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AULA 13
“PROBLEMAS DO MAL”
Pela nossa experiência podemos constatar que em todos os lado existe sofrimento.
Apesar de nos parecer que o mundo tem melhorado com o tempo, particularmente através de
um controlo mais seguro sobre a natureza (em termos de evitar fome etc.) a verdade é que
não vivemos numa utopia.
Todos, ou quase todos nós desejamos o fim destas atrocidades, e se tivéssemos a capacidade
de remover este mal fá-lo-íamos sem pensar duas vezes. Se tivéssemos esse poder, o mal e a
miséria desapareceriam imediatamente.
No entanto muitos acreditam que existe esse alguém que não só tem o desejo, mas também o
conhecimento e o poder para remover o mal e o sofrimento do mundo para sempre.
Para a maior parte dos Teístas existe um Deus que é todo-poderoso, omnisciente, e
completamente bom. Se este ser existe então poderia destruír o mal e o sofrimento.
David Hume explica o problema: “Deus quer prevenir o mal mas não é capaz? Então é
impotente. É capaz mas não quer? Então é maléfico. É capaz e quer? Então porque existe o
mal?”
CLASSIFICANDO O MAL
Algumas palavras são fáceis de perceber mas quase impossíveis de definir. Isto acontece por
exemplo com a palavra “jogo”. Apesar de não termos problemas em distinguir o que é e não
é um jogo, chegar a uma definição que inclua apenas jogos e mais nenhuma actividade é
praticamente impossível. O mesmo acontece com o termo “Mal”.
Apesar de várias definições para a palavra terem sido oferecidas ao longo dos séculos, a
verdade é que ainda hoje continua o debate sobre como definir a palavra.
Vamos, portanto, ver exemplos daquilo que é considerado o mal, em vez de utilizarmos uma
definição formal.
Alguns exemplos incluem: Catástrofes naturais como terramotos, furacões, fogos florestais
nos quais vidas inocentes são perdidas; sofrimento e dor intensa como uma criança ser
espancada até à morte por um inimigo tribal bárbaro, uma mulher grávida a morrer de
cancro, uma zebra a ser comida viva por um leão; deficiências físicas ou emocionais como
nascer com lábio leporino, ou sofrer de esquizofrenia, ou experiênciar um fraquejar da força
de vontade num momento crucial etc.
John Hick explica a diferença: “O mal moral é o que nós, seres humanos, originamos:
pensamentos e acções internas ao nosso ser que são cruéis, injustas, perversas. O mal natural
é o mal que nasce independente de acções humanas: em doenças, terramotos, tempestades,
secas, tornados etc.”
O mal moral tem um agente moral, que é moralmente responsável por um certo acto,
enquanto o mal natural não tem esse agente responsável.
MAL GRATUITO
Numa floresta distante um relâmpago atinge uma árvore morta, o que resulta num fogo
florestal. Uma corça fica presa neste fogo, e é horrivelmente queimada, ficando deitada
numa agonia terrível durante dias, até a morte aliviar o seu sofrimento.
Pelo que podemos ver o sofrimento intenso da corça parece-nos sem qualquer propósito.
Não parece existir nenhum bem maior que seja servido pelo prolongamento do sofrimento.
A prevenção do sofrimento da corça não parece impedir um bem maior ou a ocorrência de
um mal igual ou pior.
Nem nos parece que exista um mal igualmente mau ou pior de tal forma ligado ao
sofrimento da corça que teria de ocorrer se este sofrimento fosse prevenido.
Não poderia um ser omnipotente e omnisciente ter prevenido este sofrimento aparentemente
sem propósito?
Teístas ou ateus todos concordamos que se esse Deus existe teria o poder de parar o
sofrimento. Salvando a corça ou deixando-a morrer mais depressa.
Visto que o sofrimento intenso da corça era prevenível e, pelo que sabemos, sem propósito,
não nos parece que existem casos de sofrimento intenso que um ser omnipotente e
omnisciente poderia prevenir sem perder um bem maior ou permitir um mal maior?
MAL HORRENDO
Em 1986 no ano novo, uma pequena rapariga de 5 anos foi espancada, violada e depois
estrangulada em Flint, no Michigan.
A mãe da criança vivia com o namorado, outro homem desempregado e três crianças.
Na noite de ano novo os 3 adultos foram beber para um bar perto de casa.
O namorado, que tinha tomado drogas e estando bastante embriagado foi expulso do bar às
20.00. Após reaparecer várias vezes saiu finalmente do bar às 21.30.
A mulher e o homem desempregado ficaram no bar até às 2.00, nessa altura a mulher foi
para casa e o desempregado foi para uma festa em casa de um vizinho.
