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Neuropsicopedagogia

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Bem vindo(a)!

Seja muito bem-vindo(a)!

A neuropsicopedagogia é uma área nova, mas que surge com o entusiasmo de


poder contribuir com a educação e saúde por mesclar conhecimentos, métodos e
objetivos das neurociências, psicologia e pedagogia. Sendo uma área que promete
muito conhecimento bem embasado e de ampla aplicação.

Na Unidade I vamos conhecer como os conceitos básicos de


neuropsicopedagogia, de sua integração de três grandes áreas. Veremos a
relação entre cérebro e aprendizagem, como a conformação do cérebro
impacta nos comportamentos e as características bioquímicas dos neurônios
em seus potenciais de ação.
Já na Unidade II você irá saber mais sobre o que é a neurociência cognitiva e
diferenciá-la das outras neurociências, compreenderá as bases neurobiológicas
da aprendizagem, a evolução do sistema nervoso durante o desenvolvimento e
a importância do feedback para atingir os objetivos educacionais.
Na sequência, na Unidade III aprofundaremos sobre aspectos do cérebro e o
sistema nervoso, como as neurociências explicam o desenvolvimento da mente
e do comportamento a partir das funções cerebrais, diferenciaremos os tipos de
memórias, com suas funções e durações e falaremos de modo crítico sobre a
tendência presente nas neurociências em reduzir a experiência humana ao
biológico.
Em nossa Unidade IV vamos nalizar o conteúdo dessa disciplina com a
evolução do estudo do cérebro, falando sobre as ondas cerebrais, os neurônios
em rede que permitem a realização das funções cerebrais com perfeição, com
suas sinapses e comunicações elétricas, conheceremos a muito importante
característica do cérebro chamada de neuroplasticidade e falaremos de como a
inteligência emocional permite atingir grandes objetivos.

Aproveito para reforçar o convite a você, para junto conosco percorrer esta jornada de
conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em
nosso material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e prossional.
Unidade 1
O cérebro e a
aprendizagem

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade

Introdução
Conhecer o cérebro e sua relação com a aprendizagem é fundamental na
neuropsicopedagogia. Diante de um contexto social em que o conhecimento é
extremamente importante na vida pessoal e prossional das pessoas, as diculdades
de aprendizagem podem afetar muitos aspectos negativamente, como na vida
prossional e até mesmo na autoestima. Muitas áreas do conhecimento buscam
auxiliar para que haja melhores aprendizagens, principalmente quando, apesar de
boas oportunidades e meios o desempenho, está abaixo do que o indivíduo pode
proporcionar. Há atualmente um enorme esforço para que a neurociência voltada
para a educação se alie ao conhecimento provindo da Psicologia Cognitiva,
Psicopedagogia e Pedagogia, formando a neuropsicopedagogia. Esta é uma ciência
nova, com arcabouço teórico forte e evidências de aplicação na prática educativa que
permite otimismo.
Um primeiro passo no percurso dessa unidade deve ser a compreensão do
funcionamento e estrutura do sistema nervoso. A menor unidade do sistema
nervoso, o neurônio, que produz e envia sinais elétricos. A comunicação entre os
neurônios é fundamental para a organização e orientação do comportamento em
um ambiente complexo e bastante mutável. As mudanças neuronais decorrentes das
aprendizagens transformam a percepção de coisas muito simples e possibilitam
enormes modicações de comportamentos comuns e também dos sosticados.

A estrutura dos neurônios é envolvida pela membrana que desempenha uma


importante função na criação e propagação de sinais elétricos. A carga iônica positiva
fora da célula nervosa e a negativa dentro constituem o contexto elétrico que é
alterado por milésimos de segundos, com a abertura de canais iônicos dentro da
membrana do neurônio, levando à despolarização deste e transmitindo impulsos
nervosos pela rede neural. A circuitaria neural é impressionante e faz parte da base
biológica da aprendizagem. Com muita animação, o(a) convido para essa jornada
sobre o ser humano e sua fantástica capacidade de aprender!
Introdução e conceitos
AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
O diálogo entre neurociências e educação tem mostrado enorme potencial. Várias
dúvidas sobre as questões de aprendizagem rondam a cabeça de professores e
outros prossionais voltados ao campo educacional. Muitas ciências já foram
conclamadas a participar da vida escolar, levando seu olhar sobre os processos de
ensino-aprendizagem. Os conhecimentos da neurociência se aglutinam com os
provindos da Pedagogia e da Psicologia, dando origem a esta nova ciência chamada
neuropsicopedagogia. É corrente o pressuposto de que quanto mais se conhecer o
aluno, melhor se poderá ensiná-lo. Há ainda muito a conhecer sobre os aspectos do
neurodesenvolvimento e como inuenciá-lo positivamente, revelando a necessidade
de constante atualização sobre as interações entre o sistema nervoso e o organismo
humano.

Pensava-se que conhecíamos o cérebro, contudo descobertas recentes deszeram


noções que tomávamos como verdades. Sabemos que as células do sistema nervoso,
os neurônios, mantêm certa capacidade de reprodução ao longo de toda a vida, o
que muda nosso entendimento de plasticidade cerebral. A velha e enaltecida ideia de
que a humanidade só usa menos de 30% do seu potencial também caiu por terra
com o aprimoramento da tecnologia para observar o cérebro em ação. Descrições do
cérebro como sendo dois hemisférios sem muita comunicação se mostraram falhas e
compreendemos agora que hemisférios esquerdo e direito interagem contínua e
fortemente para sermos os seres integrados e harmônicos que podemos ser. Embora
a Psicologia já amparasse a Pedagogia com conhecimentos sobre o desenvolvimento
humano, o aparecimento da neuropsicopedagogia tem proporcionado maior
entendimento de como a emoção é fundamental no processo de
ensino-aprendizagem. Antes de abordar aspectos do cérebro e a aprendizagem,
devemos ter claro o que é aprendizagem. Paula et al. (2006, p. 225, grifo nosso)
respondem a essa aparentemente simples interrogação:

Às vezes, os termos aprendizagem e conhecimento são utilizados como


sinônimos, porém, é por meio do processo de aprendizagem que se
adquire conhecimento, no entanto, o conhecimento resultante do
processo não pode ser confundido com aprendizagem. (PAULA et al.,
2006, p. 225, grifo nosso).

Para que haja aprendizagem é necessário um certo nível de ativação, atenção,


vigilância e seleção das informações. Caso não exista uma organização cerebral
integrada, não há aprendizagem adequada. A aprendizagem: “[...] inicia com um
estímulo de natureza físico-química advindo do ambiente que é transformado em
impulso nervoso pelos órgãos dos sentidos” (PAULA et al., 2006, p. 226).

Após introduzir o conceito de aprendizagem de modo cientíco para evitar


ambiguidade, alguns outros termos devem ser esclarecidos para que possamos
prosseguir. Portanto, cabe citar o conceito de neurociências de Lent (2008, p. 2): “[...]
um conjunto de disciplinas que tratam do sistema nervoso, nasceu da busca das
bases cerebrais da mente humana”. A atual geração de educadores e pessoas que
lidam com a educação precisará, de acordo com Zaro et al. (2010), considerar os
conhecimentos gerados por pesquisas em neurociência.

Um dos maiores intelectuais e pesquisadores que defendem a neuroeducação,


Howard Gardner, apontou a falta de um elo entre a neurologia, a Psicologia e a
educação para formar o que seriam “neuro-educadores” (ZARO et al., 2010). A
neuroeducação é uma das áreas que compõem o conhecimento da
neuropsicopedagogia e, às vezes, um termo com o qual se descreve a
neuropsicopedagogia, pois esta ainda é uma área de conhecimento muito nova,
recebendo várias designações. Uma amostra da possível utilização dos
conhecimentos alinhados do campo da educação, Psicologia cognitiva e
neurociências é explicado por Zaro et al. (2010, p. 204):

A pesquisa de base neuro-educacional comportaria um vasto campo de


investigação – de naturezas quantitativas, qualitativas, empíricas e
inclusive etnográcas – incluindo temas como, por exemplo, as diferenças
de aprendizado entre crianças, jovens, adultos, idosos, tanto quanto entre
alunos de diferentes áreas do conhecimento, e o impacto das diferentes
tecnologias audiovisuais sobre cada uma delas (Ribeiro et al., 2005). Ou,
ainda, as diferenças de ensino-aprendizagem envolvidas na constatação
de que existem diferentes tipos de conhecimento teórico, prático,
técnico, aplicável, memorizável, etc., cada um deles adequando-se, talvez,
a um tipo ou outro de solução tecnológica (quando e por que se deve
escolher um vídeo, um game, um acervo dinâmico de pesquisa ou uma
simulação, por exemplo?). (ZARO et al., 2010, p. 204).

Além das neurociências, outra área contribui para a neuropsicopedagogia, é a já bem


conhecida, a neuropsicologia, que, para Paula et al. (2006, p. 225), é:

[...] a ciência que tem por objeto o estudo das relações entre as funções
do sistema nervoso e o comportamento humano. [...] A neuropsicologia
pretende inter-relacionar os conhecimentos da psicologia cognitiva com
as neurociências, desvendar a siopatologia do transtorno e, sobre esta
base, encarar racionalmente a estratégia de tratamento. (PAULA et al.,
2006, p. 225).

Em meio a tantas novas áreas do conhecimento, surge a neuropsicopedagogia. Mas,


o que é mesmo neuropsicopedagogia? Para a Sociedade Brasileira de
Neuropsicopedagogia – SBNPp (apud PEREIRA, 2019), é uma ciência transdisciplinar
embasada nos conhecimentos da neurociência aplicada à educação e tem como
objetivo formal de estudo relacionar o funcionamento do sistema nervoso e a
aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal, social e
educacional. A neuropsicopedagogia é uma ciência que estuda o sistema nervoso e
sua atuação no comportamento, com enfoque na aprendizagem. Essa ciência nova
usa de conhecimentos da Psicologia Cognitiva, ramo da Psicologia; da
Psicopedagogia utiliza as noções sobre as características da aprendizagem humana,
também os processos de ensino e a origem das alterações na aprendizagem.

A intervenção neuropsicopedagógica, segundo Oliveira et al. (2018), busca ser


diferenciada para cada ser, valorizando a personalidade do indivíduo. O trabalho do
neuropsicopedagogo favorece as particularidades de cada ser humano.

A neuropsicopedagogia tem como foco o conhecimento das habilidades


do cérebro, assim sendo, conhecer os instrumentos que estimulam as
funções cerebrais é importante para o desenvolvimento ecaz da
aprendizagem. O prossional neuropsicopedagogo estuda as estruturas
do cérebro e tem a consciência de como ele funciona, ele compreende o
sujeito que aprende e como a aprendizagem humana é implicada em
cada um deles, seu trabalho deve focar nas potencialidades, temos que
ver o que há de melhor em cada sujeito, pois certas diculdades podem
ser de caráter transitório se forem estimuladas positivamente (OLIVEIRA
et al., 2018, p. 58).

A ideia central da neuropsicopedagogia é tratar o indivíduo como possuindo um


modo único de interagir e aprender. “A grande tarefa do neuropsicopedagogo é
proporcionar uma avaliação individual, observando os comportamentos dos sujeitos
e identicando os possíveis fatores que venham a inuenciar a aprendizagem [...]”
(OLIVEIRA et al., 2018, p. 58). De acordo com a resolução nº 03/2014 da Sociedade
Brasileira de Neuropsicopedagogia-SBNPP, o neuropsicopedagogo deve:
[...] considerar tanto possibilidades quanto limitações físicas, mentais e
emocionais do cliente, desenvolvendo objetivos apropriados para o
atendimento das suas necessidades e avaliar constantemente o
desenvolvimento do processo neuropsicopedagógico (OLIVEIRA et al.,
2018, p. 58).

Devido a maioria das incapacidades da aprendizagem escolar, social e emocional


terem como uma das causas problemas no desenvolvimento neurológico o estudo
teórico deve procurar na neuropsicopedagogia a fundamentação principal e
entendimento dos processos de disfunção do sistema nervoso central.

Agora, falaremos mais sobre a complexidade do cérebro humano, que permite


inúmeras aprendizagens.
Cérebro e aprendizagem
AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Para compreendermos o cérebro e como ele atua, é preciso antes entender que ele
faz parte do sistema nervoso, que é dividido em sistema nervoso central (que reúne
as estruturas dentro do crânio e da coluna vertebral) e o sistema nervoso periférico
(que engloba as estruturas distribuídas pelo organismo).

Figura 1 - Três cérebros em um


Fonte: acesse o link Disponível aqui
A superioridade cognitiva dos seres humanos, quando comparados a outros seres, é
explicada por possuirmos um sosticado arranjo de receptores sensoriais conectados
a uma espécie de maquinaria neural exível. Há um uxo contínuo de informações que
são organizados pelo encéfalo (é o conjunto do tronco cerebral, cerebelo e cérebro
que controlam o organismo) e se tornam respostas comportamentais.
Vamos enfocar as células nervosas individuais, os neurônios, que produzem e enviam
sinais que garantem toda a manutenção da vida e orientação de cada organismo no
ambiente.

