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RASHID KHALIDI é autor de oito livros sobre o Médio Oriente.

Ocupa a
posição de Edward Said Professor em Estudos Árabes da Universidade de
Columbia e é editor do Journal of Palestine Studies. Escreveu mais de 80 artigos
sobre história e política do Médio Oriente, incluindo peças no The New York Times,
Boston Globe, LA Times, Chicago Tribune e em inúmeras revistas. Recebeu bolsas
e subsídios da Fundação John D. e Catherine T. MacArthur, da Fundação Ford, do
Woodrow Wilson International Center for Scholars, do American Research Center
no Egito e da Fundação Rockefeller; foi também galardoado com um prémio de
investigação Fulbright. É convidado frequente de programas de rádio e televisão de
grande audiência para comentar assuntos do Médio Oriente, em particular os
relativos à questão israelo-palestiniana.
Palestina – Uma Biografia
Cem anos de guerra e resistência
Rashid Khalidi

Publicado em Portugal por:


Ideias de Ler®
Divisão Editorial Literária – Porto

Título original:
The hundred years’ war on Palestine.
A History of Settler Colonialism and Resistance, 1917-2017.
© 2020, by Rashid Khalidi

Tradução: Carla Ribeiro

Fotografia de capa: © shutterstock.com


Fotografia do autor: © Alex Levac

1.ª edição em papel: maio de 2022

Ideias de Ler® é uma marca registada da


Porto Editora
Email: info@ideiasdeler.pt

ISBN 978-989-740-159-6
Dedico este livro aos meus netos, Tariq, Idris e Nur, todos nascidos no
século XXI, que, com sorte, verão o fim desta guerra de cem anos.
“Somos uma nação ameaçada com o desaparecimento.”
– ‘Isa e Yusuf al-‘Isa, Filastin, 7 de maio de 1914
Prefácio do autor para a edição portuguesa

É um prazer poder apresentar este trabalho aos leitores portugueses


num momento tão particular da evolução da questão da Palestina. Durante
o ano passado, o mundo assistiu a mais um surto de extrema violência na
Palestina e em Israel, desencadeado por uma série de provocações
israelitas em Jerusalém, em maio de 2021, incluindo tentativas dos
colonos israelitas de ocuparem várias casas palestinianas. À medida que
estes acontecimentos se intensificavam, tiravam a vida a cerca de 300
palestinianos em Gaza, na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e em Israel
– na sua maioria civis, entre os quais mais de 65 crianças – e a outras doze
pessoas em Israel. Esta revolta incluiu o quarto ataque aéreo e terrestre
massivo por parte de Israel a uma Faixa de Gaza bloqueada e sitiada desde
2008, parte de uma contínua troca desigual entre militantes palestinianos e
os poderosos militares israelitas. Entretanto, a violência constante
provocada pela ocupação militar, mesmo que branda, tem afetado os
palestinianos em todos os territórios ocupados, sem interregnos, desde
1967.
No entanto, este episódio pode revelar-se diferente dos que o
precederam. Certamente, as práticas israelitas que desencadearam os
acontecimentos de maio de 2021 continuaram. Houve mais ataques
violentos por parte dos colonos apoiados pelas forças de segurança
israelitas a casas e propriedades palestinianas no bairro de Shaykh Jarrah,
em Jerusalém, no final de 2021 e início de 2022, enquanto o cerco a Gaza
continua. Os palestinianos, onde quer que estivessem – na Jerusalém
Oriental árabe ocupada; no resto da Cisjordânia ocupada; na Faixa de
Gaza; em Israel; e na vasta diáspora palestiniana –, responderam aos
acontecimentos de 2021, ao nível popular, com uma união sem
precedentes. Estes acontecimentos, e esta demonstração de unidade, têm
provocado um reconhecimento mundial das realidades no terreno,
realidades de discriminação sistémica, de opressão e expropriação, numa
palavra, de colonização, que já não pode ser varrida para baixo do tapete e
escondida por velhos clichés. Por todo o mundo, jovens e pessoas com
consciência da realidade manifestaram a sua solidariedade em resposta a
imagens que emergem de diferentes partes da Palestina, difundidas pelas
redes sociais e até pelos meios de comunicação social mainstream. Como
consequência disso, o discurso público em muitas partes do planeta
começou a alterar-se. Espero que este livro desempenhe o pequeno papel
de fazer o mesmo em Portugal.
Esta obra revela o pano de fundo histórico que levou aos
acontecimentos violentos de 2021 e às anteriores explosões de violência
na Palestina e contra os palestinianos noutros locais, explicando algumas
das dinâmicas subjacentes e em prática há muitas décadas. Argumenta que
este não é um “conflito” entre duas partes com forças equilibradas, ou que
se iniciou com a ocupação do território palestiniano e de outros territórios
árabes durante a guerra de junho de 1967, ou mesmo com a guerra de
1948 que levou à expulsão de 750 000 palestinianos das suas casas, uma
vez que a sua sociedade foi destruída e o Estado de Israel foi estabelecido.
Mostra, em vez disso, que estes episódios fazem parte de uma guerra
sistemática, ainda que intermitente, contra a Palestina, que se arrasta há
mais de um século. Esta guerra, destinada a expropriar o povo palestiniano
e a transformar a sua pátria numa pátria exclusiva para os judeus, não faz
parte de uma velha luta, como alguns afirmam. Na verdade, tem as suas
origens na ascensão do movimento sionista no final do século XIX.
Emergindo em resposta ao virulento e antigo antissemitismo europeu, o
movimento sionista era simultaneamente um projeto colonizador e
nacionalista, que procurava transformar a terra da Palestina na terra de
Israel, nas palavras de um dos fundadores do sionismo político moderno.
Depois de procurar outros apoiantes, em 1917 o movimento sionista
conquistou o apoio do Império Britânico para esse seu projeto, a partir do
qual lançou uma guerra apoiada externamente contra a Palestina e o seu
povo. Desde então, este movimento e a sua prole, o Estado de Israel,
sempre desfrutaram do apoio das grandes potências mundiais, sobretudo o
dos Estados Unidos.
Neste livro tentei estabelecer os acontecimentos na Palestina no seu
contexto global e histórico, esclarecer que fazem parte de uma longa e
desigual luta do povo palestiniano para resistir à expropriação de que é
alvo e ilustrar realidades normalmente escondidas pela cobertura
mediática mainstream. Baseei-o em pesquisas de arquivo, em materiais de
familiares meus e nas minhas experiências pessoais, num esforço para
explicar estas realidades de uma forma clara e acessível aos leitores que
querem saber mais sobre a Palestina. Espero que os leitores portugueses,
conscientes do passado colonial do seu país, apreciem este esforço.

Rashid Khalidi
Nova Iorque, 18 de fevereiro de 2022
Introdução

Durante alguns anos, no início dos anos de 1990, vivi em Jerusalém


durante vários meses consecutivos, fazendo pesquisas nas bibliotecas
privadas de algumas das famílias mais antigas da cidade, incluindo a
minha. Com a minha mulher e os meus filhos, instalei-me num
apartamento pertencente a um waqf, ou dotação religiosa, da família
Khalidi, no coração da estreita e ruidosa Cidade Velha. Do telhado deste
edifício, tinha vista para duas das maiores obras-primas dos primórdios da
arquitetura islâmica: a brilhante e dourada Cúpula da Rocha ficava a
pouco mais de noventa metros, no Monte do Templo. Um pouco adiante,
erguia-se a mais pequena cúpula cinza-prateada da Mesquita de al-Aqsa,
com o Monte das Oliveiras em pano de fundo.1 Noutras direções, era
possível ver as igrejas e sinagogas da Cidade Velha.
Logo ao fundo da rua Bab al-Silsila, encontrava-se o edifício principal
da Biblioteca Khalidi, fundada em 1899 pelo meu avô, Hajj Raghib al-
Khalidi, com uma herança da sua mãe, Khadija al-Khalidi.2 A biblioteca
alberga mais de mil e duzentos manuscritos, maioritariamente em árabe
(alguns em persa e em turco otomano), remontando o mais antigo ao
início do século XI.3 Incluindo cerca de dois mil livros árabes do século
XIX e diversos documentos familiares, é uma das mais extensas coleções
em toda a Palestina a estar ainda nas mãos dos seus proprietários
originais.4
Aquando da minha estadia, a estrutura principal da biblioteca, que data
aproximadamente do século XIII, estava a sofrer obras de restauro, pelo
que o seu conteúdo se encontrava temporariamente armazenado em
grandes caixas de cartão num edifício do período mameluco ligado ao
nosso apartamento por uma estreita escadaria. Passei mais de um ano
entre essas caixas, a vasculhar livros poeirentos e comidos pelas traças,
documentos e cartas pertencentes a gerações de Khalidis, entre os quais o
meu tio-trisavô, Yusuf Diya al-Din Pasha al-Khalidi.5 * Através dos seus
papéis, descobri um homem do mundo, com uma vasta educação
adquirida em Jerusalém, Malta, Istambul e Viena, um homem com um
profundo interesse na religião comparada, principalmente no judaísmo, e
que possuía uma série de livros em línguas europeias sobre este e outros
temas.
Yusuf Diya era o herdeiro de uma longa linhagem de estudiosos
islâmicos e funcionários legais de Jerusalém; o seu pai, al-Sayyid
Muhammad ‘Ali al-Khalidi, servira durante cerca de cinquenta anos como
qadi adjunto e chefe do secretariado do tribunal da Shari’a, em Jerusalém.
Mas desde muito novo que Yusuf Diya procurou um caminho diferente
para si. Após ter absorvido os fundamentos de uma educação tradicional
islâmica, deixou a Palestina aos dezoito anos – sem a aprovação do pai,
segundo nos é dito – para passar dois anos numa escola da Church
Mission Society britânica em Malta. Daí, foi estudar para a Escola
Imperial de Medicina em Istambul, após a qual frequentou o Robert
College da cidade, recentemente fundado por missionários protestantes
americanos. Durante cinco anos, na década de 1860, Yusuf Diya
frequentou algumas das principais instituições da região que
proporcionavam uma educação moderna ao estilo ocidental, aprendendo
inglês, francês, alemão e muito mais. Era um trajeto invulgar para um
jovem de uma família de eruditos religiosos muçulmanos em meados do
século XIX.
Tendo obtido esta ampla formação, Yusuf Diya exerceu várias funções
como oficial do governo otomano – tradutor no Ministério dos Negócios
Estrangeiros; cônsul no porto russo de Poti, no Mar Negro; governador de
províncias no Curdistão, no Líbano, na Palestina e na Síria; e autarca de
Jerusalém durante quase uma década – com períodos a lecionar na Real e
Imperial Universidade de Viena. Foi também eleito como deputado de
Jerusalém para o efémero parlamento otomano, instaurado em 1876 ao
abrigo da nova constituição do império, conquistando a inimizade do
sultão ‘Abd al-Hamid por apoiar as prerrogativas parlamentares sobre o
poder executivo.6

Yusuf Diya al-Din Pasha al-Khalidi


Em linha com a tradição familiar e com a sua educação islâmica e
ocidental, al-Khalidi tornou-se também um estudioso de sucesso. A
Biblioteca Khalidi contém muitos livros seus em francês, alemão e inglês,
bem como correspondência com doutas figuras da Europa e do Médio
Oriente. Além disso, velhos jornais austríacos, franceses e britânicos
conservados na biblioteca mostram que Yusuf Diya lia regularmente a
imprensa estrangeira. Há indícios de que recebia estes materiais através
dos correios austríacos em Istambul, que não estavam sujeitos às
draconianas leis otomanas da censura.7
Em resultado das suas vastas leituras, bem como do seu tempo em
Viena e noutros países europeus, e também dos seus encontros com
missionários cristãos, Yusuf Diya tinha plena consciência da
omnipresença do antissemitismo ocidental. Adquirira também um
conhecimento impressionante sobre as origens intelectuais do sionismo,
nomeadamente sobre a sua natureza enquanto resposta ao virulento
antissemitismo da Europa cristã. Estava, sem dúvida, familiarizado com a
obra O Estado Judeu (Der Judenstaat), do jornalista vienense Theodor
Herzl, publicada em 1896, e tinha conhecimento dos dois primeiros
congressos sionistas realizados em Basileia, na Suíça, em 1897 e 1898.8
(Na verdade, parece evidente que Yusuf Diya conhecia Herzl da sua
própria estadia em Viena.) Sabia dos debates e das perspetivas dos
diferentes líderes e tendências sionistas, incluindo o apelo explícito de
Herzl a um Estado para os judeus, com «direito soberano» a controlar a
imigração. Além disso, enquanto autarca de Jerusalém, assistira ao atrito
com a população local suscitado pelos primeiros anos de atividade
protossionista, começando com a chegada dos primeiros colonos judeus
europeus em finais dos anos 1870 e inícios dos 1880.
Herzl, o líder reconhecido do crescente movimento que fundara, tinha
feito a sua única visita à Palestina em 1898, planeando-a de forma a
coincidir com a do kaiser alemão Guilherme II. Começara já a refletir
sobre alguns dos problemas envolvidos na colonização da Palestina, tendo
escrito o seguinte no seu diário, em 1895:

Devemos expropriar delicadamente a propriedade privada nos territórios que nos forem
atribuídos. Tentaremos transportar a população sem recursos para lá da fronteira,
conseguindo-lhes empregos nos países de trânsito e negando-lhes simultaneamente
emprego no nosso próprio país. Os proprietários passar-se-ão para o nosso lado. Tanto o
processo de expropriação como a remoção dos pobres devem ser realizados de forma
discreta e circunspecta.9

Yusuf Diya teria estado mais consciente do que a maioria dos seus
compatriotas na Palestina das ambições do emergente movimento sionista,
bem como da sua força, recursos e atratividade. Sabia perfeitamente que
era impossível conciliar as pretensões do sionismo quanto à Palestina e o
seu objetivo explícito de um Estado e de uma soberania judaicos nesse
território com os direitos e o bem-estar dos habitantes nativos do país. Foi
provavelmente por estas razões que, no dia 1 de março de 1899, Yusuf
Diya enviou uma presciente carta de sete páginas ao grande rabino
francês, Zadoc Khan, com a intenção de que esta fosse passada ao
fundador do sionismo moderno.
A carta começava com uma expressão da admiração de Yusuf Diya por
Herzl, a quem estimava «como homem, como escritor de talento e como
um verdadeiro patriota judeu», e do seu respeito pelo judaísmo e os
judeus, que dizia serem «nossos primos», referindo-se ao Patriarca
Abraão, venerado como ancestral comum tanto pelos judeus como pelos
muçulmanos.10 Entendia as motivações do sionismo, tal como lamentava
a perseguição a que os judeus estavam sujeitos na Europa. Face a isto,
escreveu: o sionismo era, em princípio, «natural, belo e justo», e «quem
podia contestar os direitos dos judeus na Palestina? Meu Deus,
historicamente é o vosso país!»
Esta frase é, por vezes, citada, isoladamente do resto da carta, como
representação da entusiástica aceitação por parte de Yusuf Diya de todo o
programa sionista na Palestina. O antigo autarca e deputado de Jerusalém
prosseguia, porém, alertando para os perigos que previa como
consequência da implementação do projeto sionista de um Estado judaico
soberano na Palestina. A ideia sionista semearia a discórdia entre os
cristãos, muçulmanos e judeus de lá. Colocaria em perigo o estatuto e a
segurança de que os judeus sempre tinham gozado em todos os domínios
otomanos. Chegado ao seu principal objetivo, Yussuf Diya disse
sobriamente que, quaisquer que fossem os méritos do sionismo, «era
preciso ter em conta a força brutal das circunstâncias». As mais
importantes eram que «a Palestina é parte integrante do Império Otomano
e, mais grave ainda, está habitada por outros». A Palestina tinha já uma
população nativa que jamais aceitaria ser substituída. Yusuf Diya falava
«com pleno conhecimento dos factos», afirmando que era uma
«verdadeira loucura» que o sionismo planeasse apoderar-se da Palestina.
«Nada poderia ser mais justo e equitativo» do que «a infeliz nação
judaica» encontrar refúgio noutro local. Mas, concluía ele com um apelo
sentido, «em nome de Deus, deixem a Palestina em paz».
A resposta de Herzl a Yusuf Diya chegou rapidamente, no dia 19 de
março. A sua carta foi provavelmente a primeira resposta de um dos
fundadores do movimento sionista a uma persuasiva objeção palestiniana
aos seus planos embrionários para a Palestina. Nela, Herzl estabeleceu o
que viria a tornar-se um padrão de descartar, por serem insignificantes, os
interesses, e às vezes a própria existência, da população local. O líder
sionista ignorou simplesmente a tese básica da carta, de que a Palestina
era já habitada por uma população que não aceitaria ser suplantada.
Apesar de ter visitado o território uma vez, Herzl, tal como a maioria dos
primeiros sionistas europeus, não tinha grandes conhecimentos ou
contactos com os seus habitantes locais. Deixou também por abordar as
fundamentadas preocupações de al-Khalidi sobre o perigo que o programa
sionista representaria para as grandes e bem estabelecidas comunidades
judaicas em todo o Médio Oriente.
Desvalorizando o facto de que o sionismo se destinava, em última
instância, a conduzir ao domínio judeu da Palestina, Herzl utilizou uma
justificação que tem sido uma pedra angular para os colonialistas de todas
as épocas e em todos os lugares, e que viria a tornar-se num dos principais
argumentos do movimento sionista: a imigração judaica beneficiaria o
povo indígena da Palestina. «O seu bem-estar e a sua riqueza individual
serão aumentados ao levarmos a nossa.» Fazendo eco da linguagem que
tinha utilizado em O Estado Judeu, Herzl acrescentou: «Ao permitir a
imigração de um número de judeus, levando consigo para o país a sua
inteligência, a sua sagacidade financeira e os seus métodos de
empreendimento, ninguém pode duvidar de que o bem-estar de todo o país
seria o feliz resultado.»11
Yusuf Diya para Theodor Herzl: a Palestina «está habitada por outros»
que não aceitarão facilmente o seu próprio desalojamento.

De forma reveladora, a carta aborda uma consideração que Yusuf Diya


não tinha sequer levantado. «Vê outra dificuldade, Excelência, na
existência da população não judaica na Palestina. Mas quem pensaria em
mandá-los embora?»12 Com esta garantia em resposta à questão não
colocada por al-Khalidi, Herzl alude ao desejo registado no seu diário de
«transportar» a população pobre do país «discretamente» para lá das
fronteiras.13 Fica claro a partir desta arrepiante citação que Herzl entendia
a importância de fazer «desaparecer» a população nativa da Palestina para
que o sionismo tivesse sucesso. Além disso, o alvará de 1901 para a
Companhia Fundiária Judaico-Otomana, do qual foi um dos redatores,
inclui o mesmo princípio da remoção de habitantes da Palestina para
«outras províncias e territórios do Império Otomano».14 Ainda que Herzl
salientasse nos seus escritos que o seu projeto se baseava na «máxima
tolerância» com plenos direitos para todos,15 isto referia-se apenas à
tolerância de quaisquer minorias que pudessem permanecer após os
restantes terem sido transferidos para outro local.
Herzl subestimava o seu correspondente. A partir da carta de al-
Khalidi, é evidente que ele entendia perfeitamente que o que estava em
causa não era a imigração de um «número limitado de judeus» para a
Palestina, mas sim a transformação de todo o território num Estado
judaico. Dada a resposta que Herzl lhe dera, Yusuf Diya só podia ter
chegado a uma de duas conclusões. Ou o líder sionista pretendia enganá-
lo ao esconder os verdadeiros objetivos do movimento sionista, ou
simplesmente não via Yusuf Diya e os árabes da Palestina como dignos de
serem levados a sério.
Em vez disso, com a autoconfiança arrogante tão comum aos europeus
do século XIX, Herzl propôs o absurdo incentivo de que a colonização, e,
em última instância, a usurpação, do seu território por estranhos
beneficiaria o povo desse país. O pensamento de Herzl e a sua resposta a
Yusuf Diya parecem ter-se baseado no pressuposto de que os árabes
podiam eventualmente ser subornados ou enganados de forma a ignorarem
o que o movimento sionista realmente pretendia para a Palestina. Esta
atitude condescendente para com a inteligência, para não falar nos
direitos, da população árabe da Palestina viria a ser repetida em série pelos
líderes sionistas, britânicos, europeus e americanos ao longo das décadas
seguintes, até ao dia de hoje. Quanto ao Estado judaico, que acabou por
ser criado pelo movimento fundado por Herzl, tal como Yusuf Diya
previa, viria a ter espaço apenas para um único povo, o povo judeu: os
outros seriam realmente «afastados», ou, na melhor das hipóteses,
tolerados.

