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Artesãos de uma nova história

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Artesãos de uma nova história

São Paulo / 2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gondim, Ricardo

Artesãos de uma nova história / Ricardo Gondim – 5ª ed. – São Paulo : Arte
Editorial, 2011.

234p., 14x21cm
ISBN 978-85-98172-82-8

1. Evangelismo 2. Personagens bíblicos 3. Vida cristã I. Título.

01-4895
CDD-269.2

Índices para catálogo sistemático:


1. Evangelismo : Cristianismo 269.2

Copyright © 2011. Todos os direitos reservados por


Arte Editorial

Coordenação editorial: Magno Paganelli


Revisão: Fausto Camargo Cesar,
Silvia Gerusa Fernandes Rodrigues e
Daniel da Silva
Capa: Douglas Lucas
Editoração: Magno Paganelli
Foto da capa: San Martin
As citações bíblicas foram extraídas 5ª Edição: outubro / 2011
da Bíblia Nova Versão Internacional,
publicada pela Editora Vida, salvo Publicado no Brasil por Arte Editorial
onde outra fonte for indicada.

Rua Parapuã, 574 - Freguesia do Ó


02831-010 - São Paulo - SP
editora@arteeditorial.com.br
www.arteeditorial.com.br

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SUMÁRIO

1a Parte:
“O PROJETO DE DEUS PARA A RESTAURAÇÃO
DA HISTÓRIA”

1. Compreendendo o projeto eterno de Deus . . . . .9


2. Reconsiderando a Grande Comissão . . . . . . . . . . 21
3. Por que devemos evangelizar? . . . . . . . . . . . . . . 39
4. O preparo do evangelista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
5. O revestimento de poder. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
6. A pós-modernidade e missões . . . . . . . . . . . . . . . . .71

2a Parte
“OS PROCESSOS DE DEUS PARA FORMAR
SEUS ARTESÃOS”

7. Marchando segundo a vontade


de Deus - Moisés . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89
8. O sonho ainda não acabou – Josué . . . . . . . . . . 99
9. Nos classificados de Deus: Precisa-se de
missionários – Gideão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
10. Coragem e determinação a serviço
do Reino – Os Valentes de Davi . . . . . . . . . . . . . 123

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6 Artesãos de Uma Nova História

11. Vivendo e servindo segundo o coração


de Deus – Salomão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .137
12. Para que não falte azeite – A Viúva e
os Vasos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
13. O missionário indisposto – Jonas . . . . . . . . . . . 157
14. Eu quero que Deus me use – A Figueira
sem Frutos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
15. Por que me envolver? – Simão, o Cireneu . . . . .177
16. Construindo pontes entre as gerações –
Os Discípulos de Jesus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
17. Você pode transformar o seu
mundo – Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .199
18. Como devo apresentar-me diante de Deus –
Timóteo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

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1ª PARTE

“O PROJETO DE DEUS PARA A


RESTAURAÇÃO DA HISTÓRIA”

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CAPÍTULO 1

COMPREENDENDO O
PROJETO ETERNO DE DEUS

“Eu sou Deus, e não há nenhum outro; Eu sou Deus, e não há


nenhum como eu. Desde o início faço conhecido o fim, desde tempos
remotos o que ainda virá. Digo: Meu propósito permanecerá em
pé, e farei tudo o que me agrada. Do oriente convoco uma ave de
rapina; de uma terra bem distante, um homem para cumprir o
meu propósito. O que eu disse, isso eu farei acontecer; o que
planejei, isso farei”. Isaías 46:9-11

O mundo é bonito. O universo é espetacular. Quando visitei


as majestosas Cataratas do Iguaçu fiquei encantado com o
espetáculo das águas, absolutamente deslumbrante. A
impressão é imorredoura, uma cena que jamais esquecerei.
O universo no qual vivemos nos enche de admiração e
nos reserva surpresas a cada dia. Descobrimos recentemente
que o nosso universo é muito maior do que imaginávamos.
Descobriram uma estrela milhões de vezes maior do que o
sol, que faz parte de uma nova galáxia bilhões de vezes maior
do que a nossa, que ninguém sabia que existia. A luz dessa
estrela levou tantos milhões de anos-luz para chegar até a
terra que se suspeita que ela nem exista mais.
Diante dessa beleza exuberante da vida surge
naturalmente a questão: O que existe por detrás de tudo
isso? Será que o universo é resultado de um acaso aleatório,
ou seríamos fruto de uma necessidade? Esse questionamento
tem incomodado o homem através dos séculos e causado
profunda polêmica entre os cientistas. Acontece que em todo
o sistema parece existir um desígnio, uma coerência, um

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10 Artesãos de Uma Nova História

propósito de tal maneira que os cientistas da nova academia


científica, embora relutem ainda em usar o nome “Deus”
por não ser aceito neste meio, estão cunhando uma nova
expressão para o universo afirmando que existe uma espécie
de altruísmo cósmico. Há uma espécie de amor regedor do
universo.
Eles estão chegando à conclusão de que ao contrário do
que se cria antigamente, não vivemos por conta do acaso.
Há um desígnio eterno que concatena e equilibra o universo.
A lesma, a barata, o cupim, os sapos, os tamanduás, os
elefantes, as baleias, os morcegos, os protozoários, as
amebas, as flores nos altos dos Alpes, a grama no vale, os
desertos, as marés, as florestas, as calotas polares, a caatinga
nordestina, tudo faz parte de um sistema meticulosamente
organizado com um propósito. Os átomos e o mundo das
partículas quânticas são tão intrincados, tão
meticulosamente bem desenhados que não há como se
desprezar a verdade sobre a existência de Deus.
Cremos que esse “altruísmo” é Deus. Sabemos que Deus
nos expressou seu desígnio através das Escrituras sagradas.
Como afirma a Bíblia em Romanos 1:20, “desde a criação
do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder
e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo
compreendidos por meio das coisas criadas”.
Partindo, portanto, da conclusão de que há um Deus, e que
esse Deus tem propósitos, podemos nos perguntar qual o grande
projeto de Deus. A Bíblia Sagrada traz luz sobre essa questão
também, deixando claro que o grande projeto de Deus é formar
para si uma família. Deus queria formar uma família em que ele
fosse o Pai e nós seus filhos e filhas amados.
Por todo o Antigo Testamento vemos constantes
declarações de Deus como nosso Pai, mostrando seu cuidado
e proteção para com nossas vidas:
“Depois diga ao Faraó que assim diz o Senhor: Israel é o
meu primeiro filho”1.

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Compreendendo o projeto eterno de Deus 11

“Quando você atravessar as águas, eu estarei com você;


quando você atravessar os rios, eles não o encobrirão. Quando
você andar através do fogo, não se queimará; as chamas não
o deixarão em brasas. Pois eu sou o Senhor, o seu Deus, o
Santo de Israel, o seu Salvador; dou o Egito como resgate
para livrá-lo, a Etiópia e Sebá em troca de você. Visto que
você é precioso e honrado à minha vista, e porque eu o amo,
darei homens em seu lugar, e nações em troca de sua vida.
Não tenha medo, pois eu estou com você, do oriente trarei
seus filhos, e do ocidente ajuntarei você”2.
“Haverá uma mãe que possa esquecer seu bebê que ainda
mama e não ter compaixão do filho que gerou: Embora ela
possa esquecê-lo, eu não me esquecerei de você! Veja, eu
gravei você nas palmas das minhas mãos; seus muros estão
sempre diante de mim”3.
O ser humano, porém, desde o início tratou esse plano
com desdém, preferindo seguir seus próprios caminhos,
independente de Deus.4
Deus então tentou formar essa família a partir de Abraão
e do povo de Israel. “Então o Senhor disse a Abraão: Saia da
sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e
vá para a terra que eu lhe mostrarei”.5
Mas outra vez seu anseio não foi correspondido. O povo
judeu se ensimesmou, tornou-se um povo egoísta e deu as
costas a Deus, esquecendo -se de seu propósito,
transformando tudo em desgraça. Por isso, Deus reclamou
com Israel através dos profetas, como Oséias que clamou:
“Israelitas, ouçam a palavra do Senhor, porque o Senhor tem
uma acusação contra vocês que vivem nesta terra: ‘A
fidelidade e o amor desapareceram desta terra, como também

1
Êxodo 4:22.
2
Isaías 43:2-5.
3
Isaías 49:15-16.
4
Cf. Gênesis 3:6-8
5
Gênesis 1:12

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o conhecimento de Deus. Só se vêem maldição, mentira e


assassinatos, roubo e mais roubo, adultério e mais adultério;
ultrapassam todos os limites! E o derramamento de sangue
é constante. Por isso a terra pranteia, e todos os seus
habitantes desfalecem; os animais do campo, as aves do
céu e os peixes do mar estão morrendo. Mas, que ninguém
discuta, que ninguém faça acusação, pois sou eu quem acusa
os sacerdotes.”.6
Pecado é um punho cerrado na direção de Deus; ele é quem
assim define essa atitude de desdém. Pecado é o estado de
afastamento eterno que criamos em nós mesmos ao darmos
as costas para Deus. É o estado de morte que nos caracteriza
por rejeitarmos aquele que é a fonte da vida.
Por isso o que mais impressiona nesse Deus maravilhoso
é sua insistência em investir no ser humano, apesar de
rejeitado por ele. Deus não abandonou seu plano de formar
para si uma família. Pelo contrário, entregou-se a uma mega
operação de resgate dispondo -se a pagar um preço
absurdamente elevado para atingir seu objetivo.

JESUS: A SOLUÇÃO DE DEUS PARA A RESTAURAÇÃO


DA HISTÓRIA
Deus criou o universo com um propósito. O homem, porém,
rejeitou o seu desígnio conduzindo a história por um rumo
diferente daquele intencionado por Deus. Jesus veio para restaurar
a história, levando novamente o homem ao propósito original
de sua existência.
Gálatas 4:4-5 afirma que “quando chegou a plenitude do
tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido
debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para
que recebêssemos a adoção de filhos”, e João 1:11-12 diz que
ele “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome,
deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus”.
6
Oséias 4:1-4

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Compreendendo o projeto eterno de Deus 13

Deus não está em busca de abelhas para trabalhar na


colméia, nem de braços para trabalhar na seara. Deus quer
filhos, não escravos. Deus busca filhos e filhas com os quais
possa estabelecer relacionamentos profundos, que o amem
por quem Ele é, e que desejem voluntariamente fazer parte
desta família gloriosa.
Certa vez Jesus estava viajando da Judéia para a Galiléia,
passando por Samaria. Depois de ter caminhado da
madrugada até o meio-dia, Jesus se encontrava exausto, com
sede, e parou no poço de Jacó, numa pequenina cidade
chamada Sicar.7 Ali encontrou e conversou com uma mulher
samaritana desestruturada emocionalmente, que já casara
cinco vezes e no momento vivia com um homem que não era
seu marido. Jesus começou a ministrar ao coração daquela
mulher e de repente ela foi tocada. Numa mistura de pasmo e
felicidade, voltou correndo para sua cidade, gritando para a
população que Jesus mudara sua vida. No epílogo dessa
história os discípulos, que tinham ido à cidade, retornam
trazendo comida para Jesus. Já são cerca de duas horas da
tarde, Jesus caminhara cerca de 70 quilômetros e seus
discípulos insistem para que ele se alimente. Acontece que
Jesus encontra-se tão empolgado quanto a mulher. Ele diz
aos discípulos: “Tenho algo para comer que vocês não
conhecem”.8 Os discípulos não entendem o que ele quer dizer,
e Jesus continua: “A minha comida é fazer a vontade daquele
que me enviou e concluir a sua obra”.9
Em outras palavras, a mente e o coração de Jesus estavam
tão ligados aos objetivos e propósitos de Deus que até comida,
às duas horas da tarde depois de tão longa caminhada, deixa
de ser importante. Não havia nada que pudesse demovê-lo
de seu objetivo.
Vemos claramente aqui que havia uma paixão
extraordinária movendo Cristo e impelindo-o a avançar. E
7
João 4:1-32
8
João 4:32
9
João 4:34

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14 Artesãos de Uma Nova História

essa paixão estava muito bem definida em sua cabeça:


constituir a família de Deus, Pai. Podemos observar isso na
sua declaração de que sua comida consistia em fazer a
vontade de Deus.
Um dia desses, um jornalista narrou-me algo interessante
para explicar a falência do socialismo no bloco oriental. Ele
explicou que quando a Tchecoslováquia estava começando a
viver os primeiros atritos entre os estudantes e as forças do
sistema, alguns desses estudantes foram presos em flagrante
pichando os muros na cidade de Praga. Ao serem interrogados
na delegacia, um dos policiais perguntou porque pichavam
os muros contra a revolução socialista e o rapaz lhe respondeu
com uma pergunta: “O que é socialismo?” E os guardas se
entreolharam atônitos, sem saber o que responder. O articulista
demonstra exatamente isso, que o partido socialista faliu no
bloco oriental pela incapacidade dos regimes totalitários
comunistas definirem que socialismo queriam implantar. Na
caminhada, perderam o sentido do que desejavam alcançar.
Se o comunismo apregoava uma sociedade sem classes, eles,
que eram mentores disso, já haviam se tornado uma elite.
Jesus, ao contrário, diz com clareza que tem uma missão
e sabe qual é: “A minha comida é fazer a vontade daquele
que me enviou e concluir a sua obra”.10 Vejamos agora como
ele desenvolveu sua missão.

O PLANO DE RESGATE
A estratégia primordial de Cristo era kerigmática.
Jesus veio proclamar, falar, trazer a mais alvissareira
notícia que o mundo já teve: que Deus não o abandonou.
Cristo veio anunciar que os pobres podem dizer: “Sou rico”;
que os cegos podem dizer: “Eu vejo”; que os cativos e presos
seriam postos em liberdade e que esta liberdade seria não apenas
espiritual, como também social, moral e econômica. “Kerigma”
em grego significa anúncio. “O Espírito do Senhor está sobre
10
João 4:34

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Compreendendo o projeto eterno de Deus 15

mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres.
Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e
recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e
proclamar o ano da graça do Senhor”.11
A força do ministério de Cristo consistia em anunciar
liberdade e vida. Quando Jesus falava, as crianças se
interessavam, os velhos eram atraídos, os ricos se sentiam
condenados, os escravos libertos, Ele seduzia pela palavra o
coração dos homens a desejarem ouvir a verdade.

Jesus veio para destruir as obras do Diabo.


“Para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir
as obras do Diabo”.12 Jesus não veio para ser mestre da moral,
nem um grande orador público e sim para destruir as obras
do Diabo - aquelas que se encarnam na malignidade do
coração, nas estruturas diabólicas infiltradas no meio de um
povo. Satanás é a força dominadora que destrói, corrompe,
aniquila. “Porquanto, visto que os filhos são pessoas de carne
e sangue, ele também participou dessa condição humana, para
que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da
morte, isto é, o Diabo”.13

Jesus veio para servir e dar a sua vida em resgate dos


homens.
“Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido,
mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos”.14
Cristo sabia que a morte na cruz do Calvário o aguardava. O
Diabo tentou, diversas vezes, impedir ou dissuadi-lo. Herodes
matou as crianças em Belém porque o Diabo não queria que
Jesus morresse na cruz. Pedro, ao ouvir Jesus dizer ser
necessário morrer, tentou dissuadi-lo, porém ele o repreendeu

11
Lucas 4:18-19
12
I João 3:8
13
Hebreus 2:14
14
Marcos 10:45

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16 Artesãos de Uma Nova História

por não ter entendido nada ainda: “Jesus virou e disse a Pedro:
Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para
mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens”.15
Pilatos tentou impedi-lo, entregando-o aos judeus para que
fosse apedrejado, mas a turba revoltosa gritava, dizendo:
“Crucifica-o! Crucifica-o!”16 Se não morresse na cruz, Jesus
teria fracassado em sua missão. Mas ele foi até o fim. Ele veio
para morrer na cruz para saldar uma dívida que eu e você
tínhamos que pagar. “Pois também Cristo morreu pelos pecados
de uma vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-
nos a Deus”.17

Jesus veio ao mundo para gerar vida eterna nos homens.


“O ladrão vem apenas para roubar, matar e destruir. Eu
vim para que tenham vida, e a tenham plenamente”.18 Muitos
não entendem o que é vida eterna no conceito bíblico. Vida
eterna não é viver para sempre, ad infinitum, e sim
experimentar uma qualidade de vida gerada por Deus em nós.
Não começa no dia em que morremos e sim no dia em que
encontramos Deus e seu Espírito passa a habitar em nós. A
Bíblia afirma em I João 5:11-12 que “Deus nos deu a vida
eterna, e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho, tem a
vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida”.

DISCÍPULOS: EMBAIXADORES DE CRISTO, ARTESÃOS DE


UM NOVO TEMPO.
Para implementar seu projeto de ter uma família
Sabemos que Jesus veio para viabilizar o projeto de Deus,
mas para tal ele precisa de pessoas. A partir do momento em
que a obra de Cristo foi consumada na cruz do Calvário, existe
livre acesso ao Pai, pela fé. Como, porém, as pessoas podem

15
Mateus 6:23
16
João 18:31; 19:15
17
I Pedro 3:18
18
João 10:10

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Compreendendo o projeto eterno de Deus 17

crer “naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se


não houver quem pregue?”19
O clamor de Deus encontra-se em Isaías 6:8: “Quem
enviarei? Quem irá por nós?”. Deus procura vidas que se
disponham a ser instrumentos em suas mãos “para anunciar
as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz”.20
A pior doença do homem do final do século XX chama-se
apatia. A maior maldição que sobreveio ao cristianismo foi
tornar-se uma opção morna. Conseguimos transformar o
cristianismo em algo que a Bíblia nunca quis que ele fosse.
Certa vez alguém me falou que o maior mal que já fizeram
ao cristianismo foi arrancar os dentes da nossa pregação.
Estamos hoje mordendo com gengiva. Sem euforia, nem
militância, nem paixão. Falta ao cristianismo essa dimensão
de vibrar por Jesus, exultar pela causa de Cristo. Precisamos
ser movidos pela mesma paixão que impulsionava Cristo.
Falta-nos o brilho de outras militâncias, como a do que
luta pelo ecosistema, que pega a balsa do Greenpeace, no
estreito do Mar do Norte, num bote de borracha, para
interceptar um submarino nuclear. Quando ele levanta os
braços, a imprensa do mundo inteiro tira fotos e todos se
admiram. Outro, de São Bernardo, estava disposto a ser preso
por causa de sua militância por um clube de futebol. Por um
clube, as pessoas se envolvem em lutas de morte!
Por outro lado, um dia desses parei para pedir
informações a um guarda e observei que lia o Novo
Testamento. Quando lhe perguntei se era crente, respondeu
que estava só lendo a Bíblia. Ao lhe dizer que era pastor, ele
então me saudou com a paz do Senhor. Por que esse homem
não assumira de uma vez que era cristão? A verdade é que
de repente os filhos das trevas estão nos dando luz e nos
ensinando a sermos militantes.
19
Romanos 10:4
20
1 Pedro 2:9

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18 Artesãos de Uma Nova História

Quando os discípulos, meio atordoados, ainda nem


sabiam direito o que Jesus queria ou ia fazer, Ele demonstrou
com firmeza aos seus discípulos que os seus objetivos
significavam luta e sacrifício. Servir a Cristo significa engajar-
se em um exército porque ao abraçar o cristianismo você
não abraça um Cristo etéreo, solto no espaço, um fantasma,
aquele Jesus guru que flutua nas nuvens e olha para os outros
com cara de tuberculoso. Jesus mostra aos discípulos que
abraçar a causa de Deus encarnada na história é dedicar-se a
ponto de sacrificar-se.
Essa foi e tem sido a história do cristianismo até os
nossos dias. Morrer em arena, dar os filhos para serem
comidos por animais, viver errante pelo mundo, ser
missionário em terras distantes, isso significava ser de Cristo.
Diferentemente, hoje em dia, tornou-se charme professar-se
cristão. As igrejas têm que ser cada vez mais pomposas, com
cadeiras forradas de veludo e outros aparatos. Têm que ter
glamour para atrair as pessoas.
Quando Jesus rejeita comida apesar da fome, ele nos ensina
que segui-lo é fazer a vontade do Pai, despojar-se, esvaziar-se,
padecer e perder. Seguir a Jesus não é uma festa, inicia-se com
a morte. “Jesus dizia a todos: Se alguém quiser acompanhar-
me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-
me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem
perder a sua vida por minha causa, este a salvará”. 21
Se abrir o seu coração, você certamente ouvirá Deus dizendo:
“Eu preciso de você. Há tantas pessoas trancadas em seu próprio
egoísmo, vivendo como animais selvagens, perambulando sem
destino e sem rumo, sem amor para dar e ignorantes do meu
amor. Eu preciso de você para tirar da sarjeta da maldade homens
e mulheres que perderam o sentido da vida, vivendo sem
esperança e sem Deus no mundo. Eu preciso de você para que
essas pessoas passem a fazer parte da minha família, que foi o
meu propósito desde o princípio”.
21
Lucas 9:23-24

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Compreendendo o projeto eterno de Deus 19

Sobre o assunto recomendo um livro chamado: “Eu, um


Servo? Você está brincando!”, de Charles Swindoll. O autor
coloca nesse livro um poema de uma senhora, membro de
uma igreja há muitos anos, que escreveu para Deus:

“Tu sabes, Senhor, como eu te sirvo”,


com enorme fervor emocional,
quando estou debaixo dos holofotes.
Sabes como falo de ti ardentemente
na reunião das senhoras.
Sabes com que entusiasmo
eu promovo uma reunião de confraternização.
Sabes do meu sincero fervor
quando estou no grupo de estudo bíblico.
Mas como será que eu reagiria
se tu me desses uma bacia de água,
e me pedisses para lavar os pés calosos
de uma velhinha enrugada, arqueada,
todos os dias, todos os meses,
num lugar recluso,
onde ninguém visse e ninguém soubesse
que eu estava fazendo aquilo?
Como seria o meu cristianismo?

Outra oração que me tocou profundamente e que pode


tornar-se sua:

Oração de abandono
Em tuas mãos, ó Deus, eu me abandono. Vira e revira esta
argila como o barro nas mãos do oleiro. Dá-lhe forma e
depois a esmigalha como se esmigalhou a vida de João,
meu irmão.
Manda ordena, Que queres que eu faça?

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20 Artesãos de Uma Nova História

Elogiado e humilhado, perseguido, incompreendido,


caluniado, consolado, sofredor, inútil para tudo, não me
resta senão dizer a exemplo de tua mãe:
“Faça-se em mim segundo a tua palavra”.
Dá-me o amor por excelência, o amor da cruz, não o da
cruz heróica que poderia nutrir o amor próprio; mas o da
cruz vulgar, que carrego com repugnância, daquele que se
encontra cada dia na contradição, no esquecimento, no
insucesso, nos falsos juízos, na frieza, nas recusas e nos
desprezos dos outros, no mal-estar e nos defeitos do corpo,
nas trevas da mente e na aridez, no silêncio do coração.
Então somente tu saberás que te amo, embora eu mesmo
nada saiba. Mas isto basta.22
Será que podemos ouvir o palpitar do coração de Deus?
Será que estamos dispostos a ouvir o seu clamor, a partilhar
da sede de seu coração. Você está pronto a dar a sua vida,
sem se preocupar com os holofotes, para que os desejos de
Deus se cumpram?
Deus criou o universo com um propósito: formar uma
família. A história, porém, nos revela a insistente arrogância
da humanidade em rejeitar o amor de Deus e seguir seu
próprio caminho, que fatalmente culmina em tragédia e
desespero. Deus continua buscando embaixadores que
constranjam as pessoas a se reconciliarem com Ele. Deus
procura homens e mulheres que, como verdadeiros artesãos,
não meçam esforços para tecer em parceria com ele uma
nova realidade, uma nova história.

22
A.Santini, Momentos de Amor com Deus, p. 7.

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CAPÍTULO 2

RECONSIDERANDO A
GANDE COMISSÃO

“Seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que


Jesus lhes designara. E, quando o viram, o adoraram; mas alguns
duvidaram. Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a
autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os
dias até à consumação do século”. Mateus 28:16-20 (E.R.A.)

Estou convencido que a ordem missionária precisa ser


repensada. Necessitamos parar e rever algumas verdades já
conhecidas, mas de alguma maneira esquecidas pela igreja.
Quantas vezes já ouvimos essa ordem missionária? Quantas
vezes já ouvimos falar no ide de Jesus. Aliás, creio
pessoalmente que a grande crise da igreja nos dias de hoje é
de coerência, com relação a verdades e posturas que ela co-
nhece, mas se vê incapaz de verberar ou reagir, de tornar
prática no dia a dia.
É comum falarmos, por exemplo, que a Bíblia é a nossa
única regra de fé e prática. Mas, convenhamos, esse é o
nosso discurso, não a nossa prática. Permitimos que uma
série de tradições e costumes denominacionais dirijam nossa
fé e vida, de tal sorte que paralelo à Bíblia, todas as deno-
minações no Brasil já possuem uma espécie de “Talmude
Protestante”.
Pregamos, por exemplo, o sacerdócio universal dos cren-
tes, ponto pacífico nos ensinos dos nossos seminários. Ali-

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22 Artesãos de Uma Nova História

ás, foi essa verdade do sacerdócio universal dos crentes que


detonou o processo da Reforma. Vivemos, porém, um cleri-
calismo exacerbado dentro das nossas igrejas. Dizemos que
todos os cristãos são sacerdotes diante de Deus, mas faze-
mos distinção do que o diácono, por exemplo, pode ou não
pode fazer. Ele pode orar pela Santa Ceia e distribuí-la se
tiver pastor junto, mas não pode impetrar a bênção apostó-
lica. Mulher pode ensinar na escola dominical, porém não
pode subir no púlpito da igreja.
Falamos nos púlpitos nas igrejas que Deus não habita
em templos feitos por mãos humanas, porém transforma-
mos nossos templos em verdadeiros santuários.
Sacralizamos prédios, consagramos lugares, quando na ver-
dade o santuário deveria ser o nosso corpo, que é o verda-
deiro templo do Espírito Santo.
Pregamos a salvação pela fé, mas acrescentamos a pre-
servação da salvação às obras. Ouvimos com freqüência nos
arraiais protestantes que somos salvos pela fé, mas precisa-
mos nos esforçar para ser santos, evidenciando assim uma
incoerência entre o discurso e a prática. Somos salvos pela
fé, santificados pela fé, preservados pela fé, seguros pela fé
e não podemos abrir mão dessa doutrina em momento al-
gum.
Chamo sua atenção, prezado leitor, a um dos textos mais
aviltados na prática diária da igreja: Mateus 28:16-20.
Este texto se constitui num dos mais comentados, mais
pregados e mais conhecidos do Evangelho. Foi o último ser-
mão de Jesus aqui na terra, no qual ele comissionou os seus
onze discípulos mais achegados a perpetuarem a sua mensa-
gem, a darem continuidade ao seu testemunho, a levarem à
frente aquilo que ele começou. Contudo, infelizmente existe
um abismo entre o que lemos nele e o que praticamos.
Gostaria de destacar a grande comissão de Jesus sob três
ângulos: como uma advertência de perigo; como uma afir-
mação de verdades e como um desafio.

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Reconsiderando a Grande Comissão 23

A GRANDE COMISSÃO COMO UMA ADVERTÊNCIA DE


PERIGO
Ao dizer suas últimas palavras aos seus discípulos Je-
sus estava, em primeiro lugar, advertindo-os de alguns pe-
rigos:

Jesus advertiu seus discípulos do perigo de fazer a obra


missionária a partir de estruturas e possibilidades já
existentes.
Eles estavam sendo comissionados a realizar uma obra
com poder e autoridade vindos do alto, a autoridade do pró-
prio Jesus. Eles deviam ir, mas não baseados nas possibili-
dades circunstanciais. Quem os estava comissionando não
era o cenáculo dos judeus, nem o imperador romano, nem o
procurador de Roma, mas aquele que recebeu todo poder e
toda autoridade no céu e na terra, o próprio Senhor Jesus.
Obra missionária não se faz com títulos, dinheiro e organi-
zações. Obra missionária se faz com homens e mulheres que
obedecem à chamada divina, confiados na autoridade de
Jesus.
Na igreja primitiva a obra de Deus foi feita sem recursos
financeiros. Dinheiro na igreja não pode substituir o poder
de Deus, deve vir em resposta a ele. A obra de Deus se faz
através de homens e mulheres que, à semelhança de Pedro e
João, não têm prata nem ouro, mas são instrumentos atra-
vés dos quais o poder de Deus se manifesta.1 Dinheiro, an-
tes de ser uma bênção, é um perigo.
Por isso Jesus diz aos seus discípulos que devem ir porque
ele recebeu todo o poder, toda a autoridade no céu e na terra.
Os grandes heróis da fé foram homens e mulheres que largaram
tudo e saíram pelo mundo errantes, sem saber para aonde iriam,
mas certos de que estavam comissionados por aquele que tinha
todo o poder no céu e na terra.

1
Cf. Atos 3:1-8.

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24 Artesãos de Uma Nova História

Eclesiastes nos admoesta que “quem fica observando o


vento não plantará, e quem fica olhando para as nuvens,
não colherá”.2 Se esperarmos por circunstâncias ideais para
fazer a obra de Deus, perderemos nosso tempo, pois elas
não virão nunca. Não podemos depender das circunstâncias
para realizar a obra de Deus, mas daquele que tem todo o
poder no céu e na terra.

Jesus advertiu seus discípulos quanto aos perigos da


institucionalização do ide.
Ele disse “Ide”. Mas para os cristãos, ide pode significar
muitas coisas. Gostamos de dizer que se alguém não pode
ir, pode fazer missões contribuindo ou orando, mas alguns
aproveitam para usar isso como desculpa.
Certa vez ouvi um seminarista pregando e ansioso por
impressionar o auditório, começou a dar lições de grego,
mas suas contribuições eram totalmente redundantes. “Es-
tudando o texto bíblico”, ele disse, “pesquisei a palavra
‘nada’, e ’nada’ em grego, meu irmão, significa vazio, oco,
nada”. Nesse momento me perguntei: “Então para que falar,
se significa a mesma coisa que em português?”
Jesus advertiu os discípulos do perigo de interpretarmos o
ide ao nosso bel prazer. Quantas vezes ouvimos dizer que se
não podemos ir, podemos pagar um missionário para ir em
nosso lugar, ou orar pelos que já foram. Mas, pesquisei no gre-
go o sentido dessa palavra e fiz uma descoberta fantástica:
“Ide” em grego tem o sentido de ir! Logicamente nem todos
podem ir para a China ou para o Japão, mas qualquer um pode
atravessar a rua e ir falar com o vizinho. O importante é ir, a
distância a ser percorrida é apenas um detalhe. O que não po-
demos é substituir o ir por pagar, por orar, ou por qualquer
outra coisa. Todas essas coisas são necessárias, mas uma não
substitui a outra. Jesus também disse que o semeador saiu a

2
Eclesiastes 11:4

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Reconsiderando a Grande Comissão 25

semear. Precisamos sair de nossa própria zona de conforto e


semear essa Palavra capaz de transformar vidas.
Por favor, não substitua o ide por nada. Se você não pode
ir ao Japão, vá ao outro lado da rua. Se não pode ir à França,
pegue um ônibus e vá evangelizar na Praça da Sé. Se não
pode ir para a região amazônica, vá evangelizar na favela,
na cadeia, no seu escritório, no estádio de futebol. Mas vá.
Não fique parado onde está. Não interprete o ide de Jesus de
outra maneira. Ir significa ir mesmo.

Jesus advertiu seus discípulos do perigo de permitir que o


discurso substitua a encarnação da vida.
Jesus sabia que a tendência do cristianismo seria tornar-
se um cristianismo de púlpito e de discursos, por isso orde-
nou: “Fazei discípulos”. Antes de ser uma religião de discur-
sos, cristianismo é vida gerando vida. Cristianismo deve ser
transmitido olho no olho, de coração a coração.
Havia um rapaz na Betesda que só falava em missões.
Um dia o desafiei a começar trabalhando com os novos
convertidos da igreja, ao que ele replicou que sua chama-
da era para pregar de púlpito, pois se inspirara em ser
pregador quando me via pregar no púlpito da igreja. En-
tão lhe respondi: “Rapaz, não se impressione tanto com a
pregação. Pregar não é nem dez por cento do meu minis-
tério. Você nem imagina quantas madrugadas já passei
com casais, tentando reconciliá-los; quantas horas passo
trabalhando diretamente com vidas, conversando, acon-
selhando, evangelizando; quanto tempo passado com Deus
em oração. Pregar é apenas a pontinha do iceberg. Não se
faz missões de púlpito, e sim repartindo vida”.
Existem igrejas querendo se estabelecer com base em es-
petáculos e shows. O pastor só entra no culto depois que ele
começou, e todos ficam em pé para bater palmas, enquanto
ele passa pelos corredores. As luzes são apagadas e os holo-

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26 Artesãos de Uma Nova História

fotes se concentram sobre ele, que hipocritamente pede: “Não


olhem para mim, olhem para Jesus!”.
Cristianismo lida primordialmente com caráter, com pesso-
as, com exemplos, com modelos. Vida transmitindo vida. Pau-
lo podia dizer: “Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de
Cristo”.3 Fazer missões é fazer discípulos.

Jesus advertiu os discípulos contra o perigo de reduzirem o


Evangelho a um microcosmo paroquial.
Jesus disse aos discípulos que eles deviam fazer discípu-
los de todas as nações. Na cabeça deles, porém, todas as
nações significava anunciar o Evangelho de Jesus Cristo aos
prosélitos, aos judeus de outras nações, espalhados pelo
mundo romano de então. Jesus queria deixar claro, porém,
que a abrangência do Evangelho não se limita a um grupo
específico, não incluía apenas os judeus, por mais espalha-
dos que estivessem sobre a face da terra, mas destinava-se
literalmente a todas as nações, a todas as raças, todos os
povos, todas as tribos, todas as línguas.
Este ponto é importante, pois à semelhança dos discípu-
los, também corremos o perigo de limitarmos o Evangelho ao
nosso microcosmo, à nossa própria paróquia. Mas a adver-
tência de Cristo é à igreja que tem de assumir um compromis-
so desregionalizado. O escopo de ação da igreja tem de ser o
mundo inteiro, os confins da terra. Estava certo João Wesley,
que disse: “O mundo é a nossa paróquia”.
Uma vida medíocre é aquela que se contenta com hori-
zontes pequenos e estreitos. Se você quiser viver uma vida
extraordinária, saia do seu pequeno mundo restrito e come-
ce a pensar globalmente.
Jesus nos desafia a alcançarmos as nações, mas alguns
se contentam com seu próprio quintal. Muitos têm como alvo
na vida impressionar os vizinhos com a roupa que usam, o

3
I Coríntios 11:1

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Reconsiderando a Grande Comissão 27

carro que dirigem, e a caneta que põem no bolso. Jesus, po-


rém, continua dizendo: “Eu quero dar a vocês um projeto de
vida que seja global, grande, que alcance as nações da terra”.
Há pouco tempo eu não passava de um guri que vivia
correndo pelas ruas da cidade de Fortaleza, no Ceará, com
estilingue preso no calção, com medo de levar tiro de espin-
garda de sal por roubar manga nas chácaras dos vizinhos.
Hoje me reúno com os membros da secretaria de missões da
nossa igreja para discutir como poderemos afetar o povo de
Moçambique, como impactar nações com a mensagem do
Evangelho. Deus quer alargar as dimensões dos nossos
sonhos. Quando você dispuser-se a sair da sua zona de con-
forto, e entregar-se nas mãos de Deus, pensando globalmente,
poderá fazer diferença em lugares que nunca imaginou, e
começará a afetar as nações da terra.

Jesus advertiu os discípulos a não permitirem que as


estruturas eclesiásticas inibissem o ímpeto evangelístico.
Jesus deixou claro que o sinal de uma igreja viva é que
ela batiza em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo.
Conheço dezenas de igrejas no Brasil, que têm as estrutu-
ras eclesiásticas bem montadas, porém não batizam mais “em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, porque não têm
quem batizar. Conheço igrejas que há setenta e cinco anos têm
120 membros e há muitos anos não batizam ninguém.
Jesus avisou que a igreja devia ter pecadores no seu altar
quando se esquematizasse e começasse a ter vida. Deixe-me
falar-lhe missionário, pastor, evangelista, professor de semi-
nário, líder de centro de treinamento de missões: Se o seu altar
encontra-se vazio de pecadores, o batistério da igreja, seco, es-
queça os títulos que você tem pendurado na parede, rasgue o
seu diploma de missionário ou de seminarista, ponha o rosto
em terra, porque algo está tremendamente errado. Precisamos
clamar e pedir a Deus por avivamento.

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28 Artesãos de Uma Nova História

Spurgeon, chamado de “Príncipe dos Pregadores”, certa


vez enviou um pastor para abrir um campo missionário na
Inglaterra. Seis meses depois ele escreveu de volta dizendo
que não havia ganhado ninguém para Jesus; após várias
cartas indo e vindo com conselhos de Spurgeon para reali-
zar mais cultos evangelísticos, melhorar o programa de es-
cola dominical, e nada funcionar, Spurgeon replicou: “Agora
tente as lágrimas, porque este é um instrumento poderoso
nas mãos de Deus”. Lembremo-nos da promessa do Senhor
no Salmo 126:6: “Aquele que sai chorando enquanto lança a
semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os seus
feixes”.

Jesus advertiu seus discípulos que a ortodoxia só faz


sentido quando ela preserva a história: “ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”.
O problema é que ensinamos as pessoas a guardarem o
que Jesus não pregou. Ser ortodoxo só faz sentido quando
preserva o que Jesus ensinou. Conheço pessoas guardiãs de
Ata da igreja ou de templos, em vez de serem guardiãs dos
ensinamentos de Jesus.
Quando dizemos que as nossas denominações são his-
tóricas, não queremos dizer que são velhas e sim que têm a
responsabilidade de passar na história o bastão que recebeu
do que Jesus ensinou. Ser ortodoxo bíblico significa ser
guardador de princípios e nunca de métodos. Os princípios
são eternos e os métodos são trabalháveis. Ser ortodoxo,
biblicamente falando, significa ser zeloso com o conteúdo e
nunca com as estruturas. Ser ortodoxo bíblico significa ser
protetor do espírito e não da lei.

Jesus alertou contra o perigo de absorverem a idéia


constantina de que é possível converter o mundo todo.
“E eis que estou convosco todos os dias até à consuma-
ção do século”. Jesus sabia que seríamos sempre a escória

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Reconsiderando a Grande Comissão 29

da sociedade, um espinho engasgado na nossa geração, um


calo doendo no sapato da nossa história, mal compreendi-
dos, perseguidos, mal amados, por isso prometeu estar
conosco como um parácleto que consola e conforta até a
consumação dos séculos.
Jesus prometeu estar conosco porque o seu Espírito derra-
maria do seu amor nos nossos corações e convenceria o mundo
do pecado, da justiça e do juízo. Ele disse que teríamos carência
de líderes, que não teríamos homens para nos mirarmos. Por
isso nos avisou para termos bom ânimo porque ele seria o
padrão de um líder, de um grande vencedor.
A ansiedade e o medo, portanto, apenas demonstram falta
de percepção da presença de Deus e de sua graça futura.
Conhecemos a promessa, mas muitas vezes somos incapa-
zes de crer que o mesmo Deus que está conosco hoje conti-
nuará conosco daqui a cinco anos. Temendo o que pode acon-
tecer, e não sabendo como Deus vai comportar-se daqui a
cinco anos, ficamos ansiosos. Daqui a cinco anos, porém, a
graça de Deus que nos trouxe até aqui permanecerá exata-
mente a mesma. Deus não muda. Se Ele prometeu estar
conosco todos os dias, até a consumação dos séculos, pode-
mos ter a certeza de que com ele podemos saltar muralhas,
desbaratar exércitos, fechar a boca da poderosa serpente.
Precisamos tomar cuidado para não perder a sensibilidade
da parceria, do companheirismo e da amizade de Deus, por-
que agindo assim nunca temeremos nada.

A GRANDE COMISSÃO COMO UMA AFIRMAÇÃO DE


VERDADES
A igreja moveria no poder sobrenatural.
“É me dado todo o poder nos Céus e na Terra”. O poder
do qual Jesus está falando é o mesmo poder da palavra que
Deus usou para criar o universo. É o mesmo poder que res-
suscitou a Cristo dentre os mortos, o seu poder sobre a na-
tureza, sobre os demônios, poder para perdoar pecados, para

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30 Artesãos de Uma Nova História

curar toda sorte de enfermidade, poder sobre a morte. Este


mesmo poder encontra-se à disposição da igreja de Jesus
para realizar a sua obra.
Os discípulos se encontravam prestes a abraçar um pro-
jeto de conquista do mundo, de revolução das estruturas da
sociedade, que só poderia dar certo porque Jesus tinha toda
autoridade no céu e na terra. Se esta frase fosse somente
um jargão religioso, o fracasso seria eminente.
Quando Jesus viveu aqui na terra ele exercitou poder e
autoridade em todas as dimensões. A Bíblia Sagrada afir-
ma, por exemplo, que quando Jesus pregava as multidões se
maravilhavam, “porque ele as ensinava com quem tem
autoridade, e não como os mestres da lei”.4
Certa vez, um centurião romano, cujo servo encontrava-
se muito doente, aproximou-se de Jesus e disse: “Senhor,
dize apenas uma palavra, e o meu servo será curado: Pois
eu também sou homem sujeito à autoridade e com soldados
sob o meu comando. Digo a um: Vá, e ele vai; e a outro:
Venha, e ele vem. Digo a meu servo: Faça isto, e ele faz”.
Jesus admirou-se da fé do centurião, e exerceu sua própria
autoridade curando o seu servo à distância, naquele mesmo
instante.5
Jesus exercitou autoridade quando perdoou pecados. Um dia
trouxeram um paralítico a Jesus, e Ele disse que seus pecados
estavam perdoados. Ao ouvir essa palavra, os fariseus se
revoltaram interiormente, raciocinando em seu íntimo: “Quem
pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” Jesus lhes dis-
se: “Por que vocês estão remoendo essas coisas em seu coração?
Que é mais fácil dizer ao paralítico: Os seus pecados estão per-
doados, ou: Levante-se, pegue a sua maca e ande? Mas, para
que vocês saibam que o Filho do homem tem na terra autoridade
para perdoar pecados” – disse ao paralítico – “eu lhe digo: Le-

4
Mateus 7:29
5
Cf. Mateus 8:5-13

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Reconsiderando a Grande Comissão 31

vante-se, pegue a sua maca e vá para casa”. E o homem levan-


tou-se na mesma hora, e foi para sua casa.6
Jesus, portanto, exerceu autoridade, e ainda outorgou
essa autoridade aos seus discípulos: “Chamando seus doze
discípulos, deu-lhes autoridade para expulsar espíritos imun-
dos e curar todas as doenças e enfermidades”.7
Ao ressuscitar, porém, sua autoridade não residia apenas
na terra, mas também no céu, como afirma a Bíblia Sagrada
ao declarar que Jesus “humilhou-se a si mesmo e foi obediente
até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais
alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na
terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo
é Senhor, para glória de Deus Pai”.8
Se você quer que sua vida saia do ordinário, adquira
uma dimensão sobrenatural e valha a pena, você precisa do
extraordinário de Deus.

A igreja seria capaz de encarnar a vida de Deus a ponto de


gerar vida, fazer discípulos.
Fazer discípulos significa impregnar a vida de Deus no
próximo, inspirar outros a quererem a vida de Deus que te-
mos, influenciar os hesitantes, os mornos, os que coxeiam e
serpenteiam entre dois caminhos a quererem a nossa mes-
ma vida de triunfo. Em suma, fazer discípulos significa en-
sinar com vida e não com palavras.
Devemos viver de tal maneira que as pessoas que convi-
vem conosco queiram adotar para si o nosso estilo de vida,
queiram ser nossos aprendizes, como um jogador de tênis
que olha para o Guga, ídolo do tênis brasileiro, e quer jogar
como ele. Triste é ouvir pessoas desprezando a mensagem

6
Cf. Lucas 5:17-26
7
Mateus 10:1
8
Filipenses 2:8-11

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32 Artesãos de Uma Nova História

do Evangelho por causa de maus exemplos de fulano ou


sicrano.
Jesus disse aos seus discípulos que, à medida que fos-
sem caminhando, deveriam ir tocando vidas, formando
aprendizes, pessoas que fossem se espelhando neles, repro-
duzindo seu estilo de vida. Ser extraordinário significa viver
uma vida que outros queiram imitar. O apóstolo Paulo olhava
para a igreja e dizia: “Tornem-se meus imitadores, como eu
o sou de Cristo”.9 Será que seus filhos desejam imitar você?
Será que ao conviver com você as pessoas são inspiradas a
viver segundo o estilo de vida de Jesus? Isso é viver uma
vida excelente, fora do comum, extraordinária. Isso é fazer
discípulos.

A igreja preservaria a catolicidade do Cristianismo, rege-


nerando a cultura das nações mas não violando-a
Nesse processo de alcançarmos as nações com o Evan-
gelho, porém, precisamos ter sempre em mente que o verda-
deiro cristianismo não deturpa os costumes, apenas os
santifica. A igreja precisa entender isto para que sejamos
sempre mais cristãos do que brasileiros. Precisamos ser
sempre mais cristãos do que batistas, presbiterianos ou
metodistas, porque Deus é um Deus multicolorido, de
multinacionalidades. Estão errados os brasileiros quando
afirmam que Deus é brasileiro.

A igreja deve preservar a sua unidade.


Quando Paulo fala em um só batismo, uma só fé, um só
Senhor, ele está expressando a unicidade do Cristianismo. Em-
bora tenhamos matizes diferentes, culturas diferentes, perfis
denominacionais diferentes e falemos línguas diferentes, fa-
zemos parte da única igreja. A igreja do batismo no corpo de
Cristo, no novo nascimento. Somos todos um porque já alveja-
mos as nossas roupas no sangue do cordeiro.
9
1Coríntios 11:1

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Reconsiderando a Grande Comissão 33

A igreja concentraria na proclamação e no ensino a sua


força da expansão.
A obra missionária se faz, especialmente, através da procla-
mação, do kerigma, do anúncio das Boas Novas do Evangelho.
Quantas missões já fracassaram porque quiseram fazer missões
através da filantropia, abrindo hospitais, que realmente são belos,
mas tornam-se simplesmente mais um hospital na cidade. Jesus
afirmou que a obra da evangelização é essencial: “Ensinando-
os a guardar essas coisas que vos tenha ordenado”. Fazem-se
missões através da pregação do Evangelho. O símbolo do
cristianismo no Novo Testamento não é uma cruz, e sim línguas
em fogo. A obra de Deus se realiza com pastores, missionários,
pregadores, evangelistas, professores que anunciem a mensa-
gem de Jesus Cristo debaixo da unção do Espírito Santo. “Como
crerão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem
enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que
anunciam coisas boas!”.10

A igreja faria missões através de fatos e de verdades


históricas.
Guardar o que Cristo ensinou significa que esta mensa-
gem não é fruto do sonho de um Moon, nem da visitação
angelical a um Joseph Smith, nem da visitação mediúnica
de um Alan Kardec. É a mensagem que Jesus Cristo pregou
há dois mil anos e que varou séculos através da palavra
escrita que é a Bíblia Sagrada.

Só se pode fazer missões com expectativas escatológicas.


Estamos trabalhando, lutando, mas com a expectativa
que num desses dias Jesus consumará os séculos. Você pode
ser pré, pós, midi-tribulacionista, o que quer que seja. Te-
mos somente uma certeza: Ele voltará. Não importa o tipo
de doutrina que se tem – Ele vai voltar. E é isso que move a

11
Cf. Mateus 25:23

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34 Artesãos de Uma Nova História

igreja de Jesus Cristo. Porque o apóstolo João nos diz, em I


João 3: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não
se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quan-
do ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque ha-
veremos de vê-lo como ele é”.
E o último brado da igreja é Maranata, ora vem Senhor
Jesus Cristo! Espero meu Senhor a qualquer hora. Trabalho
com esta ponta de esperança na alma. Ele vai voltar! E a
consumação dos séculos acontecerá. E quando este momen-
to chegar, quero que ele bata no meu ombro e diga: “Ricardo,
chegou a hora. Bem feito servo bom e fiel. Entra agora para
o gozo do teu Senhor”.11 Jesus pregou a mensagem do ide e
calcou no coração da igreja que trabalhasse esperando a
qualquer momento o alarido que vai ecoar dos céus.