As células nervosas individuais, unidades básicas do encéfalo, têm uma


morfologia relativamente simples. Apesar de o encéfalo humano conter
um número extraordinário dessas células da ordem de 10¹¹ neurônios),
que podem ser classicadas em pelo menos mil tipos diferentes, todas as
células nervosas compartilham a mesma arquitetura básica. A
complexidade do comportamento humano depende menos da
especialização de células nervosas individuais e mais do fato de muitas
dessas células formam circuitos anatômicos precisos. Um dos
princípios-chave da organização do encéfalo, portanto, é que células
nervosas com propriedades basicamente similares podem produzir
ações muito diferentes por causa do modo como estão conectadas umas
às outras e aos receptores sensoriais e músculos (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 2003, p. 19).
Os neurônios são organizados em grupos funcionais, trabalham conectados uns aos
outros de modo preciso (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Vários
comportamentos são produzidos por neurônios de diferentes regiões do encéfalo
interconectadas por vias neurais especícas. Um dos princípios organizacionais do
cérebro, isto é, sua forma de agir, é conhecido como processamento distributivo
paralelo, em que muitas funções sensoriais, motoras e cognitivas utilizam mais de
uma via neural. Essa característica permite que quando uma região funcional é
danicada, outras possam compensar parcialmente a perda. Funções motoras e
perceptivas básicas mais simples estão localizadas em áreas isoladas do córtex. Já as
funções mais sosticadas (como a linguagem) resultam de interconexões de várias
regiões funcionais. As operações neurais responsáveis pelas habilidades cognitivas
ocorrem principalmente no córtex cerebral. O córtex é a matéria cinzenta cheia de
sulcos que cobre os hemisférios cerebrais e, segundo Cosenza e Guerra (2011), é a
porção externa do cérebro, constituída por substância cinzenta, contendo bilhões de
neurônios em circuitos complexos que se encarregam de funções como memória,
planejamento e linguagem. O córtex é dividido em quatro lobos, que possuem
funções especializadas:

O lobo frontal está amplamente relacionado com o planejamento de


ações futuras e com o controle do movimento; o lobo parietal, com a
sensação somática, a formação da imagem do corpo e a relação da
imagem do corpo com o espaço extrapessoal; o lobo occipital, com a
visão; o lobo temporal, com a audição e, por meio de suas estruturas
mais profundas - o hipocampo e o núcleo amigdalóide - com aspectos
de aprendizagem, memória e emoção. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,
2003, p. 9, grifo nosso).
Figura 2 - Divisão anatômica do hemisfério cerebral direito
Fonte: acesse o link Disponível aqui

Para entendermos um pouco sobre como o córtex é ativado e como atua diante da
estimulação, como uma estimulação na pele, recorremos a Cosenza e Guerra (2011, p.
8):

[...] a região que recebe as informações táteis, por exemplo, localiza-se no


lobo parietal. [...] É por intermédio do córtex cerebral que percebemos
uma determinada sensação. Em outras palavras, sabemos que houve
uma estimulação tátil em nosso dedo quando essa informação, trazida
através da cadeia neuronal mencionada, excita neurônios do córtex
cerebral, levando a um processamento que ativa a consciência. Na região
que se encarrega das informações táteis, existe um mapa corporal em
que um ponto do córtex em que estão representadas as diversas partes
do corpo. Ou seja, uma estimulação da pele do rosto chega em um ponto
do córtex, enquanto a estimulação do braço atinge uma área um pouco
diferente, e assim sucessivamente. Dessa forma, o cérebro ‘sabe’ que
região do corpo está sendo estimulada.
O cérebro é uma estrutura muito complexa, e tem sido melhor investigado conforme
avança a tecnologia para o observar em ação. Quanto mais se aprende sobre ele,
mais se pode intervir para melhores condições de vida e aprendizagem. Tudo que
aprendemos deixa marcas no cérebro e mudanças no cérebro são a base para o
aprendizado. A neurociência, segundo Herculano-Houzel (2011), explica que a
aquisição do comportamento consiste na modicação das conexões entre neurônios
no cérebro.

O aprendizado é um dos maiores prazeres do cérebro, porque é um estímulo


poderoso para o sistema de recompensa cerebral, que leva a sensações de satisfação
e até de euforia. Aprender é mudar o cérebro conforme se vivem experiências. As
conexões entre neurônios podem se fortalecer ou se tornar mais fracas dependendo
do uso, ou seja, certas atividades feitas frequentemente fortalecerão determinadas
conexões nervosas, enquanto a interrupção de uma atividade por muitos anos pode
enfraquecer a conexão entre células nervosas e tornar um comportamento
previamente aprendido mais difícil de realizar do que um que executamos
constantemente.

Avançamos mais um pouco em nossa caminhada e trataremos um pouco mais


sobre como os neurônios se relacionam.
Alicerce para o
aprendizado

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
A mediação do comportamento depende de como o cérebro é construído, da sua
citologia, da biofísica e bioquímica. O bloco de construção básico de todos os
organismos é a célula. Existem vários tipos de neurônios cujo plano celular básico é
semelhante, o que nos permite conhecer o modo como as células nervosas agem
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Falaremos das unidades fundamentais a partir
das quais os módulos do sistema nervoso são compostos, pois: “O fenômeno da
aprendizagem inicia-se em nível neuronal e desencadeia mudanças visíveis na
percepção e no comportamento” (CASTRO; OLIVEIRA, 2018, p. 70).

Figura 3 - Neurônio
Fonte: acesse o link Disponível aqui

O plano celular básico dos neurônios permite a capacidade exclusiva das células
nervosas de se comunicarem entre si, de modo rápido e por longas distâncias. “Os
principais compartimentos funcionais dos neurônios - o corpo celular, os dendritos,
os axônios e os terminais - estão geralmente separados por distâncias consideráveis”
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65). Quanto a estrutura e o funcionamento
do neurônio:

Primeiro, o neurônio é polarizado, possuindo dendritos receptores numa


extremidade e axônios com terminais sinápticos na outra. Essa
polarização das propriedades funcionais é comumente utilizada para
restringir o uxo de impulsos numa direção. Segundo, o neurônio é
elétrica e quimicamente excitável. Sua membrana externa contém
proteínas especializadas - canais iônicos e receptores - que permitem o
inuxo e o euxo de íons inorgânicos especícos e, em consequência, criam
correntes elétricas (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65).
Os dendritos são muito ramicados e modelados para receber comunicação sináptica
de outros neurônios. Geralmente há um único axônio em cada neurônio, que
propagam os impulsos elétricos aos terminais sinápticos. Um dos fatores que
também diferencia o neurônio de outras células do corpo é que:

Os neurônios também diferem da maioria das outras células pelo fato de


serem excitáveis. Mudanças rápidas no potencial elétrico são possíveis
graças a estruturas protéicas especializadas (canais iônicos e bombas) na
membrana celular que controlam o uxo instantâneo de íons para dentro
e para fora das células (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65).

Os neurônios apresentam especicidades importantes para a troca de informações


entre eles e outras células do corpo.

Trataremos a seguir das características da membrana celular do neurônio para


compreender o modo como se dá a transmissão de informação.
Potencial de Membrana e
ação

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Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
De modo breve, Lent (2001) nos explica que o neurônio é uma unidade sinalizadora
do sistema nervoso, sua forma é adaptada para transmissão e processamento de
sinais. Sua morfologia é caracterizada por muitos prolongamentos próximos ao corpo
celular (dendritos), que funcionam como antenas para os sinais de outros neurônios,
possui também um prolongamento que leva as mensagens do neurônio para
lugares distantes. Os neurônios são células excitáveis capazes de produzir potenciais
de ação. Os potenciais de ação são as unidades de informação dos neurônios.

As alterações temporárias da corrente que entra e sai das células geram sinais
elétricos – potenciais do receptor, potenciais sinápticos e potenciais de ação. Os sinais
elétricos alteram o potencial de repouso da membrana celular. Pode-se ler na
explicação a seguir sobre a corrente controlada por canais iônicos na membrana
celular:

Os canais de repouso estão normalmente abertos e não são


signicativamente inuenciados por fatores externos, como o potencial
através da membrana. Sua importância primária é a manutenção do
potencial de membrana na ausência de sinalização. Em contraposição,
durante o repouso, a maioria dos canais controlados estão fechados
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 125).

Assim, podemos compreender que o potencial de membrana é indispensável para


que o neurônio volte ao seu estado anterior após a despolarização quando dispara
uma informação. Os canais de repouso na membrana mantêm o potencial de
repouso. Quando o potencial de repouso é alterado dá origem a sinais elétricos que
transitam, como o potencial de ação. Os canais de sódio, potássio e cálcio na
membrana dependem da voltagem para gerar o potencial de ação. Para podermos
delinear o que é o potencial de membrana mais especicamente, precisamos falar
sobre as cargas de íons positivos e negativos, em nível atômico, que caracterizam a
membrana plasmática do neurônio.

Todo neurônio apresenta uma separação de cargas através de sua


membrana celular, que consiste em uma delgada camada de íons
positivos e negativos distribuídos ao longo das superfícies interna e
externa da membrana celular. No repouso, uma célula nervosa tem um
excesso de cargas negativas no lado interno. Essa separação de cargas é
mantida porque a bicamada lipídica da membrana bloqueia a difusão de
íons. A separação de cargas origina o aparecimento de uma diferença de
potencial elétrico, ou voltagem, através da membrana que é denominada
potencial de membrana (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 126).

Cabe um maior detalhamento sobre o potencial de membrana:


Quando a célula está em repouso, os uxos iônicos passivos para dentro e
fora da célula são contrabalanceados, de modo que a separação de
cargas através da membrana permaneça constante e o potencial de
membrana permaneça no seu valor de repouso. Nas células nervosas, o
valor do potencial de repouso da membrana é determinado
primariamente pelos canais de repouso seletivos ao K+, Cl-, Na+.(...) Em
condições siológicas, as concentrações intra e extracelulares do Na+, K+ e
Cl- são constantes. Durante a sinalização, as alterações do potencial de
membrana (potencial de ação, potenciais sináptico e do receptor) são
causadas por mudanças substanciais nas permeabilidades relativas da
membrana a esses três íons (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 138).

(Há o link de um vídeo que explica de modo breve a polarização e despolarização do


neurônio e as diferenças de cargas positivas e negativas na membrana celular).

Para recapitular, são três as etapas do potencial de ação: 1ª - repouso: no potencial de


repouso a membrana está polarizada devido ao grande potencial negativo da
membrana; 2ª - despolarização: a membrana ca permeável aos íons de sódio, que
entram para o interior da célula. O potencial de repouso varia muito rapidamente na
direção da positividade; 3ª - repolarização: em poucos décimos de milésimos de
segundos os canais de sódio começam a se fechar enquanto os canais de potássio se
abrem mais, permitindo a rápida saída de íons de potássio para fora da célula. Ao
mesmo tempo as bombas de sódio e potássio se ativam, restabelecendo o potencial
negativo de repouso da membrana.
Uma outra forma de comunicação dos neurônios ocorre através de estruturas
chamadas sinapses, que são áreas de contato entre dois neurônios ou entre um
neurônio e uma célula muscular. Na sinapse ocorre um verdadeiro processamento de
informação.

O impulso nervoso é o principal sinal de comunicação do neurônio, um


pulso elétrico gerado pela membrana, rápido e invariável, que se propaga
com enorme velocidade ao longo do axônio. Ao chegar na extremidade
do axônio, o impulso nervoso provoca a emissão de uma mensagem
química que leva a informação - intacta ou modicada - para a célula
seguinte (LENT, 2001, p. 2).

No citoplasma neuronal, na parte interna do neurônio, utuam várias organelas com


funções e formas diferentes. Cada neurônio busca manter uma diferença de
potencial elétrico entre a parte interna e face externa de sua membrana. Essa
capacidade depende de canais iônicos abertos que cam na membrana permitindo
ou bloqueando certos elementos de entrarem ou saírem da célula. O sódio e o cloro
vazam para dentro continuamente, enquanto o potássio vaza para fora da célula.
Existe uma bomba de sódio e de potássio que mantém o potencial de repouso do
neurônio.
As membranas dos neurônios apresentam oscilação da voltagem, tornando um
ponto da membrana menos polarizada (despolarizada), então, a face interna da
membrana ca menos negativa que a face externa, abrem-se os canais de sódio, com
íons de sódio entrando na célula, aumentando a despolarização, que cria um
potencial que se espalha pela membrana e pode alcançar a região do axônio.

Em consequência: “O movimento de íons Na+ para dentro do neurônio se acentua, e


isso leva a um pico de despolarização que acaba por inverter a polaridade da
membrana: a face interna ca então positiva em relação a face externa” (LENT, 2008, p.
68).

Após a despolarização da membrana do neurônio, há o retorno da polarização.


Despolarização e polarização duram cerca de um milissegundo.

Figura 4 - Imagem das bombas de sódio e potássio na membrana plasmática do


neurônio
Fonte: acesse o link Disponível aqui

Para compreender o potencial de ação da membrana dos neurônios, recorremos


novamente a Lent (2008, p. 69), que explica haver características importantes:
[...] a primeira é que ocorre sempre do mesmo modo para cada tipo de
neurônio, o que signica que a sua forma gráca é invariante. Conhece-se
essa propriedade como lei do tudo-ou-nada, que expressa a ideia de que
o impulso nervoso ou ocorre ou não ocorre, e quando ocorre é sempre
igual em amplitude, duração e forma de onda. A segunda característica
do potencial de ação é que ele torna inexcitável o local da membrana em
que ele aparece. Isso porque, embora a membrana seja rapidamente
repolarizada pela saída de K+, as concentrações iônicas cam invertidas
durante um certo tempo, até que a bomba de Na+/K+ possa restabelecer
as condições iônicas da face citoplasmática e da face extracelular da
membrana. Esta segunda característica do potencial de ação, ou seja, a
existência do período refratário, impõe um limite para o aparecimento de
um outro impulso no mesmo local, denindo assim o mínimo intervalo de
tempo entre dois impulsos (apenas alguns milissegundos). Sendo assim,
ca denida também a máxima frequência de impulsos possível para cada
neurônio, um aspecto importante para a codicação de informação.

