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INSTITUTO TEOLÓGICO DO PARANÁ - ITEPAR


MESTRADO EM TEOLOGIA

DEUS ESTÁ NO CONTROLE

UM ENSAIO TEOLÓGICO SOBRE O SOFRIMENTO

Por

ALAID SCHIAVONE SCHIMIDT

Maringá, PR, julho de 2007.


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INSTITUTO TEOLÓGICO DO PARANÁ - ITEPAR


MESTRADO EM TEOLOGIA

DEUS ESTÁ NO CONTROLE


UM ENSAIO TEOLÓGICO SOBRE O SOFRIMENTO

por

ALAID SCHIAVONE SCHIMIDT

Monografia submetida à avaliação,


como requisito para a obtenção do grau de Mestre
em Teologia com especialização em Psicologia Pastoral

Prof. Luiz César Costa


Diretor e Orientador

Maringá, PR, julho de 2007.


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CIP – CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

SCHIAVONE SCHIMIDT, Alaid.


Deus está no Controle. Um ensaio teológico sobre o
sofrimento/ Alaid Schiavone Schimidt. – Maringá: ITEPAR,
2007. 133 f.:il.
Monografia (mestrado) – Instituto Teológico do Paraná.
Curso de Mestrado em Teologia. Maringá, BR-PR, 2007.
Diretor e Orientador: Pr. Luiz César Costa.
1. Teologia. 2. Teologia Pastoral. 3. Psicologia Pastoral. 4.
Teologia do Sofrimento. 4. Soberania de Deus. 5. Sofrimento.
I. Alaid Schiavone Schimidt. II. Título.
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INTERCESSÕES
Huub Oosterhuis

Por todos os que são crucificados,


como teu Filho;
Por todos os homens abandonados,
nós te rogamos.
Por todos os que não podem mais
suportar a situação em que se acham.
Por todos os que vivem no sofrimento,
não percebendo o seu sentido, nem seu fim,
nós te rogamos, Senhor.
Por todos os que se revoltam,
que não sabem mais irradiar, nem agir.
Por todos os implacáveis e rancorosos,
os arrogantes e os cínicos;
Torna-os, Senhor, mais indulgentes,
abre de novo seus olhos
para a bondade possível entre os homens,
para que vejam tua criação
e o futuro que lhes reservas.
Por todos os que são acusados,
que vivem oprimidos pela perseguição e calúnia.
Por todos os que, por sua dureza
para com os outros,
perderam a confiança em si mesmos.
Por todos os que não encontram compreensão,
nem uma palavra sequer de lenitivo,
que não encontram alguém que os queira aceitar.
Por todos os que são inibidos ou ansiosos,
por todos os angustiados e tensos;
por todos os que são vítimas
de chantagem ou corrupção;
por todos os que são obrigados
a viver na injustiça,
presos nas engrenagens de um sistema inumano,
sem dele poderem sair,
nós te rogamos, Senhor.
Por todos os que mergulham no desânimo,
vendo o mal espalhado no mundo.
Por todos os otimistas;
por todos os corajosos
e por todos que sabem ser amigos,
para que permaneçam firmes na hora da provação
e que seu apoio nunca nos falte.
Oramos por todos aqueles
que não têm beleza nem encanto,
atraindo os olhares.
Por todos os que não são semelhantes aos outros,
os mongolóides e excepcionais,
os instáveis e mutilados,
os doentes incuráveis.
Pedimos, Senhor, que nos ajude a descobrir
o sentido da Tua presença neste mundo.
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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os que, sofrendo os reveses da vida, buscam uma solução em Deus,
desejando aplainar os seus caminhos pela Palavra do Senhor.

Aos necessitados, amados de Jesus, que esperam visualizar uma luz no final do túnel.

Aos que, apesar de ventos e tempestades, continuam com seus pés firmes na Rocha Eterna,
Jesus Cristo, que pode levá-los a um lugar seguro.

Aos que estão no fundo do poço e ainda crêem que ali existem águas abundantes, suficientes
para trazê-los de volta à terra firme.

UM BREVE TESTEMUNHO QUE JUSTIFICA MINHA DEDICATÓRIA

Em fevereiro de 1987, quando atravessávamos uma situação bastante difícil em


nossas vidas, tive uma experiência tão gloriosa, que até hoje alimenta a minha alma.
Tínhamos três filhos menores de quatro anos, nossa mudança estava num quarto da casa de
minha mãe e não tínhamos nenhuma visão da vontade de Deus para aquele momento.
Desempregados, sem orientação para assumir a direção da obra de Deus em tempo integral,
vivíamos um momento deveras angustiante.

Uma noite, após orar com os meninos e deixá-los dormindo, entrei naquele quarto
cheio de móveis e caixas, onde havia somente um espaço para se ficar em pé, entre a porta e um
armário. Ali me escondi, colei meu rosto junto ao móvel e falei com Jesus: “Senhor, não resta
em mim condições para dar um passo sequer, nesse vale escuro que estamos atravessando”.
Lágrimas copiosas desciam dos meus olhos e soluços abafados me sufocavam a garganta.

Foi então que o Senhor me envolveu em um êxtase espiritual e tive uma visão
maravilhosa. Vi uma rocha firme, alta. Sobre ela estávamos nós cinco: meu marido e eu
abraçados e nossos filhos agarrados em nossas pernas. Soprava um vento ameaçador,
pavoroso, e nós balançávamos sob a ação de sua força. Chegávamos quase a roçar o chão com
os rostos, porém nossos pés estavam fincados naquela rocha e não podíamos ser lançados fora
e nem despedaçados. Notei que, quanto mais sopravam os ventos, mais nossos pés fincavam
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na rocha, até que fomos totalmente imersos nela. Chegou o momento que não se enxergava
mais nenhum de nós, somente a rocha.

Em seguida, tive outra visão. Estávamos, meu marido e eu no fundo de um poço


estreito e escuro, com águas tão rasas que nem sequer cobriam nossos pés. Ficamos olhando
para cima e clamando, esperando que alguém nos atirasse uma corda, algo que nos levantasse
dali. Nada aconteceu. Em meio às lágrimas que derramávamos, começamos a glorificar a
Deus e a louvá-Lo por estarmos naquele lugar tão triste. De repente, as águas começaram a
brotar do fundo do poço e ele foi se enchendo, até que se tornou em um jato muito forte que
nos lançou para fora do poço, sem ajuda humana ou esforço nosso. Quando caímos em terra
firme, vimos que havíamos sido lançados em um campo de trigo alto, pronto para a colheita.
Uma brisa suave soprava e balançava os cachos de trigo. Saímos alegres e felizes, colhendo o
trigo e enchendo nossos braços com os molhos que colhíamos.

Entendi, naquele momento sublime, que Deus estava conosco nos momentos
angustiantes por que passávamos. Ele tinha um propósito glorioso em toda aquela situação.
Algo haveria de acontecer em nossas vidas e ministério que O glorificaria. Lembrei-me do
texto em Isaías 43.1-3, que diz:

[...] não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando
passares pelas águas estarei contigo; e quando pelos rios, eles não te submergirão;
quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu
sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador.

Como já disse, até hoje essa experiência alenta minha alma e sustenta a minha vida.
Tenho verificado, com certeza, que o homem não “vive só de pão, mas de toda palavra que
sai da boca de Deus”. Como o pão que nos sustenta o corpo, a Palavra de Deus revelada e
aquela que é escrita particularmente em nosso coração, sustenta a nossa fé e esperança de dias
melhores, de vida feliz com Jesus, aqui na terra e, no porvir, no céu de glória que Ele foi
preparar para nós. Minha esperança é que a Rocha apareça e nós sejamos diminuídos,
conforme a visão, e que até o fim de nossas existências possamos colher muitos frutos no
reino de Deus e para a Sua glória.
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AGRADECIMENTOS

- Ao trino Deus, que cooperou conosco em todos os momentos deste Curso.

- Ao Pr. Claudio Schimidt, querido esposo, pela muita paciência e ajuda.

- Aos filhos: Eliel, Ariel e Claudio Júnior; às noras Maheli Jaqueline, Geisy Carla e Ariela;
aos netos João Vítor e Ana Vitória, fontes permanentes de inspiração.

- Ao ITEPAR, especialmente o Pr. Luiz César, que tanto favoreceu para atingirmos este ideal.

- Às companheiras de curso: Aparecida Schiavone Moraes e Amélia Capelasso.

- Às amigas queridas, ao Círculo de Oração e Mocidade da 2ª. Igreja Presbiteriana Renovada


de Maringá, pelas muitas intercessões.

- Aos pastores e mestres que Deus colocou em meu caminho para o ensino da Palavra, o
aconselhamento e aperfeiçoamento na fé.

- In memorian: Devige Crepaldi Schiavone, mãe querida e abnegada companheira; e Neuza


Alves, querida amiga e intercessora.
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 10
Metodologia ....................................................................................................................... 11
Objetivos............................................................................................................................. 11
1. A UNIVERSALIDADE DO SOFRIMENTO ...................................................................... 12
1.1. A DÚVIDA UNIVERSAL....................................................................................... 12
1.2. A REALIDADE UNIVERSAL .............................................................................. 12
1.3. TEODICÉIA ........................................................................................................... 14
2. ACONSELHAMENTO PASTORAL ........................................................................ 15
2.1. A atividade conselheira ........................................................................................... 15
2.1.1. Psicologia Pastoral ......................................................................................... 16
2.1.2. Poimênica ....................................................................................................... 17
3. AS PRINCIPAIS RELIGIÕES E O SOFRIMENTO ............................................... 20
3.1. Cristianismo - Catolicismo Romano ........................................................................ 20
3.1.1. A Missa........................................................................................................... 21
3.1.2. A Regra Beneditina ....................................................................................... 22
3.1.2. O Purgatório.................................................................................................... 24
3.2. Budismo ................................................................................................................... 26
3.3. Espiritismo ............................................................................................................... 28
3.4. A filosofia Hinduísta - Os Vedas e o Vedanta ......................................................... 31
3.5. O Movimento Nova Era ........................................................................................... 34
3.6. Islamismo ................................................................................................................. 38
3.7. A visão de Freud (Psicanálise) ................................................................................. 40
4. TEOLOGIAS DA MODERNIDADE X SOFRIMENTO .......................................... 49
4.1. TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ........................................................................ 49
4.2. QUEBRA DE MALDIÇÕES .................................................................................. 53
4.2.1. Maldições hereditárias .................................................................................. 53
4.2.2. Maldições de nomes próprios ....................................................................... 54
4.2.3. Maldições recebidas de terceiros .................................................................. 60
4.3. BATALHA ESPIRITUAL ...................................................................................... 62
4.4. UM FUNDO DE VERDADE .................................................................................. 66
5. O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE O SOFRIMENTO .................................................. 70
5.1. A REALIDADE DA DOR, NO CORPO, NA ALMA E NO ESPÍRITO ............... 71
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5.2. ORIGEM DO SOFRIMENTO ................................................................................. 72


5.3. CAUSAS DO SOFRIMENTO ................................................................................. 76
5.3.1. O sofrimento do não-crente ............................................................................ 76
5.3.2.O sofrimento do crente .................................................................................... 78
5.4. ASSUNTO INCOMPLETO ..................................................................................... 89
5.5. O CONSOLO DO CRENTE .....................................................................................
89
6. SOFRIMENTO x PROVAÇÃO x TENTAÇÃO ........................................................ 91
6.1. Causas da provação .................................................................................................. 92
6.2. Objetivos da provação ............................................................................................... 95
7. O SOFRIMENTO E OS AJUSTAMENTOS HUMANOS ........................................ 101
7.1. SUBLIMAÇÃO ....................................................................................................... 103
7.1.1. Sublimação x formação reativa ...................................................................... 106
7.2. ESCAPISMO OU FUGA ......................................................................................... 111
7.2.1. Tipos mais comuns de escapismo ............................................................. 113
7.2.2. O escapismo religioso ..................................................................................... 114
7.2.3. Escapando para Deus ...................................................................................... 116
7.3. PASSIVIDADE ....................................................................................................... 118
7.3.1. O ataque .......................................................................................................... 122
7.3.2. Acomodação .................................................................................................... 122
7.3.4. Manipulação .................................................................................................... 124
7.4. FATALISMO ........................................................................................................... 126
7.4.1. Negativismo .................................................................................................... 127
7.5. ISOLAMENTO .......................................................................................................
128
7.5.1. Projeção ..........................................................................................................
129
7.5.2. Repressão ........................................................................................................
130
7.5.2.1. Formação de reação - Identificação Defensiva ............................................
131
7.6. FANTASIA .............................................................................................................. 131
7.7. REGRESSÃO .......................................................................................................... 132
10

7.8. O VERDADEIRO AJUSTAMENTO ..................................................................... 133


8. A ATITUDE BÍBLICA DIANTE DO SOFRIMENTO ............................................ 136
GLOSSÁRIO DE TERMOS ........................................................................................... 148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 151

INTRODUÇÃO

A dor e o sofrimento são companheiros indiscutíveis na jornada de todo ser humano.


Infelizmente, todos sofrem, com maior ou menor intensidade. Mesmo se existir alguém mais
afortunado em todas as áreas da vida, terá, invariavelmente, que se defrontar com o
sofrimento da morte, sua e de pessoas queridas. Nosso contato permanente com pessoas que
lutam ou para carregar ou para se desvencilhar das suas cruzes, bem como estranhezas
surgidas no ensino teológico contemporâneo, têm nos despertado para estudar esse assunto.

Por que o homem sofre tanto? Por que Deus permitiu que o sofrimento e a dor
entrassem na vida do homem? Qual a razão do sofrimento? Onde fica Deus quando e
enquanto estamos sofrendo? Por que Deus não nos livra de imediato de todos os sofrimentos?
Que explicações as diferentes religiões dão acerca do assunto? Que resultados o sofrimento
pode trazer no caráter e na personalidade do ser humano? Qual o remédio para mitigar a dor
que enfraquece a carne e dilacera a alma? Haverá um final feliz para o homem sofredor? Qual
a postura cristã diante do sofrimento?

O filósofo Epicuro fez a seguinte citação:

Ou Deus deseja remover o mal deste mundo, mas não pode fazê-lo, ou ele pode
fazê-lo, mas não o quer; ou não tem nem a capacidade e nem a vontade de fazê-lo;
ou, finalmente, ele tem tanto a capacidade como a vontade de fazê-lo. Ora, se ele
tem a vontade, mas não a capacidade de fazê-lo, então isso mostra fraqueza, o que é
contrário à natureza de Deus. Se ele tem a capacidade, mas não a vontade de fazê-lo,
então Deus é mau, e isso não é menos contrário à sua natureza. Se ele não tem nem a
capacidade e nem a vontade de fazê-lo, então Deus é ao mesmo tempo impotente e
mau e conseqüentemente, não pode ser Deus. Mas se ele tem tanto a capacidade
como a vontade de remover o mal do mundo (a única posição coerente com a natureza
de Deus), de onde procede o mal (unde malum?), e por que Deus não o impede?
(CHAMPLIN, 2001, pg.5067)

Estas e tantas outras perguntas afligem o ser humano e nos desafiam todos os dias,
em trabalhos de aconselhamento. Muitos tentam explicar esse dilema com filosofias,
pensamentos, fórmulas, doutrinas, como veremos no decorrer do trabalho. Porém existe
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somente uma fonte fidedigna de onde podemos extrair respostas convincentes e satisfatórias
para tal assunto: a eterna e infalível Palavra de Deus. Como escreveu o apóstolo Paulo: “Toda
a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação em justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente
habilitado para toda boa obra”, 2 Tm 3.16,17.

As formas com que o ser humano reage ao defrontar-se com a dor são fundamentais
para os próximos passos a dar na sua caminhada terrena, bem como essenciais para o seu
encontro com a eternidade. O sofrimento pode contribuir para que o mal se instale
completamente na personalidade do indivíduo, ou pode melhorar sensivelmente o seu íntimo e
aperfeiçoar definitivamente o seu caráter. Tal observação justifica a nossa tentativa de
explicar o sofrimento e buscar o sentido bíblico de sua existência, bem como a maneira
correta de reagir perante a sua realidade.

Metodologia

Desenvolvemos o presente trabalho basicamente com pesquisas bibliográficas e


eletrônicas. Ele também é fruto de experiências vivenciadas no decorrer de anos de
aconselhamento e atendimento pastoral. Para preservar a identidade de pessoas, nas
ilustrações apresentadas, utilizamos nomes fictícios.

Objetivos

a) Geral

Apresentar a monografia de término do curso de Mestrado em Teologia, visando à


habilitação em Psicologia Pastoral.

b) Específicos

a) Elaborar um ensaio teológico acerca da realidade, das causas e conseqüências do


sofrimento humano.
b) Analisar alguns pontos de vista religiosos e seculares acerca do sofrimento.
c) Efetuar uma tentativa de identificação e explicação do sofrimento humano à luz
das Escrituras Sagradas.
d) Apresentar algumas formas de reações humanas diante do sofrimento.
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e) Procurar analisar os propósitos divinos para a permissão do sofrimento humano e a


postura adequada do cristão diante deles.

1. A UNIVERSALIDADE DO SOFRIMENTO

Achamos conveniente iniciar nosso ensaio falando sobre a dúvida universal a


respeito da existência da dor e a realidade também universal acerca do sofrimento.

1.1. A DÚVIDA UNIVERSAL

Como o sol brilha sobre todos, justos e injustos, bons e maus, também as intempéries
atingem a todos: fomes, guerras, terremotos, vendavais, maremotos, abalos sísmicos,
desabamentos, inundações, frio ou calor intenso, o efeito estufa, alimentação prejudicada pelos
inseticidas, afinal, o caótico quadro de desolação que abala o universo. O profeta Isaías teve essa
visão do sofrimento generalizado e dos transtornos sofridos pela terra em sua totalidade. Assim
lemos em 24.1-5a:      

Eis que o Senhor esvazia a terra, e a desola, e transtorna a sua superfície, e dispersa
os seus moradores. E o que suceder ao povo, sucederá ao sacerdote; ao servo, como
ao seu senhor; à serva, como à sua senhora; ao comprador, como ao vendedor; ao
que empresta, como ao que toma emprestado; ao que dá usura, como ao que paga
usura. De todo se esvaziará a terra, e de todo será saqueada, porque o Senhor
pronunciou esta palavra. A terra pranteia e se murcha; o mundo enfraquece e se
murcha; enfraquecem os mais altos do povo da terra. Na verdade a terra está
quebrantada por causa de seus moradores.

   Além desse quadro pintado pela natureza principalmente pela ação inconseqüente do
ser humano na utilização da mesma, existe a triste realidade dos problemas emocionais,
sentimentais, desajustes familiares, doenças, deformidades, herança genética, acidentes e tudo o
mais que afeta a integridade do ser humano. Tudo isto causa dor, sofrimento, tristeza, vexame.

São de âmbito mundial no coração humano, inclusive dos crentes, algumas


perguntas: “Se Deus é nosso Pai, por que Ele permite a guerra, a violência, o ódio, a doença, a
fome?”; “Por que Ele permite que seus filhos sofram?”; “Será que eu sofro tanto porque Deus
me odeia?”; “Por que eu (ou alguém que eu amo) e não os delinqüentes, os inconversos?”.
Ademais: “Por que Deus, sendo soberano e tendo o controle de tudo, permite que essas
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condições subsistam?”; “Se Deus sabia que o homem sofreria tanto com a tentação do Éden,
por que Ele não impediu, sendo bom e justo em Seu caráter?”.

O clamor é geral: “Por favor, me ajudem!”. O apelo por ajuda indica que existem
pessoas submetidas a muitos sofrimentos, que desejam entender a razão deles em face de um
Deus que é Pai de misericórdia: “Compassivo e misericordioso é o Senhor, paciente e cheio
de misericórdia; o Senhor é suave com o mundo todo, e suas misericórdias se estendem sobre
todas as suas obras”, Sl 144.8-9. Como explicar, então, que Deus permita que soframos? Se
somos Seus filhos e Ele é Todo-Poderoso, por que não impede que a aflição nos atinja? Jó
também perguntava, em seu sofrimento: “Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a
minha transgressão e o meu pecado. Por que escondes o teu rosto, e me tens por teu
inimigo?”, Jó 13.23,24.

1.2. A REALIDADE UNIVERSAL

As perguntas têm um alcance mais profundo do que as pessoas imaginam ao


formulá-las. Com efeito, elas infundem a meditação numa verdadeira teologia: a teologia do
sofrimento. Assunto pouco debatido, porém necessário, o sofrimento, queira ou não, faz parte
do cotidiano de todas as pessoas e requer uma resposta satisfatória, o que as religiões tentam
oferecer. Falando a uma pessoa sobre a escolha deste tema, ela zombou, perguntando: "Por
que não uma monografia sobre a alegria? Imagine, perder tempo estudando sobre o
sofrimento!". Nem respondi, por amor e respeito à pessoa. Mas deixar de constatar a realidade
da dor na vida do ser humano, é como querer tapar o sol com a peneira.

Os questionamentos acerca da existência e permissão do sofrimento incidem sobre


uma discrepância fundamental entre o espírito do crente e o mundo sem Deus. Esse ponto de
discrepância consiste na seriedade com que as pessoas encaram a vida nesta Terra. Na
verdade, o inimigo da Igreja e das almas sempre procurou transferir os debates teológicos
acerca do sofrimento e do mal para o âmbito puramente filosófico ou teosófico. Causas,
razões, origens, objetivos do sofrimento, já foram muito discutidos pelos pais da Igreja.
Porém, o astuto adversário sempre procurou desviar os homens dessa realidade. E mais:
procurou introduzir outros aspectos doutrinários que levam o ser humano à aceitação passiva
do sofrimento ou à sua completa rejeição.
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Ouvimos um comentário de que, no Calvário, havia três cruzes: a de Cristo e as dos


ladrões, para nos ensinar que todos os homens sofrem. Sofrem os inocentes, como Cristo.
Sofrem os pecadores arrependidos, como o ladrão abençoado por Jesus. Sofrem os pecadores
empedernidos e revoltados, como o mau ladrão. Todos sofrem. Como já vimos, mesmo se
ocorrer o milagre de alguém não sofrer nesta terra, a angústia da morte o acarretará.

  Assim escreveu Atanásio:

 O sofrimento é inegavelmente o conceito mais democrático de todos, não deixa


ninguém de fora, mantém a todos debaixo de seu comando. Seja lá qual for a razão,
todos de alguma maneira, sofremos com algo, procuramos um bem-estar físico que
não existe, pois já nascemos doentes. Procuramos um equilíbrio ou serenidade na
vida, mas esquecemos que a dialética cotidiana é implacável, propondo novidades a
cada instante. Enumerar todas as razões frustrantes e geradoras de dor do ser
humano seria, na verdade, adicionar mais um elemento dolorido a esta leitura,
trazendo à memória dores que não precisam ser lembradas, que sozinhas já nos
lembram de sua existência. Nesta democracia dolorosa, por muitas vezes pergunta-
se onde está a intervenção divina, alguns até chegam a afirmar que o “totalmente
outro” é tão outro, que não se importa com a vida e muito menos com as dores
humanas [...] o divino, não está alheio ao sofrimento, pois sofreu integralmente na
paixão de Cristo [...] além do óbvio sofrimento de Jesus, outros aspectos do
sofrimento de Deus devem ser observados [...] o “totalmente outro”, não é senão
aquele que está totalmente perto. (www.mundodosfilosofos.com, “Pensamentos,
frases e fragmentos”).

O sofrimento é uma realidade tão clara, que a ciência cristã desenvolveu uma área
chamada de Teodicéia, a qual analisa e justifica a aparente discrepância entre a bondade de
Deus e a maldade presente na existência humana.

1.3. TEODICÉIA

Segundo define Champlin, a palavra Teodicéia vem do grego theos (Deus) + dike
(justiça). No uso, ela designa a controvérsia sobre como podemos reconciliar a existência do
mal com a bondade e onipotência de Deus. Leibniz, citado pelo autor, usou o termo pela
primeira vez em 1710. A teodicéia é a “Teoria para justificar a bondade de Deus em vista da
existência de maldade no mundo”. Na teodicéia examinamos e justificamos a conduta de
Deus no mundo. (CHAMPLIN, Dicionário, 2001, p.5067).

O autor ainda expõe que esta palavra também designa o ramo da filosofia que trata
do ser, das perfeições e do governo de Deus e da imortalidade da alma. Sendo muito ampla, a
teodicéia, neste sentido, naturalmente trata do problema do mal, especialmente nas discussões
sobre conceitos do governo divino, mas a primeira definição é aquela que é especificamente
envolvida no problema do mal.
15

Portanto, existe um ramo da ciência cristã que trata acerca da existência da dor, do
sofrimento, e o papel que Deus desempenha dentro desse quadro caótico vivenciado pela
humanidade.

2. O ACONSELHAMENTO PASTORAL

Embora existam muitos aspectos em que o trabalho pastoral deve ser direcionado,
como finanças, administração, edificações, contatos com lideranças, o homem e a mulher de
Deus jamais podem se alhear do seu principal desempenho, que é o cuidado com as almas
humanas. O pastor dirige um rebanho - o rebanho do Senhor: “[...] somos o seu povo e o
rebanho do seu pastoreio”, Sl 100.3c. Como disse Paulo em 1 Co 3.9: “Somos cooperadores
de Deus”. E Pedro: “Quanto a nós (os pastores), nos consagraremos à oração e ao ministério
da palavra”, At 6.4.

O prefixo “co” (cooperadores, p.ex.) representa, no latim, “contigüidade”;


“companhia”; “complemento”. Isto indica que servimos ao lado do Senhor, para cuidarmos,
aqui na terra, do Seu rebanho e realizarmos nele as obras que o Supremo Pastor deseja
realizar. Isto é, Deus nos levantou para curar os enfermos, libertar os oprimidos do diabo,
salvar os homens pela pregação do Evangelho da paz e trazer alegria ao sofrido coração
humano (Mt 10.5-15; 28.18-20; Mc 16.15-18; Is 61.1-3). “Assim como o Pai me enviou, Eu
vos envio a vós”, Jo 20.21.

2.1. A ATIVIDADE CONSELHEIRA

Muitos cristãos são “conselheiros de corredor”, isto é, aproveitam ocasiões informais


para ouvir pessoas e interagir com elas, em busca de ajuda para questões da vida. Quando
alguém é abençoado por Deus, não tem como evitar o ser abordado por quem gostaria de
saber qual a razão da esperança que transparece em seu estilo de vida. Não só o pastor ou
conselheiro pastoral interage com vidas que sofrem, mas o professor de Escola Bíblica, o líder
de departamento, o ancião de respeito, o profeta, todos sabem que a grande maioria das
conversas conselheiras se desencadeia mediante a dor e o sofrimento. Nem é preciso ter um
gabinete para o aconselhamento, porque tais situações não têm locais, nem hora, nem
16

costumam avisar quando aparecem. Elas são reais, palpáveis, e precisam de soluções
plausíveis ou, pelo menos, sustentáveis para o coração sofredor.  

O trabalho pastoral é dirigido essencialmente para Deus e para os homens. Como a


cruz de Cristo, que indica-nos o caminho de Deus para os homens em sua haste vertical e o
amor de Deus para com os homens em sua haste horizontal, assim também é o trabalho
daquele que serve a Deus e à Igreja de Deus. Ele “abraça” os homens com todos os seus
traumas, frustrações, defeitos, imperfeições, dúvidas, dores e temores, e aponta-lhes o
caminho do Alto: o caminho para Deus, que pode e quer curar todas as feridas físicas,
morais e espirituais do povo. “E Jesus, saindo, viu uma grande multidão e,m possuído de
intima compaixão para com ela, curou os seus enfermos”. “[...] e trouxeram-lhe todos os
que estavam enfermos [...] e todos os que o tocavam ficavam sãos”, Mt 14.14, 35, 36.

2.1.1. Psicologia Pastoral

O Pastor Waldir Humberto Schubert (in: www.an.com.br) coloca que a psicologia


pastoral surgiu para vir ao encontro das necessidades de muitas pessoas que sofrem e
procuram por ajuda. Ele diz que é uma sub-disciplina da teologia pastoral: “Ela resultou do
diálogo e da cooperação entre médicos e pastores”. Por ser uma disciplina nova, suas
atribuições e seu campo de competência ainda não estão claramente delineados. Um aspecto,
porém, está definido: ela pretende aplicar conhecimentos e recursos da psicologia à prática
pastoral. Se a Psicologia é a “ciência da alma”, seus ensinamentos devem favorecer e
abençoar os homens que são portadores dessa alma.

O referido pastor admite que a psicologia pastoral tenha surgido num momento
oportuno, no qual se observa um fracionamento crescente da psicologia em escolas
psicoterapêuticas as mais diversas, cada uma com premissas, métodos e objetivos diferentes,
sendo que a psicanálise de C. G. Jung, a terapia centrada no paciente de Carl Rogers e mais
recentemente a logoterapia de Victor Frankl são as escolas que mais têm encontrado
ressonância nos meios eclesiásticos e poimênicos.

Para Jung, as atividades psicoterapêuticas e a poimênica (vide a seguir) não se


excluem, mas se complementam mutuamente. Tanto a psicologia como a poimênica são
tentativas humanas e, por isso mesmo, limitadas para resolver problemas. Registrou o Pr.
Waldir Humberto em seu artigo:
17

E não será com atitudes arrogantes e auto-suficientes de lado a lado que iremos
avançar na tarefa comum de curar males. Isso não significa, por outro lado, diluir
diferenças e deixar de apontar com clareza e objetividade crítica as limitações, as
possibilidades e as características de cada uma dessas disciplinas [...] Neste nosso
mundo globalizado, se faz cada vez mais necessário o diálogo interdisciplinar,
visando ao bem-estar de todos os homens e do homem como um todo.

As pessoas procuram ajuda pastoral nas mais diferentes situações de suas vidas. No
caso específico da depressão, p.ex., chamada “a doença do século”, a psicologia pastoral tem
uma contribuição importante a dar. Diz o Pr. Waldir:

O objetivo da psicologia pastoral em relação à depressão é mediar algo do amor de


Deus, não só através da palavra falada, mas também do gesto e da postura de quem fala,
de modo que o necessitado, sentindo a atenção e o carinho do conselheiro, também
experimente algo do amor divino.

Segundo Clinebell (1987), a psicologia pastoral é a utilização de uma variedade de


métodos de cura para ajudar as pessoas a lidar com seus problemas e crises de uma forma
mais conducente e a experimentar a cura de seu quebrantamento. O individualismo e o
isolamento são marcas de um mundo pós-moderno, onde tudo está sujeito às relações, às leis
de mercado, até mesmo as leis interpessoais. A conseqüência é a experiência cada vez maior
de solidão e depressão, por isso a necessidade de relações pessoais autênticas é grande: “Não
há melhor terapia do que relações humanas sadias”.

O pastor, de per si, também é um indivíduo que sofre retaliações inúmeras do


inimigo da Igreja, ele também tem necessidades e desafios, mas o conhecimento de quem está
por trás do sofrimento e quem pode solucioná-lo, é primordial para o seu desempenho junto a
si próprio, junto à sua família e junto ao rebanho que busca o seu aconselhamento. A o lado
do aspecto administrativo e funcional, e juntamente com as preocupações dos pormenores
do seu ministério, deve ter uma profunda visão da dimensão do seu chamado :

Isto significará a mudança, de uma rotina ocupada, externa e ritualística, para uma
participação interna do genuíno sofrimento humano, empático. Ao invés de trabalhar
para o seu povo, trabalhará com ele, e, em lugar de meramente tentar fornecer
respostas, ajudará as pessoas a formularem as próprias perguntas. Ao invés de
simplesmente lhes indicar o caminho, ele caminhará juntamente com elas. E quando
o horizonte subitamente enegrecer de vaticínios realísticos, ele não se limitará a
incentivar, piedosamente, o seu rebanho a prosseguir, mas marchará na escuridão
com ele e fará cintilar qualquer pequenina luz que em si haja. Estas novas
percepções da parte do servo que ministra, redundam no estabelecimento de novas
relações. E quando o ministro começar a perceber as dimensões mais profundas do
seu ministério, começará a colocar-se dentro destas significativas relações e a operar
reverentemente naqueles níveis. (MANNÓIA, Aconselhamento Pastoral, Prólogo, p.
12, 1995).
18

2.1.2. Poimênica

Poimênica é uma relação que se dá entre o Pastor e a pessoa interessada: (1) que
deseja conversar sobre os seus problemas, conflitos e dificuldades; (2) que tem necessidade de
avaliar o sentido de sua existência; (3) que busca uma motivação espiritual para si mesma. A
poimênica se dá pela dinâmica da conversação entre o Pastor (ou o Conselheiro) e a pessoa
que busca um acompanhamento espiritual. Essa conversação se caracteriza por
acompanhamento individual ou, em casos especiais, por acompanhamento grupal, encontros
regulares, previamente agendados, e por sigilo absoluto.

A comunidade cristã atua num contexto ambivalente: por um lado ela acolhe as
mudanças vertiginosas que o desenvolvimento produz, como novas possibilidades de
atualização da fé cristã no mundo e, por outro lado, acolhe, de forma perplexa, as sombras
deixadas por essas mudanças vultosas. A poimênica é o ato de acolhimento por parte da
comunidade cristã das pessoas expostas a essas mudanças. Isto significa, entre outras coisas,
ajudar as pessoas a alcançarem o equilíbrio psíquico, em seu sentido cognitivo, emocional e
comportamental, diante dos desafios que lhes são impostos pelas mudanças. 

Acometidas e acuadas por esse processo ambivalente, as pessoas buscam na religião,


em geral, e na comunidade cristã, em particular, preencher os vãos existenciais
experimentados e sofridos. É uma atitude poimênica da comunidade cristã, acolher essas
pessoas em conflitos e ajudá-las - com a sabedoria que lhe foi dada por Deus, principalmente
através do Aconselhamento Pastoral - a reconstituírem as suas vidas.

Os embates da vida deixam seqüelas nas pessoas e manifestam-se de maneira


sintomática em forma de lacunas de vivência e culminam na formação fragmentada da
identidade. Se existe a busca frenética pelo preenchimento dessas lacunas com todos os tipos
de vivências que prometem algum tipo de satisfação individual, existe também o desejo de
consertar esses fragmentos de identidade a partir de algo que possa reconstituir o sentido da
existência de forma mais ampla. Neste contexto ocorre a busca pela vivência religiosa e a
atuação da poimênica.

A comunidade cristã e a ação pastoral representam um lugar privilegiado para


oferecer um espaço para a criação e constituição da nova personalidade ou novos referenciais
em pessoas desarranjadas biológica, psicológica e espiritualmente. A poimênica visará à
19

constituição de uma “consciência relacional”, onde a pessoa, pelo convívio cristão e a comunhão
com Deus, encontrará um novo motivo para viver, criando um novo universo referencial.

Em resumo, a dor, o sofrimento e a aflição do ser humano e sua cura formam o


elemento básico da atividade pastoral. A matéria prima do desempenho do pastor é o ser
humano. As religiões, a filosofia e outras matérias procuram definir e explicar tais
sentimentos, e tentam oferecer formas de atenuá-los ou dirimi-los. A psicologia pastoral
procurará canalizar todas as orientações para a regra de fé e prática da Palavra de Deus, bem
como por meio de um relacionamento pessoal com Deus.
20

3. AS PRINCIPAIS RELIGIÕES E O SOFRIMENTO

O Pr. Russel Shedd (internet) analisa que o fato de a vida não ser fácil para a maioria
das pessoas confunde a cabeça de ímpios e cristãos. Para os que não acreditam que Deus, se
existe, interessa-se pelo que passa na vida dos homens, o sofrimento atinge as pessoas por
acaso. “Não tem propósito”. Se um indivíduo sofre em acidente ou é acometido por uma
grave doença, que provoca dores terríveis e constantes, ele suporta tudo porque não tem
escolha. Se decidir, por força de vontade, aceitar o mal e conviver com o sofrimento que lhe é
imposto, o benefício é difícil de abraçar. A esposa de Jó, o grande homem de Deus, disse, em
momento de intenso sofrimento: “Amaldiçoa a Deus, e morre!”, Jó 2.9.

O estoicismo grego entendeu que o sofrimento fazia parte da “razão” ou “lógica” do


universo. Virtude, para os estóicos, consistia em descobrir a direção do destino (ou da
natureza) e ajustar a vida com ela. Era importante não sentir paixões ou não se submeter às
emoções, mas harmonizar-se com o fatalismo dos acontecimentos fora do controle do homem.
Indiferença diante do sofrimento era a melhor resposta que o filósofo Zeno e seus seguidores
podiam oferecer.

Todas as religiões (inclusive segmentos do Cristianismo), bem como práticas


consideradas “religiosas”, apontam as razões da existência do sofrimento e apresentam formas
e fórmulas para evitá-lo, minorá-lo ou eliminá-lo. Constamos a seguir o posicionamento das
principais religiões da atualidade acerca do sofrimento. O pensamento evangélico (ou
protestante) será analisado nos capítulos posteriores.

3.1. CRISTIANISMO - CATOLICISMO ROMANO

O Cristianismo envolve todas as religiões que crêem em Cristo como Salvador. Os


dois maiores segmentos são o Catolicismo Romano e o Protestantismo (as chamadas religiões
“evangélicas”). Neste capítulo analisaremos apenas o Catolicismo, tendo em vista que o
Protestantismo está incluído nas considerações posteriores acerca do ensinamento bíblico
21

acerca do sofrimento (em razão de este ter apenas a Bíblia como sua regra de fé e prática,
dispensando os “dogmas” do catolicismo e os livros chamados “apócrifos”).

Para o Catolicismo Romano a verdade divinamente revelada demonstra que a


santidade e justiça de Deus inflige que aos pecados seguem-se os castigos. Os castigos ou
sofrimentos com os quais somos atribulados aqui são impostos pelo julgamento de Deus, o
qual é justo e misericordioso, já que os pecados devem ser expiados. Tal entendimento
permite inclusive o flagelo físico como forma de purgar pecados e agradar a Deus. A história
demonstra como, para vencer seus instintos e desejos, aqueles que se sentiam chamados para
o ministério religioso, passavam por rituais de auto-flagelação que os ajudassem a dominar a
carne. Muitos, para se verem livres de seu sofrimento, ainda na atualidade, carregam cruzes
por longas distâncias, sobem escadas e morros de joelhos e outras práticas sacrificiais. Isto é,
sofrem para aliviar o sofrimento.

3.1.1. A missa

A missa, ritual do catolicismo, é vista como um “funeral”, como se acontecesse


novamente o sacrifício e a paixão de Cristo. Estar “compungido” e assistir à missa é garantia
de vitórias neste mundo e no porvir. “Cada Missa à que assistires, alcançar-te-á no céu
maior grau de glória. Serás abençoado em teus negócios  pessoais e obterás as graças, que te
são necessárias” (Jerônimo). O Concílio de Trento (940 d.C.) prescreve:

Os frutos da oblação cruenta se recebem abundantemente por meio desta oblação


incruenta, nem tão pouco esta derroga aquela. (Cân. 4). Por isso, com razão se oferece,
consoante a Tradição apostólica, este sacrifício incruento, não só pelos pecados, pelas
penas, pelas satisfações e por outras necessidades dos fiéis vivos, mas também pelos
que morreram em Cristo, e que não estão plenamente purificados. (Cân. 3).

O simples fato de estar presente à missa traz muitos benefícios para o indivíduo.
Assim se expressou Agostinho de Hipona:

Na hora da morte, as Missas, às quais tiveres assistido, serão a tua maior consolação.
Um dos fins da Santa Missa é alcançar para ti o perdão dos teus pecados. Toda
Missa implora o teu perdão junto da justiça divina. Em cada Santa Missa, pois,
podes diminuir a pena temporal devida aos teus pecados - pena essa que será
diminuída na proporção do teu fervor. Será ratificada no céu a benção, que do
sacerdote receberes na Santa Missa. Assistindo a Santa Missa com devoção, prestas
a maior das honras à Santa Humanidade de Jesus Cristo. Ele se compadece de
muitas das tuas negligências e omissões. Perdoa-te os pecados veniais não
confessados, dos quais, porém, te arrependes; preserva-te de muitos perigos e
desgraças que te abateriam. Diminui o império de satanás sobre ti mesmo. Sufraga
as almas do Purgatório da melhor maneira possível. Uma só Missa a que houveres
22

assistido em vida, será mais salutar que muitas a que os outros assistirão por ti
depois da morte, pois pela Missa participas da Paixão, morte e Ressurreição de Cristo.

O dogma 950 (Cân. 3) da tradição católica traz:

Se alguém disser que o sacrifício da Missa é somente de louvor e ação de graças, ou


mera comemoração do sacrifício consumado na cruz [...] seja excomungado (cf. nº.
940). Para tanto há testemunhos de verdadeiros católicos que deram muito valor à
Santa Missa.

É pensamento inconteste dentro do catolicismo, que assistir à missa diminui as penas


do purgatório. Escreveu Bernardo: “Fica sabendo, ó cristão, que mais se merece em ouvir
devotamente uma só Missa do que distribuir todas as riquezas aos pobres e peregrinar toda a
terra. Toda Santa Missa diminui teu purgatório”. Os benefícios que podemos receber de Deus
para aliviar nossos sofrimentos estão sintetizados, segundo Boaventura, no ritual da missa.
Diz a tradição católica que a freira Matilde teve uma revelação, onde apareceu-lhe Jesus
dizendo: “Podes preparar-me toda honra e louvor, e mais ainda do que desejas”. E ela
perguntou-Lhe: “Como?”. E dizem que o Senhor lhe respondeu: “É só assistir à Santa
Missa”. Segundo a lenda, ela “viu” Jesus derramando o sangue de Suas chagas sobre o altar e
dizendo: “Eis as chagas que reconciliam a justiça do Pai. Todas as graças que a alma perdeu
por descuido ou relaxamento, poderá recuperá-las plenamente, aproximando-se do Santo
Sacrifício do Altar, que contém a plenitude das graças”.

Encontramos na internet um relato de algumas “visões” que o Padre Reus teve acerca
da celebração da missa, as quais ele chama “A festa no céu”. Nas tais visões, sempre que a
missa é celebrada, Maria vem, com um cortejo de anjos, até o altar. Os santos canonizados
formam um semicírculo ao redor do sacerdote celebrante e o acompanham até o altar e ficam
atrás dele durante todo o ofício da missa. Outra multidão de anjos cerca os assistentes da
missa, para impedir a penetração de demônios. Ao lado do sacerdote está Maria e ela é quem
o serve e lava as suas mãos. Entre ela e o sacerdote é convidado o santo do dia para se
aproximar do altar. Maria convida todas as almas do purgatório a permanecerem durante a
missa aos pés do altar, entre o celebrante e os assistentes. Segundo o Padre Reus, uma chuva
cai sobre o purgatório, “abençoando” as almas presas ali, durante a missa. Estas, quando vêem
o Senhor Jesus no ato da transubstanciação, desejam sair “das chamas do purgatório” e se
atirar em Seus braços, mas não conseguem por não estarem ainda purificadas. Após a
consagração, acontece a libertação do purgatório, das almas que já atingiram a purificação, e é
Maria quem as autoriza a “subir para o céu”.
23

Esta é uma tremenda fantasia, que diviniza a missa ao ponto de esse ritual, ao ser
praticado, trazer para os homens alívio, cura, perdão, proteção e outros benefícios que a
pessoa necessita. O simples fato de participar desse ato já abençoa a pessoa. Sabemos
perfeitamente que a mera realização de um culto a Deus não traz nenhum benefício ao
assistente, se ele não for um verdadeiro adorador. A Bíblia é farta em relatos de pessoas
abençoadas, transformadas e libertas de suas dores, mediante a fé e a adoração a Jesus Cristo.
É a “pessoa” de Cristo, e não de Maria e dos “santos”, que está presente não só nos atos do
culto, mas “todos os dias da nossa vida”, que nos garante a vitória (Mt 28.20).

3.1.2. A Regra Beneditina

A Regra Beneditina defende a vida monástica como uma forma de aperfeiçoamento


humano. O Prólogo da conclusão diz:

Assim, nunca nos afastando de Deus, nosso Mestre, e cada dia perseverando no
mosteiro até a morte, continuaremos a fazer o que Ele nos ensina. E assim, pela
paciência, participaremos dos sofrimentos de Cristo e mereceremos assim estar com
Ele em seu reino. Amém.

Para Bento (529 d.C.), autor da Regra Beneditina, jamais se alcança a felicidade sem
enveredar pelo caminho que o próprio Cristo tomou, que é o da cruz. Pela cruz se vai à
ressurreição. Aos postulantes que se apresentam ao mosteiro, é necessário, segundo Bento,
ensinar desde o início os dura et aspera pelos quais se vai a Deus. Isto inclui a auto-
flagelação, o recolhimento solitário, a pobreza determinada, a aceitação do sofrimento (até
mesmo o auto-infligido) como extremamente necessário para alcançar a felicidade eterna.

No texto em que Bento expressa sua teologia do sofrimento, podemos separar dois
tópicos. O primeiro é o capítulo 36, sobre o cuidado a dar aos irmãos enfermos. Neste
capítulo, Bento manifesta que é preciso ser paciente com os doentes, mesmo quando eles se
tornam difíceis de trato ou exigentes. Pois eles foram assimilados a Cristo, participando em
sua própria carne dos sofrimentos do Senhor, o qual aí está neles presente de um modo todo
especial. Pelo sofrimento, o enfermo é melhorado em seu caráter cristão e o que lhe presta
cuidados alcança créditos na eternidade.

No capítulo 72, Bento exorta sobre o bom zelo dos monges, já que outra forma de
enfermidade é a do caráter. Ele fala de início de duas formas de zelo. Há um zelo mau e
amargo, que separa de Deus e conduz para longe dele para sempre.
24

Cada vez que nos sentimos amargos, devemos temer e rezar a Deus para que ele nos
livre deste amargor, pois ele separa de Deus e nos separa também da comunhão com os
outros e conduz ao inferno, pois o inferno é a ausência de comunhão com Deus e com os
outros.

