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Material Didático de Filosofia - Prof.

Bruna Diedrich

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA (354-430) 1

Aureliano Agostinho veio de uma família na qual seu pai era pagão e sua mãe
cristã. Nascido em uma cidade do norte da África (Tagaste), conseguiu espaço e
prestígio em Roma e Milão. Após uma crise existencial e espiritual, em 386,
converteu-se ao cristianismo. Em 395 tornou-se bispo em Hipona (norte da África),
onde ficou até sua morte. Em 430, aos 75 anos, morreu quando esta foi atacada e
saqueada. Suas principais obras são: O livre-arbítrio, Confissões e A Cidade de
Deus.
Com relação à sua Filosofia, é importante salientar sua crença anterior ao
cristianismo. Ele acreditava no maniqueísmo, uma doutrina persa que defende o
embate entre duas forças básicas (bem e mal), em uma luta infindável. Sua
interpretação das escrituras sagradas cristãs vai ser intimamente ligada a essas
concepções maniqueístas. Um dos principais problemas que ele buscou resolver é o
problema do mal, que será muito correlacionado com essa estrutura dualista, de
tensão constante e embate entre forças. Santo Agostinho foi professor
de retórica, ou seja, ensinava a arte da argumentação e persuasão. Em sua teoria,
buscava a integração da Filosofia grega e cristianismo. Em um momento anterior, a
Filosofia grega havia tanto sido perdida (através da falta de acesso aos fragmentos
originais) quanto sido proibida pela Igreja por seu potencial perigoso. Santo
Agostinho propõe essa conciliação entre fé e razão, utilizando de autores gregos e
da cultura greco-romana.
Por tal motivo, ele foi um dos principais representantes da Filosofia Patrística.
Essa linha teórica da Filosofia teve grande importância em um período de transição
entre a Antiguidade e a Idade Média. Quando, atualmente, estudamos os períodos
históricos, observamos as claras separações entre eles. Contudo, na época não era
assim, foi uma separação feita depois, para facilitar nosso estudo e nossa
compreensão. Afinal, as pessoas não acordavam e pensavam: até ontem vivi a
Idade Antiga, a partir de agora é a Idade Média. Seria um pensamento
completamente sem sentido e nexo. Portanto, é importante pensar sobre as
transições entre períodos.
A Filosofia Patrística, portanto, foi muito importante nesse momento. Não
seria possível uma simples imposição cultural e social, era preciso uma aceitação
dos dogmas e uma educação espiritual. Era necessário que, mesmo que fossem
impostos, os preceitos religiosos fizessem sentido. Essa vertente filosófica remonta
aos primeiros padres, fazendo referência ao termo ‘padre’ e ‘pai’, que fundaram as
bases filosóficas para solidificar o cristianismo.
Santo Agostinho é um desses grandes expoentes, um dos principais
representantes dessa escola. Em sua Filosofia, buscava essa conciliação entre a fé
e a razão, tendo uma grande influência da Filosofia platônica em seus escritos.
Assim como Platão, valorizava a busca introspectiva da verdade, através da
reflexão e autoconhecimento, chegando à verdade através do mundo das ideias. Por
apresentar uma desconfiança dos sentidos em sua teoria, não achava que a
verdade estaria no mundo sensível (real, acessado pelos sentidos).
1
Todos os materiais presentes foram adaptados de:
BUCKINGHAM, Will. et al. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011.
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2017.
Sua preocupação substancial era a questão do mal. Observamos que o mal
existe, simplesmente observando a nossa volta. Coisas ruins, tais como violências e
injustiças, acontecem e isso é um fato incontestável. Essa situação observacional
sempre foi possível, inclusive na Idade Média. Porém, isso gera um problema para
os filósofos medievais, principalmente os patrísticos, que precisavam defender a
Igreja Católica do paganismo.
A questão que surge é o chamado problema do mal. Suponhamos que sim,
Deus exista e sim ele criou tudo. Todavia, o mal também existe. Se Deus é bom e
perfeito, como argumentam os filósofos medievais, qual a explicação para a
existência do mal no mundo? Essa será a principal preocupação de Santo
Agostinho. Para tal, é importante analisarmos algumas teses que ele defende.

A Superioridade da Alma

Ele defendia que há uma relação entre corpo e mente (espírito) e que esta é,
necessariamente, hierárquica. O espírito (alma) é superior e deve ser dominante em
relação ao corpo, que é dominado. Essa ideia carrega consigo resquícios do
maniqueísmo, que é essa premissa de que existem forças opostas, em tensão e
conflito constantes.
Nesse caso, o indivíduo saudável e temente a Deus, segundo Santo
Agostinho, submete as paixões e desejos mundanos ao intelecto, controlando suas
ações. A alma, portanto, está em superioridade em relação ao corpo.
Para o pecador, haveria uma inversão dessa lógica. Ele permite que o corpo
(e as paixões e desejos) dominem o espírito. A estrutura saudável e natural do
homem temente à Deus está sendo quebrada, uma vez que ele não está se
esforçando para poder exercer o domínio do espírito sobre o corpo. Aqui surge um
conceito-chave para o autor: livre-arbítrio. É necessário que o ser humano possa
escolher, optar por ações moralmente boas ou más, permitindo que exerça sua
liberdade.

