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Universidade Presbiteriana

Neurociência
Aplicada à
Educação e
Aprendizagem 3
módulo

Inteligência e Funções Executivas


Trilha 5 Avaliação da Inteligência,
Funções Executivas e Transtornos
Associados
Sumário

1 Introdução ao estudo da trilha de aprendizagem p. 4


2 Refletindo sobre avaliações da inteligência e das
funções executivas p. 6
3 Inteligência p. 9
4 Funções Executivas p. 18
5 Síntese p. 23
6 Referências p. 24
4
Introdução ao
estudo da trilha de
aprendizagem

Olá, pessoal! Espero que vocês estejam bem e motivados


para iniciar os estudos da trilha 5. Na trilha passada,
conhecemos os fundamentos neurobiológicos das funções
executivas. Vimos que as funções executivas não se
restringem unicamente ao córtex pré-frontal, mas que são
associadas a circuitos que partem dele e alcançam outras
áreas do cérebro. Além disso, também conhecemos como se
dá o processo de desenvolvimento das funções executivas,
do primeiro semestre de vida ao final da adolescência.

Na trilha dessa semana, retornaremos ao construto


inteligência e conheceremos os principais instrumentos
que são utilizados para avaliá-la. Veremos que alguns
instrumentos avaliam unicamente a inteligência fluida
e outros instrumentos mais completos buscam avaliar
diferentes componentes atribuídos à inteligência. Você
terá oportunidade de refletir sobre a importância de uma
avaliação de inteligência, na medida em que seus resultados
podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida
de um indivíduo, como, por exemplo, possibilitar acesso
aos benefícios da educação inclusiva. Por outro lado, mal
utilizados, resultados negativos podem se converter em
rótulos que o indivíduo carregará ao longo de sua vida. Além
da avaliação, conheceremos os principais transtornos do
desenvolvimento que são associados à inteligência.

Na segunda parte desta trilha, realizaremos o mesmo


processo com as funções executivas. Em um primeiro
momento, abordaremos a sua avaliação e veremos que,
também neste campo, há divergência entre pesquisadores
com relação aos melhores instrumentos que devem ser
5 utilizados para avaliar funções executivas. Finalizaremos a
trilha estudando mais de perto o TDAH, um dos transtornos
mais conhecidos associado a disfunções executivas.

Bons estudos e que você tenha uma ótima semana!


6
Refletindo sobre
avaliações da
inteligência e das
funções executivas

! “Quando nossas medidas de inteligência tiverem se tornado


mais precisas e as leis que governam variações no QI se
tornarem definitivamente demonstradas, então será possível
dizer que não há nada tão importante sobre um indivíduo do
que seu QI, exceto, possivelmente, sua moral; que o maior
problema educacional é determinar que tipo de educação
seria mais apropriada para cada nível de QI; que a primeira
preocupação de uma nação deveria ser a média de QI de
seus cidadãos e as influência eugênicas e disgênicas que
são capazes de aumentar ou diminuir aquela média; que o
grande teste para a democracia é como se ajustar para as
grandes diferenças de QI que podem ser demonstradas
entre os membros de qualquer raça ou nacionalidade”
(TERMAN, 1922).

Esta afirmação do revisor do teste Stanford-Binet reflete tanto


a promessa quanto a controvérsia que tem historicamente
cercado as avaliações de inteligência. Na trilha 1, quando
estudamos sobre os conceitos e modelos de inteligência,
vimos como ao longo do século XX as avaliações de
inteligência prestaram diferentes serviços e ainda prestam.