A carta de Yusuf Diya e a resposta dada por Herzl são bem conhecidas
dos historiadores da época, mas a maioria não parece ter refletido
cuidadosamente no que foi, talvez, a primeira discussão significativa entre
uma importante figura palestiniana e um dos fundadores do movimento
sionista. Não levaram totalmente em conta as racionalizações de Herzl,
que expunham de forma bem clara a natureza essencialmente colonial do
conflito secular na Palestina. Nem reconheceram os argumentos de al-
Khalidi, que foram integralmente comprovados desde 1899.
Iniciado após a Primeira Guerra Mundial, o desmantelamento da
sociedade palestiniana nativa foi posto em marcha através da imigração
em grande escala de colonos judeus europeus apoiados pelas autoridades
do recém-estabelecido Mandato Britânico, que os ajudaram a construir a
estrutura autónoma de um para-Estado sionista. Além disso, foi criado um
setor separado da economia sob o controlo dos judeus, através da exclusão
do trabalho árabe das empresas por eles detidas, sob o lema «Avoda ivrit»,
trabalho hebreu, e com a injeção de quantidades verdadeiramente
massivas de capital estrangeiro.16 Em meados dos anos 1930, ainda que os
judeus continuassem a ser uma minoria da população, este setor
maioritariamente autónomo era já maior do que a parte da economia
detida pelos árabes.
A população nativa foi ainda mais reduzida pela esmagadora repressão
da Grande Revolta Árabe de 1936-39 contra o domínio britânico, durante
a qual entre 14 e 17 por cento da população masculina adulta foi morta,
ferida, encarcerada ou exilada,17 uma vez que os britânicos utilizaram cem
mil soldados e o poder aéreo para vencer a resistência palestiniana.
Entretanto, uma enorme vaga de imigração judaica resultante da
perseguição por parte do regime nazi na Alemanha aumentou a população
judaica na Palestina de apenas 18 por cento do total, em 1932, para mais
de 31 por cento, em 1939. Isto proporcionou a massa crítica demográfica e
os efetivos militares necessários para a limpeza étnica da Palestina em
1948. A expulsão, nessa data, de mais de metade da população árabe do
país, primeiro pelas milícias sionistas e depois pelo exército israelita,
completou o triunfo político e militar do sionismo.
Esta engenharia social radical às custas da população local é o método
de todos os movimentos coloniais de povoamento. Na Palestina, foi uma
condição prévia essencial para transformar a maior parte de um país
avassaladoramente árabe num Estado predominantemente judaico. Tal
como este livro demonstrará, a melhor forma de compreender a história
moderna da Palestina é nestes termos: como uma guerra colonial travada
contra a população nativa, por uma multiplicidade de grupos, para a
obrigar a entregar a sua terra a outro povo contra a sua vontade.
Ainda que esta guerra partilhe de inúmeras das características típicas
de outras campanhas coloniais, possui também características muito
específicas, uma vez que foi travada por e em nome do movimento
sionista, que era e é em si mesmo um projeto colonial muito peculiar. A
complicar ainda mais este entendimento está o facto de este conflito
colonial, conduzido com um enorme apoio de forças externas, se ter
transformado com o tempo num confronto nacional entre duas novas
entidades nacionais, dois povos. Subjacente a este facto, e a amplificá-lo,
estava a profunda ressonância para os judeus, e também para muitos
cristãos, da sua ligação bíblica à histórica terra de Israel. Habilmente
entrelaçada no sionismo político moderno, esta ressonância tornou-se
parte integrante dele. Um movimento nacionalista colonial de finais do
século XIX revestiu-se assim de uma camada bíblica, fortemente atrativa
para os protestantes leitores da Bíblia da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos, cegando-os para a modernidade do sionismo e para a sua natureza
colonial: como podiam os judeus estar a «colonizar» a terra onde a sua
religião teve origem?
Dada esta cegueira, o conflito é retratado, na melhor das hipóteses,
como um simples, ainda que trágico, choque nacional entre dois povos
com direitos à mesma terra. Na pior, é descrito como o resultado do ódio
fanático e inveterado de árabes e muçulmanos contra o povo judeu no
momento em que este faz valer o seu direito inalienável à sua pátria eterna
concedida por Deus. Na verdade, não existe qualquer motivo para que o
que aconteceu na Palestina durante mais de um século não possa ser
entendido como um conflito colonial e também nacional. Mas a nossa
preocupação aqui é a sua natureza colonial, uma vez que este aspeto tem
sido tão subvalorizado quanto a sua importância, apesar de as
características típicas de outras campanhas coloniais estarem em evidência
por toda a parte na história moderna da Palestina.
Geralmente, os colonizadores europeus que procuram suplantar ou
dominar povos locais, quer seja nas Américas, na África, na Ásia ou na
Australásia (ou na Irlanda), descrevem-nos sempre em termos pejorativos.
Também afirmam sempre que a população nativa ficará melhor em
resultado do seu domínio; a natureza «civilizadora» e «progressista» dos
seus projetos coloniais serve para justificar qualquer crueldade que seja
cometida contra os povos indígenas no sentido de cumprirem os seus
objetivos. Basta referir a retórica dos administradores franceses no Norte
de África ou dos vice-reis britânicos na Índia. Lorde Curzon disse o
seguinte sobre o Raj britânico: «Sentir que, algures entre estes milhões,
deixámos um pouco de justiça, felicidade ou prosperidade, um sentido de
força ou dignidade moral, um manancial de patriotismo, uma aurora de
iluminação intelectual ou uma mobilização do dever onde antes não
existiam – basta isso, é essa a justificação para os ingleses na Índia.»18 As
palavras «onde antes não existiam» devem ser salientadas. Para Curzon e
outros da sua classe colonial, os nativos não sabiam o que era melhor para
eles e não podiam alcançar estas coisas sozinhos: «Não podem viver sem
nós», disse Curzon noutro discurso.19
Durante mais de um século, os palestinianos foram descritos pelos
seus colonizadores precisamente com a mesma linguagem que outros
povos indígenas. A retórica condescendente de Theodor Herzl e de outros
líderes sionistas não era diferente da dos seus pares europeus. O Estado
judaico, escreveu Herzl, «faria parte de uma muralha de defesa para a
Europa na Ásia, um posto avançado de civilização contra a barbárie».20
Esta linguagem era semelhante à utilizada na conquista da fronteira norte-
americana, que culminou, no século XIX, na erradicação ou subjugação de
toda a população nativa do continente. Tal como na América do Norte, a
colonização da Palestina – assim como as da África do Sul, da Austrália,
da Argélia e de partes da África Oriental – destinava-se a gerar uma
colónia de europeus brancos. O mesmo tom para com os palestinianos que
caracteriza tanto a retórica de Curzon como a carta de Herzl é replicado
ainda hoje em muitos discursos sobre a Palestina nos Estados Unidos, na
Europa e em Israel.
Em linha com esta lógica colonialista, existe um vasto conjunto de
literatura dedicada a demonstrar que, antes do advento da colonização
sionista europeia, a Palestina era estéril, vazia e retrógrada. A Palestina
histórica tem sido tema de inúmeros tropos depreciativos na cultura
popular ocidental, bem como de escritos academicamente sem valor que
alegam ser científicos e eruditos, mas estão pejados de erros históricos,
deturpações e, às vezes, de um fanatismo descarado. Quando muito,
afirma esta literatura, o território era habitado por uma pequena população
de beduínos nómadas e sem raízes, que não tinham identidade fixa nem
qualquer apego à terra por onde passavam, sendo essencialmente
passageiros.
Como corolário desta disputa, foram apenas o trabalho e a motivação
dos novos imigrantes judaicos que transformaram o país no radiante
jardim que supostamente é hoje, e que só eles tinham uma identificação e
um amor pela terra, bem como um direito (divino) a ela. Esta atitude
encontra-se resumida no mote «Uma terra sem povo para um povo sem
terra», utilizado pelos apoiantes cristãos de uma Palestina judaica e
também pelos primeiros sionistas, como Israel Zangwill.21 A Palestina era
terra nullius para os que lá se iam instalar, sendo os que lá viviam
anónimos e amorfos. Assim, a carta de Herzl para Yusuf Diya referia-se
aos árabes palestinianos, que eram então cerca de 95 por cento dos
habitantes do país, como a sua «população não judaica».
Essencialmente, a ideia apresentada era a de que os palestinianos não
existiam, ou não tinham importância, ou não mereciam habitar no país que
tão tristemente negligenciavam. Se não existissem, então até as fundadas
objeções palestinianas aos planos do movimento sionista podiam
simplesmente ser ignoradas. Tal como Herzl descartou a carta de Yusuf
Diya al-Khalidi, também a maioria dos esquemas posteriores para a
disposição da Palestina foram igualmente desdenhosos. A Declaração
Balfour de 1917, emitida por um conselho de ministros britânico e que
comprometia a Grã-Bretanha com a criação de uma pátria nacional
judaica, não fazia qualquer referência aos palestinianos, a grande maioria
da população do país na altura, nem mesmo ao definir o curso da Palestina
para o século seguinte.
A ideia de que os palestinianos simplesmente não existem, ou pior
ainda, são uma invenção maliciosa dos que desejam mal a Israel, é
sustentada por livros fraudulentos como From Time Immemorial, de Joan
Peters, hoje universalmente considerado pelos eruditos como totalmente
desprovido de mérito. (Porém, aquando da sua publicação, em 1984, foi
recebido de forma extática, continuando disponível e a vender
desanimadoramente bem.)22 Este tipo de literatura, tanto pseudo-
académica como popular, baseia-se sobretudo nos relatos de viajantes
europeus, nos dos novos imigrantes sionistas ou em fontes do Mandato
Britânico. É frequentemente produzida por pessoas que nada sabem sobre
a sociedade local e a sua história e sentem desprezo por ela, ou, pior ainda,
têm uma agenda que depende da sua invisibilidade ou desaparecimento.
Recorrendo raramente a fontes produzidas no seio da sociedade
palestiniana, estas representações repetem essencialmente a perspetiva, a
ignorância e os preconceitos, eivados de arrogância europeia, dos
estrangeiros.23
A mensagem encontra-se também amplamente representada na cultura
popular de Israel e dos Estados Unidos, bem como na vida pública e
política.24 Foi amplificada através de livros comerciais como o romance
de Leon Uris, Exodus, e o filme vencedor de um prémio da Academia que
este gerou, obras que tiveram um grande impacto numa geração inteira e
que servem para confirmar e aprofundar preconceitos preexistentes.25
Figuras políticas negaram explicitamente a existência dos palestinianos,
como, por exemplo, o antigo Presidente da Câmara dos Representantes
Newt Gingrich: «Acho que estamos perante um povo palestiniano
inventado, que é, na verdade, de árabes.» Ao regressar de uma viagem à
Palestina em março de 2015, o governador do Arkansas, Mike Huckabee,
disse o seguinte: «Não existe realmente tal coisa como os
palestinianos.»26 Até certo ponto, todas as administrações dos Estados
Unidos, desde a de Harry Truman, têm sido constituídas por pessoas a
fazer política na Palestina cujas opiniões indicam que acreditam que os
palestinianos, quer existam ou não, são seres inferiores aos israelitas.
Significativamente, muitos dos primeiros apóstolos do sionismo
orgulhavam-se de abraçar a natureza colonial do seu projeto. O eminente
líder sionista revisionista Ze’ev Jabotinsky, padrinho da tendência política
que tem dominado Israel desde 1977, defendida pelos primeiros-ministros
Menachem Begin, Yitzhak Shamir, Ariel Sharon, Ehud Olmert e
Benjamin Netanyahu, foi bastante claro a este respeito. Em 1923,
Jabotinsky escreveu o seguinte: «Todas as populações nativas do mundo
resistem aos colonizadores enquanto tiverem a mínima esperança de se
conseguirem livrar do perigo de serem colonizadas. É isso que os árabes
estão a fazer na Palestina, e o que continuarão a fazer enquanto lhes restar
uma única centelha de esperança de que conseguirão impedir a
transformação da “Palestina” na “Terra de Israel”.» Esta honestidade era
rara entre outros sionistas influentes, que, tal como Herzl, professavam a
inocente pureza dos seus objetivos e enganavam os seus ouvintes
ocidentais, e talvez também a si mesmos, com contos de fadas sobre as
suas intenções benignas para com os habitantes árabes da Palestina.
Jabotinsky e os seus seguidores foram dos poucos a serem
suficientemente francos para admitir pública e diretamente as duras
realidades que inevitavelmente acompanhariam a implantação de uma
sociedade colonial de povoamento no seio de uma população já existente.
Nomeadamente, admitiu que a constante ameaça do uso de força massiva
contra a maioria árabe seria necessária à implementação do programa
sionista: aquilo a que chamou uma «muralha de ferro» de baionetas era
um imperativo para o seu sucesso. Tal como Jabotinsky afirmou: «A
colonização sionista… só pode prosseguir e desenvolver-se sob a proteção
de um poder que seja independente da população nativa – atrás de uma
muralha de ferro que a população nativa não possa romper.»27 Estava-se
ainda no auge do colonialismo, em que tais atos contra as sociedades
nativas por parte dos ocidentais eram normalizados e descritos como
«progressos».
As instituições sociais e económicas fundadas pelos primeiros
sionistas, que foram fundamentais para o sucesso do projeto sionista, eram
também inquestionavelmente compreendidas por todos e descritas como
coloniais. A mais importante destas instituições foi a Associação de
Colonização Judaica (ACJ) (rebatizada em 1924 como Associação de
Colonização Judaica na Palestina). Esta instituição foi originalmente
criada pelo filantropo judeu alemão Barão Maurice de Hirsch e
posteriormente combinada com uma organização similar fundada pelo
financista, e par do reino britânico, Lorde Edmond de Rothschild. A ACJ
disponibilizou o enorme apoio financeiro que tornou possível as extensas
compras de terras e os subsídios que permitiram à maioria das primeiras
colónias sionistas na Palestina sobreviver e prosperar antes e durante o
período do Mandato.
Naturalmente, assim que o colonialismo começou a ser mal visto na
era da descolonização no pós-Segunda Guerra Mundial, as origens e
práticas coloniais do sionismo e de Israel foram branqueadas e
convenientemente esquecidas em Israel e no Ocidente. Na verdade, o
sionismo – enteado mimado do colonialismo britânico durante duas
décadas – reinventou-se como movimento anticolonialista. O motivo para
esta drástica transformação foi uma campanha de sabotagem e terrorismo
lançada contra a Grã-Bretanha após esta ter limitado drasticamente o seu
apoio à imigração judaica com o Livro Branco de 1939, em vésperas da
Segunda Guerra Mundial. Este desentendimento entre antigos aliados
(para os ajudar a combater os palestinianos em finais da década de 1930, a
Grã-Bretanha tinha armado e treinado os colonos judeus que deixava
entrar no país) incentivou a bizarra ideia de que o movimento sionista era
ele próprio anticolonialista.
Não havia como fugir ao facto de que o sionismo começara por se
colar ao Império Britânico em busca de apoio, e só conseguira implantar-
se na Palestina graças aos incessantes esforços do imperialismo britânico.
Não podia ser de outro modo, pois, tal como Jabotinsky salientou, só os
britânicos tinham os recursos necessários para travar a guerra colonial de
que precisavam para suprimir a resistência palestiniana à ocupação do seu
país. Esta guerra tem-se mantido desde então, travada por vezes de forma
aberta e outras de forma encoberta, mas sempre com a aprovação tácita ou
manifesta, e muitas vezes com o envolvimento direto, dos principais
poderes da época e o apoio das instituições internacionais por eles
dominadas, a Sociedade das Nações e as Nações Unidas.
Hoje, o conflito gerado por este clássico empreendimento colonial
europeu do século XIX em território não europeu, apoiado desde 1917
pela maior potência imperial ocidental da sua era, raramente é descrito em
termos tão duros. Na verdade, aqueles que analisam não só os esforços
israelitas de colonização em Jerusalém, na Margem Ocidental e nos
ocupados Montes Golã da Síria, mas todo o empreendimento sionista da
perspetiva das suas origens e natureza coloniais são muitas vezes
vilipendiados. Muitos são incapazes de aceitar a contradição inerente à
ideia de que, embora o sionismo tenha sido inquestionavelmente bem-
sucedido na criação de uma entidade nacional próspera em Israel, as suas
raízes são as de um projeto colonial de povoamento (tal como o são as de
outros países modernos: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia). Nem podem aceitar que não teria tido êxito se não fosse pelo
apoio das grandes potências imperiais, Grã-Bretanha e, posteriormente,
Estados Unidos. O sionismo podia, pois, ser, e foi, um movimento
simultaneamente nacional e colonialista.
Em vez de escrever um estudo abrangente sobre a história palestiniana,
optei por me concentrar em seis pontos de viragem na luta pela Palestina.
Estes seis acontecimentos, desde a emissão da Declaração Balfour em
1917, que decidiu o destino da Palestina, ao cerco de Israel à Faixa de
Gaza, e às suas guerras intermitentes contra a sua população no início dos
anos 2000, realçam a natureza colonial da guerra dos cem anos na
Palestina, e também o papel indispensável das potências externas na sua
condução.28 Contei esta história, em parte, através das experiências de
palestinianos que viveram durante a guerra, muitos deles membros da
minha família, que estiveram presentes em alguns dos episódios descritos.
Incluí as minhas próprias memórias dos acontecimentos a que assisti, bem
como materiais pertencentes à minha própria família e a outras, além de
vários relatos na primeira pessoa. O meu objetivo foi sempre mostrar que
este conflito deve ser visto de forma muito diferente da maioria das
opiniões dominantes sobre ele.
Escrevi vários livros e numerosos artigos sobre diferentes aspetos da
história palestiniana num registo puramente académico.29 Também os
alicerces deste livro são académicos e baseados na investigação, mas este
contém ainda uma dimensão pessoal que é geralmente excluída da história
académica. Ainda que membros da minha família tenham estado
envolvidos durante anos nos acontecimentos da Palestina, tal como eu
estive, enquanto testemunha ou participante, as nossas experiências não
são únicas, apesar das vantagens de que gozámos devido à nossa classe
social e estatuto. Poder-se-iam utilizar muitos relatos semelhantes, ainda
que grande parte da história popular e de outros setores da sociedade
palestiniana continue por contar. Ainda assim, apesar das tensões inerentes
à abordagem escolhida, acredito que ajuda a esclarecer uma perspetiva
que está ausente da forma como a história da Palestina tem sido relatada
na maioria da literatura.
Devo acrescentar que este livro não corresponde a uma «conceção
lacrimosa» dos últimos cem anos da história palestiniana, para recuperar a
crítica brilhante do grande historiador Salo Baron a uma tendência dos
escritos históricos judaicos do século XIX.30 Os palestinianos têm sido
acusados, por aqueles que simpatizam com os seus opressores, de se
espojarem na sua própria vitimização. É, ainda assim, um facto que, tal
como todos os povos nativos confrontados com guerras coloniais, os
palestinianos enfrentaram adversidades assustadoras e, por vezes,
impossíveis. É igualmente verdade que sofreram repetidas derrotas e
foram frequentemente divididos e mal liderados, o que não significa que
os palestinianos não pudessem, por vezes, desafiar com sucesso essas
probabilidades, ou que noutras vezes não pudessem ter feito melhores
escolhas.31 Mas não podemos ignorar as formidáveis forças internacionais
e imperiais dispostas contra eles, cuja escala tem sido frequentemente
desvalorizada, e apesar das quais demonstraram uma resiliência notável. A
minha esperança é que este livro reflita essa resiliência e ajude a recuperar
um pouco do que até agora tem sido apagado da história por aqueles que
controlam toda a Palestina histórica e a narrativa que a rodeia.

