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Arquivos do Mudi, v. 24, n. 2, p.

30-41, ano 2020


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http://doi.org/10.4025/arqmudi.v24i2.53548
ARTIGO ORIGINAL

PLASTICIDADE NEURAL, NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: AS


BASES DO APRENDIZADO
Maria do Carmo Gonçalves da Silva Resumo
Lima O estudo da neurociência tem por objetivo analisar as bases
Universidade Estadual de Maringá neurobiológicas do aprendizado e, assim, compreender como se
mcgs.lima@hotmail.com processa a aprendizagem no aprendiz. Percebe-se que, nas últimas
décadas, tem havido grande interesse por parte de pesquisadores de
diferentes áreas na busca por compreender a relação entre a
neurociência e a aprendizagem. Assim, entender essas novas
abordagens é de suma importância para se repensar as práticas
pedagógicas na contemporaneidade no sentido de promover novas
estratégias de ensino, tendo como perspectiva a interação dos
saberes entre neurociência e educação. Diante disso, buscamos
discorrer neste trabalho a relação entre a plasticidade neural,
neurociência e educação, tendo como foco a análise de como ocorre
a aprendizagem no indivíduo.

Palavras-chave: Práticas pedagógicas; Neurobiológicas;


Aprendizagem.

NEURAL PLASTICITY, NEUROSCIENCE AND EDUCATION: THE BASIS OF LEARNING

Abstract

The study of neuroscience aims to analyze the neurobiological bases of learning and, thus, understand how
learning takes place in the learner. It is noticed that, in recent decades, there has been great interest on the part
of researchers from different areas in the search to understand the relationship between neuroscience and
learning. Thus, understanding these new approaches is of paramount importance to rethink pedagogical
practices in the contemporary world in order to promote new teaching strategies, with the perspective of the
interaction of knowledge between neuroscience and education. Therefore, we seek to discuss in this work the
relationship between neural plasticity, neuroscience and education, focusing on the analysis of how learning
occurs in the individual.

Keywords: Pedagogical practices; Neurobiological; Learning.

Aceito em: 01/07/2020 Publicado em: 01/09/2020


Lima, 2020

1. INTRODUÇÃO fontes bibliográficas, como também em teses,


O cérebro humano é formado por um dissertações e artigos que versam sobre o tema.
conjunto de estruturas complexas, áreas As fontes elencadas foram analisadas de modo
funcionais e diversos estímulos que se integram criterioso para embasamento dos dados
provocando alterações em diferentes áreas fornecidos na pesquisa.
cerebrais e, assim, coordenando as áreas
internas e externas do organismo. Diante disso,
a compreensão dos processos e princípios das 3. NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO

estruturas do cérebro bem como o Para o professor Amauri Betini

conhecimento das diferentes áreas funcionais e Bartoszeck (2009, p. 1), “A neurociência é uma

das dimensões cognitivas, motoras, afetivas e disciplina recente agrupando neurologia,

sociais é fundamental para tornar a psicologia e biologia”. Nos últimos anos, as

aprendizagem eficaz, no sentido de amenizar e pesquisas realizadas acerca do cérebro humano

até mesmo extinguir possíveis dificuldades de vêm se ampliando e novos conhecimentos e

aprendizagem (RELVAS, 2015). descobertas têm permitido a união entre a


pedagogia e a biologia, no que concerne a
Assim, o objetivo desta pesquisa foi analisar a
compreensão das estruturas cerebrais no
relação entre a plasticidade neural, a
processo de aprendizagem. Nesse sentido, as
neurociência e a educação, como bases para
práticas pedagógicas atuais estão sendo mais
compreensão do processo de desenvolvimento
elaboradas por meio de estratégias conectadas
do aprendizado. Para o desenvolvimento desta
com as questões neuronais (BORTOLI;
pesquisa foram elencados os seguintes
TERUYA, 2017).
objetivos específicos: Analisar as implicações
da neurociência na educação; analisar como No entanto, para Bartoszeck (2009, p. 3),

