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por
Albert M. Wolters
Para nossas finalidades, cosmovisão será definida como "a estrutura abrangente
das crenças básicas de alguém sobre coisas". Façamos um exame mais
minucioso dos elementos desta definição.
Crenças não são opiniões, tampouco hipóteses. Para ser exato, nós às vezes
usamos a palavra crer com aquele tipo de sentido enfraquecido ("Eu creio que
Johnny chegará esta noite novamente tarde em casa"), mas eu estou usando
aqui a palavra no sentido de "credo", uma crença comprometida, algo que estou
disposto não somente a argumentar, mas também a defender ou promover com
o gasto de dinheiro ou a paciência em meio ao sofrimento. Por exemplo, pode
ser minha crença que a liberdade de expressão seja um direito inalienável na
sociedade humana, ou que ninguém possa impor a sua religião a alguma outra
pessoa. Sustentar uma crença pode exigir um sacrifício de mi-nha parte, ou a
tolerância ao desprezo ou abuso se ela é uma crença dita não-popular ou não-
ortodoxa, que os presídios devem castigar bem como reabilitar, ou que a livre
iniciativa é o flagelo de nossa sociedade. Todas estas crenças são exemplos do
que entra em uma cosmovisão. Tem a ver com as convicções de uma pessoa.
Terceiro, é importante notar que as cosmovisões têm a ver com crenças básicas
sobre coisas. Elas têm a ver com questões fundamentais com as quais somos
confrontados; elas envolvem assuntos de princípio geral. Eu posso dizer que eu
tenho uma crença segura de que os Yankees venceram o World Series de 1956,
seguro a ponto de estar disposto a fazer uma grande aposta sobre isto, mas este
tipo de crença não é o tipo que constitui uma cosmovisão. É diferente no caso
de assuntos pro-fundos morais: A violência pode alguma vez ser justa? Há
normas constantes para a vida humana? Existe um motivo para o sofrimento?
Nós sobrevivemos à morte?
Finalmente, as crenças básicas que uma determinada pessoa sustenta sobre
coisas tendem a formar uma estrutura ou padrão; elas se unem de um certo
modo. Eis a razão por que os humanistas freqüentemente falam de um "sistema
de valores". Todos nós reconhecemos, em algum grau pelo me-nos, que
devemos ser consistentes em nossas visões, se quisermos tomá-las com
seriedade. Nós não adotamos uma posição arbitrária de crenças básicas que não
possuam coerência ou não pareçam consistentes. Certas crenças básicas se
chocam com outras. Por exemplo, a crença no matrimônio como uma ordenança
de Deus não se comporta com a idéia de divórcio fácil. Uma convicção que
filmes e teatros são essencialmente "divertimentos mundanos" não é muito
consoante com o ideal de uma reforma cristã das artes. Uma crença otimista no
progresso histórico é difícil de se harmoni-zar com a crença na depravação do
homem.
Tem sido assumido em nossa discussão até aqui que todos possuem uma
cosmovisão de algum tipo. É este o caso, na realidade? Certamente é verdade
que a maioria das pessoas não possui uma respos-ta se elas forem inquiridas de
qual é sua cosmovisão, e os assuntos piorariam se eles fossem inquiri-dos sobre
a estrutura de suas crenças básicas sobre as coisas. Contudo, suas crenças
básicas emer-gem suficientemente depressa quando eles são enfrentados com
questões práticas que se levantam, assuntos políticos atuais ou convicções que
se confrontam com as suas. Como eles reagem ao servi-ço militar obrigatório,
por exemplo? Qual é sua resposta ao evangelismo ou à contracultura, ao pa-
cifismo ou comunismo? Que palavras de condolências podem oferecer ao lado
da tumba? Quem eles responsabilizam pela inflação? Qual é a visão deles sobre
aborto, pena de morte, disciplina na educação de crianças, homossexualidade,
segregação racial, inseminação artificial, censura de fil-mes, sexo extra-conjugal
e questões desse tipo? Todos estes assuntos despertam respostas que fornecem
indicações da cosmovisão de uma pessoa pela sugestão de certos padrões
("conservador" ou "progressivo", sendo muito rudes e não confiáveis os padrões
que a maioria das pessoas reconhece). Em geral, conseqüentemente, todos
possuem uma cosmovisão; embora inarticulada, ele ou ela pode expressá-la. Ter
uma cosmovisão é simplesmente parte de ser um ser humano adulto.
Uma das características exclusivas dos seres humanos é que nós não podemos
fazer nada sem um tipo de orientação ou condução que uma cosmovisão dá.
