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CAPÍTULO 29

Argumentos
teleológicos

Aires Almeida | Desidério Murcho


Diferença entre argumentos cosmológicos e teleológicos

Argumentos cosmológicos
Só a existência de Deus permite explica adequadamente a existência do Universo.
Argumentos teleológicos
Só a existência de Deus permite explicar adequadamente a ordem do Universo.

Teleológicos porquê?
A palavra «teleológico» tem origem no grego telos, que significa finalidade,
objetivo ou propósito. Assim, os argumentos teleológicos visam explicar a
finalidade das coisas, se elas têm um propósito e qual.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


Ordem e caos
Considere-se a diferença profunda entre o completo acaso, ou caos, e a ordem.
Por exemplo, se um bebé bater ao acaso no teclado de um computador, só por
uma enorme coincidência escreverá algo que faça sentido.
Escreverá provavelmente algo sem significado, como o seguinte:
a-Yq8{2j XZ Ie0;\?mhtf gfhf 7tgo79aopº.fdfdd
Um caos ininteligível.
Mas, se, em vez disso, descobríssemos que o bebé tinha afinal escrito um texto
exatamente igual a Os Lusíadas, de Luís de Camões, ficaríamos muitíssimo
surpreendidos e procuraríamos uma boa explicação.
Não aceitaríamos tranquilamente que se tinha tratado de mero acaso.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Há ordem no Universo
Sabemos que há ordem no Universo, pois é algo que nos é dado observar.
Temos atualmente um conhecimento pormenorizado e profundo de toda essa ordem.
Por exemplo, sabemos em que condições certos átomos se combinam para formar
moléculas de água, que é uma condição necessária para haver o tipo de vida que
conhecemos.
Os biólogos conseguem explicar como ocorreu a imensa variação biológica que se
observa na Terra. Os astrónomos descobriram as leis que regem o movimento dos
planetas, permitindo prever com rigor onde se encontram num determinado momento.
Verificamos que o verão surge sempre depois da primavera, o outono depois do verão e
o verão depois do inverno, e que os dias são sempre mais curtos do que as noites no
inverno e sempre mais longos do que as noites no verão. A natureza parece que
funciona como um relógio, obedecendo a leis precisas e rigorosas.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Explicar a ordem existente no Universo

Não seria incrível que a ordem observada no universo tivesse surgido por mero acaso,
a partir do caos?
Não é a extrema complexidade da natureza ainda mais difícil de surgir do acaso do
que Os Lusíadas ter, por mero acaso, sido escrito por aquela criança?
Tem de haver uma explicação melhor do que o mero acaso.
Este é o ponto de partida dos argumentos teleológicos: a ideia é que essa ordem
resulta da vontade de Deus e que, sem isso, não se consegue explicá-la
adequadamente.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


O argumento teleológico de Tomas de Aquino

Vemos que as coisas sem inteligência, como os corpos naturais, atuam tendo em vista
uma finalidade, e isto é evidente a partir do facto de atuarem sempre, ou quase
sempre, da mesma maneira, de modo a obter o melhor resultado. Assim, é óbvio que
não é fortuitamente, mas antes com desígnio, que atingem as suas finalidades. Ora, o
que não tem inteligência não pode direcionar-se a uma finalidade, a menos que seja
direcionada por um ser dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha é
disparada para o alvo pelo arqueiro. Logo, existe um ser inteligente por meio do qual
todas as coisas naturais são direcionadas para as suas finalidades; e é a este ser que
chamamos Deus.
Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia. Q2. A3.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


Finalidades naturais: exemplos

Quando um vulcão expele lava ou as raízes de uma árvore se estendem no solo, em


certo sentido cumprem finalidades:
O vulcão alivia a pressão exercida na crosta terrestre pela lava incandescente.
A finalidade do vulcão é aliviar a pressão tectónica.
As raízes captam a água que permite que a árvore cresça;
A finalidade das raízes é captar água.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


Finalidades não naturais: exemplos

Quando uma pessoa pega num arco com flecha e aponta na direção de um alvo ou
quando outra pessoa lê um livro, essas pessoas visam finalidades (ou têm um propósito):
A primeira pessoa tem um certo interesse em acertar no alvo.
A finalidade é acertar no alvo.
A segunda pessoa tem um certo interesse em ler o livro;
A finalidade pode ser estudar para um exame (mas também poderia ser
simplesmente aprender ou passar o tempo agradavelmente).

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


O argumento teleológico de Tomás resumido

Há corpos naturais que não são inteligentes e que atuam com vista a finalidades.
O que não é inteligente não pode direcionar-se a si próprio para finalidades.
Só um ser conhecedor e inteligente pode direcionar os corpos naturais para
finalidades.
Logo, existe esse ser conhecedor e inteligente que dirige as coisas naturais para as
suas finalidades (ou seja, Deus existe).

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


Crítica 1: A noção de finalidade é usada em sentidos
diferentes (é ambígua)
Na primeira premissa usa-se o conceito de finalidade no sentido abrangente de haver
uma mera relação causal entre uma coisa e outra. Por exemplo, se as raízes de uma
árvore encontram água, elas deixam de se estender.
Nas restantes premissas usa-se o conceito de finalidade num sentido mais preciso e
robusto em que a finalidade envolve uma intenção mais ou menos consciente. Neste
caso, se uma pessoa não estuda para o exame quando lê o livro, ela pode ainda assim
querer lê-lo por outra razão qualquer.
Ora, não é este último sentido que está em causa quando se diz que Deus direciona as
coisas naturais para finalidades.
Assim, talvez a ordem que observamos seja fruto de um longo processo de evolução
natural, não sendo fruto de um simples acaso nem havendo uma direção dada por um
ser inteligente.
Essa foi precisamente a resposta de Darwin, que está na base da biologia moderna.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Crítica 2: O argumento teleológico não permite
provar a existência do Deus teísta

Mesmo que o argumento provasse que a ordem no Universo não se consegue explicar
sem um ser inteligente que direcione as coisas naturais para finalidades, isso não
implica que o Deus que dirige as coisas naturais para finalidades seja o Deus
sumamente bom, pessoal, etc., defendido pelos teístas.
Assim, mesmo que se aceite o argumento, ele apenas mostraria que tem de haver
uma ordem divina, não que há uma divindade teísta.

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a seguir...
Argumentos ontológicos a favor da existência de Deus.

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