A GRANDE COMISSÃO COMO UM DESAFIO


Que o poder pentecostal nos lance à ação.
Ide! Há tempo para refletir, mas hoje é tempo de agir. Há
tempo de meditar, mas agora é o tempo de marchar. Há tempo
de criticar, mas agora é tempo de abrir novas estradas. Ele
chamou os discípulos e lhes prometeu um poder que os
impulsionaria a singrar os mares, desbravar matas, rebentar
com padrões culturais pecaminosos e mostrar sinais do reino
de Deus. Sem ativismos, sem urgências, sem messianismos,
mas com ousadia, paixão e determinação eles foram adiante
e fizeram diferença. O mundo foi transformado porque eles
acreditaram que o poder pentecostal não os faria mais felizes,
porém mais apaixonados, não vinha para ajudá-los em seus
problemas imediatos, mas para ajudá-los a vencer o desafio
missionário.

11
Cf. Mateus 25:23

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Reconsiderando a Grande Comissão 35

Que o poder pentecostal nos ajude na transformação.


Fazei discípulos! Àqueles que estavam presos à idola-
tria, fazer discípulos significava uma mudança tão radical
que se entulhavam as praças com o produto dos artífices
religiosos. Aos que viviam um estilo de vida preso aos pa-
drões de lascívia, mentira, bebedeira, roubo, injustiça, fazer
discípulo significava despir-se desses padrões para revestir-
se de um novo homem recriado segundo Deus.
Eles não deveriam apenas efetivar uma programação re-
ligiosa, anunciar um novo sistema doutrinário, uma
codificação mais elaborada do judaísmo. Jesus os convocou
para buscarem a transformação radical de homens e mulhe-
res em seus seguidores. Se antes eram estrangeiros, agora
serão filhos íntimos na família de Deus. Se antes eram igno-
rantes às verdades do reino, agora serão praticantes da jus-
tiça. Se antes viviam um estilo de vida dissoluto, agora bus-
cam ser íntegros como o próprio Deus. Se antes tinham por
pai o Diabo, agora são chamados filhos de Deus. Aqueles
discípulos receberiam um poder pentecostal não muito de-
pois da Grande Comissão para que fossem artesãos de no-
vos homens.
O novo homem que Nietzsche apenas vislumbrou como
possibilidade filosófica, o novo homem que Hitler sonhou
através da sua revolução étnica, o novo homem que Chardin
esperou como desenvolvimento histórico, o novo homem que
a dialética materialista produziria no sistema marxista só
aconteceu de verdade em Atos 4.32:

“Da multidão dos que creram era um o coração e


a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua
nem uma das coisas que possuía; tudo, porém,
lhes era comum. Com grande poder os apóstolos
davam testemunho da ressurreição do Senhor Je-
sus, e em todos eles havia abundante graça. Pois
nenhum necessitado havia entre eles, porquanto

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36 Artesãos de Uma Nova História

os que possuíam terras ou casas, vendendo-as,


traziam os valores correspondentes e deposita-
vam aos pés dos apóstolos, então, se distribuía a
qualquer um à medida que alguém tinha necessi-
dade”.

Que o poder pentecostal se concretize em integração.


“Batizando-os em o nome do Pai, e do Filho, e do Espíri-
to Santo”! Jesus lhes prometeu um poder que gerava novos
homens – discípulos – mas não os largava para que solitari-
amente lutassem para forjar o amanhã. Eles precisariam for-
mar comunidades coesas, apoiar uns aos outros para que o
poder que lhes prometia, o poder do Espírito do próprio Deus,
não se perdesse inutilmente pelo ralo do individualismo. Para
isso, cada novo discípulo teria de ser integrado na igreja
pelo batismo. O batismo – rito tão comum entre os essênios
e tão popular com João Batista – agora não era apenas para
a remissão de pecados, mas para legitimar novos filhos na
família de Deus. Integrados, formariam comunidades sau-
dáveis, terapêuticas, em que o amor de Deus se adensaria
nas pessoas.

Que o poder pentecostal se manifeste em instrução.


“Ensinando-os a guardar tudo o que vos tenho ordena-
do”. A igreja exerceria, sob o poder iluminador do Espírito, a
nobre tarefa de instruir. Através do ensino, não somente a
verdade seria manifesta mas as pessoas seriam transforma-
das. Aprenderiam a conhecer com profundidade os seus en-
sinos, aplicá-los em suas vidas e a multiplicá-los na vida de
outros. A instrução não seria alicerçada apenas na autori-
dade de quem falava, mas seria transformadora. Deveria ge-
rar pessoas mais parecidas com o caráter de Jesus.

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Reconsiderando a Grande Comissão 37

Que o poder pentecostal se concretize em afirmações.


“E eis que estou convosco todos os dias até a consuma-
ção dos séculos”. O poder que viria depois de Mateus 28
daria à igreja a convicção de que em todas as suas batalhas,
desafios, inquietações, medos, fragilidades, Jesus estaria
presente, pelo seu Espírito, que é também chamado de Espí-
rito de Cristo – para que os crentes pudessem afirmar como
afirmaram: “Em todas essas coisas somos mais que vence-
dores”.12
De onde veio tanta firmeza aos primeiros cristãos que fo-
ram mortos nas arenas e nos jogos romanos? Aos reformadores
quando perceberam que a verdade do Evangelho se diluía em
superstições? De onde veio o poder que levou missionários
para terras tão longínquas a fim de que Cristo fosse conhecido
de todas as nações? Aonde os cristãos da pós-modernidade
vão buscar autoridade para continuarem afirmando que há
somente um Deus e somente um mediador entre Deus e os
homens? Da promessa que lhes fez de fazer sua morada não
em catedrais mas no coração daqueles que já alvejaram suas
vestes no sangue do Cordeiro.
A mensagem que recebemos de Mateus 28.18-20 é que
ele estará ao nosso lado quando se encerrar a história e com
ele reinaremos pelos séculos vindouros. Portanto, mais uma
vez: Maranata! Ora vem, Senhor Jesus.

12
Romanos 8:37

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CAPÍTULO 3

POR QUE DEVEMOS EVANGELIZAR?

“Eu mesmo, irmãos, quando estive entre vocês, não fui com
discurso eloqüente, nem com muita sabedoria pra lhes proclamar
o mistério de Deus. Pois decidi nada saber entre vocês, a não ser
Jesus Cristo, e este, crucificado. E foi com fraqueza, temor e com
muito tremor que estive entre vocês. Minha mensagem e minha
pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria,
mas consistiram de demonstração do poder do Espírito, para que
a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas no
poder de Deus”. I Coríntios 2:1-5

O apóstolo Paulo deixa evidente em sua primeira epís-


tola aos Coríntios que era movido por um ideal extrema-
mente forte. Ele era um homem que tinha um objetivo claro
na vida, uma paixão que permeava suas entranhas e o im-
pelia a avançar, não importando os obstáculos: anunciar a
Cristo como Senhor e Salvador.
Talvez você se pergunte: Qual o segredo de Paulo? Na
verdade, ele nada tinha de especial do que pudesse se van-
gloriar, pois seu passado era vergonhoso. Ele não tinha ri-
quezas, dispunha apenas do suficiente para sobreviver. Até
mesmo as coisas que em certa época de sua vida ele consi-
derara vantagem, como sua linhagem, sua educação religi-
osa e seu zelo, de repente ele descobriu que nada daquilo
tinha valor, e passou a considerar tudo como esterco.1
Os desafios que Paulo enfrentou em seus dias não eram
diferentes dos que enfrentamos atualmente. O Espírito San-
to que tomou conta de sua vida é o mesmo Espírito que
habita em nós ainda hoje. Paulo levou uma vida difícil. Certa
vez, Paulo enfrentou ferrenha perseguição em uma cidade,
por homens determinados a tirar-lhe a vida. Poderíamos ima-
1
Cf.Filipenses 3:8

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40 Artesãos de Uma Nova História

ginar que Deus enviou uma coluna de fogo ou um exército


de anjos para salvá-lo, mas nada disso aconteceu. Coloca-
ram-no dentro de um cesto de palha, desceram-no pela
muralha da cidade, e ele teve de fugir como um marginal,
um bandido comum.2
Em outra ocasião Paulo viajava como prisioneiro em
um navio que estava indo a pique, Deus falou a Paulo atra-
vés de um anjo que não poderiam salvar o navio, mas que
ninguém morreria, só a carga seria perdida. Deus, porém,
não enviou uma carruagem de fogo para resgatar seu ser-
vo. Ele teve de salvar-se nadando e se agarrando em des-
troços do navio, como todos os outros.3 Não havia nada de
especial na vida de Paulo, sua realidade não era diferente
da nossa. No entanto, ele era consumido por algo que nos
falta. Quando me ajoelho em oração, o Espírito Santo de
Deus me desafia dizendo: “Ricardo, falta-lhe algo ainda”.
Quando olho do púlpito da minha igreja e vejo bancos ainda
vazios, o mesmo pensamento sobe ao meu coração: “Falta
algo à igreja do Senhor Jesus Cristo, falta algo em nossos
corações”.
O que Paulo guardava tão forte em seu coração que não
temos nos dias de hoje? Uma santa obsessão de evangelizar.
O santo desejo de ganhar almas para Cristo, de anunciar a
este mundo que Cristo salva, que ele é Senhor e Salvador.
Há crentes que passaram a vida inteira dentro de uma
igreja e comparecerão diante do Tribunal de Cristo sem ter
ganho uma única alma para ele. A igreja do Senhor Jesus
precisa desse algo mais que movia Paulo e outros cristãos
da igreja primitiva a conduzirem homens e mulheres ao ple-
no conhecimento de Deus, apesar da perseguição que en-
frentavam. Falta-nos esse ardor pentecostal no evangelismo.
Talvez ao ler estas páginas surja em seu coração a se-

2
Cf. Atos 9:23-25
3
Atos 27:13-44

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Por que devemos evangelizar? 41

guinte questão: “Por que, afinal de contas, isso é tão impor-


tante? Por que a igreja precisa tanto evangelizar?”

Por causa da urgência populacional.


Apesar de ser considerado um dos países mais
evangelizados do mundo, o Brasil ainda tem dezenas de
municípios onde o número de evangélicos não alcançou 1%
da população, e centenas deles possuem menos de 5% de
evangélicos. A região norte conta com mais de 30.000 cida-
des ribeirinhas sem igrejas, e quase metade das 240 tribos
indígenas brasileiras ainda não foram atingidas pelo Evan-
gelho.4
Se quisermos ganhar nossas cidades para Cristo, preci-
samos mais do que simplesmente distribuir boletins da igreja
antes dos cultos, mais do que um coral bem afinado, mais
do que uma boa banda: precisamos do fervor de Deus em
nossas almas!

Por causa da urgência da morte.


A cada minuto, 147 pessoas deixam esta vida. Morrem
211.680 pessoas todos os dias ao redor do mundo. A morte
é uma urgência!
O que impeliu homens como Hudson Taylor ou Carlos
Finney a pregar o Evangelho de Cristo com tanto fervor foi
essa urgência da morte. Dizem que certo dia Carlos Finney
estava orando na floresta, suplicando a presença de Deus, e
de repente Deus lhe deu como que uma visão de almas de
homens e mulheres caindo no inferno como uma cachoeira.
A partir daquele dia Finney levantou-se como um dos mais
poderosos evangelistas que o mundo já conheceu, pregando
o Cristo crucificado.

4
Dados baseados nas pesquisas do IBGE 1991; SEPAL 1997.

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42 Artesãos de Uma Nova História

Guardamos tempo para tudo nesse mundo, mas não para


falar de Cristo a outras pessoas. Temos dinheiro para tudo,
menos para investir na obra do Senhor, para divulgar e pro-
pagar o precioso nome de Cristo Jesus. Outro dia li estarrecido
que o comércio de drogas é quatro vezes maior do que todo
dólar que circula no mundo inteiro! O diabo tem dinheiro
para fazer a melhor propaganda de pornografia, para pagar
os melhores artistas de cinema, os melhores salários para
as pessoas que estão vivendo no submundo. Mas quando se
trata da obra do Senhor, temos de implorar centavo por
centavo, fazendo apelos financeiros fervorosos até para
termos o suficiente para pagar as contas de luz e água da
igreja.
Falta paixão pelas almas. Porém, quando a igreja se en-
contra em chamas pelo evangelismo, a liberalidade se mani-
festa e surgem recursos suficientes não só para as despesas
do dia-a-dia, como também para sustento de obreiros e o en-
vio de missionários para outros países.

Por causa da batalha que o inferno está travando, visando


as almas dos homens.
Há um complô do inferno para destruir o ser humano.
Satanás está fazendo de tudo para acabar com a raça huma-
na, as mentes, os lares, as famílias. Existe tanta miséria,
tanto choro, tanta lágrima, tanta imundície nos dias de hoje.
E todas as tábuas de salvação da sociedade já se foram. Não
existe mais esperança. Observe que na passagem do século
XIX para o século XX a esperança residia na filosofia. Foi
então que despontaram os grandes filósofos do mundo atu-
al. Foi nessa época que viveram homens como Nietzsche e
Karl Marx. Parecia que tudo ia bem, que a filosofia ia resol-
ver todos os conflitos da humanidade. Então estourou a pri-
meira guerra mundial, e os sistemas políticos começaram a

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Por que devemos evangelizar? 43

se organizar. A Rússia se organizou debaixo da liderança de


homens como Lênin e Stálin. Veio a organização política
fascista, o nazismo, as democracias se arraigaram e os
sistemas ditatoriais se espalharam com Franco e Salazar.
Mas o sistema político foi por terra quando a segunda guer-
ra mundial estourou. Depois disso, a ciência começou a
desabrochar. Estourou nos anos 50 e 60 e prosperou de for-
ma nunca imaginada pelo homem. Em vinte anos houve mais
avanço científico do que nos dois ou três mil anteriores. Com
o avanço da ciência, porém, parece que os problemas se alas-
traram. As guerras proliferaram, a fome no mundo aumen-
tou e a miséria se espalhou. O homem começou então a
procurar um sistema que resolvesse seus problemas, bus-
cando nas religiões orientais, mas também não encontrou
nelas soluções. Buscou nas drogas, mas as drogas, nem o
prazer e o divertimento resolveram. Na verdade, só existe
um sistema que pode resolver a miséria da raça humana: a
pregação do Evangelho do Senhor Jesus Cristo, Senhor e
Salvador de nossas vidas.
Satanás continua na sua cruzada e você, que conhece a
verdade de Jesus, permanece de braços cruzados como se
Satanás tivesse conseguido amarrar as mãos e os pés da
igreja. A Bíblia diz: “Estejam alertas e vigiem. O Diabo, o
inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procu-
rando a quem possa devorar”.5

Por causa da nossa responsabilidade perante Deus.


Jesus lançou sobre nós a responsabilidade de anunciá-lo
perante os homens. Ele pediu que o proclamássemos, orde-
nou que fôssemos suas testemunhas. Um crente que não
prega o Evangelho está fugindo de sua responsabilidade
perante Deus. “Jesus aproximou-se deles e lhes disse: ‘Toda

5
I Pedro 5:8

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44 Artesãos de Uma Nova História

autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, vão e


façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obede-
cer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com
vocês, até o fim dos tempos’.”6
Ninguém se engane: um dia estaremos perante a face do
Senhor, e teremos de prestar contas do que fizemos com o
talento que ele nos confiou, se falamos dele, se o anuncia-
mos àqueles que não o conheciam.

Porque desde quando conhecemos a Jesus como Senhor e


Salvador, sua mensagem borbulha em nossos corações.
Como é possível alguém conhecer o gozo da salvação e
estar sentado no banco da igreja, sem força, sem ânimo,
sem desejo de compartilhar essa mensagem maravilhosa com
outras pessoas? Você pode ser perito em religião, conhecer a
Bíblia em sua totalidade, ser diplomado em Teologia, mas
se não tem o desejo de compartilhar Cristo com as pessoas
ao seu redor, deve questionar a validade de sua experiência.
No dia em que você conhecer Jesus como Senhor e Salvador,
você vai ter uma mensagem efervescendo dentro de sua alma.
Algo vai tocar as fibras de seu coração, e você vai querer
falar de Jesus a todas as pessoas.
É fácil reconhecer um crente apático diante de Deus.
Ele sabe falar sobre futebol, sobre cinema, discutir política
e religião, mas não sabe falar de Jesus. Ele pode discorrer
sobre os mais variados assuntos, mas não sabe apresentar
para alguém o plano da salvação; falta-lhe a ebulição do
amor de Cristo.
Certa mulher samaritana foi buscar água no poço de Jacó,
e ali teve um encontro maravilhoso com Jesus.7 Muitos não
crêem que existam mulheres evan-gelistas, mas após aque-
le encontro a mulher sama-ritana saiu pelas ruas da cidade
6
Mateus 28:18-20
7
Cf. João 4:1-42

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Por que devemos evangelizar? 45

proclamando: “Encontrei o Messias! Venham conhecer


alguém que falou tudo sobre minha vida; ele é o Messias,
ele é o Messias!” Essa mulher nunca fizera seminário, não
freqüentava igreja e nem tinha Bíblia, mas seu coração foi
inflamado pelo seu encontro com o Salvador, e ela não con-
seguiu ficar calada.
Que possamos ter esse mesmo fogo em nossas almas.
Que o amor de Jesus nos constranja, nos consuma, seja a
força motriz de nossas vidas. Então proclamaremos Jesus
com ousadia, e as pessoas se converterão a ele.

Por causa da nossa própria família.


Precisamos pensar em nossos filhos. Quem não evangeliza,
acaba perdendo a própria família. Quem não fala de Jesus a
outros, acaba esquecendo-se de falar dele em seu próprio lar.
E estamos passando por uma crise no ensino bíblico nas igre-
jas. A freqüência nas escolas dominicais nas igrejas tem caído
a cada mês porque os crentes não têm mais desejo de ganhar
seus filhos e sua família para Cristo. Pais que não levam seus
filhos à escola dominical um dia arrepender-se-ão. Quando
começarmos a sentir a responsabilidade de pregar o Evange-
lho para os outros, desejaremos também ganhar nossos fa-
miliares para Cristo.

Para que o sacrifício do Senhor não seja em vão.


Quando crucificaram a Jesus, sua morte não foi uma derro-
ta, e sim uma vitória. Mas a morte de Jesus só tem valor para
quem o aceita. Não queremos que o sacrifício do nosso Senhor
seja em vão, por isso devemos anunciar a todos quantos quei-
ram ouvir que Jesus morreu pelos nossos pecados, e cada um é
convidado a fazer parte do reino de nosso Pai celestial. Se você
ama a Jesus, você também vai querer que o seu sacrifício tenha
eficácia na salvação de muitas vidas.
O apóstolo Paulo amava tanto a Jesus que não queria que
o sacrifício de Jesus fosse em vão e anunciava em todos os

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46 Artesãos de Uma Nova História

lugares, incansavelmente, o amor de Deus. Na sua casa, de


porta em porta, nas esquinas, nas praças, em todos os luga-
res que podia ele anunciava a salvação em Cristo Jesus.

Porque Deus não quer que ninguém se perca.


Jesus foi o maior evangelista que o mundo já conheceu.
Seu maior desejo era ganhar almas para o reino de Deus. O
verdadeiro discípulo de Jesus necessita ser movido por esse
mesmo propósito. A Bíblia sagrada diz que Deus “deseja que
todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento
da verdade”.8
Se você deseja ser como Jesus, não adianta assumir uma
expressão lânguida de santidade e de pieguismo, sentar no
primeiro banco da igreja e cantar o mais afinado possível. Isso
não vai torná-lo em nada mais semelhante a Jesus. Se você
quer ser como Jesus, seja um missionário, um evangelista, um
obreiro, um instrumento nas mãos de Deus, pois foi assim que
Jesus viveu. Ele glorificou a seu Pai cumprindo o seu manda-
to9 : Ele “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos”.10
Você quer ser igual a Cristo? Então seja um evangelista.
Pegue alguns folhetos, muna-se de literatura, tenha sua Bí-
blia em mãos, e proclame a Cristo como Senhor e Salvador.

Devemos desejar ser obreiros da causa de Cristo porque


faltam pregadores.
Jesus reconhecia que a seara era grande e poucos os tra-
balhadores.11 Ah, como faltam obreiros, pessoas desejosas
de trabalhar na obra de Deus! A Bíblia Sagrada diz: “Abram
os olhos e vejam os campos! Eles estão maduros para a co-

8
Cf. 1Timóteo 2:4
9
Cf. João 17:4
10
Marcos 10:45
11
Cf. Lucas 10:2

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Por que devemos evangelizar? 47

lheita.”12 Faltam homens e mulheres que queiram se envol-


ver na obra de Cristo. Se você não sabe pregar, cante! Se não
sabe cantar, distribua folhetos, ajude na escola dominical,
visite os novos convertidos, abra sua casa para reuniões de
células familiares, “koinonias”, mas, por favor, não fique
parado, sentado no banco, só recebendo, e dizendo que é
servo de Jesus. Servo de Cristo é quem trabalha, coopera
com o avanço do Reino de Deus dando o melhor de si pela
causa.
Faltam obreiros, voluntários, pessoas sequiosas de fazer
a obra de Deus. Mantemos a forma de piedade, mas falta-
nos o poder, a essência do amor de Cristo em nossos cora-
ções. Falta-nos esse algo mais que impulsionava o apóstolo
Paulo a trabalhar por Cristo.

Temos de ser evangelistas porque o nosso tempo está


terminando.
Cada dia que passa é um dia a menos para mim e para o
mundo. Um dia todos nós morreremos, estaremos velhos,
doentes, cansados e sem forças. Jesus vai voltar, e ainda há
muito trabalho a ser feito, muitas pessoas a serem
alcançadas. O que você está esperando? Até quando você
vai continuar de braços cruzados?
Olhe para trás e pense na rapidez com que os últimos
dez anos se passaram. Os anos voam, a vida passa por nós
velozmente, sem nos apercebermos. Por isso a Bíblia Sagra-
da diz que devemos trabalhar enquanto é dia, porque a noi-
te vem, quando ninguém pode trabalhar.13 Salomão disse
em Eclesiastes 12:1: “Lembre-se do seu Criador nos dias da
sua juventude, antes que venham os dias difíceis, e se apro-
ximem os anos em que você dirá: Não tenho neles prazer”.
Trabalhe enquanto você tem força nas pernas, olhos que en-

12
João 4:35
13
Cf. João 9:4

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48 Artesãos de Uma Nova História

xergam, ouvidos que ouvem, enquanto ainda pode buscar o


pecador perdido.
Talvez a essa altura você esteja pensando: Tudo bem,
precisamos mesmo evangelizar. Mas, por que missões? Qual
a legitimidade de nós, brasileiros, enviarmos missionários
para outros povos e outras nações? O Brasil não é um país
necessitado, dando-nos muito que fazer aqui?
Há alguns anos, viajando pela Índia, a funcionária da
companhia aérea me preveniu que eu teria de pagar uma
pequena fortuna pelo excesso de bagagem, ao que lhe res-
pondi: “Se você soubesse que o que vai dentro dessas malas
é para ajudar o povo miserável da Índia, você não me cobra-
ria nem um tostão.” Ela olhou para mim e disse: “Por que
você está indo até à Índia, ajudar os indianos, se tem tanto
brasileiro precisando aqui?” Eu repliquei: “Também!” Foi a
única resposta que lhe dei: “Também!”
Consideremos alguns motivos que nos impulsionam a ir
à Ásia, África e outros continentes, quando há tanto para
fazermos aqui.

Vamos proclamar o Evangelho em outros países porque o


mandato que recebemos do Senhor não é cultural, mas
espiritual.
Nosso objetivo não é transplantar a cultura brasileira
para os africanos, nem ensinar os asiáticos a serem bra-
sileiros. Entendemos, porém, que temos uma responsabi-
lidade espiritual para com os povos. O mandato de Deus é
que o Evangelho seja pregado a todas as nações. Reco-
nhecemos nossas limitações. Nenhuma igreja ou denomi-
nação deve ter a pretensão de querer mudar o mundo so-
zinha. Esta seria uma proposta ufanista, mentirosa até.
Mas cada cristão precisa fazer a sua parte, para que a boa
notícia do Evangelho seja levada a todas as nações.
Todo ser humano tem uma dignidade intrínseca e quere-
mos dizer às pessoas de todos os povos que elas são valio-

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Por que devemos evangelizar? 49

sas. Existem povos que já levaram tapa na cara por falar a


sua própria língua, pessoas que durante séculos foram con-
sideradas sub-humanas. Essas precisam ouvir que ainda que
o mundo inteiro as considere de menor valor, aos olhos de
Deus são tão valiosas e preciosas quanto as de qualquer
outra raça.
Certa vez, visitando uma Assembléia de Deus dos Esta-
dos Unidos, fui convidado pelo pastor a visitar um dos seus
membros no hospital. Chegando ali, o pastor disse ao irmão
hospitalizado que vinha sentindo sua falta na igreja, e
perguntou-lhe se o seu afastamento era devido ao seu pro-
blema de saúde. O homem respondeu: “Não, pastor! Eu parei
de freqüentar os cultos não por causa da minha doença, mas
porque o senhor está permitindo que negros entrem lá”.
Tomei um susto, e o pastor perguntou: “E qual o problema
de receber negros na igreja? Por que essa reação?” O homem
respondeu: “Porque eu aprendi – e creio – que negro não tem
alma!”
Você já imaginou o que significa para um povo viver com
esse estigma durante toda a vida? Já pensou no que signifi-
ca viver num país que não tem transporte público, onde
abundam doenças e faltam remédios e hospitais, onde a
educação é precária e as escolas insuficientes para o núme-
ro de crianças? Já pensou em quantas pessoas há ao redor
do mundo que nunca usaram uma roupa nova, nem sapato
com o número certo? Quantas vão dormir com fome todas
as noites? Essas precisam saber que Jesus deu a vida por
elas, porque Deus as ama. Temos esse mandato do céu, de
proclamar às pessoas de todas as raças que elas são especi-
ais aos olhos de Deus, e que ele não é alheio ao sofrimento
que estão enfrentando.

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50 Artesãos de Uma Nova História

Devemos levar o Evangelho a todas as nações porque acredi-


tamos – e este é o outro lado da moeda – que qualquer cultu-
ra, raça ou povo sem Deus vive indignamente.
É paradoxal, mas verdadeiro: as pessoas sem Deus estão
vivas, mas levam uma vida que mata, que destrói. Só encon-
tramos a vida real quando descobrimos a mensagem do
Evangelho. E creio que embora todas as religiões do mundo
tenham alguns lampejos da verdade, nenhuma delas consegue
trazer a resposta completa ao coração do homem. Só Jesus tem
essa resposta. Ele é o caminho, a verdade e a vida, e ninguém
vai ao Pai senão por ele.14 Por isso, temos que anunciar essa
mensagem. Não podemos nos calar. Conhecer o único que pode
dar vida verdadeira e eterna e não apresentá-lo aos que não o
conhecem é como saber da iminência de um terremoto e não
avisar os moradores da região.
Precisamos falar, anunciar. Não podemos calar nossos
lábios. Por isso precisamos ir aos países que não têm a Bí-
blia, nem igrejas, nem rádio pregando o Evangelho, nem
pastores capacitados para ensinar a Palavra, e ajudá-los para
que o Evangelho possa alcançar os seus corações.
Quando me converti, eu me apaixonei tanto pelo conteú-
do dessa mensagem que desejei que o mundo inteiro ouvisse
o que chegara ao meu coração. Embora eu não seja contra a
prosperidade, creio firmemente que não nos convertemos para
sermos prósperos. Mas o Evangelho que está sendo pregado
hoje em dia está produzindo uma geração de cristãos que só
pedem para si, cujo único interesse em ir à igreja é alcançar
bênçãos e resolver seus próprios problemas. Temos de rever-
ter esse cristianismo. Quem freqüenta a igreja olhando só para
o próprio umbigo, querendo apenas resolver os seus proble-
mas, ainda não entendeu a mensagem do Evangelho. E la-
mento reconhecer que existem inúmeras pessoas equivoca-
das dentro de igrejas evangélicas. Nosso mandato espiritual
como igreja, como povo, como indivíduos, é não guardar esse
14
João 14:6

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Por que devemos evangelizar? 51

tesouro só para nós mesmos, mas reparti-lo com os milhões


que ainda não o encontraram. Esqueça um pouco os seus
problemas, que são tão pequenos. Os povos precisam conhe-
cer o amor de Deus.
Certa vez, visitando uma favela em Fortaleza, com um mé-
dico da igreja, à noite, entramos embaixo de um toldo de plás-
tico preto, firmado sobre quatro estacas de madeira. Chovia
muito e debaixo daquele plástico, num chão todo encharcado,
encontramos um senhor de 67 anos de idade, encolhido, com
febre, tuberculoso, que não conseguia nem falar. Depois de levá-
lo para o sanatório, voltei para casa naquela noite pensando:
“Não deve existir uma vida mais desgraçada do que a de um
homem que termina aos 67 anos tuberculoso, sem casa, debai-
xo de um pedaço de plástico, numa noite chuvosa”. E quando
coloquei a cabeça no travesseiro naquela noite, o simples fato
de estar ele seco, encheu meu coração de gratidão a Deus. Mui-
tas vezes reclamamos tanto por tão pouco, nos melindramos
por tão pouco, nos ressentimos por tão pouco. Queremos uma
vida perfeita, mas Deus está à procura de pessoas que estejam
dispostas a ir, a deixar de lado esta visão tão pequena e egoísta
da vida, e a se dar por povos que estão vivendo uma vida sub-
humana.

Somos chamados a levar o Evangelho a todas as nações


porque o Deus revelado na Bíblia é o único Deus vivo e
verdadeiro.
Se quisermos fazer missões temos que devolver à igreja
a visão da santidade, da soberania e da pureza de Deus,
para que não estejamos anunciando simplesmente mais um
deus entre tantos outros.
Não podemos pregar Deus como pregam os budistas,
porque o deus deles é impessoal. Não podemos pregar Deus
como pregam as religiões populares no Brasil, porque pre-
gam um deus libertino e devasso. Não podemos pregar Deus
como pregam os muçulmanos, porque o deus deles é infle-
xível e frio. Não podemos nem mesmo pregar o Deus que é

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52 Artesãos de Uma Nova História

apresentado em muitas igrejas protestantes. O Deus dos


presbiterianos, por exemplo, é um Deus seletivo, que só
salva os escolhidos e predestinados. O Deus dos batistas é
muito sectário e denominacional. O dos pentecostais é fa-
cilmente manipulável. E o Deus que mais se prega no meio
evangélico hoje em dia é um Deus utilitário, resolvedor de
problemas, o tipo de deus que se encontra também na
Umbanda, no Kardecismo, no Pró-Vida, no Hare-Krishna.
O Deus que toda tribo, língua, povo e nação precisa co-
nhecer é o Deus da Bíblia, o Criador do universo, Deus san-
to, justo, misericordioso e compassivo, o Pai de nosso Se-
nhor Jesus Cristo, o eterno “Eu Sou”. Este é o único Deus
verdadeiro, único que pode trazer os homens da morte para
a vida, único merecedor de todo nosso louvor e adoração.
Pare de esquentar os bancos de igreja e comece a es-
quentar o seu coração e as suas cordas vocais. Saia do ma-
rasmo, da estagnação, da letargia. Abandone o seu como-
dismo e diga: “Eu quero trabalhar para Cristo. Desejo ser
contado entre aqueles que fazem alguma coisa pela causa
de Jesus. Quero arder com a paixão que movia Cristo e im-
pulsionava Paulo; quero ser um instrumento nas mãos de
Deus para a salvação de muitos. Faze isto, Senhor, pela tua
graça. Amém!”.

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CAPÍTULO 4

O PREPARO DO EVANGELISTA

“Contudo, quando prego o evangelho, não posso me orgulhar,


pois me é imposta a necessidade de pregar. Ai de mim se não
pregar o evangelho! Porque, se prego de livre vontade, tenho re-
compensa; contudo, como prego por obrigação, estou simplesmen-
te cumprindo uma incumbência a mim confiada. Qual é, pois, a
minha recompensa? Apenas esta: que, pregando o evangelho, eu
o apresente gratuitamente, não usando, assim, dos meus direitos
ao pregá-lo. Porque, embora seja livre de todos, fiz-me escravo de
todos, para ganhar o maior número possível de pessoas. Tornei-
me judeu para os judeus, a fim de ganhar os judeus. Para os que
estão debaixo da Lei, tornei-me como se estivesse sujeito à Lei
(embora eu mesmo não esteja debaixo da Lei), a fim de ganhar
os que estão debaixo da Lei. Para os que estão sem lei, tornei-me
como sem lei (embora não esteja livre da lei de Deus, e sim sob a
lei de Cristo), a fim de ganhar os que não têm a Lei. Para com
os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo
para com todos, para de alguma forma salvar alguns. Faço tudo
por causa do evangelho, para ser co-participante dele. Vocês não
sabem que de todos os que correm no estádio, apenas um ganha
o prêmio? Corram de tal modo que alcancem o prêmio. Todos os
que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso,
para obter uma coroa que logo perece; mas nós o fazemos para
ganhar uma coroa que dura para sempre. Sendo assim, não
corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem esmurra
o ar. Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que
depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser
reprovado”. I Coríntios 9.16-27.

Não há nada mais encantador que uma grande


mensagem. Nada mais invejável do que uma pessoa sendo
usada poderosamente nas mãos do Espírito Santo. Nada mais
intrigante do que observar um vasto auditório cativo, mag-

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54 Artesãos de Uma Nova História

netizado, sob o poder da pregação do Evangelho. Uma espé-


cie de encanto que transforma aquela experiência em um
instante mágico.
Eu daria tudo para estar na Galiléia e ouvir o mais ma-
gistral de todos os sermões, e ouvir Cristo introduzir sua
mensagem com a frase: “Bem-aventurados os pobres em
espírito, porque deles é o Reino dos céus”.1
Invejo os companheiros de Paulo quando este saudou os
atenienses diplomaticamente, afirmando: “Vejo que em to-
dos os aspectos vocês são muito religiosos”.2 Acredito que
até um leve cicio de vento se ouvia naquele lugar.
Gostaria de anonimamente sentar-me no vasto auditó-
rio do London Hall para ouvir Spurgeon. Sentir-me-ia privi-
legiado em ser membro da igreja de Peter Marshall e poder
ouvi-lo todos os domingos. Viajaria no tempo e no espaço
para sentar-me ao pé do memorial de Lincoln e ouvir Martin
Luther King Jr, com a voz altiva, o dedo em riste e um olhar
sereno, desafiando os norte-americanos a sonhar, o refrão
repetindo-se como música: “I have a dream”.
Lembro-me com nostalgia de alguns pregadores que
moviam auditórios com raciocínios claros e pregadores
pentecostais que deixavam auditórios com mais de dez mil
pessoas arrepiadas e valentes só na sua saudação.
A paixão pelo púlpito vem desvanecendo. Jovens semina-
ristas hoje subordinam seus ministérios à gestão administrati-
va de suas congregações. Cursos, seminários e congressos flo-
rescem por todos os lados, ensinando como fazer sua igreja
funcionar melhor e como motivar as pessoas a liderarem. Pou-
cos ou nenhum seminário sobre o Púlpito, sobre o anúncio
profético da Palavra, sobre o poder da pregação ungida.
Creio que nenhum método de crescimento da igreja será
bem sucedido sem um púlpito forte. Nenhuma igreja será

1
Mateus 5:3
2
Atos 17:22

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O preparo do evangelista 55

mais bem sucedida do que os critérios com que se encara o


exercício homilético.
Percebe-se uma insatisfação generalizada na igreja de
nossos dias quanto à pregação. A pobreza de nossos púlpi-
tos está estampada na miséria espiritual de nossos mem-
bros. A pregação perdeu-se em abstrações, vem sendo se-
pultada lentamente com jargões, monotonamente repetin-
do-se com fórmulas homiléticas.
Pastores e evangelistas são muito mais promotores do que
tribunos, mais administradores do que expositores. Estamos
mais à cata de fórmulas que façam nossa igreja crescer do que
preocupados em ser arautos da verdade, pregoeiros da justiça.
Temos mais especialistas em entretenimento e condutores de
“louvorzão” do que grandes pregadores.
Sermões são aguados com ilustrações e frases prontas
que enfraquecem os conteúdos. Pastores contentam-se com
jargões que nada transmitem senão uma falsa esperança.
Faltam-nos os grandes pregadores, estamos em uma cri-
se de príncipes da pregação. Eu mesmo tenho sede de ouvir
grandes mestres do púlpito. Gente que saiba abrir as escri-
turas e, sob uma inspiração rica e poderosa no Espírito, ali-
mentar a minha alma. Talvez estejamos sucumbindo ao
imediatismo de nossa época. Procuramos métodos rápidos
porque talvez saibamos intuitivamente que a arte da prega-
ção leva muito tempo.
E.M. Bounds afirmou certa vez que “Um homem, um
homem inteiro, é o que há por detrás de um sermão. Pregar
não é fazer uma apresentação de uma hora, mas o fluir de
uma vida. Leva vinte anos para se fazer um sermão, porque
leva vinte anos para se fazer um homem.”
Como necessitamos de pregadores que à semelhança de
Pedro deixem o seu auditório compungido e apunhalado no
coração3 e de arautos que, à semelhança de Paulo, deixem

3
Cf. Atos 2:37

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56 Artesãos de Uma Nova História

reis e príncipes boquiabertos, dizendo: “Por pouco me


persuades a me fazer cristão”. 4
Precisamos de pregadores que saibam combinar a rique-
za da oratória com a urgência profética, a lógica do raciocí-
nio com a paixão evangelística, a doçura da poesia com a
fidelidade exegética, a agilidade da intuição com a contem-
plação meditativa, a beleza da arte humana da oratória com
o mistério da revelação divina.
I Coríntios 9 trata da defesa apostólica de Paulo. A igre-
ja de Corinto estava a ponto de uma ruptura. Os ânimos
vinham acirrados, as posições encasteladas, os desvios éti-
cos racionalizados, os desvios doutrinários bem confusos.
Sua carta tem um tom duro, por isso precisa mostrar que
sua motivação não busca vanglória. Insiste que não está
movido por qualquer espírito messiânico, mas por uma santa
compulsão de pregar o evangelho. Ele inicia o capítulo es-
tabelecendo sua missão apostólica e sua autoridade. Segue
mostrando que tem direito de requerer suporte financeiro
para continuar pregando o evangelho e corajosamente afir-
ma que abriu mão desse direito, demonstrando sua fideli-
dade aos seus propósitos.Termina ressaltando o porquê de
sua fidelidade.
O versículo 16 é chave na compreensão deste capítulo:
“Contudo, quando prego evangelho, não posso orgulhar-me,
pois me é imposta a necessidade de pregar. Ai de mim se não
pregar o evangelho!”
Neste capítulo Paulo nos mostra alguns princípios que
norteiam o verdadeiro evangelista, sobre os quais gostaria de
meditar.

O verdadeiro evangelista luta para ser livre. (v. 14 e 15)


Paulo deixa claro que o exercício do seu ministério era
livre. Ele não tinha respeitos humanos. Não havia satisfa-

4
Atos 26:28 (E.R.A.)

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O preparo do evangelista 57

ções a facções ou grupos que o mantivessem sob um


patrulhamento doutrinário. Ninguém pode negar que na igre-
ja moderna dinheiro é a causa de maior ansiedade entre os
pastores. Interessante: o que mais perturba muitos pastores
era o que menos preocupava a igreja primitiva.
É fundamental ser livre para pregar conforme a Palavra.
Quantos pastores preparam suas mensagens visando agra-
dar o grupo que decide sobre o seu salário! Somos chama-
dos para falar como arautos de Deus. Precisamos ouvi-lo no
preparo da mensagem, como Ezequiel:

“Ele me disse: ‘Filho do homem, fique em pé, pois eu vou falar


com você’. Enquanto ele falava, o Espírito entrou em mim e me
pôs em pé, e ouvi aquele que me falava. Ele disse: ‘Filho do
homem, vou enviá-lo aos israelitas, nação rebelde que se revoltou
contra mim; até hoje eles e os seus antepassados têm se revoltado
contra mim. O povo a quem vou enviá-lo é obstinado e rebelde.
Diga-lhe: Assim diz o Soberano, o Senhor. E, quer aquela
nação rebelde ouça, quer deixe de ouvir, saberá que um profeta
esteve no meio dela. E você, filho do homem, não tenha medo
dessa gente nem das suas palavras. Não tenha medo, ainda que
o cerquem espinheiros e você viva entre escorpiões. Não tenha
medo do que disserem, nem fique apavorado ao vê-los, embora
sejam uma nação rebelde. Você lhes falará as minhas palavras,
quer ouçam quer deixem de ouvir, pois são rebeldes”.5

O desejo de ser famoso e bem-sucedido é outra força que


conspira contra o preparo do pregador.
A pregação deixa de ser um meio e passa a ser um fim
em si mesma. Um enorme desejo de galgar na estrutura
denominacional, de acontecer.

“Ter nome de pregador, ou ser pregador de nome não importa


nada; o que converte o mundo são as ações, a vida, o exemplo e as
5
Ezequiel 2:3-7

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58 Artesãos de Uma Nova História

obras. Antigamente convertia-se o mundo; hoje, porque não se


converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos,
ao passo que antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras
sem obras são tiro sem bala: atroam, mas não ferem”. 6

Simone Weil morreu aos trinta e três anos de idade. In-


telectual francesa, preferiu trabalhar em fazendas e fábri-
cas para se identificar com a classe trabalhadora. Quando
os exércitos de Hitler invadiram a França, ela fugiu para se
juntar aos franceses livres em Londres, onde morreu. Sua
tuberculose se complicou por causa da desnutrição que a
acometera. Ela se recusava a comer mais do que seus
conterrâneos recebiam em suas rações diárias por estarem
sob ocupação nazista. Como seu único legado, esta judia
que aceitou a Cristo deixou em diários e notas esparsas um
denso registro de alguém que viveu sem cabrestos:

“Não me incomodava não possuir qualquer sucesso visível, o


que mais me importunava era a idéia de estar excluída de um
reino transcendental ao qual somente os grandes têm acesso e
onde habita a verdade”.7

Creio que um dos exercícios mais difíceis de devolver-


mos a criatividade aos nossos púlpitos consiste em apren-
der a pensar com autonomia.
“A história dos homens como um todo nada mais é, de
qualquer sorte, que uma longa luta até a morte pela con-
quista do prestígio universal e do poder absoluto. Em sua
essência, ela é imperialista. Estamos longe do bom selva-
gem do século XVIII e do Contrato Social.” Albert Camus8:

6
Antonio Vieira. Obras completas do Padre Antonio Vieira, Sermões, vol. 1,
p. 32.
7
Simone Weil, Waiting for God, p. 64.
8
Albert Camus, O Homem Revoltado, p. 168.

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O preparo do evangelista 59

“Para muitos é difícil aceitar a realidade do relacionamento


entre revolta e religião. Na religião não são os fanáticos ou os
mais fiéis ao status quo que recebem a glória final. São os
rebeldes. Lembremo-nos de quantas vezes na história da
humanidade santo e rebelde foram uma só pessoa. Sócrates foi
um rebelde e o condenaram a tomar cicuta. Jesus foi um rebel-
de, e o crucificaram. Joana D’Arc foi rebelde e a queimaram
na fogueira. Contudo essas pessoas, e centenas de outras iguais
a elas, desprezadas por seus contemporâneos, foram glorificadas
e adoradas nos séculos seguintes por sua contribuição criativa
à ética e à religião. Aqueles que chamamos de santos rebela-
ram-se contra um Deus que, segundo a sua visão interior de
divindade, tornara-se inadequado e obsoleto... A rebelião foi
provocada por um novo conceito de divindade. Rebelaram-se
como diz Paul Tillich, contra Deus, em nome do Deus, além
de Deus. A presença contínua do Deus além de Deus é a
marca da coragem criativa, no campo da religião.” 9

O verdadeiro evangelista não se permite qualquer moti-


vação dúbia. (v. 16-18)
Paulo deixa claro que a motivação é essencial no reino
de Deus. Deus está mais interessado nos porquês de nossas
ações do que no que fazemos. A Palavra de Deus é viva e
eficaz, exatamente porque consegue discernir as intenções
do coração do homem.

“O melhor conceito que o pregador leva ao púlpi-


to, qual cuidais que é? É o conceito que de sua
vida têm os ouvintes.” 10

O duque La Rochefoucauld declarou:


“Nós estamos tão acostumados a nos disfarçar dos outros que
acabamos nos disfarçando de nós mesmos.”

9
Rollo May, A Coragem de Criar, p. 9.
10
Antonio Vieira. Op. Cit., p. 82

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60 Artesãos de Uma Nova História

Há um alerta Machadiano em Dom Casmurro:

“Quantas intenções viciosas há assim que embarcam, a meio


caminho, numa frase inocente e pura.” Mas o mesmo narrador
admite que esse vício é tenebroso para a sua própria alma: “Mas
o que pudesse dissimular ao mundo, não podia fazê-lo a mim,
que vivia mais perto de mim do que ninguém.”

O verdadeiro evangelista é culturalmente relevan-


te. (v. 19-22)
Devemos ler como exercício do pensar. Precisamos apren-
der a pensar por nós mesmos. Descansar a mente, afirmava
Lloyd Jones, é ler algo diferente.
Spurgeon, justamente denominado de “o príncipe dos
pregadores”, dizia:

“Hoje em dia estamos praguejados com um bando de sujeitos


que acham de firmar-se sobre a cabeça e de pensar com os pés”.

Temos ainda o texto de Gilberto Freyre, citado por


Robinson Cavalcanti:
“O protestantismo brasileiro gera gramáticos, e não literatos.” 11

Robinson Cavalcanti emenda:


“Por faltar-nos a liberdade para criar, a liberdade para a arte
que reflete o humano e a vida com suas ambigüidades, sendo os
romances evangélicos transformados em apenas outra forma de
sermão, com personagens estereotipadas e final previsível.” 12

O que ler? Qual a nossa sintonia cultural? Tenho medo


de estarmos tentando responder perguntas que ninguém mais
faz e sem resposta para novas perguntas que vêm sendo
feitas.

11
Revista Ultimato de Julho/Agosto de 2000
12
Ibid.

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O preparo do evangelista 61

O verdadeiro evangelista não é messiânico. (v. 23)


O cemitério está cheio de gente imprescindível. Precisa-
mos saber combinar ousadia com auto-crítica, arrojo com
companheirismo, excelência com esforço.

O verdadeiro evangelista é consistente. (v. 24-27)


Ele reconhece que a consistência de vida é mais impor-
tante que os conteúdos homiléticos.

“Cada qual sussurre consigo mesmo no íntimo de sua alma:


‘Que coisa terrível seria para mim, se eu ignorasse o poder da
verdade que me estou preparando para proclamar.’ Um pastor
destituído da graça é semelhante a um cego eleito professor de
ótica, que faz filosofia sobre a luz e a visão comentando e
distinguindo para os outros os belos sombreados e as delicadas
combinações das cores prismáticas, enquanto ele mesmo está ab-
solutamente em trevas. É um mudo elevado à cátedra de ópera,
um surdo a falar sobre sinfonias e harmonias. Uma toupeira
pretendendo criar filhotes de águias, um molusco eleito presidente
de anjos.” Spurgeon.

Um velho amigo de Martin Lloyd Jones, já ancião mas


muito crítico, fez o seguinte comentário sobre dois pregado-
res: De um, extremamente lúcido mas seco e enfadonho,
disse: ‘Luz sem calor.’ Quanto ao outro exatamente o opos-
to, espalhafatoso mas sem densidade bíblica, disse: ‘Calor
sem luz.’ Lloyd Jones, então completa afirmando:

“Precisamos ter luz e calor, sermão e pregação. Luz sem calor


jamais afetará a quem quer que seja; calor sem luz não tem
valor permanente. No que consiste a pregação? Em lógica pegando
fogo! Em raciocínio eloqüente! Em teologia em chamas.” 13

13
Martin Lloyd-Jones. Pregação e pregadores, p. 70

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62 Artesãos de Uma Nova História

O que marcou o cristianismo primitivo? Línguas de fogo.