Ele admite também um “bom zelo”, aquele que leva a Deus e à vida eterna, isto é, à
vida de eterna comunhão com Deus e com os outros. E, certamente, este é o zelo que os
monges devem desenvolver com um amor fervoroso: “Cada um desejará ser o primeiro a mostrar
respeito por seu irmão”. O bom zelo que conduz a Deus consiste então, primeiramente, em se
respeitar mutuamente. Este respeito começa pelas boas maneiras; mas exige muito mais. Consiste,
diz Bento, de “suportar com muita paciência as fraquezas dos outros, as do corpo e as do caráter”
e a “se obedecer mutuamente de todo coração”. Assim o homem alcança as bênçãos eternas por
seus próprios méritos.

Resumindo, Bento ensina que o sofrimento é uma forma de aperfeiçoamento do


caráter e uma forma básica de se igualar a Cristo. Ele deve ser suportado com paciência e em
atitude de obediência. Embora tal regra fosse endereçada aos monges, também era ensinada
aos que os ouviam. Não deixa de ser um bom ensinamento, mas faz o homem merecedor de
bênçãos pelas suas ações e não pela bondade e misericórdia de Deus.

Para o catolicismo a expiação deve ser feita aqui na terra, através dos sofrimentos,
misérias e julgamentos desta vida e, acima de tudo, através da morte. Mas deve ser feito
também no além, depois da morte.

3.1.3. O purgatório

O cristianismo papista ensina que, se não houver purificação durante a vida, por meio
principalmente das boas obras, a expiação deve ser feita após a morte através do fogo e
tormentos, ou castigos purificadores. Os que se destacam pelas boas obras são “canonizados”
ou declarados “santos”, com o poder inclusive de receber adoração! Os demais são colocados
debaixo do estigma de um futuro aterrador no fogo intermediário. As razões de sua imposição
são que nossas almas necessitam ser purificadas, a santidade da ordem moral precisa ser
reforçada e a glória de Deus deve ser restaurada à sua completa majestade. Para isso criaram o
“purgatório”, um lugar de tormento e purgação dos pecados.

A idéia do purgatório, um lugar fictício de purificação, foi inventada pelo Papa


Gregório, o Grande, em 593, e tornado um dogma católico somente em 1439, no Concílio de
25

Florença. Esta doutrina aumentou muito o poder da Igreja sobre os seus membros e
acrescentou grandemente os seus lucros. A ameaça do purgatório mantém os católicos
subjugados, os quais vão dando repetidas ofertas à Igreja, por meio de missas e ofícios, em
troca da sua ajuda em retirá-los desse lugar de tormento. Uma aceitação passiva de um
sofrimento pós-morte, com aceitação também passiva do uso de numerários, tanto em vida,
como depois pelos vivos a eles relacionados, a fim de diminuir a sua pena!

A doutrina do purgatório demonstra claramente que mesmo quando a culpa dos


pecados foi apagada, o castigo por eles ou as suas conseqüências deve permanecer a fim de
serem apagados. No purgatório as almas dos que morreram na caridade de Deus e
verdadeiramente arrependidos, mas que não deram uma satisfação com a penitência adequada
pelos seus pecados e omissões, são purificadas após a morte com castigos destinados a purgar
o seu débito. Qual a penitência adequada, porém, nunca ninguém definiu. Roma promete que se
os seus decretos forem seguidos pode-se eventualmente sair do purgatório e entrar no céu. Mesmo
assim, a Igreja jamais pôde identificar quanto tempo é abreviado pelos meios que ela oferece.

O Concílio Vaticano II tem uma cláusula que diz:

Se alguém diz que depois da recepção da graça da justificação, a culpa é remida e o


débito do castigo eterno é apagado a todo pecador arrependido, que nenhum débito
de castigo temporal persiste para ser pago aqui neste mundo ou no purgatório, antes
que se abram os portões do céu, seja anátema.

Esta cláusula admite que o sofrimento humano aqui neste mundo é necessário para
pagar o débito do pecado cometido. Após decisão no Concílio de Trento, o Catolicismo
ensina que enquanto a morte de Cristo tornou possível o perdão dos pecados, o pecador
perdoado deve sofrer após a morte uma pena indefinida ou tormento de intensidade e duração
desconhecidas a fim de ser purgado e então ficar pronto para entrar no céu.

Como ninguém, nem o pontífice máximo do Catolicismo pode saber se a purificação


que dá direito ao céu já aconteceu, é certo que quase todos os católicos esperam ficar um
tempo indefinido no Purgatório. Deixar de aceitar a doutrina do Purgatório leva à
excomunhão automática da Igreja Católica Romana. Tanto o Concílio de Trento como o
Vaticano II fala dos que, mesmo tendo Cristo morrido pelos seus pecados, “devem ainda
fazer expiação no fogo do Purgatório”. Isto permite uma vivência descuidada aqui na terra,
como escreveu Isaías: “[...] comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”, 22.13.
26

Assim crendo, os católicos aceitam o sofrimento terreno como resultado de um


merecimento e o sofrimento após a morte como a forma de purificação definitiva dos pecados
e garantia para a felicidade eterna. As almas sofredoras no purgatório dependem de
oferecimentos terrenos para que sejam conduzidas ao descanso celestial. O Concílio de
Trento, o Vaticano II e conseqüentemente o Código de Lei Canônica, contêm muitas regras
complexas para aplicar os méritos dos vivos, e especialmente as missas pelos mortos que
estão sendo purificados de seus pecados, a fim de reduzir suas penas no purgatório:

A Igreja oferece o sacrifício pascal pelos mortos de modo que [...] os mortos possam
ser auxiliados pelas orações e os vivos consolados pela esperança. Dentre as missas
pelos mortos está a Missa de Corpo Presente que tem a maior importância [...] Uma
missa pelos mortos deve ser celebrada logo que chega a notícia da morte [...]. 
(Código de Lei Canônica).

Não bastam os sofrimentos terrenos, para os quais nem sempre a igreja dá solução,
uma vez que apresenta uma gama enorme de “santos” que devem ser buscados para operação
de milagres, o purgatório promete uma continuidade à dor, como meio de purgação dos
pecados. Assim, não há uma libertação dos pecados na terra, invalidando a obra de Cristo e
contrariando o ensino da Palavra. Também não há uma solução única em Cristo, uma vez que
o rol de “santos” é mais ou menos como os especialistas médicos: cada qual cuida de uma
parte do corpo humano ou da atividade humana. Descobrir qual “santo” atua em determinada
área, é outro “sofrimento”.

3.2. BUDISMO

Siddartha Gautama, o Buda, resumiu os seus ensinamentos nas “Quatro Nobres


Verdades”, as quais dispõem sobre o sofrimento e como se livrar dele. Várias religiões
orientais, muitas delas com disseminação também no ocidente, seguem as doutrinas do
budismo. Buda aponta a existência de três tipos de sofrimento:

- O sofrimento comum é aquele que todos enfrentam: nascimento, velhice, doença, morte,
associação com pessoas e condições indesejáveis, separação dos entes queridos e das
condições agradáveis, frustrações, tristezas, lamentações e tensões.

- O sofrimento produzido pela mudança das coisas, devido à “impermanência” - são as


condições agradáveis da vida que não são permanentes. Cedo ou tarde elas mudam ou cessam,
produzindo dor, sofrimento, infelicidade e desapontamentos.
27

- O sofrimento como resultado de estados condicionados da mente e do corpo - é produzido


pelo apego à matéria, pelas sensações, percepções, formações ou tendências mentais e pela
consciência.

A primeira nobre verdade baseia-se na palavra páli “dukkha”, que, em seu uso
comum, significa “sofrimento”, “dor”, “tristeza”, ou “miséria”. Consiste na tomada de
consciência de que os problemas são reais e deve-se buscar uma saída para a sua solução. Esta
verdade lembra a “roda viva de sofrimentos e renascimentos sem fim”, que os budistas
chamam da Roda da Vida ou Samsara. Admitindo a verdade da existência dos sofrimentos,
Buda apregoa que os homens devem despertar para essa realidade, não a vendo como natural
e impossível de mudança, mas procurando buscar a libertação mediante a constatação realista,
imparcial e objetiva da situação vivenciada.

A Segunda Nobre Verdade, chamada de “samudaya”, é o diagnóstico da dor. Diz que


a causa principal do sofrimento é o apego ao desejo e ao intenso querer humano (“tanha”),
que se manifesta em dois aspectos: atração e repulsão, dependendo se as experiências lhes
sejam agradáveis ou não. Os desejos pedem imediata satisfação, o que cria tensão, angústia,
medos, etc. As pessoas, segundo Buda, ficam presas a uma roda viva de desejos-satisfação-
apego-aversão-outro desejo. Os desejos podem ser agrupados em: prazeres dos sentidos;
ambição de vir a ser alguma coisa, ou obter alguma coisa, de existir - a ilusão de uma
existência egoísta é a causa do sofrimento; desejos de não - existir, que confirma a ilusão da
existência de um ego cansado, frustrado e desanimado, que leva a pessoa a aniquilá-lo ou
paralisá-lo. Esta classe de desejo é a base de impulsos suicidas e auto-mutiladores, bem como
de diversas doenças psíquicas.

A Terceira Nobre Verdade é a “nirodha”, ou a descoberta da possibilidade de


cessação da dor. Buda ensina que o homem pode se libertar do sofrimento pela sabedoria
interior, pelo amor e pela compaixão. Alcançar a cessação do sofrimento é realizar o Nirvana,
ou Nibbana. Esta palavra é hoje de conhecimento mundial, mas seus significados verdadeiros
são amplamente desconhecidos. Dependendo de como se veja a composição desta palavra,
temos diversos significados. “Nir” em sânscrito é “não”, e “vana” é “cordão”; assim Nirvana
pode ser traduzido como “não estar preso”, ou “estar liberto” (da tirania do ego, da
ignorância, da ilusão e da dor, segundo os budistas). Isto é, torna-se um “iluminado”, tem uma
saúde mental perfeita, pois está livre do desejo de vir a ser alguma coisa.
28

A Quarta Nobre Verdade apresenta o “magga”, ou o caminho que leva à cessação do


sofrimento. Este caminho prático é constituído de oito fatores, sendo também conhecido como
Nobre Senda Óctupla ou Caminho do Meio (compreensão, pensamento, palavra, ação, meio
de vida, esforço, conscientização e concentração corretos). O espírito deste caminho é o meio-
termo eqüidistante de todos os extremos, evitando a auto-indulgência de um lado e a auto-
tortura de outro. O segredo está no “meio-termo”. Esta é a base de todo treinamento budista, e
consiste em três áreas de atuação simultâneas: Vida ética, Concentração e Sabedoria. As três
estão interligadas e se complementam.

A maioria dos budistas acredita que uma pessoa tem centenas ou milhares de
reencarnações, todas trazendo aflição. É o desejo por felicidade que causa a reencarnação da
pessoa. Conseqüentemente, a meta de um budista é purificar o seu coração e ver-se livre de
todos os desejos. O budismo fornece algo que é verdadeiro na maioria das religiões:
disciplina, valores e diretrizes pelos quais a pessoa possa viver melhor. Para Buda, o alcance
da sabedoria conduz ao fim do sofrimento. A Sabedoria ou Pañña corresponde à compreensão
das Quatro Nobres Verdades e também das Três Características da Existência, que são: (1)
todos os fenômenos condicionados são “impermanentes”; (2) todos os fenômenos
condicionados são impessoais, carecem de um “eu”; (3) o apego dos desejos por todos os
fenômenos impermanentes leva ao sofrimento ou insatisfatoriedade.

Concluindo, aderir aos preceitos morais e éticos (“sila”), é essencial para a proteção
da pessoa e do seu próximo. Tais preceitos se resumem contra o homicídio, o roubo, a má
conduta sexual, a mentira e a ingestão de substâncias tóxicas. A Lei do Karma ensina que a
responsabilidade dos atos é de quem os realiza: para cada evento que ocorre, ocorrerá outro
evento cuja existência foi causada pelo primeiro e este evento será agradável ou desagradável
conforme suas raízes sejam benéficas ou não. Tais princípios de “bem viver” também
constam em muitas páginas da Bíblia Sagrada, porém o Budismo deixa um vácuo enorme
entre o homem e o Seu Criador, que bem o conhece e tem todo poder para atuar em sua vida
segundo a sua real necessidade e possibilidade.

3.3. ESPIRITISMO

O Espiritismo (www.ramatis.com.br) admite que a causa dos sofrimentos humanos,


da inconsciência, dos erros, vícios e de todos os distúrbios de personalidade está no ego. O
29

ego é a soma dos muitos defeitos psicológicos que vivem no mundo interior do homem, e que
foram criados e são alimentados inconscientemente por ele mesmo.

Eles definem que, no antigo Egito o ego era referido como os “demônios vermelhos
de Seth” aos quais Osíris deveria combater. No Bagavad-Gita o “ego” são os “parentes” com
os quais “Arjuna” teria que travar terríveis batalhas. Na mitologia o ego é, entre outros
simbolismos, representado pela Medusa, causadora de todo tipo de sofrimento aos homens e
que é decapitada pela espada de Perseu. Na religião, reconhecem o ego nos chamados pecados
capitais: luxúria, ira, inveja, cobiça, gula, preguiça e orgulho. Enquanto o homem mantiver
em seu interior essa natureza inumana, será criatura limitada, inconsciente, sofredora e vítima
das circunstâncias.

Como apregoam a reencarnação, admitem que as deformações físicas sejam


ocasionadas por lesões e acontecimentos passados, assim como algum tipo de loucura. As
conseqüências de mortes provocadas por suicídios, tóxicos, acidentes, câncer, lepra, asma e
outras perturbações, acarretam sofrimento e hospitalização no Plano Astral (área incorpórea),
levando muito tempo para a recuperação da saúde, ocasionando reflexos nas vidas futuras. A
medicina dos médicos do “Astral” é toda no corpo astral, perispírito, onde atuam, e que
repercutem no corpo físico. Cada célula do corpo físico tem um correspondente astral. Assim
qualquer desequilíbrio num corpo reflete no outro, em forma de doenças. A seleção espiritual
e a posição espiritual de cada um, encarnados ou desencarnados, estão na dependência
exclusiva das vibrações e cores na sua aura, que são decorrentes do grau de evolução de cada um.

O corpo astral ou perispírito é o corpo invisível e que modela o tipo: alto, magro,
sadio ou enfermo. Na gravidez o espírito é ligado ao feto e daí passa a comandar o crescimento,
ficando ligado pelo “cordão de prata” até a morte do corpo físico. Toda distorção no psiquismo
e deformações no corpo astral do passado aparecem logo após a reencarnação, à medida que o
espírito se apossa do corpo físico. Para os tais, “a medicina, a ciência material e as religiões
ignoram quase por completo os elos do passado”.

Apregoam que a consciência, a memória, os pensamentos e sentimentos têm sede no


corpo astral, onde registram todas as agressões ocorridas no passado. Os casos de
homossexualidade, lesbianismo e terceiro sexo estão ligados ao sexo que tiveram nas vidas
passadas. O corpo astral é o modelador do corpo físico. O perispírito é responsável pela
configuração humana. O corpo carnal do homem também apresenta falhas, disfunções,
30

deformidades, incorreções, intoxicações, lesões e demais alterações congênitas, como


resultados negativos e específicos do seu perispírito, provenientes de insanidades,
turbulências, atos de rebeldias espirituais ocorridas em vidas anteriores.

Outros sofrimentos são conseqüências adquiridas, ligadas ao suicídio (doenças


deformantes). Aqueles que se enforcam ou se afogam num momento de desespero, guardam
as impressões dessas aflições terríveis criando-se, então, os estigmas perispirituais
deformativos, que são alimentados pela mente revoltada. Posteriormente renascem corcundas,
gibosos, atrofiados e mesmo terrivelmente asfixiados pela asma brônquica, que os tortura
durante toda a existência.

Os que se suicidam através de quedas e se estatelam arrebentados sobre o solo, ou


que se atiram sob as rodas de um veículo que lhes trituram as carnes, comumente tornam a se
encarnar vitimados pelos artritismos e reumatismos, sofrendo as dores dos ossos que estalam,
nervos que se rompem e músculos que se rasgam. Alguns se arrastam penosamente como
aleijados congênitos, com os corpos quebrados e os músculos torcidos. Outros, que atearam
fogo ao seu corpo e preferiram abandonar o mundo sob a destruição pelas chamas, retornam
com a doença do pênfigo foliáceo (fogo selvagem). Atravessam a encarnação seguinte com a
sensação do fogo destruidor, que ainda parece queimar-lhes as carnes.

Eles têm explicação para tudo. O punhal fatídico ou o tiro mortal que dilacera o
coração do trânsfuga da vida humana cria-lhe em nova encarnação incurável lesão cardíaca a
torturá-lo incessantemente com a ameaça da morte.

Quanto ao sexo, a escolha do corpo em que o Espírito deverá reencarnar depende


principalmente das provas que deverá passar na Terra, pois o Espírito tem que progredir em
todos os aspectos da vivência humana. Assim, aquele que só encarnasse como homem, só
saberia das experiências dos homens e não teria experiência da vivência da mulher. Daí, os
casos de homossexualidade, lesbianismo e terceiro sexo, como resultados das experiências
adquiridos nas vidas anteriores, onde prevalecem as experiências anteriores de um
determinado sexo, sobre a organização do corpo atual.

Dentre os delitos humanos que poderão causar maiores prejuízos ao espírito, os


suicidas e profissionais em aborto, quando desencarnarem, vivenciarão situações as mais
atrozes. “São crimes que geram as mais pavorosas situações no mundo astral inferior, assim
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como estigmatizam terrivelmente o perispírito para as encarnações seguintes, trazendo-lhes


as piores enfermidades”. Exemplos de estigmas: os avarentos retornam mendigos; toda
inteligência aplicada erroneamente em proveito pessoal, produz futuramente as oligofrenias; a
gula deforma o sistema digestivo perispiritual e do corpo; os viciados em entorpecentes
retornam retardados mentais, ou psicopatas.

Como o homem tem que purgar as suas deformidades por meio das reencarnações, os
espíritas encaram as dores como elementos vitais para a conquista da felicidade futura. As
“reencarnações” como meio de aperfeiçoamento possuem o mesmo objetivo do “purgatório”
católico: “melhorar o homem pecador”, a fim de que possa ter felicidade perfeita na
eternidade do “outro lado da vida”.

3.4. A FILOSOFIA HINDUÍSTA (VEDAS E VEDANTA)

Os hinduístas não desenvolvem o conceito de um Deus único, mas sim o conceito


para uma divindade máxima, o Brahma. A maior parte da população hinduísta presta adoração
a uma gama incontável de deuses, estimados em torno de 300 mil, que são “encarnados” em
templos, ídolos, gurus, rios, animais. Sem uma doutrina específica, os hinduístas adotam os
Vedas e o Vedanta como orientadores da sua conduta.

Acerca do sofrimento o hindu defende a lei do karma, como no budismo e


espiritismo. A lei do karma diz que para todo evento que ocorre, seguirá um outro evento cuja
existência foi causada pelo primeiro, e este segundo evento poderá ser agradável ou
desagradável se a sua causa foi benfazeja ou não. Um evento benfazejo é aquele que não é
acompanhado por cobiça, resistência ou ilusão; um evento incorreto é aquele que é
acompanhado por uma dessas coisas. Logo, a Lei do Karma institui que a responsabilidade
para as ações incorretas nasce da pessoa que as comete.

A palavra karma é originária do sânscrito oriental Kar (fazer) e Ma (efeito), ou seja:


conseqüência. O karma, então, é conseqüência de tudo que a criatura pensou, desejou e agiu;
daí o karma bom ou karma mau é efeito que depende do que a criatura pensou, sentiu e agiu,
se bem ou se mal. Para os que acreditam na lei do karma, não existe o perdão de Deus ou de
ministros religiosos, pois cada qual recebe conforma sua obra. Para os que defendem esta lei,
o karma não é punição divina, mas conseqüência retificadora. A dor e os sofrimentos têm o
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poder de alterar e educar os espíritos ignorantes, errados e atrasados na escala espiritual,


sempre por meio de constantes reencarnações.

Para as ações sem intenção, tais como caminhar, dormir, respirar, não existem
conseqüências morais, portanto elas constituem um karma neutro. As ações prejudiciais que
devem ser evitadas estão relacionadas com as chamadas três portas da ação, que são: corpo,
mente e voz. Existem três ações prejudiciais do corpo, quatro da voz e três da mente. As três
ações prejudiciais do corpo são: matar, roubar e comportamento sexual impróprio. As quatro
ações prejudiciais da voz são: mentir, discurso cruel, calúnia e fofoca maliciosa. As três ações
prejudiciais da mente são: avareza, raiva e ilusão. Evitando-se estas dez ações prejudiciais as
pessoas podem evitar as suas conseqüências similares.

Ações insalubres produzem resultados insalubres na forma de sofrimento,


considerando que ações saudáveis resultam em efeitos saudáveis, ou felicidade. Os efeitos de
ações são semelhantes às suas causas. Toda causa tem seu efeito. Porém, deve haver
condições sob as quais as ações são executadas. As condições que determinam a força ou peso
do Karma se aplicam ao sujeito e ao objeto da ação. Desta forma, os hindus vêem sua
condição atual nesta vida baseada em suas ações em vidas passadas. Isto é, se seus
comportamentos anteriores foram maus, eles podem experimentar tremendos sofrimentos
nesta vida. Isto representa que, para se ver livre da lei do karma, ele deve experimentar
contínuas reencarnações – as quais podem ser na forma humana ou animal, dependendo da
gravidade de suas ações.

A alma é a única coisa que importa, pois um dia será livre do ciclo da reencarnação e
descansará. Para se ver livre desse ciclo, o hindu acredita que existem três caminhos
possíveis: 1. Ser devoto afetuoso de qualquer um dos deuses hindus (podendo ser até um
animal); 2. Crescer em conhecimento através da meditação de Brahma (identidade), a fim de
compreender que as circunstâncias da vida não são reais, que a individualidade é uma ilusão e
somente o Brahma é real; 3. Ser dedicado a várias cerimônias e ritos religiosos,
principalmente a prática da yoga.

No hinduísmo a pessoa tem a liberdade de escolher o modo como trabalhar em


direção à perfeição espiritual. Em sua doutrina do sofrimento do mundo, nos Vedas se
encontram muitas afirmações que indicam que a compreensão correta acerca da realidade
deste mundo se baseia em sua temporalidade (asasvatam) e em sua condição como um local
33

de inúmeras misérias (duhkalayam). Esta é a compreensão a priori que se deve ter sobre o
mundo, para abolir falsas esperanças e ilusões quanto a este. Todos os seres nascem confusos
e iludidos pelo prazer e pela dor. São forçados a envelhecer, adoecer e morrer. Seus planos
são frustrados pela natureza material, seus apegos arrancados e seus medos, muitas vezes
realizados. Este mundo é o samsara, o ciclo de nascimentos e mortes.

Os Vedas apregoam que o sofrimento é inevitável. Pode ser causado pelo corpo ou
pela mente humana, por outros seres vivos, ou por fenômenos naturais que estão além do
poder individual. O mundo constitui o inferno, e os homens formam, em parte os
atormentados, e noutra, os demônios. Reconhecendo tal característica e vivenciando-a, a
pessoa pode começar a se interessar em buscar o Absoluto. O papel da filosofia dos Vedas é
conduzir os homens à mais perfeita saúde do espírito e à conseqüente felicidade que dela
advém, dando-lhes o conhecimento do funcionamento da “máquina do mundo”.

Segundo ensina o hinduísmo, os Vedas contêm as verdades eternas reveladas pelos


deuses e a ordem (dharma) que rege os seres e as coisas, organizando-os em castas. Cada
casta possui seus próprios direitos e deveres espirituais e sociais. A posição do homem em
determinada casta é definida pelo seu karma. A casta à qual pertence um indivíduo indica o
seu status espiritual. A classe inferior a todas é a dos párias, que perfazem a maioria e são
totalmente segregados das demais castas, passando por muitas humilhações. Eles são
desprovidos de direitos políticos e religiosos, não podem sequer andar de cabeça erguida,
estão sempre de cabeças baixas, agachados, maltrapilhos.

O objetivo é superar o ciclo de reencarnações (Samsara), atingindo assim, o Nirvana,


a sabedoria resultante do conhecimento de si mesmo e de todo o Universo. O caminho para o
Nirvana, segundo ensina o hinduísmo, passa pelo ascetismo (doutrina que desvaloriza os
aspectos corpóreos e sensíveis do homem), pelas práticas religiosas, pelas orações e pela yoga
(esta contém poderes místicos de purificação da mente e conseqüente melhora do corpo). A
pessoa alcança a “salvação”, escapando dos ciclos da reencarnação.

Há quatro grandes objetivos na vida do hinduísta: Dharma (viver de maneira


correta); Artha (almejar ganhos materiais através de meios legais); Kama (prazer dos
sentidos) e Moshka (ser liberto da reencarnação). Resumindo, o homem é uma criatura como
as outras, sujeito a um novo nascimento, punajarm, representado pela reencarnação sucessiva,
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na esperança de atingir uma casta mais elevada. O mundo físico é uma ilusão: no mundo
tridimensional, designada de maya, o homem e sua personalidade não passam de um sonho.

Para se ver livre dos sofrimentos (pagamento daquilo que foi feito na encarnação
passada), a pessoa deve ficar livre da ilusão da existência pessoal e física. Através da yoga e
meditação transcendental, a pessoa pode transcender este mundo de ilusões e atingir a
iluminação, a liberação final. O hinduísmo ensina que a yoga é um processo de oito passos, os
quais levam à culminação da pessoa transcender ao universo impessoal, no qual o praticante
perde o senso de existência individual. A salvação do homem consiste na liberação do ciclo
de reencarnações e na fusão final com Deus, de quem emana. Assim, o destino do homem não
depende de nenhum dos seus deuses, mas do esforço pessoal (incluindo a prática do sacrifício
aos deuses, até mesmo dos próprios filhos).

O que dificulta a aceitação da doutrina hinduísta, bem como de todas as que admitem
a reencarnação, é a constatação da pobreza e miséria que assola a terra, principalmente as
regiões onde elas são professadas. Quanto mais o tempo passa, mais aumenta a criminalidade,
os desvios de personalidade, a violência, os prejuízos ecológicos. Se a reencarnação é para a
melhoria da pessoa, como entender o quadro caótico por que passa a humanidade?

3.5. O MOVIMENTO NOVA ERA

Muito disseminado nas últimas décadas, o Movimento Nova Era (MNE) tem trazido
uma variedade enorme de doutrinas acerca da origem, razão e formas de vencer o sofrimento.
Altamente eclética, panteísta e monista, a Nova Era apresenta-se como uma coleção de
tradições espirituais antigas. Na verdade ela conseguiu reunir conceitos e crenças milenares
que colocam em confronto a verdade bíblica. Reconhece vários deuses e deusas, como o
hinduísmo. A Terra é vista como a fonte de toda espiritualidade e tem sua própria inteligência,
emoções e divindade. Mas acima de tudo está a existência do Eu, que é o criador, o
controlador e o deus de tudo. Não existe realidade fora do que a pessoa determina.

A Nova Era promove o desenvolvimento dos poderes e divindade próprios da pessoa.


Seus adeptos não falam de um Deus pessoal e transcendente, criador do universo, mas
referem-se a uma consciência mais alta dentro deles mesmos. Eles se vêem como deuses, o
cosmo, o universo. Na verdade, tudo que uma pessoa vê, ouve, sente ou imagina é para ser
considerado divino. A paz interior, ou supressão do sofrimento, pode ser alcançada por meio
35

da natureza, de cores, aromas, uso de símbolos, enfim, práticas esotéricas múltiplas, até
mesmo a bruxaria.

O MNE ensina um leque amplo de misticismo oriental e técnicas físicas, metafísicas


e espirituais, tais como: exercícios de respiração, cânticos, tambores, meditação, etc., para
desenvolver uma consciência modificada e a divindade da própria pessoa. Qualquer coisa
negativa que uma pessoa experimente (falhas, tristeza, raiva, egoísmo, sofrimento) é
considerada uma ilusão. Acreditando que eles possuem o total controle de suas vidas, nada na
vida é errado, negativo ou dolorido. Por fim, a pessoa desenvolve-se espiritualmente até o
ponto em que não haja uma realidade externa e objetiva. Tornando-se um deus, cria a sua
própria realidade.

Thais Accioly (www.thaisaccioly.com.br), defensora de uma das linhas da Nova Era,


a dos florais, registra que, buscando durante mais de duas décadas responder à pergunta “Por
que sofremos?”, foi iluminada em sua compreensão por meio do conhecimento de uma
essência floral chamada Glassy Hyacinth, proveniente de um pequeno lírio. Sua filosofia de
vida e sofrimento em parte resume a doutrina do MNE, razão pela qual registramos neste
tópico o seu pensamento.

Assim ela se expressa:

A essência floral da Glassy Hyacinth [...] traz consolo para aquele que viveu ou vive
situações pessoais de extrema dor, trauma, devastação e de profundo desespero e
sofrimento, mesmo quando essa não tenha sido uma experiência pessoal e sim
originária do testemunho da dor coletiva de povos assolados pela violência, miséria
ou pela guerra [...] ajuda-nos na re-conexão com nosso Eu Superior [...] ajudando-
nos a renunciarmos à dor, ao sofrimento que carregamos dentro de nós e que nos
impede de seguir em frente, para renascermos para a vida com uma nova e
inigualável força. 

Diz a autora que estudar sobre essa flor levou-a a meditar mais profundamente sobre a
natureza da vida na Terra, onde existem grandes forças de criação ou construção da vida em
ação, sendo que parte dessa força é instintiva. Para ela, as forças de criação põem em luta outras
energias poderosas e primais para construir a vida ou estabilizá-la. Até mesmo o caos
provocado por intempéries diversas do tempo, traz a pacificação e o surgimento de algo novo,
muitas vezes completamente metamorfoseado. Estas forças construtoras utilizam-se dos
parasitos, vírus, bactérias, dos elementos físicos e etéreos da natureza, da perfeição e da
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imperfeição humana, para criar e recriar vida. Quando em ação em oposição à vida humana
temporária e perecível geram desastres, mudanças, mortes, que vivenciamos como sofrimento. 

E nós, acostumados que estamos em associar a ordem ao perfeito, e o perfeito, a


Deus, olhamos para estas forças de construção da vida, em toda sua fúria e
violência, e enxergamos somente o caos, o sofrimento, o oposto à ordem, o oposto a
Deus. Foi fácil para nós, sentindo-nos frágeis e impotentes diante de tanta destruição
para a geração do novo, associarmos esse caos ao demônio, às trevas e ao mal,
quando o caos na natureza é parte da criação divina aqui na Terra.

Em suas ações inconseqüentes, o homem impõe sofrimento aos outros homens e ao


planeta Terra como um todo, sofrendo também suas conseqüências, “porque ao viver perdido
de si mesmo, na total ignorância de sua destinação”, sem perceber sela para si mesmo um
período onde ficará sujeito às forças da transformação até que ele seja suficientemente
educado ou forjado pelo fogo reconstrutor da vida. “Pois em todos nós as forças de
construção da vida estão em ação, ainda que silenciosamente”. Todavia aceita que nem
sempre isto é possível em uma única vida e para que a evolução ocorra é necessário um ciclo
de reencarnações, como as demais seitas heréticas já vistas.

Aquele que dá os primeiros passos rumo ao caminho do autoconhecimento e da auto-


aprimoração, tendo pela frente ainda uma longa jornada, também sofre o impacto duro destas
forças, já trazendo alguma compreensão, mesmo que parcial, sobre elas. Para este homem, a
luta entre o bem e o mal gera conflitos íntimos e externos, levando-o a começar a refletir
sobre suas ações.  “Ambos estão presos às leis do karma ou de ação e reação, e ao ciclo
reencarnatório de purgação e expiação”. O sofrimento nesta fase é uma constante como
tentativa incessante de transmutar o homem, criando para si uma nova consciência para uma
vida mais plena. São as forças de construção da vida em luta, em ação, em seu dinamismo,
para que o homem se transforme. 

Enquanto vivemos inconscientes de quem somos, temos muita facilidade de nos


identificarmos com nosso corpo físico, quase que exclusivamente, e também com o
sofrimento e prazeres correlacionados à vida material, e criamos assim o senso de
quem somos, ainda que de forma ilusória. Por causa disso quando sofremos achamos
que somos o sofrimento e nos vinculamos a ele com medo de perder nossa
identidade se dele abrirmos mão. Aqui surge quase que uma obsessão pelo
sofrimento, nesta fase só pensamos em nós, em o quanto estamos sofrendo e não
conseguimos enxergar mais nada a não ser isso, distanciando-nos,
momentaneamente, mais e mais de quem somos verdadeiramente, e somente a busca
pelo autoconhecimento nos trará a saída e a saúde de volta. 

A autora expõe que, um pouco mais amadurecido, o homem percebe-se responsável


pelo seu sofrer, e pode escolher não ser mais “refém do sofrimento”, conscientemente
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decidindo sobre alguns caminhos de sua vida. Assim a aprendizagem do livre arbítrio se
instala, e a consciência do amor como fonte de construção da vida surge, mas as leis de ação e
reação ainda estão presentes, mesmo que de forma menos violenta.

Os conflitos internos entre o bem e o mal, tomam corpo e são vivenciados com
bastante intensidade, sendo fonte de muita dor mental, emocional e espiritual chegando, às
vezes, a minar as forças físicas. O desafio aqui é não se ater ao mal, mas desenvolver o bem. 
Bem mais amadurecido, desenvolvendo o amor amplamente, em conjunto com a expansão de
sua consciência, torna-se o homem livre através do uso do livre arbítrio e chega ao ponto onde
o sofrimento na Terra, quando ocorre, tem sempre o cunho de escolha pessoal, de missão em
prol da humanidade, onde ensina aos demais, lições preciosas.

Este homem superou a ignorância de si mesmo, tendo consciência de quem é,


permitindo que o espírito predomine sobre a matéria. Nesta fase ele sabe que é um
espírito divino, livre, aprendendo a desenvolver os potenciais ilimitados que traz em
si, encarnado em um corpo físico com uma personalidade humana afeita às lutas e
escolhas desta vida na Terra. 

Ao recobrar a memória de si mesmo através do autoconhecimento, da meditação, do


uso das essências florais, das petições sinceras e profundas, do desenvolvimento da fé (não
especifica fé “em que”), da prática do bem, permite que o amor ganhe corpo. Assim passa a
usar e desenvolver dons, talentos e qualidades que promovem uma metamorfose interior
diluindo os conflitos pré-existentes na alma e na personalidade humana, antes tão necessários
para a geração deste novo homem, mas geradores de muito sofrimento. “As forças instintivas
perdem lugar para as forças do amor, outra energia geradora intensa, ininterrupta e
poderosa da vida”. 

“A personalidade humana com isso amadurece, os medos cedem, as raivas


transmutam-se em energias de construção, a depressão desaparece, as mágoas são
libertadas através do perdão, traumas e sofrimentos são consolados”. Como os conflitos
internos “abrem espaço para a paz e a serenidade”, não se dispõe mais o homem a “matar ou
morrer”, mas sim a viver plenamente e conviver pacificamente com os outros, sentindo-se
como parte de um todo maior, e se utiliza da compaixão, da gentileza, da cordialidade, da
ética, do viver, conviver e servir à vida através do bem, “respirando felicidade”. Como se
tudo fosse tão fácil assim, já que o coração humano é corrompido por natureza: “Enganoso é
o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?”, Jr. 17.9..
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“As forças instintivas da vida, e seu sofrimento intrínseco, ainda continuarão em


ação, enquanto ele continuar reencarnando neste planeta”, mas a consciência humana
ampliada pela energia espiritual direciona a vida do homem, “que vê o sofrimento como uma
ação purificadora, educadora e geradora do novo, do belo, do bem, da saúde e da perfeição”.
Este novo homem não almeja a dor, entretanto, caminha por ela com maior entendimento e
serenidade, sem desespero, conseguindo inclusive perceber o sentido transpessoal de seu
sofrimento, ajudando aos que também sofrem a encontrar alívio e conforto, paz e esperança.

Da mesma forma que a Glassy Hyacinth, que para surgir em seu esplendor precisa
antes encontrar um solo que tenha passado por uma grande devastação, onde forças
criadoras da vida tenham travado uma luta intensa, também o homem encontra um
solo propício nesta Terra, onde as forças divinas criam possibilidades para que nós
alquimicamente transformemos nossa natureza humana de bestas ou feras em anjos e
possamos deixar que nossa alma humana floresça em todo seu esplendor. 

Não temos noção de como uma simples fragrância pode mudar um homem em toda a
sua essência, acabar com o seu sofrimento e eliminar suas dores, mas como a Nova Era crê na
teoria da reencarnação, no samsara, no karma e no darma, acabam por explicar essa doutrina
da mesma maneira que o espiritismo e outras seitas o fazem. Assim, o homem é o dono do seu
próprio sofrimento e o responsável único para o fim do mesmo. Só fica difícil explicar porque
o justo sofre, porque o bom passa por diferentes provações, como Jó, os apóstolos do Senhor
Jesus e tantos outros mártires que passaram pela terra. Se as pessoas justas e boas são frutos
de reencarnações e já estão em fase final de aperfeiçoamento, que resposta dar a elas quando
são atingidas pelas intempéries da vida? Se tais religiões não possuem respostas satisfatórias,
a Bíblia o faz, como veremos nos próximos capítulos.

3.6. ISLAMISMO
Os muçulmanos acreditam que haja um Deus todo-poderoso, chamado Alá, o qual é
infinitamente superior e transcendente à espécie humana. Alá é visto como o criador do
universo e a fonte de todo o bem e de todo o mal. Tudo o que acontece é a vontade de Alá. O
relacionamento de um seguidor com Alá é o de servidão. Ele é um juiz severo e poderoso, o
qual será misericordioso com os seguidores, dependendo do quão suficiente forem suas boas
obras e sua devoção religiosa.

Apesar de um muçulmano honrar muitos profetas, Maomé é considerado o último


deles e suas palavras e estilo de vida são a autoridade dessa pessoa. Para ser um muçulmano, é
necessário seguir cinco deveres religiosos: 1. Repetir o credo sobre Alá e Maomé; 2. Recitar
certas orações em árabe cinco vezes ao dia; 3. Dar aos necessitados; 4. Um mês por ano (o
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Ramadã), jejuar comida, bebida, sexo e fumo desde o nascer do sol até o pôr do sol; 5. Uma
vez na vida peregrinar até Meca e adorar no lugar santo. Ao morrer - baseado na fidelidade desta
pessoa para com esses deveres - o muçulmano tem a esperança de entrar no Paraíso, um lugar de
prazeres sensuais e permanentes bacanais. Se não, eles serão punidos no inferno eternamente.

Na verdade, o conceito de felicidade do islamismo consiste na obediência às “leis”


de Maomé e na esperança futura. Enquanto o homem, para satisfazer seus instintos sexuais,
pode ter até quatro mulheres, a mulher, por sua vez, pode pertencer a um único homem e é
condenada a uma vida praticamente de escravidão, considerada inferior em todos os aspectos.
A Bíblia, pelo contrário, aumenta a dignidade feminina, defende o casamento monogâmico
(Mc 10.6-9) e ensina que o homem e a mulher não devem se afastar do convívio íntimo
“senão por consentimento mútuo por algum tempo”, a fim de se aplicarem à oração e devem
ajuntar-se logo, “para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência”, 1 Co 7.5.

Sendo o deus islâmico distante, indiferente, imperativo, injusto e cruel em suas


ordens, os adeptos da religião são chamados a lutar contra os judeus e os cristãos e matá-los,
por serem considerados profanos e impuros. No islamismo tudo o que acontece ao homem,
seja bom ou mal, é predestinado por Alá, através de seus decretos imutáveis. Embora eles
acreditem que haverá o dia da ressurreição e julgamento do bem e do mal, os homens serão
julgados por serem ou não muçulmanos e segundo os seus méritos. Estes méritos são julgados
segundo as “cinco colunas do islamismo”, descritas anteriormente.

Os sofrimentos do muçulmano são acrescentados pela rigidez de observância a estes


princípios e ainda pela aceitação do Jihad, ou “guerra santa”, a batalha por meio da qual se
atinge um dos objetivos do islamismo, que é “reformar o mundo”. Qualquer muçulmano que
morra numa guerra defendendo os direitos do islamismo ou de Alá, tem sua vida eterna
garantida. Por esta razão, todos que tomam parte dessa “guerra santa”, não têm medo de
morrer ou de passar por algum risco.

Enquanto Cristo veio ensinar a paz, o amor, a renúncia em favor do próximo, o


exercício da misericórdia, a unidade e fidelidade familiar, Maomé ensina a matar e a morrer, a
destruir e a ser destruído, desde que avancem com suas doutrinas. Não importa as
conseqüências, eles devem se infiltrar no mundo e estabelecer seu domínio a qualquer preço.
Se o amor liberta, a paz edifica, a misericórdia oferece oportunidades de restauração, o
fundamentalismo islâmico se impõe pela dor, pelo aumento do sofrimento, pela imposição de
suas regras. Enquanto o adepto do Islamismo precisa se dobrar cinco vezes ao dia,
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interrompendo suas obrigações, o Cristianismo ensina seus adeptos a “orar sem cessar”, a
estar sempre meditando na lei do Senhor e a manter seu espírito em comunhão permanente
com Deus, o qual pode aliviar em todos os momentos a sua alma das aflições cotidianas.

3.7. A VISÃO DE FREUD (PSICANÁLISE)

Achamos interessante constar o posicionamento de Freud nesta análise, porque ele


envolveu suas teorias acerca da origem e tratamento do sofrimento humano com aspectos da
religião. Para Webster (1999), Freud se via como um messias e o fundador de uma nova
religião. Bettelheim (1999) também aceita esse posicionamento, uma vez que o trabalho de
Freud focalizou principalmente a alma humana (psicanálise = “Psique”, “alma” e “analisis”,
“análise” = “estudo da alma humana”). Bettelheim escreveu:

Em vez de instalarem um profundo sentimento pelo que existe de mais humano em


todos nós, as traduções tentam induzir o leitor a desenvolver uma atitude “científica”
do inconsciente e de como este condiciona grande parte de nosso comportamento
[...] Foi a ênfase de Freud sobre a alma que tornou sua análise diferente de todas as
outras. (p. 16, 25).

Acerca de Deus e a criação, escreveu Freud: “Ficamos inclinados a dizer que a


intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha incluída no plano da criação”. (Mal-Estar
na Civilização, p.24). Freud rejeitava a existência do Deus Todo-Poderoso, que criou o Universo
dando a ele qualidades visíveis, reflexos de suas qualidades invisíveis e de grau infinito:

Não é necessária muita perspicácia analítica para supor que Deus e o demônio eram
originalmente idênticos - uma figura única que foi mais tarde partida em duas figuras
com atributos opostos [...]. Assim, o pai, ao que parece, é o protótipo individual tanto de
Deus como do Demônio. (id, p.25).

Para Freud, Deus não criou o mundo num ato de amor, mas sim de castigo, portanto,
“não há nenhum Deus, nenhuma natureza bondosa”. O psicanalista diz que o mundo e a
humanidade seriam frutos do caos e do acaso descuidado que provoca um instável sofrimento.
Recorrendo à obra de Freud podemos compreender melhor este desalento de existir. Ao falar
sobre técnicas para afastar o sofrimento, o pai da psicanálise acaba por concluir: “Não cria
uma armadura impenetrável contra as investidas do destino e habitualmente falha quando a
fonte de sofrimento é o próprio corpo da pessoa”. (Id, Ibid, p. 29).

A pergunta lançada por Freud depois de colocar a tecnologia como contrária aos
efeitos benéficos da seleção natural também nos diz muito sobre o assunto: “Enfim, de que
41

nos vale uma vida longa se ela se revela difícil e estéril em alegrias e tão cheia de desgraça
que só a morte é por nós recebida como libertação?”. (Id, ibid, p. 40).

Como conseqüência ao seu desafeto pelo Deus Criador, Freud despreza as criaturas,
e principalmente o homem, que foi feito à sua imagem e à sua semelhança, como ele próprio
confessa numa carta a Lou Andreas-Salomé: “uma certa indiferença pelo mundo. (...) Nas
profundezas do meu coração, não posso deixar de me convencer de que meus queridos
irmãos homens, com poucas exceções, são destituídos de valor”, (WEBSTER, p. 297, 1999).
E ainda, como escreve Freud ao amigo e seguidor, o ministro protestante Oskar Pfister:

Não quebro demais a cabeça sobre o bem e o mal, mas tenho encontrado poucas
coisas ‘boas’ nos seres humanos em geral. Em minha experiência, a maioria deles é
lixo, não importa se publicamente aceitam essa ou aquela doutrina ética, ou
nenhuma [...] Se formos falar de ética, aceito um ideal elevado do qual a maioria dos
seres humanos que encontrei lamentavelmente se desvia. (Id, p.298).

Em “Homem dos Lobos” Freud se refere ao Deus Criador usando adjetivos


pejorativos e desprovidos de qualquer respeito. Acerca disto, escreveu Rizzuto: “[...] (Freud
dizia) pensar na Santíssima Trindade sempre que via três monturos de excremento de cavalo
ou de outro animal na rua”. Para a autora, foi com ódio e desprezo a Deus que Freud criou a
metapsicologia e a terapia psicanalítica, almejando tomar o lugar de pastor do rebanho.
(RIZZUTO, “Por que Freud rejeitou Deus?”, 2001, p. 163 - acréscimo nosso).