Possívelmente por ter ciúmes o namorado atacou a mulher quando esta entrou em casa. O
irmão dela intreviu batendo no namorado e deixando-o desmaiado em cima de uma mesa.
Mais tarde o namorado atacou a mulher outra vez e desta vez ela atingiu-o de forma a ele
ficar inconsciente. Verificou que as crianças estavam bem e foi-se deitar.
O desempregado disse em tribunal que quando chegou a casa às 3.45 da manhã encontrou a
rapariga morta.
O namorado foi ilibado do crime porque o seu advogado conseguiu lançar dúvidas sobre a
inocência do homem desempregado.
No entanto a rapariga foi violada, espancada em todo o corpo e estrangulada por um desses
homens nessa noite.
PROBLEMAS TEÓRICOS DO MAL
A maior parte dos problemas do mal nascem devido a duas crenças: (1) Deus, um ser
omnipotente, omnisciente e omnibenevolente existe, e (2) o mal – nas suas várias
manifestações existe.
Parece existir uma inconsistência com o acreditar nestes dois pontos. O argumento pode ser
sumarizado da seguinte forma:
Uma resposta é dizer que o problema lógico do mal não funciona porque para funcionar tem
de ser demonstrado que Deus não tem uma razão moralmente boa para deixar que um mal
particular exista.
Podemos imaginar casos em que um mal tem de acontecer para que possa acontecer outro
bem.
Por exemplo não podemos fazer alguns bens (como perdoar ou arrepender-nos) sem que
exista um mal prévio.
É possível que Deus, mesmo sendo omnipotente, não pudesse criar um mundo com criaturas
livres que nunca escolhessem o mal.
Para além disto é possível que Deus, mesmo sendo omnibenevolente, possa desejar um
mundo em que existe o mal se o bem moral exige criaturas moralmente livres.
Alvin Plantinga explica: “Um mundo contendo criaturas que são significativamente livres (e
fazem mais bem do que mal livremente) é mais valioso, do que um mundo que não contenha
criaturas livres. Deus pode criar criaturas livres mas não pode causar ou determiná-las a
fazer apenas o que é correcto. Pois se o faz deixam de ser significativamente livres, não
fazem o que está certo livremente. “
Para o bem moral existir de uma forma livre tem de existir também o mal moral.
Em resposta filósofos ateus como J.L. Mackie dizem que o que Plantinga propõe pressupõe
uma visão incompatibilista do livre arbítrio (onde o livre arbítrio é incompatível com o
determinismo), mas que seria possível uma visão compatibilista em que Deus poderia criar
criaturas livres que não fazem o mal podendo determinar cada uma das suas acções.
No entanto a maior parte dos filósofos aceitam que a defesa do livre arbítrio resolve o
problema lógico do mal.
Não responde no entanto ao problema do mal natural, que não advêm de escolhas livres.
Pelo que Plantinga responde que é possível que seres livres e não humanos (espíritos
rebeldes ou anjos caídos) sejam responsáveis pelos males naturais. Visto que isto é uma
possibilidade lógica o problema lógico caí por terra.
O PROBLEMA EVIDENCIAL DO MAL.
Outro tipo de argumento que tenta mostrar que a existência do mal conta contra a crença
racional em Deus é o problema evidencial do mal, também chamado de problema
probabilístico do mal.
Ao contrário da conclusão do problema lógico do mal, este argumento conclui dizendo que é
improvável que Deus exista em vez de que é necessáriamente verdade que Deus não existe.
Plantinga responde a este argumento dizendo que não é um argumento são, pois incorpora o
que ele chama “Lapso de Leibniz”.
Não depende apenas de Deus que mundo existe, depende igualmente do presidente, se o
mundo é M ou M1. E Deus não pode fazer um mundo diferente.
Se o presidente decide destruir os documentos e criar o mundo M Deus não pode fazer com
que o mundo seja M1, mantendo o livre arbítrio do presidente.
Outra resposta diz que é impossível que exista o mundo melhor possível. Por muito bom que
seja o mundo podemos sempre imaginar algo melhor.
Por exemplo se as maçãs forem todas perfeitas podemos imaginar mais uma maçã perfeita.
Em resposta pode-se dizer que lá por podermos imaginar este cenário não quer dizer que
possa metafísicamente acontecer. Podem existir razões pelas quais mais uma coisa boa não
faz um mundo melhor do que já é.
Uma objecção ao argumento de Rowe é que visto sermos seres humanos limitados e finitos,
não estamos na posição epistémica apropriada para fazer um julgamento legítimo em relação
ao que um ser omnipotente, omnisciente e omnibenevolente pode fazer ou quer fazer em
qualquer situação.
