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A Crença Cancerígena

Por Vitor Matias

1. Introdução

Este pequeno ensaio trata de um estudo sobre a concepção de metastasis em Eric Voegelin e sua relação
com outros autores e experiência pessoais que dão substância a esta investigação, tarefa que acredito ser
de grande valia para que saibamos se os conceitos que apreendemos em livros tratam-se ou não de cascas
ocas. Acredito que tal sirva de complemento e fundamento de algumas concepções inicialmente vistas
em Da Ideologia e em Por uma Liberdade Prudente, ambos movidos pelo desejo de cavar um buraco
para fora da caverna tanto de minha própria cabeça como para trazer luz a quem mais puder. Aqui espero
trazer boas reflexões quanto ao caráter religioso que dá fundamento às ideologias e suas raízes no espírito
humano, em especial no interior de nosso pior vício, aquele que pode transformar uma crença real em
uma crença cancerígena.

2. Metastasis

A fé metastática é uma das grandes, se não a principal, fonte de desordem no mundo contemporâneo; e é
uma questão de vida ou morte para todos nós entender o fenômeno e buscar remédios contra ele antes que
ele nos destrua.

Eric Voegelin

Em biologia, quando um tumor maligno espalha-se para além de seu ponto de origem, dizemos que este
entrou em estado de metástase. Cânceres normalmente originam-se de células normais defeituosas que
passam funcionar de modo disforme e a multiplicar-se desordenadamente. Com crenças, ocorre algo
análogo: uma crença errônea costuma nascer da corrupção de uma crença verdadeira, do mesmo modo
como a melhor forma de ludibriar – inclusive a si mesmo – é através de um sofisma com base verdadeira,
o que costuma-se chamar de ‘meia verdade’,

Eric Voegelin introduziu o termo metastasis[1] para significar essa mudança na constituição do ser, de
sua forma transcendente para uma forma imanente. Quando estudamos ontologia, em certo momento
encontramos a noção de constituição do ser: o ser é o que é, verum est id quod est, sempre apontando
para certa identidade do ser enquanto ser, pois a matéria trata do ser enquanto o sujeito cognoscente já
sabe de sua capacidade de captá-lo. Em epistemologia, tratamos do modo como podemos captar o ser, e
de que modo podemos tratar dele. Tradicionalmente, o ser mesmo deve ser sempre visto como
transcendente, englobando e ultrapassando as coisas mesmas, às quais chamamos ônticas; quando
reduzimos o ser enquanto ser às coisas mesmas realizamos a redução do ontológico ao ôntico, o
simbolizado ao símbolo, e então os objetos determinados adquirem certas propriedades do indeterminado.
Essa redução é o que dá origem a grandes erros filosóficos, como o panteísmo, o materialismo, o
idealismo material[2], entre outros; quando a cosmovisão das pessoas muda o modo de ver o ser como
transcendente e o reduz a essa forma imanente, temos a metastasis; quando essa mudança atinge a crença
religiosa e a pessoa passa a acreditar que certa transfiguração do mundo pode ser realizada de forma
imanente, temos a fé metastática[3]. Ambos os fenômenos, quando unidos à crença de que tal
transfiguração trará um fim ou sentido da história, compreendem o que chamamos imanentização do
eschaton[4], e quando servem de causa formal e final de um programa político, constituem o que se
conhece como ideologia.

Voegelin diz que a ideologia é a nosos [νόσος], ou doença do espírito[5]. O termo é retirado do livro O
Sofista[6] e refere-se a uma deformidade do conhecimento mais ou menos ao modo da distorção
dramática[7] tratada por Lonergan. De qualquer forma, a ideologia é um incêndio que só surge após a
faísca de uma crença corrompida e cultivada a modo parasitário em algum sistema outro até que este seja
negado a modo de substituição através da metastasis; tal negação é o que se chamou negação
metastática[8]. Quando tais crenças cancerígenas levam o fiel a procurar realiza-las in re, – como aquele
que nos exortou a modificar a realidade em vez de compreendê-la – temos a ação metastática[9], que
Voegelin bem definiu como uma tentativa de transformação do real através de certa fantasia escatológica,
mítica ou historiográfica.

