Você está na página 1de 37

METODOLOGIA E

PESQUISA CIENTÍFICA
60 horas
METODOLOGIA E PESQUISA CIENTÍFICA
60 horas
2

Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 3
TIPOS DE PESQUISA .................................................................................................... 4
PESQUISA DE CAMPO ................................................................................................ 20
Introdução à Pesquisa Quantitativa e Qualitativa .......................................................... 20
Métodos e técnicas de pesquisa ................................................................................... 22
Instrumentos de coleta de dados:.................................................................................. 28
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 34

Todos os direitos reservados ao Grupo Famart de Educação.


Reprodução Proibida.
Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Grupo Famart de Educação – Comprometimento com o seu ensino


3

INTRODUÇÃO

O objetivo da presente apostila é, em primeiro lugar, promover o


esclarecimento das principais dúvidas e dificuldades encontradas na produção do
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Sabendo que esse será um trabalho árduo,
nosso segundo objetivo perpassa a tentativa de demonstrar que uma pesquisa não
se constrói somente pela vontade de se produzir um conhecimento cientifico, pelo
contrário, sem uma metodologia, ou melhor, dizendo, sem um rigor metodológico,
como afirma o meio acadêmico, não há possibilidade de se desenvolver a Ciência.
Nesse sentido, serão abordados diretamente e somente os tipos de pesquisas e as
metodologias que os alunos poderão utilizar no desenvolvimento do seu trabalho
acadêmico. Sabe-se que existe um vasto número de tipos de pesquisa e de
metodologias, no entanto, pensando na praticidade dessa produção, o presente
material optou por aqueles que mais poderão nortear os trabalhos de conclusão de
curso dos estudantes.
Para os pesquisadores Pedro Bervian, Amado Cervo e Roberto da Silva
(2012), o que permitiu à Ciência chegar ao nível atual foi o núcleo de técnicas de
ordem prática, seus fatos empíricos e suas leis, que formam o elemento de
continuidade, que, por sua vez, foi sendo aperfeiçoado e
ampliadoaolongodahistóriado Homo Sapiens. Grosso modo, o que esses autores
disseram refere- se, principalmente, à tentativa da Ciência, durante séculos e
séculos, de contrapor todas as informações geradas pelo meio teocrático/religioso e,
cotidianamente, pelo senso comum. Ou seja, a natureza do conhecimento
pressupõe a dúvida de qualquer afirmação que seja apresentada sem provas
sistemáticas. Isso se apresenta na negação que a Ciência obtém sobre o termo
popular “eu acho que...”. A Ciência não aceita o “eu acho”, ao contrário,
conhecimentos que não se apresentam com um rigor cientifico não são aceitos e
reconhecidos pelo universo acadêmico e científico.
4

TIPOS DE PESQUISA

Pesquisa é o mesmo que busca ou procura. Pesquisar, portanto, é buscar ou


procurar resposta para alguma coisa. Em se tratando de Ciência, a pesquisa é a
busca de solução para um problema que alguém queira saber a resposta. Não é
muito aconselhável dizer que se faz ciência, mas que se produz ciência através de
uma pesquisa. Pesquisa é, portanto, o caminho para se chegar à ciência, ao
conhecimento.
É na pesquisa que utilizaremos diferentes instrumentos para se chegar a uma
resposta mais precisa. O instrumento ideal deverá ser estipulado pelo pesquisador
para se atingir os resultados ideais. Grosso modo, não se pode procurar um tesouro
numa praia cavando um buraco com uma picareta; éprecisodeumapá. Da mesma
forma eu não poderia fazer um buraco no cimento com uma pá; eu precisaria de
uma picareta. Por isso a importância de se definir o tipo de pesquisa e da escolha do
instrumento ideal a ser utilizado.
A Ciência, através da evolução de seus conceitos, está dividida por áreas do
conhecimento. Assim, hoje temos conhecimento das Ciências Humanas, Sociais,
Biológicas, Exatas, entre outras. Mesmo estas divisões têm outras subdivisões cuja
definição varia segundo conceitos de muitos autores. As Ciências Sociais, por
exemplo, podem ser divididas em Direito, História, Sociologia etc.
De forma prática, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que será
formulado deverá ser desenvolvido a partir da escolha do tipo de pesquisa, claro,
respeitando o problema e, sobretudo, o objeto de pesquisa. É fundamental que, na
Introdução do trabalho, já seja apresentado o tipo de pesquisa que irá se
desenvolver, pois é necessário que o leitor esteja ciente do caminho que irá
percorrer no desenrolar da pesquisa.

Pesquisa Bibliográfica: também chamada de “estado da arte”, abrange toda


bibliografia já tornada pública em relação ao tema do estudo, quer sejam revistas
especializadas e livros, quer sejam os meios de comunicação oral, como rádio,
audiovisuais, etc. Tem como característica trabalhar com fontes secundárias, ou
seja, analisa trabalhos que já foram publicados e dados que
5

também já foram analisados por outros pesquisadores. É importante ressaltar


que qualquer pesquisa de campo, seja ela qualitativa ou quantitativa, depende, em
primeiro lugar, de um trabalho minucioso de pesquisa bibliográfica. É ela que
mostrará ao pesquisador o seu ponto de partida, pois não é aconselhávelpensar
emfazer uma pesquisaonde atemática está saturada, ao contrário, é preciso mostrar
o novo, projetando a mesma de forma que o meio científico possa se desenvolver.
Essa é a razão de viver de qualquer pesquisa. Se o objetivo do pesquisador for
somente desenvolver um trabalho bibliográfico, então ele deve, a priori, escolher um
tema, problematizá-lo e delimitá- lo, definindo o que chamamos de Objeto de
pesquisa. Por exemplo: se ele procurar na internet o tema Inclusão Social,
aparecerão vários resultados, no entanto, se o pesquisador procurar por “Inclusão
Social e a dificuldade de aprendizagem” irá delimitar mais seu objeto. Se por acaso
ele decidir delimitar ainda mais o seu objeto e pesquisar por “Inclusão Social e
dificuldade de aprendizagem nos anos iniciais no período de 2010 a 2015”, estará
apresentando um objeto de uma pesquisa bibliográfica.

Veja o exemplo de um artigo de pesquisa bibliográfica:


6

Juventude, violência e escola: uma pesquisa bibliográfica

Lucas Eustáquio de Paiva Silva

Ulisses Manoel da Silva

O presente artigo tem por objetivo apontar, a partir de uma revisão


sistemática da literatura, como a juventude vem sendo abordada nas pesquisas
sobre violência em meio escolar. A cada dia vemos em noticiários midiáticos uma
gama de reportagens abordando as violências no âmbito escolar. Nesse sentido, é
notório observar que a maioria das notícias sobre violência em meio escolar
enfatizam os jovens como seus maiores algozes, tanto nas depredações, quanto nas
relações conflituosas entre os professores. Entretanto, de que jovens estamos
falando? Como as pesquisas sobre violência em meio escolar vem abordando esse
jovem? Como essas pesquisas explicam as ações conflituosas entre os jovens e a
escola? Essas serão algumas questões que nortearão o presente artigo. No que se
refere à coleta de dados, foram utilizados os bancos de dados do Google
Acadêmico, Scielo e os Periódicos da Capes. As pesquisas que foram utilizadas
para compor o presente artigo foram colhidas a partir de dois critérios. O primeiro diz
respeito à sua nomenclatura, ou seja, utilizamos os artigos que continham no título
três palavras-chave: juventude, violência, escola. O segundo refere-se aos artigos
publicados na década de 2000, mais especificamente, no período de 2001 à 2012. O
que justificou o uso desse critério foi a pesquisa bibliográfica desenvolvida pela
pesquisadora Marília Pontes Spósito (2001) intitulada “Um breve balanço da
pesquisa sobre violência escolar no Brasil” em que abordou as pesquisas sobre
violência em meio escolar desenvolvida no período de 1980 1 1998. Acreditando que
essa pesquisa trouxe muitos subsídios, não somente para pensar a dicotomia
violência e escola, mas, sobretudo, o papel da juventude nesse cenário, que fizemos
o recorte utilizando somente as pesquisas desenvolvidas na década de 2000.
7

