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A EXISTÊNCIA DO MAL EM UM

MUNDO CRIADO POR DEUS

Palestra 1

DEFININDO OS CONTORNOS
DO PROBLEMA
DEFINIÇÃO DE TERMOS

Teodicéia

θεός - Deus
δίκαιος - justo
δικαιοσύνη - justiça
A teodicéia é o campo
da teologia que lida com
a questão da justiça,
integridade e bondade
de Deus em face da
realidade do mal no
mundo.
A pergunta que a teodicéia
tenta responder é a seguinte:

Como explicar a existência


de um Deus bom e poderoso
em face da presença do mal
no universo?
O PROBLEMA
Já que o mal existe, ou Deus é bom, mas não tem
forças para poder destruí-lo, ou Deus é poderoso,
mas não é bom para querer destruí-lo. A existência
do mal não pode coexistir com a realidade de um
Deus ao mesmo tempo bom e poderoso. Ou ele é
mau ou ele não tem poder. Mentes seculares ficam
com a primeira opção, afirmando que se Deus existe
ele não é bom. Algumas vertentes judaicas e
“cristãs” optam pela segunda opção, dizendo que
Deus não é onipotente. A ortodoxia bíblica, porém,
afirma que Deus é bom e onipotente, tendo, assim,
que lidar com o aparente paradoxo.
“A rigor, a desgraça humana, ou
o mal em todas as suas formas,
é um problema somente para a
pessoa que crê num Deus único,
onipotente e todo amoroso.”

Francis I. Andersen. Jó - Introdução e Comentário.


São Paulo: Vida Nova / Mundo Cristão, 1984. p. 62
O PARADOXO DE EPICURO (341-270
a.C.)
Onisciência x Onipotência x Benevolência
Sendo Deus onisciente e onipotente, tem
conhecimento de todo o mal e poder para acabar
com ele. Contudo, não o faz porque não quer.
Logo, não é benevolente.

Sendo Deus onipotente e benevolente, tem poder


para extinguir o mal e vontade de fazê-lo.
Contudo, não o faz porque não sabe o quanto de
mal existe e onde o mal está. Logo, não é
onisciente.

Sendo Deus onisciente e benevolente, conhece


todo o mal que existe e quer extingui-lo Contudo,
não o faz porque não consegue. Logo, não é
onipotente.
A resposta de Epicuro:
Deus (ou os deuses)
existe, mas é indiferente.

Salmo 116.15; Isaías 63.9;


Lamentações 3.34-36;
Hebreus 4.14-16
Palestra 2

RESPOSTAS EQUIVOCADAS
AO PROBLEMA DO MAL
Ilusionismo
(Hinduísmo e religiões orientais)

Nega a realidade do mal. Sua dificuldade está


em provar que os sentidos não merecem
crédito algum. Ademais, se o mal é uma
ilusão, porque ele parece tão real, é tão
comum e persiste de forma tão intensa na
história humana? E mais: De onde advém
essa conclusão? Como saber que não se trata
também de uma ilusão?
Dualismo
(Zoroastrismo, Gnosticismo,
Maniqueísmo)

O bem e o mal são dois princípios que coexistem


em eterna oposição entre si no universo.
Reducionismo

Deus não tem poder para


acabar com o mal
“Eu creio em Deus. Mas não creio
nas mesmas coisas a respeito dele
em que acreditava há alguns anos.
Reconheço suas limitações. Ele é
limitado no que pode fazer pelas
leis da natureza e pela evolução da
natureza e da liberdade moral
humanas [livre-arbítrio].”

“Você é capaz de perdoar e amar a


Deus mesmo quando descobre
que ele não é perfeito, mesmo
quando o magoou e desapontou
permitindo a má sorte, a doença e
a crueldade em seu mundo, e
permitindo que algumas dessas
coisas o atingissem? Porventura
pode aprender a amá-Lo e perdoá-
lo, não obstante suas limitações?”
O Permissivismo
Deus não criou nem decretou o mal. Ele apenas o
permite, respeitando o livre-arbítrio de suas criaturas.
Trata-se de uma tentativa de “inocentar” Deus da
acusação de crueldade e/ou injustiça.