+ Para retomarmos o tema da inteligência e “aquecermos”


nossos neurônios sobre as discussões a respeito da
utilização dos testes de inteligência, assista ao vídeo
intitulado “The dark history of IQ tests”, de Stefan C.
Dombrowski, disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=W2bKaw2AJxs.
7 Na primeira parte do vídeo, você viu que o teste de QI teve
origem no início do século XX, na França, com o objetivo
de detectar crianças que enfrentavam dificuldades de
aprendizagem na escola para ajudá-las a superar este
problema. No entanto, este teste acabou sendo utilizado
para categorizar pessoas em mais inteligentes e menos
inteligentes, chegando ao ponto de se querer “provar” que
certas raças eram melhores do que outras. Resumindo, o
teste fugiu de seus propósitos originais. O vídeo conclui
dizendo que não há nada de errado com os testes de
inteligência, eles fazem um bom trabalho avaliando as
habilidades de raciocínio e resolução de problemas, mas isso
não é a mesma coisa que medir o potencial de alguém.

Queremos iniciar a abordagem da avaliação da inteligência


com a reflexão a respeito dos caminhos que os seus
resultados poderão seguir, dependendo da forma como
forem utilizados. Bem utilizados, esses resultados poderão
trazer contribuições positivas para a vida do indivíduo
como, por exemplo, obter o direito de ser amparado pela lei
da inclusão. Mal utilizados, os resultados de uma avaliação
podem converter-se em um rótulo “carimbado” na testa do
indivíduo, que será por ele carregado pelo resto de sua vida,
influindo diretamente em sua autoimagem, autoestima e,
consequentemente, no seu destino.

Não é somente a avaliação da inteligência e seus usos


que provocam polêmica e reflexão. Também as formas
de avaliação das funções executivas e sua utilização na
elaboração de diagnósticos clínicos como, por exemplo, nos
transtornos do desenvolvimento, não obtêm consenso entre
os pesquisadores e clínicos.

+ Para introduzi-lo nesse assunto, convido você para assistir à


parte introdutória de uma aula sobre a avaliação das funções
executivas, ministrada pelo Dr. Malloy-Diniz (assista do
início até o minuto 20), disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=JGUikoJDO0o&t=1211s.
8 Neste vídeo, vimos a exposição de duras críticas de Russel
Barkley, um dos mais reconhecidos experts em TDAH, sobre
as formas de avaliação que vêm sendo tradicionalmente
feitas com os testes clássicos de desempenho das funções
executivas para o diagnóstico de TDAH (BARKLEY, 2019).
Para Barkley, os testes clássicos de desempenho são pouco
eficientes, frágeis e não têm validade ecológica para o
estabelecimento do diagnóstico de TDAH. Barkley defende
a utilização de escalas, inventários e/ou questionários
de autopreenchimento por apresentarem maior validade
ecológica. No entanto, muitas avaliações neuropsicológicas
baseiam fortemente seus diagnósticos clínicos e estabelecem
programas de intervenção baseados nos resultados de testes
de desempenho!

O estudo desta trilha trará elementos para que você possa


refletir e pensar com propriedade sobre os prós e contras
dos diferentes tipos de avaliação.

Vamos começar?
9
Inteligência

Avaliação da Inteligência

! Existe uma variedade de ferramentas para avaliar a


inteligência de crianças, adolescentes e adultos. O objetivo
central das avaliações é compreender o perfil cognitivo
de uma pessoa e compará-lo aos resultados das demais
crianças, adolescentes e/ou adultos de sua idade.

Os testes de inteligência são utilizados em avaliações


psicológicas em diversas áreas. Na área educacional,
são utilizados para avaliação, acompanhamento e
encaminhamento de crianças e adolescentes com
dificuldades de aprendizagem, assim como avaliações de
possíveis deficiências intelectuais ou superdotação. Na
área do trabalho, avaliações de inteligência são utilizadas
nos processos seletivos, de orientação e reorientação
profissional. Na área clínica, estes testes são utilizados nas
saúdes pública e privada. Finalmente, a área jurídica também
busca apoio nos resultados de testes psicológicos para a
tomada de decisão e resolução de conflitos (ALVES et al.,
2016).

