resposta imu-
cesso de seleção negativa, também por nológica. O sítio onde ocorre este contato
indução de morte celular. Já os linfócitos entre as células é chamado de sinapse
com TCR funcional, mas com afinidade imunológica. As sinapses imunológicas
intermediária por antígenos próprios são são formadas, como resultado da firme
selecionados positivamente e após o ligação entre o receptor de células T e
completo processo de seleção e matura- o complexo péptido-MHC presente na
ção eles seguirão para a periferia. membrana da APC [6,7]. Neste sítio de
interação entre as células encontramos
proteínas do citoesqueleto e moléculas
de adesão, responsáveis por manter um
firme contato entre as duas células. Nes-
te complexo também são encontradas as
proteínas responsáveis pela chamada
transdução do sinal, cascata de ativação
das proteínas que tornarão o linfócito
ativado. Assim, a formação da sinapse
imunológica é vital então para o reconhe-
cimento do antígeno, para a manutenção
da estabilidade da interação entre as
Figura 3 – Esquema representativo da células e ainda para ocorrer a própria
interação entre uma célula apresenta- ativação dos linfócitos. Este agrupamento
dora de antígenos e um linfócito T. O re- de toda a maquinaria responsável pela
ceptor antigênico dos linfócitos T, o TCR, ativação dos linfócitos se correlaciona
somente reconhece antígenos associa- com uma resposta imune eficiente capaz
dos a moléculas de MHC presente nas de gerar linfócitos T efetores e de memó-
células apresentadoras. Este complexo, ria [6,7]. Embora tenhamos mencionado
associado a outras proteínas, é chamado a formação da sinapse imunológica em
de sinapse imunológica. linfócitos T ela também é observada em
linfócitos B.
A “rota” para o processo de seleção
e ativação seguida pelos linfócitos T
pode ser resumida da seguinte maneira:
as células precursoras saem da medula
óssea e entram no timo através dos
vasos sanguíneos. Estas células devem
então montar um receptor TCR funcional
através de um processo de recombinação
gênica. A partir daí começam a interagir
com as células epiteliais do córtex tímico.
As células cujo TCR funcional, capaz de
reconhecer MHC das APC com afinidade
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 45

intermediária pelos antígenos próprios, Durante este processo também ocorre


são selecionadas positivamente, se di- a formação de linfócitos de memória.
ferenciam em linfócitos CD4+ ou CD8+ Quando ocorre o reconhecimento de um
e migram para a medula tímica onde antígeno próprio, o sistema imune conta
interagem com as células dendríticas ou com mecanismos de indução de tole-
com as células epiteliais. Na medula as rância periférica, onde ocorre a morte
células que reconhecem antígenos pró- ou a anergia do linfócito autorreativo.
prios com alta afinidade sofrem processo O reconhecimento do antígeno próprio
de morte induzida [8]. Os linfócitos que sem a indução de tolerância induz o
conseguem passar por todo este proces- desenvolvimento de doenças autoimu-
so seguem para a periferia. O processo de nes. Linfócitos T que reconhecem antí-
diferenciação dos linfócitos B é bastante genos não próprios podem favorecer o
semelhante. No entanto o processo de desenvolvimento de doença autoimune
rearranjo é feito na medula óssea [9]. devido à semelhança molecular entre o
Na periferia estes linfócitos podem antígeno não próprio (de um patógeno,
então encontrar um antígeno que ligue por exemplo) e um antígeno próprio, por
ao seu receptor. Quando ocorre a ligação reatividade cruzada.
receptor-antígeno os linfócitos se tornam
ativados, proliferam, possibilitando uma
resposta específica para o antígeno
alvo. Alguns dos linfócitos ativados vão
se diferenciar em linfócitos de memória,
são estas as células que induzirão uma
resposta rápida se o mesmo antígeno for
encontrado no futuro [10].
Apesar do processo de seleção
muitos linfócitos autorreativos vão para
a periferia. Em muitos casos esses linfó-
citos induzem doenças autoimunes [11], Um deles é a tolerância periférica. Em
como o lupus e a esclerose múltipla. Para geral a seleção negativa elimina os clones
evitar tamanho problema o sistema imune com alta afinidade por antígenos próprios,
conta ainda com mecanismos adicionais então os mecanismos de tolerância peri-
de controle de ativação (Figura 4). férica têm que lidar com receptores de
afinidade media por antígenos próprios. As
Figura 4 – O reconhecimento de um células apresentadoras de antígeno, em
antígeno pelo TCR pode induzir diferentes especial as células dendríticas (DC), têm
tipos de resposta imune. Após processo papel crucial na manutenção da tolerância
de seleção dos linfócitos T no timo (ou periférica. Na presença de patógenos, por
linfócitos B, na medula óssea), os linfóci- exemplo, as DC aumentam a expressão de
tos seguem para a periferia. Os linfócitos moléculas co-estimulatórias e do MHC e se
que reconhecem moléculas não próprias, tornam imunogênicas (Figura 4). Estas DC
ao encontrarem seu antígeno específi- induzem/ativam os linfócitos a secretarem
co, se tornam linfócitos efetores e dão fatores de crescimento autocrinos, como
origem à resposta imune adaptativa. a interleucina-2 favorecendo a proliferação
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dos linfócitos. É possível então montar tismo molécular. O mimetismo molécular


uma resposta immune eficaz [12]. Por é a semelhança estrutural, funcional ou
outro lado, DC que apresentam antígenos imunológica entre macromoléculas en-
próprios secretam fatores envolvidos com contradas em patógenos e em tecidos
a indução de anergia nos linfócitos. A aner- do hospedeiro. Esta semelhança entre
gia é um estado de hiporreatividade dos moléculas pode ser determinante para o
linfócitos, estes não se tornam ativados desencadeamento de doenças autoimu-
após o encontro com um antígeno (Figura nes [15]. A resposta imune observada
4), possivelmente devido à intereção com durante uma infecção podem induzir
CTLA4 ou PD1 (Cytotoxic T-Lymphocyte- respostas autoimunes que atacam e
-Associated Antigen 4 e Programmed destroem tecidos e órgãos do corpo, o
Cell Death, respectivamente). CTLA-4 é estado de tolerância é quebrado e uma
necessário para a indução do processo resposta imune deletéria é observada
anérgico. O PD-1 é essencial para manter contra autoantígenos. Assim, a seme-
os linfócitos no estado de não resposta, lhança molecular de um autoantígeno
em parte inibindo a interação estável entre com um antígeno de um patógeno pode
os linfócitos e as células apresentadoras favorecer a doença autoimune devido a
de antígeno [12,13]. Além da anergia, lin- uma reatividade cruzada (Figura 4).
fócitos autorreativos podem ser levados à Resultados obtidos em nosso labora-
morte por apoptose através dos chamados tório confirmaram a reatividade cruzada
receptores de morte, como o Fas. entre patógenos e moléculas do tecido
Os linfócitos autorreativos podem cardíaco [16]. O mimetismo molecular
também ser controlados na periferia por entre antígenos do Streptococcus pyoge-
outros linfócitos T, os chamados linfócitos nes e a miosina cardíaca tem sido consi-
reguladores (Treg) naturais. Estas células derado como um mecanismo que leva a
também sofrem processo de maturação reações autoimunes na febre reumática e
no timo conforme descrito anteriormente. na doença reumática do coração [17]. Em
No entanto, por um mecanismo ainda nosso laboratório avaliamos em ensaio
pouco conhecido algumas destas célu- de proliferação a resposta das células T
las começam a expressar uma proteína obtidas de lesões contra a cadeia leve da
chamada FoxP3. Estes linfócitos quando meromiosina, peptídeos estreptocócicos
migram para a periferia têm capacidade M5 e proteínas derivadas de válvula mi-
de inibir a ativação e proliferação de ou- tral. Vários clones intralesionais de célu-
tros linfócitos [14]. las T apresentaram reatividade cruzada
Assim observamos que o sistema entre os diferentes estímulos. O alinha-
imune além de aprender a distinguir o mento da meromiosina e de peptídeos
próprio do não próprio, selecionando ne- da proteína M estreptocócicas mostrou
gativamente grande parte dos linfócitos homologia frequente entre substituições
autorreativos também conta com meca- de aminoácidos conservadas. O alto
nismos para limitar a atividade de células percentual de reatividade contra miosi-
na periferia. na cardíaca reforçou assim o seu papel
Um fato bem interessante é que o como um dos principais auto-antígenos
sistema imune às vezes pode ser induzido envolvidos nas lesões cardíacas reumá-
a erro. Um fenômeno curioso é o mime- ticas [18].
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 47

Outro exemplo onde o mimetismo those in vertebrates. Transplantation


molecular contribui para uma patologia 1999;15;68(9):1215-27.
é a doença de Chagas [19]. A cardiomio- 2. Medzhitov R, Janeway CA Jr. An ancient
patia chagásica crônica é um dos poucos system of host defense. Curr Opin
exemplos de autoimunidade pós-infeccio- Immunol 1998;10(1):12-5.
3. R a s t J P , L i t m a n G W . T o w a r d s
sa, onde episódios de infecção com um
understanding the evolutionary origins
patógeno, o protozoário Trypanosoma
and early diversification of rearranging
cruzi, claramente desencadeiam danos antigen receptors. Immunol Rev 1998;
ao tecido cardíaco. Linfócitos T CD4+ 166:79-86.
infiltrantes que reconhecem a proteína 4. G a l l e g o s A M , B e v a n M J . C e n t r a l
imunodominante B13 do T. cruzi obti- tolerance: good but imperfect. Immunol
dos de pacientes chagásicos também Rev 2006;209:290-6.
apresentam reatividade cruzada contra 5. Ludger Klein, Maria Hinterberger, Gerald
a miosina cardíaca humana. Os dados Wirnsberger, Bruno Kyewski. Antigen
atuais sugerem fortemente a importância presentation in the thymus for positive
do mimetismo molécular entre miosina selection and central tolerance induction.
cardíaca e proteína B13 de T. cruzi na Nat Rev Immunol 2009;9:833-44.
patogênese da lesão cardíaca na cardio- 6. Alarcón B, Mestre D, Martínez-Martín
N.The immunological synapse: a cause or
miopatia chagásica crônica [20].
consequence of T-cell receptor triggering?
Desde que Burnet [21,22] formulou
Immunology 2011;133(4):420-5.
a teoria da seleção clonal muito trabalho 7. Fooksman DR, Vardhana S, Vasiliver-
foi dedicado a elucidar os mecanismo Shamis G, Liese J, Blair DA, Waite J,
que levam à montagem do repertório de Sacristán C, Victora GD, Zanin-Zhorov A,
linfócitos de cada indivíduo. Embora o Dustin ML.Functional anatomy of T cell
conhecimento sobre o assunto esteja activation and synapse formation. Annu
progredindo a cada dia ainda precisamos Rev Immunol 2010;28:79-105.
identificar maneiras de controlar a respos- 8. Owen JJ, Jenkinson EJ Apoptosis and
ta imune específica. Assim poderemos T-cell repertoire selection in the thymus.
contribuir para melhorar o tratamento de Ann N Y Acad Sci 1992;21;663:305-10.
doenças autoimunes, onde ocorre ativa- 9. Miosge LA, Goodnow CC. Genes,
ção exacerbada contra autoantígenos. Ao pathways and checkpoints in lymphocyte
development and homeostasis. Immunol
mesmo tempo poderemos favorecer uma
Cell Biol 2005;83(4):318-35.
melhor resposta imune em doenças onde
10. Sprent J, Surh CD. Normal T cell
o sistema imune é reprimido, como cân- homeostasis: the conversion of naive
cer. O caminho pode ainda ser longo, mas cells into memory-phenotype cells. Nat
os resultados serão recompensadores. Immunol 2011;12(6):478-84.
11. Siegel RM, Katsumata M, Komori S,
Referências Wadsworth S, Gill-Morse L, Jerrold-
Jones S, Bhandoola A, Greene MI, Yui
1. Müller WE, Blumbach B, Müller IM. K. Mechanisms of autoimmunity in the
Evolution of the innate and adaptive context of T-cell tolerance: insights from
immune systems: relationships between natural and transgenic animal model
potential immune molecules in the systems. Immunol Rev 1990;118:165-
lowest metazoan phylum (Porifera) and 92.
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12. Mueller DL. Mechanisms maintaining 18. Faé KC, da Silva DD, Oshiro SE,
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13. Probst HC, McCoy K, Okazaki T, Honjo T, MW, Kalil J, Guilherme L. Mimicry in
van den Broek M. Resting dendritic cells recognition of cardiac myosin peptides
induce peripheral CD8+ T cell tolerance by heart-intralesional T cell clones from
through PD-1 and CTLA-4. Nat Immunol rheumatic heart disease. J Immunol
2005;6(3):280-6. 2006;176(9):5662-70.
14. Lio CW, Hsieh CS Becoming self-aware: 19. Cunha-Neto E, Kalil J. Heart-infiltrating and
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15. Barnett LA, Fujinami RS. Molécular Autoimmunity 2001;34(3):187-92.
mimicry: a mechanism for autoimmune 20. Cunha-Neto E, Coelho V, Guilherme L,
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V, Cunha-Neto E, Oshiro SE, Assis RV, cardiac myosin-B13 Trypanosoma cruzi
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heart disease patients. Int Immunol 21. Burnet FM A modification of Jerne’s
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reaction triggered by molécular mimicry 22. Burnet FM. The clonal selection theory
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lesions in rheumatic heart disease. J
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Perspectiva

O mestre dos sonhos à casa torna:


revisitando Freud
The dream master returns home: revisiting Freud
Sidarta Ribeiro

Resumo
Sigmund Freud construiu uma influente teoria sobre a arquitetura e funcionamento da mente, mas sua
obra psicanalítica foi rejeitada pela ciência por ser considerada não-testável e portanto metafísica. Não
obstante, os últimos anos vêm testemunhando um intenso recrudescimento do interesse pela produção
freudiana em diversos campos de investigação neurocientífica. Neste breve artigo faço um sumário das
principais linhas de pesquisa desenvolvidas na confluência da neurobiologia e da psicanálise, com ênfase
no estudo da relação entre sonho, memória e o inconsciente.

Palavras-chave: psicanálise, refutação, ciência.

Abstract
Sigmund Freud built an influential theory regarding the architecture and functioning of the mind, but his
psychoanalytic work was rejected by science because it was considered to be non-testable, and therefore
metaphysical. Nevertheless, the recent years have witnessed an intense resurgence of the interest in
Freudian contributions within various fields of neuroscience research. In this brief article I make a sum-
mary of the main lines of research developed at the confluence of neurobiology and psychoanalysis, with
emphasis on the study of the relationship among dream, memory and the unconscious.

Key-words: psychoanalysis, refutation, science.

Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Correspondência: Sidarta Ribeiro, Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Av. Nascimento de Castro 2155, 90560-450 Natal RN, Tel: (84) 3215-2709,
E-mail: sidartaribeiro@neuro.ufrn.br
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Um outro ramo muito mais significativo de “repressão” e “complexo de Édipo“ revela


investigação psicológica originário da psi- a profunda influência da teoria freudiana
quiatria permanece notavelmente isolado e no imaginário coletivo.
desconectado, embora mereça mais que qual- Mesmo assim, não é exagero dizer
quer outro campo da psicologia ser chamado que Freud “ganhou mas não levou”. Se
de científico [...] por mais que rejeitemos o abriu portas e janelas nas Humanidades,
edifício teórico construído por Sigmund Freud não encontrou morada dentro da própria
e Carl Jung, [...] não pode haver dúvida de que Ciência. Veementemente questionado
ambos foram observadores talentosos que pela psiquiatria de seu tempo, Freud foi
assinalaram pela primeira vez certos fatos rejeitado pelas gerações seguintes de
irrevogáveis e inalienáveis do comportamento neurocientistas, até tornar-se alvo de
coletivo humano. desprezo a priori, indigno mesmo de ser
Konrad Lorenz [1] lido e debatido seriamente. Essa ojeriza
a Freud remonta à sua descrição do fenô-
Há 156 anos nascia na Morávia, meno onírico como chave essencial para
atual República Tcheca, um dos mais compreender a psiquê, através da relação
ambiciosos e influentes pensadores de com os pensamentos inconscientes, os
todos os tempos. Excelente escritor, delírios e a transformação simbólica das
arrojado, prolífico e criativo, Sigmund memórias indesejadas. No início dos
Freud construiu uma ampla teoria sobre anos 1950 descobriu-se que os sonhos
a arquitetura e funcionamento da mente, coincidem quase sempre com uma fase
inicialmente com grandes repercussões específica do sono, marcada por movi-
na biologia e medicina [2]. Fez múltiplas mentos rápidos dos olhos [3,4]. A exis-
descobertas seminais sobre a psicologia tência desse estado cerebral conhecido
humana, desenvolveu um revolucionário como sono REM (acrônimo de rapid-eye-
método terapêutico, conjurou um círculo -movement) foi interpretada como um gol-
influente de colaboradores, cultivou discí- pe na teoria freudiana, reduzindo o sonho
pulos fervorosos e delineou um campo de a um mero estado fisiológico de precisa
investigação inteiramente novo, equipado definição mas limitada transcendência
com métodos e terminologias próprios: [5]. Quase concomitantemente veio
a psicanálise. Em vida, Freud enfrentou um segundo ataque, com a descoberta
ferrenha oposição, até que a perseguição e rápida disseminação terapêutica da
do nazismo o levou ao exílio e à morte. primeira geração de drogas capazes de
Entretanto, nada conseguiu impedir que debelar surtos psicóticos sem qualquer
as idéias desse judeu descobridor da necessidade de escutar o paciente falar
sexualidade infantil, pioneiro da investi- sobre suas vivências [6]. Essas drogas
gação do inconsciente e da escuta atenta atuam como antagonistas do neurotrans-
do paciente invadissem a mentalidade missor dopamina, e seu advento pareceu
ocidental. Com o tempo a teoria freudia- retirar a psicose da nebulosa esfera do
na ultrapassou suas fronteiras originais sonho para remetê-la ao mundo concreto
no âmbito da psiquiatria, extravasando da farmacologia. O golpe de misericórdia
para as ciências humanas e as artes. em Freud foram as tentativas fracassadas
A onipresença no vocabulário leigo de de corroborar sua teoria das neuroses,
conceitos como “inconsciente”, “ego”, segundo a qual traumas psicológicos
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se expressam como sintomas físicos freudianos, então ninguém é freudiano.


aparentemente não relacionados com Tratado ao longo do século XX como
suas causas, mas tratáveis pela tomada profeta, depravado ou charlatão, eis que
de consciência do trauma gerador. Até neste início de milênio o velho Sigmund
mesmo por sua natureza idiossincrática, regressa ao centro da pesquisa neuro-
a cura pela palavra permanece controver- científica, ressurgindo em tantas frentes
tida até hoje. distintas de investigação que já não se
O descrédito científico da psicaná- pode ignorá-lo. Um dos temas freudianos
lise teve profundas consequências. A mais centrais são as reminiscências da
despeito da origem acadêmica de Freud, vigília dentro do sonho. Tais “restos diur-
os círculos psicanalíticos se voltaram pro- nos” já foram extensamente observados
gressivamente para o universo da cultura, em humanos e roedores durante ambas
afastando-se cada vez mais do empiris- as fases do sono, tanto a nível molecular
mo quantitativo da biologia, química e [8-11] quanto eletrofisiológico [12-14].
física. Algumas vertentes, em especial a Sabemos hoje que a interrupção da in-
Lacaniana, se entregaram ao sectarismo terferência sensorial que o sono propicia
reativo e ao culto à personalidade, ge- induz uma reverberação mnemônica que
rando um triunfalismo anti-científico que é crucial para a consolidação duradoura
abdicou integralmente da pesquisa neural do aprendizado [15,16]. Uma tradução
e teve resultados desastrosos para a in- neurobiológica de conceitos clássicos da
serção biomédica da psicanálise a partir psicanálise permite atualizar a famosa
dos anos 1960. O divórcio foi expresso afirmação freudiana de que “o sonho é
de forma cabal pelo filósofo Karl Popper, o caminho real para o inconsciente”: en-
quando afirmou que a psicanálise é intrin- quanto as memórias correspondem aos
secamente incapaz de produzir hipóteses “conglomerados de formações psíqui-
testáveis. Desde então, vulgarizou-se a cas”, sua totalidade, o banco completo
opinião de que Freud não construiu ciên- de memórias adquiridas pelo indivíduo
cia alguma e sim uma coleção estapafúr- (e todas suas combinações possíveis),
dia de metáforas mitológicas, uma teoria constitui “o inconsciente”.
irrefutável por meio de experimentos que Embora apareça nas obras de Pa-
não passaria, portanto, de metafísica. racelsus, Spinoza, Leibniz, Schelling,
Nas palavras de Popper, “a psicanálise Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche,
é simplesmente não-testável, irrefutável. William James e Dostoievski, foi apenas
Não há comportamento humano concebí- a partir de Freud que o inconsciente
vel que possa contradizê-la” [7]. Assim, passou a ocupar um lugar dominante na
se é inquestionável que a teoria de Freud Psicologia. Nesse sentido, dois conceitos
impregnou a cultura ocidental, também estritamente associados à obra freudiana
é forçoso reconhecer que o fez de uma são a repressão inconsciente e a supres-
forma banalizada, massificada e pop. Nos são consciente de memórias. Através
últimos 70 anos, Freud foi considerado de estudos de ressonância magnética
tão relevante para a neurociência quanto funcional, descobriu-se que a supressão
Marx para o mercado de ações ou Darwin de memórias indesejadas, pioneiramente
para os neo-criacionistas. Parafraseando descrita por Freud, não apenas existe
o biólogo Alfred Kinsey, se todos são objetivamente como requer uma desa-
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tivação de regiões cerebrais dedicadas tornado os indivíduos menos tolerantes


