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CAPÍTULO VII

A lnteligência

termo inteligência remete, por um lado, para uma qualidade


pessoal, como podem levar a supor reflexões tais como <<Este
homem é inteligente> ou <Que inteligente que ela é!>. pode_se
logo perguntar o que fundamenta tais apreciações, que se assemelham
ajuízos de valor.
Por outro lado, o termo designa um conjunto de processos que
importa então descrever, não deixando de compreender as condições da
sua aplicação, o que remete especialmente para a questão da medição
da inteligência. Todos sabemos provavelmente que uma inteligência
normal corresponde a um quociente de inteligência igual a 100. porém,
porquê esse valor? É possível reduzir a inteligênciu u u* único resultado
numerado? Será que existe uma única forma de inteligência?

rNTELtcÊNclA, UMA DEF|NtçÃO COMPLEXA


No plano etimológico, o vocábulo inteligência vem do latim intellegere
(<compreender>), de inter (<<entre>) + legere (<escolher>). Além desta pri_
meira abordagem, depressa se afigura impossível encontraruma só definição
consensual de inteligência. As definições são, pelo contrário, diversas.

Uma ou várias capacidades?


Alguns autores definiram a inteligência como uma capacidade geral para
conhecer ou compreender que intervirá em qualquer situação. Nesta pers-
petiva, uma pessoa inteligente será alguém que compreende e raciocina
bem. Esta definição caracterizauma conceção unitária de inteligência.
Por oposição a esta conceção unitária, desenvolveu-se uma conceção
pluralista de inteligência, partindo da observação de que os desempenhos
dos indivíduos podem variar em função da esfera de ação. A inteligência
não poderá, portanto, ser reduzida a uma capacidade única, mas compor-
tarâvârias dimensões cujo número evariâverem função dos autores, como
veremos. As mais geralmente aceites são as aptidões mentais primárias
(competências verbais, numéricas, espaciais), o raciocínio e a fluidez.
140 /\ PSICOI-OGIA

Por fim, outros autores definiram a inteligência como a forma mais


elaborada da adaptaçáo do ser humano ao seu ambiente. A inteligência
possibilita que o indivíduo se adapte ao meio físico e social onde evo-
lui, permitindolhe resolver toda a espécie de problemas e adaptar-se
a novas situações. Segundo Jean Piaget, a inteligência é <<um processo
de adaptaçáo resultante de um equilíbrio entre as ações do organismo
sobre o meio (assimilação) e do meio sobre o organismo (acomodação)'
constrói-se por patamares de equilibração sucessivos, de tal modo que
o trabalho começa, em cada um deles, por uma reconstrução do que

fora adquirido no patamar anterior, mas de uma forma mais restrita>.
Por outras palavras: o indivíduo adapta-se, assimilando do meio exterior
aquilo que lhe é necessário e modificando-o para ulilizâ-lo melhor ou,
pelo contrário, evitar as suas ações indesejáveis.

Defi nições complementares


A diversidade das definições propostas para a palavra inteligêncialevaa
supor que o conceito de inteligência não pode estar relacionado com uma
única categoria de factos rigorosamente determinados. Esta dificuldade
deve-se talvezao facto de a inteligência estar ligada a diversos aspetos
do funcionamento humano. As definições propostas são, na sua maioria,
compatíveis e evidenciam um aspeto que não é forçosamente a negação
dos outros, mas antes um complemento.
Em 1994, um grupo de cinquenta e dois investigadores sugeriu
uma definição de inteligência, tentando integrar diferentes aspetos das
definições propostas: <Inteligência é uma aptidão mental muito geral
que implica, entre outras coisas, a capacidade de raciocinar, planificar,
resolver problemas, pensar abstratamente, compreender ideias comple-
xas, aprender depressa e com a experiência> (Linda S' Gottfredsonto')'
A inteligência é, pois, concebida como a aptidão para se adaptar que,
no ser humano, é acompanhada de uma faculdade de abstração, racio-
cínio e conceptualização. Atualmente, o termo inteligência é raramente
utilizado. Em vez de falarem de inteligência, os psicólogos preferem
referir-se a funções superiores genericamente definidas como a aptidão
dos indivíduos para compreender as relações existentes entre diferentes
elementos de uma situação e para se adaptar a isso no intuito de atingir
os seus próprios objetivos.

r03 ..Mainstream Science on Intelligence:


An Editorial With 52 Signatories, History,
And Bibliography", The Wall Street Journal,13 de dezembro de 1994 (<comu-
nicado> reimpresso na revista académica Intelligence,vol' 24, n.' I' pp' l3-23,
janeiro-fevereiro de 1997) [N. T']'
A INï'ELIGÊNCIA I4I

Por conseguinte, estudo da inteligência remete para as diferenças


<<o
individuais no modo como as pessoas tratam a informação, pensam
e refletem, raciocinam, imaginam a informação, resolvem problemas
e se adaptam a novas situações, em suma: no modo como as pessoas
funcionam no plano mentalroa>>.
A diversidade das definições propostas e das capacidades mencio-
nadas explicam igualmente a diversidade das medidas de avaliação que
podem ser feitas, como veremos no parágrafo seguinte.

A TNTELtGÊruCln E SUA AVALTAçÃO


As primeiras conceções de inteligência foram desenvolvidas por inves-
tigadores cujo objetivo era elaborar ferramentas de medição que permi-
tissem uma avaliação da inteligência.
A medição da inteligência foi inicialmente considerada mediante a medi-
ção do perímetro craniano: a craniometria. segundo a escola frenológica
(cujo fundador foi Franz Joseph Gall), a medição do perímetro craniano e
o estudo das protuberâncias cranianas permitiriam detetar os talentos de
cada um. De acordo com essa escola, cada faculdade teria a sua própria
localização cerebral. A região cerebral correspondente a uma faculdade
seria tanto mais desenvolvida quanto o indivíduo a tivesse em elevado
grau. Esta pseudociência caiu rapidamente em desuso, embora tenham
perdurado expressões como (serum crânio>> ou <<teruma grande cabeçu.
Posteriormente, duas tradições históricas marcaramas tentativas de
medição da inteligência. A primeira interessava-se pelo estudo das apti-
dões psicofísicas de baixo nível (em geral, perceção, acuidade sensorial,
força física...). A segunda, um pouco mais tardia, interessou-se, por seu
turno, pelas aptidões de nível superior.

As primeiras medições da inteligência


A ideia de <medir> a inteligência
dos indivíduos data do século xrx,
nomeadamente com os trabalhos de Francis Galton (1822-l9ll) e de
James McKeen Cattell (1860-1944).

Os trubalhos de Galton
Inscrevendo-se na perspetiva da teoria da evolução desenvolvida por
Darwin, seu primo, Galton estava não só convencido de que certas
famílias eram biológica e intelectualmente superiores às outras tal como

roa Elsa Eme, Psychologie


diffërentielle, Paris: Armand Colin, 2001.

t-
t42 /\ PSI(lol,o(;Í'\

os homens em relação às mulheres, mas também acreditava


que a inte-
ligência, hereditária, se transmitia de pai para filho. com vista a impor
o conceito de superioridade genética, fundou um movimento eugenista
que precon izava a <melhoria> da espécie humana, incentivando a
repróduçao dos indivíduos <<superiores>> e dissuadindo, em simultâneo,
os seres <inferiores> de procriar.
Galton postulava que as informações são adquiridas pelos sentidos e
a velocidade do seu tratamento dá indicações sobre a eficiência
intelec-
tual. Por conseguinte, segundo ele, quanto mais sensível fosse o aparelho
percetivo, mais inteligente deveria ser o indivíduo. De maneiraaavaliat
às diferenças intelectuais, elaborou pfovas essencialmente sensoriais
e

percetivas (em geral, capacidade de perceber diferenças de peso entre


àbi"to., diferenças nas notas musicais...) e outras relativas ao tempo de
reaçao que permitissem medir a velocidade de tratamento da informação
(por exómplo, medição do tempo de reação a uma tarefa que exija que o
,ui"ito carregue o mais depressa possível num botão após a apresentação
de determinado estímulo, como a aparição de uma luz)'
Em 1884, Galton submete os visitantes da Exposição Internacional
de saúde, realizadaem Londres, a essas diferentes provas, assim como
a medições físicas (da estatura ou do perímetro craniano,
por exemplo)'
No entanto, os resultados revelaram-se pouco convincentes. Com efeito,
não se conseguiu estabelecer qualquer correlação entre a velocidade
de reação a essas provas sensoriais e outras medições da inteligência
(como o sucesso escolar). contrariamente à hipótese que aventara,
Galton concluiu inclusive que as mulheres se revelavam superiores aos
homens em muitos domínios! Era inevitável constatar que não havia
forçosamente continuidade entre os processos sensoriais elementares
e

os processos superiores. Independentemente dos seus limites, a verdade


é qrre os trabalhos de Galton constituíram a primeira tentativa de
medir
a inteligência com a ajuda de provas objetivas'