A terceira característica do potencial de ação é a condução ao longo do axônio:

Intuitivamente poderíamos pensar que o impulso nervoso, uma vez


gerado na zona de disparo do axônio, simplesmente se deslocaria ao
longo da bra até os ramos terminais. Não é bem isso que acontece: se
fosse assim, o impulso se dissiparia gradativamente, perdendo energia
ao longo do caminho, e no entanto ele permanece íntegro, com a
mesma amplitude, duração e forma de onda do ponto de início. Essa
capacidade de manutenção da integridade do potencial de ação ao
longo do axônio se deve ao fato de que na verdade ele é gerado
novamente a cada ponto da membrana, provocando uma ‘impressão’ de
deslocamento. É como as luzes de um anúncio luminoso, que acendem
em sequência, dando a impressão de deslocamento (LENT, 2008, p. 69).
Sobre a despolarização:

No ponto de origem, a despolarização da membrana gera correntes


locais nas duas faces da membrana, pois as regiões vizinhas não estão
despolarizadas. Do lado do soma neuronal, há poucos canais de Na+
dependentes de voltagem, e o potencial resultante acaba se dissipando.
Mas, do lado do axônio propriamente dito, a concentração desses canais
é alta, e as correntes locais acabam por despolarizar a vizinhança o
suciente para atingir o limiar e disparar os fenômenos ‘explosivos’ do
potencial de ação (LENT, 2008, p. 69).

O potencial de ação gerado na zona de disparo chega em iguais condições a todos os


ramos terminais que formam as arborizações entre axônios. O potencial de ação
permite a comunicação entre os neurônios em rede, distribuindo a informação para
todos os neurônios com os quais faz contato.

Figura 5 - Sinapse ocorrendo na fenda sináptica entre neurônios

Fonte: Freepik.

O potencial de ação atua favorecendo a transmissão química entre neurônios, a


sinapse. A transmissão sináptica ocorre quando um potencial de ação chega ao
terminal pré-sináptico, despolarizando-o. Existe o potencial de ação pré-sináptico e o
pós-sináptico, indicando quando a comunicação dentro do cérebro é relacionada ao
potencial de ação.
SAIBA MAIS
Podemos dizer que o cérebro é o computador central do nosso corpo,
localizado dentro da caixa craniana, e faz parte do sistema nervoso, para
onde convergem as informações que recebemos. Ao contrário dos
demais órgãos, ele é o único que pode melhorar seu desempenho com o
passar do tempo; quanto mais for utilizado, melhor seu desempenho.
Ele deve ser constantemente exigido, treinado e desaado, ampliando as
conexões neuronais independentemente da idade da pessoa.

O cérebro representa apenas 2% da nossa massa corporal, porém


consome mais de 20% do nosso oxigênio comandando atividades como
o controle das ações motoras, integração de estímulos sensoriais e as
atividades neurológicas como a memória e a fala.

Podemos dizer ainda que a ginástica cerebral é um método de ativação


simultânea dos dois hemisférios cerebrais baseado na educação
cinestésica e utilizado para melhorar a capacidade de aprendizagem.

Fonte: Pereira (2019).

REFLITA
“Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar,
mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela”
(Albert Einstein).

Conclusão - Unidade 1

A educação tem recebido contribuições das neurociências para atuar baseado no


conhecimento de como o cérebro funciona. O campo da educação sempre foi alvo de
diversas e salutares inuências, algo muito bom, contudo muitas das abordagens
usadas na educação propunham modos de agir sem base em evidências, algo que
pode ter atrasado modos mais adequados de ensinar.

A emergência da neuropsicopedagogia demonstra que a preferência por


conhecimento cientíco é um caminho necessário para lidar com problemas de ordem
institucional e/ou clínico que atrapalham o desenvolvimento e aprendizagem dos
sujeitos em qualquer fase da vida. Para a compreensão adequada e profunda de como
se dão as aprendizagens, mergulhamos no mundo atômico que permeia as
comunicações entre neurônios dentro do cérebro.

As diferentes cargas elétricas do meio extracelular e intracelular dos neurônios


desempenham relevante papel para que haja a sinergia entre diferentes neurônios. Os
sinais elétricos que alteram temporariamente o potencial de repouso da membrana
celular permitem a despolarização da membrana plasmática e posterior repolarização.
A excitabilidade do neurônio o diferencia da maioria das células do organismo.

Como cada cérebro é único, as interações com o meio auxiliam na formação de novas
conexões ou reforçam antigas, moldando o organismo a cada experiência que se
repete ou que se pratica. As neurociências trazem muitos conhecimentos novos que
são integrados às áreas da Psicologia cognitiva, educação e saúde. Os avanços rápidos
das neurociências forçam os prossionais que dela se utilizam a se atualizarem
constantemente, pois antigas “verdades” sobre o funcionamento cerebral têm sido
desfeitas e novas descobertas reforçam o grande valor do conhecimento da integração
de saberes da neuropsicopedagogia.

Leitura complementar
Quando o cérebro não esquece um membro perdido

Antes da descoberta dos antibióticos, quando uma ferida nos braços ou nas pernas de
um paciente necrosava, o único tratamento eciente para evitar a morte era a
amputação. Só que, muitas vezes, o fantasma do membro amputado continuava
assombrando o paciente – literalmente. Ele “sentia” o membro amputado, ou, pior,
tinha dor no braço que não possuía mais. Seria alucinação? Delírio dos pacientes,
incapazes de aceitar sua nova condição? E quando a dor era muita, onde aplicar o
analgésico?

Até o século XIX, casos de membros fantasmas foram descritos apenas


ocasionalmente. Um dos primeiros foi apresentado pelo francês Ambroise Paré (1510-
1590), pioneiro da cirurgia. O lósofo e cientista René Descartes (1596-1650) e, 200 anos
depois, o siologista François Magendie (1783-1855) também descreveram casos de
membros fantasmas. Mas analisando casos isolados era difícil encontrar algum indício
de uma explicação siológica para essa estranha sensação. Se é que os “fantasmas”
existiam mesmo, e não eram só produtos da imaginação dos pacientes traumatizados
– como nas histórias de fantasmas, quem quisesse que acreditasse...

Até que uma guerra produziu dezenas de casos para um só cirurgião, o americano
Silas Weir Mitchell (1829-1914), que servia na Filadéla durante a guerra civil norte
americana (1861-1865). Os hospitais enchiam-se de soldados feridos; Mitchell chegou a
examinar 90 pacientes amputados. Desses, 86 logo passaram a sentir o fantasma do
membro removido – só quatro o “esqueceram”. Mitchell observou que as histórias de
membros fantasmas eram coerentes. Por exemplo, várias vezes eles pareciam
incompletos ou mais curtos do que o membro restante. Além do mais, eram muito
dolorosos e podiam ser sentidos por toques no rosto, por um bocejo, ou por mudanças
no vento. [...]

Somente no século XX, com as técnicas de registro eletrosiológico da atividade cortical,


foi possível identicar uma origem para as sensações fantasmas. Dois grupos
independentes descobriram que a porção de córtex somestésico desaferentada pela
remoção de um membro é invadida por aferentes das áreas corticais vizinhas,
representando o tronco e o rosto. A consequência é que a porção desaferentada pela
amputação torna-se ativada por estímulos a essas regiões vizinhas. Só que, em vez de
provocar sensações correspondentes a elas, o córtex mantém a “memória” da
representação original – e o fantasma do membro aparece. [...] Os fantasmas, portanto,
não são pura imaginação, mas sim produtos de um cérebro que muda com a nova
realidade, mas não esquece suas imagens passadas.

Fonte: Lent (2001, p. 148).

Livro

Filme
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Web

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Referências
CASTRO, D. C.; OLIVEIRA, C. P. R.. Neurociência cognitiva e educação: os efeitos do "Yoga na
Educação" (R.Y.E.) nos processos de aprendizagem. Paideia, ano 13, n. 20, p. 69-87, 2018.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende.


Porto Alegre: Artmed, 2011.

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KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Princípios da neurociência. 4. ed. Barueri:


Manole, 2003.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo:


Atheneu, 2001.

LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara


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PEREIRA, N. C. B. Os benefícios da ginástica cerebral no processo ensino aprendizagem.


FIGUEIREDO, A. V.; DUARTE, 1. M. B. N. (Orgs.). ln: Diálogos em neuropsicopedagogia na
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http://www.sbnpp.com.br/wpcontent/uploads/2016/05/C%C3%B3digo-de-%C3%89tica
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ZARO, M. A. et ai. Emergência da Neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para agregar


valor à pesquisa educacional. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro, v. 15, n. l, p. 199-210, abr. 2010.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=Sl806-58212010000100016&Ing=es&nrm=iso. Acesso em: 23 fev. 2020.
Unidade 2
Aprendizagem: Dimensão
interna do
desenvolvimento humano
neurológico

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade

Introdução
Não existe apenas uma neurociência, mas várias neurociências que estudam o
cérebro humano em diferentes níveis, desde o nível molecular até as interações e
adaptações do organismo com o ambiente. Na presente unidade discutiremos as
neurociências cognitivas, que estudam os mecanismos neurais de capacidades
especícas humanas, como consciência, linguagem, planejamento e imaginação.

Serão tratadas as bases neurológicas que permitem a vida e a aprendizagem,


principalmente os aspectos emocionais e funções executivas. Os aspectos
emocionais das vivências humanas têm sido considerados algo desagradável e
desestruturador do pensamento racional, porém o entendimento mais avançado é
de que o ser humano só sobrevive devido a capacidade de se emocionar e
emocionar ao outro.
A falsa divisão entre razão e emoção deixa de ser considerada útil e verdadeira pelos
conhecimentos das neurociências. Outro aspecto humano que permite à nossa
espécie uma interação muito especial com o ambiente físico e social são as funções
executivas, que possibilitam que organizemos nosso comportamento na execução
de ações com metas e supervisionar cada etapa do processo, garantindo maior
sucesso em várias áreas. As funções executivas apresentam evolução lenta e não
linear durante a infância e adolescência, completando-se somente quando o cérebro
está maduro, no início da fase adulta.

As diferenças anatômicas e funcionais do cérebro humano ao longo do


desenvolvimento vital é um fator intrigante e que impõe a necessidade de os
conhecermos e sabermos lidar com as especicidades de cada fase. O conhecimento
do cérebro adolescente, por exemplo, permite que entendamos o porquê de tantos
comportamentos de risco e o pensamento mágico de que tudo o que ele zer dará
certo. O lado do contato humano face a face, com relações transparentes para que
haja crescimento mútuo, também será enfocado, tratando de técnicas de feedback
que aperfeiçoam a comunicação.
Neurociência Cognitiva
AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
As neurociências apresentam diferentes níveis de análise, porque, devido à
complexidade de entender o encéfalo, fragmentá-lo em pedaços menores permite
uma análise mais sistemática. Os níveis de análise partem da menor complexidade
para a maior, sendo os níveis: molecular, celular, de sistemas, comportamental e
cognitivo.

O estudo no encéfalo em seu nível mais elementar é chamado de Neurociências


Moleculares, que estuda como diferentes moléculas apresentam diferentes papéis.
Temos também as Neurociências Celulares, que enfocam como as moléculas
interagem para que os neurônios tenham suas propriedades particulares. Existem
as Neurociências de Sistemas, em que os neurocientistas investigam como
diferentes circuitos neurais analisam informações sensoriais, formam percepções,
executam movimentos e tomam decisões. As Neurociências Comportamentais
estudam a regulação do humor e do comportamento. Enm, chegamos as
Neurociências Cognitivas, que avaliam como os mecanismos neurais agem nas
chamadas atividades mentais superiores, como consciência, linguagem,
planejamento e imaginação.

As Neurociências cognitivas recebem várias denições. Lent (2001, p. 4) descreve a


neurociência cognitiva como aquela que: “[...] trata das capacidades mentais mais
complexas, geralmente típicas do homem, como a linguagem, a autoconsciência, a
memória etc. Pode ser também chamada de neuropsicologia”. Para entendermos
um pouco mais de como as neurociências são amplas, veja o quadro a seguir com
descrições dos tipos de neurocientistas.
Quadro 1 - Tipos de neurocientistas experimentais
TIPO DESCRIÇÃO

Neurocientista Usa a matemática e computadores para


computacional construir modelos de funções cerebrais.

Neurobiólogo do Analisa o desenvolvimento e a maturação


desenvolvimento do encéfalo.

Neurobiólogo Usa o material genético dos neurônios para


molecular compreender a estrutura e a função das
moléculas cerebrais.

Neuroanatomista Estuda a estrutura do sistema nervoso.

Neuroquímico Estuda a química do sistema nervoso.

Neuroetólogo Estuda as bases neurais de comportamentos


animais especícos de cada espécie no seu
habitat natural.

Neurofarmacologista Examina os efeitos das drogas sobre o


sistema nervoso.

Neurosiologista Mede a atividade elétrica do sistema nervoso.

Psicólogo siológico Estuda as bases biológicas do comportamento.

Psicofísico Mede quantitativamente as capacidades


de percepção.

Fonte: adaptado de Bear, Connors e Paradiso (2008, p. 15).

