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Desejo seguir suas pegadas, mas sem compartilhar seu destino. Uma taça
de vinho, não de veneno, seria a recompensa que eu escolheria.
Portanto, como Sócrates, eu me posiciono contra o Deus da crença popular,
não contra o Deus da teologia natural.
Para citar apenas alguns nomes, tenho em mente pessoas como William
Alston, Peter van Inwagen e Alvin Plantinga. Todos eles são, como Plantinga
coloca, “pessoas da Palavra que consideram as Escrituras um caso especial
de revelação do próprio Deus” [2].
William Alston, por exemplo, afirma: “…uma grande parcela das Escrituras
consiste de registros de comunicações entre Deus e os homens “, e sustenta
que Deus continua a se revelar a “cristãos sinceros” de hoje de maneiras
que variam de orações respondidas a pensamentos que simplesmente
pipocam na mente de alguém. [3]
Introdução:
“Se Deus não existe, todas as coisas são permitidas.” Assim disse um dos
personagens de Dostoievski na obra “Os irmãos Karamazov”.
Ele estava afirmando que se Deus não existe, então os valores morais
seriam uma questão meramente subjetiva a ser determinada por caprichos
individuais ou pela contagem de cabeças no grupo social ao qual alguém
pertence; ou talvez ele estivesse mesmo dizendo que valores morais seriam
totalmente ilusórios e o niilismo moral prevaleceria.
Não estamos falando, por exemplo, sobre Baal (deus dos cananitas) ou Aton
(deus egípcio), ou Zeus (deus grego), ou Brama (divindade hindu), ou
Huitzilopochtli (deus asteca).
Todos esses, junto com outros 200 ou mais, citados em obras sobre religião
comparada, foram divindades supremas. Cada uma delas foi adorada e
obedecida por milhões. Contudo, como H. L. Mencken colocou em seu
artigo de 1922 “Serviço Memorial”, “todos estão mortos.”
Nem deveria ser o Deus dos teístas identificado com o ser incognoscível dos
deístas como Voltaire e Thomas Paine para os quais Deus era uma entidade
hipotética invocada meramente para explicar as origens e a natureza do
universo, e a Bíblia uma fraude moral e intelectual impingida sobre os
crédulos pelos profetas, papas, padres e pastores.
E ela sustenta, em terceiro lugar, que podem existir verdades morais que
ainda aguardam pela nossa descoberta, pela revelação (sob a interpretação
teísta) ou através da razão e da experiência — combinadas, talvez, com
nossa biologia cambiante — (sob a minha interpretação).
Mas isto não significa que tais desacordos sejam nada além de rompantes
emocionais. Pois consideramos um fato da psicologia moral que possuímos
crenças bem como emoções a respeito de tais temas controversos.
E uma vez que nada conta como crença a menos que seja verdadeiro ou
falso, concluímos que nossas crenças morais — à semelhança de crenças a
respeito do formato do planeta e da idade do universo — são verdadeiras
ou falsas.
Outra violação mais recente deste princípio pode ser encontrada nas
práticas genocidas de Milosevic e seus capangas, para os quais não é
desculpa dizer que estavam apenas corrigindo injustiças passadas ou,
através da limpeza étnica, lançando os fundamentos de uma sociedade
mais coesa e estável.
Este princípio, ou algum similar a este, jaz por trás de nossa repulsa moral
às políticas dos altos comandos japoneses e alemães que selecionavam
jovens mulheres sexualmente atraentes, especialmente virgens, para
proporcionar pretensos “confortos” a seus soldados.
Mas casos como o do Papa Pio V, que assistiu a Inquisição Romana queimar
um acadêmico religioso dissidente por volta de 1570, ultrapassam o limite
do moralmente aceitável; ele não pode ser isentado pelo fato de que
pensava estar desta maneira salvando a alma do dissidente das chamas
eternas do Inferno.
A respeito de todos estes exemplos, gosto de pensar, teístas e outras
pessoas moralmente esclarecidas concordarão comigo.
Em violação de P1, por exemplo, o próprio Deus afogou toda a raça humana
exceto Noé e sua família [Gen. 7:23]; ele puniu o rei Davi por realizar um
censo por ele ordenado e então atendeu à solicitação de Davi de que outros
fossem punidos em seu lugar através do envio de uma praga que matou
70.000 pessoas [II Sam. 24:1-15]; e ele ordenou que Josué assassinasse
velhos e jovens, pequenas crianças, virgens e mulheres (os habitantes de
uns 31 reinos) enquanto prosseguia em suas práticas genocidas de limpeza
étnica nas terras que judeus ortodoxos ainda consideram parte da Grande
Israel (veja o cap. 10 do livro de Josué em particular).