Os trahalhos de Cattell
Em 1885, James McKeen cattell elaborou provas que apresentavam
um aspeto mais psicológico, sendo o primeiro a propor o termo técnico
<testes mentais>> para designá-las: <A psicologia não pode alcançar a
ceúezae a precisão das ciências físicas, se não se basear na experiência
séries
e na medição. poder-se-ia dar um passo nessa direção aplicando
de medições e testes mentais a um grande número de indivíduos. os
resultados desses procedimentos teriam considerável valor científico
e permitiriam descobrir a constância dos processos mentais, aS suas
vaìiações em diferentes circunstâncias. De mais a mais, os indivíduos
Y
I
I

A INï'I'I,IGÍìNCIA I43

achariam a testagem interessante, quiçá útir


em relação à sua educação,
ao seu modo de vida ou para despistar doenças.>>
(Cattell, lg90).
segundo ele' era possível quantificar as diferenças
de inteligência
c^om a ajuda de provas que permitissem
atribuir um valor numérico.
Constatou, por um lado, que a maioria dos
resultado, ,a ."ug.upava em
torno da média e, por outro, que o seu número
diminuía a me'OiOa que se
afastava do valor médio. Transferindo os
dados para u. gran"o, obteve
uma curva que apresentava uma forma característica
da maior parte das
distribuições normais de dados em ciências:
uma curva em forma de sino,
também chamada (curva de Gauss> ou (curva
de distribuição normal>>.
Aplicada à avariação da inteligência, essa curva
tradu z a repartiçã"o
dos níveis de inteligência numa pãpulação
com uma maioria de indiví-
duos reagrupada em torno da,nèdìu, incluindo,
numa extremidade, as
pessoas com deficiên cia e, naoutra,
as pessoas sobredotadas.

A primeira escala de inteligência:


a escala métrica de inteligéncia

O contexto histórico e o contributo dos trqbulhos de Binet


Alfred Binet (1857-lglr), psicólogo francês, é o
criador do primeiro
teste de inteligência. Após a instituição
da escolaridade obrigatoria em
1881, constatou-se que algumas crianças
não conseguiam frãquentá-la
por falta de capacidades intelectuais. o governo
encarregou Binet de
estabelecer um instrumento de medição
cujo objeto aÃpi.iur essas
crianças <<mentalmente deficienteru, óo. vista "ru
a propor-lhes'um ensino
especializado adaptado às suas capacidades
e às suasìecessidades espe-
cíficas. Confrontado
:9_-
u- problema prático (i.e., detetar as crianças
suscetíveis de sentir dificuldades em frequentar
a escolaridade normal
obrigatória), Binet será levado a resolver uÀ probrema
teórico: o froblema
da-medição da interigência. Nesse contexto
histórico, a inter'igÀncia é
definida como a capacidade para frequentar
uma escolaridade normal.
contudo, é difícil encontrar em Binet uma teoria
da inteligênc ia.para
alem da sua observação espirituosa <<A inteligência?
Mas é ã lu"-o ."u
teste mede!> (1903), Binet propõe que a
definam como ((uma àculdade
fundamental cuja alteração ou falta se reveste
da maior importância
para a vida prática. Essa faculdade é juízo
o ou, por outras palavras, o
bom senso, o sentido príúico, a iniciaúía, a facu'cade
de se adaptar às
circunstâncias. Julgar bem, compreender bem,
raciocinar bem _ eis a
atividade essencial da inteligência> (Binet e Simon,
r905). Binet conce_
bia assim a inteligência como uma faculdade
unitária, não deixando de
distinguir várias aptidões, três das quais lhe pareciam
determinantes:
144 Á PSI(lol,oGÍ;\

adireção (a aptidão para conhecer o que hâafazer e como proceder), a


adaptação (a aptidão par a adoïar uma estraté gia par a realizar a tarefa e
a aptidão para controlâ-Iadurante a sua execução) e, por último, acritica
(a aptidão para criricar os seus próprios pensamentos e ações).
Abandonando as medições cefalométricas que ele próprio utilizarat0s,
Binet procurou um meio científico de medição que permitisse comparar
as crianças entre si de maneira objetiva. Elaborou provas que permitiram
pôr em evidência o desenvolvimento intelectual: tinha nascido o primeiro
teste de inteligência.
Os trabalhos de Binet marcaram uma verdadeira rutura com a tradição
empirista que só se interessara aïé entáo pelo estudo dos mecanismos
sensoriais. Considerando que as diferenças individuais se situavam ao
nível dos processos superiores em ação nas tarefas complexas da vida
quotidiana, Binet propôs provas variadas, submetendo as crianças a um
certo número de situações-problemas interessantes e apropriadas para
o meio de vida infantil. Tais provas eram, segundo ele, mais suscetíveis
de permitir o estudo dos processos superiores do que a medição de
processos sensoriais elementares. No entanto, devido ao objetivo fixado
(despistar as crianças que tivessem necessidade de um ensino adaptado),
Binet elaborou essencialmente provas denatuteza escolar, o que explica
em parte a confusão que se iria fazet durante muito tempo entre a inte-
ligência em sentido lato e a inteligência escolar.
O segundo contributo dos trabalhos de Binet diz respeito à metodologia
adotada. A avaliação da inteligência só é significativa em comparação com
a de outros indivíduos colocados nas mesmas condições. Ao interessar-se
pelas crianças que exigiam uma pedagogia especial, Binet reparou que
as suas condutas se assemelhavam muito às das crianças normais mais
novas. Teve a ideia de aferir as provas, assinalando como as crianças
normais respondiam a elas, para determinar depois a idade mental das
crianças avaliadas com a ajuda da mesma escala e nas mesmas condi-
ções. Por exemplo, durante a aferição, as crianças de 8 anos obtiveram
em média 32 pontos; a qualquer criança examinada posteriormente que
obtivesse 32 pontos seria atribuída uma idade mental de 8 anos (fosse
qual fosse a sua idade real). Assim, segundo Binet, uma criança cujas
capacidades intelectuais são fracas comporta-se como uma criança
normal mais nova e, a contrario,rtmacriança brilhante apresentará uma
eficiência intelectual característica das crianças mais velhas.

rOs A craniometria, que consiste na realização de medições antropométricas precisas


relacionadas com a idade da criança, foi inicialmente utilizada para determinar
objetivamente quais eram as crianças que tinham direito a cantina gratuita.
/\ INTELI(;ENCIA I45

Apresentação da escala de inteligência


Em 1905, Binetpublicou, em colaboração com
outro psicórogo, Théodore
sfmon (1872-r96r),jma escala de inierigência que
ambos reviram em
1908 e l9ll: a escala métrica de inteligência.
Para elaborar as provas da escala métrica
de inteligência, Binet
verificou num primeiro momento o know-how
dispensa"do nu
(por exemplo' nomear as partes do corpo, "rrolu
repetir frases ou algarismos,
copiar um quadrado ou um losango, fazàr umacontagem
decrescente...).
Para cada idade, estabeleceu um conjunto
de subtestes característicos
que não deviam ser nem demasiado fáceis
(se todos os indivíduos de
determinada idade conseguissem fazê-ros, a informação
obtida seria
nula para essa faixa etária), nem demasiado
difícei, 1"uro .ont.ario,
corria-se o risco de que nenhuma criança de
determinada faixa etéria
se saísse bem)' A taxa de sucesso em cada
um dos testes devia, por
conseguinte, situar-se entre 50 oÁ a g0 %o parauma
faixa etária.Desta
maneira, obteve então dezséries de provas, correspondendo
cada uma
delas a uma idade entre os 3 e os 12 anos e
comportando seis provas
por faixa etâria.
As provas aparecem assim reagrupadas em função
da sua idade bem
sucedida (i.e., a idade em que a maioria das
crianças se saem bem). As
provas tornam-se assim representativas
de determinada idade. o prin-
cípio será situar posteriormente uma criança através
de várias provas,
apresentandoJhe primeiro as provas destinadas
às crianças da sua idade
e depois as provas destinadas às crianças
mais velhas (oumais novas) até
que ela falhe consecutivamente e num
tempo limitado em três provas.
Nas versões posteriores da escala métrica de inteligência,
-
foram selecionadas em função do seu valor genétic". pJu;;;a
as provas
prova
tivesse um bom valor genético, devia apresentar
três características:
- Dar lugar a um fracasso sistemático até umacerta idade em que
é bem sucedida.
- Uma vez bem sucedida a prova, o sucesso deve sempre estar pre_
sente nas crianças.
- o sucesso deve surgir de forma relativamente brusca, de maneira
a poder assinalar o surgimento de competências.
A escala métrica de inteligência elaborada por Binet dá
ênfase aos
aspetos quantitativos, aos desempenhos (i.e.,
o número de itens resolvi_
dos ou a velocidade de resposta). o postuìado
subjacente é o seguinte: à
medida que cresce, a criança e capaz de fazer
,ãb". mais coiãas.
Nos Estados unidos, o teste de inteligência "Binet-Simon
é adaptado
logo em 1909, conhecendo considerável êxito
sob a designação de

J.
146 A PSICOLO(;IA

Escala de Stanford-Binetr06. Em França, será preciso esperar por 1949


para que o teste seja novamente aferido e por 1966 para que um grupo
de psicólogos, entre os quais Fiené Zazzo, apresente uma nova versão
dele, a Nova Escala Métrica de Inteligência (NEMI), que aperfeiçoa o
cálculo da idade mental. No entanto, esta nova escala métrica é pouco
utilizadahoje em dia, em virtude do seu carâcter obsoleto.