às memórias e emoções (hipocampo e ao estresse, levando-os ao suicídio.
amígdala), através da ativação de porções Talvez a objeção mais cáustica à
relacionadas à intencionalidade (córtex psicanálise seja a afirmação de que seu
pré-frontal) [17,18]. objeto de pesquisa, o mundo das idéias,
Quanto à sexualidade infantil, é irremediavelmente opaco à observação
escandalosa na Viena do século XIX, direta. Mas até essa crítica vem sendo
sabemos hoje que se trata de um com- refutada pela pesquisa neurocientífica re-
ponente normal do desenvolvimento da cente, em face dos avanços tecnológicos
criança, tornando-se horrenda apenas que permitem o estudo não-invasivo do
quando abusada por adultos. O que conteúdo mental [20]. Se vivo estivesse,
nos conduz a uma das partes mais po- Freud provavelmente levaria o divã para
lêmicas da teoria freudiana, justamente dentro de um scanner de ressonância
a noção de que traumas psicológicos magnética. De todo modo, a rememora-
podem ocasionar sintomas comporta- ção do trauma num contexto de estimu-
mentais graves. Por décadas a ciência lação sensorial amena, típica do setting
permaneceu cética a esse respeito, psicoanalítico, se assemelha bastante
pois duvidava-se de que a exposição ao que ocorre em outras técnicas psico-
precoce a estímulos aversivos poderia terápicas validadas pela medicina para
marcar uma pessoa de forma perene, o tratamento do transtorno de estresse
sobrepujando determinações genéticas pós-traumático, como a estimulação
“saudáveis”. Tal opinião mudou radical- repetitiva, o relaxamento, a habituação
mente com a descoberta de alterações ao relato traumático, a reinterpretação
hereditárias na expressão de genes e cognitiva em contexto não-ameaçador,
de fenótipos celulares através de me- e o uso de fármacos capazes de enfra-
canismos que não envolvem alterações quecer a memória traumática após sua
na sequência dos nucleotídeos, mas evocação. Para além da questão clínica,
sim modificações químicas do ADN ca- é preciso reconhecer que a psicanálise
pazes de afetar células germinativas e muitas vezes não objetiva a cura, nem
portanto se transferir para a prole. Um termina por si mesma. Uma de suas fun-
exemplo particularmente impactante ções mais importantes é dar sentido ao
foi a demonstração de que a regulação complexo conjunto de símbolos que cada
epigenética do receptor glucocorticóide um carrega em si, servindo não necessa-
no hipocampo humano está associada riamente para atingir a cura, mas para o
ao abuso durante a infância [19]. Nesse auto-conhecimento. Se a dor é inerente à
estudo, descobriu-se que um grupo de condição humana, a psicanálise propõe
suicidas com histórico de abuso infantil fazer da própria vida uma obra de arte.
expressava menor quantidade de recep- É chegada a hora do retorno de Freud
tores glucocorticóides no hipocampo, ao seio da neurociência. Para isso será
associada à metilação do promotor do preciso dissolver os preconceitos mútuos
gene que codifica tais receptores. Ao entre psicanalistas e neurocientistas. Os
reduzir a taxa de transcrição do gene e psicanalistas temem, com certa razão,
consequentemente diminuir os níveis de que a ciência invada seus domínios de
receptores, essa metilação pode haver forma arrogante, prenhe de chauvinismo
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reducionista, com a tirania da eficácia 6. H e a l y D . T h e c r e a t i o n o f


objetiva, ignorante e desprovida de intros- psychopharmacology. Massachusetts:
pecção. Também têm receio de sair do Harvard University Press; 2004.
refúgio seguro que o isolamento provê. A 7. Popper KR. Conjecturas e refutações.
própria tradição freudiana, historicamente Brasília: Editora da Universidade de
Brasília; 1980.
fragmentada em guetos beligerantes,
8. Ribeiro S, Goyal V, Mello CV, Pavlides C.
padece da carência de diálogo. O desen-
Brain gene expression during REM sleep
volvimento da teoria fundada por Freud depends on prior waking experience.
clama por novas sínteses fundadas no Learn Mem 1999;6:500-508.
empirismo biológico. Por outro lado, é 9. Ribeiro S, Mello CV, Velho T, Gardner
premente reconhecer a importância da TJ, Jarvis ED, Pavlides C. Induction of
psicanálise para a neurociência. Freud hippocampal long-term potentiation
não é descartável nem mera curiosidade during waking leads to increased
histórica. Ao contrário, ele nos legou extrahippocampal zif-268 expression
um extenso programa de pesquisa, rico during ensuing rapid-eye-movement
em observações relevantes e hipóteses sleep. J Neurosci 2002;22:10914-23.
testáveis, um verdadeiro projeto para 10. Ulloor J, Datta S. Spatio-temporal
uma psicologia científica. É preciso reler activation of cyclic AMP response
element-binding protein, activity-
sua obra com os olhos do presente, tes-
regulated cytoskeletal-associated protein
tando as idéias e reformando o edifício
and brain-derived nerve growth factor: a
herdado. A língua franca desse releitura mechanism for pontine-wave generator
é a investigação experimental da relação activation-dependent two-way active-
entre mente e cérebro. avoidance memory processing in the rat.
J Neurochem 2005;95:418-28.
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Zhang H, Gervasoni D, Lin SC, Wada
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human species: an introduction to experience induces persistent sleep-
comparative behavioral research (the dependent plasticity in the cortex but
Russian manuscript). In: Cranach A, not in the hippocampus. Front Neurosci
ed. 1st ed. Massachusetts: MIT Press; 2007;1:43-55.
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2. Freud S. Obras completas. São Paulo: hippocampal place cell firing in the
Companhia das Letras; 2010. awake state on the activity of these cells
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occurring periods of eye motility, and Neurosci 1989;9:2907-18.
concomitant phenomena, during sleep. 13. Wilson MA, McNaughton BL. Reactivation
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Perspectiva

Reconhecimento do próprio
pelo sistema imune inato
Marcello André Barcinski

O problema da discriminação entre (helper). A lógica de Bretscher e Cohn


o próprio e o não-próprio está indelevel- para a postulação de um duplo sinal foi
mente ligado à história da imunologia. a de que este mecanismo de coopera-
Se por um lado este conceito, na sua ção diminuiria as possibilidade de uma
formulação original, aparentemente não resposta auto-imune. O reconhecimento
resistiu à prova do tempo, por outro ele antigênico por células B na ausência do
serviu, e muito bem, para a construção segundo sinal induziria a morte deste
da base teórica sobre a qual repousa o linfócito. Em 1975 Lafferty e Cunningham
nosso conhecimento sobre os mecanis- [6] partindo de observações oriundas da
mos de cognição pelo sistema imune de transplantologia experimental e de estu-
vertebrados mandibulados [1,2]. dos em doenças auto-imunes, sugeriram,
Há alguns anos, Polly Matzinger fez que também as células T necessitam de
um interessante relato histórico e uma um segundo sinal para a sua ativação.
análise crítica dos diferentes modelos Este seria fornecido por células hoje
propostos para explicar o reconhecimento conhecidas como células apresentado-
imunológico, que se seguiram à postula- ras de antígeno (macrófagos e células
ção de Burnet [3,4]. Em 1970 Bretscher dendríticas).
e Cohn [5] propuseram a necessidade É interessante notar que ambas
de um segundo sinal para a correta e as propostas acima descritas foram
eficiente ativação específica dos linfóci- formulações hipotéticas confirmadas ex-
tos B. Segundo estes autores este sinal perimentalmente alguns anos mais tarde.
seria gerado por uma outra célula que não A hipótese dos dois sinais de Bretscher
os linfócitos B e que foi posteriormente e Cohn, confirmada pela descrição da
caracterizada como uma célula T auxiliar células T-auxiliar (helper T-cell) como já

Laboratório de Biologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz

Correspondência: Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365
Manguinhos 21040-360 Rio de Janeiro RJ, Tel: (11) 2562-1368, E-mail: mabarcinski@gmail.com
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descrito acima, e a de Lafferty e Cunni- reconhecido pelo sistema imune, ao “não-


gham pelas observações de Jenkins e -próprio infeccioso” conseguindo assim,
Schwartz em 1987 [7] de que macrófagos pelo menos aparentemente, a síntese da
fixados não eram capazes de ativar célu- dicotomia do “próprio” e do “não-próprio”.
las T específicas e que o reconhecimento Segundo Janeway, uma série de recep-
imunológico na ausência de sinais co- tores, geneticamente codificados, expres-
-estimulatórios era tolerogênico [8]. sos em macrófagos e em outras células
Os sinais co-estimulatórios foram do sistema imune inato reconhecem
posteriormente identificados como as estruturas caracteristicamente presentes
moléculas B7.1, B7-2, CD28, CTLA-4 e em microrganismos patogênicos e
CD40 e seu ligante e introduziram um ausentes nos seus hospedeiros. O re-
novo nível de complexidade ao fenôme- conhecimento destas moléculas confere
no da regulação da resposta imune [8]. ao sistema imune a competência de
Uma consideração interessante é a de distinguir o “próprio“ do “não próprio
que enquanto a idéia de um segundo infeccioso” e assim iniciar uma resposta
sinal de cuja gênese participa um lin- inflamatória e eventualmente imunopro-
fócito T, foi imediatamente aceita pela tetora [14].
comunidade imunológica da época; o As moléculas presentes nos micror-
mesmo não foi verdade para a sinaliza- ganismos patogênicos e reconhecidas
ção via macrófago. Uma interpretação pelos receptores da resposta imune
possível é a de que esta última célula, inata foram coletivamente chamadas de
por não possuir receptores específicos PAMPS (pathogen-associated molecular
para antígenos, mas, ao contrário, ser patterns- padrões moleculares associa-
capaz de internalizar qualquer molécula dos a patógenos) e os receptores que
ou partícula, não poderia participar de as reconhecem foram chamados de PRR
um mecanismo finamente controlado e (pathogen recognition receptores- recep-
com alto poder discriminatório como é o tores que reconhecem patógenos). Dife-
reconhecimento antigênico. É importante rentes PAMPS caracterizam diferentes
chamar a atenção para o fato de que, ape- microrganismos patogênicos, desde vírus
sar dos primeiros trabalhos publicados até protozoários e diferentes receptores
descrevendo a apresentação de fragmen- reconhecem padrões moleculares que
tos antigênicos por macrófagos [9-12] definem um conjunto de patógenos.
serem da mesma época da formulação O modelo de Janeway reviveu e impul-
dos modelos de Bretscher e Cohn e de sionou os estudos sobre o sistema imune
Lafferty e Cunnigham, o aceite definitivo inato, sedimentou o conceitos da apre-
da noção de que macrófagos - e poste- sentação de antígeno e de co-estimulação
riormente também células dendríticas - e motivou a caracterização molecular e
eram capazes de apresentar fragmentos funcional dos PRR como TLRs (Toll-like
antigênicos para células T, via moléculas receptors) que conferiram a Hoffman e
de histocompatibilidade, só aconteceu Beutler o premio Nobel de 2011.
muitos anos mais tarde. Um verdadeiro Finalmente, Polly Matzinger postula
corte epistemológico aconteceu em 1989 o modelo do perigo (Danger model) [15]
quando Charles Janeway [13] redefiniu sugerindo que as células apresentadoras
e restringiu a noção do “não-próprio”, de antígeno são ativadas por sinais de
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perigo provenientes de células e tecidos Infectologistas e imunologistas em geral


que sofreram traumas ou injurias de assumem que a estratégia de defesa
diferentes origens tais como infecções, de um organismo envolve mecanismos
venenos ou toxinas, irradiações, lesões que bloqueiam a invasão ou eliminam
mecânicas e outras. o microrganismo patogênico [16]. No
A mudança conceitual gerada por entanto o hospedeiro pode também se
este modelo está no fato de que enquanto defender limitando o dano tecidual causa-
nos modelos anteriormente propostos a do por uma infecção. Resistência, neste
qualidade e a intensidade da resposta contexto, é definida como a capacidade
imune eram definidas por células e sinais de limitar a carga infectiva enquanto que
do próprio sistema, no modelo do perigo tolerância é definida como a capacidade
o controle é exercido por todos as células de limitar o dano tecidual induzido pelo
e tecidos de um organismo. Tecidos sau- microrganismo patogênico incluindo-se
dáveis geram tolerância e tecidos lesados aqueles gerados por fenômenos infla-
geram imunidade. matórios e imunopatológicos [16]. De
Uma consequência importante do fato, um trauma físico pode causar efei-
modelo foi definida quando da descrição tos teciduais semelhantes ou idênticos
da morte por apoptose em contraposição àqueles causados por microrganismos
à morte por necrose: a primeira era to- patogênicos. No entanto as respostas
lerogênica enquanto que a segunda era esperadas e obtidas em cada uma das
imunogênica. Por razões que seriam mais situações podem ser muito diferentes.
apropriadamente discutidas em um artigo A diferença de sinalização entre
sobre história ou sociologia da ciência a PAMPs (ligantes exógenos) e DAMPs
hipótese de Polly Matzinger foi recebida (ligantes endógenos) foi experimental-
como uma curiosidade inteligente e mente evidenciada [17] em um modelo
criativa, mas que carecia de uma sólido de necrose hepática induzida por um
base experimental e assim encarada agente tóxico e portanto na ausência
com muito ceticismo pela comunidade de infecção. O fígado de camundongos
imunológica da época. tratados com um agente hepatotóxico
A idéia do perigo como gerador de mo- liberam HMGB1(high mobility group Box
léculas capazes de ativar o sistema imu- 1) um componente da cromatina. HMGB,
ne inato reviveu, sem necessariamente à semelhança de alguns PAMPs, liga-se
dar o merecido crédito a Polly Matzinger, aos receptores TLR2, TLR4 e TLR9 e induz
incorporando os DAMPs (danger associa- uma reação inflamatória mimetizando
ted molecular patterns) ao repertório de PAMPs. No entanto HMGB1 liga-se tam-
possíveis ligantes de TLRs, como uma bém a outros receptores de membrana
alternativa (não mutuamente exclusivas) (e.g. CD-24) e uma lectina ligadora de
aos PAMPs de Janeway. ácido siálico (Siglec-G). A sinalização
Para este renascimento contribuí- induzida pela interação HMGB1 com
ram os trabalhos que importaram para CD-24 e a consequente formação de um
as doenças infecciosas em animais, os complexo com Siglec-G modificam a sina-
conceitos de resistência e tolerância lização via HMGB1/TLR, inibindo o dano
(não confundir com tolerância imuno- tecidual causado pela ativação de NFkB
lógica) oriundos da patologia vegetal. (Figura 1) [18].
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Figura 1 – Sinais de perigo. Sinais exógenos e endógenos, como bactérias e molécu-


las de células hospedeiras respectivamente, induzem a resposta inflamatória através
receptores Toll-like. No entanto, uma via de sinalização específica limita a resposta aos
sinais endógenos. Este mecanismo pode prevenir uma resposta imunológica descon-
trolada a lesões induzidas por agentes físicos [18].

O complexo CD24/Siglec G reconhe- trolada são observados efeitos colaterais


ce também, por exemplo, proteínas de eventualmente danosos ao organismo,
choque térmico (DAMPs) mas não reco- também a ativação por níveis elevados de
nhece LPS, um típico PAMP característico DAMPs pode ser responsável por várias
de bactérias Gram negativas. Um fato patologias de natureza inflamatória e
interessante é o de que ambos, HMGB1 autoimune inclusive a aterosclerose - do-
e os TLRs são filogeneticamente mais ença para a qual alguns autores atribuem
antigos do que CD-24 e Siglec G que uma origem inflamatória/infecciosa – e
só surgiram nos vertebrados. Este dado câncer [19,20].
sugere que o sistema de controle pelos O ciclo histórico aqui descrito chama
DAMPs foi evolutivamente co-optado pelo a atenção para o sistema imune inato
sistema de ativação via TLRs. Hoje já como uma nova forma de operacionalizar
existem bem caracterizados um grande a discriminação entre o próprio e o não-
numero de ligantes endógenos com TLRs próprio: não no reconhecimento mas no
definidos como seus receptores; dentre controle da efetuação. Não deixa de ser
eles proteínas e peptídeos, ácidos graxos irônico que um sistema desprovido da
e fosfolipídios, proteoglicanas e glicosa- sofisticada organização em receptores
minoglicanas e ácidos nucléicos isolados idiotípicos clonalmente distribuídos, pos-
ou complexados a proteínas [19]. Assim sa exercer uma das mais nobres funções
como em uma resposta imune descon- do sistema imune.
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Neste contexto é importante chamar 10. Rosenthal AS, Barcinski MA, Blake JT.
a atenção para a hipótese de que entre Determinant selection is a macrophage
as pressões seletivas responsáveis pelo dependent immune response gene
evolução de um sistema imune adaptativo function. Nature 1977;267(5607):156-
esteja o da necessidade de discrimina- 8.
11. Barcinski MA, Rosenthal AS. Immune
ção entre MAMPs (microbial associated
response gene control of determinant
molecular patterns) e PAMPs (pathogen
selection. I. Intramolecular mapping
associated molecular patterns) presentes of the immunogenic sites on insulin
na flora bacteriana de vertebrados [19]. recognized by guinea pig T and B cells. J
Exp Med 1977;145(3):726-42.
Referências 12. Dos Reis GA, Barcinski MA. Role of
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1990;24894961):1273. Symposium. Quant Biol 1989;54:1-13.
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renewed sense of self. Science 2002;296 evolved to discriminate infectious nonself
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4. Matzinger P. Essay 1: the danger model 1992;13:11-6.
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5. Bretscher P, M. Cohn M. A theory of 1994;12:991-1045.
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1970;169(3950):1042-9. survive infection : what resistance and
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analysis of allogeneic interactions. Aust infectious diseases. Nat Rev Immunol
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60 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Artigo original

A redundante composição antigênica


do universo biológico, o parasitismo e o
desafio da tolerância aos auto-antígenos
The redundant antigenic composition of the biological
universe, the parasitism and the challenge
of maintaining tolerance to self-antigens
Yuri Chaves Martins*, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro**

Os autores dedicam este trabalho a Raymond Damian, extraordinário cientista que, vislumbrando
as potenciais consequências imunológicas do compartilhamento antigênico entre parasitos e seu
hospedeiros, criou o conceito de “mimetismo molecular”, no início dos anos 60.

Resumo
No presente artigo, discorremos sobre o fenômeno da resposta imune a agentes patogênicos, sob a ótica
do desafio da manutenção da tolerância aos auto-antígenos (auto-Ag), que porventura se assemelhem
a antígenos (Ag) microbianos e parasitários, em caso de infecção. Para tal, usamos uma abordagem
holística utilizando ferramentas de bioinformática aliadas ao crescente corpo de informação disponível
sobre o genoma e proteoma dos diferentes organismos que habitam nosso planeta. Concluímos que,
embora o compartilhamento de Ag entre patógenos e seus hospedeiros seja lugar comum, tal fenômeno
não constitui, via de regra, um risco para a indução de doenças auto-imunes em presença de mecanismos
íntegros de regulação da resposta imune.

Palavras-chave: genoma, proteoma, bioinformática.

*Médico e Doutorando em Imunologia do Laboratório de Inflamação e Imunidade, Departamento de


Imunologia, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro
(programa MD/PhD), **Médico e Doutor em Biologia Humana, Membro da Academia Nacional de Medi-
cina, Pesquisador Titular da Fiocruz e do CNPq, Cientista do nosso Estado da Faperj e Coordenador do
Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária da Fiocruz

Correspondência: Yuri Chaves Martins, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz,
Laboratório de Pesquisas em Malária, Av. Brasil 4365, Pavilhão Leônidas Deane, 5º andar 21045-900 Rio
de Janeiro RJ, Tel/Fax: (21) 3865-8145, E-mail: yuri@ioc.fiocruz.br, ribeiro@ioc.fiocruz.br
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Abstract
In the present paper, we consider and discuss the phenomenon of immune response to pathogens,
from the perspective of the challenge of maintaining immune tolerance to self-antigens (self-Ag), that may
resemble microbial and parasitic antigens (Ag), in case of infection. We use a holistic approach using
bioinformatics tools allied to the growing amount of information available about the genome and proteome
of different organisms. We conclude that, although the Ag sharing between pathogens and their hosts is
a common place, the induction of autoimmune pathology as a result of infection, is not an usual risk in
the presence of intact mechanisms of immune response regulation.