Além do fato de Freud, segundo autores e biógrafos, ter sido influenciado por
escritores e poetas ateus e racionalistas, Webster (1999)  aponta como outro ponto importante,
que contextualiza a psicanálise, o fato de que “... no final do século XIX, as ‘verdades’ das
religiões foram sendo cada vez mais desacreditadas, (...) começou a surgir uma aguda
necessidade de teorias seculares da natureza humana”, (p. 22). Dentre estas novas teorias
seculares o autor aponta a psicanálise e a antropologia estrutural, como dois exemplos de
doutrinas religiosas contemporâneas.

Bettelheim (1999) descreve Freud como herói e salvador:

[...] O objetivo da luta empreendida por Freud durante toda a sua vida resume-se em
ajudar-nos a adquirir uma compreensão de nós próprios, de modo que deixássemos
de ser impelidos por forças que nos eram desconhecidas (p. 28) [...] A história da
Psique pode ter sido especialmente atraente para Freud porque ele teve de entrar no
Inferno, e aí recuperar algo antes de poder atingir sua apoteose. Freud também tinha
que se atrever a penetrar nas profundezas tenebrosas - em seu caso, as da alma - para
obter sua revelação. (p. 25).
42

Freud compartilhava dessas colocações, e se via como um messias, um mentor e guia da


nova geração, empreendedora da união de toda humanidade. Rizzuto (2001) fez uma investigação
sobre essa problemática, mostrando a profunda auto-identificação que Freud estabeleceu com
Moisés, pois, assim dizia ele: “Freud tinha a missão de ser o guardião e o mensageiro de uma
nova doutrina divina que traria a verdadeira paz e liberdade aos homens” (p. 174).

Nas palavras da autora: “Não há dúvida de que Freud acreditava que sua missão era
tão importante quanto à de Moisés e de que ele se identificava total e explicitamente com o
patriarca” (p. 175). Ela cita parte de uma carta que Freud escreveu a Jung em 17.01.1909:
“Nós certamente estamos tendo êxito, se sou Moisés, então você é Josué e irá se apossar da
terra prometida da psiquiatria, que eu apenas vislumbrei à distância”. (RIZZUTO, Freud e
Jung, 1974, p. 196 - 197).

Freud passou à Jung a árdua tarefa de conduzir sua doutrina e seu povo, pois assim
como Josué, Jung seria fiel, forte e corajoso. Nas palavras do discípulo: “Ainda me lembro do
entusiasmo com que Freud me disse: - Meu caro Jung prometa-me jamais abandonar a
teoria sexual. De todas, é a coisa mais crucial. Veja, temos de fazer dela dogma, um baluarte
inabalável”. Max Graf, participante da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras, colocou: “Eu
era o apóstolo de Freud, que era meu Cristo!”.

Em 1928, Freud, escreveu a seu amigo Oskar Pfister:

Não sei se você percebeu o vínculo oculto entre Análise Leiga (1926) e O Futuro de
uma Ilusão (1927). No primeiro livro, quero proteger a análise dos médicos e, no
segundo, dos padres. Quero confiá-las a uma profissão que ainda não existe, uma
profissão de pastores seculares de almas, que não têm por que ser médicos e não
devem ser sacerdotes. (BETTELHEIM, p. 50).

Este conhecimento tão guardado é a “matéria” por excelência para a psicanálise,


segundo Bettelheim, é a energia vital que anima e domina a alma humana. É no profundo do
inconsciente que o homem encontraria “a revelação da própria realidade”, uma vez que esta
instância “é o ponto mais denso da realidade, seu excesso de real”, (ASSON, 1996. p. 27).
Para Freud, seria um erro acreditar em nossa inteligência, só saberíamos realmente quem
somos depois de atingir este conhecimento profundo que pulsa em nossa alma.

A realidade que, segundo Freud, transcende toda a natureza, somente pode ser
compreendida pelas “livres associações” e os sonhos. Isto é, o ID deixa emergir seus
43

conteúdos para o EGO, “deixando transparecer essa realidade mágica que liga o homem a
toda humanidade”. A psicoterapia psicanalítica é apresentada como a única saída para
conhecer a realidade psíquica:

[...] um inconsciente que é ativamente excluído, recalcado, que é, efetivamente,


inacessível à consciência e só pode ser alcançado com a ajuda de um
procedimento extremamente complexo e lento, que é o método psicanalítico.
(LAPLANCHE, 1992 p. 41).

Freud descreve um funcionamento ao qual se refere como “o aparelho da alma” ou


“aparelho psíquico”. Tal descrição estaria baseada no princípio de dualidade entre nossa
consciência e algo desconhecido que estaria presente, secretamente, em nossas ações. Assim,
essa dualidade se fundamenta na descoberta de “um outro radical em nós”, o inconsciente. O
recalcamento originário se torna, portanto, um termo importante dentro da descrição do
aparelho psíquico. (Idem. 1992, p. 122).

A censura do consciente e do pré-consciente aparece como rival das elaborações do


inconsciente. Somente nos sonhos e nas associações livres a censura relaxaria e,
conseqüentemente, os conteúdos do inconsciente poderiam se manifestar de forma mais
intensa. Justamente por isso, Freud escreveu: “A psicanálise se fundamenta na análise dos
sonhos e a interpretação deles constitui a obra mais completa que a jovem ciência realizou
até o presente”. (FREUD, 1912, p. 332).

Freud explica que, durante a noite os conteúdos recalcados desde a infância no


inconsciente se manifestam nos sonhos e vêm para o consciente, porém com uma mensagem
inconsciente ou enigmática que precisa ser decodificada. A dualidade “consciente/inconsciente”
precisa ser interpretada pelo psicanalista, a fim de ajudar a pessoa a se aliviar ou libertar do
sofrimento presente. Inserindo em sua teoria as três instâncias do ID, EGO e SUPEREGO,
que Freud considera as “estâncias ideais”, ele baseia suas teorias no narcisismo, nos sonhos e
nas paixões recalcadas.

Segundo Freud, o homem pode se iludir com um prazer parcial, mas a plenitude, a
união com o absoluto lhe foi negada, quando a inteligência calou o saber natural intuitivo; o
homem, depois disto, viveria uma grande ilusão, deixando-se levar pelas falsas ambições do
ego e pelas aparências falseadas que a nossa inteligência captaria do mundo externo.
Demonstrando doutrinas agnósticas, ele defende que o Demiurgo (criador), ao criar cada
homem único, inteligente e diferente, lançou uma maldição sobre a humanidade:
44

O homem foi lançado numa errância, já que não dispunha mais do sinal inequívoco
do objeto anteriormente natural e adequado. Com isto, a satisfação tornou-se
impossível, pelo menos enquanto satisfação plena. Nota-se que a impossibilidade de
satisfação deficiente ou ambígua, ou ainda a uma carência natural do objeto, mas ao
fato de que a ordem natural foi perdida, e, em decorrência, não há mais objeto
específico. Daí por diante, apenas uma satisfação parcial passou a ser possível.
(GARCIA-ROZA, 1999, p. 17).

Este objeto perdido que, embora nunca tenha sido possuído, deve ser reencontrado,
Freud o chamou de “das Ding - A Coisa”, um tesouro que “nos permitiria atingir a plenitude
e recuperar o absoluto que existiria dentro de cada um de nós”.  Em cada coração estaria o
segredo: o indivíduo é a humanidade. “Mas o Demiurgo nos cegou, e por isso a psicanálise
‘garimpa’ nossas falas, nossas ações, pois elas emergem desta luz magnífica e inefável que
nos une com o universo”. (Id, p.18).

Não interessa, para a psicanálise, o mundo exterior, pois a realidade objetiva


percebida seria uma ilusão do real que nos afastaria do verdadeiro real inconsciente, onde o id
se manifesta através de desejos, fantasias, sonhos, objetos, por excelência, da investigação
psicanalítica. Ao contrário do que nos diz o ego, a realidade não é exterior, a verdadeira
realidade é a interna, a psíquica. Assim, “a realidade em questão deixa de ser uma
realidade externa e passa a ser uma realidade psíquica”. (Id, Ibid, p. 99).

A tarefa do analista seria a de “desmetaforizar” os conteúdos inconscientes. Seu


objetivo seria o de garimpar o sentido da “mensagem, ainda que vaga e, sobretudo, enigmática,
mas endereçada ao outro”. “Desmetaforizar” estaria muito distante da decodificação que
acontece na comunicação, pois é o sentido e não o conteúdo que caracteriza a fala inconsciente.
Assim, “desmetaforizar” seria distinguir o conteúdo latente do manifesto, ou seja, discriminar
os conteúdos objetivos do sentido profundo que estes teriam. (LAPLANCHE, 1992. p. 98).

O id seria transcendente, o absoluto e o infinito imanente a cada homem. Garcia-


Roza compara o id ao daimon que habita o homem na alegoria platônica do Demiurgo.
Coerente ao Timeu de Platão, o homem teria um elemento heterogêneo em relação à natureza
primeira (a Divindade); assim, para restabelecer esta natureza perdida seria preciso unir o que
foi separado pelo Demiurgo (Deus Criador). Esta cisão teria feito com que a humanidade
perdesse o objeto absoluto e, por isso, o homem foi colocado no mundo como errante, sem
possibilidade de satisfação plena.

Esta busca pela plenitude permite compreender o pansexualismo freudiano.


45

Pois todo esse movimento do id, determinação e retorno à totalidade, é


evidentemente marcado pela teoria freudiana da sexualidade. Não se trata de ‘não
importa que dialética’, de ‘não importa que retorno’: é um retorno centrado no
problema sexual, e o próprio simbolismo do id é inteiramente um simbolismo
sexual. (LAPLANCHE, 1992, p. 146).

Para a teoria psicanalítica, a sexualidade seria o caminho para a indistinção, ou seja,


para a união primária, onde o eu e o objeto estariam fundidos. Este homem originário,
bissexual, em muito se assemelha ao homem andrógino de Platão, que Freud cita em “Além
do Princípio de Prazer”. Assim, o fato de sermos sexuados nos tornaria incompletos, divididos
e limitados, já que por “sexão” (tendo a “sexão”, um duplo sentido, ao mesmo tempo a ação
de “seccionar” e de “sexuar”) perdemos nossa individualidade (unidade). Daí, a origem de
muitos dos nossos sofrimentos vivenciados no decorrer da existência.

Segundo a psicanálise esta seria nossa saga: recuperar a bissexualidade do embrião.


Freud, em “O Mal-Estar na Civilização”, escreveu quais seriam os objetos sexuais
inatingíveis que redimiriam nossa incompletude. Ao homem caberia recuperar a mulher, e à
mulher, caberia unir-se novamente àquela “parte de si própria que lhe fora separada - seu
filho”. (FREUD, 1930 p. 55). É um conceito difícil de entender e de aceitar, pois moral e
eticamente confronta com tudo o que se tem aprendido pelos séculos de existência humana.

Sobre a busca da mulher pela bissexualidade Laplanche completa:

[...] a mãe no momento do parto é plenamente bissexual com o bebê-falo que a


preenche. Ela está por isso mesmo, o mais perto possível de seu estado fetal,
proximidade essa que não está isenta de engendrar, em seguida, ressentimento, pois,
o pensamento de Groddeck está longe de ser um otimismo ‘beatífico’: a hostilidade
e o ódio aí encontram seu lugar, particularmente a hostilidade da mãe pela criança, a
qual se explica pela perda dessa plenitude, uma vez consumado o parto. (1992, p. 142).

Assim, mais uma vez, segundo o autor, o estado original onde “todos eram um” foi
negado e mais um corpo cindido surgiu. Contudo, o elo que liga o humano ao absoluto está
dentro dele mesmo. O que alguns chamam de éon, outros de “germe divino”, a psicanálise
chama de ID, e mesmo sendo impossível conhecê-lo, a teoria freudiana sugere uma
introspecção profunda.

Vários autores consideram, igualmente, muito difícil conciliar o Cristianismo com a


psicanálise, já que uma das intenções claras de Freud era destituir a Igreja. Autores como
Ellenberger e Webster afirmam, entre outras coisas, que Freud tentou substituir a confissão de
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pecados pela sessão psicanalítica. Dar aos sofrimentos apenas uma conotação de sexualidade
reprimida é radicalizar uma área que tem profundas e diferentes conotações.

Rudolf Allers (in: www.permanencia.org.br/revista), um psicólogo cristão, que foi


discípulo direto de Freud, assistente de Adler e professor de Victor Frankl, afirma que o
naturalismo e o materialismo são, necessariamente, antagônicos da religião.

Uma atitude mental que introduz fatores imateriais e trans-mundanos, que sustenta
uma noção como a de uma alma espiritual e que acredita na revelação, torna-se, para
o espírito materialista, ininteligível, estranha e perigosa. Tal mentalidade é,
verdadeiramente, o oposto do materialismo e, ao passo que as atitudes religiosas
existem e permanecem eficazes na vida humana, o materialismo sente a sua posição
ameaçada. Os defensores de uma explicação ‘científica’ da realidade vêem na
religião, ou um inimigo, ou, pelo menos, um estádio rudimentar da evolução, que
tem de acabar por triunfar para assegurar o ‘progresso’ definitivo da raça humana.

O autor afirma que os psicanalistas sempre procuraram provar que a religião é um


produto de forças instintivas e da reação contra as mesmas. “Freud fala da religião como de
uma ‘ilusão’. Os ritos religiosos são assemelhados a práticas devidas à obsessão, ou
identificados com as mesmas práticas. A religião é uma neurose dos grupos”. Para Freud a
religião é um fato puramente psicológico, nociva e condicionada pelos mesmos fatores que
condicionam a neurose nos indivíduos, e que, para bem da humanidade, tem de ser abolida e
substituída pelo reino da ciência. Para Freud, a ciência traria uma era de prosperidade,
abolindo a religiosidade dos povos. Escreveu Allers (internet):

Uma filosofia que nega o livre arbítrio; que ignora a espiritualidade da alma; que,
com um oco materialismo e sem qualquer tentativa de prova, identifica os
fenômenos mentais e corporais; que não conhece outro fim senão o prazer; que se
entrega a um confuso e obstinado subjetivismo e que se mostrou cega à verdadeira
natureza da pessoa humana — não pode ter qualquer ponto comum com o
pensamento cristão. É-lhe completamente oposta.
 

Tal antagonismo é percebido por aqueles que procuram suplantar a religião pela
psicologia, fazer o analista ocupar o lugar do conselheiro cristão e defendem que o homem
encontrará alívio para os seus sofrimentos físicos, morais e espirituais no divã do psicanalista
e não na intimidade da confissão de pecados e do arrependimento sincero diante de Deus.
Allers afirma que a confissão de pecados e a busca de libertação é um ato consciente, sem
nenhuma exploração do inconsciente. O salmista entendia assim, quando rogava: “Quem há
que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas”, Sl 19.12. O autor
ainda diz: “A esperança e a boa vontade, um profundo conhecimento e, finalmente, a graça
47

de Deus irão ajudar o penitente a dominar os seus hábitos pecaminosos, a evitar as recaídas,
a fugir às tentações e a progredir no caminho da perfeição”.

Para a psicanálise aquilo que o paciente tem consciência de nada vale; o que importa
é o inconsciente. Considerando a vontade como um epifenômeno, entende que o que é real
esteja escondido nas profundezas do inconsciente. A existência de uma constelação de
tendências instintivas, o conflito entre o superego e o id, anula o sentimento de culpa pela
infração ou rejeição de uma ou outra lei moral objetiva. Na verdade, grande parte dos
sofrimentos humanos encontra alívio no arrependimento, na confissão de pecados e na
conseqüente libertação deles, como prometeu Jesus em Jo 8.32,36.

Sabemos que a ciência tem o seu lugar de importância na vida do homem e contribui
em muito para que seus sofrimentos sejam minimizados, poupando o desgaste físico,
oferecendo meios de cura e facilitando a locomoção, porém ela jamais ocupará o lugar de
influência que a religião e o contato com o sagrado podem oferecer. A própria Psicologia
fornece meios para facilitar o aconselhamento pastoral, mas ela jamais pode se alhear da
verdade bíblica, muito pelo contrário, deve buscar nela orientações seguras para o aflito.

A conclusão que podemos chegar é a mesma de Allers: a psicanálise freudiana é uma


heresia, por não ter nada em comum com a fé cristã. Embora ela não altere um artigo
fundamental do ensinamento cristão básico, apregoa as suas supostas razões difamando a Igreja,
contra a qual se levanta, e colocando dúvidas acerca da soberania e da perfeita vontade de Deus.
Também, o conceito fundamental da religião cristã, que é a concepção do pecado e suas
conseqüências, é negado pela psicanálise. Escreveu Allers:

A sua filosofia é decididamente determinista e a noção do pecado pressupõe o livre


arbítrio [...] o comportamento humano, de acordo com os princípios da antropologia
freudiana, não depende das forças conscientes, mas sim de forças inconscientes. Isto é
apenas uma conseqüência lógica do fato de que a psicanálise interpreta a
consciência, não como o reconhecimento da conformidade ou não conformidade
com as leis eternas da moral ou dos valores, mas como a expressão de um equilíbrio
restabelecido, ou perturbado, de forças instintivas. A psicanálise vê necessariamente
na consciência um mero fenômeno psicológico. Tal concepção da natureza humana
não poderá exercer qualquer coisa que se assemelhe à responsabilidade.

A psicanálise de Freud defende que toda a crença no sobrenatural, em Deus e na Sua


graça, na eficácia da fé ou na imortalidade da alma, emana de fatores instintivos. É muito
difícil aceitar este posicionamento, uma vez que somos testemunhas pessoais de que Deus
48

cura, liberta, reverte situações, remove cativeiros, transforma o caráter e faz tudo o que o
crente Lhe pedir com fé (Mt 21.22).

Allers analisa que a teoria de Freud “era, e ainda o é em grande extensão, um


processo para a cura de doentes nervosos”. Freud dizia que um homem é normal quando está
apto para trabalhar e gozar a vida. Gozar seria o mesmo que estar adaptado à realidade.
Porém, na sua concepção, que foi também defendida por Hendricks, alcançar um ego
desenvolvido é tornar-se capaz de manter a existência própria e assegurar uma satisfação
adequada dos instintos libidinosos e agressivos num ambiente socializado de adultos. Tais
conceitos excluem a ética, a moral, o respeito ao próximo e o temor a Deus.

Cremos firmemente, que a pessoa pode satisfazer o “princípio do prazer”, sem


assumir o homossexualismo ou a imoralidade. Temos dificuldade em aceitar a idéia freudiana
de que a natureza humana está em normalidade quando esteja apta para trabalhar e para
“gozar a vida”, pois existem muitas pessoas com saúde, disposição para o trabalho e para uma
vida sexual intensa, que sofrem com problemas diversos em muitas áreas da sua existência. O
fator desemprego, baixos salários, custo de vida, faz sofrer pessoas que, segundo o conceito
freudiano, estariam vivendo “em normalidade”.

Embora admitindo que, em algum aspecto, a psicanálise de Jung e de Frankl tenha


contribuído com o tratamento da alma humana, vemos que os seus conceitos gerais se tornam
inconsistentes diante do quadro múltiplo de sofrimento do ser humano. Coisas que só Deus
pode resolver e só o conhecimento da vontade de Deus pode ajudar a suportar.
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4. TEOLOGIAS DA MODERNIDADE X SOFRIMENTO

              À parte das considerações bíblicas que apresentaremos acerca do sofrimento nos
próximos capítulos, temos contemplado uma série de modismos teológicos que surgiram nas
últimas décadas, que de certo modo as contradizem. É importante analisar tais doutrinas, porque
elas exercem uma influência sobre as pessoas, apresentando causas e soluções para o
problema do sofrimento. Seus ensinos se dizem baseados na Bíblia Sagrada e estão inseridos
nos debates modernos da Apologética, com refutações também fundamentadas nas Escrituras.

             O Pr. Paulo Romeiro, em entrevista concedida à revista Resposta Fiel (2005, p.10-
12), cita, dentre tais novidades: a Teologia da Prosperidade, Quebra de Maldição, e as
distorções na área de Batalha Espiritual, colocando a ênfase da vida cristã nos demônios e
“espíritos territoriais”. Cita, ainda, os “abusos na área dos milagres” e os Movimentos dentro
das igrejas seculares que absorvem tais ensinos inovadores.

4.1. TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

              Segundo o Pr. Romeiro, essa doutrina, nascida na América do Norte, “prega o que as
pessoas querem ouvir”, oferecendo uma ajuda imediata para problemas imediatos, nas
diferentes áreas de necessidades humanas. Ele entende que tal doutrina, já em declínio nos
Estados Unidos, deve permanecer por bom tempo no Brasil, “por causa da tirania do
mercado. Ela precisa de dinheiro para sobreviver e as igrejas que pregam a Teologia da
Prosperidade conseguem arregimentar a multidão". Para o autor, a ênfase na prosperidade
provoca um grande problema na área evangélica, pois deixam de pregar a salvação, a vida
eterna, o céu, a santificação, e a volta de Cristo, conceitos básicos da fé cristã.

              Basicamente a Teologia ou Evangelho da Prosperidade firma-se em três aspectos:

a) Autoridade espiritual – nesta área defendem três pontos: (1) Deus tem dado autoridade
(unção) a profetas nos dias atuais. Isto contraria o ensino de Mt 11.13; Ef 4.11 e 1 Co 12.10.
Estes textos demonstram que o crente recebe o “dom de profecia”, o que não lhe confere
autoridade profética. (2) Autoridade das revelações, com ênfase em visões, profecias,
“entrevista com Jesus”, curas, palavras de conhecimento, nuvens de glória, rostos que
brilham, cair no Espírito e outras práticas. Quem rejeitar tais ensinos receberá a sentença da
50

morte, como Ananias e Safira em At 5. É certo que a Palavra de Deus confere autoridade aos
servos do Senhor, mas esta, derivada da fé no Nome de Jesus e da Sua Palavra, e não das
experiências pessoais, de visões e revelações muitas vezes extra bíblicas. (3) Os homens são
deuses, uma encarnação de Deus quanto Jesus Cristo o foi. Esta afirmativa já fora feita no
Jardim do Éden por Satanás, quando tentou o homem e a mulher à desobediência: “Sereis
iguais a Deus”, Gn 3.5. Zoe Hagin escreveu: “Eis quem somos: Jesus Cristo!”. Kenneth
Hagin escreveu: “Eu sou um pequeno Messias” (in: HANEGRAFF, Cristianismo em Crise.
pp. 57, 119).

b) Saúde e prosperidade – Esse tema insere-se no âmbito das promessas da doutrina da


prosperidade, onde o crente tem “direito” à saúde e riquezas; diante disso, doença e pobreza
são, segundo Kenneth Hagin, “maldições da lei” (in: ROMEIRO, 1993). Para os defensores
da doutrina, com base em Gl 3.13,14, os crentes são libertos das maldições da lei, que são:
pobreza, doença e morte espiritual. Para Hagin, o cristão sofre doenças por causa da lei de
Moisés constante em Dt 28. Diante disso, o cristão não pode adoecer nem ser pobre, nem ser
atingido pelas aflições, pois essas são maldições da desobediência.

c) Confissão positiva – Este ponto da Teologia da Prosperidade está incluído na “fórmula da


fé”, que Hagin diz ter recebido: “Diga a coisa”; “Faça a coisa”; “Receba a coisa”; “Conte a
coisa”. Assim, para se receber, deve-se dizer coisa positiva; receber ou não as bênçãos
dependem dos atos da pessoa e não da misericórdia de Deus; para “receber a coisa”, a fé é o
pino da tomada (conectado, o indivíduo recebe tudo o que quiser); a fim de que outros
também possam crer, é preciso testemunhar da “coisa”. Ao fazer a confissão positiva, o
indivíduo deve usar as expressões: exijo, decreto, declaro, determino, reivindico (em lugar de
dizer: peço, rogo, suplico). Jamais deve dizer: “se for da Tua vontade”, pois, segundo Benny
Hinn, “isto destrói a fé”. (in: HANEGRAFF, 1996).

            Vários autores cristãos de respeito analisam que aumenta consideravelmente o número
de crentes desiludidos e frustrados com a fé cristã, por terem acreditado na Teologia da
Prosperidade. Esta ensina que o crente verdadeiro deve ser próspero financeiramente, possuir
a melhor casa do bairro, ter sempre carros novos e conseguir tudo o que quiser. Como “filho
do rei”, deve “reivindicar” que as coisas assim aconteçam em sua vida. Ele não pode ter
doenças, nem aceitar o sofrimento, mas deve “determinar” que o mal saia de sua vida.
51

“Exige” de Deus que lhe dê tudo o que pede, porque esta é uma prerrogativa bíblica que tem
que se cumprir em sua vida.

           Particularmente, tive a oportunidade de presenciar, em uma cidade onde fomos, uma
pessoa em péssima situação, por ter acreditado na doutrina da prosperidade. Essa pessoa
encontrava-se endividada, cheia de problemas, ou, como dizem, “no fundo do poço”. Nova
convertida e muito sincera e fiel, ainda não alcançara a vitória nas áreas financeira e
sentimental. Aderindo a uma dessas igrejas, foi desafiada a investir uma soma muito alta
(diante da sua realidade), para que seu pedido fosse levado a um monte em Israel, onde seria
queimado numa fogueira. Sem recursos, sem avalistas, ela vendeu o que tinha em casa:
aparelhos de vídeo, de som, forno de microondas e alguns outros bens. A promessa é que teria
sua vida restaurada e conheceria a prosperidade em pouco tempo. O resultado, no final da
história, foi o de uma pessoa frustrada, ainda mais pobre do que quando entrara ali e
duvidando da bondade de Deus, achando que Ele tivesse preferências dentro do Seu Reino.
Duvidando até da sua conversão e fé, já que não possuía “autoridade e poder contra o mal”.

               Francisco Belvedere Neto, em artigo publicado pelo CACP intitulado “Modismos e
Heresias Ameaçam Igrejas Brasileiras”, escreve que a Teologia da Prosperidade “trata-se de
uma substituição do Evangelho da Graça, pelo 'evangelho' da ganância”. Ele cita o livro
“Curai Enfermos e Expulsai Demônios”, onde T.L.Osborn escreve que Paulo jamais foi
doente, contradizendo o seguinte texto: “E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez
por causa de uma enfermidade física. E, posto que a minha enfermidade na carne...”, Gl 4.13.14.

              Diz ainda Belvedere: “A Teologia da Prosperidade une o fútil ao desagradável, ou


seja, é uma mistura de ganância e comodismo”. Ele analisa que estamos nos esquecendo da
soberania de Deus, quando admitimos, como os adeptos da Teologia da Prosperidade, que nós
temos direito de reivindicar o que quisermos de Deus. Este mesmo autor refuta estes
ensinamentos da modernidade cristã, citando um material que recebeu, via eletrônica,
trazendo alguns dados publicados pela pesquisadora cristã Mary Schultz. Nesse artigo,
comenta que muitos dos pregadores da doutrina da prosperidade e da determinação faleceram
vítimas de tumores malignos e até de AIDS. Outros, que ainda sobrevivem, fazem tratamentos
de saúde devido a doenças incuráveis.   

                O Pr. Elinaldo Renovato de Lima, no artigo “A Teologia da Prosperidade à Luz da


Bíblia”, adverte que, embora refutando a Teologia da Prosperidade, admite que Deus tenha
52

promessas de prosperidade para Seus filhos, porém em primeiro lugar vem a prosperidade
espiritual, depois a material. Para o autor, refutar a doutrina da prosperidade não representa
aceitar a “doutrina da miserabilidade”:

                 O crente em Jesus tem o direito de ser próspero espiritual e materialmente, segundo
a bênção de Deus sobre sua vida, sua família, seu trabalho. Mas isso não significa
que todos tenham de ser ricos materialmente, no luxo e na ostentação. Ser pobre não
é pecado nem ser rico é sinônimo de santidade. Não devemos aceitar os exageros da
'Teologia da Prosperidade' e nem aceitar a 'Teologia da Miserabilidade'. Deus é fiel
em Suas promessas. Na vida material, a promessa de bênçãos decorrentes da
fidelidade nos dízimos aplica-se à igreja. A saúde é bênção de Deus. Contudo,
servos de Deus, humildes e fiéis, adoecem e muitos são chamados à glória, não por
pecado ou falta de fé, mas por desígnio de Deus. Que o Senhor nos ajude a entender
melhor essas verdades. (www.solascriptura.com.br).   

              O Pr. Paulo Romeiro, na entrevista citada anteriormente, fala sobre aquilo que os
pesquisadores e sociólogos chamam de “trânsito religioso”. Existe na atualidade um número
muito grande de crentes que não conseguem mais parar em igreja nenhuma. “Eles transitam.
Qual a igreja que oferece a melhor proposta ou o melhor entretenimento? Qual a igreja que
vai oferecer o melhor show daquele fim de semana?”. Ele faz tal assertiva, considerando que
hoje muitos que pregam a prosperidade chamam o culto evangélico de “show”, buscando
formas alternativas de atrair e segurar as multidões que “engordam os bolsos de seus líderes”.

              Tais sistemas doutrinários ensinam os crentes a não aceitarem as provações em suas
vidas. O fato de alguém estar em crise, representa que está debaixo de maldição. Os
problemas são mostra de que Deus não está ao lado deles e que devem entrar em “batalha
espiritual”, ignorando o poder do sangue e da fé simples no nome de Jesus. O crente não pode
sofrer, ficar doente, ter dívidas, entrar em falência, ter problemas no casamento e outras
provações, porque tais situações são prova de maldição, falta de autoridade e domínio
satânico. Embora reconheçamos a guerra espiritual travada entre o crente e sua carne, o
mundo e os demônios, ele deve preocupar-se primordialmente com o conhecimento de Deus e
seu relacionamento com Ele, em vez de ter sua fé centralizada em ataques demoníacos.

              É óbvio que tais ensinamentos contrariam aquilo que constatamos no contexto
bíblico acerca do sofrimento. Os adeptos da Teologia da Prosperidade citam os patriarcas e
usam muitos textos a eles referentes, porém poucos falam de Jó, de sua justiça, fidelidade e
postura nas horas de dores, aflições e angústias multiplicadas por que passou. Apenas citam a
sua “restauração”. Sei, por experiência própria, que os momentos de sofrimento que a vida
nos proporcionou foram de extrema valia para nossa edificação, confirmação, crescimento e
53

fortalecimento na fé. “E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua
eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará,
confirmará, fortificará e fortalecerá”, 1 Pe 5.10.

4.2. QUEBRA DE MALDIÇÕES

4.2.1. Maldições hereditárias

              Um dos modismos doutrinários mais difundidos entre o povo cristão na atualidade é
o ensino das “maldições hereditárias”, conhecido também como “maldição da família” ou
“pecado de geração”. Os pregadores desta doutrina afirmam que, se o indivíduo tem algum
problema relacionado com alcoolismo, pornografia, depressão, adultério, nervosismo,
divórcio, diabetes, câncer e muitos outros, é porque algum antepassado viveu aquela situação
ou praticou aquele pecado e transmitiu tal pecado ou maldição a um descendente. A pessoa
deve então orar a Deus para que revele qual é a geração no passado que a está afetando.
Descobrindo-a, pede-se perdão por aquele antepassado ou pela geração revelada e a maldição
estará desfeita. Não será isso um apoio velado ao mormonismo?

              Assim lemos no livro “Bênção e Maldição”:

                A maldição é a autorização dada ao diabo por alguém que exerce autoridade sobre
outrem, para causar dano à vida do amaldiçoado... A maldição é a prova mais
contundente do poder que têm as palavras. Prognósticos negativos são responsáveis
por desvios sensíveis no curso da vida de muitas pessoas, levando-as a viver
completamente fora dos propósitos de Deus [...] As pragas se cumprem.
(LINHARES, 1994, pg. 16).

              A escritora e conferencista Marilyn Hickey diz:

                             Se você ou algum dos seus ancestrais deu lugar ao diabo, sua família poderá estar
sob a ‘Maldição Hereditária’ e esta se transmitirá aos filhos. Não permita que sua
descendência seja atingida pelo diabo através das maldições de geração. Os
pecados dos pais podem passar de uma a outra geração, e assim consecutivamente.
Há na sua família casos de câncer, pobreza, alcoolismo, alergia, doenças do
coração, perturbações mentais e emocionais, abusos sexuais, obesidade, adultério?
Estas são algumas das características que fazem parte da maldição hereditária nas
famílias. Contudo, elas podem ser quebradas! (in: NETO, Francisco Belvedere,
CACP).

Um dos textos mais enfatizados pelos propagadores da maldição hereditária para


defender este ensino é Ex 20.4-6. Sabemos, contudo, que tal passagem não fala de pornografia,
alcoolismo, depressão, obesidade e outros problemas, mas de idolatria. O texto não respalda
qualquer afirmativa de que herdamos maldições espirituais de nossos antepassados em qualquer
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área das dificuldades humanas. Ele ensina, sim, que o fato de repassar às gerações o ensino da
idolatria, pode trazer uma geração inteira debaixo da maldição do pecado, que só Deus pode
perdoar mediante o sangue de Cristo, e da condenação eterna, que só Deus pode livrar,
também pela aceitação de Cristo como único e suficiente Salvador.

A Bíblia mostra que sempre que a nação de Israel mantinha um relacionamento de


amor e obediência a Deus, ela não podia ser amaldiçoada, fato comprovado na tentativa de
Balaque e Balaão, em Nm 23.23: “Pois contra Jacó não vale encantamento, nem adivinhação
contra Israel”. Vemos ainda, que sempre que a nação rompeu esse relacionamento amorável,
ficou exposta a muitas intempéries, inclusive maldições, estas originadas por Deus e para
punição pela afronta à Sua santidade. Nada a ver com antepassados, mas com “pecados do
presente”. A Bíblia ensina uma responsabilidade individual pelo pecado:

Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que tendes vós, vós que, acerca da terra de
Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos
filhos é que se embotaram? Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais
direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do
pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá, (Ez 18:1-4).

Seria o mesmo que afirmar nos dias atuais: os pais comeram chocolate e os dentes
dos filhos formaram cárie. O capítulo 18 de Ezequiel dá a entender que havia se tornado um
costume em Israel colocar a culpa dos fracassos pessoais nos antepassados ou em outros. Isso
faz lembrar o que aconteceu no jardim do Éden, quando, por ocasião da Queda, o homem
colocou a culpa na mulher e a mulher na serpente. Parece ser próprio do ser humano não admitir
seus erros, buscando evasivas para não tratá-los de forma responsável à luz da Palavra de Deus.
Infelizmente, alguns acham mais fácil culpar os antepassados do que enfrentar suas tendências
pecaminosas e cobiças do coração.

O ensino da maldição de família mais escraviza do que liberta. Até crentes que há
vários anos viviam alegres, evangelizando, servindo ao Senhor e dando frutos, agora estão
preocupados, deprimidos, pensando que talvez as tentações, as dificuldades e lutas pelas quais
estão passando sejam de fato reflexo de pecados ou do comportamento dos seus ancestrais.

Todos os cristãos sofrem tentações, numa ou outra área. Quando tentados para a
pornografia, o álcool, o adultério ou quando a depressão bate à porta, devem buscar respaldo e
formas de vencer na Bíblia Sagrada. Não adianta tomar atalhos ilusórios, voltando a um
passado que Jesus já perdoou e lançou no fundo do mar, nem buscando a culpa de tais
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sofrimentos em antepassados (Is 43.18,25). As Escrituras nos mostram que o caminho da


vitória sempre foi aberto mediante a observação das mesmas, pela santificação, pela oração,
jejum e comunhão com o Corpo de Cristo. Tal postura é desenvolvida pelo Espírito Santo na
vida do cristão e exige dele perseverança, autodisciplina e fé. “Não por força, nem por
violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”, Zc 4.6.

Observemos os reis de Israel e Judá. A narrativa do Antigo Testamento revela que


muitos deles foram ímpios e tiveram filhos piedosos, enquanto outros foram piedosos e
tiveram filhos ímpios. Eis alguns exemplos: Abias foi mau (1 Rs 15:3), mas seu filho Asa “fez
o que era reto perante o Senhor”, 1 Rs 15:11. Jotão “fez o que era reto perante o Senhor”, 2
Rs.15:34, porém Acaz, seu filho, “não fez o que era reto perante o Senhor”, 2 Rs 16:2.
Jeosafá agradou a Deus (2 Cr 17:1-4), enquanto Jeorão, seu filho, “fez o que era mau perante
o Senhor”, 2 Cr 2 1:6. Assim, a seqüência de bondade ou maldade que deveria suceder na
linhagem dos reis de Israel e Judá, de acordo com o que ensinam os pregadores da maldição
de família simplesmente não aconteceu. A esses exemplos certamente não se poderia aplicar o
provérbio: “Tal pai... tal filho”.

Inspirado pelo Espírito Santo, Paulo escreveu aos irmãos de Corinto, na sua primeira
carta, uma palavra tremendamente elucidativa quanto a esta questão:

Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem
impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem
avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. Tais
fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados,
em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. (1 Co 6:9-11; leia também
Gl.5:17-21).

Pode-se notar que Paulo não afirmou no versículo onze: “Mas haveis quebrado as
maldições hereditárias, mas haveis pedido perdão pelos pecados dos antepassados” ou algo
similar. Não, de modo algum, este não é o seu pensamento. Paulo afirma que aqueles que
estiveram presos nos pecados haviam sido lavados, haviam sido santificados e justificados,
sem qualquer necessidade de quebrar maldições dos antepassados. Cabem aqui algumas
perguntas: Qual é a maior das maldições? Sem dúvida é estar fora de Cristo. Qual a maior das
bênçãos? Certamente é estar em Cristo. Como se elimina a maior das maldições?
Introduzindo a maior das bênçãos, que é a pessoa de Cristo na vida do ser humano.

Se tiver base o ensino da confissão de pecados das gerações passadas, teríamos que
chegar em Adão e Eva, de onde procedem todos os seres humanos e toda a miséria que eles
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conhecem ou enfrentam. Mas já naquela ocasião o Senhor mostrou qual a solução para o
pecado e para os males do homem: o sangue do animal sacrificado, que cobriria as vergonhas
do transgressor. Mais explicitamente: o sangue de Jesus, o Filho de Deus, nos purifica de todo
o pecado (1 Jo 1.7).

A crença de que a violência é provocada por espíritos familiares também não tem
base bíblica. O apóstolo Paulo foi um homem violento: “Saulo, porém, assolava a igreja,
entrando pelas casas, e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere”, At 8:3. O
apóstolo João, antes de se tornar o discípulo do amor, não hesitava em dar vazão à sua ira.
Certa vez ele chegou a desejar que caísse fogo do céu para consumir os samaritanos que se
recusaram a receber Jesus (Lc 9:52-54). Paulo passou de violento ao que morre por amor e
João teve o seu temperamento vingativo transformado por meio da conversão, da operação do
Espírito Santo e de uma caminhada sincera com Cristo. Nenhum dos seus escritos afirma que
tenham sido transformados por meio da “quebra de maldições”.

Dentro do ensino encontra-se a sugestão de desenhar a árvore genealógica, a fim de


facilitar a quebra de maldições. Embora encontremos no Novo Testamento as genealogias de
Jesus, com a intenção de comprovar a Sua linhagem como o Messsias de Israel, a Bíblia não
traz tal ensinamento para a Igreja Cristã. O apóstolo Paulo até recomendou a Tito e Timóteo,
seus discípulos e pastores de rebanho, que não se envolvessem com esse assunto (1 Tm 1:4;
Tt 3:9). Como já dissemos, os mórmons é que defendem tal ensino, onde os adeptos, na
tentativa de resolver os problemas espirituais de seus falecidos, através do batismo
representativo, utilizam dinheiro e tempo com genealogias.

Segundo artigo escrito no site do CAPC, há os que dizem que devemos pedir perdão
pelos pecados de políticos acusados como corruptos. Outros estão sugerindo que, ao se
encontrar uma pessoa negra na rua, deve-se chegar a ela e pedir perdão pelos pecados dos que
promoveram a escravidão no Brasil. Há até aqueles que afirmam que os carros roubados no
Brasil e levados ao Paraguai são uma maneira de Deus fazer os brasileiros pagarem aos
paraguaios pelo mal que lhes fizeram em guerras passadas. Lemos, em uma apostila sobre
esta doutrina, que os alemãs que sofrem hoje devem pedir perdão pelo pecado de Hitler e
outros, os quais levaram milhares de judeus ao holocausto! E chineses sofredores, devem
pedir perdão pelo massacre ocorrido na Praça da Paz Celestial, em Pequim, no ano de 1989.

É assombroso tal ensinamento, pois a vida cristã, em vez de aliviar nossos fardos,
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nos traria mais fardos, pesos de pecados cometidos por outras pessoas e pela nação. A Bíblia
nos ensina, sim, a interceder pelos vivos, por todos, a fim de que tenhamos vida sossegada e
sejam convertidos a Deus (1 Tm 2.1-4). Embora soframos as conseqüências dos pecados dos
antepassados, é diferente com a culpa, já que o arrependimento é individual e deve ser feito
em vida. A Bíblia não nos autoriza a orar pelos mortos, já que após a morte vem o juízo
divino sobre eles (Hb 9:27).

É preciso lembrar ainda que, à luz da Bíblia, ninguém pode se arrepender por outra
pessoa. O arrependimento é algo pessoal, que se faz diante de Deus. A idéia de que
‘temos que até interceder, pedir perdão por pecados que aqueles antepassados
cometeram, e quebrar os pactos que fizeram’, contradiz a Palavra de Deus, que
afirma: ‘Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus’, (Rm 14:12).
(www.cacp.com.br).

4.2.2. Maldições de nomes próprios

              O livro “Bênção e Maldição” (LINHARES, 1994) traz:

A verdade é que há nomes próprios que estão carregados de maldição – já trazem


prognóstico negativo [...] Por isso não convém dar aos nossos filhos nomes que
tenham conotação negativa, que expressem derrota, tristeza, dureza: Maria das
Dores, Mara (amargura), Dolores (dor e pesar), Adriana (deusa das trevas), Cláudio
(coxo, aleijado), Piedade, Aparecida (sem origem, que não se sabe de onde veio).

              Acreditar que o nome da pessoa traz para ela uma maldição ou uma bênção é
acrescentar, também, fardos e cargas às suas dores. Certa vez decidi participar de uma série de
palestras sobre “Quebra de Maldições”, mais para conhecer o novo assunto, que pipocava no
meio evangélico. A Bíblia orienta a “reter o que é bom”, isto é, fazer uma filtragem do que
ouvimos e vemos, retendo apenas aquilo que nos traga edificação. Embora tenha ouvido
muitas coisas boas, reconheço que com bases bíblicas, houve um aspecto que muito me
entristeceu: o pregador não usou nenhuma vez o nome “Jesus” em suas explanações. Também
não abordou o assunto básico do plano da salvação, que é a confissão de pecados, o
arrependimento e a conversão a Deus. O poder de desfazer o mal, ou quebrar a maldição,
estava na pessoa atingida por ela e no pregador, que oraria por todos os presentes.

Na ocasião, durante a explanação do tópico sobre “maldição de nomes próprios”, foi


citado o nome de “Cláudio”, que me interessava de perto. “Quem tem o nome de Cláudio é
um manquitola espiritual, é uma pessoa que não evolui, não desenvolve”. Indignada e triste
por causa dos “Cláudios” presentes, voltei da reunião e fui pesquisar acerca do nome. Gastei
alguns dias procurando e descobri que o nome é interpretado como “claudicante”, no radical
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latino, porém foi um termo ajustado, visto que houve uma distinta família romana de
“Cláudios” e “Cláudias”, onde todos tinham um defeito físico, eram coxos. Quando se
referiam a eles, para identificá-los, diziam: “é o coxo”, passando então a ser definido o nome
como “o que claudica”, ou “o que coxeia”. Isto era normal até entre os discípulos, que
citavam “Tiago, o menor”, “Simão, o leproso” e outros, para identificar as pessoas.

              Cláudia é o nome de uma cristã de Roma listada entre os amigos de Paulo, que
enviam saudações a Timóteo, no final da segunda carta do apóstolo a esse discípulo, 2 Tm
4.21. Certamente assistindo a Paulo, juntamente com os demais, em sua prisão em Roma. É
interessante notar que o apóstolo não orientou Timóteo a orar para que a maldição do seu
nome fosse quebrada. Também não clamou o sangue de Jesus e nem se registra um ritual de
quebra de maldição quando escreveu o nome em sua carta. Pelo contrário, citou-a como
pessoa de sua intimidade e comunhão.

Outro exemplo: o termo “simonia”, que hoje significa o tráfico de coisas sagradas ou
espirituais, representa, no latim, “ato de Simão”, i.e., Simão, o Mago, que pretendeu comprar
do apóstolo Pedro o dom de conferir aos crentes o Espírito Santo (At 8.18-24). Se
considerarmos o nome de “Simão” como maldição, como fica o apóstolo Pedro? Algum
adepto da Teologia da Maldição poderia dizer: “Ah, foi por isso que Jesus mudou o nome dele
para Pedro” (ou, “pedra”). Mas por que Jesus não mudou o nome do seu irmão de carne, o
Simão (Mt 13.55)? E por que Pedro não quebrou a maldição do nome de Simão, o curtidor de
Jope, que o acolheu em sua casa (At 9.43)? E por que Jesus não rejeitou Simão, o cirineu, que
O ajudou a carregar Sua cruz (Mt 27.32)?

              O conhecimento bíblico nos informa que os nomes de algumas pessoas


corresponderam às suas personalidades e às circunstâncias em que viveram. O próprio Deus
Se encarregou de mudar alguns nomes, como o de Abrão para Abraão, para identificá-lo
como “pai de uma grande multidão”; de Jacó para Israel, “aquele que luta com Deus e
prevalece”. O nome de Moisés foi-lhe dado por ter sido tirado das águas. O apóstolo Paulo
mudou o seu nome, por causa de sua nova identidade cristã: “Saulo” quer dizer “maior”, e
Paulo, “menor”.