A escala métrica de inteligência (EMl)


lBinet-Simon, 19081
3 anos:
mostrar o nariz, os olhos e a boca; contar uma gravura; repetir dois algarismos;
repetir uma frase com seis sílabas; dizer o seu nome de família.
4 anos:
indicar o seu género; nomear chave, faca, moeda; repetir três algarismos;
comparar duas linhas.
5 anos:
comparar caixas com peso diferente; copiar um quadrado; repetir uma frase
com dez sílabas; contar quatro moedas simples; reconstituir um jogo de
paciência em duas partes.
6 anos:
repetir uma frase com dezasseis sílabas; comparar duas figuras do ponto de
vista estético; definir objetos familiares pelo uso; dizer a sua idade; distinguir
manhã e noite.
7 anos:
indicar as lacunas das figuras; contar pelos dedos; copiar um triângulo e um
losango; repetir cinco algarismos.
8 anos:
ler uma notícia recordando-se de dois pormenores; contar nove moedas;
nomear quatro cores; contar regressivamente de 20 até 0; comparar de cor
dois objetos; fazer um ditado.
9 anos:
dizer a data completa do dia; enumerar os dias da semana; dar definições
superiores ao uso; lembrar-se de seis pormenores após a leitura de uma notícia;
devolver quatro entre vinte moedas; ordenar cinco pesos.
10 anos:
enumerar os meses; nomear nove moedas; colocar três palavras em duas
frases; responder a cinco perguntas de inteligência.
11 anos:
criticar frases absurdas; inserir três palavras numa frase; encontrar mais de
sessenta palavras em três minutos; dar definiçôes abstratas; ordenar palavras.

t06 SÍanford Revision of the Bínet-Simon Scale, publicada em 1916 por Lewis Madison
Terman (1877-1956), psicólogo da Universidade de Stanford, na Califórnia IN. T.].
A INTEI,I(;ÊNCI/\ 147

Noção de idade mental


os resultados na escala métrica de inteligência permitem obter um
índice: a idade mental que pode posteriormente ser confrontada com a
idade real dacriança.
A idade mental de uma criança é determinada pelos seus sucessos e
insucessos nas provas normalmente realizadas com êxito pelas crianças
da sua idade real e/ou pelas crianças de idade superior ou inferior. A idade
mental corresponde ao nível básico em que acriançase sai bem em todos
os itens. Por exemplo, uma crianç a de 6 anos que seja bem sucedida no
conjunto de provas destinadas às crianças da mesma idade real, assim
como às provas destinadas às de 7 e 8 anos, respetivamente, terá uma
idade mental de uma criança de 8 anos.
uma criança normal apresenta uma idade mental quase equivalente
à sua idade real: a sua idade mental corresponde àquilo q.r.ì" espera
para a sua idade cronológica. Em contrapartida, a idade mental de uma
criança brilhante situa-se acima da sua idade real e a idade mental de
uma criança com deficiência situa-se abaixo. É assim possível calcular
a diferença entre a idade mental e a idade real da criança. No exemplo
anterior, a criança de 6 anos tem dois anos de avanço por comparação
com o que se espera em função da sua idade real.
No entanto, um mesmo atraso ou um mesmo avanço na idade mental
não tem a mesma importância segundo a idade real da criança.por exem-
plo, uma diferença de dois anos e meio entre a idade mental e a idade real
não tem significação idêntica numa criança de 5 anos e num adolescente
de 12 anos e meio: no primeiro caso, essa diferença representa metade da
idade real, enquanto no segundo não representa mais do que um quinto.

A invenção do Quociente de lnteligência


A fim de dispor de índices comparáveis, o cárculo da diferença entre a
idade mental e a idade real foi abandonado em benefício do cálculo de
outro índice. Em 1912, o psicólogo alemão william stern propôs uma
formula matemática que permitia situar uma criança (fosse quál fosse a
idade real) em relação às crianças normais da sua idade:
Iludu -.ntul , 100
Idade real

Deu o nome de Quociente de Inteligência (eI) ao resultado desse


cálculo. Partindo do princípio de que uma criança normal tem uma idade
mental idêntica à sua idade real, o QI de uma criança normal é, portanto,
igual a 100, que constitui assim a norma, o QI normal. Em contrap artida,

^t
148 Â PSICOLOGI,\

um índice inferior a 100 implica um certo atraso,e um índice superior a


100 indica um avanço no desenvolvimento intelectual. Nesta perspetiva, a
inteligência é o reflexo de uma velocidade de desenvolvimento e o quociente
calculado corresponde aum quociente de velocidade, a saber: o quociente
entre a velocidade efetiva do desenvolvimento refletida pela idade mental e
a velocidade real do desenvolvimento refletida pela idade real da criança.

.: Exemplo: uma criança cuja idade mental estimada é 7 anos e 9 meses e a


-: idade real é ll anos obteráum QI de 70 (ou seja, 931132x100).O QI assim
'.. determinado exprimirá nada mais do que o facto de essa criança ter adqui-

.: anos de vida. A sua velocidade pessoal de desenvolvimento corresponde a


''' pouco mais de dois terços da velocidade média.

A significação dos atuais quocientes de inteligência


O cálculo do quociente de inteligênciatal como é proposto por William
Stern não está, contudo, isento de críticas. Pode-se especialmente per-
guntar qual é a significação da idade mental apartir de uma certa idade.
Por exemplo, uma idade mental de 37 anos e meio para um adulto de 40
anos corresponderá a quê? Por outro lado, o aumento da idade mental
parece abrandar por volta dos 16 anos; o QI calculado segundo a formula
de Stern revelar-se-á, por conseguinte, inadaptado a partir dessa idade.
Para atenuar esse inconveniente, os criadores dos testes estabeleceram,
l

após a segunda metade do século xx, tabelas de QI a partir dos resultados I

obtidos durante a aferição por crianças ou adultos de diferentes idades.


O termo QI torna-se impróprio, visto que já não se trata de um quociente
como acontecia com a formula proposta por Stern. Também já não se I

trata de repetir o nível alcançado pela criança ou pelo adulto, mas antes
situar a respetiva posição estatística na distribuição dos resultados da
população da sua idade de referência. O postulado subjacente é o de
que a inteligência se distribui de maneira normal pela população. O QI
exprimirá a posição do sujeito nessa distribuição normal cuja média é
convencionalmente 100, sendo o desvio-tipo 15.
Nos nossos dias, a formula proposta por Stern é, pois, relativamente
pouco utilizada. Para determinar o QI de um indivíduo, os psicólogos
usam medidas de comparação baseadas em hipotéticas distribuições
normais dos desempenhos no seio da população de referência (consultar
caixa seguinte). Se o número 100 tinha uma realidade na formula proposta
por Stern (uma vez que correspondia ao resultado da comparação da
idade mental com a idade cronológica), o valor 100 é tomado, em testes
posteriores, como valor arbitrário de um QI normal.
A INTET,IGÊNCIA I49

Foi mantida por comodidade de emprego e tradição,


de maneira a
conservar o máximo possível a semelhança com o calculado
QI a partir
da idade mental e da idade real.

As escalas de Wechsler
A partir de 1939, as escalas propostas pelo americano David
wechsler vão
substituir os testes anteriores: wArs (wechster Adutt rnteiligencescale),
wrsC
(wechsler lntelligence Scole for Children, para
crianças e adolescentes entre os
6 e os 16 anos e onze meses) e wppsr (wechsrer preschoor
and primary Score
of lntelligence, para crianças entre os 2 anos e meio e os
7 anos e sete Áeses).
Estas escalas, regularmente aferidas de novo, inscrevem-se
na hipótese de uma
distribuição normal da inteligência e permitem avaliar a eficiência
verbar (el
verbal), a eficiência não verbal (el de desempenho) e a eficiência
total (eltotal).
Exemplo de uma prova do WISC-IV (2005): prova de semelhanças
são apresentados oralmente pares de palavras à criança, que
deve encontrar
a semelhança entre os objetos ou os conceitos propostos, a saber:
vermelho/
azul, leite/café, esferográfica/lápis, gato/rato, maçã/banana,
camisa/sapato,
inverno/verão, borboleta/aberha, madeira/tijoro, raiva/aregria, poeta/pintor,
quadro/estátua, montanha/rago, gero/vapor, cotovero/joerho,
careta/sorriso,
inundação/seca, primeiro/úrtimo, oreado/paper, permissão/proibição, sar/
água, vingança/perdão, realidade/fantasia e espaço/tempo.
As escalas de wechsler comportam diferentes provas que
não apresentam o
mesmo número de itens ou cujos critérios de cotação sâo diferentes
de prova
para prova. De maneira a tornarcomparáveis os resultados
nas diferentes provas,
wechsler transformou as notas brutas em cada prova em notas padronizadas,
situando-as num sistema normalizado cuja média é 100 e cujodesvio-tipo
é
15. Poroutras palavras: l00correspondeà média das pontuações (50oloaquém
e 50 0/o além) e 15 corresponde à dispersão em ambas as partes
da média. os
quocientes de inteligência calculados nas escalas de wechsler permitem
indicar
em que categoria se situa o resultado do indivíduo testado por comparação
com os resultados da sua população de referência.
A maioria agrupa-se em torno da média (2/3 dos indivíduos obtêm um
el
compreendido entre 85 e 115), podendo observar-se uma diminuição à medida
que nos afastamos da média e nos aproximamos de cada
extremi dade (2,1 o/o
dos indivíduos cujo Ql superior a r30 são dotados e, no outro exrremo,2,1 o/o
dos indivíduos cujo el é inferior a 70 têm deficiência). Entre esses dois extre-
mos, a categoria está longe de ser homogénea, correspondendo antes
a uma
variação contínua que permite ligar as duas extremidades da curva.
A existência de diferentes escalas construídas segundo o mesmo princípio
revela-se particularmente útil quando se trata de avaliar um mesmo indivíduo
em diferentes idades, em especiar quando o psicórogo deseja acompanhar a
sua evolução durante vários anos.

