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Recensão: Marenbon, J.

Medieval Philosophy: A very Short Introduction, Oxford,


Oxford University Press, 2016

Desmitificar e corrigir os preconceitos contemporâneos que temos da filosofia medieval –


eis, o grande propósito da pequena introdução de Jonh Marenbon a esta área da filosofia que
se expande por quase dois mil anos (200 AC – 1700, segundo o autor) e, porém,
paradoxalmente é a receptora de menos atenção, tanto dentro como fora do comunidade
filosófica.

Em contraste com a imagem O Triunfo de São Tomás de Aquino (por Benozzo Gozzoli),
que Marenbon usa como exemplar da compreensão comum da filosofia medieval (estritamente
latina, subserviente à religião, mera comentadora e interpretadora dos textos antigos,
dogmática), o autor apresenta-nos um vasto mapa geográfico e cronológico de uma teia de
tradições filosóficas, religiosas e culturais onde florescem contribuições inovadoras para a
filosofia provenientes de autores latinos, árabes, bizantinos e judeus, que no entanto, partilham
todos o mesmo tronco comum – os legados do pensamento platónico e do pensamento
aristotélico.

É de salientar também que Marenbon reconhece que, ao contrário da situação


contemporânea, nós não encontramos uma disciplina independente de filosofia, invés a
filosofia ou material filosófico do período medieval encontra-se dispersa entre as várias
disciplinas, de forma que uma visão apropriada da filosofia medieval só é encontrada depois de
investigarmos e encontrarmos os seus pedaços espalhados pela biologia, teologia, literatura e
as outras demais disciplinas deste período.

A obra pode ser dividida em duas grandes partes – uma histórica, ou cronológica, traçando
o desenvolvimento da filosofia nas várias culturas medievais, que por sua vez é subdivida em
dois períodos (Early Medieval Philosophy e Late Medieval Philosophy); e uma temática, onde
dois autores (mencionando também os seus antecessores e influências) são contrastados
sobre um tópico ou pergunta típica da filosofia medieval – a existência de universais, a filosofia
da mente e o Intelecto, a relação entre presciência e liberdade, a melhor vida individual e o
papel da sociedade nela. Desta forma, é nos dado um campo diversificado de autores, escolas
de pensamento, tradições, legados e controvérsias que expõe a verdadeira complexidade da
filosofia medieval.

Marenbon indentifica cinco figuras que originaram as tradições medievais da primeira


metade da Idade Média: Agostinho de Hipona, Boécio, Pseudo-Dionísio, João Filopono e
Sérgio de Reshaina. Porém sendo eles todos, direta ou indirectamente influenciados pela
Escola Platónica Tardia, não é de surpreender que o autor comece a sua história do
pensamento medieval por uma descrição desta escola, com atenção especial para Plotino e
Porfírio.
O que se segue é uma cronologia dos sucessores destas correntes de pensamento,
começando pela europa latina são nos apresentados Alcuíno, João Eriúgena e Anselmo, bispo
de Cantuária. O Pensamento árabe pela sua vez é exposto pelas suas duas tradições da
época – o Kalam (de caracter mais teológico), com figuras como Algazali, e o Falsafa (de
caracter mais filosófico), com figuras como Alfarabi e Avicena. No ocidente árabe, não
esqueçamos de mencionar Averróis e alguns filósofos judeus que escreviam em árabe. É de
realçar a atenção que Marenbon dá aos textos disponíveis nas várias regiões e períodos e
como estes influenciam a filosofia praticada, por exemplo, com a conquista arábe de
Alexandria, estes filósofos tiveram acesso a quase todo o corpus de Aristóteles que iniciou uma
tradição aristotélica que os latinos, que na altura possuíam principalmente textos de
pensamento neoplatónico e apenas alguma lógica aristotélica, só desenvolveram
posteriormente.

O Século XII é visto como um ponto de viragem, para todas as culturas: na latina, há a
recuperação dos textos de Aristóteles e o desenvolvimento das faculdades de Paris e Oxford;
na árabe, com a reconquista cristã, a filosofia árabe em território espanhol cessa e a conquista
de Constantinopola leva os filósofos árabes orientais a deparem-se com os textos cristãos; os
judeus, agora em território cristão, começam uma tradição filosófica escrita em Hebraico
desenvolvendo assim uma novo pensamento filosófico judaico. São aqui que figuras como
Tomás de Aquino e William Ockham se inserem, enquanto que Avicena post-mortem toma
controlo da filosofia árabe sendo a maioria dela uma resposta ou interpretação nova de
Avicena.

A parte temática da obra explora em mais profundidade alguns autores e é escrito numa
sequência de respostas onde cada autor de uma forma ou outra aprofunda o pensamento do
autor anterior ou critica-o e expõe a sua própria teoria. Depois do grande panorama histórico,
Marenbon trabalhar estes últimos três capítulos numa escala menor, permite ao leitor interagir
mais com o pensamento medieval e assim acender a sua curiosidade quanto a alguns autores
ou questões em específico – por exemplo, a discussão entre realistas e nominalistas quanto à
existência de universais.

O último capítulo «Why Medieval Philosophy?» é de extrema importância, retornando à


actualidade Marenbon defende o estudo da filosofia medieval, independentemente de este se
integrar ou não nos debates contemporâneos. O estudo da filosofia medieval é importante não
só para um historiador como para o filósofo, que não deve desejar uma lacuna de tal tamanho
na linha de desenvolvimento da sua disciplina por preencher – o entendimento da história da
nossa disciplina não deve saltar de Aristóteles para Descartes.

Igor Rodrigues Oliveira, nº 162817


FLUL – Filosofia Medieval, Maio de 2023

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