Key-words: genome, proteome, bioinformatics

Introdução sobre a identidade texto. Pode ser que sua mesa tenha uma
protéica entre os organismos (ou a jarra para água, feita de cerâmica, como
redundância de proteomas) como o ornamento trazido de uma viagem à
decorrência da evolução genética Amazônia, ou de vidro, como aquele que
cobre o tampo da mesa ou o que inte-
Somos todos feitos das mesmas coisas... gra a lente que há em seu porta-lápis,
igualmente feito de madeira... ou de aço.
Para construir os objetos de que Do mesmo modo, os seres vivos
nos servimos, desde as mais primitivas que habitam o planeta são feitos de um
ferramentas manufaturadas no paleo- conjunto finito de estruturas e substân-
lítico superior até os tempos atuais, o cias redundantesI. Quando falamos de
homem se utiliza de um conjunto finito redundância no nível molecular não nos
de materiais. Assim, se o leitor olhar referimos à composição básica de todos
para qualquer objeto ao seu alcance organismos em proteínas, açúcares e
visual perceberá que a matéria de que lipídios, mas sim ao fato de que grande
é feito também compõe a estrutura de parte das diversas estruturas formadas
outros elementos à sua volta. A cadeira por esses componentes básicos também
na qual provavelmente está sentado foram conservadas durante o curso de
pode ser feita de madeira, o mesmo evolução dos diversos seres vivos e al-
material, possivelmente, da mesa na gumas delas podem estar presentes em
qual repousa este artigo. A caneta que todos ou na grande maioria destes.
usa para tomar nota também terá, em
I O objetivo da comparação não é, obviamente,
sua composição, o plástico de que é, induzir o leitor à uma visão criacionista da origem
parcialmente, composto o computador das coisas, não é nossa praia. A proposta é apenas
(no qual se encontra o arquivo PDF des- ilustrar que, assim como o homem faz, devido a
forças econômicas, com os objetos que manufa-
te documento), que igualmente terá em tura, as forças evolutivas também tendem a fazer
sua estrutura o mesmo aço que compõe com que a natureza mantenha e reaproveite os
a pulseira de seu relógio que pode, en- materiais e estruturas que dão certo ao longo do
tretanto, ser feita de couro, como o que tempo. Assim como o homem usa o mesmo metal
para fazer trilhos de trem, chaves de fenda, agulhas
forra o assento da cadeira. Terão, ainda, e estrutura de prédios, porque este é um material
composição similar entre si o carpete durável e disponível em larga escala a preços
que cobre o assoalho antigo e a cortina abordáveis, a natureza também utiliza sequências
de aminoácidos parecidas para formar as partes
que, entreaberta, permite a entrada da
constantes das imunoglobulinas e dos receptores
luz necessária para a leitura de nosso de células T e de tantas outras proteínas.
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Tal ocorrência está de acordo com danças estruturais por um lado e forças
uma moderna “teoria da evolução”II, que que tendem a preservar o genoma e,
defende que os organismos evolucionam consequentemente, o proteoma dos dife-
através do acúmulo sucessivo de mu- rentes organismos, a pergunta que deriva
tações em seu genoma, que acaba por naturalmente dessas observações é qual
gerar alterações em seus proteomas, seria o grau de homologia estrutural entre
com consequentes mudanças em sua os diversos organismos vivos conhecidos.
capacidade de metabolizar e gerar novos A realização de estudos comparan-
açúcares e lipídios. Estas, caso constitu- do o conjunto de genes (genomas) e de
am uma vantagem evolutiva, são passa- proteínas (proteomas) que compõem
das aos seus descendentes. Contudo, na os organismos de diferentes espécies
maioria das vezes, as mutações ocorrem é possibilitada pelo desenvolvimento
ao acaso e não resultam em nenhuma al- de ferramentas de bioinformática e se-
teração significativa ou geram consequên- quenciamento genético, e nos permite
cias desvantajosas para a evolução do responder a essa pergunta. O grau de
organismo (uma desvantagem evolutiva), homologia entre proteomas diferentes é
que tenderia, então, a se extinguir. Des- uma medida da semelhança estrutural
se modo, os organismos vivos tendem entre dois organismos e a comparação
à manutenção de seu próprio código dos proteomas (e genomas) de orga-
genético, que se terá provado funcional nismos considerados filogeneticamente
ao longo de sua evolução, e desenvolvem próximos possibilita a inferência do grau
mecanismos para evitar que mutações de parentesco entre eles e a obtenção
ocorram em seus respectivos genomas. de indícios da existência de algum an-
Uma descrição detalhada dos diversos cestral comum em suas origens [3]. A
mecanismos que garantem a manutenção quantidade de estudos desse tipo está
do código genético e dos que geram varia- crescendo com o aumento do número de
bilidade de uma maneira controlada está genomas sequenciados disponíveis nos
além do escopo do presente artigo. Po- bancos de dados e com a disponibilida-
demos citar, entretanto, o mecanismo de de das ferramentas de bioinformática
correção de erros na replicação do DNA necessárias para realização desse tipo
existente em algumas formas da enzima de análise [3-6].
DNA polimerase como um mecanismo de Por exemplo, a análise do proteoma
manutenção da integridade genética e o humano após o sequenciamento do nos-
sexo como um mecanismo de geração de so genoma revelou que menos de 1%
variabilidade [1,2]. das nossas proteínas são encontradas
Como há um equilíbrio evolutivo entre exclusivamente na nossa espécie [3],
forças que estimulam variabilidade e mu- ou seja, foi possível encontrar proteínas
com grau de homologia suficiente para
II A moderna teoria da evolução denota a combinação se estabelecer parentesco com outras
da teoria da evolução das espécies por meio de
seleção natural proposta pelo naturalista britânico
espécies conhecidas em mais de 99%
Charles Robert Darwin (1809-1882), a genética dos casos. Isso não quer dizer que po-
como base para a herança biológica descrita pelo demos encontrar proteínas idênticas às
monge agostiniano, botânico e meteorologista
nossas nos outros organismos em 99%
austríaco Gregor Johann Mendel (1822-1884) e a
genética de populações. dos casos, mas que 99% das proteínas
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codificadas pelo nosso genoma tem evolucionário. Por outro lado, as similari-
um grau de identidade suficientemente dades protéicas (e, portanto, antigênicas)
grande com alguma proteína existente no caso de seus hospedeiros dotados de
em algum outro organismo a ponto de um sistema imune com capacidade de
podermos ter um grau elevado de certeza resposta imune adaptativa específica e mi-
de que elas tiveram um ancestral comum crorganismos infecciosos (os Schistosoma
no passado. O grau de identidade protéica ou a Fasciola hepatica) podem ser úteis
se acentua com a proximidade evolutiva para o estudo e o entendimento do grau
das espécies. Desse modo, quando de sucesso ou insucesso da relação de
comparamos o proteoma do camundongo parasitismo que essas espécies mantém
(Mus musculus) com o humano, 80% das entre elas. Essa questão foi, inicialmente,
proteínas possuem um único ortólogoIII averiguada com o auxílio de ferramentas
no nosso proteoma e vice-versa. Dentre imunológicas que permitem estudar a se-
essas proteínas, o grau de identidade melhança dos constituintes de diferentes
na sequência primária de aminoácidos organismos sob o ponto de vista de sua
é 70,1% (mediana igual a 78,5%), um antigenicidade (falamos, então, de antíge-
grau de identidade bastante alto que nos e determinantes antigênicos, em vez
reflete o fato de serem ambos os orga- de em proteínas e sequências de amino-
nismos mamíferos [4]. Contudo, quando ácidos). Contudo, ela também pode ser
comparamos nosso proteoma com o do estudada com o auxílio das metodologias
chimpanzé (Pan troglodytes), considerado que nos possibilitam a comparação de
nosso parente mais próximo na escala proteomas entre os diferentes seres vivos.
evolutiva, observamos que em torno de Tal abordagem, nova e elegante, nos per-
92% das proteínas possuem um único mite tratar de paradigmas da imunologia,
ortólogo no nosso proteoma [5] e estas como compartilhamento de antígenos (Ag)
são extremamente semelhantes, sendo (antigen sharing) e mimetismo molecular
29% delas idênticas em sua sequência (molecular mimicry) e suas potenciais im-
primária de aminoácidos e a grande maio- plicações para a manutenção da tolerância
ria das demais diferindo em apenas um aos nossos próprios constituintes (próprio
ou dois aminoácidos [6]. ou self) e para a prevenção do desenvolvi-
Se tais metodologias permitem inferir, mento de autoimunidade.
a partir das semelhanças genômicas e
proteômicas, a proximidade filogenética O Mimetismo molecular (molecular
de duas espécies, elas também facultam mimicry) e a hipótese da rainha
a realização de estudos sobre o sucesso vermelha (the red queen hypothesis)
ou insucesso adaptativo da relação de
parasitismo que microorganismos podem
manter com organismos vertebrados. Se- Most people are other people.
melhanças proteicas entre a samambaia, Their thoughts are someone
a bananeira, a vaca, o chimpanzé e o ho- else’s opinions, their lives a mimicry,
mem são informativas sob o ponto de vista their passions a quotation. (Oscar Wilde)

III Genes ou proteínas ortólogos ou ortólogas são O conceito de mimetismo molecu-


genes ou proteínas similares, mas que estão pre-
lar (molecular mimicry) foi cunhado por
sentes em duas espécies diferentes.
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Raymond T. Damian em 1964 a partir da se percebeu, com o auxílio de métodos


observação do compartilhamento de Ag – tão antigos quanto pouco sensíveis
(antigen sharing) entre parasitas e hos- – de imunoprecipitação, que anti-soros
pedeiros [7]. Segundo Damian, parasitas contra parasitos também reagiam con-
tenderiam a ter estruturas semelhantes tra Ag de seus hospedeiros [10-12]. Os
a seus hospedeiros, pois isto corres- autores estudaram “comunidades anti-
ponderia à uma vantagem seletiva para gênicas” em extratos de 12 espécies de
escapar da resposta imune, que aqueles cestódeos, 12 de nematódeos e 12 de
suscitam nestes, que não os reconhece- trematódeos, alem de boi, camundongo,
riam como estranhos ao organismo [8]. A cão, carneiro, cavalo, galo, gato, porco,
inferência teórica para a definição desse rato, sapo, homem e de caramujos e
mecanismo de adaptação parasitária é concluíram que quanto mais próximo do
a de que microrganismos com maior se- hospedeiro, mais homologia antigênica
melhança antigênica com o hospedeiro era observada.
teriam menos chances de serem reco- Posteriormente, com a utilização
nhecidos, agredidos imunologicamente e de novas técnicas como anticorpos
expulsos. Conclui-se, em consequência, (Ac) monoclonais e clonagem molecu-
que, inversamente, o insucesso desse lar, verificou-se que parasitos e outros
mecanismo de mimetismo por compar- organismos infecciosos em geral com-
tilhamento antigênico poderia submeter partilham Ag com os seus hospedeiros.
os hospedeiros ao risco de desenvolvi- Assim, Schistossoma mansoni e Fas-
mento de uma resposta imune dirigida ciola hepatica são capazes de sintetizar
contra Ag comuns aos dois organismos Ag de grupo sanguíneo [13-15], muitos
levando a uma reação auto-imune e à helmintos patogênicos são capazes de
agressão do próprio hospedeiro (auto- sintetizar o Ag Forssman (globopentosyl-
-agressão). ceramida), um glicolipídio envolvido na
Outra vantagem seletiva para a pre- formação de tight junctions que participa
sença de estruturas homólogas em para- na adesão celular) [16]. Esse Ag corres-
sitas seria a de reconhecer e responder ponde a um auto-Ag em cães, carneiros,
a sinais fisiológicos presentes no meio cavalos, gatos, tartarugas, e está pre-
e, não somente escapar, mas também sente em ovas de alguns peixes e certas
modular a resposta imune do hospedeiro bactérias (algumas cepas de enterobac-
de um modo a facilitar a sua sobrevi- térias e pneumococos) e é base para a
vência. Damian se baseou no conceito sorologia da mononucleose infecciosa.
de mimetismo criado no século XIX por A proteína de circumsporozoíta (CSP)
Henry Walter Bates para explicar porque de Plasmodium falciparum possui um
determinadas borboletas encontradas motivo de 18 aminoácidos praticamente
na Amazônia Brasileira e consideradas idêntico à região citoadesiva da trombos-
saborosas por seus predadores tendiam pondina [17-19], Neisseria meningitidis
a se parecer com outra espécie menos e Escherichia coli possuem Ag capsu-
palatável, evitando, desse modo, ser o lares com semelhança estrutural com
prato principal do dia [9]. glicopeptídeos cerebrais humanos [20].
As primeiras evidências de mime- Homólogos funcionais de diversas cito-
tismo molecular foram obtidas quando cinas, quimiocinas, enzimas, proteínas
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do citoesqueleto celular [21] e fatores representar formas de escape à resposta


de crescimento humanos já foram des- imune do hospedeiro e vitória sobre as
critos em vírus [22], tripanosomas [23], barreiras impostas às suas sobrevivên-
helmintos [24,25] e bactérias [26]... cias, espécies hospedeiras de parasitos
Foge ao escopo deste documento, também desenvolvem e adquirem meca-
mas um fenômeno diferente, também nismos que as podem favorecer impedin-
classificável como mimetismo molecu- do ou dificultando o estabelecimento de
lar segundo alguns autores, é o fato infecção pelos patógenos presentes no
de microrganismos possuírem, em sua mesmo ambiente. Hospedeiros também
superfície, estruturas responsáveis por se beneficiariam de mecanismos de
aderir moléculas do hospedeiro. Por escape de patógenos que poderiam ser
exemplo, alguns vírus como o da imu- classificados de “mimetismo reverso”.
nodeficiência adquirida (HIV) [27], bac- Um exemplo recente na literatura é a
térias patogênicas [28], Echinococcus demonstração de que ovelhas utilizam
granulosus [29] e Onchocerca volvulus retrovírus endógenos como fatores de
[30] são capazes de aderir a inibidores restrição que bloqueariam infecções por
do complemento presentes no plasma retrovírus patogênicos [35].
sanguíneo e Trypanosoma cruzi e Trypa- Nessa interação, que ocorre duran-
nosoma brucei possuem trans-sialiases te a co-evolução de patógenos e seus
que transferem ácido ciálico de células hospedeiros, se poderia poeticamente
do hospedeiro para a superfície desses considerar que cada um está tentando
parasitas [31]. Tal mecanismo pode vencer as defesas impostas pelo outro.
facilitar ou promover a indução de res- O resultado dessa permanente “corrida
posta imune favorável ao microrganismo. armamentista”, seria, entretanto, na
Partículas de poxvirus formadas durante verdade, a permanência dos dois no
o processo de replicação viral e tripano- mesmo lugar (de parasita e hospedei-
somatídeos podem ser recobertos com ro). Tal formulação foi originalmente
fosfolipídios do hospedeiro, passando proposta pelo biólogo evolucionista
a se assemelhar a corpos apoptóticos, americano Leigh Van Valen (1935-2010)
o que facilita a fagocitose por células sob a denominação de “a hipótese da
do hospedeiro, como macrófagos, pro- rainha vermelha” [36]. O nome deriva de
move a replicação viral e beneficia ao uma passagem do livro de Lewis Carroll
microrganismo [32,33]. Além disso, a (1832-1898) Through the Looking-Glass
presença de receptores para citocinas and What Alice Found There na qual a
humanas capazes de transdução de Rainha Vermelha diz a Alice: “[I]t takes
sinal e ativação de vias metabólicas e a all the running you can do, to keep in the
produção e secreção de substancias ca- same place”IV.
pazes de modular a expansão e diferen-
ciação de linfócitos T já foram descritos IV Numa   tradução   livre   ‘Corra   o   máximo   que   você  
em protozoários demonstrando que o SXGHUSDUD¿FDUQRPHVPROXJDU¶)UDVHGD5DLQKD
YHUPHOKDQROLYURGH/HZLV&DUUROO³$OLFHDWUDYpVGR
mimetismo molecular pode ser também HVSHOKRHRTXHHODHQFRQWURXSRUOi´SXEOLFDGRHP
funcional e não somente estrutural [34]. 2OLYURpDFRQWLQXDomRGRFpOHEUH$OLFHQR
Ao mesmo tempo em que parasitas 3DtVGDV0DUDYLOKDVGH2DXWRUp&KDUOHV
se beneficiam de fenômenos que podem /XWZLGJH'RJVRQFRQKHFLGRFRPR/HZLV&DUUROO
 
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A comparação de proteomas sequência primária de aminoácidos das


como abordagem para o estudo diversas proteínas, o que exclui homolo-
da redundância de proteínas: gias conformacionais e pode gerar falsos
interesses e limites para a positivos, já que uma mesma sequência
compreensão do fenômeno de de aminoácidos presente em duas prote-
mimetismo molecular ínas globulares diferentes pode estar lo-
calizada na parte externa da conformação
O número de exemplos de mimetismo de uma proteína e escondida no interior
molecular tem crescido ao mesmo tempo de outra, devido às suas conformações
em que se observa um rápido incremento secundárias e terciárias. Da mesma
da quantidade de genomas completamen- forma, esse tipo de análise não leva em
te sequenciados. Além disso, a compa- conta as modificações pós-transcricionais
ração direta das sequências proteicas sofridas pelas diversas proteínas e que
de parasitas e hospedeiros pode se também são capazes de modificar a con-
mostrar uma ferramenta poderosa para formação das mesmas.
aumentar ainda mais a velocidade de Essa ausência de critérios faz com
identificação de estruturas que podem que o mesmo conjunto de dados possa
exercer mimetismo molecular. Contudo, ser analisado e interpretado de maneiras
apesar de extremamente interessantes, diferentes. Por exemplo, quando procura-
os trabalhos que se servem desse tipo mos proteínas inteiras com alto grau de
de abordagem são escassos na literatura homologia entre dois proteomas e filtra-
[37-42]. Ao mesmo tempo, talvez por ser mos os resultados excluindo aquelas que
ainda um campo de estudo novo, uma apresentem grau semelhante ou maior
análise dos trabalhos publicados aponta de similaridade também com organismos
para a falta de critérios para a definição não patogênicos ou que tenham posição
das características necessárias para que intermediária na escala evolutiva entre os
uma determinada sequência seja consi- dois proteomas comparados, tendemos
derada uma candidata à classificação de a ter um número menor de proteínas
“proteína mimética”. Por exemplo, alguns restantes [42]. Todavia, quando conside-
trabalhos excluem proteínas que mostram ramos o proteoma de microorganismos,
semelhança (mesmo que ela seja grande) dividimo-lo em sequências pequenas de
entre os genomas do parasito e de seu aminoácidos e verificamos se elas podem
hospedeiro caso elas também estejam ser encontradas no proteoma do hospe-
presentes em organismos não patogê- deiro, tendemos a encontrar uma grande
nicos filogeneticamente próximos ou em sobreposição entre os oligopeptídeos e
organismos que estejam em posição as proteínas do hospedeiro [40,41].
intermediária na escala evolutiva entre o A primeira abordagem tende a dimi-
parasita e o hospedeiro [42]. Outros não nuir o número de falsos positivos, mas,
utilizam sequências proteicas inteiras, consequentemente, aumenta o número
mas padrões compostos de pequenas de falsos negativos, já que proteínas
sequencias de aminoácidos [40,41]. podem ter importância na interação
Um outro problema com esse tipo de parasita-hospedeiro, mesmo que também
abordagem é que ele só permite analisar estejam presentes em outras espécies
homologias levando em consideração a não patogênicas ou em espécies inter-
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mediárias na escala evolutiva. A segunda critério para a avaliação da homologia


abordagem, por outro lado, tem as ca- das proteínas do proteoma humano e
racterísticas opostas, ou seja, aumenta do de diversos organismos pesquisados
o número de falso-positivos e diminui o (Tabela I). Utilizamos o e-value como
número de resultados falso-negativos. medida indireta do grau de sobreposição
Para abordar essa questão, nós na sequência de aminoácidos entre duas
calculamos o número de proteínas homó- proteínas diferentes. Quando fazemos tal
logas entre o proteoma humano e o de vá- comparação utilizando um e-value grande
rios organismos cujos genomas já foram (1-10, por exemplo) elas serão considera-
completamente sequenciados, utilizando das homólogas mesmo que compartilhem
uma ferramenta online denominada Pro- apenas pequenas porções (alguns pa-
com (de Proteome comparison) [43]. As drões) da sua sequência de aminoácidos
comparações foram feitas utilizando-se (nesse caso a sensibilidade é grande
diferentes valores de e-valueV[44] como e – como resultado – a homologia é pe-
quena, porque podem ser consideradas
V E-value é uma abreviação para expectation value homólogas proteínas pouco parecidas).
(“valor esperado” em uma tradução livre). Ele repre- À medida que diminuímos o valor desse
senta a chance de que a sobreposição encontrada
na sequencia de aminoácidos, quando compara-
parâmetro (e-value de 1-100, por exemplo)
mos duas proteína, se deva ao acaso. O processo apenas proteínas com sequências pra-
de geração do e-value quando comparamos uma ticamente idênticas são consideradas
sequencia com um determinado banco de dados homólogas. Ou seja, ao diminuirmos o
consiste em comparar nossa sequencia com todos
os membros do banco de dados e gerar, para cada
e-value, diminuímos a sensibilidade da
comparação, um escore arbitrário “S” que dá pon- comparação e aumentamos o grau de
tos para aminoácidos iguais ou parecidos e retira sobreposição e homologia necessário
pontos (penaliza) quando encontra aminoácidos
para que consideremos uma proteína
divergentes. Posteriormente o escore de interesse
(que expressa a comparação entre as duas prote- como homóloga. Isso é demonstrado pela
ínas de interesse) é comparado com o conjunto diminuição do número de proteínas ho-
dos demais escores gerados pelas comparações mólogas encontradas (somente as muito
com as outras proteínas do banco e expresso por
um número chamado Z-score, que é uma medida
homólogas são retidas). Essa realidade
de quão não usual é nosso escore de interesse. O está ilustrada graficamente na Figura 1A.
Z-score é calculado da seguinte maneira: Z-score O número médio de proteínas homológas
= [S – (S médio)]/ desvio padrão de S. Geralmente
encontradas nos diversos organismos
consideramos que um Z-score maior que 5 como
significativo. A partir dos Z-scores e de sua distri- comparados foi 9.336, quando utilizamos
buição na populacão estudada, podemos calcular um E-value de 10-10, e de 3.558, quando
a probabilidade de que nosso escore original seja reduzimos o E-value para 10-100.
devido ao acaso, o famoso p-value. O p-value
Como o e-value pode variar de acordo
depende da distribuição dos Z-scores no banco de
dados, que na maioria das vezes não é uma dis- com as características dos proteomas
tribuição Gaussiana. O e-value é então finalmente comparados, não existe, teoricamente,
calculado multiplicando-se o p-value pelo número
de sequencias presentes no banco de dados. O p- pesquisado (se dobramos o tamanho do banco de
-value varia entre 0 e 1, mas o e-value varia entre dados dobramos o e-value) e o tamanho da proteína
0 e o número de sequencias no banco de dados. pesquisada, entre outros. Para uma discussão mais
Desse modo, o e-value não depende somente do detalhada sugerimos a homepage - http://www.
grau de homologia entre as proteínas (número de clarkfrancis.com/blast/Blast_what_and_how.html
aminoácidos homólogos), mas também leva em ou o livro Introduction to bioinformatics de Arthur
conta fatores como o tamanho do banco de dados M Lesk [44].
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Tabela I - Número de proteínas homólogas entre diversos organismos e o ser humano.