ocorre a plasticidade neural no “A pesquisa em neurociência por si só não

desenvolvimento e aquisição da aprendizagem; introduz novas estratégias educacionais”. De

compreender a intervenção pedagógica como acordo com a professora Leonor Bezerra Guerra

promotora da plasticidade neural. Este trabalho (2011), as pesquisas em neurociências

justificou-se pela necessidade de se repensar as esclarecem como se processam os mecanismos

práticas pedagógicas na contemporaneidade, cerebrais importantes para a aprendizagem,

diante das novas descobertas que estão sendo fundamentando as práticas pedagógicas aos

desenvolvidas acerca do cérebro humano. conhecimentos acerca de como se dá o


funcionamento do cérebro. Diante disso, faz-se
necessário entender que:
2. MATERIAIS E MÉTODOS
As neurociências são ciências
Para o estudo do tema proposto, naturais, que descobrem os
buscamos a fundamentação da pesquisa em princípios da estrutura e do

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Plasticidade neural, neurociência e educação: as bases do aprendizado

funcionamento neurais, educador conhecer como se processa a


proporcionando compreensão dos organização do cérebro, suas funções, os
fenômenos observados. A
Educação tem outra natureza e sua períodos receptivos, os mecanismos da
finalidade é criar condições memória, linguagem, atenção, emoções, as
(estratégias pedagógicas,
potencialidades do sistema nervoso central.
ambiente favorável, infraestrutura
material e recursos humanos) que Mas conhecer acerca do cérebro não é
atendam a um objetivo específico, suficiente. Segundo Guerra (2011, p. 3), os
por exemplo, o desenvolvimento
de competências pelo aprendiz, novos estudos podem fornecer conhecimentos
num contexto particular. A “[…] sobre as capacidades e limitações do
educação não é investigada e
cérebro durante o processo de aprendizagem, a
explicada da mesma forma que a
neurotransmissão. Ela não é neurociência pode ajudar a explicar porque
regulada apenas por leis físicas, alguns ambientes funcionam e outros não [...]”.
mas também por aspectos
humanos que incluem sala de Assim, o conhecimento sobre como se processa
aula, dinâmica do processo a aprendizagem no cérebro e os mecanismos
ensino-aprendizagem, escola,
que podem ser utilizados para o
família, comunidade, políticas
públicas. Descobertas em desenvolvimento de um trabalho eficaz, que
neurociências não se aplicam produza conhecimento e aprendizagem é
direta e imediatamente na escola.
A aplicação desse conhecimento fundamental para o bom trabalho do educador.
no contexto educacional tem Ou seja, entender neurociências facilita o
limitações. As neurociências
trabalho, mas o conhecimento por si só, não
podem informar a educação, mas
não explicá-la ou fornecer produz aprendizagem, são necessários as
prescrições, receitas que garantam ferramentas e os meios.
resultados. Teorias psicológicas
baseadas nos mecanismos Embora tenha havido nos últimos anos
cerebrais envolvidos na grande interesse por parte dos educadores em
aprendizagem podem inspirar
objetivos e estratégias compreender a ligação entre a neurociência e a
educacionais. O trabalho do educação, há também muitos questionamentos
educador pode ser mais
que a neurociência ainda não pode esclarecer,
significativo e eficiente se ele
conhece o funcionamento devido à precocidade das investigações entre
cerebral, o que lhe possibilita educação e neurociência.
desenvolvimento de estratégias
pedagógicas mais adequadas As novas descobertas são ainda
(GUERRA, 2011, p. 3).
recentes, pois remota ao final do século XX, em
que se compreendeu que o neurônio é uma
De acordo com Bartoszeck (2009), a
célula capaz de modificar-se “[...] estrutural e
pesquisa em neurociência fornece subsídios que
funcionalmente, após lesões, provocando uma
norteiam as estratégias educacionais. Cabe ao
reorganização cerebral que atenda cada fase do