Uma revisão da literatura científica de 2005 a 2014 com


objetivo de mapear o conhecimento sobre as avaliações
de inteligência no Brasil (ALVES et al., 2016) mostrou que
34,3% do total de testes de inteligência mais estudados
pertenciam às Escalas Wechsler. Os testes psicológicos que
avaliam inteligência a partir do fator g também representaram
34,3% do total, ou seja, 33 estudos investigaram os testes
Raven, R-1, R-2, G-36, TONI- 3, BPR-5 (Bateria de Provas
de Raciocínio), RIn (Teste Inferencial de Raciocínio) ou TCR
(Teste Conciso de Raciocínio). Entre este grupo de testes, as
Matrizes Progressivas de Raven se destacaram, reforçando
a utilidade da teoria bifatorial de Spearman na prática da
10 avaliação da inteligência no Brasil. Finalmente, entre os testes
mais estudados para crianças, esteve o Desenho da Figura
Humana para avaliação intelectual (avaliado por escalas
diferentes: DFH-III, Goodenough-Harris e Koppitz) e a Escala
de Maturidade Mental Colúmbia (CMMS).

É importante ressaltar que nestas pesquisas, a avaliação


da inteligência foi complementada ou complementou
outras avaliações (neuropsicológicas, psicodiagnósticas,
fonoaudiológicas etc.).

Exemplos de Instrumentos Comumente Utilizados para


Avaliação da Inteligência no Brasil

•  Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 4ª


Edição (WISC-IV)

Figura 1 - WISC-IV.
Fonte: PEARSON
(2021).

O WISC-IV é um instrumento clínico considerado padrão-


ouro no Brasil, de aplicação individual, que enfatiza a natureza
multidimensional da inteligência e tem como objetivo avaliar
a capacidade intelectual das crianças e o processo de
resolução de problemas. Abrange a faixa etária de 6 anos e 0
meses a 16 anos e 11 meses.

Este teste é composto por 15 subtestes, sendo 10


considerados essenciais e 5 opcionais. Os 10 subtestes
11 essenciais abrangem os seguintes fatores específicos de
inteligência:
•  Fator inteligência cristalizada: subtestes Informação
(IN), Semelhanças (SM), Vocabulário (VC) e Compreensão
(CO);
•  Fator conhecimento quantitativo: subteste
Aritmética (AR);
•  Fator memória operacional: subtestes Dígitos (DG) e
Sequência de Números e Letras (SNL);
•  Processamento visual: subtestes Cubos e Completar
Figuras;
•  Velocidade de Processamento: subtestes Código
(CD), Procurar Símbolos (PS) e Cancelamento (CA);
•  Inteligência fluida: Raciocínio Matricial (RM).

Para os resultados, além do QI Total, o WISC-IV dispõe de


quatro índices: Índice de Compreensão Verbal, Índice de
Organização Perceptual, Índice de Memória Operacional e
Índice de Velocidade de Processamento.

•  CPM RAVEN - Matrizes Progressivas Coloridas de


Raven

Outras formas:
•  CPM RAVEN – Matrizes Progressivas de Raven -
Escala Geral;
•  CPM RAVEN – Matrizes Progressivas de Raven -
Escala Avançada.

Figura 2 - CPM-
RAVEN. Fonte:
PEARSON (2021).
12 As Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (CPM) têm por
objetivo mensurar a inteligência de crianças (Fator g). Além
disso, fornecem informações sobre a habilidade das crianças
para gerar novos insights, ou seja, ir além da informação dada
para perceber o que não é imediatamente óbvio. Os testes
de Raven também são considerados padrão-ouro mundial
para avaliação da inteligência. O público-alvo das Matrizes
Progressivas Coloridas abrange crianças de entre 5 a 11 anos
de idade.