Não obstante, antes de iniciarmos a revisão da literatura propriamente dita, é salutar,


retomarmos a primeira questão que elucidamos no início do artigo: De que juventude
estamos falando? Segundo o pesquisador Juarez Dayrell (2012), em um
primeiro estado da arte sobre a temática da juventude, foram analisados os
trabalhos discentes no período de 1980 a 1998. Desses trabalhos, é possível
perceber uma tendência dominante de centralizar as análises na instituição escolar,
desfiguradas do seu modo efetivo de existência. Desse modo, podemos afirmar que
essas pesquisas não desvinculavam o ofício de aluno das especificidades da
juventude, ou seja, focam somente no jovem vinculado apenas a sua experiência
pedagógica e os mecanismos presentes na distribuição do conhecimento escolar.
No que se refere às pesquisas sobre violência em meio escolar, Spósito aponta
resultados semelhantes na relação entre escola, violência, juventude. A autora
demonstra no início do artigo que de 8667 dissertações e teses produzidas nos
programas de pós-graduação em educação no Brasil, somente 9 pesquisas
abordaram a temática da violência em meio escolar. A problemática dessa situação,
naquele momento, como salienta a autora, trouxe a limitação e, principalmente, um
conhecimento ínfimo sobre a temática. Em relação as pesquisas, na década de
1980, a autora cita duas pesquisas que foram desenvolvidas pela pesquisadora
Aurea Guimarães. A primeira intitulada “Escola e violência: relação entre vigilância,
punição e depredação escolar”, aborda, a partir de uma pesquisa de campo
desenvolvida em uma escola de Campinas, teve como objetivo observar uma
possível relação entre a violência que os estudantes produzem na escola e a forma
que a escola as abordava, no ofício de aluno.
Durante a pesquisa, Guimarães (1984) relata que eram constantes as
reclamações dos estudantes sobre a sensação de vigilância, a sensação que em
todo momento alguém chamaria sua atenção. A pesquisademonstra justamente a
pouca ou nenhuma identificação que os jovens estudantes tinham com a escola. A
dinâmica da escola partia muito mais de uma lógica opressora, de vigiar e punir, do
que propriamente de uma ação de reconhecimento e respeito para com aqueles
8

estudantes. Em 1990, a pesquisadora Aurea Guimarães publica a sua tese intitulada


“A depredação escolar a dinâmica da violência”. Seu objetivo nesse trabalho era
buscar uma relação entre a presença da polícia e a agressividade dos jovens
estudantes nas relações estabelecidas dentro do ambiente escolar. A autora conclui
afirmando que a presença policial dentro da escola influencia negativamente o
comportamento dos jovens estudantes que, segundo a autora, se tornam mais
agressivos. Esses dois trabalhos desenvolvidos na década de 1980, abordando a
temática da violência em meio escolar reafirma a nossa tese de que, como ressalta
Dayrell (2012), que o jovem nas pesquisas não eram abordados nas suas
especificidades e sim na sua relação apenas com as experiências pedagógicas, no
que se refere as pesquisas sobre violência, o jovem também não é percebido na sua
especificidade, particularidade, mas sim como vítima de um sistema educacional que
oprime as suas vontades, os seus desejos e sobretudo, as suas relações no interior
da escola. Mesmo a autora abordando as depredações e agressividades dos
estudantes em relação à escola e a seus pares, estes são vistos como vítimas de
um sistema opressor e autoritário que somente contribui para aumentar as
desigualdades sociais. Não obstante, a década de 1980 aponta uma outra
característica importante, no que se refere a relação dos jovens com a violência em
meio escolar. As pesquisas não estavam interessadas em entender a lógica das
relações e das violências ocorridas entre os jovens. Enfim, sua preocupação focava,
no aparato simbólico e estrutural da lógica escolar, ou seja, essas pesquisas
apontam para a passividade dos jovens, eles eram abordados como sujeitos
passivos que depredavam a escola, entretanto, não observados por uma lógica e
uma dinâmica da própria juventude, mas pelos aparatos simbólicos e violentos que a
própria escola produzia. Na década de 1990 aumenta o número de pesquisas sobre
violência em meio escolar (Guimarães, 1995; Cardia, 1997; Oliveira, 1995; Candau,
1999; Costa, 2000; Araújo, 2000) e aumenta também as perspectivas sobre o
fenômeno da violência e sua relação com os jovens. Se nas décadas de 1980 as
9
pesquisas estavam muito mais voltadas para os aparatos simbólicos de violência
que a instituição escolar detinha e produzia, na década de 1990, as pesquisas sobre
a temática irão focalizar seus olhares nas relações juvenis, principalmente, voltadas
ao tráfico de drogas, e sua influência dentro do ambiente escolar. Isto é, o foco das
pesquisas não estará mais na escola vista como uma instituição que instiga e
contribui na produção da violência estudantil, mas sim na escola, agora vista como
vítima da própria comunidade que está inserida.
A pesquisadora Eloisa Guimaraes em seu trabalho etnográfico intitulado
“Escola, galeras e narcotráficos” busca investigar a ação da galera funk e do
narcotráfico em uma escola pública no Rio de Janeiro. De forma complementar,
Cardia investiga as percepções de violência em bairros das cidades do Rio de
Janeiro. Essas duas pesquisas apontam mudanças significativas em relação à
temática da violência em meio escolar, principalmente, na abordagem que fazem da
juventude. Se na década de 1980, os jovens abordados eram vistos como vítimas de
uma lógica escolar que privilegiava muito mais o “vigiar e punir” do que as relações
afetivas, na década de 1990, o jovem será visto como promotor de uma violência
social que influencia diretamente as relações no interior das escolas. Em relação a
primeira pesquisa citada, Guimarães (1995) conclui afirmando que o tráfico de
drogas e a disputa pelos territórios são, sem dúvida, os grandes causadores das
violências ocorridas na escola pública pesquisada. Essa conclusão não foi muito
diferente dos resultados que Cardia (1997) encontrou em sua pesquisa, isto é,
apontou que as violências ocorridas em torno da escola influenciam diretamente as
práticas de incivilidade, tais como brigas, agressões físicas e verbais. Essas duas
pesquisas apontam nitidamente a mudança na perspectiva da juventude no que diz
respeito as pesquisas ou violência em meio escolar. De vítimas à promotores de
violência, esse é o novo movimento que as pesquisas na década de 1990
promovem, ou seja, há o início de uma abertura para conhecer não somente essa
juventude, mas, principalmente, as dinâmicas da violência que esses jovens
produzem. Entretanto, é importante salientar que é perceptível o avanço e a
mudança do foco em relação a dicotomia violência em meio escolar e juventude,
mas a abordagem que essas pesquisas fazem dizem respeito a uma violência
particular: a violência social. A grande questão que essas pesquisas tentavam
10
responder era: como essa violência social, ligada ao tráfico de drogas, influencia o
ambiente escolar? Esse era o foco principal das pesquisas da década de 1990,
pensar o fenômeno da violência escolar como uma consequência e influência das
relações que os jovens efetivavam fora da instituição escolar, quer seja pela busca
da territorialidade, quer seja pelo tráfico de drogas. Não obstante, essas pesquisas
não conseguem abordar as violências ocorridas e produzidas dentro do ambiente
escolar. Focalizam seus estudos nas influências que a escola sofre do seu entorno e
não apontam para a violência produzida pelos jovens dentro do ambiente.
Nesse sentido, a preocupação de entender as dinâmicas de violência
estudantil dentro da própria instituição será a característica das pesquisas da
década de 2000, no entanto, no final da década de 1990, duas pesquisas
contribuíram muito, apontando para essa necessidade, de entender as dinâmicas da
violência dentro da própria instituição
A dissertação de mestrado apresentada pela pesquisadora Carla Araújo
(2000), “Vivencias escolares de jovens de um bairro da periferia de Belo Horizonte”,
pode ser entendido através de duas perspectivas. A primeira refere-se a pesquisa
como característica comum aos outros trabalhos desenvolvidos na década de 1990,
ela reafirma a forte influência que a escola sofre das violências sociais em que,
principalmente, os jovens estão envolvidos. A segunda dizrespeito ao seu caráter
inovador na medida que traz as formas de constituição de identidade desses
adolescentes que experimentavam não somente a violência no seu cotidiano, mas o
estigma, no interior da escola, em decorrência do seu lugar de moradia. Dessa
forma, o foco da violência não estava somente na violência que esse jovem sofre no
contexto em que está inserido, mas também nos estereótipos e preconceitos que
esse jovem sofre da própria instituição escolar e acarretará o surgimento de outras
formas de incivilidade.
Enfim, a pesquisa de Araújo (2000) contribui muito com os debates entorno da
temática, em primeiro lugar, na medida em que tenta entender as relações que a
juventude estabelece na sua comunidade e a influência dessa relação para o
ambiente escolar e, em segundo lugar, pela sua abordagem de querer entender os
diversos grupos juvenis que compõem o ambiente escolar, bem como a sua
identidade, as suas formas de pensar, de agir, de se socializar, sempre relacionando
com as dinâmicas da violência no ambiente escolar.
11