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indivíduo. O cérebro é entendido como um investimentos e ações para o desenvolvimento


sistema aberto, auto organizável, que funciona de pesquisas sobre o estudo do cérebro humano,
em circuito de rede” (OLIVEIRA, 2014, p. 15). trazendo inovações para a ciência. De acordo
com Oliveira (2014), a neurociência passou a
O professor Amauri Bartoszeck (2009,
ser assunto de grande interesse em diferentes
p. 1) explica que:
áreas do saber, inclusive no âmbito
Os circuitos neuronais são
educacional. No sentido de que a intersecção
responsáveis pelas funções
básicas do nosso sistema entre as ciências do cérebro e a educação,
nervoso bem como de outros trouxessem subsídios para a elaboração de
animais. No caso humano
determinam como nos estratégias pedagógicas que contribuíssem com
comportamos como indivíduos. os aspectos relacionados entre ensino e
Nossas emoções vivenciadas
aprendizagem.
como medo, raiva e as situações
prazerosas da vida originam-se Compreendendo que o cérebro não para
da atividade dos circuitos
neuronais do cérebro. Nossa e que as funções cerebrais são ativadas por meio
habilidade de pensar e de circuitos, entende-se que é por meio dos
armazenar lembranças depende
estímulos do ambiente que o cérebro é
de atividades físico-químicas
complexas que ocorrem nos moldado. Assim, os estímulos promovem a
circuitos neuronais. formação de sinapses e, nesse sentido, quanto
mais estímulos, mais sinapses são ativadas,
Para os pesquisadores Bruno de Bortoli tornando-as mais intensas. Esse é o papel
e Teresa Kazuko Teruya (2017), desempenhado pela educação: proporcionar
Os estudos sobre o cérebro estímulos por meio do ensino e,
apontam que as emoções consequentemente, promover novas e mais
contribuem para a aprendizagem
porque auxiliam a passagem da intensas sinapses na mente do educando
memória de curto para a (BARTOSZECK, 2009).
memória de longo prazo, assim
como a motivação é Diante disso, faz-se necessário
indispensável para a liberação de compreender como ocorrem essas sinapses e
substância responsável por
qual a função do ensino escolar para a
mobilizar a atenção e reforçá-la
na relação com o objeto que a promoção da plasticidade neural.
afetou (BORTOLI; TERUYA,
2017, p. 70).
3.1 A PLASTICIDADE NEURAL E O
Assim, diante das novas pesquisas, o DESENVOLVIMENTO DA
século XX foi denominado a “Década do APRENDIZAGEM
Cérebro”. Pois, foram dispensados

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Plasticidade neural, neurociência e educação: as bases do aprendizado