              Isso, porém, não é regra para se formar uma doutrina acerca dos males que atingem a
pessoa e lhe acarretam sofrimento. Por exemplo, ouvi um pregador dizendo: “Você, que tem o
nome de Dalila, precisa quebrar essa maldição. Todas as Dalilas sofrem, porque trazem a
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maldição da traição e da ganância”. A pessoa deveria pedir perdão pelo nome que recebeu
quando ainda não tinha qualquer noção da realidade, pela pessoa que lhe deu tal nome e orar
rejeitando a maldição que nele estava. Desejei muito que não houvesse ali nenhuma Dalila,
para evitar um constrangimento desnecessário.

              Se formos identificar os exemplos bíblicos, veremos que muitas pessoas ímpias
possuíam nomes de bons significados; como também muitas pessoas boas, tinham nomes de
significados nada recomendáveis. Alguns exemplos: Abias, cujo nome representa “Jeová é
pai”, tinha um bom nome, um bom pai (Samuel), mas foi de atitudes reprováveis (1 Sm 8.3).
O nome de Absalão, “Pai da paz”, não condizia com seu caráter fraco, belicoso e traiçoeiro (2
Sm 3.3; 13-19). Judas quer dizer “louvor”, mas notamos que, dentre os descritos na Bíblia,
um, o Iscariotes, traiu o Senhor Jesus (Mt 26.48,49). Outro Judas, considerado irmão de Jesus,
foi fiel e teve uma epístola registrada no cânon do Novo Testamento.

              É importante notar que Daniel e seus amigos, que possuíam homônimos hebraicos de
bons significados, tiveram seus nomes alterados na Babilônia, todos eles ligados a deuses
pagãos (Dn 1.7). Tais nomes não mudaram em nada o caráter fiel que destacava esses jovens.
Eles foram instrumentos de real importância na história do cativeiro e Daniel foi reconhecido
como o escritor do “Apocalipse” do Velho Testamento. Em nenhum lugar vemos Deus
orientando-os a quebrar a maldição dos nomes que receberam.

              É claro que o homem de Deus não é feito pelo seu nome, aspecto do qual não teve a
mínima participação e nem chance de escolha. Bar-Jesus, cujo nome representa “Filho de
Jesus”, era um mágico que resistia a Paulo quando este pregava ao procônsul Sérgio Paulo (At
13). Por outro lado, Apolo, cujo nome significa “destruidor”, foi homem de Deus, poderoso
na pregação da Palavra de Deus (At 18.24-28). Outro que tinha nome mitológico era Hermes,
amigo de Paulo (Rm 16.14). As Escrituras não registram uma vez sequer em que Paulo
instruísse estes irmãos a renunciarem aos nomes que tinham, porque sabia que eles
receberiam um novo nome no céu (Ap 2.17).

              Isto nos leva à dedução de que ninguém sofre porque é amaldiçoado pelo nome que
recebeu. Sabemos o quanto sofrem os presidiários e muitos deles possuem nomes bíblicos de
bons significados. Conhecemos várias pessoas que sentem vergonha e até rejeitam seus nomes
por chamarem Aparecida. Algumas delas preferem ser chamadas por apelidos. Mas
conhecemos também várias mulheres que, mesmo possuindo este nome, reconhecem a
60

grandeza da salvação recebida em Cristo e se tornaram muito importantes na Igreja cristã.


Temos uma irmã de carne com esse nome que é uma serva provada e aprovada, um instrumento
especial nas mãos do Senhor, ganhadora de almas e eficiente professora da Bíblia.

4.2.3. Maldições recebidas de terceiros

              Os pregadores da Quebra de Maldições tomam dois textos básicos para


fundamentarem este aspecto. O primeiro, Pv 18.21, que diz: “A morte e a vida estão no poder
da língua, quem a ama comerá do seu fruto”. O segundo, Tg 3.6-10, onde o escritor sacro
consta uma série de comparações para demonstrar o poder da língua: “... a língua pode
contaminar o corpo inteiro... colocar em chamas toda a existência da carreira humana...”.
Além de nomes que podem revelar maldições, também as palavras e expressões articuladas
podem trazer maldições sobre as pessoas.

              Sem dúvida, que existem palavras que ferem, até que matam. Há uma irmã, que
chamaremos de Raquel, a qual auxiliava no serviço de oração em um trabalho de libertação.
Quando ela foi orar com uma das visitantes, esta lhe disse que não queria a sua oração, mas a
de outra irmã “mais abençoada”. Em vez de fazer como Paulo, esquecendo e prosseguindo
(Fp 3.13) ela permitiu que a seta atravessasse o seu coração e a ferisse profundamente. Sua auto-
estima foi detonada.  Anos se passaram, mas ela nunca mais quis participar de uma equipe de
intercessão. Volta e meia Raquel volta a falar sobre o fato e chora, inconsolável, pelo acontecido.

              Mas isto não representa que palavras ditas numa hora de ira, num momento de
descontrole emocional, possam cair como maldições sobre as pessoas. O Senhor Jesus disse
que nossas palavras ou nos justificam, ou nos condenam, ou seja, a maldição cai sobre quem
profere as palavras (Mt 12.37). O verdadeiro cristão e a pessoa de bom caráter haverá de pesar
as suas palavras, por reconhecer o efeito que elas fazem nas pessoas. Mas aceitar essa teoria
das maldições recebidas de terceiros, é determinar o caos do universo. O Pr. José Laerton, em
artigo publicado no Jornal Fundamentalista (internet), analisa que se as pessoas sofrem por
causa das palavras dos pais, ou de qualquer pessoa que lhe seja afim,

[...] isso é terrível, pois implicaria em que o destino das pessoas e do universo estaria
no poder das palavras de pecadores inconseqüentes, falíveis e imprevisíveis. Isso
geraria um caos e um descontrole total da vida na terra. Isso anularia a própria
soberania de Deus no Universo. Isso tiraria o governo das mãos de Deus e o
colocaria na boca dos homens. Isso é ridículo, antropocêntrico e antibíblico.
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              Segundo o livro Bênção e Maldição (1994, pp. 16,18), Deus é dependente das
palavras dos homens para liberar o Seu poder: “Palavras produzem bênção... (ou) maldição...
Palavras negativas... dão lugar à opressão demoníaca... Palavras positivas (confissão
positiva), amorosas, de fé, de confiança em Deus, liberam o poder divino para desfazer a
opressão”. Com todo o respeito pelo eminente escritor, temos dificuldade em crer desta
forma. O Pr. José Laerton chama isso de “psicoterapia freudiana mistificada”, ou “doutrina
da transferência de culpa do pecador para seus ancestrais”. Consiste na transferência da
culpa e da responsabilidade do comportamento pecaminoso pessoal de alguém para pessoas
de seu relacionamento que, no passado, tenham lhe dito algo impensado. O sofrimento, assim,
é decorrente daquilo que nos falaram, e não da nossa herança genética, das nossas atitudes ou
mesmo por permissão divina.

              Lembro-me de uma senhora que nos procurou, que chamarei de Maria. Ela ouvira
que orávamos pelas pessoas e queria que eu orasse por “quebra de maldição”, porque lhe
disseram que estava debaixo deste estigma. “Já fiz diversas campanhas de quebra de
maldição e nada acontece em minha vida”. Durante o diálogo constatamos que sua vida era
marcada pelo adultério, ela havia desfeito o casamento de um homem e se juntado a ele, suas
filhas também praticavam o sexo desorientado (fora do casamento), estava tudo errado em sua
família e vida. Apresentamos a Maria o plano da salvação em Cristo, desde a constatação dos
pecados, o distanciamento de Deus, o arrependimento, até a nova vida em Cristo. Falamos dos
personagens bíblicos que, transformados por Jesus, mudaram o seu caráter e procedimento.
Maria aceitou Jesus aos prantos. Quando chegou à sua casa, a pessoa com quem vivia já
estava com as malas prontas, dizendo que ia voltar para sua mulher. A filha, que morava com
um rapaz irregularmente, logo decidiu pelo casamento e acertaram a sua situação. A outra
filha, psicóloga, que vivia em depressão, teve uma experiência linda com Jesus e foi curada. A
vida de Maria mudou completamente, quando ela convidou Jesus a entrar em sua história,
modificando-a ou escrevendo-a conforme a Sua vontade.

4.3. BATALHA ESPIRITUAL

As colocações a seguir foram retiradas de artigo publicado por Nelson Leite Galvão
intitulado “O Movimento de Batalha Espiritual”. (Disponível em www.cacp.com.br).

Este movimento admite a existência de alguns geradores de sofrimento:


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a) O dualismo entre Deus (a força do bem) e o Diabo (a força do mal) prevê uma guerra espiritual
constante, ora um ganhando, ora outro. “No cristianismo não existe lugar para o dualismo”, diz
Galvão, “ou o cristão crê que Deus é soberano sobre todas as coisas - e isso inclui a natureza,
o coração humano, os governos e o diabo - ou vive em angústia temendo o demônio”.

b) Espíritos Territoriais - o Diabo designou um demônio, ou vários deles, para controlarem


cidades, regiões e países. O objetivo destes “governantes espirituais” é impedir a glorificação
de Deus em seus respectivos territórios. Eles geram corrupção política, desagravos, fomes,
pestes, desempregos, doenças, violência, sensualidade, perversidade, miséria, etc. Galvão
admite que, no texto de Dn 10.13,20, possa ser entendido que existam demônios organizados em
distritos, que influenciam cada nação. Mas como é o único texto que trata do assunto, ele entende
ser mera especulação estabelecer uma doutrina peremptória acerca do mesmo.

c) Mapeamento espiritual - Para combater os espíritos territoriais, o crente precisa fazer o


mapeamento espiritual da região onde vai atuar, para conhecer que tipo de demônio opera
ali (chegam até a dar nomes diversos a eles), para que sejam amarrados, expelidos,
subjugados e expulsos. Paulo Romeiro (Evangélicos em Crise, p.141) comenta: “Ora, não se
destrona principados e potestades para depois pregar a Palavra de Deus, mas primeiro se
prega a Palavra, pois ela, sim, tem o poder para vencer as potestades malignas”. Horton (O
Cristão e a Cultura, p. 16) também comenta sobre isso da seguinte forma:

O Mapeamento espiritual, promulgado por crescente número de missiólogos, tenta


identificar ‘pontos quentes’ de atividade demoníaca com o alvo de ‘amarrar’ os
opressores malignos da região. Naturalmente, soa como algo saído de um livro
medieval de superstições, mas é levado muito a sério por bom número de líderes
evangélicos [...] Naturalmente, as Escrituras não relatam nenhum exemplo de
pessoas se salvando antes de ouvir a pregação da Palavra.

d) A terra é de Satanás – em virtude do pecado, Adão, que tinha autoridade sobre a terra,
repassou este direito a Satanás. Deus, por motivos éticos e legais, não pode interferir no poder
terreno de Satanás, por isso enviou Jesus: para devolver ao homem o domínio sobre a criação.
Essa é uma assertiva antibíblica, pois as Escrituras afirmam que a terra, sua plenitude e todos
que habitam nela, são do Senhor (Sl 24.1). Foi Deus, e não o diabo, quem julgou o mundo
pelo dilúvio (Gn 6.11-26). Outros textos, como Sl 50.10-12; Dn 2.21; 1 Sm 2.6,7 e Sl 103.19
atribuem todo o poder sobre a obra criada a Deus.

e) Retaliação – fazer a obra de libertação compreende um contra-ataque de Satanás, chamado


de retaliação. Assim, os crentes da batalha espiritual vivem orando por si mesmos, pedindo
63

proteção e executando um ato místico de “vestir a armadura espiritual”, para fortalecer contra
as retaliações satânicas. A Bíblia deixa claro que Satanás é nosso inimigo e acusador. Mas
deixa claro também, que ele só age contra nós, por permissão divina, visando um fim
educativo ou correcional (2 Co 12.7; Lc 22.31; Jó 1-2). Satanás também está debaixo do
poderio divino, ele não é “um ser autônomo, que vive independentemente”, diz Galvão. É
verdade que o apóstolo Paulo nos ensina a “tomar toda a armadura de Deus”, para “resistir
no dia mau”, Ef 6.10. Mas este não é um ato místico, e sim, uma realidade que deve fazer
parte da nossa vida cotidiana.

f) Brechas - Dentro do pensamento do movimento de batalha espiritual, a freqüência de um


determinado pecado na vida do crente, do incrédulo, de uma comunidade, cidade, nação,
concede ao diabo legalidade para intentar contra aquele que comete o pecado. O crente deve
buscar a santificação de sua vida, isso é notório nas Escrituras. O pecado afasta o homem de
Deus, também é notório. Mas ele deve santificar-se para agradar a Deus, porque ama ao Senhor,
e não para impedir que o diabo tenha legalidade sobre a sua vida. Davi pecou contra Deus,
provocou males sobre a nação (pois era seu rei) e sobre sua família, mas ele continuou sendo de
Deus, foi por Ele restaurado e viu cumpridas em sua vida as promessas que o Senhor lhe fez.

g) Possessão demoníaca de crentes - Galvão considera que um dos temas mais polêmicos que
a batalha espiritual tem gerado é se um cristão pode ter demônios. Simpósios de batalha
espiritual e o trabalho de libertação em muitas igrejas incluem rituais para expulsar demônios
de crentes. Alguns teólogos, embora reconhecendo que o assunto é polêmico, também
passaram a aderir a tal posição nos últimos tempos. Diz o autor: “De qualquer forma, a Bíblia
Sagrada tem a palavra final sobre esta questão ou sobre qualquer outro assunto relacionado
com a vida espiritual e o cristão”.

Merrill F. Unger (in: www.cacp.com.br), um autor lido e seguido por várias pessoas
que hoje desenvolvem ministérios de libertação espiritual no Brasil, reconhece a dificuldade
de se tratar do assunto, ao declarar:

A verdade da questão é que as Escrituras em nenhum lugar declaram que um


verdadeiro crente não pode ser invadido por Satanás ou seus demônios.
Naturalmente, a doutrina deve sempre ter precedência sobre a experiência. Nem
pode a experiência jamais oferecer base para a interpretação bíblica. Apesar disso,
se experiências consistentes chocam com uma interpretação, a única conclusão
possível é de que há alguma coisa errada, ou com a própria experiência ou com a
interpretação da Escritura que vai contra ela. Certamente a Palavra inspirada de
Deus nunca contradiz a experiência válida. Aquele que procura a verdade com
64

sinceridade deve estar preparado para consertar sua interpretação a fim de trazê-la
em conformidade com os fatos como eles são.

Unger já ensinou e escreveu, no passado, que somente os incrédulos estão sujeitos a


endemoninhamento ou possessão demoníaca. Mais tarde ele mudou de idéia, e diz por que:

Em Demonologia Bíblica, publicado primeiramente em 1952, a posição tomada era


de que somente os incrédulos são expostos ao endemoninhamento. Mas, através dos
anos, várias cartas e relatórios de casos de invasão demoníaca de crentes têm
chegado a mim de missionários em várias partes do mundo. Como resultado, em
meu estudo sobre a explosão atual do ocultismo intitulado Demônios no Mundo de
Hoje, que apareceu em 1971, a confissão é feita livremente de que a posição tomada
no Demonologia Bíblica foi assim entendida, pois a Escritura não resolve
claramente a questão.

Galvão considera que há alguns problemas com as declarações de Unger. Primeiro,


se a Bíblia não diz com clareza (“o que não é verdade”) que um cristão não pode ser possuído
pelo demônio, ninguém pode desenvolver uma prática em cima de um assunto que não seja
claro nas Escrituras. Segundo, Unger mudou de posição acerca da possessão demoníaca de
crentes, em virtude de cartas e relatórios de missionários baseados em experiências nos
campos de atuação e não por comprovação bíblica.

Neuza Etioka, líder na área da batalha espiritual, segue a mesma linha desses autores:

Se partirmos do pressuposto de que os crentes não podem ter demônios ou não


podem ficar endemoninhados, corremos o risco de deixar muitos crentes opressos
dentro da igreja, vivendo uma vida de grande prisão, mornidão, com uma
dificuldade tremenda para crescer. Afinal, o inimigo deseja uma vida cristã
medíocre. E aqui é preciso esclarecer a questão da terminologia usada. De acordo
com dezenas de estudiosos do grego, daimonozomenai significa ‘ter demônios’ e é
melhor traduzido pela palavra ‘endemoninhado’, nunca possesso, pois no Novo
Testamento não vemos o uso do termo [...] Endemoninhado tem um significado lato,
indicando o estado da pessoa que tenha um demônio ou até muitos demônios
perturbando ou oprimindo sua vida. Quanto ao local onde ele fica, não é o mais
importante. Ele pode ficar no corpo, fora do corpo, na alma da pessoa.

Há autores que afirmam ter expulsado demônios de centenas de crentes cheios do


Espírito Santo, alguns deles não apenas cheios do Espírito Santo, mas poderosos servos do
Senhor. O problema, segundo Galvão, é que eles “não sabem explicar como isso sucede”.
Devido a tais ensinamentos, muitos acabam duvidando da sua salvação, outros do batismo
com o Espírito Santo, aceitando que os sofrimentos que experimentam sejam provenientes dos
demônios que os possuem. Podemos aceitar que os crentes possam receber “influências
diabólicas”, quando deixam de vigiar e orar. Que eles possam ser atingidos por “setas
malignas”, quando se descuidam com o revestimento da armadura espiritual (Ef 6.10-18).
Tais ocorrências geram tristezas, dores, aflições, pois revelam a luta da carne contra o Espírito
65

e abatem o cristão fiel (Gl 5.17).

Mas não podemos admitir a possessão demoníaca em crentes. Concordando com as


colocações de Galvão, rejeitamos esta doutrina. Primeiro, porque o crente é santuário do
Espírito Santo (1 Co 6:19, 20.). Esta não é uma condição temporária, mas permanente. É
impossível Cristo conviver com o Maligno na mesma casa (Ef 2.2; 2 Co 6.15). Segundo,
porque o Espírito Santo zela pelas nossas vidas (Tg 4.5), intercedendo por nós em momentos
de fraqueza (Rm 8.26). Atribuir as obras de Jesus ao poder de Belzebu, o maioral dos
demônios, já era pecado e blasfêmia contra o Espírito Santo, que estava sobre Jesus (Lc 4:18,
19), pois o Espírito Santo não pode ser veículo usado por Satanás. Em terceiro lugar, o crente
é propriedade exclusiva de Deus (Ef 1.13,14; Ti 2.14; 1 Pe 2.9). Se o Senhor Jesus veio ao
mundo para “destruir as obras do diabo”, 1 Jo 3.8, então Ele é o valente que tomou posse de
nossas vidas, sendo o dono absoluto do tabernáculo que é o nosso corpo (Lc 11.21,22; 1 Pe
2.5; 2 Co 5.1). Por fim, temos segurança no imutável amor de Cristo:

Em todas estas cousas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que
nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem morte, nem vida, nem anjos, nem
principados, nem cousas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem
profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que
está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Rm 8:37-39.)

Paulo escreveu a Timóteo que, se nós formos infiéis, o Senhor permanece fiel a nós,
porque “não pode negar-se a si mesmo”, 2 Tm 2.13. O imutável amor de Deus nos garante:
“Nunca te deixarei e jamais te abandonarei”, Hb 13.5b. O apóstolo João garantiu que o
Maligno não toca naqueles que nasceram de Deus, 1 Jo 5.18.

4. 4. UM FUNDO DE VERDADE

              Não se podem confundir com maldição hereditária alguns aspectos verdadeiros, que
trazem problemas e sofrimentos para as pessoas. Bíblia é Bíblia. Refutar certos ensinamentos
não representa negar aquilo que está escrito e aquilo que a razão reconhece como correto, por
evidências e experiências. Vamos listar alguns aspectos:

 a) A questão da semeadura x colheita – pais alcoólatras, viciados, violentos, repassam uma
conduta de vida a seus filhos, que, certamente, estabelecerá o mesmo padrão de
comportamento no decorrer de suas existências. Experimentamos algo assim em alguém que
foi agregado à nossa família pelo casamento. O bisavô era dado à bebida, ensinou o avô a
66

beber, este aos filhos. O pai se embriagava e todos os filhos varões também, pois a bebida
fazia parte da rotina familiar. Porém um dia Jesus entrou no coração do avô, que foi liberto.
Dois de seus filhos se converteram e uma nora, que é a mãe desse agregado. Esta trouxe o
conhecimento do Evangelho aos filhos e marido, orando incessantemente pela libertação de
todos, o que aconteceu ao correr dos anos. Dos filhos, apenas um não se converteu ainda,
porém abandonou a prática da embriaguês.

              É óbvio que um pai ou uma mãe com sífilis, AIDS ou qualquer outra doença
enquadrada nas DST, vai transmitir tal mal aos filhos nascituros. Assim também os maus
costumes. Conhecemos famílias inteiras fichadas na polícia ou aprisionadas, onde os filhos
desenvolveram as práticas erradas cometidas por seus pais.

              Ninguém pode fugir à lei da semeadura e da colheita. O texto de Gl 6.7 garante que a
pessoa vai colher aquilo que semear. Isso poderá suceder, porém não é uma situação
obrigatoriamente definitiva. No momento em que uma geração se arrepender, voltar-se para Deus
e iniciar, por meio de Jesus Cristo, um relacionamento de amor com seu Criador, a maldição
cessará. Todavia, como vimos, o autor da maldição (ou punição) não é o pai de tal geração, mas o
próprio Deus, que manifesta a Sua ira contra todo pecado não confessado e abandonado.

               O capítulo 18 do profeta Ezequiel ensina que a responsabilidade pelo pecado é


individual e não adquirida. Desde o princípio o ser humano procura fugir da responsabilidade
de seus atos, lançando sobre outros a culpa do seu pecado. Vemos, em Gn 3, que Adão lançou
a culpa do pecado sobre Eva e esta, sobre a serpente. Para não tratar os erros e tentações com
responsabilidade à luz da Palavra de Deus, o homem procura evasivas, desculpas,
transferências de responsabilidades, como demonstra o Capítulo VI mais à frente. O caminho
para a vitória sobre as tentações não está no passado, em pessoas, mas na entrega sincera a
Deus, em jejuns, orações e busca de uma comunhão íntima com Deus.

           O ensino da quebra de maldições hereditárias aparece como um atalho mágico e


ilusório para substituir a doutrina da santificação, que é um processo indispensável a
ser desenvolvido pelo Espírito Santo na vida do cristão, exigindo dele autodisciplina
e perseverança na fé. (BELVEDERE NETO, CACP).

b) Enfermidades hereditárias ou genéticas – A Genética tem comprovado cientificamente que


é possível transmitir, de pais para filhos, doenças que fazem parte dos genes daqueles. A
Medicina também explica esse fenômeno. A bronquite, por exemplo, é doença hereditária.
Vivenciamos esse problema em família. Meu marido e eu sofrêramos dessa doença. Ambos
67

fomos curados milagrosamente, porém nossos três filhos nasceram com bronquite. Com o
passar do tempo Jesus também os curou, mas até isso acontecer sofremos muito com esse
problema.

              Assim diz Marilyn Hickey:

Será que você já observou uma família na qual todos os membros usam óculos?
Desde o pai e a mãe até a criança menor, todos estão usando óculos, e geralmente os
do tipo de lentes grossas. Essas pobres criaturas estão debaixo de uma maldição, e
precisam ser libertas. (In: Belvedere Neto, CACP, internet).

  Seria oportuno dizer, conforme artigo citado pelo autor, que Kenneth Hagin usou
óculos até o dia de sua morte. O autor analisa que, se há poder para destruir uma maldição
considerada hereditária, por que então não quebram a maldição da calvície, que é
geneticamente transmissível? Eu, particularmente, ainda não tive o privilégio de ver um calvo
recebendo cabelos, embora creia que Deus tem poder para isso. Aliás, se calvície é maldição,
o profeta Eliseu não teria autoridade para repreender os adolescentes que zombavam dele por
esse problema (2 Re 2.23,24).

              Certa vez enfrentei uma grande dificuldade, porque, numa reunião, falei a uma
pessoa enferma - que era influenciada pelos ensinamentos de maldição hereditária - acerca das
doenças genéticas. Ela não aceitou o fato da existência de formação genética, alegando que
“meu pai teve, minha mãe teve, mas eles não eram de Jesus. Eu sou de Jesus, e não aceito
essa maldição em minha vida”. Tentei explicar que mesmo sendo uma formação genética,
podemos receber a cura pela fé no poder do nome de Jesus, mas encontrei grande resistência
devido à confusão mental em que a pessoa se encontrava. Foi bastante difícil enfrentar depois
as conseqüências desse fato, porque a pessoa se ofendeu, criou raízes de amargura e deu
vazão a sentimentos de revolta, criticando o “espírito de teologia” que se apossara de mim.

              Jesus nunca respaldou esta doutrina, pelo contrário, descartou a possibilidade que
alguém pudesse ser castigado pelos pecados de seus antepassados. Caso típico foi o do cego
de nascença, Jo 9.2-3: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem
nele as obras de Deus”. Paulo também a rejeitou, afirmando que a pessoa que “está em Cristo
é nova criatura, as coisas velhas já passaram e tudo se fez novo”, 2 Co 5.17. Ele não admite
maldições na vida do cristão, apenas “toda sorte de bênçãos espirituais nas regiões celestiais
em Cristo”, Ef 1.3. O apóstolo orientava os crentes a esquecerem o que ficou para trás e a
prosseguirem para a vitória espiritual presente e eterna (Fp 3.13,14).
68

              Paulo nunca orientou Timóteo, que sofria “freqüentes enfermidades”, a fazer “quebra
de maldições”, mas a tomar um pouco de vinho junto com água, “ por causa do estômago”
(1 Tm 5.23). O apóstolo admite que, devido à natureza pecaminosa herdada de nossos
primeiros pais - Adão e Eva - gememos junto com a criação, esperando a redenção de nossas
almas e corpos (Rm 8.19-23). A Bíblia é repleta de exemplos de filhos, cujos pais eram
iníquos, que foram transformados pelo poder de Deus. E vice-versa, de pais santos, cujos
filhos tomaram caminhos errados. Os textos a seguir demonstram que a seqüência de bondade
ou maldade que deveria suceder na linhagem dos reis de Israel e Judá, de acordo com o que
ensinam os pregadores da maldição de família, simplesmente não aconteceu: 1 Sm 3.19; 12.3;
1 Re 15.3 com 1 Re 15.11; 2 Re 15.34 com 2 Cr 21.6.

c) Situações adquiridas em decorrência de imprevistos – muitas pessoas abençoadas, fiéis,


passam por tribulações devido a situações imprevisíveis que podem redundar em mutilações,
paralisias, perdas, etc. Conheço pessoas que, em decorrência de acidentes, ficaram
prejudicadas em seus movimentos e nem por isso perderam a sua fé, muito pelo contrário, a
reafirmaram. Até livros foram escritos por indivíduos que, devido a uma queda, ficaram
paraplégicos e, buscando a Deus, encontraram em Sua Palavra e Pessoa alento e uma nova
forma de vida, adaptada à sua presente e desafiante situação.

              Temos certeza que no acidente terrível ocorrido em Nova Orleans, atingida pelo
furacão “katrina” em final de 2005, havia muitos crentes consagrados. Eles podem não ter
entendido o ocorrido, mas creio que se mantiveram firmes na fé e confiança em Deus,
reconhecendo a Sua soberania. “Deus sabe de tudo”, foi a frase de uma pessoa entrevistada
que, no acidente, perdera familiares e tudo o que tinham materialmente. Poderíamos dizer que
Deus, em Sua ira, tenha permitido tal catástrofe, mas não que isso fosse decorrente de
“maldições hereditárias”. Ou, os crentes consagrados deveriam ter sido livrados das enchentes
e todos os seus estragos.

Concluindo este capítulo, fazemos nossas as palavras de Galvão (CACP):

Ensinar que um cristão tem que romper com maldições ou pactos dos antepassados
pedindo perdão por eles é minimizar o poder de Deus na conversão. Isso está mais
para o espiritismo ou mormonismo (com sua doutrina antibíblíca do batismo pelos
mortos) do que para o cristianismo. A Bíblia declara com muita ousadia: “Por isso
também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre
para interceder por eles” (Hb 7:25). O advérbio “totalmente” (panteles, no grego)
tem o sentido de pleno, completo e para sempre. Jesus não salva em prestações, mas
de uma vez por todas.
69

A afirmativa de Marilyn Hickey, “você pode decidir quanto ao destino exato de sua
linhagem. Eles ou vão para Jesus, ou vão para o diabo”, é totalmente adversa à verdade
bíblica. Vemos Samuel, o grande homem de Deus, que dava testemunho da sua integridade,
enfrentando uma triste realidade acerca de seus filhos: “[...] se inclinaram à avareza, e
aceitaram subornos, e perverteram o direito”, 1 Sm 8.3. Conhecemos muitos filhos que são
exemplares na fé e dedicação a Deus, até se tornando obreiros, enquanto seus pais rejeitam a
salvação em Cristo e colocam empecilhos à sua vida espiritual. Como também o contrário,
pais que são servos consagrados a Deus e seus filhos permanecem distantes da salvação.

Embora sabendo que os pais possuem grande influência na formação espiritual dos
filhos, estes são responsáveis pela sua alma e precisam se entregar a Deus, a quem pertence a
obra da salvação, Ef 2.8,9. “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade
do pai, nem o pai, a iniquidade do filho”, Ez 18.20. A alma que se entregar ao pecado, não
somente experimentará a morte eterna, mas sofrerá na terra as aflições de uma vida distante
de Deus e do Seu permanente cuidado.
70

5. O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE O SOFRIMENTO

Ao contemplar o quadro de sofrimentos pintado diariamente no universo e, mais


proximamente, quando a dor bate à sua porta, o ser humano dificilmente deixa de inserir a
Pessoa de Deus em suas indagações. Onde Ele está diante das tragédias que assolam a
humanidade? Por que a vida é tão trágica, se Deus é bom e compassivo? Teria Deus perdido o
controle ou, se Ele tem o controle, qual é a Sua intenção permitindo a dor em nossas vidas e
nas vidas dos outros?

Diante de tais indagações que, indubitavelmente, assolam o íntimo do indivíduo, as


reações são diferentes de pessoa para pessoa, embora formem grupos idênticos de preferências.
Algumas pessoas optam por negar a existência de Deus, porque não podem imaginar um Ser
que permita a situação miserável em que o mundo ou sua própria pessoa se encontra. Alguns
acreditam na existência de Deus, mas evitam entregar suas vidas a Ele, por acharem que não
seja bom e nem justo. Há os que até aceitam que existe um Deus bondoso, poderoso, porém que
Ele perdeu o controle sobre a humanidade rebelde. Outros, porém, se apegam firmemente à fé e
crença num Deus sábio, Todo-Poderoso e bom, cheio de amor, que usa o mal para realizar o
bem. Um Deus que transforma situações e favorece o ser humano no seu sofrimento.

Para analisar a área do sofrimento no aspecto bíblico, precisamos pensar na sua origem
e causas, nos propósitos divinos com o sofrimento, nas conseqüências que o sofrimento traz e
nas soluções divinas para o sofrimento. Isto porque, ao estudarmos a Bíblia, nos defrontamos
com um Deus que pode e faz tudo aquilo que Ele escolhe fazer. Ele é soberano em Suas ações e
tem propósitos às vezes conflitantes com nossa forma de entender. Conciliar as promessas da
Bíblia com os reveses da vida chega a ser quase uma arte dentro da prática religiosa.

Vejamos alguns exemplos: certas vezes Deus agiu com misericórdia, fazendo
milagres e prodígios em favor do Seu povo (Êx 15). Em outras ocasiões, Deus escolheu não
fazer nada para evitar uma tragédia (Jó 1 e 2). Supostamente Ele deveria estar intimamente
envolvido com nossas vidas, mas às vezes Ele parece surdo aos nossos pedidos de ajuda,
permitindo situações até insuportáveis em algumas ocasiões (2 Co 1.8). Na Bíblia, Ele nos
assegura ter o controle sobre tudo o que acontece, mas permite que nós sejamos o alvo de
pessoas más, de genes disformes, vírus perigosos, de desastres naturais ou provocados (At 27;
1 Tm 5.23; 2 Tm 4.10-16).
71

5.1. A REALIDADE DA DOR NO CORPO, NA ALMA E NO ESPÍRITO

Nem é preciso descrever aqui o quadro de sofrimento que assola toda a humanidade,
vitimizada por toda sorte de intempéries e assédios de espíritos malignos. Defendemos o
posicionamento de que o ser humano é composto de corpo, alma e espírito, conforme o
apóstolo Paulo consta em 1 Ts 5.23. A não ser o corpo, que é material, a alma e o espírito são
imateriais. É praticamente impossível fazer uma separação, pois esses três elementos
compõem o ser integral, o homem vivo que caminha e age sobre a face da terra. O corpo sem
a alma é morto (Tg 2.26); todavia, o homem pode “viver” terrenamente e estar “morto”
espiritualmente (Ef 2.1).

a) O corpo sofre com enfermidades, deformidades congênitas ou adquiridas e cansaços


provenientes dos seus muitos esforços. Ele é exposto às intempéries provocadas pela natureza,
é vítima do tempo e dos maus hábitos humanos. O corpo sofre agressões de diversas formas, a
maioria delas involuntárias, como o estupro, o acidente, a criança que é espancada ou a
mulher fragilizada por um marido alcoolizado. Temos a realidade da guerra, que nasce nas
mentes dos que não vão ao campo, mas atinge os corpos dos que são obrigados a ir, deixando
atrás de si também pessoas em sofrimento pela angústia da morte iminente. O corpo tropeça,
cai, se machuca, e enfrenta, inexoravelmente, a morte. Até mesmo a geração de uma nova
vida é feita mediante dores e desconfortos: “com dor terás filhos”, Gn 3.16b.

b) A alma humana é a área de maior manifestação do sofrimento. Nela se instalam os


sentimentos bons, como também os de perda, as frustrações, os traumas, as emoções mal
tratadas, as decepções sofridas durante a existência. Nesta área aflora o sofrimento moral
mediante confrontos com o ser humano possuído por sentimentos de ódio, desejos de
vingança, de cobiça ou por espíritos malignos que instigam contra a integridade da pessoa,
como foi o caso de Caim e Abel (Gn 4). O sofrimento moral também se revela em
mentalidades pervertidas pelo pecado, as quais transformam o corpo - que deveria ser templo
do Espírito de Deus - em morada de demônios e toda sorte de imundícias. Até mesmo o amor,
o mais elevado sentimento da alma humana, é sofredor (1 Co 13.4,7). O Senhor Jesus é o
maior exemplo de como o sentimento de amor e zelo devorava o Seu interior (Sl 69.9; Jo
2.17). O Seu amor O levou à cruenta morte de cruz (Jo 3.16; 15.13).
72

c) Não bastasse a dor no corpo e na alma, o espírito também sofre quando distanciado de
Deus. Em Nm 14.20-24, o Senhor Deus fala a Moisés acerca de dois tipos de espíritos
humanos: um, incrédulo e murmurador, que dominou a maioria do povo no deserto; e “um
outro espírito”, o espírito confiante que dominou Calebe e o levou a perseverar em busca do
ideal da terra prometida. O homem pode ter seu espírito morto e continuar a viver
corporalmente (Ef 2.1), mas o espírito humano pode ser vivificado ou restaurado à vida (2
Co 3.6). A pessoa pode ser espiritualmente enferma (Sl 42.5,6; 73); dominada por espíritos
demoníacos (Lc 8.28; At 16.16-18), ou simplesmente influenciada em seu espírito pelo mal
(1 Sm 16.14).

O espírito sofre quando o homem está distanciado de Deus, mas também sofre
mesmo quando bem próximo Dele. Paulo escreveu que “o amor é sofredor”, 1 Co 13.4. Em Is
53 é descrito o sofrimento de Jesus em toda a sua integridade, por amar a humanidade. Ele era
o “homem de dores”. O apóstolo Paulo, dominado pelo amor de Deus, registrou:

Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas. Quem
enfraquece, que eu também não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu também
me não abrase? Se convém gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha
fraqueza, 2 Co 11.28-30.

Qual a razão de tão amarga realidade? Por que o homem, feito à imagem e
semelhança de Deus, dotado de tão grandes habilidades e poderes, enfrenta tanto sofrimento?
A maioria das religiões não-cristãs analisa o problema do mal na vida do homem somente
como decorrência das próprias atitudes do homem, conforme a lei do karma. Para elas a
solução de seus problemas e sofrimentos está no homem. Na realidade, porém, o mal, de onde
provêm todas as dores humanas, tem uma explicação teológica, bíblica, metafísica, e não
meramente filosófica ou carnal.  

5.2. ORIGEM DO SOFRIMENTO

É difícil determinar onde nasceu de verdade o sofrimento. A Bíblia demonstra que a


rebelião surgiu no coração de Lúcifer, na esfera celestial. A maioria dos teólogos aceita que os
textos de Is 14 e Ez 27-28 demonstram a inveja deliberada, a liderança amotinadora e a
conseqüente queda daquele que se tornou Satanás, o príncipe das trevas, adversário de Deus e
instigador do mal. Os anjos que com ele foram expulsos do céu transformaram-se em
demônios, espíritos atormentadores, que procuram angariar súditos para o seu maligno rei.
Eles não têm mais chance de restauração, porque são espíritos e já estão julgados, Jo 16.11.
73

Diz o relato bíblico que Lúcifer foi lançado fora do céu (Is 14.12), e muitos
defendem que essa queda explica o caos descrito em Gn 1.2: “A terra era sem forma e vazia;
e havia trevas sobre a face do abismo”. Jesus afirmou: “Eu via Satanás, como raio, cair do
céu”, Lc 9.18. Desde então, o seu alvo é um só: fazer o mal, escravizar o ser criado por Deus,
espalhar as suas setas envenenadas e mortais.  

Satanás tem um papel primordial na relação homem-sofrimento. O homem, obra-


prima da criação divina, tornou-se alvo principal do seu ódio contra Deus. Assim que, se o
mal originou na rebelião dos anjos, a história do sofrimento humano, contudo, teve início no
Jardim do Éden, tendo Deus, Adão, Eva e Satanás como personagens principais. O relato
encontra-se no livro de Gênesis, capítulos um a três.

Deus criou o ser humano em estado de inocência e santidade, colocando-o,


juntamente com sua mulher, no paraíso terrestre. Eles teriam felicidade absoluta, liberdade de
ação, perfeito domínio sobre a obra da criação, intimidade e comunhão com Deus (Gn 1-2). A
glória de Deus estava sobre eles como um manto e os vestia. Mas eles estavam sujeitos a uma
prova: poderiam comer de todos os frutos existentes no jardim, mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal deveriam se abster (Gn 2.16,17). A obediência lhes garantiria
todas as prerrogativas com que Deus os cumulara ao colocá-los no jardim: comunhão íntima
com o Criador, vida eterna, poder dominador sobre a obra criada, amor, paz, sustento. Eles se
multiplicariam e encheriam a terra de uma geração bendita do Senhor, feita à imagem e
semelhança de Deus.

Todavia, Deus dotou o homem e a mulher de livre arbítrio. Eles deveriam escolher
obedecer a Deus, e isto fariam por amor, voluntariamente, por um ato de profunda
determinação interior. O mandamento de Deus demonstra a Sua perfeita vontade; a liberdade
do homem permite-lhe escolher obedecer e realizar essa vontade, ou não. Conhecendo Deus
pessoalmente, intimamente, ouvindo Sua doce voz a cada dia, caberia ao homem perpetuar
esse relacionamento por meio da obediência. Isto lhe garantiria a felicidade e a longevidade.

Satanás, porém, inimigo de Deus e de toda a obra criada, encarnou na serpente e


enganou primeiro a mulher, Eva, 1 Tm 2.14; esta, tomada pela transgressão, seduziu Adão a
comer do fruto proibido. A ordem de Deus fora desobedecida, e o mal, originado na esfera
celestial, produziu o seu fruto na terra, no jardim do Éden, lugar de delícias plantado por
Deus, onde o homem formado fora colocado, Gn 2.8.
74

A escolha voluntária do homem em comer da árvore do conhecimento do bem e do


mal, trouxe-lhe as tristes conseqüências prometidas por Deus: “No dia em que dela comeres,
certamente morrerás”, Gn 2.17b. Vejamos a sentença recebida pelo ser humano, decaído em
sua cobiça e pecado:

Então o Senhor Deus disse à serpente: [...] maldita serás [...] e porei inimizade entre
ti e a mulher [...] E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua
conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te
dominará. E a Adão disse: Porquanto destes ouvidos à voz de tua mulher, e comeste
da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela: maldita é a terra por causa
de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te
produzirão; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até
que tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó, e em pó te tornarás
[...] O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que
fora tomado. E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim
do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da
árvore da vida, Gn 3.14-19; 23-34.

O ato da humanidade, representada pelo primeiro casal, teve implicação cósmica.


Toda criação foi imersa num ambiente de sofrimento, como castigo. O ser humano tornou-se
frágil, propenso a enfermidades e o ambiente ficou perigoso, depósito de vírus e demais
anomalias que podem ser fatais à existência humana e demais criaturas. Portanto, após a
queda, viver é sofrer de alguma maneira. Toda a criação sofre, ou “geme”, conforme Paulo
diz em Rm 8.22. O sofrimento tornou-se parte da condição humana, porque ele é fruto da
decisão humana: “Porque semeiam ventos e segarão tormentas”, Os 8.7. Mesmo os que não
têm motivo para se queixar sofrem de alguma maneira.

Desobedecendo a Deus, Adão e Eva cometeram um grande mal e ficaram em dívida


para com o Seu Criador. Toda ofensa é proporcional à dignidade da pessoa ofendida. Lemos a
seguinte ilustração:

Se dou um tapa no rosto de um bebê, ele só chora pela dor, mas não compreende a
ofensa. Se dou o mesmo tapa num adulto, ele sofre mais com a injustiça e o insulto
do que com a dor física do golpe recebido. Se dou o mesmo tapa numa moça, porque
ela normalmente é mais fraca, para evitar represálias, acrescento malícia ao meu ato.
Se a mulher em que bato é uma velha, a culpa cresce. Se essa velha é minha própria
mãe, a culpa cresce ainda mais. Portanto, a culpa cresce em proporção da pessoa
ofendida. (www.montfort.org.br).

O autor usou tal ilustração para demonstrar que a culpa de Adão era proporcional à
pessoa a quem ele ofendera, ou seja, o próprio Deus infinito. Mediante tal premissa, logo a
culpa de Adão também se tornara infinita e merecia um castigo de igual modo infinito.
75

Analisando a infinitude do pecado, então, todos os pecados merecem castigo infinito: “É por
isso que quem morre em pecado, vai para o inferno eterno, que é como um infinito no tempo”.

O pecado de Adão foi infinitamente grave devido a alguns aspectos: em primeiro


lugar, Adão desobedeceu conscientemente. Ele não foi enganado, já que conhecia a ordem
divina e sabia claramente que não deveria comer do fruto proibido (1 Tm 2.14a). Este foi um
ato de descabida ingratidão e rebeldia: “[...] tendo conhecido a Deus, não O glorificaram
como Deus, nem lhe deram graças [...] o seu coração insensato se obscureceu”, Rm 1.21.

Em segundo lugar, ele desacreditou de Deus, aceitando-O como mentiroso e creu na


sugestão de Satanás. Este garantiu que, comendo o fruto da árvore do conhecimento do bem e
do mal, Adão não morreria; e mais: tornar-se-ia igual a Deus. O orgulho e a cobiça superaram o
sentimento de obediência em Adão, levando-o a cometer uma blasfêmia contra Deus. Quando
dizemos “Adão”, incluímos a pessoa de “Eva”, pois Deus os via como uma só carne (Gn 2.24).

Em terceiro lugar, alguns autores entendem que Adão cometeu um ato de magia, ao
desejar alcançar um efeito maior de causa menor. Ou seja: pelo simples ato de digerir uma
fruta (a causa – um ato finito), ele alcançaria um efeito infinito (ser igual a Deus). Sabendo
que isto era impossível, já que Adão era dotado da plenitude de sua inteligência, ele confiou
que o demônio o tornaria deus, ao lhe dar o sinal de que aceitava o seu auxílio, comendo do
fruto proibido. Este é um ato de satanismo, quando o homem deixou de pedir algo a Deus e
depositou a sua fé em Lúcifer.

De todo modo, Adão mereceu um castigo infinito que não podia pagar, porque o
mérito do homem, ao contrário da culpa, é sempre finito, já que depende apenas de
nós que somos finitos. Para pagar a dívida de Adão era preciso um mérito infinito
que só Deus pode ter. Portanto, o homem jamais poderia se salvar e jamais poderia
recuperar a felicidade absoluta que perdera. (www.montfort.org.br).

Tais atos de malícia, rebeldia, desobediência voluntária e perversão cultual, não


poderiam ficar impunes perante um Deus santo, puro e justo. A sentença dada por Deus, que
se resume na palavra “sofrimento” foi mais do que justa e necessária. Contudo, o sofrimento
humano não tem qualquer valor meritório ou expiatório. A Bíblia ensina que nenhuma
quantidade ou intensidade de sofrimento humano pode expiar o pecado, já que ele é
conseqüência do pecado. O mesmo Deus justo, porém, é também amor, misericórdia e
bondade. Satanás já estava julgado desde o princípio, porque é espírito e no seu espírito ele se
rebelou contra Deus. Mas o homem fora tentado em sua carne, havendo a chance de restaurar
76

o seu espírito morto, antes que o seu corpo se tornasse definitivamente em pó. Deus proveu,
assim, uma forma de o homem pagar a sua dívida por meio de um Salvador, como veremos à frente.