Em violação de P3, Deus repetidamente diz ter feito, ou que fará, pessoas
canibalizarem suas próprias crianças, maridos, esposas e amigos para puni-
los por sua desobediência. [Lev. 26:29, Deut. 28:53-58, Jer. 19:9, Ezeq. 5:10]
Em violação de P4, Deus tolerou que Jeftá lhe ofertasse em sacrifício numa
fogueira sua única filha [Juízes 11:30-39].
O livro do Apocalipse nos diz que “cada um cujo nome não tiver sido escrito
desde a fundação do mundo no livro da vida do Cordeiro que foi morto”
[Apoc. 13:8] irá para o inferno, onde “serão atormentados com fogo e
enxofre na presença dos anjos sagrados e na presença do Cordeiro; e a
fumaça de seu tormento subirá eternamente: e eles não terão descanso dia
ou noite” [Apoc. 14:10-11].
(4) A Bíblia nos diz que Deus de fato cometeu, causou, ordenou ou tolerou
atos que violam nossos princípios morais.
Assim, alguém pode coerentemente afirmar (1), (2) e (3) somente ao custo
de abrir mão de (4); afirmar (2), (3) e (4) somente ao custo de desistir de
(1); e assim por diante.
Se a Bíblia, com suas histórias sobre Moisés e Jesus, não é sua palavra
revelada e presumivelmente verdadeira, então como teremos
conhecimento sobre ele? Se Deus não se revela através de Moisés no Velho
Testamento e de Jesus no Novo Testamento, então através de quem ou de
que ele se revela?
Negar (3) seria declarar que é moralmente admissível violar nossos cinco
princípios morais. Seria tornar-se cúmplice de monstros morais como
Ghenghis Khan, Hitler, Stalin e Pol Pot. Seria abandonar toda e qualquer
pretensão a uma crença em valores morais objetivos.
Mais ainda, se é permissível violar os princípios acima, então não é fácil ver
que tipos de ações não seriam admissíveis. A negação de (3), então, seria
equivalente a adotar o niilismo moral. E nenhum teísta que acredita nos Dez
Mandamentos ou no Sermão da Montanha consentiria nisso.
Isso deixa apenas (4). Mas negar (4) seria colidir com a realidade de fatos
determináveis por qualquer um que faça uma leitura cuidadosa: fatos
objetivos sobre o que Bíblia realmente diz.
Adiante argumentarei que tanto (3) quanto (4) são verdadeiras; desta
maneira confrontarei os teístas com a necessidade de abandonar (1) ou (2)
— os dois pilares principais da crença teísta. Meus argumentos mostrarão
que se Deus existisse então ele ou não seria santo ou as Escrituras não
seriam sua palavra revelada.
Uma é tentar mostrar, contrariando (4), que a Bíblia ou não diz realmente
o que eu afirmo que ela diz, ou que as passagens que cito não significam o
que eu digo que significam. Esta tática envolve um certo tipo de maquiagem
das passagens em discussão de modo a torná-las moralmente inócuas.
A outra é tentar mostrar, contrariando (3), que nossos princípios morais são
ou inaplicáveis às situações descritas em (4) ou que eles admitem exceções
que absolveriam Deus por violá-los.
P1 e a matança de inocentes.
Basta dizer que por causa da perversidade que Deus viu sobre a terra, ele
decidiu — em suas próprias palavras — “Destruirei o homem que criei de
sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à
ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito” (Gen. 6:7). As únicas
exceções humanas foram Noé e sua família.
Deus então ofereceu a Davi escolher entre três castigos: sete anos de fome
e escassez, três dias de peste, ou três meses sendo perseguido e
importunado por seus inimigos.
Nosso nobre rei escolheu a fome ou a peste para os outros em vez de expor
a si próprio; e Deus aquiesceu: “o Senhor enviou uma praga sobre Israel…”;
e “setenta mil homens do povo que habitava desde Dan até Beersheba
morreram.”
É intrigante que um Deus justo desejaria punir Davi por obedecer suas
ordens. Mais intrigante é o fato do Deus santo derramar sua fúria sobre
outros matando setenta mil homens (e um número indeterminado de
mulheres e crianças, que parecem não ser considerados na maioria das
narrativas bíblicas).
Então, do capítulo 7 até o 12, somos brindados com uma crônica arrepiante
sobre os 31 reinos e todas as cidades que continham, que caíram vítimas
das políticas genocidas de Deus e de Josué.
Vez ou outra lemos as frases “ele destruiu completamente cada pessoa que
havia nela”, “não deixou sobreviventes”, e “nenhum foi deixado
respirando”.