Organismo Total de N. de proteínas homologas
proteí- 1-10 1-50 1-100
nas
H. sapiens 34.090 - - -
P. falciparum 5.333 1.833 (34.37; 5.38) 572 (10.73; 1.68) 217 (4.07; 0.64)
E. histolytica 9.771 3.658 (37.44; 10.73) 1.074 (10.99; 3.15) 319 (3.26; 0.94)
G. lamblia 9.645 1.845 (19.13; 5.41) 365 (3.78; 1.07) 115 (1.19; 0.34)
T. gondii 7.587 2.515 (33.15; 7.38) 787 (10.37; 2.31) 293 (3.86; 0.86)
T. brucei 20.697 2.975 (14.37; 8.73) 1.005 (4.86; 2.95) 333 (1.61; 0.98)
T. cruzi 25.040 5.183 (20.70; 5.20) 1.527 (6.10; 4.48) 432 (1.73; 1.27)
E. cuniculi 1.995 893 (44.76; 2.62) 293 (14.69; 0.86) 110 (5.51; 0.32)
C. neoformans 6.571 3.141 (47.80; 9.21) 1.303 (19.83; 3.82) 515 (7.84; 1.51)
B. malayi 7.702 4.575 (59.40; 13.42) 2.005 (26.03; 5.88) 838 (10.88; 2.46)
L. major 8.080 3.113 (38.53; 9.13) 1.048 (12.97; 3.07) 374 (4.63; 1.10)
T. rubripes 33.002 29.948 (90.75; 87.85) 24.994 (75.73; 73.32) 17.761 (53.82; 52.10)
A. thaliana 28.580 10.931 (38.25; 32.07) 3.570 (12.49; 10.47) 1.263 (4.42; 3.70)
C. elegans 22.296 9.979 (44.76; 29.27) 4.663 (20.91; 13.68) 1.959 (8.79; 5.75)
C. intestinalis 15.851 11.239 (70.90; 32.97) 5.813 (36.67; 17.05) 2.712 (17.11; 7.96)
D. melanogaster 18.288 12.180 (66.60; 35.73) 7.166 (39.18; 21.02) 3.573 (19.54; 10.48)
M. musculus 32.280 29.187 (90.42; 85.62) 24.927 (77.22; 73.12) 18279 (56.63; 53.62)
O. sativa 59.711 14.208 (23.79; 41.68) 3.347 (5.61; 9.82) 1.190 (1.99; 3.49)
R. norvegius 28.544 27.099 (94.94; 79.49) 23.023 (80.66; 67.54) 16.882 (59.14; 49.52)
S. cerevisae 5.885 2.887 (49.06; 8.47) 1.173 (19.93; 3.44) 438 (7.44; 1.28)
Negrito= organismos patogênicos; (A;B) = A é a percentagem de proteínas no proteoma do patógeno ava-
liado que possuem ortólogos no proteoma humano; B é a percentagem de proteínas no proteoma humano
que possuem ortólogos no proteoma do patógeno avaliado.

Figura 1 - Percentagem de homologia com o proteoma humano (A) e percentagem


de homologia do proteoma humano (B) apresentada por diversos organismos quando
utilizados diferentes E-values como critério para considerar uma proteína homologa ou
não com sua respectiva contraparte no proteoma humano.

A 100 *** B 100 ***


* 7UXEULSHV
0PXVFXOXV
80
GH+RPRORJLD

5QRUYHJLXV
80 5QRUYHJLXV
GH+RPRORJLD

7UXEULSHV
0PXVFXOXV 0PXVFXOXV
5QRUYHJLXV
 5QRUYHJLXV  0PXVFXOXV
0PXVFXOXV 7UXEULSHV
7UXEULSHV 5QRUYHJLXV
40 40

20 20

0 0
1-­10 1 1-­100 1-­10 1 1-­100

E-­value E-­value
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um valor específico que eleve ao máximo mos capazes de, ao entrar em contato
possível a sensibilidade e especificidade com os mais diversos microrganismos e
dessa metodologia para identificar prote- substancias estranhas ao corpo, produzir
ínas que podem exercer mimetismo. Do resposta imune contra Ag externos, evita-
mesmo modo, não há uma ferramenta mos produzir respostas imunes danosas
ou abordagem de bioinformática perfeita contra componentes próprios (self).
para identificar potenciais proteínas mi- Por exemplo, as estruturas de car-
méticas em todos os casos. Na realida- boidratos A, B, H – Lewis, que no homem
de, as diferentes abordagens podem ser correspondem a Ag de grupos sanguíne-
utilizadas de maneira complementar e os, e suas respectivas glicosiltransfera-
os critérios e controles utilizados devem ses, estão presentes em vários (macro
variar de acordo com as características e micro) organismos incluindo diversas
dos proteomas comparados e com os espécies de mamíferos, pássaros, rép-
objetivos da comparação. teis, invertebrados, fungos saprófitas e
patogênicos, helmintos e plantas. Estão
A Comunidade Antigênica (somos presentes também em bactérias de nos-
todos feitos dos mesmos so tubo digestivo. Não é por outra razão
antígenos...) e sua implicação como que os humanos desenvolvem, desde
risco de ruptura da tolerância a auto- a mais tenra idade, o que imunogene-
antígenos ticistas e hemoterapeutas chamam de
“aglutininas (anticorpos aglutinantes)
A good imitation is the most regulares” contra os Ag A e B do sistema
perfect originalityVI AB0 de forma inversa à presença dos Ag
desse sistema que portamos em nossos
Um paradigma da imunologia é a glóbulos vermelhos. Em outras palavras,
noção de que o sistema imune possui esses Ac, ditos regulares (que todos
mecanismos que impedem a formação temos e permitiram a LandsteinerVII a
de respostas imunes contra estruturas descoberta dos grupos sanguíneos AB0
ou Ag do próprio organismo [45]. Esse no início do século passado), são, na
fenômeno, que resulta de um mecanismo verdade, resultado da imunização a que
ativo (e não da ausência de resposta), nos submetemos, ainda bebês, comendo
e é chamado de tolerância imunológica, comida “suja”. A E. coli do sorotipo 86
ocorre tanto em nível central (órgãos lin- tem a mesma especificidade (os mesmos
fóides primários) quanto em nível periféri- determinantes antigênicos da substância
co (órgãos linfóides secundários e todos H, em cima da qual se constroem as
os outros tecidos do corpo) e impediria especificidades A e B do sistema AB0.
nossa autodestruição [46].
Quando os mecanismos de tolerância VII Karl Landsteiner (1868-1943), médico e biologista
estão funcionando a contento, permane- austríaco, distinguiu, em 1900, os grupos san-
guíneos ABO, graças a existência das aglutininas
cemos em um estado de homeostase regulares no soro dos indivíduos, desenvolvendo
no qual, ao mesmo tempo em que so- a classificação moderna de grupos sanguíneos e
possibilitando a transfusão sanguínea. Ele também
VI Maxima de Voltaire. Retirada do artigo de Elde NC & identificou, com Alexander S. Wiener em 1937, o
Malik HS. The Evolutionary conundrum of pathogen fator Rhesus (Rh). Landsteiner recebeu o Prêmio
mimicry. Nature reviews microbiology 2009;7:787-97. Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1930.
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Quando nascemos, nenhum de nós tem podem envolver tanto a produção de auto-
Ac anti-A ou anti-B. Entretanto, se formos -anticorpos (auto-Ac) quanto a geração de
do grupo sanguíneo A teremos Ac anti-B, células auto-reativas que podem resultar
assim como teremos Ac anti-A, se formos em destruição tecidual e mesmo em do-
B, e anti-A e anti-B se formos do grupo 0. enças auto-imunes [48].
Mas não teremos nenhum desses Ac se Um dos mecanismos propostos
formos do grupo AB, do mesmo jeito que para explicar a quebra da tolerância imu-
não teremos Ac anti-A sendo do grupo A nológica é justamente a exposição do
ou anti-B, sendo do grupo sanguíneo B. organismo a Ag externos (presentes em
Essa recusa do organismo em pro- microrganismos com os quais dividimos o
duzir os Ac correspondentes aos Ag que espaço que ocupamos no planeta) seme-
temos presentes em nossos glóbulos lhantes, sob o ponto de vista estrutural
vermelhos revela a ocorrência de meca- ou conformacional, a Ag do próprio indiví-
nismos de manutenção da tolerância aos duo (e dotados de capacidade de reação
constituintes de nosso próprio organismo cruzada com estes). Assim a lista, que já
(os imunologistas os chamam de auto-Ag) sabemos grande, de Ag comuns a hospe-
cuja descrição foge ao escopo do presen- deiros e parasitos (ou parasitos vestidos
te trabalho. A existência de tais meca- com roupagens de seus hospedeiros)
nismos foi, entretanto, reconhecida por pode representar também um inventário
Ehrlich em 1900 [47]VIII e descrita com o de perigos e riscos contra os quais nosso
sugestivo nome de “Horror autotoxicus”. organismo deve estar permanentemente
Contudo, (embora não saibamos vigilante com o objetivo de zelar para que
exatamente o porquê em todos os ca- nenhuma resposta auto-imune dê origem
sos) algumas vezes esses mecanismos a uma situação de auto-agressão e até,
de tolerância são rompidos e acabamos eventualmente, de doença.
produzindo reações imunes contra Ag Há, de fato, situações em que, ape-
próprios, em um fenômeno denominado sar do “bom senso imunológico” ou, por
de auto-imunidade. Reações auto-imunes alguma razão, justamente por falta dele,
o hospedeiro desenvolve uma resposta
VIII Preocupado (na realidade) com o destino de imune contra Ag compartilhados, mesmo
glóbulos vermelhos em caso de hemorragia intra- sob risco de desenvolvimento de uma
-abdominal, o bacteriologista alemão Paul Ehrlich
resposta auto-imune que pode acabar
(1854-1915) injetou, no peritônio de cabras sa-
dias, hemácias provenientes de outras cabras ou engendrando uma patologia auto-imune.
de animais de outras espécies e constatou que Exemplos concretos são os Ac contra a
tal procedimento dava origem, na cabra “experi- proteína M estreptocócica do tipo 5, pro-
mentada”, ao surgimento de Ac dirigidos contra
duzidos durante a infecção da orofaringe
hemácias do animal doador. Ehrlich surpreendeu-
-se, entretanto, ao descobrir que tais Ac não eram por Streptococcus pyogenes β hemolí-
produzidos quando o animal doador era a própria ticos do grupo A que reagem contra Ag
cabra. Ehrlich concluiu no artigo original em alemão presentes nas válvulas cardíacas (miosi-
que “o organismo tem mecanismos eficazes que
impedem que a reação imunitária, tão facilmente
na cardíaca) [49] e causam a cardite reu-
induzida por toda sorte de célula, de reagir com mática; os produzidos durante a infecção
constituintes do próprio organismo, dando lugar à pelo HTLV-1 contra a proteína viral HTLV-
aparição de auto-toxinas... somente quando esses
1-tax que reagem cruzadamente contra a
mecanismos de regulação interna não estão mais
intactos, pode haver (um) perigo. proteína ribonuclear nuclear heterogênea
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A1 (heterogeneous nuclear ribonuclear começaram a reagir com as hemácias a


protein-A1, hnRNP-A1) presente em neu- 37oC [61-63]. Do mesmo modo, não há
rônios causando a paraparesia espástica patologia associada com os auto-Ac diri-
tropical [50]; a resposta auto-imune, de- gidos contra a cardiolipina complexada
flagrada pela infecção pelo Trypanosoma com lecitina e colesterol, desenvolvidos
cruzi, em pacientes com a miocardiopatia durante infecções por Treponema spp
Chagásica [51]; ou aquela dirigida contra [64] e usado para o diagnóstico labora-
Ag compartilhados entre a Klebsiella torial (VDRL) da sífilis.
pneumoniae e o hospedeiro, que pode- Cabe lembrar que produzimos, per-
ria participar da gênese da espondilite manentemente, e antes mesmo de entrar-
anquilosante no homem [52]. Outras mos em contato com qualquer Ag externo,
doenças auto-imunes cuja gênese pode uma população de autoAc, ditos naturais.
estar ligada a uma reatividade cruzada A função desses autoAc ainda não está
entre, Ag microbianos e auto-Ag, incluem definitivamente estabelecida, embora
diabetes melitus tipo 1 [53], esclerose alguns considerem que ajam como uma
múltipla [54], síndrome de Guillain-Barré primeira barreira de resposta anti-micro-
[55], polineuropatia desmielinizante in- biana, graças justamente à sua grande
flamatória crônica [56], artrite da doença capacidade de reação cruzada com Ag
de Lyme [57], espondiloartropatias [58], externos [65]. Do mesmo modo, a fisio-
síndrome poliglandular auto-imune [58], logia dos processos de amadurecimento
cirrose biliar primária [59]. A lista é, no- e diferenciação linfocitárias inclui um me-
vamente, grande. canismo (dito de seleção positiva) no qual
Há também casos em que produzi- justamente serão consideradas aptas a
mos auto-Ac não (ou pouco) patogênicos integrar o repertório de células maduras
durante infecções. Um exemplo famoso e diferenciadas aquelas que reagirem
é a produção de hemaglutininas frias com auto-Ag no nível do timo. Embora tais
durante a infecção por Mycoplasma exemplos ilustrem a normalidade fisioló-
pneumoniae [60]. Pacientes com essa gica de vários tipos de autoreatividade,
condição podem desenvolver Ac da classe sabemos que as respostas auto-imunes
IgM contra um Ag presente na superfície se mantém controladas como resultado
das hemácias denominado Ag I. Esses da integridade de eficientes mecanismos
Ac se ligam às células vermelhas do de tolerância e regulação da resposta
sangue e causam sua aglutinação quando imuneIX [66]. Assim, a maior parte das
a 4oC e, por isso, são denominadas he-
maglutininas frias. Elas se desenvolvem IX Uma infecção pode desencadear o desenvolvimento
simultâneo de múltiplos autoAc, que podem ou
entre a primeira e a segunda semana de
não derivar do fenômeno de compartilhamento
infecção, têm seu pico de produção com antigênico. Pode-se ilustrar tal eventualidade
três semanas e declinam lentamente com um exemplo “da casa”. A infecção malárica
depois de alguns meses. Apesar de ser- se acompanha da produção de Ac contra uma
enorme gama de auto-Ag como DNA, fosfolipídios,
virem para o diagnóstico de infecção por ribonucleoproteínas, músculo liso, cardiolipina e
Mycoplasma, apenas raramente esses Ag eritrocitários e linfocitários [66]. O padrão de
Ac causam patologia (hemólise) durante produção desses Ac parece variar de acordo com
a infecção e, quando isso ocorre, é por- o grau de imunidade à infecção e, embora alguns
deles tenham sido associados a complicações da
que, por alguma razão desconhecida, eles doença (como anemia, nefrite, trombocitopenia
72 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

respostas auto-imunes (auto-imunidade), não patogênicas) e o proteoma humano e


inclusive as geradas por exposição a Ag encontrou números semelhantes (89,8%
externos microbianos, só se acompanha a 93,3%) quando pentapeptídeos foram
raramente de patologia (doença auto- considerados. A percentagem de homo-
-imune). logia diminuiu para 28,8%-37,5% quando
Se a diversidade do repertório de Ag hexapeptídeos foram considerados, para
comuns entre microorganismos e seus 3%-4,9% no caso de heptapeptídeos e
hospedeiros for realmente grande, as para 0,4%-0,7% no caso de octapeptídeos
probabilidades de encontro de Ag exter- [41]. Se considerarmos que o comprimen-
nos parecidos com os nossos próprios to ótimo de um epítopo proteico linear
Ag (leia-se dotados de propriedades de de célula B é de cinco aminoácidos [68]
reação cruzada com auto-Ag) serão bas- (embora epítopos de até 16 aminoácidos
tante altas. de comprimento tenham sido relatados
Mas qual o tamanho da ameaça [69,70]) e que o número de pentapep-
potencial? Quantos Ag em média compar- tídeos possíveis de serem construídos
tilhamos com um microrganismo? Pode- utilizando-se os 20 aminoácidos que
mos ter uma idéia realista da resposta à ocorrem naturalmente no nosso mundo
essa pergunta comparando proteomas. é de 3.200.000 (esse número sobe
Como vimos, menos de 1% dos nossos para 6,55 x 1014 quando consideramos
genes são exclusivos da nossa espécie, 16 aminoácidos de extensão) somos
isso quando consideramos todos os induzidos à conclusão de que as altas
genes de todas as espécies conhecidas percentagens de homologia encontradas
até hoje [3]. Um trabalho interessante não são devidas ao acaso. Na realida-
dividiu o proteoma humano em pequenos de, o fato de um vírus ou uma bactéria
oligopeptídeos de cinco aminoácidos de possuir em torno de 90% de estruturas
comprimento (pentapeptídeos ou 5-mers) semelhantes às nossas nos mostra que
de um modo a que todos os peptídeos nosso sistema imune é bombardeado
possíveis que pudessem ser feitos com rotineiramente por um número enorme de
esse tamanho a partir do nosso proteo- Ag homólogos aos nossos apresentados
ma fossem representados. Os autores numa roupagem parasitária. Logicamente
adotaram, em seguida, o mesmo proce- esse tipo de abordagem não considera
dimento com proteomas de alguns vírus epitopos conformacionais ou os gerados
patogênicos e determinaram a quantida- por modificações pós-transcricionais e
de de peptídeos idênticos entre os dois nem indica um valor médio de homologia
proteomas. Observou-se que entre 89,3% entre os dois organismos levando em con-
e 93,5% dos peptídeos derivados dos ta todos os possíveis epitopos (de cinco
proteomas virais tinham um homólogo até 16 aminoácidos de comprimento).
perfeito no proteoma humano [67]. Um Na Tabela I, tentamos quantificar
outro trabalho do mesmo grupo utilizou a percentagem média de homologia do
essa metodologia para analisar quarenta proteoma de alguns organismos eucario-
bactérias diferentes (20 patogênicas e 20 tas patogênicos (com genoma comple-
tamente sequenciado) com o humano,
e malária cerebral), não há evidências concretas
utilizando o Procom e uma abordagem
de que alguns deles, como os Ac anti-DNA, sejam
patogênicos [66]. um pouco diferente. Calculamos a per-
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 73

centagem de proteínas homólogas em das mesmas seria alvo potencial de au-


relação ao número total de proteínas dos toimunidade. Essas estimativas não ba-
diversos organismos e esse valor está tem com o altíssimo número potencial de
representado como o primeiro número Ag que compartilhamos com organismos
entre parênteses em cada célula da patogênicos (cerca de 90% – 27.000
Tabela. Se levarmos em conta somente proteínas – de nossos constituintes),
os organismos patogênicos (em negrito), que poderiam induzir autoimunidade.
essa percentagem variou entre 14,37% Dois racionais, não exclusivos, poderiam
e 59,40% (com e-value de 10-10) e entre explicar tal contraste: i) os mecanismos
1,19% e 10,88% (com e-value de 10-100) de manutenção da tolerância são extre-
(Figura 1B). Por estarmos considerando mamente eficientes e só falhariam em
homologias entre peptídeos derivados raros casos; ii) o mecanismo de quebra
dos diversos proteomas de forma in- da tolerância imunológica através do
dependente do tamanho dos mesmos, fenômeno de compartilhamento de Ag
obtivemos números relativamente me- não é predominante nem suficiente para
nores que os obtidos pelas análises levar ao desenvolvimento de patologia
que comparam apenas pentapeptídeos. auto-imune na maior parte dos casos.
Contudo, nossos números ainda são Acreditamos que este fenômeno de
impressionantes já que, por exemplo compartilhamento antigênico seja apenas
alguns organismos apresentaram mais um dos mecanismos através dos quais o
de metade das suas proteínas como que chamamos de tolerância imune pode
homólogas às nossas. ser desregulada. Repertoriar os mecanis-
Esses dados têm implicações dire- mos envolvidos na manutenção da tole-
tas para a compreensão da contribuição rância a auto-Ag, mesmo quando estes
do fenômeno de compartilhamento de são expostos ao sistema imune na “pele”
Ag à adaptação evolutiva de parasi- de um microorganismo invasor, foge ao
tos no contexto da co-habitação com escopo e objetivos deste trabalho, mas
seus hospedeiros ou, ao contrário, ao hoje sabemos que estes são múltiplos,
desenvolvimento de auto-imunidade e, redundantes e que o contexto no qual
eventualmente, de doença auto-imune. O esses auto-Ag são (ou não) apresenta-
número total de Ag potencialmente auto- dos ao sistema imune é determinante
-imunes (estimados através do número e decorre da variabilidade genética dos
conhecido de especificidades de auto-Ac) hospedeiros.
está na casa das centenas baixas [71]. Por exemplo, para explicar a fase da
Ainda menor seria o número de doen- indução da cardite auto-imune pós-es-
ças auto-imunes conhecidas. Roitt [72] tretptocócica, dos Reis e Barcinski [74]
repertoria 31 principais, no capítulo de propuseram, em um trabalho profético no
Doenças auto-imunes do célebre e clás- início dos anos 80, que a apresentação
sico livro texto de imunologia, correspon- de Ag estreptocóccicos de reação cruzada
dendo uma dezena (ou menos) delas às com fibras cardíacas pelos macrófagos
mais comuns e conhecidas [73]. Assim, seria uma função controlada genetica-
considerando-se que o número total de mente. Segundo os autores, determi-
proteínas no proteoma humano gira em nantes antigênicos presentes em cepas
torno de 30.000, menos de um por cento de estreptococos ß hemolítico do grupo
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A que causam a febre reumática seriam auto-imunidade desencadeada pela ex-


