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MEDIEVISMO/MEDIEVALIDADE 1
Richard Utz
Uma introdução
1
Tradução livre do texto: UTZ, Richard. Medievalism. Mittelalter-Rezeption. Médiévisme. Perspicuitas
– Internet-Periodicum für mediävistische Spach-, Literatur- und Kulturwissenschaft 1, 2004. Online, aos
cuidados do Prof. Dr. Renan M. Birro (UPE/Mata Norte). A tradução aqui disponível foi pensada como
material básico da disciplina “Tópicos Especiais em Teoria da História II”, intitulada como
“Medievalismo(s), neomedievalismo e recepção da Idade Média na contemporaneidade”. Email:
rbirro@gmail.com.
descrita, inventada, desejada e interpretada por críticos, artistas, políticos e pela cultura
popular, do início da modernidade até os dias atuais.
A função dessa subseção da Perspicuitas é acompanhar os desenvolvimentos
nesta rápida expansão desse excitante campo de estudos. Os ensaios, resenhas e links
disponíveis aqui foram pensados de modo a ofertar uma introdução das visões e
métodos ao praticar o “medievalismo”. Assim, os editores solicitarão referências
bibliográficas sobre tópicos relacionados, resenhas de publicações pertinentes e irão
oferecer acesso eletrônico aos textos dos anais das conferências sobre o Medievalismo,
intitulado The Year’s Work in Medievalism. Nós encorajamos os acadêmicos a
contribuir com ensaios, resenhas, referências ou pequenas peças de opinião sobre o
medievalismo. Todas as submissões serão revisadas e, se aceitas, publicadas na
Perspicuitas e linkadas nesta subseção. Ademais, nós incluiremos links para as
conferências anuais sobre o Medievalismo, a revista da Boydell & Brewer, Studies in
Medievalism, além de outros eventos relevantes – todos eles envolvidos na recepção
crítica do período medieval em eras pós-medievais.
Que é Medievalismo?
Richard Utz
“[O Medievalismo] é o estudo da Idade Média, a aplicação dos modelos medievais para
as necessidades contemporâneas e a inspiração da Idade Média em todas as formas de
arte e pensamento (WORKMAN, Leslie J. Editorial. Studies in Medievalism 3 (1), p.1,
1987).
“[O M]edievalismo, em sua origem e pelos primeiros cem anos, foi um movimento
inglês [...] No século XX, o medievalismo foi virtualmente retirado do campo por duas
coisas: primeiro, pela Primeira Guerra Mundial, que superou enormemente o ethos de
“cavalaria” ao qual as classes governantes da Europa tinham se comprometido
pessoalmente; e, segundamente, pelo Romantismo, um processo que eu descrevo em
meu artigo “Medievalismo e Romantismo” (SHIPPEY, Tom; UTZ, Richard. Speaking
of Medievalism: an interview with Leslie J. Workman. In: ______ (Eds.). Medievalism
in the Modern World. Essays in Honour of Leslie J. Workman. Tunrhout: Brepols,
1998, p.439-440).
“Há duas formas para que os estudos medievais possam ser didaticamente justificados
com uma importância central e consistentes na educação e cultura. Primeiro, nós
podemos dizer que a herança medieval é muito rica hoje, em um conjunto proeminente
de ideias e instituições, tais como a Igreja Católica, a universidade, a lei anglo-
americana, o governo parlamentar, o amor romântico, o heroísmo, a guerra justa, a
capacidade espiritual do „povo miúdo‟ e das elites, e o louvor das literaturas e línguas
clássicas. Que essa herança deve ser conscientemente identificada, cultivada e refinada
é um lugar comum. Em segundo lugar, nós podemos dizer menos convencionalmente
que a civilização medieval permanece, para a nossa cultura pós-moderna, como „um
outro‟ conjuntivo, a sombra intrigante, o duplo marginalmente distintivo, o
compartilhador secreto de nossos sonhos e ansiedades. Essa visão implica que as Idades
Médias são muito próximas da nossa cultura de hoje, mas exibem variações pontuais
que nos perturbam e nos forçam a questionar alguns dos nossos valores e padrões
comportamentais, assim como propor certas alternativas ou, ao menos, algumas
modificações. A diferença é relativamente pequena, mas ainda mais provocativa por
conta disso” (CANTOR, Norman. Inventing the Middle Ages. New York: Morrow,
1991, p.47).
“A filologia medieval é a manhã para um texto, o labor paciente dessa manhã. É a busca
por uma perfeição anterior que está sempre perdida, aquele momento único no qual a
voz presumida do autor está ligada à mão do primeiro escriba, ditando a autêntica,
primeira e original versão, que irá desintegrar nas mãos de numerosos e descuidados
indivíduos que copiam a literatura para o vernacular [...] A Filologia é um sistema de
pensamento burguês, paternalista e higienista sobre a família; ele acalenta a filiação,
rastreia os adúlteros e tem medo da contaminação. Este pensamento baseia-se no que
está errado (a variante sendo uma forma de comportamento desviante) e é a base para a
metodologia positiva” (CERQUIGLINI, Bernard. In Praise of the Variant. Baltimore:
Johns Hopkins University Press, 1999, p.34 e 49).