O teste possui 36 figuras, divididas em três séries de 12 itens


cada, arroladas em dificuldade crescente dentro de cada
série e entre as séries. Em cada figura falta uma parte que
deve ser completada. Ao participante, são apresentados
seis encaixes como alternativas de solução e ele precisa
escolher um deles. Para completar corretamente a figura,
o participante tem que solucionar o problema que a figura
implica. O problema envolvido nas várias figuras varia de
natureza: percepção de diferença, similaridade, identidade,
mudança, simetria, orientação e complementação da Gestalt
(PASQUALI; WECHSLER; BENSUSAN, 2002).

•  Colúmbia – Escala de maturidade mental – CMMS

Figura 3 - Colúmbia.
Fonte: PEARSON
(2021).

A Escala de Maturidade Mental Colúmbia – CMMS fornece


uma estimativa da capacidade de raciocínio geral de
crianças (3 anos e 6 meses a 9 anos e 11 meses). Ela avalia
13 as capacidades que são importantes para o sucesso na
escola, principalmente, as capacidades para discernir as
relações entre os vários tipos de símbolos. Seus 92 itens de
classificação pictóricos e figurativos estão organizados em
uma série de oito escalas ou níveis sobrepostos. Cada criança
realiza apenas um segmento do teste, aquele correspondente
ao nível mais adequado para sua idade cronológica. Por não
depender da leitura ou de outras habilidades da linguagem,
também é adequado para crianças que não falam a língua
portuguesa ou que não tiveram as habilidades de linguagem
desenvolvidas.

Transtornos do Desenvolvimento Associados à


Inteligência

Transtornos do Desenvolvimento são definidos como


condições nas quais existem alterações no desenvolvimento
normal de habilidades cognitivas, motoras, sensoriais e/ou
comportamentais. Eles têm início na infância e se prolongam
ao longo da vida do indivíduo (SEABRA et al., 2014). A
avaliação da inteligência em indivíduos que apresentam
transtornos do desenvolvimento é muito importante para
o estabelecimento de diagnósticos, perfis cognitivos e
planejamento das intervenções que poderão ser utilizadas.
Na verdade, o funcionamento intelectual é critério para a
existência ou não de determinados quadros. Podemos citar
como exemplo os Transtornos de Aprendizagem e o TDAH.
Quando for constatada deficiência intelectual, a hipótese
desses transtornos deverá ser excluída.

a.  Deficiência Intelectual

Prevalência da DI na população de 2 a 3%, sendo que:


•  85% deficiência leve;
•  10% deficiência moderada;
•  3 a 4% severa;
•  1 a 2% profunda (WALKER & JOHNSON, 2006).
14 Causas:
•  50% da variância no QI é relacionada a aspectos
genéticos;
•  intercorrências pré-natais;
•  abuso de substâncias por parte da mãe no período
pré-natal;
•  causas pós-natais (convulsões, nutrição inadequada,
infecções e traumatismos cranioencefálicos) (WALKER &
JOHNSON, 2006).

Critérios diagnósticos:
i.  Atraso no funcionamento intelectual
Avaliação da Inteligência na DI: na avaliação da DI, o
critério para o déficit se caracteriza por um QI com dois
desvios padrão menor do que 70 (considerado limítrofe)
em testes cuja média é 100 e o desvio-padrão é igual a 15
(APA, 2013). Ou seja, QI menor ou igual a 40. Entretanto, a
avaliação da inteligência não se resume à identificação de
déficits. A partir dos resultados obtidos nos instrumentos
de avaliação, deve-se também apontar as habilidades
preservadas do indivíduo. Na verdade, essas habilidades
irão nortear o planejamento das atividades de intervenção
que deverão ser realizadas;
ii.  Dificuldade na funcionalidade
Além do funcionamento intelectual, existe um segundo
critério para o diagnóstico da deficiência intelectual. Esse
critério corresponde à avaliação da funcionalidade ou do
comportamento adaptativo. O instrumento mais utilizado
para esta avaliação é a Vineland Adaptative Behavior
Scale, já na segunda versão, Vineland II (SPARROW;
CICHETTI; BALLA, 2005). Esta escala permite medir
déficits em quatro grandes domínios do comportamento
adaptativo:
1.  Comunicação receptiva, expressiva e escrita;
2.  Habilidades de vida diária, pessoais, em casa e na
comunidade;
3.  Habilidades sociais, relacionamentos interpessoais,
habilidades para brincar e lazer;
4.  Coordenação motora grossa e fina.
15 Através desta escala, podemos verificar qual é a fase do
desenvolvimento em idade e meses em que a criança/
adolescente se encontra para cada habilidade específica.
O questionário é realizado com os cuidadores e as
respostas são dadas em função da frequência com que
a criança/adolescente apresenta o comportamento
(SEABRA et al., 2014).