selecionados por macrófagos através de posição do hospedeiro a Ag de reação
“genes de resposta imune” (que hoje se cruzada do estreptococo ß hemolítico
sabe corresponderem àqueles codantes tornar-se-ia uma resposta auto-imune
de Ag de classe II do Complexo principal patogênica, gerando doença (a febre
de histocompatibilidade, MHC em inglês), reumática acompanhada de cardite
para serem apresentados aos linfócitos T. pós-estreptocóccica) se, além da pre-
A reação cruzada entre os determinantes disposição genética (revelada pela
antigênicos selecionados geneticamente capacidade de macrófagos daquele
e componentes do tecido cardíaco geraria indivíduo selecionarem determinantes
clones de células-T auto-reativas. A hipó- antigênicos do estreptococo com pro-
tese explicava a capacidade de cepas priedade de reação cruzada com antíge-
diferentes do estreptococos de produzir nos do coração) ocorresse também um
a febre reumática, assim como a variabi- desequilíbrio da regulação da resposta
lidade de susceptibilidade de diferentes de células T.
indivíduos à doença. Pode-se supor, portanto, que a pos-
Assim, o risco à integridade dos sibilidade de coexistência de mais de
organismos e de suas homeostasias um fator de risco de desenvolvimento
dependeria mais das características ge- de resposta auto-imune justificaria a
néticas de alguns raros indivíduos que redundância de mecanismos protetores
tem, desafortunadamente, a “vocação” da tolerância aos auto-Ag na tentativa de
para apresentar esses Ag de reação cru- garantir a manutenção da integridade do
zada a células imunes efetoras gerando o organismo.
risco de indução de resposta auto-imune Um mecanismo de redundância se-
e mesmo de desenvolvimento de doença melhante opera para garantir o nosso
auto-imune. De fato, desde 1986 vários equilíbrio e envolve três componentes
trabalhos tem demonstrado a associação que operam simultânea e complemen-
de cardite reumática com alelos de classe tarmente: o cerebelo, o sistema coclear
II do MHC em afro-americanos (HLA-DR2), no ouvido interno e a visão. Em outras
em Cáucaso-americanos (HLA-DR4), em palavras: a propriocepção (capacidade de
brasileiros, egípcios, latvianos e turcos conhecer a posição do corpo no espaço,
(HLA-DR7) [75]. a função vestibular (capacidade de co-
Um outro componente da tolerância nhecer a posição da cabeça em relação
aos auto-Ag estaria representado pelo ao corpo) e a visão (que pode ser usada
conjunto de células e mecanismos re- para monitorar e ajustar as mudanças na
gulatórios da resposta imune. Assim, posição do corpo). Podemos funcionar
um organismo que, por alguma razão, bem com somente dois desses compo-
apresentasse um desequilíbrio (mo- nentes intactos. Assim, o famoso teste
mentâneo ou não) desses mecanismos de Romberg (um vídeo explicando como o
estaria fragilizado se fosse simultanea- teste de Romberg deve ser executado e o
mente exposto a Ag de reação cruzada que ele testa pode ser visto no seguinte
presentes na superfície de microrga- website http://www.neuroexam.com/
nismos. Isso foi previsto por dos Reis neuroexam/content.php?p=37) utilizado
e Barcinski [74] que supuseram que a no exame neurológico no qual se pede
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 75

ao indivíduo sob exame que tente se Agradecimentos


equilibrar em um pé só de olho fechado,
pode detectar algum problema cerebelar CTDR é Bolsista de Produtividade do
ou coclear visto que, nesse caso, com a CNPq e Cientista do Nosso Estado da
privação da visão, dois dos sistemas es- Faperj. Os autores agradecem aos Dou-
tarão “falhos” (o problemático, e a visão tores Marcello Barcinski e Luis Anastácio
retirada do sistema), o que resultará na Alves (IOC, Fiocruz) pela revisão crítica do
perda de equilíbrio e na positividade do manuscrito.
teste [76]X.
Organismos biológicos parecem se Referências
utilizar de estratégias de redundância
semelhantes para garantir que o sistema 1. de Miranda NF, Björkman A, Pan-
como um todo funcione satisfatoriamen- Hammarström Q. DNA repair: the link
te, mesmo que uma parte dele falhe por between primary immunodeficiency and
algum motivo. Isso faz com que, para que cancer. Ann N Y Acad Sci 2011;1246:50-63.
o sistema se desregule, mais de um fator 2. S i n g h R S , A r t i e r i C G . M a l e s e x
drive and the maintenance of sex:
de risco deva estar presente ao mesmo
evidence from Drosophila. J Hered
tempo (ou sequencialmente) de forma a
2010;101(Suppl1):S100-6.
inutilizar ou neutralizar mais de um dos
3. Lander ES, Linton LM, Birren B,
mecanismos redundantes protetores da Nusbaum C, Zody MC, Baldwin J and the
integridade em um determinado momen- International Human Genome Sequencing
to, gerando patologia. Consortium. Initial sequencing and
É provável que fenômeno comparável analysis of the human genome. Nature.
opere para garantir a tolerância a auto-Ag 2001;409(6822):860-921. Erratum in:
ou permitir o desenvolvimento de doenças Nature 2001;412(6846):565. Nature
auto-imunes. Assim entrar em contato 2001;411(6838):720.
com Ag homólogos apresentados com 4. Waterston RH, Lindblad-Toh K, Birney
uma roupagem parasitária seria apenas E, Rogers J, Abril JF, Agarwal P and the
um dos fatores potencialmente interve- Mouse Genome Sequencing Consortium.
Initial sequencing and comparative
nientes no desenvolvimento de resposta
analysis of the mouse genome. Nature
auto-imune e não seria, em princípio,
2002;420(6915):520-62.
evento suficiente para determinar a
5. Glazko G, Veeramachaneni V, Nei M,
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a microrganismos com Ag de reação 6. Chimpanzee Sequencing and Analysis
cruzada são diminutas em presença de Consortium. Initial sequence of the
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Revisão

Neurociência, a ciência do sistema


nervoso: da descoberta do impulso
nervoso ao estudo da consciência e a
uma nova revolução tecnológica
Neuroscience, the science of the nervous system:
from the discovery of the nerve impulse to the study of
consciousness and to a new technological revolution
Luiz Carlos de Lima Silveira*, Manoel da Silva Filho**, José Luiz Martins do Nascimento**

Resumo
Este capítulo revê alguns aspectos fundamentais do conhecimento atual sobre como o Sistema Nervoso
está organizado e funciona. A revisão tem como ponto de partida a singularidade do nosso presente con-
hecimento sobre o Universo, a Vida e a Consciência. Em seguida, a organização morfológica e funcional do
Sistema Nervoso é apresentada em grandes pinceladas sobre suas funções, sua macroestrutura e seus
componentes celulares. Como em qualquer sistema, os mecanismos pelo qual a informação é obtida,
trafega entre suas partes e é enviada para o meio exterior ao sistema, constituem uma parte fundamental
da compreensão do seu funcionamento. No Sistema Nervoso a comunicação entre os neurônios e entre

*Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, Instituto de Ciências Biológi-
cas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil, **Instituto de Ciências Biológicas, Universi-
dade Federal do Pará, Belém/PA, Brasil - Este artigo foi escrito a partir das conferências intituladas
“Consciência, visão e sensibilidade ao contraste” e Hipótese do Centro Dinâmico: a Hipótese de
Edelman para o substrato neural da consciência”, ministradas por Luiz Carlos de Lima Silveira, respec-
tivamente, na I e II Jornadas Fluminenses de Cognição Imune e Neural

Correspondência: Dr. Luiz Carlos de Lima Silveira, Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina
Tropical, Av. Generalíssimo Deodoro 92 Umarizal 66055-240 Belém PA, Tel: (91) 3201-6819, E-mail:
luiz@ufpa.br ou luizcarlos.silveira@pq.cnpq.br
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 81

eles e as células associadas ocorre mais frequentemente através de mensageiros químicos. A informação
neural pode também ser codificada e enviada a longas distâncias através de fibras nervosas utilizando um
processo eletroquímico – o chamado impulso nervoso.

Palavras-chave: sistema nervoso, impulso nervoso, comunicação intercelular, neurotransmissão, consci-


ência, neurociência.

Abstract
This paper reviews some fundamental aspects of what is currently known about the Nervous System, how
it is organized, and how it works. The starting point is the singularity of our current knowledge on three key
issues – the Universe, the Life, and the Consciousness. Then, the morphological and functional organiza-
tion of the Nervous System is presented in a large overview, encompassing its functions, macrostructure,
and cell components. As in any other system, it is crucial for the understanding how the system works, to
study how information from outside is obtained, processed, and then used to act on the external world. In
the Nervous System, communication between neurons and between neurons and associated cells more
often occurs by mediation of chemical messengers. In addition, neural information may be also coded
and sent to long distances by nerve fibers by using an electrochemical process called the nerve impulse.

Key-words: nervous system, nerve impulse, intercellular communication, neurotransmission, conscious-


ness, neuroscience.

Reflexão inicial série de funções do nosso corpo que se


desenrolam sem tomarmos conhecimento
A Neurociência é um ramo relativa- de sua existência, como o controle neural
mente novo do conhecimento, cujo ponto da pressão arterial, do nível de oxigênio
de partida pode ser tomado como o da na corrente sanguínea e da osmolaridade
fundação, nos EUA, da Society for Neuros- plasmática. Dessa grande variedade de
cience (1969). Entretanto, o seu objeto aspectos do Sistema Nervoso, nenhum
de estudo, o Sistema Nervoso, vem sen- nos fascina mais que a Consciência, a
do investigado há alguns séculos com o própria noção do eu, a constatação da
uso de uma extraordinária multiplicidade própria existência que cada ser humano
de ferramentas. Ramos da ciência como traz consigo, a qual indubitavelmente
Neurologia, Psiquiatria, Psicologia, Lin- reside no funcionamento dos neurônios
guística, Neuroanatomia, Neurofisiologia, de certas regiões encefálicas em determi-
Neurofarmacologia, Neuroquímica, entre nadas condições que resultam na vigília e
outros, têm olhado o Sistema Nervoso no sonho. A Consciência é uma das três
sob os mais diferentes ângulos e com entidades fundamentais que ocupam as
uma grande variedade de métodos de in- questões levantadas pela ciência atual
vestigação. No Sistema Nervoso residem e, como veremos abaixo, é possível que
os mecanismos de funções essenciais o estudo de todos os outros aspectos
da experiência humana, como visão, da natureza derive do estudo dessas
audição, somestesia, fala, motricidade, entidades.
percepção, emoção e motivação, assim Como em todas as questões abor-
como os processos de controle de uma dadas pela ciência, o estudo da Cons-
82 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

ciência exige o desenvolvimento de um elétricos [9,10], magnéticos [11], no


framework conceitual e experimental, emprego de raios X [12], de ressonância
sem o qual se torna muito difícil testar magnética nuclear [13,14] e de emissão
hipóteses, analisar resultados e propor de pósitrons [15], entre outros. A quanti-
novas perguntas dentro dos rigores do dade de informação obtida pelo emprego
método científico. Esse framework pode dessas técnicas é vastíssima, mas não
ser encontrado nos trabalhos de Gerald tornou mais próxima a realização do
Maurice Edelman (1929-), médico, imu- experimento hipotético de “registrar a
nologista e neurocientista americano, Consciência de um indivíduo”. Esse in-
nascido em New York (1929), detentor do sucesso pode ser atribuído à resolução
Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina espacial ou à resolução temporal desses
(1972), juntamente com o bioquímico e métodos, mas também à falta de colocar
imunologista inglês Rodney Robert Porter a pergunta experimental dentro de uma
(1917-), por seus trabalhos sobre a estru- base conceitual adequada. Também é
tura e a diversidade dos anticorpos, com inteiramente possível, mudando esta
contribuições importantes sobre as inte- argumentação para um enfoque mais
rações entre células que levaram à des- pessimista, que o estudo adequado da
coberta das moléculas de adesão celular Consciência esteja à espera de uma
(CAMs) [1]. Edelman propôs uma teoria grande revolução no conhecimento
original, biológica, sobre a Consciência, a científico como ocorreu com a própria
qual procura associar determinados tipos Eletrofisiologia, a qual não poderia existir
de processos neurais às propriedades antes da descoberta da eletricidade, ou
chaves da experiência consciente [2-5]. como ocorreu com a Astrofísica Estelar,
A existência de uma plataforma de impossível de avançar sem a descoberta
trabalho como a proposta por Edelman da fusão nuclear. São dois exemplos
permite abordar um problema técnico da evolução do conhecimento que ilus-
crucial, que aflige todos os que traba- tram como muitas vezes é impossível,
lham em Neurociência, qual seja como num dado momento histórico, formular
tornar possível registrar, medir, aferir perguntas para serem respondidas de
objetivamente processos que aconte- forma experimental ou teórica sobre um
cem dentro do cérebro, entre eles e, dado problema científico sem que os
sobretudo, os processos subjacentes à fundamentos físicos subjacentes a esse
experiência consciente. Desde o advento problema sejam minimamente conheci-
da Eletrofisiologia, quando os primeiros dos. Pode ser esse o momento atual do
experimentos usando essa técnica foram estudo da Consciência.
feitos pelo médico e físico italiano Luigi As três grandes questões mencio-
Aloisio Galvani (1737-1798), no Século nadas acima e que de certa forma com-
XVIII [6-8], diversos tipos de registro da preendem o conjunto do que se indaga
atividade elétrica neural tanto periférica sobre ciência são as seguintes. O que é
como central têm sido usados para explo- o Universo? O que é a Vida? O que é a
rar o funcionamento do Sistema Nervoso, Consciência? Todas as investigações que
aos quais se juntaram recentemente mé- são realizadas pelos milhares de cientis-
todos complexos computadorizados de tas naturais de uma forma ou de outra
neuroimagem baseados em fenômenos acabam desembocando nessas três
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 83

questões. No centro desses trabalhos (H. sapiens neaderthalensis), do mesmo


estão o homem, os seres vivos e todas gênero (H. heidelbergensis, H. erectus, H.
as coisas existentes, em círculos cada ergaster, H. habilis) e de gêneros diferen-
vez maiores que compreendem o anterior. tes (Paranthropus aethiopicus; P. boisei;
P. robustus; Australopithecus sediba, A.
A Consciência garrhi, A. africanus, A. bahrelghazali, A.
afarensis, A. anamensis; Ardipithecus
A terceira grande questão pode ser ramidus, A. kadaba; e, provavelmente,
a de maior interesse, pois diz respeito muitos outros a serem descobertos), de
intimamente à natureza do ser humano: tal forma que a partir do que sabemos da
“o que é a Consciência, quando e como estrutura e função do Sistema Nervoso
ela surgiu na linhagem que levou ao ser em primatas, é quase certo que pelo
humano?” [16-18]. E, além disso, ela vem menos as espécies mais próximas do
com questões subsidiárias altamente Homem, todas já extintas, possuíssem
relevantes, tais como “outros animais processos mentais muito semelhantes
são dotados de Consciência?” [16-18], aos que ocorrem no cérebro humano,
“máquinas construídas pelo homem po- inclusive aquilo que chamamos Cons-
dem ser conscientes?”, “a Consciência é ciência. Em segundo lugar, a questão
uma consequência frequente da evolução da presença de Consciência em outros
dos seres vivos?”, “existirão seres cons- primatas, outros mamíferos e até mesmo
cientes noutros planetas?”, “poderemos aves e outros animais, quando pergun-
desenvolver métodos de registro de tal tada dentro do framework montado por
forma a preservar um estado consciente, Edelman e seus colegas, é respondida
tanto para estudá-lo objetivamente como afirmativamente [16-19]. Assim, pode ser
para reproduzi-lo?” que pelo menos a Neurociência possa
Se as duas primeiras grandes ques- prosseguir a investigação da sua questão
tões mencionadas no início desse capítu- maior com mais de um ponto no gráfico,
lo levam à Astrofísica e à Biologia, respec- diferentemente do que acontece com a
tivamente, a terceira leva à Neurociência. Biologia e a Astrofísica...
O problema enfrentado em cada uma A pergunta da ordem do dia é se há
dessas grandes áreas do conhecimento alguma maneira de registrar a atividade
assemelha-se num aspecto: nas três consciente, ou seja, usar algum tipo de
situações, pelo menos por enquanto, é neuroimageamento cuja análise revele
necessário tirar conclusões a partir de um exatamente o que um ser humano esteja
único experimento – um único Universo; pensando. Apesar de existirem muitas
um único planeta com Vida – a Terra; um formas de registrar a atividade dos neu-
único ser vivo dotado de Consciência – o rônios cerebrais (como listado no início
Homem. Entretanto, no caso da Cosn- deste capítulo), nenhuma delas ainda é
ciência, existe mais de uma razão para capaz de fornecer essa informação, e o
supor que isso possa não ser o caso. Em assunto ainda é do domínio da Ficção
primeiro lugar, o Homo sapiens sapiens Científica (Figura 1). Entretanto, os mé-
foi precedido por muitos parentes próxi- todos existentes de registro da atividade
mos, os primatas da subtribo Hominina, neural permitem estabelecer uma série
fossem membros da sua própria espécie de correlações entre o efeito da estimu-
84 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

lação sensorial como, por exemplo, a ga para a experiência consciente (como


estimulação visual, e atividade neuronal, ler um texto ao mesmo tempo em que o
assim como a atividade neuronal que datilografa e ouve uma música de fundo)
precede a execução de um determinado [2,19]. Também não é possível tomar
movimento, inclusive os movimentos que mais de uma decisão conscientemente
levam à fala. Esses métodos têm sido dentro do chamado periodo refratário
usados por Edelman e colegas para es- psicológico, aproximadamente o tempo
tudar os processos neurais que, segundo que dura um estado da Consciência como
eles, formam a base neurofisiológica da descrito acima, cujas bases corticais têm
Consciência [2,3]. sido objetos de estudos com imageamen-
Edelman e colegas seguiram as to por ressonância magnética nuclear fun-
idéias do médico, psicólogo e filósofo cional [2,19,24,25]. Outros fenômenos
americano William James (1842-1910), que também podem ser interpretados
segundo o qual a Consciência é um pro- como decorrentes do caráter indivisível
cesso, um fluxo que muda numa escala da Consciência são a biestabilidade de
temporal de fração de segundo, tendo figuras ambíguas e a rivalidade perceptiva
como uma das suas principais caracte- (“perceptual rivalry”), esta última usada
rísticas o fato de ser unificada ou inte- por Edelman e colegas para explorar os
grada e, por conseguinte, também não mecanismos da Consciência em uma
poder ser completamente compartilhada série de experimentos usando imagea-
entre dois indivíduos [2,19]. Em outras mento cortical por magnetoencefalografia
palavras, a experiência consciente é feita [2,19,26].
de sucessivas unidades, cada uma dela Ainda segundo a teoria de Edelman
durando aproximadamente 200 ms, não e colegas, a segunda propriedade funda-
havendo mais do que uma única “cena” mental da Consciência é a sua grande
em cada estado da consciência, que não diferenciação ou complexidade [2,19].
é passível de decomposição, de tal forma Essa propriedade está relacionada ao
que o ser humano não experimenta dois grande número de estados conscientes
pensamentos ao mesmo tempo. Várias possíveis quando um deles é escolhido
observações experimentais corroboram como o próximo dentro da sequência que
essa descrição. Por exemplo, pacientes constitui nossa experiência consciente
que foram submetidos ao seccionamento diária. Esse número é, verdadeiramente,
do corpo caloso são capazes de resolver gigantesco e a escolha é feita dentro de
simultaneamente dois problemas espa- uma fração de segundo, por exemplo,
ciais visuais quando cada um deles é quando um indivíduo discrimina uma cena
apresentado a um dos hemisférios cere- dentre um número muito grande delas
brais, enquanto um indivíduo normal, com [27]. As implicações da grande comple-
o corpo caloso intacto, combina esses xidade do fenômeno consciente levam
problemas numa única grande questão ao seu tratamento usando ferramentas
muito mais difícil de resolver [2,19,20]. da Teoria da Informação [28]. Dentro de
Além disso, um indivíduo não é capaz de um processo, a diferenciação entre certo
fazer várias tarefas simultaneamente, a número de possibilidades implica em
menos que uma delas seja altamente au- ganho de informação ou diminuição de
tomática e não represente uma sobrecar- incerteza ou entropia [28]. Por exemplo,
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 85

Figura 1 - Los Angeles, Dezembro, 1999. Lenny Nero (Ralph Fiennes), um ex detetive
policial que se tornou um ambulante, negocia com sonhos, especificamente com regis-
tros “Squid” de experiências feitos diretamente do córtex cerebral e reproduzidos num
aparelho semelhante a um reprodutor de DVD. Esse equipamento permite que o usu-
ário experimente todas as sensações vividas pelo sujeito em que o registro foi feito.”
“Strange Days” é o título dessa película de Ficção Científica, lançada em 1995, dirigi-
da por Kathryn Bigelow e produzida e co-escrita pelo seu ex-marido James Cameron.
Estrelam Ralph Fiennes (A), Angela Bassett, Juliette Lewis (B), Tom Sizemore, Michael
Wincott, Vincent D’Onofrio e Louise LeCavalier [56]. A película é notável pela sua visão
“distópica” do futuro e a moral ambígua da maioria dos seus personagens, levando
muitos críticos a considerarem-na como um exemplo moderno de “film noir”. Os traba-
lhos realizados por alguns grupos de pesquisa no exterior, inclusive o coordenado pelo
neurocientista brasileiro Miguel Ângelo Laporta Nicolelis (1961-) um dia permitirão que
esse tema clássico da Ficção Científica entre para a realidade da Ciência: o registo e
reprodução da experiência cerebral humana [57,58]. Fontes das ilustrações: [59,60].
Todos os direitos reservados.