Outra pesquisa que elucida um caminho novo na abordagem do fenômeno


encontrase no trabalho desenvolvido pela pesquisadora Luiza Camacho intitulada
“As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes”, que
teve como objetivo analisar a vida escolar de jovens estudantes de classe média e
de segmentos das elites, incidindo, porém, sobre a pratica de violência contra seus
pares em duas escolas da cidade de Vitória- Espirito Santo, sendo uma pública e
outra privada. A pesquisa demonstrou que a forma mascarada da Violência ocorrida
entre os jovens é a discriminação, nas suas variadas modalidades. Nas relações
estabelecidas entre os jovens, foram observadas práticas de intolerância em face
dos jovens que eram considerados diferentes, concretizadas nas formas de
discriminação social (aos pobres), discriminação racial (aos negros), de gênero aos
(aos homossexuais). A autora conclui sua pesquisa afirmando que a intolerância ao
diferente é uma das faces do processo que dá origem à violência.
Como já foi citado, essas duas pesquisas constituíram como trabalhos
fundamentais que abriram caminhos para uma nova forma de abordarofenômeno da
violência em meio escolar e, sobretudo, a sua relação com a juventude. Foram
trabalhos que preocuparam não somente em entender as dinâmicas das violências
ocorridas e produzidas no interior das escolas, mas de ampliar e valorizar as
particularidades e/ou peculiaridades que essa categoria social representa. Não
obstante, é importante retomarmos a questão referente ao inicio desse artigo: de
que juventude estamos falando?
Ora, essas pesquisas, em particular, a de Araujo (2000) e Camacho (2000),
apontam e refletem a própria abertura que o tema da juventude perpassava no
âmbito acadêmico. Segundo Dayrell (2012), no estado da arte atual, no que se
refere à temática da juventude, as produções compreendidos no período entre 1999
e 2006, apontam para a existência de 188 trabalhos que abordam o tema da
juventude na sua relação com a escola significando 13,17% do total de produção
discente na pós-graduação sobre a juventude no Brasil. Ainda para o autor, é
possível antever novos objetos de analise, numa ampliação significativa de temas
que passam a abordar questões ligadas à subjetividade, como identidade e o corpo,
a questão da raça e do gênero ou mesmo a cultura juvenil na sua relação como a
escola, dentre outras.
12

A pesquisadora espanhola Concepcion Fernandes Villanueva, no artigo


intitulado “Quatro dimensões explicativas da violência dos jovens”, afirma que a
violência protagonizada por jovens ocupa certo espaço na realidade e no imaginário
das sociedades modernas e mantem uma presença continua e estável sob a forma
da chamada delinquência juvenil. Na revisão da literatura, no que se refere a década
de 2000, as abordagens sobre a temática da violência no meio escolar relacionada à
juventude terão como uma de suas metas a compreensão dessas representações
que ligavam o jovem estudante ao mundo do crime. Percebe-se, a partir de uma
primeira análise dos artigos, que a juventude, nas pesquisas sobre o fenômeno da
violência na década de 2000, ora era tratada como vítima de uma política pública
incompetente que não conseguia desenvolver programas que de fato contribuíam
para a vida desses jovens, ora era vista como agressora, uma categoria social que
produzia sua própria violência quer pelo viés da criminalidade, quer pelo viés de
intimidações, humilhações e agressões que traduzem o universo do Bullying.
Segundo Vilanova (2010), há quatro dimensões que compõem a violência
juvenil. A primeira, denominada Dimensões Grupais, se manifesta na composição de
gangues que vão desde o grupo propriamente dito, cujos membros interagem
cotidianamente. Ainda para a autora, a integração em grupo, em qualquer de suas
formas, é muito importante na adolescência e na juventude, pois o grupo é nesse
momento um recurso para construir a identidade social e a possibilidade de se
tornarem protagonistas da vida social e da história. A segunda refere-se à Identidade
Social, isto é, o conjunto de significantes pelos quais os atores sociais se
reconhecem e são reconhecidos. Para Villanueva (2010), o malestar produzido por
uma identidade considerada degradada ou desvalorizada é um fator constatado na
investigação sobre violência de jovens na cidade. Os atos de violência dentro da
escola adquirem sentido desde a perspectiva de seus atores como uma resposta à
identidade negativa projetada pelas autoridades ou simplesmente percebida pelos
agressores. A terceira dimensão diz respeito à Ideologia que, segundo a autora, a
identidade frágil, polarizada e rivalizada é o caldo de cultura no qual a violência dos
jovens se enquadra.
13

Os atos de violência cumprem uma função na manutenção, na conquista e no


reforço da identidade, mas não seriam compreensíveis sem um conjunto de
valores justificados que os tornam compreensíveis e de certo modo “justos”
para seus atores. A esse conjunto de valores chamamos de ideologia da
violência” (Villanueva, 2010).

A quarta dimensão é denominada de Elementos Imaginários, ou seja,os grupos


podem ter para si mesmoe para a sociedade um imaginário negativo. Ainda para a
autora, esses imaginários criam- se quando os grupos são privados de
reconhecimento pessoal, de presença social ou são representadas com imagens de
desvalorização e, a ausência de reconhecimento social é determinante da violência
constatada em muitos incidentes com os jovens. E, sem dúvida, é nessa
culpabilização imaginária da juventude, ou melhor, nessas várias representações
que relacionam a juventude à violência, que se encontra nossa primeira proposta de
pensar as pesquisas sobre essa temática produzida na década de 2000. Estamos
propondo pensar essas pesquisas em três grandes categorias.
A primeira refere-se à criminalidade urbana, escola, juventude. Pesquisadores
como Koury (2011); Lopes e (2008); Galinkin e Almeida (2012); Silva (2011); Leite e
Silva (2007) buscaram entender as especificidades e características que compõe
essa dualidade juventude e criminalidade urbana. São pesquisas que tiveram como
referência teórica os trabalhos desenvolvidos pelo sociólogo francês François Dubet.
Para ele, a noção de experiência só tem sentido e utilidade se a ação não for
redutível à versão subjetiva do sistema, se o ator não estiver totalmente socializado.
Sem dúvida, a proposta doautor encontra-se embasada nessa afirmação, ou seja,
de pensarmos o ator social não agindo de acordo com as exigências que são
estabelecidas pela autoridade das instituições que compõem a sociedade, mas das
experiências que compõem o próprio sujeito. As suas experiências não são
reduzidas há uma socialização total, pelo contrário, ela se perpetua nas suas várias
formas, possibilitando, assim, uma autonomia do individuou.
Segundo Dubet, um exemplo claro para pensarmos as experiências sociais
como dimensão analítica é as várias estigmatizaçoes que os jovens, sobretudo,
14
oriundos da periferia sofrem. Para o autor, não só estes adolescentes dos
subúrbios são vítimas do desemprego, do insucesso escolar e de certa pobreza,
como também, são sujeitos a todo um conjunto de estereótipos negativos ligados à
má reputação do bairro onde vivem ao racismo, as rusgas da polícia. E, nesse
sentido, a maioria dos jovens aceitam esses estigmas, muitas vezes os utilizando,
até para conseguir benefícios. A proposta do sociólogo Dubet, é justamente pensar
a subjetividade dos atores sociais como o objeto da sociologia da experiência, ou
seja, é pensarmos em um ator não totalmente cego, alienado, preso as “burocracias”
da sociedade, ao contrário, esse ator não é ingênuo e, sem dúvida, deve ser levada
como pertinente o sentimento de liberdade manifestada pelos indivíduos, “não
porque ele seja a expressão de uma verdadeira liberdade, mas porque é testemunha
da experiência própria, da necessidade de gerir as várias lógicas da percepção da
ação como experiência e como um drama evidentemente. O sociólogo lerá nessa
experiência coisas em jogo e problemas sociais” (Dubet, p. 35). Dessa forma
percebe-se que a experiência social não é dada, não é acabado, o ator social não é
um objeto passivo construído pela sociedade, ao contrário, a experiência social é
construída pelo próprio individuo, entretanto, é importante enfatizar que a
experiência social pura, segundo autor, é uma aporia, isto é, mesmo que a
experiência tente ser uma ação meramente individual, ela somente existe na
perspectiva do outro, e na medida em que o outro também compartilha e confirma a
experiência do outro.
A pesquisa intitulada “Representações socais de professores e policiais sobre
juventude e violência” das pesquisadoras Ana Lucia Galinkin e Almeida, tentam
identificar as representações socais que professores e policiais civis constroem
sobre a violência, em particular, a praticada por jovens. Foram entrevistados 15
professores duas escolas privadas e 16 policiais civis de ambos os sexos de quatro
delegados. A partir da coleta de dados, as pesquisadoras concluíram que a família é
uma das responsáveis pela violência praticada pelos jovens por se desobrigar de
seu papel socializador dos filhos. Ainda para os entrevistados, a responsabilidade da
educação dos jovens está sendo transferida da família para eles.
O pesquisador Mauro Guilherme Koury no artigo denominado “Medos urbanos
e mídia: o imaginário sobre juventude e violência no Brasil atual” aborda a cultura do
15
medo, através da relação juventude e violência. Para o autor, a incerteza do futuro, a
ineficácia ou pouco eficácia das políticas sociais de inclusão, a violência social que
os exclui, através da cultura do medo que os considera marginais perigosos, a
serem evitados e, às vezes, exterminados, banaliza o teor social de incerteza
presente nas atitudes dos jovens e para os jovens pobres, aumentando a exclusão e
fazendo crescer suas atitudes agressivas e nas relações no entorno. Essa afirmação
de Koury (2011) vem de encontro com a pesquisa desenvolvida por Gomes e
Santana (2010), ‘Policia e Escola: aparando arestas”, em que parte de uma questão
central: será que a polícia favorece a segurança e a proteção de todos na escola ou
contribui para o aumento da violência? Essa pesquisa aconteceu em quatro escolas
públicas do Distrito Federal. A caráter de conclusão, os participantes, da pesquisa
afirmaram que a presença da polícia na escola é importante para combater a
violência, principalmente, quando há relacionamento de amizade e confiança entre
os policiais, a direção da escola, os alunos e seus respectivos pais. Essa pesquisa
contraria os dados obtidos por Áurea Guimarães (1990), quando essa afirma que a
presença policial contribui para o aumento da agressividade dos estudantes. Não
obstante, é importante enfatizar que a diferença etária entre essas duas pesquisas
contribui para a diferença de resultado. Entretanto, em relação a juventude, o que
mudou nesses vinteanos?
Nesse sentido, a pesquisadora Do Valle (2007) traz algumas contribuições para a
tentativa de responder essa questão.