* Note-se que os nomes árabes foram transcritos segundo o sistema IJMES simplificado
(International Journal of Middle East Studies), exceto nos casos em que os próprios indivíduos
preferiram outra ortografia.
1

A Primeira Declaração
de Guerra, 1917-1939

Existem muitos casos de guerras que


começam antes de serem declaradas.
– Arthur James Balfour1

Na viragem do século XX, antes de a colonização sionista ter tido


grande impacto na Palestina, havia novas ideias a alastrar, a educação
moderna e a literacia tinham começado a expandir-se, e a integração da
economia do país na ordem capitalista global avançava a bom ritmo. A
produção para exportação de colheitas como o trigo e os citrinos, o
investimento de capitais na agricultura e a introdução de culturas de
rendimento e trabalhos assalariados, visíveis na rápida propagação dos
laranjais, estavam a mudar a face de grandes secções das zonas rurais.
Esta evolução veio acompanhada pela acumulação de propriedade privada
por um número mais reduzido de pessoas. Grandes secções passavam para
o controlo de senhorios ausentes – muitos dos quais viviam em Beirute ou
em Damasco – às custas dos pequenos agricultores. O saneamento, a
saúde e as taxas de nados-vivos estavam gradualmente a melhorar, com as
taxas de mortalidade a diminuir, estando a população consequentemente a
aumentar de forma mais rápida. O telégrafo, os navios a vapor, a via-
férrea, a iluminação a gás, a eletricidade e as estradas modernas estavam a
transformar gradualmente as cidades, vilas e até mesmo algumas aldeias
rurais. Ao mesmo tempo, viajar pela e para fora da região era mais rápido,
mais barato, mais seguro e mais conveniente.2
Na década de 1860, Yusuf Diya al-Khalidi tivera de viajar para Malta e
para Istambul para obter uma educação ao estilo ocidental. Em 1914, era
possível obter uma educação do género em várias escolas e universidades
estatais, privadas e missionárias na Palestina, em Beirute, no Cairo e em
Damasco. A pedagogia moderna era muitas vezes introduzida por escolas
missionárias estrangeiras, católicas, protestantes e ortodoxas, bem como
pelas escolas judaicas da Alliance Israélite Universelle (AIU). Em parte,
por receio de que os missionários estrangeiros, em conluio com os
mecenas das suas grandes potências, viessem a dominar a educação da
geração mais nova, as autoridades otomanas criaram uma rede crescente
de escolas estatais, que acabou por servir mais estudantes na Palestina do
que as escolas estrangeiras. Ainda que o acesso universal à educação e a
literacia generalizada estivessem ainda num futuro distante, as mudanças
anteriores à Primeira Guerra Mundial ofereceram novos horizontes e
ideias inovadoras a mais e mais pessoas.3 A população árabe beneficiou
destes desenvolvimentos.
Socialmente, a Palestina era ainda fortemente rural e de natureza
predominantemente patriarcal e hierárquica, e assim permaneceu, em
grande medida, até 1948. Era dominada por estreitas elites urbanas
oriundas de algumas famílias como a minha, que se agarravam às suas
posições e privilégios enquanto se adaptavam às novas condições, com os
membros mais jovens da família a obterem educações modernas e a
aprenderem línguas estrangeiras a fim de manterem a sua posição e os
seus benefícios. Estas elites controlavam a política da Palestina, ainda que
o crescimento de novas profissões, ofícios e classes significasse que, na
década de 1900, havia mais vias de progressão e ascensão social. Nas
cidades costeiras em rápido crescimento, nomeadamente Jafa e Haifa, as
mudanças eram mais visíveis do que nas cidades mais conservadoras do
interior, como Jerusalém, Nablus e Hébron, uma vez que as primeiras
assistiram ao aparecimento de uma burguesia comercial emergente e de
uma embrionária classe trabalhadora urbana.4
Ao mesmo tempo, o sentido de identidade de grande parte da
população estava também a evoluir e a alterar-se. A geração do meu avô
ter-se-ia identificado – e sido identificada – em termos de família, filiação
religiosa e cidade ou aldeia de origem. Teriam valorizado a sua
descendência de honrados antepassados; teriam sido orgulhosos falantes
do árabe, a língua do Corão, e herdeiros da cultura árabe. Poderiam sentir
alguma lealdade para com a dinastia e o Estado otomanos, uma fidelidade
baseada nos costumes e também numa perceção do Estado otomano como
um bastião a defender das terras dos primeiros e maiores impérios
muçulmanos, terras cobiçadas pela Cristandade desde as Cruzadas, terras
onde se situavam as cidades santas de Meca, Medina e Jerusalém. Essa
lealdade começara, porém, a enfraquecer no século XIX, à medida que a
base religiosa do Estado diminuía, as derrotas militares e perdas
territoriais otomanas aumentavam e as ideias nacionalistas evoluíam e
alastravam.
A maior mobilidade e o acesso à educação aceleraram estas mudanças,
e também a imprensa florescente e a disponibilidade de livros impressos
desempenharam um papel importante: entre 1908 e 1914, foram criados
na Palestina trinta e dois novos jornais e publicações periódicas, a que se
juntaram mais nas décadas de 1920 e 1930.5 Diferentes formas de
identificação, como a nacionalidade, e ideias inovadoras sobre a
organização social, incluindo a solidariedade entre a classe trabalhadora e
o papel das mulheres na sociedade, surgiam para desafiar vínculos
anteriormente instituídos. Estes modos de pertença, quer a um grupo
nacional, profissional ou de classe, estavam ainda em formação e
envolviam laços de lealdade que se sobrepunham. A carta de 1899
enviada por Yusuf Diya a Herzl, por exemplo, evoca a filiação religiosa, a
lealdade otomana, o orgulho local em Jerusalém e um claro sentido de
identificação com a Palestina.
Nesta primeira década do século XX, grande parte dos judeus a viver
na Palestina eram ainda culturalmente muito semelhantes e viviam de
forma razoavelmente confortável junto aos muçulmanos e cristãos que
habitavam na cidade. Eram maioritariamente ultraortodoxos e não
sionistas, mizrahi (orientais) ou sefarditas (descendentes dos judeus
expulsos de Espanha), cidadãos urbanos, com origem no Médio Oriente
ou no Mediterrâneo, que muitas vezes falavam árabe ou turco, ainda que
apenas como segunda ou terceira língua. Apesar das consideráveis
diferenças religiosas entre eles e os seus vizinhos, não eram estrangeiros,
nem europeus ou colonos: eram, viam-se e eram vistos como judeus que
faziam parte da sociedade local de maioria muçulmana.6 Além disso,
alguns jovens judeus asquenazes europeus, que se tinham instalado na
Palestina nesta altura, incluindo fervorosos sionistas como David Ben-
Gurion e Yitzhak Ben-Zvi (um dos quais se tornou primeiro-ministro e o
outro presidente de Israel), começaram por procurar uma certa medida de
integração na sociedade local. Ben-Gurion e Ben-Zvi chegaram mesmo a
assumir a nacionalidade otomana, tendo estudado em Istambul e
aprendido árabe e turco.
O ritmo muito mais rápido de transformação nos países avançados da
Europa Ocidental e da América do Norte durante a era industrial moderna,
quando comparado ao resto do mundo, levou muitos observadores
externos, incluindo alguns eminentes estudiosos, a alegar erradamente que
as sociedades do Médio Oriente, incluindo a palestiniana, estavam
estagnadas e imóveis, ou até mesmo «em declínio».7 Sabemos agora, a
partir de vários indicadores, que não era de todo o caso: um crescente
conjunto de obras históricas solidamente fundamentadas, baseadas em
fontes otomanas, palestinianas, israelitas e ocidentais, refuta por completo
estas ideias falsas.8 Estudos recentes sobre a Palestina nos anos anteriores
a 1948 vão, porém, muito além da mera abordagem aos equívocos e
distorções no cerne de tal pensamento. Independentemente do que possa
ter parecido aos estrangeiros mal informados, é evidente que, na primeira
metade do século XX, existia na Palestina sob domínio otomano uma
vibrante sociedade árabe a passar por uma série de rápidas e aceleradas
transições, muito à semelhança de várias outras sociedades do Médio
Oriente em seu redor.9
Os grandes choques externos têm poderosos efeitos nas sociedades,
principalmente no seu sentido de identidade. O Império Otomano foi
ficando cada vez mais frágil no início do século XX, com grandes perdas
territoriais nos Balcãs, na Líbia e noutros locais. Uma longa série de
violentas guerras e sublevações que se prolongou durante quase uma
década começou com a guerra da Líbia em 1911-12, seguindo-se as
Guerras dos Balcãs de 1912-13 e depois as extraordinárias deslocações da
Primeira Guerra Mundial, que levaram ao desaparecimento do império. Os
quatro anos dessa guerra causaram graves carências, penúria, fome,
doenças, a requisição de animais de tração e o recrutamento da maioria
dos homens em idade ativa, que foram enviados para a frente. Estima-se
que a Grande Síria, que incluía a Palestina e os atuais territórios da
Jordânia, da Síria e do Líbano, terá registado meio milhão de mortes, entre
1915 e 1918, apenas devido à fome (que foi exacerbada por uma praga de
gafanhotos).10
A fome e as dificuldades gerais foram apenas uma das causas do
estado lamentável da população. Estando a maioria dos observadores
concentrados nas aterradoras baixas sofridas na Frente Ocidental, poucos
se aperceberam de que o Império Otomano, na sua globalidade, sofrera as
mais pesadas perdas de guerra de todas as grandes potências em combate,
com mais de três milhões de mortos, 15 por cento da população total. A
maioria destas baixas foi de civis (sendo o maior grupo o das vítimas de
massacres ordenados pelas autoridades otomanas em 1915 e 1916 –
arménios, assírios e outros cristãos).11 Além disso, dos 2,8 milhões de
soldados otomanos originalmente mobilizados, é possível que tenham
morrido até 750 000 durante a guerra.12 As baixas árabes foram
igualmente altas, uma vez que as unidades militares recrutadas no Iraque e
na Grande Síria estiveram fortemente representadas em campos de batalha
sangrentos, como a frente oriental otomana contra a Rússia, assim como
em Galípoli, no Sinai, na Palestina e no Iraque. O demógrafo Justin
McCarthy calculou que, após um crescimento anual de cerca de 1 por
cento até 1914, a população da Palestina diminuiu 6 por cento durante a
guerra.13
O tumulto da época não poupou nem as famílias abastadas, como a
minha. Quando o meu pai, Ismail, nasceu, em 1915, quatro dos seus
irmãos adultos, Nu’man, Hasan, Husayn e Ahmad, tinham sido chamados
a servir no exército otomano. Dois deles sofreram ferimentos na linha de
combate, mas todos tiveram a sorte de sobreviver. A minha tia ‘Anbara
Salam al-Khalidi lembrava-se de imagens lancinantes de fome e privação
nas ruas de Beirute, onde viveu quando era jovem.14 Husayn al-Khalidi,
meu tio, que serviu como oficial médico durante a guerra, lembrava-se de
imagens igualmente desoladoras em Jerusalém, onde viu os corpos de
dezenas de pessoas que tinham morrido de fome deitados nas ruas.15 As
exigências da guerra impostas pelas autoridades otomanas incluíram o
enforcamento, sob acusação de traição, do noivo da minha tia, ‘Abd al-
Ghani al-‘Uraysi, juntamente com muitos outros patriotas nacionalistas
árabes.16