3. Libido Dominandi

A história moderna é o diálogo entre dois homens, um que acredita em Deus, outro que acredita que é
deus.

Nicolás Gómez Dávila

Mircea Eliade afirma que por mais alto que seja o nível de dessacralização em que o homem se encontre,
ainda assim não poderá abandonar, em algum nível, o comportamento religioso[10]; não é um
pensamento fácil de engolir à primeira vista, mas também não é algo que se possa descartar. Para que
possamos tratar do assunto como se deve, preenchamos nossos conceitos com alguma substância
empírica. O homem dessacralizado é facilmente encontrável; em verdade é comum o gracejo de que tal
espécime não é encontrado, mas ele de fato vem a nós e se apresenta como um exemplar do tipo assim
como o fazem determinados praticantes de exercícios multifacetados e apreciadores de vegetais. Por
exemplo, podemos observá-lo na filosofia sob variadas roupagens: o defensor de determinada ética – ou
metaética – de sabor pragmático, o defensor de certa dialética que relaciona a história e a matéria, aquele
que traz à luz uma prova ontológica da existência do mundo, ou até aquele que na falta de uma
ontologia[11] que o satisfaça, procura defender apenas o que satisfez melhor seus próprios desejos. Mas o
que nos interessa no momento não é analisar cada uma dessas vertentes que nos saltam aos olhos, – cada
uma possui mais de dez grandes autores, de modo que quando um cai outro se levanta, como a eterna
noite dos mortos vivos da refutação – mas observar alguns pontos essenciais que já nos foram
escancarados tantas vezes, tal qual como o óbvio ululante de que são em sua esmagadora maioria,
doutrinas imanentes – e aqui incluo até o famigerado good vibes filosófico, o relativista. Mas antes urge
que analisemos algumas coisas.

O monge Enzo Bianchi em seu pequeno artigo Contra as Três Libidos[12] trata de três esferas do pecado:
a corrupção do amar, (Libido Amandi) a corrupção do querer (Libido Possidendi) e a corrupção de si
(Libido Dominandi); e esta última é a que nos interessa.
A Libido Dominandi é a tentação do poder[13], da afirmação de si a modo de adoração, ou culto de latria
se desejarmos o termo teológico; modernamente, se olharmos em especial nos meios individualistas
encontraremos tal libido sob o hieróglifo de amor-próprio, tema bem tratado por Louis Lavelle em seu O
Erro de Narciso. Aquele que já topou com um narcisista ou pretendente a tal, com alguma probabilidade
percebeu que “O amor-próprio corrompe de muitas maneiras nossas relações com os outros homens”[14],
e trata-se uma pessoa difícil de se lidar especialmente em suas formas extremadas. De qualquer forma,
observando nosso narcisista primordial, percebemos certo movimento [do amor de] de si para si, ou ao
menos uma consciência de si enquanto digno de elevada estima. Ora, não podemos negar algum grau de
dignidade à pessoa, nem que seja a que possui por ser uma; mas além da hipérbole do narcisista, e seu
oculto desejo de culto, percebemos que um sentimento do tipo – se quisermos ser estritamente coerentes –
só pode se dar sob as condições de uma cosmovisão imanente: uma cosmovisão que inclua algo
incontestavelmente superior em dignidade anula o desejo do culto de si como libido dominandi em
estágio final. Talvez sejamos contestados pelos asseclas de certa doutrina que prega o culto de si através
de um transcendente; pois respondemos que tal doutrina não pode existir senão como inverso e caricatura
de outra, a modo de um verdadeiro tumor metastático em uma doutrina anterior que lhe empresta seus
símbolos corrompidos.

Doutrinas imanentes possuem certo movimento de natureza centrípeta, digo, devem apontar para seu
interior e rogar para si duas coisas: a negação da transcendência – no caso da filosofia, do ser enquanto
ser – e a afirmação de certo fundamento dado ou no sujeito mesmo – supremacia da razão, do sujeito – ou
num objeto englobado na esfera do mundo – na esmagadora maioria dos casos, a matéria; esse movimento
centrípeto já é uma forma de metastasis. A metastasis não obrigatoriamente se realiza numa ordem
imanente, mas toda ordem imanente é obrigatoriamente metastática, e toda crença religiosa que se
desenvolva dentro de tal cosmovisão é também; do mesmo modo, toda religião, quando pelo capricho
racionalista é endossada pela razão mesma como adequada – ao modo Kantiano em seu A Religião nos
Limites da Simples Razão? – fatalmente se tornará uma fé metastática, visto que a transfiguração
enquanto símbolo da reconstrução do homem – como na ressurreição – será transferido para o homem
mesmo transfigurado no mundo.