(...)o que se constata é que são os jovens, com idade entre 15 - 29 anos, que vem
sendo assassinadas por todo o país. No Brasil, entre os anos de 1979 e 1996 houve
um aumento de 135% no número de jovens mortos. O que se verifica é que para
cada 4,60 crianças e adolescentes assassinados há uma vítima de violência juvenil e,
em São Paulo essa relação chega a 1 adulto para 7,37 jovens.” (Do Vale, 2007,
p.10)

Essas pesquisas citadas contribuem muito para entender o contexto analítico que
encontram-se as pesquisas que abordam a temática juventude, violência e escola
em 2000, ao mesmo tempo, que elas reproduzem em parte as pesquisas da década
16

de 1990 em que a violência em meio escolar era justificada pela influência direta das
violências que aconteciam no seu entorno, eles avançam na discussão trazendo não
somente levantamentos quantitativos sobre a situação socioeconômica em que se
encontra o jovem, mas tenta entender o que acarreta os jovens estudantes a
enveredar para esse caminho. Seja pela omissão da família, citado por Galinkin e
Almeida (2012), seja pelas possibilidades financeiras e de conquista de espaços e
afirmações sociais como afirma Gomes (2006) em seu artigo “A violência na ótica
dos alunos estudantes do Distrito Federal” em que teve por objetivo captar as
percepções de adolescentes matriculados em estabelecimentos educacionais do
Distrito Federal sobre as violências nas escolas e nas comunidades, trazem a
tentativa de pensar a dicotomia escola, juventude e violência como uma relação
sócio cultural, como afirma o pesquisador Juarez Dayrell (1996), quando enfatiza
que uma forma de compreender os jovens que chegam a escola é apreendê-los
como sujeitos sócios-culturais. Em outras palavras, implica a superar a visão
homogeneizante e estereotipada da noção de aluno, dando-lhe um outro significado.
Tratase de compreende-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma
historicidade, com visões de mundo, escala de valores, sentimentos, emoções,
desejos, projetos, lógicas de comportamento e hábitos que lhes são próprios. O que
essas pesquisas trazem de inovação é o caráter de querer entender quem são
esses jovens que ao mesmo tempo em que encarnam o ofício de aluno, são
constituídos na carreira criminosa. No entanto, é importante enfatizar que outros
pesquisadores vêm trabalhando com essa temática e, sem dúvida, é uma categoria
de análise que necessita de mais pesquisas. Todavia, essa categoria contribui e
dialoga com uma segunda categoria, que chamaremos de Vulnerabilidade social,
juventude, escola.

Essa categoria comporta-se principalmente os trabalhos desenvolvidos pela


área da saúde - psicologia, enfermagem, medicina - que contribuíram muito para o
desenvolvimento das discussões sobre a temática em meio escolar. Pesquisas
desenvolvidas por Vagostello (2003); Braga (2012); Njaime (2006); Gontijo (2010);
Cocco e Lopes (2010); Amparo (2008); Machado (2005) apontam contribuições para
17

o entendimento da temática, introduzem a nomenclatura “vulnerabilidade social” nos


estudos de violência em meio escolar, no entanto, a abordagem relacionando a
violência que acontece no entorno da escola e o seu desencadeamento para o seu
interior é o que prevalece nessas pesquisas. Percebe-se que há uma retomada das
pesquisas da década de 1990 e a abordagem sobre a influência da violência social
tomará mais fôlego com a entrada das áreas da saúde, em particular, a psicologia,
enfermagem e medicina. Não obstante, essas pesquisas não trazem inovação na
abordagem do fenômeno, entretanto, aumentam as formas de se pensar a própria
dicotomia violência social e violência escolar, ou seja, essas pesquisas trazem é,
sem dúvida, uma expansão dos tipos de violência que irá influenciar as relações,
sobretudo, dos jovens estudantes no âmbito escolar.
A pesquisa de Machado (2005) intitulada “Fatores de risco e de proteção na
rede de atendimento a crianças e adolescentes: vítimas de violência sexual” é um
exemplo claro da tentativa da expansão da nomenclatura “violência social” para as
pesquisas sobre o fenômeno da violência escolar, isto é, abordar o conceito de
“violência social” não somente atrelada ao tráfico de drogas, mas aos vários tipos de
violência que o jovem está exposto. A pesquisa de Machado (2005) apresenta o
mapeamento de fatores de risco e de proteção na rede de atendimento a crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual identificados nos processos jurídicos do
Ministério Público do Rio Grande do Sul/ Brasil por violência sexual, no período entre
1992-1998. O autor conclui que há dificuldade dos órgãos de proteção intervirem
efetivamente nos casos. Verificou-se a falta de comunicação entre as instituições
para articular as medidas de proteção necessárias e acompanhar seu cumprimento.
De forma similar, Cocco (2010), em seu artigo “Violência entre jovens: dinâmicas
sociais e situações de vulnerabilidade”, busca analisar as dinâmicas sociais
implicadas na vida de jovens vítimas de violências por meio da (re) construção das
relações cotidianas discutindo situações de vulnerabilidade. Entrevistou-se 23 jovens
vítimas desse evento, no município de Porto Alegre, RS. A caráter de conclusão, a
autora afirma que a formação escolar é reconhecida enquanto garantia de inclusão
social, no entanto, para alguns os problemas do ensino público e a violência intra e
extramuros, colaboram para descaracterização da escola como espaço protegido e
de aprendizagem.
18

Já a pesquisa de Amparo (2008), intitulada “a escola e as perspectivas


educacionais de jovens em situação de risco”, traz um dado contrário aos resultados
obtidos de Cocco (2010). O objetivo de seu estudo era identificar a percepção de
jovens em situação de risco psicossocial sobre a realização e aspirações escolares
e a rede de apoio social relacionadas ao contexto de ensino- aprendizagem. Os
resultados revelaram que a escola se constitui numa importante rede de proteção,
com a qual os jovens apresentam, em geral, atitudes positivas de confiança e
interesse. Essas pesquisas citadas se assemelham pela abordagem da violência em
meio escolar vinculada à questão da vulnerabilidade dos jovens, ou seja, buscam
em seus respectivos trabalhos abordar a questão da vulnerabilidade social em que
os jovens estão inseridos. Em muitos momentos dessas pesquisas percebe-se o
jovem atrelado a imagem de agressor, no entanto, nessa categoria o que vai
prevalecer é novamente uma vitimização da juventude em relação à violência em
meio escolar. A terceira categoria que estamos propondo é a Violência, Juventude e
Políticas Públicas. Dos 140 artigos pesquisados, 60% desses trabalhos ao abordar a
questão da violência e juventude traziam na sua discussão as políticas públicas
como ações que poderiam diminuir significativamente a violência social, em
particular, a violência em meio escolar. Pesquisas como Santos (2012); Chrispino
(2007); Spósito e Carrano (2003); Dusi e Chrispino (2008); Galvão (2010); Amâncio
e Neves (2003); Xavier e Leiro (2010) contribuem para não somente a discussão da
temática, mas, sobretudo, inova trazendo a abordagem das políticas públicas para
os estudos da juventude e violência em meio escolar.
O artigo “Juventude e políticas públicas no Brasil” dos pesquisadores Paulo
Cesar Carrano e Marília Pontes Spósito (2003), apesar de não abordar
explicitamente a juventude e violência escolar, contribui trazendo dados para melhor
compreender as políticas públicas atreladas à violência e juventude. Os
pesquisadores têm por objetivo analisar os programas do governo federal no período
de 1995- 2002, que estavam vinculadas as políticas da juventude. Os autores
concluíram afirmando que, em primeiro lugar, os programas analisados não
continham definições claras sobre a juventude, principalmente, as atreladas a faixa
etária. Em alguns programas a juventude abarcava até os 40 anos, enquanto que
19
em outros, vai até os 24 anos. Em segundo lugar, eram programas que, muitas
vezes, não abarcava as especificidades da juventude, muito mais paliativos do que
efetivamente eficazes para o desenvolvimento da juventude. Essa pesquisa irá vir
acompanhada de outras que terão como objetivo mostrar como a falta das políticas
públicas contribuíram para o aumento da violência produzida pelos jovens, tanto a
social, quanto a escolar. A pesquisa de Santos (2012) “Juventude e violência:
trajetórias de vida e políticas públicas” demonstra, a partir das faltas de políticas
públicas, como os jovens têm sido atingidos pela violência. Esse trabalho objetiva
refletir sobre os contextos em que jovens vítimas de homicídios estavam inseridos.
Ao final, problematizar a relação da condição juvenil com sociedade equipamentos,
públicos, e a ausência de políticas focalizadas no jovem que busque resgatar a
cidadania dessa população.
Enfim, pesquisas sobre violência em meio escolar vem nesses 30 anos sendo
desenvolvidas nos programas de pós-graduação no Brasil e, sem dúvida, a década
de 2000 foi fecundo nos debates sobre a temática, em particular, na abordagem
juventude e violência escolar.
a) Pesquisa Documental: É a pesquisa que consiste na busca de fontes
primárias, ou seja, são documentos que não foram publicados ou
analisados por nenhum outro pesquisador. Como por exemplo,
documentos históricos, fotografias, legislação, etc.
b) Pesquisa Teórica: Esse tipo de pesquisa busca, de forma restrita, se
debruçar sobre os conceitos que vários pesquisadores e cientistas criam
em seus debates acadêmicos. EX: Um artigo pode ter por objetivo geral
debater sobre o conceito de Violência Simbólica do sociólogo francês
Pierre Bourdieu.
20