Husayn e Hasan al-Khalidi,


conscritos do exército otomano

Em 1917, o meu avô, Hajj Raghib al-Khalidi, e a minha avó Amira,


conhecida por todos como Um Hasan, juntamente com os restantes
residentes da zona de Jafa, receberam uma ordem de evacuação por parte
das autoridades otomanas. Para fugir aos crescentes perigos da guerra,
deixaram a sua casa em Tal al-Rish, perto de Jafa (o trabalho do meu avô
como juiz tinha-os levado de Jerusalém para lá muitos anos antes), com os
seus quatro filhos mais novos, sendo um eles o meu pai. Durante vários
meses, a família procurou refúgio na aldeia montanhosa de Dayr
Gassaneh, a leste de Jafa, junto de membros do clã Barghouti, com o qual
tinham ligações antigas.17 A aldeia ficava suficientemente longe do mar
para estar fora do alcance das armas navais dos Aliados e longe dos
intensos combates ao longo da costa, à medida que os exércitos britânicos
comandados pelo general Sir Edmund Allenby avançavam para norte.
Entre a primavera de 1917 e o final do outono, as regiões sul do país
serviram de cenário a uma penosa série de batalhas entre forças britânicas
e otomanas, estas últimas apoiadas por tropas alemãs e austríacas. Os
combates envolveram guerras de trincheiras, ataques aéreos e intensos
bombardeamentos por parte da artilharia terrestre e naval. Unidades
britânicas e imperiais lançaram uma série de grandes ofensivas, que foram
gradualmente repelindo os defensores otomanos. No inverno, os combates
alastraram para o norte da Palestina (Jerusalém, no centro, foi capturada
pelos britânicos em dezembro de 1917), e prolongaram-se pelo início de
1918. Em muitas regiões, o impacto direto da guerra causou um
sofrimento intenso. Uma das províncias mais atingidas foi a que abrangia
a cidade de Gaza e as vilas e aldeias vizinhas, onde vastas áreas foram
pulverizadas por fortes bombardeamentos britânicos durante a longa
guerra de trincheiras e depois durante o lento avanço dos Aliados pela
costa mediterrânica.
Pouco após a queda de Jafa perante o domínio britânico, em novembro
de 1917, a família do meu avô regressou à sua casa em Tal al-Rish. Outra
tia, Fatima al-Khalidi Salam, que tinha então oito anos, lembrava-se de o
seu pai se ter dirigido às tropas britânicas. «Welcome, welcome», dizia ele,
no seu inglês sem dúvida imperfeito. Um Hasan, que ouviu isto como «Ya
waylkum» – «Ai de vós!» em árabe – temeu que ele tivesse posto a família
em perigo ao provocar os soldados estrangeiros.18 Quer tenha acolhido ou
lamentado a chegada dos britânicos, dois dos filhos de Hajj Raghib al-
Khalidi continuavam a lutar pelo outro lado, e dois estavam retidos como
prisioneiros de guerra, o que colocava a família numa posição precária.
Dois dos tios continuaram com o exército otomano, que resistia aos
britânicos no norte da Palestina e na Síria, até finais de 1918.
Estavam entre os milhares de homens ainda ausentes de suas casas no
final da guerra. Alguns tinham emigrado para as Américas para fugirem
ao serviço militar, enquanto muitos outros, entre os quais o escritor ‘Aref
Shehadeh (posteriormente conhecido como ‘Arif al-‘Arif), se
encontravam detidos em campos de prisioneiros de guerra dos Aliados.19
Outros estavam nas colinas para fugirem ao recrutamento, como Najib
Nassar, editor do jornal assumidamente antissionista al-Karmil, de
Haifa.20 Entretanto, havia soldados árabes que tinham desertado do
exército otomano e atravessado as linhas, ou que estavam a servir nas
forças da Revolta Árabe, lideradas por Sharif Husayn e aliadas aos
britânicos. Ainda outros – como ‘Isa al-‘Isa, o editor do jornal Filastin,
que tinha sido exilado pelas autoridades otomanas devido à sua
independência feroz, com os seus fortes ecos de nacionalismo árabe –
viram-se forçados a trocar as fronteiras relativamente cosmopolitas de Jafa
por várias pequenas vilas no coração da Anatólia rural.21
Todos estes profundos choques materiais aumentaram o impacto das
dolorosas mudanças políticas do pós-guerra, que obrigaram as pessoas a
repensarem antigos sentidos de identidade. Quando os combates
terminaram, o povo da Palestina e de grande parte do mundo árabe viu-se
sob a ocupação de exércitos europeus. Após quatrocentos anos, viam-se
confrontados com a desconcertante perspetiva do domínio estrangeiro e do
rápido desaparecimento do controlo otomano, que era o único sistema de
governo conhecido há mais de vinte gerações. Foi no meio deste grande
trauma, com uma era a terminar e outra a começar, num sombrio contexto
de sofrimento, perda e privação, que os palestinianos souberam, de forma
fragmentária, da Declaração Balfour.
A histórica declaração proferida há pouco mais de um século em nome
do conselho de ministros britânico no dia 2 de novembro de 1917, pelo
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Arthur James Balfour – e
que veio a ficar conhecida como Declaração Balfour – continha uma única
frase:

O governo de Sua Majestade vê de forma favorável a criação na Palestina de um lar


nacional para o povo judeu, e empregará os seus melhores esforços para facilitar a
realização deste objetivo, sendo claramente entendido que nada será feito que possa
prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na
Palestina, ou os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro
país.