O livro dos Números, cap. 31, começa com o Senhor dizendo a Moisés,
“Vingue-se plenamente pelos filhos de Israel dos midianitas”, então
dizendo como — em obediência às ordens de Deus — doze mil guerreiros
primeiro “mataram todos os homens” [vers. 7], e “aprisionaram todas as
mulheres de Midian e suas crianças” [vers. 9].
Agora, deve ser admitido que em nenhum lugar desta história de violência
e escravização é-nos dito explicitamente que as tropas dos exércitos do
Senhor usaram as virgens capturadas para sua própria satisfação sexual.
Então não chega a surpreender que alguns apologistas se amparem nesta
omissão a fim de argumentar que P2 absolutamente não foi violado.
Mas isso não resiste a uma análise mais detalhada. A Bíblia narra
numerosos casos de assim chamados “homens de Deus” que fornicaram e
não casaram — e às vezes até casaram — e não foram punidos seja pelos
homens seja por Deus.
Alguém teria que ser extraordinariamente ingênuo para supor que, dos
doze mil soldados, não houve nenhum que não tirou vantagem sexual das
trinta e duas mil virgens — mais de duas para cada soldado — que Deus
lhes concedeu para uso próprio.
Há ao menos cinco passagens nas quais Deus diz a seu povo que se eles não
o obedecerem eles serão punidos sendo reduzidos uma penúria tão
extrema que se verão obrigados a canibalizarem uns aos outros: filhos,
filhas, maridos, esposas, pais, mães, e irmãos, para nada dizer dos meros
amigos [9].
O livro de Jeremias é especialmente revelador. No capítulo 19, versículo 9,
o próprio Deus reivindica responsabilidade direta por estes horrores
quando diz: “E eu os farei comer a carne de seus filhos e a carne de suas
filhas…”
A segunda é que ele está meramente prevendo a sina que lhes sobrevirá
durante os iminentes cercos a serem realizados por seus inimigos. O
problema com a hipótese da ameaça é que, em cada exemplo, os Filhos de
Israel na verdade desobedeceram seus mandamentos, apesar das graves
ameaças.
Assim, se Deus não faz o que ameaçou fazer, suas ameaças eram vazias e
ele repetidamente falhou em manter sua palavra. E o problema com a
hipótese da profecia, é que se as coisas não saíssem como Deus previu,
então ele teria feito uma falsa profecia.
Jeftá, é-nos dito, foi um homem poderoso que foi usado por Deus para dar
continuidade à tradição de Josué, eliminando da terra de outro povo
etnicamente distinto, os filhos de Amon.
Assim lemos: “Passados os dois meses, tornou ela para seu pai, o qual lhe
fez segundo seu juramento…”. Em outras palavras, Jeftá manteve sua
promessa oferecendo sua amada filha em sacrifício numa fogueira para seu
Deus implacável.
Assim Jeftá angariou para si uma menção honrosa na Epístola aos Hebreus
[10], onde ele é citado junto com quinze ou mais homens de “grande fé”
como Noé, Abraão, Moisés, Sansão, Davi e Samuel.
A melhor interpretação que pode ser feita desta história horripilante é que
ela é um tipo de fábula, um conto inventado por homens com a intenção
de nos ensinar uma lição sobre a necessidade de reflexão e ponderação
antes de assumir compromissos com os outros, especialmente com uma
divindade.
Tal exegese, entretanto, dificilmente pode ser aceitável para um teísta que
creia piamente na Bíblia. Mas em qualquer caso, não deveríamos ficar
realmente surpresos com a aceitação, por Deus, do sacrifício de Jeftá.
P5 e a tortura eterna que Deus reserva para os que não acreditam que
Jesus é o Senhor e Salvador
Mas Apocalipse 13:8 vaticina que este destino recairá sobre “todo aquele
cujo nome não tiver sido escrito desde a fundação do mundo no livro da
vida do Cordeiro…”.
E Apocalipse 20:15 confirma a profecia quando nos diz que “se o nome de
qualquer pessoa não foi encontrado escrito no livro da vida, ele foi lançado
no lago de fogo.”
E São Paulo torna ainda mais claro quando nos diz que “E a vós, que sois
atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde
o céu com os anjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando
vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao
evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão
eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder” (2
Tessalonicenses 1:7-9).
A esta altura, pode ocorrer a alguns de nós que como é uma condição
necessária da crença no nome de Jesus que vocês tenham tanto ouvido o
nome quanto compreendido seu significado, ninguém pode ser salvo do
inferno se não tiver ouvido o evangelho.