De tal observação podemos seguir Eliade quando este afirma que certos misticismos políticos – e aqui
acrescentamos também os filosóficos – são comportamentos religiosos degenerados[15] que normalmente
nascem da libido dominandi; não nos cabe dizer se Nietzsche foi ou não irônico, mas é um fato notório
que tal trecho descreve com maestria o que queremos apontar como a raiz de certos pensamentos:

Hei de vos abrir, porém, inteiramente o meu coração, meus amigos; se existissem deuses como poderia eu
suportar não ser um deus?! Por conseguinte, não há deuses. [16]

4. Coincidentia Oppositorum

A dialética de Nicolau de Cusa, entre suas várias nuances, nos apresenta as categorias de maximum e
minimum, que, enquanto superlativos, tornam-se a coincidência dos opostos. Não pretendo tratar aqui do
tema, mas utilizar suas linhas gerais ao modo de um logos analogante em nosso tema proposto. São
Bernardo de Claraval, quando escreveu Os Graus da Humildade e da Soberba, elencou tais tipos de
virtude e vício em doze graus, onde o máximo de humildade é a rememoração da própria pequenez e a
degradação dos pecados, enquanto o máximo da soberba é o costume de pecar[17]. São superlativos
opostos, do mesmo modo como a crença imanente e a crença transcendente: na primeira a transfiguração
é in e na segunda, ex. Mas devemos atentar que o comportamento de ambos não difere segundo o modo,
mas segundo o objeto; como Eliade aponta[18], o comportamento do a-religioso não difere do religioso
nesse aspecto, e foi essa intelecção que fez com que o primeiro estudo sobre ideologias de Voegelin
recebesse o nome de As Religiões Políticas[19]. Tendo em vista tal diferença de espécie, mas não de
gênero, estamos em condições de dizer que não há muita diferença entre as práticas do fiel que crê na
salvação transcendente do que crê na salvação imanente e isso se aplica mesmo ao nível ritualístico
contendo até encenações iniciáticas[20]. Se quisermos exemplos próximos daqueles que consideramos
ideólogos ou pelo menos fiéis metastáticos, podemos observar as pequenas seitas que surgem
normalmente em cursos de humanas, – nomeadamente os movimentos ditos sociais – com seus dialetos e
práticas próprias. Normalmente os membros de tais “tribos”, talvez por certa atração mas ao mesmo
tempo repulsa pelo transcendente ou pelo menos pelo oculto, alguns terminam por se tornar adeptos de
cultos esotéricos que os permitam continuar com suas práticas corriqueiras sem que a pesada mão da
culpa os reprima; esse curioso fenômeno foi visto por C.S. Lewis, que não tardou a gracejá-lo chamando
tal estranho tipo de mago materialista[21]. De qualquer forma, tal coincidentia oppositorum é pura libido
dominandi.

5. Epílogo?

Normalmente, ao tratarmos de ideologia, olhamos sempre para o fim da história mundano, a


imanentização do eschaton. Aqui procurei, através da leitura de Voegelin e Eliade, levar o leitor a
perceber que muitas vezes a gnose e a ideologia – caso se trate de um tema político – não é apenas
caracterizada por esse desejo de salvação intramundano, mas também de um desejo oculto de culto
nascido de sua libido dominandi. Pessoalmente, a esmagadora maioria dos ideólogos com os quais tive
contato aderiu a tais ideologias por motivos que podem ser facilmente incluídos aqui, e através da análise
de consciência que Lavelle nos força a fazer e as reflexões que Eliade nos traz, tais impulsos podem ser
facilmente identificados e neutralizados quando vistos em pessoas próximas que possamos ajudar.
Também acredito que tais reflexões sejam úteis para a análise da conjuntura política, que no momento em
que este pequeno artigo é escrito, mostra-se um verdadeiro show trash gnóstico onde algumas figuras
conhecidas exibem uma fé metastática. Espero que tal traga bons frutos àquele que o lê assim como traz
para mim a leitura das fontes que o tornaram possível.

