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Um Argumento Cosmológico A Partir Do Big Bang Para A Inexistência de

Deus

Parte 5 – A Questão da Realidade da Singularidade

Autor: Quentin Smith


Fonte:
http://www.infidels.org/library/modern/quentin_smith/bigbang.html
[Publicado originalmente em FAITH AND PHILOSOPHY em abril de 1992
(Volume 9, No. 2, págs. 217-237)]
Tradução: Gilmar Pereira dos Santos (blog Rebeldia Metafísica)

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Pode ser objetado que uma premissa crucial do argumento ateológico, a


premissa (1), que afirma que ‘a singularidade do Big Bang é o estado mais
antigo do universo’, é falsa, pois incorre numa reificação da singularidade.

A singularidade não é um estado físico real, mas uma ficção matemática. O


estado físico mais antigo do universo é a explosão do Big Bang, que é
governado por leis físicas. Esta explosão leva, através de uma evolução
natural e regida por leis, a um estado do universo que contém criaturas
vivas.

Consequentemente, somos capazes de concluir que Deus criou como o


estado mais antigo algum estado que, por sua própria natureza nômica,
evoluiu até alcançar o estado de um universo animado.
Minha resposta a esta objeção é que ela é baseada numa interpretação
errônea da cosmologia do Big Bang, pois esta cosmologia representa a
singularidade como uma entidade física real.

Por exemplo, Penrose escreve que ‘concebemos a singularidade inicial


como um único ponto que dá origem a uma infinidade de regiões
causalmente desconexas no instante seguinte’ [18], o que implica que o
ponto é mais antigo que a explosão e, portanto, real.

Mas esta resposta pode passar ao largo do questionamento mais


importante da objeção, que não é que os cosmólogos do Big Bang
representam a singularidade como irreal, mas que a singularidade é irreal,
considerando-se os princípios razoáveis para a interpretação de teorias
científicas.

Esta é a posição de William Lane Craig e Richard Swinburne. Craig observa


que a singularidade do Big Bang é representada como possuindo volume
zero e duração zero e que isto é razão suficiente para considerá-la irreal.

Ele assevera que ‘um estado físico em que todas as dimensões espaciais e
temporais são zero é uma idealização matemática cuja contraparte
ontológica é nada’ [19], mas Craig não oferece nenhuma justificação para
esta alegação.

Os cosmólogos não encontram nenhuma dificuldade no conceito de um


espaço que possui zero dimensões (um ponto espacial) e que existe por um
instante, e uma mera alegação de que um espaço 0D não pode existir
instantaneamente parece ser uma expressão de um ceticismo injustificado.

Richard Swinburne também acredita que o ponto singular é uma


idealização matemática. Ele fornece um argumento para isto, qual seja, o
de que é logicamente necessário que o espaço seja 3D.
Swinburne apresenta um argumento contra a possibilidade lógica de
objetos 2D e sugere que argumentos análogos podem ser construídos
contra objetos 1D e 0D. Ele solicita que consideremos uma superfície
bidimensional que contém objetos bidimensionais:

“…claramente, é logicamente possível que ‘objetos materiais’


bidimensionais sejam elevados acima da superfície ou afundados abaixo
dela… a possibilidade lógica existe mesmo se a possibilidade física não
existe. Como é logicamente possível que os ‘objetos materiais’ sejam
movidos para fora da superfície, devem haver locais, e, portanto, pontos,
fora da superfície, já que uma localização está seja lá onde for que seja
logicamente possível que um objeto material possa estar.” [20]

Por conseguinte, Swinburne conclui, se existem objetos ou superfícies


bidimensionais também deve existir uma terceira dimensão espacial. O
argumento de Swinburne instancia a seguinte forma argumentativa
inválida:

(1) Fx é logicamente possível (isto é, é logicamente possível que x possua a


propriedade F).

(2) C é uma condição necessária de Fx.

(3) x existe.

(4) Portanto, C existe.

O fato de que o argumento de Swinburne possui esta forma torna-se


patente se o enunciamos da seguinte maneira:
(1A) É logicamente possível que qualquer objeto numa superfície
bidimensional possua a propriedade de mover-se acima ou abaixo da
superfície.

(2A) Uma terceira dimensão espacial é uma condição necessária do


movimento de qualquer objeto numa superfície bidimensional acima ou
abaixo desta superfície.

(3A) Existe um objeto numa superfície bidimensional.

(4A) Portanto, existe uma terceira dimensão espacial.

Se (1A)-(4A) prova que objetos em superfícies bidimensionais exigem uma


terceira dimensão espacial, então o argumento a seguir prova que existe
um paraíso celestial:

(1B) É logicamente possível que qualquer corpo humano seja ressuscitado


após a morte e ocupe um espaço celestial.

(2B) Um paraíso celestial é uma condição necessária para a ressurreição de


qualquer corpo.

(3B) Corpos humanos existem.

(4B) Portanto, existe um paraíso celestial.

A falácia, caso o leitor ainda não a tenha percebido, é a pressuposição de


que uma condição necessária para que um objeto possua uma certa
propriedade deve ser real se o objeto é real.
Obviamente isto não é o caso; a condição necessária precisa ser real
somente se a posse da propriedade pelo objeto for real. Concluo que
Swinburne não nos deu nenhuma razão para acreditarmos que é impossível
que exista uma singularidade do Big Bang que ocupe menos de três
dimensões espaciais.

Dado que o argumento de Swinburne fracassa, e que nenhum outro


argumento contra a coerência da singularidade do Big Bang tenha sido
apresentado (pelo menos até onde sei), as considerações acima garantem
a conclusão de que não há nenhuma razão para negar a realidade da
singularidade do Big Bang. Portanto, o problema da imprevisibilidade
permanece.

Notas.

18. R. Penrose, ‘Singularities in Cosmology,’ in Confrontation of


Cosmological Theories with Observational Data, ed. M. S. Longair (IAU,
1974), p. 264.

19. W. L. Craig, ‘The Caused Beginning of the Universe: A Response to


Quentin Smith,’ op. cit., p. 8.

20. R. Swinburne, Space and Time, op. cit., p. 125.

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