“Recordem-se, como ministros, de que toda a sua vida,


especialmente toda a sua vida pastoral, será afetada pelo vigor de
sua piedade. Se o seu zelo se amortecer, vocês não orarão bem no
púlpito, orarão pior no seio da família e pior ainda a sós, no
gabinete pastoral. Quando a alma se empobrece, os seus ouvintes,
sem que saibam como e por que, acharão que as suas orações, em
público têm pouco sabor para eles. Sentirão a sua aridez antes
que vocês percebam.” Spurgeon.

Quando Paulo fala das restrições sobre a separação, or-


denação de obreiros, afirma que não podem ser neófitos. A
pergunta é: Pode alguém ser um neófito mesmo sendo um
teólogo erudito? Pode alguém ser um neófito, mesmo sendo
um pregador com muitos anos de púlpito? Quantas escolas
teológicas têm oração como parte de seu currículo?
Posso ensinar-lhe em dez minutos como extrair um apên-
dice. Mas, ser-me-ão precisos quatro anos para ensinar-lhe
o que fazer se alguma extração der errado.

Falai de Deus
Falai de Deus com a clareza
Da verdade e da certeza
Com um poder
De corpo e alma que não possa
Ninguém, à passagem vossa,
Não o entender.
Falai de Deus brandamente,
Que o mundo se pôs dolente,
Tão sem leis.
Falai de Deus com doçura,
Que é difícil ser criatura:
Bem o sabeis.
Falai de Deus de tal modo

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O preparo do evangelista 63

Que por ele o mundo todo


Tenha amor.
À vida e à morte, e, de vê-lo,
O escolha como modelo
Superior.
Com voz, pensamentos e atos
Representai tão exatos
Os reinos seus
Que todos vão livremente
Para esse encontro excelente.
Falai de Deus.

Cecília Meireles.

Não conseguiria definir plenamente o que é unção, con-


tudo tenho certeza quando a tenho. Nenhum homem conse-
gue ser maior que a profundidade de sua vida com Deus.
“Rogai ao Senhor da Seara que mande obreiros!”14 Pre-
cisamos de excelentes missionários, melhores apologetas,
mais profetas, bons pastores, mas a minha oração hoje é
que sobretudo, ele mande mais e melhores pregadores do
evangelho.
Conta-se que uma certa vez duas vaquinhas pastavam à
beira da estrada. Passou um caminhão de leite. Escrito na
lateral do caminhão lia-se: ‘Esterilizado, homogeneizado,
enriquecido com vitaminas A e B, baixo teor de gordura’.
Uma olhou para a outra e disse: “Você não se sente às vezes
meio incompetente, com uma sensação de que é inadequa-
da?”
No meio desse mesmo sentimento é que meu coração
clama: “A começar em mim, Senhor, levanta homens e mu-
lheres inflamados pela tua Palavra e que saibam empunhar
a espada do Espírito com poder e arte”.

14
Lucas 10:2

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CAPÍTULO 5

O REVESTIMENTO DE PODER

“Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre


vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia
e Samaria, e até os confins da terra”. Atos 1:8

O ministério de Jesus começou depois de seu batismo


nas águas e do derramamento do Espírito sobre sua vida.
Todos os evangelhos relatam o evento.1 Após o batismo, o
Espírito levou Jesus para o deserto a fim de ser tentado,2
pois sabia que somente com uma vitória faustosa sobre o
inimigo ele poderia realizar um ministério triunfante. Tanto
que após sua vitória sobre o diabo no deserto, o mesmo Es-
pírito lhe dá poder para realizar grandes prodígios.3
Pouco depois de seu batismo, o próprio Jesus deixou bem
claro que seu ministério era movido pelo Espírito de Deus,
ao aplicar a si mesmo o cumprimento da profecia do capítu-
lo 61 de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque
ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me
enviou para proclamar liberdade aos presos, e recuperação
da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o
ano da graça do Senhor”.4
Jesus expulsou demônios no poder do Espírito Santo5
e exultou no poder do Espírito Santo.6 Pedro declarou que
todo o ministério de Jesus foi desenvolvido no poder do
Espírito Santo, ao dizer: “Vocês sabem como Deus ungiu
1
Cf. Mateus 3.13-17; Marcos 1.9-11; Lucas 3.21-22; João 1.32-33
2
Cf. Lucas 4:1-2
3
Cf. Lucas 4:14-15
4
Cf. Lucas 4:14-20 – grifo do autor
5
Cf. Mateus 12:28
6
Cf. Lucas 10:21

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66 Artesãos de Uma Nova História

a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, e como


ele andou por toda parte fazendo o bem e curando todos
os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele”. 7
Ora, se o próprio Filho de Deus desempenhou seu minis-
tério aqui na terra movido pelo poder do Espírito Santo, não
é de admirar que ele tenha instruído seus discípulos que,
para continuarem a sua obra, eles precisariam também
depender desse mesmo Espírito. Várias vezes Jesus prome-
teu que após sua partida ele enviaria o Espírito Santo para
habitar nos discípulos e revesti-los de poder, como em João
7:37-39: “No último e mais importante dia da festa, Jesus
levantou-se e disse em alta voz: ‘Se alguém tem sede, venha
a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do
seu interior fluirão rios de água viva’. Isso ele disse com
respeito ao Espírito, que mais tarde receberiam os que nele
cressem. Até então o Espírito ainda não tinha sido dado,
pois Jesus ainda não fora glorificado”. Em Atos 1:8 ele afir-
mou, dirigindo-se aos seus discípulos: “Mas receberão po-
der quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão mi-
nhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria,
e até os confins da terra”.
Depois da sua ressurreição, o Livro de Atos nos relata
que Jesus deu aos seus discípulos instruções bem específi-
cas a esse respeito: “Certa ocasião, enquanto comia com eles,
deu-lhes esta ordem: ‘Não saiam de Jerusalém, mas espe-
rem pela promessa de meu Pai, da qual lhes falei. Pois João
batizou com água, mas dentro de poucos dias vocês serão
batizados com o Espírito Santo”.8
A tradição pentecostal clássica aceita que a experiência
registrada por Lucas em Atos 2 foi o cumprimento da pro-
messa de Jesus de capacitar os seus discípulos com um po-
der sobrenatural para que eles desempenhassem os desafi-
os sobrenaturais da missão.

7
Cf. Atos 10:38
8
Atos 1:4-5

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O revestimento do poder 67

Quando os apóstolos experimentaram o batismo no Espí-


rito Santo, uma multidão afluiu porque eles falavam em
línguas e isto pareceu estranho aos judeus de todo o mundo
antigo que estavam em Jerusalém para a festa de Pentecos-
tes. Pedro então tomou a palavra, afirmou que o que aconte-
cia ali era a confirmação da profecia de Joel,9 e continuou
pregando sobre Jesus, sua morte e sua ressurreição.
As palavras que saiam de seus lábios, porém vinham
cheias de poder espiritual. Cada frase parecia lança, um pu-
nhal que se cravava no peito de seus ouvintes. O livro de
Atos relata que quando aquelas pessoas ouviram a prega-
ção de Pedro, ficaram aflitas em seu coração, “e pergunta-
ram: ‘Irmãos, que faremos?’ Pedro respondeu: “Arrependam-
se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo
para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito
Santo’. Pois a promessa é para vocês, para os seus filhos e
para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor,
o nosso Deus, chamar”.10
É importante notar que ser cheio do Espírito Santo, em
todo o livro de Atos está intimamente ligado à fala. Não há
nenhuma referência ao enchimento do Espírito Santo que logo
após não haja uma declaração de que as pessoas pregaram e
anunciaram com poder o evangelho. Atos 4:31 relata, por
exemplo, que certa vez, quando a perseguição contra a igreja
já começara a manifestar-se, os cristãos estavam reunidos
em oração e “depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam
reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam
corajosamente a palavra de Deus”.
Não queremos copiar os métodos, nem o estilo da igreja
primitiva. Ela foi peculiar àquele momento. Queremos, sim, ter o
poder que se manifestava naqueles dias. Ao que parece a nós e a
todos os que estudam seriamente as Escrituras, o segredo da

9
Cf. Joel 2:28-32
10
Atos 2:37-41

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68 Artesãos de Uma Nova História

vitória da igreja de Atos deveu-se ao Espírito Santo unicamente.


A promessa é que ele revestiria de poder os crentes; assim ele o
fez. Os crentes, revestidos de poder, enfrentaram um mundo hostil,
anunciaram a todos com coragem e ousadia que o Calvário ven-
ceu a Satanás e que Jesus ressuscitara e era de fato Rei dos reis
e Senhor dos senhores.
O Espírito Santo é o vigário de Cristo na terra. Dele de-
pende o triunfo da igreja, ignorá-lo significa cometer suicí-
dio espiritual. Não importa quão criteriosa tenha sido nossa
preparação intelectual, quão abastados sejam os nossos re-
cursos financeiros e quão bem alicerçados estejamos em
nossa teologia, pois sem o Espírito Santo, permaneceremos
na dimensão carnal, material, nunca na dimensão espiritu-
al. É ele quem capacita os crentes para realizarem várias
tarefas e funções e transmitir com poder a mensagem do
evangelho. É possível que você tenha o Espírito Santo em
sua vida, mas que ele ainda não esteja em seu viver ungin-
do com poder espiritual.
Emílio Conde, um dos primeiros brasileiros a articular te-
ologicamente sobre o Espírito Santo, escreveu o seguinte:

“A experiência do Pentecostes, ainda que difícil de definir, pode-


mos dizer que é a vida intensa de Deus manifestada na vida do
homem, de uma forma real, poderosa, visível, capaz, impulsiva,
ativa e transformadora. Podemos dizer que o Batismo no Espírito
Santo, tal como disse Donald Gee, ‘torna tudo real dentro de nós’.
O que antes era crido somente por formalidade, agora tem de se
transformar em fé real; a conversão é real, a justificação tem um
sentido real, a santificação não é só de lábios, mas é real, a comu-
nhão com Deus é real, a vida de renúncia e altruísmo é real, a vida
de gozo é real, e Jesus, em nossa vida é intensamente real.
Quando o crente é batizado no Espírito Santo, é logo
manifestado; ele mesmo sabe que recebeu a promessa do Pai, não
precisa que outros lho digam, ele mesmo sente esta realidade, sabe
que Deus lhe tocou; o desejo de santidade que então se manifesta, fala
mais alto do que todas as vozes; o gozo do céu inunda todo o seu ser;

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O revestimento do poder 69

o louvor ao Pai e ao Filho transborda de seus lábios; as portas que


antes estavam fechadas, agora abrem-se de par em par, afim de
deixar que entre o Rei da glória.
O batismo no Espírito Santo é uma experiência real que nos
adentra numa esfera de ação completamente nova, num terreno mais
elevado, num novo capítulo da vida, em novo desejo de viver para
outrem, em novas possibilidades antes desconhecidas, numa nova
vida espiritual, num grau mais alto de santidade.11
Enquanto os homens dizem que as maiores necessidades hoje
são mais organização, novos métodos de pregar, melhores igrejas,
bons pregadores, muito dinheiro, bons cantores, grandes seminári-
os, ótima propaganda e relações na sociedade, nós dizemos que a
igreja precisa na atualidade mais poder do Alto, mais dons espiri-
tuais; precisa mais da palavra de sabedoria, palavra de ciência, de
fé, dons de curar, operação de maravilhas, discernimento dos espíritos,
línguas e interpretação. O Evangelho não precisa ser modernizado
como pensam alguns; precisa sim, ser pregado pelo poder e direção
do Espírito Santo (o mesmo do Pentecostes), pois só este pode
explicar ao homem a simplicidade deste evangelho, que não precisa
modernizar-se para ser adaptável.”12

Àqueles que foram batizados no Espírito Santo abre-se


uma porta maravilhosa para a operação do Espírito de Deus.
A palavra grega usada na Bíblia para os dons do Espírito
Santo é “charisma” ou “charismata” no plural. O teólogo
pentecostal Antônio Gilberto define dons do Espírito Santo
como sendo uma “dotação ou concessão especial e sobrena-
tural de capacidade divina para o serviço especial na execu-
ção do propósito divino para a igreja e através dela. É em
resumo uma operação especial e sobrenatural do Espírito
Santo por meio do crente. Pode-se também definir da se-
guinte maneira: “Os dons do Espírito Santo são as faculda-
des da pessoa divina operando no homem.”

11
Emilio Conde, Pentecostes para Todos, pp. 26,27
12
Ibid., p. 23

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70 Artesãos de Uma Nova História

Algumas igrejas, quando falamos sobre os dons reagem:


“Isso não é para nós.” A este argumento dizemos que de
uma certa forma é muita arrogância da parte de alguns acre-
ditarem que não precisam dos dons, pois a igreja não é mais
tão necessitada quanto era a igreja primitiva. Em dias que ‘o
amor de muitos esfria’ e de ‘dias trabalhosos’, dizer que não
mais precisamos do que aconteceu no princípio, denota
cegueira espiritual.
“Entretanto, os argumentos que surgem de dentro da
Palavra de Deus, exarados na carta magna da primogenitura
da igreja dizem: ‘Porque a promessa diz respeito a vós, a
vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos
nosso Senhor chamar’13.
Acaso não estamos incluídos no número dos que estão
longe, ou ainda entre os ‘a tantos quantos’? Será que a Pa-
lavra de Deus perdeu seu valor? As promessas do Senhor
podem falhar? Limitou Deus os direitos da igreja, na atuali-
dade? Não. Nós é que precisamos voltar à fé dos dias primi-
tivos, dos que anunciaram o Evangelho Completo. À fé da-
queles heróis que abalaram o mundo com a sua coragem,
abnegação e convicção. Necessitamos voltar ao Pentecostes,
à fé apostólica, à fé que tudo pode, à fé que faz tremer o
próprio diabo”.14

13
Atos 2:39
14
Emilio Conde, Pentecostes para Todos, p. 22

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CAPÍTULO 6

A PÓS-MODERNIDADE E MISSÕES

“Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou


profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de
ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos
tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias,
com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus
e estóicos começaram a discutir com ele. Alguns perguntavam:‘O
que está tentando dizer esse tagarela?’ Outros diziam: ‘Parece
que ele está anunciando deuses estrangeiros’, pois Paulo estava
pregando as boas novas a respeito de Jesus e da ressurreição.
Então o levaram a uma reunião no Areópago, onde lhe pergun-
taram: ‘Podemos saber que novo ensino é esse que você está
anunciando? Você está nos apresentando algumas idéias estra-
nhas, e queremos saber o que elas significam’. Todos os atenienses
e estrangeiros que ali viviam não se preocupavam com outra coisa
senão falar e ouvir as ultimas novidades. Então Paulo levantou-
se na reunião do areópago e disse: ‘Atenienses! Vejo que em todos
os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andando pela cidade,
observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um
altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO.
Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes
anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o
Senhor dos céus e da terra, e não habita em santuários feitos por
mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se
necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego
e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que
povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anterior-
mente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar.
Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando,
pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de
nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como disseram
alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendência dele’.
Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar

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72 Artesãos de Uma Nova História

que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou


pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No passado Deus
não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos,
em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que
há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que desig-
nou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos’.
Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos, alguns deles
zombaram, e outros disseram: ‘A esse respeito nós o ouviremos
outra vez’. Com isso, Paulo retirou-se do meio deles. Alguns
homens juntaram-se a ele e creram. Entre eles estava Dionísio,
membro do Areópago, e também uma mulher chamada Dâmaris,
e outros com eles”. Atos 17:16-34

O louco, protagonista da filosofia niilista de Nietzsche


entrou no século XX gritando: “Deus está morto. Nós o
matamos”. Entramos no século XXI ouvindo o grito anôni-
mo de homens e mulheres: “Morreram os sonhos, morreu o
estado, morreu a arte, morreu a família, morreu o sexo,
morreu a filosofia, morreu o ecossistema, morreram os san-
tos, morreu a música, morreu o teatro”.
Começamos o século XX com o apogeu da modernidade,
terminamo-lo com o nascimento da pós-modernidade. Se a
modernidade foi uma época da lógica e do método, a pós é
marcada pela ambigüidade e por contradições. Por um lado,
gera muita esperança, mas por outro gera pavor. Se, por um
lado, este foi o século de Einstein, foi também o de Mengele.
Se gerou um Churchill, também gerou Kadaffi, Stalin e Hitler.
Se por um lado valorizou Gandhi, Martin Luther King e
Mandela, também valorizou Mussolini, Pinochet e Garrastazu
Médice. Se por um lado teve Pavarotti e um Bernstein, tam-
bém teve uma Janis Joplin, uma Madona, um Michael Jackson.
Se, por um lado, tem jato, Internet e tomografia
computadorizada, também tem clínicas de aborto, suicídio
assistido e cartéis de cocaína. Foi o século de Madre Teresa de
Calcutá, Billy Graham, C.S. Lewis, mas também de Jim Jones,
Maharaji Iogui e do rev. Moon.

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A pós-modernidade e missões 73

Vivemos hoje na estreita brecha entre a esperança e o


desespero. Não sabemos se vale a pena lutar pelo futuro ou
se é melhor cada qual cuidar de divertir-se o máximo possí-
vel. O tempo que estamos vivendo não é mais o tempo de
Sartre, mas de Derridá. Não é mais o tempo de Lenin, mas
de Yeltsin. Tozer não é tão popular quanto Benny Hinn. Leo-
nardo Boff mudou da Teologia da Libertação para a
espiritualidade sincrética que parou de defender os pobres e
agora defende a natureza.
Na modernidade a filosofia era primordialmente otimis-
ta, na pós é cínica. Na modernidade o estado laico seria ar-
bítrio das injustiças humanas, na pós ele deve ser enxugado
porque é perdulário, autoritário, burocrático e corrompido.
Na modernidade o deicídio era a vertente teológica seria-
mente discutida nas universidades alemãs. Pela alta crítica
questionava-se a integridade dos textos bíblicos e a possibi-
lidade de um Deus objetivamente verdadeiro. Na
modernidade, a razão, o método e o experimento empírico
desfariam a ignorância das multidões e as levariam a um
mundo sem as superstições místicas da Idade Média que
ainda escravizavam as multidões. Na modernidade a
tecnociência abriria estradas para um mundo melhor, na pós
ela é vilã do ambiente.
Entre a modernidade e a pós-modernidade há duas guerras
mundiais e mais de cem milhões de mortos. Há Stalin, Hitler,
Idi Amin, Pol Pot, Auschwitz e Ruanda. Há Hiroshima e
Nagasaki. Há Bangladesh, Índia, Vale do Inhamuns. Há o Tietê,
Chernobyl e o buraco na camada de ozônio.
A angústia da humanidade pós-moderna pode bem ser
ilustrada na vida daquela personagem que fazia análise e
vivia um dilema todas as vezes que ia para a consulta com
seu analista: “Se eu chegar adiantada, ele vai pensar que
estou ansiosa demais; se chegar na hora, sou uma discipli-
nada compulsiva; e, se chegar atrasada, estou fugindo dos
meus problemas”.

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74 Artesãos de Uma Nova História

Oitenta e seis por cento da classe média dos países oci-


dentais sofrem de estresse crônico. Por outro lado ainda há
beleza. Choramos nos casamentos. Ainda há sorriso nas cri-
anças. Ouvimos o gorjeio dos pássaros. Poetas ainda fazem
poesia. Evangelistas continuam vociferando suas mensagens
nas praças públicas. Igrejas ainda estão sendo plantadas
nos morros do Rio de Janeiro. Fomos chamados para viver
em um tempo cheio de ambigüidades e lotado de incoerênci-
as. Na confusão pós-moderna, quando não se sabe discernir
bem qual a diferença entre o belo e o feio, entre a verdade e
a mentira, entre o vício e a virtude, há um imperativo missi-
onário.
Ao contrário do que previam os filósofos da modernidade,
Deus não morreu. Morreu a religiosidade fria e metódica, filha
da modernidade. Ele tanto ressurge na explosão pentecostal
como é desfigurado na espiritualidade mecânica da Nova Era.
Ao contrário do que pensavam os filósofos, a religião não foi
descartada, mas ressurgiu com força ímpar no final do século.
As semelhanças entre a Atenas confrontada por Paulo,
conforme relatado no capítulo 17 de Atos, e o mundo em
que vivemos hoje são enormes. Atenas foi o centro intelec-
tual e cultural do mundo, mas seu apogeu já passara. Seus
artistas foram insuperáveis, sua literatura vastíssima, sua
oratória a mais rica. Em filosofia, Atenas se tornara uma
espécie de Meca. Seus filhos nativos foram patronos da ci-
ência do pensar. Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão, Epicuro:
todos desenvolveram seu labor filosófico a partir do raciocí-
nio helenista.
Ao compararmos o esforço de Paulo de tornar o seu dis-
curso relevante e nosso atual mandato missionário, encon-
tramos combustível para nossa reflexão. Assim, como Paulo,
somos chamados para pregar a uma sociedade que já não
experimenta seu zênite.Tanto quanto naqueles dias, a situação
hoje é crítica e desafiadora para a igreja contemporânea.
Encontramo-nos em um contrapé histórico. Vivemos uma

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A pós-modernidade e missões 75

tensão. Devemos reconhecer que estamos vivendo num estágio


muito peculiar da nossa história. Jamais a humanidade
conseguiu tantas coisas em tão exíguo tempo, mas por outro
lado nunca foi tão agente de morte como agora. Por um lado,
progredimos. Há avanços significativos por todo o mundo.
As profecias de George Orwell de que o mundo inteiro estaria
sob regimes totalitários felizmente não se cumpriram. Por
outro lado, vemos que a miséria cresce velozmente ao redor
da terra. Somos ainda incapazes de cuidar do ecossistema.
Não vemos como diminuir a indústria da morte que
contrabandeia armas, distribui drogas e promove a
prostituição infantil. Esses descompassos geram uma
mórbida paralisia.
Com efeito, acabamos de viver o ocaso de uma era, da-
mos os primeiros passos sob os raios do sol do novo milênio
com muito medo. Nesta aurora secular, as mudanças são
radicais e velozes, nada é claro e definido. Numa encruzi-
lhada da história, cansados de tantos desacertos, somos obri-
gados a tomar decisões, escolher sendas. A pós-modernidade
se caracteriza exatamente pelo cansaço, pela incapacidade
de optar.
Sem ufanismos, Paulo fala uma mensagem de esperança
aos atenienses. Em meio a esse desafio pós-moderno não
podemos permitir que a igreja fique sem voz, também toma-
da de uma fadiga existencial. Já se percebe falta de ânimo
também nos muros eclesiásticos. Logicamente, muito mas-
carado; bem escondido. Os diversos segmentos cristãos não
querem admitir que seu pico já tenha passado. No
fundamentalismo evangélico existe uma espécie de vazio
escatológico. Os cronogramas dispensacionalistas dos cren-
tes que gostavam de prever e mapear como seria a volta de
Cristo, perderam o encanto. Os evangelicais – que propunham
um cristianismo mais socialmente engajado – parecem sem
vigor. A proposta do evangelho integral de Lausanne não
conquistou espaço. Os pentecostais também demonstram

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76 Artesãos de Uma Nova História

tensão. A teologia da prosperidade avança sem muita con-


testação e vem mudando o perfil que identificava os
pentecostais. A Associação Evangélica Brasileira – a AEVB –
implodiu, ou foi jogada no formol - por falta de paixão ou
talvez, por falta de plataforma reflexiva. Toda uma geração
que conspirou pelo Reino se desarticulou. Cada um foi cui-
dar do seu espaço. As parcerias missionárias também perde-
ram velocidade.
Necessitamos tirar forças de onde não temos, crer contra
a esperança, porque neste estado de falência somente a igreja
pode contribuir com significativa força, porque não busca
seus recursos em si mesma, mas em Deus.
Interessante notar como a pós-modernidade se caracte-
riza pela alteridade. Semelhan-temente, a cultura ateniense
que se inspirava no Areópago também não possuía perfil.
As correntes da filosofia se digladiavam pela consciência
dos atenienses. Essas correntes eram tão distintas entre si
que se tornava impossível traçar o perfil do auditório que
ouviu seu discurso. Sim, havia epicureus e estóicos, mas
essas escolas filosóficas ofereciam cosmovisões
diametralmente opostas entre si. Os epicureus, discípulos
de Epicuro, criam que a natureza das coisas era produto do
acaso e do capricho. A vida humana era comparada a uma
bolha de sabão cheia de ar, que se desfaz com facilidade,
desaparecendo no nada. Diante da volatilidade da existên-
cia, eles encarnavam o ditado: “Comamos e bebamos, por-
que amanhã morreremos”. Disputavam com os epicureus os
estóicos, que criam que somos todos centelhas do logos ou
da razão; quando mortos voltamos a nos integrar totalmen-
te à causa inicial, Deus, que habita no transcendente.
Essa alteridade pós-moderna produz um pluralismo
vastíssimo. No mercado das idéias há infinitas opções hoje.
Só que, ao contrário de Atenas, essas opções já não podem
mais ser discutidas. Ideologicamente, no mundo pós-mo-
derno, a verdade não pode ser reivindicada por ninguém. O

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A pós-modernidade e missões 77

proselitismo é politicamente incorreto e é encarado como


imperialismo dos reacionários.
Por isso, nos círculos religiosos, já se fala de um macro
ecumenismo. Ruíram os velhos paradigmas da modernidade
que discutiam se a verdade podia ser objetivamente
conhecida. Hoje, a verdade não existe. Deus foi reduzido a
um conceito panteísta. A religião serve como uma afirmação
psicológica e nada mais. Como todos os sistemas panteístas,
esse neopanteísmo ocidental resiste à lógica. Argumentação
e análise tornam-se irrelevantes diante do místico.
Requer-se que o cristianismo ocidental volte a fazer o
seu trabalho epistemológico. Estabeleça seus alicerces teo-
lógicos. Volte às Escrituras e saiba escrever os seus credos.
Se não fizermos o dever de casa corremos o risco de produ-
zir um cristianismo sem verdades. Tão subjetivo que a ver-
dade de cada um será o seu próprio cânon. E esse cristianis-
mo vivido assim se resigna a ser mero êxtase religioso. Pos-
suído de sentimentalismo, tenta desempenhar seu papel
profético com muita flauta e pouca trombeta. Sem verdades,
luta para ser relevante, mas é desdenhado.
Quando Paulo adentrou o Areópago observou que o
panteão arrolava mais deuses do que eles conseguiam cata-
logar. Conciliavam a erudição e o misticismo. A cultura e o
aparente avanço do saber não foram suficientes para afogar
a intrínseca vocação religiosa grega.
Começamos o século XX acreditando que a época científi-
ca aperfeiçoaria os meios de exploração do mistério. O mistério
cederia espaço para o factual, o espírito do transcendente se
reduziria à regularidade monótona do imanente. Os
intelectuais da modernidade profetizavam: “Aposentaremos
Deus num canto desnecessário do universo, condenaremos a
divindade ao ostracismo”. Sartre falava do silêncio de Deus.
Jaspers falava da ausência divina. Buber gostava de mencionar
o eclipse de Deus. Hamilton propôs a teologia da morte de
Deus. Bultman acreditava que precisaríamos retirar todos os
mitos da Bíblia para que ela fosse aceita pela mente moderna.

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78 Artesãos de Uma Nova História

Ledo Engano. O século XX terminou vendo expressões


de religiosidade por todo lado. As prateleiras das livrarias
abarrotadas de livros esotéricos. Paulo Coelho foi best-seller
na França por meses a fio. Xiitismo, termo que descreve uma
mera vertente islâmica, virou neologismo para intolerância.
Khomeyni implantou um estado religioso no Irã, que embo-
ra venha sendo revisto, continua sólido. Os estudantes do
Taleban arrasaram com o Afeganistão e Shirley MacLaine
virou a deusa da Nova Era nos Estados Unidos. Sem um
conceito monoteísta a Nova Era deificou as pessoas. Não
soa bizarro que a erudição esteja hoje tão próxima da su-
perstição. Certa vez, durante uma palestra, um aluno desa-
fiou Shirley Maclaine: “Sinceramente, eu não a vejo como
deusa”. Ela retrucou sem hesitação: “Isso é porque você não
consegue se reconhecer como um deus”.
Os deicidas da modernidade caíram no ostracismo. Na
explosão de espiritualidade deste novo milênio, percebe-se
que a vocação mística do homem pós-moderno transpôs as
fronteiras outrora impostas pela modernidade. Há, inclusi-
ve, um autor francês que afirma que Deus se vingou. O cris-
tianismo cresce com uma velocidade descomunal nesta vi-
rada de século.
O discurso de Paulo não revela apenas seu conhecimen-
to das características daquela sociedade. Fornece algumas
pistas sobre como a igreja pode ser relevante na pós-
modernidade.

Estrategicamente, Paulo convocou os atenienses para


reavaliarem o porquê da intuição religiosa eles. Mostrou-lhes
o altar ao Deus desconhecido. (Atos 17:23)
A pós-modernidade abriu amplas oportunidades para
retomar o debate sobre a intuição religiosa universal. Na
modernidade, a inclinação para o sagrado parecia bem
explicada. Contudo, por mais que tenha se tentado arrazoar
fenomenologicamente a inclinação humana para o sagrado,

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A pós-modernidade e missões 79

ela continua intrigante. Ainda hoje, o fenômeno religioso é


atestado, mas não totalmente explicado. De onde vem nossa
intuição religiosa? Aristóteles dizia: “O que é inerente à
essência é universal: tudo quanto o homem tem
instintivamente por verdadeiro, é uma verdade natural”. Os
antropólogos propunham que o sentimento religioso nasce
da transferência, desde os primórdios, dos valores impessoais
para as forças pessoais. Quando víamos o fogo, atribuíamos
a ele pessoalidade. Depois achávamos que era uma
divindade. Acreditou-se que somente depois de muito
progresso nos conceitos é que se chegou a um Deus único.
Explica, mas não satisfaz. O questionamento persiste: Por
que todas as sociedades, as mais distantes umas das outras,
possuíram algum conhecimento de Deus? Mesmo que esse
conhecimento fosse rudimentar ou sofisticado?
Na sociedade grega havia um altar ao Deus desconheci-
do. Todo o desenvolvimento da cultura não fora suficiente
para afogar a sede pelo transcendente. Eles adoravam até
mesmo quem não conheciam.
Essa mesma sede de Deus teimosamente persiste em re-
velar-se na pós-modernidade. Os filhos desta geração estão
abertos a questionar o porquê dessa sede. Possuem uma nos-
talgia, uma melancolia que não sabem bem o que é. Querem
respostas além da observação empírica da modernidade.
Podemos dizer que o poeta que compõe mesmo sabendo não
existir a musa, de alguma maneira reconhece que tem sede
do eterno. O boêmio que bebe parece querer afogar uma sede
do seu íntimo que ele não sabe de onde vem. O aventureiro
que busca mais êxtase parece estar irrequieto com realidades
que ainda não percebeu. Talvez o verso do Chico Buarque de
Holanda, contenha o clamor de uma geração: “O que será,
que será, que dá dentro da gente e que não devia? Que desa-
cata a gente, que é revelia/ Que é feito uma aguardente que
não sacia/ Que é feito estar doente de uma folia/ Que nem dez
mandamentos vão conciliar/ Nem todos os ungüentos vão
aliviar/ Nem todos os quebrantos, toda alquimia/ Que nem

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80 Artesãos de Uma Nova História

todos os santos será que será...” Pode-se responder em plenos


pulmões, nos Areópagos da pós-modernidade: “A resposta é
Deus, amigo!”
Com a globalização e o melhor conhecimento das cultu-
ras africanas e asiáticas, sabe-se hoje que o ateísmo foi um
fenômeno europeu, filho bastardo do Iluminismo. Africanos
e orientais praticamente desconhecem o ateísmo. Platão
corretamente afirmou: “O ateísmo é uma doença da alma,
antes de ser um erro de entendimento”.

Paulo mostrou que a religião, conquanto boa, não conse-


gue conter Deus ao afirmar que ele não habita em templos
feitos por mãos humanas. (Atos 17:24)
As paredes do Areópago não eram largas o suficiente
para conter a Deus. Ele não habitava nas fronteiras da com-
preensão daqueles atenienses. Transcendia os limites da re-
ligião. Com a pós-modernidade percebeu-se que há uma crise
da religião. As instituições religiosas carecem de credibilidade
como fontes da revelação do divino. Por outro lado, há um
florescimento da espiritualidade. As pessoas não se
contentam mais nos paradigmas das religiões oficiais. Para
homens e mulheres da pós-modernidade, as paredes
eclesiásticas já não delimitam o divino.
Os tempos atuais nos desafiam a rever nossa pregação.
Passou-se, por muito tempo, uma idéia de que Deus estivesse
conformado às teologias sistemáticas. Ensinou-se que sua
função seria controlar, resolver os grandes fenômenos da na-
tureza. Acontece que hoje as pessoas podem arranjar-se sozi-
nhas. Um Deus que apenas socorre nas impossibilidades pa-
rece desnecessário. As pessoas já não se dobram a sistemas
herméticos. Não aceitam a tutela institucional.
O momento oferece perigos e desafios. O principal cuida-
do é que Deus não se desfigure como apenas uma força
causal. A compreensão de Deus pode ser tão eclética que ele
mude de nome. Ele já se confunde com a natureza. Ao se

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A pós-modernidade e missões 81

rejeitar a teologia sistemática, é possível rejeitar-se também


a compreensão dos atributos de um Deus com pessoalidade.
Fica-se apenas com a noção panteística de Deus como prin-
cípio primaz da vida.
Essa revolta pós-moderna às instituições também traz
oportunidades. Ratifica a consciência protestante: Não há uma
mega instituição religiosa. Ninguém dita os fundamentos
teológicos a serem seguidos. Não há uma igreja que possa
arvorar-se única advogada da verdadeira doutrina. Desde
Martinho Lutero, propõe-se que a revelação bíblica não é
propriedade de um segmento específico. Todos estamos em
contato com a verdade, porém ninguém ainda conseguiu
exauri-la. O ambiente atual propicia que se convide ao livre
exame da verdade. A desobrigação institucional libera as
pessoas de preconceitos. Fica muito mais fácil abraçar con-
vicções sem patrulhamento de qualquer espécie.

Paulo desmistifica a idéia mesquinha de um culto ensi-


mesmado, como se Deus necessitasse de alguma coisa.
(Atos 17:25)
O conceito religioso pode naufragar nas intenções do re-
lacionamento entre Deus e os homens.
Naqueles dias, os deuses gregos, egoístas, achacavam
os seus seguidores com medo. O panteão gravitava com am-
bições políticas, interesses financeiros, imoralidade, inclu-
sive com prostituição cultual. A própria existência dos deu-
ses era permissiva e imoral. Um verdadeiro drama teatral.
Os conceitos religiosos afogavam-se em um emaranhado de
preceitos. Careciam de maiores conseqüências para o
ordenamento da vida. Na modernidade duas acusações per-
seguiram a igreja: ser opressora e “infantilizante”. Karl Marx
viu nas instituições religiosas de seus dias os instrumentos
de injustiça e alienação sociais. Já Sigmund Freud entendeu
que a religião formava neuroses e castrava o desenvolvi-
mento pessoal. Resultado: as igrejas na Europa se esvazia-

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82 Artesãos de Uma Nova História

ram. O clima anticlerical recrudesceu. Rejeitou-se a herança


cristã.
A pós-modernidade já não descarta a religião com o desdém
da mente moderna. Ela a vê como mais uma ferramenta a servi-
ço da felicidade humana. Contudo, continua um ópio existenci-
al. A igreja não pode sucumbir ao espírito deste tempo. Existem
perigos na busca de relevância na pós-modernidade. Paulo res-
saltou aos atenienses que Deus não necessita de nós. Se hoje as
pessoas pedem um deus pequeno a serviço dos caprichos e inte-
resses pessoais, a igreja precisa ir no contra-fluxo e insistir que
Deus não necessita de nada de nós e que o culto se firma em
relacionamentos, não em interesses ocultos.

Paulo preocupa-se em firmar a soberania de Deus. Ele é


quem fixa os limites do tempo e os limites da habitação.
(Atos 17:26)
Diante de uma pluralidade de deuses que disputavam
seu espaço, Paulo deixou claro que não há sentido em servir
a um Deus que não esteja em absoluto controle de todo o
universo. Mostrou aos atenienses que havia um sobrepu-
jando os conceitos medíocres da divindade. Considerou in-
concebível o universo ser dualista.
Com o renovado interesse em anjos e demônios a igreja
necessita continuar esclarecendo que Deus é único, sem par.
Redobrar seu zelo. Mostrar a essa geração, tão inclinada ao
panteísmo que Deus não divide sua autoridade. Até mesmo a
vasta literatura que tenta restaurar o papel dos anjos e de
demônios deve manter a coerência do monoteísmo.

Paulo preocupa-se em mostrar que não traz um “novo”


Deus, mas uma convocação a que repensem seus conceitos
sobre Deus. (Atos 17:26-29)
Os sistemas religiosos podem redundar em nada.
A lógica absurda do paganismo é exposta. Mesmo meti-
culosos, os religiosos atenienses continuavam tateando.

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A pós-modernidade e missões 83

Depois afirma no versículo 28 que Jeová, ao contrário dos


outros deuses, estava presente na criação “pois nele vive-
mos e nos movemos, e existimos”. O deísmo, que só veio a
ser elaborado como teologia no século XVII, era inconscien-
temente vivido pelos atenienses. Para eles o mundo dos
deuses desenvolvia-se à revelia da nossa sorte, não se en-
volvendo diretamente com nosso destino.

A religião fracassa quando não tem uma pregação de


esperança, quando não fala de um futuro de apogeu - a
parousia - a segunda vinda de Cristo. (Atos 17:31)
Haverá um dia em que ele virá. Um dia ele entrará de
novo em cena. C.S.Lewis dizia que o autor da peça só entra
no palco quando termina o espetáculo. Virá o dia em que ele
pedirá contas aos ricos da espoliação dos pobres; aos brancos,
da subjugação dos negros. Deus há de cobrar a retenção do
alimento das crianças que morrem de fome e pedirá contas
da conduta dos libertinos e pervertidos sexuais, do alcoólatra
que levou a família à desgraça, do marido ou da mulher que
destruiu o lar com sua infidelidade. Deus pedirá contas a
mim e a você de cada ato praticado às escuras. A igreja acena
com a possibilidade real do triunfo da justiça sobre o mal,
da vida sobre a morte. O discurso de Paulo não fecha com a
continuação ad eternun da história, mas convoca os
atenienses para o dia em que o corruptível se revestirá da
incorruptibilidade.
Quando o Drummond pensou no seu futuro, imaginou sem
perspectiva, sem horizontes, encalhado. Perguntou:
E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?

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84 Artesãos de Uma Nova História

E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta,
E agora, José?
Os homens e mulheres filhos da pós-modernidade tam-
bém não sabem o que fazer do seu amanhã. As luzes se apa-
gam, e a noite esfria sem que saiba como dar sentido ao ar
que respira. Para essa geração, a igreja afirma que ele voltará.
Voltará não mais como o servo sofredor que palmilhou as es-
tradas poeirentas da Palestina, mas como o varão acreditado
diante de todos, pois Deus o ressuscitou dentre os mortos.
Virá para vingar a expectativa de Moisés. “Ó Senhor, quem é
como tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em san-
tidade, terrível em feitos gloriosos, que operas maravilhas?”1 ;
Voltará para que uma geração desacreditada e cética saiba
que a afirmação de Josué sobre o seu caráter é verdadeira:
“Nenhuma promessa falhou de todas as boas palavras que o
Senhor falara à casa de Israel: tudo se cumpriu”2 . Quando ele
voltar, nos quedaremos reverentes ao que previu Jó: “Bem sei
que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado”3 ;
Ele voltará para que a expectativa de Davi“ sobre o futuro da
humanidade se estabeleça sobre ele e não por “algo aleató-
rio”: “Reina o Senhor. Revestiu-se de majestade; de poder se
revestiu o Senhor, e se cingiu. Firmou o mundo, que não vacila.
Desde a eternidade está firme o teu trono: tu és desde a eterni-
dade”.4
Tanto os areopagitas como os filhos da pós-modernidade
precisam reconhecer que a história não caminha aos sola-
vancos, mas segue rumo aos propósitos de Deus. Quando
1
Êxodo 15:11
2
Josué 21:45
3
Mateus 8:27
4
Apocalipse 1:17-18

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A pós-modernidade e missões 85

Cristo acalmou os vagalhões que queriam afundar o barco


em que estavam os discípulos, eles se indagaram: “Quem é
este que até os ventos e o mar lhe obedecem?”.5 A resposta
encontra-se no Apocalipse: “Não temas; eu sou o primeiro e
o último e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou
vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e
do inferno”.6
Em meio às incertezas da pós-modernidade, a igreja tam-
bém tem um grito. Sem desespero clama: “Maranata!” Ora
vem Senhor Jesus!

5
Mateus 8:27
6
Apocalipse 1:17-18

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2ª PARTE

“OS PROCESSOS DE DEUS PARA


FORMAR SEUS ARTESÃOS”

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CAPÍTULO 7

MARCHANDO SEGUNDO A
VONTADE DE DEUS
– Moisés

“Os egípcios, com todos os cavalos e carros de guerra do faraó, os


cavaleiros e a infantaria, saíram em perseguição aos israelitas e os
alcançaram quando estavam acampados à beira-mar, perto de Pi-
Hairote, defronte de Baal-Zefom. Ao aproximar-se o faraó, os
israelitas olharam e avistaram os egípcios que marchavam na dire-
ção deles. E, aterrorizados, clamaram ao Senhor. Disseram a Moisés:
‘Foi por falta de túmulos no Egito que você nos trouxe para morrermos
no deserto? O que você fez conosco, tirando-nos de lá? Já lhe tínhamos
dito no Egito: Deixe-nos em paz! Seremos escravos dos egípcios!
Antes ser escravos dos egípcios do que morrer no deserto!’
Moisés respondeu ao povo: “Não tenham medo. Fiquem
firmes e vejam o livramento que o Senhor lhes trará hoje, porque
vocês nunca mais verão os egípcios que hoje vêem. O Senhor
lutará por vocês; tão somente acalmem-se”. Disse então o Senhor
a Moisés: “Por que você está clamando a mim? Diga aos israelitas
que sigam avante. Erga a sua vara e estenda a mão sobre o mar,
e as águas se dividirão para que os israelitas atravessem o mar
em terra seca”. Ex 14:9-16

Ao longo da história cristã sempre houve duas igrejas:


a institucional, dos reis, cardeais e papas, e a igreja orgânica,
que acontece sem a administração eclesiástica. A falida, mor-
ta, e a igreja emergente, forte. Essas duas sempre caminharam
juntas. No texto acima as encontramos representadas.
Depois de 430 anos de escravidão, o povo de Israel par-
tiu do Egito em direção a Canaã. Porém, a geração que saiu

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90 Artesãos de Uma Nova História

do Egito morreu no deserto, e só os seus descendentes to-


maram posse da terra prometida.
A saída do povo de Israel do Egito constituiu-se em uma
das maiores migrações da história da humanidade: 600 mil
homens que, somados às mulheres e crianças, formavam
uma multidão de dois ou três milhões de pessoas. Sem falar
nos camelos, jumentos, carroças e rebanhos. Mas a presen-
ça do Senhor nunca se apartou do meio deles. Durante o dia
uma nuvem protegia o povo, e à noite uma coluna de fogo
os aquecia do frio do deserto.
O primeiro lugar onde o povo acampou chamava-se Pi-
Hairote, às margens do Mar Vermelho. Imagine uma multi-
dão de mais de dois milhões de pessoas acampando no deser-
to, com pouca água e condições de higiene precaríssimas. De
repente, uma poeira se levanta no horizonte: Faraó se dera
conta das implicações de deixar partir o povo de Israel, e or-
ganiza uma frente militar para trazer seus escravos de volta,
provavelmente com a intenção de matar Moisés e outros lí-
deres.
Desse relato bíblico podemos tirar preciosas lições sobre
a igreja e a carreira cristã.

A igreja tem um propósito a cumprir.


Creio que na Igreja de Deus existem também muitas pes-
soas que, embora tenham sido libertas da escravidão do
pecado, por motivos os mais diversos nunca chegam à terra
prometida, ao propósito último de Deus. Essas vivem eter-
namente na periferia dos planos divinos, morrem no deser-
to da peregrinação sem nunca alcançar a plenitude da vida
abundante prometida por Jesus.
Meu receio é que gastemos nossa vida, tempo, energias
e potencialidade simplesmente resolvendo crises internas e
problemas orgânicos nas nossas igrejas. Quantas vezes não

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Marchando segundo a vontade de Deus 91

precisamos voltar atrás para resolver os problemas mais bá-


sicos da fé, como murmuração, fofocas, dissensões, amar-
guras? Jesus está voltando, e continuamos administrando cri-
ses internas dentro da igreja ao invés de voltarmos nossos
olhos para os campos que estão brancos para a ceifa, para a
obra missionária, para o desafio que se encontra diante de
nós.
Como pastor, como crente, como ser humano, meu maior
medo é chegar ao fim da minha caminhada, e após pregar
meu último sermão e dar o último beijo na minha mulher,
olhar para trás e dizer: “Eu poderia ter feito muito mais!
Quanta coisa mais eu deveria ter realizado e não consegui!”
Tremo em pensar na possibilidade de chegar diante de Jesus
e ouvi-lo dizer: “Ricardo, eu tinha tantos planos para você,
mas você não realizou nem a metade por causa da sua
obstinação e do seu pecado”. Esse é meu maior receio: frus-
trar o plano de Deus ou abortar os seus propósitos para minha
vida.
Encontramos claramente nesse relato bíblico duas atitu-
des do povo de Israel: uma representada pela voz de Moisés,
e outra pela voz do povo.
Quando os judeus vêem Faraó aproximar-se com seus
carros e cavaleiros, questionam Moisés: “Foi por falta de
túmulos no Egito que você nos trouxe para morrermos no
deserto? O que você fez conosco, tirando-nos de lá?”1 Os
israelitas haviam passado 430 anos no Egito, e creio que o
efeito mais devastador daqueles séculos de escravidão foi
roubar do povo a razão da sua existência. Eles haviam cla-
mado a Deus por libertação, e Deus respondera enviando
Moisés. Mas, uma vez livres do sofrimento, do jugo e da dor,
tornou-se óbvio que lhes faltava propósito para a própria
liberdade. Não partilhavam da visão de Deus, cujo desígnio
era não somente proporcionar-lhes alívio, mas também
cumprir a promessa feita a Abraão séculos antes: “Saia da

1
Êxodo 14:11

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92 Artesãos de Uma Nova História

sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e


vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande
povo, e o abençoarei... e por meio de você todos os povos da
terra serão abençoados”.2 O povo de Israel fora vocacionado
por Deus para ser uma bênção para todos os povos, mas
perdeu a visão no decorrer dos anos de sofrimento, e uma
vez livres de Faraó, olharam uns para os outros perguntando:
“Estamos livres. E agora?”
O grande problema que a igreja enfrenta nos dias de hoje
é que as pessoas são salvas, libertas da escravidão do peca-
do, mas vêem na salvação um fim em si mesmo: “Estou
salvo. Pronto. Está resolvido”. Quem tem essa atitude vai
acabar morrendo no deserto porque o plano de Deus vai muito
além disso. Fomos salvos não apenas para resolver nossos
próprios problemas, mas para sermos “sacerdócio real, na-
ção santa, povo exclusivo de Deus, para proclamar as gran-
dezas daquele que nos chamou das trevas para a sua mara-
vilhosa luz”.3
Nunca devemos nos esquecer que os fins da nossa cami-
nhada são mais importantes do que os meios. Temos um
propósito a cumprir, mas muitas vezes fazemos da nossa
experiência religiosa pessoal um fim em si mesmo. Nossa
vida reduz-se então à resolução dos problemas do dia-a-dia,
e acabamos perdendo nosso objetivo de vista. Somos
chamados a ser sal e luz neste mundo4 , povo escolhido para
anunciar à nossa geração a grandeza da mensagem do Evan-
gelho, e se não tivermos essa visão evangelística e
missionária, acabaremos perdendo nossa vida no deserto.