Cognição é um termo frequentemente usado na área da educação e nas


neurociências. Porém, será que temos clara noção do que signica? Alguns
confundem cognição com pensamento, que são coisas diferentes. Comecemos com
a explicação sobre o que é pensamento, recorrendo ao lósofo Aristóteles: “Desde
Aristóteles, os elementos propriamente intelectivos do pensamento dividem-se em
três operações básicas: os conceitos, os juízos e o raciocínio” (DALGALARRONDO,
2008, p. 193). Falaremos, então, dos conceitos, posto que:
Os conceitos se formam a partir das representações. Ao contrário das
percepções o conceito não apresenta elementos de sensorialidade, não
sendo possível contemplá-lo, nem imaginá-lo. Trata-se de um elemento
puramente cognitivo, intelectivo, não tendo qualquer resquício sensorial.
Não é possível visualizar um conceito, ouvi-lo ou senti-lo. [...] Por exemplo,
quando se representa uma cadeira, ela ainda é visualizada mentalmente,
imagina-se uma cadeira preta, de madeira, bonita ou feia, etc. Essa
representação de cadeira ainda tem forte aspecto sensorial. (...) Quando,
por exemplo, se pensa em cadeira como conceito, tal conceito é válido
para qualquer tipo de cadeira (DALGALARRONDO, 2008, p. 193-194).

A importância de “conceito” é destacada por Dalgalarrondo (2008, p. 194): “O conceito


é o elemento estrutural básico do pensamento, nele se exprimem os caracteres
essenciais dos objetos e fenômenos da natureza.”. Relacionando o entendimento
losóco sobre os conceitos que formam os pensamentos com os achados da
neurociência, encontramos que:

Há um debate na psicologia moderna se as representações são de fato


‘imagens’, tais como ‘fotograas’ armazenadas na mente humana, ou se
são ‘representações proposicionais’. [...] Assim, ao evocar a representação
visual de uma mesa, não viria à mente uma massa visual neutra, sem
sentido utilitário, mas um objeto que, tendo quase sempre uma tampa
plana, quatro ou três pés de sustentação, de madeira ou plástico,
requisita algo que é construído culturalmente e com signicado
linguístico. Estudos cognitivos e de neuroimagem têm reforçado a ideia
de que, em diferentes contextos e para objetos distintos, ambos os
modos de constituir representações ocorrem na mente humana
(DALGALARRONDO, 2008, p. 194).

Além de conceito, temos a noção de juízo, que estabelece relação entre dois
conceitos, como “cadeira” e “utilidade”, formando o juízo de que “a cadeira é útil”. O
raciocínio permite o encadeamento de conhecimentos, ligando conceitos e
sequências de juízos. Outro aspecto fundamental para entendimento do
pensamento é sobre os processos do pensar, porque o pensamento possui forma e
conteúdo.

Após esclarecimentos sobre o que é pensamento, podemos nos deter no que é


cognição. A diculdade de delimitar o termo “cognição” é esboçada por Schenkman
(2016, p. 559): “Nem sempre existe uma distinção nitidamente delineada entre a
cognição e outros aspectos do processamento cortical superior relacionado à
emoção e à memória”. A cognição é sistêmica, emerge do cérebro como o resultado
da contribuição, interação e coesão do conjunto de funções mentais, como a
atenção; percepção; processamento (simultâneo e sucessivo); memória (curto termo,
longo termo e de trabalho); raciocínio, visualização, planicação, resolução de
problemas, execução e expressão de informação (FONSECA, 2014). Schenkman (2016,
p. 564) contribui para entendermos a relação das áreas corticais para que haja a
cognição.
O lobo frontal abrange o substrato neural de processos cognitivos
complexos, como a capacidade de planejamento, previsão,
discernimento, empatia, altruísmo, abstração, autoconsciência e controle
emocional. Sendo assim, esse lobo não tem um propósito único
claramente denido. (SCHENKMAN, 2016, p. 564).

A ideia de que as capacidades cognitivas complexas estão localizadas em áreas


especícas do encéfalo foi conrmada, pela primeira vez, por neurologistas clínicos,
próximo de 1800. Essas capacidades cognitivas (como a linguagem, julgamento,
previsão, planejamento e memória) dependem da atividade nos córtices de
associação dos hemisférios cerebrais. Entre essas capacidades cognitivas, o processo
criativo é o que está mais distante da neurociência moderna de explicar por
completo. (SCHENKMAN, 2016). Outros detalhamentos de processos que permitem a
aprendizagem já foram melhor explicados pelas neurociências. Atemo-nos às bases
neurológicas relacionadas à aprendizagem.
Bases Neurológicas e
Aprendizagem

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
As redes neurais são essenciais para que ocorra a aprendizagem (como já visto na
Unidade I). O neurônio é a base de tudo que sabemos e fazemos. A relevância do
neurônio para todo tipo de aprendizagem é explanada por Fonseca (2014, p. 237),

Efetivamente, em termos neuropsicopedagógicos, os neurônios podem


ser considerados as células da aprendizagem, pois são elas em si, mais a
interação que recriam com as células denominadas glias, que sustentam
e consolidam, somaticamente, qualquer tipo de aprendizagem.
(FONSECA, 2014, p. 237).

Portanto, trataremos de um assunto que envolve a complexa interação entre


neurônios especializados de várias partes do cérebro em sua rica interação para que
o ser humano consiga organizar suas ações diante das adaptações que o meio lhe
impõe.
Ao explicar a evolução do cérebro primitivo dos répteis para o cérebro dos mamíferos,
Relvas (2015) comenta que no humano é formado por um tipo novo de córtex
(neocórtex) e grupos neuronais subcorticais. Nos mamíferos há uma região
constituída por células cinzentas (neurônios), formando o lobo límbico e a borda ao
redor do tronco encefálico. Diferentemente do cérebro reptiliano, nos mamíferos há a
capacidade de emoção, como a emoção de fúria, que é gerenciada pelo sistema
límbico e que é “[...] praticamente iguais ao gato, a um cão e a um ser humano
submetido a uma situação quando estressado” (RELVAS, 2015, p. 27).

A amígdala cerebral é muito relevante nas reações de agressividade, medo e


identicação de reações de medo. É também a responsável pelo comportamento
altruísta, amor e cuidado com a prole. No ser humano, lesões na amígdala cerebral
podem levar a perda de sentido afetivo da percepção de informação externa, como
reconhecer se gosta de alguém familiar ao vê-lo. Atuando juntamente com o
hipotálamo, ela tem a função de identicar situações de perigo e preparar o indivíduo
para lutar ou fugir. O hipotálamo é a região do sistema límbico mais importante, pois
controla o comportamento emocional (RELVAS, 2015).

Sobre a área cerebral responsável pelo raciocínio, Gazzaniga, Heatherton e Halpern


(2017, p. 98) esclarecem que:

[...] o córtex pré-frontal [...] ocupa cerca de 30% do cérebro nos humanos
[...]. Partes do córtex-pré-frontal são responsáveis pelo direcionamento e
manutenção da atenção, manutenção das ideias na mente enquanto as
distrações bombardeiam as pessoas a partir do meio exterior, e
desenvolvimento e execução de planos. Todo o córtex pré-frontal é
indispensável para a atividade racional, sendo também especialmente
importante para muitos aspectos da vida social humana, como a
compreensão daquilo que as pessoas estão pensando, se comportar de
acordo com as normas culturais a própria existência. (GAZZANIGA;
HEATHERTON; HALPERN, 2017, p. 98).
As funções nervosas superiores são desempenhadas pelo córtex cerebral, que é
dividido em lobo frontal, temporal parietal e occipital. O lobo frontal recebe impulsos
nervosos dos lobos parietais e temporais por longos feixes de bras. Lesões bilaterais
na área pré-frontal causam perda da concentração, diminuição da habilidade
intelectual e décit de memória e julgamento. O lobo temporal, em sua parte
posterior, está relacionado com a recepção e a decodicação de estímulos auditivos,
que se relacionam com impulsos visuais. A parte anterior está relacionada com a
atividade motora visceral, mais especicamente, olfação e gustação, e com alguns
comportamentos instintivos (RELVAS, 2015).

O lobo parietal interpreta e integra informações visuais provenientes do lobo


occipital. Também está relacionado às informações somatossensitivas,
principalmente o tato. Quando há lesões no lobo parietal há perda do conhecimento
geral, falta de interpretação das relações espaciais e motoras. Já o lobo occipital
realiza a integração visual (RELVAS, 2015).

Figura 1 - Divisão dos lobos cerebrais.


Fonte: Shutterstock.
Quadro 2 - Relação das funções desempenhadas por diferentes regiões corticais
ÁREA CORTICAL FUNÇÕES

Córtex motor primário Inicia o comportamento motor


(giro pré-central) voluntário

Córtex sensitivo primário Recebe informações sensitivas do corpo


(giro pós-central)

Córtex visual primário Detecta estímulos visuais

Córtex auditivo primário Detecta estímulos auditivos

Córtex de associação Coordena movimentos complexos


motora (área pré-motora)

Centro da fala Produção da fala articulada


(área de Broca)

Córtex de associação Base do esquema corporal


somestésica

Área de associação visual Processa a visão complexa

Área de associação auditiva Processa a audição complexa

Área de Wernicke Compreensão da fala


Área pré-frontal Planejamento, emoção, julgamento

Área temporal e parietal Percepção espacial

Fonte: adaptado de Relvas (2015, p. 37-38).

Abordaremos, então, a conação e as funções executivas, que são essenciais para a


sobrevivência e aprendizado, pois as habilidades executivas e conativas são
fundamentais para a compreensão das bases neurológicas da aprendizagem.
Para Fonseca (2014), há funções no cérebro que contribuem para que haja a
aprendizagem, uma é a conativa (relativas às emoções, motivações e temperamento)
e a outra é chamada de funções executivas (que permitem organizar informações e
cognições).

A cognição, a conação e a execução que fazem parte da plenitude das


faculdades mais sutis e superiores do ser humano, emanam, portanto, da
coatividade de milhões de neurônios, resulta, consequentemente, de
mecanismos biológicos e substratos neurológicos do cérebro,
demonstrando a impossibilidade de separar a função do sistema nervoso
de qualquer forma de aprendizagem, seja da mais natural, simples e
não-verbal, seja a mais cultural, complexa e verbal (FONSECA, 2014, p.
238).

Falaremos das funções conativas ou, como cotidianamente dizemos, a emoção.


Cosenza e Guerra (2011, p. 44) explicam que as emoções: “[...] se manifestam por meio
de alterações na sua siologia e nos seus processos mentais e mobilizam os recursos
cognitivos existentes, como a atenção e a percepção”. As emoções preparam os
organismos para ações de luta e/ou fuga, visando aproximações, confronto e
afastamentos de situações e pessoas.

As emoções atuam como um sinalizador interno de que algo importante


está ocorrendo, e são, também, um eciente mecanismo de sinalização
intragrupal, já que podemos reconhecer as emoções uns dos outros e,
por meio delas, comunicar situações e decisões relevantes aos demais
indivíduos ao nosso redor (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 44).

O fenômeno emocional tem raízes biológicas muito antigas e se mantém por seu
valor para a sobrevivência das espécies e indivíduos. A relação entre processos
conativos (emocionais) e processos cognitivos (como os presentes nas funções
executivas) não são opostos, são complementares, como armam Cosenza e Guerra
(2011, p. 44):

Na verdade, as neurociências têm mostrado que os processos cognitivos


e emocionais estão profundamente entrelaçados no funcionamento do
cérebro e têm tornado evidente que as emoções são importantes para
que o comportamento mais adequado à sobrevivência seja selecionado
em momentos importantes da vida dos indivíduos. A ausência das
emoções nos tornaria como inexpressivos robôs androides. (CONSENZA;
GUERRA, 2011, p. 44).

Após destacar que emoção e cognição trabalham juntas na adaptação e


sobrevivência, podemos passar para as funções executivas, que são:
Conjunto de habilidades e capacidades que nos permitem executar as
ações necessárias para atingir um objetivo. Nelas incluem a identicação
de metas, o planejamento de comportamentos e sua execução, além
do monitoramento do próprio desempenho, até que o objetivo seja
consumado (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52, grifo nosso).

A grande relevância das funções executivas está em permitir organizar nosso


pensamento, estabelecer estratégias comportamentais e dirigir as próprias ações de
modo objetivo e exível. É por meio das funções executivas que se pode supervisionar
todo o processo. Vemos a relevância da ação das funções executivas em qualquer
comportamento complexo, como escolher uma roupa, pois exige uma estratégia
comportamental global, dividida em subtarefas que devem ser distribuídas no
tempo de forma ordenada e mantida na memória operacional até que o objetivo seja
plenamente atingido.

O uso das funções executivas deve ser amparado pelos educadores, para que o aluno
aprenda a gerenciar o comportamento de lidar com frustrações diante das
diculdades e de repetições necessárias para a formação de rotas neurais, como
quando o aluno precisa repetir várias vezes a escrita e leitura de uma palavra para
formar a rota lexical e fonológica desta.

A educadora Relvas (2015) acentua que os estudos da biologia cerebral contribuem


para a práxis em sala de aula, pois contribuem para compreensão das dimensões
cognitivas, motoras, afetivas e sociais. Possibilitando ao educador redimensionar
quem é o aluno, suas potencialidades e vendo novas formas de interferir nos
ambientes pelos quais se educam.

No ambiente escolar, o bom uso das funções executivas é fundamental para que um
estudante tenha sucesso. As funções executivas se desenvolvem lentamente e só
estão plenas com o amadurecimento do cérebro, por volta dos 20 anos.