Compreende-se atualmente que uma acreditou-se que os neurônios não se formavam


característica predominante do sistema nervoso mais após o nascimento, havendo a perda
(SN) é a sua constante plasticidade. De acordo constante das células à medida que chegava a
com Cosenza e Guerra (2011, p. 36), sinapse velhice. Hoje, sabe-se que, apesar de limitado,
“[...] é sua capacidade de fazer e desfazer novas células são produzidas por toda a vida e,
ligações entre os neurônios como consequência há também a sempre permanente plasticidade
das interações constantes com o ambiente entre os neurônios, o que permite a capacidade
externo e interno do corpo”. Segundo os de aprendizagem por toda a vida.
pesquisadores “[...] o sistema nervoso é O conhecimento acerca dos períodos
extremamente plástico nos primeiros anos de de amadurecimento e processamento dos
vida. A capacidade de formação de novas neurônios, levou os pesquisadores a considerar
sinapses é muito grande [...]”. E esse processo que há momentos mais susceptíveis para a
de maturação do cérebro estende-se até os anos aquisição da aprendizagem e outros menos
da adolescência. No entanto, a plasticidade susceptíveis. Essas mudanças estruturais do
neural, não é algo que acontece apenas nos cérebro foram denominadas de períodos
primeiros anos, mas por toda vida, mesmo que críticos para a aprendizagem. A princípio
de modo menos intenso. considerou-se que uma vez perdida a
O quadro a seguir apresenta as oportunidade de aprender no período crítico não
habilidades adquiridas nos períodos críticos ou haveria mais como ocorrer o aprendizado
janelas de oportunidades, decorrentes do (BARTOSZECK, 2007).
desenvolvimento cerebral. Experiências feitas com animais
Funções Faixa de desenvolvimento mostraram que, quando se retira
a estimulação necessária para o
Visão Do nascimento até os 6 anos desenvolvimento de
determinadas capacidades, elas
Controle Dos 9 meses aos 6 anos
simplesmente não se
emocional
desenvolvem, ou se
Linguagem Dos 9 meses aos 8 anos desenvolvem de forma
inadequada. Isso levou ao
Habilidades Dos 4 anos aos 8 anos conceito de períodos “críticos”
sociais ou “receptivos” do
desenvolvimento e desencadeou
Música Dos 4 anos aos 11 anos
o receio de que, em nossa
Segundo idioma Dos 18 meses aos 11 anos espécie, também existam
períodos que, se não
Tabela 1. Habilidades adquiridas nos períodos críticos. aproveitados, levariam a perdas
Fonte: Boni; Welter (2016, p. 143).
irreversíveis. Embora existam,
realmente, períodos em que
De acordo com os pesquisadores determinadas aprendizagens
ocorram de forma ideal, tudo
Cosenza e Guerra (2017), por muito tempo

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indica que uma eventual perda De acordo com a pesquisadora Marta


de oportunidade nesses períodos Pires Relvas (2015), a plasticidade ocorre de
sensíveis pode ser corrigida no
futuro, embora somente ao custo três modos diferentes: plasticidade no
de esforços muito maiores desenvolvimento do cérebro normal;
(COSENZA; GUERRA, 2011,
plasticidade que ocorre como resposta à
p. 35).
experiência; plasticidade reacional a uma lesão,
na tentativa de reorganizar o SNC. Neste
Para Cosenza e Guerra, mesmo que haja
trabalho, estamos dando ênfase à plasticidade
um esforço muito maior para o indivíduo
no desenvolvimento do cérebro normal.
aprender, desde que perdeu as oportunidades de
aprendizagem nos períodos mentais mais Segundo Cosenza e Guerra (2011), para
suscetíveis, os circuitos neuronais ainda que haja plasticidade entre os neurônios é
permanecem ativos e novas sinapses podem ser preciso haver estímulos constantes. Assim, a
produzidas pela vida inteira, havendo sempre eficácia da aprendizagem se dará por meio do
oportunidades de aprendizagem. ambiente que o aprendiz está inserido. A
informação no cérebro passará pelo filtro da
As pesquisas recentes afirmam que a
atenção e em seguida,
plasticidade neural é dependente dos estímulos
do ambiente, ou seja, das experiências vividas [...] por um processo de
codificação quando a
pelo indivíduo. Dessa forma:
experiência vivenciada ou a
Os estímulos ambientais informação recebida provoca a
constituem a base ativação de neurônios,
neurobiológica da caracterizando a memória
individualidade do homem. Fica operacional. Dependendo da
claro então que as mudanças relevância da experiência ou da
ambientais interferem na informação, poderão ocorrer
plasticidade cerebral e, alterações estruturais em
consequentemente, na circuitos nervosos específicos
aprendizagem. Definida a cujas sinapses se tornarão mais
aprendizagem como eficientes, permitindo o
modificação do SNC, mais ou aparecimento de um registro.
menos permanentes, quando o Para uma informação se fixar de
indivíduo é submetido a forma definitiva no cérebro, ou
estímulos/experiências de vida, seja, para que se forme o registro
que vão se traduzir em ou traço permanente, é
modificações cerebrais. Dessa necessário um trabalho
forma, fica claro que as adicional. Os estudos da
alterações plásticas são as psicologia cognitiva indicam
formas pelas quais se aprende que, nesta fase, são importantes
(RELVAS, 2015, p. 107). os processos de repetição,
elaboração e consolidação
(COSENZA GUERRA, 2011, p.
62, grifos do autor).