-l
I50 A I'SICOLOGII\

O MODELO DE INTELIGÊNCIA ESTRUTURALISTA


Jean Piaget (1896-1980) dedica-se a descrever e explicar a maneira como
os conhecimentos se construíram durante o desenvolvimento infantil
(ontogénese). É nesse sentido que se fala de uma teoria genética.
Piaget descreve uma sucessão de fases no desenvolvimento da interi-
gência. cada fase corresponde a uma forma de pensar ou de se adaptar
mentalmente. Todas as fases se apresentam pela mesma ordem. As ida-
des são dadas a título indicativo, como ponto de referência, mas podem
variar de indivíduo para indivíduo. cada fase caracteriza-senãopor uma
mera justaposição de aquisições independentes, mas por uma estrutura
de conjunto. Neste sentido, a teoria piagetiana é estruturalista. piaget
interessa-se pelo funcionamento da inteligên cia, i.e., pelas estruturas a
que o sujeito recorre para constituir o saber. Esta conceção opõe-se à
conceção aditiva da inteligência que consiste, por seu turno, em descrever
os níveis de desempenhos sucessivos da criança(expressos sob a forma
de quociente de inteligência e/ou de quociente de desenvolvimento).
Piaget postula uma continuidade do biológico ao psicológico: a
inteligência é a forma mais elaborada de ad,aptação do ser humano ao
seu ambiente. os mesmos mecanismos - qualificados de invariantes
funcionais - operam naadaptaçáo de um organismo ou da inteligência:
a assimilação e a acomodação.
- A assimilação (por comparação com a assimilação de uma subs-
tância por um organismo biológico) consiste em integrar um objeto ou
uma nova situação no conjunto dos objetos ou das situações aos quais
jâ está, aplicada uma conduta existente.
Exemplo: sucção sucessiva do seio, do polegar e de um objeto: a mesma
conduta é aplicada a objetos diferentes.

- A acomodação (termo extraído da fisiologia visual) é a vertente


complementar da assimilação. corresponde ao mecanismo que consiste
em modificar os antigos comportamentos, a fim de os adaptar à nova
situação ou ao novo objeto. Este processo permite generalizar,i.e., alargar
o esquema a novas situações.
, Exemplo: não se agarra um cubo como uma agulha, ou uma pera muito
madura como uma pedra. A criança deverá agarrun o objeto de maneira
diferente.

Normalmente, é preciso adaptar-se e, ao mesmo tempo, conservar


uma coerência interna, i.e., conciliar as condutas antigas e novas.
Assim, uma criança colocada numa nova situação vai tratá-la como
uma antiga (assimilação) na qual utilizava certas condutas, mas vai
A INTEI,IGENCIA I5I

aplicar modificações para se adaptar totalmente a essa nova situação.


Deve existir um equilíbrio entre esses dois processos cognitivos. Piaget
prefere falar de equilibração emvez de equilíbrio, na medida em que o
equilíbrio nunca é alcançado, mas sempre suscetível de ser melhorado.

As fases do desenvolvimento cognitivo


Fase da inteligência sensório-motora (0-2 anos)
Desde o nascimento, o bebé está no centro de uma multitude de relações.
No entanto, a princípio não se distingue do mundo que o rodeia. Esse
estado inicial de indiferenciação relativamente ao ambiente constitui
aquilo a que Piaget chamou egocentrismo. O período dos 0 aos 2 anos
caracteiza-se sobretudo pela implantação e pelo desenvolvimento
sensorial e motor. A inteligência sensório-motora é uma inteligência de
ação: a criança só pensa naquilo que percebe, naquilo que lhe importa
no momento. É uma inteligência sem pensamento nem representação,
i.e., fugaz e ainda não diferida. A ação é que é primordial.

Fase da inteligência pré-operatória (2-7/8 anos)


Este período é marcado por duas características importantes:
- A emergência da função semiótica ou simbólica, que permite
as evocações mentais de objetos ou acontecimentos ausentes mediante
sinais ou símbolos. A ação continua a ser o principal instrumento de
desenvolvimento do conhecimento, mas a criançapode,agota, imaginar
uma ação pela própria cabeça. A fase pré-operária caracteriza-se assim
pela passagem da ação efetiva à ação interiorizada (i.e., concretizada
em pensamento). A interiorização das ações torna-se possível graças à
emergência da função semiótica ou simbólica (consultar Capítulo V).
- A preponderância do egocentrismo do pensamento. Durante
este período, a criança continua, contudo, dependente das aparências,
das suas perceções. O seu pensamento está refém do aspeto dos dados:
a criança julga em função dos dados percetivos (por exemplo, acredita
que um objeto que mudou de forma também mudou de quantidade ou
peso), Raciocina de forma unidimensional, o que estará na origem de
erros típicos de raciocínio.
Exemplo: na sequência da trasfega de um líquido para um copo de forma
diferente (mais alto, mas mais estreito), a criança de 4-5 anos concluirá que
a quantidade de água mudou (há mais água porque é mais alto)' As causas
do seu erro são de ordem percetiva: a subida do nível de íryuavai enganâ-la.
A criança centra na relaçáo entre as duas alturas, mas descura
a sua aten çáo
as larguras (consultar caixa seguinte).
A PSICOLOGIÂ
'52

A criança é incapaz de considerar e coordenar todos os aspetos das


situações e de adotar outro ponto de vista que não o seu próprio. Portanto,
só após os 7 anos é que se tornará capazde cooperar, quando estiver em
condições de coordenar diferentes pontos de vista ou ações que emanem
respetivamente de diferentes indivíduos.

Fase das operações concretas (entre os 7/8 e os 11/12 anos)


A partir dos 7 anos, jâ não se fala de ações (i.e., comportamento obser-
vável), mas de operações (tipo de ação particular). Há mudança de
estruturas: o pensamento torna-se operatório. A criança é capaz de rea-
lizar mentalmente ações virtuais, não efetivas. As primeiras operações
estão sempre ligadas à açáo, mas incidem diretamente sobre objetos
concretos presentes ou imediatamente representados. O pensamento
da criança não pode desligar-se completamente dos objetos percetíveis,
nem permite construir um discurso em absoluto (i.e., que se baseie em
hipóteses enunciadas verbalmente).
As operações aplicam-se a domínios diversos:
- As operações de conservação permitem a construção de uma
invariante, não obstante as transformações. Assim, um objeto manÍerít
os seus traços específicos, quaisquer que sejam a sua posição ou a sua
repartição.
Exemplo: a passagem de um líquido para um pequeno recipiente só não
altera nada a sua quantidade se a criança for capaz de pensar na anulação
da transformação pelo seu inverso (reversibilidade), i.e., voltando a deitar
o líquido no recipiente inicial.

- As operações lógico-matemáticas incidem sobre objetos descon-


tínuos (em geral, seriação, classificação, inclusão de classes).
Exemplo: a criança pode compreender que, se se retirarem as peras de
um cesto de fruta composto de peras e maçãs, restam frutos: as maçãs. A
criança pode classificar segundo um critério comum, ordenar segundo um
critério de diferença, etc.

- As operações infralógicas incidem sobre a construção das pro-


priedades dos objetos do meio exterior e sobre as suas relações: espaço,
tempo, velocidade, causalidade e acaso.

Fuse das operaçõesformais (a partir dos 11/12 anos)


Esta fase marca a terceira etapa do conhecimento, termina no fim da
infância e prepara a adolescência. A especificidade das operações con-
cretas está em incidirem diretamente sobre os objetos com um raciocínio
indissociável do seu conteúdo.
A INTELIGÊNCIA I53

As operações formais vão libertar o raciocínio do seu conteúdo.


o adolescente passa aser capaz de raciocinarjá não sobre um material
concreto, mas sobre meras hipóteses, e consegue:
- raciocinar de forma abstrata, i.e., raciocinar sobre proposições
desligadas das constatações concretas;
- formular hipóteses, i.e., proposições que não sabe se são verda-
deiras ou falsas, mas suscetíveis de serem afirmadas ou infirmadas e
cujas consequências ele poderá analisar;
- combinar hipóteses, utilizando operações proposicionais como,
por exemplo, a implicação (<se... então>), a incompatibilidade (<ou...
ou)), (nem um nem outro...>);
- controlar as suas hipóteses, fazendo variar sistematicamente um
por um os fatores em jogo (método experimental) e retirar desse controlo
novas hipóteses possíveis.
A partir desse momento, a criança pode encarar o conjunto dos casos
possíveis e considerar o real como um caso particular. Hâ, portanto,
uma inversão das relações existentes entre o real e o possível. Durante
a fase das operações concretas, o possível é o prolongamento do real;
em contrapartida, no decorrer da fase das operações formais, o real é
considerado como uma realizaçã,o entre outras possíveis.