Como é complexo o processo de amadurecimento do cérebro! Partiremos agora à


discussão sobre a dimensão interna do desenvolvimento humano.
Dimensão interna do
desenvolvimento

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Desde o nascimento até o primeiro ano de vida, a capacidade de regular o próprio
comportamento em resposta às contingências ambientais e a capacidade de
estabelecer metas e de executar comportamentos voluntários com o intuito de
alcançar as metas são observados. Os primeiros sinais de controle inibitório surgem
entre 7 e 8 meses de idade. Outro marcador importante do desenvolvimento são os
precursores da teoria da mente (que é a capacidade de supor que cada pessoa tem
uma perspectiva e sensações diferentes das suas) surgem aos seis meses,
praticamente junto com a capacidade de distinguir objetos inanimados e animados.
Outro ponto importante da primeira infância é que, em torno de 12 e 18 meses, as
crianças começam a representar a percepção de um objeto compartilhado e a
acompanhar ativamente o olhar de uma pessoa para um objeto, isso quando
apresentam desenvolvimento neurológico típico.

Outro ponto é destacado por Uehara et al.(2016): o desenvolvimento do córtex pré


frontal entre os 3 e os 6 anos indica que a idade pré-escolar é um período crucial para
a aquisição de habilidades importantes para o funcionamento adequado da criança
no ambiente escolar. No ambiente de sala de aula, as crianças precisam manter-se
conscientes do que elas estão fazendo enquanto executam alguma atividade. Os
alunos precisam escolher e prestar atenção a informações enquanto realizam uma
tarefa.

O controle cognitivo, que faz parte das funções executivas, é extremamente


pertinente para várias atividades realizadas na escola, como socializar com crianças
de idades diferentes, atender aos pedidos de adultos e realizar tarefas escolares.
Sobre o controle cognitivo, Uehara et al. (2016, p. 27) armam que:

[...] medidas de controle cognitivo relatadas entre os 3 e os 11 anos de


idade foram preditoras de saúde física, dependência de substâncias,
status socioeconômico e probabilidade de condenação penal em adultos
com 32 anos de idade. Dessa forma, a identicação de décits executivos
ainda na idade pré-escolar é útil para a estruturação de programas de
intervenção dessas funções. (UEHARA et al., 2016, p. 27).

As diferentes habilidades executivas e suas respectivas trajetórias de


desenvolvimento têm seu início na infância e continuam na adolescência, chegando
até a idade adulta. Passaremos, então, a nos deter na fase da adolescência e seu
respectivo desenvolvimento interno.

Tanto do ponto de vista da cognição quanto do comportamento, os adolescentes são


caracterizados como impulsivos e assumem riscos de modo pouco reetido. Uma
possível explicação para o excesso de riscos está no baixo controle inibitório
frequente nessa fase.
[...] adultos e adolescentes acima dos 16 anos compartilham a mesma
competência de raciocínio lógico, mas fatores como suscetibilidade à
inuência dos pares e controle inibitório levam a diferenças na tomada de
decisão dos adolescentes (MUSZKAT; MIRANDA; MUSZKAT, 2015, p. 190).

Casey, Getz, e Galvan (2008) compilaram uma série de estudos, os quais mostram
associação positiva entre a atividade do nucleus accumbens e a probabilidade de se
envolver em comportamentos de risco durante o desenvolvimento, mas essa
atividade varia em função da avaliação de consequências positivas ou negativas
previstas. Para esses autores, durante a adolescência, alguns indivíduos podem ser
mais propensos a se envolver em comportamentos de risco. Mais do que simples
alterações na impulsividade, isso se deve também às mudanças de desenvolvimento,
em conjunto com a variabilidade na predisposição individual a se envolver em tais
comportamentos de risco. Os autores ressaltam a relevância de se considerar a
variabilidade individual ao examinar as relações cérebro comportamento
relacionadas a assumir riscos e ao processo de recompensa, o que pode, ainda,
explicar a vulnerabilidade de alguns jovens a determinados comportamentos de
risco, como abuso de drogas.

O cérebro do adolescente difere tanto do infantil como do adulto em relação à


morfologia e aos aspectos funcionais associados ao papel diferente de circuitos,
regiões neocorticais, velocidade de maturação das substâncias branca e cinzenta,
conectividade estrutural e neurotransmissão (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008).
Observam-se essas mudanças em áreas bastante diversas do conhecimento, desde a
delimitação de diferentes respostas do cérebro adolescente até intervenções
farmacológicas, mudanças nos ciclos circadianos de sono e vigília, padrões de
receptividade e de conectividade de áreas relacionadas à motivação e reatividade ao
estresse. Todos esses aspectos tornam o período da adolescência um dos mais
dramáticos e importantes no que se refere a mudanças neurobiológicas, nos
domínios neuropsicológico e neurocognitivo, e nos aspectos que envolvem a
atribuição jurídica a comportamentos de risco e seleção de estratégias clínicas e de
reabilitação nos casos considerados disfuncionais.

Durante a adolescência, a maturação cerebral continua principalmente


nas áreas pré-frontais, as quais se reconhece serem essenciais para a
tomada de decisão em bases racionais, para o planejamento executivo e
para a modulação de comportamentos ligados à emoção. Há um declínio
da substância cinzenta nas áreas pré-frontais e aumento da substância
branca nessas regiões, o que se relaciona a um aumento da mielinização
das podas sinápticas, com um pico em torno dos 11 anos de idade em
meninos e um pouco mais precoce em meninas. Ainda que o tamanho
total do cérebro da criança de 6 anos tenha em torno de 90% do
tamanho do cérebro do adulto, as substâncias cinzenta e branca
continuam a passar por mudanças contínuas durante a adolescência.
(CASEY; GETZ; GALVAN, 2008, p. 191).
O aumento de comportamentos de risco na adolescência está associado aos
sistemas subcorticais, cujo funcionamento é exagerado nos adolescentes, reetindo
que trajetórias do sistema de recompensa envolvido em escolhas de risco,
desenvolvem-se mais do que o sistema pré-frontal. Tal processo é que determina
escolhas mais impulsivas do que as mediadas por sistemas que envolvem regras e
objetivos mais denidos, como o córtex pré-frontal dorsolateral, responsável pela
mediação cognitiva e planejada das escolhas (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008).

Iniciemos a discussão sobre a terceira idade. A literatura cientíca tem se debruçado


mais sobre a terceira idade nas últimas décadas. Muitos dos entendimentos que se
possuía sobre o envelhecer se mostraram falhos, como atribuir o isolamento e perda
de interesse em atividades prazerosas ao mero passar dos anos. Silva e Yassuda (2013)
apontam alguns fatores já denidos como importantes na manutenção do nível
cognitivo em idosos. Os autores citam a teoria do desuso, que arma que idosos
expostos a ambientes com menor estimulação reduziram o uso de habilidades
cognitivas.

Barnes e colaboradores (2004), baseando-se no número de contatos


estabelecidos com amigos, familiares e lhos no último mês e no número
de atividades sociais, comunitárias e produtivas desempenhadas por
idosos americanos (...) observaram que rede social ampla e participação
nas atividades examinadas apresentaram elevada associação com o
desempenho cognitivo nos dados iniciais e com menor incidência de
declínio cognitivo (SILVA; YASSUDA, 2013, p. 430).

Há estudos epidemiológicos, armam Silva e Yassuda (2013), que sugerem forte


relação entre pessoas mais envolvidas em atividades sociais e menor risco de
problemas cognitivos na fase idosa. Relevante esclarecer que contatos sociais
incluem a rede social, a frequência de contato com familiares e amigos e a
percepção de suporte social recebido.
Figura 2 - Inuências normativas associadas com a idade e a história e inuências
não normativas

d etu n g a

rte Fo
Influências normativas Influências
relacionadas com a não-normativas
história

cia n ê a influ d e

a
c
a
Influências
normativas
relacionadas com a
idade
M

Fr
Infância Adolescência Idade adulta Velhice Fonte: Palácios (2007, p. 373).

Como vimos na Figura 2, as inuências normativas relacionadas com a idade (aquelas


de origem interna como os genes herdados dos ascendentes e comuns da espécie
são mais impactantes nos primeiros anos de vida) diminuem sua inuência no nal da
infância, apresentam pouca inuência na adolescência e na vida adulta. Voltando a
interferir mais signicativamente na velhice, mostrando haver moderada inuência
genética no modo como se vive a velhice.

Outros aspectos sociais e de interação com os pares repercutem no desenvolvimento


da vida social, prossional e acadêmica ao longo de toda a vida. Estes ocorrem na
relação um para um, nos relacionamentos interpessoais íntimos que nos apontam se
o caminho que tomamos tem sido efetivo ou não, falamos sobre o oferecimento de
feedback para a construção de comportamentos mais adequados e saudáveis e que
devem ser observados na educação.
Feedback e Aprendizagem
AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Dentro dos aspectos psicopedagógicos, para auxiliar na aprendizagem estão as
técnicas de feedback que possibilitam explorar e proporcionar melhores interações
enquanto o organismo se modica internamente (neurologicamente) e externamente
(comportamentalmente). Aspectos neurológicos, psicológicos e pedagógicos se
intercruzam na experiência diária de ensino-aprendizagem.

Muito do nosso comportamento aprendido ocorre nas interações com outras


pessoas, mesmo a interação com o ambiente físico (como brincar com o móbile) é
disposta pela cultura, ou seja, um ser humano determinou ou facilitou a interação
com determinada parte do ambiente e não com outras.

A aprendizagem costuma ser observada por meio da mudança de comportamento.


Segundo Williams (2005), na nossa cultura os métodos tradicionais para promover a
mudança de comportamento são: imposição, persuasão e ameaça. O autor nos fala
que as ações de impor, persuadir e ameaçar não são ecazes, pois só costumam ter
efeitas enquanto o agente controlador está presente, porque quando o ele vira de
costas a obediência cessa. Fazer perguntas orientadas é uma técnica mais efetiva
que imposição e ameaça.

Williams (2005) apresenta sugestões de como dar explicações claras e diretas para
mudar um comportamento. 1º, descrever um comportamento especíco; 2º, descrever
as consequências do comportamento; 3º, descrever como você se sente em relação
ao comportamento; 4º, descrever por que você se sente dessa forma; 5º, descrever o
que precisa ser mudado.

Se você precisa que seu lho passe a manter organizado e arrumado o próprio quarto,
uma proposta usando esses passos seria: “Filho, por muitos anos você não tem dado
a mínima para o seu quarto (descrição do comportamento especíco). O lugar está
cheio de roupas sujas, sem falar das embalagens com restos de comida espalhadas
pelo chão. Você tem convivido com o lixo e a bagunça por muito tempo (as
consequências do comportamento). Eu tenho medo de que isso já tenha se tornado
um estilo de vida (descrição de como se sente em relação ao problema). Preciso que
cuide mais do seu quarto (o que precisa ser mudado)”.

Outra situação para melhor elucidar a aplicação da técnica de perguntas orientadas


será descrita a seguir, em que pai e lho conversam sobre o caminho prossional do
lho:
-Que bom que você veio comer uma pizza comigo. Tem uma coisa
importante sobre a qual precisamos conversar. Estou preocupado com o
que parece ser uma falta de direcionamento em sua vida. Você já está
com 17 anos e, em alguns meses, estará terminando o ensino médio. O
que gostaria de estar fazendo daqui a um ano?- Ah, tipo assim... sei lá. -
acho que você sabe sim. Sei que gosta de estar com seus amigos, de
passar horas no computador e jogar video games. Você sabe do que
gosta e do que não gosta. Então, provavelmente, já reetiu sobre o ano
que vem. Respeito você e vou respeitar sua resposta. Então, o que
gostaria de estar fazendo daqui a um ano? - Acho que gostaria de estar
na faculdade. - Ótima resposta. O que gostaria de estar fazendo em cinco
anos? - Cinco anos depois de começar a faculdade, provavelmente já
estarei formado. -Não foi isso que perguntei (WILLIAMS, 2005, p. 108,
adaptado).

Até esta parte da interação o jovem não se posicionou seriamente na conversa.


Então, o pai reenquadra a situação e prossegue:

O que gostaria de estar fazendo em cinco anos? -Alguns amigos sabem


exatamente o que querem fazer, mas eu não tenho certeza.
Provavelmente alguma coisa relacionada a computadores. - Então,
alguns de seus amigos já têm uma direção em mente. Como se sente ao
perceber que eles já sabem o que querem enquanto você continua
indeciso? - Fico bolado. - Parece que você algo ca incomodado pelo fato
não saber, mas, se tivesse que escolher uma prossão hoje, seria
relacionado a computadores. - Isso mesmo. - Algumas pessoas cam
confusas quando têm que resolver um problema porque não conseguem
enxergar todos os detalhes da solução. É possível que sua diculdade em
tomar uma decisão deva-se à complexidade e abrangência da área de
informática. Estou falando besteira? - Bem, não tenho certeza se quero
trabalhar em sistemas, redes, programação, ou sei lá o quê. Não sei
mesmo. - É exatamente isso que estou dizendo. Eu caria confuso
também (WILLIAMS, 2005, p. 108-109, adaptado).
Já imaginou se esse jovem com tanto potencial se sentisse inútil e perdido e
pensasse de si mesmo que não tem talento nem jeito? Que desperdício. Quantos
alunos com diversos tipos de diculdades passam por isso? Seja na hora de escolher
uma prossão, seja na resolução de questões lançadas em aula. O feedback de uma
pessoa mais madura pode ajudá-lo.