PESQUISA DE CAMPO

Introdução à Pesquisa Quantitativa e Qualitativa

Os métodos quantitativos e qualitativos em muitos momentos são colocados


em debate e, sobretudo, em confronto mútuo, em particular, pela validade de seus
dados, a sua eficiência e a sua neutralidade frente a análise dos dados e o contato
que muitas vezes o pesquisador tem com os sujeitos investigados.
As pesquisas quantitativa e qualitativa se definem principalmente pela escolha
e abordagem do problema formulado. A mola propulsora de uma pesquisa partir da
abordagem do problema formulado, visando à checagem das causas atribuídas a
cada uma, na escolha do tema do trabalho a ser desenvolvido, sabe-se que seu foco
de estudo, seu objeto de análise, partirá, necessariamente, de um problema. A
maneira como será abordado este problema bem como os resultados que se deseja
obter é que definem a pesquisa.

A pesquisa quantitativa

Diretamente na quantificação dos dados, ou seja, o pesquisador tem como


objetivo tabelar e numerar os dados coletados. Por exemplo, são as pesquisas
desenvolvidas pelo IBGE, quando, através de questionários e entrevistas fechadas,
o pesquisador analisa e transforma os dados coletados em números e tabelas,
justamente para quantificar e responder as suas problematizações. Segundo a
pesquisadora Zaine Lima (2015), as pesquisas quantitativas são muito bem aceitas
nas áreas das ciências exatas ou mesmo biológicas, entretanto, no caso da
educação, podemos medir o índice de evasão escolar, por exemplo. A partir da
pesquisa quantitativa podem ser geradas análises e dados qualitativos. Para que
uma pesquisa quantitativa atenda às características científicas é muito importante
que se tenha presentes dois aspectos: boas perguntas e percepção dos limites aos
quais pode-se ir a partir dos números.
• O questionário de perguntas fechadas.
21

Este, sem dúvida, é o principal instrumento de coleta de dados utilizado por


pesquisadores que buscam desenvolver uma pesquisa quantitativa. É também
conhecido como “Entrevista Estruturada”, ou seja, o pesquisador elabora as
questões que serão direcionadas aos entrevistados, no entanto, não há
possibilidade de acrescentar (durante a entrevista) qualquer outro tipo de pergunta.
Naturalmente, o pesquisador quase não tem contato direto com os sujeitos
entrevistados, muitas vezes, o próprio pesquisador contrata um aplicador e somente
analisa e quantifica os dados a posteriori. Normalmente, essas perguntas
formuladas antes das entrevistas pelo pesquisador são questões objetivas, em que o
entrevistado terá como função somente marcar a alternativa que melhor
corresponda às suas ideias. Por isso são denominadas de entrevistas fechadas,
onde o pesquisador não terá muita ou quase nenhuma liberdade para interagir com
os sujeitos analisados. O Questionário, numa pesquisa, é um instrumento ou
programa de coleta de dados. Se sua confecção é feita pelo pesquisador, seu
preenchimento é realizado pelo informante. A linguagem utilizada no questionário
deve ser simples e direta para que o respondente compreenda com clareza o que
está sendo perguntado. Não é recomendado o uso de gírias, a não ser que sefaça
necessário pornecessidade de características de linguagem dogrupo (grupo de
surfistas, por exemplo). Todo questionário a ser enviado deve passar por uma etapa
de pré-teste num universo reduzido, para que se possam corrigir eventuais erros de
formulação.
• Amostragem.

Para a pesquisadora Zaine Lima (2015), a técnica da amostragem consiste em


tomar uma amostra de dentro de um universo maior do que se pretende estudar.
Existem pesquisas que possuem um universo muito grande e para que a
amostragem reflita significativamente o tema abordado ela precisa ser proporcional
ao problema. Veja um exemplo explicitado pela autora:
Exemplo: a quantidade de alunos de uma escola que tem aula nos turnos
manhã, tarde e noite é de 1.000 alunos, para saber o perfil do aluno da referida
escola não preciso entrevistar os mil alunos, eu posso pegar uma amostra, a qual
22

vai representar todo o universo. Neste caso, podemos entrevistar 30% dos alunos,
distribuídos proporcionalmente nos três turnos, daí poderemos desenhar o perfil do
alunado da escola após entrevistar 300 pessoas.

A pesquisa qualitativa

A pesquisa qualitativa, ao contrário da quantitativa, tem como característica o


contato direto entre o pesquisador e o sujeito pesquisado, como também a descrição
detalhada do contexto desses sujeitos. Busca a aproximação e interação contínua
entre os indivíduos. Segundo Zaine Lima (2015), a intenção da pesquisa qualitativa
é investigar os fenômenos em toda a sua complexidade, tendo como características
que devem ser encontradas no pesquisador: a capacidade de fazer a observação
participante e a entrevista em profundidade. Nesse sentido, gestos, entonações de
voz, o olhar, as falas, enfim, tudo que esteja aos olhares do pesquisador é
importante para a pesquisa, nada deve ser descartado.
De acordo com Bogdan (1994) e Biklen (1994), o investigador deve fazer uma
imersão no mundo do investigado na tentativa de captar a sua realidade, conseguido
após a conquista da confiança do investigado, o qual, ao se sentir à vontade para
falar dos problemas para o investigador, traduziria a realidade dos fatos.
Bourdieu (1999) salienta que é necessário que se tenha uma reflexividade
reflexa, esta seria baseada num olhar sociológico, onde é possível controlar os
efeitos da estrutura social na qual a sua pesquisa se realiza. Ou seja, não se pode
nos envolver nos problemas do entrevistado, porém deve-se imergir o suficiente na
realidade deste, para que se possa quase que sentir o que ele relata.

Métodos e técnicas de pesquisa

A Metodologia é a explicação minuciosa, detalhada, rigorosa e exata de toda


ação desenvolvida no método (caminho) do trabalho de pesquisa.
É a explicação do tipo de pesquisa, do instrumental utilizado (questionário,
entrevista, etc.), do tempo previsto, da equipe de pesquisadores e da divisão do
trabalho, das formas de tabulação e tratamento dos dados, enfim, de tudo aquilo que
se utilizou no trabalho de pesquisa.
23

Existem vários métodos que o pesquisador pode utilizar em sua pesquisa de


campo:

A) Etnografia: A etnografia, na concepção do antropólogo Michael Angrosino


(2009), é a arte e a ciênciade descrever um grupo humano, suas instituições, seus
comportamentos, suas produções materiais e suas crenças. De forma
complementar, Hammersley e Atinkson (1994), caracterizam a natureza etnográfica
na ação cotidiana, ou seja, as características de uma cultura são estudadas na ação
dos sujeitos inseridos em seu modo diário de convivência e/ou interação com o outro. Dentro
desse novo contexto em que o pesquisador, mais precisamente, o etnógrafo se encontra, é
importante salientar que as condições propícias para a coleta de dados se fazem na
interação e, sobretudo, na forma como o pesquisador se relacionará com os sujeitos
pesquisados. Isso significa afirmar que, diferentemente das pesquisas de cunho
quantitativo - em que as variáveis são manipuladas a fim de identificar as relações
entre elas, ou seja, o pesquisador tem um controle de seu objeto – os fenômenos
sociais e os acontecimentos que caracterizam uma determinada cultura, não são
controlados pelo etnógrafo, assim, os dados que tanto o pesquisador de “campo”
almeja alcançar serão construídos no cotidiano, nas relações e na postura que o
etnógrafo terá frente aos fenômenos e acontecimentos sociais e culturais. Dessa
forma, é papel do etnógrafo, nas palavras de Malinoviski (1984), determinar, no
campo, as regras e as regularidades da vida tribal; tudo que é permanente e fixo;
descrever a anatomia de sua cultura; retratar a constituição de sua sociedade. Pode-
se afirmar que, é no cotidiano que vão surgindo às oportunidades que o pesquisador
precisa para delinear as características peculiares que Malinoviski tanto salienta.