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Plasticidade neural, neurociência e educação: as bases do aprendizado

A B C

Ainda, nas análises de Ramon Cosenza


e Leonor Guerra:

Os processos de repetição e
elaboração é que vão determinar
a força do registro ou traço de
Figura 1: Conexão entre neurônios.A: observa-
memória que será formado. se um circuito inicial entre neurônios. B:
Informações muito repetidas, ou neurônios enriquecidos pelo treino ou
muito elaboradas, resultarão em aprendizagem. C: neurônios empobrecidos pelo
novas conexões nervosas desuso ou doença. Fonte: Cosenza; Guerra
estabilizadas no cérebro. Elas se (2011, p. 37).
constituirão em registros fortes,
que tendem a resistir ao tempo e
mesmo a alterações do O quadro a seguir mostra circuitos
funcionamento cerebral. Nosso neuronais independentes, sem estímulos e
nome, data e local de
neurônios interligados pelo exercício e pela
nascimento, quem são nossos
pais ou filhos são informações aprendizagem.
com essas características, ou
seja, são registros fortes A B
(COSENZA; GUERRA, 2011,
p. 63, grifos do autor).

Nesse sentido, observa-se que a


aprendizagem, que produz mudanças no
comportamento, está atrelada às mudanças
biológicas. Assim, quando acontecem as
ligações sinápticas, novas estruturas cerebrais
são estabelecidas, consolidadas, Figura 2: Circuitos neuronais independentes e
proporcionando a aquisição do conhecimento. interligados. A: Circuitos neuronais
independentes. B: Neurônios interligados pelo
A realização contínua de tarefas exercício e pela aprendizagem. Fonte:
intelectualmente desafiadoras, são importantes Cosenza; Guerra (2011, p. 37).

no processo de ativação das sinapses, para,


portanto, criar novos circuitos neurais A professora Débora de Mello

(SANT’ANA, 2015). Gonçalves Sant’Ana (2015), afirma ainda que a


plasticidade ocorre por meio do aprendizado e
Nas imagens abaixo observa-se a
o aprendizado estimula a plasticidade. Como
conexão entre neurônios.
demonstrado na imagem a seguir.

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PLASTICIDADE NEURAL

APRENDIZADO

Figura 3: Inter-relação entre plasticidade


neural e aprendizado. Fonte: Sant’ Ana (2015,
p. 77). Figura 4: Fatores do ambiente e plasticidade
neural. Fonte: Sant’Ana (2015, p. 78).

Sant’Ana (2015, p. 77) afirma também


A análise desses dados faz-nos refletir
que o desenvolvimento mental/cerebral ocorre
sobre o papel da escola, professores, família,
mediante as diferentes atividades de
entre outros, no processo de ensino e
estimulação, e “a aprendizagem é alcançada por
aprendizagem. No entanto, verifica-se que cada
meio das conexões neurais, podendo ser
um possui uma função importante para o
fortalecida ou não, de acordo com a qualidade
desenvolvimento da aprendizagem. No entanto,
da intervenção pedagógica”. No entanto,
não podemos reduzir a compreensão deste
mesmo que a professora defenda a importância
assunto e delegar a responsabilidade apenas a
da interação com o meio, ela alerta que outros
alguns. Diferentes fatores contribuem para o
estímulos também podem afetar a capacidade
bom funcionamento do cérebro e influenciam
de o cérebro promover as conexões neurais
na plasticidade neural, e isso é da
como: “uso de substâncias psicoativas,
responsabilidade de todos.
hormônios, medicamentos inflamatórios, dieta,
fatores genéticos, doenças mentais e lesões Todavia, sabendo-se que a ação
cerebrais”, como também hormônios que são pedagógica do professor desencadeia na mente
liberados pelo organismo em resposta ao do aluno reações neurológicas que influenciam
estresse, “[...] podem influenciar sua aprendizagem, torna-se fundamental
negativamente, levando a perdas cognitivas e compreender o processo ensino-aprendizagem
depressão”. sob a perspectiva da promoção de novas
conexões neurais para o desenvolvimento pleno
O gráfico abaixo demonstra a relação
do educando.
entre os diferentes fatores ocorridos no
ambiente e a influência desses fatores para a Assim, destacamos a seguir alguns
plasticidade neural. apontamentos sobre a intervenção pedagógica
promotora de métodos que estimulam no