Os feedbacks de pessoas próximas ou que nos conhecem fornecem boas


informações sobre comportamentos que estão fazendo mal a nós mesmos e/ou a
outras pessoas sem que tenhamos percebido, são os pontos cegos. Stone e Heen
(2016, p. 111) explicam o que são os tais pontos cegos comportamentais, isto é,
comportamentos de que não há consciência sobre ele, pois: “Ponto cego é algo que
não vemos sobre nós mesmos, mas que os outros veem. Cada um de nós têm suas
próprias particularidades nesse quesito, mas existem alguns pontos cegos que todos
nós temos”. É na interação social adequada que o ser humano pode melhorar. A
educação visa proporcionar boas aprendizagens, com as aprendizagens surge a
reorganização do cérebro:

Se o ser humano falhar na aprendizagem, a sua interação com os outros


falhará também e, como consequência, o seu cérebro falhará no
crescimento e na maturação. O estudo da evolução dos hominídeos
pressupõe que os sucessivos processos de aprendizagem cultural
tiveram impacto signicativo na reorganização neurofuncional do cérebro
(FONSECA, 2010, p. 22-23, grifo do autor).

Sobre a educação, Muszkat, Miranda e Muszkat (2015) expõem que é um processo


multideterminado, porém o que é feito em sala de aula é intervenção que leva a
modicações comportamentais, cognitivas e cerebrais nos alunos.

Traduzir os dados de investigação das neurociências para a educação,


com o objetivo principal de melhorar a aprendizagem dos alunos e o
ensino dos professores, é um dos grandes desaos do século XXI, por
essa razão, pensamos que a neuropsicopedagogia (neurociência
educacional) não pode continuar a ser negligenciada pelas Ciências de
Educação. Em síntese, a neuropsicopedagogia procura reunir e integrar
os estudos do desenvolvimento, das estruturas, das funções e das
disfunções do cérebro, ao mesmo tempo que estuda os processos
psicocognitivos responsáveis pela aprendizagem e os processos
psicopedagógicos responsáveis pelo ensino (FONSECA, 2014, p. 263, grifo
nosso).

Como apontado por Fonseca (2014), como os conhecimentos da neurociência serão


utilizados na educação é algo que se está construindo. Contudo, sobre a relação
entre as neurociências, a educação e o feedback, Vieira (2017, p. 24) nos revela que:

A Neurociência aponta que o cérebro não distingue o que é real do que é


imaginado. Toda imagem mental, positiva ou não, que é vista
repetidamente e/ou sob forte impacto emocional torna-se uma verdade
sináptica, ou seja, uma programação mental. Isso quer dizer que os
registros neurais produzidos com o ensaio mental gerarão mudanças
concretas dentro e fora de você. (VIEIRA, 2017, p. 24).

Se um aluno tem uma imagem mental de si como fracassado, provavelmente ele irá
fracassar. Uma frase atribuída a Henry Ford é muito ilustrativa ao que hoje se chama
de mindset: “Se você pensa que pode ou se pensa que não pode, de qualquer forma
você está certo”. Essa explicação sobre as “verdades” que contamos a nós mesmos
pode nos impedir de atingir os objetivos ou nos impelir ao sucesso. Se os educadores
dominarem a técnica de feedback, podem ajudar a impulsionar muitas
alunos que estão descrentes de si e desistindo de lutar, porque acreditam que nunca
serão bons. Eis a utilidade da neuropsicopedagogia, aliar saberes da neurociência
com a realidade educacional para auxiliá-la.

SAIBA MAIS
Exemplos de décit de cognição espacial

Incapacidade de localizar objetos no espaço, de modo que há décits de


alcance e de indicação de alvos visuais.

Décits de aprendizado ou de lembrança de rotas, o indivíduo não


consegue traçar a rota de um determinado local a outro.

Incapacidade de relacionar objetos espacialmente separados,


incapacidade de descrever a ação retratada em uma foto, embora
consiga descrever os itens individuais que a compõem.

Diculdade que envolve a capacidade de construção visual, não


conseguir reproduzir o desenho de um bloco tridimensional.

Incapacidade de soletrar o início das palavras ou de ler com coerência


uma passagem longa, pulando linhas inteiras e começando a leitura no
meio de outra linha. (Tarefas como ler, contar e soletrar dependem da
percepção espacial-temporal acurada de uma sequência de estímulos.)

O indivíduo pode não conseguir lembrar a disposição dos móveis de


uma sala ou a planta dos quartos de sua própria casa.

Fonte: Schenkman (2016, p. 563).


REFLITA
“A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa. É mais uma arte de
mestres do que de discípulos; é preciso ter aprendido muitas coisas para
saber perguntar o que não se sabe”
(Jean-Jacques Rousseau).
Conclusão - Unidade 2

Nesse nosso percurso sobre a aprendizagem, mais especicamente sobre a dimensão


interna do desenvolvimento neurológico, vimos de perto conceitos muito
mencionados, como cognição e pensamento. Cognição é o processo pelo qual o
indivíduo chega a soluções novas e criativas, o pensamento já era investigado desde a
antiguidade grega e é dividido em conceitos, juízos e raciocínios.

O próprio vocabulário da neurociência faz com que seja necessário entendermos os


termos que já usamos para que possamos compreender os novos conceitos que a
neuropsicopedagogia nos impõe. Vimos aspectos do funcionamento humano que são
chamados de funções executivas e funções conativas. Funções executivas permitem
que organizemos nosso próprio comportamento diante de diculdades do meio. As
funções conativas são permeadas pela emoção e por sentimentos.

Muito da sobrevivência humana só foi e é possível graças aos sistemas cerebrais que
nos energizam de modo rápido para emissão de reações de luta e fuga. Quanto mais
se olha para o cérebro, em suas relações com as pessoas e ambientes, mas se vê o
universo único e fantástico que se rege a partir de leis que nós, humanidades, ainda
estamos na iminência de entender.

Após nos debruçarmos sobre aspectos internos do cérebro, cabe citar as


potencialidades que cada pessoa pode alcançar quando é educada para compreender
o efeito de seu comportamento sobre o dos demais, com a construção da capacidade
de feedback. As técnicas de feedback para ajudar os jovens a encontrarem seu
caminho se somam ao autoconhecimento como modo de propiciar um estilo de vida
saudável e harmônico. É interessante lembrar que, por mais fantástico que seja, o
órgão humano do cérebro, o pleno potencial humano exige ações como de busca de
harmonia.

Leitura complementar
Phineas Gage

Uma lesão encefálica pode, às vezes, apresentar uma profunda inuência sobre a
expressão emocional de uma pessoa, com poucos efeitos adicionais. Um dos mais
famosos exemplos é o caso de Phineas Gage. No dia 13 de setembro de 1848, enquanto
socava pólvora em um buraco, preparando uma explosão no local de construção de
uma ferrovia, em Vermont, ele cometeu o erro de não olhar, por um instante, para o
que estava fazendo. O ferro que era utilizado para socar atingiu uma rocha, e a pólvora
explodiu. As consequências desse ato são descritas pelo Dr. John Harlow em um artigo
de 1848, intitulado: “Passagem de uma barra de ferro através da cabeça”. Quando a
carga explodiu, a barra de ferro de um metro de comprimento e de 6 kg foi projetada
em direção à cabeça de Gage, logo abaixo de seu olho esquerdo. Após atravessar seu
lobo frontal esquerdo, a haste saiu pela parte superior do crânio de Gage.

Inacreditavelmente, após ser carregado até um carro de bois, Gage manteve-se


sentado ereto até chegar em um hotel próximo, conseguiu subir um longo lance de
escadas para entrar. Quando Harlow viu Gage pela primeira vez no hotel, ele comentou
“o quadro que se apresentava era, para alguém não acostumado a cirurgias militares,
verdadeiramente impressionante” (p.390). Como o leitor pode imaginar, o projétil
destruíra uma porção considerável do crânio e do lobo frontal esquerdo, e Gage havia
perdido bastante sangue. O buraco que atravessou sua cabeça tinha mais de 9 cm de
diâmetro. Harlow foi capaz de colocar toda a extensão do seu dedo indicador dentro
do orifício no topo da cabeça de Gage, e também para cima, a partir do buraco em seu
rosto. Harlow cuidou do ferimento tão bem quanto pode. Ao longo das semanas
seguintes, desenvolveu-se uma considerável infecção. Ninguém teria cado surpreso se
o homem morresse. Cerca de um mês após o acidente, no entanto, ele estava fora da
cama e caminhando pela cidade!

Harlow correspondeu-se com a família de Gage durante muitos anos e, em 1868,


publicou um segundo artigo, “Recuperação da passagem de uma barra de ferro
através da cabeça.”, descrevendo a vida de Gage após o acidente. Após ter-se
recuperado de seus ferimentos, Gage estava aparentemente normal, exceto por uma
coisa: sua personalidade havia sido dramática e permanentemente alterada. Quando
tentou voltar ao seu emprego como contra-mestre de construção, a companhia notou
que ele havia mudado muito, e para pior, de modo que não o empregaram
novamente. De acordo com Harlow, antes do acidente Gage era considerado “o
contra-mestre mais capaz e eciente... Ele tinha uma mente bem equilibrada e era
considerado, por aqueles que o conheciam, como um negociante perspicaz e
inteligente, muito persistente na execução de todos os seus planos de operação” (p.
339-340). Após o acidente, Harlow o descreveu como segue:

Ele é indeciso, irreverente, permitindo-se, às vezes, as mais grosseiras irreverências (o


que não era seu costume anteriormente), apresentando pouca deferência para com
seus amigos, impaciente em relação a obstáculos ou conselhos que entrem em conito
com seus desejos; às vezes, de uma obstinação pertinaz, e ainda assim caprichoso e
vacilante, imaginava muitos planos para operações futuras, os quais logo
que arranjados eram abandonados em troca de outros que lhe parecessem mais
exeqüíveis... Sua mente mudou radicalmente, tão decididamente que seus amigos e
conhecidos disseram que ele “não era mais o Gage”. (p. 339-340).

Phineas seguiu vivendo por mais 12 anos, e quando morreu não foi realizada qualquer
autópsia. Seu crânio e a barra de ferro foram preservadas em um museu na Escola
Médica de Harvard. Em 1994, Hanna e Antonio Damásio e seus colegas, da
universidade de Iowa, zeram novas medidas do crânio e utilizaram técnicas modernas
de diagnóstico por imagem para reconstruir a lesão no encéfalo de Gage. (...) A barra
de ferro lesionou gravemente o córtex cerebral de ambos os hemisférios,
especialmente os lobos frontais. Presume-se que tenha sido essa lesão que levou às
explosões emocionais apresentadas por Gage e às drásticas mudanças em sua
personalidade.

Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2008, p. 570).


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Unidade 3
Cérebro I

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade

Introdução
O conhecimento sobre o cérebro e o sistema nervoso é muito vasto e apresenta
inúmeras implicações. A Psicologia e a Pedagogia foram atraídas para o campo de
forças das neurociências, gerando uma área de conhecimento fabulosa. A
neuropsicopedagogia é herdeira de uma noção de ser humano muito rica e
complexa.

A relação entre mente, corpo e comportamento é debatida há muitos séculos por


pensadores, lósofos, teólogos e, mais recentemente, por cientistas e neurocientistas.
Cada autor tem muito a propor e a escutar, independente se seu saber parte de
sosticados laboratórios ou gigantescas bibliotecas. O saber humano não tem limites,
nem fronteiras. Não há conhecimento melhor porque utiliza mais tecnologia, pois
tudo que se refere ao ser humano importa e é relevante. O saber conduzir uma
palestra agradável é permitir entrar em contato com outro universo, chamado de
pessoa. A comunicação entre pessoas é tão importante quanto a comunicação entre
áreas de saber. Quando Pedagogia, Psicologia e neurociência se dispõem a partilhar
saberes, visam trocar aspectos que já dominam por uma experiência mais completa
e mais instável, aumentando a complexidade de suas intervenções em vários
campos humanos como na educação e saúde.

No intento de conhecer mais a nós mesmos, prosseguimos para entender a


memória, como ela nos dene e como somos denidos por ela. As certezas com que
comparamos a memória humana com a de máquinas nos faz perder algumas
certezas sobre fatos, mas nos presenteamos com a sensação de que a espécie
humana é deveras especial e nunca comparável a qualquer máquina inventada pelo
homem. Se a dureza dos tecidos cerebrais nos microscópios faz esquecer a doçura da
vida e levarem ao materialismo, basta olhar por tempo suciente o sorriso de uma
criança para que a ternura volte a aquecer, pois há ainda coisas que a Pedagogia e a
Psicologia não tiveram tempo de ensinar às neurociências.
O Cérebro e o Sistema
Nervoso

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
O cérebro é tido como a morada da razão. Quando vemos o desenho do cérebro
estilizado, geralmente se remete às grandes ferramentas de que dispõe a
humanidade: criatividade, raciocínio e estratégia.

É necessário termos uma boa noção sobre o cérebro e o sistema nervoso para que
possamos acompanhar a neuropsicopedagogia. Comecemos pelo Sistema Nervoso
Central (SNC), que são as porções do sistema nervoso envolvidas pelos ossos: o
encéfalo e a medula espinhal. O encéfalo é dividido em cérebro, cerebelo e tronco
encefálico. O cerebelo ca atrás do cérebro, o termo vem do latim, signica cérebro
pequeno. O cerebelo é: “[...] um centro de controle do movimento que possui
extensivas conexões com o cérebro e com a medula espinhal” (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2008, p. 171). “O tronco encefálico é um conjunto complexo de bras e
células, que, em parte, serve para enviar informação do cérebro à medula espinhal e
ao cerebelo e da medula espinhal e cerebelo ao cérebro” (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2008, p. 171). O tronco encefálico também regula funções vitais, como
respiração, consciência e controle de temperatura. Ele é considerado a porção mais
antiga do encéfalo dos mamíferos.