A igreja não pode tornar-se um balcão de serviços.


Os israelitas foram libertos do Egito sob a liderança de
Moisés, mas não abraçaram o propósito de Deus em sua

2
Gênesis 12:1-3
3
I Pedro 2:9
4
Mateus 5:13-14

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Marchando segundo a vontade de Deus 93

totalidade. Diante das primeiras dificuldades começaram a se


rebelar contra Moisés e a exigir que ele satisfizesse suas
vontades. Não demorou muito para que sentissem saudades
das cebolas, dos pepinos e dos alhos do Egito, e achavam que
como Moisés os tirara de lá, devia continuar lhes prestando
serviços, fornecendo-lhes também essas coisas. Não estavam
prontos a enfrentar sacrifícios em prol do projeto de Deus, porque
não o haviam abraçado como seu próprio.
Muitos crentes também vêem a igreja e o pastor como
prestadores de serviço. Passam a semana inteira cuidando
apenas de seus próprios interesses, e no domingo sentam
no banco da igreja de braços cruzados esperando que o pas-
tor lhes forneça alimento concentrado. Dão o dízimo em tro-
ca de uma boa escola dominical para os filhos, um belo co-
ral e a melhor banda. Precisamos parar de considerar a igre-
ja um balcão de serviços, esperando que um pequeno grupo
trabalhe enquanto o resto da congregação usufrua, e abra-
çar o ideal de Jesus de tal forma que nossos bens, tempo e
talentos estejam todos a serviço do Reino.

A igreja não pode perder seus princípios.


Os israelitas não perderam de vista apenas seu propósi-
to, como também seus princípios: “Já lhe tínhamos dito no
Egito: Deixe-nos em paz! Seremos escravos dos egípcios!
Antes ser escravos dos egípcios do que morrer no deserto!”5
Em outras palavras, os israelitas expressam aqui a filosofia
dos covardes: “Melhor um covarde vivo do que um herói
morto”. Na época de Juscelino Kubitschek e João Goulart,
havia um político nordestino que era considerado particu-
larmente autêntico: Falava alto, dava murros na mesa, e
mostrava-se intransigente em seus posicionamentos. Quan-
do, porém, os militares assumiram o poder, todos os seus
posicionamentos ruíram por terra, e ele se aliou aos milita-
res. Quando lhe perguntaram o que acontecera com sua
5
Êxodo 14:12

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94 Artesãos de Uma Nova História

renomada autenticidade, ele respondeu: “É melhor lamber a


espada do general do que ter de engoli-la”. Era essa a filoso-
fia dos israelitas: consideravam melhor servir aos egípcios,
desde que tivessem certas regalias, do que abrir mão do
conforto pela defesa de uma causa. E temo que seja esta
também a filosofia do homem moderno. As pessoas gostam
de passear no shopping e usar roupa de grife, mas não têm
causas pelas quais lutar, nem ideais a defender.
Às vezes me pergunto se não estamos confortáveis de-
mais. Se estivéssemos num país como a Arábia Saudita ou a
Argélia, onde ser crente significa risco de vida, talvez
lutássemos por uma causa. Certa vez um grupo do Sendero
Luminoso invadiu uma pequena igreja no interior do Peru.
Depois de dominar o pastor, disseram que os crentes que
estivessem dispostos a renegar sua fé podiam sair e os que
quisessem permanecer fiéis a Cristo deviam ficar no interior
da igreja. Um bom número de crentes saiu, e outro grupo
permaneceu na igreja, embora crendo que isso lhes custaria
a vida. De repente, os que estavam dentro ouviram vários
estampidos do lado de fora, e o líder do Sendero Luminoso
explicou: “Não vamos matar vocês, porque temos profundo
respeito por pessoas que amam aquilo que defendem. Mas
os que saíram eram covardes, e mereciam ser executados”.
Muitos dos que se encontram nas igrejas não entenderam
ainda os princípios de Deus e não estão dispostos a viver e a
morrer pela causa de Cristo.

O povo de Israel não tinha propósito, perdera seus princí-


pios, e era um povo sem poder.
O texto diz que quando viram o exército de Faraó se apro-
ximando, temeram muito. Mas veja a ironia da situação: O
Faraó que o povo temia tanto era o mesmo que Deus humi-
lhara dez vezes, provando de forma inequívoca sua suprema-
cia sobre os poderes do Egito. O povo ainda se encontrava
amedrontado porque lhes faltava poder espiritual.

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Marchando segundo a vontade de Deus 95

Da mesma forma, não podemos subestimar o poder


do diabo, mas também não podemos superestimá-lo. Esse
leão que ruge tão ferozmente contra nós já teve sua ca-
beça esmagada na cruz do Calvário. Esse inimigo que
ousa levantar acusação contra os eleitos de Deus já foi
derrotado. Ele não tem mais força nem autoridade sobre
nós, porque em Cristo somos mais que vencedores! A igre-
ja não precisa temer o avanço de “Faraó”. Como diz o
apóstolo Paulo no grande cântico de Romanos: “Se Deus
é por nós, quem será contra nós? ... Somos mais do que
vencedores, por meio daquele que nos amou... Pois es-
tou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos
nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quais-
quer poderes, nem altura nem profundidade, nem qual-
quer outra coisa na criação será capaz de nos separar do
amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”.6
Você não precisa viver angustiado com medo do inimigo,
se Jesus for o seu escudo, anteparo e lhe tomar pela mão.
“Não temerei perigo algum”, diz o salmista, “porque tu es-
tás comigo. A tua vara e o teu cajado me protegem”.7
Visto que o povo de Israel não possuía propósito nem
poder, e perdera seus princípios, Moisés tomou algumas ati-
tudes:
Em primeiro lugar, procurou acalmar o povo: “Não tenham
medo. Fiquem firmes e vejam o livramento que o Senhor lhes
trará hoje”. Essa frase aparenta uma profunda ironia: atrás
avança o exército de Faraó, à frente encontra-se o Mar
Vermelho, dos lados estão montanhas. O povo está revoltado,
tremendo de medo e Moisés na maior tranqüilidade pede ao
povo que se aquiete e observe o livramento do Senhor. Posso
imaginar o povo se perguntando: “Onde se encontra o
livramento? Como Deus nos livrará?” O próprio Moisés não
tinha a menor idéia do que estava para acontecer, como o

6
Romanos 8:28
7
Salmo 23:4

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96 Artesãos de Uma Nova História

Senhor os livraria, mas manifesta a atitude de um homem


que tem verdadeira fé em Deus. A fé não é a certeza das coisas
que se esperam e a convicção de fatos que se não vêem?8
Moisés ainda não via nada, mas teve a certeza que o livra-
mento viria. Sabia que Deus estava no controle da situação e
não os abandonaria.
Nossa vida é como um quadro sendo pintado. Às vezes
vemos borrões sem sentido, mas conhecendo o Pintor pode-
mos ter certeza que quando o quadro estiver pronto fará
todo o sentido do mundo.
O Deus que nos trouxe até aqui nos levará até o fim. Ele
não nos desamparará nem nos abandonará na beira da estra-
da. Não sei o que está acontecendo em sua vida, que circuns-
tâncias você vem enfrentando, mas de uma coisa tenho
certeza: O melhor ainda está por vir. O que ele fará, não sei,
mas sei que ele é poderoso para fazer infinitamente mais do
que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu po-
der que opera em nós.9 Podemos marchar em direção ao des-
conhecido, pois a presença do Senhor é certa.
A segunda atitude de Moisés que considero importante
para a nossa caminhada foi crer na atuação de Deus no pre-
sente: “Não tenham medo. Fiquem firmes e vejam o livra-
mento que o Senhor lhes trará hoje”. Creio que a palavra
“hoje” nessa frase é muito significativa porque muitas vezes
temos dificuldade em crer no Deus do presente. Não achamos
difícil acreditar no Deus do passado, que enviou fogo do céu
quando Elias orou. Não duvidamos que Jesus curou dez
leprosos de uma só vez, nem que tenha multiplicado pães e
peixes. Também não temos problema em crer no Deus do
futuro. Não duvidamos que Jesus vai voltar e esmagar a ca-
beça da besta e do anticristo, nem que ele vai arrebatar a sua
igreja. Nossa grande dificuldade é crer que Deus pode agir em
nossa vida hoje! Gostamos de pensar no que Deus fez no

8
Hebreus 11:1
9
Efésios 3:20

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Marchando segundo a vontade de Deus 97

passado, e lembramos com saudades de um culto em que ele


nos tocou, de um hino que falou ao nosso coração, ou de
alguma ocasião em que ele nos usou. Ou então projetamos
nossa fé para o futuro, na expectativa do dia em que seremos
usados por Deus. Porém, a Bíblia nos convida a crer em um
Deus que opera maravilhas hoje! Quantas vezes participamos
de um culto, mas não acreditamos que Deus vai operar. Nossa
perspectiva no culto deveria se manifestar numa oração como
a seguinte: “Eu quero, Senhor, que o céu se abra sobre essa
igreja, que enchas esse lugar de tal maneira que os sacerdo-
tes não consigam ficar em pé, e eu seja transformado como
nunca antes – hoje!”
Em terceiro lugar, quando Moisés começou a orar nova-
mente a Deus, o Senhor o interrompeu, dizendo: “Pára,
Moisés! Agora não é hora de orar. Agora é hora de marchar!
Tem hora de orar, hora de buscar, hora de chorar, mas agora
é hora de marchar. Por que você está clamando a mim? Diga
ao povo que marche!”
Creio que a maioria dos leitores já ouviu mais pregações
do que havia de codornizes no arraial dos israelitas. Ouvi-
mos sermões de todos os tipos e muitos já se encontram
gordos de tanta pregação. No momento, talvez o que você
precisa não é de mais sermões e sim de começar a marchar!
Chegou a hora de arregaçar as mangas e fazer alguma coi-
sa. Uma geração de crianças e adolescentes está se levan-
tando que não conhece a Deus, e nossa atitude não pode ser
a de deixar rolar para ver como fica, e sim de nos inquietar-
mos e procurar descobrir o que podemos fazer para ajudar.
Quantos estão dobrando os joelhos e chorando até ver a
glória de Deus manifestar-se? Basta de chegar atrasado aos
cultos por causa de jogo de futebol e depois dizer que nada
acontece na igreja. O mundo clama por uma igreja que fale
menos e se envolva mais. A obra de Deus é grandiosa; seu
projeto, maravilhoso, embora árduo. Mas precisamos de
homens e mulheres dispostos a colocar a mão no arado e não
olhar para trás. Eu quero ser uma dessas pessoas. E você?

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CAPÍTULO 8

O SONHO AINDA NÃO ACABOU


– Josué
“Depois da morte de Moisés, servo do Senhor, disse o Senhor a
Josué, filho de Num, auxiliar de Moisés: ‘Meu servo Moisés
está morto. Agora, pois, você e todo este povo preparem-se para
atravessar o rio Jordão e entrar na terra que eu estou para dar
aos israelitas. Como prometi a Moisés, todo lugar onde puserem
os pés eu darei a vocês. Seu território se estenderá do deserto ao
Líbano, e do grande rio, o Eufrates, toda a terra dos hititas, até
o mar Grande, no oeste. Ninguém conseguirá resistir a você todos
os dias da sua vida. Assim como estive com Moisés, estarei com
você; nunca o deixarei, nunca o abandonarei. Seja forte e corajo-
so, porque você conduzirá este povo para herdar a terra que
prometi sob juramento aos seus antepassados. Somente seja forte
e muito corajoso! Tenha o cuidado de obedecer a toda a lei que o
meu servo Moisés lhe ordenou; não se desvie dela, nem para a
direita nem para a esquerda, para que você seja bem-sucedido
por onde quer que andar. Não deixe de falar as palavras deste
Livro da Lei e de meditar nelas de dia e de noite, para que você
cumpra fielmente tudo o que nele está escrito. Só então os seus
caminhos prosperarão e você será bem-sucedido. Não fui eu que
lhe ordenei? Seja forte e corajoso! Não se apavore, nem desani-
me, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você
andar”. Josué 1:1-9

Os hinos tradicionais não são mais cantados com muita


freqüência em vários meios evangélicos, mas são verdadei-
ros tesouros, e não podem ser esquecidos. Um deles, em
particular, faz vibrar todas as fibras de minha alma, cada
vez que o ouço:

Rude cruz se erigiu,


Dela o dia fugiu,
Como emblema de vergonha e dor,

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100 Artesãos de Uma Nova História

Mas eu amo essa cruz,


Porque nela Jesus
Deu a vida por mim, pecador.

Sim eu amo a mensagem da cruz


‘Té morrer eu a vou proclamar.
Levarei eu também minha cruz
‘Té por uma coroa trocar.

(Harpa Cristã – Hino 291)

Esse cântico é uma convocação a subirmos os degraus


da nossa conversão. Não é necessário ser profundo conhe-
cedor das Escrituras para se perceber que nos convertemos
em três níveis:
O nível mais elementar da conversão acontece quando
nos convertemos dos falsos deuses ao Deus verdadeiro.
O segundo nível ocorre quando nos convertemos do nosso
egoísmo ao senhorio de Cristo e entregamos as rédeas de nossa
vida nas mãos de Deus. É um nível mais digno, quando já
não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.
Mas o nível mais nobre de nossa conversão acontece
quando nos convertemos à causa de Cristo. Somente então
ele passa a ser realmente a razão do nosso viver. Abraçar o
ideal de Cristo é o que nos motiva a vencer os períodos de
depressão, a tentação da carne e o egoísmo.
Alguém já disse que “os nossos ideais são como estrelas:
não podemos tocá-las, mas assim como os navegantes dos
mares, podemos escolhê-las como guias, e segui-las”. E meu
desejo é que você também abrace a causa de Cristo com o
mesmo ardor e a mesma determinação com que a abraça-
ram homens que, como Josué, trilharam a senda do evange-
lho com determinação e graça.

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O sonho ainda não acabou 101

O apóstolo Paulo foi um desses homens. Pouco antes de


ser preso em Jerusalém, encontrava-se na casa de Filipe, o
evangelista, em Cesaréia, quando se aproximou um homem
chamado Ágabo, que era profeta de Deus. Ágabo pegou o
cinto de Paulo, amarrou com ele suas próprias mãos, e disse
que o dono daquele cinto seria assim preso em Jerusalém. A
igreja então se reuniu ao redor de Paulo, suplicando-lhe que
não fosse a Jerusalém, porém o apóstolo Paulo respondeu
com uma das frases mais bonitas da Bíblia Sagrada: “Por
que vocês estão chorando e partindo o meu coração? Estou
pronto não apenas para ser amarrado, mas também para
morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus”.1
Eis um nível de conversão que muitos de nós ainda pre-
cisamos experimentar. Ainda somos pessoas que trabalham
para comer, comem para sobreviver, e vivem para trabalhar.
Precisamos abraçar o ideal de Cristo, e estar prontos para
viver e morrer por ele.

Quando abraçamos a causa do reino, assumimos o nosso


papel histórico.
Moisés já morreu. Alguém precisa tomar o bastão e levá-
lo adiante. E tem de ser um homem que esteja disposto a
exercer seu papel histórico.
Comecei a pregar o evangelho aos 23 anos de idade, e
naquela época pensava: “Quando chegar o dia em que for
preciso assumir a minha responsabilidade histórica dentro
do reino de Deus eu o farei.” E esta semana, enquanto escre-
via esse texto, comecei a me dar conta do seguinte:
O pastor que me batizou nas águas já morreu. Dos três
pastores que fizeram minha cerimônia de casamento, dois já
morreram, e um foi jubilado. O pastor que me ajudou a estu-
dar e a preparar-me ministerialmente já morreu. O pastor que

1
Atos 21:13

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102 Artesãos de Uma Nova História

deu cobertura denominacional à Igreja Betesda já morreu; e o


pastor que deu início à Betesda também já morreu.
Com a idade que estou hoje, Alexandre, o Grande, já ti-
nha conquistado o mundo e já tinha morrido;
Mozart já havia sido consagrado o grande gênio da mú-
sica mundial;
John Kennedy já tinha sido senador dos Estados Unidos;
Billy Graham já tinha pregado ao mundo inteiro.
Pensei comigo mesmo que por todos esses anos esperei o
dia em que começaria a assumir a minha responsabilidade,
mas os dias voaram, as semanas passaram ligeiro, os anos se
transformaram em décadas, e já estou me vendo como um
homem de meia idade, me perguntando: “Quando, Senhor?”
Mas é hoje que o mundo precisa de uma igreja que assu-
ma historicamente, que não esteja apenas em busca de bên-
çãos, mas levantando os olhos para as nações da terra que
precisam ser alcançadas com o evangelho de Jesus Cristo.
Deus está procurando homens e mulheres que estejam
dispostos a assumir a responsabilidade do contexto históri-
co no qual estão vivendo e tomem o firme propósito de não
permitirem que os anos passem, virem décadas e que as
décadas passem por suas vidas enquanto eternamente se
prometem que um dia levarão as coisas de Deus a sério.
Tenho grande admiração pela história de vida de João
Wesley, o grande fundador da igreja metodista. João Wesley
orava assim:

“Senhor, dá-me cem homens que não temam outra coisa senão o
pecado, não amem outra pessoa senão a Deus, e eu abalarei o
mundo. Não me importo se são pastores ou leigos, com eles eu
devastarei o reino de Satanás e edificarei o reino de Deus na terra”.

Chegou a hora da igreja despertar, assumir seu papel


histórico e do povo de Deus dizer: “Eis-nos aqui, Senhor,

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O sonho ainda não acabou 103

reveste-nos com a tua graça!” O bastão está na nossa mão.


A ordem está diante de nós. Quem irá? Quem se dispõe a
dizer: Eis-me aqui, Senhor?

Quando abraçamos a causa do reino, as fronteiras dos


nossos sonhos deixam de ser medíocres.
Após dizer a Josué que chegara a hora de assumir seu
papel histórico, Deus promete alargar as fronteiras dos seus
sonhos: “Como prometi a Moisés, todo lugar onde puserem
os pés eu darei a vocês. Seu território se estenderá do deser-
to ao Líbano, e do grande rio, o Eufrates, toda a terra dos
hititas, até o mar Grande, no oeste”.2 As fronteiras dos so-
nhos de Josué deixariam de ser medíocres.
Quando nos comprometemos com o reino de Deus, co-
meçamos a pensar grande. Deixamos de ser um povo que
pensa pequeno, com sonhos mesquinhos, para ter as fron-
teiras dos nossos sonhos expandidas pelo próprio Deus.
Voltando a João Wesley, ele também foi um homem de
visão grande. Observe a agenda de estudos desse homem de
Deus:
Segundas e Terças – Grego, História Romana e Literatu-
ra.
Quartas – Lógica e Ética.
Quintas – Hebraico e Árabe.
Sextas – Metafísica e Filosofia Natural.
Sábado – Composição de Oratória e Poesia.
Domingos – Divindade.
Ainda encontrava tempo para estudar Francês e Mate-
mática, e conduzir experimentos em Ótica.
João Wesley pregou durante toda a sua vida uma média
de três sermões por dia, durante 54 anos, perfazendo o total

2
Josué 1:3-4

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104 Artesãos de Uma Nova História

de 44.000 mensagens. Viajou no lombo de um cavalo 320.000


quilômetros, ou cerca de 8.000 quilômetros por ano. Publi-
cou um comentário de quatro volumes sobre a Bíblia, um
dicionário de inglês, cinco volumes sobre filosofia, quatro
volumes sobre a história da igreja, livros de gramática in-
glesa, hebraica, francesa e grega. Escreveu três volumes so-
bre medicina, seis volumes sobre música clássica, e o seu
jornal que no fim da sua vida totalizou 50 volumes.
Mas no final de sua vida, a igreja metodista, fundada
por João Wesley já estava transformada na terceira maior
força da cristandade, ao lado do catolicismo e do protestan-
tismo. Tornou-se a maior denominação depois da igreja angli-
cana dentro da Inglaterra e a maior igreja evangélica do sécu-
lo XIX dentro dos Estados Unidos. Isso tudo aconteceu dentro
do período da vida de um homem.
Parece-me, porém, que o que mais falta em nossa socieda-
de hoje são homens e mulheres com esse calibre de luta.
George Orwell escreveu “1984”, um livro em que ele via
uma sociedade sufocada por um regime imperialista, e Aldous
Huxley escreveu “Admirável Mundo Novo”, onde ele imagina
uma sociedade marcada por parâmetros totalmente
diferentes. É interessante notar a diferença que há entre as
duas obras:
Orwell temia aqueles que proibiam os livros. Huxley te-
mia que ninguém mais quisesse proibir livros, porque nin-
guém os leria mesmo.
Orwell temia que fôssemos privados de informação.
Huxley temia que fôssemos tão encharcados de informação
que nos tornaríamos passivos e egoístas.
Orwell temia que a verdade nos fosse negada. Huxley
temia que a verdade fosse afogada no mar da irrelevância.
Orwell temia que a cultura fosse cativa. Huxley temia
uma cultura trivial.

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O sonho ainda não acabou 105

Em “1984” as pessoas foram controladas pelo medo e


pela dor.
Em “Admirável Mundo Novo” as pessoas foram controla-
das pelo prazer.
Em suma, Orwell temia que o que mais odiamos nos
destruísse.
Huxley temia que o que mais amamos nos arruinasse.
Terminamos o século muito mais ameaçados pelas pre-
visões de Huxley do que pelas de Orwell.
Necessitamos de gente que saiba sonhar de novo. Preci-
samos de pessoas...
... cujo maior aplauso venha de Deus;
... cujo exemplo seja uma inspiração;
... que amem mais a humildade do que a propaganda;
... conhecidos e amados no céu;
... conhecidos e temidos no inferno!
Ora, se o mundo do cego é limitado pelos olhos que não
vêem e o do ignorante pelo conhecimento que não tem, o mun-
do do medíocre é limitado pelos sonhos que não possui.
Uma geração pobre não é aquela sem riquezas, e sim
aquela que não possui homens e mulheres que saibam so-
nhar. Uma das maiores tragédias de nossos dias é a falência
dos sonhos e dos ideais.
Vivemos em um mundo em que nossas energias são uti-
lizadas para fins improdutivos: não ser assaltado, não ser
furtado na conta de luz, não perder o emprego, não comprar
remédio falsificado, vencer a guerra do trânsito, tolerar as
longas filas dos bancos, dos postos de saúde, e preparar-se
para uma velhice pobre.
Para nos defendermos disso tudo nos voltamos para o
imediatismo. Vivemos a geração das grifes, dos Status
Symbols (bolsas Louis Vinton, carros BMW, condomínios em
Miami, etc.)

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106 Artesãos de Uma Nova História

Somos a geração de brinquedos caros, mas de alma va-


zia, sem causas para defender, sem qualquer projeto pelo
qual valha a pena morrer. Tornamo-nos homens e mulheres
voltados para nossos empreendimentos pessoais
É um sonho aparentemente impossível querer transfor-
mar uma geração egoísta como a nossa numa geração al-
truísta, homens e mulheres imediatistas em soldados que
lutam por um ideal maior do que a própria vida. Nossos
sonhos, porém, não são impossíveis, nós é que nos acomo-
damos, nos rendemos aos oportunistas, estabelecemos al-
vos egoístas, não temos coragem de tentar e, sobretudo, não
aceitamos os valores de Deus.
Lembro-me de um programa de televisão que gostava de
ver na minha infância, em que a pessoa era colocada dentro
de uma cabine sem visão do que era mostrado fora e o
apresentador apontava, por exemplo, para uma meia velha,
e um carro de luxo, e perguntava para a pessoa dentro da
cabine se ela queria trocar uma coisa pela outra. E a pessoa
devia decidir se trocava ou não, sem saber do que se tratava.
Eu ficava agoniado quando via, por exemplo, a pessoa trocar
um carro novo por uma colher de pau. Hoje, minha agonia é
ver pessoas trocando o eterno pelo efêmero, o infinito pelo
limitado.
Gostaria de poder ajudar essas pessoas a expandirem as
fronteiras dos seus sonhos. Assim como na vida de Josué,
Deus quer fazer grandes coisas de nossas vidas, mas quantas
vezes, assim como aqueles na TV inadvertidamente troca-
vam um carro Mercedes por uma meia furada, nós rejeita-
mos o chamado ministerial de Deus por um salário irrisório
com direito a aposentadoria pelo INSS! Deus quer que au-
mentemos a nossa visão, e batalhemos pelo reino.
Um país como os Estados Unidos que gasta anualmente
em cassinos cerca de 500 bilhões de dólares e em loterias,
em torno dos 100 bilhões de dólares passa a impressão de
ser habitado por pessoas ricas e felizes, mas na realidade

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O sonho ainda não acabou 107

encontra-se podre, com as clínicas psiquiátricas lotadas, trá-


fico intenso de drogas e famílias se acabando. 600 bilhões
de dólares não compram o sonho do reino de Deus, uma
causa mais elevada, um ideal mais nobre, do qual o mundo
carece.
Nossa geração é semelhante à história do homem que
encontrou um peixe na praia. As guelras do peixe se abriam,
porque ele havia sido jogado por uma onda e estava na areia
seca. O homem então pegou o peixe, levou-o até a cadeira
que estava na beira da praia, colocou-lhe óculos escuros,
ofereceu-lhe Coca-Cola, e procurou entretê-lo com a revista
Play-peixe. Mas com tudo isso ele continuava com as guelras
inflamadas e nada daquilo ajudava. O habitat do peixe é
dentro da água, e não adianta querer distraí-lo: se continuar
fora da água, ele vai morrer. Nossa geração está morrendo
porque temos traficado os sonhos eternos de Deus por
alegrias passageiras. Todos os passeios no Shopping, um
carro do último tipo e uma casa na praia não resolverão a
angústia da sua alma. Você precisa alargar as fronteiras dos
seus sonhos, e a minha proposta é que você volte a sonhar
os sonhos de Deus, e abrace os seus ideais.

Quando abraçamos a causa do reino, nenhum inimigo é


invencível.
Deus chamou Josué e disse: “Ninguém conseguirá resis-
tir a você todos os dias da sua vida”.3 Um inimigo é um
perigo não pelo que possa fazer a mim, mas pelo que eu faço
a mim mesmo diante dele. Nietzsche já declarava: “Não me
importa o que fazem comigo, mas o que eu faço com o que
fazem comigo”. Seremos derrotados quando permitirmos que
o medo e a hesitação se apoderem de nós. Ninguém poderia
resistir a Josué porque ele acreditava no ideal que abraçara,
e no Deus que estava por detrás desse ideal. Por isso cingiu-

3
Josué 1:5

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108 Artesãos de Uma Nova História

se de força, ânimo, vontade de lutar e de não desistir.


Em um sermão pregado em 1939 em Oxford, C.S.Lewis
levantou a questão:

“O que estamos fazendo aqui em estudar filosofia e literatura


medieval, enquanto a Europa está em guerra? Como podemos
continuar com nossos interesses e nossas plácidas ocupações
quando as vidas e as liberdades de nossos irmãos europeus
estão em perigo? Não estamos também tocando violino enquanto
Roma se incendeia? Para um cristão, a grande tragédia de
Nero não foi que ele tocasse violino enquanto a cidade se
queimava, mas que ele tocava diante do inferno”.4

Orlando Boyer, considerado o apóstolo da literatura


pentecostal brasileira, foi missionário no Brasil por muitos e
muitos anos, juntamente com sua esposa e tinha um verda-
deiro amor pelo Brasil dedicando-se ao ministério da literatu-
ra. Deixou-nos vários clássicos conhecidos de muitos, tais
como: “Os Heróis da Fé” (CPAD). Embora tivesse um compro-
misso exemplar, a sua agência missionária tinha uma política
compulsória de levar seus missionários de volta para o país
de origem depois dos 70 anos. Embora amando o Brasil,
Orlando Boyer foi obrigado a voltar para os Estados Unidos.
Foi morar em um asilo para velhos missionários, onde chorava
todos os dias de tristeza. Quando sua esposa morreu, segun-
do ele de saudades do Brasil, ele pediu que lhe enviassem
dinheiro para sepultar o corpo. A agência enviou-lhe o
dinheiro, ele levou o corpo de sua querida esposa até a
funerária, beijou-a na testa, e foi embora. Dois dias depois,
sem saber o que fazer com o corpo, a funerária entrou em
contato com a agência missionária. A agência informou que
havia enviado para o marido o dinheiro para o enterro, mas
ninguém sabia onde ele se encontrava. Finalmente descobri-
4
C. S. Lewis, Learning in War Time, p. 20, in “The Weight of Glory and
Other Addresses”

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O sonho ainda não acabou 109

ram que com o dinheiro do enterro Orlando Boyer havia


comprado uma passagem de volta para o Brasil, e já se
encontrava em Pindamonhagaba, atrás de uma mesa, tradu-
zindo livros para o português. O amor demonstrado por esse
homem pela obra missionária brasileira foi tão grande que os
líderes da Assembléia de Deus nos Estados Unidos não apenas
perdoaram, mas até hoje contam essa história em cada curso
de treinamento de missionários, como exemplo de amor pelo
país de adoção.
Quando um ideal toma conta do coração de um homem,
ele se torna impossível. Foi por isso que Robert Mofat missi-
onário na África do Sul, passou 29 anos traduzindo a Bíblia
para uma tribo e David Livingstone, médico inglês, se
embrenhou no interior da África para cuidar dos
tuberculosos. Este último morreu já velho, e seu corpo foi
encontrado ajoelhado na beira da cama na manhã do dia 1
de maio de 1873. Os africanos, depois de arrancarem o seu
coração com um punhal, disseram: “Os ingleses podem levar
seu corpo de volta para a Inglaterra, mas o seu coração
pertence aos africanos”. E ali, sob uma árvore, abriram um
pequeno buraco no chão e enterraram o coração de seu
missionário tão querido.
Se você se encontra com um sentimento de que está sem-
pre subindo uma ladeira, levando uma vida monótona, sem
graça e sem ânimo, quero propor-lhe que você precisa abraçar
um ideal, e que seja o do reino de Deus. A promessa de Deus
para Josué então será válida para você também: “Ninguém te
poderá resistir todos os dias da tua vida. Tu vais vencer. Eu
vou te dar ânimo, alegria e poder espiritual.”

Quando abraçamos a causa do reino, seremos próspe-


ros e bem sucedidos em tudo o que empreendermos.
Deus disse a Josué: “Seja forte e corajoso, porque você
conduzirá este povo para herdar a terra que prometi sob
juramento aos seus antepassados. Somente seja forte e muito
corajoso! Tenha o cuidado de obedecer a toda a lei que o

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110 Artesãos de Uma Nova História

meu servo Moisés lhe ordenou; não se desvie dela, nem para
a direita nem para a esquerda, para que você seja
bem-sucedido por onde quer que andar “.5
A promessa de prosperidade destina-se a todos aqueles
que atrelam suas vidas ao ideal do reino de Deus. Sonhe
com a causa de Cristo, viva, ganhe dinheiro, trabalhe, gaste
sua vida e seus talentos pela causa do reino de Deus, e tudo
o que você fizer será próspero. Mas veja bem, não me refiro
à prosperidade barata, egoísta, de que tanto se fala hoje em
dia, mas ao cuidado de Deus por aqueles que colocam em
primeiro lugar os interesses do reino de Deus: “Busquem,
pois, em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e
todas essas coisas lhes serão acrescentadas”.6 “Como é feliz
aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a con-
duta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores!
Ao contrário, sua satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei
medita dia e noite. É como a árvore plantada à beira de águas
correntes: Dá fruto no tempo certo e suas folhas não murcham.
Tudo o que ele faz prospera!”.7
Certo dia, na pequena cidade de Rochester, na Inglater-
ra, um homem do qual poucos ouviram falar, João Egglen,
observava através da janela de sua casa a forte nevasca que
se abatia sobre a cidadezinha, e não tinha a mínima vonta-
de de sair de casa para ir à igreja. Mas o horário do culto se
aproximava, e ele sabia que o pastor, que habitava longe,
provavelmente não conseguiria chegar por causa do tempo.
Sendo presbítero, não poderia deixar de ir, nem que fosse
apenas para abrir a igreja para algum fiel que porventura se
aventurasse a ir à igreja. Alguns foram, de fato, mas não
havia ninguém que pudesse entregar a palavra, e João Egleen,
que não era pregador, não havia preparado nada e não tinha
o costume de pregar, como presbítero viu-se na obrigação de

5
Josué 1:7-8
6
Mateus 6:33
7
Salmo 1:1-3

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O sonho ainda não acabou 111

fazê-lo. Depois de muita hesitação levantou-se para entregar


a palavra do Senhor. Logo ficou evidente sua falta de preparo:
foi redundante, monótono, tudo que conseguia dizer era:
“Olhe para Jesus, olhe para Jesus, olhe para Jesus”.
Acontece que se encontrava ali um rapaz de treze anos,
e essas palavras entraram como uma flecha em seu coração.
Ele olhou, de fato, para Jesus, e entregou-lhe a vida ali mes-
mo. O nome do rapazinho era Charles Spurgeon, considera-
do hoje um dos maiores pregadores que a história do cristi-
anismo já conheceu, o “príncipe dos pregadores.”
Podemos até fracassar aparentemente, mas a promessa
do Senhor é que quando abraçamos a causa do reino, sere-
mos bem sucedidos. A pergunta que devemos nos fazer é a
seguinte: “Se não eu, quem? Se não hoje, quando? Se não
aqui, onde?”

Quando abraçamos a causa do reino, o próprio Deus se


torna nosso companheiro.
“Não fui eu que lhe ordenei? Seja forte e corajoso! Não
se apavore, nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, esta-
rá com você por onde você andar”.8
Muitas vezes tiramos os versículos bíblicos do seu con-
texto, e os usamos ao nosso bel-prazer. Um texto muito cita-
do dessa forma é Mateus 28:20, mas é importante notarmos
que Jesus atrela a sua promessa de estar conosco todos os
dias, até a consumação do século, à grande comissão: “Foi-
me dada toda autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e
façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obede-
cer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com
vocês, até o fim dos tempos”.9

8
Josué 1:9
9
Mateus 28:18-20

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112 Artesãos de Uma Nova História

Muitas vezes, uma das causas de você não sentir a pre-


sença de Deus é por não ter abraçado plenamente a sua cau-
sa, pois aqueles que a abraçaram, são alvos desta promes-
sa: “O Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você
andar “.10 Deus está bem próximo daquele que abraça a sua
causa, e lhe dará a conhecer as manifestações do seu poder.

10
Josué 1:9

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CAPÍTULO 9

NOS CLASSIFICADOS DE DEUS:


PRECISA-SE DE MISSIONÁRIOS
– Gideão
“ Então o Anjo do Senhor veio e sentou-se sob a grande árvore
de Ofra, que pertencia ao Abiezrita Joás. Gideão, filho de Joás,
estava malhando o trigo num tanque de prensar uvas, para
escondê-lo dos midianitas. Então o Anjo do Senhor apareceu a
Gideão e lhe disse: O Senhor está com você, poderoso guerreiro”.
Juízes 6:11

Os dias em que vivemos são difíceis, faltam pessoas...


... que não podem ser compradas;
... cuja palavra significa honra empenhada;
... que colocam caráter acima da riqueza;
... que possuem opinião e vontade;
... que são maiores que suas vocações;
... que não hesitam em se arriscar;
... que não perdem a individualidade no meio da multidão;
... que sabem ser honestos em pequenas e grandes coisas;
... que não abrem pequenas exceções com o erro;
... cujas ambições não se resumem em seus desejos mais
egoístas;
... que não repetem constantemente: “eu faço porque todo
mundo faz”;
... que são verdadeiras aos seus amigos em quaisquer
circunstâncias;
... que não acreditam que a mentira, o engano, e a tei-
mosia são ingredientes para vencer;

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114 Artesãos de Uma Nova História

... que não temem posicionar-se pela verdade mesmo


quando for antipático;
... que saibam dizer “Não” com ênfase mesmo que o res-
to do mundo diga “Sim”.
Alguns têm chamado os últimos dez anos de “anos perdi-
dos”. De fato, eles foram marcados por uma terrível onda
negativa. Pouco se produziu nas artes, não surgiu nada novo
na área da pesquisa, os políticos que opinam hoje sobre a
conjuntura nacional são exatamente os mesmos que vêm
destruindo esse país, e nos esportes, depois da perda de Air-
ton Sena, o desempenho deixa a desejar. Não há mais cra-
ques, só jogadores medianos. A recessão não é apenas econô-
mica, ela se estende por todos os aspectos da vida.
E na igreja? Salvo uma igreja e um ministério aqui e outro
ali, de uma maneira geral muito pouco aconteceu no mundo
evangélico também. Fomos notícias por fatos que gostaríamos
que ninguém soubesse, pois ouviram de nós muito mais pelos
nossos disparates do que pelo nosso testemunho:
• Quando os deputados evangélicos da constituinte vende-
ram-se pelos cinco anos do presidente, para receberem
rádios na concessão, e pela maneira mercantilista com que
formaram a Confederação Evangélica.
• Pelo avanço dos chamados neo-pentecostais, aquelas
igrejas que vendem milagres a granel, entrevistam o de-
mônio no rádio e distribuem rosa de Sarom, sal grosso e
água fluidificada.
• Pelo escândalo dos tele-evangelistas norte-americanos.
• Contribuímos muito pouco com pensadores, eruditos, bons
evangelistas. Como todo o Brasil, fomos apenas media-
nos, normais, ordinários. Em outras palavras, a igreja se
nivelou por baixo.
• A nossa mediocridade se revelou de muitas maneiras:
• Em nossos seminários que continuam com currículos dos
anos 30, e não permitem a intromissão de assuntos inter-

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Nos classificados de Deus: Precisa-se de missionários 115

disciplinares, tais como: biogenética, ecologia, ciências po-


líticas, etc..
• Em nosso mau uso da mídia.
• Em nossa falta de articulação teológica que produza uma
teologia brasileira. E quando uso a expressão teologia
brasileira, compreendo que só há uma teologia, mas ela
precisa ler a realidade onde está sendo vivenciada. Teolo-
gia Brasileira é teologia bíblica com gosto de moqueca de
camarão, que refrigere como graviola e que seja pregada
com ritmo afro-brasileiro (não vou dizer samba para não
escandalizar).
• Pelo abandono da apologia em nossos púlpitos. Nossas
mensagens tornaram-se superficiais. Pela falta de gosto pela
leitura. Uma tiragem de livros evangélicos no Brasil geral-
mente é de no máximo cinco mil exemplares, e as editoras
ainda temem não vender e acabarem com prejuízo.
Houve um período de aproximadamente 350 anos de um
hiato anárquico em Israel entre a conquista da terra prome-
tida e o estabelecimento do primeiro reino em Israel, a terra
entrou em decadência. Havia problemas por falta de uma
liderança que unisse Israel. Foi o período em que Deus le-
vantou juízes que eram uma espécie de líderes regionais,
chefes paroquiais. Eles geralmente influenciavam regiões, e
não o país como um todo.
Nesse tempo Israel sofreu pressões e ataques de nações
estrangeiras que mataram, roubaram e espoliaram o povo
de Deus. Amonitas, Moabitas, Cananitas, Amalequitas,
Midianitas dominaram Israel.
No período relatado no texto acima, Midiã era a nação
que por sete anos oprimia o povo de Deus exercendo opres-
são econômica, saqueando tudo o que era cultivado e pro-
duzido por Israel, gerando entre o povo um clima geral de
apatia e desânimo.
Foi em circunstâncias assim que Deus saiu em busca de
alguém que pudesse cumprir a sua perfeita vontade, e en-

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116 Artesãos de Uma Nova História

controu Gideão trabalhando, apesar de serem dias de desâ-


nimo, tristeza, apatia e desencanto.

Gideão foi escolhido porque Deus está em busca de pessoas


que não se conformam nem se rebelam contra as circuns-
tâncias históricas que a vida lhes impõe.
Duas atitudes não convêm ao servo de Deus: acomoda-
ção e insurreição. Nenhum dos dois é o método que Deus
gostaria que usássemos.
A acomodação leva ao imobilismo, à apatia, ao estoicismo.
Ficamos a lamber as feridas de autocomiseração. A insurrei-
ção leva à tempestividade, ao ódio, à luta armada, geralmente
levando à destruição, mais do que à edificação.
Deus quer influenciar e transformar a sociedade por meio
de métodos menos populares, através da transformação de
valores pelo trabalho contínuo e paciente. Aqueles que não
sabem tirar proveito das circunstâncias que lhe são impos-
tas pela vida, vivem ou morrem em vão.
Deus nos ensina isso na sua forma de lidar com a escra-
vatura, por exemplo. Pode até parecer que ele era condes-
cendente com aquela situação, mas não é o caso. Ele sim-
plesmente sabia que não adiantava tentar acabar com a es-
cravidão sem acabar com o arcabouço cultural que a produ-
zia. Seria o comportamento dos seus servos que mudaria
todo o conceito daquele vício social.
Uma ilustração que bem se aplica a este princípio é a do
menino que chegou à praia e a encontrou coberta de
peixinhos se debatendo, sem conseguir voltar ao mar. Ele
então começou a lançá-los de volta à água, um por um. Um
pescador se aproximou e disse ao menino: Deixe de ser tolo.
Há peixes demais na praia, jogar alguns de volta não fará
diferença nenhuma. Apontando para o peixinho que estava
em sua mão, prestes a ser lançado de volta ao mar, o garoto
respondeu: “Para este peixinho aqui, vai fazer toda a dife-
rença do mundo!” O imobilismo não leva a nada; o trabalho

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Nos classificados de Deus: Precisa-se de missionários 117

contínuo e paciente pode não atrair muita glória, mas pode


fazer toda a diferença.

Deus via em Gideão a característica de um visionário, a


capacidade de sonhar grande.
Derrubar os midianitas era um sonho tão grande quanto
derrubar o presidente do maior país do mundo de hoje. Um
sonho tão impossível que só um visionário se engajaria nele.
Mas todo aquele que anda com Deus tem essa capacida-
de. Martinho Lutero era filho de um camponês, um homem
do campo. Quando ele pensou em enfrentar a igreja mais
forte e mais poderosa de sua época ninguém tinha dúvidas
de que ele não passava de um tolo.
Quando Adoniram Judson foi pregar na Birmânia e de-
pois de seis anos de trabalho ainda não tinha ganho absolu-
tamente ninguém, sua esposa escreveu para casa: “Se al-
guém perguntar se ainda há possibilidade de vitória, diga:
‘se Deus for Deus, nenhuma de suas promessas há de cair
por terra’ ”. Ao morrer, Adoniram Judson deixou a Bíblia na
língua Birmanesa, dezenas de igrejas, centenas de missio-
nários e milhares de crentes.
Quando Martin Luther King Jr. pensou na causa dos ne-
gros americanos, ninguém acreditava que uma mudança
seria possível, mas ele tinha um sonho, e lutou por ele.
Quando Nelson Mandela, preso num cárcere da África
do Sul, recusou-se a sair de lá até que visse em seus líderes
disposição para mudança, todos achavam que ele não pas-
sava de um visionário.
Jesus pagou um alto preço pela causa que defendeu; não
apenas a abraçou como também se deu por ela. Perdeu a sua
honra porque pregou na própria terra, e, como ele mesmo
disse, “só em sua própria terra, entre seus parentes e em
sua própria casa, é que um profeta não tem honra”.1 Perdeu

1
Marcos 6:4

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118 Artesãos de Uma Nova História

a segurança do status religioso porque com o dedo em riste


denunciou a religião mais popular dos seus dias. Perdeu o
conforto porque andava nas ruas e nos becos em busca dos
sofridos e esmagados pelo sistema opressor. O Filho do ho-
mem não tinha onde repousar a cabeça.2
Quando o homem possui idéias, torna-se guerreiro, mas
quando as idéias possuem o homem, ele se torna invencível.
Que a idéia do Reino o possua, para mostrar ao mundo a
excelência do Evangelho de Jesus Cristo, que continua Rei
dos reis e Senhor dos senhores.

Deus viu em Gideão alguém com a grandeza de vencer as


suas próprias limitações.
Gideão era da tribo de Manassés, filho de José, que não
consta na bênção de Jacó. A família dele era a mais pobre
dessa tribo, e ele o menor da sua família. Sua resposta na-
tural foi: “Senhor, chama outro. Chama alguém de mais res-
peitabilidade do que eu”.
Pode um menino que nasceu na miséria e foi analfabeto
até os 17 anos de idade tornar-se um dos maiores políticos
de todos os tempos? Sim, Abraão Lincoln conseguiu.
Pode um homem que tem as duas mãos destruídas pela
lepra vencer sua própria limitação e tornar-se um grande
escultor? Sim, o “Aleijadinho” conseguiu.
Pode uma mulher nascer cega, surda e muda, tornar-se
uma das eruditas de sua época, escrever livros e formar-se
com mestrado e doutorado? Sim, Helen Keller conseguiu.
Pode um homem ser surdo dos dois ouvidos e tornar-se
um grande músico? Sim, porque Beethoven conseguiu.
Para vencer as próprias limitações, torna-se necessário
entender que sempre encontraremos pessoas mais famosas,
ricas e inteligentes do que nós, por isso devemos evitar nos
compararmos com qualquer outra pessoa.
2
Mateus 8:20

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Nos classificados de Deus: Precisa-se de missionários 119

Também precisamos ter a capacidade de ver nossas limi-


tações não como empecilhos, mas como vantagens para re-
alizar a obra de Deus pois elas nos estimulam a nos empe-
nharmos mais naquilo que nos propomos a fazer.
Muitas vezes queremos ganhar guerras sem enfrentar
as batalhas. Alcançar a fama sem subir os degraus do sacri-
fício. Queremos êxito sem suor, sabedoria sem leitura, ri-
queza sem responsabilidade. Mas se realmente desejamos o
triunfo, não podemos deixar de lado o empenho.

Quando Gideão pediu um sinal, Deus sabia que Gideão


aceitaria sua missão, por ser um homem cujo objetivo na
vida não era ser feliz, e sim buscar e descobrir sua vocação.
(Juízes 6:17)
O cristão encontra a felicidade não através da
autogratificação de seus desejos egoístas, mas pela fidelidade
a uma causa nobre. Antigamente eu até pensava que felicida-
de era estar deitado numa rede tomando água de coco. Mas
descobri que quem vive em busca desse tipo de felicidade morre
entediado.
Ser feliz não é isso. Ser feliz é chegar em casa e deitar à
noite com o corpo moído de cansado e dizer: “Graças a Deus,
esse foi um dia abençoado, todas as minhas energias foram
gastas para a glória do Senhor”. Felicidade é um médico, de-
pois de doze horas de trabalho ininterrupto, concluir que a
cirurgia foi um sucesso, e que salvou a vida de uma criança.
Feliz é a pessoa que está às três horas da madrugada na Praça
da Sé, cansada, de olheiras, orando com uma prostituta que
está de joelhos entregando sua vida a Jesus.
Sabe qual é a maior felicidade para mim? É estar suando
no púlpito de uma igreja, sabendo que estou tocando no co-
ração de um rapaz ou de uma moça que serão missionários
em terras estrangeiras ganhando vidas para Cristo.
Deus chamou Gideão e lhe disse que ele ia trabalhar, lu-
tar, se dar, e Gideão se dispôs a ir, bastando que Deus lhe

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120 Artesãos de Uma Nova História

desse um sinal. Quando alguém se entrega a Deus neste ní-


vel, a questão não é o salário, nem se vai ter ou não o carro do
ano. O que conta é a suprema gratificação de ter feito tudo
para a glória de Deus, sem pedir nada em troca. Isso é tudo.
A mais nobre, a mais bonita, a mais dedicada de todas
as sociedades missionárias que o mundo já conheceu foi a
sociedade dos morávios. Esse grupo fantástico fez uma reu-
nião de oração que durou cem anos, evangelizou continen-
tes, países, tribos que ninguém tinha coragem de alcançar, e
ganhou João Wesley para Jesus.
Certa vez, dois irmãos de sangue que faziam parte da
sociedade dos morávios estavam participando de um culto
missionário. O pastor lançou o desafio e começou a dizer o
nome de vários países. Os dois irmãos receberam a chama-
da de Deus para uma colônia feudal, na Costa da África,
onde era totalmente proibida a entrada de missionários. Não
encontrando outra opção, os dois se venderam como escra-
vos, e com o dinheiro da própria vida eles compraram as
passagens de navio para poderem chegar àquele lugar.
Sabe o que é se vender como escravo? É ser missionário
para sempre, sem direito a volta, sem direito a férias, sem
direitos, simplesmente. Eles fizeram isso. A igreja foi despe-
dir-se deles no porto. Imagine o clima de despedida, mães
chorando, amigos dando o último abraço, sabendo que os
dois irmãos estavam indo para nunca mais voltar. Dizem
que quando o navio começou a afastar-se do porto, um de-
les levantou as duas mãos para o céu e disse: “O Cordeiro de
Deus é digno pelo seu sacrifício!”, frase que se tornou o lema
da sociedade dos morávios.
Nascemos para a glória de Deus, e somos felizes quando
encontramos essa glória. Você só conhecerá a verdadeira
felicidade no dia em que estiver fazendo a vontade de Deus,
nem que seja num leprosário no interior da África. A felici-
dade começa no dia em que descobrimos a razão pela qual
viemos a este mundo, e clamamos: “Tu és digno, Cordeiro,
pelo teu sacrifício!”