Se já antes da Primeira Guerra Mundial muitos palestinianos


clarividentes tinham começado a ver o movimento sionista como uma
ameaça, a Declaração Balfour introduziu um novo e temível elemento. Na
linguagem suave e enganadora da diplomacia, com a sua expressão
ambígua a aprovar «a criação na Palestina de um lar nacional para o povo
judaico», a declaração garantia efetivamente o apoio britânico às
aspirações de Theodor Herzl de um Estado judaico, com soberania e
controlo da imigração em toda a Palestina.
Significativamente, a esmagadora maioria árabe da população (cerca
de 94 por cento na altura) não foi mencionada por Balfour, a não ser de
forma indireta, como as «comunidades não judaicas existentes na
Palestina». Eram descritos em termos do que não eram, e certamente não
como uma nação ou um povo – os termos «palestiniano» ou «árabe» não
aparecem nas setenta e uma palavras da declaração. A esta esmagadora
maioria, eram prometidos apenas «direitos civis e religiosos», não
políticos ou nacionais. Em contraste, Balfour atribuía direitos nacionais
àquilo a que chamava «o povo judeu», que em 1917 era uma minúscula
minoria – 6 por cento – dos habitantes do país.
Antes da obtenção do apoio britânico, o movimento sionista era um
projeto de colonização em busca de um mecenas entre as grandes
potências. Não tendo conseguido encontrar um patrocinador no Império
Otomano, na Alemanha Guilhermina ou em qualquer outro local, o
sucessor de Theodor Herzl, Chaim Weizmann, e os seus colegas tiveram
finalmente sucesso na sua abordagem ao conselho de guerra britânico
liderado por David Lloyd George, conquistando o apoio da maior potência
da época. Os palestinianos enfrentavam agora um adversário mais
formidável do que nunca, com tropas britânicas a avançarem nesse exato
momento para norte e a ocuparem o seu país, tropas que serviam um
governo que jurara implantar um «lar nacional» onde a imigração
ilimitada pretendia produzir uma futura maioria judaica.
As intenções e objetivos do governo britânico da época têm sido
amplamente analisados ao longo do último século.22 Entre as suas
múltiplas motivações, encontravam-se tanto um desejo filossemita,
romântico e de origem religiosa, de «devolver» os hebreus à terra da
Bíblia, como um desejo antissemita de reduzir a imigração judaica para a
Grã-Bretanha, associado a uma convicção de que os «judeus do mundo»
tinham o poder de manter a nova Rússia revolucionária a combater na
guerra e de puxar os Estados Unidos para ela. Além destes impulsos, a
Grã-Bretanha desejava controlar a Palestina sobretudo por razões
geopolíticas estratégicas anteriores à Primeira Guerra Mundial, e que só
tinham sido reforçadas pelos acontecimentos que decorreram durante a
guerra.23 Por mais importantes que as outras motivações possam ter sido,
a principal foi esta: o Império Britânico nunca era movido pelo altruísmo.
Os interesses estratégicos da Grã-Bretanha eram perfeitamente servidos
pelo seu patrocínio ao projeto sionista, tal como o eram por um leque de
empreendimentos bélicos regionais. Entre eles, contam-se compromissos
estabelecidos em 1915 e 1916, prometendo a independência aos árabes
liderados por Sharif Husayn de Meca (consagrados na correspondência
Husayn-McMahon), e um acordo secreto de 1916 com França – o Acordo
Sykes-Picot – em que as duas potências acordavam uma divisão colonial
dos países árabes orientais.24
Mais importante do que as razões dos britânicos para terem emitido a
Declaração Balfour é o que este ato significou na prática para os claros
objetivos do movimento sionista – soberania e controlo total da Palestina.
Com o apoio inquebrantável da Grã-Bretanha, estes objetivos tornaram-se
subitamente plausíveis. Alguns importantes políticos britânicos
estenderam um apoio ao sionismo que ia muito além do texto
cuidadosamente formulado da declaração. Num jantar em casa de Balfour,
em 1922, três dos mais importantes estadistas britânicos da época – Lloyd
George, Balfour e o Secretário de Estado para as Colónias, Winston
Churchill – garantiram a Weizmann que «lar nacional judaico» era um
termo que para eles «sempre significara um eventual Estado judaico».
Lloyd George convenceu o líder sionista de que, por essa razão, a Grã-
Bretanha jamais permitiria um governo representativo na Palestina. E não
permitiu.25
Para os sionistas, a sua iniciativa era agora apoiada, nas palavras de
Ze’ev Jabotinsky, por uma indispensável «muralha de ferro» de poder
militar britânico. Para os habitantes da Palestina, cujo futuro acabou por
decidir, a prosa cuidadosa e calibrada de Balfour era na verdade uma arma
apontada diretamente às suas cabeças, uma declaração de guerra do
Império Britânico contra a população local. A maioria enfrentava agora a
perspetiva de ser ultrapassada pela imigração ilimitada de judeus para um
país cuja população e cultura eram então quase integralmente árabes.
Fosse ou não esse o objetivo, a declaração desencadeou um verdadeiro
conflito colonial, um ataque secular ao povo palestiniano, visando
promover um exclusivista «lar nacional» às suas custas.
A reação palestiniana à Declaração Balfour demorou a surgir e
começou por ser relativamente discreta. A notícia da declaração britânica
tinha-se espalhado a quase todas as outras partes do mundo imediatamente
após a sua divulgação. Na Palestina, porém, os jornais locais
encontravam-se fechados desde o início da guerra, devido à censura do
governo e também à falta de papel, resultante de um apertado bloqueio
naval dos Aliados aos portos otomanos. Após as tropas britânicas terem
ocupado Jerusalém em dezembro de 1917, o regime militar proibiu a
publicação de notícias sobre a declaração.26 Na verdade, as autoridades
britânicas não permitiram o reaparecimento de jornais na Palestina durante
quase dois anos. Quando os rumores sobre a Declaração Balfour chegaram
finalmente à Palestina, fizeram-no lentamente por via oral e,
posteriormente, através de exemplares de jornais egípcios que os viajantes
traziam do Cairo.
A bomba caiu sobre uma sociedade prostrada e exausta nesta fase
tardia da guerra, em que os sobreviventes do caos e dos desalojamentos
regressavam gradualmente às suas casas. Existem indícios de que
reagiram com choque à notícia. Em dezembro de 1918, trinta e três
palestinianos exilados (incluindo al-‘Isa) que tinham acabado de viajar da
Anatólia para Damasco (onde o acesso às notícias não era restrito)
enviaram uma carta avançada de protesto à conferência de paz que estava
a ser realizada em Versalhes e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
britânico. Salientavam que «este país é nosso» e expressavam o seu horror
face à reivindicação sionista de que «a Palestina seria transformada num
lar nacional para eles».27
Estas perspetivas podem ter parecido remotas a muitos palestinianos
quando a Declaração Balfour foi proferida, numa altura em que os judeus
constituíam uma minúscula minoria da população. Ainda assim, alguns
indivíduos perspicazes, entre os quais Yusuf Diya al-Khalidi, tinham
entendido desde cedo o perigo que o sionismo representava. Em 1914, ‘Isa
al-‘Isa escreveu, num astuto editorial para o jornal Filastin, sobre «uma
nação ameaçada com o desaparecimento pela maré sionista nesta terra
palestiniana… uma nação que é ameaçada no seu próprio ser com a
expulsão da sua pátria».28 Os que se sentiam apreensivos ante o avanço do
movimento sionista ficaram alarmados com a sua capacidade de comprar
grandes áreas de terra fértil, de onde os camponeses locais eram
removidos, e com o seu sucesso no aumento da imigração judaica.
Efetivamente, entre 1909 e 1914, tinham chegado cerca de quarenta
mil imigrantes judeus (embora alguns tivessem partido pouco depois) e
dezoito novas colónias (de um total de cinquenta e duas em 1914) tinham
sido criadas pelo movimento sionista em terras adquiridas sobretudo a
proprietários ausentes. A concentração relativamente recente de
propriedades privadas facilitou muito estas compras de terrenos. Para os
palestinianos, o impacto foi particularmente acentuado nas comunidades
agrícolas situadas em regiões de intensa colonização sionista: nas
planícies costeiras e nos férteis vales de Marj Ibn ‘Amer e de Huleh, no
Norte. Muitos camponeses nas aldeias vizinhas das novas colónias tinham
sido privados das suas terras em resultado das vendas de terrenos. Alguns
tinham também sofrido, nos conflitos armados, com as primeiras unidades
paramilitares formadas pelos colonos judeus europeus.29 A sua apreensão
era partilhada pelos habitantes árabes das cidades de Haifa, Jafa e
Jerusalém – os principais centros de população judaica, antes e agora –
que viam com preocupação crescente a afluência de imigrantes judeus nos
anos antes da guerra. Após a emissão da Declaração Balfour, as
desastrosas implicações para o futuro da Palestina foram-se tornando cada
vez mais evidentes para todos.
Além das mudanças demográficas e outras, a Primeira Guerra Mundial
e o seu rescaldo aceleraram a passagem do sentimento nacional
palestiniano de um amor ao país e de uma lealdade à família e ao local
para uma forma totalmente moderna de nacionalismo.30 Num mundo onde
o nacionalismo tinha vindo a ganhar terreno há várias décadas, a Grande
Guerra deu um impulso global à ideia. A tendência foi agravada na fase
final da guerra por Woodrow Wilson, nos Estados Unidos, e por Vladimir
Lenine, na Rússia Soviética, ambos defensores do princípio da
autodeterminação nacional, ainda que de diferentes formas e com
diferentes objetivos.
Quaisquer que fossem as intenções destes dois líderes, o aparente
apoio às aspirações nacionais de povos de todo o mundo por parte de
potências ostensivamente anticolonialistas teve um impacto enorme.
Wilson não tinha nitidamente qualquer intenção de aplicar o princípio à
maioria daqueles que os viam como uma inspiração para as suas
esperanças de libertação nacional. Na verdade, confessou estar perplexo
com a multiplicidade de povos, de cuja maioria nunca tinha ouvido falar,
que responderam ao seu apelo à autodeterminação.31 Ainda assim, as
esperanças suscitadas e depois defraudadas – pelas declarações de Wilson
em defesa da autodeterminação nacional, pela Revolução Bolchevique e
pela indiferença dos Aliados na Conferência de Paz de Versalhes face às
exigências de independência por parte dos povos colonizados –
desencadearam enormes tumultos revolucionários anticolonialistas na
Índia, no Egito, na China, na Coreia, na Irlanda e noutros locais.32 A
dissolução dos impérios dos Romanov, dos Habsburgo e do Império
Otomano – Estados transnacionais dinásticos – resultou também, em
grande medida, da propagação do nacionalismo e da sua intensificação
durante e após a guerra.
As identidades políticas na Palestina tinham certamente evoluído antes
da guerra, em sintonia com as mudanças globais e com a evolução do
Estado otomano. Ainda assim, tal acontecera de forma relativamente
lenta, dentro dos limites do império dinástico, transnacional e
religiosamente legitimado. O mapa mental da maioria dos seus súbditos
até 1914 era limitado pelo facto de terem sido governados por este sistema
político durante tanto tempo, de tal modo que lhes era difícil conceber a
vida sem ser sob domínio otomano. Ao entrar no mundo do pós-guerra,
sofrendo de um trauma coletivo, o povo da Palestina viu-se confrontado
com uma realidade radicalmente nova: iam ser governados pela Grã-
Bretanha, e o seu país tinha sido prometido a outros como «lar nacional».
Podiam contrapor-se a isto as suas expetativas sobre as possibilidades de
independência e autodeterminação árabes, prometidas a Sharif Husayn
pelos britânicos em 1916 – uma promessa repetida em vários
compromissos públicos posteriores, incluindo uma declaração anglo-
francesa de 1918, antes de ser consagrada na Aliança da nova Sociedade
das Nações em 1919.
Uma janela crucial para as perceções dos palestinianos sobre si
mesmos e o seu entendimento dos acontecimentos entre as guerras é a
imprensa palestiniana. Dois jornais, o Filastin, publicado por ‘Isa al-‘Isa
em Jafa, e o al-Karmil, publicado em Haifa por Najib Nassar, eram
bastiões do patriotismo local, além de críticos do entendimento entre
sionistas e britânicos e do perigo que este representava para a maioria
árabe na Palestina. Contavam-se entre os mais influentes faróis da ideia de
identidade palestiniana. Outros jornais faziam eco dos mesmos temas e
amplificavam-nos, concentrando-se na florescente e maioritariamente
fechada economia judaica e nas outras instituições criadas pelo projeto de
construção de um Estado sionista e apoiadas pelas autoridades britânicas.
Em 1929, após ter assistido à cerimónia de inauguração de uma nova
linha de caminhos de ferro, que ligava Telavive aos colonatos judaicos e
às aldeias árabes a sul, ‘Isa al-‘Isa redigiu um ominoso editorial no
Filastin. Ao longo de todo o percurso, escreveu ele, colonos judaicos
tiravam partido da presença de oficiais britânicos para lhes fazerem novas
exigências, enquanto os palestinianos não se viam em lado nenhum.
«Havia apenas um tarbuche», disse ele, «entre tantos chapéus.» A
mensagem era clara: o wataniyin, «o povo do país», estava mal
organizado, enquanto al-qawm, «esta nação», explorava todas as
oportunidades que lhe eram oferecidas. O título do editorial resumia a
gravidade do aviso de al-‘Isa: «Estrangeiros na Nossa Própria Terra: A
Nossa Sonolência e a Vigilância Deles.»33 Outra destas janelas é
proporcionada pelo número crescente de livros de memórias publicados
por palestinianos. Muitos deles estão em árabe e refletem as preocupações
dos seus autores de classe média ou alta.34 Encontrar as perspetivas dos
setores menos favorecidos da sociedade palestiniana é mais difícil. Há
pouca história oral disponível sobre as primeiras décadas de domínio
britânico.35
Ainda que fontes como esta deem uma ideia da evolução da identidade
entre os palestinianos, com o uso crescente dos termos «Palestina» e
«palestinianos», os pontos de viragem neste processo são difíceis de
identificar. É possível extrair algumas coisas do trajeto pessoal do meu
avô. Hajj Raghib, que teve uma educação religiosa tradicional e serviu
como oficial religioso e qadi, era amigo íntimo de ‘Isa al-‘Isa (que, a
propósito, era avô da minha esposa Mona) e contribuiu com artigos sobre
temas como a educação, as bibliotecas e a cultura para o Filastin.36
Através da tradição familiar dos Khalidi e dos al-‘Isa, ficamos com uma
ideia das frequentes interações sociais entre os dois – um muçulmano, o
outro ortodoxo grego – sobretudo no jardim da casa do meu avô em Tal al-
Rish, nos arredores de Jafa. Numa história, os dois homens suportam a
visita interminável de um aborrecido e conservador shaykh local, antes de
regressarem, após a sua partida, ao mais agradável prazer de beber em
privado.37 A questão é que Hajj Raghib, uma figura religiosa, fazia parte
de um círculo de importantes defensores seculares da Palestina enquanto
fonte de identidade.
A história revelada, até por uma análise superficial aos jornais,
memórias e outras fontes similares geradas por palestinianos, contraria a
mitologia popular sobre o conflito, que é baseada na sua inexistência ou
falta de consciência coletiva. Na verdade, a identidade palestiniana e o seu
nacionalismo são demasiadas vezes entendidos como meras expressões
recentes de uma oposição irracional (se não mesmo fanática) à
autodeterminação nacional judaica. Mas a identidade palestiniana, muito à
semelhança do sionismo, surgiu em resposta a vários estímulos, e quase
exatamente ao mesmo tempo que o sionismo político moderno. A ameaça
do sionismo foi apenas um desses estímulos, tal como o antissemitismo
foi apenas um dos fatores a alimentar o sionismo. Tal como é revelado por
jornais como o Filastin e o al-Karmil, esta identidade incluía o amor pelo
país, um desejo de melhorar a sociedade, um apego religioso à Palestina e
a oposição ao controlo europeu. Depois da guerra, o foco na Palestina
enquanto ponto central de identidade extraiu forças da frustração
generalizada ante o bloqueio das aspirações árabes na Síria e noutros
locais, à medida que o Médio Oriente ia sendo dominado, de forma
sufocante, pelas potências coloniais europeias. Esta identidade é, pois,
comparável às dos outros Estados-nação árabes, que surgiram por volta da
mesma altura na Síria, no Líbano e no Iraque.
Família al-Khalidi, Tal al-Rish, circa 1930. Fila de cima a partir da esquerda:
Ismail (pai do autor), Ya’coub, Hasan (segurando Samira), Husayn (segurando
Leila), Ghalib. Fila do meio: ‘Anbara, Walid, Um Hasan (avó do autor), Sulafa,
Hajj Raghib (seu avô), Nash’at, Ikram. Fila de baixo: ‘Adel, Hatim, Raghib,
Amira, Khalid e Mu’awiya.