Figura 1 - Caixa craniana contendo o cérebro, cerebelo e tronco encefálico

Fonte: Freepik.

A medula espinhal é envolvida pela coluna óssea e está colada ao tronco encefálico.
A medula espinhal é o maior condutor de informação da pele, articulações e dos
músculos ao encéfalo e do encéfalo para o sentido contrário. Caso haja um corte na
medula espinhal, resultará em falta de sensibilidade na pele e até paralisia no
músculo (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2008).
Lent (2001) explica que o cérebro é constituído por dois hemisférios justapostos e
separados por um profundo sulco. No cérebro ca o córtex cerebral, que é a superfície
enrugada cheia de giros e sulcos. No córtex estão representadas as funções neurais e
psíquicas mais complexas.

Sobre a importância de conhecer os sistemas biológicos na educação, temos em


Relvas (2015, p. 34) que:

Diante disso, é fato que diversas diculdades de aprendizagens poderão


ser resolvidas ou amenizadas quando os educadores tiverem seus
olhares focalizados na promoção do desenvolvimento dos diversos
estímulos neurais que se expõem de forma que se compreendam os
processos e os princípios das estruturas do cérebro, conhecendo e
identicando cada área funcional, visando estabelecer rotas alternativas
para a aquisição da aprendizagem, utilizando-se de recursos sensoriais,
como instrumento do pensar e do fazer.

Aprofundando nosso conhecimento sobre as funções cerebrais, falaremos de como


se chegou a atual descrição da relação entre corpo, mente e comportamento.
Desenvolvimento da mente e
do comportamento

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Na antiguidade grega, Aristóteles defendia que o coração era o centro do controle do
corpo. Também por volta de 330 a.C., Aristóteles enunciou a primeira reexão sobre a
relação mente-cérebro. Na obra Sobre a Alma o pensador relaciona as funções
nutritivas, sensitivas, locomotoras e reprodutivas a processos siológicos do
organismo. Quanto ao aspecto intelectual, a losoa aristotélica armava que as coisas
materiais possuíam capacidade de impressionar a mente. O conhecimento racional
faria parte das verdades universais. A parte pensante da alma, para Aristóteles, não se
misturaria ao corpo, contudo era capaz de pensar (DALGALARRONDO, 2008).

Hipócrates propalava a ideia de que o cérebro controlava os comportamentos.


Muitas das observações de Hipócrates se deram a partir do acompanhamento de
seus pacientes com doenças ou lesões cerebrais no tecido exposto. Esse médico
também se celebrizou por haver criado uma das primeiras teorias biológicas sobre o
funcionamento mental, a teoria humoral, em que se pensava serem quatro os tipos
de humores do corpo (bile amarela, bile negra, euma e sangue), que deveriam ser
equilibrados para que uma pessoa estivesse saudável. Essa proposta partia de uma
teoria homeostática para a saúde mental (LAMBERT; KINSLEY, 2006).

Dos encontros com gladiadores feridos nos territórios de Roma antiga e de estudo
de animais mortos, Galeno pode depreender conhecimentos sobre a relação entre
cérebro e resto do organismo. Ele escreveu que espíritos animais no cérebro
transmitiam sensações e movimentos. Galeno identicou as funções dos nervos e
propôs uma das primeiras teorias do funcionamento da mente, isso tudo 200 anos
antes de Cristo. Suas ideias prosseguiram convencendo grandes nomes da ciência do
período pós-renascença, como René Descartes (1596-1650). O cérebro foi tomado
losocamente por Descartes, isso é, ele não o estudou dissecando-o, mas sua
maneira de pensar sobre a relação corpo e alma foi determinante para o modo como
todo o mundo ocidental compreende o cérebro: a máquina que abriga a alma.
(LAMBERT; KINSLEY, 2006).

Sobre a proposta losóca de Descartes para a compreensão do ser humano enquanto


orgânico e metafísico cou registrada como dualismo interacionista:

Esta tese postula a possibilidade de ação recíproca e de inuência mútua


entre mente e processos cerebrais. É também chamada de dualismo
psicofísico. Embora a alma e o corpo sejam duas realidades distintas,
com certa autonomia, uma inuencia a outra intimamente, havendo
interação constante (DALGALARRONDO, 2008, p. 54).

Outro nome de destaque surge 25 anos após a morte de Descartes, é Thomas Willis.
Thomas é considerado o pioneiro das funções cerebrais, ajudando a estabelecer que
o cérebro desempenha um papel de orquestrar as funções do corpo e da mente. A
mente genial de T. Willis e as técnicas de dissecação promoveram enormes ganhos
cientícos:
Por meio de dissecações e observações perspicazes, começou a
descobrir as verdadeiras funções de algumas das estruturas do cérebro.
Por exemplo, seu trabalho não enfatizava a importância dos ventrículos
para as funções superiores, e voltou-se para a inuência dos hemisférios
cerebrais. Ele também descreveu o corpo estriado pela primeira vez,
propondo corretamente o papel dessa estrutura no movimento, e
sugeriu que a área inferior do tronco encefálico está envolvida nas
funções cerebrais mais básicas, como a respiração. (LAMBERT; KINSLEY,
2006, p. 64).

Franz Gall (1758-1828) foi muito além do localizacionismo, ele estabeleceu relações
entre estruturas corticais e a intensidade de muitas faculdades. Gall estabeleceu um
protocolo em que, por apalpadelas, poderia descrever várias características da
personalidade do dono do crânio, fosse um ser humano, fosse um animal. Quando se
chegou à conclusão que a frenologia era risível, outros nomes demonstraram
experimentalmente e por meio de casos clínicos algumas relações fortes entre
determinada área no cérebro e uma atividade de linguagem, como na área de Broca
e Wernicke.

Há muitos estudiosos na atualidade. Em alguns grupos vigora a teoria da mente


como emergente das funções cerebrais, para eles: “Os fenômenos mentais são
conceitualizados como ‘emergentes’, relativos ao cérebro. Eles são gerados e
constituídos por eventos físicos e físico-químicos da matéria cerebral”
(DALGALARRONDO, 2008, p. 55).

Loewi descobriu, com sapos, que os neurônios se comunicam entre si pela liberação
e recepção de determinados compostos químicos. Adrian forneceu informações
sobre a maneira como os neuroquímicos estimulam os neurônios e como os
neurônios transmitem informações para o próximo neurônio (LAMBERT; KINSLEY,
2006).

É interessante notar que muitas descobertas sobre a neurociência ocorreram em


laboratórios, com sujeitos, animais, contudo a mente é um fator que não se pode ser
observada diante de um microscópio, como se faz com os tecidos cerebrais. A
compreensão do que é a mente e de como se relaciona com o orgânico perpassa
questões losócas. A compreensão de aspectos da mente requer aprofundar em
algumas das funções que o cérebro nos permite realizar, como a memória, que será
melhor detalhada a seguir.
Formação de Memórias e
suas funções e durações

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
A memória, utilizando conceito de Stratton e Hayes (2009), é o termo geral atribuído
ao armazenamento e posterior recuperação da informação. É preciso dar atenção
para um estímulo para que seja memorizado, por isso grande parte dos estímulos a
que somos expostos não entram na memória. A memória tem grande importância,
de modo psicológico, porque é ela que dá a sensação de continuidade da qual
depende nossa noção de eu (ATKINSON et al., 2002).

Duas das funções cognitivas que atendem às elaborações mais completas em seres
humanos são: emoção e memória. A emoção e a memória são mediadas em grande
parte por componentes do sistema límbico. A emoção, a memória e a linguagem
estão inextricavelmente ligadas a outros construtos da cognição, como atenção,
função executiva e tomada de decisão. Admite-se a inexistência de uma distinção
clara entre essas funções inter-relacionadas (SCHENKMAN, 2016).

Falemos primeiro da emoção. A emoção é o atributo mais fundamental e signicativo


da cognição humana. A emoção não só dá cores às atividades da vida diária, como
também é o mecanismo básico usado para guiar o comportamento em um meio
social.

Passemos, então, para a memória, que apresenta a característica de ser


multifacetada. Alguns mecanismos da memória operam segundo uma
escala temporal de curta duração, enquanto outros operam em uma
escala de longa duração (até permanente); alguns atuam codicando
fatos e eventos explícitos, enquanto outros registram as habilidades e os
hábitos. Além disso, não existe um sistema unitário individual no
encéfalo que medeie esses diferentes aspectos da memória. A memória
e a emoção estão intimamente relacionadas. As memórias mais
duradouras e vívidas são aquelas associadas às emoções mais fortes
(SCHENKMAN, 2016, p. 584).

A neurociência contemporânea considera que a emoção exerce um papel


indispensável na nossa vida mental, em dois reinos funcionais expansivos: na
orientação do comportamento complexo em contextos sociais e na formação de
memórias facilmente acessíveis de experiências de alto envolvimento. Dessa forma,
em vez de ser considerada um estado de mentalização caótico interferente, a
emoção emerge como um atributo mais fundamental e signicativo da natureza
humana (SCHENKMAN, 2016).

Vamos compreender mais sobre a memória e como ela é encarada atualmente. Há


memórias diferentes para diferentes tipos de informação: a) memória explícita é
usada para armazenar fatos (como nomes de cidades e datas comemorativas), ela é
processada de modo consciente; b) memória implícita, para armazenar habilidades
(como andar de bicicleta e pintar), ela é processada inconscientemente (ATKINSON
et al., 2002).
Ao falarmos de memória podemos dividi-la também pelo tempo ou duração da
informação. Temos a memória de operação (já chamada de curto prazo) e a memória
de longo prazo. A memória de operação armazena material necessário por períodos
curtos, ela serve como espaço de trabalho para computações mentais. Já a memória
de longo prazo está envolvida quando a informação precisa ser retida por intervalos
tão curtos quanto alguns minutos ou durante a vida inteira. É possível e comum a
transferência da memória de operação para a memória de longo prazo. O treino e a
repetição permitem que a informação seja transferida para a memória de longo
prazo. A emoção presente também ajuda no processo de transferência (ATKINSON et
al, 2002).

Figura 2 - Memória humana


Fonte: Freepik.

Questões cotidianas exigem que a memória de operação e a de longo prazo atuem


juntas. Ao tentar resolver um problema usa-se a memória de operação para
armazenar partes do problema e também as informações armazenadas na memória
de longo prazo. Um exemplo é realizar um simples cálculo, é necessário saber o
signicado do símbolo de soma e de cada número da conta, para isso são recuperadas
informações presentes na memória de longo prazo (ATKINSON et al., 2002).

Em um rápido olhar sobre as lesões sobre o cérebro podemos notar a importância de


seu pleno funcionamento. Lesões na região lobo temporal podem causar
incapacidade de armazenar novas informações, embora se mantenha intacta a
capacidade de lembrar fatos antigos e de usar a memória operacional. Pessoas com
danos no hipocampo apresentam diculdade para lembrar eventos por longos
intervalos, ou seja, a memória de longo prazo está prejudicada, mas a memória de
operação é normal (ATKINSON et al., 2002).

Para melhor compreendermos a sutileza e complexidade, cabe atentarmos para


aspectos ainda pouco difundidos sobre a memória. As lembranças que temos do
passado não são uma reconstrução literal dos eventos, mas uma construção
fortemente inuenciada por expectativas, crenças do sujeito e pela informação do
presente. Esse aspecto do funcionamento da memória acarreta um fenômeno
intrigante chamado “implantes de memória” ou “falsas memórias”, ou seja, a
recordação de um fato ou uma experiência que nunca ocorreu.

O fato é que a recuperação de uma lembrança não é literal e dedigna, como se fosse
um lme que se repete exatamente igual. A lembrança se parece mais com uma
montagem editada, que é inuenciada pelas experiências passadas e presentes. As
lembranças não são apenas fatos recuperados quando a evocamos.
Muito do que lembramos são fatos que vivemos, mas também vamos além disso.
Fazemos ajustes e reajustes constantes para tornar as memórias coerentes com as
expectativas sobre nós mesmos e sobre o mundo.
O lme que passa por nossa cabeça ao evocarmos alguma cena de nosso passado é
alterado inúmeras vezes, sem que possamos identicar o quanto já editamos esse
lme.

A memória não é mais entendida como reconstrutiva (isto é, o armazenamento de


informação sobre eventos ou fatos é depois reconstruído literalmente igual o fato).
Sabe-se hoje que a memória é, em grande parte, construtiva (ou seja, o
armazenamento é afetado pelo conjunto de crenças preexistentes e por novas
informações). Lembrar é construir uma lembrança ajustada para ser coerente.

O porquê de sabermos sobre falsas memórias: o cérebro salva na memória as novas


informações muitas vezes automática e inconscientemente, o que já levou
testemunhas de crimes a convencerem um júri a condenações erradas. O fenômeno
dos implantes de memória é uma experiência que faz parte do cotidiano mental.
Quanto maior for a presença destas três condições externas, maior a probabilidade
de se formar falsas memórias: a) demandas sociais que incentivam as pessoas a
lembrar de algo; b) encorajamento explícito para imaginar eventos e c) estímulo para
as pessoas não avaliarem se suas construções são reais.