Assim como seria incoerente dizer que Hitler foi moralmente perfeito
apesar do fato de ter enviado pessoas para as câmaras de gás pelo “pecado”
de não possuírem a ancestralidade correta, também seria incoerente supor
que Deus é moralmente perfeito apesar do fato de que ele irá enviar
pessoas para assar no inferno pelo “pecado” de não possuírem as crenças
corretas.
Ao contrário, qualquer um que seja culpado de tais atrocidades é, sem
meias palavras, simplesmente mau, cruel, perverso, vil. Pouco surpreende,
então, que Deus diga sobre si mesmo não apenas “Eu faço a paz” como
também “Eu crio o mal” (Is. 45:7). [13]
Vale a pena notar que, comparado com Deus, Satanás é retratado na Bíblia
como um relativo paradigma de virtude. Satanás é culpado de apenas três
delitos principais.
Alguém pode ter pensado nisso como uma coisa boa pois Satanás, desta
maneira, colocou-a no caminho da educação moral. Mas Deus não queria
que seus olhos fossem “abertos”, como Gen. 3:5 coloca; ele desejava
obediência cega. E assim Deus reagiu de maneira característica.
Ele não somente puniu Eva por um ato que ela só soube que era errado
após realizá-lo. Ele também puniu Adão, e todos os seus descendentes,
incluindo você e eu. Ele impôs a todos nós o fardo do que os teólogos
chamam Pecado Original: ele assegurou que nenhum de nós pudesse
começar a vida sem esta insuperável desvantagem.
Depois disso, Satanás não faz quase nada de natureza questionável exceto
por tentar o próprio Deus, na pessoa de Jesus, durante seu retiro de
quarenta dias no deserto — um exercício fadado ao fracasso.
Dizer que Deus é santo apesar da natureza perversa do que ele faz seria
brincar com as palavras: seria privar a palavra “santo” de seu sentido usual
e torná-la sinônimo de “mau”.
Mas se estou certo, então os teístas não possuem uma escapatória de seu
dilema lógico que não destrua o núcleo da crença teísta.
Eles têm uma escolha. Eles devem, sob pena de contradição, abandonar ao
menos um, se não ambos, entre (1), a crença de que todos os atos de Deus
são moralmente permissíveis, ou (2), a crença de que a Bíblia nos revela o
que vários destes atos são.
Ainda, como vimos, se eles abandonarem (1), com isso também
abandonarão a crença na santidade de Deus; ao passo que se abandonarem
(2), também se desfazem da crença na Bíblia como sua revelação.
(1)* Qualquer ato que Deus nos ordene realizar é moralmente admissível.
(2)* A Bíblia nos revela vários dos atos que Deus nos ordena realizar.
(4)* A Bíblia nos diz que Deus nos ordena realizar atos que violam o
princípio moral P1.
Então um dilema lógico paralelo surge para a crença do teísta de que Deus,
como revelado na Bíblia, é a fonte da moralidade objetiva ou, no mínimo, é
um guia confiável para o que deveríamos ou não deveríamos fazer.
Em vez de desenvolver o argumento novamente, apresentarei este
indiciamento adicional da crença teísta citando a Bíblia e então
endereçando uma série de questões para aqueles que, como o filósofo Alvin
Plantinga, afirmam que “o que [o Senhor] tenciona que seja o conteúdo de
nossas crenças é o que devemos acreditar.”
“Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver,
e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os
meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos
até aos jumentos.”
Agora pergunte-se:
Você admite que a ética é, como a maioria dos filósofos tem há muito
insistido, autônoma; e que devemos, portanto, pensar moralmente por nós
mesmos.
Mas se você responder “Sim” a cada questão, então eu acuso sua crença no
Deus do teísmo bíblico de ser não somente equivocada, mas moralmente
abominável.
Pois, nas palavras de meu amigo, John Patrick, que pediu demissão do
ministério presbiteriano da Nova Zelândia depois de descobrir quantos de
seus paroquianos também responderam “Sim” às três perguntas:
1. Para os objetivos presentes não digo nada sobre o Deus do Alcorão. Basta
dizer que meu argumento, se sólido, também é aplicável contra o teísmo
islâmico.
2. Alvin Plantinga, “When Faith and Reason Clash: Evolution and the Bible,”
Christian Scholar’s Review, Vol. XXI, No. 1, (Setembro de 1991), p. 8.
7. Veja Oséias 13:16: Samaria virá a ser deserta, porque se rebelou contra
o seu Deus; cairão à espada, seus filhos serão despedaçados, e as suas
grávidas serão fendidas pelo meio.