A B

quando uma moeda de faces idênticas de um pensamento ao próximo, a esco-


(ambas coroas) é jogada para o alto, lha é feita entre bilhões de possibilidade
sabe-se de antemão que ela cairá com e o ganho de informação é enorme, na
coroa voltada para o observador e o ganho métrica acima valor muito próximo de um,
de informação é igual a zero; no caso de o valor máximo, e a entropia é diminuída
uma moeda comum, ela poderá cair com para valores muito pequenos, próximos
coroa ou cara voltada para o observador de zero. A abordagem dessa proprieda-
e o ganho de informação é igual a 0,5; de da Consciência pode ser usada para
no caso de um dado, ele pode cair com responder a questões aparentemente
uma dentre seis faces voltada para cima difíceis tais como se um computador
e o ganho de informação é de aproximada- digital pode ser consciente: neste caso a
mente 0,83; e assim por diante. Usando o resposta é não. O ganho de informação,
mesmo procedimento, quando passamos além disso, leva rapidamente a diferentes
86 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

consequências em termos de percepção, timativa de complexidade usando Teoria


motivação ou ação, uma característica de Informação, eles foram capazes de
dos animais, especialmente dos mais acrescentar comprovação experimental
complexos. à hipótese proposta [2,3].
O passo seguinte e crucial para es- Neste ponto é importante que certos
tabelecer uma ligação entre o processo aspectos gerais da estrutura e função
que representa a Consciência, tal como do Sistema Nervoso sejam descritos,
descrito acima pelas suas propriedades uma vez que é na complexa forma como
fundamentais, e a realidade fisiológica as células neurais se comunicam que
do funcionamento do Sistema Nervoso residem os processos subjacentes à
reside, então, na procura dos fenômenos Consciência, seja como proposto acima,
neurofisiológicos que possam explicar a seja obedecendo a outras hipóteses já
integração e diferenciação observada na formuladas ou que o venham a ser.
atividade consciente. Edelman e colegas
propuseram a chamada Dynamic Core O Sistema Nervoso como um
Hypothesis para descrever essa ligação sistema
[2,19]. Diferentemente de William James
que achava a Consciência um processo Há diversos planos didáticos em que
que ocorria em todo o cérebro, Edelman e o estudo do Sistema Nervoso pode ser
colegas, baseado no conhecimento mais decomposto, incluindo o mapeamento de
detalhado do funcionamento cerebral dis- suas divisões anatômicas e dos nervos
ponível na atualidade, atribuem esse pa- e tratos que ligam essas divisões, a ca-
pel à mudança na frequência de disparo racterização dos elementos celulares que
de impulsos nervosos de neurônios situa- constituem essas divisões e as vias que
dos em determinadas regiões do cérebro. as conectam, os processos bioquímicos
Os neurônios que contribuiriam para a e farmacológicos que estão na raiz da
experiência consciente são aqueles que comunicação química entre as células
fazem parte de grupos funcionais que se do Sistema Nervoso e os fenômenos
tornam altamente integrados em cerca eletroquímicos responsáveis pelo impulso
de 200 ms, a escala temporal do período nervoso e a liberação de certas substân-
refratário psicológico, e que exibem alto cias químicas pelas células do Sistema
grau de diferenciação estimado pela sua Nervoso. O estudo do Sistema Nervoso
complexidade, o qual se manifesta pela conduzido dessa maneira organiza o pal-
mudança constante no seu padrão de co onde as grandes funções neurais como
atividade e de conectividade. O dynamic a Consciência, a Percepção, a Motivação,
core incluiria regiões córtico-talâmicas a Emoção, o Raciocínio, a Lembrança ou
posteriores envolvidas na categorização o Planejamento possam ser compreendi-
perceptual interagindo de forma reen- das, seja hoje ou amanhã, à medida que
trante com regiões anteriores envolvidas o conhecimento avança.
na formação de conceitos, memória Do ponto de vista anatômico, o Siste-
relacionada a valores e planejamento ma Nervoso pode ser dividido em sistema
[2,19]. Utilizando paradigmas psicofísicos nervoso central e periférico. O sistema
de rivalidade perceptual, neuroimagea- nervoso central compreende o tecido
mento por magnetoencefalografia e es- nervoso alojado na caixa craniana e no
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canal vertebral, sendo exceção as retinas todos protegidamente situados na caixa


e as porções extracranianas dos nervos craniana, e a medula espinhal, dentro do
ópticos que, apesar de fazerem parte do canal vertebral (Figura 2). O sistema ner-
sistema nervoso central, originando-se do voso periférico compreende a maior parte
diencéfalo, terminam por ocupar ao longo do tecido nervoso situado fora do crânio
do desenvolvimento uma localização fora e do canal vertebral, incluindo conjuntos
da caixa craniana. As grandes divisões do neuronais situados nos gânglios nervosos
Sistema Nervoso central compreendem e os ramos nervosos que se originam dos
o cérebro, o tronco cerebral, o cerebelo, nervos cranianos e raquidianos.

Figura 2 - A. O sistema nervoso central está bem protegido contra pequenos traumas
por sua localização dentro da caixa craniana e do canal vertebral. As únicas porções do
sistema nervoso central localizadas fora dessa proteção são as retinas, as quais são
partes de uma região do cérebro chamada diencéfalo e que durante o desenvolvimen-
to ocupam localização fora do crânio para formar a túnica interna do globo ocular. B.
Grandes divisões do sistema nervoso central: 1) hemisférios cerebrais, compreendendo
o córtex cerebral e os núcleos cinzentos da base do cérebro; 2) diencéfalo, compre-
endendo tálamo, hipotálamo e outros núcleos menores; 3) mesencéfalo; 4) ponte;
5) cerebelo compreendendo o córtex cerebelar e os núcleos cinzentos profundos do
cerebelo; 6) bulbo raquidiano; 7) medula espinhal. O mesencéfalo, a ponte e o bulbo
raquidiano constituem o tronco cerebral. Fonte da ilustração: [61]. Copyright © 1996,
Appleton & Lange. Todos os direitos reservados.

O Sistema Nervoso pode ser estu- que precisam ser definidos e aplicados
dado do ponto de vista da Análise de à entidade que está sendo estudada,
Sistemas, um ramo da Engenharia, Ma- são sinal e sistema. Um sinal é uma
temática e Teoria da Informação. Nessa quantidade física mensurável que varia
ciência, os elementos fundamentais no espaço, no tempo ou noutro domínio,
88 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

sendo representado por uma função de do meio externo ou do meio interno chega
uma variável dependente em relação às pelo sistema sensorial; os sistemas sen-
variáveis independentes que representam sorial, intrínseco e cognitivo influenciam
o domínio de interesse [29]. Um sistema o sistema motor; e a saída deste é a
é um conjunto de relações causas-efeitos via final comum para o comportamento
entre dois ou mais sinais – os sinais iden- do indivíduo. O sistema sensorial pode
tificados como causas são chamados de influenciar diretamente o sistema motor
inputs ou excitações enquanto os sinais e gerar respostas reflexas, as influências
identificados como efeitos são chamados exercidas pelo sistema cognitivo sobre o
outputs ou respostas [29]. Uma forma sistema nervoso são importantes para
comum de representar um sistema é um gerar respostas voluntárias enquanto as
diagrama em blocos, um fluxograma que influências exercidas pelo sistema intrín-
sistematiza a maneira como a informação seco atuam como sinais de controle para
trafega e é modificada num determinado regular o estado comportamental. Além
sistema, como os sinais entram num disso, o fluxograma mostra a retroali-
determinado sistema e originam sinais mentação exercida pelo comportamento
de saída nesse sistema [29]. sobre o Sistema Nervoso, através de
O Sistema Nervoso pode ser es- entradas convenientemente acessíveis
quematicamente representado por um do sistema sensorial, de tal forma que
fluxograma onde os seus componentes essa retroalimentação pode ser usada
fisiológicos fundamentais podem ser visu- pelo sistema cognitivo para a percepção
alizados em ação. O fluxograma de Larry e pelo sistema intrínseco para atribuir
W. Swanson (Figura 3) consiste numa afeto (prazer, dor). O fluxograma tam-
síntese baseada nos conceitos neurofi- bém mostra a mútua influência entre
siológicos desenvolvidos pelo neurofisio- os quatro sistemas neurais. A partir de
logista e histologista espanhol Santiago um fluxograma como esse é possível
Ramón y Cajal (1852-1934, laureado desenhar-se um plano coerente para o
com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Me- estudo da fisiologia do Sistema Nervo-
dicina de 1906) e pelo neurofisiologista, so, descrevendo a função desses seus
histologista, bacteriologista e patologis- quatro componentes principais e de suas
ta inglês Sir Charles Scott Sherrington divisões funcionais, e relacionando, na
(1857-1952, laureado com o Prêmio No- medida do conhecimento atual, forma e
bel de Fisiologia ou Medicina de 1932), função, ou seja, que funções dependem
assim como nos conceitos cibernéticos de que estruturas neurais.
do matemático americano Norbert Wiener Cada um dos sistemas mencionados
(1894-1964) e do matemático húngaro acima está organizado em arquiteturas
János von Neumann (1903-1957) [30]. diferenciadas, entre elas a arquitetura
Esse fluxograma procura captar a essên- paralela de processamento de informação
cia de como a informação chega, trafega e a organização hierárquica dos níveis de
e sai do Sistema Nervoso. Ele também controle.
procura explicitar que existem partes es- O processamento paralelo consiste
senciais, especializadas, para diversos no uso de circuitos de neurônios sintoni-
subconjuntos de funções que ocorrem no zados para diferentes domínios ou para
Sistema Nervoso: a informação provinda diferentes regiões de um mesmo domínio,
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 89

transmitindo informação diferenciada espacial e precisão temporal: receptores


de um nível para outro do sistema; os de Merckel, superficiais, boa precisão
diversos tipos de informação transmitida espacial, pobre precisão temporal; re-
por esses circuitos são combinados de ceptores de Meissner, superficiais, pobre
acordo com as necessidades comporta- precisão espacial, boa precisão temporal;
mentais para tornar mais eficiente o de- receptores de Ruffini, profundos, boa pre-
sempenho do organismo. A consequência cisão espacial, pobre precisão temporal;
disso é que numa determinada via senso- receptores de Paccini, profundos, pobre
rial, por exemplo, existem fibras nervosas precisão espacial, boa precisão temporal
transmitindo informações diferentes e, (Figura 4). Os comandos motores dirigidos
muitas vezes, complementares, sobre aos músculos são levados por axônios de
uma classe de estímulos sensoriais. A três classes distintas de motoneurônios
estimulação mecânica da palma da mão, alfa que se conectam respectivamente
por exemplo, é transmitida por pelo me- a três classes de fibras musculares es-
nos quatro classes de fibras nervosas triadas esqueléticas que se distinguem
conectadas a receptores sensoriais dife- pela intensidade da contração, rapidez
renciados quanto à localização, precisão de contração e susceptibilidade à fadiga.

Figura 3 - O Sistema Nervoso pode ser tratado com as ferramentas da Análise de Sis-
temas e representado por fluxogramas. Neles o fluxo de informação pode ser seguido
através de seus principais passos com maior ou menor detalhamento. No fluxograma
abaixo, o comportamento (B) é determinado pelo sistema motor (M), o qual é influen-
ciado pela informação provinda do sistema sensorial (S), pela informação oriunda do
estado comportamental intrínseco do indivíduo (I) e pela informação cognitiva (C). A
informação sensorial leva diretamente às respostas reflexas (r), a informação cognitiva
produz respostas voluntárias (v) e a informação intrínseca atua como sinal de controle
para regular o estado comportamental (c). A saída do sistema motor (1) produz o com-
portamento cujas consequências são monitoradas pelo retroalimentação sensorial (2).
Esta pode ser usada pelo sistema cognitivo para a percepção e pelo sistema intrínseco
para gerar afeto. Fonte da ilustração: [30]. Copyright © 2008, Elsevier Science. Todos
os direitos reservados.
90 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Figura 4 - Os sistemas sensoriais são portas importantes pelas quais a informação pro-
vinda do meio externo chega ao Sistema Nervoso. No ser humano, o sistema sensorial
somático é um dos mais importantes. Seus receptores estão distribuídos na pele, nos
tecidos profundos e nas vísceras. A informação provinda da pele chega à Consciência
enriquecendo-a com os detalhes de como os vários estímulos estão atuando na superfí-
cie do corpo. A. Mapas de campos receptivos das quatro classes de mecanorreceptores
especializados encontrados na pele glabra humana: corpúsculos de Meissner (RA); cé-
lulas de Merckel (SAI); corpúsculos de Paccini (PC); corpúsculos de Ruffini (SAII). Meis-
sner e Merckel são receptores superficiais, com campos receptivos pequenos, enquanto
Paccini e Ruffini são receptores profundos, com campos receptivos grandes. B. Resposta
de fibras nervosas periféricas a um padrão de pontos da escrita Braille deslocado sobre a
superfície da ponta do dedo humano a uma velocidade de 60 mm/s, na direção indicada
pela seta, com mudança de 200 µm na sua posição a cada passagem. Cada potencial
de ação disparado pela fibra nervosa é representado por um ponto nos gráficos. Somen-
te as fibras nervosas associadas às células de Merckel (SAI) seguem de forma fiel o pa-
drão Braille, uma vez que possuem os menores campos receptivos e sua janela temporal
de amostragem é relativamente grande, permitindo uma resposta sustentada à estimu-
lação. As respostas das fibras nervosas associadas aos corpúsculos de Meissner (RA) e
corpúsculos de Paccini (PC), por não terem essas características, distorcem a informação
presente no estímulo. As fibras nervosas associadas aos corpúsculos de Ruffini (SAII)
pouco respondem a esse tipo estímulo. Fonte da ilustração: [62]. Copyright © 2003,
Elsevier Science. Todos os direitos reservados.

B
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 91

Além disso, os sistemas neurais é possível prosseguir sem os detalhes


estão organizados em diversos níveis de do que constitui o tecido nervoso, suas
processamento interconectados por vias células e como essas células se comu-
dirigidas centralmente (ascendentes) ou nicam (Figura 5).
perifericamente (descendentes). Assim
por exemplo, o sistema visual possui três Figura 5 - O tecido nervoso é formado
níveis hierárquicos na retina, seguido de pelos neurônios, responsáveis pelas
um nível mais central no tálamo, pelo funções de armazenamento e transmis-
menos dois na área visual primária do são de informação necessária à percep-
córtex cerebral e assim sucessivamente. ção sensorial e ação motora, e diversos
A organização hierárquica preconiza que outros tipos celulares com função de
cada nível está sob o comando de níveis nutrição e defesa. O tecido nervoso
superiores progressivamente mais abran- adota vários aspectos estruturais nas
gentes. Esse tipo de organização implica diversas partes do sistema nervoso peri-
num progressivo aumento dos graus de férico ou central. A fotomicrografia acima
liberdade dentro de um domínio determi- ilustra uma região periférica da retina do
nado dos níveis hierárquicos progressiva- macaco reso corada com uma variante
mente superiores, os quais são capazes do método de Gros-Schultze [63]. Esse
de comandar funções progressivamente método utiliza a alta afinidade de metais
mais complexas. pesados, no caso a prata, pelo tecido
nervoso. Silveira e Perry aperfeiçoaram o
O Sistema Nervoso feito de células método para corar uma classe de célu-
las ganglionares da retina de primatas,
O estudo do Sistema Nervoso como as células M, responsáveis pela visão
sistema, visualizando-se seus centros em baixos níveis de contraste [64]. Na
e vias como grandes blocos de um fotomicrografia os corpos celulares das
fluxograma por onde “flui um software células M aparecem como contornos
escrito em linguagem do mais alto nível elípticos marrons e os seus axônios
computacional” permite, outrossim, dis- como feixes da mesma coloração contra
secar ordenamente as entranhas do seu um fundo amarelado de células que se
hardware. Tanto num nível como noutro, coram menos intensamente. Escala =
software e hardware, muito ainda há que 100 µm.
descobrir, categorizar e associar com as
funções neurais de ordem superior que
se sabe, pela introspecção, ocorrerem no
organismo humano na dependência das
ações do Sistema Nervoso. É possível
que quando tudo for conhecido, os deta-
lhes do hardware tornem-se irrelevantes,
tal como num computador digital de hoje
em dia. Contudo, até que seja gerado
laboriosamente o conhecimento de como
   
essas funções neurais superiores estão
implementadas no tecido nervoso, não
92 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

A descrição de uma célula é tarefa to, que todos os fenômenos biológicos


que muda a cada momento, já que a são oriundos da ação de apenas duas
Citologia é área da ciência em desen- das quatro interações fundamentais da
volvimento extremamente acelerado nos natureza. Esses fenômenos podem ser
dias atuais. Por outro lado, essa missão explicados inteiramente, tendo-se todos
há que ser abordada de diversos ângulos. os elementos do problema, a partir da
Por exemplo, partindo-se das ferramentas quantificação dessas interações, a força
originais da Citologia, podem-se descre- gravitacional e a força eletromagnética, já
ver as caraterísticas morfológicas da cé- que a força nuclear fraca e a força nuclear
lula, suas organelas e, nos dias de hoje, forte não têm qualquer efeito conhecido
suas macromoléculas. De outra maneira, que seja especial à Biologia. Assim, por
pode-se estudar o tráfego de moléculas exemplo, a exigência de maior força a
entre o meio externo e o interior celular, ser exercida pelo coração humano para
ou entre compartimentos dentro das cé- impulsionar o sangue até o cérebro na
lulas, definindo-se as forças que atuam posição ereta, é um fenômeno obviamen-
nessas moléculas, que as fazem mover te dependente da força gravitacional. Por
e, assim, executar os fenômenos essen- outro lado, a conformação que as molé-
ciais ao funcionamento da célula. Outra culas de hemoglobina adotam no líquido
abordagem consiste na quantificação das intracelular das hemácias depende exclu-
diversas reações químicas que ocorrem sivamente de uma miríade de interações
na célula, como o complexo de fenôme- eletromagnéticas entre os seus vários
nos bioquímicos que levam ao aproveita- átomos e os átomos circunjacentes, entre
mento da energia contida nas moléculas eles os átomos das moléculas de água e
de glicose, pela oxidação de carbono os íons do líquido intracelular.
ao dióxido de carbono e de hidrogênio à O neurônio tem em comum com ou-
água; ou à duplicação do material genéti- tras células eucarióticas os seus princi-
co, de tal forma a permitir que as células pais constituintes: o núcleo, onde a maior
filhas recebam da célula mãe na divisão parte do DNA celular está armazenada; o
celular a informação necessária para o citoplasma, com as organelas habituais,
seu funcionamento; ou, ainda, descrever tais como mitocôndrios, ribossomas, re-
biofisicamente certos fenômenos celula- tículo endoplasmático rugoso, complexo
res como a biomecânica da contração das de Golgi e retículo endoplasmático liso;
miofibrilas, a bioeletrogênese do impulso e a membrana plasmática. Além disso,
nervoso e a bioenergética mitocondrial. como acontece com as demais células
Essa multiplicidade de formas de eucarióticas, o neurônio apresenta de-
ver e descrever uma célula e o seu terminadas especializações que lhe são
funcionamento, é consequência do peculiares, específicas para as funções
desenvolvimento histórico dessa ciência que exerce. Assim, ao mesmo tempo em
– a Citologia – do estado atual do conhe- que o corpo celular – a região perinucle-
cimento e da própria conveniência de usar ar – assemelha-se a de muitas outras
um conjunto simplificado de equações, células, por outro lado dele irradiam
e outras formas de representação, que prolongamentos muitas vezes extensos
melhor se adequem às necessidades e complexos, os dendritos e o axônio,
do momento. Deve-se apontar, entretan- os quais são locais de contactos sináp-
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 93

ticos entre os neurônios e fazem parte ao tráfego intenso, bidirecional, entre o


dos circuitos neurais por onde trafega o pericário e o terminal axonal situado, fre-
impulso nervoso. A Neurociência atual quentemente, a uma grande distância. No
compreende o estudo de uma série de homem, por exemplo, os corpos celulares
fenômenos nucleares, citoplasmáticos dos motoneurônios que inervam as fibras
e da membrana plasmática, importantes musculares dos pequenos músculos das
para o entendimento de como o neurônio mãos e dos pés estão situados na subs-
funciona e como são geradas as funções tância cinzenta medular dos segmentos
neurais a partir do funcionamento de cervicais e lombares, portanto a dezenas
neurônios individuais. de centímetros de distância de seus ter-
O núcleo do neurônio é uma região minais axonais. Apesar disso, diversos
de alta atividade metabólica e, para cada elementos necessários ao funcionamento
classe neuronal, determinados genes são da sinapse neuromuscular são formados
expressos e eles determinam as parti- nos corpos celulares e enviados por
cularidades daquela classe como, por transporte axoplasmático para o terminal
exemplo, o tipo utilizado de neurotrans- axonal à essa distância, enquanto que
missor, ou seja, da substância química uma série de mensageiros químicos tra-
que aquela classe de neurônio usa para fegam no sentido oposto, vindo da zona
mandar mensagens para outros neurô- sináptica dos motoneurônios em direção
nios ou células fora do Sistema Nervoso. aos seus pericários.
O estudo do núcleo neuronal tem permi- A membrana plasmática neuronal,
tido, num primeiro movimento, a locali- tal como nas outras células, demarca
zação em pontos específicos do genoma o limite entre dois sistemas com princí-
humano dos genes fundamentais para pios de organização muito diferentes, o
o funcionamento do Sistema Nervoso citoplasma e o líquido extracelular. Em
e, numa segunda fase, os mecanismos situações como essas, a interface entre
nucleares que controlam a expressão os meios é local de grande complexida-
desses genes, avançando diariamente o de físico-química e de difícil modelagem
conhecimento sobre a genômica dos re- matemática. Para citar um exemplo
ceptores sensoriais, da bioeletrogênese, comum a todas as células, a diferença
da transmissão sináptica e da contração de potencial elétrico entre os líquidos
muscular [31]. intracelular e extracelular, o chamado
O citoplasma neuronal, além de ser potencial de membrana ou diferença
dotado de organelas e outros compo- de potencial elétrico transmembranar,
nentes semelhantes àquele de outras representa uma queda de voltagem de
células, apresenta determinadas espe- aproximadamente 75 mV / 7,5 nm, ou
cializações peculiares ao tecido nervoso. seja, 10.000.000 V/m! Esse valor tão
Assim, ele é dotado de um citoesqueleto grande exerce uma tensão extraordinária
robusto, composto por três sistemas sobre as proteínas integrais da membra-
protéicos fundamentais, formados por na plasmática e certamente explica como
microtúbulos, neurofilamentos e actina, algumas delas reagem com mudanças
às quais estão associadas diversas pro- conformacionais importantes quando o
teínas conversoras de energia e transpor- potencial de membrana sofre pequenas
tadoras. Esse citoesqueleto dá suporte variações por efeito de estímulos de di-
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versas naturezas. A enorme extensão de os estímulos e os receptores sensoriais.