5.3. CAUSAS DO SOFRIMENTO

Este tópico entra em conexão com o item anterior, onde analisamos a origem do
sofrimento. É provado que toda ação causa uma reação. A causa básica do sofrimento
(reação) está na raiz da sua origem: a desobediência e rebeldia (ação) da criatura contra o seu
Criador. Na verdade, o sofrimento é, basicamente, uma resposta divina a um ato da
humanidade. Todavia, a maioria dos autores consultados leva-nos à dedução de que Deus não
“quer” o sofrimento de nenhuma das Suas criaturas, mas que Ele “permite” o sofrimento
mediante propósitos definidos em Sua presciência:

[...] Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele
fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que
recebe como filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que
filho há a quem o pai não corrija? [...] E, na verdade, toda a correção, ao presente,
não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de
justiça nos exercitados por ela, Hb 12.5-11.

Tais colocações acerca do sofrimento são bíblicas, mas nem sempre respondem às
perguntas que assolam principalmente as pessoas de bem. É fácil entender o sofrimento do
ímpio, já que ele está distanciado de Deus, morto em delitos e pecados, entregue às sugestões
demoníacas de comportamento. Mas é difícil, sem dúvida, compreender a razão do sofrimento
do crente, aquele que tem em Deus o centro da sua vida, que renunciou a tudo para segui-Lo e
tudo faz para agradá-Lo. O crente Paulo, por exemplo.

Diante de tais questionamentos, apresentamos um resumo baseado em vários autores


consultados e relacionados na Bibliografia, acerca das causas e dos propósitos de Deus com a
existência do sofrimento, tanto do não-crente como do crente.

5.3.1. O sofrimento do não-crente

A criatura fica sempre em acareação com o seu Criador. O autor de uma obra tem o
direito de requerer o encaminhamento e o destino final desta mesma obra. Digamos que, com
respeito a Deus, Ele tem os “direitos autorais” sobre a humanidade. Então, Ele pode e deve
levar a juízo todo estrago feito na Sua obra criada. Desta maneira, o sofrimento do não-crente
tem três motivos básicos:
77

a) Manifestar o caráter santo de Deus - Diz o Salmo 107.17 (NVI): “Tornaram-se tolos por
causa dos seus caminhos rebeldes, e sofreram por causa das suas maldades”. Este texto
afirma que os ímpios serão afligidos por causa dos seus pecados. As dores e as angústias
sobrevêm aos incrédulos como conseqüência das suas transgressões, rebeldias e maldades. Há
pessoas que vivem com o coração longe de Deus, se afundam nas suas iniqüidades e, quando
sofrem, perguntam-se: “Por que eu tenho sofrido tanto?” e até cometem blasfêmias contra
Deus. Porém Deus, por causa de Sua própria santidade, além de abominar o pecado, não pode
ficar impassível diante de práticas pecaminosas. Assim, à semelhança da cena no Éden, Ele
reage permitindo o sofrimento àqueles que se entregam à desobediência de Seus preceitos.

É óbvio que o princípio da semeadura jamais haverá de falhar. Como disse o profeta,
“quem semeia ventos, colhe tempestades”, Os 8.7. A pessoa que vive na prática da
prostituição, da bebedice, dos vícios, dos excessos, do roubo, da mentira, do ódio, sem dúvida
colherá os frutos amargos do seu procedimento desvairado. Aprisionamentos, doenças,
desprezo moral, afrontas e outras dores, advêm àqueles que desperdiçam as suas vidas em
dissoluções. A Bíblia adverte que até mesmo a morte prematura acompanha os caminhos do
ímpio: “[...] os insensatos morrem por falta de juízo”, Pv 10.21. “Os que têm coração ímpio
[...] morrem em plena juventude entre os prostitutos do santuário”, Jó 36.13,14.

b) Promover a justiça - Assim escreveu Isaías em um dos seus poemas proféticos: “... pois,
quando se vêem na terra as tuas ordenanças, os habitantes do mundo aprendem justiça”, Is 26.9.
O homem se perde em seus delitos e pecados e pratica a iniqüidade como decorrência da má
formação do seu caráter. Em Seu infinito amor Deus permite o sofrimento do ímpio e nem sempre
atende aos seus clamores, com o propósito de despertá-lo para a correção dos seus caminhos.

Embora seja um Deus essencialmente amor, Ele é também um Deus de justiça.


Quando Deus fez o homem, o formou coberto por Sua glória, perfeito, imaculado, em pleno
uso de sua razão e consciência. O pecado do homem ofendeu a Deus e à Sua lei, o que exige o
perdão das ofensas do transgressor ou a condenação pelos seus atos. Daí que o caráter do
homem precisa estar em consonância com o caráter de Deus, para garantir não só o alívio do
sofrimento terreno, mas principalmente do sofrimento eterno. Uma das maneiras de se levar
uma pessoa ímpia a viver uma vida correta é aplicando-lhe uma penalidade.

A manifestação da justiça de Deus tem um efeito saudável dentro da sociedade, pois


as pessoas começam a andar em retidão pelo medo da punição: “Com minha alma te desejei
78

de noite, e com o meu espírito, que está dentro de mim, madrugarei a buscar-te; porque,
havendo os teus juízos na terra, os moradores do mundo aprendem justiça “, Is 26.9.

c) Trazer o ser humano à consciência da salvação – Assim lemos em Isaías 9.2,6:

O povo que andava em trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na
região da sombra da morte resplandeceu a luz [...] Porque um menino nos nasceu,
um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será:
Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz.

                   A maioria dos testemunhos de conversão a Deus provém de pessoas que foram
atraídas à salvação por causa do sofrimento. A Bíblia e a igreja contêm fartos relatos de
pessoas que, buscando a Jesus para receberem a solução de seus males, acabaram recebendo
também a salvação. Frases como “vai em paz, a tua fé te salvou” geralmente acompanham os
milagres que personagens bíblicos receberam.

              Creio ser, particularmente, uma das poucas pessoas que se converteu porque, amando
a Deus e desejando fazer a Sua vontade, buscou ter um encontro com Ele e foi agraciada por
manifestações especiais da Sua bondade. Já a nossa mãe, como a grande maioria dos crentes,
converteu-se por buscar a cura de um nosso irmão que sofria de doença epilética, proveniente
de obras espúrias da macumbaria. Este também se converteu e tornou-se um pregador da
Palavra, ao receber a cura milagrosa operada pelo Espírito Santo.

5.3.2. O sofrimento do crente

A Bíblia afirma que “há tempo para todo o propósito debaixo do céu”, Ec 3.1. Não
há acasos; Deus tem um propósito para cada acontecimento. Sendo assim, nós não podemos
imaginar que Deus não tenha propósitos para com o sofrimento. Nem mesmo o sofrimento do
crente acontece por acaso. Embora muitos pregadores hodiernos, mormente os
neopentecostais, divulguem a doutrina de que o crente deve viver na "ilha da fantasia", sem
dores, com riquezas, só desfrutando do bom e do melhor, a Bíblia demonstra que o sofrimento
atinge a todos os seres humanos, indistintamente.

O pastor e psicólogo Paulo Fernando C. Mendes (EUA – por e-mail) define o


sofrimento dentro do seguinte esquema:

               - Sofrimento na dimensão DNA hereditário (herança);


               - Sofrimento na dimensão escolha e decisão (livre arbítrio);
79

               - Sofrimento na dimensão prova e crescimento (plano maior);


               - Sofrimento na dimensão natureza humana (o ladro antropológico do sobreviver);
               - Sofrimento na dimensão geradora de potencial.

Este resumo confere com os motivos demonstrados pela Bíblia que justificam o
sofrimento dos justos, conforme a seguir:  

a) Manifestar a santidade e justiça de Deus - O crente experimenta sofrimento como uma


decorrência da queda de Adão e Eva, já explicada anteriormente. O Deus Santo sofrera um
agravo por parte do homem e já não poderia conviver com ele sem que pagasse a sua ofensa e
recebesse o perdão. Quando o pecado entrou no mundo, por livre arbítrio do homem, entrou
também a miséria, a dor, a tristeza, o conflito e, finalmente, a morte sobre o ser humano (Gn
3.16-19). Vemos em Rm 5.12: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e
pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos
pecaram”. E em Hb 9.27: “Ao homem está ordenado morrer uma vez, vindo depois disto o juízo”.

O pecado do homem contrasta vergonhosamente com a santidade de Deus. Isto exige


um ato de justiça que se satisfaz plenamente no sacrifício vicário de Cristo. A cada vez que o
ser humano, mesmo o justo, ocorrer em pecado, deve ser purificado do mesmo, porque a
justiça de Deus exige um julgamento, uma sentença e o cumprimento da sentença. Existe,
portanto, um vínculo permanente da natureza humana decaída com o sangue derramado na
cruz do Calvário, única fonte de purificação para o pecador.

Não só o homem, mas a totalidade da criação geme sob os efeitos do pecado, e


anseia por um novo céu e nova terra (Rm 8.20-23; 2 Pe 3.10-13). Paulo assevera em Rm
11.32, que Deus a todos encerrou na desobediência, ou seja, encerrou tudo debaixo do pecado,
sob a tutela da lei (Gl 3.22). Tal ato divino coloca toda a humanidade no mesmo patamar de
uma natureza decaída: “... porque todos pecaram e carecem da glória de Deus”, Rm 3.23.

O Pr. Russel Shedd, em um artigo intitulado “Nenhum sofrimento é vão” (internet),


analisa que, em comparação a outros posicionamentos e religiões, o Cristianismo aceita um
Deus pessoal, que criou o universo e o homem com inteligência e mediante propósitos bem
delineados:

Admite-se que Deus poderia ter feito criaturas sem nervos e sem inteligência.
Poderia ter feito o universo sem qualquer sofrimento. Uma vez que admitimos a
80

personalidade de Deus e Seu 'eterno poder' (Rm 1.20), é impossível concluir que o
sofrimento ocorra por acaso.

Shedd enfatiza que, biblicamente, o sofrimento tem pelo menos três propósitos
distintos: retributivo ou punitivo; educativo; e vicário. O autor justifica a aceitação do
propósito retributivo ou punitivo, dizendo que, num universo em que a justiça existe, é
inconcebível que pessoas cometam injustiça sem sofrer as conseqüências, ou nesta vida, ou na
vida vindoura. Adão e Eva tiveram sua retribuição justa em vida, sendo possível, por meio do
arrependimento e retorno à obediência e amor a Deus, alcançar o perdão e novas
oportunidades na vida vindoura.

O Pr. Shedd exemplifica tal realidade citando que Adolf Hitler, por exemplo, teria
que sofrer alguma conseqüência pelas atrocidades injustas que cometeu. “Quanto sofrimento
merece alguém que provocou a morte de vinte milhões de pessoas de maneira tão
desumana?”. Ele admite que, desde a desobediência de Adão e Eva, que foram castigados
pelo sofrimento de gerar com dores e ganhar o pão com suor e cansaço, até hoje, há uma
concordância teológica de que sofrimento vem em retribuição da injustiça.

b) Prover uma solução vicária e redentiva para o pecador - Expõe o Pr. Shedd, no mesmo
artigo, que a Bíblia dá fundamentos firmes para edificar uma teologia do sofrimento
redentivo. Especialmente em Isaías, encontra-se a descrição do inocente Servo Sofredor a
quem Deus castiga para favorecer pecadores: “... Ele foi traspassado por causa das nossas
transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniqüidades”, Is 53.5. Esse versículo mostra
esta verdade claramente.

Deus pode usar, e usa mesmo, o sofrimento dos justos para propagar o Seu reino e
Seu plano redentor. Por exemplo: toda injustiça por que José passou nas mãos dos seus irmãos
e dos egípcios fazia parte do plano de Deus “para conservar vossa sucessão na terra e para
guardar-vos em vida por um grande livramento”, Gn 45.7. O principal exemplo, aqui, é o
sofrimento de Cristo, “o Santo e o Justo”, At 3.14, que experimentou perseguição, agonia e
morte para que o plano divino da salvação fosse plenamente cumprido. Isso não exime da
iniqüidade aqueles que O crucificaram (At 2.23), mas indica, sim, como Deus pode usar o
sofrimento dos justos pelos pecadores, para Seus próprios propósitos e Sua própria glória.

No Novo Testamento Paulo declara que todos são pecadores, mas nem todos têm de
sofrer pela injustiça que cometeram. Nas palavras do Apóstolo,
81

[...] Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados


gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. Deus o
ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue,
demonstrando a sua justiça, Rm 3.23-25.

É possível escapar das conseqüências do pecado crendo na pessoa de Cristo, que


sofreu vicariamente para pagá-los.

Paulo declara sua alegria em sofrer pelos Colossenses, completando em seu próprio
corpo “o que falta das aflições de Cristo”, em favor da igreja (Cl 1.24). Estes sofrimentos,
não punitivos, têm a finalidade de avançar o Reino contra o inimigo de nossas almas. Shedd
declara que há sofrimento voluntário que glorifica a Deus, exemplo disso é o mesmo Paulo,
que sofreu toda sorte de afrontas, perigos, dores, privações, por seu amor ao evangelho:
“Tudo sofro por amor dos escolhidos”, 2 Tm 2.10.

c) Levar o crente de volta ao caminho correto - Certos crentes sofrem pela mesma razão que
os descrentes sofrem, isto é, como conseqüência de seus próprios atos. O princípio da
semeadura, constante em Gl 6.7, aplica-se a todos de modo geral: “Tudo o que o homem
semear, isso também ceifará”. Por exemplo, muitos sofrem por se unirem a outra pessoa em
jugo desigual, contrariando a Palavra de Deus, vivendo um casamento insuportável. Outros
dirigem com imprudência o seu automóvel, e estão passíveis de sofrer graves danos. Quem
não for comedido em seus hábitos alimentares, certamente terá sérios problemas de saúde.
Jesus disse que as palavras que nós proferimos ou nos justificam, ou nos condenam (Mt
12.37). Há muito sofrimento advindo da imprudência, dureza e incompreensão das palavras
proferidas. E há os que sofrem por rebeldia, por deixarem de ouvir as palavras sensatas e os
conselhos prudentes.

Lemos em Pv 3.11-12: “Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor, nem se


magoe com a sua repreensão, pois o Senhor disciplina a quem ama, assim como o pai faz ao
filho de quem deseja o bem”. A dor pode ser uma linguagem divina usada para fazer o
“surdo” ouvir o que Deus tem a dizer. O salmista escreveu: “Antes de ser castigado eu
andava desviado, mas agora obedeço a tua palavra [...] Foi bom para mim ter sido
castigado, para que aprendesse os teus decretos”, Sl 119.67,71. O rei Ezequias orou: “Foi
para o meu benefício que tanto sofri”, Is 38.17.

Ao aceitar o propósito educativo e exemplar do sofrimento, o Pr. Shedd, em seu


artigo, exemplifica que uma das maneiras mais eficazes de prevenir a sociedade sobre as
82

conseqüências horríveis da AIDS é mostrar a um jovem um colega nas últimas fases dessa
doença. “Um filho mais velho sofrendo uma chicotada ajuda seu irmão a aprender o valor
exemplar do sofrimento”. O autor cita o profeta Oséias, que sofreu profundamente em seu
relacionamento conjugal com a intenção de exemplificar o amor de Deus pelo Seu povo. Jó
aprendeu a pensar mais acuradamente sobre Deus após ouvir Eliú e o próprio Deus chamar
sua atenção sobre o erro de seu pensamento.

A dor e o sofrimento como ação permissiva de Deus não é sinal do Seu abandono,
mas do Seu atraente amor. Na verdade, Ele está permitindo uma situação que conduza o
crente a uma tomada de posição, a um renovo de propósitos, a uma nova postura de vida
cristã. No caso de Jó, o Senhor queria mudar alguns conceitos do patriarca e revelar-Se a ele
de maneira mais profunda e íntima.

E os entendidos entre o povo ensinarão a muitos; todavia cairão pela espada, e pelo
fogo, e pelo cativeiro, e pelo roubo, por muitos dias. E caindo eles, serão ajudados
com pequeno socorro, mas muitos se ajuntarão a eles com lisonjas. E alguns dos
entendidos cairão para serem provados, e purificados, e embranquecidos, até ao fim
do tempo, Dn 11.33-35.

d) Confirmar o valor da fé - O sofrimento é um meio que Deus usa para fazer o crente crescer
na sua fé. Vemos, em 1 Pd 1.6,7, que o sofrimento é comparado à ação do fogo. A ação do
fogo é múltipla: ele destrói, consome, aniquila; mas a Escritura cita o fogo aqui como um
elemento purificador, um elemento que torna o objeto aprovado, aperfeiçoado, confirmado. O
processo de confirmação de nossa vida em fé é comparado ao processo da depuração do ouro
pelo fogo.

              O fogo é sinônimo de sofrimento causado pelas provações: passamos por ele e por
meio dele somos confirmados em nossa fé. Os destinatários da carta de Pedro estavam sendo
provados com aflições. Não haveriam de sofrer por muito tempo, mas estavam sofrendo para
que o valor da sua fé fosse confirmado. O sofrimento tem diversas manifestações. Deus
permite várias formas para promover crescimento no meio do seu povo. Por essa razão, Pedro
diz que os crentes seriam contristados “por várias provações”. Esse teste de fé está longe de
ser uma experiência agradável.

              Pedro diz que o sofrimento para a confirmação da fé vem quando necessário. Nem
todos os cristãos que passaram pelo mundo experimentaram os sofrimentos dos quais Pedro
falava. Por essa razão ele diz: “Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se
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necessário, sejais contristados por várias provações”. A conclusão que se pode tirar dessa
passagem é que nem todos sofrem, porque não é necessário que haja crescimento ou
confirmação da fé somente por meio do sofrimento.  

              Pedro diz que o sofrimento para a confirmação da fé não é longo. Mesmo que em
certas ocasiões o sofrimento possa vir sobre os crentes, ele não permanece para sempre. Pedro
diz que os crentes são contristados “por breve tempo”. O sofrimento é de duração limitada.
Aliás, não podemos nos esquecer de que a duração curta da provação está em contraste com a
alegria que vamos desfrutar amanhã. O salmista assim se expressou: “O choro pode durar
uma noite, mas a alegria vem pela manhã”, 30.5b.

Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o
interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea
tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente. (2 Co 4.16,17).

e) Fazer o crente dependente de Deus num mundo dominado pelo pecado - A fidelidade a
Deus não é garantia de que o crente não passará por aflições, dores e sofrimentos nesta vida.
Em 2 Co 6.3-13; 11.22-33, Paulo faz um breve resumo de sua vida de sofrimentos, embora
fosse totalmente consagrado a Deus. Em 2 Tm 3.12 ele relata ao jovem pastor as muitas
aflições por que passou em suas viagens missionárias. Na realidade, Jesus ensinou que tais
coisas poderão acontecer ao crente: “No mundo passareis por aflições, mas tende bom ânimo;
eu venci o mundo”, Jo 16.33. O apóstolo João, referindo às lutas que o cristão enfrenta,
escreveu: “E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”, 1 Jo 5.4b.

A Bíblia contém numerosos exemplos de santos que passaram por grandes


sofrimentos, por diversas razões, como Jó, José, Davi, Jeremias, os apóstolos e outros. No
caso de Jó, o seu físico estava, falando numa linguagem simplista, praticamente "podre". Aos
olhos humanos, era impossível haver uma restauração. Isto torna o crente totalmente
dependente da graça e da bondade divina.

O fiel Jeremias serve de exemplo, no cap. 38 de seu livro. Por entregar aos dissolutos
e rebeldes reis de Judá a palavra do Senhor, o profeta foi preso (cap. 37) e, depois, lançado
numa cisterna no pátio da guarda do palácio real. Aquela cisterna tinha somente lama e
Jeremias ficou ali confinado, sem água e sem pão. Estava sofrendo por amor a Deus. Os
homens o tratavam com rudeza e desprezo, e ele dependia totalmente de Deus. O Senhor,
porém, não o desamparou, despertando o espírito de um eunuco etíope, que servia como
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oficial no palácio. Este, compungido pela situação de Jeremias, foi falar ao rei com risco da
própria vida, e obteve autorização para tirar o profeta do fundo do poço e trazê-lo para o pátio
da guarda, onde tinha a garantia da comida e do teto protetor.

O que dizer de José, vendido por seus irmãos como escravo, depois aprisionado
como um malfeitor, abandonado por todos numa fria cela, sem nada dever a ninguém? O
capítulo 11 de Hebreus nos apresenta a “galeria dos heróis da fé”, onde o relato do sofrimento
é de tal maneira que chega a citar pessoas santas que

[...] experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões. Foram apedrejados,


serrados ao meio, tentados, mortos ao fio da espada; andavam vestidos de peles de
ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados. [...] dos quais o mundo
não era digno [...], errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da
terra, Hb 11.36-38.

Há ainda crentes que sofrem no seu espírito, por habitar num mundo pecaminoso e
corrompido. Por toda parte ao seu redor estão os efeitos do pecado, em contraste com a
necessária santidade devida ao Senhor. Ao contemplar o domínio da iniqüidade sobre tantas
vidas, é normal sentir aflição e angústia. Deus mostrou para Ezequiel aqueles que “suspiram e
gemem por causa das práticas repugnantes que são feitas na cidade”, Ez 9.4.  Em At 17.16
encontramos Paulo compungido em seu espírito, devido à constatação da idolatria
predominante em Atenas. O apóstolo Pedro referencia como o justo Ló se atormentava todos
os dias por causa do pecado do povo de Sodoma (2 Pe 2.8). Ao saber da triste situação de
Jerusalém, Neemias chorou e lamentou por alguns dias (Ne 1.4).

As Escrituras afirmam que não tem como haver comunhão entre a luz e as trevas,
entre os que servem a Deus e os que não O servem (2 Co 6.14,15). Em Fp 2.15 os crentes são
exortados a fazer a diferença no mundo: “Para que venham a tornar-se puros e
irrepreensíveis, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração corrompida e depravada,
na qual vocês brilham como estrelas no universo”. É claro que isso demanda em sofrimento,
porque o mundo reagirá brutalmente ao brilho do Evangelho e daqueles que o anunciam.

Tal situação caótica de um mundo dominado pelo pecado torna o crente totalmente
dependente de Deus. No Salmo 124 o poeta bíblico testemunha que, se não fora o Senhor ter
estado ao seu lado, o povo de Israel teria sido engolido vivo, quando os homens se levantaram
contra ele. É uma realidade inconteste que não existe em nós força alguma para vencer as
tentações do mundo e da carne, se não houver uma ação divina em nosso favor. Quando Paulo
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confidenciava a Timóteo acerca das lutas, traições e decepções que passava, falou, triunfante:
“Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me... e fiquei livre da boca do leão”, 2 Tm 4.17.

f) Desenvolver uma capacidade de compaixão pelos outros - De um ponto de vista


essencialmente bíblico, o crente também sofre porque tem “a mente de Cristo”, o “homem de
dores” (1 Co 2.16; Is 53.3). Ser cristão significa estar em Cristo, estar em união com Ele;
nisso, compartilhamos dos seus sofrimentos (1 Pe 2.21). O próprio Cristo chorou em agonia
por causa da incredulidade reinante em Jerusalém, cujos habitantes se recusavam a
arrepender-se e a aceitar a salvação (Lc 19.41). Também somos chamados a chorar pela
pecaminosidade e condição perdida da raça humana (Jr 9.17-20). Paulo incluiu na lista de
seus sofrimentos por amor a Cristo, descrita em 2 Co 11.23-32, a preocupação diária pelas
igrejas que fundara: “quem enfraquece, que eu também não enfraqueça? Quem se
escandaliza, que eu não me abrase?”.

Semelhante angústia mental por causa daqueles que amamos em Cristo deve ser uma
parte natural da nossa vida: “chorai com os que choram”, Rm 12.15. A Bíblia diz que “o
amor é sofredor”, 1 Co 13.7. Compartilhar dos sofrimentos de Cristo é uma condição para
sermos glorificados com Cristo (Rm 8.17). É nosso dever dar graças a Deus, pois, assim como
os sofrimentos de Cristo são nossos, assim também nosso é o seu consolo (2 Co 1.5). O v. 4
deste texto diz que, da mesma forma com que Deus nos consola em todas as nossas
tribulações, também espera que usemos tais consolações para aliviar o sofrimento dos que
passam por idênticas tribulações.

É Deus que nos capacita para confortar aqueles que sofrem. O sofrimento é uma
excelente escola, onde aprendemos a consolar e confortar as pessoas da mesma maneira como
Deus o faz. Nós, seres humanos, somos diferentes de Deus: enquanto Ele conhece todas as
coisas sem nunca as ter experimentado, nós só conseguimos aprender a fazer algo através da
experiência. Dificilmente aprenderemos a confortar pessoas a menos que passemos pelo
sofrimento e recebamos o conforto divino. Sem dúvida, faltar-nos-ão palavras e argumentos,
sem passarmos pela escola do sofrimento.

Paulo escreveu aos Filipenses: “[...] as coisas que me aconteceram contribuíram


para maior proveito do evangelho”, Fp 1.12. A Timóteo, Paulo escreveu:
86

Pelo que sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus
não está presa. Portanto, tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles
alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna. (2 Tm 2.9,10).

Se o próprio Jesus teve de aprender a obediência pelas coisas que sofreu, tendo de
experimentar o sofrimento e a tentação para poder socorrer os que são tentados (Hb 2.8),
quanto mais nós temos de aprender na prática sobre a consolação divina para podermos
consolar os que estão sofrendo! Uma boa parte dos Salmos é composta por testemunhos de
angústias e aflições e a conseqüente misericórdia divina agindo em favor dos escritores. Os
seus escritos hoje e sempre ajudam milhares de milhares a alcançarem a mesma bênção.

f) Para derrotar Satanás - Não bastassem todos os tipos de aflições, os crentes enfrentam
diariamente ataques do diabo. As Escrituras claramente demonstram que Satanás, “o deus
deste século” (2 Co 4.4), controla o presente século mau (1 Jo 5.19; cf. Gl 1.4; Hb 2.14). Ele
recebe permissão para afligir crentes de várias maneiras (cf. 1 Pe 5.8,9). Jó, um homem reto e
temente a Deus, foi atormentado por Satanás por permissão divina (cap. 1-2). Jesus afirmou
que uma das mulheres por Ele curada estava presa por Satanás havia dezoito anos, embora
fosse “filha de Abraão” e freqüente aos cultos (Lc 13.11,16). Paulo reconhecia que o seu
espinho na carne era “um mensageiro de Satanás, para me esbofetear”, 2 Co 12.7.  

Satanás e seus seguidores se comprazem em perseguir os crentes. Paulo escreveu a


Timóteo: “Também todos os que querem viver piamente em Cristo Jesus, padecerão
perseguições”, 2 Tm 3.12. Ele também relata como Satanás se levantava para impedir o
progresso do Evangelho (At 13.8; 1 Ts 2.18). A operação de Satanás é tão intensa, que Paulo
disse que ele pode se “transfigurar em anjo de luz, para enganar, se possível, até mesmo os
escolhidos”, 2 Co 11.14 .

Na medida em que travamos guerra espiritual contra “os príncipes das trevas deste
século”, Ef 6.12, é inevitável a ocorrência de adversidades. Em Daniel 10 notamos que
enquanto o profeta orava e jejuava, estava sendo travada uma batalha espiritual de grande
magnitude. Por causa de um conflito nas regiões celestiais Daniel demorou a receber a
revelação divina. Por isso, Deus nos proveu de armadura espiritual e armas espirituais (Ef
6.10-18; 2 Co 10.3-6). É nosso dever revestir-nos de toda armadura de Deus e orar, decididos
a permanecer fiéis ao Senhor, segundo a força que Ele nos dá.
87

Os que amam ao Senhor Jesus e seguem os seus princípios em verdade e com retidão
serão perseguidos por causa da sua fé. Evidentemente, esse sofrimento por causa da justiça
pode ser uma indicação da nossa fiel devoção a Cristo (Mt 5.10). O próprio Cristo foi
entregue ao suplício por inveja (Mt 27.18). A dedicação de Jó a Deus despertou a inveja de
Satanás, que se levantou terrivelmente contra sua vida (Jó 1,2). Particularmente, penso que o
espírito de inveja é uma das piores manifestações do demônio, pois conseguiu levar o Filho
do Deus Vivo ao suplício crucial no Calvário.

É nosso dever, uma vez que todos os crentes também são chamados a sofrer
perseguição e desprezo por causa da justiça, continuar firmes, confiando naquele que julga
com juízo e verdade (Mt 5.10,11; 1 Co 15.58; 1 Pe 2.21-23).

g) Para nossa edificação espiritual e formação do nosso caráter - Deus pode usar e usa o
sofrimento como catalisador para o nosso crescimento ou melhoramento espiritual.
Freqüentemente, Ele emprega o sofrimento a fim de chamar a Si o seu povo desgarrado, para
arrependimento dos seus pecados e renovação espiritual. O Salmo 107 demonstra quatro
situações em que o povo de Deus agiu com rebeldia, imprudência ou mesmo enfrentou
situações desafiadoras e, clamando ao Senhor, foram não só aliviados, como edificados em
sua fé, obediência e conhecimento de Deus.

Em Sua sabedoria, Deus pode usar o sofrimento para testar a fé dos crentes, para ver
se permanecem fiéis a Ele. A Bíblia diz em Tg 1.2-3, que as provações que enfrentamos são a
prova da nossa fé. Na verdade, elas são um meio de aperfeiçoamento da nossa fé em Cristo.

E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto
estes quarenta anos, para te humilhar, e te tentar, para saber o que estava no teu
coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não. E te humilhou, e te deixou ter
fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o
conheceram; para dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas de tudo o
que sai da boca do Senhor viverá o homem, Dt 8.2-3.

O apóstolo Pedro afirma que uma fé autêntica resultará em glorificação a Deus:


“Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado
pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo”, 1 Pe 1.7.

Além de fortalecer a nossa fé, Deus emprega o sofrimento também para nos ajudar
no desenvolvimento do caráter cristão e da retidão. Segundo a teologia de Paulo e de Tiago,
88

Deus quer que aprendamos a ser pacientes mediante o sofrimento, dependendo menos de nós
mesmos e mais de Deus e Sua maravilhosa graça:

[...] e não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a
tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a
esperança, e a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado [...] Sabendo
que a prova da vossa fé obra a paciência [...] E disse-me: a minha graça te basta,
porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei
nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Pelo que sinto
prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias
por amor a Cristo. Porque quando estou fraco, então sou forte, Rm 5.3-5; Tg 1.3; 2
Co 12.9,10.

Em outras versões da Bíblia, a palavra “tribulações” é traduzida como “sofrimentos”,


“perseverança” é traduzida como “paciência” e “experiência” é traduzida como “caráter
provado”. Assim, Paulo diz que os sofrimentos produzem perseverança. Na língua grega, a
palavra “perseverança” pode também ser traduzida por paciência, persistência, constância.
Essas são algumas características que se apresentam no homem maduro, que se mantém leal à
sua fé e aos seus propósitos mesmo quando está debaixo das maiores tribulações ou
sofrimentos. Como disse o cantor sacro: “Os mais belos hinos e poesias foram escritos em
tribulação e do céu as lindas melodias, se ouviram na escuridão”.

Paulo diz que a perseverança produz experiência. Essa é parte da reação em cadeia na
formação do caráter cristão. Assim como os sofrimentos produzem a perseverança (ou
paciência, ou constância, ou persistência), esta produz experiência. Como vimos, no grego a
palavra “experiência” pode ser traduzida por “caráter provado”. A idéia é a de alguém que foi
testado e saiu vitorioso no teste, tendo desenvolvido um caráter amadurecido pelos sofrimentos.

O texto ainda diz que a experiência produz esperança. O sofrimento do cristão o


conduz à perseverança, à firmeza, à constância e à paciência, porque eles são conectados à
esperança. Há alguma coisa no final que os faz levantar os olhos e crer na mudança dos
acontecimentos. Para o cristão, o sofrimento é o ponto em que o poder da esperança fica cada
vez mais claro, ligando o nosso presente ao futuro de vitória, porque para o cristão “os
sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória a vir ser revelada em
nós”, Rm 8.18. (in: www.diantedotrono.com.br).
89

5.4. ASSUNTO INCOMPLETO

O Pr. Shedd (internet) pondera que, mesmo depois de analisar estes propósitos do
sofrimento, fica ainda a necessidade de uma explicação mais ampla pelo sofrimento de
inocentes, tais como crianças com AIDS ou que nascem deformadas. Ou, pessoas que passam
fome e privações pela má administração dos recursos do país. Analisa que a falta de
penetração impactante do evangelho permite que os governantes pratiquem injustiças. Mas
conclui dizendo que o cristão sabe que nenhum sofrimento é em vão: “O que precisamos é
paciência e aguardar o dia em que a gloriosa justiça de Deus será dispensada
perfeitamente”. Como disse o profeta: “A terra se encherá do conhecimento da glória do
Senhor, como as águas cobrem o mar”, Is 11.9. Imagino que a eternidade responderá muitas
dúvidas que temos no presente.

5.5. O CONSOLO DO CRENTE

            Deus tem um relacionamento especial com o sofrimento do crente. Ele o acompanha,
dirige, consola e ajuda. Satanás, o deus deste século, só pode afligir um filho de Deus pela
vontade permissiva do Pai (Jó 1-2). Deus promete nas Escrituras que Ele não permitirá que
Seus filhos sejam tentados além do que possam suportar (1 Co 10.13). Também lhes dá a
promessa de que Ele converterá em bem todos os sofrimentos e perseguições daqueles que O
amam e obedecem aos Seus mandamentos (Rm 8.28). José verificou esta verdade na sua
própria vida de sofrimentos (Gn 50.20). Segundo o autor de Hebreus, Deus usa os tempos
difíceis da nossa vida para nosso crescimento e benefício (Hb 12.5). Como Bom Pastor, o
Senhor andará com os Seus até mesmo no “vale da sombra e da morte”, Sl 23.4.

            Independente da severidade das circunstâncias vividas pelo crente, Deus se importa
sobremaneira com ele (Rm 8.36; 2 Co 1.8-10; Tg 5.11; 1 Pe 5.7). Portanto, o sofrimento
jamais deve proporcionar ao filho de Deus a sensação ou conclusão de que Ele não o ama, ou
que dele se esqueceu. Também não deve levá-lo a rejeitar o Senhor como seu Salvador. É
bem verdade que existem pessoas que sofrem perdas terríveis e abaladoras, mas também é
verdade que cobram atitudes de Deus, sem terem conhecido a Deus e sem nunca terem
buscado a Sua boa, agradável e perfeita vontade para as suas vidas.

               E quando as coisas acontecem com os fiéis? Ouvi um pregador dizendo que a fidelidade
do crente não lhe traz imunidade. Ele citou o exemplo do rei Ezequias, o qual fez grandes
edificações para a restauração de Israel como nação e como povo de Deus. Ezequias foi um dos
90

grandes avivalistas do Velho Testamento, trazendo profundas reformas religiosas, contudo


Deus permitiu que fosse afrontado e enfrentado pelos exércitos do poderoso rei da Assíria:

Depois destas coisas e desta fidelidade, veio Senaqueribe, rei da Assíria, e entrou em
Judá, e acampou-se contra as cidades fortes, e intentou separá-las para si [...] o seu
rosto era de guerra contra Jerusalém [...] e clamaram em alta voz [...] contra o povo
de Jerusalém, que estava em cima do muro, para os aterrorizarem e os perturbarem,
para tomarem a cidade, 2 Cr 32. (grifo nosso).

                 Longe de se revoltar contra Deus, de ficar “cobrando” tudo o que fizera para o
Senhor, tendo como paga a perseguição, Ezequias colocou o povo de prontidão, em atitudes
que dificultassem a incursão de Senaqueribe e conclamou-o a depositar a sua fé em Deus:

Esforçai-vos, e tende bom ânimo; não temais, nem vos espanteis, por causa do rei da
Assíria, nem por causa de toda a multidão que está com ele, porque há um maior
conosco do que com ele. Com ele está o braço de carne, mas conosco o Senhor
nosso Deus, para nos ajudar, e para guerrear as nossas guerras. E o povo descansou
nas palavras de Ezequias, rei de Judá, 2 Cr 32.7,8.

                      Sob as ameaças e afrontamentos dos enviados do rei da Assíria, Ezequias colocou-
se no templo diante do Senhor, expôs para Ele a situação e recebeu ajuda em tempo oportuno.
As aflições passadas ao comparar o seu pequeno exército com o grande exército inimigo
foram recompensadas por um agir extraordinário e miraculoso de Deus em seu favor e em
favor do povo de Israel. Mais uma prova de que a fé cristã não consiste na remoção de
fraquezas e sofrimentos, mas na manifestação do poder divino através deles: “Temos, porém,
este tesouro em vaso de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós ”, 2
Co 4.7. “Tu, porém (Daniel), vai até ao fim; porque repousarás, e estarás na tua sorte, no fim
dos dias”, Dn 12.13.
91

6. SOFRIMENTO x PROVAÇÃO x TENTAÇÃO

É impossível comentar a realidade do sofrimento sem avaliar os aspectos da


provação e da tentação, que dizem respeito direto à nossa fé e postura espiritual. Embora
sejam termos que se confundem dentro do contexto bíblico, existem algumas diferenças
práticas entre provação e tentação. Sem nos deter em discussões acerca da origem da tentação,
entendemos que tanto uma quanto a outra são experiências comuns a todos os seres humanos
e se traduzem em sofrimentos. A Bíblia utiliza muito o termo “tribulação” e “atribulado”, que
representa o processo pelo qual passamos durante um tempo de provação ou tentação.
Sofremos com a provação, sofremos com a tentação, sofremos com a tribulação.

Na Bíblia a palavra traduzida como “tentação” ou “provação” é a mesma:


peraismos. Quer dizer: “teste”, “prova”. Há vários tipos de provas a que podemos ser
submetidos: perseguições, doenças, desemprego, problemas familiares, oposição
desencadeada por Satanás, aparente distância de Deus, etc. (1 Pe 1.6). Todos estes tipos de
testes são chamados de “provações”.

            Há um tipo especial de provação, que é aquela desencadeada por Satanás, visando
nossa derrota e valendo-se de uma cobiça interior nossa para incitar-nos com algo que tenta
levar-nos ao pecado. Esta prova é uma “tentação”. A tentação se alimenta dos desejos e
cobiças aos quais nos curvamos. Isto está bem claro em Gênesis 3: Deus provou o primeiro
casal dando-lhe uma ordem acerca da árvore do conhecimento do bem e do mal; Satanás
tentou-os dentro da prova. O Senhor Jesus também enfrentou a prova da tentação provocada
por Satanás, num momento em que Deus O provou enviando-O ao deserto (Mt 4.1-11). Tiago
afirma que este tipo maligno de peraismos não provém de Deus:

Ninguém, sendo tentado, diga: de Deus sou tentado; porque Deus não pode ser
tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e
engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência
concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte, Tg 1.13-15.

A diferença entre tentação e provação é mais didática do que prática, pois


freqüentemente se confundem. Toda tentação é uma provação e toda provação pode vir a ser
uma tentação. Basta para isso que Satanás nos induza ao pecado, em meio à provação. Temos
o exemplo de Jó, que sendo provado foi tentado: “[...] ainda conservas a tua integridade?
Amaldiçoa a Deus e morre”, Jó 2.9. Se em meio à tentação a pessoa resistir e passar pela prova,
92

Deus a recompensará: “Bem-aventurado o varão que sofre a tentação; porque quando for
provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam”, Tg 1. 12.

Se a pessoa ceder às sugestões satânicas, a provação terá seu efeito anulado e a


tentação terá alcançado o seu objetivo: afastar o homem de Deus. Demas era um jovem crente
que acompanhava o apóstolo Paulo na obra missionária. Eles estavam juntos quando Paulo
escreveu à igreja de Colossos (Cl 4.14). Quando Paulo escreveu da prisão para Filemon,
Demas era seu cooperador (Fm 24). Porém a luta ou provação se avolumou; Paulo ficou só
em seu julgamento, mas permaneceu firme, confiando no Senhor e dando testemunho da Sua
bondade (2 Tm 4.16-18). Demas, porém, atraído pelos prazeres do mundo, desamparou o
apóstolo e abandonou a fé (2 Tm 4.10). Um foi aprovado no teste; o outro foi reprovado.

A aparente distância de Deus também é, às vezes, um teste, visando provar nossa fé


em suas promessas constantes. Este teste é o que chamamos “deserto espiritual”.  Sabemos,
pela Bíblia, que Deus está conosco, Jesus prometeu estar conosco todos os dias até a
consumação do século, o Espírito Santo faz morada em nós. No entanto podemos sentir isto
ou não. Podemos ver isto com os olhos da fé ou não. Quando não sentimos ou não vemos
Deus conosco, nos vem uma sensação de vazio e frieza espiritual. A dificuldade de ver e
sentir Deus presente, principalmente em momentos de angústia, é, talvez, a pior das provações
do crente. Foi numa hora destas – do silêncio de Deus – que o rei Saul caiu na apostasia da
feitiçaria (1 Sm 28). Também foi numa hora destas que Elias teve uma de suas maiores
experiências com Deus (1 Re 19.8-13).

6.1. CAUSAS DA PROVAÇÃO

Provação e tentação são motivadoras de sofrimentos para o crente. Elas desafiam as


forças, a capacitação, as circunstâncias, as emoções, a fé, enfim, todas as áreas da vida
humana. Em artigo publicado pela Igreja Presbiteriana Betânia, o autor (não especificado)
apresenta três causas das nossas provações: o mundo, Satanás e Deus (este, num ato
permissivo). Mas entendemos que também o nosso próprio ego é causa de muitas provações
que passamos.

a) O mundo – depois do pecado o mundo ficou subjugado pela maldição (Rm 8.19-20). Ele
está condenado a cardos, abrolhos, tristeza, desamor, violência, morte, aflição, ódio, egoísmo
e toda sorte de males. Todos os viventes do mundo – salvos e incrédulos – enquanto viverem
93

no corpo terreno estarão sujeitos a estes sofrimentos (Rm 8.23). Os crentes enfrentam, como
todos, sofrimentos inerentes ao mundo imperfeito povoado por homens imperfeitos: doenças,
intrigas, dificuldades financeiras, guerras, catástrofes, etc. Jesus disse aos Seus discípulos que
as aflições são marcas do mundo: “No mundo tereis aflições”, Jo 16.33. Enquanto as profecias
não se cumprirem, Deus não pode fornecer, no presente, um mundo perfeito a homens
imperfeitos. Jesus disse também que o mundo (= sistema pecaminoso) odeia os cristãos, o que
lhe causa muitas provações:

Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se
vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do
mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. [...] Não é o
servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos
perseguirão a vós, Jo 15.18-20.

b) Satanás – O apóstolo João disse que “o mundo inteiro jaz no maligno”, 1 Jo 5.19. Jesus
afirmou que o príncipe deste mundo é Satanás (Jo 14.30; 16.11). Com plena liberdade para
agir no mundo presente, Satanás usa todas as artimanhas para afastar o homem de Deus,
principalmente os salvos. Desde o Jardim do Édem ele vem destilando o seu ódio sobre a
humanidade, opondo-se muito mais aos que servem a Deus. As tentações que ele produz vão
além da nossa simples imaginação. O apóstolo Pedro manda-nos vigiar, porque “[...] o diabo,
vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar”,
1 Pe 5.8. Satanás, em sua gana de provar a fidelidade do crente a Deus, chega a pedir
autorização para tal empreendimento (Jó 1,2; Lc 22.31). Esta é uma triste realidade da qual
não temos como fugir. Nosso adversário é real, inteligente, sagaz, maldoso e implacável.

c) A permissividade divina – a grande diferença entre o salvo, que se torna filho de Deus por
meio de Cristo, e o ímpio, é a liberdade que Satanás tem para agir. O ímpio, rebelde à voz de
Deus, torna-se presa fácil das tentações satânicas, maleável às suas sugestões malignas. Ele
colabora com Satanás no seu afã de “roubar, matar e destruir”, Jo 10.10, praticando toda
sorte de erros e violências. Como filhos do “pai da mentira”, vivem mentindo e honrando
aquele a quem servem (Jo 8.44).

O salvo, por sua vez, experimenta os sofrimentos inerentes a este mundo e sofre os
ataques de Satanás mediante a permissão e o controle de Deus. Tais provações são adequadas
à sua resistência e sempre cumprem um propósito. Os primeiros e os últimos capítulos de Jó
deixam isto evidenciado. Deus sempre proverá, junto com o teste de fé e paciência, um
escape: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará
94

tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que o possais
suportar”, 1 Co 10.13.

d) O nosso ego – Os nossos desejos íntimos de fama, reconhecimento, cargos e posições,


fazem-nos presas fáceis do nosso ego. Muitas provações que nos assediam são provenientes
dos nossos atos e cobiças. Também as pessoas extremamente ciumentas, desconfiadas,
invejosas, vivem atraindo confusão sobre si.

Atendemos um caso recente: a irmã, única convertida da família, vive num


verdadeiro tormento de ciúmes do marido. Ela o controla todas as horas e minutos do dia. Um
dia, ele foi jogar bola com os amigos e a mulher ligava em seu celular a cada instante.
Descontrolada, ela gritava exigindo que ele voltasse até determinada hora. Como demorasse
um pouco, quando o marido chegou, ela o recebeu com um forte jato de água da mangueira e
trancou a porta para ele não entrar. Enfurecido, o marido começou a esmurrar a porta, que era
de vidro, e se feriu seriamente nos braços. Daí, ela se desesperou, saiu ligando para várias
pessoas orarem, foi um verdadeiro espanto. Por causa do “acidente” o marido passou por
algumas cirurgias, ficou impedido de trabalhar e a luta se multiplicou. “Toda mulher sábia
edifica a sua casa; a tola, com suas próprias mãos a derruba”, Pv 14.1.

