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Capítulo 11 – Amostragem............................................................................125
Referências .....................................................................................................185
O autor.
Dezembro de 2005
Assim como casas são feitas de pedras, a ciência é feita de fatos.
Mas uma pilha de pedras não é uma casa e uma coleção de fatos não é,
necessariamente, ciência.
Jules Henri Poincaré
alcançar o resultado mais preciso e correto possível. Bem, para que isso se
concretize, primeiro precisaremos de dinheiro – algo em torno de R$ 350
mil só para começar (toda pesquisa científica deve ter um orçamento).
O primeiro passo será descobrirmos, por meio de um levantamento de
mercado, os modelos e fabricantes disponíveis, para que possamos efetuar
comparações. Assim que soubermos quantos modelos vamos testar, pode-
mos planejar as fases seguintes da nossa pesquisa. Digamos que con-
cluimos, após um levantamento que durou 30 dias, que há 600 modelos
diferentes de calças, incluindo aí todas as variações de lavagens, tecidos,
modelagens e fabricantes. O próximo passo será adquirirmos, preferencial-
mente pelo menor preço possível, um exemplar de cada modelo – não nos
esquecendo de anotar o preço e os dados básicos dos fornecedores em uma
planilha, para análise futura.
Teremos, então, de submeter essas 600 calças a uma série de testes. Por
exemplo: o teste do “caimento”. Vamos convidar cinco especialistas em moda
– três estilistas e dois jornalistas especializados – para que possam avaliar
esse quesito, atribuindo-lhe uma nota de 0 a 10, enquanto você desfila ele-
gantemente em uma passarela, com cada um dos 600 modelos, é claro. Com
uma média de 40 modelos por dia, essa etapa levará cerca de 15 dias para
ser completada.
Depois, passamos ao segundo teste: montamos um laboratório com 60
máquinas de lavar e 60 secadoras de roupa. Lavamos e secamos continuamente
cada peça pelo menos 20 vezes. Analisamos dois itens nessa etapa: a taxa de
desbotamento da tintura (a cada lavagem) e a taxa de desagregação progres-
siva do tecido, quando analisado por meio de microscópios. Considerando
um tempo (estimado) de 1 hora para lavar, 40 minutos para secar e 1 hora e
20 minutos para analisar cada peça entre cada operação de “lavagem-secagem-
análise”, teremos 300 horas de trabalho por peça. Como são 60 máquinas rea-
lizando o serviço simultaneamente, podemos considerar um total de 3 mil
horas de trabalho. Uma vez que nosso laboratório conta com a colaboração de
dezenas de diligentes assistentes de pesquisa, que trabalham 12 horas por dia,
podemos estimar que essa fase levará uns 250 dias.
Para encurtar o processo (ou então gastaremos toda a nossa verba), con-
cluímos nossa pesquisa, comparando todas essas variáveis (preço, estilo, qua-
lidade do tecido), utilizando algumas técnicas especiais da estatística e, ao
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Raciocínio circular; tentativa de demonstração de uma tese, repetindo-a com palavras diferentes.
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primeira parte deste livro, vamos investigar em detalhes sua história e prin-
cipais conceitos. Mas, por ora, vejamos a etimologia da palavra: ciência
vem do latim scientia (ou episteme, em grego), que, por sua vez, tem sua
origem no termo scire, cujo significado é “aprender, conhecer” (APPO-
LINÁRIO, 2004). Vejamos o que dizem alguns autores importantes sobre a
ciência:
O Conhecimento Artístico
O conhecimento artístico é embasado na emoção e na intuição. Quando
entramos em contato com uma obra de arte, seja ela uma pintura, uma escul-
tura, uma música ou uma poesia, por exemplo, muitas vezes não consegui-
mos “colocar em palavras” o que estamos experienciando. Isso ocorre porque
a informação veiculada pela manifestação artística é preponderantemente de
natureza emocional: observamos um quadro e ele nos “suscita” algo: uma irri-
tação, uma sensação de paz, uma alegria indefinível etc.