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Nos classificados de Deus: Precisa-se de missionários 121

Ao parar para ouvir Deus, Gideão passou a ser usado por


ele, pois Deus busca pessoas que não substituem relacio-
namento por atividade.
Muitos cristãos e missionários trabalham dia e noite,
sem descanso, dizendo que agem assim por amor a Deus,
porém nunca encontram tempo para ouvi-lo, para se delei-
tar em sua presença, para saber o que Deus realmente
gostaria que fizessem. Ao invés de amigos e filhos queridos
de Deus, agem como simples serviçais. Mas a maior obra de
Deus não é a que ele faz através de nós, e sim a que ele faz
em nós. De que vale lutar, se não temos tempo para ouvir a
Deus, deixar-nos conduzir por ele e desfrutar de sua
presença?
Estar com ele deve ser o maior alvo de nosso ministério.
Pergunte-se diante de Deus: “Qual tem sido o alvo da minha
vida?” Que a sua oração seja: “Senhor, quero descobrir a tua
vontade; quero te conhecer, te amar cada vez mais, e te servir
por nada. Isso já me será tudo. Nada em troca, nada de volta.
Apenas a alegria, a certeza e a suprema felicidade de ter
cumprido a tua vontade.”

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CAPÍTULO 10

CORAGEM E DETERMINAÇÃO A
SERVIÇO DO REINO
– Os valentes de Davi

“São estes os nomes dos valentes de Davi: Josebe-Bassebete, filho


de Taquemoni, o principal de três; este brandiu a sua lança
contra oitocentos e os feriu de uma vez.
Depois dele, Eleazar, filho de Dodô, filho de Aoí, entre os
três valentes que estavam com Davi, quando desafiaram os filisteus
ali reunidos para a peleja. Quando já se haviam retirado os
filhos de Israel, ele se levantou e feriu os filisteus, até lhe cansar a
mão e ficar pegada à espada; naquele dia, o SENHOR efetuou
grande livramento; e o povo voltou para onde Eleazar estava
somente para tomar os despojos.
Depois dele, Sama, filho de Agé, o hararita, quando os
filisteus se ajuntaram em Leí, onde havia um pedaço de terra
cheio de lentilhas; e o povo fugia de diante dos filisteus. Pôs-se
Sama no meio daquele terreno, e o defendeu, e feriu os filisteus; e o
SENHOR efetuou grande livramento.
Também três dos trinta cabeças desceram e, no tempo da
sega, foram ter com Davi, à caverna de Adulão; e uma tropa de
filisteus se acampara no vale dos Refains. Davi estava na
fortaleza, e a guarnição dos filisteus, em Belém. Suspirou Davi
e disse: Quem me dera beber água do poço que está junto à porta
de Belém! Então, aqueles três valentes romperam pelo
acampamento dos filisteus, e tiraram água do poço junto à porta
de Belém, e tomaram-na, e a levaram a Davi; ele não a quis
beber, porém a derramou como libação ao SENHOR. E disse:
Longe de mim, ó SENHOR, fazer tal coisa; beberia eu o sangue
dos homens que lá foram com perigo de sua vida? De maneira
que não a quis beber. São estas as coisas que fizeram os três
valentes.

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124 Artesãos de Uma Nova História

Também Abisai, irmão de Joabe, filho de Zeruia, era cabeça


de trinta; e alçou a sua lança contra trezentos e os feriu. E tinha
nome entre os primeiros três. Era ele mais nobre do que os trinta
e era o primeiro deles; contudo, aos primeiros três não chegou.
Também Benaia, filho de Joiada, era homem valente de
Cabzeel e grande em obras; feriu ele dois heróis de Moabe. Desceu
numa cova e nela matou um leão no tempo da neve. Matou
também um egípcio, homem de grande estatura; o egípcio trazia
uma lança, mas Benaia o atacou com um cajado, arrancou-lhe
da mão a lança e com ela o matou”. 2Samuel 23:8-21

Esse texto é um chamado para refletirmos sobre a matéria


com que se deve forjar valentes, gigantes de Deus. Não
devemos nos embriagar na exuberância das nossas próprias
palavras. Temos de admitir que a grande crise atravessada
pela igreja nesses últimos anos é crise de valentes de Deus.
Há um sentimento generalizado na igreja cristã de que os
nossos heróis tinham os pés de barro.
Um grande evangelista com um programa audacioso de
evangelização mundial, um dos mais populares dos últimos
trinta anos, de repente é flagrado com prostitutas. O líder de
louvor de uma das igrejas de vanguarda, conhecido por suas
músicas de sensibilidade a Deus, é flagrado
num ardiloso projeto de seduzir os jovens da sua igreja
homossexualmente. O líder de uma igreja brasileira cres-
cente, que é também de vanguarda, é suspeito de lavar dóla-
res no narcotráfico. E a imprensa denuncia porque
ele é flagrado comprando BMWs, com o dinheiro suado e
sacrificado da gente pobre que contribui com a sua igreja.
Mais adiante, o pastor de uma forte igreja vê o seu nome no
jornal, porque é acusado de receber uma rádio,
concessão do governo, porque um deputado federal da sua
igreja votou para ganhar a rádio. E nós, apavorados, perple-
xos, perdidos, nos perguntamos: ”Quem são os heróis da
igreja? Onde se encontram nossos valentes?”
A igreja precisa desesperadamente que Deus levante heróis,

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Coragem e determinação a serviço do reino 125

gigantes espirituais que inspirem novamente os jovens, e


que a igreja se lance em projetos que sejam chamados de
loucuras de necessidade. Que Deus nos invada novamente
com esse sentimento de agonia de salvação. O que tenho no
meu coração é ambicioso. Quero que essa mensagem produ-
za gigantes espirituais. Por isso, este texto de II Sm 23:8-23,
é importante, pois trata dos heróis, dos valentes de Davi.
Davi tinha pelo menos trinta e sete homens que formavam
mais ou menos o seu conselho de guerra, seus valentes. Eram
homens com os quais ele se aconselhava para a batalha.
Andavam juntos. Mas desses trinta e sete, havia
um grupo de cinco. Três que eram os cabeças e dois que anda-
vam juntos com esses cabeças e que não conseguiam chegar lá.
Antes de analisar a vida desses homens, deixe-me falar
alguma coisa sobre ser herói, gigante, valente de Deus.
Lembre-se sempre que os grandes heróis da fé não são
necessariamente os que mais aparecem. Pouco ouvimos fa-
lar nos nomes de algumas dessas personagens. Muitas nem
sabem que eles existem e, no entanto, constam na Bíblia
como heróis da fé. E estou certo de que quando comparecer-
mos diante de Deus, os grandes heróis da fé serão homens e
mulheres dos quais nunca ouvimos falar. Homens e mulhe-
res que não estão no púlpito, na plataforma ou na evidência
do jornal denominacional, que não recebem aplauso e não
têm nenhum diploma pendurado na parede. São heróis da
fé porque estão sendo observados não pelos homens, mas
pelos olhos do próprio Deus.
Em Amsterdã, num Congresso de Evangelistas, em 1986,
Billy Graham, um dos maiores evangelistas do séc. XX, con-
tou a ilustração de um homem que morreu e foi para o céu.
Quando ele ia entrando no céu, e encontrou o anjo que esta-
va na porta esperando por ele, disse:
“Só mais um minuto, antes de entrar. Queria que você
me respondesse quem é o homem mais conhecido aqui. O
anjo disse para ele, sorrindo: “Não adianta eu lhe dizer, por-
que ele é um anônimo diante do tribunal de Cristo”.

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126 Artesãos de Uma Nova História

Os grandes heróis da fé não serão necessariamente aque-


les de quem dizemos: “Oh, é ele!” Não, serão anônimos que
trabalham para Jesus. É desse que Deus diz: “Esse é o meu
servo escolhido”.
Quando falamos de heróis da fé não nos referimos a pes-
soas bem sucedidas. Sucesso não tem nada a ver com o reino
de Deus. Deus não nos chamou para sermos um sucesso, e
sim para sermos triunfantes. Triunfo é medido por Deus e
sucesso é medido pelos homens. Não existe na Bíblia a pala-
vra sucesso. Por isso, nunca equipare sucesso com triunfo. O
sucesso é vão, o triunfo é constante. Todos que querem ser
um sucesso no reino de Deus têm de lembrar-se do seguinte:
a mesma multidão que gritou “Hosana ao que vem ao nome
do Senhor”, foi a mesma que gritou “crucifica-o”.1 Devemos
servir a Deus sempre com a proposta de João Batista: “Convém
que ele cresça e que eu diminua”.2
Deus não pediu para sermos bem sucedidos e sim que
fôssemos fiéis. Pode-se ver em II Samuel 23 como se forja
um valente diante de Deus.

O valente é aquele que não desanima diante das aparentes


impossibilidades.
Isso pode ser observado na vida de Josebe-Bassebete.3
Ele nos ensina que o valente é aquele que não desanima
diante das aparentes impossibilidades. Eles estavam lutan-
do, guerreando e ele, com a sua lança foi contra oitocentos
homens e os feriu de uma só vez.
Avisaram a Josebe-Bassebete que ele não iria conseguir
enfrentar 800 homens. Mas o valente é aquele que não de-
siste. Ele provavelmente pensou: “Eu não posso ficar senta-
do, pensando comigo mesmo que não vai dar. Eu não preci-
so saber, eu tenho de tentar.”
1
Cf. Marcos 11:9; 15:14
2
João 3:30
3
2 Samuel 23:8

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Coragem e determinação a serviço do reino 127

Os valentes de Deus são homens que não ouvem os con-


selhos dos covardes. Sempre pensam que dá porque confi-
am na palavra de Deus que afirma: ”Agindo eu, quem o
impedirá”.4 “Se creres, verás a glória de Deus”.5 ”Tudo é
possível ao que crê”.6
Um dia desses vi na TV um brasileiro, do Rio de Janeiro,
de mais de sessenta anos de idade, que se aventurou a cruzar
a nado o canal da mancha, aquele espaço de mar que fica
entre a Europa Continental e a Inglaterra. Seu objetivo era
nadar até chegar na Inglaterra. Uma certa rede de
televisão acompanhou sua travessia. Ele teve de untar o cor-
po de graxa, porque a água é muito fria, e sem isso a pessoa
pode morrer.
Depois de seis horas nadando, porém, ele não agüentou e
parou; pediu um barco e subiu nele. Ele ainda estava cansado
quando veio uma repórter e perguntou se ele não estava desa-
nimado por ter tentado e não ter conseguido. Com um sorriso,
replicou: “Não! Agora posso dormir em paz, porque pelo menos
tentei. E segundo, quando alguém conseguir aplaudirei, porque
agora sei como é difícil. Ruim seria se eu tivesse morrido di-
zendo a mim mesmo que deveria ter tentado.”
Quem são os valentes de Deus? São aqueles que olham
para as impossibilidades e dizem: “Vou tentar pelo menos,
pode não dar certo, mas poderei dormir em paz, porque tentei,
porque não me aliei aos covardes, aos medíocres. Saberei
que fui, tentei, me dei por esta causa”.
Não temos valentes nos dias de hoje porque não tenta-
mos e quando tentamos paramos cedo demais. Na verdade
o que nos mantém longe do triunfo de Deus são apenas cin-
co minutos. Alguém já falou que o mundo está dividido en-
tre os medíocres e os valentes. E o que separa os medíocres
dos valentes são apenas cinco minutos. Bastava que você

4
Isaías 43:13
5
João 11:40
6
Marcos 9:23

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128 Artesãos de Uma Nova História

gastasse mais cinco minutos por dia orando, mais cinco mi-
nutos lendo a Bíblia, cinco minutos mais de atenção no lar.
O que lhe faz medíocre e não valente de Deus são apenas
cinco minutos.
Os soldados da legião francesa são os mercenários que
lutam na França e que compõem a tropa mais elitizada que
se conhece no mundo. Não há nenhum exército no mundo
que se compare à legião francesa. Eles têm um lema entre
eles: “Se eu falhar, me engulam; se eu cair, me levantem; se
eu desistir, me matem.” Na legião francesa não há lugar para
covardes. Jesus disse: “Ninguém que, tendo posto a mão no
arado, olha para trás é apto para o reino de Deus”.7

O valente de Deus é movido por uma santa obstinação.


Observamos isso na vida de Eleazar. O interessante de
Eleazar é que ele pegou a espada para a guerra e lutou tanto
que quando a batalha parou, lhe disseram: “Eleazar, solta
essa espada, você não precisa carregar esse peso. E ele dis-
se: Não solto porque não consigo.” A Bíblia diz que a espa-
da estava grudada na mão dele. Teve uma tal câimbra que
não podia mais soltá-la.
Precisamos da obstinação de Calebe, que mesmo depois de
velho não sossegou até que a última porção de terra fosse
conquistada pelo povo, chegando até a prometer a filha para
quem conquistasse a terra; de Sansão, que velho e cego dos
dois olhos, não sossegou até que levasse os seus inimigos de
joelhos aos pés de Deus; de Rute, que não desistiu de Noemi,
mesmo no tempo de luto e de desespero; de Jeremias, que creu
na possibilidade de Israel voltar a ser nação, quando só havia
miséria e pobreza ao seu redor; de Simeão e Ana, que só
descansaram quando os seus olhos viram a salvação de Deus;
de Jesus, que olhou para a cruz e não desistiu até que ele
dissesse ao Pai: “Está consumado”.8
7
Lucas 9:62
8
João 19:30

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Coragem e determinação a serviço do reino 129

Deus move a sua igreja com esta santa obstinação pela


causa de Cristo.
No começo do século, os homens se lançavam nas mais
diferentes aventuras, entre as quais a conquista do Monte
Evereste. Muitos ingleses participaram dessa aventura, mas
os fracassos se sucediam.
Uma equipe que tentou foi alcançada por uma avalanche
que dizimou metade do grupo. Os sobreviventes tiveram de
voltar, porém alguns anos depois tentaram pela segunda
vez, não conseguiram. Na terceira tentativa o líder da equipe
morreu congelado, como também a maioria da equipe. O
restante se dirigiu à Inglaterra e um dos sobreviventes, fa-
zendo um discurso no funeral, começou a chorar, virou-se
para a foto que havia batido no monte e disse: “Monte
Evereste, Monte Evereste, tu nos derrotaste uma vez, duas
vezes, três vezes, mas um dia, Monte Evereste, nós te der-
rotaremos; porque tu continuarás sempre deste tamanho,
mas nós continuaremos crescendo. Um dia tu estarás de-
baixo dos nossos pés”.
Não podemos olhar o mundo ao nosso redor e pensar
que não conseguiremos vencê-lo, pois se o mundo jaz no
maligno, o poder de Deus encontra-se dentro da igreja. Nós
continuamos crescendo, temos a possibilidade de ter mais
de Deus. A Bíblia sagrada diz: “E o Deus da paz, em breve,
esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás”.9

Gigante é aquele que não teme arriscar-se por um grande


projeto.
Isso aprendemos através da vida de Samá, no versículo
de número onze. Certa vez os filisteus se reuniram para ata-
car Israel onde havia um pedaço de terra cheio de lentilhas. O
povo, amedrontado, fugia de diante deles; Samá, porém, to-
mou posição no meio daquele terreno e o defendeu. Ele

9
Romanos 16:20

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130 Artesãos de Uma Nova História

defendeu a plantação de lentilhas no meio do campo, não


escondido em uma caverna ou atrás de uma pedra.
Valente é aquele que não tem medo de arriscar-se pelo
projeto de Deus. Missões se constituem em um risco onde o
indivíduo coloca sua família, seu futuro, sua saúde à dispo-
sição do Reino de Deus. O Reino de Deus é feito de homens
que não têm medo de arriscar-se pela causa que defendem e
amam. Samá dirigiu-se para o centro, pronto para defender
a obra de Deus. E a Bíblia Sagrada nos afirma que o Senhor
efetuou grande livramento.10
O reino de Deus é feito de homens que têm a coragem de
colocar a sua cabeça a prêmio, que não se dobram diante do
carrasco e aos apelos do mundo.
Falar de missões é falar de homens valentes, de mulhe-
res corajosas, é tratar de gigantes. É terreno que devemos
partilhar com temor e tremor, porque trata de pessoas que
dedicaram suas vidas, cujo sangue foi a semente que fez o
evangelho atravessar gerações até chegar aos nossos dias.
Quando se fala de missionários e missões, temos de lem-
brar dos médicos que enfrentaram pântanos, que se
embrenharam no coração de continentes hostis, como fez
David Livingstone, que enfrentou a África para procurar le-
prosos, tuberculosos e estender a mão de Cristo nas suas
feridas.
Falar de missões é falar de homens e mulheres com
mestrado em Linguística que permaneceram de 15 a 20 anos
numa tribo, no coração da Amazônia, a fim de traduzir a
Bíblia para um punhado de índios, às vezes não mais do
que duzentos ou trezentos.
Falar de missões é falar de pessoas que obstinadamente
entraram na cortina de ferro com Bíblias contrabandeadas
para que pudessem minar o terreno do inimigo, na esperan-

10
2 Samuel 23:12b

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Coragem e determinação a serviço do reino 131

ça de que um dia todo o império vermelho ruísse. Pareciam


loucos, tolos, românticos. “Quando cairá a cortina de ferro?”,
perguntavam os historiadores. Mas havia alguns missioná-
rios pelo mundo afora, e estes criam que um dia aquilo tudo
tombaria de rosto em terra como caiu o ídolo Dagon diante
da Arca do Senhor. Por isso contrabandeavam Bíblias. E de
repente vimos o império vermelho, o grande urso da União
Soviética, de rosto em terra, partido e degolado. E a obra de
Deus continuou crescendo, porque alguém creu nessa apa-
rente impossibilidade.
Muitos se acovardam diante da obra de Deus, temendo
dar passos arriscados, seja porque já construíram “um nome”
na sua denominação e têm medo de sujar sua reputação, ou
porque não querem arriscar-se em algo inovador.
O Reino de Deus é realmente um risco e não dá nenhuma
garantia, a não ser que Deus lhe acompanha. Medo é o mau
uso da imaginação. Havia um rapaz da nossa igreja que rara-
mente freqüentava a Escola Dominical, e o chamei para con-
versar. Suas respostas ao fato de não ir à escola dominical era
o medo de que chovesse e furasse o pneu do carro e ele tivesse
de trocá-lo e pegasse uma bruta pneumonia. O corajoso é o
medroso que acabou de orar. A Bíblia Sagrada nos diz que
em Cristo Jesus somos mais que vencedores.
Um vencedor é um sujeito que entra num ringue, no cam-
po, na arena e ganha. Mais do que vencedor, portanto, é
aquele que ganha sem precisar lutar. Eu pessoalmente não
tenho medo nenhum de lutar contra o Mike Tyson. Se ele
quiser lutar comigo eu vou a qualquer hora. Ele é que diz o
momento e a hora. Agora, tenho uma condição, ele tem que
estar nocauteado antes de eu entrar no ringue.
O valente é o que não tem medo de se arriscar porque
Jesus disse: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom
ânimo; eu venci o mundo”.11

11
João 16:33

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132 Artesãos de Uma Nova História

O diabo já está nocauteado, ele é um leão sem dente,


porque Jesus já esmagou sua cabeça. E somos mais do que
vencedores, em Cristo Jesus, o Senhor.
Tememos nos arriscar porque temos mais cuidado com a
nossa reputação do que com o Reino de Deus. O valente não
tem medo de se arriscar porque seus olhos estão voltados
para Deus, querendo agradar o Senhor. Esse, é como um trator
que vai arrancando tudo pela frente. Se agradamos a Deus,
importa a quem desagradamos? E se desagradamos a Deus,
importa a quem agradamos? O valente não tem medo porque
sabe que o Senhor irá com ele por onde ele andar.

O valente faz sempre além do que lhe pedem ou mandam.


Belém encontrava-se sitiada pelos filisteus e Davi esta-
va morrendo de sede. Seus homens viram-no suspirar pelas
águas de Belém. Eles não precisavam ir, ninguém os obri-
gou, ninguém pediu. No entanto, eles se reuniram e foram
buscar água para Davi. O medíocre faz o que lhe mandam,
mas o herói realiza os desejos do seu líder.
Não existimos somente para fazer o que Deus ordena,
mas para agradar o coração de Deus. O valente de Deus é
aquele que não bate ponto na obra de Deus como missioná-
rio das nove às cinco da tarde. Inquieta-me ver pastores ou
missionários acomodados, contentando-se em tocar a obra
de Deus em troca de um salário com o qual possam viver e
pagar o colégio dos filhos. Tais pessoas são indignas do san-
gue derrramado pelos missionários que os antecederam, in-
dignas da sua herança cristã, indignas de Cristo.
Davi queria beber água e os homens disseram: “Vamos lá!”
E arriscaram a vida para trazer um copo d’água para Davi.

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Coragem e determinação a serviço do reino 133

O valente jamais confunde a causa que está defendendo


com as suas próprias necessidades.
O verso 17 diz que Davi derramou a água, porque sabia
que não poderia confundir suas necessidades com as da
causa que defendia. As minhas necessidades são as neces-
sidades da causa. O problema da maioria dos pastores e
missionários que conheço é que as necessidades deles cres-
cem à medida que o sucesso do trabalho também cresce. O
pastor era um homem simples, afável, meigo, que se comu-
nicava com as pessoas. Mas no momento que se tornou
famoso, não teve mais tempo de falar com todo mundo. As
necessidades dele eram simples, mas agora que é famoso,
precisa de muito mais. Quando eles trouxeram a água, Davi
disse: “Longe de mim beber essa água que custou tanto,
que foi obtida com o risco de suas cabeças, de suas vidas.”
Vocês sabem por que Madre Tereza de Calcutá era famosa?
Porque ela nunca confundiu o sucesso da causa que ela defendia
com sua vida. Ela não compareceu para receber o prêmio Nobel
da Paz, afirmando que Deus a chamara para trabalhar, não
para ser galardoada com prêmios, pois para ela, o trabalho era
mais importante do que os prêmios que receberia. Pediu que
todo o dinheiro fosse para a obra, não para ela.
Faltam obreiros valentes de Deus nos dias atuais porque
a fama e o sucesso sobem à cabeça. A Bíblia Sagrada nos diz
que Deus não compartilha sua glória nem com imagem de
escultura, nem com homem algum. Deus não está em busca
de super astros, mas de servos humildes que não encham a
cabeça com o sucesso do trabalho que ele empreende. Valente
é aquele que não mistura as coisas, sabendo que é a obra
missionária que precisa de milhões de reais.

O valente é aquele disposto a ser ele próprio, mesmo que


ninguém lhe dê o valor que merece.
Aprendemos isso com o exemplo do segundo escalão de
Davi, que se chamava Abisai. Ele não fazia parte dos três

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134 Artesãos de Uma Nova História

primeiros, nunca chegou lá, mas isso não arrefeceu sua


fidelidade. Talvez você nunca chegue a pregar numa confe-
rência missionária de uma igreja famosa, mas nunca deixe
que isso arrefeça a sua fidelidade diante de Deus. Pergun-
taram, certa vez, qual o instrumento mais difícil de tocar
numa orquestra. E o maestro disse: “O segundo violino,
porque todo mundo quer tocar o primeiro, todos
querem ser o solista”. Deus está procurando pessoas que
mesmo que não sejam solistas, continuem sendo fiéis da
mesma maneira.
Abisai, fez proezas para Deus, mas não chegou lá. E mes-
mo assim, ele continuou fiel. Jonathan Edward dizia assim:
“Há dois propósitos na minha vida como missionário e mi-
nistro de Deus. Um, levar todos a entregarem as
suas vidas a Cristo. Dois, se ninguém entregar, eu continua-
rei a entregar a minha vida a Cristo, sempre”.
O homem de Deus tem de ser conhecido em apenas dois
lugares: no céu e no inferno. No céu, ele precisa ser admira-
do; no inferno, ele deve ser conhecido e temido.
Dois homens foram expulsar demônios lá no livro de Atos
dos Apóstolos e o demônio disse-lhes: “Conheço a Jesus e
sei quem é Paulo; mas vós, quem sois?”12
Se você for conhecido nestes dois lugares e pelos bons
motivos, o resto não importa muito.

O valente precisa ser criativo.


Aprendemos isso pelo exemplo de Benaia. Ele não se
restringiu a seus próprios recursos, não se limitou a bata-
lhar com suas próprias armas. Ele soube usar o potencial do
inimigo a favor da sua causa, pegando a lança do egípcio
inimigo e matando-o.
A igreja, desesperadamente, precisa de valentes, de he-
róis, de gigantes de Deus, que não sejam covardes, e sim

12
Atos 19:15

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Coragem e determinação a serviço do reino 135

obstinados pela obra que fazem; que sonhem grandes so-


nhos, que vão além do que lhes é requerido e pedido,
mas jamais confundam a causa que defendem com suas
necessidades ou desejos pessoais; e que lutem, com criatividade,
mesmo sem nunca serem aplaudidos por ninguém.

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CAPÍTULO 11

VIVENDO E SERVINDO SEGUNDO O


CORAÇÃO DE DEUS

– Salomão
“Salomão aliou-se ao faraó, rei do Egito, casando-se com a filha
dele. Ele a trouxe à Cidade de Davi até terminar a construção do
seu palácio e do templo do Senhor, e do muro em torno de Jerusalém.
O povo, porém, sacrificava nos lugares sagrados, pois ainda não
tinha sido construído um templo em honra ao nome do Senhor.
Salomão amava o Senhor, o que demonstrava andando de acordo
com os decretos do seu pai Davi; mas oferecia sacrifícios e queimava
incenso nos lugares sagrados.
O rei Salomão foi a Gibeom para oferecer sacrifícios, pois
ali ficava o principal lugar sagrado, e ofereceu naquele altar mil
holocaustos. Em Gibeom o Senhor apareceu a Salomão num
sonho, à noite, e lhe disse: ‘Peça-me o que quiser, e eu lhe darei’.
Salomão respondeu: ‘Tu foste muito bondoso para com o teu
servo, o meu pai Davi, pois ele foi fiel a ti, e foi justo e reto de
coração. Tu mantiveste grande bondade para com ele e lhe deste
um filho que hoje se assenta no seu trono. Agora, Senhor, meu
Deus, fizeste o teu servo reinar em lugar de meu pai Davi. Mas
eu não passo de um jovem e não sei o que fazer. Teu servo está
aqui entre o povo que escolheste, um povo tão grande que nem se
pode contar. Dá, pois, ao teu servo um coração cheio de
discernimento para governar o teu povo e capaz de distinguir
entre o bem e o mal. Pois, quem pode governar este teu grande
povo? O pedido que Salomão fez agradou ao Senhor. Por isso
Deus lhe disse: ‘Já que você pediu isso e não uma vida longa nem
riqueza, mas discernimento para ministrar a justiça, farei o que
você pediu. Eu lhe darei um coração sábio e capaz de discernir,
de modo que nunca houve nem haverá ninguém como você.
Também lhe darei o que você não pediu: riquezas e fama, de
forma que não haverá rei igual a você durante toda a sua vida.

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138 Artesãos de Uma Nova História

E, se você andar nos meus caminhos e obedecer aos meus decretos


e aos meus mandamentos, como o seu pai Davi, eu prolongarei a
sua vida’. Então Salomão acordou e percebeu que tinha sido um
sonho”. 1Reis 3:1-15

Na história da humanidade já fomos brindados com


autênticos gênios, homens e mulheres cuja vida brilhou com
uma intensidade diferente. Poderia citar Mozart, Beethoven,
Einstein, nosso Edson Arantes do Nascimento, Martin Luther
King Jr., Pasteur, Michelangelo, Shakespeare e muitos outros.
Gostaria de olhar com você um gênio da história bíblica,
Salomão, e pinçar de sua trajetória princípios positivos e
negativos que podem orientar-nos sobre como poderemos
passar de uma vida simples e obscura a uma vida de
excelência, como sair do ordinário e passar para a dimensão
do extraordinário.
Salomão foi uma dessas personagens cuja vida só pode
ser descrita com superlativos, pois tudo que fazia era gran-
dioso. Ele nunca almejava nada pequeno, mesquinho, su-
perficial. Foi um estadista em Israel, que soube aproveitar
não apenas a herança de seu pai, o famoso rei Davi, como
também do declínio das nações que o rodeavam. Salomão
reinou num período de paz e prosperidade. Alargou as fron-
teiras de Israel e foi um grande empreendedor de obras. Ele
não ergueu apenas o magnífico templo em Jerusalém, que
ficou conhecido como Templo de Salomão, como também
construiu muitas casas, palácios e muros, revolucionando,
enfim, o rosto de Israel. Salomão foi um Mecenas das artes
e da cultura. Um amante dos livros e da sabedoria popular,
que o levou a escrever o livro de Provérbios, da Bíblia. Foi
ainda um amante à moda antiga. Apesar de possuir muitas
mulheres e concubinas por conveniência política, dedicou
profundo amor a uma mulher chamada Sulamita, como nos
revela o livro de Cantares.
Tudo que Salomão operou foi macro, e até quando pecou
desceu a níveis de decadência espiritual terríveis, chegando
a sacrificar seus filhos ao deus Moloque.

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Vivendo e servindo segundo o coração de Deus 139

Por isso, creio que ao nos aproximarmos de Salomão


devemos observá-lo sob dois aspectos, positivo e negativo,
procurando extrair dessa vida tão brilhante princípios capa-
zes de nortear nossa vida e ministério. Comecemos pelos
princípios negativos:

Razão e ética podem, sim, andar divorciadas.


Intelectualidade, argúcia de raciocínio, sagacidade e in-
teligência não são necessariamente proporcionais aos valo-
res éticos de uma pessoa. Salomão, embora um dos homens
mais sábios de todos os tempos, não fora o mais santo. Não
só se casou com inúmeras mulheres por conveniência políti-
ca, como também se deixou influenciar por suas esposas
gentias, sacrificando nos altos, oferecendo holocaustos aos
deuses das nações com as quais estabelecera alianças, che-
gando ao cúmulo de sacrificar seus próprios filhos a deuses
pagãos. Portanto, não devemos nunca nos iludir, achando que
o alto grau de instrução, o estudo sistemático das Escrituras,
os mestrados e doutorados em teologia produzem automati-
camente padrões éticos elevados. Precisamos buscar ativa-
mente o equilíbrio entre a biblioteca e o altar, entre os diplo-
mas e a santidade, entre os raciocínios sagazes e os valores
éticos, entre o estudo da teologia e o quebrantamento do co-
ração na presença de Deus.

Espírito empreendedor, ousadia e intrepidez podem degene-


rar em megalomania.
Esse padrão se manifesta muito nitidamente na vida de
Salomão. Deus lhe permitira apenas construir o templo, mas
quando ele acaba de construir o templo está tão tomado por
um espírito de euforia que continua construindo, e quanto
mais constrói mais se empolga, e quer construir mais e mais,
sem nunca saciar sua sede de grandeza. Nessa trajetória,
Salomão acaba exaurindo os cofres públicos, dilapidando a
situação econômica de Israel e cobrando impostos

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140 Artesãos de Uma Nova História

exorbitantes para cobrir os rombos financeiros produzidos


por sua megalomania. A irresponsabilidade financeira de
Salomão acabou levando Israel a uma guerra civil que divi-
diu o país em dois reinos: o reino de Israel, ao norte e o
reino de Judá, ao sul, pouco tempo depois de Roboão, seu
filho, assumir o trono.
Esse episódio da vida de Salomão nos ensina que precisa-
mos aprender a dizer a palavra “basta”. Para mim, esse é o
conceito do sábado, nas escrituras. No meu entender, o sábado
no Antigo Testamento não se refere a um dia específico da sema-
na, mesmo porque envolve um conceito muito mais amplo do
que um período de vinte e quatro horas. O Antigo Testamento
apresenta Deus criando, criando, e quando termina de criar no
sexto dia, no sábado Deus afirma: “basta”. Não que Deus estivesse
cansado. Ele podia continuar criando eternamente, mas chegou
o momento em que ele achou por bem parar.
Creio que precisamos trazer esse conceito para o nosso
ministério. Há momentos em que precisamos dizer “basta.”
Minha mulher me diz isso o tempo todo: “Ricardo, você tem
de aprender a dizer não. Você precisa saber dizer: ‘não posso,
não dá’.” Mas por não saber dizer não, vou assumindo com-
promisso em cima de compromisso, e minhas forças vão se
exaurindo sem que eu perceba. Para que isso? Salomão não
sabia parar, por isso acabou com a alma mirrada e o coração
seco.
Não é esse o propósito de Deus para nossas vidas. Você
não é o Messias da última hora. Você não é onipotente, não
pode resolver os problemas de todas as pessoas em todos os
lugares. Precisa aprender a dizer “basta”.

Prosperidade não tem relação direta com bênção de Deus.


Sucesso e bênção não se interligam necessariamente. O
reinado de Salomão foi seguramente o mais próspero em
Israel. Quem observasse por fora o sucesso de Salomão, cer-

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Vivendo e servindo segundo o coração de Deus 141

tamente pensaria que a mão do Senhor estava sobre ele,


aprovando e abençoando todos os seus passos. Ledo enga-
no. Salomão se encaminhava na rota do erro, do desvio.
Precisamos considerar isso, especialmente nos dias atuais,
quando a relação entre sucesso e bênção de Deus é uma idéia
tão difundida. Muitos pastores vivem sob tremendo jugo,
considerando que se o seu ministério não tem sido um sucesso
retumbante, é porque deve haver algum pecado oculto em suas
vidas. E agora inventaram uma tal de teologia da “brecha”,
que me inquieta. Qualquer coisa que não dá certo, logo vem
um irmão dizendo: “Pastor, o sr. deve estar dando brecha”. Mas
quem não está? Minha segurança não está na minha perfeição,
mas na promessa de Deus de que quando somos infiéis ele
permanece fiel. O diabo está atuante, mas não pode ficar
cirandando com os crentes para cima e para baixo ao seu bel-
prazer. Deus é por nós. Temos um advogado junto ao Pai. Esta
ligação que o cristianismo moderno está fazendo entre bênção
e prosperidade não é bíblica.1

A vida tem mais chances de ser abundante em ambientes


simples, sem sofisticação.
Dizem os estudiosos que Salomão escreveu o livro de
Cantares na sua juventude, Provérbios na sua meia-idade e
Eclesiastes na sua velhice. E é interessante acompanhar-
mos a caminhada de Salomão através desses três livros: na
juventude, quando ainda não se encontrava contaminado
por um sistema complicado e cheio de armadilhas, ele se
mostra simples e puro, é romântico, poético. Na meia idade,
quando já conhece as tramas da vida, ele escreve um livro
mais duro, que lida com as realidades da vida. Mas quando
escreve Eclesiastes, na terceira-idade, Salomão se mostra
cínico, olhando para a vida com desdém e sarcasmo. Em
outras palavras, à medida que os seus sistemas foram se

1
Para uma abordagem mais aprofundada deste tema, vide: O Evangelho
da Nova Era, do mesmo autor. Ed. Abba Press, São Paulo, SP

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142 Artesãos de Uma Nova História

sofisticando, ele foi perdendo a simplicidade e a abundân-


cia de vida. Quanto mais sofisticado, elitizado e burocrati-
zado for o sistema no qual nos encontramos envolvidos,
menos chance temos de levar uma vida abundante. Portan-
to, nosso desafio é manter nossas comunidades simples,
conservarmos ambientes aconchegantes, onde os laços se-
jam mais de afeto do que institucionais. Prefiro ser irmão a
ser colega de ministério.
Aprecio o livro de Romanos porque apesar de ser um li-
vro basicamente conceitual, termina como um livro
relacional. Receio que nossos ambientes eclesiásticos se tor-
nem tão sofisticados, tão cheios de adendos, de regras par-
lamentares, de defesas institucionais que perderemos o afe-
to uns pelos outros. Conheço igrejas que têm reuniões onde
só falta sair cadeirada. Os sistemas vão se sofisticando, a
suspeição aumentando e diminuindo a confiança mútua. Do
púlpito fala-se de amor, mas por trás um quer puxar o tape-
te do outro. Que o Senhor nos guarde de uma sofisticação
que sufoque o amor e o carinho entre os irmãos.

Declínio e apostasia religiosa estão mais ligados a omis-


são do que a decisão.
Se analisarmos a história da derrocada de Salomão, vere-
mos que sua queda não foi fruto de uma escolha consciente,
mas de sua omissão e negligência. Sua vida, reino e ministé-
rio foram destruídos não tanto pelo que ele fez, mas princi-
palmente pelo que deixou de fazer, pelas atitudes e posições
que deixou de tomar. Em outras palavras, a quarta lei da
termodinâmica, a lei da entropia (que toda energia parada
tende a desaparecer), funciona também no ministério. Se você
quiser destruir seu ministério, basta não fazer nada, omitir-
se de tomar posições necessárias, levando a vida na igreja
somente para cumprir com as obrigações. Quando você se der
conta, seu ministério estará arruinado.
Até aqui observamos os pontos negativos da vida de
Salomão. Passemos aos positivos.

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Vivendo e servindo segundo o coração de Deus 143

Salomão é jovem, neófito, acaba de assumir o trono, e


Deus lhe diz: “Peça-me o que quiser, e eu lhe darei”.2
Você já se imaginou recebendo um “cheque em branco”
de Deus assim? Salomão respondeu: “Tu foste muito bon-
doso para com o teu servo, o meu pai Davi... Agora, Senhor,
meu Deus, fizeste o teu servo reinar em lugar de meu pai
Davi. Mas eu não passo de um jovem e não sei o que fazer...
Dá, pois, ao teu servo um coração cheio de discernimento
para governar o teu povo e capaz de distinguir entre o bem e
o mal... O pedido que Salomão fez agradou ao Senhor. Por
isso Deus lhe disse: ‘Já que você pediu isso e não uma vida
longa nem riqueza, mas discernimento para ministrar a jus-
tiça, farei o que você pediu. Eu lhe darei um coração sábio e
capaz de discernir, de modo que nunca houve nem haverá
ninguém como você. Também lhe darei o que você não pe-
diu: riquezas e fama, de forma que não haverá rei igual a
você durante toda a sua vida. E, se você andar nos meus
caminhos e obedecer aos meus decretos e aos meus manda-
mentos, como o seu pai Davi, eu prolongarei a sua vida’.3
Como poderemos transportar essa experiência de
salomão para nosso ministério e nossa realidade atual?

Permitindo que os nossos sonhos sejam compatíveis com


nossas ações.
O que mais me chama a atenção nesse texto é que quan-
do Deus quis falar com Salomão, não o fez quando ele es-
tava acordado, mas enquanto dormia. Não sou psicólogo,
mas entendo que nossos sonhos são o depósito inconsci-
ente do nosso ser. A realidade da vida às vezes é tão dura,
tão absurda, tão agressiva, que muitas coisas com as quais
não conseguimos lidar depositamos no que os psicólogos
chamam de inconsciente. Trata-se de uma espécie de porão
obscuro da vida, onde lembranças e questões mal resolvi-

2
I Reis 3:5
3
I Reis 3:6-14

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144 Artesãos de Uma Nova História

das vão sendo armazenadas. E os sonhos são o extravasar


desse porão. Às vezes vêm à tona coisas tão absurdas que
nos apavoramos com os nossos próprios sonhos. Consci-
entemente nos policiamos, censuramos, escolhemos as pa-
lavras certas, procuramos impressionar nossos
interlocutores. Ao orarmos, nossas palavras são buriladas,
nossas sentenças, bem trabalhadas, mas Deus diz: “Não!
Não quero ouvir frases rebuscadas. Quero ouvir o que está
no teu inconsciente. Quero falar contigo nos teus sonhos”.
E aqui está uma pergunta importantíssima que precisa-
mos nos fazer: Será que meu inconsciente oraria a Deus como
Salomão orou? Será que os meus sonhos mais íntimos, mi-
nhas ambições mais secretas são puras e santas? Será que
meu desejo sincero é que Cristo cresça e que eu diminua? É
muito bonito afirmar isso em público, as pessoas ficam im-
pressionadas, mas é esse realmente o desejo profundo do
meu coração, o anseio do meu inconsciente? Será que no
meu inconsciente não existe o desejo secreto de construir
para mim mesmo um nome, como o povo de Babel que se
reuniu e disse: ‘Vamos construir uma cidade, com uma torre
que alcance os céus. Assim nosso nome será famoso...”?4
Será que no fundo de minha alma não quero roubar a glória
de Deus, como Nabucodonosor, que de repente se viu raste-
jando como animal no campo?5
Em Salomão encontramos um homem dessa estirpe:
mesmo em seus sonhos não buscou para si riquezas e fama,
mas um coração justo para liderar seu povo. E Deus ouviu o
clamor do inconsciente de Salomão. A.W.Tozer escreveu em
um de seus livros uma frase que acho fantástica:

“O que mais impede os avivamentos nos dias de


hoje é que na verdade, na verdade, nós não que-
remos avivamento. Eu quero avivamento na mi-
nha igreja”.
4
Gênesis 11:4
5
Cf. Daniel 4:29-33

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Vivendo e servindo segundo o coração de Deus 145

Não quero avivamento – quero que minha igreja seja avi-


vada! E se Deus conceder o avivamento à igreja Metodista lá
da esquina, zangar-me-ei com ele, pois estou preocupado só
com meu quintal, meu reduto, minha igreja, eu, eu, eu. E é
isso que impede a glória de Deus de brilhar.
Proclamamos a nós mesmos como servos de Deus, mas
precisamos responder em nosso íntimo se não estamos
numa corrida tresloucada para construir o nosso nome, fir-
mar a nossa própria reputação. Não há nada que evidencie
mais esse anseio secreto do coração do crente do que a
busca de títulos e cargos dentro da igreja. Mas nada disso
tem valor diante de Deus. O que importa é que, em nosso
inconsciente, a nossa oração seja semelhante à de Salomão:
Senhor, eu só tenho um desejo, que o Cordeiro de Deus brilhe
com fulgor cada vez maior. Quanto a mim, se devo ser um
anônimo a serviço do teu Reino, que assim seja. Faze em
mim o que estiver em teu coração. Amém.

Salomão conseguiu enxergar a ação de Deus nos processos


históricos de sua vida.
Veja o que Salomão diz: “Tu foste muito bondoso para
com o teu servo, o meu pai Davi, pois ele foi fiel a ti, e foi
justo e reto de coração. Tu mantiveste grande bondade para
com ele e lhe deste um filho que hoje se assenta no seu
trono. Agora, Senhor, meu Deus, fizeste o teu servo reinar
em lugar de meu pai Davi.”6
Salomão conseguiu enxergar a mão de Deus no desenro-
lar da trama de sua vida. Uma das coisas que mais me fasci-
nam na história de Salomão é saber que ele era filho de uma
adúltera. Davi tinha várias mulheres. Por que o herdeiro de
seu trono não fora o filho da filha de Saul, ou o filho de Abigail?
Por que o filho que herdou o trono foi o filho de Betseba, a
mulher que manchou a reputação de Davi, a que adulterou,

6
I Reis 3:6-7

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146 Artesãos de Uma Nova História

que foi envolvida naquele drama todo da vida de Davi? E


Salomão nem era o primogênito de Betseba, era o segundo
filho. Mas Salomão olha para sua história passada e ao invés
de envergonhar-se, ao invés de “quebrar a maldição famili-
ar”, ao invés de rejeitar sua história, ele celebra e diz: “Tu,
senhor, colocaste o teu servo como rei de Israel”.
Salomão olhou para sua história e viu nela o agir da mão
de Deus. E eu quero lhe dizer que se você quiser viver uma
vida de excelência diante de Deus você tem de reconciliar-se
com seu passado. Olhe para seu passado e celebre, sabendo
que Deus é poderoso até para pegar os seus erros passados e
transformá-los em bênção. A Bíblia diz que “Sabemos que Deus
age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos
que foram chamados de acordo com o seu propósito”.7 Você é o
que é pela graça de Deus. Foi Deus que o trouxe até este ponto.
Eu amo essa dimensão do Reino de Deus. Não preciso ter ver-
gonha da minha história de vida, porque ao me salvar, Deus
resgatou também o meu passado.
Sempre li Hebreus 13:8 como uma verdade teológica, mas
hoje entendo que esse versículo deve ser lido como uma ver-
dade pessoal: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para
sempre”, porque ele é o Senhor do meu ontem, do meu hoje e
do meu amanhã. O meu ontem pertence a Jesus. Deus estava
tecendo , através das circunstâncias que me envolveram, essa
colcha maravilhosa que é a minha vida.

Salomão soube buscar uma sabedoria que combinava


doçura com discernimento, graça com verdade.
Encontramos esse princípio no v.9 quando Salomão ora:
“Dá, pois, ao teu servo, coração compreensivo para julgar a
teu povo”8 . No hebraico, a palavra traduzida aqui por “com-
preensivo” tem o sentido de doce, terno. Não se trata de

7
Romanos 8:28

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Vivendo e servindo segundo o coração de Deus 147

compreensivo no sentido de compreender, mas de ser cheio


de ternura. Salomão diz que quer ser rei de Israel, mas que
deseja julgar com doçura. Então, Salomão pede uma combi-
nação linda entre ternura e justiça, entre graça e verdade.
Que os pastores queiram ser pastores da verdade, mas
que essa proclamação seja precedida pela graça.
É isso que João nos diz também a respeito de Jesus: “Aque-
le que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos
a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio
de graça e de verdade”. 9 A verdade de Jesus sempre foi
precedida pela graça. Jesus falava de tal maneira que por
mais importunadas que as pessoas se sentissem com o seu
sermão, sabiam que suas palavras provinham de um coração
terno e amoroso. Nosso sermão, nossa vida, nosso ministério
precisam ter essa combinação de graça e de verdade. Somos
pregadores da verdade, mas ao nos ouvir as pessoas devem
sentir-se compungidas pela doçura do amor de Cristo, não
pela dureza de nossa repreensão.
Que o Senhor nos dê coração compreensivo, para que a
verdade proferida por nossos lábios seja sempre encharcada
da ternura do Espírito Santo de Deus.