Não podemos pois fazer julgamentos morais sobre Deus devido às nossas limitações.
Objecção 2: Deus pode usar o mal e o sofrimento para o nosso bem maior.
Uma segunda objecção diz que pode não existir mal nem gratuito nem horrendo, como
definidos atrás. Por exemplo, Deus deixar que a dor exista de forma a dar uma oportunidade
de mostrar fé genuína ou promover a maturidade do sofredor.
Segundo o teísmo aberto de que falámos numa aula anterior a omnipotência ou omnisciência
de Deus não evitam a existência do mal, mesmo do mal gratuito, visto que a contingência é
parte do universo.
O futuro está em aberto, ou melhor, não existe, e como tal os agentes livres podem
livremente escolher entre o bem e o mal, sem que Deus possa intreferir.
Não é fácil de definir, mas simplesmente é a noção de que certas espécies de mal levam a
uma descrença em Deus ou na religião em geral.
Por vezes acontecem males que parecem de tal forma injustos ou cruéis que se torna difícil
ou impossível para o crente continuar a ver o mundo como um mundo governado por um
Deus.
Em resposta os filósofos teístas dizem que isto não é um argumento, e que não exige uma
resposta lógica ou filosófica mas sim apoio, simpatia e amizade. Não é um problema
passível de ser resolvido filosoficamente.
TRÊS TEODICEIAS
Teodiceias são formas de explicar como Deus pode permitir a existência do mal no mundo.
E vamos examinar apenas três das mais importantes.
Esta tem sido a Teodiceia mais utilizada desde o séc. V. Tem também sido muito criticada.
Objecções
Parece haver um conflito entre a soberania divina e a bondade divina neste argumento. Se
Deus é todo-poderoso poderia criar pessoas que fossem espiritualmente santos e que
escolhessem o bem por si próprias, porque escolheram então estas pessoas pecar?
Para além disto como pode um ser omnibenevolente criar um inferno onde um sem número
de pessoas irão passar a eternidade em sofrimento e agonia?
Baseado nas ideias de Ireneu um bispo cristão do séc. II, John Hick desenvolveu uma
teodiceia que contrasta com a teodiceia de S. Agostinho.
Na teodiceia Ireneana, Deus não criou seres perfeitos que cairam no pecado mas sim seres
bons mas subdesenvolvidos que precisam de passar por dificuldades para se desenvolverem.
O mal é então um elemento necessário para o desenvolvimento das almas, sendo uma parte
da estratégia divina.
Objecções
Muita pessoas não melhoram a sua vida por viver dificuldades, em muitos casos as
dificuldades resultam em tragédia completa. Basta ver o noticiário para comprovar este
ponto.
Um defensor da Teodiceia diria que esta vida não é tudo, e Deus terá uma infinitude de
tempo para trabalhar num indivíduo que responda mal às dificuldades nesta vida.
Outra objecção é que esta parece uma forma um pouco bruta de desenvolver almas. Dizer
que todo o mal horrendo e gratuito, sofrimento e dor experiênciado na história é o resultado
de um grande plano divino parece fazer Deus menos omnipotente, omnisciente e
omnibenevolente do que a maior parte dos teístas o consideram.
A Teologia de processo acredita que tanto Deus como o homem estão num constante
processo, em vez de serem estáticos.
O poder de Deus é também persuasivo em vez de coercivo, não obriga as pessoas a fazer o
bem, apenas as orienta nesse sentido. Por vezes as pessoas fazem as escolhas erradas.
Objecções
Alguns filósofos dizem que este Deus não é assim tão diferente dos outros de teologias mais
tradicionais, que através da necessidade de livre arbítrio também têm o seu poder limitado.
Por outro lado os filósofos de processo dizem que segundo a teodiceia de S. Agostinho Deus
poderia impedir um violador de violar ou fazer com que uma bomba terrorista se avariasse.
Visto que Deus poderia fazer estas coisas mas não as faz, então o Deus omnipotente não é
bom.
No entanto os defensores do livre arbítrio dizem que livre arbítrio sem consequências não é
eficaz, portanto esta objecção é inútil.
Uma segunda objecção está relacionada com a negação da criação ex nihilo. Normalmente
os teólogos de processo dizem que o mundo é eterno. No entanto isto contraria o modelo do
Big Bang, como vimos no argumento cosmológico.
Uma objecção final é que a teodiceia de processo não parece ser uma teodiceia. Deus é
demasiado impotente para eliminar os males do mundo não tendo o conhecimento nem o
poder para tratar dos problemas.
Para além disto muitos vêm os males do mundo como estando a piorar e não a melhorar,
logo a ideia evolutiva da teodiceia de processo não funciona.
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