b.  Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)

Critérios diagnósticos:
•  inabilidade persistente na comunicação social,
manifestada em déficits na reciprocidade emocional e
nos comportamentos não verbais de comunicação usuais
para a interação social;
•  padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses ou atividade, manifestados por movimentos,
falas e manipulação de objetos de forma repetitiva e/ou
estereotipada, insistência na rotina, rituais verbais ou
não verbais, inflexibilidade a mudanças, padrões rígidos
de comportamento e pensamento; interesses restritos e
fixos com intensidade; hiper ou hipo atividade em relação
a estímulos sensoriais;
•  os sintomas devem estar presentes no período
de desenvolvimento, em fase precoce da infância,
mas podem se manifestar com o tempo conforme as
demandas sociais excedam as capacidades limitadas;
•  todos esses sintomas causam prejuízos significativos
no funcionamento social, profissional e em outras áreas
da vida da pessoa com TEA (DSM-V).

TEA e Inteligência:
Um estudo de Munson e colaboradores (2008) mostrou a
existência de quatro subgrupos de crianças com TEA, de
2 anos a 5 anos e 6 meses, a partir das diferenças no perfil
cognitivo. Este estudo utilizou a Escala de Mullen para a
identificação dos perfis cognitivos.
•  Grupo 1: Deficiência intelectual severa (59%): prejuízos
severos nas habilidades verbais e não verbais, com
escores muito abaixo dos esperados;
16 •  Grupo 2: Grandes discrepâncias entre habilidades
verbais e não verbais, com maior prejuízo nas habilidades
verbais (12,5%);
•  Grupo 3: Prejuízo leve a moderado em ambas as
habilidades (21,7%);
•  Grupo 4: Desempenho médio em todas as habilidades
(7%).

Na escala de Vineland, o estudo mostrou um aumento


progressivo do grupo 1 ao 4 dos escores em medidas de
comportamento adaptativo nos domínios de comunicação e
socialização. Entretanto, não houve diferença entre os grupos
3 e 4.

De acordo com Seabra e colaboradores (2014), no WISC, são


constatadas as seguintes diferenças:
i.  Habilidades verbais:
•  crianças com TEA a partir dos 6 anos apresentam
maior facilidade para tarefas que requerem memória de
curto prazo;
•  as maiores dificuldades são apresentadas no
subteste de Compreensão, que avalia a capacidade
do indivíduo de exprimir suas experiências, a partir do
conhecimento de regras e relacionamentos sociais.
ii.  Habilidades Não-Verbais:
•  Maiores dificuldades são apresentadas nos
subtestes Código (exige capacidade de associar
números a símbolos e velocidade de processamento)
e Arranjo de Figuras (exige capacidade de análise
perceptiva, bem como integração de um conjunto de
informações em sequência lógica);
•  Subteste Cubos: indivíduos com TEA apresentam
maiores pontuações, inclusive comparados a
indivíduos sem transtorno.

c.  Síndrome de Down

Indivíduos com Síndrome de Down apresentam as habilidades


verbais e sociais relativamente preservadas. Os maiores
17 prejuízos são encontrados nas habilidades viso-espaciais,
especialmente na capacidade geral de processamento
espacial das informações (BELLUGI et al., 2000).