É uma forma de conhecimento essencialmente não-racional e difícil de
ser capturada pela lógica. Aliás, o conhecimento artístico pode ou não assu-
mir uma lógica similar ao senso comum e à ciência. A arte pode, na realida-
de, assumir qualquer forma, uma vez que o que vale é a relação especial que
se estabelece entre o observador e o fenômeno observado. Por exemplo:
podemos olhar para uma equação escrita em um quadro-negro e pensá-la sob
a ótica da matemática (ciência) ou da estética (o equilíbrio dos termos, a cor
do giz, a sonoridade de seus elementos etc.).
10 METODOLOGIA DA CIÊNCIA EDITORA THOMSON
O Conhecimento Filosófico
Pitágoras (século VI a.C.), por seus enormes conhecimentos, era freqüente-
mente chamado de “sábio” por seus discípulos. Quando isso acontecia, ele
retrucava: “Minha única sabedoria consiste em reconhecer minha própria
ignorância. Assim, não devo ser chamado de sábio, mas antes de amante da
sabedoria”. E é exatamente isso o que significa a palavra filosofia, junção dos
termos gregos philos (amor) e sófia (sabedoria).
Tentar definir em termos absolutos essa grandiosa área do conhecimento
humano seria, no mínimo, um ato arrogante e destituído de propósito. Vamos
fazer diferente: ao explorarmos um pouco o conceito, pelo menos caminha-
remos na direção de uma compreensão aproximada acerca das diferenças
fundamentais entre essa forma de conhecimento e as outras. Para isso, pedi-
remos auxílio a um dos maiores pensadores do século XX, o filósofo britâni-
co Bertrand Russell (1872-1970):
• Deus deve ter dado outra chance àquela pessoa. Parece que o “recado”
foi bem compreendido, pois ela agradeceu, comovida, pela proteção
concedida pelos desígnios divinos [conhecimento religioso];
• é impressionante como as pessoas andam cada vez mais distraídas hoje
em dia: quem não sabe que se deve olhar para os dois lados da via
antes de atravessar? [conhecimento de senso comum];
• de fato, se os pneus não estivessem novos e calibrados e o automóvel
não contasse com freios ABS, não teria sido possível freá-lo à velocida-
de de 60 km por hora a uma distância de 20 metros, como o motorista
fez [conhecimento científico];
12 METODOLOGIA DA CIÊNCIA EDITORA THOMSON
Está certo, concordamos plenamente que não é tão fácil assim isolar as for-
mas de conhecimento umas das outras. Nas frases citadas, nota-se claramente
a dificuldade em estabelecer a diferença entre o conhecimento filosófico e o
de senso comum, por exemplo. Mas observe com cuidado: no primeiro caso,
existe um raciocínio lógico (“se a vida é efêmera, todos vamos morrer um dia;
portanto não devemos gastar nosso tempo com bobagens”), enquanto, no
segundo, há uma afirmação de caráter empírico e pessoal (“as pessoas andam
cada vez mais distraídas hoje em dia”).
No universo do discurso, simultaneamente produzimos e consumimos
conhecimento em todas essas formas. De fato, dificilmente podemos isolar
uma forma de conhecimento da outra, uma vez que todas estão amalgama-
das em nossa atividade lingüística. Por exemplo: o cientista também tem sua
dimensão religiosa, espiritual. Além disso, ele não vai utilizar o raciocínio
científico durante as 24 horas do dia pois, como qualquer ser humano comum,
também lida com problemas e situações cotidianas que lhe exigem decisões
baseadas no senso comum, na lógica filosófica, na estética etc.
De qualquer forma, como podemos observar no Quadro 1.3, o conheci-
mento científico difere das outras formas de conhecimento em alguns aspectos,
porém assemelha-se em outros. Mas, para efeitos desta introdução, vamos à
sua essência: trata-se de um conhecimento concreto, real (vem dos fatos),
organizado e sistematizado, obtido por meio de um processo bem-definido
(método científico) e que pode ser replicado (outros pesquisadores, em qual-
quer parte do mundo, se repetirem as mesmas experiências e observações,
devem chegar às mesmas conclusões do estudo original). Possui, ainda, duas
características fundamentais, que serão analisadas nos próximos capítulos: a
verificabilidade (para ser científico, o conhecimento deve ser passível de
comprovação) e a falseabilidade (não se trata de um conhecimento definitivo:
sempre pode vir a ser contestado no futuro, em função de novas pesquisas
e descobertas).