8
I Reis 3:9 (E.R.A.)
9
João 1:14

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CAPÍTULO 12

PARA QUE NÃO FALTE AZEITE


– A viúva e os vasos
“Certo dia, a mulher de um dos discípulos dos profetas foi falar
a Eliseu: ‘Teu servo, meu marido, morreu, e tu sabes que ele
temia o Senhor. Mas agora veio um credor que está querendo
levar meus dois filhos como escravos’. Eliseu perguntou-lhe: ‘Como
posso ajudá-la? Diga-me, o que você tem em casa? E ela
respondeu: ‘Tua serva não tem nada além de uma vasilha de
azeite’. Então disse Eliseu: ‘Vá pedir emprestado vasilhas a
todos os vizinhos. Mas peça muitas. Depois entre em casa com
seus filhos e feche a porta. Derrame daquele azeite em cada
vasilha e vá separando as que você for enchendo”. Depois disso
ela foi embora, fechou-se em casa com seus filhos e começou a
encher as vasilhas que eles lhe traziam. Quando todas as vasilhas
estavam cheias, ela disse a um dos filhos: ‘Traga-me mais uma’.
Mas ele respondeu: ‘Já acabaram’. Então o azeite parou de
correr. Ela foi e contou tudo ao homem de Deus, que lhe disse:
‘Vá, venda o azeite e pague suas dívidas. E você e seus filhos
ainda poderão viver do que sobrar”. 2Reis 4:1

Os dias são de perplexidade. O profeta de Deus, Eliseu,


está convivendo com dias de fome. Há seca sobre a terra e
fome no meio do povo.
Uma viúva, esposa de um pastor, de um homem de Deus,
vai até o profeta Eliseu e fala: “Teu servo, meu marido, mor-
reu, e tu sabes que ele temia o Senhor. Mas agora veio um
credor que está querendo levar meus dois filhos como escra-
vos”. Eliseu perguntou-lhe: “Como posso ajudá-la? Diga-me,
o que você tem em casa?” A mulher, que se encontrava em
uma situação realmente difícil replicou: “Não tenho absolu-
tamente nada, a não ser o azeite que não serve para comida,
somente para unção”. Então o profeta diz à pobre mulher que
peça emprestado o maior número possível de vasilhas aos

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150 Artesãos de Uma Nova História

vizinhos e às pessoas que se encontram nas redondezas, e


depois se tranque dentro de casa com os filhos e divida o óleo
nas vasilhas emprestadas.
E assim ela o fez. Os meninos saíram por toda a vizinhan-
ça e pediram vasos, panelas, panelões, baldes, e encheram a
casa com tudo que conseguiram emprestado. A mulher tran-
cou a porta e começou a derramar o azeite daquela pequena
botija sobre cada vasilha. E assim, aquela mulher foi enchen-
do cada um daqueles vasos, panelas e panelões, e tudo o que
tinha ali foi cheio. E o azeite não faltou dentro daquela botija.
Quando encheu o último vasilhame, olhou para os filhos e
disse: “Não há mais nenhum vaso aqui?” Os meninos
responderam: “Não, não há”. E naquele instante o azeite
cessou de se reproduzir. A viúva foi e apresentou-se ao profeta,
explicando o que tinha acontecido.
O homem de Deus falou-lhe para vender o azeite, pagar
suas dívidas, e viver com seus filhos do que sobrasse.
Quando comecei a ler este texto, percebi certas verdades
espirituais que serviram para minha vida espiritual e espero
que o ajudem à medida que as compartilho com você, querido
leitor.
Você pode estar se perguntando o que tem a ver o mila-
gre dessa viúva com a igreja dos dias atuais.
Estudando o texto com cuidado, creio que esta viúva pode
ser uma tipificação perfeita da igreja.
Jesus, ao ser repreendido pelos fariseus porque seus dis-
cípulos não jejuavam, retrucou: “Como podem os convida-
dos do noivo jejuar enquanto este está com eles? Não po-
dem, enquanto o têm consigo”.1
Jesus fazia uma alusão a esse período em que a igreja
estaria sem a presença corpórea do noivo. Podemos, então,
dizer que a igreja de Jesus Cristo, em sua peregrinação aqui
pela terra, é como uma viúva, aguardando a bem-

1
Marcos 2:19

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Para que não falte azeite 151

aventurança do retorno do seu noivo, que virá em glória,


em resplendor de majestade. É por isso que a Bíblia Sagra-
da tem um carinho especial pelas viúvas, afirmando que
“a religião que Deus aceita como pura e imaculada é esta:
cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades...”2
Deus se diz o marido da viúva e o pai do órfão. Este é o
estado da igreja em que nos encontramos hoje. A Igreja de
Jesus Cristo é como uma viúva que perdeu a presença
corpórea daquele que a ajuda e sustenta. Por isso, o texto
lido pode representar a igreja, o corpo de Cristo, que peregri-
na solitária pela face da terra.
A viúva, que representa a igreja, vivia num período de
grande fome. O povo se encontrava aflito por causa da ca-
rência de víveres.
A Igreja de Jesus Cristo nestes últimos dias está atra-
vessando aquele período do qual o profeta Amós falou: “Es-
tão chegando os dias, declara o Senhor, o Soberano, em que
enviarei fome a toda esta terra; não fome de comida nem
sede de água, mas fome e sede de ouvir as palavras do Se-
nhor. Os homens vaguearão de um mar a outro, do Norte ao
Oriente, buscando a palavra do Senhor, mas não a encontra-
rão”. 3 Os homens correriam de um lado para o outro,
buscando onde alimentar-se, onde sanar a alma.
A igreja de Cristo vive um período de escassez, porque o
mundo sente fome de moral, virtude, paz, companhia e soli-
dariedade. Falta-lhe um abraço amigo, um olhar sincero, uma
palavra doce.
A igreja sente necessidade de ser alimentada. Percebe
que não pode viver com a mesma fome que o mundo e bate
na porta do homem de Deus.
Eliseu representa a figura de Deus Pai. A Igreja de Jesus
Cristo clama na presença de Deus Pai por alimento para

2
Tiago 1:27
3
Amós 8:11-12

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152 Artesãos de Uma Nova História

lembrar-se das promessas que ele fez, pois o noivo da igre-


ja foi justo e verdadeiro, não pecou, entrou em sua presen-
ça com o sangue da aliança, e por isso a igreja pede o so-
corro do Pai.
A Igreja entra na presença de Deus Pai, como a viúva na
presença de Eliseu, lembrando-o das promessas do Salmo
37: “Já fui jovem e agora sou velho, mas nunca vi o justo
desamparado, nem seus filhos mendigando o pão”.4
Muitas vezes sentimos fome, mesmo assentados na mesa
do banquete com o Senhor, porque nos esquecemos das pro-
messas que ele nos fez e que nosso Noivo Fiel nos deixou
como herança.
Temos promessas de Deus à nossa disposição e ele fez
muito mais do que podemos pedir ou imaginar.
Se você tem fome de santidade ou tranqüilidade no cora-
ção, peça a Deus, porque esses direitos, sim, estão assegu-
rados em Cristo Jesus o Senhor.
Ao ouvir a queixa da mulher, Eliseu perguntou o que
havia na sua casa. Igreja, o que temos em casa?
– Ah, temos um coral espetacular!
– Não vale nada! O que mais tens?
– Um bom programa de escola dominical!
– Não vale nada! Igreja, o que tens?
A mulher disse que possuía somente um vaso com óleo.
Assim, também temos um vaso: o meu, o seu, o coração da
igreja, que abrimos ao Senhor, clamando: “Unges-me a ca-
beça com óleo; o meu cálice transborda”. 5
O segredo espiritual da vida do cristão é o Espírito Santo
de Deus. Sem ele, a igreja se constitui somente em um clube
social, um grêmio literário.
Sem o Espírito Santo de Deus a igreja torna-se
manipuladora de multidões, uma fria escola de teologia. Sem
4
Salmo 37:25
5
Salmo 23:5 – (E.R.A.)

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Para que não falte azeite 153

o Espírito Santo de Deus não passamos de um aglomerado


de homens fanáticos e alienados do mundo.
O que faz a igreja ser corpo vivo do Espírito Santo é um
vaso cheio de óleo na presença de Deus.
Reconhecemos quando o ambiente encontra-se azeitado
pelo Espírito Santo, Deus está presente e o ar carregado da
glória do Senhor. É como se a glória Shekinah passasse no
meio do povo enchendo-o de alegria na sua presença.
O segredo da Igreja é o Espirito Santo. Igreja, se queres
milagres, busca vasos vazios.
Quem são eles? São os pecadores que não conhecem Je-
sus, aqueles que já se desapontaram e estão desiludidos com
o mundo, os que não têm mais esperança.
É aquele colega desesperado, aqueles de lares despeda-
çados, homens drogados, homossexuais, lésbicas. Levem-
nos todos para a casa do Senhor, porque quando estiverem
ali, estes vasos vazios experimentarão um derramar pode-
roso do Espírito Santo.
Deus opera grandes obras, mas não em vasos cheios. Ele
precisa de vasos vazios da arrogância, da vaidade, do egoís-
mo, da auto-retidão, do amor ao dinheiro.
E quando os vasos estiverem prontos, fecha a porta. O
que significa a porta fechada?

Separação do mundo.
Fecha a porta para a novela na tua casa, para a promis-
cuidade sexual, para a banca de pornografia; para o whisky e
a cerveja depois do culto, para o jogo na loteca, para o sexo
ilícito, para a mentira, para a desonestidade, para a sonegação
de imposto, e para tudo o que não presta. Fecha também a
porta para a boca maledicente, para a língua que difama, que
fala da vida alheia. (1Jo 2:15-17).
Entra com teus filhos dentro de casa, com os vasos, e
fecha a porta. Não fazemos parte do mundo. Somos quadra-

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154 Artesãos de Uma Nova História

dos e até alienados, mas crente que faz parte do mundo é


inimigo de Deus, porque a Bíblia diz que o amor do mundo é
inimizade contra Deus.6
É possível viver uma vida dupla até dentro da igreja,
mas ninguém consegue enganar a Deus.

Intimidade com Deus.


Quando quero a intimidade do meu lar, eu fecho a porta.
Muitos crentes não conseguem ver o azeite do Espírito Santo7
reproduzir-se multiplicar-se porque não estão fechando a porta
da sua casa. Nem para separar-se, nem para ter intimidade
com Deus. Você não joga, não vai à danceteria, não fuma, não
bebe, mas também não tem tempo para Deus. Passa a sema-
na e o máximo que conseguiu dar de seu tempo foram 10 a 15
minutos no final do dia. Não houve tempo para meditar na
Palavra de Deus, nem de orar e estar na presença de Jesus.
Se há tempo para tudo, mas não para Deus, é preciso
fechar a porta. Jesus nos diz isso no Sermão do Monte, no
livro de Mateus: “Mas quando você orar, vá para o seu quar-
to, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então
seu Pai, que vê em secreto, o recompensará”.7 A melhor ora-
ção não é a do círculo de oração, nem a dos guerreiros de
oração, tampouco a do culto de vigília ou a que é feita meia
hora antes do culto. A melhor oração é aquela que você faz
no seu quarto, a sós com Deus, com a porta fechada.
Quando não havia mais vasos o azeite cessou. O que faz
a igreja ser igreja é o envolvimento com vidas. No dia em que
se acabarem os vasos e ficarmos só com os bancos, atas,
microfones, ventiladores, baterias, dízimos e ofertas, o óleo
se extinguirá e não mais será derramado, porque o que faz o
óleo jorrar são os vasos. Este é o projeto vitorioso de Deus
para homens e mulheres.

6
Cf. I João 2:15-17
7
Cf. Mt 6:6

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Para que não falte azeite 155

Quando a mulher terminou de encher os vasos, o profeta


lhe perguntou se os vasos eram suficientes para pagar sua
dívida, e depois a instruiu a pagá-la e com o resto do dinhei-
ro viver em família por muitos anos ainda.
Igreja, o óleo do Espírito Santo que Deus quer derramar
no meio do seu povo tem de ser abundante, para sobrar,
transbordar, para que nunca sejamos pegos desprevenidos,
esgotados, vazios, para não vivermos altos e baixos na nos-
sa vida espiritual. O óleo do Espírito Santo de Deus tem de
ser abundante para que a vida do crente seja constantemen-
te cheia do poder, derramando desse mesmo óleo aonde quer
que vá. Um vaso transbordante derrama óleo no colégio, no
emprego, no trânsito, na companhia dos amigos. É cálice que
transborda da bênção do Espírito Santo.
Se você quiser ser vitorioso no campo missionário, na
igreja e onde quer que Deus o leve, você precisa do óleo do
Senhor. Você precisa desse azeite para viver cheio da graça e
da unção do Espírito de Deus, vencer Satanás e derramar o
óleo de Deus sobre o mundo.

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CAPÍTULO 13

O MISSIONÁRIO INDISPOSTO
– Jonas

“A palavra do Senhor veio a Jonas, filho de Amitai, com esta


ordem: “Vá depressa à grande cidade de Nínive e pregue contra
ela, porque a sua maldade subiu até a minha presença... Nínive
tem mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem distinguir a
mão direita da esquerda, além de muitos rebanhos. Não deveria
eu ter pena dessa grande cidade?” Jonas 1:1; 3:11

Na Bíblia encontramos diversas personagens que se


tornaram conhecidas por suas qualidades, tais como Moisés,
por sua mansidão; Abraão, por sua obediência; Jacó, por
sua esperteza; Salomão, por sua sabedoria; Jeremias, por
sua coragem; Eliseu, por sua lealdade. Jonas, porém, ficou
conhecido por sua desobediência e covardia.
Jonas foi um profeta judeu que viveu oito séculos antes
de Cristo, durante o reinado de Jeroboão II. O livro de Jonas,
se desenrola em um contexto urbano complexo, pare-
cidíssimo com o atual. Jeroboão II fora o quarto rei na su-
cessão de Jeú, e reinou por quarenta e um anos, incluindo
doze anos de co-regência com seu pai. Num período de grande
armamento militar, o profeta Jonas foi chamado por Deus
para pregar o Evangelho vetero-testamentário em Nínive,
capital do grande Império da Assíria. Nínive era conhecida
por sua violência bárbara: homens eram castrados, mulhe-
res estupradas e crianças lançadas na prostituição. O profe-
ta se dispôs, mas a fugir. Ao invés de viajar para Nínive,
tomou um navio para Társis. Tiremos algumas lições deste
livro, considerado por muitos o mais belo livro profético do
Antigo Testamento.

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158 Artesãos de Uma Nova História

Missões envolvem uma proposta “desregionalizada”.


Jonas era judeu demais. Para o profeta, ir pregar em
Nínive era extremamente difícil, porque a Assíria era inimi-
ga mortal de Israel e lhe infligia enorme sofrimento. Quan-
do Deus chamou Jonas para pregar aos ninivitas, Israel en-
frentava a pior crise de sua história. Mas Deus não é paro-
quiano, não é uma divindade local. A universalidade do Evan-
gelho vence as barreiras da língua, da cultura, ou da nacio-
nalidade. Devemos pregar onde quer que haja um homem
em trevas espirituais.
Estima-se em cerca de 4.800 o número de agências ao
redor do mundo enviadoras de missionários transculturais
no ano 2.000, envolvendo 420.000 missionários em terras
estrangeiras. Contamos hoje com cerca de 4.000 estações
cristãs de rádio/TV, alcançando uma média de 600.000.000
de ouvintes/espectadores por mês. Setenta milhões de Bíblias
são distribuídas por ano ao redor do mundo em centenas de
línguas e dialetos. A desregionalização da mensagem do
Evangelho resultou num crescimento fantástico da igreja ao
redor do mundo, com milhares de pessoas se convertendo
todos os dias. Mas a porcentagem da população evangelizada
ao redor do mundo ainda está na casa dos 25%. E o pior é que
essa porcentagem tem diminuído constantemente do início
do século XX para cá, e a previsão estatística é de que até o
ano 2025 esteja abaixo de 22%.1 Esse quadro pode ser rever-
tido, mas para isso é preciso que a mudança comece em nos-
sos corações. Ao contrário de Jonas, precisamos estar dispos-
tos a ir aonde quer que o Senhor nos envie.

Missões envolvem os centros urbanos.


Nínive era um centro urbano, com todas as patologias e
vícios das grandes cidades: violência, materialismo e indife-
rença entre os seres humanos. Foi exatamente para alcançar

1
SEPAL – Situação da Evangelização Global 2000

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O missionário indisposto 159

este povo que Deus chamou Jonas. Se quisermos fazer missões


devemos buscar os grandes centros urbanos. Paulo pregou na
Antioquia porque era a terceira cidade do império, centro de
comércio e estudos. Ele esteve em Filipos por ser uma colônia
e capital administrativa romana. Abriu igreja em Tessalônica
por ser o centro administrativo da Macedônia. Não esqueceu
de Atenas, por ser o centro cultural do mundo, nem de Corinto,
a capital da província de Acaia. Em Éfeso, a maior cidade da
Ásia, passou três anos, e seu alvo no ocidente era Roma, a
dona do mundo.
Se quisermos alcançar o mundo devemos alcançar as gran-
des cidades. Até o ano 2010, três de cada quatro habitantes
do mundo viviam em cidades. No mundo hoje há mais de 400
cidades com mais de um milhão de pessoas, e mais de 4.000
metrópoles com mais de 100.000 habitantes.2
As cidades são importantes para Deus. Quando Abraão orou
por Sodoma, vemos que Deus considerava a cidade tão
importante que se houvesse apenas dez justos em toda aquela
grande cidade, Deus a teria poupado. As grandes cidades são
relevantes porque estabelecem tendências e modas espalhando-
as com mais influência. As cidades são o centro de decisões
políticas. Moscou, Washington e Genebra exemplificam a
influência política das cidades. Elas também se caracterizam
pela sua influência econômica. Algumas cidades são
extremamente ricas, como Los Angeles, que se fosse um país
representaria a décima primeira economia do mundo - mais
rica do que a Suíça, a Índia ou a Austrália. Tóquio hoje
desponta como o centro financeiro do mundo. Há mais dólares
americanos em Tóquio do que em qualquer cidade dos Estados
Unidos. As cidades são lugar de grande concentração religiosa.
O Vaticano, Meca, Jerusalém e Madras, na Índia, são todos
centros famosos por sua influência religiosa.
Mas Deus quer alcançar as cidades por serem lugar de
grande necessidade. Há mais pobreza nas cidades que em
2
Ibid.

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160 Artesãos de Uma Nova História

qualquer outro lugar. A população de pobres urbanos atinge


a casa dos 2.000 milhões, e a de favelados, 1.300 milhões.3
As grandes cidades são o Egito da civilização moderna.
As estações de Metrô da Alemanha, a rampa de lixo de Manila,
os guetos de Nova Iorque, o subúrbio de Soweto e as favelas
do Brasil são acintes à dignidade do ser humano.

Missões envolvem um discurso profético.


Nínive era uma cidade extremamente cruel, violenta e
sanguinária, e a ordem de Deus para Jonas foi que clamasse
contra a cidade e o que se encontrava ali. O profetismo mis-
sionário envolve a exposição pública das estruturas iníquas
que esmagam, dos sistemas ideológicos que deprimem, das
normas de pensamento que oprimem. Certa vez, na saída de
um culto em São Paulo, vi na calçada uma cena que nunca
mais sairá de minha mente: uma criança estava chorando e
pedindo ao pai que a levasse para um lugar quente, pois ela
morria de frio; o pai começou então a surrá-la para que se
calasse. Também nunca conseguirei esquecer o dia que fui à
rampa do lixo de Jagurussu e vi as crianças lutando por um
pequeno espaço entre o lixo para sobreviver. Clamar contra
significa protestar. Clamar contra significa colocar o dedo
em riste. Clamar contra significa transmitir que Deus não
tem parte com a maldade e a miséria que campeia.

Missões envolvem uma mensagem restauradora.


A missão de Jonas, porém, não era de confrontação. Seu
discurso não era anárquico. O objetivo de Deus ao enviar Jonas
a Nínive era que seus habitantes se arrependessem do mal
que praticavam. O objetivo maior de missões não é que
prevaleça a verdade nem o crescimento de determinada
denominação. O objetivo maior é que vidas sejam alcançadas.
Deus confronta para reconciliar, expõe para perdoar, disciplina
para purificar. Nosso protesto é uma chamada a um novo

3
Ibid.

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O missionário indisposto 161

começo. Nossa pregação, um convite ao arrependimento.


“Nínive tem mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem
distinguir a mão direita da esquerda, além de muitos reba-
nhos. Não deveria eu ter pena dessa grande cidade?”4
Com quem Deus pode contar, inclusive, para fazer sua
obra missionária?

Profetas relutantes.
“Mas Jonas fugiu da presença do Senhor, dirigindo-se a Társis”
(Jonas 1:3).
Jonas deveria viajar 750 quilômetros a nordeste, mas ele
preferiu ir 90 quilômetros ao sul. Podemos imaginar que
Jonas não quis ir a Nínive por ser um covarde ou por sim-
ples conforto. Creio, porém, que ele não quis ir simplesmen-
te porque obedecer a Deus representava um desafio ao seu
status quo. Sua posição de profeta dentro de sua casa era
muito confortável. Para que aventurar-se? Às vezes me per-
gunto se eu teria coragem de começar tudo de novo, de par-
tir para outra cidade, por exemplo, e começar uma igreja do
zero, deixar tudo que já construi para depender só de Deus
novamente. Se eu tiver medo é porque a estrutura da igreja
atualmente me parece uma opção mais segura do que estar
na vontade de Deus.
No dia 10 de maio de 1940 as ruas da Europa exalavam
medo. Naquele dia Hitler invadira Luxemburgo, na Bélgi-
ca. Três dias depois Winston Churchill falava ao parlamen-
to inglês: “Nada tenho a oferecer aos meus compatriotas
senão sangue, sacrifício, suor e lágrimas... Qual será nosso
futuro? Eu respondo: guerrear no mar, na terra e no ar,
com toda a força e com todo o poder que Deus nos der”.
Em seu livro “Até os Confins da Terra” Ruth Tucker fala
dos missionários que deram suas vidas pela causa de Cristo
em terras estrangeiras:

4
Jonas 4:11

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162 Artesãos de Uma Nova História

“Nenhuma alma covarde ou tímida poderia navegar para terras


estranhas e desafiar a morte e o perigo a não ser que levasse a
religião como bandeira, sob a qual a própria morte seria uma
glória. Partir, clamar, advertir e salvar outros eram exigências
assustadoras feitas à alma já salva. Havia uma espécie de loucura
de necessidade, uma agonia de salvação”. 5

Como foi fácil para Jonas fugir! Pagou o preço da passa-


gem e se amofinou no porão do barco. Ao zarpar do barco, a
taquicardia do seu coração acalmou e ele pôde finalmente
dormir. Mas levantou-se uma tempestade avassaladora. En-
quanto os profetas são relutantes, Deus obstinadamente bus-
ca salvar. A relutância do profeta causa uma tempestade e
ele, indiferente, dorme. Que vergonha! Enquanto os mari-
nheiros clamam por seus deuses que nada podem fazer, o
homem de Deus dorme.

Semeadores que se recusam a sair.


Tendo confessado aos marinheiros que ele era o respon-
sável pela tempestade que se abatera sobre o navio, por causa
de sua recusa em obedecer à ordem de Deus de ir, Jonas foi
lançado ao mar, e engolido por um grande peixe, onde orou
ao Senhor. Depois de três dias, Jonas foi vomitado na praia.
O navio transformara-se em corte de justiça, os marinheiros
em juízes, os ventos em carrascos, o prisioneiro no banco
dos réus era profeta; a cela era o grande peixe, e o acusador
era o mar raivoso.
Entre os pregadores do Evangelho há os que saem a se-
mear, mas há também os que querem semear sem sair. Os que
saem a semear são os que vão pregar na Índia, na China, no
Japão. Os que semeiam sem sair são os que se contentam em
pregar na sua própria pátria. Parece-nos porém que a ênfase
de Cristo é maior em sair. Quando contou a parábola dos quatro
tipos de solo, disse que o semeador saiu a semear.6 Quando

5
Ruth A. Tucker, Até aos confins da Terra, p. 15.

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O missionário indisposto 163

comissionou os discípulos, disse: “Ide”.7 Quando o salmista


falou da obra do semeador, disse: “Aquele que sai chorando
enquanto lança a semente, voltará com cantos de alegria,
trazendo os seus feixes”.8
Van Gogh era filho de pastor. Em 1878, com 25 anos de
idade, matriculou-se numa escola bíblica pois sentia que o
Senhor o chamava para a obra missionária, mas desistiu e
não quis partir. Seguiu a profissão de pintor com maestria,
mas sua vida foi infeliz. Tornou-se mentalmente insano e
acabou suicidando-se.
O salmista nos diz: “Para onde poderia eu escapar do teu
Espírito? Para onde poderia fugir da tua presença? Se eu
subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepul-
tura, também lá estás. Se eu subir com as asas da alvorada
e morar na extremidade do mar, mesmo ali a tua mão direita
me guiará e me susterá.”9 .
Na campanha de Piemont, Napoleão, dirigindo-se aos seus
soldados, levantou o ânimo da tropa com as seguintes pala-
vras: “Ganhastes sangrentas batalhas sem canhões,
atravessastes caudalosos rios sem pontes, marchastes incrí-
veis distâncias descalços, acampastes inúmeras vezes sem
coisa alguma para comer, tudo graças à vossa audaciosa per-
severança. Mas, guerreiros, é como se não tivéssemos feito
coisa alguma, pois resta muito ainda para alcançarmos”.
No capítulo 11 de Hebreus lemos a respeito de uma gale-
ria de heróis da fé. Ali alguns venceram, outros morreram em
nome da verdade religiosa. Naquele capítulo a fé honrou al-
guns, e outros apenas honraram a fé. Mas o testemunho da
Bíblia a respeito daqueles homens é somente um: “O mundo
não era digno deles”.10 Que seja esse o testemunho da minha
e da sua vida.

6
Cf. Mateus 13:3
7
Cf. Marcos 16:15
8
Salmo 126:6
9
Salmo 139:7-10
10
Hebreus 11:38

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CAPÍTULO 14

EU QUERO QUE DEUS ME USE


– A figueira sem frutos
“Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali estavam
comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as
cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse: ‘Está escrito: A
minha casa será chamada casa de oração, mas vocês estão fazendo
dela um covil de ladrões’. Os cegos e os mancos aproximaram-se
dele no templo, e ele os curou. Mas quando os chefes dos sacerdotes
e os mestres da lei viram as coisas maravilhosas que Jesus fazia e
as crianças gritando no templo: ‘Hosana ao Filho de Davi’ fica-
ram indignados, e lhe perguntaram: ‘Não estás ouvindo o que estas
crianças estão dizendo?’ Respondeu Jesus: ‘Sim, vocês nunca leram:
‘Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor?’
E, deixando-os, saiu da cidade para Betânia, onde passou a noite.
De manhã cedo, quando voltava para a cidade, Jesus teve
fome. Vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se
dela, mas nada encontrou, a não ser folhas. Então lhe disse:
‘Nunca mais dê frutos!’ Imediatamente a árvore secou. Ao verem
isso, os discípulos ficaram espantados e perguntaram: ‘Como a
figueira secou tão depressa?’Jesus respondeu: ‘Eu lhes asseguro
que, se vocês tiverem fé e não duvidarem, poderão fazer não somente
o que foi feito à figueira, mas também dizer a este monte: Levante-
se e atire-se no mar, e assim será feito. E tudo o que pedirem em
oração, se crerem, vocês receberão”.
Mateus 21:12-22

Pelo fato de ter morado nos Estados Unidos e ser pro-


fessor de Inglês, com mais ou menos 23 anos de idade come-
cei a interpretar grandes pregadores norte-americanos que
pregavam no Brasil. Então, com 24, 25 anos já me acostu-
mara a dirigir-me a auditórios de 10 ou 12 mil pessoas, como

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166 Artesãos de Uma Nova História

intérprete, e já pregava também a grandes auditórios. For-


mei-me em Administração de Empresas e voltei para os Es-
tados Unidos, com minha esposa, para que ela pudesse cur-
sar o Instituto Bíblico e eu terminar minha formação teoló-
gica. Quando cheguei à cidade onde iríamos morar, apresen-
tei-me à igreja, oferecendo-me para ajudá-los no que pudes-
se ser útil, com aquela atitude interior de quem se considera
alguma coisa. O pastor se mostrou muito lisonjeado, disse
que ia conversar com o conselho da igreja, e depois de alguns
dias veio com a resposta: estavam muito felizes com minha
presença, e podiam conseguir uma vaga para mim... na fa-
xina dos banheiros! Como havíamos ido para lá sem
nenhuma ajuda financeira de nossa igreja, tive de subme-
ter-me a limpar os banheiros daquela igreja, durante dois
anos! Chorei muitas vezes dentro do balde, literalmente,
desejando estar no púlpito e tendo de manter-me nos sani-
tários. Se alguém já se sentiu sub-usado nesse mundo, eu
certamente fui uma dessas pessoas.
Talvez você esteja se sentindo sub-usado profissional,
financeiramente e em muitas outras áreas de sua vida, con-
siderando que se encontra aquém do que deveria ser. Porém
gostaria de abordar aqui a questão de ser sub-usado
espiritualmente.
Podemos sentir que nosso relacionamento com Deus
deveria estar num nível mais alto, que poderíamos ser mais
íntimos dele, mais usados em suas mãos, e não somos. Como
podemos sair desse estágio e passar a experimentar aquela
sensação gostosa de que nossa vida está sendo plenamente
usada nas mãos de Deus? É esse o nosso desafio, ao estu-
darmos esse texto das Escrituras.
As pessoas haviam feito do templo uma feira livre e
desvirtuado o propósito original do culto. O templo foi trans-
formado em lugar de comércio com gritaria de camelôs,
sujeira e confusão. Jesus virou as mesas dos cambistas, ex-

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Eu quero que Deus me use 167

pulsou os vendedores, fez uma reviravolta total. Logo em


seguida, ainda no templo, curou alguns coxos que se apro-
ximaram e abriu os olhos aos cegos. Depois, alguns meni-
nos e meninas, que normalmente não podiam entrar no tem-
plo, aproveitam a confusão, entram no templo e começam a
gritar: “Hosana, Hosana”, que quer dizer “Viva”, uma vari-
ante de Aleluia, como se estivessem dizendo: “Viva Jesus!
Viva Jesus!” Os líderes queriam que Jesus os repreendesse,
mas Jesus respondeu que embora estivesse ouvindo os me-
ninos gritarem, estava escrito na Palavra que é da boca dos
pequeninos e das crianças de peito que Deus tira o perfeito
louvor.
Ao sair do templo Jesus pousa em Betânia, que ficava pró-
xima a Jerusalém, na casa de Marta, Maria e Lázaro, que ele
havia ressuscitado dentre os mortos. No dia seguinte, ao vol-
tar para Jerusalém, sente fome e aproxima-se de uma figueira
para apanhar um figo para comer. Como a figueira, embora
verde, frondosa e bonita não tivesse fruto, ele declara que ela
nunca mais os terá, ao que ela seca e morre.
Os discípulos mostraram-se perplexos, ao que Jesus lhes
disse: “Se vocês tiverem fé, podem usar essa fé assim como eu
usei com essa figueira para fazê-la secar. Porque tudo o que
vocês pedirem a Deus em oração, crendo, vocês receberão”
Importante observar que tanto o templo como a figueira
não são em si mesmos o objeto deste estudo. O templo re-
presenta um símbolo da minha e da sua vida. O prédio em si
não era o objeto do questionamento de Jesus, pois Deus não
habita em templos feitos por mãos humanas, em altares,
em nichos ou grutas e sim em pessoas. Quando Jesus limpa
o templo, ele está preocupado em usar esta limpeza como
uma analogia, um paralelo para a limpeza que ele quer
efetuar em nós.
Jesus também usa a figueira como um símbolo. Seria o
cúmulo da falta de bom senso amaldiçoar a árvore porque

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168 Artesãos de Uma Nova História

ela não produzia frutos. A árvore não é um ser moral, um


animal racional, portanto não é responsável por produzir
ou deixar de produzir frutos. Jesus está simplesmente usan-
do a figueira como uma ponte para falar a você e a mim.
Por isso, veremos nesses dois episódios alguns passos
necessários para que nossa vida seja plenamente
potencializada por Deus e sejamos tudo que ele gostaria que
fôssemos. Comecemos tirando algumas lições do episódio
ocorrido no templo:

Somente poderemos ser potencialmente tudo o que Deus


quer para nós, depois de uma limpeza ética na nossa vida.
Para que o templo voltasse a ser um espaço de cura, deve-
ria passar por uma limpeza ética, pela expulsão daqueles que
solapavam o propósito do templo. Portanto, se sua vida está
aquém daquilo que deveria ser, ou do que você gostaria que
fosse, é preciso que você tire da sua vida tudo aquilo que está
minando o propósito e o ideal que você estabeleceu diante de
Deus. Enquanto você permitir que haja salteadores e cambis-
tas em seu coração, você nunca será plenamente aquilo que
Deus planejou para sua vida.

Você precisa ter o coração simples de uma criança para que


Deus possa cumprir Seu propósito na sua vida.
É interessante como no templo existem duas reações. A
primeira é a dos religiosos e a segunda, a dos meninos. E o
templo passa a ser um espaço onde as crianças exercem o
perfeito louvor. Muitas vezes estamos aquém daquilo que
Deus pretendia para nós porque em algum momento de nossa
vida perdemos a simplicidade do coração de uma criança.
Em algum lugar nos tornamos adultos, e percebemos que
fomos roubados da capacidade de agir com simplicidade, de
louvar com pureza e espontaneidade. Deus não se interessa
pela forma, mas pelas intenções.

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Eu quero que Deus me use 169

No livro do Apocalipse, inclusive, Deus se queixa desta


perda da inocência quando fala à igreja de Éfeso. Embora
fosse uma igreja operosa, que sabia a doutrina, que sabia
falar e se comportar, perdera o primeiro amor. Somente guar-
daremos esse primeiro amor se mantivermos a inocência de
uma criança pura de coração. O templo estava sendo
destruído porque estava sendo dominado por adultos, não
pelas crianças.
O episódio com a figueira nos ensina lições preciosas
que podem nos ajudar a sair da estagnação espiritual e
começar a progredir verdadeiramente. Este segundo evento
representa para nós o desafio de não sermos encontrados
aquém das expectativas de Deus. Não gosto nem de imaginar
Deus se aproximando de qualquer um de nós para mostrar
sua carta de intenções para a nossa vida, pensando no
contraste com relação ao que realmente fizemos dela. Quanta
discrepância encontraríamos. Quanto arrependimento por
não ter andado mais perto dos seus planos e não termos
nada para lhe oferecer!

Deus quer que os nossos comportamentos exteriores refli-


tam nossos conteúdos interiores.
Existem árvores cuja função é fornecer sombra, mas ou-
tras têm a natureza frutífera. A função da figueira é dar
frutos, mas aquela figueira em particular, embora apresen-
tando folhas verdes, copa bonita, e galhos fortes, não pro-
duzia frutos: estava sendo incoerente com sua natureza.
Algumas pessoas também são assim: elas afirmam crer
na Bíblia, no Calvário, no poder do sangue de Jesus, mas a
sua dificuldade é fazer com que esse crer se transforme em
frutos verdadeiros. Elas lêem a Bíblia, empolgam-se, choram,
emocionam-se, mas se penetrássemos nas entranhas dessas
pessoas veríamos que se trata apenas de uma fachada.
Encontraríamos a coreografia de árvore, mas não a raiz.
Deus deseja que estreitemos essa brecha entre aquilo
que aparentamos e a verdade que somos. A copa da árvore

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170 Artesãos de Uma Nova História

deve refletir a profundidade das raízes, a sua identidade


genética.
A grande mensagem de Jesus quando ele entra no tem-
plo e se depara com o exercício da religiosidade é esta: os
comportamentos exteriores têm de estar em harmonia com
os nossos conteúdos interiores.
A expectativa divina é proporcional ao nosso potencial.
Deus nunca exigiria fruto de uma árvore mirrada. Jesus espe-
rava fruto da figueira porque ela era frondosa. A expectativa
de Deus com relação a você é proporcional ao seu potencial. O
que somos gera no coração de Deus uma expectativa. Deus
sabe que em Cristo o seu potencial é infinito, que você pode
produzir grandes frutos e você o frustra enquanto continuar
com suas atitudes mesquinhas e egoístas.

A nossa vida não seca por maldição, mas por inanição.


Quando Jesus olha para a árvore e declara que não mais
nascerá fruto nela, ele não está amaldiçoando a figueira, na
verdade ele está apenas confirmando uma condição que já
existe. Ela não tem fruto, então ele somente fortalece este
fato. Creio firmemente no livre arbítrio, que Deus não cria
ninguém para ser um pecador, não transforma um homem
justo em um pecador e nem faz um pecador ser justo sem
que este o queira. Em outras palavras, Deus não obriga nin-
guém a ser o que não quer. Ele somente confirma as nossas
decisões. Se você desejar ser um homem justo, Deus coloca-
rá seus anjos em ação, mobilizará o céu e moverá todas as
circunstâncias para corroborar a sua decisão. Mas se você
no seu coração resolver não servir a Deus e confirmar isso
com suas atitudes, chegará um momento em que Deus per-
mitirá que a sua decisão se concretize.
O maior exemplo disso é o duelo entre Faraó e Moisés,
quando se enfrentaram para decidir se o povo de Israel sai-
ria ou não para a terra prometida. Faraó se recusava a dei-
xar o povo ir, endurecia-se cada vez mais, e num estágio da
peleja quando quis desistir, não conseguiu mais, pois a Bí-

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Eu quero que Deus me use 171

blia diz que o Senhor endureceu (o original hebraico diz


“fortaleceu”) o coração de Faraó, confirmando a sua obsti-
nação em não deixar o povo ir.
Se você decidir servir a Deus, Deus fará tudo para que essa
decisão se concretize. Mas se você, pelas suas atitudes, constante
e insistentemente der as costas a Deus, pode chegar um ponto
em que Deus fortalecerá o seu coração, inclusive a continuar no
caminho em que você se encontra. Aconteceu assim com a
figueira. Jesus não chegou diante de uma figueira que
produzia frutos com abundância e lhe ordenou não mais
produzir. Ele só confirmou a sua tendência de não dar frutos.
Deus não fez ninguém para ser infrutífero. Ninguém vai
dormir santo e acorda um salafrário. Desenvolve-se um lon-
go processo em que a pessoa vai se tornando infrutífera,
estéril, voltando constantemente as costas para os princípi-
os espirituais que guiariam a sua vida. Não secamos por
causa de maldição, e sim em função de más decisões, que
vão asfixiando nosso coração na forma de um lento suicídio
espiritual, até que um dia nos deparamos com o Senhor da
nossa vida que confirma o caminho da esterilidade pelo qual
optamos.

Nossas promessas são levadas a sério por Deus, mesmo


quando as esquecemos e mudamos.
A figueira é repreendida em sua vida adulta porque no
seu nascedouro havia uma promessa de fertilidade, que ela
não cumpriu. Fazendo o paralelo entre nossa vida e a figuei-
ra, podemos dizer que Deus tem uma expectativa em nós
pelo que nós dizemos, pelos gestos que fazemos, pelos
arroubos que temos. Dizemos: “Deus, eu vou te servir, eu
sou teu, eu prometo que nunca mais vou deixar os teus ca-
minhos”. Passam-se quinze anos, vinte anos, e quando en-
contramos Deus tête-à-tête ele nos pergunta: “Onde está o
fruto que você me prometeu vinte anos atrás?” Dizemos:
“Ah, o Senhor não levou a sério, levou? Não tenho frutos a
apresentar. Mudou tudo, sou outra pessoa...”

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172 Artesãos de Uma Nova História

Por isso a Bíblia diz que devemos por um guarda à boca


quando falamos com Deus, para não fazer promessas que
não podemos cumprir. É melhor não falar nada do que gerar
expectativas no coração de Deus, e daqui a quinze anos dizer:
“Hoje sou outra pessoa. Aquilo que prometi não deu em nada.
Estou pior hoje do que quando comecei”. O livro de
Eclesiastes diz: “Quando você fizer um voto, cumpra-o sem
demora, pois os tolos desagradam a Deus; cumpra o seu
voto”.1 Tome muito cuidado com o que você diz, porque a
Bíblia diz também que é pelas nossas palavras que seremos
absolvidos ou condenados.2

Deus é intolerante com a hipocrisia e a complacência.


Deus é inflexível com o comodismo cínico, o dar de
ombros, o sorriso de meia boca. Deus é tolerante com a pros-
tituta e com o ladrão, mas foi sempre intransigente com o
religioso hipócrita. Deus é extremamente compassivo com
o que erra, o que tropeça, o que falha; Deus é misericordio-
so com o que luta, com o que se desespera para acertar,
mesmo que não consiga. Mas Deus é intolerante com o aco-
modado, especialmente o que vive buscando justificativas
bíblicas para seu próprio comportamento.
Por que Jesus foi intolerante com a figueira? Porque a
figueira representava essa atitude. Ela era frondosa mas não
tinha frutos, representativa do povo religioso que aparenta
ter alguma coisa para dar, mas é vazio.
Isso joga alguma luz para nos ajudar a entender porque
Deus foi tão misericordioso com Davi e tão duro com Saul. Se
compararmos o pecado de um e o pecado de outro, podere-
mos dizer que o pecado de Davi foi “horroroso”, e o de Saul
“leve”, em comparação. Davi mandou matar Urias, um homem
que era seu amigo, que lhe foi leal, porque estava cobiçando
a esposa dele. Mas quando Deus chamou Davi para conversar
1
Eclesiastes 5:4
2
Mateus 12:37

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Eu quero que Deus me use 173

com ele através do profeta Natã – porque sempre há o dia da


prestação de contas – Davi se quebrantou, chorou amarga-
mente, arrependeu-se do fundo de seu coração diante de Deus.
Davi sentia seus ossos esmagados, perdeu a alegria de viver,
e tudo que soube fazer foi clamar pela misericórdia de Deus.3
E Deus foi misericordioso com ele. Saul também pecou, e o
pecado de Saul, comparado com o de Davi, foi algo simples.
Saul na verdade cometeu uma bobagem religiosa, sacrificou
antes da hora, sem esperar pela chegada de Samuel. Mas foi
tratado duramente por Deus. Por quê? Porque Saul estava
sendo complacente com a sua própria maldade, permitindo
que ela se tornasse um padrão em sua vida. Não se tratava
apenas de um ato isolado, impensado, mas de um padrão de
comodismo que estava se estabelecendo. Por isso é que Jesus
disse que as prostitutas entrariam no reino de Deus antes
dos religiosos 4 , porque tem muita gente que conhece o
Evangelho mas vive num estado de letargia espiritual pior
do que uma prostituta que não o conhece, mas anseia por
suas verdades.

Não devemos brincar com o pecado, porque ele tende a se


enraizar em nossa vida e nos tornar infrutíferos para sempre.
Você sabe por que as pessoas pecam? Porque no fundo
existe uma sugestão demoníaca que diz: “Vai, faz, é só uma
vez, depois você se arrepende e sai dessa. Você também tem
direito de dar uma erradinha de vez em quando, não pode
ser tão fanático...” E você fica pensando: “É mesmo, já botei
o pé no lodo antes e saí, por que eu não conseguiria sair
desta vez? Eu tenho controle sobre o lodaçal”. Mas chega o
dia em que Jesus vai dizer como disse à figueira: “Nunca
mais nasça fruto de ti”. Essa sua tendência vai perenizar-se
e o retorno que você prometia a você mesmo não se concre-
tizará nunca. Está escrito na carta aos Hebreus no capítulo

4
Mateus 21:31
3
Salmo 51

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174 Artesãos de Uma Nova História

6 e no capítulo 10, em outras palavras, que aqueles que


provaram uma vez o dom da vida, que foram iluminados
pelo Espírito Santo, e voltaram a meter o pé no lodaçal, um
dia vão querer tirar, e não vão mais conseguir. Esaú tentou,
vendeu o seu direito de primogenitura, e quando quis voltar
não tinha mais jeito.5 Não brinque com o pecado. Ele mata
você.

Nossa fé pode ser canalizada para erradicar o que está


nos matando.
É interessante que Jesus fala à figueira para não dar mais
fruto, e depois diz aos seus discípulos: “Se vocês tiverem fé,
isso que eu fiz com a figueira vocês podem fazer também”.
Mas não é para a gente sair pelo meio da rua procurando
figueiras para impedi-las de dar fruto. É que a fé que Jesus
exercitou naquela figueira você pode exercitar, não para fazer
milagres, mas para erradicar a sua infertilidade. As pessoas
vão às igrejas sedentas de ver milagres. Querem ver anjos,
fogo caindo do céu, aleijados sendo curados instantaneamente.
Todos esses são milagres maravilhosos, mas o maior de todos
os milagres sabe qual é? É eu e você, na qualidade de figuei-
ras infrutíferas, começarmos a dar fruto, e o nosso fruto per-
manecer para sempre. Antes de querermos ver cair fogo do
céu, antes de buscar milagres nas carteiras, orando por
aumentos e promoções, devemos canalizar a nossa fé para
sermos frutíferos para Deus. Essa é a dimensão mais glorio-
sa, mas a que menos se busca. Sermos figueiras frutíferas, é
isso que Deus quer. É maravilhoso um coxo chegar mancando
na igreja e sair pulando com a perna curada. Mas maior milagre
ainda do que esse é um cristão de vinte anos de vida infrutí-
fera começar a frutificar para a glória e o louvor de Deus. Isso
é que é realmente maravilhoso.

5
Hebreus 12:16-17

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Eu quero que Deus me use 175

Há certas orações que Deus certamente responde de forma


positiva.
Há uma oração que eu tenho mais certeza que Deus vai
responder do que tenho certeza de estar vivo. Peça a Deus
que torne sua vida útil. Ore reconhecendo que sua vida está
aquém do que deveria ser, pedindo a Deus que a torne na-
quilo que ele mesmo deseja. Essa é uma dimensão de mila-
gre que todos podem pedir. Se você pedir-lhe que a sua vida
seja frutífera nas suas mãos, que você seja um carvalho de
justiça plantado pelo Senhor para a sua glória, com absolu-
ta garantia, Deus vai lhe atender.

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CAPÍTULO 15

POR QUE ME ENVOLVER?


– Simão, o cirineu
“Certo homem de Cirene, chamado Simão, pai de Alexandre e
de Rufo, passava por ali, chegando do campo. Eles o forçaram a
carregar a cruz”. Marcos 15:21

Quando estávamos plantando a igreja Betesda em La-


vras, sul de Minas, fizemos uma campanha na igreja em
São Paulo para a compra de uma tenda para a igreja de La-
vras. Um irmão da igreja Betesda de São Paulo aproximou-
se então de mim no final de um culto e disse: “Pastor, por
que precisamos nos envolver com Lavras se não conhece-
mos quase ninguém de lá? Trata-se de um esforço financei-
ro muito grande. Por que não aplicamos esse dinheiro aqui
mesmo em São Paulo? Por que gastar dinheiro em outra
cidade, aonde nunca vamos?”
Tenho certeza que ao tratar sobre o tema de missões,
sobre o envolvimento pessoal dos membros das igrejas com
um projeto internacional, que envolve a Europa, a África, a
América Latina e a Ásia, essa mesma questão se levanta na
cabeça de muitas pessoas: “Por que devo envolver-me? O
que tenho a ver com a Índia? O que tenho a ver com
Moçambique? Por que envolver-me com Curitiba, com Rio de
Janeiro, com Salvador, com o interior de Pernambuco, com
Natal, com São José dos Campos? Por que me envolver com
um orfanato de crianças pobres, órfãos de guerra, em
Moçambique? Por quê? Para que?”
No texto acima encontramos um homem que raramente é
mencionado do púlpito das igrejas: Simão, pai de Alexandre e
de Rufo, proveniente de Cirene, norte da África. Pouco, ou
quase nada, sabemos a respeito deste homem. Contudo,
considerando a história da época e alguns detalhes mencio-

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178 Artesãos de Uma Nova História

nados no texto, podemos ter uma idéia de quem ele era. Talvez
ele fosse um prosélito (um gentio convertido ao judaísmo),
ou talvez um judeu africano. Seu nome, Simão, era judeu. Ele
certamente viajou a longa distância entre Cirene e a Palestina
a pé, com o intuito de passar a Páscoa em Jerusalém e oferecer
sacrifícios a Deus no templo construído por Herodes. Sabemos
mais uma coisa desse Simão: é que ele estava trabalhando.
Para financiarem as despesas de viagem e de estadia, era co-
mum ao judeu que peregrinava para Jerusalém arranjar um
emprego temporário quando chegava a Israel.
Simão estava trabalhando arduamente no campo. Por
volta de uma hora da tarde, quando volta a Jerusalém, en-
contra-a com um clima diferente. Uma multidão se encontra
nas ruas, comprimindo-se na calçada e deixando um peque-
no corredor no meio para a passagem de pessoas. Simão
tenta passar pela multidão se acotovelando e se espremen-
do no meio do povo, para saber o que estava acontecendo.
Finalmente ele consegue avançar e observa a procissão que
passa: soldados romanos perfilados, marchando, carregam
lanças, escudos e capacetes com a insígnia do império
romano. As capas dos soldados são vermelhas. A couraça
que cobre o peito tem o contorno de um músculo, dando aos
soldados romanos o aspecto terrível de guerreiros valentes.
Quando termina a procissão dos soldados, começa uma pro-
cissão macabra, sinistra: três homens estão carregando mas-
tros de cruz. Do pescoço de cada um deles pende uma
plaqueta indicando o crime que cometeram. As placas dos
dois primeiros indicavam que estavam sendo condenados
por crimes de subversão e morte. Quanto ao terceiro, sua
placa trazia a seguinte inscrição: “Este é o rei dos judeus”.
Quando Simão Cireneu, intrigado com aquelas palavras, vê
o rosto daquele homem, que traz fincada em sua cabeça uma
perversa coroa de espinhos, sente o seu coração bater mais
forte. Naquele instante, um dos soldados, sem aviso, arras-
ta Simão Cireneu do lugar onde está para o meio da procissão,
e ordena que ele carregue o mastro da cruz do terceiro ho-

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Por que me envolver? 179

mem até o alto do monte que em Hebraico se chama Gólgota,


e que ficou conhecido por Calvário. Ao ser arrastado pelo
guarda, é muito provável que tenha subido ao coração de
Simão o seguinte questionamento: “Por que eu? Tanta gente
aqui na beira da calçada! Por que justo eu fui escolhido? O
que eu tenho a ver com esse criminoso, envergado pelo peso
da cruz que carrega? O que tenho eu a ver com ele? Por que
devo envolver-me? Passei o dia trabalhando no campo. Estou
cansado, as minhas mãos calejadas, meu corpo suado e mal-
cheiroso. Por que me envolver? Por que eu?” As razões pelas
quais Simão foi escolhido naquele dia podem nos trazer uma
luz para que você e eu também respondamos em nosso
coração porque devemos nos envolver com missões. O que
eu, cearense, tenho a ver com gente morrendo de fome na
Índia? Por que fazer missões? Gastemos com a decoração da
igreja, sofistiquemos a aparelhagem de som, instalemos uma
central de ar condicionado. Vamos esquecer esse negócio de
missões. Por que não gastamos para nós mesmos?
A vida de Simão Cireneu nos lembra algumas razões pelas
quais devemos nos envolver:

Na vida podem acontecer coincidências e acasos, mas


quando se trata de chamado e vocação, não existe acaso,
existe propósito.
Na obra de Deus, não existem acidentes. Simão não foi
escolhido por acaso, mas porque havia um propósito de Deus
naquilo. Simão não ia simplesmente ajudar um homem a
carregar sua cruz. Ele estava fazendo parte de uma
engrenagem, de um plano maravilhoso cuja dimensão ele
nem podia imaginar. Simão tornava-se ali uma peça impor-
tante na obra da salvação da humanidade!
Não nos envolvemos em missões por acaso. Deus nos
tem escolhido para fazermos parte de uma engrenagem
maravilhosa, para cumprir os seus propósitos de redenção
da humanidade.