O método clínico piagetiano


O método clínico piagetiano consiste numa adaptação do método clínico ao
estudo do desenvolvimento intelectual. Trata-se de realizar uma experiência
com uma criança para levá-la a pensar, mostrar ou explicar o seu raciocínio.
De forma a avaliar o seu modo de raciocínio, o examinador empregará siste-
maticamente contrassugestÕes em que é evocada uma opinião contrária à
enunciada pela criança. Neste caso, a padronização está reduzida ao mínimo,
sendo, aliás, por isso que se fala de provas e não de testes piagetianos. Com
efeito, o examinador tende a fazer sempre as mesmas perguntas, embora
adapte o seu questionário à criança que tem à sua frente. Trata-se de circuns-
crever ao máximo o pensamento da criança, adaptando-se às suas respostas
e/ou atitudes.

llustração do método clínico piagetiano


Apresenta-se à criança uma bolinha de massa para moldar, pedindo-lhe que
confecione outra do mesmo tamanho e do mesmo peso. Deixa-se na mesa
uma das bolinhas como modelo e transforma-se a outra em salsicha, panqueca,
num conjunto de pedaços, etc. Pergunta-se-lhe então se ainda tem a mesma
quantidade de matéria (<a mesma coisa de massa>) em I e em A e porquê. euer
a criança o afirme ou negue, parte-se da justificação que ela dá (geralmente
para a salsicha: <há mais massa porque é mais comprida>) e continua-se a

i
I54 A PSICOt,O(}IA

modificar o objeto, inspirando-se na resposta da criança (neste caso, alongando


ou encolhendo a salsicha) para ver se ela se atém a raciocínios análogos ou se
muda de opinião. São igualmente inseridas contrassugestóes, que consistem
em dizer que outra criança da mesma idade afirma que <é a mesma coisa de
massa) (ou o contrário) e em perguntar quem tem razão. Assim se determina
o nível da criança nesta prova de quantidade: sem conservação, conservaçâo
não generalizada nem certa ou conservação necessária.

ffi (re ffi


Conservação
da quantidade
sólida
ffË
nHá ou não a mesma
rc
(Vejam o que fiz)
ffi
(Há ou não a mesma
quantidade de massa
quantidade de massa (alongamento)
para moldar?> para moldar?,

Conservação
da quantidade
(Há ou não a mesma (Vejam o que frz' oHá ou não a mesma
líquida quantidade de água
quantidade de água (trasfega)
nos dois copos?, nos dois copos?t

llustração de provas piagetianast0T

OS MODELOS DE INTELIGÊNCIA FATORIAIS

As conceções de inteligência dos teóricos influenciam largamente as téc-


nicas de avaliação elaboradas. O cálculo de um quociente de inteligência
parece reduzi-la a uma mera pontuação numerada. Ora,parece evidente
que a inteligência tem inúmeras componentes relativamente indepen-
dentes umas das outras e que convém medir separadamente. Do mesmo
modo, não se pode reduzir a inteligência unicamente à capacidade para
frequentar a escolaridade obrigatória e ter êxito nos estudos: Existem,
pelo contrário, várias formas distintas de inteligência.

Spearmaneofatorg
Paralelamente à construção da primeira escala de inteligência em
França, os psicólogos nos Estados Unidos procuraram pôr em evidência
a estrutura da inteligência, a fim de determinar se não se trataria de uma
capacidade única geral ou, se pelo contrário, ela era composta de uma
série de capacidades correspondentes a aptidões específicas. As suas
investigações basearam-se num método estatístico particular: a análise
fatorial desenvolvida pelo psicólogo inglês Charles Spearman.

'07 Cf. Richard J. Gerrig e Philip G. Zimbardo, op. cll. (consultar Bibliografia - Obras
gerais e Manuais).
A INT-EI,I(;ôNCIA I55

A análise fatorial
Quando se apresenta uma série de provas a uma população de indivíduos,
podem ser calculadas correlaçÕes entre os seus desempenhos obtidos em
diferentes provas. Correlações positivas entre os desempenhos indicarão que
os indivíduos tendem a obter nessas diferentes provas desempenhos análogos
e sugerirão que existe uma certa conformidade entre elas. Em contrapartida, a
ausência de correlaçóes significativas permitirá concluir que essas provas são
independentes umas das outras e não avaliam as mesmas coisas. para revelar
a organização subjacente a uma matriz de correlaçôes, a técnica mais siste-
mática é a análise fatorial, inventada por Charles Spearman (1g63-1945). Esse
método estatístico consiste em distinguir os fatores que podem dar conta das
correlações observadas entre as respostas a um conjunto de provas distintas.
A ideia fundamental é a de que, se os resultados em dois testes os corre-
lacionarem estreitamente, refletem provavelmente uma mesma aptidão
subjacente. Falar-se-á então de fatores comuns que correspondem às fontes
de variações hipotéticas comuns a diversos testes. A análise fatorial de dados
revela o número de fatores distinguíveis que entram na matriz de correlaçÕes.
se a conceção unitária de inteligência tiver fundamento, a análise fatorial apli-
cada aos resultados recolhidos numa bateria de testes de inteligência deverá
conduzir a um único fator comum a todos esses testes. Em contrapartida, se tiver
fundamento a conceção pluralista, a mesma análise conduzirá a vários fatores,
correspondendo cada um deles a aptidoes mentais particulares (em geral,
um fator correspondente às aptidões verbais; outro, às aptidÕes não verbais).

lnteresse da análise fatorial


o recurso às análises fatoriais na avaliação da inteligência forneceu elementos
úteis tanto no plano teórico como no plano prático.
A nívelteórico, permitiu ultrapassara noçãodemasiadoglobal de el, procurando
especificar a estrutura da inteligência. A aplicação da análise fatorial às provas
que compõem as escalas de inteligência pôs em evidência o facto de possuírem
não só características comuns mas também características específicas de apenas
algumas delas. Nessa perspetiva, torna-se possível considerar o cálculo de um
Ql global a partir do conjunto das provas, mas também um el verbal e um el
não verbal baseados em certos subconjuntos de provas. É isso que permitem
nomeadamente as escalas de inteligência desenvolvidas por Wechsler.
A nível prático, a utilizaçâo conjunta de provas que avaliam aptidões distintas
dá azo a um exame mais aprofundado, permitindo determinar as aptidoes ou
as inaptidões mais ou menos específicas, o que possibilita então a elaboração
de recomendações diferenciadas e/ou o estabelecimento de um diagnóstico
preciso sobre os pontos fortes e fracos do indivíduo.

Limites da análise fatorial


Não obstante o seu interesse e os progressos de que beneficiou a análise
fatorial no domínio da técnica, a verdade é que este método estatístico não
15ó A PSICOLOGIA

está em condiçoes de proporcionar novos conhecimentos. Convém, pois,


complementar esses dados - provindos essencialmente de testes ou de
situaçôes laboratoríais - com dados oriundos, por sua vez, de atividades que
ocoÍrem na vida real.

Spearman define a inteligência como uma faculdade geral e global.


A observação de correlações positivas entre os desempenhos em testes
muito diferentes (avaliando, por exemplo, o vocabulário, a ortografia, a
aritmética...) sugere, segundo ele, a ideia de que o êxito nesses diferentes
testes é determinado por um fator comum. Spearman qualificou defator
g a capacidade de inteligência geral que condicionaria e seria o agente
principal do sucesso em diferentes testes mentais. Os indivíduos seriam
descritos como mais ou menos brilhantes em função da quantidade de
g que tivessem.

Exemplo: imaginemos uma bateria composta de diferentes testes verbais


e de diferentes testes incidindo sobre a análise de desenhos. A análise das
correlações levará provavelmente a destacar dois fatores: um fator verbal
(muito ligado às provas linguísticas, mas pouco às provas sobre desenhos)
e um fator espacial (que será o inverso, i.e., muito ligado às provas sobre
:.: desenhos e pouco às provas linguísticas). Entre as provas verbais, nem todas
estarão tão fortemente ligadas ao fator correspondente a esse grupo (neste
caso, o fator verbal). O mesmo acontecerá com as provas sobre desenhos.

Spearman propôs a definição do fator g como <<a energia mental>>


e, mais tarde, como uma forma de raciocínio lógico, em particular, o
raciocínio indutivo, definido como a capacidade para descobrir uma lei
da série a paftir dos elementos dessa série e para aplicar a lei à desco-
berta de um elemento que prolongue essa série. Os testes de Matrizes
Progressivas de Ravenros permitem avaliar esse tipo de raciocínio,
pedindo aos indivíduos que descubram as relações entre diferentes
elementos de um material não figurativo e as apliquem à descoberta
do elemento que falta.