Na verdade, todos os povos árabes vizinhos desenvolveram


identidades nacionais modernas muito semelhantes às dos palestinianos, e
fizeram-no sem o impacto do aparecimento do colonialismo sionista no
seu seio. Tal como o sionismo, a identidade nacional palestiniana, e
também as outras identidades árabes, eram modernas e contingentes,
resultantes das circunstâncias de finais do século XIX e do século XX, não
eternas e imutáveis. A negação de uma autêntica identidade palestiniana
independente está em consonância com as ideias colonialistas de Herzl
sobre os alegados benefícios do sionismo para a população nativa, e
constitui um elemento crucial na eliminação dos seus direitos nacionais e
enquanto povo pela Declaração Balfour e as suas sequelas.
Assim que puderam fazê-lo no rescaldo da Primeira Guerra Mundial,
os palestinianos começaram a organizar-se politicamente, em oposição
tanto ao domínio britânico como à imposição do movimento sionista
como interlocutor privilegiado deste. Os esforços dos palestinianos
incluíram petições aos britânicos, à Conferência de Paz de Paris e à
recém-formada Sociedade das Nações. O seu esforço mais notável foi uma
série de sete Congressos Árabes Palestinos, planeados por uma rede
nacional de sociedades de muçulmanos e cristãos e realizados entre 1919 e
1928. Estes congressos apresentaram uma consistente série de exigências,
concentradas na independência da Palestina árabe, na rejeição da
Declaração Balfour, no apoio a um governo de maioria e no fim da
imigração judaica ilimitada e da aquisição de terras. Os congressos
criaram um executivo árabe que se reuniu várias vezes com oficiais
britânicos em Jerusalém e em Londres, ainda que sem grandes resultados.
Era um diálogo de surdos. Os britânicos recusavam-se a reconhecer a
autoridade representativa dos congressos ou dos seus líderes, e insistiam
na aceitação por parte dos árabes da Declaração Balfour e dos termos do
Mandato que lhe sucedera – a antítese de todas as suas exigências
fundamentais – como condição prévia para a discussão. A liderança
palestiniana seguiu esta infrutífera abordagem legalista durante mais de
uma década e meia.
Em contraste com estas iniciativas lideradas pelas elites, a insatisfação
popular com o apoio britânico às aspirações sionistas eclodiu em
manifestações, greves e motins, com a violência a aumentar
consideravelmente em 1920, 1921 e 1929, sendo cada episódio mais
intenso do que o anterior. Todos estes casos foram erupções espontâneas,
muitas vezes provocadas por grupos sionistas a exibir a sua força. Os
britânicos reprimiam manifestações pacíficas e surtos de violência com a
mesma dureza e severidade, mas o descontentamento popular árabe
manteve-se. No início da década de 1930, elementos mais jovens e
educados da classe média e média-baixa, impacientes com a abordagem
conciliadora da elite, começaram a lançar iniciativas mais radicais e a
organizar grupos mais combativos. Estes incluíam uma rede de ativistas
instalada, em toda a região norte do país, por um pregador itinerante de
origem síria sediado em Haifa chamado Shaykh ‘Iz al-Din al-Qassam, que
estava a preparar-se clandestinamente para uma revolta armada, bem
como o Partido Istiqlal («independência»), cujo nome resumia os seus
objetivos.
Todos estes esforços decorreram inicialmente na sombra de um rígido
regime militar britânico que durou até 1920 (um dos congressos foi
realizado em Damasco, pois os britânicos tinham proibido a atividade
política palestiniana), e depois sob a autoridade de uma série de altos-
comissários do Mandato Britânico. O primeiro foi Sir Herbert Samuel,
sionista empenhado e antigo membro do conselho de ministros que lançou
as bases governamentais para muito do que se seguiu, tendo promovido
habilmente os objetivos sionistas enquanto frustrava os dos palestinianos.
Os palestinianos bem informados sabiam o que os sionistas andavam a
pregar aos seus seguidores, tanto no estrangeiro como em hebraico, na
Palestina – que a imigração ilimitada geraria uma maioria judaica que
permitiria a ocupação do país. Tinham vindo a seguir as palavras e ações
dos líderes sionistas através da extensa cobertura dada ao tema na
imprensa árabe desde muito antes da guerra.38 Ainda que Chaim
Weizmann, por exemplo, tivesse dito a vários árabes importantes num
jantar em Jerusalém, em março de 1918, «para terem cuidado com as
insinuações traiçoeiras de que os sionistas procuravam o poder político»,39
a maioria sabia que essas afirmações eram estratégicas e que se
destinavam a encobrir os verdadeiros objetivos dos sionistas. Na verdade,
os líderes do movimento sionista entendiam que «em circunstância
alguma deveriam falar como se o programa sionista exigisse a expulsão
dos árabes, pois isso faria com que os judeus perdessem a simpatia do
mundo», mas os palestinianos bem informados não se deixaram enganar.40
Ainda que os leitores de jornais, membros da elite e habitantes das
aldeias e cidades que estavam em contacto direto com os colonos judaicos
estivessem conscientes da ameaça, esse conhecimento estava longe de ser
universal. De igual modo, também a evolução do sentido de identidade
dos palestinianos era inconstante. Enquanto a maioria das pessoas
desejava a independência palestiniana, alguns acalentavam a esperança de
que essa independência pudesse ser obtida como parte de um Estado árabe
maior. Um jornal fugazmente publicado em Jerusalém, em 1919, por ‘Arif
al-‘Arif e outra figura política, Muhammad Hasan al-Budayri, proclamou
esta aspiração no seu nome: Suriyya al-Janubiyya, ou Síria do Sul. (A
publicação foi rapidamente suprimida pelos britânicos.) Um governo
liderado por Amir Faysal, filho de Sharif Husayn, tinha sido instaurado
em Damasco em 1918, e muitos palestinianos esperavam que o seu país se
tornasse a parte sul deste Estado nascente. França, porém, reivindicou a
Síria para si com base no Acordo Sykes-Picot, e em julho de 1920, tropas
francesas ocuparam o país, eliminando o recém-nascido Estado árabe.41 À
medida que os países árabes, sujeitos a mandatos ou a outras formas
diretas ou indiretas de controlo europeu, começaram a preocupar-se
apenas com os seus próprios problemas, cada vez mais palestinianos
foram-se apercebendo de que teriam de depender de si mesmos. O
arabismo e a sensação de pertença a um mundo árabe maior sempre se
mantiveram fortes, mas a identidade palestiniana foi sendo
constantemente reforçada pela inclinação da Grã-Bretanha em favor do
florescente projeto sionista.
Noutros locais do Médio Oriente, mudanças varriam uma região
assolada por uma instabilidade constante. Após um amargo choque com as
forças ocupantes dos Aliados, surgiu na Anatólia, no lugar do Império
Otomano, o núcleo de uma república turca. Entretanto, a Grã-Bretanha
não conseguiu impor um tratado unilateral ao Irão e retirou, em 1921, as
suas forças de ocupação. A França instalou-se na Síria e no Líbano após
ter esmagado o Estado de Amir Faysal. Os egípcios, tendo-se revoltado
contra os seus senhores britânicos em 1919, foram reprimidos com grande
dificuldade pelo poder colonial, que acabou por se ver obrigado a
conceder ao Egito um simulacro de independência em 1922. Algo
semelhante aconteceu no Iraque, onde uma revolta armada generalizada
em 1920 obrigou os britânicos a concederem-lhes a autonomia sob uma
monarquia árabe chefiada pelo mesmo Amir Faysal, agora com o título de
rei. Pouco mais de uma década após a Primeira Guerra Mundial, turcos,
iranianos, sírios, egípcios e iraquianos tinham todos alcançado uma certa
medida de independência, ainda que muitas vezes altamente restringida e
gravemente limitada. Na Palestina, os britânicos atuavam segundo um
conjunto diferente de regras.