Assim, a etnografia, como método singular, tende essencialmente a descrever


a cultura do outro, ou como prefere Angrosino (2009), a “descrição de um povo”.
Essa característica aponta para uma outra funcionalidade do método, isto é, a sua
abordagem é sempre coletiva, ela não lida e/ou analisa indivíduos na sua ação
particular. Sua intencionalidade refere-se à tentativa de entender a organização de
grupos que, como afirma Malinoviski (1984), deve cobrir de modo sério e sóbrio toda
a extensão dos fenômenos em cada aspecto da vida tribal, atribuindo tanta
24

importância aos fatos rotineiros e banais, quanto àqueles que chamam a atenção por
serem surpreendentes e estranhos.

De forma complementar, Hammersley e Atkinson (2007), definem a etnografia


como uma empresa textual, porém esses textos devem relatara realidade como ela
se apresenta na visão do pesquisado, colocando os atores, as situações, as
manifestações como elas se apresentam, sem perder de vista que esta vertente
metodológica busca entender os significados dos eventos na perspectiva do sujeito e
não do pesquisador. Claro que isto não remete à neutralidade tão defendida pelos
positivistas, mas salienta a importância do pesquisador conhecer o significado local
da ação. Isso permite afirmar que o etnógrafo necessita buscar e/ou obter, o que o
antropólogo americano Clifford Geertz (1989) chamou de Descrição Densa, ou seja,
uma descrição detalhada dos eventos ocorridos no campo de pesquisa,
considerando gestos, olhares, tom de voz, as interações, etc. No livro Interpretação
das Culturas, Geertz (1989), exemplifica a descrição densa trazendo a ideia da
piscadela, ou seja, a comunicação corporal praticada pelos sujeitos pode dizer tanto
quanto o discurso falado, uma piscada, por exemplo, pode ser encarada tanto como
um tique nervoso, quanto como uma forma de comunicação:

Como movimento, os dois são idênticos; observando os dois sozinhos, como se


fosse uma câmara, numa observação ‘fenomenalista’, ninguém poderia dizer qual delas
seria um tique nervoso ou uma piscadela ou, na verdade, se ambas eram piscadelas ou
tiques nervosos. No entanto, embora não retratável, a diferença entre um tique
nervoso e uma piscadela é grande, como bem sabe aquele que teve a infelicidade de
ver primeiro tomado pela segunda. O piscador está se comunicando e, de fato,
comunicando de uma forma precisa e especial: 1- deliberadamente; 2- alguém e
particular; 3- transmitindo uma mensagem particular; 4- de acordo com o código
estabelecido. (Geertz, 1989).

Desse modo, o pesquisador deve descrever minuciosamente o fenômeno


ocorrido, entretanto, relacionando esses acontecimentos ao contexto sociocultural
onde o objeto pesquisado está inserido, sempre pensando na dicotomia local/global,
como salienta o antropólogo inglês Bryan Street (1995). Assim, chegamos à primeira
singularidade do método etnográfico: a Observação Participante.
25

B) História Oral e História de Vida: As pesquisas, por exemplo, que utilizam o


método História de vida, permitem a ampliação das fontes documentais, na medida
que as falas, os gestos e, principalmente, as memórias são valorizadas como objeto
de pesquisa. Assim, as pesquisadoras Inês Teixeira e Vanda Praxedes (2001), no
artigo intitulado História Oral e Educação: tecendo vínculos e possibilidades
pedagógicas, salientam três características fundamentais da História Oral, em
particular, a História de Vida. O primeiro diz respeito ao debate entorno da ideia de
Verdade histórica, ou seja, a história oral contribui para a problematização do
conceito de Verdade, ou seja, a ideia de verdade hegemônica dos fatos históricos,
defendida pelo historicismo alemão, é repensada a partir do momento que a história
oral propõe a valorização da memória dos sujeitos, que até meados do século XX,
eram desconhecidos pela historiografia. O segundo refere-se à valorização das
práticas culturais e cotidianas, isto é, o uso da história oral nas pesquisas propicia o
uso não somente das entrevistas abertas ou semiabertas, formais ou informais, mas
permite que o olhar seja estruturado como parte da pesquisa e da compreensão das
relações que os sujeitos incorporam nas suas práticas corporificadas no cotidiano
vivenciado por eles. O terceiro, e último aspecto, diz respeito à afirmação que a
pesquisa é um encontro sócio antropológico, é uma relação intersubjetiva entre
sujeitos que falam e ouvem, que sentem e pensam. Nesse sentido, para as autoras,
cabe ao pesquisador a busca da espontaneidade, pois se trata de um encontro entre
sujeitos, com diferentes registros culturais e temporários,que exige do pesquisador
um permanente exercício de alteridade. A natureza da pesquisa etnográfica também
pressupõe essa preocupação com o outro, essa busca em transformar a relação
verticalizada do pesquisador/pesquisado, na horizontalidade das relações sociais
face a face, como afirma o sociólogo americano Erving Goffman(1967).

• Estudo de Caso: consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo


a partirde documentos ou de acontecimentos específicos. Os Estudos de Caso
têm por finalidade:
• Fornecer uma caracterização precisa de variáveis, no sentido de identificá-los e
sugerir relações entreelas;
• Servir de base a futuros estudos controlados experimentalmente, apontando
questões ou hipóteses sobre os fenômenos estudados;
26
• Auxiliar na avaliação de programas;
• Analisar o comportamento individual, ajudando a compreender como um
programa afeta os indivíduos.

O Estudo de Caso tem origem na tradição médica e psicológica, na qual se


refere a uma análise detalhada de um caso individual (TOSTA, 2003). Esse estudo
tem duplo objetivo. O primeiro consiste em tentar chegar a uma compreensão
abrangente do grupo em estudo, o segundo é a tentativa de desenvolver
declarações teóricas mais gerais sobre regularidades do processo e estruturas
sociais. O desenvolvimento de um estudo de caso compreende, em geral, três fases:

1. Fase explanatória: fundamental para uma definição mais precisa do objeto de


estudo. É o momento de especificar as questões, estabelecer os contatos
iniciais para a entrada no campo, localizar os sujeitos e asfontes.
2. Delimitação do estudo: a importância de delimitar os focos da investigação e
estabelecer os contornos do estudo decorre do fato de que nunca será possível
explorar todos os ângulos do fenômeno num tempo razoável limitado.
3. Análise sistemática e elaboração do relatório: surge a necessidade de juntar a
informação, analisá-la, torná-la disponível aos sujeitos da pesquisa, para que
manifestem suas reações sobre a relevância.

Para o pesquisador Dinael Corrêa (2007), o estudo de caso tem múltiplas


funções, no entanto, existem duas que, sem dúvida, caracterizam melhor esse
procedimento metodológico. A primeira consiste na informação, ou seja, na
descrição de um conjunto de dados sobre uma ou mais pessoas em determinadas
situações. A segunda parte da problematização, isto é, no entrelaçar da teoria com o
material proveniente de uma prática, ou seja, de uma pesquisa empírica.