Síndrome de Down e Habilidades Cognitivas:


Crianças com Síndrome de Down (SEABRA et al., 2014);
•  70 a 75% apresentam QI entre 20 e 50;
•  apresentam pontuações inferiores em vocabulário
receptivo e memória de trabalho verbal;
•  prejuízos na velocidade perceptual e na consolidação
da informação para a memória de longo prazo;
•  melhor desempenho em tarefas de processamento
visual e pior desempenho em tarefas de processamento
verbal.
18
Funções Executivas

Avaliação das Funções Executivas

Assim como há controvérsias em relação à sua definição


e número de componentes, também há controvérsias
em relação à forma mais adequada para avaliar funções
executivas. Existem diferentes fatores complicadores
nesta questão. O primeiro deles é apontado por Miayke
e Friedman (2012), quando afirmam que uma das maiores
dificuldades na avaliação das funções executivas se relaciona
ao fato de que grande parte das tarefas nos instrumentos de
avaliação envolvem processos executivos e não executivos.
Tomemos como exemplo o teste clínico Stroop. Para realizar
as tarefas desse teste, o indivíduo necessita dispor de
habilidades linguísticas para nomear cores, habilidade esta
que não é alvo de testagem no Stroop. Assim, fica difícil
afirmar com segurança se dificuldades encontradas na
execução do Stroop referem-se às funções executivas ou a
dificuldades da função linguística (FLOR, 2020).

Uma segunda dificuldade relaciona-se ao contexto e à forma


como os testes clínicos costumam ser aplicados. Estes testes
utilizam procedimentos padronizados, administrados por um
avaliador e, normalmente, mensuram a precisão e/ou o tempo
de resposta em um laboratório. Dizemos que estas condições
constituem um ambiente não-ecológico, muito diferente dos
ambientes onde o indivíduo vive e utiliza as suas funções
executivas, com dezenas de variáveis ambientais simultâneas
que podem tirar a sua atenção. Para Barkley (2012), estes
testes não possuem validade ecológica. Além disso, também
argumenta que a maioria dos indivíduos com diagnóstico de
TDAH não mostram prejuízos nos testes clínicos de FE.

Para buscar contornar estas dificuldades, existem


instrumentos de avaliação em forma de questionários,
19 inventários ou escalas. Tais instrumentos avaliam as FE
baseadas no relato de um informante, que pode ser os pais,
professores ou o próprio indivíduo, sobre as dificuldades
observadas no comportamento do indivíduo em atividades
cotidianas (TOPLAK; WEST; STANOVICH, 2013). Ainda que
não possuam a precisão de um laboratório, porque são
baseados em relatos, estes instrumentos têm se mostrado
mais confiáveis para a avaliação das funções executivas,
especialmente no contexto das avaliações clínicas.

Exemplos de Instrumentos de Avaliação das Funções


Executivas

•  Testes Clínicos ou de Desempenho

a.  Stroop

O teste Stroop é composto por três partes, apresentado em


três lâminas diferentes. Na primeira lâmina, apresentam-se
pequenos retângulos coloridos e a tarefa é simplesmente
nomear as cores. Na segunda lâmina, apresenta-se uma
série de palavras simples, impressas em cores congruentes.
O participante deve ler as palavras e o tempo é medido. Na
última lâmina, os estímulos são nomes de cor impressos em
cor incongruente. O participante precisa inibir o que está
lendo e falar o nome da cor.

A tarefa de leitura de palavras dá uma indicação da fluência


de leitura e serve para estabelecer um ponto de comparação
para a eficácia da performance relativamente à tarefa de
nomeação de cor. O fato de haver uma incongruência entre
o nome da palavra e a cor da tinta provoca um efeito de
interferência na nomeação da cor. Esta interferência é o efeito
de Stroop.

b.  Wisconsin

WCST é um teste que avalia as funções executivas. Nele,


o participante necessita da habilidade de flexibilidade
20 do pensamento para gerar estratégias para solução de
problemas com base no feedback do avaliador. É composto
de dois baralhos idênticos com 64 cartas cada e quatro
cartas-estímulo, fornecendo escores quanto aos acertos,
assim como apontando fontes de dificuldade nas tarefas.
As cartas apresentam figuras que possuem três tipos de
configuração: Cor, Forma e Número.