:. Exemplo de um item do teste de Matrizes Progressivas de Raven no qual


:' se pede à criança que escolha, entre as seis soluções propostas, o item que
:. permite completar a série apresentada.
l Fonte: ECPAloe

r08 Testes criados em 1936 pelo psicólogo inglês


John Carlyle Raven (1902-1970) tN. Tl.
rOe Éditions
du Centre de Psychologie Appliquée [N. T.].
A INTEI,IGÊNCIA 157

2 3

4 5 6

Paralelamente ao fator g, Spearman propõe a noção de fatores s que


correspondem, por seu turno, a aptidões específicas. Escusado será frisar
que não funcionamos da mesma maneira quando temos de resolver um
problema aritmético ou quando temos de reparar um motor. para uma
capacidade intelectual geral semelhante, alguns de nós seremos mais
dotados para um tipo de atividade do que para outro. Essas diferenças
refletirão aptidões específi cas.
Ao fim e ao cabo, os desempenhos de um indivíduo nos testes de
inteligência refletirão a sua aptidão geral (fator g), mais as suas apti-
dões específicas (fatores s). Assim, por exemplo, a eficiência de um
indivíduo numa prova de raciocínio aritmético variarâ em função da
sua inteligência geral,por um lado, e da sua aptidão para amatemática,
por outro. Cada um de nós caracterizar-se-á por um certo nível de
inteligência geral que orientará a sua forma de resolver os problemas
de ad,aptação ao meio e por capacidades, mais ou menos desenvolvidas
consoante os indivíduos, relativas às diversas aptidões que intervêm
nessa adaptação. A úllização de diferentes testes (em geral, um teste
percetivo e um teste de vocabulário...), emyez de um único teste de
inteligência geral, torna possível a avaliação da eficiênci a atual de um
indivíduo para a atividade intelectual, independentemente dos seus
conhecimentos adquiridos.

Thurstone e as aptidões mentais primárias


Pondo em causa a noção de uma inteligência geral, Louis Leon Thurs-
tone (1887-1955) considera a inteligência como resultante de aptidões
independentes, para as quais propõe a denominação de <aptidões
l5tì .\ PSI(lOl,OGlA

mentais primárias>rr0. Recorrendo sempre à análise fatorial, identifica


sete fatores que constituem as aptidões primárias envolvidas nos testes
de inteligência:
- A aptidão numérica corresponde à capacidade de manipular
números e efetuar operações aritméticas.
- A fluidez verbal corresponde à facilidade de se exprimir utilizando
as palavras corretas e reflete uma certa facilidade no uso da linguagem.
A facilidade (também chamada fluidez) verbal pode ser avaliada ao
pedir a um indivíduo que diga o maior número de palavras num tempo
limitado (em geral, dizer vocábulos que começam pela mesma letra,
dizer nomes femininos, etc.).
- A compreensão verbal refere-se, por seu turno, à capacidade de
compreender a linguagem (oral e escrita), ocorrendo, pois, na comuni-
cação,no pensamento e na planificação da ação. A compreensão verbal
pode ser avahada,por exemplo, com a ajuda de testes de compreensão
de frases ou de comparação de provérbios.
- A aptidão espacial remete para a capacidade de imaginar os objetos
e as formas no espaço (por exemplo, produção euÍiIização de desenhos
ou planos), concebendo quer os dados espaciais fixos, quer relações
geométricas com base na visualização espacial de mudanças de posição
ou de transformações esPaciais.
- A memória corresponde à capacidade para recordar (pares de pala-
vras, frases, imagens, números...) e à capacidade para utilizar processos
mnemotécnicos. Parece difícil destacar um fator único que dê conta de
todos os desempenhos baseados na memória.
- o raciocínio corresponde à capacidade para inferir conclusões
segundo um aregta(raciocínio dedutivo) ou para formular uma regra geral
a partir de certos factos (raciocínio indutivo). O raciocínio dedutivo pode
ser avaliado com a ajuda de testes de raciocínio silogístico, enquanto o
raciocínio indutivo poderá sê-lo com a ajuda de testes em que se trate
de encontrar analogias ou completar séries de números.
- A velocidade de perceção das semelhançaso das diferenças ou de
certos pormenores ao nível de objetos ou de imagens ocorre em provas
em que importa detetar com rapidez e precisão detalhes, semelhanças e
diferenças. Pode ser avaliada com a ajuda de provas que peçam ao sujeito
que identifique pequenas diferenças em imagens ou risque todos os ás
numa sequência de letras do alfabeto.
Segundo Thurstone, as aptidões são independentes umas das
outras: o indivíduo pode ser muito bom em compreensão verbal e ter

tto Primary Mental Abìlities, Chicago: University of Chicago Press' 1938 [N. T']

l
A INTELTGÊNCIA I59

um nível fraco em aptidão espacial. Para medir


cada uma das suas
capacidades, elaborou uma bateria
de testes; composto de diferentes
provas, o teste de aptidões mentais primárias
permite uuuü*
uma das sete aptidões. "uou

Exemplos de itens extraídos do teste


de aptidões mentais primárias
Thurstone de
Escala verbal: assinalar o vocábulo com
a significação mais próxima da
primeira palavra.
Ditirâmbico: a) crítico; b) diurno; c) elogioso;
d) intrigante; e) excelente
Escala numérca: assinarar v numa adiçãã
veráadeira JF *.íJiiá" ãrr",
62 + 3Z +79 +54 = 228
a)V;b)F
tl+g7+88+ 77:363 a)V;b)F
Escala de raciocínio: encontrar, em cada
série, a letra que deve suceder.
ay azbybzcy czdy d
adgjm
Escalade fluidez verbar: escrever o maior
número possíver de palavras
começadas por determinada letra.

A partir dos resultados num número relativamente


' limitado de provas,
possível obter o perfil do potencial intelectual
i :*lhe de um indivíduo.
aos testes fortemente saturados de fator
_tïrra'amente g, ere não dá
uma indicação única das capacidades de
um indivíduo, mas uma ima_
i gem,diversificada, i.e., um retrato relativamente diferenciado das suas
i aptrdões e inaptidões específicas.
A tentativa de Thurstone de destacar os erementos f-undamentais
não foi, porém, comptetamenre coroada
:i.::::lt*.ia
drversas razões. por um lado, as aptidões identificadas
de êxito por
não são ìão
i independentes umas das outras quanto
Thurstone acreditara,mas, pelo
contrário, estão fortemente correlacionadas.
A existência dessas inter-
correlações irá, pois, no sentido do fator
d. i"t.ii;;cia geral proposto
por Spearman. por outro lado, em função
da nalurerados itens e das
provas que entraram nas análises fatoriais,
puderam ser identificados
entre vinte e cento e cinquenta fatores! Està
inconstância no número
e na natureza de fatores destacados põe
em causa a própria validade
da análise fatorial.

Guilford e as três faces do intelecto

lot n Guilfordpropõe, em 1959, um modelo a priori


das aptidões
humanas, denominado <as três faces do intelecto>>
e representadï sob a
forma de um cubo resurtante da interseção
de três dimensões (ver figura):
operações, conteúdos e produtos do pensamento.

-/-
160 A PSIcoLoGIA

Produtos
Unidades
Classes
Relaçóes
Sistemas
Transformações
lmplicaçôes

A estrutura do intelecto segundo Guilfordill

- As operações correspondem aos processos mentais (i.e., pensamos


em quê?) e são em número de cinco:
l. A cognição remete para a descoberta ou redescoberta de
conhecimentos.
2. A memorização implica a retenção do que é conhecido.
3. A produção divergente corresponde à capacidade
de pensar em
diferentes direções, seja para procurar uma nova solução, seja para
procurar variações.
4' A produção convergente remete para aoperação conducente
à boa
resposta ou à resposta convencional. Estes dois modos
de produção permi-
tem a produção de novas informações a partir de elementos
da situação.
5. A avaliação corresponde à capacidade de tomar decisões
em fun-
ção do grau de adequação do que é conhecido, produzido ou rembrado.

- os conteúdos correspondem aos tipos de representações que sur-


gem durante a resolução de um problema (ou seja,
òomo é que pensamos
nele?). São em número de quatro:
l. os conteúdos figurais correspondem a dados percetivos (visuais
ou
auditivos) com as suas próprias propriedades (tais como, poi
exemplo,
no caso dos dados visuais, o tamanho, a forma, a coÍ, alocalização
ou
a textura).

I'r cf. Richard Gerrig e philip G. zimbardo,op. clr. (consultar Bibriografia


J.
gerais e Manuais),
e LAnnée psychologique,vol.60,n|2,1960 (<http:/Mww.persee.
-
obras
frlweb/revues/home/prescript/issue/psy_0003-5033_196O_nurn_OO
Zr;.'
A INTELIGÊNCIA T61

2. os conteúdos simbólicos são constituídos por letras ou argarismos,


geralmente organizados em sistemas complexos (sistema alfabético ou
cadeia numérica).
3. os conteúdos semânticos remetem paraasignificação de palavras
ou ideias.
4. os conteúdos comportamentais estão subjacentes aos comporta-
mentos de <inteligência social>.