Como expõem Cosenza e Guerra (2011), pode haver o registro de uma informação
dependendo da relevância da experiência ou informação. Com o registro da
informação poderá ocorrer alterações nas estruturas dos circuitos nervosos, com
sinapses se tornando mais ecientes. Para a informação se xar no cérebro é necessário:
a) repetição (quanto mais se repetir uma atividade, mais ligações se estabelecerem e
melhor será o registro); b) elaboração (criação de vínculos de um conteúdo novo com
outros antigos) e c) consolidação (alterações biológicas nas conexões entre os
neurônios, um registro se vincula a outros já existentes).
A memória é a função mental que nos dá a sensação de identidade e continuidade,
pois, por mais que nós mudemos, mantemos a sensação de ser a mesma pessoa,
independente da idade e experiências de vida.

Conhecer mais o cérebro humano tem levado a algumas dúvidas, se somos somente
matéria ou algo a mais. A seguir seguiremos com essa atual problemática.
Cerebralismo: A doutrina
do cérebro como início e m
do comportamento

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade
Como cabe a toda nova área, quando a neurociência se vê de braços dados com a
Psicologia e a Pedagogia ela granjeia para si um modo de pensar crítico sobre seu
papel. Se enquanto nascida no berço das ciências biológicas a neurociência não
precisou ousar rever sua “identidade social”, aliando-se à Psicologia e à Pedagogia
cabe a ela a incômoda, mas produtiva situação de questionamento. A palavra
cerebralismo é um neologismo para designar a redução do ser humano ao material,
ao seu cérebro.

Lent (2001) já lançava luzes sobre o cérebro, comportamento e consciência quando


explicou o cérebro como um objeto desconhecido capaz de produzir
comportamento e consciência. Sobre o reducionismo o autor apresenta:

Os estudiosos sempre discutiram muito acerca desses níveis de


existência do sistema nervoso, quase sempre acreditando na prevalência
de um deles em detrimento dos demais. O mais comum era acreditar
que os fenômenos de cada nível inferior: os fenômenos psicológicos
seriam, assim, reduzidos a suas manifestações siológicas, os fenômenos
siológicos reduzidos a suas manifestações celulares, e os fenômenos
celulares a suas manifestações moleculares. Tudo, então, se resumiria às
interações entre as moléculas componentes do sistema nervoso. Uma
frase típica dessa abordagem é: “a consciência é uma propriedade das
moléculas do cérebro”. Hoje está claro que esta atitude reducionista não
é uma boa explicação, embora possa ser um bom método de estudo. Os
níveis de existência do sistema nervoso não são uns ‘consequências’ dos
outros. Coexistem simultaneamente, em paralelo (LENT, 2001, p. 3).

Como apontado pelo neurologista, há muito que explicar, há muitos níveis de análise
sem que se tenha que diminuir o homem a um apanhado de moléculas. Existe uma
ambição reiterada das ciências biomédicas de produzir uma compreensão do
humano totalmente “sicalista” ou “naturalista”, que costuma ser criticamente
chamada de “reducionismo”. Reducionismo que existe na concepção do que é
humano, humano reduzido a um órgão. Recentes recongurações das ciências
naturais vêm retomando os postulados mecanicistas, de um cérebro eminentemente
mecânico. O campo das neurociências tem sido pródigo em propostas sobre a
preeminência da matéria, ao explorar o funcionamento da conexão cerebral da
experiência humana (DUARTE, 2018). Esse respeito, Duarte (2018, p. 4) nos incita:
O fato de a experiência humana se dar por meio do cérebro não implica,
porém, necessariamente pretender que ela tenha origem nesse órgão, ou
que seja dele um mero epifenômeno. Muito pelo contrário, tem se
discutido amplamente como o surgimento do cérebro “humano” pode
ser o resultado de um processo evolucionário,
logenético, em que a materialidade original do cérebro símio interagiu
continuamente, por pressões ambientais e acumulação de traços
diferenciais, com os primeiros desaos e experiências da cultura e da
socialidade humanas, constituindo-se e vindo a sustentar a forma
material e as propriedades funcionais do órgão atual. (DUARTE, 2018, p.
4).

Toda experiência humana é resultado do cérebro, alguns armam. Muito pertinente


lembrar que Aristóteles considerava que a vida humana não poderia residir em um
órgão frio e úmido. A razão humana, segundo Aristóteles, poderia sim ter como sede
o coração, órgão quente e de localização mais central. Voltamos a esse passado
remoto do conhecimento para nos lembrarmos que reduzir o ser humano a um
elemento ou órgão não é nada novo na história deste ser enquanto anda sobre a
terra. Explicações que nos deixem mais sensíveis parecem ser muito melhores das
que nos deixam frios e aleatórios como moléculas. O reducionismo é uma doutrina,
ele não gera conhecimento aplicado em si mesmo, apenas regula o modo como cada
ser olha para a própria espécie, se com admiração de encontrar uma esplêndida obra,
se com o menosprezo com que se depara com uma pilha organizada de material
orgânico.

Encerramos esse tópico com o apontamento de que cada um constrói seu


conhecimento e as explicações que lhe são mais úteis ou verdadeiras, cabendo
sempre a postura de cientista e de lósofo a cada um que passa a investigar a
neuropsicopedagogia.
SAIBA MAIS
As células neurais podem ser substituídas depois que morrem?

O dogma de que os neurônios no cérebro adulto são pós-mitóticos e


incapazes de autopropagação ainda existe, mas o conceito de que não
podem ser substituídos foi recentemente questionado. Células tronco
do sistema nervoso central produzem novas populações de células
progenitoras e neuronais em algumas áreas, como o hipocampo e o
bulbo olfatório. Estratégias para direcionar as células progenitoras para
fenótipos neuronais especícos permanecem em estágio experimental. O
transplante neuronal, no qual células nervosas danicadas são
substituídas por novos neurônios ou linhas celulares, tem sido explorado
como uma estratégia que poderá permitir ao cérebro compensar a
morte celular associada à neurodegeneração. A doença em que mais se
discute essa estratégia de tratamento é a doença de Parkinson. A DP é
caracterizada pela perda de um grupo relativamente pequeno de
neurônios no cérebro (os neurônios dopaminérgicos da substância
negra), fazendo com que a substituição dessas células seja mais fácil do
que as doenças neurodegenerativas com morte celular distribuída pelo
cérebro.

Fonte: Wong-Riley (2003, p. 440).

REFLITA
“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais
que eu; e ela não perde o que merece ser salvo” (Eduardo Galeano).

Conclusão - Unidade 3

As neurociências são uma ciência nova, o que nos obriga a estar sempre atentos às
novas descobertas, porque há menos de dez anos dizia-se que os neurônios não se
renovavam. Hoje se reconhece que neurônios de algumas áreas do cérebro, como do
bulbo olfatório, são capazes de se regenerar. A neurociência ainda nos dará muitas
alegrias. Na área da educação já é observado como o cérebro aprende para que se
orientem modos ecazes de ensino-aprendizado. A linguagem cientíca é cada vez mais
presente no dia a dia escolar, seja dentro de sala, seja ao debater políticas públicas.
Fenômenos como de crianças que superam adultos no uso da tecnologia mostram o
que a inteligência bem aplicada pode fazer. Contudo, a ausência de limites e recursos
variados (off-line) de interação xa as crianças em ritmos que as adoecem. Buscamos
conhecer o potencial e limites do cérebro para beneciar o ser humano com mais
saúde e qualidade de vida. O excesso de tecnologia para uma geração despreparada
para lidar com ela pode gerar milhares de dependentes de internet e jogos online.

Interessante notar que a máxima romana: “Mente sano corpore sano” (mente sã em
corpo sano) é atual e compatível com os achados de neurociências, pois ao cuidar da
saúde se conseguirá ofertar um organismo equilibrado. Questões como a relação da
mente, organismo e comportamento exigem muita pesquisa e reexão, como ao ver
bons lmes e ler a bons livros, para ampliar nossa compreensão sobre assuntos que há
muito ocupa lugar na mente dos pensadores como Aristóteles, Platão, Descartes e
muito outros.

Quem sabe, nas próximas décadas a neuropsicopedagogia terá mais respostas a nos
oferecer, para que possamos compreender um pouco mais a nós mesmos.

Leitura complementar
Memória demais

O neurologista russo Aleksandr Luria (1903-1978) acompanhou desde os anos 20 as


aventuras e desventuras de um jovem repórter de jornal que tinha uma fantástica
característica: hipermnésia e incapacidade de esquecer! O caso real de S. Shereshevsky
antecipou o personagem Funes, el Memorioso, do escritor argentino Jorge Luis Borges
(1899-1986). Shereshevsky era capaz de memorizar listas de 70 a 100 itens (palavras e
números, especialmente), repetindo-os em qualquer ordem. Como Funes, “não só
recordava cada folha de cada árvore de cada monte, como também cada uma das
vezes que a tinha percebido ou imaginado”. Sua extraordinária memória explícita fez
com que deixasse a prossão para ganhar dinheiro exibindo-se em apresentações
populares. Mas o que seria uma vantagem tornou-se uma desvantagem. As sucessivas
séries de itens que tinha de memorizar não podiam ser esquecidas, e a cada vez se
tornava mais difícil diferenciá-las umas das outras! Sua capacidade de pensar era
limitada, porque não conseguia ignorar detalhes para generalizar alguma coisa. Luria
investigou o mecanismo utilizado por seu paciente e concluiu que ele apresentava
uma anomalia perceptual chamada sinestesia, valendo se dela para a sua
extraordinária memória. Cada palavra (ou número, ou um evento qualquer) era
associada a uma imagem visual, a uma sensação corporal, a um cheiro e a um gosto.
Uma vez declarou, lembrando-se de uma pessoa: “- Tem a voz amarela e crocante”. O
número de associações sensoriais que estabelecia com objetos e fatos facilitava a
memorização, mas dicultava muito sua compreensão. A cada palavra de cada frase que
ouvia, imediatamente associava imagens, sons e outras sensações. Ao
nal, se perdia na compreensão do sentido. Os casos de hipermnésia são muito raros,
e ainda não foi possível compreender sua determinação neurobiológica.

Memória provocada

Menos misteriosos e mais esclarecedores sobre a localização cerebral da memória


humana foram os trabalhos do neurocirurgião canadense Wilder Peneld. Peneld
estimulava eletricamente o córtex cerebral de pacientes acordados sob anestesia local,
com o objetivo de determinar com precisão as regiões patológicas a serem removidas.
Em um desses casos, ao estimular o giro temporal superior de uma mulher, ouviu dela
o seguinte relato: “ – Acho que ouvi uma mãe chamando seu
lhinho em algum lugar. Parece alguma coisa que aconteceu anos atrás... Alguém do
lugar onde eu moro...”. Em outro momento Peneld estimulou o córtex ínfero temporal,
e obteve da paciente o seguinte relato: “ – Eu tive uma lembrança – uma cena em um
pátio – onde eles estavam conversando e eu vi – vi perfeitamente em minha memória”.

Os resultados obtidos com a estimulação elétrica de diversas regiões corticais


fortaleceu a ideia de que existem múltiplos sistemas mnemônicos, ou seja, de que os
engramas da memória explícita cam contidos nas próprias regiões funcionais
especícas, de acordo com as propostas de Hebb. Desse modo, a estimulação das
regiões temporais próximas ao córtex auditivo provoca a evocação de memórias
auditivas, enquanto a estimulação do córtex ínfero-temporal, sabidamente ligado à
percepção visual, evoca lembranças visuais

Fonte: Lent (2001, p. 599).

Livro
Filme

Acesse o link
Unidade 4
Cérebro II

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade

Introdução
Entender o ser humano sempre foi uma ambição. Partindo-se de meras observações
de alterações do comportamento após traumas na cabeça até chegar à observação
sistematizada da ciência, o ser humano criou teorias que justicassem a enorme
variedade de fenômenos que via. Com os critérios mais claros de como explorar o
cérebro, por meio de tecnologias menos invasivas, o homem passou a investigar o
cérebro em ação, ativo.

Diferente do passado, em que apenas poderia buscar causas materiais no cérebro


com a análise do cadáver, na atualidade as técnicas de imagem permitem conhecer
como o cérebro se comporta enquanto age. Desse modo, muitos mitos foram
desfeitos e há uma melhora considerável no que a medicina pode propor para tornar
a vida mais feliz e saudável. Conhecer mais a fundo a intrincada e complexa rede de
neurônios nos permite vislumbrar a magistral orquestra harmônica em que nossos
pensamentos são gerados. A energia e a matéria presentes nos pensamentos são
mapeadas para que se possa conhecer melhor. As sinapses e neurotransmissores que
permitem o equilíbrio ou desequilíbrio são de fundamental relevância para o
entendimento dos aspectos humanos.

Outro aspecto fundamental para a compreensão do cérebro e da aprendizagem é a


plasticidade cerebral. A modicação do cérebro a cada aprendizagem nos mostra que
o organismo é muito moldável, que as experiências acarretam mudanças físicas no
nosso órgão do pensamento. Cada aspecto da vida é tangenciado por estruturas
cerebrais que cooperam entre si. O raciocínio precisa de estruturas emocionais para
que seja coerente. A razão usa de emoção e vice e versa. Como podemos ver, a
neurociência tem muito a revelar sobre o ser humano.
Evolução do estudo do
cérebro

AUTORIA
Carolina dos Santos Jesuino da Natividade

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