Na administração do teste, quatro cartas-estímulo são


dispostas na frente do participante, que é avisado que o
aplicador não pode dizer muito em relação ao que deve ser
feito, apenas que ele deve retirar uma carta do baralho de
resposta e associá-la a uma das quatro cartas-estímulo,
posicionando-a embaixo. Será informado apenas se a
associação foi correta ou errada, antes de o cliente pegar
a próxima carta. A configuração inicial apresentada pelo
avaliador é Cor. Assim, ele dirá que a resposta foi correta toda
vez que o participante associar a carta retirada com as cartas-
estímulo pela cor. Após 10 respostas consecutivas corretas,
o examinador passará a dizer como correta as associações
de forma e os outros critérios do teste, assim por diante
(MIGUEL, 2005).

•  Inventários, Escalas ou Questionários

a.  Behavior Rating Inventory of Executive


Function (BRIEF)

O BRIEF – Versão Pais e Versão Professores é uma escala


desenvolvida por Gioia e colaboradores (2000), cujo objetivo
é avaliar as funções executivas. O instrumento apresenta-
se como um questionário com 86 questões que avalia o
comportamento das FE em casa (versão pais) e no ambiente
escolar (versão professores), devendo ser respondido pelos
pais e professores dos participantes. Cada informante deve
graduar qual a frequência com que a criança ou adolescente
apresenta determinado comportamento, usando uma escala
likert com as opções: “nunca é um problema”, “às vezes é um
problema” e “constantemente é um problema”.
21 As subescalas do BRIEF são: Inibição, Flexibilidade, Controle
Emocional, Iniciativa, Memória Operacional, Planejamento/
Organização, Monitoramento, Monitoramento da Tarefa e
Organização do material (FLOR, 2020).

Transtornos do Desenvolvimento Associados às Funções


Executivas

Como já vimos anteriormente, as funções executivas são


habilidades de alta complexidade cognitiva. Expressões
cognitivas e comportamentais de alterações no
funcionamento executivo aparecem em vários transtornos do
desenvolvimento, como, por exemplo, TDAH, TEA, Deficiência
Intelectual e Transtornos de Aprendizagem (SEABRA et al.,
2014). Abordaremos um desses exemplos nesta seção, o
TDAH.

•  Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

! Para abordarmos este tema, convido você a assistir


a um vídeo sobre o TDAH e a neurociência, que além
de informações importantes sobre o transtorno, trará
depoimentos interessantes de um casal adulto e letrado
diagnosticado com TDAH, disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=CniuZ0sQPeA.

O vídeo nos mostrou que existem três diferentes tipos de


TDAH:
1.  predominantemente desatento, cujos sintomas mais
importantes são distração e esquecimento;
2.  predominantemente hiperativo-impulsivo, cujos
sintomas predominantes são inquietação e impulsividade;
3.  misto: desatento e hiperativo/impulsivo.

Vimos também que o TDAH afeta em torno de 5% da


população e seus sintomas começam a aparecer entre 3
a 6 anos de idade, podendo continuar até a vida adulta. A
maioria dos sintomas estão relacionados a comportamentos
direcionados a objetivos: prestar atenção, manter o foco e
22 concluir as tarefas iniciadas. As causas do TDAH ainda
não estão claramente estabelecidas, mas já se sabe
que há um componente genético importante. Estudos
baseados nos bancos de dados do genoma humano indicam
uma associação entre os genes envolvidos na transmissão
do neurotransmissor dopamina e TDAH. A maioria dos
sintomas parece estar relacionada a comunicações do lobo
pré-frontal, que é o centro executivo do cérebro e as regiões
responsáveis pela coordenação de comportamentos variados.
Como forma de intervenção, a terapia comportamental pode
ser eficaz nos casos brandos a moderados. Também pode-
se tratar TDAH via medicamentos. Entretanto, apesar de
mostrar-se eficaz em muitos casos, este tipo de tratamento é
controverso, especialmente no caso de crianças.