Problemas: A Bíblia mostra Deus como agente ativo mesmo


nas histórias de queda, calamidade e falhas humanas. Ele
montou o cenário da Queda no Éden, enviou o dilúvio que
destruiu toda a raça, endureceu o coração de Faraó,
predeterminou as ações das autoridades contra Jesus… É
muito difícil descrever a relação de Deus com o mal usando
meramente a palavra "permissão”. Veja-se Jó 42.11; Sl
148.8; Lamentações 3.37-39; Amós 3.6; João 19.10-11.
Ademais, mesmo se Deus apenas permitisse o mal
podendo evitá-lo, isso de modo algum o inocentaria
(Gordon Clark. O mal e Deus. pos. 461ss)
DIGRESSÃO: COMO
“INOCENTAR” DEUS?
Não há dúvidas de que Deus
permite, decreta, usa e até
ordena o mal (Gn 45.8; 50.20;
Êx 4.21; 1Sm 16.14; 1Cr 21.1
cp. 2Sm 24.1; 2Cr 18.19-21;
Lm 3.37-38; Am 3.6; Hc 1.5-
11; Lc 22.22; Jo 17.12; At
4.27-28; Rm 9.14,18). Como
ele pode fazer isso sem se
tornar culpado?
Respostas Comuns
1. Deus não precisa ser “inocentado". Nós, como
criaturas, sequer temos o direito de julgar suas
ações (Rm 9.20-21).

2. Deve-se atribuir o mal aos atos da providência,


mas, ainda assim, negar que Deus é o causador do
pecado e preservar a responsabilidade humana -
CFW III:1 (Lc 22.22; Jo 19.10-11; At 2.23). “Todas as
ações, de qualquer natureza, a respeito do mal…
podem ser atribuídas à Providência Divina, devendo
ser empregada apenas uma cautela para não se
concluir… que Deus é o causador do pecado” (Jacó
Armínio. Declaração de sentimentos. Seção 2).
3. Deus é soberano e santo. Sendo soberano, ele
está acima de qualquer lei (ele é o próprio
legislador). Ele não está sujeito a uma ética superior
e independente. Por isso, não se pode acusá-lo de
assassinato, agressão, roubo ou vandalismo quando
ele mata, fere ou remove e destrói os bens de
alguém. Sendo santo, todos esses atos, quando
realizados por ele, devem ser considerados justos,
motivando, inclusive, o louvor do seu povo (Jó 1.20-
22). Quando, porém, ele usa instrumentos (causas
secundárias) para realizar esses atos, esses
instrumentos são culpáveis (Hc 1.11) - Gordon Clark,
Deus e o mal: o problema resolvido.
Por que os agentes do mal determinado por
Deus são culpados?

1. Porque eles não têm livre-arbítrio, mas têm


vontade (livre-agência).

Livre-arbítrio: Capacidade de tomar decisões


sem qualquer influência externa ou interna que a
determine.

Livre agência: O simples exercício da vontade,


sem que haja coerção.
2. Porque, tendo vontade, eles não agem por determinação
mecânica, mas sim por determinação psicológica.

Determinação mecânica: O manuseio de um objeto


impessoal para a consecução de um propósito específico. E.g.
Marionetes.

Determinação psicológica: A influência sobre a vontade de


modo que seja disposta numa direção específica sem, no
entanto, ser coagida, o que mantém a responsabilidade do
agente. E.g., circunstâncias, alterações hormonais, qualidade
do sono, traços da personalidade, NATUREZA PECAMINOSA
e até o clima influenciam as decisões de alguém, mas nada
disso remove a vontade e a responsabilidade da pessoa.
A determinação de Deus é psicológica, de
modo que ele, controlando direta ou
indiretamente as fontes de influência (como
soberano que é), garante o resultado que
pretende e que fixou em seus decretos, sem
remover a responsabilidade do agente que age
daquele modo específico porque decidiu fazê-
lo.

É por isso que pode-se dizer, por exemplo, que


Judas, ao trair Jesus, cumpriu um decreto
divino, mas que sua traição foi voluntária,
sendo ele justamente responsabilizado por ela
(Lc 22.22; Jo 17.12).
Teologia do Processo
A realidade é concebida em termos de
um processo do qual Deus faz parte,
aprendendo, sofrendo mudanças e
sendo influenciado. Uma vez que os
homens têm livre-arbítrio, Deus não pode
impedir suas ações más. Tudo o que ele
pode fazer é agir como um companheiro
que entende a angústia e a dor.
A visão retributiva
Os amigos de Jó: O mal que
sobrevêm às pessoas decorre da
punição de Deus por seus atos
ímpios.

Problema: Falha em explicar a


realidade completa, posto que,
no mundo, muitos ímpios
passam a vida toda desfrutando
do bem, enquanto homens bons
padecem.
Salmo 73.1-17
Palestra 3

COMO O MAL SE ORIGINOU NO


UNIVERSO?
Os poucos elementos para
compor a resposta
• A Queda descrita em Gênesis 3:
Esclarecimentos parciais.