            Paulo nos adverte: “Não veio sobre vós tentação, senão humana”, 1 Co 10.13. Tiago
diz que somos tentados quando atraídos e engodados pela nossa própria concupiscência (Tg
1.14). Somos tentados a falar, a fazer, a ir, a ficar, sem esperar a hora de Deus, sem consultar
a Deus, sem procurar a “boa, agradável e perfeita vontade de Deus”, Rm 12.2. O sábio
Salomão disse que “tudo fez Deus formoso em seu tempo”. E disse, ainda, que “há tempo
para todo propósito debaixo do céu”, Ec 3. 11,1. Assim, padecemos aflições e angústias como
resultado das nossas precipitações, carnalidade e falta de sabedoria em discernir o “tempo e o
modo”, Ec 8.5. O apóstolo Paulo ainda previne:

Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.
Mas os que querem ser ricos caem em tentação e em laço, e em muitas
concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.
Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males. E nessa cobiça alguns
se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores, 1 Tm 6.9-10.
95

6.2. Objetivos da provação

Se entendermos que as provações do crente representam um ato permissivo da


soberana vontade de Deus, cremos então que Ele tem objetivos definidos. Da mesma maneira
que analisamos, no capítulo anterior, as razões pelas quais Deus permite o sofrimento do
crente, tais razões também se revelam na questão da prova e da tentação.

            Vejo a provação e a tentação como o negativo de um filme. Vamos registrando as


poses, façanhas, eventos, depois elas são reveladas e, então, aparecem as perfeições e
imperfeições das imagens reproduzidas. Nossa beleza e feiúra se destacam nas fotos
reveladas. Existem, porém, técnicas que corrigem os defeitos das fotos, de forma que elas se
aperfeiçoem e tragam um resultado que faz bem aos olhos. Assim também, as provações
possuem uma finalidade altamente didática e corretiva em nossa vida espiritual. Vejamos:

a) Revelam quem somos – o nosso temperamento, a personalidade que temos, revela-se nos
momentos de provações e tentações. Conhecemos, nestas oportunidades, nossas fraquezas,
reações e passividades, na verdade, o nosso “eu interior” se revela de formas muitas vezes
inesperadas. Chegamos a nos assustar com as atitudes e procedimentos que fluem de nós em
momentos de provação. Um exame de consciência levar-nos-á a buscar a libertação de tais
atitudes na Pessoa de Cristo, pela oração e fé: “Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará. Se, pois, o Filho (de Deus) vos libertar, verdadeiramente sereis livres”, Jo 8.32,36.
A verdade da nossa carnalidade submete-se à verdade do poder libertador de Cristo e
alcançamos a libertação das correntes que nos prendem às atitudes que contradizem os
ensinamentos da Palavra de Deus e que nos envergonham perante o acusador de nossas almas.

          Lemos de Osvaldo Chambers:

A disposição de um homem em seu interior, isto é, o que ele possui em sua


personalidade, determina pelo que ele é tentado exteriormente. A tentação se ajusta à
natureza da pessoa tentada, e revela as possibilidades daquela natureza. Todo
homem tem a “montagem” desta própria tentação, e a tentação fará a linha da
disposição governante. A tentação à qual nos rendemos [...] é uma prova que era
pura timidez o que antes evitava o pecado. (in: ipb.www.cifranet.com.br).

As tribulações moldam o nosso caráter:

E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a
tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a
esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado, Rm 5.3-5.
96

O texto de Dt 8.2,3 deixa claro que Deus pode permitir uma provação prolongada, a
fim de conhecer o que está dentro do nosso coração. O deserto, a humilhação, a provação,
tinha um objetivo específico: conhecer o íntimo de cada um, para ver se manteria obediência
aos mandamentos de Deus, ou não. “Para ensinar que o homem não vive só de pão, mas de
toda palavra que vem da boca do Senhor”. Como o ouro é tornado valioso pelo fogo, sendo
purificado de suas impurezas, assim também a nossa têmpera cristã é aperfeiçoada pela
provação e até mesmo pela tentação:

[...] ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco
contristados com várias tentações. Porque a prova da vossa fé, muito mais preciosa
do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e
glória, na revelação de Jesus Cristo [...] alcançando o fim da vossa fé, a salvação das
almas, 1 Pe 1.6-9 (grifo nosso).

Por outro lado, também tomamos conhecimento da nossa força. Às vezes, depois de
passadas as provas, quedamos estupefatos ante a realidade de como encaramos a situação com
coragem, denodo, confiança e garra. Não conseguimos entender de onde tiramos tanta força
nos momentos de tribulação. Chamamos isto de fé. No Salmo 18 Davi profere um enfático
testemunho de como o Senhor o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul.
Podemos destacar algumas expressões:

[...] porque contigo entrei pelo meio dum esquadrão, com o meu Deus saltei uma
muralha [...] a tua mansidão me engrandeceu [...] persegui os meus inimigos, e os
alcancei; não voltei senão depois de os ter consumido [...] caíram debaixo dos meus
pés [...] então os esmiucei como o pó diante do vento; deitei-os fora como a lama
das ruas [...] é Deus que me vinga inteiramente, e sujeita os povos debaixo de mim;
o que me livra dos meus inimigos; sim, tu me exaltas sobre os que se levantam
contra mim, tu me livras do homem violento [...].

A constatação dos procedimentos de crentes diante das provações levou o escritor de


Hebreus a registrar:

Os quais pela fé venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas,


fecharam as bocas dos leões, apagaram a força do fogo, escaparam do fio da espada,
da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos
dos estranhos [...] Hb 11.33-34.

b) Revelam quem Deus é - As provações revelam também, para nós, os atributos de Deus, os
quais jamais conheceríamos em situações de bonança e prosperidade. A bondade, a
misericórdia, o perdão, a graça abundante, o poder de Deus, tornam-se conhecidos para nós
em momentos de grande provação. Conhecemos um Deus que trabalha por aqueles que nele
97

esperam (Is 64.4). As grandes mensagens faladas e escritas para salvação e edificação são
forjadas na bigorna da aflição.

            O profeta Daniel e seus companheiros conheciam Deus como aquele que dá sabedoria,
força, poder, revelação e assim O apresentaram para o rei Nabucodonosor (Dn 2.21,22). Na
hora da crucial provação em uma fornalha superaquecida, os jovens conheceram um Deus que
entrava com eles na aflição – e entrava para vencer (cap. 3). As Escrituras registram para toda a
eternidade a realidade do “Quarto Homem” junto com os moços na fornalha. Depois, Daniel
conheceu o poder das milícias angelicais que, sob as ordens divinas, agem a serviço dos santos,
quando foi livrado do poder de famigerados leões (cap. 6). A sua sempre crescente dedicação a
Deus e os desafios cada vez maiores à sua fé, passando pelas mãos de conquistadores e
contemplando as misérias dos derrotados, levaram Daniel a uma experiência extraordinária com
o mundo espiritual. Ele teve a visão do Cristo Glorificado mais de 600 anos antes de Ele ter sido
humilhado, cap. 9-10. Aliás, este profeta teve visões e revelações escatológicas que o mundo
ainda está para ver, Deus seja louvado.

            A nossa fé cresce à proporção que vamos enfrentando as situações difíceis e


dependendo cada vez mais de Deus. Como um músculo é exercitado com pesos e esforços para
crescer, assim a fé, para que não se atrofie, precisa ser exercitada com “pesos” e “obstáculos”.
Moisés disse ao povo: “Não temam! Deus veio prová-los, de forma que Seu temor venha
impedi-los de pecar”, Ex 20.20. Quando o profeta Habacuque sentiu-se abatido com as
provações do povo israelita e o juízo demonstrado nas revelações divinas, o Senhor o
instruiu dizendo: “O justo pela sua fé viverá”, 2.4b.  Isto é, quanto mais fé, mais vida.
Quanto mais provação mais fé e mais vida.

            Experimentando uma situação que o humilhava, sendo constantemente assediado por
um “mensageiro de Satanás” que o esbofeteava, Paulo rogou por três vezes ao Senhor que
desviasse dele aquele mal. A resposta de Deus para ele foi inusitada, algo que ele certamente
não esperava: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Em
resumo, Deus lhe deu um “não” com as devidas explicações. Entendendo a supremacia de
Deus permitindo a sua provação, Paulo escreveu em seguida:

De boa vontade, pois me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o
poder de Cristo. Pelo que tenho prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades,
nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque quando estou fraco
então sou forte. (2 Co 12.7-10).
98

Assim escreveu Oswald Chambers:

A onda que aflige o nadador comum produz no surfista a super alegria de passar por
dentro dela. Aplique esta situação às nossas próprias circunstâncias, as mesmas
coisas - tribulação, aflição, perseguição - produzem em nós uma super alegria; elas
não são coisas com as quais devemos lutar. Nós somos mais do que meros
conquistadores... somos vencedores, com uma alegria que não teríamos se não fosse
por essas mesmas coisas que parecem que vão nos subjugar... O santo conhece a
alegria do Senhor não apesar da tribulação, mas exatamente por causa dela. (in:
www. ipb.cifranet.com.br)

c) Revelam quem é o nosso adversário – A Bíblia deixa claro que vivemos dentro de uma
guerra espiritual. Duas forças lutam pelas nossas almas. Dois poderes se esforçam pelas
nossas vidas. Nenhum deles desiste de nós. O amor de Deus pela humanidade vem se
revelando desde o princípio e este amor é eterno, como eterno é o Seu poder perdoador e
todos os demais atributos a Ele inerentes. Satanás também vem se revelando desde o princípio
como inimigo de Deus, desejoso de possuir a adoração que o homem deve ao seu Criador. A
pessoa do diabo aparece desde o Édem, enganando, seduzindo, e, desde então, ele continua
com suas investidas avassaladoras contra os homens. Mas nem sempre temos noção da
força, da sagacidade, do poder e da inveja de Satanás. Em suma: desconhecemos o nosso
principal adversário.

            Sempre relacionamos a história de Jó com a provação e a paciência. A própria Bíblia


se refere assim a esse personagem (Tg 5.11). Mas existe um aspecto no livro de Jó que não
pode passar despercebido: o livro das provações é também o livro que traz as maiores
revelações sobre o caráter, o poder e a pessoa de Satanás. Nele Satanás aparece como tendo
acesso à presença de Deus, como acusador e desafiador dos crentes, como o que coloca
dúvida sobre a integridade da fé e entabula desafios com Deus acerca do justo e sua fidelidade.
Ele apresenta poderes na natureza, provoca desastres, violência, mortandade. Incita pessoas
contra os justos e leva-as a usarem máscaras para contradizer a sinceridade de um homem. Não
o conheceríamos jamais se Jó não tivesse passado pelo seu crivo.

            Várias passagens bíblicas demonstram Satanás como acusador e opositor aos servos de
Deus, sendo Zc 3.1, uma das mais claras. Satanás perturba até mesmo os que andam com Jesus
(Mt 16.23). Ele se apossa de corpos, instala neles espíritos de enfermidades e realiza toda sorte
de males contra os homens (Lc 8.29; 9.42; 13.16). Às vezes ele é autorizado por Deus a passar
Seus servos “na peneira”, a fim de levá-los à genuína conversão (Lc 22.31).
99

            O apóstolo Paulo, conhecendo as astutas ciladas do diabo, escreveu aos Efésios acerca
dessa luta espiritual que todos enfrentam. As dificuldades que passamos com “carne e
sangue”, isto é, pessoas de nossa afinidade e convívio, na verdade são incitadas por Satanás
(Ef 6.11,12). Ele induz pessoas contra pessoas; ele divide; ele rouba; ele mata; ele destrói (Jo
10.10). Ele coloca impedimentos à obra de Deus (At 16.6; 1 Ts 2.16). Ele se transforma até
em anjo de luz, para tentar enganar os escolhidos (2 Co 11.14). Tais constatações, o apóstolo
as teve quando enfrentou as provações e tentações em seu ministério.

            Conhecer quem é o nosso adversário, o seu poder, a sua ambição e inveja é
importantíssimo para a nossa vitória espiritual. Mas não devemos conhecê-lo para
desenvolver um temor à sua pessoa e operação, e sim, para obtermos estratégias divinas que
resultem na sua derrota. Da mesma forma que a Bíblia e as experiências que passamos
revelam as astúcias malignas do adversário, também nos capacitam com armas espirituais que
promovem a sua derrota (2 Co 10.4). Elas são poderosas em Deus, para destruição de toda
fortaleza inimiga. Descobrimos, no incurso das provações, que tão forte adversário já está
derrotado e é facilmente dominado pelo grande Conquistador das almas, Jesus Cristo, o Filho
do Deus vivo. Este poder Jesus Cristo delegou à Sua Igreja militante (Lc 10.19). Aprendemos
que, se lhe opusermos resistência em meio à tentação, ele fugirá de nós (Tg 4.7).

            Paulo cria que era possível o crente receber a graça de Deus e experimentar a
salvação, e depois, por causa do descuido espiritual ou de viver em pecado deliberado,
mediante sugestão diabólica, abandonar a fé e a vida do evangelho, e voltar a perder-se. Para
incentivar o crente a permanecer firme em Deus, ele escreveu um testemunho próprio,
demonstrando a sua abnegação no ministério, apesar de todas as provações:

[...] não dando nós escândalo em coisa alguma, para que o nosso ministério não seja
censurado. Antes, como ministros de Deus, tornando-nos recomendáveis em tudo:
na muita paciência, nas aflições, nas necessidades, nas angústias, nos açoites, nas
prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, na ciência,
na longanimidade, na benignidade [...] por honra e por desonra, por infâmia e por
boa fama, como enganadores e sendo verdadeiros; como desconhecidos, mas sendo
bem conhecidos; como morrendo e eis que vivemos; como castigados e não mortos;
como contristados, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos;
como nada tendo e possuindo tudo, 2 Co 6.3-10.

              Mesmo tendo conhecimento do aspecto “provação-tentação”, o crente pode ficar


despercebido quanto às considerações bíblicas e desenvolver formas de comportamentos e
reações não condizentes àquilo que Deus espera dele. O estudo dos mecanismos de defesa que
o ser humano assume diante de obstáculos e sofrimentos é muito importante, não só para
100

auxiliar em uma análise psicológica, mas principalmente para orientar as formas de


procedimentos que lhe permitirão uma solução razoável para o seu sofrimento.
101

7. O SOFRIMENTO E OS AJUSTAMENTOS HUMANOS

Diante do sofrimento e das situações de angústias e conflitos, a tendência do ser


humano, mesmo os conhecedores das Escrituras, é adotar mecanismos de defesa para proteger
aquilo que Freud chama de “ego”. Mecanismos de defesa são processos subconscientes que
permitem a mente encontrar uma solução para conflitos não resolvidos ao nível da
consciência, os chamados “stress”. A psicanálise supõe a existência de forças mentais que se
opõem umas às outras e que batalham entre si. Freud utilizou a expressão pela primeira vez no
livro “As neuroses e psicoses de defesa”, de 1894. Os mecanismos de defesa são automáticos,
inconscientes, e atuam sem que o indivíduo os reconheça, efetuando uma adaptação às
situações interiores e às experiências do mundo externo.

As principais funções dos mecanismos de defesa são: proteção da personalidade;


satisfação das necessidades emocionais; redução da tensão e angústia; e modificação da
realidade. Os mecanismos de defesa existentes auxiliam o indivíduo no processo de
ajustamento. “Ajustamento consiste nos processos pelos quais nos adaptamos às exigências
que nos são impostas pela sociedade em que vivemos”. Vale ressaltar que um indivíduo
considerado ajustado está apenas desempenhando um papel, fazendo o que a sociedade espera
que ele faça, e isso não o torna, necessariamente, aprovado, feliz, normal, saudável ou realizado.

Os diferentes mecanismos de defesa apresentam-se em todos os indivíduos, todavia


não são escolhidos e empregados conscientemente. Até certo aspecto eles são normais para o
ajustamento do ser humano. Só se tornam anormais quando se manifestam de maneira
excessiva. Os mecanismos de defesa podem ser considerados eficazes, quando conseguem
eliminar o fato rejeitado; ou ineficazes, quando nunca o eliminam, perpetuando assim as ações
defensivas do indivíduo. Se a defesa foi eficaz, haverá certa estabilização do seu comportamento.

            O mecanismo que vai atuar em um dado momento depende da natureza da situação
específica, e das características da pessoa. Mesmas situações podem ter mecanismos de defesa
diferentes em pessoas diferentes. Os mecanismos que se mostraram mais eficazes na resolução
de conflitos anteriores tendem a ser usados para resolver novos conflitos. São benéficos porque
diminuem a angústia e fortalecem o auto-respeito, dando tempo e força para que a pessoa
encontre um ajustamento realista, consciente e eficiente para o problema. Seu uso prolongado e
excessivo, todavia, pode ter conseqüências graves no ajustamento efetivo à vida. Nesse sentido
102

alguns são piores que outros, como, por exemplo, a Fuga, que impede a pessoa de ser capaz de
enfrentar seus problemas; a Repressão, que cega para a natureza dos mesmos.

A forma pela qual o indivíduo manipula os conflitos entre suas exigências instintivas
e seu medo ou sentimento de culpa define se o seu comportamento vai se tornar um caso
normal ou patológico. Se a exigência instintiva do indivíduo está dentro do plano da
normalidade comportamental da sociedade e se ele é capaz de promover sua própria satisfação
periodicamente, esse indivíduo estará sempre colaborando para a manutenção de sua perfeita
ou ajustada saúde mental e espiritual.

Entretanto, quando uma defesa é caracterizada pela necessidade permanente de


comportamentos substitutivos para evitar que o objeto verdadeiro do instinto apareça, ela não
é uma defesa eficaz, pois necessita de ação permanente do indivíduo mais em busca de um
auto-convencimento do que do convencimento da própria sociedade. Esse comportamento é
um comportamento desajustado e até neurótico que carece de um tratamento (que inclui, na
maioria dos casos, segundo o entendimento teológico, arrependimento, confissão de pecados e
busca de mudança por meio de oração, conhecimento bíblico e aconselhamento
especializado).

Embora alguns mecanismos de defesa contribuam até certo ponto com a sociedade,
como a Fantasia, que traz a criatividade, a Racionalização, que cria novas maneiras de
resolução de problemas, os mecanismos de defesa podem ser frustrados. Vejamos: a
Racionalização pode ser desmentida; a Identificação, negada; a Fuga, evitada; a Repressão,
revelada.  Isto torna o conflito ainda mais intensificado. Quando tais mecanismos falham
podem ocorrer transformações ainda mais violentas no comportamento; tais transformações
apresentam-se sob a forma de perturbações psicológicas severas, decomposição do Eu,
desordens mentais agudas de vários tipos.

Há mecanismos de defesa que se transformam em bênção para a pessoa, como a


sublimação bem orientada. Mas existem outros que são patológicos, podem até trazer certo
conforto, mas geralmente produzem novos problemas, causando o efeito “bola de neve”, ou
aquilo que o poeta diz no Salmo 42.7: “Um abismo chama outro abismo”. O sofrimento, em
vez de aperfeiçoar e melhorar a pessoa, a desestrutura, empalidece, enfraquece. Rouba-lhe a
verdadeira identidade e a transforma numa pessoa totalmente adversa àquilo que Deus
determinou para a sua vida.
103

Eis alguns dos mecanismos de defesa mais comuns:

7.1. SUBLIMAÇÃO

O Dicionário Aurélio define Sublimação como “Ato ou efeito de sublimar. Processo


inconsciente que consiste em desviar a energia da libido para novos objetos, de caráter útil”.
Sublimar, por sua vez, é “tornar sublime; erguer à maior altura, ou a uma grande altura”.

Todo ser humano possui o instinto, bom e necessário, porém totalmente animalesco,
quando separado da razão e da inteligência. É normal existir no ser criado o impulso original
em busca de uma determinada finalidade ou de um determinado objeto. A satisfação desse
instinto, muitas vezes, está em desacordo com os padrões morais, éticos ou comportamentais
do grupo ao qual pertence o indivíduo e ele tem consciência disso. Sua conduta, a partir daí,
poderá assumir diversos caminhos e, a depender desse caminho haverá o aparecimento, ou
não, de um aspecto mental a ser observado e tratado. É o caso, por exemplo, do estuprador,
que dá vazão ao seu instinto e não mede as conseqüências do seu ato.

Se a pessoa dá vazão a seus instintos, dificilmente apresentará problemas de


neuroses, mas pode estar indo de encontro à sociedade na qual está inserida e, se seu
comportamento estiver em desacordo com o padrão dessa sociedade, ela estará causando
problemas que podem ser interpretados, inclusive, como desvios de caráter, de personalidade
ou problemas mentais. Um exemplo é o eremita que, para não enfrentar os seus problemas,
prefere o isolamento – atitude esta totalmente fora dos padrões da sociedade em que está
inserido, já que o ser humano é gregário por natureza.

Sabendo da discrepância entre seus instintos e a conduta determinada pela


sociedade, o indivíduo pode adotar uma postura de substituição de objetos ou finalidades.
Se ele conseguir substituir essa finalidade ou esse objeto por outro, desde que essa
transformação lhe traga uma satisfação pessoal bastante acentuada, existe a possibilidade de
descarregar todos os seus impulsos anteriores nesse novo ideal, pois haverá a geração de
satisfação plena, o que acabará por anular, em longo prazo, o objeto anterior. Diz-se, nesses
casos, que houve uma sublimação com êxito.

O êxito proveniente da sublimação se dá quando: (1) há inibição do objetivo; (2)


consegue-se visualizar novas perspectivas; (3) o instinto é totalmente absorvido em suas
104

seqüelas; e (4) há alteração dentro do ego. A grande força da sublimação, quando ela se
limita à inibição e mudança do objetivo, é que a ação desse indivíduo continuará existindo,
com a diferença de que o seu instinto estará dominado e subordinado ao ego reorganizado.
Isso valoriza os próprios instintos do indivíduo, transformando-os de amorais ou inadequados,
a morais, adequados e até elogiáveis, em alguns casos, trazendo uma sensação de satisfação
plena que, naturalmente, eliminará qualquer vestígio de problemas emocionais perturbadores.

Muitos conseguem sublimar sentimentos de perdas, decepções, frustrações, em novas


atividades, geralmente espirituais, artísticas ou filantrópicas, gerando satisfação para o ser. É
o caso, por exemplo, de pais que, perdendo um filho de forma trágica, dedicam-se a lutar por
uma mudança nessa mesma sociedade (fato comum na atual sociedade tomada pela violência
é a "bala perdida" ou a morte como conseqüência de roubos e seqüestros). Estes pais
sublimam a sua dor ajudando e incentivando outros pais em situações idênticas ou parecidas,
a se doarem por uma causa considerada justa.

O aspecto mais salutar da sublimação dá-se quando a pessoa deixa de olhar para si,
para seus problemas, para suas dificuldades, e encontra refúgio, alegria e satisfação em Deus e
no serviço cristão. Assim é a situação daquilo que comumente se chama de “olhar para trás”
ou “olhar para o lado” e ver que existe uma enormidade de pessoas em situações bem piores
do que as nossas, as quais precisam de ajuda e socorro que estão ao nosso alcance oferecer.
Podemos dizer que aquilo que a Psicologia chama de “sublimação”, em seu caráter mais
profundo, a teologia chama de “fé”, “confiança” ou “entrega a Deus”.

Subtraí da internet o seguinte testemunho, escrito por Stacy James:

Quando estava no último ano da faculdade, sofri um acidente de mergulho que me


deixou paralítica do pescoço para baixo. Em um piscar de olhos, meu mundo mudou
para sempre. Eu deixei de ser uma aluna extremamente ativa na faculdade e passei a
ser alguém que nunca mais faria as coisas que eu adorava: correr [...] tocar piano e
guitarra. Eu planejava ser uma missionária e dedicar a minha vida a serviço de Deus.
Como Ele pôde deixar que isso acontecesse comigo?
Freqüentemente, estava deitada na cama e chorava, chorava porque estava presa
num corpo que não podia mais controlar, chorava porque estava alienada e afastada
dos meus amigos, chorava porque achava que os médicos eram obrigados a
solucionar o meu problema. Eu ficava irada quando alguns médicos pareciam tão
penalizados e preocupados com a minha situação, e envergonhada com os olhares
dos outros alunos da faculdade quando eu passava de cadeira de rodas pelo corredor.
Eu havia lido na Bíblia que Deus diz que nunca nos abandonaria, se nos voltássemos
para Ele. Mesmo estando desesperada, eu sabia que ainda havia esperança porque
Deus me amava e continuava tendo planos para minha vida. Era minha escolha
acreditar naquilo e deixar que Ele passasse por aquela situação difícil comigo, ou
ficar amargurada e com raiva Dele. Eu escolhi segui-lo, mesmo que os meus
105

sentimentos não concordassem necessariamente com a minha decisão naquele


momento.
 Geralmente, quando coisas ruins acontecem conosco, ficamos tentados a duvidar do
amor de Deus por nós: 'Deus, se você me amasse não me deixaria sofrer assim'. Eu
aprendi que não podemos deixar que as situações determinem o amor de Deus por
nós. 'Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho
Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele' (1 João 4; 9). É para
isso que devemos olhar quando formos determinar o amor de Deus. Não para nossas
bênçãos ou para a ausência delas.
Eu aprendi que o amor não significa ausência de dor ou problemas. Deus
freqüentemente usa essas muitas coisas para nos ajudar a amadurecer e crescer. A
vida é e continuará a ser difícil. Eu ainda experimento as complicações do meu
acidente, e muitas pessoas que amava já partiram. A natureza da vida é uma mistura
de coisas boas e ruins. Estou aprendendo a aceitar isso mais e mais enquanto vou
vivendo. Deus também nos dá a liberdade de ficarmos magoados e de chorarmos.
Não expressar nossos sentimentos é o mesmo que acumular dor, o que
eventualmente resultará em caminhos possivelmente destrutivos.
Quando sofremos, precisamos de tempo para passar através da perda ou da crise,
expressar nosso sofrimento da maneira correta. Não temos que fingir que está tudo
bem e nem usar máscaras, principalmente com Deus. Ele nos criou e sabe
exatamente o que sentimos. Eu ainda levo meus questionamentos e sentimentos a
Deus em oração, e para amigos íntimos, quando preciso de alguém com pele. Deus
também promete uma esperança para o futuro. Quanto mais convivo com os
problemas da lesão na minha coluna, mais sonho com o dia em que voltarei a andar,
quando estiver no céu. Ele criou para nós um lugar onde não haverá mais choro, dor,
doença nem morte.
No dia de hoje, não estou amarga por causa das circunstâncias da minha vida. Eu vi
a bondade de Deus, me tornei uma pessoa mais forte e, particularmente, eu prefiro
estar numa cadeira de rodas, mas conhecer a Deus, do que ser uma atleta
profissional multimilionária, mas ter que passar uma eternidade longe Dele.

Esta moça sublimou o seu sofrimento na pessoa de Cristo e procurou esquecer a sua
dor desenvolvendo um relacionamento íntimo com Ele, o que a ajudou a superar todos os
momentos difíceis que a tragédia sofrida lhe impôs. De nadadora com troféus terrenos, passou
a escritora com perspectivas de galardões eternos.

A história, entre outros maravilhosos testemunhos, registra a narrativa sobre uma


mulher, chamada Fanny Crosby, a qual perdera a visão com apenas dezesseis dias de vida em
virtude de um medicamento errôneo aplicado. Esta crente, embora muito provada, fora
impulsionada pelo Espírito Santo a louvar abundantemente ao Senhor. Tanto a vida quanto a
qualidade e a quantidade de seus hinos, são impressionantes. Mais de nove mil hinos foram
compostos, incentivando a mudança de vida de pecadores, encorajando cristãos e inspirando a
humanidade até os dias de hoje.

Recebendo o ensinamento da fé em Jesus por parte da sua avó, que cuidava dela para
a mãe - outra cristã fiel - poder trabalhar, muito nova Fanny começou a escrever poemas, que
depois foram transformados em cânticos. Tocava piano e harpa e casou-se com um cristão
106

também cego. Ambos tornaram-se professores da Academia de Cegos de Nova York, fazendo
inúmeras apresentações em igrejas, recitais e trabalhos em lugares públicos. Fanny chegou a
entoar seus hinos para um dos Presidentes dos Estados Unidos. O único filho que geraram
teve sua vida ceifada na primeira infância, fato que mais os incentivou a entoar louvores e
compor hinos para o Senhor. Quando morreu, aos 94 anos, amigos e parentes escreveram na
lápide de sua sepultura: “Ela fez o máximo que pôde”.

Ouvi o testemunho de uma amada irmã que teve uma das filhas, que fora criada
dentro da igreja cristã, vitimizada pelas drogas, influenciada por más companhias. Ao atingir
a maioridade a jovem foi para o Japão trabalhar, onde se encontrou com mais dois de seus
irmãos. Naquele país distante ela conheceu Jesus, juntamente com seus irmãos, por meio de
uma senhora também nipo-brasileira, com uma triste história. Esta senhora, conhecedora do
Evangelho de Cristo, foi perdendo, de um em um, todos os membros da sua família pela
morte, ficando tristemente sozinha. Decidiu então a ir para o Japão, onde se dedicou a
evangelizar jovens, ganhando-os para o Senhor Jesus. A sua dor levou-a a gerar filhos na fé, o
que compensou o sofrimento e a solidão com a presença de pessoas transformadas, alegres,
cheias de vida, que mudaram também a sua própria existência.

Presenciamos o testemunho pessoal de um eminente pastor brasileiro. Ele era um


alcoólatra inveterado. O caos se instalara em seu lar. Sua mulher, em desespero pela situação,
buscou aconselhamento cristão e obteve uma promessa em profecia de que seu marido seria
um obreiro. Crendo num futuro diferente, essa mulher sublimou o seu sofrimento na
esperança e passou a tratar seu marido não como o via – um bêbado com todo o seu
comportamento negativo – mas como ela cria que ele seria: um servo de Deus. A atitude sábia
dessa mulher conquistou o coração do marido, que se entregou para Jesus e dedicou o restante
da sua vida à pregação do Evangelho e ajuda espiritual aos necessitados.

7.1.1. Sublimação x formação reativa

Somente se pode falar em sublimação positiva quando o esquema apresentado acima


tiver sido instalado: o instinto é dominado, o problema substituído e existe uma mudança no
comportamento ou forma de vida. Isto é, há uma substituição de valores, os quais cancelam as
causas do sofrimento ou as diminuem, em vista de novos posicionamentos assumidos, os
quais trazem prazer e contentamento.
107

Considerando que todo ser humano sofre, com maior ou menor intensidade, cremos
ser esse o principal objetivo do evangelho de Cristo: fazer de pecadores inconversos novas
criaturas, assentando-as em regiões celestiais e proporcionando-lhes a melhor forma de vida, a
vida das bem-aventuranças alcançadas por aqueles que mudam o seu olhar da sujeira terrena
para as delícias celestiais. “Assim, que se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas
velhas já passaram, eis que tudo se fez novo”, 2 Co 5.17. A Bíblia chama de “novo
nascimento” aquilo que a Psicologia chamaria de “sublimação positiva”. Na verdade, no novo
nascimento não há uma transferência de situação e sentimentos, mas uma “mudança radical”,
pela operação do Espírito Santo.

O apóstolo Paulo tinha uma receita de vitória na sua vida:

Não que já tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo
para o que fui também preso por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo que
o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás
ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo
prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus, Fp 3.13,14.

Paulo sofria com seu encarceramento, como todo ser humano que é privado da
liberdade, das amizades e possibilidades de relacionamentos. Mas ele sublimava seu
sofrimento em Cristo, onde tinha a essência do seu prazer. Mesmo quando, atingido por um
mal que nos é oculto, ele rogou ao Senhor que o livrasse, manifestou a sua alegria, ao receber
uma resposta negativa, 2 Co 12.8-10.

Todavia, quando não se obtém essa mudança, instala-se aquilo que os psicanalistas
intitulam de “formação reativa” (ou formação de reação). Neste caso a pessoa, ao reprimir os
seus instintos (sexuais, agressividade, sobrevivência), processo chamado de “contracatexis”
ou contracarga, pode assumir um comportamento que eles também chamam de “desmaio”.
Nunberg (1989, p.261) escreve: “A contracatexis constitui parte integrante das resistências
contra a reemergência das tendências instintivas repelidas”. Isto quer dizer que a repressão
de fortes impulsos é acompanhada por uma tendência contrária, sob a forma de
comportamentos e sentimentos exatamente opostos às tendências reprimidas. Fenichel
(1997, p.133) admite que todas as defesas patogênicas tenham a sua raiz na infância,
mediante constante repressão dos instintos.

            O desmaio deve ser analisado como uma forma muito próxima de um padrão
comportamental do neurótico que se utiliza de defesas patogênicas. Com o desmaio o
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indivíduo consegue abandonar funções e órgãos ameaçados, alcançando a gratificação de seus


instintos ou até a defesa contra eles. Seria o caso do adolescente que apresentasse uma
aparente cessação parcial de suas funções mentais, com características muito semelhantes às
do “autista”, sempre quando estivesse próximo da mãe ou da avó, mas que, na ausência delas,
aparentasse normalidade absoluta de comportamento.

Uma mãe que se preocupa exageradamente com o filho pode ser reflexo de uma
verdadeira hostilidade a ele. Um indivíduo demasiadamente valente, pode ser reflexo de um
medo do oculto. Porém vale salientar que existem outros fatores que levam um homem a ser
valente e uma mãe a preocupar-se com o filho, sem ser obrigatoriamente um exemplo de
formação de reação. A formação de reação é o mecanismo de defesa mais eficiente e
poderoso para afastar a pessoa do que possa causar-lhe angústia. Porém é perigoso por conta
da intensidade irracional da reação.

As projeções e repressões podem ser dissimuladas em excesso de devoção religiosa,


por exemplo. Esta formação reativa traz um grande perigo, tanto para o indivíduo como para
as pessoas com as quais convive, principalmente se esse indivíduo é um ministro de alguma
instituição religiosa. A aparência externa bastante dissimulada pode até enganar a muitos, já
que seu “invólucro” mostra elevadíssima rigidez de caráter. Como um propagador da
moralidade, torna-se intransigente para com os que não comungam com seu modo de vida,
exageradamente exigente na educação de seus filhos e, por isso mesmo, ocupando posição de
destaque em sua comunidade religiosa.

As características mais diferenciadas e que já facilitam a sua identificação são


percebidas na defesa exagerada de certas posições dogmáticas acompanhadas de total
intolerância a pensamentos questionadores, mostrando claramente uma explicável fuga à
ampliação de seu próprio conhecimento e compreensão. Como se as informações recebidas
pudessem servir iguais uma perigosa bomba moral para destruir suas próprias convicções,
levando-o ao abismo ateísta.

O medo de incentivar a comunicação livre entre as pessoas é explicado pelo medo da


descoberta de sua própria verdade, já que a comunicação possibilita o questionamento,
desenvolve o raciocínio e amplia o conhecimento, levando, invariavelmente, à verdade. O
procedimento desse religioso é explicar tudo por meio de seu livro sagrado, impedindo, com a
ameaça de estar cometendo algum grande pecado, qualquer forma de questionamento. Pode
109

até chegar às raias do fanatismo religioso e do fundamentalismo radical. Conhecemos um


amado irmão que sempre teve muitas dificuldades em aplicar a correção bíblica para os filhos
e netos, devido a traumas sofridos com a intransigência do avô, sempre citando as Escrituras
para tolher quaisquer manifestações que os netos, como crianças, pudessem ter.

Certa feita hospedamos em nossa casa um obreiro muito rigoroso, que nem chegava
perto da televisão, tratando-nos com desprezo por possuí-la. Um dos nossos filhos,
adolescente, foi conversar com ele usando bermudas e ele literalmente “acabou” com o
menino, objetando-lhe depreciações. Alguma coisa nele simplesmente não condizia com a
normalidade. Onde estava o amor paciente de Deus para com uma alma preciosa? Não
demorou muito tempo e, infelizmente, vieram à tona casos de adultério que ele escondia já
fazia alguns anos. A excessiva rigidez não passava de uma máscara para esconder a sua
verdadeira situação interior.

O esquecimento real da verdade é determinado pelo medo de não conseguir resistir à


tentação do seu instinto.  Para esse combate é montada uma “realidade virtual” onde seus
valores devem ser muito rígidos, de modo a não permitir nenhuma espécie de desvio de seu
próprio comportamento: é a construção da barreira.

Em nossa jornada dentro da igreja cristã temos visto obreiros vivenciando essa triste
realidade da formação reativa. Um deles, reprimindo instintos homossexuais sem, contudo,
ser liberto deles, casou-se com uma moça ingênua. Esta, confinada a um casamento com um
relacionamento anormal, acabou adoecendo gravemente e falecendo muito nova. O marido,
em sua viuvez, procurou jovens da congregação para lhe “fazerem companhia”, com a
desculpa de estar abatido em sua solidão, tentando-os depois a aceitarem as suas práticas, até
então reprimidas. O escândalo foi muito grande, resultando ainda em que vidas inocentes
deixassem de crer no poder libertador de Cristo, abandonando sua fé.

Se fosse realmente um mecanismo de sublimação, estaria sendo eliminado aos


poucos, ou até de uma só vez, o impulso homossexual preexistente, já que nesse caso

[...] os impulsos sublimados descarregam-se, se bem que drenados por uma trilha
artificial, enquanto os outros não se descarregam. Na sublimação, cessa o impulso
original pelo fato de que a respectiva energia é retirada em benefício da catexia do
seu substituto. Nas outras defesas, a libido do impulso original é contida por uma
contracatexia elevada. (FENICHEL, 1997, pp.131 e 132).
110

                A origem de seus problemas encontra-se no seu próprio interior, já que sua
tendência de modus vivendi é completamente inaceitável para os padrões de comportamento
que deseja transparecer para a sociedade com a qual convive. Em certos casos essa tendência
é conhecida e a luta pela dissimulação é consciente, mas em grande parte das situações essa
pessoa considera a sua verdade tão perigosa que consegue dissimulá-la de si mesmo, e o medo
de ser por ela vencido determina a construção de uma imensa barreira psicológica na tentativa
de sua completa eliminação.

O medo de não conseguir resistir à tentação do seu instinto determina o


esquecimento real da verdade. Nessa construção defensiva o elemento mais fácil de ser usado
é o dogma religioso. Se essa realidade virtual aparecesse em forma de uma dedicação
artística, ou qualquer outro tipo de atividade que não influenciasse diretamente as pessoas,
seriam casos de sublimação positiva, com resultados até bem aproveitáveis pela humanidade.

Usar a dedicação religiosa como mecanismo de defesa dá início a um processo


chamado de “hipocrisia testamental”, que é o fanatismo religioso, onde a pessoa, além de
esconder as suas verdades interiores, convence outros a segui-la à mesma “verdade” fraca e
inconsistente. Caso típico foi o de Jim Jones, na Guiana, onde muitos tiveram suas vidas
ceifadas sem qualquer propósito. O suicídio do grupo não foi outra coisa senão uma forma de
impedir que notassem o quanto sua fé estava firmada em valores fantasiosos.

No Paraná existe um sujeito que se intitula “Inri Cristo”, o qual usa túnica e manto,
anda com uma coroa parecida com espinhos trançados, e conseguiu adeptos que se trajam
como as pessoas dos tempos de Jesus, dizendo-se os proclamadores da mensagem dos tempos
finais. Um exemplo típico de uma pessoa doente mental ou tomada por espíritos demoníacos,
porém com forte poder persuasivo. Por acreditar nessa verdade, esse indivíduo dificilmente
permitirá que lhe seja aplicado um tratamento psicológico ou espiritual que o ajude em sua
libertação de tal cativeiro. Jesus disse: “Acautelai-vos [...] muitos virão em meu nome,
dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos”.

A pessoa que, em vez da sublimação, se acomoda numa formação reativa, está


prejudicialmente fora de controle. Ela se acha perfeita, quando todos lhe parecem
desajustados. Ela rejeita toda forma de crítica à sua pessoa, porém vive criticando todos ao
seu redor. Ela se esconde atrás de uma máscara de santidade, mas acaba demonstrando seus
instintos reprimidos algum dia, trazendo, muitas vezes, prejuízos irreversíveis para si e para
111

os que participam do seu convívio. Essa forma de defesa precisa receber atenção especial e
carece de um tratamento muito sério, a fim de que não haja prejuízos à igreja de Cristo na terra.

7.2. ESCAPISMO OU FUGA

Diz o Dicionário Aurélio que escapismo é “a tendência para fugir ou escapar a


qualquer coisa ou situação que seja ou pareça difícil, desagradável, molesta”. Fuga, por sua
vez, é o “Ato ou efeito de fugir; fugida. Retirada rápida e precipitada. Escapatória,
subterfúgio”. Ambos os termos envolvem a atitude de escapar de uma situação e se refugiar
ou fugir na tentativa de ocultar-se de algo ou de alguém.

Geralmente a mente humana sofre de escapismo crônico: tende a esquecer o


desagradável e registrar o alegre. É também nesse esconderijo da alma humana que os
sentimentos mais condenáveis se alojam. Lá estão os pecados humanos e os instintos animais
prontos para se manifestarem. Felizmente a ética trazida da educação e a moral despertada
pela consciência, impedem que o irracional aflore em detrimento do humano.

Numa explicação filosófica, na fuga o indivíduo adquire uma forma de


comportamento alternativo à realidade ou à “vida real” (jargão escapista). A pessoa pode ser
alguém completamente diferente fora do mundo real, ou seja, aquilo que ela é entra em
confronto com aquilo que ela demonstra ser. A interpretação de personagens, assim, torna-se
um fato na sua conduta em sociedade. Como conseqüência passa a não mais responder pelos
atos cometidos dentro do mundo que a cerca, senão nas regras desse mundo, e só responde o
personagem que desempenha. Espécie do gênero escapista aparece, também, quando se
entende que o comportamento individual, por definição, não deve repetir problemas ou
aspectos do "mundo real", ou seja, do comportamento coletivo.

A explicação da filosofia tem lógica. Desde o princípio da sua existência, o homem


procura “escapar” ou “fugir”, para não enfrentar os problemas advindos de suas atitudes. O
relato de Gênesis 3 mostra-nos que Adão e Eva, após o pecado, quando ouviram a voz de
Deus na viração do dia, “se esconderam” por entre as árvores do jardim, v.8. No versículo 10
Adão declara sua situação: “tive medo, e me escondi”. Argüido por Deus, ele achou mais uma
forma de escapismo: “a mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi”
(culpando Deus), v.12. Eva também se refugiou na transferência da culpa: “a serpente me
enganou, e eu comi”, v.13.
112

Na verdade, além da pessoa deixar de reconhecer os seus erros e enfrentar as


conseqüências destes, acaba sempre por achar um “bode expiatório”, alguém ou algo que
possa ser julgado culpado em seu lugar. Assim, o escapismo não representa, necessariamente,
um lugar físico para onde a pessoa vá se esconder. Ele representa principalmente as diversas
situações de escape em que ela se refugia em momentos de tensão e sofrimento. Ou seja, os
diversos personagens que ela interpreta fora de sua realidade. Caso típico é a pessoa que ri
demais e alto, para esconder o sofrimento de ser rejeitada ou humilhada no dia-a-dia.

Associado ao escapismo está o uso indiscriminado de pseudônimos, a defesa do


anonimato e a irresponsabilidade no seu comportamento grupal. Causa da posição escapista
também pode ocorrer quando o indivíduo busca no ativismo uma válvula de escape a um
quotidiano massacrante, quando vê o mundo real como uma brincadeira ou para fugir de
frustrações pessoais. Além do escapismo, podem-se tomar atitudes de vitimização própria,
para manipular o passado, as pessoas, e seguir em frente.

A maioria das pessoas que adota atitudes de fuga justifica-se e invoca pretextos que
não são mais do que racionalizações para recusar afirmar-se. Contudo, será também essa
maioria que virá a sofrer as conseqüências negativas desse comportamento, que se traduzem
freqüentemente em rancor ou ressentimento; incapacidade de comunicação com o outro (que
acaba por não conhecer de fato); desperdício de energia (porque a inteligência e afetividade
são   usadas para se defender e não para ações construtivas para si próprio e para os outros);
perda de respeito por si mesmo; baixa da auto-estima; sofrimento pessoal.

Com freqüência, geram-se ciclos viciosos de auto-reforço desta atitude de fuga e isto
por três razões fundamentais: (1) uma falsa representação da realidade envolvente
(freqüentemente, criam-se fantasmas sobre o poder dos outros; imagina-se que ele é muito
mais  elevado do que de fato é; que pode fazer mal e obstruir a nossa própria ação); (2) uma
desvalorização excessiva da situação (desvalorização da própria  capacidade para resolver os
problemas; desvalorização das possibilidades de solução; da gravidade dos problemas; da
própria existência do problema, etc.); (3) uma necessidade de ser apreciado (esta leva à
tendência para evitar a todo o custo os conflitos e daí a demissão e a capitulação ou atitudes
de resistência em presença dos oponentes).

A fuga é um tipo de fantasia que afasta a pessoa da realidade. Às vezes ela chega a
fugir literalmente de situações onde possa ocorrer o conflito. Podemos dar como exemplos um
113

estudante que mude de curso por não estar conseguindo um bom desempenho; um homem
que abandona a família por ter constantes brigas conjugais; a pessoa que se entrega à
depressão por se sentir incapaz diante de situações conflitantes. Em vez deprocurar resolver o
problema, o que dispende energia, tempo e até dinheiro, prefere fugir.

A fuga é, de fato, o mais traiçoeiro de todos os mecanismos de defesa, pois nos


outros mecanismos o indivíduo está, até certo ponto, dentro da situação de conflito
procurando enfrentá-lo. Na fuga o indivíduo “desiste” e evita integralmente a situação de
conflito, excluindo assim, todas as possibilidades de resolução do problema. O salmista
disse que sua alma recusava ser consolada (Sl 77.2). Ele simplesmente estava determinado
a fugir do problema.