“Quais os caminhos pelos quais o estudo da Idade Média nos ensina a historicizar o
campo da teoria crítica? O que é outra forma de perguntar: em que extensão nossas
estratégias e desejos podem determinar as questões que nós colocamos e as respostas
que nós damos? Nós não podemos escapar da obrigação de clarificar nossas próprias
agendas. Nós podemos fazê-lo apenas ao reconhecer o nível pelo qual os assuntos
inquiridos permanecem em uma posição comprometedora: por outro lado, envolvidos
em uma empresa que, desde o Renascimento, tem assumido o desinteresse do
conhecimento, a objetividade da ciência filológica; por outro, participando como um ser
socialmente contextualizado em uma rede de subjetividades predeterminadas como
sexo, posição social e origem étnica” (BLOCH, Howard; NICHOLS, Stephen G.
Introduction. In: ______ (Ed.). Medievalism and the Modernist Temper. Baltimore:
Johns Hopkins University Press, 1996, p.5).
“Assim, o que significa o Novo Medievalismo? Eu vou oferecer duas versões. Primeiro,
ele significa o estudo da Idade Média à luz daquilo que os acadêmicos da literatura
chama elipticamente de „teoria‟ – isto é, as teorias literárias e culturais associadas com
pensadores como Derrida e Michel Foucault [...] Mais especificamente, o Novo
Medievalismo significa o Medievalismo pós-Moderno, o estudo da Idade Média a partir
de uma perspectiva pós-moderna conscientemente assumida, um ponto de vista que a
distingue da modernidade, ou aquilo que eu proponho chamar de Longa Renascença
(PADEN, William D. New Medievalism and Medievalism. The Year’s Work in
Medievalism 10, p.232-233, 1995).
“As Idades Médias são virtualmente únicas entre os maiores períodos ou áreas dos
estudos históricos, posto que é uma criação de estudiosos. Desde que o termo „Idade
Média‟ foi cunhado pela primeira vez por humanistas italianos, em uma de suas muitas
formas, revoluções culturais sucessivas tomaram como desejável adotar e ampliar o
termo para os seus próprios propósitos – incluo aqui o advento do Romantismo no final
do século XIX. É axiomático que cada geração tem que escrever sua própria história do
passado, e isso é especialmente verdadeiro no caso da Idade Média. Ato contínuo, temos
que o medievalismo, o estudo desse processo, é uma parte necessária do estudo da Idade
Média [...] [O M]edievalismo, preocupado com o processo em vez do produto, é uma
frutífera área ao considerar as diversas formas da crítica pós-moderna. Desde o
estabelecimento da [Revista] Estudies in Medievalism, outras formas de medievalismo,
particularmente abordagens críticas, têm surgido – na Alemanha, a Mittelalter-
Rezeption, que toma seu nome e inspiração da teoria da recepção de Hans Robert Jauss;
e, nos Estados Unidos, uma nova aproximação da Idade Média inspirada por Paul
Zumthor, derivada da obra Parler du Moyen Age [Falando da Idade Média] (1980), que
foi publicada neste país em 1986 sob o título Speaking of the Middle Ages, com uma
introdução de Eugene Vance” (WORKMAN, Leslie J. Medievalism. The Year’s Work
in Medievalism 10, p.227, 1995).
“A Idade Média tem grande apelo, na Alemanha como em outros países, cuja
civilização está ligada à tradição ocidental [...] Quem observar criticamente o trabalho
das diversas disciplinas pode ficar com a impressão que as heranças da Idade Média
desde os princípios da medievística, na primeira metade do século XIX, não foram mais
esmiuçadas e questionadas com tanta intensidade como hoje. Dois princípios reflexivos
norteiam a estrutura da problemática: a alteridade e a continuidade” (HEINZLE,
Joachim Heinzle. Einleitung: Modernes Mittelalter. In: ______ (Ed.). Modernes
Mittelalter. Frankfurt: Insel, 1994, p.9-10).
“Os métodos usados para estabelecer os estudos medievais como uma disciplina
acadêmica no século XIX são bem conhecidos e podem ser sumarizados a seguir.
Buscando uma separação e elevação dos estudos populares da cultura medieval, os
novos acadêmicos medievalistas do século XIX designaram suas práticas como
científica, influenciados pelo positivismo, e evitavam o que eles chamaram como
práticas menos-positivistas e „não-científicas‟, apelidando-as de medievalismo. Eles
isolaram e estudaram artefatos medievais dos complexos sedimentos históricos como se
eles fossem fósseis (BIDDICK, Kathleen. The shock of Medievalism. Durham: Duke
University Press, 1998, p.1-2).
“Os estudos que nós podemos definir sob a alcunha do medievalismo, onde nós
examinamos as representações do medieval ou definições do medieval, sofrem de um
curto-circuito, uma doença da causalidade, poderíamos dizer, conforme nós buscamos
considerar os efeitos de uma imagem particular do medieval e de suas causas, sejam
elas históricas, estéticas ou até mesmo cosmológicas. Mas o medievalismo oferece
potencialmente uma posição teórica mais poderosa do que aquela do Novo
Historicismo; aquele medievalismo não é sobre a definição de uma verdade sobe a
Idade Média, mas, em vez disso, sobre definir a verdade de uma Idade Média, um ponto
de impasse que é sujeito a representações através dos períodos, mídias, gêneros e
teorias. O medievalismo reconhece a estrutura ficcional da história, indo além da
simples compreensão histórica, para focar, por sua vez, em uma estrutura mítica que nos
liga à história” (GLEJZER, Richard. Medievalism and New Historicism. The Year’s
Work in Medievalism 10, p.220-221, 1995).