• A tradição hermenêutica referente a


Isaías 14 e Ezequiel 28: É possível ter
certeza? (O Silmarillion, de Tolkien).

• Isaías 45.7: Erros comuns de


interpretação (Jn 3.10)
A RESPOSTA
NEOPLATÔNICA DE
AGOSTINHO
• O mal como ente (ser) não existe,
pois não tem substância. Trata-se,
apenas, da perversão ou da
ausência do bem (é como a
ferrugem ou como um buraco numa
cerca). Logo, o mal em si não foi
criado (Da natureza do bem - 405
AD).
• Ao afirmar que o mal não existe
como entidade autônoma, resolveu-
se o problema metafísico, tirando
de Deus a acusação de ser o
criador do mal.
E QUANTO À ORIGEM DO
MAL MORAL?
• O Livre-Arbítrio. 391 AD

• A liberdade foi criada por Deus e, por


isso, é boa.

• A liberdade, porém, traz a possibilidade


da má escolha.

• A possibilidade da má escolha não é


um mal, mas um bem, posto que reflete
a real liberdade.

• O mal se originou do mal uso da


liberdade real concedida por Deus às
suas criaturas racionais.
E QUANTO À ORIGEM DO
MAL NATURAL?
“Conheço camponeses cuja excelente colheita foi arrastada de seus
celeiros por enxurradas repentinas…” (Cidade de Deus [413-426
AD], XXII:22:82).

“Partindo dos indícios desta própria vida, uma vida de tais e tantos
males que mal se pode chamá-la viver, devemos concluir que toda a
raça humana está sendo castigada…” (Cidade de Deus, XXII:22.1)

Avaliação: Com efeito, não se pode negar que a ira de Deus


explica, pelo menos em parte, a existência do mal, tanto em seu
aspecto "natural” (as calamidades - Gn 6.17; Jn 1.3-4; Rm 8.19-
25), como em seu aspecto moral (Rm 1.18-32). Os cristãos não
podem perder essa dimensão de vista
Palestra 4
Por que Deus não acaba de vez com o mal?
O MAL COMO INSTRUMENTO DE DEUS PARA REALIZAR
SEUS PROPÓSITOS
O mal pode ser classificado sob três aspectos: natural, moral e
punitivo. Todos são usados por Deus na realização dos seus
propósitos. Esses propósitos envolvem:

1. A PUNIÇÃO DOS MAUS (1Sm 16.14; 1Rs 22.20-23; Is


10.5,12; Jr 25.11-14).

2. A PROTEÇÃO DO SEU POVO (Gn 45.8; 50.20).

3. A PROMOÇÃO DA SUA GLÓRIA (Jo 9.1-3).

4. O PROGRESSO DO SEU PLANO SALVÍFICO (Mt 26.52-


54; At 2.23; 4.27-28).
Palestra 5
Por que Deus não acaba de vez com o mal?
O mal como instrumento de Deus para ensinar,
abençoar e disciplinar seu povo
1. O sofrimento cura a nossa surdez (Jó
36.15).
2. O sofrimento humilha o homem,
realçando sua pequenez e ignorância diante
de Deus (Jó 40.1-5; 42.1-6).
3. O sofrimento nos leva a obedecer a
Palavra (Sl 119.67,71).
4. O sofrimento pode ser um caminho para
a paz (Is 38.17).
5. O sofrimento serve para nos ensinar a
resignação paciente e humilde (Lm 3.27-
33).
6. O sofrimento cria a oportunidade para o
servo de Deus se queixar de forma correta
(Lm 3.38-43).
7. O sofrimento convida o crente a um
louvor “sacrificial” (Jó 1.20-21).
8. O sofrimento realça no crente a realidade
da suficiência de Deus como fonte de
alegria e força (Hc 3.17-19; 2Co 12.7-10).
9. O sofrimento nem sempre tem um final feliz neste
mundo (Sl 88), mas é selado com garantia de que Deus
se importa com seus servos (Sl 23.4; 116.15; Is 63.9;
Hb 4.14-16).
10. O sofrimento tem o “poder” de gerar perseverança,
pela convicção de que Deus muitas vezes restaura o
aflito (Sl 34.1-8) e, um dia, finalmente dará cabo do mal
(Gn 15.16; Sl 37.1-11; Ap 18.5).
11. O sofrimento ao nosso redor nos dá a oportunidade
de sermos agentes de alívio e consolo (2Co 1.3-6).
12. O sofrimento, quando nos é imposto pelos maus,
fornece a oportunidade de mostrarmos que somos
pessoas transformadas (Rm 12.17-21).

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