7.2.1. Tipos mais comuns de escapismo

Anotamos alguns casos típicos de escapismo:   o “apressado” que nunca tem tempo
para nada; a pessoa que “bloqueia” perante os problemas e que se mostra tímida e silenciosa;
aquela que “adia tudo”, arranjando sempre boas desculpas para resolver mais tarde; o
indivíduo que assume a postura de “observador”, não participa e recusa-se a tomar partido
(numa linguagem simplista, o que “fica em cima do muro”); o “ideólogo” que precisa sempre
refletir e que, para resolver qualquer problema, tem que mudar todo o sistema; o “amável”
que procura sempre ser agradável e deixa que o explorem ou manipulem; o “concordante” que
está sempre de acordo com tudo e não suporta o conflito; o “dominador”, que se impõe pela
violência, evitando todo tipo de diálogo e confrontamento; o “lamuriento” que se torna um
fracassado, sempre reclamando de tudo e de todos.

Os que se escondem em vitimização, escapismo e todos os tipos de fugas que


mentem acerca da realidade, encontram-se isolados, sem dúvida, da comunhão com Deus e
com o Espírito Santo. O caminho da rebelião traz escuridão para a alma e somente muda a
máscara da situação, sem resolvê-la, contudo. Temos o exemplo do rei Saul, que seguiu esse
caminho e colheu frutos amargos, quando foi acometido por demônios atormentadores, 1 Sm
15-16. Há os que criam um frenesi de atividade demoníaca, que age como um redemoinho em
sua vida, família, igreja e trabalho. Escondem-se no ativismo, somente aumentando o nível de
tensão a que estão sujeitos.
114

Existem, ainda, outros tipos de escapismo que desencadeiam o efeito de uma bola de
neve, porque, além da pessoa sofrer, provoca o sofrimento de muitos, como a bebida, o
cigarro, as drogas, o sexo desenfreado, o jogo, a agressão violenta. E, o pior deles, que é o
suicídio, onde o trânsfugo decide que dar cabo da vida é a melhor forma de resolver o
problema de uma vez por todas. Os primeiros ainda têm chance de se recuperar, porém o
suicida, ao resolver o problema terreno, encontra um problema eterno, para o qual não há
nenhuma forma de fuga, escapismo ou solução, que é a condenação da alma.

7.2.2. O escapismo religioso

É normal que a pessoa com um certo temor, ao passar por dificuldades, procure
refúgio na religião. O salmista assim se expressou: “Ah, quem me dera asas como de pomba!
Voaria, e estaria em descanso. Eis que fugiria para longe, e pernoitaria no deserto.
Apressar-me-ia a escapar da fúria do vento e da tempestade”, Sl 55.6-8. Perseguido,
oprimido pelo furor dos que o aborreciam, ele foi tentado a encontrar solução na fuga. Porém
achou alento na oração e conseguiu vislumbrar, em Deus, uma solução para o seu problema.
Mas esse problema tinha que ser enfrentado e o salmista entendeu que Deus o ajudaria a
vencer.

Porém, se o escapismo for dirigido para religiões heréticas ou crenças esotéricas, a


pessoa corre o perigo de não alcançar a solução do problema ou até agravá-lo. Por exemplo,
quanto mais se considera a origem da religião chamada Ciência Cristã, mais se dá conta de
que é um sistema de escapismo (www.cacp.com.br). Nega a existência da matéria, do
sofrimento, da enfermidade, do pecado e de todo o mal. Diz que estas são apenas idéias
errôneas, pois na realidade tudo é bom, tudo é perfeito. É mais ou menos como a lenda popular
se refere ao avestruz. Dizem que essa ave enorme, ao ver-se ameaçada por algum inimigo,
mete a cabeça na areia para esconder-se. Já que não vê o inimigo, crê estar salva. Mas o seu
corpo todo fica vulnerável ao ataque. Assim diz Mt 7.15: “Acautelai-vos dos falsos profetas,
que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores”.

Vemos uma avalanche de fórmulas religiosas e esotéricas poluindo as mentes


diariamente, através de todos os órgãos e meios de comunicação. Do berço ao túmulo, os
defensores do ego prometem a cura de todos os males da sociedade por meio de doses de
auto-estima, valor-próprio, auto-aceitação e amor-próprio. Até mesmo nos desenhos infantis
vêem-se as frases que vão se tornando jargões para a humanidade: “você consegue”; “você
115

pode”; “você tem a força”; “desperte o dragão que está dentro de você”; “faça o que o seu
coração manda” e tantas outras, que mostram que a solução para todas as coisas está dentro do
homem. Não importa se tais atitudes custem a quebra de relacionamentos, o desmoronamento
de valores, a desintegração dos costumes, a perda da fé genuína em Deus.

Quando o indivíduo centraliza toda a sua devoção religiosa em sua própria pessoa,
tende a piorar a situação. Em nenhum texto da Bíblia Jesus ordena que amemos a nós
mesmos, mas que amemos a Deus e ao próximo. A Bíblia apresenta uma base para o amor
completamente diferente daquilo que a psicologia simplesmente humanista anuncia. Nenhum
versículo da Bíblia enfatiza: “amai-vos a vós mesmos”, mas “amai o vosso próximo como a
vós”. Isto é, tudo o que eu desejo e quero para mim, vou desejar e querer para o meu próximo.
Ao invés de promover o amor-próprio como base para amarmos os outros, a Bíblia diz que
Deus é a fonte verdadeira do amor, da paz e da alegria.

Outro sistema tendente ao escapismo é a doutrina do neopentecostalismo. Seus


propagadores colocam o homem “num pedestal”, ele é quase um deus, com poderes
extraordinários que o tornam um “super crente”, conforme expressão utilizada por Romero
(1993). A Teologia da Prosperidade, defendida pelos neopentecostais, tem muito a ver com a
Psicologia humanista, a neurolingüistica e as técnicas psicológicas de dominação de massa.
(Vide Capítulo III).

Segundo o ensino da Teologia da Prosperidade, como já vimos, todo crente tem que
ser rico, possuir bens materiais, ter bom salário, além de ter saúde plena. Basta "determinar" e
as coisas acontecerão. Caso isso não ocorra, é porque a pessoa está em pecado, ou não tem fé.
Isto causa uma euforia religiosa, em busca dos bens terrenos e também uma frustração terrível
quando não se alcança tal objetivo. Perde-se a verdadeira visão da salvação, da fé simples em
Deus e da confiança em Sua soberana vontade. São enfatizados textos bíblicos que
fundamentem tais ensinamentos, em detrimento de outros, que ensinam o bom-senso, a
moderação e a busca da orientação divina em todo o contexto acerca do sofrimento humano.

Maurício Mendonça (internet), defendendo tal ensinamento, diz que a teologia da


prosperidade pode ser entendida como um conjunto de princípios onde afirmam que o cristão
verdadeiro tem o direito de obter a felicidade integral, e de exigi-la, ainda durante a vida
presente sobre a terra, bastando apenas crer em Jesus. A relação entre o fiel e Deus ocorre
116

pela reciprocidade, o cristão semeando através de dízimos, ofertas, “correntes de oração” e


“determinações” e Deus cumprindo Suas promessas de retorno.  

Isto gera um sistema de fuga em cadeia: a pessoa não alcança seus objetivos em uma
igreja, foge para outra, para outra, para outra, sem criar raízes, sem fixar-se em lugar algum e
sem resolver verdadeiramente o problema interior que a escraviza. E o que é pior: o
sofrimento deixa de ser visto como um instrumento de aperfeiçoamento, de mudança interior,
para ser encarado como um inimigo feroz que deve ser combatido a qualquer custo. Conheço
pessoas que vivem de profeta em profeta, de igreja em igreja, buscando palavras acerca do seu
problema familiar ou profissional – problema esse que, sem dúvida, seria nulo ou quase
inexistente se essa pessoa mudasse o seu caráter e o seu comportamento pelo poder do
Espírito Santo, em vez de fugir das situações que eles desencadeiam.

Lembro-me de um dia em que fui procurada por uma jovem senhora perto das nove
horas da manhã. Ela começou dizendo: “Você é a terceira pessoa que procuro hoje, pois
preciso de uma palavra de Deus”. Naquele horário, ela já havia ido a dois lugares em
diferentes pontos da cidade, para ouvir a palavra que ela queria ouvir, e não aquela que Deus
queria lhe falar. Em vez de enfrentar uma situação difícil que estava vivendo, procurava se
alimentar de profecias e revelações que aprovassem sua conduta diante dos problemas. Esse
tipo de procedimento dificilmente levará à mudança, porque a pessoa quer que Deus resolva
seus problemas segundo a sua forma de ver, mas não deseja, de coração, ceder à vontade de
Deus, o que exigiria um enfrentamento de si própria.

7.2.3. Escapando para Deus

Quando, em momentos difíceis, a pessoa “escapa” para Deus, ainda encontra uma
solução plausível para sua situação - se mantiver o coração aberto para a solução divina. O
salmista escreveu: “Debaixo das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades”, Sl
57.1. O governador Neemias, em situação de angústia e opressão do inimigo, refugiou-se em
Deus e foi abençoado (Ne 3,4,6,9). O Salmo 18 demonstra uma série variada de situações em que
o poeta, se refugiando e escapando para a presença de Deus, acabou obtendo grandes vitórias.
Estas são “fugas” temporárias, benéficas até certo ponto, que ajudam a alcançar soluções para
enfrentar a realidade e resolver os problemas com sobriedade e sabedoria. O próprio Jesus, antes
de iniciar o Seu ministério terreno, “fugiu” para o deserto, a fim de vencer o tentador e buscar a
direção divina para a escolha do Seu discipulado, Mt 4.1-10.
117

Vemos no Salmo 73 um caso típico de uma pessoa revoltada, abatida, frustrada e até
indignada, quando via a prosperidade dos ímpios e a dificuldade dos salvos. Enquanto o
salmista “escapou” para a inveja, a indignação, os julgamentos e até acusações contra Deus,
diz que adoeceu, quase vacilou na fé, ficou “embrutecido e ignorante, como um irracional”,
v.21,22. Até que decidiu “fugir” para o santuário de Deus, para a Sua presença, e ali recebeu
instrução, revelação, renovação e consolo. Disse afinal: “Quanto a mim, bom é estar junto de
Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos”, v.28.

“Fugir” para os braços do pai ou da mãe, para o aconchego do lar, para a presença de
Deus, pode não resolver todo o problema, mas alivia a alma e transmite uma sensação de
segurança. Mas essa “fuga” tem que ser temporária, o suficiente para receber renovação,
como a águia, que “foge” para os altos picos, a fim de renovar sua plumagem e afiar suas
garras. Restaurada, a pessoa tem que voltar para a sua realidade e enfrentá-la, buscando
soluções plausíveis para cada situação de conflito.

Na religião, porém, pode advir outro problema patológico. Com a "desculpa" de estar
buscando e servindo a Deus, a pessoa pode fugir de suas responsabilidades inerentes à vida
profissional, familiar e conjugal. Há os que, afirmando “viver pela fé”, não trabalham, vivem
à custa de outras pessoas e nunca assumem uma postura adequada, escandalizando o
evangelho de Cristo. Paulo repreendeu os tais: “Porquanto ouvimos que alguns entre vós
andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs”, 2 Ts 3.11. Temos
evidenciado muitos problemas familiares decorrentes de pessoas – até sinceras e capacitadas -
que estão plenamente disponíveis para a igreja, mas totalmente adversas para suas
responsabilidades familiares ou profissionais. Tais pessoas precisam de orientação espiritual e
psicológica, para que venham a viver num clima de normalidade.

Lembro-me de um jovem a quem chamarei de Carlos. Quando chegou à nossa igreja


queria logo ocupar um cargo de liderança, dizendo ter sido obreiro em outra denominação.
Pedimos uma carta de apresentação. O seu orientador espiritual respondeu-nos que ele
realmente ocupava cargo de destaque na Igreja, porém havia entrado em disciplina por maus
comportamentos e, em vez de cumpri-la, resolvera mudar de igreja. Aconselhamos o jovem a
ir cumprir a disciplina em sua igreja e depois trazer uma carta de transferência. Ele se
humilhou e fez isso, graças a Deus. Logo entrou para o ministério de louvor e participava de
todas as reuniões da mocidade.
118

Porém a vida de Carlos era turbulenta e desatinada, com freqüentes problemas com a
mãe (a qual tinha uma vida moral irregular). Fizemos de tudo por aquele jovem, mas ele
entendia que “precisava fazer a obra de Deus”, porém não deixava que Deus trabalhasse em
seu caráter. Ele dava problemas em todos os empregos que alguém da igreja lhe arrumasse.
Foi indo, em altos e baixos, até que se envolveu com o roubo comprovado no meio do
rebanho. Daí começou a aparecer os rastros da sua triste passagem pela igreja, com muitos
depoimentos de pequenos furtos, enganos e outros relatos depreciativos que muito nos
entristeceram. Este jovem nunca se rendeu de verdade ao Senhor, apenas fugia para a religião,
a fim de tentar convencer a si próprio de algo que ele realmente não era. Até onde temos
notícia, a sua história acabou com o jovem fugindo da polícia para não ser preso.

O mecanismo da fuga é sintomático. Ele vai acumulando situações onde a pessoa


perde a noção da sua verdadeira personalidade. Se não cair em si a tempo, o final pode ser
catastrófico. Temos um exemplo típico na pessoa de Jonas, o profeta bíblico fujão. Ouvindo a
ordem do Senhor para ir à Nínive, Jonas temeu e efetuou uma fuga em cadeia: fugiu para
Jope, tomou um navio para Társis, ali fugiu para o porão e mesmo quando o navio soçobrava
sob uma violenta tempestade, ele se escondeu no sono. Graças a Deus que, sendo argüido
pelos marinheiros, ele assumiu a sua verdadeira personalidade, enfrentou a realidade e foi
atirado ao mar. Daí foi Deus quem o escondeu no ventre do grande peixe. Arrependido, ele foi
abençoado, assumiu o seu papel enfrentando a realidade e cumpriu a sua missão de profeta.

7.3. PASSIVIDADE

Passividade, segundo o Dicionário Aurélio, é “que não atua; inércia; indiferença;


apatia”. Segundo Jacqui Schiff e seu filho Aaron (1974), as manifestações observáveis de
passividade como mecanismo de defesa são identificadas através de quatro comportamentos
passivos: Não Fazer Nada; Super Adaptação; Agitação; e Incapacidade ou Violência. Os
autores assim colocam estes comportamentos:

- Não Fazer Nada - Na tentativa de manter a simbiose (associação e entendimento íntimo


entre duas pessoas), a pessoa assume o comando da personalidade, criando assim, uma
contaminação em que ela utiliza a energia com a finalidade de bloquear ou inibir reações. É o
oposto de uma atitude adulta que, frente a uma situação em que existe um problema, conecta
o seu adulto e decide não fazer nada, esperando a hora certa, ao invés de, passivamente, nada
fazer. Jesus foi esse adulto que resolveu não fazer nada, por ter Se entregado voluntariamente
119

ao holocausto, em favor das nossas almas (Is 53). Ele não estava adotando o mecanismo da
passividade, porque enfrentava conscientemente um momento que tinha de acontecer para
realizar o propósito divino. Diferente reação teve Nabal, que diante das ameaças de Davi,
resolveu optar pela passividade: “[...] ele é um tal filho de Belial, que não há quem lhe possa
falar”, 1 Sm 25.18

Segundo Schiff (1974), o indivíduo que responde a uma situação problemática nada
fazendo, é bem capaz de desencadear uma simbiose. Por exemplo, a mulher que se cala e se
anula para poder conviver com um marido violento, porém fica frustrada por não realizar o
que é próprio da sua personalidade. A passividade assumida pelo sacerdote Eli diante da
rebeldia de seus filhos custou caro não só a ele, mas a toda a nação de Israel, 1 Sm 2-3.

Em uma confrontação, o indivíduo com esse comportamento passivo falará por


demais calmamente, ficará hesitante diante de perguntas ou terá dificuldade de expressão.
Provavelmente existirão pausas desconfortáveis enquanto ele desvia a vista ou busca palavras
ou fica silencioso por longo tempo, antes de responder a uma pergunta simples.

- Super Adaptação - A Super Adaptação é o comportamento passivo mais difícil de identificar


e é também o mais adaptado à situação; logo é o mais reforçado comumente. A Super
Adaptação ocorre quando o indivíduo não consegue identificar a sua própria meta ao tentar
resolver um problema. Ele tenta realizar o que acredita ser a meta do outro. Utiliza a
grandiosidade para projetar aquilo que ele acredita ser a expectativa do outro, ele define o
problema como sem solução e a expectativa como sendo absurda. É o caso do filho que anula
suas tendências para corresponder à expectativa do pai ou da mãe na vida profissional ou pelo
casamento (situação típica dos povos fundamentalistas). Exemplo bastante particular é o
seguidor de um líder, que busca os ideais daquele, anulando toda a sua vontade, como no
conhecido drama vivido pela congregação do Pr. Jim Jones (caso mundialmente conhecido, e
já comentado, onde esse líder induziu os seus seguidores ao suicídio coletivo).

Na Super Adaptação o indivíduo possui mais capacidade de pensar do que nos outros
comportamentos passivos, por isto torna-se mais fácil oferecer grandes quantidades de dados
e informações sobre suas habilidades e capacidades. Fica, assim, mais difícil o indivíduo
continuar desqualificando quando confrontado. Segundo Schiff (1974) é o comportamento
passivo mais acessível a tratamento. Entre a Super Adaptação e a Agitação, que é um estado
psicossomático, existe um estado intermediário chamado de Sobre Adaptação. Schiff acredita que
120

são necessários mais estudos para entender as implicações da Sobre Adaptação e como ela rompe
e impede a solução de problemas.

- Agitação - A agitação acontece entre a Sobre Adaptação e a Violência. A energia é gasta em


atividades repetitivas e sem propósito, não visando alcançar objetivos, mas sim, descarregar
energia. Na agitação o indivíduo sente um profundo desconforto e o seu pensamento é
confuso. Tenta defender a simbiose contra qualquer ameaça, mas sente-se inadequado e sabe
que “poderia fazer alguma coisa”. Segundo Schiff (1974), não se conhece uma forma de
conectar o adulto do indivíduo em agitação e a forma que recomenda é a de restabelecer a
Sobre Adaptação para anular a violência. Diz também que a seriedade do comportamento
violento não deve ser subestimada. O velho ditado “cão que late não morde” deve ser
descartado, já que a experiência demonstra que um indivíduo que, por exemplo, vive
proclamando o suicídio, um dia chegará a fazê-lo com sucesso.

Schiff (1974) afirma que a grandiosidade é mantida pela crença de que a atividade
seja produtiva, onde o indivíduo pensa que está realizando algo quando caminha de um lado
para o outro, por exemplo. E o que de fato ele está fazendo é trabalhar a histeria na direção de
uma descarga violenta de energia, que reduz sua capacidade. Segundo os autores, alguns
comportamentos agitados, tais como gagueira, são por si só, tão incapacitadores que os torna
difícil distinguir entre a Agitação e Incapacitação, ao passo que comportamentos ritualísticos,
tais como fumar, podem ter importante papel no controle da Agitação, ou podem ser, eles
próprios, comportamentos agitados.

Schiff (1986) acredita que a Sobre Adaptação é a que tem melhor prognóstico, pois é a
que demonstra mais pensamento, propiciando assim, maior facilidade para a resolução. A Super
Adaptação aparece em muitos Jogos Psicológicos tais como “Veja como me esforcei”, “Se não
fosse por Ele”, “Perna de Pau”, etc. O indivíduo parece estar buscando uma solução para o
problema, mas é incapaz de chegar a uma solução satisfatória e se justifica: “Eu estava por demais
amedrontado”, ou “simplesmente não sabia o que fazer”, ou qualquer outra desculpa.

As desculpas e a presença de um pensamento pobre de relação causa e efeito,


segundo Schiff (1986), são os melhores indicadores de que Sobre Adaptação é o problema.
O autor acredita que o indivíduo passivo é capaz de adaptar-se à expectativa de que sabe
pensar e responder apropriadamente. Assim sendo, pode ser necessário dizer-lhe que
existem razões para todas as coisas, que ele é responsável por saber o que lhe passa na
121

cabeça e que ele pode resolver problemas. Uma combinação de expectativa e apoio pode ser
útil para desencadear a ruptura da passividade. É necessário que existam definições externas
da realidade e das expectativas, uma vez que há muita grandiosidade projetada, embora o
indivíduo possa parecer estar respondendo adequadamente à situação, o seu pensamento é
às vezes claramente desviante.

Schiff (1974) acredita que punição ajuda positivamente ao indivíduo a estabelecer metas
realizáveis, como por exemplo: ele pode não estar motivado para realizar as tarefas que lhe
tragam carícias positivas, mas pode ficar motivado para evitar castigos e logo desejará estabelecer
uma meta para si que seja coerente com a expectativa. Ele defende que o procedimento mais
adequado quando o indivíduo encontra-se agitado é atuar como pai do indivíduo, até que ele
esteja adaptado à parentalização e então lide com o que está causando o comportamento.

Este procedimento facilita a interrupção do desenvolvimento da energia, antes que ela


seja descarregada, restaurando assim, a Super Adaptação, onde existe maior possibilidade de
pensamento, o que permite ao indivíduo responder mais apropriadamente ao momento que o
angustia. O medo de incentivar a comunicação livre entre as pessoas é explicado pelo medo da
descoberta de sua própria verdade, já que a comunicação possibilita o questionamento,
desenvolve o raciocínio e amplia o conhecimento, levando, invariavelmente, à verdade.

O procedimento desse religioso é explicar tudo por meio de seu livro sagrado,
impedindo, com a ameaça de estar cometendo algum grande pecado, qualquer forma de
questionamento. Pode até chegar às raias do fanatismo religioso e do fundamentalismo
radical. Conhecemos um amado irmão que sempre teve muitas dificuldades em aplicar a
correção bíblica para os filhos e netos, devido a traumas sofridos com a intransigência do
avô, sempre citando as Escrituras para tolher quaisquer manifestações que os netos, como
crianças, pudessem ter.

- Incapacidade ou Violência - É um comportamento que ocorre na descarga de energia


acumulada na passividade, e é uma tentativa de reforçar a simbiose quando prestes ao
rompimento. Segundo Schiff (1974) não é identificado nenhum pensamento, o indivíduo não
aceita responsabilidade pelo seu comportamento. Após a descarga de energia, o adulto poderá
ser conectado. Eles afirmam que tanto a Incapacidade como a Violência constituem em
benefícios nos Jogos de “Eu não agüento mais”, logo, envolve grandiosidade.
122

Schiff (1974) afirma que a Violência e a Incapacidade são os mais graves


comportamentos na passividade, pois, neles o indivíduo desiste da responsabilidade de pensar
e de resolver problemas. Como o indivíduo está sobre grande pressão interna, é conveniente
que seja protegido a fim de que a descarga energética ocorra, evitando assim, a escalada, para
então após isto, levá-lo a assumir responsabilidades. Neste comportamento são identificados
três mecanismos de defesa: o ataque, a acomodação e a manipulação.

7.3.1. O ataque

O ataque é uma atitude de violência ou agressividade perante as pessoas e os


acontecimentos: em vez da afirmação tranqüila mas firme, o que ataca prefere submeter os
outros, fazê-los vergar mesmo em seu detrimento. Estas atitudes supõem um forte dispêndio
de energia e acontece freqüentemente que o agressivo perde a confiança e consideração dos
outros, deixa de ser informado ou, quando a frustração é grande, é dominado por perturbações
somáticas. Na origem destes comportamentos podemos supor: um elevado grau de frustração
no passado, sem que lhe seja permitido reconhecer a sua própria fragilidade; um medo latente
do “outro”, por temor de ser esmagado numa relação direta; o desejo de vingança, que decorre
principalmente de sentimentos de rivalidade antigos, mas que continuam a regular as suas
interações, tratando-se velhos contenciosos por intermédio de terceiras pessoas. Em resumo, a
passividade adquire um grau pior: o da impassividade.

Algumas pessoas são listadas cometendo esse procedimento: o “pretensioso” que


esmaga os outros com os seus conhecimentos; o “autocrata”, que obtém o consentimento pelo
medo; o “espírito de contradição”;   o “rebelde” que é tomado de um espírito de denúncia; o
“vingativo”; o “sabotador”; o “depreciador”, que desvaloriza tudo e todos; a pessoa que quer
“endireitar o mundo”; e o “suscetível”, que demonstra intolerância perante a menor
contrariedade.  

7.3.2. Acomodação

A psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Melo (internet), diz que atividade e


passividade, assim como outros termos que se fazem opostos, podem determinar um tipo de
comportamento. Definem também tipos de metas ou objetivos pulsionais. Um modelo de
meta pode ser o de corresponder à pulsão oral, que será satisfeita com a atividade de sucção.
A passividade de uma meta pode ser observada, por exemplo, em indivíduos que desejam ser
123

maltratados (masoquismo) ou vistos (exibicionismo). A fim de se posicionar para obter


satisfação, o indivíduo comporta-se assumindo estar à mercê do outro. Toda posição passiva é
inseparável do seu oposto. O masoquismo é um sadismo voltado contra a própria pessoa.
Corresponde a um retorno sobre a própria pessoa e ao mesmo tempo a uma inversão da
atividade em passividade.

Ruth Mack Brunswick (in: Márcia Homem de Melo, internet) mostra que desde
criança começa a relação passiva com a mãe, que satisfaz todas as necessidades. Na mãe ativa
pode estar a identificação da atividade. Victor Dias (id) comenta que por volta dos três anos, a
criança já tem instalado o processo de busca. A falta desse processo de busca e da angústia
gera o acomodamento psicológico.

As sensações de medo, insegurança e incompletude podem gerar um processo de


busca e o aparecimento da angústia patológica. A fim de evitar o sentimento desta angústia,
que é a ameaça de conteúdos inconscientes bloqueados, o psiquismo vai buscar justificativa
nas defesas intrapsíquicas. Assim o indivíduo diminui o processo de busca e a angústia
patológica relacionada.

Há a fase do acomodamento psicológico, na qual o indivíduo - apesar de ter seus


bloqueios do desenvolvimento psicológico com todas as conseqüências daí advindas -
consegue ficar compensando com pouca angústia. É a fase em que vive a maioria das pessoas.
Acrescentando o conceito de inibido quanto à meta, que é o que qualifica uma pulsão que, sob
o efeito de obstáculos externos ou internos, não atinge o seu modo direto de satisfação (ou
meta) e encontram uma satisfação atenuada em atividades ou relações que podem ser
consideradas como aproximações mais ou menos longínquas da meta primitiva.

A compensação da angústia patológica e o abrandamento do processo de busca


fazem com que as pessoas consigam cumprir parte de suas necessidades internas e uma parte
das exigências sociais a que estão submetidas. É um equilíbrio instável, mas um equilíbrio
que pode ser bem satisfatório e durar até a vida toda. A transformação do sadismo em
masoquismo, não implica simultaneamente a passagem da atividade à passividade e uma
inversão dos papéis entre aquele que inflige e o que é vítima de sofrimentos. Com a noção de
sado masoquismo, na qual o conflito psíquico e sua forma central - o conflito edipiano -
podem ser compreendidos como um conflito de exigências, pois a posição de quem exige é
virtualmente uma posição de perseguido-perseguidor, porque a medição da exigência introduz
124

necessariamente as relações sado masoquista do tipo dominação-submissão que toda a


interferência do poder implica.

Um dos mecanismos de defesa passivos acomodativos é o dos Vínculos


Compensatórios. São vínculos que o indivíduo vai criando, que o ajudam a estabilizar-se,
apesar da sua falha de desenvolvimento psicológico. Podem ser: casamento, uma amizade, um
emprego, um relacionamento com a comunidade e outros. Rotinas de vínculos que de alguma
maneira ajudam esse indivíduo a ter uma noção, embora  externa, da sua própria identidade.
Por ex., um time de futebol. Ser corintiano ou outro passa a ser, de repente, uma identidade e não
apenas o participante da torcida de um time. Então, diz-se que o individuo com mecanismos
reparatórios oriundos da estrutura intrapsíquica, com exacerbação do psiquismo organizado e
diferenciado e uma série de vínculos compensatórios, entra numa fase de acomodamento, isto
é, alcança uma estabilização psicológica, onde consegue produzir e conduzir sua vida.

Estabelecer vínculos compensatórios com pessoas, animais, coisas, situações,


filosofias, religiões, etc., que de alguma forma lhe assegurem uma identidade, que embora não
seja a sua verdadeira, passa por lhe produzir uma sensação de existir mais palpável. Os
vínculos compensatórios têm uma finalidade bastante grande, pois permitem freqüentemente
que o individuo se organize e se estruture na vida. Por outro lado, o indivíduo fica preso ao
vínculo compensatório, pois depende dele para ter sua identidade mais completa. Infelizmente
existem pastores e obreiros que se encaixam neste sistema de comportamento. Sair da
passividade ou acomodação pode lhe trazer uma nova visão, ou novos objetivos de vida, mas
é preciso reconhecer e assumir sua situação e desejar a mudança.

7.3.3. Manipulação        

 A manipulação é um aspecto da passividade muito comum. Desde que a pessoa


obtenha os seus objetivos, não se preocupa em manter uma posição definida. Este é um
mecanismo de defesa próprio da maioria dos políticos, que tudo fazem para conseguir adeptos
e votantes favoráveis. Infelizmente, porém, é freqüente também nos meios cristãos, no jogo de
poder, luta por cargos e outras politicagens que visam muito mais o bem próprio do que o
bem comum. Muito mais a glória própria do que a glória de Deus.

O manipulador não receia ter discursos diferentes conforme os interlocutores; gosta


de falar baixo, enviesadamente e não acredita na informação direta. Manipular é não anunciar
125

objetivos ou, pelo menos, não ser claro quanto aos objetivos. Freqüentemente a manipulação
surge inconscientemente, sem que as pessoas se dêm conta do que estão fazendo (sobretudo
quando se culpa os outros no que respeita aos próprios valores, para as fazer agir num
determinado sentido). A manipulação é tanto mais eficaz quanto maiores são as diferenças de
poder e de influência, mas a pessoa que manipula perde toda a credibilidade à medida que os
seus truques se denunciam. O tempo gasto custa muito caro porque os problemas continuam
sem ser resolvidos; os compromissos continuam a não ser cumpridos e as decisões continuam
a não ser aplicadas.

As razões destes comportamentos de manipulação ligam-se, essencialmente: à


educação tradicional, que acaba por ser uma imensa manipulação permitida, regulamentada
e elevada ao estatuto de sistema moral (por exemplo, a idéia de que mentir às crianças não é
mentir); a certas crenças estereotipadas da nossa sociedade (por exemplo, idéia de que é
mais fácil agir por interposta pessoa ou a idéia de que é possível apanhar o outro sem que
ele se aperceba). A manipulação é típica de sistemas religiosos cujo Conselho tenha poderes
de decisão acima do seu líder máximo. É feito um jogo de poderes e influências, que mais
contribui para o atraso do que para o avanço da obra no seu todo. O manipulador
“massageia o ego” de integrantes desse “conselho”, a fim de alcançar os seus objetivos
pessoais, dando sempre a desculpa de querer o bem comum.  

Podemos enunciar alguns casos típicos: a pessoa que seduz e lisongeia; aquela que
desvaloriza o outro quando este é inseguro ou fraco; a que exagera e caricaturiza; a que
simula e confabula; o “conspirador”; aquela que faz “combinações secretas” (com trocas de
favores, caso típico dos políticos e pessoas que almejam cargos e posições); a pessoa que
acusa, fingindo ser o “salvador” (“faço isto porque sou teu amigo”); a pessoa que finge ser
franca; e aquela que encobre seus reais motivos ou comportamentos. Caso típico
encontramos na pessoa de Absalão, o ardiloso filho de Davi, que, desejoso de ocupar o
trono real, “roubava” o coração do povo com lisonjas e promessas irreais, 2 Sm 15.2-6.

Embora os comportamentos passivos, agressivos e de manipulação tenham certa


utilidade, são usados comumente mais do que o necessário, impedindo a criatividade para
responder aos problemas e sofrimentos de forma a solucioná-los ou erradicá-los. Eles anulam a
responsabilidade individual, a autonomia e a espontaneidade, deixando a pessoa sem estabelecer
metas de vida e procedimentos que a ajudem a resolver os problemas e não fugir deles.
126

7.4. FATALISMO

José Dassi (in: www.sinomar.com.br) considera que o  termo “fatalismo” vem do


latim “fatum” (destino) e significa “a crença ou aceitação de um poder ou lei superior a que
ninguém pode fugir”. O autor escreve que existe um estado de espírito triste no qual as
pessoas freqüentemente tombam, no qual não sabem qual a diferença entre Deus e o destino.
Em sentido filosófico, fatalismo é a doutrina ou atitude segundo a qual o curso da vida
humana está previamente traçado, conforme o dicionário Aurélio.

Nome de um sistema filosófico, Fatalismo é aquilo que não pode ser evitado. Está
pré-destinado que assim vai acontecer e nenhuma opção pode ser tomada. Esta doutrina
afirma que todos os acontecimentos ocorrem de acordo com um destino fixo e inexorável, não
controlado ou influenciado pela vontade humana. Embora aceite um poder sobrenatural
preexistente, não recorre a nenhuma ordem natural. Devido a esse raciocínio, recusa a
predestinação. Também costuma ser confundido com determinismo. Exerceu influência,
especialmente, sobre os antigos hebreus e alguns pensadores gregos. (Disponível em:
wikipedia.org/wiki/Fatalismo).

DASSI cita uma das mais surpreendentes ilustrações na História, sustentada pelos
crentes da Cumberland Presbyterian, os quais, durante cerca de uma centena de anos, têm
vigorosamente afirmado que a Confissão de Fé de Westminster ensina o “fatalismo”. O que
eles querem dizer é que a Confissão de Fé de Westminster ensina que é Deus quem determina
tudo o que acontecerá no universo; que Deus não tem - usando uma sentença do Dr. Charles
Hodge – “atribuído nem à necessidade, nem ao acaso, nem ao capricho do Homem, nem à
malícia de Satanás, o controle da seqüência de eventos e todos os seus resultados, mas têm
guardadas em suas mãos as rédeas do governo”. Isto, dizem eles, é fatalismo, porque envolve
“uma necessidade inevitável” no desenrolar dos acontecimentos. É o mesmo que dizer:
Satanás não existe, a “carne” não exerce influência sobre o homem e tudo o que acontece, tem
que acontecer (ou, teria que acontecer).
127

O fatalismo é a atitude predominante na maioria das pessoas que vivem arrastando o


passado. Ele é expresso em frases como: “Sempre foi assim, nada pode ser feito a respeito
disso”; “Não se pode mudar o mundo”; “É preciso aceitar a realidade”. Uma pessoa fatalista
diz: “De que adianta? No final, vamos perder. Somos vítimas do destino”. Essa atitude leva-as
facilmente à indiferença, ao ressentimento, à amargura, à desesperança, ao desespero.

Contrariando a atitude do fatalismo, existe um ditado que diz: “Uma pessoa pode
viver quarenta dias sem alimento, três dias sem água, oito minutos sem ar, mas nenhum
minuto sem esperança”. Encontramos a seguinte ilustração:

Contam por aí a história de um homem que percebeu que estava lentamente


perdendo a memória. Ele procurou um médico e, após um exame cuidadoso, este lhe
disse que uma cirurgia no cérebro poderia reverter a situação e fazê-lo recuperar a
memória.
- No entanto, - disse o médico - você precisa compreender que a cirurgia é muito
delicada. Se um nervo for lesado, isso poderá resultar em cegueira total.
Um silêncio profundo encheu a sala.
- O que você prefere conservar - perguntou o cirurgião, tentando quebrar o
incômodo silêncio - a visão ou a sua memória?
O homem ponderou sobre suas alternativas por alguns momentos e então respondeu:
- A visão, porque eu prefiro ver para onde estou indo a lembrar onde já estive.

Esse mesmo raciocínio é endossado pela pessoa que entende como a vida está
passando rapidamente e que, para sobreviver e prosperar, ela precisa deixar o passado para
trás. É verdade que nem sempre se consegue esquecer o passado, mas não é necessário viver
nele. A falta de esperança no futuro mantém a pessoa obcecada com o passado e refém do
fatalismo, sem força para viver o momento atual. Ela não acredita em mudanças, nada vê no
seu horizonte futuro, então nada faz, nem se esforça, acreditando que “sempre foi assim”. Ela
se concentra na tarefa de salvar sua memória em vez de aguçar a sua visão. O fato de arrastar
o passado atrás de si tolhe o impulso de se mover em direção do amanhã.

A pessoa fatalista pode até crer em Deus, mas entende que, se Ele determinou algo,
de nada vale lutar pela mudança. Acha que o sofrimento é uma cruz que ela precisa carregar e
pronto. Muitas vezes ela desiste de buscar a mudança, achando que, se “tem que ser assim,
assim será”. Na verdade, o fatalismo bate de frente contra a fé, contra a esperança, contra o
sentido da verdadeira existência. Os grandes milagres e as grandes operações da Bíblia
ocorreram por meio de pessoas que, movidas pela fé e inconformadas com a presente
situação, entenderam que tudo poderia mudar se tão somente elas buscassem ao Senhor. Se,
depois de orar, jejuar, buscar, arrepender, clamar, o mal ainda acontecer, daí então, podemos
128

acreditar que “esta era a vontade de Deus”. Mas enquanto a “coisa” não acontece, podemos
lutar e não ficar com as mãos presas na cruz da fatalidade.

7.4.1. Negativismo

Uma das áreas em que o fatalismo se processa é o negativismo. A pessoa passa a


desenvolver atitudes extremamente negativas em relação a tudo e a todos: “Fracassei porque,
afinal de contas, nada presta!”. Ela não se arrisca a empreendimentos, recusa inovações,
rejeita qualquer participação, porque “não vai dar certo, mesmo!”. Ela enfrenta com frieza o
presente, preocupa-se demasiadamente com o futuro e gasta suas energias lamentando o
passado. Este é um mecanismo de defesa prejudicial tanto à quem o emprega, como aos que
com tal pessoa se envolvem.

O negativista é insensível às necessidades e sentimentos dos outros, recusa-se a


aceitar as limitações suas e dos outros e é incapaz de dar e receber afeição. Ele perde a
vivacidade e a inocência, usa pouco a inteligência e torna-se uma pessoa amarga, de difícil
relacionamento e infeliz. Dificilmente expressa suas idéias, por temer o ridículo, então prefere
bloquear e dar o contra em tudo, tornando-se um elemento até nocivo nos relacionamentos. O
sofrimento a que ele está sujeito é agravado pelo seu próprio comportamento. Tal mecanismo
produz sofrimento tanto na pessoa negativista, como naquelas com os quais ela se relaciona.

7.5. ISOLAMENTO

Um conflito cria certa angústia, a qual motiva o indivíduo a sanar esse problema.
Porém, nem sempre ele é capaz de resolver um problema de forma imediata e direta, pois
os problemas pessoais quase nunca podem ser resolvidos através da razão. Isso se dá pelo
fato de que os problemas pessoais têm um certo envolvimento emocional que diminui a
objetividade, conseqüentemente somos levados a resolvê-lo de forma indireta e
tortuosamente, buscando um ajustamento.

O isolamento é o mecanismo de defesa que envolve uma “separação de sistemas” de


tal forma que as racionalizações protetoras sejam preservadas, e os sentimentos perturbadores
possam ser isolados. Em casos de conflitos profundamente enraizados, referentes a concepções
básicas do Eu, é muito grande a amplitude de situações capazes de despertar conflitos, na
medida em que o indivíduo vai se afastando de cada uma dessas situações e vai se tornando
“ilhado”, isolado do resto do mundo. Esses indivíduos tornam-se acanhados e medrosos.
129

Nosso pensamento parece capaz, em certas circunstâncias, de manter, lado a lado,


dois conceitos logicamente incompatíveis, sem tomarmos consciência de suas gritantes
divergências, o que também chamamos de “comportamentos lógicos de estanques”. É um
processo de isolar uma, dentre as várias partes do conteúdo mental, de tal forma que as
interações normais que ocorreriam entre elas se reduzam, e assim, os conflitos sejam evitados.
Um exemplo seria um ladrão que rouba, e não experimenta dos sentimentos de culpa que
estão ligados a esse ato. Geralmente essa “separação de sistemas” é que dá espaço para a
atuação de outros mecanismos de defesa como a Projeção, Repressão e a Fantasia.

7.5.1. Projeção

Termo utilizado num sentido muito geral em neurofisiologia e em psicologia para


designar a operação pela qual um fato neurológico ou psicológico é deslocado e localizado no
exterior, quer passando do centro para a periferia, quer do sujeito para o objeto. Manifesta-se
quando o Ego não aceita reconhecer um impulso rejeitável do Id e o atribui a outra pessoa. No
sentido propriamente psicanalítico, é a operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no
outro - pessoa ou coisa - qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele
desconhece ou recusa nele.

Trata-se aqui de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação
particularmente na paranóia, mas também em modos de pensar “normais”, como a
superstição. É o caso, por exemplo, do menino que gostaria de roubar frutas do vizinho sem,
entretanto, ter coragem para tal ato, e diz que soube que um menino, na mesma rua, esteve
tentando pular o muro do vizinho com esse intento. Outro caso é o estudante que cria o hábito
de colar nas provas dizendo, para se justificar, que os outros colam ainda mais que ele.

Nós mesmos, muitas vezes, nos defendemos da angústia de um fracasso ou culpa


projetando a responsabilidade por esse fato em alguém ou em algo. Prova inconteste desse
mecanismo encontramos desde o início da humanidade, quando o casal pecador lançou a
sua culpa em outro: Adão em Eva e em Deus; Eva na serpente, Gn 3. Seria ainda o caso de
um jogador de tênis que, ao errar uma tacada, lança um olhar reprovador para sua raquete.
Ou a pessoa que, reprovada num exame, lança a culpa no seu professor, no sistema ou
qualquer outra desculpa.
130

As projeções tendem a deslocar-se em direção a objetos e pessoas cujas qualidades e


características são mais adequadas para encaixar o material deslocado. Voltando ao exemplo
do jogador de tênis, ele poderia ter projetado a culpa em seu tênis ou na quadra, porém
preferiu projetá-la na raquete, pois essa última tinha características mais apropriadas para
encaixar a culpa. Esse jogador não diz: “eu sou ruim no jogo de tênis”, mas, “esta raquete não
presta”. A projeção é diferente da generalização pelo fato de que a pessoa não está consciente
da existência do traço indesejável em si mesma, porém ela tende a enxergá-lo excessivamente
nos outros. Um indivíduo desorganizado, pode não notar que o é, porém vai enxergar fácil e
exageradamente tal traço em outros.

7.5.2. Repressão

Este mecanismo consiste em afastar ou recalcar da consciência um afeto, uma idéia


ou apelo do instinto. Em sentido amplo, é a operação psíquica que pretende fazer
desaparecer da consciência impulsos ameaçadores, sentimentos, desejos, ou seja, conteúdos
desagradáveis ou inoportunos, como idéias, afetos e outros. Neste sentido, o recalque seria
uma modalidade especial de repressão. Em sentido mais restrito, designa certas operações
do sentido amplo, diferentes do recalque, ou pelo caráter consciente da operação e pelo fato
de o conteúdo reprimido se tornar simplesmente pré-consciente e não inconsciente; ou, no
caso da repressão de um afeto, porque este não é transposto para o inconsciente, mas
inibido, ou mesmo suprimido.

Em suma, o fato de um indivíduo possuir grande dificuldade em reconhecer seus


impulsos que produzem angústia, ou lembrar-se de acontecimentos passados traumáticos é o
que chamamos de Repressão, que também é identificada como “esquecimento motivado”. A
omissão deliberada de recordações ou sentimentos, como testemunha o apóstolo Paulo em Fp
3.13,14 (“esquecendo-me das coisas que para trás ficam prossigo para o alvo”), não é
Repressão, esta acontece de forma automática e é uma reação a um determinado conflito. Em
casos extremos (um acontecimento extremamente doloroso) a repressão pode apagar não só a
lembrança do acontecimento, mas também, tudo que diz respeito ao mesmo, inclusive seu
próprio nome e sua identidade, criando uma profunda amnésia.

Se a Repressão apenas apagasse o conflito e toda a angústia a ele ligado, seria uma
forma “ideal” de defesa, porém os conflitos e angústias por ela apagados, quando voltam, têm
seus efeitos extremamente potencializados, e ainda, o alívio que ela proporciona tem outras
131

conseqüências como a instalação de fobias, compulsões e a “formação de reação”. A Bíblia


usa termos como “perdoar”, “esquecer” o mal, o que representa não uma repressão, mas uma
atitude inteligente de bondade e misericórdia tanto para consigo mesmo, como para com
pessoas e fatos que “fazem sofrer” – em suma, perdoar com esquecimento.

7.5.2.1. Formação de reação - Identificação Defensiva

O indivíduo pode diminuir, ou evitar a angústia identificando-se com outras pessoas


ou grupos, de forma a se proteger. Por exemplo, uma pessoa que sofreu um recente fracasso,
pode identificar-se com o triunfo de outras, como se aquele triunfo também fosse dela.
Também, ameaças externas ao Eu podem ser reduzidas quando a pessoa passa a ver essas
ameaças voltadas para um grupo mais amplo ao qual se identifica, e não apenas a ela. Por isso
temos a tendência de fazer algo que consideramos perigoso quando estamos em grupo, assim
o sentimento de culpa e angústia ligados a tal ação se diluem no grupo inteiro.

A maior parte das identificações ocorre no mundo da fantasia, temos como exemplo a
criança que identifica-se com seu herói favorito, a moça que identifica-se com a “mocinha” da
novela, e outros. Algumas ocorrem, ainda, em grupos anti-sociais, como grupos Neonazistas,
por exemplo, essas, a longo prazo, podem trazer dificuldades ainda mais sérias de ajustamento.