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180 Artesãos de Uma Nova História

Deixe-me ilustrar. Nossa igreja tem uma missionária em


Nampula, Moçambique, chamada Ione. Os africanos têm um
costume gostoso: enquanto caminham, vão cantando e
dançando. Certo dia a Ione foi visitar uma pequena vila no
interior da África. Caminhando na frente, com a Bíblia de-
baixo do braço, Ione ia cantando, seguida por um pequeno
grupo que também cantava e dançava. À medida que avan-
çavam, outras pessoas iam se juntando ao grupo, cantando
e dançando também, até chegar ao vilarejo. Ao longo da
caminhada, a missionária se questionava o que estava fa-
zendo. Porém, ao chegar exausta, pregou para uma pequena
multidão de pessoas. Quando terminou, um senhor de 85
anos de idade aproximou-se de Ione chorando e disse: “Minha
irmã, ontem à noite eu tive um sonho, e no meu sonho o
espírito dos deuses, (ele não conhecia nada ainda sobre
Jesus), me acordou de madrugada e disse assim para mim:
“Siga aquela mucunha (que significa menina branca em
Makwa) que vai passar na porta da tua casa dançando,
porque ela tem a resposta para a sede do teu coração”. E
quando você passou pela minha casa, cantando e dançan-
do, não tive dúvidas que devia segui-la. Ouvi tudo que você
acaba de falar sobre esse Jesus que você conhece, e agora
posso dizer-lhe: Toda a sede da minha vida, tudo o que eu
queria saber, hoje você me respondeu!”
O que estou querendo dizer é que assim como Simão
Cireneu não foi chamado por acidente, assim também a
missionária Ione não foi enviada à África por acaso, mas
como parte de um projeto maravilhoso de Deus. Era neces-
sário que mudássemos de Fortaleza para São Paulo, que a
Ione nos conhecesse, que a igreja Betesda contribuísse, e
que a Ione fosse enviada para Moçambique. Por acaso? Não!
Para fazer parte do projeto de Deus de responder à sede de
um velhinho em busca de seu Criador.

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Por que me envolver? 181

A vida é repleta de acasos e coincidências. Temos o desa-


fio de discernir em cada uma dessas situações a atuação de
Deus e encará-las como oportunidades.
Certa manhã, depois de uma noite inteira de tentativa
frustrada de pescaria, Jesus disse a Pedro e seus companhei-
ros: “Lancem a rede para a pesca”. A rede veio cheia de pei-
xes, e Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, reconhecendo que
aquilo não era um simples acaso, mas obra de Deus. E ao
ouvir Jesus dizer que ele seria pescador de homens, enten-
deu que também não era por acaso, mas por desígnio.1 Por
isso é que todo acaso na vida de Pedro daquele dia em dian-
te ele via como um sinal de Deus. Um dia o galo cantou, e
ele soube na hora: “É Deus!” 2 Outro dia encontrava-se
acorrentado num calabouço, as cadeias caíram, as portas se
abriram, e ele concluiu: “É Deus! Isso não é acaso. Tem Deus
nesse negócio”.3
Outros homens de Deus aprenderam esse mesmo segre-
do. Um dia, Paulo e Silas foram severamente surrados e lan-
çados na cadeia, mas ao invés de se lamuriarem sobre aque-
le acidente, enxergaram naquela situação uma oportunida-
de ímpar de louvar a Deus e pregar a Palavra.4
Outro dia Paulo teve um sonho onde viu um homem da
Macedônia pedindo ajuda, e ele não achou que se tratava de
pesadelo de pizza ou feijoada, mas discerniu naquele sonho
o propósito de Deus de enviá-lo àquela região.5
Simão Cireneu não foi escolhido por acidente, e a sua
vocação não está à mercê do acaso, mas é dirigida pelo pro-
pósito eterno de um Deus sábio e amoroso.

1
Cf. Lucas 5:1-11
2
Cf. Lucas 22:60-62
3
Cf. Atos 12:3-11
4
Cf. Atos 16:22-34
5
Cf. Atos 16:6-10

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182 Artesãos de Uma Nova História

O chamado para carregar a cruz é “hora extra”.


Ele trabalhara desde a madrugada até cerca de uma hora
da tarde para suprir suas necessidades, mas o chamado de
carregar a cruz veio depois.
Noventa por cento da força cristã hoje está sendo gasta só
para pagar contas. Numa sociedade capitalista e consumista,
as pessoas trabalham cada vez mais, e encontram-se cada
vez menos satisfeitas. A demanda do mercado de trabalho
tem afastado os pais e mães de suas famílias e resta às pessoas
cada vez menos tempo para suas famílias, para si mesmas e
para Deus. Gastamos quase a totalidade da nossa energia e
do nosso potencial para pagar contas.
Quando as pessoas cansadas, esgotadas, ouvem o Se-
nhor pedir que carreguem a cruz, não encontram forças nem
tempo para fazê-lo. “Ah, Senhor, escolhe outro, por favor.
Não tenho tempo. Sinto-me exausto”. Simão Cireneu foi cha-
mado para carregar a cruz depois do expediente. Era como
se Deus estivesse dizendo: “Simão, até meio-dia você traba-
lhou para você, mas de agora em diante eu quero que você
trabalhe para o meu filho. A cruz que você carregou até meio-
dia foi sua, mas agora eu quero saber se você está disposto
a carregar a cruz de uma outra pessoa”.
Enquanto estivermos vivendo somente para pagar con-
tas, nossa vida será comum, medíocre, e Deus não quer isso
para você. Deus quer que você seja uma pessoa de ideais, de
sonhos, de propósitos; que abrace uma causa pela qual lutar,
e uma verdade a defender.
Claro que precisamos trabalhar para suprir as necessi-
dades, mas também necessitamos reservar tempo e energia
para fazer a vida valer a pena. E é somente quando abraça-
mos a causa de Cristo que a vida começa a valer realmente a
pena.
Simão precisava trabalhar no campo para pagar suas
contas, mas ainda assim participou do projeto de Deus com
tal intensidade que o seu nome é mencionado em três dos

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Por que me envolver? 183

quatro Evangelhos. Que o Senhor nos guarde de entrar de


tal forma na engrenagem do consumismo que não nos sobre
tempo e energia para participar do seu projeto. Que, ao buscar
um homem ou uma mulher para realizar a sua obra, Deus
possa contar com você, mesmo após o expediente.

Não somos responsáveis apenas por nós mesmos, mas


também pela geração que nos sucederá.
O texto das Escrituras diz que esse Simão era pai de Ale-
xandre e de Rufo, e há uma clara inferência de que esses
irmãos se tornaram pessoas importantes na igreja primiti-
va. A Bíblia Sagrada identifica Simão como sendo o pai de
Alexandre e de Rufo muito provavelmente porque eles eram
bem conhecidos no mundo cristão primitivo.
Gosto de imaginar Simão voltando para Cirene e contan-
do a Alexandre e a Rufo o que acontecera com ele. Talvez a
conversa tenha sido mais ou menos assim:
“Filhos, em Jerusalém eu carreguei a cruz de um homem.
Tratava-se de um condenado, mas quando olhei para os olhos
daquele homem, entendi o significado da dor e do sofrimen-
to. O olhar daquele homem me fez entender mais sobre Deus”.
Os filhos então pediram ao pai que contasse mais a res-
peito daquele homem, e Simão continuou: “Tudo que eu pos-
so falar é o que eu ouvi em Jerusalém, porque eu não pude
falar com ele. Ouvi dizer que um dia, quando ele estava pre-
gando, os soldados foram prendê-lo com lanças, espadas e
varapaus. Mas os soldados ficaram tão impressionados com
o que ele ensinava, que em vez de prendê-lo pararam para
ouvi-lo. No final do seu sermão, ele disse assim: ‘Se alguém
tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz
a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva’. Os
soldados ficaram tão absortos com a mensagem que ele pre-
gava que não conseguiram prendê-lo. Quando foram questi-
onados pelos sacerdotes porque não haviam prendido o ho-
mem, responderam: ‘Porque ninguém jamais falou da ma-

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184 Artesãos de Uma Nova História

neira como esse homem fala’.6 Foi a cruz desse Jesus, meus
filhos, que eu carreguei”.
E os filhos disseram: “Papai, fala mais desse Jesus”. Si-
mão continuou: “Ele era um homem tão cheio de ternura
que um dia ele ia entrando na cidade de Naim, e uma viúva
vinha trazendo seu filho único num caixão. Ele olhou para
aquela mulher com uma compaixão indescritível, e disse-
lhe: ‘Mulher, não chores mais’. Então tocou no caixão, pu-
xou o menino pela mão, e o morto ressuscitou.7
Um dia trouxeram uma mulher apanhada no próprio ato
do adultério, e a multidão queria apedrejar a mulher. Jesus
começou a escrever no chão, e todos foram embora, a come-
çar pelos mais velhos. Ele perguntou: ‘Mulher, onde estão
os seus acusadores? Ninguém a condenou?’ E cheio de ter-
nura, continuou: ‘Eu também não a condeno. Agora vá, e
abandone a sua vida de pecado”.8
Simão deve ter falado com tanto amor e tamanho entu-
siasmo que contagiou seus filhos. Não é difícil entender por-
que os filhos de Simão desejaram também colocar suas vi-
das a serviço de Jesus, e se destacaram no meio dos cristãos
daquela época.
Quando nos envolvemos na obra de Deus, causamos um
impacto nas vidas dos nossos filhos, na geração que nos
sucede, nas pessoas que nos observam.
Outro dia ouvi um desses evangelistas modernos pregar
no rádio, dizendo assim: “Se você é empregado, largue o seu
emprego e vá ser empresário, para ganhar mais dinheiro.
Largue seu emprego, nem que seja para vender pipoca na porta
da igreja, que um dia você vai ser rico”. Já fiquei horrorizado
de pensar na irresponsabilidade daquele homem de mandar
as pessoas abandonarem seus empregos, especialmente nesta

6
Cf. João 7:32-46
7
Cf. Lucas 7:11-17
8
Cf. João 8:3-11

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Por que me envolver? 185

época de crise que estamos vivendo. Mas ele continuou:


“Porque dinheiro é coisa boa, eu sempre gostei de dinheiro.
Sempre. É coisa que vem da minha infância. Para vocês terem
uma idéia, eu gostava tanto de dinheiro quando era criança,
que roubava a carteira de meu pai. E agora que sou pastor, é
só correr para o abraço”. Então pensei em meu coração: “Eu
prego constantemente na minha igreja que devemos ser
amorosos, não podemos ter amor pelas coisas materiais, e
ainda assim luto com pessoas egoístas, vaidosas, cheias de si
mesmas. Imagine uma igreja em que o pastor ensina as pes-
soas a amarem o dinheiro, e que não tem vergonha de dizer
que roubava a carteira do próprio pai: que tipo de igreja ele
vai ter?”
Deixe-me dizer uma coisa: Há uma nova geração olhan-
do para você. Rufo e Alexandre olhavam Simão, e quando
viram o pai deles agir com dignidade diante do sofrimento
de um homem, quando viram o pai deles sair do trabalho de
manhã, cansado, e mesmo assim carregar um madeiro nas
costas por um desconhecido nazareno, tiveram a seguinte
opinião: “Nosso pai é um homem digno”. O que estamos
ensinando aos nossos filhos e aos rapazes e moças sentados
nos bancos das nossas igrejas? Sabe o que eu quero ensinar
a esses jovens? Que a nossa vida não vale pelos bens que
possuímos, mas pelo esforço com que nos dedicamos à cau-
sa de Cristo.
A igreja não é lugar para ensinar as pessoas a se torna-
rem avarentas e egoístas, mas para ensinar a amar as crian-
ças moçambicanas, os mendigos indianos, a amar as prosti-
tutas da Rússia, os índios no interior do Brasil, as popula-
ções miseráveis do interior do nordeste. É para isso que exis-
timos como igreja, não para aprendermos a roubar a cartei-
ra uns dos outros, mas a amarmos aqueles que não conse-
guem carregar o peso que têm nas costas. Foi isso que Ale-
xandre e Rufo aprenderam de Simão. O que você ensina ao
seu filho? O que ele vai aprender da sua postura e do seu
comportamento como cristão?

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186 Artesãos de Uma Nova História

O que aprendermos e lucrarmos no cumprimento da nossa


missão é muito mais valioso do que o preço que estamos
pagando para cumpri-la.
Lucas foi meticuloso quando relatou esse episódio: “En-
quanto o levavam, agarraram Simão de Cirene, que estava
chegando do campo, e lhe colocaram a cruz às costas, fa-
zendo-o carregá-la atrás de Jesus”.9 Lucas deixa claro que
Jesus seguia na frente. E o que Simão aprendeu, naquela
estrada estreita e sinuosa, chamada Via Dolorosa, foi de um
significado muito mais rico do que o preço que ele pagou
para carregar aquela cruz. Quando chegou no alto do monte
do Calvário, deve ter pensado: “Valeu a pena, porque o que
eu aprendi com esse homem nunca ninguém vai poder apagar
do meu coração”.
O que Simão aprendeu ao ver como Jesus reagiu quando
cuspiram no seu rosto, e observar o seu olhar doce quando o
esbofetearam, ao ver a candura de Jesus durante todo o traje-
to que percorreu pelas ruas de Jerusalém até chegar ao
Gólgota, foi de um valor inestimável.
Deixe-me dizer-lhe por que você deve envolver-se na causa
missionária: porque aquilo que você vai aprender se dando
pela causa de Cristo é muito mais valioso do que o preço que
você vai pagar.
Com 18 anos de idade eu estava com a minha mente fixa
em seguir a carreira diplomática. Matriculei-me em um cur-
so de administração de empresas com o intuito de formar-
me em comércio exterior, fazer o Instituto Rio Branco e me
tornar um diplomata. Mas deixei todos esses planos de lado
porque um dia, quando cursava o segundo ano da faculdade
de Administração de Empresas, num culto de vigília na As-
sembléia de Deus, às duas horas da madrugada, eu me ajo-
elhei no púlpito da igreja, coloquei meu rosto na cadeira, e
Jesus me batizou com o Espírito Santo. O Espírito Santo de
Deus veio sobre a minha vida com tal força e poder que eu
9
Lucas 23:26

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Por que me envolver? 187

não controlava os meus lábios e comecei a falar numa lín-


gua que me era estranha. Naquela noite o Espírito Santo me
disse: “Ricardo, vou te mostrar que você tem uma obra muito
mais valiosa a realizar do que qualquer carreira diplomáti-
ca”. Hoje, passados todos esses anos, em que me dei, me
entreguei e me gastei na obra de Deus, eu posso afirmar
uma coisa: Muitas vezes me senti cansado, mas não lamen-
to e não volto atrás um só centímetro por estar envolvido na
obra de Deus, porque o que aprendi nessa trajetória nenhum
dinheiro deste mundo pagaria. O que o Espírito de Deus tem
feito na minha vida, nada deste mundo compensaria.
Vale a pena nos entregarmos na obra de Deus. Pergunte
a qualquer missionário que está se dando no campo se ele
gostaria de voltar para trabalhar de caixa do Bradesco ou
vender seguro saúde. Eu lhes garanto que nem um deles
gostaria. Porque expressar o amor de Cristo a um mendigo
lá na Índia cortando as suas unhas é muito mais glorioso do
que qualquer emprego que você tenha, seja qual for o seu
salário. Envolver-se na obra de Deus não é um peso, e sim
um privilégio glorioso. Por isso Spurgeon certa vez chamou
seu filho e lhe disse: “Meu filho, se Deus chamá-lo para o
ministério, nunca se rebaixe a ponto de querer ser o rei de
qualquer país”.
Servir a Deus vale a pena, porque andar três ou quatro
passos olhando o que Jesus faz é mais glorioso do que cami-
nhar milhares de quilômetros sem ele. Prefiro andar pelo
vale da sombra da morte junto com Jesus, como Simão an-
dou, do que andar em verdes pastos, junto a águas tranqüi-
las, sem ter Jesus como companheiro.
E você, está disposto a se envolver? Está pronto para
carregar a cruz?

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CAPÍTULO 16

CONSTRUINDO PONTES
ENTRE AS GERAÇÕES
– Os discípulos de Jesus
“Mais tarde Jesus apareceu aos Onze enquanto eles comiam;
censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não
acreditaram nos que o tinham visto depois de ressurreto. E dis-
se-lhes: ‘Vão pelo mundo todo e preguem o Evangelho a todas as
pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer
será condenado. Estes sinais acompanharão os que crerem: em
meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão
em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará
mal nenhum; imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão
curados’. Depois de lhes ter falado, o Senhor Jesus foi elevado ao
céu e assentou-se à direita de Deus. Então, os discípulos saíram
e pregaram por toda parte; e o Senhor cooperava com eles, confir-
mando-lhes a palavra com os sinais que a acompanhavam.”
Marcos 16:14-19

Às vezes fico imaginando qual será o futuro da igreja


neste novo milênio. Uma coisa é certa: os meus pais na fé
nunca imaginaram que a igreja cristã estaria hoje onde se
encontra. Como a tocha das Olimpíadas, que vai passando
de mão em mão, assim também passamos a tocha do Evan-
gelho para as próximas gerações. E uma questão tem me
acompanhado: Qual o calibre espiritual da geração que le-
vará essa tocha adiante? Nós nos convertemos porque cre-
mos na mensagem do Evangelho, no ideal da cruz, e que a
chama do Evangelho não pode se apagar. Por isso temos a
responsabilidade de preparar a próxima geração para rece-
ber a tocha e retransmiti-la acesa às gerações seguintes.
No versículo 14 de Marcos 16 encontramos Jesus com
essa mesma preocupação. Jesus, prestes a deixar este mun-

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190 Artesãos de Uma Nova História

do, está passando a tocha para onze dos seus discípulos,


porque um já fracassou. Trata-se da virada para a primeira
geração de cristãos. Porém, quando Jesus aproxima-se dos
discípulos para entregar-lhes a imensa responsabilidade de
continuarem a obra por ele começada, encontra-os contidos
pelo medo, encolhidos pela timidez e acorrentados pela in-
credulidade. Imagino que naquela hora Jesus deve ter ques-
tionado o futuro de seu projeto nas mãos daquele grupo.
Como o Reino se viabilizaria com homens daquele calibre,
naquele estado de espírito?
Antes de partir Jesus dá a seus discípulos alguns
parâmetros de como eles devem comportar-se diante da res-
ponsabilidade que agora estão assumindo. Vejamos como
isso acontece:

Jesus repreende os seus discípulos pela incredulidade e


dureza de coração.
Vemos no versículo de número 14 que Jesus os repreen-
deu porque eles não deram crédito aos relatórios dos que o
tinham visto depois de ressurreto. Jesus deve ter se dirigido
a eles mais ou menos nesses termos: Pedro, Tiago, João, como
vocês podem querer fazer a vontade de Deus com os cora-
ções tão embrutecidos? Como podem desenvolver um proje-
to que envolve fé se vocês são incrédulos? Como pregarão
uma mensagem de sensibilidade se vocês são insensíveis de
coração?
Esse mesmo questionamento é válido para nós hoje. Se
a essência da pregação do Evangelho envolve sensibilidade,
alma quebrantada e fé, como podemos fazer a obra de Deus
se somos homens e mulheres de coração incrédulo, alma
dura, insensível e sem misericórdia? Como realizar a obra
de Deus acorrentados pela própria incredulidade, encolhi-
dos pela timidez e contidos pelo medo? Se o nosso coração
endurecer e nossa alma secar, não poderemos ser agentes
do reino. É por isso que a Bíblia nos recomenda a guardar-

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Construindo pontes entre as gerações 191

mos nosso coração: “Acima de tudo, guarde o seu coração,


pois dele depende toda a sua vida”.1
Podemos guardar nosso coração nunca considerando os
nossos méritos maiores que os das pessoas que nos rodei-
am.
Creio que essa foi uma das dificuldades dos apóstolos.
Quando Maria Madalena, de quem Jesus expelira sete demô-
nios, trouxe a notícia da ressurreição de Jesus, podemos ima-
ginar Pedro desconfiando por achar que se Jesus verdadeira-
mente tivesse ressuscitado teria aparecido primeiramente a
ele, por causa da sua proximidade de Jesus, por considerar-
se de “quilate espiritual” superior e por fazer parte de um
grupo de elite de Jesus.
O pior tipo de vaidade é a espiritual, pois os nossos
méritos podem transformar-se em nossos maiores obstácu-
los. Se eu começar a pensar que sou indispensável para Deus
e que Jesus deve estar muito feliz por ter ao seu lado alguém
de minha estirpe, é sinal que meu coração está ficando
endurecido. Quando pensamos que não temos mais nada a
aprender com os outros, o nosso coração endurece cada vez
mais. De repente, um homem ou mulher mais jovem sobe ao
púlpito para pregar, e porque não tem nem mestrado nem
doutorado achamos que não temos nada a aprender com
ele. Saber demais pode ser um desastre, pode gerar dureza
de coração. Perdemos a sede de conhecer outras verdades,
de descobrir novos horizontes. E Jesus teme que os discípu-
los usem o conhecimento que adquiriram durante os três
anos de convivência com ele como motivo de prepotência,
de orgulho.
Algumas das palavras mais lindas, porém, que já recebi
na minha vida, vieram de pessoas que não tinham nem com-
pletado o primário. Lembro-me, por exemplo, do sermão que
foi pregado no dia em que fui batizado nas águas, numa

1
Cf. Provérbios 4:23

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192 Artesãos de Uma Nova História

lagoa suja de Fortaleza. Nem me lembro mais do nome do


pastor que pregou. Tratava-se de um homem simples, que
nunca freqüentou um instituto bíblico, e que derrapou vári-
as vezes no português. Mas aquele homem transmitiu ver-
dades sobre Romanos 6 de uma forma que eu nunca tinha
ouvido antes, nem ouvi depois. Parecia um canal aberto por
onde fluíam diretamente as palavras do Senhor. Jesus não
está preocupado com títulos, e nós também não deveríamos
estar.
Podemos guardar nosso coração não deixando que a vida
endureça a nossa alma. Os discípulos estão encolhidos num
canto de casa, temerosos, arredios, porque acabaram de so-
frer uma ferida muito profunda. Foram rejeitados em Jeru-
salém. Viram o próprio Senhor Jesus Cristo ser crucificado e
sepultado. A alma deles se encheu de amargura porque
tiveram a nítida impressão de que todo o seu plano ruíra
diante de seus olhos.
Jesus censurou-lhes não só a incredulidade, mas tam-
bém a dureza de coração, porque nosso maior desafio é ter-
minarmos a vida sem azedar. Sei que viver não é fácil; é
conviver com dificuldades, sofrimento, injustiças e cruelda-
des. Diante da vida, podemos assumir duas posturas: ou
permitir que o sofrimento nos torne ácidos, ou olhar para
Deus, confiar nele e preservar nosso coração.
Há pessoas que se tornam tão endurecidas que acabam
ficando com os lábios enrugados e a fronte tensa, não con-
seguindo mais cantar nem celebrar a vida. O ídolo dessas
pessoas é Augusto dos Anjos, poeta macabro, e na televisão
só assistem noticiário policial. São pessoas tristes, sem bri-
lho, sem leveza. Como poderemos realizar a obra de Deus se
nos tornarmos assim? Como podem tais pessoas proclamar
com credibilidade uma mensagem de vida, júbilo e ressur-
reição? Se você quer ser um agente do Reino, não se deixe
azedar pela vida.
Podemos guardar nosso coração não admitindo que nos-
sas análises críticas sejam sempre pessimistas. Podemos

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Construindo pontes entre as gerações 193

muito bem encontrar tanto coisas boas como ruins em qual-


quer pessoa ou circunstância. Os discípulos encontram-se
trancados em si mesmos porque não conseguem ouvir rela-
tórios bons, só os ruins. Posso encontrar coisas positivas em
Judas Iscariotes ou no sumo sacerdote que acusou Jesus, como
também posso encontrar coisas negativas nos maiores he-
róis da Bíblia. O apóstolo Paulo, por exemplo, pode ser erro-
neamente taxado de intransigente (não admitiu uma única
falha de João Marcos), machista (vivia impedindo as mulheres
de serem cidadãs do reino), e extremista, pois achava que
ninguém deveria casar-se. Por isso, se podemos encontrar
tanto coisas boas como ruins em qualquer pessoa, não seria
melhor tentarmos achar as boas?
Se você tiver um coração pronto, disposto, livre, poderá
encontrar coisas boas no irmão ao seu lado. Uma igreja que
se propõe a ser cura de doentes acolhe toda espécie de gen-
te. Recebe os perturbados mentais! A diferença encontra-se
em olhar para esse grupo e considerá-lo um bando de pesso-
as cheias de pecado, que não têm mais jeito, ou olhar para
este mesmo grupo e orar: “Senhor, estas pessoas estão chei-
as de falhas e fraquezas, mas tu deste o teu sangue para
resgatar cada uma delas. Eu não sou melhor do que elas,
mas pela tua graça quero ser um instrumento nas tuas mãos
para que o teu amor possa fluir em nosso meio, e possamos
nos ajudar mutuamente a nos tornarmos cada dia mais se-
melhantes ao teu Filho.”
Uma outra maneira de guardar nosso coração é tomando
cuidado para não sermos exageradamente pragmáticos.
Precisamos parar para pensar, para ouvir o coração e os sons
que somente são ouvidos quando paramos de correr. Precisa-
mos diminuir nosso ritmo frenético para desenvolver um
coração sensível ao sussurro de Deus.

Jesus comissiona os Seus discípulos.


Jesus mostra a seus discípulos que se quiserem dar con-
tinuidade ao seu projeto eles têm de ser largos, grandes,

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194 Artesãos de Uma Nova História

magnânimos. Ele diz: “Vão pelo mundo todo e preguem o


Evangelho a todas as pessoas”.2 Como evangélicos, já ouvi-
mos esse texto centenas de vezes em conferências
missionárias, cultos e pregações. Toda revista, todo jornal,
toda rádio evangélica cita esse texto. Para nós, essa palavra
não tem mais o impacto que teve na cabeça daqueles judeus
porque o judeu recebia pessoas de todas as nações, e por
isto tinha uma mentalidade de receber e não de ir. Jerusalém
era um pólo de romaria judaica, que atraía judeus e prosélitos
do mundo todo. Mas Jesus chama esses judeus, orgulhosos
de sua cultura, herdeiros de uma tradição milenar, e lhes
ordena a sair até os confins da terra. Ele lhes pede para
alcançar pessoas que nunca viram, absorver valores culturais
de povos que nem sabiam existir. Se quisermos fazer a obra
de Deus, urge sairmos do casulo, investir em projetos que
visam pessoas que não conhecemos e que talvez tenhamos
até desprezado.
O “ir” é próprio da essência do Evangelho. O Evangelho
pressupõe que através do novo nascimento a sua própria
questão foi resolvida, e que você crescerá espiritualmente
deixando de rodopiar ao redor de seus próprios problemas.
À medida que sua vida deixa de ser preciosa para você
mesmo, você aprenderá a dar-se, entregar-se e desfazer-se
de si mesmo em favor dos outros.
Uma igreja que se resume a quatro paredes, ensimesma-
da em seus próprios projetos, preocupada apenas com seus
problemas internos, como a cor do tapete novo e a reconciliação
de membros que vivem se desentendendo, está destinada a
ser apenas uma lembrança na próxima geração. Uma igreja
só tem continuidade e razão de ser quando seus membros
estão dispostos a olhar para fora, alcançar os que ainda não
conhecem Jesus. Uma igreja que não tenha projetos sérios de
evangelização e de investimento pesado na obra missionária
está se condenando a ser uma igreja de uma só geração. E

2
Marcos 16:15

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Construindo pontes entre as gerações 195

quando digo investimento pesado, não estou falando


simplesmente de abrir uma outra igreja na esquina, mas de
abrir parcerias de evangelização com outras nações do mundo.
Falo de nos envolvermos de corpo e alma como parte de um
projeto mundial de evangelização, em que vamos investir
somas pesadas de dinheiro, pregando o Evangelho. Falo de
alcançar os mais de 30 países que compunham antigamente
a União Soviética, pregar nos países muçulmanos do norte
da África, enviar grupos de trabalho para pregar o Evangelho
aos ruandeses, em Burundi, em países da Ásia que nem
sabemos direito que existem. A única coisa que garante a
continuidade do Evangelho é um projeto grande e magnânimo.
Não podemos ficar contidos em nossa própria mediocridade.
Precisamos abraçar o projeto do reino de Deus como nosso
próprio projeto de vida.

Jesus define a dimensão da responsabilidade que está


colocando sobre os ombros dos discípulos.
Ao passar o bastão para os discípulos, Jesus também
define o tamanho da responsabilidade que lhes está dando:
“Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer
será condenado”.3 Em outras palavras, Jesus estava dizen-
do aos discípulos que grande era a responsabilidade que
estava colocando sobre os seus ombros porque eles lidariam
com o destino eterno de vidas. Não se tratava de um
piquenique. A mensagem não poderia ser transmitida levia-
namente porque teria desdobramentos eternos nas vidas das
pessoas.
Tremo só de pensar que essa mesma responsabilidade foi
lançada também sobre nossos ombros. Nunca pregue o Evan-
gelho de Jesus Cristo com leviandade, porque essa mensagem
diz respeito ao destino eterno das pessoas que o ouvem. Tive
um exemplo bem patente disso numa certa segunda-feira pela

3
Marcos 16:16

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196 Artesãos de Uma Nova História

manhã, ao receber o telefonema de uma mulher em prantos:


seu filho abrira seu coração para Jesus na noite anterior,
durante o culto, e naquela manhã morrera afogado. Choran-
do muito, ela agradeceu porque a mensagem do domingo à
noite decidira o destino eterno de seu filho. Naquele mo-
mento senti o peso da responsabilidade de ter pregado a
última mensagem ouvida por aquele rapaz.
Em Ezequiel 3:17-19 lemos: “...a palavra do Senhor veio
a mim: ‘Filho do homem’, disse ele, ‘eu o fiz sentinela para a
nação de Israel. Por isso ouça a palavra que digo e leve a
eles a minha advertência. Quando eu disser a um ímpio que
ele vai morrer, e você não o advertir nem lhe falar para dis-
suadi-lo dos seus maus caminhos para salvar a vida dele,
aquele ímpio morrerá por sua iniqüidade; mas para mim
você será responsável pela morte dele. Se, porém, você ad-
vertir o ímpio e ele não se desviar de sua impiedade ou dos
seus maus caminhos, ele morrerá por sua iniqüidade, mas
você estará livre dessa culpa’”.
Temos uma responsabilidade de passar aos nossos fi-
lhos essa paixão por vermos homens e mulheres converti-
dos, almas salvas. A missão da igreja não é apenas aliviar
as pessoas, mas pregar uma mensagem que defina o rumo
eterno de almas. Seu parente deve ir à igreja não para se
sentir melhor, mas para ser salvo. Seu filho tem de conver-
ter-se não para ser bem sucedido nos negócios, mas para ser
salvo. Quem crer nessa mensagem será salvo, quem não crer
será condenado.
Jesus está passando a tocha: “Estes sinais acompanha-
rão os que crerem: em meu nome expulsarão demônios; fa-
larão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se beberem
algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum; imporão
as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados”.4 Em
outras palavras, Jesus estava encorajando aos discípulos a
serem intrépidos, a crer no extraordinário, a fazer o impos-

4
Marcos 16:17-18

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Construindo pontes entre as gerações 197

sível, prometendo que estaria com eles, que lhes daria poder
para falar com Deus numa língua sobrenatural5 e para lidar
com as potestades do diabo (a serpente, na cultura judaica,
era a encarnação do maligno). Ele os advertiu que correriam
perigo de vida, mas que estaria com eles. Enfrentariam todo
tipo de oposição, mas nunca seriam contaminados. Pelo
contrário, eles é que contaminariam os outros com o bem.
Quando impusessem as mãos sobre alguém não receberiam
a malignidade daquela pessoa: a pessoa é que seria abenço-
ada. Quando encostassem em alguém possesso de demônio,
o demônio não passaria para eles, mas o possesso seria
liberto.
Jesus está passando a tocha. E o v. 19 diz que “Jesus foi
elevado aos céus”. A tocha foi passada. E você me pergunta:
E esses discípulos, deram conta do recado? Plenamente! Em
uma geração, o testemunho da história é: “Esses homens,
que têm causado alvoroço por todo o mundo, chegaram tam-
bém aqui”.6 Numa geração só, o mundo inteiro conhecido
na época foi alcançado com a mensagem da cruz.
Agora deixe-me fazer-lhe uma pergunta: Quando você
comparecer diante do tribunal de Cristo – e a Bíblia diz que
todos compareceremos – quantas almas ganhas pelo poder
dessa mensagem você terá para apresentar? Quantas pessoas
você vai apresentar para Jesus, dizendo: Senhor, são estes os
meus filhos espirituais, que ganhei para ti, transmitindo a tua
palavra. Quantos? Sabe uma tristeza que eu tenho? Há pessoas
que se convertem, passam a vida inteira indo à igreja, e jamais
ganharam uma só alma para Cristo. Nunca. Sabe por que?
Porque eles guardam a sua fé só para si mesmos. E um dia vão
chegar diante de Deus e dizer: Senhor, eu não tenho nenhum
filho na fé. Minhas mãos estão vazias...
Algumas pessoas crêem que no inferno se ouvirão três
gritos. Por que eu não quis ouvir? Por que eu rejeitei o que
ouvi? Por que nunca me falaram?
5
Cf. I Coríntios 14
6
Atos 17:6

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198 Artesãos de Uma Nova História

Um dia Jesus vai nos perguntar: Eu lhe entreguei a res-


ponsabilidade de pregar essa mensagem até aos confins da
terra, e o que foi que você fez? Tragicamente, a maioria de
nós vai ter de confessar: Senhor, eu enterrei o talento. Eu
estava ressentido, amargurado, incrédulo e duro, acorrentado
num canto de quarto reclamando da minha própria sorte.
Eu não fiz nada. Está aqui de volta o talento que me
entregaste.
Você quer ser esta pessoa? Eu não quero. Eu quero ser
como Paulo, que disse: “Combati o bom combate, terminei a
corrida, guardei a fé”.7 Há uma tocha que tem de ser passa-
da. Quem vai levá-la adiante?

7
2Timóteo 4:7

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CAPÍTULO 17

VOCÊ PODE TRANSFORMAR


O SEU MUNDO

– Paulo
“Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou
profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de
ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos
tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias,
com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus
e estóicos começaram a discutir com ele. Alguns perguntavam:
‘O que está tentando dizer esse tagarela?’ Outros diziam: ‘Pa-
rece que ele está anunciando deuses estrangeiros’, pois Paulo estava
pregando as boas novas a respeito de Jesus e da ressurreição.
Então o levaram a uma reunião no Areópago, onde lhe pergun-
taram: ‘Podemos saber que novo ensino é esse que você está
anunciando? Você está nos apresentando algumas idéias estra-
nhas, e queremos saber o que elas significam’. Todos os atenienses
e estrangeiros que ali viviam não se preocupavam com outra
coisa senão falar e ouvir as últimas novidades. Então Paulo
levantou-se na reunião do areópago e disse: ‘ Atenienses! Vejo
que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andan-
do pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e
encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DES-
CONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não co-
nhecerem, eu lhes anuncio.
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor
dos céus e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos
humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se
necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego
e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que
povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos
anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam

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200 Artesãos de Uma Nova História

habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez,


tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada
um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como
disseram alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendên-
cia dele’.
Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos
pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro,
prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No
passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora
ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu
um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do
homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-
o dentre os mortos’. Quando ouviram sobre a ressurreição dos
mortos, alguns deles zombaram, e outros disseram: ‘A esse res-
peito nós o ouviremos outra vez’. Com isso, Paulo retirou-se do
meio deles. Alguns homens juntaram-se a ele e creram. Entre
eles estava Dionísio, membro do Areópago, e também uma mulher
chamada Dâmaris, e outros com eles” Atos 17:16-34.

Existem pessoas que conseguem mostrar-nos o tamanho


da nossa inércia, de nossa pequenez e insignificância sem
apontar o dedo ou nos acusar, apenas com suas próprias
vidas altruístas e exemplos nobilíssimos.
Citarei três situações que me induziram a uma auto-ava-
liação:
1) Há alguns anos fui pregar numa igreja nos Estados
Unidos da América, na região de Hamptom Beach, e ao ter-
minar me convidaram para jantar na casa do reitor de uma
universidade daquela cidade, porque já viera ao Brasil di-
versas vezes.
Entre atônito e chocado, ouvi sua incrível história: A
primeira vez que veio ao Brasil, levaram-no para visitar a
Febem de São Paulo. Impressionadíssimo com o que viu,
voltou para os Estados Unidos e conversou com sua mulher
sobre os meninos de rua, viciados, criminosos e maltrata-

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Você pode transformar o seu mundo 201

dos pela vida. Conversaram com o casal de filhos que


possuíam e decidiram fazer uma peregrinação ao redor do
mundo para adotar crianças problemáticas. O reitor voltou
ao Brasil e pediu ao diretor da Febem e ao juiz autorização
para adotar um menino que ninguém ousaria querer, ao qual
fui apresentado naquela noite em que jantava em sua casa.
Além deste havia ao redor da mesa outras dez crianças
adotadas por aquele casal, fruto do propósito que fizeram
no coração.
Adotaram uma menina de João Pessoa, na Paraíba, cega,
surda e muda; uma outra da Coréia, com síndrome de Down
(mongolóide); uma africana tetraplégica, e assim por diante.
2) Em meados deste século, um homem que vivia na Áfri-
ca do Sul resolveu insurgir-se contra um sistema que consi-
derava perverso. Uniu-se a um grupo que buscava sublevar
este sistema, chamado de “Apartheid”, e tornou-se o preso
político mais famoso do mundo. Seu nome: Nelson Mandela.
Por causa da reputação e da fama que adquiriu estando
preso, o regime da África do Sul, por diversas vezes, ofere-
ceu-se para libertá-lo, com uma única condição: que nunca
mais tivesse nenhum engajamento político e nem tecesse co-
mentário sobre o “Aphartheid”. Mandela recusou este tipo de
liberdade, permanecendo 27 anos na cadeia.
3) A Rede Globo de televisão fez uma reportagem em
Ruanda, pequeno país do centro da África, numa época em
que trucidaram milhares de pessoas a golpes de machado.
Calcula-se que num período de dois meses, quinhentos mil
habitantes daquele país foram exterminados, numa violen-
ta guerra tribal. O programa, porém, não era sobre esta guer-
ra, e sim sobre uma organização francesa denominada “Mé-
dicos sem Fronteiras”, formada por homens e mulheres que
escolheram ir para Ruanda, mesmo tendo carreiras promis-
soras e possibilidades concretas de sucesso na sua profis-
são. Em função do holocausto, houve um êxodo de refugia-

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202 Artesãos de Uma Nova História

dos para o Zaire e outros países circunvizinhos, acarretan-


do a propagação de cólera, tifo, disenteria e diversas outras
doenças. Percebendo a calamidade do momento, onde
aglutinação e morte caminhavam de mãos dadas, esses
médicos optaram por ajudá-los.
A pergunta que paira em nossa mente, diante destes três
exemplos, é: O que torna essas pessoas tão especiais? Qual
o segredo desse tipo de gente?
Sentimos vontade de lavar a boca quando falamos de-
las. Queremos ajoelhar diante de Deus e pedir perdão pela
nossa omissão e mesquinhez.
São seres humanos especiais porque viram neles própri-
os a possibilidade de transformar o mundo. Enxergaram em
si mesmos a capacidade de transformar a situação em que
vivem.
Se olharmos para o exemplo de vida do apóstolo Paulo,
descobriremos o segredo de pessoas desse nível, pois ele
honra este quadro de seres humanos especiais. Um homem
que nunca se aquietou na vida. Um homem que jamais sou-
be em toda a sua existência o que era descansar ou tirar
férias. Nunca cogitou na possibilidade de uma aposentado-
ria ou viver uma vida tranqüila. Paulo, essa personagem
fascinante, é o centro do livro dos Atos dos Apóstolos.
Conforme o verso 15, o apóstolo Paulo está fugindo da
cidade de Beréia. Na verdade, os irmãos bereanos promo-
vem sua fuga para Atenas, porque alguns judeus naquela
cidade odeiam-no e querem destruí-lo.
Atenas foi escolhida por ser o topo da civilização do
mundo antigo, o zênite.
Paulo está sofrendo perseguição por motivos de ideolo-
gia, de religião, e seus amigos calculam que em Atenas ele
não teria problemas, pois a Grécia era o berço da liberdade,
a capital da democracia, que é ainda hoje, o melhor regime
político que se conhece.

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Você pode transformar o seu mundo 203

Enquanto espera por Timóteo e Silas, que ficaram para


trás, Paulo aproveita seu tempo fazendo um “tour” por Ate-
nas, o que deveria ser, na época, a ambição de todo erudito.
Que sociólogo não gostaria de ir à Sorbonne, na França?
Qual o literário que não sonha em conhecer a Universidade
de Coimbra, em Lisboa? E qual técnico em ciências não gos-
taria de ir ao M.I.T. (Massachusets Institute of Technology),
um dos laboratórios mais avançados do mundo?
Paulo não era um analfabeto, ao contrário, era um profun-
do conhecedor da cultura e com toda certeza estava satisfa-
zendo uma antiga ambição. Conhecia, talvez de estudar nos
livros, a geografia da cidade, e sabia onde ficava a acrópole, o
lugar mais alto de Atenas, para aonde convergiam os
pensadores, acadêmicos e filósofos, os eruditos da Grécia.
Sabia, também, onde encontrar os famosos monumen-
tos que proliferavam naquela suntuosa cidade. Atenas se
constituía em um monumento vivo. Prédios belíssimos, gran-
des templos de adoração eclética.
Paulo, porém, não se comporta como um turista qual-
quer. Ele age diferente e seu comportamento é o segredo
fantástico que nos mostra como podemos em nossa realida-
de, na nossa circunstância, sermos agentes transformado-
res da história.
Vejamos o segredo de Paulo, que mudou a história de
Atenas, da Grécia, do mundo antigo e do mundo ocidental:
Se você quiser mudar a sua realidade e transformar o
seu mundo, precisa enxergar a realidade que o rodeia com
os olhos de Deus.
Enquanto esperava seus companheiros, passeando por
Atenas, Paulo não se deslumbrou com a imponência dos
grandes templos, não se admirou com a grandeza de Ate-
nas, ao contrário, começou a enxergar a cidade com os olhos
de Deus e o verso 16 diz que o espírito de Paulo começou a
revoltar-se em face da idolatria reinante na cidade.

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204 Artesãos de Uma Nova História

Seus olhos não eram de turista descompromissado,


alheio à realidade. Estou convencido de que muito de nossa
imobilização e apatia provém do fato de estarmos encanta-
dos com a cor e o brilho do que nos rodeia.
Se um de nós viajasse a Brasília, o que veríamos? Pro-
vavelmente, uma das cidades mais modernas do mundo,
com avenidas largas, paisagismo impecável e imponentes
prédios. O que você veria?
Eu lhe digo o que Paulo veria em Brasília: a tristeza dos
habitantes presos às super quadras, solitários; veria uma
das maiores taxas de divórcio desse país; uma cidade imersa
no esoterismo da nova era; o comércio e o tráfico de influ-
ências, as assinaturas de contratos desonestos e malfeitos
com empreiteiras; ele veria tudo isso sangrando na sua alma
e se revoltaria em seu íntimo.
E na Bahia, o que você veria? O farol da Barra? Um dos
mais bonitos mares do Brasil e praias espetaculares? O fol-
clore atraente e dominante da cidade? A presença negra de
gingado ondulante? O pelourinho?
Paulo veria Salvador de forma diferente. Perceberia uma
cidade presa à feitiçaria e algemada por políticos retrógra-
dos que dominam a região como nos tempos do coronelismo
e um povo empobrecido pelas cadeias do misticismo gene-
ralizado.
Indo ao Rio de Janeiro, qual seria a sua visão? Capital
cultural do Brasil, uma das mais belas cidades ecológicas
do mundo, o que o atrairia? O Pão de Açúcar? O verde se
mesclando com a arquitetura moderníssima? O aterro do
Flamengo? Os braços abertos do Cristo de pedra?
O apóstolo se entristeceria com a cidade empobrecida e
uma burguesia que vive das glórias do passado, ainda
revivendo os tempos de capital da República. Revoltar-se-ia
com a idolatria da cidade, prisioneira do crime organizado,
ponto de tráfico de drogas para o mundo inteiro.