membrana plasmática do conjunto dos Essas funções neuronais fundamentais
neurônios de um organismo é também dependentes das funções da membrana
notável, já que essas células têm prolon- plasmática podem ser abordadas a partir
gamentos extensos e topologicamente do conhecimento do modelo do mosaico
complexos – a área que as membranas fluido para as membranas biológicas,
plasmáticas de todos os neurônios do das propriedades físico-químicas da bi-
cérebro humano ocupariam se fossem camada lipídica que representa a matriz
espalhadas lado a lado seria da mesma desse mosaico e de algumas famílias de
ordem de magnitude da superfície da suas proteínas integrais, proteínas essas
Terra! É nessa área gigantesca, sujeita a constituídas por um número variável de
uma queda de voltagem gigantesca, que segmentos que atravessam a membrana
atuam a miríade de sinais que modificam plasmática, estendendo-se do líquido
o funcionamento cerebral a cada instante! intracelular ao extracelular [32].
A membrana plasmática neuronal
apresenta toda uma série de receptores Comunicação no Sistema
que reconhecem sinais provindos do meio Nervoso – o impulso nervoso
externo de uma forma geral, inclusive de
outras células, neuronais ou não. No caso Portanto, o sistema nervoso pode ser
do neurônio, os mecanismos de reconhe- descrito no nível celular como formado
cimento de sinais externos tomam formas por neurônios e diversos tipos de células
bastante sofisticadas e essenciais ao associadas, estas com funções de prote-
funcionamento do Sistema Nervoso. É ção, nutrição, controle do meio interno e
o caso dos diversos processos de re- isolamento elétrico dos axônios. Grupos
conhecimento de estímulos localizados de neurônios associados em circuitos pa-
nos receptores sensoriais, os quais são ralelos, hierárquicos, reentrantes, recebem
células neuroepiteliais especializadas ou informação do meio exterior ao organismo
extremidades dendríticas de neurônios e do meio interno do próprio organismo,
com corpos celulares localizados quase processam essa informação confrontando-
sempre nos gânglios sensitivos. E tam- -a com aquela armazenada previamente, de
bém é o caso dos receptores de neuro- natureza inata ou decorrente de experiência
transmissores, os quais estão localizados anterior, e enviam às diversas partes do cor-
na membrana pós-sináptica de todos os po informação necessária para o controle
neurônios e, em alguns casos, noutras das funções orgânicas e para a modificação
regiões da membrana fora do que tradi- do meio ambiente circunjacente. Desse trá-
cionalmente é considerada a membrana fego de informação emanam a percepção,
pós-sináptica. o aprendizado, a emoção, a motivação e a
São funções essencialmente de- satisfação das necessidades do organismo
pendentes da membrana plasmática de sobrevivência e reprodução. Crítico para
neuronal as bases iônicas do impulso que tudo ocorra é a capacidade que os
nervoso, a propagação do impulso nervo- neurônios têm de mandar mensagens de
so, a liberação de neurotransmissores e um ponto a outro dentro da mesma célula
sua ação pós-sináptica, a recaptação de (os neurônios podem ter metros de compri-
neurotransmissores e a interação entre mento e uma topologia extraordinariamente
Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 95

complexa, cheia de ramos que se super- Anastasio Volta (1740-1827) sobre se


põem aos ramos dos neurônios vizinhos), os fenômenos observados eram privilégio
de um neurônio a outro e de um neurônio exclusivo dos seres vivos, como Galvani
a outras células do organismo. As formas achava, ou se podiam ser reproduzidos
de comunicação neuronal, comunicação quimicamente em sistemas inanimados,
química e comunicação eletroquímica, como achava Volta, levou de um lado à
são especializações derivadas de funções Eletrofisiologia e de outro à Eletroquímica.
existentes em todas as células, mas que Os trabalhos de Volta criaram uma nova
atingem um alto grau de sofisticação no área do conhecimento, revolucionaram a
neurônio. Física e legaram uma invenção impactan-
A forma de comunicação natural te no futuro do desenvolvimento tecno-
entre células é através de mensageiros lógico, a pilha ou bateria eletroquímica.
químicos e os neurônios são dotados de Entretanto, devido ao grande prestígio de
maneiras altamente especializadas de Volta e da oposição ferrenha que ele fez
realizar a comunicação química. Porém, à idéias de Galvani, eles tiveram o efeito
o envio de informação complexa e preci- negativo de cessar os trabalhos sobre
samente codificada, a longas distâncias a bioeletricidade por um longo período
e em alta velocidade exige que a evolu- [6,7]. Apesar disso, os nomes dos dois
ção buscasse outras soluções que não grandes italianos ficaram ligados eterna-
apenas mensageiros químicos. Para isso, mente à ciência e à tecnologia nas ex-
neurônios – e também as fibras muscula- pressões galvanismo, corrente galvânica,
res – desenvolveram uma forma especial galvanômetro, bateria voltaica, voltagem,
de comunicação para satisfazer essas voltímetro, volt, entre outros.
necessidades, uma forma extremamente O caminho aberto por Galvani, to-
rápida para mandar mensagens a grandes davia, estava destinado a ser trilhado
distâncias utilizando os gradientes eletro- com sucesso pelos seus sucessores e o
químicos transmembranares, o impulso resultado dessa caminhada influenciou
nervoso. definitivamente o curso da Eletrofisiologia
Como mencionado no início desse (Figura 6). Os experimentos sobre a
capítulo, os primeiros experimentos de- bioeletricidade foram retomados várias
monstrando a existência de eletricidade décadas depois pelo físico e fisiologista
nos seres vivos foram feitos por Galvani italiano Carlo Matteuci (1811-1868). Mat-
[6-8]. Galvani observou que estimulando teuci realizou uma série de experimentos
eletricamente o nervo ciático de rã fazia usando o galvanômetro inventado pelo
com que os músculos das patas do físico italiano Leopoldo Nobili (1784-
animal se contraíssem em resposta. A 1835), bastante sensível para a época,
descoberta da bioeletricidade resultou e mostrou que os tecidos biológicos
dessa observação e dos experimentos excitáveis realmente geravam correntes
subsequentes, e representou o ponto de elétricas, como proposto por Galvani,
partida para os estudos que prosseguem que podiam ser somadas adicionando
até hoje sobre os fenômenos eletrofisio- elementos em série como na pilha elétri-
lógicos neurais e musculares. A polêmica ca inventada por Volta. Ele mostrou que
entre Galvani e o também físico italiano num músculo de rã seccionado havia um
Conde Alessandro Giuseppe Antonio fluxo de corrente da área cortada, ou seja,
96 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

Figura 6 - A eletrofisiologia é um dos pilares para entender-se o Sistema Nervoso. Ela


avançou a partir da descoberta da eletricidade animal pelo médico e físico italiano Luigi
Aloisio Galvani (1737-1798) (A), seguida da descoberta do potencial de ação pelo
físico e fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond (1818-1896) (B) e de seu registro e
medida da velocidade de propagação pelo fisiologista alemão Julius Bernstein (1839-
1917) (C). Bernstein usou a equação desenvolvida pelo físico-químico alemão Walther
Hermann Nernst (1864-1941) (D) para modelar o potencial de membrana dos neu-
rônios na situação de repouso. Deve-se aos biofísicos e fisiologistas ingleses Sir Alan
Lloyd Hodgkin (1914-1998) (E) e Sir Andrew Fielding Huxley (1917-) (F) as equações
que descrevem modernamente o potencial de ação. Ver texto para maiores detalhes.
Fontes das ilustrações: [65-70]. Todos os direitos reservados.
A B C

D E F

do lado intracelular, para a superfície ín- Os trabalhos de Mateucci inspiraram


tegra, ou seja, para o lado extracelular; diretamente o trabalho do físico e fisio-
essa corrente bioelétrica foi chamada de logista alemão Emil du Bois-Reymond
corrente de lesão [6,33]. A existência de (1818-1896), o qual duplicou os experi-
uma corrente eletroquímica assim orien- mentos de Matteucci com equipamentos
tada significava que o potencial elétrico mais avançados e chegou à descoberta
na zona lesada era negativo em relação que um estímulo aplicado tanto no nervo
à zona intacta. quanto no músculo levava à diminuição
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da corrente de lesão, ou seja, a diferen- Assim, o experimento crucial consis-


ça de potencial elétrico entre os lados tia em medir a velocidade de propagação
intracelular e extracelular da preparação do potencial de ação e comparar com os
diminuía ou mesmo desapareceria; havia resultados obtidos por von Helmholtz.
uma “variação negativa” no potencial elé- du Bois-Reymond, após ter tentado e
trico externo que se propagava ao longo falhado, passou esse problema para o
do nervo ou do músculo [6,33]. Hoje sa- seu discípulo, o fisiologista alemão Julius
bemos que isso corresponde ao potencial Bernstein (1839-1917). Este último cons-
de ação, esse fenômeno elétrico que se truiu um equipamento eletromecânico
propaga ao longo das fibras nervosas e para registrar e medir a velocidade de
musculares quando elas são estimuladas propagação do impulso nervoso, chama-
e que constitui o substrato eletrofisiológi- do por ele de reótomo diferencial, e pro-
co do impulso nervoso [34-36]. duziu os primeiros registros do potencial
Um experimento importante para de ação, assim como foi capaz de medir
estabelecer a conexão direta entre o pela primeira vez a velocidade de propa-
potencial de ação e o impulso nervoso gação desse fenômeno (Figura 7). Como
consiste em mostrar que os dois se pro- esperado, a velocidade de propagação
pagam com a mesma velocidade. Quando do potencial de ação era a mesma do
du Bois-Reymond descobriu o potencial impulso nervoso, estabelecendo-se pela
de ação, a velocidade de condução do primeira vez uma relação causal entre os
impulso nervoso já era conhecida. Ela dois fenômenos [6,32]. Bernstein tam-
havia sido medida por um dos maiores bém reconheceu a importância da perme-
cientistas de todos os tempos, o médico abilidade da membrana plasmática ao K+
e físico alemão Hermann Ludwig Ferdi- para o estado de repouso dos neurônios
nand von Helmholtz (1821-1894), com e, usando a equação desenvolvida pelo
uma notável contribuição nos campos físico-químico alemão Walther Hermann
da Termodinâmica, Óptica, Acústica, Nernst (1864-1941, ganhador do Prêmio
Oftalmologia, Otologia e Filosofia, entre Nobel de Química de 1920), foi capaz
outros campos do conhecimento. von de modelar essa condição de equilíbrio
Helmholtz usou uma preparação nervo- [6,33]. Ele compreendeu corretamente
-músculo, como seus antecessores, e que, na situação de repouso, a diferen-
construiu um aparelho que lhe permitiu ça de potencial elétrico entre um lado e
medir o intervalo temporal entre o estímu- outro da membrana plasmática obedecia
lo do nervo e a contração do músculo com o previsto pela Equação de Nernst para o
grande precisão. Realizando várias vezes K+. O potencial de membrana de repouso
o experimento com os eletrodos de esti- era igual ou muito próximo do potencial de
mulação colocados em diferentes pontos equilíbrio para o K+, ou seja, proporcional
ao longo do nervo, e dividindo a diferença à diferença de potencial químico para K+
da distância percorrida pela diferença do entre o lado intracelular e extracelular,
intervalo de tempo necessário para obser- sendo o potencial elétrico intracelular
var a contração muscular nas diferentes menor que o potencial elétrico extracelu-
colocação dos eletrodos, ele determinou lar. Essa dependência entre o potencial
com precisão a velocidade de condução elétrico e o potencial químico para K+ foi
do impulso nervoso [6]. interpretada corretamente por Bernstein
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como devida à permeabilidade seletiva ao baixo, o impulso nervoso é mostrado


K+ da membrana plasmática na situação como a variação da amplitude da dife-
de repouso. rença de potencial elétrico em função
Entretanto, a mudança da diferença da distância ao longo do nervo numa
de potencial elétrico que ocorria após dado momento (dois impulsos nervosos
a estimulação do nervo foi interpretada sucessivos são ilustrados). Esses dois
erradamente como simplesmente uma gráficos capturam a essência do impulso
perda dessa permeabilidade seletiva, um nervoso como uma alteração abrupta da
aumento generalizado da permeabilidade diferença de potencial elétrico entre os
da membrana plasmática a íons e o colap- lados intra e extracelular da membrana
so do potencial de membrana para zero. plasmática que ocorre numa dada região
Essa interpretação estava alinhada com da fibra nervosa estimulada artificialmen-
o que havia sido registrado nos primeiros te e que, a partir daí, se propaga a uma
experimentos de du Bois-Reymond e nos velocidade mensurável em ambas as
próprios registros de Bernstein. Entretan- direções, afastando-se do ponto de esti-
to, o exame cuidadoso dos registros fei- mulação. Na situação natural, o impulso
tos por Bernstein, mostra que em determi- nervoso começa no início do axônio de
nadas condições ele havia documentado um neurônio, próximo ao corpo celular e
o “overshoot” do potencial de membrana propaga-se em direção ao terminal axo-
durante o potencial de ação, ou seja, a nal, algumas vezes situado a mais de um
inversão da polaridade do potencial de metro de distância. Fonte da ilustração:
repouso, porém não deu importância ao [6]. Copyright © 1983, Elsevier Science.
mesmo, possivelmente julgando tratar- Todos os direitos reservados.
-se de um artifício de registro. Ou seja,
durante o potencial de ação a membrana
simplesmente não perdia a diferença de
potencial elétrico entre o lado de dentro
e o lado de fora, mas essa diferença se
invertia, e o lado de dentro ficava agora
com potencial elétrico maior que o lado
de fora.

Figura 7 - Os gráficos são uma reprodu-


ção dos primeiros registros do impulso
nervoso publicados, feito devido ao fisio-
logista alemão Julius Bernstein (1839-
1917), utilizando um equipamento da
época chamado reótomo diferencial (ver
detalhes do funcionamento desse apare-
lho em [6]). Na parte de cima da figura
o impulso nervoso é apresentado como
a variação da amplitude da diferença de
potencial elétrico em função do tempo
num dado ponto do nervo. Na parte de
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Figura 8 - As equações de Hodgkin e Deve-se aos biofísicos e fisiologistas


Huxley [34] descrevem a variação do ingleses Sir Alan Lloyd Hodgkin (1914-
potencial de membrana do nervo em 1998) e Sir Andrew Fielding Huxley (1917-),
função do espaço e do tempo, tendo em experimentos realizados na Univer-
como parâmetros a capacitância da sidade de Cambridge (Inglaterra), em
membrana e os vários componentes da meados do século vinte, a descoberta ou
condutância da membrana (permeabili- redescoberta do overshoot do potencial
dade da membrana a íons). Os gráficos de ação e o estabelecimento definitivo
mostram como a solução numérica para da importância dos fluxos de K+ e Na+
as equações de Hodgking e Huxley levam através de permeabilidades específicas
às variações dos componentes da con- da membrana plasmática para a geração
dutância da membrana (g) durante um tanto do estado de repouso quanto do es-
potencial de ação propagado (-V) – es- tado de ação do potencial de membrana
ses componentes são a condutância ao dos neurônios e das fibras musculares
íon sódio (gNa+) e a condutância ao íon [34]. Eles ampliaram de forma conside-
potássio (gK+). No início do potencial de rável o trabalho fundamental do século
ação há um rápido aumento da permea- dezenove de Bernstein. Hodgkin e Huxley
bilidade da membrana quase inteiramen- foram além e, trabalhando no axônio
te devido ao aumento de gNa+ mas, após gigante de lula e usando a técnica de fi-
o pico do potencial de ação, gK+ cresce, xação de voltagem, desenvolveram empi-
tornando-se uma fração progressivamen- ricamente as equações que descrevem a
te maior da condutância total, ao mesmo permeabilidade da membrana plasmática
tempo que gNa+ decresce rapidamente nas condições de repouso e ação [34].
para tornar-se negligível. A parte final do Esse trabalho lhes valeu o Prêmio Nobel
aumento da condutância da membrana de Fisiologia ou Medicina de 1963, que
que decresce gradualmente é devida compartilharam com outro biofísico e
inteiramente ao aumento de gK+. Fonte fisiologista, o australiano Sir John Carew
da ilustração: [34]. Copyright © 1952, Eccles (1903-1997), este pelo trabalho
The Physiological Society / Blackwell Pu- sobre a fisiologia das sinapses. Hodgkin
blishing. Todos os direitos reservados. e Huxley fixaram no espaço e no tempo a
diferença de potencial elétrico através da
membrana plasmática do axônio gigante
de lula em vários níveis de voltagem,
mediram a corrente elétrica transmembra-
nar e calcularam a condutância elétrica da
membrana. Eles foram capazes de sepa-
rar duas correntes, uma devida ao Na+ e
outra ao K+, passando por condutâncias
(permeabilidades) seletivas da mem-
brana dependentes da própria voltagem
transmembranar, com cursos temporais
diferentes. Eles encontraram equações
diferenciais que descreviam adequada-
mente as mudanças nas condutâncias de
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Na+ e K+ associadas com a estimulação da base biofísica das condutâncias de K+


elétrica da fibra nervosa. Eles propuseram e Na+, críticas para o entendimento do
que durante a primeira fase do potencial potencial de membrana nas condições de
de ação, quando o potencial de membra- repouso e ação. Tanto Bernstein quanto
na se inverte, tornando-se o potencial Hodgkin e Huxley, entre outros, registra-
elétrico maior no interior da células em ram o efeito dessas condutâncias e as
comparação com o potencial elétrico do modelaram matematicamente, porém sua
líquido extracelular, o fator causal era um base estrutural permaneceu desconheci-
aumento da condutância da membrana da por muito tempo. Hoje, a estrutura dos
ao Na+. Este aumento era transitório e, canais de K+ é conhecida em grande deta-
na segunda parte do potencial de ação, lhe, graças a estudos de clonagem e ex-
quando o potencial de membrana voltava pressão gênicas, inicialmente realizados
à polaridade de repouso, ou seja, com o em canais de neurônios do invertebrado
potencial elétrico do interior da célula me- Drosophila melanogaster [37], e estudos
nor do que o potencial elétrico do líquido cristalográficos realizados em canais da
extracelular, o fator preponderante era um bactéria Streptomyces lividans [38]. Os
aumento da condutância ao K+ (Figura 8). canais de K+ são uma das mais antigas
A descrição adequada dos fenôme- proteínas transmembranares, ocorrendo
nos iônicos que explicam o potencial de em todas as células procarióticas e euca-
membrana tanto na situação de repouso, rióticas. Assim, mesmo o conhecimento
quanto nas diferentes fases do potencial angariado em neurônios de invertebra-
de ação, incorporou-se ao conhecimento dos ou mesmo em células não neurais
do funcionamento dos neurônios e fibras é importante e útil para entendermos
musculares e permitiu o enorme avanço a estrutura e função desses canais no
sobre a fisiologia dessas células com téc- Sistema Nervoso de mamíferos, inclusive
nicas progressivamente mais sofisticadas no córtex cerebral do homem [39,40].
[35,36] (Figura 9). O estudo da estrutura do canal de
+
O potencial de membrana neuronal K permitiu a descoberta das bases
depende principalmente de duas classes moleculares da permeabilidade e seleti-
de proteínas integrais da membrana plas- vidade da membrana plasmática a esse
mática, canais e bombas que translocam íon e também a outros íons importantes
íons de um lado para outro dessa mem- para a eletrofisiologia celular (Figura 10)
brana [35]. As bombas utilizam a energia [41]. Existe uma grande variedade de
da quebra do ATP para transportar íons canais de K+, alguns com portões cons-
contra seus gradientes eletroquímicos e tantemente abertos, outros com portões
os canais deixam os íons fluírem a favor dependentes do nível de voltagem trans-
dos seus gradientes eletroquímicos. Na membranar ou dependentes da ligação de
situação de repouso o potencial de mem- um neurotransmissor. Esses canais têm
brana depende principalmente dos canais estrutura bastante semelhante entre si e
de K+ com portões permanentemente com os canais de Na+ e Ca++ com portões
abertos e, em menor extensão, da bomba dependentes de voltagem: tetrâmeros
de Na+/K+ [35]. formados por quatro subunidades seme-
Nas últimas décadas houve um gran- lhantes; cada subunidade possuindo seis
de avanço num dos “mistérios” centrais segmentos transmembranares (apenas
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Figura 9 - Atualmente, utilizam-se procedimentos sofisticados de registro intracelular


e extracelular de neurônios de vários animais e localizações, empregando-se microe-
letródios. Nos gráficos acima, é feita uma comparação das propriedades de disparo
entre neurônios da substância branca e neurônios piramidais da camada V do córtex
cerebral, registrados com micropipetas inseridas no citoplasma [71]. (A) Registro de
neurônio da substância branca. Potenciais de ação provocados por pulsos de corrente
de 60 pA. Os potenciais de ação foram seguidos por pós-potenciais hiperpolarizantes
rápidos (PPHr) e, após o estímulo, por pós-potenciais hiperpolarizantes lentos (PPHl).
O potencial de repouso (ERM) no momento do registro encontrava-se em -56 mV. (B)
Mesmo neurônio de (A). Aumentando-se a intensidade do pulso de corrente de estimu-
lação, mais potenciais foram disparados e não foi observada adaptação da célula ao
estímulo. (C) Outro neurônio da substância branca, onde os potenciais de ação foram
provocados com a mesma intensidade de corrente da célula anterior mostrada em (A)
e (B). Nesta célula os potenciais de ação foram seguidos por PPHr e por pós-poten-
ciais hiperpolarizantes médios (PPHm), com ERM de -54 mV. (D) Quando a intensida-
de da corrente foi aumentada, mais potenciais foram disparados, mas ocorreu uma
adaptação. (E-F) Neurônio piramidal da camada V. Procedimento experimental como
nas duas células anteriores ilustradas em (A-D). Notar a acentuada adaptação e um
proeminente PPHm seguindo cada potencial de ação, com ERM de -65 mV.
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dois em alguns tipos de canais de K+); oxigênios das moléculas de água pelos
os segmentos S5 e S6 formam o poro do oxigênios de carbonilas situadas ao longo
canal e possuem interposto entre eles, na do filtro de seletividade. Ao longo do filtro
conformação primária da proteína, uma de seletividade, o K+ passa com apenas
sequência de aminoácidos que forma duas das seis moléculas de água da
a região responsável pela seletividade camada mais interna de solvatação e os
iônica (Figura 10). sucessivos oxigênios das carbonilas vão
A permeabilidade e seletividade ocupando a posição das outras quatro
iônica dos vários canais foram durante moléculas de água mais internas. As
muito tempo grandes enigmas da Bio- cargas negativas de ácido aspártico situa-
física Celular. Por exemplo, a alta taxa das estrategicamente na abertura externa
transporte de K+ de dentro para fora da do canal contribuem para dirigir a saída do
célula (fK+ = 108 íons / s), próxima do K+. Em situações onde o fluxo se inverte
limite de difusão, indica que o transporte o K+ é inicialmente atraído por essas car-
ocorre através de um poro aquoso. Por gas. A razão pela qual o Na+, apesar de
outro lado, a alta seletividade, 104 vezes menor que o K+, não poder passar pelos
maior do que a do Na+, não é fácil de ex- canais de K+ é porque os oxigênios das
plicar por um processo difusional em fase carbonilas do filtro de seletividade ficam
aquosa, uma vez que os íons K+ e Na+ são muito longe do íon e não conseguem
esferas sem maiores particularidades, substituir apropriadamente a ação ele-
inclusive tendo o Na+ um raio de Pauling trostática dos oxigênios das moléculas de
menor (rNa+ = 0,95 Å; rK+ = 1,33Å). Esse água; isso impede que o Na+ se desfaça
enigma começou a ser solucionado a das moléculas de água de solvatação e,
partir dos anos noventa, mostrando-se assim, não consiga permear o filtro de
que a permeabilidade e seletividade dos seletividade. Outros estudos desse tipo
canais de K+ dependem essencialmente estão esclarecendo outros aspectos da
de suas propriedades estruturais e que fisiologia dos canais iônicos, tais como
princípios e mecanismos semelhantes a estrutura do sensor de voltagem, as
devem também determinar as proprie- alterações conformacionais que permitem
dades dos canais de Na+ e Ca++ [37-40] a abertura desses canais sob a ação da
(Figura 10). modificação do potencial de membrana,
O K+ é atraído para a abertura interna e o bloqueio que determinados canais so-
do canal por cargas negativas de ácido frem após sua abertura, de tal forma que
glutâmico estrategicamente localizadas. o fluxo iônico é subitamente interrompido
A partir daí ele percorre um estreito per- (chamado de mecanismo de inativação)
tuito até uma cavidade central, onde é [41-45].
estabilizado eletrostaticamente pelas Em resumo, a modificação do po-
moléculas de água de solvatação e pelos tencial de repouso neuronal, quando
dipólos formados pelas hélices do poro. levada além de um determinado valor
A passagem pelo filtro de seletividade – o chamado potencial limiar – dispara o
só é possível pela perda da maioria das impulso nervoso, uma variação de gran-
moléculas de água, a barreira energética de amplitude no potencial de membrana
enorme que se opõe a esse processo que se propaga ao longo de seus pro-
sendo vencida pela substituição dos longamentos [35]. Esse é um fenômeno
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Figura 10 - O estudo da estrutura do canal de K+ permitiu a descoberta das bases mo-