C) Grupo focal: O grupo focal, muitas vezes no meio acadêmico, é abordado


como metodologia, outras vezes, como instrumento de coleta de dados. Iremos
abordar, nesta apostila, a percepção da pesquisadora brasileira Bernadete Gatti
(2012), em que afirma que essa metodologia possibilita ao pesquisador um número
considerável de entrevistas em um curto espaço de tempo. Enquanto a entrevista
27
tradicional Face a Face, o pesquisador se concentra em somente uma pessoa, no
Grupo Focal, ele trabalha simultaneamente com uma faixa de dez entrevistados,
todos colocados em uma mesa redonda. Isso, consequentemente, permite que o
pesquisador usufrua de dados sistemáticos, provenientes de poucos encontros com
seus entrevistados.
Segundo Gatti (2012), o Grupo é focalizado, no sentido de que envolve algum
tipo de atividade coletiva: assistir um filme e conversar sobre ele; examinar um texto
sobre algum assunto, ou debater um conjunto de questões. Ainda para a autora,
existem algumas dicas indispensáveis, que o pesquisador precisa saber para que o
uso do método aconteça de forma clara e consistente: Respeito ao princípio da não
diretividade, ou seja, o pesquisador não pode induzir a resposta do sujeito
entrevistado.
Fazer a discussão fluir entre os participantes é a função do moderador. Isso
pressupõe dizer que na pesquisa com Grupo Focal é fundamental a participação de
um outro pesquisador, denominado de Moderador. Enquanto o pesquisador principal
fica do lado de fora da discussão, observando e fazendo suas anotações, o
Moderador tem como função organizar e fazer o debate fluir entre os participantes.
• O grupo será composto a partir de critérios associados as metas de pesquisa.
• Recomenda-se não se juntar no mesmo grupo pessoas que se conhecem
muito ou que conheçam o moderador.
• Número de participantes: entre 6 à 12 pessoas.
• Número de grupos: 3 a 4 grupos. Encontro preferencialmente em uma mesa,
em lugar silencioso.

D) Pesquisa-ação: Esse método iniciou no período póstumo à 2° Guerra Mundial,


quando o psicólogo alemão Kurt Lewin, foi convidado pelo governo americano para
desenvolver um trabalho de intervenção frente à população. O que caracteriza essa
metodologia é, sem dúvida, o grande foco que é dado na modificação de uma
realidade, ou seja, o pesquisador que escolher trabalhar essa metodologia, terá
como objetivo desenvolver uma pesquisa para modificar um contexto conflitante. O
hífen que existe entre eles “Pesquisa- ação” tem uma função, significa um diálogo
entre as partes que compõe essa metodologia, isto é, ao mesmo tempo que a
28

pesquisa influencia na mudança de uma situação concreta, essa situação também


influencia a pesquisa. De forma prática, um pesquisador desenvolve um trabalho
cientifico, como qualquer trabalho, mas a grande diferença está no seu objetivo final,
que é transforma uma situação ou fenômeno. Por exemplo, um pesquisador
desenvolve um trabalho sobre o uso de drogas na escola. Após finalizar esse
trabalho, seu objetivo é utiliza-lo de forma prática, para contribuir, quer seja grande,
quer seja pequena, para a transformação daquele problema nessa determinada
escola.

Instrumentos de coleta de dados:

a) Entrevistas abertas: No que se refere à Entrevista, é o instrumento de coleta de


dados mais utilizado em pesquisas sociais, segundo o antropólogo Clive Seale
(1994). Ainda para o autor, a entrevista é mais econômica do que os métodos de
observação já que o entrevistado pode informar sobre uma ampla gama de
situações que ele ou ela tem observado, atuando assim, como olhos e ouvidos do
pesquisador. Convencionalmente, a entrevista tem sido definida como um
encontro entre duas pessoas a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação da natureza
profissional. Nessa concepção, o entrevistado é percebido como um sujeito
passivo, visto pelo entrevistado como um mero informante. A pesquisadora
Heloisa Szymanski (2011), em seu livro intitulado “A entrevista na pesquisa em
educação: a prática reflexiva” tenta avançar nesse debate, trazendo a ideia de, no
processo de entrevista, tanto o entrevistador, quanto o entrevistado partem de
comportamentos ativos nessa interação. O que é inusitado na perspectiva de
Szymanski (2011) é o papel fundamental do entrevistado para o direcionamento
da entrevista e para, consequentemente, a coleta de dados objetivada pelo
pesquisador. Ao aceitar ser entrevistado,o sujeito durante o processo da fala vai
organizando fatos, acontecimentos e ideias que muitas vezes, até o momento,
não fizera parte de seus pensamentos de forma sistemática. Ele descobre ser
dono de um conhecimento importante para o outro.
29
Assim, esse movimento reflexivo que a narração exige apresenta para o
entrevistado algo novo, organizado, que ele não conhecia. Nessa nova
perspectiva de entender, a entrevista permite olhar para o entrevistado como um
sujeito ativo, em que até o direcionamento da entrevista irá depender da
interpretação e o sentido que ele dará a essa conversa. Dessa forma, Szymanski
(2011), acrescenta que a interpretação do entrevistado sobre o momento da
entrevista pode se processar de várias maneiras: uma oportunidade para falar e
ser ouvido; uma avaliação; uma deferência a sua pessoa; uma ameaça; um
aborrecimento, uma invasão. Pensando no trabalho do etnógrafo, a entrevista
deve ser também, como afirma Seale (1994), vista como um bom recurso e/ou
oportunidade para realizar a observação direta, ou seja, o que acontece durante a
entrevista em si é de interesse do pesquisador. O silêncio, a agitação, o
nervosismo, a risada, o choro, enfim, tudo tem que ser observado e descrito,
como diz Geertz (1989), em um processo de descrição densa.
Existem dois momentos na entrevista fundamentais para que o pesquisador
tenha “sucesso” na sua coleta de dados. O primeiro diz respeito ao contato inicial,
o que Angrosino (2009) chama de Gelo Inicial, ou seja, a forma como o
pesquisador se apresentará ao entrevistado, pois esse sabe de seu valor e tem o
pesquisador numa relação de igual para igual. Nessa interação de poder, o
entrevistado pode decidir se quer ou não contribuir com o entrevistador. A forma
que o pesquisador, em particular, o etnógrafo, irá se apresentar, fornecendo
dados sobre sua pessoa, a instituição que está representando, e, sobretudo, os
objetivos da pesquisa, irão contribuir para o direcionamento da pesquisa, mais
precisamente, da entrevista. O segundo diz respeito ao que a pesquisadora
Szymanski (2011) chama de Aquecimento, isto é, o papel do etnógrafo em criar
um clima mais informal para a entrevista. É a partir dessa informalidade que o
entrevistado se deixa levar pela entrevista e que se obtém os dados que se
consideram necessários. Segundo Angrosino (2009), as boas entrevistas se
caracterizam pelo fato dos sujeitos estarem à vontade de falarem livremente
sobre seus pontos de vista. Ainda para o autor, as boas entrevistas produzem
uma riqueza de dados, recheadas de palavras que revelam as perspectivas de
correspondentes.
30

b) Observação: no que se refere à observação como instrumento de coleta de


dados, Hammersley e Atkinson (2007), contribuem para o debate quando nos
alertam para a ideia da Refletividade, isto é, o pesquisador, ao se inserir no
contexto sociocultural do “nativo”, precisa levar em conta o fato de que faz parte
de um mundo social. Desse modo, quando as autoras abordam esse conceito
estão reconhecendo e alertando os pesquisadores para o que o sociólogo francês
Pierre Bourdieu (2004) chama de Vigilância Epistemológica, ou seja, precisa estar
atento para que suas visões de mundo, seus preconceitos não atrapalhem as
análises e, sobretudo, as interações propostas no campo de pesquisa. Isso
significa afirmar que a pesquisa não é realizada isolada da sociedade e da
biografia do pesquisador, nesse sentido, a problemática da Reflexividade nos traz
a questão do grau de influência que a presença do observador pode causar,
modificando o contexto e mesmo a situação a ser observada.
É possível eliminar toda a influência do pesquisador no campo? Na tentativa de
responder essa questão, o pesquisador Heraldo Viana (2007), propõe a distinção
entre a observação casual e a observação científica. Para o autor, a diferença
centra-se no fato de que a observação científica procura coletar dados que sejam
válidos ou confiáveis, a partir de objetivos, metodologias e teorias estruturando e
direcionando a pesquisa de campo.
A observação científica direciona o observador para o que realmente deve ser
observado. Essa ação de ir ao campo já estabelecido de suas intenções contribui
também na reflexividade, na forma como o pesquisador deve se postar e interagir
com os sujeitos estudados. Como afirma a pesquisadora Bernardete Gatti (2012),
só se aprende a pesquisar pesquisando, ou seja, somente nas interações no
campo de pesquisa, o observador conseguirá entender e/ou compreender a forma
como deve buscar respostas para suas indagações. Essa reflexividade proposta
por Hammersley e Atkinson (2007), contribui para o entendimento e
enriquecimento de que o antropólogo Roberto Damatta (2010) chama de
“transformar o exótico em familiar e transformar o familiar em exótico”. Como
premissa do trabalho do etnógrafo, a necessidade do distanciamento e do
estranhamento na pesquisa, se impõem de maneira definitiva. E como salienta o
31
antropólogo Da Matta (2010), o trabalho de campo se investe de um tipo de rito
de iniciação na formação do pesquisador. E deste rito o “estranhar o familiar para
torná-lo estranho”, é parte fundamental. Nesse sentido, a etnografia contribui para
a valorização do que Rockwell e Ezpeleta (2007), chamam de “não-
documentado”. Ela proporciona a possibilidade do pesquisador não só observar
diretamente o objeto de estudo, mas participar de forma efetiva nas interações
sociais presentes no campo de pesquisa. Assim, ao se vestir a “capa do
etnógrafo”, no que se refere à observação, o pesquisador necessita, a partir da
reflexividade de sua pesquisa e, sobretudo, de sua compreensão da dimensão do
contato com o outro, de realizar o diálogo desses dois universos propostos por
Damatta (2010). Partindo da história da Antropologia, o primeiro movimento
“transformar o exótico em familiar”, constitui a natureza da disciplina
antropológica, onde na origem da Etnografia, a partir da contribuição dos
antropólogos Franz Boas (1858-1942) e Malinowski (18841942), encontram-se a
busca em compreender as sociedades e culturas totalmente diferentes e distantes
da que os pesquisadores estavam situados. O segundo movimento, para Damatta
(2010), encontra-se no momento presente da antropologia, onde está se volta
para a nossa própria sociedade, num movimento semelhante a um auto
exorcismo, pois já não se trata mais de depositar no selvagem africano o mundo
das práticas primitivas que se deseja objetificar e inventariar, mas de descobrir
em nós, nas nossas instituições, na nossa prática política e religiosa.
A reflexividade presente nesses movimentos propostos por Damatta (2010),
contribui para pensarmos o papel fundamental em que se encontra a observação
no trabalho de campo. A observação etnográfica é desenvolvida na integração
pesquisador e “nativo” a partir das situações da vida cotidiana. Esse contato diário
e as interações que vão envolvendo o pesquisador com os sujeitos observados,
favorecem o estreitamento de laços que, consequentemente, contribuirão para as
análises reflexivas do pesquisador, no que diz respeito ao diálogo entre os dois
movimentos “transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico”. Como
afirma Angrosino (2009), a observação etnográfica é um processo de
aprendizagem por exposição ou por envolvimento nas atividades cotidianas ou
rotineiras de quem participa no cenário da pesquisa. Esse processo de
32