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Plasticidade neural, neurociência e educação: as bases do aprendizado

educando novas e constantes plasticidade Princípios da Ambiente de sala de aula


neurais. neurociência

3.2 A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA 1. Aprendizagem, Aprendizagem sendo


memória e atividade social, alunos
COMO PROMOTORA DA
emoções ficam precisam de oportunidades
PLASTICIDADE NEURAL interligadas para discutir tópicos.
quando ativadas Ambiente tranquilo
O estudo acerca da organização do pelo processo de encoraja o estudante a
cérebro, do sistema nervoso central, como aprendizagem. expor seus sentimentos e
ideias.
ocorre a plasticidade neural, são temas de
2. O cérebro se Aulas práticas/exercícios
fundamental importância na atualidade, pois modifica aos físicos com envolvimento
diante das novas descobertas e da inserção poucos fisiológica ativo dos participantes
e estruturalmente fazem associações entre
crescente dos estudos sobre neurociência e como resultado da experiências prévias com o
educação na ação pedagógica, torna-se experiência. entendimento atual.

necessário repensar o currículo na formação de 3. O cérebro Ajuste de expectativas e


mostra períodos padrões de desempenho às
professores e as práticas ótimos (períodos características etárias
didático/metodológicas no processo de ensino. sensíveis) para específicas dos alunos, uso
certos tipos de de unidades temáticas
Nesse sentido, a pedagoga Anne Madeliny de aprendizagem, integradoras.
Souza e o psicólogo Ricardo Nogueira (2017, p. que não se
esgotam mesmo
325) destacam que: na idade adulta.

As estratégias de aprendizagem 4. O cérebro Estudantes precisam sentir-


que têm mais chances de obter mostra se “detentores” das
sucesso são aquelas que levam plasticidade atividades e temas que são
em conta a forma do cérebro neuronal relevantes para suas vidas.
aprender, sendo importantes (sinaptogênese), Atividades pré-
respeitar os processos de mas maior selecionadas com
repetição, elaboração e densidade possibilidade de escolha
consolidação. Como também faz sináptica não das tarefas, aumenta a
diferença utilizar diferentes prevê maior responsabilidade do aluno
canais de acesso ao cérebro e de capacidade no seu aprendizado.
processamento da informação. generalizada de
aprender.
5. Inúmeras áreas Situações que reflitam o
Assim, elencamos a seguir uma tabela do córtex cerebral contexto da vida real, de
elaborada pelo professor Amauri Bartoszeck, a são forma que a informação
simultaneamente nova se “ancore” na
respeito de como o cérebro aprende em um ativadas no compreensão anterior.
ambiente de sala de aula promotor de condições transcurso de nova
experiência de
para o desenvolvimento de conexões neurais. aprendizagem.
Situações que
Tabela 2: Influência do ambiente para a reflitam o
promoção da aprendizagem. Fonte: Bartoszeck contexto da vida
(2009, p. 4). real, de forma que

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a informação nova informação estará ancorada em circuitos