- Os produtos correspondem aos tipos de respostas pedidas quando


são aplicadas operações a um conteúdo (i.e., a açã,o do pensamento
conduz a quê?). São em número de seis. O produto pode apresentar-se
sob a forma de unidades, classes, relações, sistemas, transformações
ou implicações.

Ilustração de uma operação de cognição sobre um conteúdo figurativo que


produz uma relação:
Dado que "[oD, complete a série mO
Ilustração de uma operação de avaliação aplicada a um conteúdo simbólico
que produz unidades: identifique o mais depressa possível os algarismos
menores do que 4 na série seguinte: 86457202239334899748211512344s5
67 897 09 429 48239 1293937 21828937 328s 42938

A combinação das três dimensões (operações x conteúdss x produ-


tos) dá lugar a uma possibilidade teórica de 120 fatores de inteligência
diferentes (5 x 4 x 6)! Por conseguinte, para medir subtilmente e com
precisão as aptidões intelectuais de um indivíduo, seriam necessários,
pelo menos, 120 testes diferentes e específicos! para alguns dos fatores
postulados, não existem ainda testes específicos. Embora o interesse do
modelo de Guilford seja ter permitido, pelo seu carácter preditivo, identi-
ficar novas aptidões e medi-las, a sua validade não está ainda claramente
definida, visto que pode observar-se uma insuficiente correlação entre os
resultados nessas provas e outros índices, por exemplo, o sucesso escolar.

O MODELO DE INTELIGÊNCIA COMPONENCIAL


ou o MÉToDo DE TRATAMENTO DA TNFORMAçÃO
o método fatorial dominou as investigações sobre a inteligência até aos
anos 1960. O advento da psicologia cognitiva - nomeadamente com a
elaboração dos modelos de tratamento da informação - dá ênfase ao
estudo dos processos cognitivos implicados nas atividades intelectuais.
Mais precisamente, as teorias acerca do tratamento da informação
interrogam-se sobre: os processos mentais solicitados nos diferentes
162 A PSICOLOGIA

testes de inteligência; arapidez e a exatidão desses processos; os tipos


de representações mentais sobre os quais agem esses processos.
Neste caso, já não se ïrata de identificar os fatores (como antes), mas os
processos mentais responsáveis pelo comportamento inteligente. O postulado
básico é o de que as diferenças individuais observadas em determinada
prova dependem não só de processos particulares solicitados na própria
prova, mas também da velocidade e da exatidão desses processos.
Inscrevendo-se no âmbito da psicologia cognitiva e, em particular,
das teorias aeercado tratamento da informação, Robert J. Sternbergr12
propôs um método de análise componencial cujo objetivo é identificar os
processos em jogo numa determinada prova. Sternberg analisa os pro-
cessos mentais e as estratégias implementadas pelo indivíduo durante a
realizaçãodos subtestes de inteligência. Segundo ele, os processos mentais,
aos quais chama ((componentes>>, intervêm de forma organizada paru
produzir as respostas a um teste de inteligência (problema de analogia,
por exemplo). Sternberg identifica cinco componentes que explicam os
mecanismos subjacentes ao comportamento inteligente.

As cinco Gomponentes do comportamento inteligente

As metacomponentes
Estes processos de controlo de nível superior constituem processos exe-
cutivos utilizados durante a planificação e o controlo das ações, assim
como durante a tomada de decisão na resolução de problemas, com vista
aos objetivos a atingir. Formam a base da inteligência segundo Sternberg.

Ás componentes de desempenho
Estes processos são responsáveis pela realização da tatefa e traduzem
em ação as decisões tomadas pelas metacomponentes, em relação às

quais são hierarquicamente inferiores.

As componentes de aquisição de conhecimentos


Estes processos intervêm naaprendizagem de novas informações (por
exemplo, aprendizagem da significação de conceitos ou de novas palavras)'

As componentes de retenção
Estes processos estão em funcionamento na recuperação das informações
at mazenadas na memória.

r12 Psicólogoe psicómetra americano nascido em 1949, autor de vasta bibliografla, na qual
sobressai uma teoria triárquica da inteligência humana(Beyond IQ: A Triarchic Theory
of Human Intelligence,Cambidge: Cambridge University Press, 1985) [N' T.]'

-t_
A tNTEI,I(;ÊNCIA 1ó3

As componentes de transferência
Estes processos estão em funcionamento na transposição do que foi
aprendido numa situaçáo para outra nova.
segundo Sternberg, as cinco componentes estabelecerão relações não
só com a inteligência escolar, mas também com a inteligência prâtica,
desenvolvendo diferentes capacidades no indivíduo, nomeadamente
pensar ou raciocinar de forma abstrata, aprender e tirar proveito da
experiência, adaptar-se às mudanças do mundo real ou motivar-se para
r ealizar certas tarefas.
Ao fim e ao cabo, a análise fatorial e o método de tratamento da infor-
mação fornecem dados complementares aceÍcada eficiência intelectual.
os fatores definidos com a ajuda da análise fatorial são úteis para
a identificação das aptidões e inaptidões de um indivíduo. podem, por
exemplo, revelar que uma pessoa é forte no plano da fluidez e da signi-
ficação verbais, mas fraca no plano do raciocínio.
Quanto à análise do tratamento da informação, poderá fornecer um
perfil diagnóstico dos processos responsáveis pela debilidade observada
e revelar uma deficiência ao nível de uma ou outra das componentes
identificadas por Sternberg.

O MODELO DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS:


O MODELO DE GARDNER
os diferentes modelos estudados até agoraconsideravam a inteligência de
forma unitária, quer seja global ou composta de um conjunto de fatores.
Howard Gardnerrl3 define a inteligência como a capacid,ade para
resolver problemas quotidianos, gerar e solucionar novas questões e
realizar algo que seja reconhecido na cultura a que se pertence.
Neste sentido, a inteligência é mais do que uma faculdade mental tal
como é classicamente avaliad,a com a ajuda dos testes de inteligência
que permitem obter um QI. Segundo Gardner, a inteligência vai para
além disso e corresponde ao comportamento do indivíduo perante
determinada situação.
Howard Gardner propõe uma teoria segundo a qual existirão inteli-
gências diferentes e independentes umas das outras, cobrindo o leque
das experiências humanas.

tt3 Frames of Mind: The Theory of Multipte Intelligences (1983).


164 A PSICOLOGIA

As oito inteligências segundo Gardner

A ínteligência lingaística
Corresponde à aptidão para se servir da linguagem para pensar e comu-
nicar em simultâneo, à sensibilidade aos sons, ao ritmo e às diferentes
funções da linguagem. Esta aptidão estará particularmente desenvolvida
em poetas ou jornalistas.

A inteligência lógico-matemótica
Corresponde à aptidão para pensar logicamente e resolver problemas arit-
méticos, à sensibilidade às estruturas lógicas ou numéricas e à capacidade
para discerni-las e articular uma longa sequência de raciocínios. Esta
aptidão estará particularmente presente em cientistas ou matemáticos'

A inteligência espacial
Corresponde à aptidão para gerir imagens que representem relações
espaciais (por exemplo, capacidade para imaginar se um novo móvel
entrarâna sua sala de visitas), perceber com precisão o universo espa-
ciovisual e aplicar diversas transformações às perceções iniciais. Esta
aptidão estará especialmente desenvolvida em escultores e navegadores.

Estes três primeiros tipos de inteligência correspondem, respeti-


vamente, às aptidões verbais, numéricas e espaciais que se encontram
tradicionalmente nos modelos fatoriais.

A inteligência musical
Esta aptidão está na base da competência musical. Consiste na capaci-
dade para distinguir e produzir ritmos, tonalidades e outros aspetos da
música. Estará particularmente desenvolvida em compositores, músicos
e em qualquer pessoa que tenha um gosto marcado pelas formas de
expressão musical.

A inteligência corporal-cinestésica
Corresponde à capacidade para manipular os objetos com destreza e
aprendeq executar ou controlar os movimentos do seu corpo no espaço.
Estará presente em artesãos, cirurgiões, malabaristas, ginastas ou atletas.

Á inteligência pessoal
Apresenta-se, por seu turno, sob duas formas:
- A inteligência intrapessoal, que remete para a aptidão para se
conhecer e se compreender a si mesmo, aceder às suas próprias neces-
sidades, sentimentos ou emoções, conhecer as suas forças e fraquezas,

J
A INTE,I,IGÊNCIA 1Ó5

os seus desejos ou as suas aptidões intelectuais. Este conhecimento


preciso e pormenorizado de si mesmo é necessário para que o indivíduo
se comporte de forma eficaz.
- A inteligência interpessoal, que corresponde à aptidão do indiví-
duo para compreender de forma apropriada e prever o comportamento
dos outros a partir do conhecimento do temperamento, assim como
das motivações, intenções ou necessidades expressas por outrem. Esta
aptidão, fortemente implicada na capacidade para estabelecer e manter
relações sociais eficazes, está particularmente desenvolvida em terapeutas
ou vendedores.

A inteligência naturalistu
Corresponde à aptidão para compreender a organização da Natureza,
determinar como os seres ou objetos se inscrevem nela, perceber as dife-
renças entre espécies. Esta aptidão estará particularmente desenvolvida
em biólogos e ambientalistas.