aprendizagem tanto se refere ao pesquisador quanto ao observado, uma vez que


é ingênua o pesquisador imaginar que o processo inverso também não aconteça,
ou seja, do observado se transformar em observador. Vários exemplos clássicos
já foram retratados pelos antropólogos, como por exemplo, o relato consistente da
chegada de Geertz (1989) na ilha de Bali, para estudar a Briga de Galos. A sua
observação preliminar de perceber que estava se transformando em um sujeito
invisível frente aquela comunidade nos diz e exemplifica a inversão do movimento
observador/observado. Nesse debate, Angrosino (2009), contribui para
pensarmos a funcionalidade da observação participante para a pesquisa
etnográfica. Para ele, o observador participante deve possuir as seguintes
qualidades: habilidades linguísticas, pois os diferentes grupos têm a sua própria
gíria; consciência explícita, ou seja, ficar consciente dos detalhes das relações
que a maioria das pessoas deixam fora de sua observação; uma boa memória,
porque nem sempre é possível registrar a observação no próprio local. Essas
qualidades propostas por Angrosino (2009) contribuem para pensarmos as
interações entre pesquisador e pesquisado, ou melhor, entre observador e
observado, na medida que denota a importante reflexão da postura do
pesquisador no campo. Nesse sentido, um pesquisador, em particular, um
etnógrafo que se encontra no campo, deve ficar consciente de quatro questões
básicas sugeridas por Selltiz, citado por Viana (2007), O que deve ser
efetivamente observado? Como proceder para efetuar o registro dessas
observações? Quais os procedimentos a utilizar para garantir a validade das
observações? Que tipo de relação estabelecer entre o observado e observador?
Essas questões nos levam novamente a dicotomia entre observação casual e
observação científica. Viana (2007) lembra que a observação casual, isto é, do
senso comum é caótica, muitas vezes inexata e omissa, comprometendo a
observação de fatos e acontecimentos. Nas literaturas científicas, no que se
refere ao tema das metodologias de pesquisa, é de práxis distinguir dois tipos de
observação. A primeira chamada Observação estruturada, diz respeito às
observações que ocorrem em laboratórios e, em geral partem de hipóteses, que
são testadas, a partir de instrumentos padronizados. A segunda, normalmente
33

chamada de Observação semiestruturada traz em seu bojo a possibilidade do


pesquisador integrar a cultura dossujeitosobservadoseveromundo, na perspectiva
dos sujeitos em processo de observação. O principal objetivo dessa forma de
observação é descrever, no ambiente natural dos observados, o que acontece,
como as pessoas se envolvem e se interagem, “o contexto em que a ação
acontece e o que se segue a partir dele” (Hammersley e Atinkson, 1994). Esse
tipo de observação oferece a liberdade do pesquisador de se relacionar e
acompanhar o dia a dia dos sujeitos pesquisados. As interações precisam ser as
mais naturais possíveis para que os sujeitos observados não mudem,
deformaartificial, asuaformadeagir equeconsigam estreitar osuniversospropostos
por Damatta, ou seja, de “transformar o exótico em familiar e o familiar em
exótico”.

c) Questionário: Questionário, numa pesquisa, é um instrumento ou programa de


coleta de dados. Se sua confecção é feita pelo pesquisador, seu preenchimento é
realizado pelo informante. A linguagem utilizada no questionário deve ser simples
e direta para que o respondente compreenda com clareza o que está sendo
perguntado. Não é recomendado o uso de gírias, a não ser que se faça
necessário por necessidade de características de linguagem do grupo (grupo de
surfistas, por exemplo). Todo questionário a ser enviado deve passar por uma
etapa de pré-teste num universo reduzido, para que se possam corrigir eventuais
erros de formulação.
34

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. Historia oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2005.
197p.

ALVES-MAZZOTTI, A. J. O debate contemporâneo sobre paradigmas. In: ALVESMAZZOTTI, A. J.;


GEWANDSZNAJDER, F. O Método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2.
Ed. São Paulo: Pioneira, 1999.

BOGDAN, R.; BIKLENS. Investigação qualitativa em educação: uma introdução a teoria e aos
métodos. Porto: Porto Editora, 2004.

DAMATTA, Roberto. Relativizando - uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco,

1986.

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006. 135p.
FERREIRA, Marieta de Moraes et al. Usos & abusos da história oral. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV Ed.,
2006. 277p.

BAUER, Martin e GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som Um manual prático.
Vozes Editora, 3ªed.Petrópolis-RJ, 2002.
BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa emeducação: uma introdução àteoriaeaos
métodos. Porto Editora, 1994.

BOURDIEU, Pierre. Amisériadomundo. Traduçãode Mateus S. Soares. 3aedição. Petrópolis:


Vozes, 1999.

DUARTE, Teresa. A possibilidade da investigação a 3: reflexões sobre triangulação (metodológica). CIES


e- WORKING PAPER Nº60/2009.
FLICK, Uwe. Qualidade na pesquisa qualitativa. Artmed 2009-Porto Alegre.

GATTI, Bernadete A. estudos quantitativos em Educação.Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.1, p.
11-30, jan./abr. 2004.

GLASER, B.G, Strauss, A.L. (1967) The Discovery of Grounded Theory: Strategies for

QualitativeResearch. New York: Aldine.75

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GOFFMAN,

Erving. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Petrópolis, Rio de

Janeiro: Vozes, 2011.50

GOODE J. William, HATT K. Paul. Métodos em Pesquisa Social. São Paulo: Companhia editora
Nacional, 1979.

GONÇALVES, Luiz Alberto; TOSTA, Sandra Pereira. A síndrome do medo contemporâneo e a


violência na escola. Belo Horizonte: Autentica, 2008.
35

LIMA, Maria da Gloria Barbosa. Etnografia e pesquisa qualitativa: apontamentos sobre uma
caminho metodológico de investigação: Revista Movimento, V. 2, n. 3, p. 03-16, 2010
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São
Paulo: Contexto, 1993. 153p.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. 2. ed. São Paulo: UNESP,
2000. 220p.

REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em história. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2004. 200p.
ROCKWELL, Elsie; EZPELETA, Justa. A escola: relato de um processo inacabado de
construção: Currículo sem fronteiras, V. 7, n. 2, p. 131-147, Jul/Dez 2007.
SILVA, Lucas Eustáquio de Paiva; SILVA, Ulisses Manoel (Org.). Introdução à pesquisa: uma
contribuição pela metodologia. Belo Horizonte: Novas Edições Acadêmicas, 2015

STREET, B & J The Schooling of Literacy chapter 5 of Social Literacies Longman: London, 1995

TOSTA, Sandra de F. Pereira; ROCHA, Gilmar. Antropologia e educação. Belo Horizonte:

Autêntica, 2008.

. Os usos da etnografia na pesquisa educacional. Relatório de


pesquisa

Você também pode gostar