De forma branda a identificação pode ajudar a pessoa a tornar-se mais confiante e


ajudar em seus ajustamentos. Porém, em excesso, causa dependência e impede o indivíduo de
enfrentar seu problema. Um caso excepcional de identificação defensiva é a Identificação com
o Agressor: nesse tipo de identificação o indivíduo procura se identificar com pessoas ou
grupos que o ameaçam; assim, ele é transformado de agredido para agressor.

7.6. FANTASIA

É um processo psíquico em que o indivíduo concebe uma situação em sua mente, que
satisfaz uma necessidade ou desejo, que não pode ser, na vida real, satisfeito. A fantasia é
usada com o objetivo de manter o auto-respeito e defender a pessoa de ameaças e angústias. A
pessoa se vê obtendo grandes trunfos, fazendo atos heróicos, sendo um conceituado
empresário, um presidente, um milionário. Há aqueles que, dentro da Igreja, se vêem cantores,
pregadores, profetas, e se fecham num mundo fantástico que na maioria das vezes foge
completamente à sua realidade. A fantasia é normal na criancinha, porém inadequada nas
132

fases púbere e adulta, quando a pessoa precisa assumir que o futuro ou o “sonho” não é um
lugar para onde se está indo, mas um lugar que se está construindo.

O mundo hoje chama de “sonhos” aquilo que sempre chamamos de “ideal”. Nesse
aspecto a fantasia pode ser muito eficiente, pois gera algo grande na pessoa e a capacita a
enfrentar melhor os seus problemas. Pode ser que, por ela, a pessoa decida se tornar aquilo
que imagina ser e busque esse ideal. Cremos que os sonhos de voar levaram Santos Dumont a
criar o avião. Lembramos do testemunho do Pr. Josué Yrion, o qual dizia que, no seu afã de
pregar, firmava melancias em estacas e pregava para elas. As suas fantasias se tornaram realidade,
quando buscou o aperfeiçoamento e se tornou um renomado pregador da Palavra de Deus.

Entretanto, de forma constante, a fantasia afasta da realidade, fornece falsos e


efêmeros sentimentos de triunfo, e o despertar para a realidade (através das constantes
pressões do mundo objetivo) pode ser extremamente doloroso. Tivemos que tratar de um caso
assim, quando uma pessoa da igreja, imaginando-se ungida para a música, queria, por todo
custo, participar da ministração do louvor. Sua voz, a entonação, a altura, afinação, tudo era
um verdadeiro desastre sonoro. Administrar essa realidade com a fantasia da pessoa gerou
alguns problemas de frustração, quebra de relacionamentos e dificuldades na comunhão com
os líderes da música, que deveriam apresentar um bom resultado musical para a congregação.

7.7. REGRESSÃO

            É o processo psíquico em que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais,
para um estágio anterior. É o caso, por exemplo, de alguém que depois de repetidas
frustrações na área sexual, regrida, para obter satisfações, à fase oral, passando a comer em
excesso, a roer unhas ou chupar os dedos. Considerada em sentido tópico, a regressão se dá,
de acordo com Freud, ao longo de uma sucessão de sistemas psíquicos que a excitação
percorre normalmente segundo determinada direção.

No seu sentido temporal, a regressão supõe uma sucessão genética e designa o


retorno do sujeito a etapas ultrapassadas do seu desenvolvimento (fases libidinosas, relações
de objeto, identificações, etc.). No sentido formal, a regressão designa a passagem a modos de
expressão e de comportamento de nível inferior do ponto de vista da complexidade, da
estruturação e da diferenciação.
133

A regressão é uma noção de uso muito freqüente em psicanálise e na psicologia


contemporânea; é concebida, a maioria das vezes, como um retorno a formas anteriores do
desenvolvimento do pensamento, das relações de objeto e da estruturação do comportamento.
Freud é levado a diferenciar o conceito de regressão, como o demonstra esta passagem
acrescentada em 1914, em três espécies de regressões:

a) Tópica, no sentido do esquema do aparelho psíquico. A regressão tópica é particularmente


manifestada no sonho, onde ela prossegue até o fim. Encontra-se em outros processos
patológicos em que é menos global (alucinação) ou mesmo em processos normais em que vai
menos longe (memória).  
b) Temporal, em que são retomadas formações psíquicas mais antigas.       
c) Formal, quando os modos de expressão e de figuração habituais são substituídos por
modos primitivos. Estas três formas de regressão, na sua base, são apenas uma, e na maioria
dos casos coincidem, porque o que é mais antigo no tempo é igualmente primitivo na forma e,
na tópica psíquica, situa-se mais perto da extremidade perceptiva.

            A regressão tanto pode ser um mecanismo adotado pela pessoa inconscientemente,
como pode ser forjado pela psicanálise para detectar a origem dos problemas, geralmente por
meio da hipnose. Religiões da modernidade (o movimento G-12, por exemplo), embrenharam
para a prática da regressão, a fim de realizar a “cura interior” das pessoas. Prática essa
perigosa, em face da inexperiência dos aplicadores e por colocar em perigo a pessoa “em
transe” ou “estado alfa”. A Bíblia nos garante que a pessoa que se converte a Cristo se torna
uma “nova criatura”, onde o passado não mais tem poder sobre ela. Por meio da oração e da
fé, ela buscará a libertação de toda lembrança passada, perdoando e buscando o perdão, que é
a forma mais sublime de impedir que os traumas e decepções passadas venham a nos destruir
ou abater.

7.8. O VERDADEIRO AJUSTAMENTO

Reconhecer a realidade das provas e tentações, bem como o seu sentido correcional e
edificante, ajuda a administrar os momentos difíceis por que passamos. A Bíblia orienta-nos a
assumirmos atitudes de fé, de recorrência à Palavra, de busca em oração para a solução dos
problemas e libertação das nossas insanidades. Porém nem sempre tomamos este caminho
espiritual de nos colocarmos, com o rosto descoberto, diante de Deus para que Ele trabalhe o
134

nosso caráter, aperfeiçoe nossos caminhos e nos forneça estratégias para alcançarmos a vitória
em todas as tribulações que nos assolam.

As ciências, que se multiplicam, fornecem subsídios que auxiliam na solução de


muitos problemas. A medicina está muito avançada, porém nunca se ouviu falar tanto em
doenças emocionais como nos tempos hodiernos. A depressão, doença do século, afeta uma
fração muito grande da humanidade. Os recursos seculares têm o seu limite, por mais que
avancem as pesquisas científicas. Mas uma coisa é certa: a Palavra de Deus continua sendo
útil para todas as áreas da nossa vida. A Palavra de Deus continua tendo um poder curativo,
restaurador, tranqüilizador e purificador como sempre o teve. “Jesus Cristo é o mesmo ontem,
hoje, e será eternamente”, Hb 13.8.

A Psicologia, que tantos crentes procuram como recurso para seus sofrimentos (e,
convenhamos, nem sempre com critérios adequados, negligenciando a busca de profissionais
cristãos e comprometidos com Deus) surgiu no início do século passado. Bem antes dela,
gerações e gerações sofreram perdas, traumas, frustrações, decepções e outros problemas
diversos e muitos foram abençoados, curados, restaurados, pelo poder de Deus e das Sagradas
Escrituras. “Enviou a sua palavra, e os sarou, e os livrou da destruição”, Sl 107.20.

Tim LaHaye, no livro “Temperamentos Transformados”, ao apresentar a Teoria dos


Quatro Temperamentos, escreve:

A reação dos psicólogos e psiquiatras não-cristãos tem sido menos entusiasta, mas
essa atitude era de se esperar. Em primeiro lugar, porque a Teoria dos Quatro
Temperamentos não é compatível com as idéias humanistas em voga; em segundo
lugar, porque os psiquiatras, não crendo em Deus, rejeitam, em princípio, o poder do
Espírito Santo como eficiente na cura das fraquezas humanas [...] Chegou a hora de
alguém mostrar que a Psicologia e a Psiquiatria estão fundamentadas principalmente
sobre o humanismo ateísta. Darwin e Freud moldaram o pensamento do mundo
secular a ponto de ele ter a maior parte da sua estrutura mental construída sobre duas
premissas: 1) não há Deus – o homem é um mero acidente biológico; 2) o homem é
um ser supremo, com capacidade para resolver por si mesmo todos os seus
problemas. [...] Apenas chamo a atenção para o perigo de os cristãos serem
enganados pela ‘sabedoria deste mundo’ [...] os cristãos têm um meio de aferir a
exatidão das premissas e das conclusões dos homens: a Palavra de Deus! [...] Não
há nada de errado em estudar e usar os princípios válidos da Psicologia, da
Psiquiatria ou de qualquer outra ciência, desde que os tornemos válidos pela
Palavra de Deus. ( pp.12-14).

                   O Pr. LaHaye conta acerca de um psicólogo convertido ao Senhor Jesus, que disse
ter adquirido duas certezas: “[...] primeiro, é que a Bíblia tem as respostas para todos os
problemas do homem; segundo, é que elas são, na verdade, bem simples”, ( p.14). Segundo
135

analisa o Pr. LaHaye, cada indivíduo tem o seu temperamento e cada temperamento tem os
seus aspectos positivos (que devem ser reforçados) e os negativos (que podem ser
transformados pelo poder do Espírito Santo de Deus). Um exame sincero de consciência, uma
profunda introspecção diante de Deus conduz o homem ao conhecimento de si mesmo e
dependente do Espírito Santo para sua mudança e verdadeira paz interior. Tal expectativa
levou o salmista a dizer: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece
os meus pensamentos; e vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho
eterno”, Sl 139.23,24.

Se os mecanismos de defesa existentes auxiliam o indivíduo no processo de


ajustamento de sua personalidade com o mundo que o cerca, eles não podem se tornar um
modus vivendi que norteia toda a existência desse indivíduo. A pessoa não pode viver
indefinidamente desempenhando papéis no palco da vida ou se escondendo por trás dos
bastidores. Ela precisa viver e encarar a realidade, por mais dura e por mais difícil que seja. A
vitória somente é obtida por aqueles que se alistam para a batalha e, mais do que isto, se
preparam para a batalha e enfrentam o inimigo no campo de batalha.

A aprovação, felicidade e normalidade da vida não se alcançam quando somos


aplaudidos pela maioria dominante na sociedade, mas quando nos superamos e desenvolvemos
uma personalidade autêntica, assumindo nossas limitações e desenvolvendo nossos talentos e
capacidades debaixo dos olhos aprovadores de Deus, que nos fez com um alto e sublime
propósito. É bem verdade que temos uma natureza pecaminosa, que todos temos fraquezas, que o
pecado e os embaraços nos assediam de perto, mas também é verdade que podemos ser libertos,
transformados e abençoados pelo poder regenerador do Espírito Santo de Deus.
136

8. A ATITUDE DO CRISTÃO DIANTE DO SOFRIMENTO

Após analisar os postulados bíblicos acerca do sofrimento e os propósitos divinos


permitindo o mesmo, concluímos este ensaio sugerindo os caminhos e atitudes que o cristão
deve tomar, quando o sofrimento bater à sua porta.

O Pr. Dave Hunt (internet), em artigo retirado do livro “A mulher montada na besta”,
analisa que o mundo moderno vive um momento de grande decadência espiritual e moral,
“que teve origem numa grave crise de seriedade”. O autor analisa que essa crise veio se
desencadeando ao longo dos séculos, mas até a I Guerra Mundial (1914-1918), a sociedade
“ainda conservava importantes traços de seriedade”. Ele expõe que filmes e fotografias da época
mostram pessoas sérias, tanto nas cenas da vida cotidiana como em ocasiões de solenidade.

HUNT chama de “espírito de Hollywood” o processo que leva os homens a


assumirem uma posição superficial perante os embates da vida. Os filmes não só retratam,
mas implantaram em todo o Ocidente um modo otimista, risonho e leviano de encarar a vida,
onde tudo acaba tendo um final normalmente feliz. Infelizmente, esta é apenas uma caricatura
da verdadeira realidade. Para o autor, este espírito predispõe as pessoas a considerarem o
sofrimento como “um intruso no decurso normal da vida”.

A meu ver o “espírito hollywoodiano” repassa a idéia do hedonismo, o prazer pelo


prazer, a importância de viver sem prestar satisfações à sociedade, à moral, aos bons
costumes. O que importa é a “felicidade”, o alcance de um “happy end”. Além do esquema
leviano dos filmes, os próprios artistas transmitem uma imagem de fama, glória, “glamour”,
no sistema do “vale tudo” para ser “feliz”. Valores familiares, religiosos, morais, foram
substituídos pelo egocentrismo, a entronização do “eu”, não importa o preço que custe.
Aquilo que antes era censurado como imoral, hoje é motivo de vanglória (a mulher posar de
maneira sensual numa revista pornográfica, por exemplo).
137

O que esse espírito esconde, é o final que muitos destes artistas tiveram em sua curta
existência (morrendo muitos de overdose de entorpecentes, sem família, problemas graves em
todas as áreas da existência) e o final eterno que terão, ao conduzir suas vidas num caminho
totalmente dissoluto e adverso à Palavra de Deus. Os mesmos que hoje transmitem uma
imagem de alegria e despreocupação, se permanecerem com suas vidas dissolutas e recobertas
de pecaminosidade, amanhã gemerão no fogo eterno, se não se converterem a Cristo e
abandonarem suas práticas abomináveis. Usar máscaras diante do sofrimento inevitável na
existência terrena pode custar o preço do sofrimento sem solução por toda a eternidade.

Outro aspecto que demonstra essa crise de seriedade, penso eu, é a oferta de
entretenimento barato, que possa “distrair” o indivíduo, arrancando-o de seus problemas para o
riso forjado, o besteirol consumado, tudo que possa ocupar o seu tempo e impedi-lo de enfrentar
aquilo que o aflige, buscando soluções e mudanças. Belas e atraentes mulheres, por exemplo,
fazem a propaganda do vício exacerbado que mantém o homem em constante disposição para o
pecado e o erro. Ao deixar de se ocupar com a seriedade do sofrimento e suas conseqüências, o
ser humano busca alternativas prazerosas, ainda que redunde em prejuízos maiores e até mesmo
irreversíveis para si e para os que o rodeiam, no presente e na eternidade.

Concordamos com Hunt, que a vida precisa ser encarada com seriedade, muita
seriedade, por causa das implicações que as decisões tomadas possam ter no resultado final da
nossa existência. Jamais podemos nos esquecer que temos uma alma, essa alma é eterna e ela
tem somente dois lugares em que poderá se alojar na eternidade. O desfecho da história
pessoal de cada ser humano ou será desfrutando da felicidade no céu ou sofrendo
desgraçadamente no inferno. Assim lemos em Dt 30.19,20:

Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, que te tenho proposto a vida
e a morte, a benção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua
semente, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua voz, e te achegando a
ele; pois ele é a tua vida, e a longura dos teus dias; para que fiques na terra que o
Senhor jurou dar a teus pais [...].

A certeza que a Bíblia nos dá é que, no céu, as dores cessarão, as lágrimas secarão,
findarão os gemidos, a morte terá o seu fim e somente o regozijo da Santa Presença de Jesus
permeará á vida do crente fiel que manteve a sua vida em santidade e temor até o fim, apesar
dos sofrimentos enfrentados:

E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os
homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com
138

eles, e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá
mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são
passadas, Ap 21.3,4.

Também nos dá a certeza de que, no inferno, os infiéis haverão de sofrer agonias e


terrores por toda a eternidade. O sofrimento terreno, quando não contribui para uma
conversão em direção a Deus, tem a triste continuidade de um sofrimento eterno: “[...] seres
lançado no fogo do inferno, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga [...] Ali
haverá choro e ranger de dentes [...]”, Mc 9,47; Lc 13.28.

O capítulo quatro do profeta Amós demonstra esta triste condição dos que sofrem e
não se convertem. Por meio da mensagem Deus retrata uma série de situações que Ele havia
“permitido” ou “enviado” o sofrimento, e em todas elas encontramos: “contudo não vos
convertestes a mim, diz o Senhor”. Isto representa que o sofrimento ou a provação não havia
cumprido o seu propósito na vida do povo rebelde.

Nenhum texto bíblico nos autoriza a pensar que após a morte existe um local
intermediário para purgação dos erros cometidos durante a existência humana, como ensina o
catolicismo. Deus usou o profeta Ezequiel, capítulo dezoito, para trazer a mensagem que “a
alma que pecar, essa morrerá”, ou seja, perderá a chance da vida eterna com Deus. Também
a Bíblia confronta o ensino do espiritismo e outras religiões que aceitam a reencarnação como
processo de aperfeiçoamento para as almas humanas: “Porque ao homem está dado morrer
uma vez, vindo depois disto o juízo”, Hb 9.27. E podemos estar certos, que não são as
fragrâncias, pedras, cores, mantras, propaladas pela Nova Era e outras seitas esotéricas, que
irão arrancar do homem o seu sofrimento. Estes possuem um efeito “placebo”, ou seja, são
mentiras com efeito terapêutico sugestionável, porém sem erradicação do mal.

Infelizmente o “espírito hollywoodiano” também penetrou nos arraiais cristãos,


trazendo uma avalanche de doutrinas, fórmulas, processos mentais que induzem os crentes a
buscarem, desenfreadamente, alcançar os benefícios terrenos “aqui e agora”. A visão da
prosperidade terrena e a transferência da culpa do pecado para as maldições impostas por
fatores diversos, roubam dos crentes a visão da soberania de Deus, da eternidade e da
santidade necessária para alcançar a glória celestial.

Também de pouco adianta enveredarmos pelas vias dos mecanismos de defesa


(alguns deles, como vimos, até altamente perigosos para a identificação da nossa verdadeira
139

personalidade) por tempo indefinido, sem tomarmos consciência da nossa necessidade não
só de ajustamento, mas principalmente de aperfeiçoamento, correção e crescimento
espiritual. Para Hunt (internet), “A graça de Deus nos chama constantemente para as vias
da salvação, mas a escolha do caminho depende também da nossa cooperação – ou não
cooperação – com essa graça”.

A dupla perspectiva do nosso destino final deve levar-nos a não conduzir a vida
como um jogo inconseqüente, onde “o importante não é ganhar, mas competir”. O apóstolo
Paulo enfatiza a idéia que, no plano espiritual, o importante é ganhar, porque já estamos
dentro de uma competição indiscutível em nossa carreira humana:

Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só
leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta de tudo
se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma
incorruptível. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato, não
como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que,
pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado,
1 Co 9.24-27.

Ao jovem Timóteo, Paulo escreveu:

Sofre, pois, comigo, as aflições como bom soldado de Jesus Cristo. Ninguém que
milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou
para a guerra. E, se alguém também milita, não é coroado se não militar
legitimamente, 2 Tm 2.3-4.

Quando Paulo diz: “aquele que luta de tudo se abstém” e “ninguém que milita se
embaraça”, ele está querendo enfatizar a importância e a seriedade com que a vida deve ser
encarada. De pouco adianta tapar os ouvidos aos clamores da Palavra de Deus e ficar vivendo
de maneira errada, ou fugindo, ou dissimulando, ou tentando se adequar a uma fantasia
ilusória que nos roube da realidade. Se o sofrimento entrou no mundo pelo pecado e, como
conseqüência da desobediência de nossos primeiros pais, herdamos as determinações
provenientes da justiça e do juízo divino que nos trazem dores e pesares, precisamos lutar
para reaver aquilo que perdemos.

Embora Deus tenha expulsado o homem do paraíso terrestre, fechado o céu para o
gênero humano e o condenado ao sofrimento e à morte por causa do pecado, o mesmo Deus
proveu para nós uma forma de resgate, de reconquista, de recuperação do gênero caído. A
grande misericórdia divina determinou que Seu Filho, a Segunda Pessoa da Santíssima
140

Trindade, se fizesse homem e pagasse por nós o débito do pecado, consagrando pelo Seu
corpo um novo e vivo caminho que permite ao homem encontrar, sem erro, a porta do céu.

Com Cristo, Deus proveu para a humanidade não só uma forma de garantia eterna no
céu, mas também a oportunidade de recuperação da paz interior e a chance para alcançar a
mitigação das suas dores e solução para o seu sofrimento (Is 53). Junto com Cristo, o Senhor
provê para nós a cura das enfermidades, a vitória sobre a carne e o diabo, a garantia do
pão diário e, principalmente, a comunhão íntima com Deus e com os salvos na terra.
Ainda que Ele permita as provações e tentações, junto com elas proverá o escape, para que
as possamos suportar (1Co 10.13). Além de afirmar que todas as coisas que nos
acontecem visam o nosso bem (Rm 8.28), o Senhor garantiu estar conosco todos os dias
da nossa vida, até a consumação dos séculos (Mt 28.20), prometendo nunca nos deixar e
jamais nos abandonar (Hb 13.5).

Embora Cristo tenha cumprido o essencial referente à salvação da nossa alma, o


apóstolo Paulo repassa uma doutrina de que devemos completar em nossa carne o que falta à
paixão de Cristo (Cl 1.24), ensinando-nos que devemos aceitar, amorosa e resignadamente, os
sofrimentos que Deus nos permite nesta vida. Tais sofrimentos visam a glória de Deus e o
nosso aperfeiçoamento como filhos de Deus. Como Cristo aprendeu a obediência pelo
sofrimento, também as tribulações que passamos têm um fim extremamente proveitoso:
manifestar a vida de Cristo em nossas vidas (Hb 5.8).

Todavia, Paulo deixa também claro, como outros escritores da Bíblia (o livro de Jó,
por exemplo), que no sofrimento do crente é Deus quem tem a última palavra. O ensino da
paciência, da fé persistente, da busca perseverante e da confiança plena em Deus, está
permeado em todo o conteúdo bíblico. Tal procedimento traz para nós respostas de
transformação da nossa imagem decaída pelo pecado, numa imagem restaurada pelo perdão
divino. Não adianta pensarmos que somos “supercrentes” ou “superpoderosos”, porque o
poder pertence a Deus e é Ele quem o distribui para nós pelo Seu Espírito. Mas vivendo
humildemente a vida de Cristo, experimentamos uma transformação à Sua imagem, de
“glória em glória”, pelo Espírito do Senhor (2 Co 3.18).

O sofrimento não deve tolher a nossa visão, mas sim ampliá-la: a visão de quem
somos, e as áreas que precisam ser mudadas ou fortalecidas em nossas vidas; a visão da
necessidade do nosso próximo; a visão das astúcias e manhas do nosso adversário; e a visão
141

da grandeza de Deus. Na verdade, Deus lida com situações elevadas demais para a plena
compreensão da nossa mente carnal, mas se descansarmos nele veremos que o Seu propósito
para conosco sempre foi e será elevado (Is 55.8). Deus enxerga além da nossa curta visão, Ele
traça planos além da nossa limitada capacidade e o Seu desejo é que nos rendamos, à semelhança
de Jó, esperando com fé na Sua operação: “Ainda que Ele me mate, n’Ele esperarei”, Jó
13.15. Lemos numa lição da revista de EBD eletrônica da CPAD: “Nosso sofrimento passa
pela transcendência divina”.

Moisés falou ao povo de Israel que “As coisas encobertas são para o Senhor nosso
Deus, porém as reveladas são para nós e para nossos filhos para sempre, para cumprirmos
todas as palavras da lei”, Dt 29.29. A verdadeira base da fé acha-se, não nas circunstâncias
pessoais, nem nas bênçãos de Deus; nem mesmo nas teses formuladas pelo intelecto, mas na
revelação do próprio Deus. Estando jurado de morte com todos os sábios na Babilônia, Daniel
pôde experimentar dos frutos da revelação divina, quando foi usado para descrever e
interpretar o sonho do rei Nabucodonosor. O rei, vendo que Daniel fora realmente usado por
Deus, reconheceu a existência daquele a quem Daniel servia (Dn 2).

“Nosso sofrimento passa pelo ministério doloroso, mas vencedor, de Cristo” (in:
ebdweb.com). Para a Igreja, Deus se revela no seu próprio filho, Jesus Cristo, Hb 1.1. A vida,
os sofrimentos e a vitória de Cristo são os paradigmas de comportamento para nosso próprio
sofrimento. Paulo reconhece e por diversas vezes aborda essa revelação, demonstrando que a
base de sua fé é o próprio Jesus Cristo e seu ministério, e essa deve ser a base de todos os
cristãos sofredores (Rm 16.25-27). Jesus mesmo ensinou que passaríamos por aflições, mas
que tivéssemos bom ânimo, porque Ele, embora sofrendo, venceu todas as adversidades e
tentações com que fora atingido (Jo 16.33).

Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos
céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo
sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, porém um que, como
nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao
trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de
sermos ajudados em tempo oportuno, Hb 4.14-16.

Os métodos usados por Deus para nossa provação e aprovação podem parecer duros,
mas no final, se formos pacientes e perseverantes na fé, conheceremos a compaixão, bondade
e misericórdia de Deus mais de perto: “Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram.
Ouvistes qual foi a paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu”, Tg 5.11. A fé que
142

triunfa até o fim, entremeio a sofrimentos e dores, é a que será mais bem recompensada, tanto
na vida terrena, como na vida eterna. O fim das provações que o Senhor permitiu na vida de
Jó demonstra que, em todas as suas aflições, Deus cuidava dele e o sustentava com grande
misericórdia. A restauração final de Jó revela o propósito de Deus para todos os crentes fiéis:
o Senhor, sim, tem para nós um “happy end”.

Depois de termos analisado todos os propósitos de Deus ao permitir o sofrimento


tanto do incrédulo quanto do crente, concluímos que é necessário que Cristo esteja entre o
nosso coração e o sofrimento, ao invés de este último vir a colocar-se como uma parede
divisória entre nosso coração e Cristo. Quando passarmos por provações, precisamos buscar o
entendimento de que a nossa maior necessidade não é ver nossas circunstâncias mudarem,
mas sim obtermos uma vitória sobre nós mesmos. Num mundo que rejeitou a obediência a
Deus e sacrificou o Senhor da vida, não há como manter uma existência sem sofrimento
moral e físico. Aceitar e servir a Cristo não significa estar ao abrigo das provas e dos
dissabores que nos ferem, mas sim, estar capacitado a enfrentá-las com fé e esperança, na
certeza de que nunca estamos sós.

O líder ou terapeuta cristão, acima de tudo, tem de saber conduzir o povo pelas vias
do sofrimento. Os problemas que o mundo enfrenta são, em sua grande maioria, de ordem
espiritual, e só podem ser solucionados por meio do evangelho de Cristo. Estar sensível ao
clamor dos povos por alívio dos seus sofrimentos é um estado de alma que só pode brotar do
genuíno amor de Deus derramado em nossos corações. O ardente desejo de ver as almas se
convertendo e os convertidos sendo vitoriosos revela o verdadeiro amor de Deus em Cristo Jesus.

Tiago enfatiza que o crente deve ter algumas posturas diante do sofrimento: primeiro,
ele deve encarar com gozo as tentações (Tg 1.2). Ele não está dizendo para se alegrar com a
dor ou perda; também não está dizendo que o objeto da alegria é a provação ou a perda que a
provação pode trazer. Ele não quis repassar a idéia de um Deus sádico, que nos ensina a ter
prazer na dor e nada fazer para que ela se acabe. Ele está ensinando um princípio de
crescimento e amadurecimento da fé, quando, no meio da dor, podemos nos alegrar por causa
do Deus que servimos, que nos conhece, que passa conosco e nos ajuda nas horas de provações:

Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te
submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em
ti. Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador, Is 43.2,3.
143

Se a dor do sofrimento nos entristece, a certeza da presença de Deus nos alegra.


Sabemos que Ele tem um propósito, que mais à frente haverá de ser revelado. Ele está
trabalhando.

Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os
olhos se viu um Deus além de Ti, que trabalhe para aquele que nele espera. Não sabes,
não ouvistes, que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra não se cansa
nem se fatiga? Não há esquadrinhação do seu entendimento. Dá esforço ao cansado, e
multiplica as forças aos que não tem nenhum vigor [...] Mas os que esperam no Senhor
renovação as suas forças, subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão;
caminharão, e não se fatigarão, Is 40.28-31; 64.4.

Parece uma incoerência o imperativo de alegrar grandemente com as tentações, mas


o escritor sacro continua, dizendo, em segundo lugar, que a fé provada obra a paciência (Tg
1.3). Se a paciência é necessária para a vitória presente e futura, devemos entender que essa
virtude não é gratuita para nós. Ela é aprendida, resultante das provações da vida. Como
escreveu Paulo: “a tribulação produz paciência”, Rm 5.3. Reconhecemos que, às vezes,
sofremos não as aflições deste mundo, mas a disciplina do Senhor por causa da nossa
impetuosidade (como o cavalo do Salmo 32) ou da nossa teimosia (como a mula do mesmo
Salmo). O melhor é entregarmos o nosso caminho ao Senhor, e Ele fará tudo o que tem que
ser feito (Sl 37.5). Aprendemos, assim, que quando Deus permite os sofrimentos e
tribulações, Ele não tem por alvo que entremos em desespero, caiamos em depressão, nos
desgastemos, mas sim, que aprendamos a ser pacientes e que seja essa a nossa postura.

Em terceiro lugar, devemos buscar, no meio das tribulações, a perfeição. Jesus


ordenou: “Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus”, Mt 5.48. Pedro
ensina que a nossa santificação deve ser à altura da santidade de Deus, “em toda a vossa
maneira de viver”, 1 Pe 1.15. Tiago continua dizendo, em 1.4, que a paciência produz a
perfeição na vida do crente. Paulo escreveu: “a paciência (produz) a experiência, e a
experiência a esperança”, Rm 5.4. Estas virtudes são elementos básicos para o aperfeiçoamento
do crente. “Perseverança é fruto da paciência que foi construída através das provações”.

Provado e aprovado por Deus, Davi testemunha, no Salmo 40, a sua capacidade de
esperar com paciência no Senhor, em meio às circunstâncias e adversidades, o que o levou a
alcançar grandes vitórias. Ao contrário do salmista de Israel, muitos crentes perdem as
oportunidades que a vida lhes oferece para aprimorar o seu caráter, crescerem espiritualmente,
aperfeiçoar sua capacidade de perdão e misericórdia e, principalmente, conhecer a Deus mais
de perto. Tornam-se amargos, mal-humorados, murmuradores, fracos e doentes.
144

Quantos, em meio às provações e tentações, desprezam ou ignoram a correção do


Senhor e desistem até mesmo de congregar, participar da ceia do Senhor, devolver o dízimo
ou cooperar com as programações da igreja. Outros desistem do casamento, do emprego, dos
relacionamentos e amizades. Tornam-se acusadores, formais, incrédulos, pertinazes e
deficientes em sua conduta cristã. Por isso, quando Tiago analisa os benefícios das provações,
ele orienta a pedir sabedoria a Deus (Tg 1.5). O mesmo Deus que permite as investidas
malignas contra os crentes fornece estratégias para a sua cabal vitória. Somente o crente
sincero tem a vitória assegurada (Tg 1.8). Aquele que mantém um coração vacilante, dividido
entre viver por fé e viver pela vista dos olhos, permanece um crente raquítico, inoperante,
inconstante, inseguro e sempre dependente de estímulos emocionais para sobreviver.

Tiago diz que Deus dá sabedoria “liberalmente a todos” e “não lança em rosto”, 1.5.
A sabedoria nos leva a vivenciar a atitude que Cristo teria na circunstância que estamos
vivendo. Ele quer que aprendamos o caminho da paciência nas provações, por isso espera que
peçamos a Sua ajuda. Se Ele nos prova com o propósito de aprovar-nos, como garante Tg
1.12, só Ele conhece os melhores meios para tornar isso possível. O apóstolo João disse que
“a vitória que vence o mundo” é a nossa fé em Deus, 1 Jo 5.4. Paulo garante que, junto com a
salvação em Cristo, o bondoso Pai Celeste nos dá, com Ele, “todas as coisas”, Rm 8.32.

O próprio Deus é um Deus paciente. O Pr. João Marques (internet) escreveu:


Sabia que nem a morte de Cristo ainda não foi vingada? O mais hediondo crime da
história da humanidade ainda não chegou ao tribunal. Os responsáveis pelo
assassinato de Cristo encontram-se em algum lugar. Embora o crime tenha
acontecido há muitos anos, ele ainda não chegou aos tribunais. Deus decidiu esperar
a volta de Cristo, quando então julgará os que o crucificaram [...] Meu amigo, se
Deus determinou que a justiça espere no caso de Cristo, quem somos nós para exigir
que o nosso tenha precedência? Deus sabe que sofremos injustamente. Não só ele
sabe tudo a respeito de nossas causas, mas está tomando notas; dizem as escrituras
que seremos julgados de acordo com os nossos feitos. Assim, alguém, em algum
lugar, está anotando tudo! Deus não nos abandonou aos caprichos dos poderosos [...]

Lemos numa ilustração que Victor Frankl, um psicólogo judeu, quando esteve
prisioneiro nos campos de concentração na Alemanha, falou: “Vocês podem tirar tudo de
mim, menos a minha capacidade de escolher como vou reagir diante do que estão fazendo
comigo”. Tim LaHaye, em seu livro “Temperamentos Transformados” (1990, p.124), narra
acerca de uma grande decepção que sofreu em seu ministério, que o chamava à revolta e
depressão, mas conta que reagiu depois com ações de graças, e concluiu: “Há uma terapia
misteriosa nas ações de graças; o louvor invoca a ministração emocional do Espírito Santo. A
Sua paz permanece, apesar do problema ainda não ter sido resolvido”.
145

As aflições existem para serem enfrentadas e dirimidas pela fé. Deus nunca prometeu
um mar de rosas para o seu povo, uma vida fácil, “sombra e água fresca”. Até mesmo o Salmo do
Bom Pastor (23), que diz: “nada me faltará”, admite a presença de inimigos e o vale da sombra e
da morte. A promessa não é que estas coisas não acontecerão em nossas vidas, mas que Ele, o
Bom Pastor, vai preparar uma mesa para nós na presença dos inimigos, vai estar conosco nos
vales e sombras, vai refrigerar a nossa alma afogueada pelas lutas e nos levar a “águas de
descanso” no labor da jornada. A realidade do bondoso Pastor das nossas almas não exclui o
sofrimento, mas promete suprimento, acompanhamento, ajuda, solução. O Senhor Jesus orienta:
“Porfiai por entrar pela porta estreita [...] porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que
conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela”, Mt 7.13-14. Ainda que venhamos a
morrer, a bondade e a misericórdia do Senhor nos seguirão todos os dias das nossas vidas e nos
farão habitar eternamente com Ele, no fim da nossa caminhada terrena.

Enquanto estivermos convivendo com seres humanos imperfeitos; enquanto


estivermos vivendo em nosso corpo, corrompido pelo pecado e sujeito a dores e
enfermidades, temos que continuar enfrentando as lutas e dissabores com garra e fé, até que o
Senhor nos chame, ou pela morte, ou pelo arrebatamento. A vida tem que completar o seu
ciclo e isso num mundo hostil, que sustenta um sistema pecaminoso e adverso à santidade
requerida por Deus. É perfeitamente normal que os cristãos tenham problemas e aflições aqui,
por mais fiéis que sejam a Deus. Mas a grande diferença dos ímpios (que também sofrem), é
que a graça e o amor de Deus acompanham os salvos em sua viagem de retorno ao eterno lar.

O Rev. Hernandes Dias Lopes, num artigo intitulado “Ansiedade, o Estrangulamento


Emocional” (internet), diz que a ansiedade, que atinge a todos os seres humanos de todas as
classes, tipos e situações, “nos tira o oxigênio, corta o nosso fôlego e nos asfixia. Ela rouba
nossas forças, embaça nossos olhos e tira de nós a perspectiva do futuro”. Ele considera que,
não tendo nós condições de administrar o futuro, não podemos sofrer por alguma coisa que
ainda está para acontecer. Para o autor, a ansiedade é “inútil”, pois “além de não nos ajudar a
resolver o problema amanhã, ela nos enfraquece hoje”. Diz também que a ansiedade é
“incoerente”, pois faz-nos sofrer antecipado por algo que jamais vai acontecer. “E se tivermos
de enfrentar um problema, a ansiedade nos leva a sofrer duas vezes, pois sofremos antes e,
quando o problema chega, vamos ter que encará-lo novamente”.

Para o Rev. Hernandes, “A ansiedade é um ato de incredulidade. Ficamos ansiosos


porque duvidamos que Deus é poderoso e suficiente para cuidar da nossa vida. Onde a
146

ansiedade se instala, a fé não tem mais espaço”. O autor chama a atenção para o fato de que
Jesus nos ensina

[...] que a criação de Deus é um antídoto contra a ansiedade. Os pássaros não semeiam,
não colhem nem ajuntam em celeiros, mas Deus os alimenta. Os lírios do campo se
vestem garbosamente e eles não trabalham nem fiam, no entanto nem Salomão em
toda a sua glória se vestiu como eles (Mt 6.28,29). O apóstolo Paulo diz que não
devemos ficar ansiosos por coisa alguma, antes devemos apresentar a Deus em
oração nossas necessidades (Fp 4.6). O apóstolo Pedro diz que devemos lançar sobre
o Senhor toda a nossa ansiedade porque ele tem cuidado de nós. (1 Pe 5.7). 

O Salmo 37 é rico em aconselhamentos acerca da confiança que devemos depositar


em Deus, garantindo que, se nos agradarmos do Senhor, Ele satisfará os desejos do nosso
coração. Diz o versículo cinco: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e Ele tudo
fará”. Escreve o Rev. Hernandes: “O mesmo Deus que está na sala de comando do universo
também dirige a nossa vida. Nossas crises não O apanham de surpresa”. Jesus garantiu que o
Pai conhece nossas necessidades antes que as contemos a Ele. E garantiu que nós somos mais
valiosos do que as aves do céu e os lírios do campo.

Ele jamais vai desistir de completar sua obra em nós. Se ele nos permite passar por
situações difíceis isso não significa ausência de amor nem falta de cuidado, mas
ação pedagógica para esculpir em nós o caráter de Cristo. Deus está trabalhando em
nós e nos transformando de glória em glória para refletirmos a imagem do seu Filho.
Todas as coisas que se nos vêm são trabalhadas pela providência divina para o nosso
bem último e maior (Rm 8.28). (HERNANDES, internet).

A Bíblia nos chama a tirarmos os olhos das circunstâncias e colocá-los em Deus, que
está acima e no controle das circunstâncias. Descansar em Deus não é uma opção que a Bíblia
nos dá, mas um imperativo: “Em vos converterdes, e em repousardes, está a vossa salvação;
no sossego e na confiança está a vossa força”, Is 30.15. O Rev. Hernandes aconselha os
crentes a não entrarem na “caverna da depressão”, mas a administrarem a esperança para a
sua alma, repetindo as palavras do salmista: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que
te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e
Deus meu”, Sl 42.11.

Pessoalmente, posso agradecer a Deus de todo o coração, por todos os reveses que a
vida nos ofereceu. Perdemos nosso pai muito cedo, de forma trágica. Poderíamos ter nos
revoltado, éramos oito irmãos menores de 18 anos, nossa mãe não tinha estudo e nem
profissão definida. Nada tínhamos de material, mas levantamos a cabeça e enfrentamos a
vida. Nossa mãe nos ensinou a lutar com garra, fé em Deus, decência e honestidade e o Todo-
147

Poderoso nos abençoou muito. Nossa família permaneceu unida, todos se respeitam e se
amam, se dão as mãos, é maravilhoso.

Com o tempo parte da família converteu-se a Cristo e, embora nem todos o tenham
feito, todos têm recebido as bênçãos por meio dos que oram e buscam a Deus. A fé não nos
separou, embora nem todos comunguem os mesmos costumes. Desde que me converti ocupo
cargos de liderança, depois me casei com um pastor e desde então, vimos enfrentando as
bênçãos e os reveses da obra de Deus. Nossos filhos cresceram dentro da Igreja e junto
conosco compartilham das responsabilidades inerentes ao serviço cristão.

Foi também nas enfermidades que conhecemos o poder do Médico dos médicos.
Particularmente, fui desenganada quatro vezes pela medicina, sofri nove doenças diferentes
no sangue, inclusive leucemia e todas as vezes Jesus me curou. Um dos nossos filhos, o Ariel,
nasceu com uma das pernas menor do que a outra e, aos nove anos, Jesus fez o milagre de
maravilha e equiparou suas pernas, deixando-o perfeito. Nosso caçula, o Cláudio Jr., também
passou pelo vale da morte por quatro vezes, mas o Senhor sempre o libertou. O maior milagre
que recebemos na vida dos filhos, foi em dezembro de 1987. Eles tinham, respectivamente,
3,9; 2,9 e 1,4 anos de idade. Sendo atingidos por um enxame de abelhas europa, o maior
sofreu 16 picadas, o do meio 24 picadas e o menor, mais de 200 picadas. Os médicos deram
ao menor apenas três horas de vida. Na verdade, todos correram perigo de morte, mas o
Senhor os livrou, curou e glorificou Seu nome nessa grande operação de maravilha.

Servindo ao Senhor por mais de trinta anos, louvo a Deus pelos Judas que nos
traíram, pelos Corés que murmuraram em rebeldia, pelos armados que investiram contra nós,
difamando, mentindo, torcendo nossas palavras. Embora creia que foram usados pelo inimigo
das nossas almas, Deus transformou suas maldições em bênçãos e usou suas investidas para
nos ensinar a vivência adequada no Seu Reino. Por meio de tais provações, nosso caráter tem
sido trabalhado, temos podido provar a Deus o nosso amor e nos alegrado com as Suas
operações constantes em nosso favor.

Para concluir este trabalho, cito uma ilustração conhecida:

Havia um súdito que dizia sempre para o rei que Deus é bom. Um dia saíram para
caçar e um animal feroz atacou o rei e ele perdeu o dedo mínimo. O súdito ainda lhe
disse: Deus é bom. O rei mandou prendê-lo. Noutra caçada o rei foi capturado por
índios antropófagos. Na hora do sacrifício o cacique percebeu que ele era imperfeito,
porque lhe faltava um dedo. O rei foi solto e chegou para o súdito e disse-lhe: é
verdade, Deus é bom. Mas por que então, eu lhe mandei para a prisão? O súdito,
148

respondeu: porque se estivesse contigo eu seria sacrificado.

GLOSSÁRIO DE TERMOS

Para definir os termos fundamentais utilizados neste trabalho, que se resumem na


palavra “sofrimento”, foram utilizados o Novo Dicionário Aurélio Buarque de Holanda (1) e a
Pequena Enciclopédia Bíblica de Orlando Boyer (2).

Aflição:

1. “Latim afflictione. Agonia, atribulação, angústia, sofrimento. Tristeza, mágoa,


pesar, dor. Cuidado, preocupação, inquietação, ansiedade. Padecimento físico; tormento,
tortura. Tortura; mortificação”.

2. “Grande sofrimento, tristeza pungente”.

Angústia:

1. “Latim angustia. Estreiteza, limite, redução, restrição. Ansiedade ou aflição


intensa; ânsia, agonia. Sofrimento, tormento, tribulação. Segundo Kierkegaard (Filosofia),
determinação que revela a condição espiritual do homem, caso se manifeste psicologicamente
de maneira ambígua e o desperte para a possibilidade de liberdade. Segundo Heidegger
(Filosofia), disposição afetiva pela qual se revela ao homem o nada absoluto sobre o qual se
configura a existência”.

2. “Aflição demasiada do corpo, da mente ou do espírito. Tristeza, remorso ou


desespero excessivo”.

Ansiedade:

1. “Latim anxietate. Ânsia. Aflição, angústia, opressão. Desejo ardente; anelo,


anseio. Perturbação de espírito causada pela incerteza, ou pelo receio. Estado afetivo
caracterizado por um sentimento de insegurança (Psicologia)”.

2. “Angústia, incerteza aflitiva. Desejo ardente. Aflição, agonia”.


149

No grego, “ansiedade” quer dizer “estrangulamento”.

Dor:

1. “Latim dolore. Impressão desagradável ou penosa, proveniente de lesão, contusão


ou estado anômalo do organismo ou de uma parte dele; sofrimento físico. Sofrimento moral;
mágoa, pesar, aflição. Dó, compaixão, condolência: sentir dor da pobreza de alguém.

2. “Sofrimento físico ou moral”.

Prova:

1. “Aquilo que atesta a autenticidade ou veracidade de alguma coisa; demonstração


evidente. Ato que atesta ou garante uma intenção, um sentimento; testemunho, garantia.
Filosofia: o que leva à admissão de uma afirmação ou da realidade de um fato”.

2. “Demonstração”.

Provação:

1. “Latim probatione. Ato ou efeito de provar. Situação aflitiva ou penosa; prova,


provança, transe”.

2. “Ato ou efeito de provar; situação aflitiva”.

Sofrer:

1. “Latim sufferere, por sufferre. Ser atormentado, afligido por; padecer. Tolerar,
suportar, agüentar. Admitir, permitir, tolerar, consentir. Ser vítima de; passar por;
experimentar (coisa desagradável ou danosa). P.ext. Passar por; experimentar. Sentir dor
física ou moral. Experimentar prejuízos; decair; declinar. Padecer com paciência. Conter-se;
reprimir-se; sobrear-se”.

2. “Suportar, tolerar, padecer”.

Sofrido:
150

“1. Que sofre com paciência; paciente. Que já sofreu, ou que sofre muito. Sofredor.
Que revela sofrimento”.

Sofrimento:

1. “Ato ou efeito de sofrer. Dor física. Angústia, aflição, amargura. Paciência,


resignação. Infortúnio, desastre”.

2. “Padecimento, dor, amargura”.

Tentação:

1. “Ato ou efeito de tentar. Disposição de ânimo para a prática de coisas diferentes


ou censuráveis. Efeito de tentar-se; desejo veemente; pessoa ou coisa que tenta”.

2. “Indução para o mal por sugestões do diabo ou da sensualidade”.

Tribulação:

1. “Latim tribulatione. Adversidade, contrariedade. Aflição, amargura, tormento”.

2. “Aflição, adversidade moral”.


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