Notas:

[1] “Não existe nenhum termo técnico que descreva o estado da psique no qual a experiência de ritmos
cósmicos, no contexto da forma histórica, dá nascimento à visão de um mundo que mudará sua natureza
sem deixar de ser o mundo em que vivemos concretamente. Vou introduzir, portanto, o termo metastasis
para designar a mudança na constituição do ser contemplada pelos profetas. ” Israel e a Revelação p. 507

[2] Por idealismo material entendo a posição de Descartes e Berkeley como exposta e recusada por Kant:
“O idealismo (o idealismo material, entenda-se) é a teoria que considera a existência dos objetos fora de
nós, no espaço, ou simplesmente duvidosa e indemonstrável, ou falsa e impossível; o primeiro é o
idealismo problemático de Descartes, que só admite como indubitável uma única afirmação empírica
(assertio), a saber; eu sou; o segundo é o idealismo dogmático de Berkeley, que considera impossível em
si o espaço, com todas as coisas de que é condição inseparável, sendo, por conseguinte, simples ficções as
coisas no espaço.” Crítica da Razão Pura b274

[3] “Eric Voegelin usava o termo “fé metastática” para designar a crença ou esperança numa repentina
transfiguração da estrutura da realidade e na subsequente emergência de uma ordem paradisíaca. A
expectativa dessa transformação perpassa toda a literatura revolucionária desde o século XVI. Com o
tempo, acabou por se tornar uma figura de pensamento incorporada de tal modo nos usos populares, que a
ela se pode recorrer com relativa certeza do efeito psicológico, a despeito do fracasso de todas as
transfigurações anteriores. ” Para Além dos Milagres.

[4] “A análise pode ser retomada agora ao nível dos princípios. A tentativa de construir um eidos da
história conduzirá à imanentização falaciosa do eschaton cristão. No entanto, a compreensão da tentativa
como falaciosa suscita questões desconcertantes com respeito ao tipo de homem que se deixa por ela
enganar. A falácia parece bastante óbvia. É possível presumir que os pensadores que empreenderam a
tentativa não eram suficientemente inteligentes para discerni-la? Ou a discerniram, mas não deixaram de
propaga-la por alguma obscura e malévola razão? A simples formulação dessas perguntas indica que a
resposta é negativa. Sem dúvida, não se pode explicar sete séculos de história intelectual em termos de
ignorância ou desonestidade. Por isso, cumpre presumir que alguma força agia na alma desses homens,
impedindo-os de ver a falácia. ” A Nova Ciência da Política p.93

[5] “A ideologia é a existência em rebelião contra Deus e o homem. Ela é a violação do Primeiro e do
Décimo mandamentos, se quisermos usar a linguagem da ordem israelita; ela é o nosos, a doença do
espírito, se quisermos usar a linguagem de Ésquilo e Platão. ” Israel e a Revelação p.32

[6] 227c em diante.

[7] INSIGHT p.204 em diante.

[8] “A constituição do ser é o que é, e não pode ser afetado por caprichos humanos. Assim, a negação
metastática da ordem da existência mundana não é uma proposição verdadeira na filosofia, e nem um
programa de ação que pudesse ser executado. A vontade de transformar a realidade em algo que, por
essência, ela não é representa a rebelião contra a natureza das coisas ordenada por Deus. ” Israel e a
Revelação p.508

[9] “Na variedade de formas simbólicas é reconhecível a substância comum da vontade metastática de
transformar a realidade por meio da fantasia escatológica, mitológica, ou historiográfica, ou pela
perversão da fé em um instrumento de ação pragmática. ”Israel e a Revelação p.508

[10] É preciso acrescentar que uma tal existência profana jamais se encontra no estado puro. Seja qual for
o grau de dessacralização do inundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não
consegue abolir completamente o comportamento religioso. Isto ficará mais claro no decurso de nossa
exposição: veremos que até a existência mais dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização
religiosa do mundo. O Sagrado e o Profano p.27

[11] Digo com o significado de “fundamento filosófico mais ou menos sólido”.