A inteligência emocional
O psicólogo americano Daniel Goleman (n. 1946) sugeriu a existência de uma
<inteligência emocional>r14. A ideia inicial é a de que algumas pessoas, não
obstante serem dotadas de boas capacidades intelectuais, se mostram inca-
pazes de controlar as suas próprias emoções. É o caso do aluno inteligente
que falha nos exames, não podendo gerir o pânico na altura da prova, ainda
que saiba resolver os problemas postos, ou de um empresário com dificul-
dades em enfrentar os problemas de outra maneira que não seja por via do
conflito ou do stress.
Daniel Goleman fala de <inteligência emocional> porque, segundo ele, o
autocontrolo e o reconhecimento das emoçóes alheias dependem de uma
verdadeira capacidade de adaptação, Esta inteligência pode ser definida pela
aptidão para:
- perceber e exprimir as suas emoçóes adequadamente;
- utilizar as emoções para ajudar a reflexão;
- fazer um uso eficaz do saber emocional;
- regular as suas emoçoes.
Embora não exista Ql emocional propríamente dito (i.e., teste padronizado),
Goleman pretende, ao propor esse termo, fazer concorrência à predominância
ainda concedida ao Ql intelectual.

1ta Emotional Intelligence: Why It Can Matter More Than IQ, Nova lorque: Bantam
Books, 1995 [N. T.].

l-
-r ì

I66 A PSICOI,OGIA

Cada inteligência funciona separadamente


Embora essas diferentes inteligências possam interagir para produzir o
comportamento inteligente, cada uma delas constitui, segundo Gardner,
um sistema que funciona separadamente. Para defender esta hipótese,
Gardner sublinha que uma lesão no cérebro pode provocar a perda de
um tipo de inteligência, sem afetar, por isso, os outros. Por exemplo,
uma lesão no hemisfério esquerdo pode provocar perda de linguagem,
mas não das aptidões musicais ou pessoais.
Para analisar essas diferentes formas de inteligência e distinguir os
pontos fortes de cada um, é necessário observar o indivíduo em dife-
rentes situações da vida corrente. A importância relativa de uma ou de
outra difere consoante as épocas ou culturas. A ênfase dada, nas nossas
sociedades ocidentais, às inteligências linguística e lógico- matemâtica
está ligada ao nascimento das ciências no Renascimento. Nas sociedades
de caçadores, a adaptação dependeria mais do controlo do corpo, da
destreza e da capacidade para reconhecer o seu caminho na floresta do
que na velocidade a resolver analogias ou problemas aritméticos.

A inteligência é inata ou adquirida?


A comparação de pares de indivíduos com diversos graus de parentesco (em
geral, gémeos monozigóticos, dizlgóticos ou irmãos-irmãs) permite estudar
o papel respetivo dos fatores biológicos e dos fatores ambientais no desen-
volvimento da inteligência. Este tipo de comparaçóes permite determinar
se a inteligência é uma característica hereditária (conceção defendida pelos
inatistas) ou adquirida (conceção defendida pelos empiristas).
O método consiste em calcular um coeficiente de correlação intraclasse,
i.e., calcular um índice de similaridade entre desempenhos (expressos, por
exemplo, em termos de Ql) recolhidos no seio de um determinado par num
teste de inteligência.

Raciocínio
O raciocínio subjacente é o seguinte: se a semelhança for maior (ou seja, o
coeficiente de correlação mais elevado) no seio dos pares de gémeos monozi-
góticos do que no seio dos pares de gémeos dizigóticos, poderá ser atribuída
ao grau de conformidade genética mais elevado nos gémeos monozigóticos
(visto que partilham exatamente o mesmo património genético). lsso é então
o sinal de um forte fator hereditário ou de um forte determinismo genético da
eficiência intelectual. Por outro lado, a comparação dos pares educados em
conjunto ou educados separadamente, assim como a comparaçâo entre pais
e filhos adotivos, permite salientar a influência dos fatores ambientais (i.e., o
efeito do meio educativo) no desenvolvimento da inteligência.
A INTELIGÊNCIA T67

Resultados
os resultados apresentados em seguida representam os coeficientes de
cor-
relação médios das pontuações em testes que avaliam o
el entre indivíduos
com diversos graus de parentesco:
Ambiente Correlação Proximidade Genética
Gémeos monozigóticos educados em conjunto 0,86 ldêntica
Gémeos monozigóticos educados separadamente 0,72 Diferente
Gémeos dizigóticos educados em conjunto 0,60 0,5 ldêntica
lrmãos-irmãs educados em conjunto 0,47 0,5 ldêntica
Gémeos dizigóticos educados separadamente 0,33 0,s Diferente
lrmãos-irmãs educados separadamente 0,24 0,s Diferente
Pais e filhos adotivos 0,31 0 ldêntica

Análise dos resultados


O papel do património genético: quanto maior for a percentagem de genes
comuns, mais forte é a correlação média entre o el dos indivíduos. Todavia,
os fatores genéticos não podem por si sós explicar a semelhança entre
os
indivíduos. É preciso também fazer intervir os fatores ambientais.
Assim, os fatores hereditários e os fatores ambientais intervêm conjuntamente
no desenvolvimento da inteligência.
A exemplo do que se observa em outros aspetos do desenvorvimento,
o
património genético exerce uma influência notável sobre os resultados
dos
indivíduos nos testes de inteligência, mas não intervém isolado. os resultados
sublinham a forte influência dos fatores genéticos na inteligência, mostrando
igualmente a importância do meio.
Pode aventar-se a hipótese de o património genético exprimir apenas
aquilo
que o ambiente lhe permite.
Debater a questão do inato e do adquirido opondo genética e meio parece
ultrapassado hoje em dia. A hereditariedade e o ambiente influem no desen-
volvimento das capacidades intelectuais e estão em estreita e complexa
interação. continua a ser difícil, se não impossível, determinar com maior
precisão a parte respetiva dos fatores hereditários e dos fatores ambientais.

A plasticidade cerebral
Durante muito tempo, acreditou-se que o cérebro, uma vez maduro, se carac-
terizava pela estabilidade das suas conexões, consideradas imutáveis. Desde
há mais de trinta anos, desfez-se essa visão da estrutura e do funcionamento
cerebral. Graças aos progressos da imagiologia cerebral, descobriu-se que o
cérebro modifica a organização das suas redes de neurónios em função das
experiências vividas pelo organismo. Alterou-se o debate sobre o inato e o
adquirido.
<O cérebro está em perpétua remodelação, e a plasticidade sugere um
grande jogo de construção e de demolição. Gerald Edelman, prémio Nobel

-l
168 A PSICOLOGIA

de Medicina em 1972, fala de darwinismo neuralrr5. com efeito, de todos os


caminhos neuronais possíveis entre duas áreas cerebrais, o mais eficaz será
selecionado e consolidado com vista a uma reutilização posterior. Este pro-
cesso, que o neurobiólogo Jean-Pierre changeuxrl6 qualifica de epigénese por
estabilização seletiva dos neurónios e das sinapses, conhece o seu apogeu
durante a primeira infância. Desde a décima oitava semana de gravidez, a
maior parte dos nossos cem mil milhões de neurónios, dos quais morrerá uma
fraçâo importante, sobretudo durante o período fetal, estão constituídos e
encontraram o seu destino.Traços de união entre neurónios, as conexóes siná-
ticas proliferam então de forma exuberante. Sob a influência das experiências
vividas pela criança in utero e durante os primeiros anos de vida, muitas delas,
,,não pertinentes", vão ser eliminadas, enquanto outras se
redundantes ou
consolidarão.> (Philippe Lambert, dossiê "Les nouvelles psychologies", revista
Sciences Humoi nes, iunho-)ulho-agosto de 2006).

Anomalias genéticas e deficiência intelectual


uma constatação clássica é a de que as anomalias genéticas se traduzem
em manifestaçóes físicas e psíquicas bastante significativas. Por exemplo, a
trissomia 21 está ligada à presença de um cromossoma 21 supranumerário
(geralmente atribuído à idade da mâe, à exposição a radiaçÕes ou a agentes
virais ou químicos).
As crianças com síndrome de Down apresentam traços característicos tanto a
nível físico como a nível psíquico (sensivelmente 45 de Ql, traços de carácter
tais como gentileza, sociabilidade...).
por sua vez, a fenilcetonúria é uma patologia relacionada com um excesso
de aminoácido (fenilalanina), devido à existência de um gene recessivo. A
presença de um ácido com uma ação tóxica sobre o sistema nervoso tradu-
z-se em deficiência intelectual (Ql de 15-20), ainda mais severa quando os
pacientes não são tratados. É possível diagnosticar a doença realizando um
rastreio neonatal. O seu tratamento obriga à supressão de alimentos ricos em
fenilalanina (ovos, leite, peixe, pão)'

t1s Neural Darwinism: The Theory of Neuronal Group Selection, Nova lorque: Basic
Books, 1987 [N. T.].
f ró
Autor, por exemplo, da obra L'Homme neuronal (Paris: Fayard, 1983) [N. T.].

-r'-

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