Além das informações sobre o TDAH, este vídeo nos


possibilita refletir sobre este transtorno, tão divulgado pelos
meios de comunicação. Iniciamos esta trilha propondo
reflexões sobre as avaliações e vamos conclui-la convidando
você a tecer reflexões a respeito do TDAH:
1.  o vídeo nos informa que há uma razão de haver 3
meninos diagnosticados para 1 menina com TDAH.
Outras estatísticas (DSM-5) apontam números
diferentes: 2 meninos para 1 menina. Mesmo diferentes,
ambas as estatísticas mostram que há mais meninos
diagnosticados do que meninas. Seria o TDAH um
transtorno masculino? Será que as meninas estão
subdiagnosticadas? O que você pensa disso?
2.  estamos acostumados a ver crianças e adolescentes
com TDAH. No entanto, o vídeo traz um casal adulto,
letrado, falando sobre as dificuldades que eles enfrentam
com o transtorno. Você conhece outros adultos com
características semelhantes mas que nunca imaginaram
que poderiam ter TDAH?
3.  o que você pensa sobre a utilização da medicação no
tratamento de TDAH?
23
Síntese

Vimos no transcorrer do estudo dessa trilha que avaliar


inteligência e funções executivas é tarefa complexa e
de muita responsabilidade. Diagnósticos tecidos por
especialistas podem acompanhar um indivíduo ao longo de
sua vida, daí a necessidade de fazer a escolha mais adequada
dos instrumentos que avaliarão a inteligência e dos demais
instrumentos que farão parte da avaliação, como a entrevista,
anamnese, informações sobre o desempenho acadêmico e
testes que avaliarão outras funções cognitivas. Em posse
desse conjunto de informações é que o especialista tecerá o
diagnóstico com mais propriedade e segurança.

Nesta trilha, tivemos oportunidade de conhecer aspectos


clínicos e exemplos de testes utilizados para avaliar a
inteligência e funções executivas. Também conhecemos
alguns transtornos do desenvolvimento associados a elas.
Nas próximas trilhas, teremos oportunidade de estudar como
podemos promover essas funções cognitivas, os programas
de intervenção que têm mostrado eficácia baseados
em evidência e, finalmente, como inteligência e funções
executivas estão relacionadas ao desempenho escolar. Mas
isso é assunto para as próximas semanas. Então... Até lá!
24
Referências

ALVES, I. C. B. et al. Avaliação da inteligência: revisão


de literatura de 2005 a 2014. Avaliação Psicológica,
Interamerican Journal of Psychological Assessment, v.
15, n. 2, p. 89-97, 2016.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Diagnostic


and Statistical Manual of mental disorders – DSM-V.
Washington: APA, 2013.

BARKLEY, R. A. Executive functions: What they are, how


they work, and why they evolved. Guilford Press, 2012.

BARKLEY, R. A. Neuropsychological testing is not useful in the


diagnosis of ADHD: Stop it (or prove it)!. The ADHD Report,
v. 27, n. 2, p. 1-8, 2019.

BELLUGI, U. et al. The neurocognitive profile of Williams


Syndrome: a complex pattern of strengths and weaknesses.
Journal of cognitive neuroscience, v. 12, n. Supplement 1, p.
7-29, 2000.

DOMBROWSKI, S. C. The dark history of IQ tests. TED-


Ed, 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=W2bKaw2AJxs>. Acesso em: 22 ago. 2021.

FLOR, C. M. Desenvolvimento e investigação da eficácia


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