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Você pode transformar o seu mundo 205

E na maior cidade do Brasil, São Paulo? Cosmopolitana,


agitadíssima, produtiva, polo cultural de grandes eventos,
capital de riqueza financeira do país, maior geradora de
impostos da nação.
O apóstolo veria gente perdendo a alma, robotizada, cul-
tivando o individualismo e freneticamente estressada.
Se quisermos a capacidade de mudar o mundo ao nosso
redor, precisamos começar a enxergar a realidade sob as
lentes de Deus, e a Bíblia nos mostra a revolta desse ho-
mem que conseguiu ajustar seu olhar ao de Deus.
Há uma música de autoria de Jamires, já falecido, do
grupo Rebanhão, que retrata com maestria o que estou ten-
tando transmitir:
Uma cidadezinha do interior, visão bonita de cidadezi-
nha, velhinhos na praça, namoradinhos de mãos dadas e
jovens passeando na pracinha ao cair da noite. Ao terminar
de descrever o romântico quadro interiorano, percebe como
um diretor numa cena de filme, os velhinhos, coitados, apo-
sentados e bêbados; as mocinhas prostituídas e a cidadezi-
nha perde o encanto da encenação. Deus vê a realidade e
não nossa representação.
Outra situação análoga encontra-se no filme “Dança com
Lobos”; tive uma percepção diferente daquela das pessoas
com quem comentei o enredo.
Trata-se da história de um soldado americano que re-
solve viver a vida de ermitão, num posto perdido de frontei-
ra. Estabelece contato com uma tribo que não se relaciona-
va com o homem branco e, por isso, vivia em perfeita har-
monia com a natureza e nos seus relacionamentos, como se
fosse um paraíso perdido.
Discordei dos que apreciaram o filme, porque a realida-
de não é essa. Mesmo os índios que nunca tiveram contato
com o homem branco eram bêbados, devassos, mentirosos
e ladrões, porque a semente do pecado não se encontra ape-
nas no homem branco, mas também no negro, no asiático e

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206 Artesãos de Uma Nova História

no índio. “Pois todos pecaram e estão destituídos da glória


de Deus”.1
Para transformar o nosso mundo, precisamos ser críti-
cos da realidade ao nosso redor e nos inquietarmos com o
que vemos sob a ótica de Deus que encerra uma outra di-
mensão.
Ao enfrentar o problema da tentação, a questão da inveja
ou da ira, tente mudar o seu foco e pergunte-se: Como Deus
olha para isto? O sistema de Jesus parece que foi esse.
Ele chega em Jerusalém num dia de festa para os ju-
deus. A cidade, empolgadíssima, e todos querem ir ao Tem-
plo, onde tudo está acontecendo. Ele, porém, olha para Je-
rusalém, não como peregrino comum, mas com o olhar de
Deus. Em vez de ir ao Templo, vai a Betesda, o tanque que
tem cinco alpendres, abarrotado de mancos, cegos, paralíti-
cos e doentes.
O olhar de Deus muda nossas reações. Falta-nos indig-
nação e revolta porque não temos a ótica divina. Quando
Paulo se indignou em Atenas, a questão não era dele, era
uma questão de Deus. Nossa indignação não pode se mani-
festar apenas quando nossos direitos são aviltados, mas
também quando os direitos do próximo são feridos e qual-
quer pessoa enfrenta injustiça.
Exemplo contundente disso é nossa passividade diante
do sistema de ensino no Brasil. Faltam escolas, as que exis-
tem estão sucateadas e o ensino primário não é digno, como
não são dignos os salários dos professores. Por que somos
passivos? Porque temos uma situação financeira que nos
permite colocar nossos filhos em escolas particulares, caso
contrário, seríamos os primeiros a nos indignarmos.
O mesmo acontece com a saúde pública. Pagamos con-
vênio e não precisamos dos hospitais públicos, por isso não
nos importamos com a sua decadência. Como não somos

1
Romanos 3:23

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Você pode transformar o seu mundo 207

atingidos diretamente por esses problemas, eles não nos


tocam, nem nos deixamos confrontar.
Paulo quis olhar e ser confrontado, porque não podia
permanecer impassível diante daquela cidade idólatra. A
expressão no grego significa que ele teve náuseas quando
viu tanta idolatria.
Qual foi a última vez que você sentiu náuseas pela lava-
gem das escadarias do Bonfim? Quando foi que você teve
vontade de vomitar vendo os políticos deste país consultan-
do os terreiros de macumba ou vendo os velhos pobres,
aposentados, morrendo nas filas do INSS? Qual foi a última
vez que tivemos vontade de chorar vendo os jovens se ma-
tando com drogas na praça da Sé?
A Bíblia diz: “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita
como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viú-
vas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo
mundo”.2 Isto significa a habilidade de sentir-se mal, sen-
tir revoltado, de ter náuseas ao contemplar o pecado, a des-
graça e a injustiça.
Se você quiser transformar sua realidade, seu mundo,
seu universo, não permita que o peso que você vê o jogue
no imobilismo e que a desgraça ao seu redor o lance na
apatia.
“Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos
tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os
dias, com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filó-
sofos epicureus e estóicos começaram a discutir com ele”.3
Interessantíssima esta colocação “na praça principal”; ha-
via em Atenas um lugar chamado “Agora”, onde a boemia e
os intelectuais de bares se reuniam. Paulo não convocou
uma reunião de oração para ver se Deus mudaria aquela
realidade; diante da desgraça ele arregaçou as mangas. A

2
Tiago 1:27
3
Atos 17:17

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208 Artesãos de Uma Nova História

cidade encontrava-se desesperadamente perdida, e ele agiu.


Seus projetos eram simples. Não armou um grande esque-
ma para ganhar Atenas para Cristo. Começou simplesmente
a conversar na praça. Pessoalmente, pouco a pouco. O Evan-
gelho não precisa de uma síndrome megalomaníaca. Não
precisamos ganhar o Brasil para Cristo em uma semana,
mas precisamos fazer alguma coisa.
Paulo começou com o que dispunha, foi à praça e come-
çou a conversar naquela roda e a falar de Jesus. Isso não
transformou Atenas inteira, mas mudou a vida de alguns.
Pensamos, muitas vezes, que para mudar nossas circuns-
tâncias precisamos de coisas grandiosas. Pode ser que você
pense que para mudar a realidade do seu bairro, tenha de
vir o Billy Graham ou outro pregador de renome.
Não, não precisa ser algo arrebatador. Podemos começar
com pequenos projetos.
Um dos maiores evangelistas já conhecidos chamava-se
D. L. Moody. Ele era sapateiro e começou a olhar as circuns-
tâncias de Chicago com os olhos de Deus. Inquietou-se e re-
solveu começar uma escola dominical. E da escola dominical
desse sapateiro saíram milhares de missionários para o
mundo inteiro, pregando o Evangelho de Jesus. Um deles foi
o pai do dr. Russell Shedd. E hoje, dr. Russell Shedd, homem
muito usado no Brasil, também é missionário, fruto da obra
de um sapateiro que começou algo em Chicago.
Não se desespere se as coisas não acontecem, mas tam-
bém não cruze os braços. Paulo começou na sinagoga dis-
cutindo, arrazoando, conversando sobre Deus. Ele acredi-
tou no efeito em cadeia daquilo que estava fazendo e na
possibilidade de mudar suas circunstâncias.
Se você quiser mudar o seu mundo, comece com o que
tem em sua mão. Não espere Deus enviar algo do céu e nem
espere um grande projeto. Seja fiel no pouco.

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Você pode transformar o seu mundo 209

Agimos, às vezes, como o rapaz que estava no teto de


sua casa, num dia de grande enchente. Orou muito e creu
num grande salvamento que Deus iria providenciar.
Passou o bote de um vizinho e ele recusou esperando o
grande salvamento. Pouco depois uma lancha tentou içá-lo,
e também recusou, ainda esperando o grande livramento.
Finalmente, quando as chances eram poucas, apareceu
um helicóptero da Cruz Vermelha, e ele disse que não podia
aceitar ficar pendurado em uma corda. O rapaz acabou
morrendo, e no céu reclama: “Senhor! Sou teu servo! De
joelhos busquei o grande livramento, e tu não fizeste nada
por mim?” Ao que Deus lhe respondeu: “Quem não entende
sou eu! Mandei-te um bote, uma lancha e um helicóptero, e
tu não quiseste nenhum deles!”
Muitas vezes nos tornamos imobilizados esperando coi-
sas que não acontecerão. Precisamos de pessoas que orem,
que ajudem as crianças no berçário, na escola dominical,
que distribuam folhetos, porque são muitas as coisas que
temos para fazer. Alguns deixam de fazer por síndrome de
incapacidade ou humildade excessiva. Outros por ausência
de humildade, procurando algo maior para fazer.
Paulo não conseguiu ficar parado. Não podia se aquie-
tar, porque algo em seu coração não permitia indiferença.
Você pode visitar doentes, telefonar para alguém, orar com
alguns, começar um estudo bíblico em sua casa, mas faça
algo em nome de Jesus.
Há uma história bonita de alguém que estava na praia
salvando tartaruguinhas. A maré estava baixa e os peque-
nos filhotes morriam porque não conseguiam chegar à água.
Um sujeito se aproxima daquele que tentava ajudar os po-
bres animaizinhos, e o critica: “Você não vai conseguir!
Quando chegar ao fim da praia, as últimas tartaruguinhas
já terão morrido, e as poucas que você conseguir salvar não
farão nenhuma diferença”. O garoto replicou: “Realmente,
não fará diferença nenhuma nesses noventa quilômetros,

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210 Artesãos de Uma Nova História

mas para cada uma destas tartaruguinhas que eu colocar


dentro da água, fará toda a diferença do mundo.
Não dá para ganhar toda São Paulo, ou o mundo, mas
para cada pessoa que for confrontada com o Evangelho de
Jesus e tiver sua família restaurada e o alcoolismo dissipa-
do, fará toda a diferença do mundo.
Se você quiser que o seu mundo seja diferente, não se
deixe impressionar pela aparência pedante dos cultos
inteligentes, pela imponência do poder dos fortes, pelo
luxo estonteante dos ricos ou pela espiritualidade piegas
dos religiosos.
Quando Paulo começa a pregar, o verso18 nos mostra
quem aparece para discutir com Paulo. São os filósofos
epicureus e estóicos. Os epicureus acreditavam não haver vida
após a morte e sua filosofia era a seguinte: aproveite o máximo
que você puder hoje, porque não sabe se vai viver amanhã.
Você não tem a quem prestar contas, então viva dissoluta-
mente. Aproveite a vida, porque é o hoje que vale.
Os estóicos pensavam diferente. Criam que o mundo foi
criado pelos deuses e eles nos abandonaram. Por isso não
tem sentido obter satisfação, nem dor, ou qualquer senti-
mento. A melhor posição na vida é da apatia. Se alguém
lhes falasse sobre o sofrimento de uma pessoa, eles diziam:
“e daí?” Se lhes fosse oferecido prazer, não se importavam e
se recebessem um convite para uma festa maravilhosa, não
dariam atenção. Se fosse comentado sobre a injustiça no
mundo, eles responderiam que a vida é assim mesmo. O dia
que acabar, acabou.
Essa era a turma da academia da época. Os intelectuais
do momento. E o mais impressionante é que Paulo não se
intimida com a sabedoria dos sábios, dos cultos e dos inte-
ligentíssimos. O que ele vê se resume no seguinte: Pode ser
PhD em física nuclear, antropologia, ciência política, ter
mestrado em psicologia, psiquiatria, ou ser expert em gené-
tica da biologia, mas se você não conhece o Deus vivo, você

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Você pode transformar o seu mundo 211

perdeu tudo. Precisamos conhecer Deus, porque se não o


conhecemos, somos ignorantes.
Os segredos de Paulo estão ao nosso alcance. Se você
realmente quer mudar a sua realidade e transformar o seu
mundo, comece a enxergar com os olhos de Deus, a agir
com o que tem às mãos, sem impressionar-se com o que
está ao seu redor.

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CAPÍTULO 18

COMO DEVO APRESENTAR-ME


DIANTE DE DEUS
– Timóteo

“Portanto, meu filho, fortifique-se na graça que há em Cristo


Jesus. E as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas
testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes
de ensinar outros. Suporte comigo os meus sofrimentos, como bom
soldado de Cristo Jesus... Procure apresentar-se a Deus aprovado,
como obreiro que não tem do que se envergonhar e que maneja
corretamente a palavra da verdade”. 2Timóteo 2:1-3;15

Parece-me que é uma constante de Deus levantar através


das gerações homens e mulheres que consideraríamos es-
trelas de primeira grandeza no seu elenco: Abraão, Moisés,
Davi, Jeremias, Pedro, Paulo... Mas muitas vezes nos esque-
cemos que esses homens não foram solitários na sua jornada,
não realizaram a obra de Deus sozinhos. Abraão teve um
Eliezer. Moisés teve um Josué e um Calebe. Davi teve Samá,
Josebe-Bassebete e outros valentes lutando ao seu lado. Paulo
rodeou-se de pessoas especiais como Tito e, particularmente,
Timóteo. E é sobre esse herói pouco conhecido que quero
meditar aqui: Timóteo.
A igreja está repleta de homens e mulheres, rapazes e
moças que não são conhecidos do grande público, não têm
reputação nacional, que talvez nunca tenham subido a um
púlpito ou empunhado um microfone, mas que à semelhan-
ça de Timóteo, podem fazer grande diferença na sua gera-
ção. Esta mensagem se dirige àqueles que aparentemente
são de segundo escalão, mas que aos olhos do Senhor são
tão valorosos e especiais quanto aqueles que consideramos
de primeira grandeza.

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214 Artesãos de Uma Nova História

Timóteo era um rapaz tímido que aparentemente não ti-


nha a eloqüência de um Apolo, pois repetidas vezes Paulo o
encoraja a valorizar a sua juventude.1 A mãe de Timóteo,
Eunice, bem como sua avó, Lóide, eram mulheres piedosas,
que ensinaram a Timóteo as Escrituras Sagradas desde sua
tenra infância.2 Eunice era judia mas o pai de Timóteo era
grego. Timóteo converteu-se através do ministério de Paulo, e
mais tarde tornou-se seu fiel companheiro de viagens. Era
considerado por Paulo como um verdadeiro filho.
Apesar de jovem, tímido, mestiço e de saúde frágil, Ti-
móteo sobrepuja todas essas dificuldades e ultrapassa, na
sua carreira cristã, homens de um porte bem mais maduro
do que ele, como Tito, por exemplo. Paulo, quando escreve
algumas das cartas do Novo Testamento, como Filipenses,
Colossenses, I e II Tessalonicenses, inclui Timóteo como um
dos autores, tratando-o de parceiro e fiel cooperador. Timó-
teo galga uma posição espiritual invejável no Novo Testa-
mento, ao ponto de Paulo confiar-lhe a responsabilidade de
transmitir a mensagem a homens idôneos, que por sua vez
deveriam transmiti-la às gerações seguintes. A tocha foi en-
tregue nas mãos de Timóteo.

O que tornou Timóteo um gigante nas mãos de Deus foi o


fato de ter um referencial de vida cristã diferente da maio-
ria dos referenciais que temos hoje.
A Bíblia não expõe claramente as circunstâncias que en-
volveram a conversão de Timóteo, mas dá-nos algumas di-
cas. Em sua primeira viagem missionária Paulo curou um
coxo na cidade de Listra. A multidão da cidade, concluindo
que ele e seu companheiro Barnabé eram deuses, chama-
ram-no de Mercúrio, e a Barnabé de Júpiter, e queriam ofere-
cer-lhe sacrifícios. Mas levantou-se um tumulto, instaurou-
se uma grande confusão, e Paulo e Barnabé acabaram sendo

1
Cf. I Timóteo 4:12
2
Cf. II Timóteo 1:5; 3:14-15

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Como devo apresentar-me diante de Deus 215

apedrejados tão severamente que Paulo foi deixado como


morto.
A maioria dos comentaristas bíblicos concordam que
nesse estado, semi-morto, coberto de sangue coalhado mis-
turado com suor e poeira, Paulo tenha sido levado para re-
cuperar-se na casa de Timóteo. Lóide e Eunice o teriam rece-
bido em sua casa para cuidar dele e tratar de suas feridas. E
foi provavelmente deitado ali numa cama, moído de dor, com
o corpo todo ferido e a face coberta de hematomas, que Paulo
pregou para Timóteo.
Definitivamente, o referencial de fé na vida de Timóteo
era muito diferente do meu e do seu. Você já imaginou ouvir
a pregação do Evangelho da boca de um homem que recebe
pedradas como recompensa pelo seu ministério? Isso é com-
pletamente diferente da mentalidade atual. Queremos ouvir
a pregação do Evangelho da boca de homens bem sucedidos
e admirados pelo grande público.
Antes de converter-se, a pessoa quer saber o que vai ga-
nhar com isso, se aceitar a Cristo fará com que seus proble-
mas sejam resolvidos, que ela consiga um novo emprego, e
quem sabe, se torne famosa. Por isso gosta tanto de ouvir
pastores que subiram na vida e pregam uma mensagem de
sucesso.
Quando Paulo, porém, se converteu na estrada de Da-
masco, Jesus não lhe prometeu sucesso nem prosperidade.
Pelo contrário, mandou-lhe a seguinte mensagem pela boca
de um homem pouco conhecido: “O Senhor disse a Ananias:
Vá! Este homem é para mim um instrumento escolhido pra
levar o meu nome perante os gentios e seus reis, e perante o
povo de Israel. Mostrarei a ele o quanto deve sofrer pelo
meu nome”.3
Imagino que Timóteo, ao ouvir Paulo pregando naquele
estado, deve ter considerado que se um homem está dispos-
to a ser perseguido e morto por causa da mensagem que
3
Atos 9:15-16

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216 Artesãos de Uma Nova História

anuncia, é porque tem certeza que essa mensagem é verda-


deira. Se um homem sofre tanto e continua determinado em
seu propósito de servir a Deus e apaixonado por Jesus, é
porque sabe que esse Deus é extraordinário, e esse Jesus,
digno de ser seguido.
Millôr Fernandes, apesar de ateu, escreveu uma frase na
revista Veja que mudou a minha vida e meu conceito de mi-
nistério. “Eu não dou dois centavos por um homem que lucra
com os ideais que ele defende”. Essa frase levou-me a orar,
suplicando a Deus que nunca me permitisse pregar o Evan-
gelho visando qualquer tipo de lucro ou promoção pessoal.
Que a glória de Cristo fosse sempre meu alvo, o avanço do
reino meu objetivo, a intimidade com Deus minha motiva-
ção, e as dificuldades, degraus que me aproximassem cada
vez mais dele.
Timóteo entendeu desde o começo que a caminhada cris-
tã não era um passeio, mas uma batalha. Por isso Paulo tinha
mais tarde a liberdade de escrever-lhe: “Suporte comigo os
meus sofrimentos, como bom soldado de Cristo Jesus”.4 Ti-
móteo compreendeu que o chamado do Evangelho não era
um convite para o sucesso, mas a chamada para uma missão.
Não fomos chamados para uma vida fácil e de prosperidade
material, e sim para levar adiante uma mensagem, para abra-
çar uma causa digna de nossa própria vida.

Timóteo foi um rapaz tão especial porque tornou-se


cooperador de Paulo não por força de instituição, mas
pelo afeto e pelo carinho.
Paulo, por três vezes, se dirige a Timóteo como seu filho,
filho amado, filho querido.5 Timóteo e Paulo deixaram de
ser meros companheiros, tornaram-se amigos. De amigos,
tornaram-se irmãos e de irmãos, passaram a ter uma só
mente, a ponto de Paulo escrever a respeito de Timóteo: “Não

4
2Timóteo 2:3
5
I Timóteo 1:2; 1:8 e II Timóteo 1:2

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Como devo apresentar-me diante de Deus 217

tenho ninguém que, como ele, tenha interesse sincero pelo


bem-estar de vocês, pois todos buscam os seus próprios
interesses e não os de Jesus Cristo. Mas vocês sabem que
Timóteo foi aprovado porque serviu comigo no trabalho do
Evangelho como um filho ao lado de seu pai”.6
O que fez de Timóteo um rapaz especial é que o relacio-
namento entre Paulo e ele foi caracterizado pelo carinho e
pela apreciação mútua. Não se baseava em títulos, cargo ou
posições. Não tenho medo de exagerar ao afirmar que a única
coisa que nos faz indispensáveis no reino de Deus é o cari-
nho que manifestamos uns pelos outros. Ninguém é indis-
pensável. Morremos e a igreja continua. Paulo morreu e a
igreja continuou, Lutero morreu e a igreja continuou. Mas, e
graças a Deus por esse mas, o que nos torna especiais são
os relacionamentos. Se amo o meu irmão e ele me ama, a
igreja sobrevive à sua morte, mas a partida dele abre um
buraco no meu peito. A sua falta é sentida não tanto pelo
trabalho que realizava, mas pelo relacionamento que cons-
truímos. Todos podemos ser substituídos no que fazemos,
mas ninguém é substituído no que é, nos sentimentos que
constrói, no amor que manifesta. Eis o grande mal das igre-
jas: fazemos muito, trabalhamos sem parar, mas somos
pobres em relacionamentos. Somos colegas de ministério,
não amigos. Somos membros da mesma igreja, mas não agi-
mos como irmãos. Estamos cheios de títulos mas secos de
afeição uns para com os outros. O relacionamento entre Paulo
e Timóteo, porém, era caracterizado pelo carinho e pelo amor.

Timóteo possuía a rainha de todas as virtudes: a perse-


verança.
A rainha de todas as virtudes é a perseverança. Você pode
ser a pessoa mais honesta do mundo, se não perseverar, não
vale nada. Você pode ser o melhor pai do mundo, mas se não

6
Filipenses2:20-21

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218 Artesãos de Uma Nova História

perseverar, não vale nada. Você pode ser a pessoa que mais
ora, mas se você não perseverar, não vale nada.
Não adianta ser um sujeito extremamente honesto até o
dia em que esvazia a caixa da empresa onde trabalhou. Ser
um cristão maravilhoso, excelente pai, até que deu as costas
para a mulher e abandonou os filhos à própria sorte. O
importante não é como você começa, mas como terminará.
Paulo olhou para Timóteo e viu nele perseverança, por isso
confiou que a caminhada do cristianismo teria desdobra-
mentos e avançaria nas mãos daquele homem. Paulo tinha
sido abandonado por João Marcos, por Figelo, por
Hermógenes, por Demas, por Alexandre, por Himeneu, to-
dos abandonaram Paulo, mas ele sabia que Timóteo estaria
com ele até o fim, por causa da sua perseverança.
Quantas pessoas você conhece que prometiam tanto, que
vibravam com Deus, que se empolgavam nos cultos, reuni-
ões e congressos, evangelizavam com zelo, e hoje não fazem
mais parte da corrida, abandonaram tudo e ficaram à beira
do caminho? Faltou-lhes o mais importante: a perseveran-
ça.
Temos um grande desafio de correr a carreira que nos
está proposta e chegar ao fim diante de Deus de cabeça
erguida e mãos para cima louvando ao Senhor e dizendo:
“Tu me guardaste até aqui”. Paulo pôde chegar ao fim de
sua vida e dizer: “Combati o bom combate, terminei a corri-
da, guardei a fé”.7 Que não seja dito de você no fim de sua
vida: “Ele foi um cristão formidável... por um tempo. Não
permaneceu, não perseverou, quando as provações vieram,
jogou tudo para o ar”. Como você se apresentará diante de
Deus? Cheio de alegria por ter confiado e permanecido fir-
me, ou envergonhado por ter abandonado a carreira na
metade? Sem perseverança, tudo que você fizer de bom, perde
o sentido. Porque o prêmio, o galardão, a coroa, estão
reservados para os vencedores. Na nossa caminhada, preci-

7
2Timóteo 4:7

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Como devo apresentar-me diante de Deus 219

samos confiar no Senhor para nos sustentar em nossas fra-


quezas e declarar nossa total dependência dele, pois se ele
nos segurar pela mão, saltaremos muralhas e seremos ven-
cedores.
As cartas de Paulo a Timóteo evidenciam o ocaso de uma
geração encanecida, e o desabrochar adolescente de uma
nova era. Paulo sabia que sua morte era iminente, e tam-
bém sabia que não podia contar com Demas, nem com
Himeneu, nem com Figelo, nem com Alexandre, mas que
podia entregar a tocha a Timóteo. As duas cartas de Paulo a
Timóteo evidenciam claramente essa sua intenção, e estão
repletas de conselhos e admoestações, das quais destacare-
mos apenas quatro:

Timóteo precisava transbordar de amor para continuar


a tarefa de transformar o mundo.
“O objetivo da presente instrução é o amor que procede
de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé
sincera”. I Timóteo 1:5
Hoje ocorre na cabeça dos cristãos, uma dialética entre a
verdade, a fé e o amor, gerando uma tensão. Muitas vezes
não sabemos qual é o mais importante. Desde a reforma
protestante a verdade tem alcançado em nossas igrejas uma
primazia sobre o amor. Mas a praxe fundamental da religião
é o amor, e não a verdade. Sei que o amor sem a verdade
tende a degenerar em libertinagem. Sei que o amor sem fé
degenera em imobilismo. Mas o amor deve vir primeiro. E a
razão pela qual temos um Evangelho que é antipático a essa
geração é porque temos dado primazia à verdade, esquecen-
do-nos do amor.
A verdade sem o amor tende a discriminar, pois a verda-
de só vê o certo e o errado, o afinado e o desafinado, o bem
e o mal, o falso e o verdadeiro. A verdade discute, julga e
valoriza, mas não tem espaço para o afago, para a miseri-
córdia, para a longanimidade, para o perdão. Preocupa-me

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220 Artesãos de Uma Nova História

que sem a concretização prática desse amor estejamos mu-


tilando pelo coração a própria mensagem de Jesus, e
desnaturando a missão precípua da igreja. Preocupa-me às
vezes ver as grandes denominações reunidas para discutir
a cristologia, a soteriologia, a bibliologia, a escatologia,
mas nunca para codificar e sistematizar a prática do amor.
No entanto, a única mensagem que realmente pode trans-
formar este mundo é a mensagem do amor de Jesus Cristo,
não apenas proclamada, mas também vivida pelos seus dis-
cípulos.
O cristianismo moderno tem sido reduzido a uma sim-
ples doutrina, pois proclama que importa mais saber do que
viver. Porém, o que seria do cristianismo sem o amor, sem
esse elemento que infunde nas pessoas esperança e alegria?
A igreja do século XXI pode ser organizada, disciplinada,
obediente, mas Jesus não nos chamou para sermos uma col-
méia, um exército ou uma academia, ele nos chamou para
sermos um refúgio de amor a uma sociedade carente, pobre
e miserável.
Em João 1:14 a Bíblia fala assim a respeito de Jesus:
“Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós.
Vimos a sua glória, a glória como do Unigênito vindo do
Pai, cheio de graça e de verdade”. Atente que aqui a pleni-
tude do Filho é antes cheia de graça, e depois cheia de ver-
dade. A ordem é importante. Ele foi cheio de graça e cheio
de verdade. A graça vem antes da verdade porque Jesus
estava disposto não só a se contradizer, mas também a
contradizer a lei, os costumes e as pessoas ao seu redor,
em nome do amor.
Ao perdoar a mulher adúltera, Jesus contradisse a lei de
Moisés que mandava que tais mulheres fossem apedreja-
das. Jesus viu aquela mulher e disse aos fariseus: “Se al-
gum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar
pedra nela”.8 O amor é maior do que a lei.

8
Cf. João 8:1-11

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Como devo apresentar-me diante de Deus 221

Quando Jesus atendeu a mulher sírio-fenícia que se apro-


ximou dele rogando por sua filhinha atormentada, Jesus
contradisse a si mesmo. Ele havia dito a seus discípulos que
não deviam dirigir-se aos gentios, e disse à própria mulher
que não lhe era lícito tirar o pão dos filhos e dá-lo aos ca-
chorrinhos, mas ela usou de um argumento que despedaçou
o coração de Jesus: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos,
debaixo da mesa, comem das migalhas das crianças”. E Jesus
atendeu à oração daquela mulher.9
Quando Jesus curou num sábado um homem que tinha a
mão mirrada, ele contradisse o costume dos judeus.10
Quando um homem se aproximou de Jesus rogando por
seu filho que se encontrava endemoninhado, Jesus lançou
uma cláusula que para nós é inegociável: “Tudo é possível
àquele que crê”.11 Mas o homem, na sua desgraça e miséria
lançou-se aos pés de Jesus dizendo: “Creio, ajuda-me a ven-
cer a minha incredulidade!” E Jesus negociou até este pon-
to, o crer, e curou o filho daquele homem porque ele viu no
amor algo superior e mais forte.12
Sem amor, a nossa fé é morta, e os dons espirituais inefica-
zes. O dom de línguas se torna como um címbalo que tine, o
dom de profecia transforma-se em necromancia, os dons de
curar tornam-se em charlatanismo, os de discernimento de
espírito tornam-se em adivinhação, e a operação de milagres
se transforma em sensacionalismo. Sem amor a nossa tradição
vira tradicionalismo, a nossa teologia vira dogmatismo, a nos-
sa moral descamba para o pieguismo, e a nossa evangelização
não passa de proselitismo.

E por que não amamos?


Primeiro, porque entendemos o amor erradamente. Amor
para nós é um conceito. Fizemos dele apenas uma teologia a

9
Cf. Marcos 7:24-30
10
Cf. Lucas 6:6-11
11
Marcos 9:23
12
Marcos 9:14-27

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222 Artesãos de Uma Nova História

mais. Tentamos analisá-lo, codificá-lo, estruturá-lo, colocá-lo


em departameno. Mas amar é mais do que ficarmos brincando
com conceitos que não trazem proveito nenhum.
Outro problema básico que temos com o amor é ambiental.
Procuramos criar um ambiente com músicas suaves, o prega-
dor convida os membros da congregação a se abraçarem uns
aos outros e dizerem que se amam, quando na verdade um
não está nem um pouco preocupado com o outro. Isso não é
amor.
O terceiro problema do amor na igreja é ideológico. O nosso
amor é confundido com filantropia assistencial barata. É no
Natal arranjar um baú de roupa velha e distribuir nos orfa-
natos e nas creches. É ter um asilo com meia dúzia de velhi-
nhas mal cuidadas e vangloriar-se pelo transbordamento de
amor em sua igreja. É aquele tipo de serviço social que se
desenvolveu durante a ditadura, serviço social assistencialista
e barato, cujo patrono é Judas Iscariotes, que foi o que se
preocupou com os pobres dessa maneira. Precisamos desen-
volver amor em nossas igrejas não como uma assistência
social barata e filantrópica, mas com uma nova pregação de
justiça social. Precisamos ser desafiados a buscar nas
estruturas iníquas e perversas uma mudança que altere a
sorte de milhões de pessoas que sofrem ao nosso redor
enquanto permanecemos encastelados em nosso próprio sis-
tema que nos favorece e deixamos a sorte de nossa nação
nas mãos de uma elite que controla e que dá o tom político
com o qual muitos de nós não concordamos.13
Nosso amor precisa manifestar-se dentro e fora da igre-
ja, entre os da família da fé e para com aqueles que se en-
contram ao nosso redor.
Precisamos nos arrepender. A igreja evangélica hoje é
bem estruturada, o cristianismo moderno é bem aceito em

13
Para uma abordagem mais aprofundada deste assunto, vide livro
Santos em Guerra, do mesmo autor (Abba Press, esgotado).

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Como devo apresentar-me diante de Deus 223

muitas sociedades, mas falta amor. De colaboradores, nos


transformamos em concorrentes.
Por isso eu amo e admiro tanto a meu Deus, porque sei
que ao contrário da maioria das pessoas, ele está interessado
em mim, não no que eu faço. Uma igreja não pode ser vista
como uma colméia, onde os membros só valem pelo que
produzem. Cada pessoa é especial porque foi carinhosamente
criada por Deus como um indivíduo, com personalidade,
potencial e características próprias, distinta de todos os outros
seres humanos sobre a face da terra. Como escreveu o salmista:
“Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de
minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e
admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com
convicção. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando
em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas
da terra. Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias
determinados para mim foram escritos no teu livro antes de
qualquer deles existir.”14
Além disso, na igreja cada um é especial porque tem o
nome escrito no céu, porque faz parte da família do Senhor.
Foi isso que os discípulos aprenderam com Jesus. Eles saí-
ram pregando, curando, expulsando demônios, e quando
voltaram entusiasmados e cheios de orgulho contando para
Jesus o que tinham feito, Jesus lhes disse que deveriam ale-
grar-se não porque os demônios se submetiam a eles, mas
porque os seus nomes estavam escritos no livro dos céus.
Precisamos ser uma igreja do amor. A igreja não pode ser
uma rodoviária, onde as pessoas entram e saem, e ninguém
se dá conta. Somos família. Temos de chorar com os que
choram, valorizar uns aos outros, não pelo que produzem,
mas pelo que cada um é, e pelo que pode tornar-se em Cristo
Jesus.
O capítulo 16 do livro de Romanos é cheio de emoção, de
carinho e de amor: “Recomendo-lhes nossa irmã Febe, serva
14
Salmo 139:13-16

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224 Artesãos de Uma Nova História

da igreja em Cencréia. Peço que a recebam no Senhor, de


maneira digna dos santos, e lhe prestem a ajuda de que venha
a necessitar; pois tem sido de grande auxílio para muita
gente, inclusive para mim. Saúdem Priscila e Áqüila, meus
colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim.”15
Você estaria disposto a arriscar a vida por um irmão? Priscila
e Áqüila arriscaram a vida em favor de Paulo. Isso não traz
título nem promoção. Não é questão de ser pastor,
evangelista, bispo ou apóstolo. É questão de ter carinho um
pelo outro. E a lista é longa. Paulo vai mencionando outros,
Maria, Andrônico e Júnias, amigos na prisão, companheiros
na cadeia – não apenas colegas nas reuniões ministeriais,
mas amigos! No verso 13 Paulo diz: “Saúdem Rufo, eleito
no Senhor, e sua mãe, que tem sido mãe para mim também!”
Isto caracteriza o corpo de Cristo: relacionamentos íntimos
e achegados. O batismo que mais precisamos hoje não é
batismo de poder, mas batismo de amor. Quando a igreja for
inundada pelo amor de Cristo, o poder do Espírito Santo
fluirá de nossas vidas, e a terra se encherá da glória do
Senhor.
Mas, veja bem: a manifestação do amor não pode restrin-
gir-se ao ambiente eclesiástico. Precisamos vivenciar o outro
lado da vida, o outro lado do drama humano ao qual não
estamos acostumados. Visite a Santa Casa de Misericórdia
no setor de indigentes cancerosos terminais. Passe uma
semana numa favela. Precisamos sujar um pouco os nossos
pés, precisamos chorar a sorte de milhões de pessoas que nos
rodeiam a cujas necessidades estamos insensíveis.
Ajudar o próximo deve fazer parte de um projeto de vida,
porque se não agendarmos, nunca o faremos. Certas atitu-
des não surgem espontaneamente. Gostamos de adiar: “Qual-
quer dia eu faço, um dia tomarei a iniciativa”, pensamos.
Mas se não tivermos o firme propósito de agir em amor, um

15
Romanos 16:1-4

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Como devo apresentar-me diante de Deus 225

dia estaremos preocupados com o jogo de futebol, no dia


seguinte teremos trabalho demais, e no outro dia precisare-
mos de um pouco de lazer. E assim, adiamos de um dia para
o outro, os dias vão passando, e quando percebemos, já
chegou 31 de dezembro novamente, e não fizemos nada.
Aprendi na minha adolescência uma música que diz: “Quem
sabe faz a hora, não espera acontecer”. Precisamos nos pro-
gramar para fazer acontecer. Ajudar o próximo deve fazer
parte de uma agenda bem programada em nossa vida, caso
contrário nos perderemos na caminhada. Não existimos como
igreja para servir de ama-seca de nós mesmos. Existimos
para nos desafiar a cumprir o maior mandamento: amar a
Deus de todo o coração e ao próximo como a nós mesmos.16
Se falharmos nisso, toda a lei e todos os profetas caem por
água abaixo. Não existimos como igreja para massagearmos
os egos uns dos outros, com troca de elogios vazios. Existi-
mos como igreja para cumprir o mandato que chegou até
nós: fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a
guardar todas as coisas que Jesus ensinou.17
Temos de nos graduar dos nossos caprichos um dia. Se-
ria absurdo o Espírito Santo ter de gastar toda a energia do
céu só para cuidar dos nossos desejos mesquinhos. Um cris-
tianismo assim seria muito medíocre. Não podemos viver o
resto das nossas vidas querendo que Deus e os céus se do-
brem aos nossos pés. Temos de amadurecer, e missões é um
bom exercício para que isto aconteça. Precisamos nos engajar
em projetos concretos, disponibilizar nosso tempo e unir
nossas forças para começar a fazer diferença.

16
Mateus 22:36
17
Mateus 28:19-20

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226 Artesãos de Uma Nova História

Timóteo precisava comprometer-se com princípios e não com


estruturas para continuar a obra de transformação do
mundo.

“Timóteo, meu filho, dou-lhe esta instrução, segundo as profecias


já proferidas a seu respeito, para que, seguindo-as, você combata
o bom combate, mantendo a fé e a boa consciência que alguns
rejeitaram e, por isso, naufragaram na fé”. I Timóteo 1:8-9

Timóteo deveria combater o bom combate apoiado nos


ricos princípios do Evangelho, não em estruturas humanas,
eclesiásticas. A absolutização de nossos pontos doutrinári-
os e de nossa liturgia conduz ao grande pecado de magnificar
os nossos estilos em detrimento dos nossos princípios. O
engessamento de nossas instituições e a glorificação dos
nossos métodos é que levam as nossas denominações ao
legalismo asfixiante, trocando a vontade de servir a Cristo
pelo desejo de servir a denominação. Os apelos de fidelidade
à instituição hoje são maiores do que a própria mensagem e
exigências do Evangelho.
Essa exagerada adesão denominacional tolhe o crente
de analisar criticamente o que acontece ao seu redor. Nos-
sas estruturas eclesiásticas encontram-se nas mãos de pe-
quenas elites hierárquicas que guardam o poder com mais
cuidado do que dinheiro na Suíça, poder esse calcado na
absolutização das tradições e dos costumes, e não do Evan-
gelho, cujo espírito torna-se banalizado.
É por isso que a nossa eclesiologia gera ensimesmamento,
nossa soteriologia produz arrogância, a pneumatologia dege-
nera em emocionalismo fanático, a escatologia desemboca
em escapismo, a heresiologia torna-se intransigência, nossa
bibliologia cristaliza-se em dogmatismo e nossa antropolo-
gia gera um humanismo materialista.
Nasce também o grande perigo da denominação enten-
der-se como exclusiva portadora da salvação para os ho-
mens. Eu amo a minha denominação, agradeço a Deus por

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Como devo apresentar-me diante de Deus 227

ela, mas entendo que ela não possui exclusividade na pro-


clamação das boas novas. Toda organização, agência ou gru-
po que se basear neste livro santo que é a Palavra de Deus é
portadora do Reino.
Para enfrentarmos a próxima década precisamos de jovens
que, sem enfrentamentos polarizantes, encarem criticamente
as estruturas existentes, tornando-as atuais, legítimas e
representativas do povo a que elas servem. Ou o jovem pensa
criticamente a sua realidade e passa a ser agente de
transformação, ou deixa de ser agente de transformação e passa
a ser alguém arraigado e conservador apenas mantendo o status
quo que lhe abriga confortavelmente, atrasando a
contextualização da igreja às grandes mutações do tempo.
O ano de 1968 foi decisivo na história. E um dos livros
encontrados na lista de Best Sellers da revista Veja, por mais
de um ano, foi o livro: “1968 – O ano que não terminou”.
Zuenir Ventura, jornalista, retrata o que aconteceu no perío-
do antes e depois do AI-5. Ele se encontrava preso numa
cela no Rio de Janeiro com outros intelectuais da época, quan-
do um coronel chegou para um amigo dele, professor da
Universidade do Rio de Janeiro, e disse: “Você vai ser res-
ponsável pela limpeza da cela!”, e colocou o intelectual a
quatro pés para limpar a cela... mas com a língua! Quando o
professor começou a chorar e a desesperar-se com aquela
situação humilhante, um dos colegas de cela se aproximou
e disse: “Faça, não se preocupe, porque esse coronel vai sair
na urina da história”. Se não abrirmos os nossos olhos para
as estruturas eclesiásticas atuais, a nossa geração também
sairá na urina da história.
Se a nossa teologia é dogmática, a nossa história é
dialética. A nossa teologia é a doutrina dos apóstolos, dogmá-
tica. Mas a nossa história causa tensões, rupturas, brechas.
Andar junto causa dissensão, questionamento. Há rupturas
no nosso caminhar, mas essas rupturas são sempre recicladas
em uma nova síntese. Quando se abre uma brecha brota
algo novo. Falou-se muito mal dos pentecostais, por exemplo.

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228 Artesãos de Uma Nova História

O movimento causou brechas. Mas hoje muitos trabalham


juntos, pouca distinção se faz entre pentecostais e não
pentecostais. Nasce algo novo. Os denominacionais foram
malhados pelos pentecostais, mas hoje o labor teológico e a
reflexão dos pentecostais em muito se parecem com os dos
denominacionais. O Evangelho social já foi visto como um
vilão a ser evitado a todo custo. Mas hoje o chamado holismo
evangélico, a missão integral da igreja, a proposta de
Lausanne conseguem sintetizar o que no passado foi foco
de tensão e discórdia.
Necessitamos atualizar a igreja sem modernizá-la,
contextualizá-la sem sincretismos, desengessá-la sem
vulgarizá-la, espiritualizá-la sem mistificá-la. Se não o fi-
zermos, a igreja se encaramujará em suas estruturas e não
impactará a sociedade. Temos o dever de encorpar o discur-
so do Evangelho sob pena de não sermos ouvidos por mais
ninguém.

Timóteo precisava assumir um compromisso sério com a ora-


ção para continuar a obra de transformação do mundo.

“Antes de tudo recomendo que se façam súplicas, orações, inter-


cessões e ações de graça por todos os homens”. 1Timóteo 2:1

Se quisermos ter efeito causal no que há de vir, teremos


de fazê-lo de joelhos. Leonard Ravenhill, avivalista ameri-
cano, afirmou:

“O nosso evangelismo moderno sem oração, lustroso como aço


niquelado, organizado por computador e dimensionado pelo
marketing é tão eficaz como a história do louco que queria derre-
ter um iceberg com um palito de fósforo”.

Falta-nos oração. Falta a piedade que moveu a igreja no


passado. Vivemos um cristianismo de pouca oração. Parece-
me que a forma hoje vale mais do que o conteúdo. O

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Como devo apresentar-me diante de Deus 229

estrelismo substitui o caráter. O talento vale mais do que a


piedade. Grupos musicais cujos membros têm uma vida
desonesta, mas sabem cantar e tocar bem, têm livre acesso
ao palco da igreja. Pregadores sem vida no altar na presença
de Deus, mas com boa dose de homilética e bom raciocínio,
alcançam sucesso imediato nos púlpitos.
A nossa geração não está sendo alcançada porque falta-
nos o exercício da oração. O exercício da meditação já está
perdido, e temo que percamos também o da oração.
O que faz o peixe sofrer não é a areia, mas a proximida-
de da água que ele não consegue alcançar. O que faz o prisi-
oneiro sofrer não é a cela carcerária, mas o vento fresco que
sopra na cela e fala da liberdade. O que faz o pássaro sofrer
não é a gaiola, mas a proximidade do espaço livre do qual
ele não pode usufruir. O que faz o doente sofrer não é o leito,
mas a memória da saúde que ele perdeu. O que faz o meu
coração sofrer é saber que podemos transformar a nossa
geração, que está ao alcance das nossas mãos, mas não
conseguimos por absoluta falta de poder e de autoridade
espiritual, por falta de oração.
Grandes evangelistas caíram em total fracasso porque
substituíram a oração pelo talento, a dependência de Deus
por dinheiro. O culto virou espetáculo, as pessoas foram
trocadas pelas multidões, e o sucesso tomou o lugar do tri-
unfo e da vitória de Cristo Jesus, o Senhor.
Nada substitui a oração. Uma vida no altar deve ser
inegociável. E.M.Bounds falou o seguinte sobre a oração:

“Muita oração, muito poder. Pouca oração, pouco poder.


Nenhuma oração, nenhum poder”.

Temos a autoridade que nos foi concedida por Jesus e


temos a sua Palavra. Mas se quisermos alcançar esta gera-
ção precisamos de poder espiritual. E esse poder precisa ser
buscado de joelhos!

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230 Artesãos de Uma Nova História

Timóteo precisava se adensar sua pregação para continu-


ar a obra de transformação do mundo.

“Você, porém, ó homem de Deus, fuja de tudo isso e busque a


justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão”.
1Timóteo 6:11
Nossa pregação precisa deixar de ser palavra, e tornar-
se vida. A pregação do homem de Deus é o espessamento
das suas idéias.
No decorrer do século XX houve duas grandes crises no
cristianismo. A primeira crise aconteceu na virada do sécu-
lo. Foi uma crise de veracidade. Levantaram-se estudiosos
que questionavam a autoria dos livros da Bíblia. Suspeitou-
se do cânon sagrado. Corrigiram-se datas. Suspeitou-se que
a expiação pelo sangue era misticismo judaico, e a doutrina
da justificação foi substituída pelo universalismo. A grande
questão naquela época era: A Bíblia é ou contém a Palavra
de Deus? Eles queriam saber se tudo aquilo era verdade
mesmo, se Jesus era histórico ou não passava de um mito.
Essa foi a crise do final dos anos 1800. Mas hoje a crise não
é mais de veracidade. A grande crise do cristianismo no final
do século XX é uma crise de credibilidade. Sabemos que isso
tudo é verdade, mas será que funciona mesmo? O vazio entre
a nossa ortodoxia e nossa ortopraxia necessita ser aplainado.
Fico apreensivo com a facilidade com que conseguimos
desfigurar o Evangelho nessa virada de século. Criamos ex-
pressões dentro da igreja que apenas apontam para a nossa
fragilidade, tipo “crente domingueiro”, “crente carnal”. Aliás,
para mim essa expressão “crente carnal” é uma aberta afronta
a I Coríntios 3. Ali Paulo não está falando de crentes
descompromissados, mas de novos convertidos que ainda têm
traços de sua carnalidade. Paulo não está falando em I Coríntios
3, daqueles que sabem papagaiar os catecismos das suas igrejas,
mas que não têm compromisso com Jesus, que não levam Deus
a sério e nada sabem do senhorio de Cristo. As igrejas

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Como devo apresentar-me diante de Deus 231

encontram-se lotadas de pessoas que nada sabem sobre uma


conversão radical, uma entrega total, que não levam Deus a
sério, e os pastores, por não saberem o que fazer com essas
pessoas rotulam-nas de “crentes carnais”.
John Stott, em seu livro: “O Cristão em uma Sociedade
Não-Cristã”, afirma:

“Parece quase impossível que alguns evangelistas ensinem que se


pode aceitar Jesus como Salvador deixando para mais tarde o
render-se a ele como Senhor. Justamente porque ele é Senhor é
que ele tem a possibilidade de salvar”. 18

Atualmente, há muitos nas igrejas dizendo conhecer a


Jesus como Salvador, mas não como Senhor. “Claro que quero
ir para o céu”, dizem, mas permitir que Jesus tenha o domínio
sobre suas vidas, isso não querem.
Jesus não pode ser seu Salvador se ele não for o Senhor
da sua vida. E enquanto ele não for o Senhor de suas vidas
e elas não se moldarem à palavra do Evangelho que ensina-
mos, essa pregação será vazia, oca e sem poder, e o Evange-
lho ficará comprometido por causa de nossas vidas irres-
ponsáveis.
“Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se
vocês se amarem uns aos outros”. 19 Nossa pregação precisa
concretizar-se. Quando as pessoas começarem a ver que a
palavra que anunciamos realmente funciona em nossas vidas,
faz diferença e realmente transforma, então começaremos a
ganhar credibilidade. Que o amor concreto, sincero e verdadei-
ro torne visível e palpável o nosso discurso, e então, somente
então, começaremos a alcançar a nossa geração.

18
John R. W. Stott, O cristão em uma sociedade não cristã, Vol. 1, p. 43.
19
João 13:35

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Ed.


Record, 1951.
CONDE, Emílio. Pentecostes para Todos. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora da Assembléia de Deus. s/d.
GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era. 5a ed. São
Paulo: Ed. Abba Press, 1999.
GONDIM, Ricardo. Santos em Guerra, 4a ed. São Paulo: Ed.
Abba Press, 1999.
LEWIS, C.S. The Weight of Glory, revised and expanded
edition, New York: Macmillan, 1980.
MAY, Rollo. A Coragem de Criar. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira.
SANTINI, A. Momentos de Amor com Deus. Rio de Janeiro:
Ed. Record, 1991.
SPURGEON, C.H. Lições aos meus alunos. São Paulo: Publi-
cações Evangélicas Selecionadas, 1982.
VIEIRA, Padre Antonio. Sermões. Porto: Lello & Irmãos
Editores, 1993.
WEIL, Simone. Waiting for God. New York: Harper & How
Publishers, 1951.

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