[12] http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524266-contra-as-tres-libidos-resistir-resistir-resistir-artigo-de-
enzo-bianchi

[13] “A última tentação “mãe” é a do poder, da afirmação de si sobre os outros: a libido dominandi, talvez
o ídolo que requer a adoração mais total, quando chega até a exigir o sangue dos outros nossos irmãos e
irmãs em humanidade. Não por acaso, para o Apocalipse de João, esse ídolo chega a assumir os traços do
próprio Deus (cf. Ap 13), a se travestir de Deus para ver voltadas a si a adesão e a adoração que devem ir
somente a Deus. ” Contra as Três Libidos.

[14] O Erro de Narciso p. 131

[15] “Mas não é apenas nas “pequenas religiões” ou nos misticismos políticos que se reencontram
comportamentos religiosos camuflados ou degenerados: pode se reconhecê-los também em movimentos
que se proclamam francamente laicos, até mesmo anti-religiosos. Citamos, por exemplo, o nudismo ou os
movimentos a favor da liberdade sexual absoluta, ideologias nas quais é possível decifrar os vestígios da
“nostalgia do Paraíso”, o desejo de restabelecer o estado edênico anterior à queda, quando o pecado não
existia e não havia rotura entre as beatitudes da carne e a consciência. ” O Sagrado e o Profano p.169

[16] Assim Falou Zaratustra p.80

[17] Os Graus da Humildade e da Soberba p.89

[18] “A grande maioria dos “sem religião” não está propriamente falando, livre dos comportamentos
religiosos, das teologias e mitologias. Estão às vezes entulhados por todo um amontoado mágico
religioso, mas degradado até a caricatura e, por esta razão, dificilmente reconhecível. ” O Sagrado e o
Profano p.167

[19] Die politischen Religionen, editado em 1938.

[20] “Além disso, é interessante constatar quantas encenações iniciáticas persistem ainda em numerosas
ações e gestos do homem a religioso de nossos dias. Deixamos de lado, evidentemente, as situações onde
sobrevive, degradado, um certo tipo de iniciação; por exemplo, a guerra e principalmente os combatentes
individuais (sobretudo entre aviadores), efeitos que implicam “provas” equiparáveis às das iniciações
militares tradicionais, embora, em nossos dias, os combatentes já não percebam o significado profundo de
suas “ provas” e, portanto, tirem pouco proveito de seu alcance iniciático. Mas mesmo técnicas
especificamente modernas, como a psicanálise, mantêm ainda o padrão iniciático. O paciente é convidado
a descer muito profundamente em si mesmo, a fazer reviver seu passado, enfrentar de novo seus
traumatismos – e, do ponto de vista formal, essa operação perigosa assemelha se às descidas iniciáticas
aos “ Infernos”, entre os espectros, e aos combates com os “ monstros”. Assim como o iniciado devia sair
vitoriosamente das provas, em suma, “ morrer” e “ressuscitar” para alcançar uma existência plenamente
responsável e aberta aos valores espirituais, o analisado de nossos dias deve afrontar seu próprio “
inconsciente”, assediado de espectros e monstros, para encontrar nisso a saúde e a integridade psíquicas, o
mundo dos valores culturais. ” O Sagrado e o Profano p.169

[21] “[…]tornar a ciência dos homens emocional e mítica a ponto de passarem a des confiar daquilo que
na verdade é a crença na nossa existência (embora não sob esse nome) ao mesmo tempo que suas mentes
se mantêm fechadas para o Inimigo. A “Força da Vida”, a veneração do sexo e outros aspectos da
Psicanálise podem ser bastante úteis nesse sentido. Se pudermos produzir nossa obra perfeita – o Mago
Materialista, o homem que não apenas utiliza, mas que na verdade venera aquilo a que dá o nome vago de
“Forças”, ao mesmo tempo que nega a existência de “espíritos” –, então saberemos que a batalha chegará
ao fim. ” Cartas de um diabo a seu aprendiz p.32

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