se “ancore” na
neuronais pré-existentes. Diante disso,
compreensão
anterior. compreendemos que o cérebro busca sentido
6. O cérebro foi Promover situações em que para aquilo que está sendo ensinado e qual a
evolutivamente se aceite tentativas e
relevância do que se está sendo apresentado no
concebido para aproximações ao gerar
perceber e gerar hipóteses e apresentação de seu ambiente e contexto. Assim, informações
padrões quando evidências. Uso de
mal compreendidas, não serão lembradas e
testa hipóteses. resolução de “casos” e
simulações. muito menos aprendidas. Informações que
7. O cérebro Propiciar ocasiões para fazem sentido ou bem compreendidas, terão
responde aos alunos expressarem
mais chance de serem memorizadas fazendo
estímulos visuais conhecimento através das
como gravuras, artes visuais, música e parte da rede neural.
imagens e dramatizações.
símbolos. Diante disso, Relvas (2015) aponta a
função do professor como o responsável por
estabelecer sentido no processo de ensino,
Sant’Ana (2015, p. 79) esclarece que o
criando pontes entre o que o aluno já
treinamento musical contribui para a melhora
internalizou e o que ele ainda precisa aprender.
cognitiva por meio de diferentes processos
Novas aprendizagens gerarão novas conexões
neuroplásticos que estimulam diferentes vias
sinápticas e novos circuitos neurais.
“como a decodificação visual da informação, a
atividade motora, a memorização de longos A pesquisadora Luciana Hoffert Castro
trechos de música e aperfeiçoamento auditivo Cruz (2016, p. 9) elenca dez passos para melhor
[...]”, “desenvolvimento de ritmo, percepção aprendizagem dos alunos, de acordo com as
auditiva, coordenação motora e controle pesquisas em neurociência. Segundo a autora,
emocional”. cabe ao professor:

Os desafios, novidades e atividades que  Introduzir o material a ser aprendido


fazendo ligações com o que é sabido.
instiguem o aluno a pensar e usar os diferentes
 Criar situações semelhantes à vida real.
sentidos sensoriais como aprendizado de um  Criar oportunidades de rememoração e
de novas associações.
novo idioma, atividades motoras, são ótimas
 Utilizar trabalhos em grupos seguidos
ferramentas para desenvolver melhor de exposição pelos alunos.
 Aprender fazendo.
capacidade intelectual (SANT’ANA, 2015).
 Utilizar técnicas mnemônicas, ou seja,
Para a pesquisadora, quando uma informação é que auxiliam a memória, como a música, rimas.
 Dividir as atividades em intervalos.
introduzida na mente, o cérebro
 Introduzir o novo, o intenso e o pouco
automaticamente procura associar a nova usual.
 Utilizar tempo de relaxamento entre as
informação com alguma já existente e que foi
atividades.
armazenada anteriormente, ou seja, a nova  Levar em conta a necessidade de
consolidação da memória.

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Plasticidade neural, neurociência e educação: as bases do aprendizado

Nesse sentido, o estudo da neurociência


proporciona a união entre a ciência e a prática
Muitos outros aspectos
educacional. No entanto, faz-se necessário
metodológicos poderiam ser ainda
implementar no currículo de formação de
mencionados nesta pesquisa, pois torna-se cada
professores, estudos vinculados à prática
vez mais essencial compreender como o
relacionada à neurociência para que os novos
cérebro processa o que é ensinado, para melhor
professores tenham condições de construir
compreensão e internalização do que se está
significados ao que lhes está sendo ensinado e
sendo transmitido. O que demonstra que esta
o mundo real, moderno, contemporâneo que
pesquisa não termina aqui, mas que a busca por
busca compreender e intensificar as
novos conhecimentos será sempre constante
capacidades da complexa máquina que é o
diante da percepção que temos acerca do
cérebro humano.
complexo funcionamento da mente humana.

REFERÊNCIAS
4. CONCLUSÃO
Na presente pesquisa buscamos analisar
a relação entre a plasticidade neural, BARTOSZECK, A. B. Neurociência dos seis
primeiros anos: Implicações educacionais.
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aprendizado. Compreendemos que, embora os <http://www.sitedaescola.com/ferramentas/do
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estudos acerca destes temas terem avançado
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vertiginosamente nos últimos anos, há ainda Acesso em 14 jan. 2020.
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até então não se limitam diante das novas BARTOSZECK, A. B. Neurociência na
Educação: há implicações educacionais?
descobertas.
Disponível em:
As recentes pesquisas apontam para a <http://www.sitedaescola.com/ferramentas/do
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