leculares da permeabilidade e seletividade da membrana plasmática a esse íon. Existe
uma grande variedade de canais de K+ na natureza, os quais são encontrados em cé-
lulas procarióticas e eucarióticas, sendo sua estrutura bastante semelhante entre si e
com os canais de Na+ e Ca++ dependentes de voltagem. No caso dos canais de K+,
as subunidades podem compreender todos os seis ou apenas dois segmentos trans-
membranares. Nesse último caso, eles correspondem aos segmentos transmembrana-
res S5 e S6, que formam o poro do canal e possuem interposto entre eles, ao longo
da conformação primária da proteína, uma sequência de aminoácidos que constitui a
região responsável pela seletividade iônica. Roderick MacKinnon e colaboradores estu-
daram o canal de K+ KcsA da bactéria Streptomyces lividans, formado por 396 aminoá-
cidos e cerca de 6.000 átomos. Esse canal é do tipo com quatro subunidades de dois
segmentos transmembranares cada (uma hélice alfa externa e outra interna) mais uma
região interposta entre eles parcialmente helicoidal (hélice alfa do poro) e parcialmente
desespiralizada (filtro de seletividade). A. Vista esquemática lateral do canal de K+. B.
Corte longitudinal no canal de K+, mostrando a superfície acessível ao solvente aquo-
so, colorida de acordo com suas propriedades físicas: as áreas azuis são carregadas
positivamente, as brancas têm polaridade intermediária e as vermelhas são carrega-
das negativamente; as áreas amarelas correspondem às regiões hidrofóbicas voltadas
para a luz do canal. Os íons K+ são representados por esferas verdes de dimensões
correspondentes ao raio de Pauling (1,33 Å). As hélices internas estão voltadas para
o interior do canal, enquanto as hélices externas estão voltadas para a matriz lipídica.
O canal possui um pertuito longo (20 Å de comprimento), que se estende da abertura
interna guardada por cargas negativas de ácido glutâmico, até uma cavidade central
(10 Å de comprimento), seguida pelo filtro de seletividade (12 Å de comprimento por
1,4 Å de raio), que se estende até a abertura externa, onde cargas negativas de ácido
aspártico exercem certa influência. As hélices do poro formam dipólos apontando suas
cargas negativas parciais para a cavidade central do canal. No texto são relacionados
esses aspectos estruturais com a permeabilidade e seletividade do canal de K+. Fonte
da ilustração: [40]. Copyright © 1998, American Association for the Achievement of
Science. Todos os direitos reservados.
A B
104 Neurociências“99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q

particular de apenas algumas células, as K+ que saiu seja devolvido ao interior da


chamadas células excitáveis, que compre- célula; esse papel é desempenhado pela
endem além do neurônio, a fibra muscular bomba de Na+/K+ às custas de energia
estriada esquelética, a fibra muscular metabólica.
estriada cardíaca e a fibra muscular lisa,
ressaltando-se o fato de que algumas Comunicação no Sistema Nervoso –
células neuroepiteliais (e.g., cones, bas- a sinapse química
tonetes, células ciliadas do órgão espiral
de Corti) e alguns neurônios (e.g., células O potencial de repouso pode ser mo-
horizontais retinianas, células bipolares dificado de muitas maneiras, por muitos
retinianas, algumas células amácrinas tipos de estímulos, contudo a via final
retinianas) não apresentam essa proprie- comum desses estímulos é constituída
dade. A excitabilidade neuronal depende por proteínas integrais que modificam
do trabalho de uma classe específica de a permeabilidade a íons da membrana
canais Na+ e K+ presentes na membrana plasmática, seja atuando como canais,
plasmática, cuja abertura é dependente que deixam os íons se difundirem a fa-
do próprio potencial de membrana – quan- vor dos seus gradientes eletroquímicos,
do a diferença de potencial através da seja atuando como bombas, as quais
membrana plasmática cai além de um transportam os íons contra seus gra-
certo valor, esses canais se abrem. O dientes eletroquímicos às custas direta
fenômeno é dominado inicialmente pela ou indiretamente de energia metabólica.
abertura dos canais de Na+ dependentes No caso dos estímulos sensoriais, exis-
de voltagem, levando à entrada desse tem mecanismos muito diversos entre
íon no neurônio, a favor do seu gradiente si, baseados em famílias diferentes de
eletroquímico. Na fase final, os canais proteínas transmembranares sensíveis
de Na+ fecham-se através do mecanismo especificamente ao estímulo sensorial
de inativação, enquanto que os canais a ser detectado. Por exemplo, na visão
de K+, mais lentos e sem mecanismo esse papel é desempenhado por uma
de inativação, permanecem abertos, le- proteína transmembranar chamada ro-
vando à saída desse íon a favor do seu dopsina, a qual existe em vários tipos, e
gradiente eletroquímico. A consequência ocorre tanto em cones quanto bastonetes
é uma inversão abrupta da diferença de [46]. A rodopsina é estimulada quando
potencial elétrico transmembranar que absorve um fóton e sua excitação é trans-
dura cerca de 1 ms – o impulso nervoso. mitida por uma cascata molecular cujo
A propagação do impulso nervoso deve-se efeito é diminuir a condutância de uma
à ação longitudinal das cargas que foram classe específica de canais de cátions,
mobilizadas transversalmente através da permeáveis em diferentes proporções
membrana, o que serve de estímulo para à Ca++, Mg++, Na+ e K+ [47]. Esse é um
as regiões vizinhas ainda em repouso. O dos muitos mecanismos pelos quais os
restabelecimento das condições originais estímulos sensoriais são transduzidos
do neurônio ocorre a um prazo mais longo em variações do potencial de membrana
que o impulso nervoso, sendo necessário dos receptores sensoriais.
que o Na+ que entrou na primeira fase Contudo, talvez, o caso mais uni-
seja devolvido ao líquido extracelular e o versal de modificação do estado neu-
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ronal é encontrado na sinapse, onde plasmática, de volta ao citoplasma, de-


os neurotransmissores liberados pelos pende dos chamados transportadores de
neurônios pré-sinápticos atuam em solutos da membrana plasmática, uma
proteínas integrais da membrana plas- classe que compreende muitas proteínas
mática dos neurônios pós-sinápticos, diferentes, uma para cada grupo de so-
chamadas receptores de neurotransmis- lutos, não somente neurotransmissores,
sores que vão, por seu turno, modificar mas também aminoácidos em geral e
o potencial de repouso desses neurônios açúcares, entre outros solutos. Assim,
[48-50]. Essa modificação pode ser por existe um transportador de glutamato,
ação direta, quando esses receptores outro de GABA, outro de colina, outros
possuem canais iônicos, ou indireta, para as diversas aminas biogênicas, etc...
quando eles controlam uma cascata de Esses transportadores usam a energia
reações metabólicas que levam, ao final, do gradiente eletroquímico de Na+, cria-
à abertura ou fechamento de canais iô- do pela bomba de Na+/K+ e, como tal,
nicos [50]. realizam o sinporte de seu soluto com
Outras proteínas integrais da mem- íons Na+, outros íons podendo ser trans-
brana plasmática são importantes para portados simultaneamente num sentido
funções fundamentais do neurônio. Por ou noutro. Por outro lado, o transporte
exemplo, certos canais de Ca++ depen- de moléculas de neurotransmissor do
dentes de voltagem permitem o influxo de citoplasma para o interior das vesículas
Ca++ essencial para disparar o complexo sinápticas envolve uma outra família de
processo de exocitose das vesículas proteínas integrais, dessa feita situadas
sinápticas que contém as moléculas do na membrana vesicular, as quais utilizam
neurotransmissor [48]. Esse processo o gradiente eletroquímico de H+, criado às
compreende a ação orquestrada de vá- expensas de energia metabólica por uma
rias classes de proteínas da membrana bomba de H+ presente nessa membrana.
plasmática, da membrana da vesícula Novamente, existem transportadores
sináptica e do citoplasma, sendo o pro- de solutos da membrana vesicular para
duto final a liberação de moléculas de glutamato, GABA, acetilcolina, aminas
neurotransmissor no líquido extracelular, biogênicas, e assim por diante, os quais
as quais vão servir de estímulo químico executam o antiporte do seu neurotrans-
para os próximos neurônios do circuito missor e H+.
neural. O termo sinapse foi usado pela pri-
Outro exemplo envolve o transporte meira vez por Sherrington, em seu livro
de moléculas de neurotransmissores The Integrative Action of the Nervous
de volta ao citoplasma neuronal ou de System (1906), para responder questões
dentro do citoplasma para o interior relativas a uma descontinuidade entre um
das vesículas sinápticas, ou seja, para neurônio e outro. Sherrington comparou
o seu armazenamento [51]. Esses dois a propagação bidirecional que ocorria em
fenômenos dependem de quatro classes um nervo com a propagação unidirecio-
de proteínas integrais, sendo duas clas- nal em um arco reflexo. Essa diferença
ses de transportadores e duas classes era devida a barreiras intercelulares
de bombas iônicas. O transporte do existentes entre os neurônios que ele
neurotransmissor através da membrana denominou sinapse [52]. A partir dessas
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observações, duas escolas antagônicas neurônio motor e os seus músculos alvos


de neurocientistas tentaram descrever e era constatado que os efeitos observa-
como o sinal passava de uma célula para dos eram bastantes similares [52,54].
outra através das sinapses. Os eletrofisio- Em ambos os casos a acetilcolina, neu-
logistas partilhavam a idéia que o impulso rotransmissor natural, era sintetizada
nervoso cruzava a sinapse eletricamente, pelos neurônios motores e liberada por
enquanto os farmacologistas preferiam estimulação elétrica artificial ou natural
a idéia da transmissão química. Após dos seus terminais motores. Portanto,
cinquenta anos de debates, ambas as es- pode-se considerar a acetilcolina como
colas finalmente chegaram a um acordo um mediador químico ou neurotransmis-
de que ambas as formas de transmissão sor que ao se distribuir na fenda sináptica
podiam existir no Sistema Nervoso. transmite os sinais provindos do terminal
A transmissão química foi mostrada nervoso ao músculo estriado com que
de uma maneira inequívoca por um ex- aquele faz sinapse.
perimento histórico realizado em 1921 Registros eletrofisiológicos com
pelo farmacologista alemão Otto Loewi microeletrodos intracelulares revelaram
(1873-1961, ganhador do Prêmio Nobel sinais elétricos típicos dessas sinap-
de Fisiologia ou Medicina de 1936). Ele ses. Na preparação nervo – músculo já
desenvolveu uma preparação contendo o mencionada, se o neurônio motor for
nervo vago e o coração de uma rã. Quan- estimulado com eletrodos posicionados
do o nervo era estimulado eletricamente, nessa célula, uma resposta pode ser
o coração diminuía imediatamente a força observada na fibra muscular estriada
e a frequência de seus batimentos. Quan- esquelética por eletrodos de registro lá
do a solução que banhava a preparação posicionados. Se os eletrodos de registro
foi adicionada a uma segunda preparação forem colocados agora no neurônio motor
contendo agora somente o coração, sem e o estímulo for dado na fibra muscular,
interferência do nervo vago, esse coração nenhuma resposta é obtida. Portanto, o
também diminuía a força e a frequência sinal passa somente em uma direção,
de seus batimentos. Esse resultado era do neurônio motor para fibra muscular.
sugestivo que ocorria uma inibição cau- A informação que passa através de uma
sada por uma substância presente na sinapse química é vetorizada, ao passo
solução que hoje se sabe ser acetilcolina que numa sinapse elétrica o sinal passa
liberada pelo terminal do nervo vago que nos dois sentidos. Outra diferença entre
havia sido estimulado eletricamente [53]. a sinapse elétrica e a sinapse química é
O conhecimento de todas as etapas o retardo sináptico que ocorre na sinapse
da transmissão química intervindo no química, em torno de 0,3 a 0,8 ms, de-
processamento do sinal nervoso veio, corrente das inúmeras etapas químicas
principalmente, através de estudos intervenientes entre a chegada de um
de órgãos periféricos como o músculo impulso nervoso no terminal pré-sináptico
sartório de rã e do músculo dorsal de e a geração de um novo impulso na célula
anelídeos. Nesses estudos, as respostas seguinte, muscular ou neuronal.
eram comparadas com os efeitos de cer- Outra técnica que revelou particu-
tas substâncias químicas naturais e/ou laridades e diferenças entre a sinapse
sintéticas aplicadas na sinapse entre o elétrica e aquela que faz uso de neuro-
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transmissores, como a sinapse neuro- neurotransmissores deflagram uma série


muscular, foi a microscopia eletrônica. de fenômenos no neurônio pós-sinápti-
Essa técnica mostrou que a sinapse quí- co, cuja consequência é a passagem da
mica possuía uma polaridade morfológica informação neural de um neurônio para
que refletia sua polaridade funcional. A o próximo.
fenda sináptica era muito mais larga (20 Para ser considerado um neurotrans-
a 50 nm) do que na junção elétrica. Além missor, a molécula transmissora requer
disso, os dois lados da fenda sináptica alguns pré-requisitos: i) presença de
apresentavam morfologias diferentes, enzimas como passos limitantes no ter-
coisa que não era vista na sinapse minal pré-sináptico; ii) armazenamento da
elétrica: no lado pré-sináptico existiam molécula em vesículas pré-sinápticas; iii)
vesículas sinápticas com 30 a 60 nm de liberação da molécula pelo terminal pré-
diâmetro, enquanto do lado pós-sinaptico -sináptico regulada por Ca++; iv) presença
essas vesículas não existiam. Quando de receptores específicos na membrana
as vesículas foram isoladas por meios pós-sináptica para interagir com essa
bioquímicos, constatou-se a presença de molécula; v) presença de transportadores
neurotransmissores nessas estruturas e/ou enzimas que tenham a função de
[55]. terminar com a ação da molécula sobre a
membrana pós-sináptica (Figura 11). Exis-
Figura 11 - As sinapses são locais onde tem varias classes de neurotransmisso-
os neurônios se comunicam entre si ou res que podem ser classificados por sua
com células a eles associadas. Na figura estrutura química, tais como: acetilcolina;
vê-se a representação esquemática de aminoácidos como aspartato, glutamato,
uma sinapse química. Ela é formada glicina e GABA; e aminas biogênicas,
por um elemento pré-sináptico e um sendo as mais conhecidas serotonina,
elemento pós-sináptico separados por
uma fenda sináptica. Frequentemente
o elemento pré-sináptico é o terminal
axonal de um neurônio, dentro do qual
as moléculas do neurotransmissor estão
concentradas nas vesículas sinápticas.
Diversas macromoléculas presentes na
membrana plasmática, membrana das
vesículas sinápticas e no próprio cito-
plasma executam um grande conjunto de
funções que permitem a síntese, acumu-
lação, liberação e recaptação do neuro- dopamina, noradrenalina, adrenalina e
transmissor. Frequentemente também o histamina. Fazem parte também do grupo,
elemento pós-sináptico é um dendrito ou os neuropeptídeos que podem ter de três
o próprio corpo celular de um neurônio, a mais de 30 resíduos de aminoácidos.
onde existem macromoléculas situadas Esses neuropeptídeos podem ser classi-
na membrana plasmática que funcionam ficados em quatro grupos principais: as
como receptores dos neurotransmisso- taquicininas, tais como a substância P,
res. Atuando nos seus receptores, os cuja função mais conhecida é sua parti-
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cipação como neurotransmissor nas vias plasmática ficam localizados os recepto-


da dor; os hormônios neurohipofisários res pós-sinápticos. Os receptores pós-
ocitocina e vasopressina, o primeiro que -sinápticos foram primeiro notados pelo
está envolvido com funções da glândula fisiologista inglês John Newport Langley
mamária e o segundo que atua como (1852-1925) que, ao trabalhar com uma
hormônio antidiurético; os hormônios preparação neuromuscular, mostrou que
liberadores hipotalâmicos, incluindo o a nicotina era capaz de estimular o mús-
hormônio liberador de corticotropina, culo e o curare inibir a contração obser-
a somatostatina e vários outros; os vada. Ele chamou a substância presente
neuropeptídeos opiáceos, endorfinas e no músculo de substância receptiva, hoje
encefalinas. chamada de receptor.
A sinapse colinérgica que usa o neu- Existem várias peculiaridades para
rotransmissor acetilcolina (ACh) pode cada neurotransmissor e simplesmente
ser usada como exemplo de sinapse não se pode dizer que uma molécula é
química. A acetilcolina (ACh) é sintetizada excitatória ou inibitória. Dependendo da
a partir de dois precursores imediatos, situação, o neurotransmissor pode ser ex-
a colina e acetil-coenzima A, através da citatório e em outra situação comportar-se
enzima colina acetiltransferase (ChAT) como inibitório. A ação do neurotransmis-
que está presente no terminal nervoso sor depende do tipo de receptor em que
pré-sináptico. A purificação dessa enzima ele se liga e dos processos intracelulares
permitiu que se produzisse anticorpos que são influenciados pelo receptor em
e assim se pudesse mapear sinapses questão. A interação química entre o neu-
colinérgicas em todo o sistema nervoso rotransmissor e seu receptor pós-sináptico
central. A enzima de degradação é a desencadeia uma série de eventos na
acetilcolinesterase que está presente célula pós-sináptica. Essas modificações
em células que apresentam receptores podem levar diretamente a uma resposta
colinérgicos. A síntese de ACh é limitada de sinalização rápida traduzida como hipo-
pela quantidade de colina presente no polarização (excitação) ou hiperpolarização
terminal pré-sináptico. A captação de coli- (inibição) da célula pós-sináptica quando o
na ocorre através de um transportador de receptor contém na sua estrutura um canal
alta afinidade. Um segundo transportador iônico – receptor ionotrópico. Esse é o caso
presente em vesículas sinápticas faz o do receptor nicotínico de ACh que contém
terminal pré-sináptico acumular ACh. um canal de cátions. Noutras situações, o
Quando um potencial de ação chega receptor de neurotransmissor estimulado
ao terminal nervoso, ocorre um fluxo de desencadeia uma cascata de reações
íons Ca+ através de canais de Ca++ depen- bioquímicas na célula pós-sináptica que,
dentes de voltagem, como mencionado entre outros efeitos, abre ou fecha certos
acima. Como resultado da concentração canais iônicos da membrana plasmática;
aumentada de Ca++ intracelular, vesículas essa resposta é lenta em comparação com
contendo ACh fundem-se com a membra- a primeira descrita acima porque envolve
na pré-sináptica e liberam o seu conteúdo muitas reações químicas na membrana
na fenda sináptica. O neurotransmissor plasmática, no citoplasma, em organelas e
difunde-se pela fenda sináptica e atinge até mesmo no núcleo celular, e o receptor
a célula pós-sináptica em cuja membrana é dito metabotrópico. Esse é o caso dos
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vários tipos de receptores muscarínicos tistas brasileiros e do exterior, e criar


de ACh. uma ponte entre a vida acadêmica e as
Após a liberação do neurotransmis- necessidades da sociedade em geral. O
sor na fenda sináptica e sua ligação ao mundo dentro de algumas décadas terá
receptor na membrana plasmática, o sofrido um enorme impacto das descober-
neurotransmissor precisa ser removido tas científicas e inovações tecnológicas
para finalizar a ação sináptica. Essa re- provindas da Neurociência e o Brasil tem
moção pode ser por recaptação do neu- agora uma oportunidade de desenvolver-
rotransmissor pelo terminal pré-sináptico -se no mesmo passo dos demais países
ou sua degradação enzimática. No caso que não teve noutras fases da revolução
da transmissão neuromuscular, a ACh científica, tecnológica e industrial.
é degradada pela enzima acetilcolines-
terase (AChE). Assim todas as etapas Referências
da neurotransmissão foram cumpridas
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