Nós necessitamos ser guiados porque so-mos inescapavelmente criaturas com
responsabilidade, que por natureza são incapazes de sustentar opiniões
puramente arbitrárias ou fazer decisões inteiramente sem princípios. Nós
necessitamos de algum credo para viver por ele, algum mapa pelo qual
tracemos nosso curso. A necessidade de uma perspectiva condutora é básica
para a vida humana, talvez mais básica do que alimento ou sexo.
Novamente, temos de admitir que pode haver inconsistência aqui: não somente
podemos sustentar crenças conflitantes, mas às vezes podemos falhar em agir
em harmonia com as crenças que susten-tamos. Este é um fato de nossa
experiência diária que todos devemos reconhecer. Mas, isto significa que nossa
cosmovisão conseqüentemente não tem o papel guiador que estamos atribuindo
a ela? Não necessariamente. Um navio pode ser desviado de seu curso por uma
tempestade e ainda estar se dirigindo ao seu destino. É o padrão em geral que
conta, o fato que o timoneiro faz tudo que for possível para permanecer no
curso. Se sua ação está fora de sintonia com suas crenças, você tende a mudar
suas ações ou suas crenças. Você não pode manter sua integridade (ou sua
saúde mental) por muito tempo se não fizer nenhum esforço para resolver o
conflito.
Esta visão da relação de nossa cosmovisão com a nossa conduta é disputada por
muitos pensadores. Os marxistas, por exemplo, sustentam que o que realmente
guia nosso comportamento não são nos-sas crenças, mas os interesses de
classes. Muitos psicólogos olham para as cosmovisões mais como guiadas do
que como guiando, como racionalizações para comportamentos que são
realmente con-trolados pelas dinâmicas de nossa vida emocional. Outros
psicólogos sustentam que nossas ações são basicamente condicionadas pelos
estímulos físicos vindos de nosso meio. Seria tolice desconsi-derar a evidência
que esses pensadores apresentam para reforçar seus pontos de vista. Na
realidade, é verdade que o comportamento humano é muito complexo e inclui
tais assuntos como interesses de classes, o condicionamento e a influência de
desejos reprimidos. A questão é o que constitui o fator decisivo e dominante
que conta para o padrão da ação humana. O modo como respondemos esta
questão depende de nossa visão da natureza essencial da humanidade: isto é
em si mesmo um assunto de nossa cosmovisão.
Do ponto de vista cristão, devemos dizer que nossa crença é um fator decisivo
em nossas vidas, embora as crenças que professamos possam estar em
desacordo com as crenças que estão atualmen-te operando em nossas vidas.
Este é um erro perigoso. Sem dúvida, nós devemos ser ensinados pelas
Escrituras em assuntos tais como batismo, oração, eleição e igreja, mas as
Escrituras falam centralmente a tudo em nossa vida e mundo, incluindo
tecnologia, economia e ciência. O escopo do ensino bíblico inclui assuntos ordi-
nários "seculares" como labor, grupos sociais e educação. A menos que tais
assuntos estejam apro-ximados em termos de uma cosmovisão baseada
honestamente em categorias escriturísticas centrais como criação, pecado e
redenção, nossa avaliação destas dimensões supostamente não-religiosas de
nossas vidas será provavelmente dominada por uma das competitivas
cosmovisões do Ocidente secularizado.
Agora que temos uma idéia geral do que uma cosmovisão é, resta-nos falar o
que é diferente na cosmovisão reformacional. Que características peculiares a
distinguem de outras cosmovisões, tanto da pagã ou humanista como daquelas
cristãs.
Não obstante, estamos bem cientes das profundas divisões dentro da igreja
cristã. Estas divisões refletem diferenças de cosmovisão bem como diferenças
de teologia no sentido estrito da palavra. Gostaria de brevemente identificar as
diferenças básicas entre a cosmovisão reformacional e outras cosmovisões
cristãs.
Um modo de ver esta diferença é usar a definição básica de fé cristã dada por
Herman Bavinck: "Deus o Pai reconciliou o mundo criado por Ele porém caído,
através da morte de Seu Filho, e re-nova-o em um Reino de Deus pelo Seu
Espírito". A cosmovisão reformacional toma todos os ter-mos chaves nesta
confissão trinitariana ecumênica num sentido universal e todo-abrangente. Os
termos "reconciliado", "criado", "caído", "mundo", "renova" e "reino de Deus"
são tidos por cós-micos no escopo. Em principio, nada à parte do próprio Deus
fica fora da extensão destas realidades fundamentais da religião bíblica.