A Questão do Mal

A questão do mal é uma preocupação importante para Santo Agostinho. Se


Deus existe e é bom, como explicar a origem do mal e das atitudes más? Para
resolver esse problema e isentar Deus da criação do mal ele utiliza dois conceitos
importantes. O primeiro foi o livre-arbítrio. Ele constrói a seguinte estrutura
argumentativa:

1. Seres humanos são capazes de raciocinar.


2. Criaturas racionais necessariamente são capazes de raciocínio (por definição)
e, portanto, de escolhas.
3. Se somos seres racionais e capazes de escolhas (Aceitação de 1 e 2), temos
livre-arbítrio.
4. Se temos o livre arbítrio (Aceitação de 3), podemos escolher entre o bem e o
mal nas nossas ações.
5. Logo, Deus não seria a origem do mal.
Assim, se podemos escolher entre coisas boas e más, a questão fica
conosco. Precisamos, necessariamente, repensar nossas escolhas para sermos
indivíduos virtuosos e tementes à Deus. Nascemos pecadores e inclinados ao vício.
Apenas uma escolha e esforços conscientes podem combater esse destino,
comandados por nossa vontade e utilizando de nosso livre-arbítrio.
O segundo conceito-chave é a necessidade da existência do mal. Como
vimos no maniqueísmo, a dualidade e as oposições tornam-se indispensáveis.
Vimos, em aula, diversos exemplos que corroboram a teoria de que precisamos de
opostos para organizar nosso pensamento, nossa cultura e nossa sociedade. Não
conseguimos pensar em um enredo de filme, livro ou quaisquer narrativas que não
contenham um conflito, uma tensão ou uma escolha moral.
Vamos supor a seguinte situação: algo aconteceu e sofremos de um mal-estar
terrível toda vez que realizamos atitudes moralmente questionáveis ou prejudicam
os outros. Antes disso, realizávamos essas atitudes sem peso na consciência e
paramos de cometê-las em virtude da busca do nosso bem-estar físico e mental. Ou
seja, só realizamos ações boas, porém, somos motivados a não sentir dor ou
desconforto. Em nenhum momento nos arrependemos ou repensamos. Nesse caso,
seríamos moralmente bons? Em geral, responderemos que não. A razão dessa
negativa estará baseada na nossa motivação.
Esse exemplo ilustra como, para Santo Agostinho, precisamos do mal. A
existência do mal contribui para a composição de um bem maior (bem total).
Precisamos do livre-arbítrio, para que possamos fazer escolhas boas ou ruins,
baseado na ideia de oposição. Nossas escolhas morais dependem da possibilidade
de escolher errado e, portanto, optar por ações más.
Segundo ele, Deus criou a alma para dominar o corpo, focado no bem. A
liberdade seria a harmonia entre a vontade de Deus e as ações da humanidade.
Porém, essa liberdade e seu exercício correto dependem da possibilidade de poder
optar por ações vis e más.

A definição de mal

Mesmo assim, ainda tem um problema que Santo Agostinho precisa resolver.
Se Deus criou todas as coisas, sendo o ser bom e perfeito que é, ele criou o mal?
Que o mal existe é irrefutável, pois basta observar a nossa volta (no nosso caso,
conversar com alguém ou pesquisar sobre notícias). Como uma criação divina seria
algo ruim?
Sua solução é a definição negativa de mal. A definição negativa é quando ao
invés de criarmos um conceito (por exemplo: mal é X ou Y), dizemos aquilo que ele
não é. É um tipo de definição muito utilizada quando trabalhamos por oposição (por
exemplo, a cor branca é comumente definida como a ausência de pigmentação, em
oposição à cor preta). O mal, para Santo Agostinho, é definido como a ausência de
bem, não algo que exista por si. Portanto, não é necessariamente uma criação.
Assim sendo, Deus não seria responsável pelo mal.
Para ilustrar sua tese, ele utiliza o exemplo do cego e do ladrão. Para, a
cegueira não é um conceito por si, mas a ausência da faculdade da visão. Da
mesma maneira, o ladrão não é desonesto, ele tem a ausência da honestidade. É
importante observar que ele não cria o novo conceito, utiliza de uma negação de
algo já existente (bem, visão, honestidade).

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