Em 1922, a nova Sociedade das Nações emitiu o seu Mandato para a


Palestina, que formalizava o governo do país pela Grã-Bretanha. Numa
extraordinária dádiva ao movimento sionista, o Mandato não só
incorporava literalmente o texto da Declaração Balfour como ampliava
substancialmente os compromissos da declaração. O documento começa
com uma referência ao Artigo 22 da Aliança da Sociedade das Nações,
que afirma que para «certas comunidades… a sua existência enquanto
nações independentes pode ser provisoriamente reconhecida». Continua
assumindo um compromisso internacional de defender as disposições da
Declaração Balfour. A clara implicação desta sequência é que apenas um
povo na Palestina deverá ser reconhecido como tendo direitos nacionais: o
povo judeu. Isto entrava em contradição com todos os outros territórios
sob mandato no Médio Oriente, onde o Artigo 22 da aliança se aplicava a
toda a população e se destinava, em última instância, a permitir a esses
países algum tipo de independência.
No terceiro parágrafo do preâmbulo do Mandato, o povo judeu, e
apenas o povo judeu, é descrito como tendo uma ligação histórica à
Palestina. Aos olhos dos redatores, toda a envolvente do país, construída
ao longo de dois mil anos, com as suas aldeias, templos, castelos,
mesquitas, igrejas e monumentos remontando aos períodos otomano,
mameluco, aiúbida, cruzado, abássida, omíada, bizantino e ainda a
períodos anteriores, não pertencia a qualquer povo, ou apenas a grupos
religiosos amorfos. Havia lá pessoas, certamente, mas não tinham história
nem existência coletiva, podendo por isso ser ignoradas. As raízes daquilo
a que o sociólogo israelita Baruch Kimmerling chamou o «politicídio» do
povo palestiniano são claramente visíveis no preâmbulo do Mandato. A
forma mais segura de erradicar o direito de um povo à sua terra é negar a
sua ligação histórica a ela.
Em nenhum dos subsequentes vinte e oito artigos do Mandato é feita
qualquer referência aos palestinianos enquanto povo com direitos
nacionais ou políticos. Na verdade, tal como na Declaração Balfour, as
palavras «árabe» e «palestiniano» não aparecem. As únicas proteções
previstas para a grande maioria da população palestiniana envolviam
direitos pessoais e religiosos e a preservação do statu quo nos locais
sagrados. Por outro lado, o Mandato dispôs os meios essenciais para o
estabelecimento e expansão do lar nacional para o povo judeu, que,
segundo os seus redatores, não estava a ser criado, mas sim
«reconstituído», pelo movimento sionista.
Sete dos vinte e oito artigos do Mandato são dedicados aos privilégios
e facilidades que devem ser alargados ao movimento sionista de modo a
implementar a política do lar nacional (os outros dizem respeito a questões
administrativas e diplomáticas, e o artigo mais longo trata da questão das
antiguidades). O movimento sionista, na sua corporização na Palestina
como Agência Judaica, foi especificamente designado como representante
oficial da população judaica do país, ainda que, antes da imigração em
massa de sionistas europeus dedicados, a comunidade judaica fosse
composta principalmente por judeus religiosos ou mizrahi, que não eram
essencialmente sionistas ou chegavam mesmo a opor-se ao sionismo.
Naturalmente, não foi designado qualquer representante oficial para a
anónima maioria árabe.
O Artigo 2 do Mandato estipulava instituições autónomas; o contexto,
porém, deixa claro que isto se aplicava apenas aos yishuv, como era
designada a população judaica na Palestina, sendo o acesso a essas
instituições constantemente recusado à maioria palestiniana. (Quaisquer
concessões posteriores oferecidas em termos de representação, como a
proposta britânica de uma Agência Árabe, estariam dependentes de uma
representação igual para a minúscula minoria e para a grande maioria,
bem como da aceitação palestiniana dos termos do Mandato, que
invalidavam explicitamente a sua existência – apenas o primeiro dilema
irresolúvel no qual os palestinianos se veriam encurralados.) Instituições
representativas para todo o país, de base democrática e com verdadeiros
poderes, nunca foram sugeridas (em conformidade com a garantia privada
dada por Lloyd George a Weizmann), pois a maioria palestiniana teria
naturalmente votado para acabar com a posição privilegiada do
movimento sionista no seu país.
Uma das disposições cruciais do Mandato foi o Artigo 4, que dava à
Agência Judaica um estatuto quase governamental enquanto «organismo
público», com amplos poderes nas esferas económica e social e a
capacidade de «ajudar e tomar parte no desenvolvimento do país» como
um todo.
Além de tornar a Agência Judaica num dos parceiros do governo do
Mandato, esta disposição permitiu-lhe adquirir estatuto diplomático
internacional, e assim representar formalmente os interesses sionistas
perante a Sociedade das Nações e noutros locais. Essa representação era
normalmente um atributo de soberania, e o movimento sionista tirou
grande partido dela para reforçar a sua posição internacional e agir como
um para-Estado. Mais uma vez, não foram concedidos tais poderes à
maioria palestiniana durante os trinta anos que durou o Mandato, apesar
das repetidas exigências.
O Artigo 6 instava as autoridades do Mandato a facilitar a emigração
judaica e a fomentar o «forte povoamento do território por parte dos
judeus» – uma disposição crucial, dada a importância da demografia e do
controlo da terra ao longo do posterior século de luta entre o sionismo e os
palestinianos. Esta disposição foi a base para um crescimento significativo
da população judaica e para a aquisição de terrenos estrategicamente
localizados que permitiram o controlo da base territorial do país ao longo
da costa, no leste da Galileia e no grande e fértil vale de Marj Ibn ‘Amer,
que os ligava.
O Artigo 7 estipulava uma lei da nacionalidade, a fim de facilitar a
aquisição da nacionalidade palestiniana por parte dos judeus. Esta mesma
lei foi usada para negar a nacionalidade aos palestinianos que tinham
emigrado para as Américas durante o período otomano e desejavam agora
regressar à sua pátria.42 Assim, os imigrantes judeus, independentemente
da sua origem, podiam adquirir a nacionalidade palestiniana, que era,
entretanto, negada aos palestinianos árabes locais que, por acaso, se
encontravam no estrangeiro quando os britânicos assumiram o controlo.
Finalmente, outros artigos permitiam à Agência Judaica controlar ou
estabelecer obras públicas, consentiam que cada comunidade mantivesse
escolas na sua própria língua – o que implicou o controlo por parte da
Agência Judaica de grande parte do sistema escolar dos yishuv – e faziam
do hebraico uma língua oficial do país.
Em suma, o Mandato permitia essencialmente a criação de uma
administração sionista paralela à do governo britânico, encarregado de a
fomentar e apoiar. Este organismo paralelo destinava-se a exercer, para
uma parte da população, muitas das funções de um Estado soberano,
incluindo a representação democrática e o controlo da educação, da saúde,
das obras públicas e da diplomacia internacional. Para gozar de todos os
atributos da soberania, a única coisa que faltava a esta entidade era força
militar. Que viria, a seu tempo.
Para entender completamente a força particularmente destrutiva do
Mandato em relação aos palestinianos, vale a pena regressar ao Artigo 22
da Aliança da Sociedade das Nações e olhar para um memorando
confidencial escrito por Lorde Balfour em setembro de 1919. Para as
regiões anteriormente pertencentes ao Império Otomano, o Artigo 22
reconhecia («provisoriamente») a sua «existência enquanto nações
independentes». O contexto deste artigo em relação ao Médio Oriente
envolvia as repetidas promessas britânicas de independência para todos os
árabes dos domínios otomanos durante a Primeira Guerra Mundial em
troca do seu apoio contra os otomanos, bem como a autodeterminação
proclamada por Woodrow Wilson. Efetivamente, todos os outros
territórios sob mandato no Médio Oriente acabaram por conquistar a
independência (ainda que ambas as potências mandatárias, França e Grã-
Bretanha, tenham distorcido as regras de modo a manter o máximo grau
de controlo durante o maior período de tempo possível).
Só aos palestinianos foram recusados estes benefícios, enquanto
instituições representativas e progressos com vista à autonomia eram
obtidos pela população judaica na Palestina, que era a única a beneficiar
do Artigo 22 da aliança. Durante décadas, oficiais britânicos afirmaram,
de forma dissimulada, mas firme, que a Palestina tinha sido excluída das
promessas de independência árabe feitas em tempos de guerra. Mas
quando excertos relevantes da correspondência Husayn-McMahon foram
revelados pela primeira vez em 1938, o governo britânico viu-se obrigado
a admitir que a linguagem utilizada era, no mínimo, ambígua.43
Como vimos, um dos oficiais mais profundamente envolvido em
privar os palestinianos dos seus direitos foi o Ministro dos Negócios
Estrangeiros britânico, Lorde Arthur Balfour. Um aristocrata reservado e
experiente, antigo primeiro-ministro e sobrinho do conservador Lorde
Salisbury, primeiro-ministro durante um longo período, servira durante
cinco anos como secretário-geral da Grã-Bretanha na Irlanda, a colónia
mais antiga do império, onde era muito odiado, tendo conquistado a
alcunha de «Balfour Sangrento».44 Ironicamente, foi o seu governo que
redigiu a Lei dos Estrangeiros de 1905, destinada principalmente a
impedir os judeus desamparados, em fuga dos pogroms czaristas, de entrar
na Grã-Bretanha. Cínico inveterado, tinha, ainda assim, algumas crenças,
sendo uma delas a utilidade para o Império Britânico, e a retidão moral do
sionismo, causa para a qual foi recrutado por Chaim Weizmann. Apesar
desta crença, Balfour era lúcido quanto às consequências das ações do seu
governo, que outros preferiam fingir que não existiam.
Num memorando confidencial de setembro de 1919 (que só se tornou
do conhecimento público após a sua publicação, mais de três décadas
depois, numa coleção de documentos do período entre guerras45), Balfour
apresentou ao conselho de ministros a sua análise das complicações que a
Grã-Bretanha tinha criado para si mesma no Médio Oriente em resultado
das suas promessas antagónicas. Sobre os múltiplos compromissos
contraditórios dos Aliados – incluindo os incorporados na
correspondência Husayn-McMahon, no Acordo Sykes-Picot e na Aliança
da Sociedade das Nações – Balfour foi mordaz. Após resumir a
incoerência das políticas britânicas na Síria e na Mesopotâmia, avaliou de
forma contundente a situação na Palestina:

A contradição entre a letra da Aliança e a política dos Aliados é ainda mais flagrante no
caso da «nação independente» da Palestina do que no da «nação independente» da Síria.
Pois, na Palestina, não nos propomos sequer a passar pela formalidade de consultar os
desejos dos atuais habitantes do território… As quatro Grandes Potências estão
comprometidas com o sionismo. E o sionismo, esteja certo ou errado, seja bom ou mau,
baseia-se em tradições ancestrais, em necessidades presentes e em esperanças futuras cuja
importância é muito mais profunda do que os desejos e preconceitos dos 700 000 árabes
que hoje habitam nessa terra antiga.
Na minha opinião, isso está certo. O que nunca fui capaz de entender é como pode ser
harmonizado com a declaração, a Aliança ou as instruções à Comissão de Inquérito.
Não penso que o sionismo vá prejudicar os árabes; mas jamais dirão que o querem.
Seja qual for o futuro da Palestina, não é atualmente uma «nação independente», nem está
ainda a caminho de se tornar uma. Seja qual for a consideração que deva ser prestada às
opiniões dos que ali vivem, as Potências, na sua escolha de um mandatário, não pretendem,
tanto quanto eu entendo do assunto, consultá-los. Em suma, no que à Palestina diz respeito,
as Potências não fizeram qualquer declaração de factos que não fosse manifestamente
errada, nem qualquer declaração política que, pelo menos à letra, não tivessem sempre
planeado violar.

Nesta síntese brutalmente franca, Balfour contrapôs as nobres


«tradições ancestrais», «necessidades presentes» e «esperanças futuras»
incorporadas no sionismo aos meros «desejos e preconceitos» dos árabes
na Palestina, «que hoje habitam nessa terra antiga», dando a entender que
a sua população era apenas passageira. Fazendo eco das ideias de Herzl,
Balfour afirmou despreocupadamente que o sionismo não prejudicaria os
árabes, não hesitando, porém, em reconhecer a má-fé e o engano que
caracterizavam as políticas britânicas e aliadas na Palestina. Mas isto não
tem importância. O resto do memorando é um vago conjunto de propostas
que indicam como superar os obstáculos criados por este emaranhado de
hipocrisia e compromissos contraditórios. Os únicos dois pontos fixos na
síntese de Balfour são uma preocupação com os interesses imperiais
britânicos e um compromisso de proporcionar oportunidades ao
movimento sionista. As suas motivações estavam em consonância com as
da maioria dos outros oficiais superiores britânicos envolvidos na criação
da política palestiniana; nenhum deles foi tão honesto sobre as
consequências das suas ações.

Que resultado tiveram estas contraditórias promessas britânicas e


aliadas, e um sistema de mandato feito à medida das necessidades do
projeto sionista, para os árabes da Palestina nos anos entre as guerras? Os
britânicos tratavam os palestinianos com a mesma condescendência
desdenhosa que dedicavam aos outros povos colonizados, de Hong Kong
à Jamaica. Os seus oficiais monopolizavam os cargos de topo no governo
do Mandato, excluindo árabes qualificados;46 censuravam os jornais,
proibiam a atividade política quando os desconcertava, e geriam, de modo
geral, uma administração tão parcimoniosa quanto possível à luz dos seus
compromissos. Tal como no Egito e na Índia, pouco fizeram para
desenvolver a educação, uma vez que a sabedoria colonial convencional
defendia que demasiada educação produzia «nativos» que não sabiam o
seu devido lugar. Relatos em primeira mão desse período estão repletos de
exemplos das atitudes racistas dos funcionários coloniais para com
aqueles que consideravam seus inferiores, mesmo que estivessem a lidar
com profissionais inteligentes que falavam um inglês perfeito.
A experiência na Palestina foi diferente da de grande parte dos outros
povos colonizados nesta época, na medida em que o Mandato trouxe
consigo um afluxo de colonos estrangeiros cuja missão era apoderarem-se
do país. Durante os anos cruciais, entre 1917 e 1939, a imigração judaica e
o «forte povoamento do território por parte dos judeus», decretado pelo
Mandato, avançaram a bom ritmo. As colónias estabelecidas pelo
movimento sionista ao longo da costa da Palestina e noutras regiões férteis
e estratégicas serviram para garantir o controlo de uma rampa de
lançamento territorial para o domínio (e, em última instância, a conquista)
do território, uma vez suficientemente alterado o equilíbrio demográfico,
económico e militar em favor dos yishuv.47 Em pouco tempo, a população
judaica triplicou em relação ao número total de habitantes, passando de
um mínimo de 6 por cento do todo, no final da Primeira Guerra Mundial,
para cerca de 18 por cento, em 1926.
No entanto, apesar da extraordinária capacidade do movimento
sionista de mobilizar e investir capital na Palestina (os afluxos financeiros
a uma economia judaica cada vez mais segregada durante a década de
1920 foram 41,5 por cento superiores ao seu produto interno líquido,48 um
nível espantoso), entre 1926 e 1932, a população judaica deixou de crescer
em proporção à população do país, estagnando entre os 17 e os 18,5 por
cento.49 Alguns destes anos coincidiram com a depressão global, altura
em que os judeus que partiam da Palestina superavam os que chegavam,
tendo os afluxos de capital diminuído acentuadamente. Nessa altura,
parecia que o projeto sionista talvez nunca viesse a atingir a massa crítica
demográfica que faria da Palestina «tão judaica como a Inglaterra é
inglesa», nas palavras de Weizmann.50
Tudo mudou em 1933, com a chegada dos nazis ao poder na
Alemanha, que começaram imediatamente a perseguir e a expulsar a bem
estabelecida comunidade judaica. Com leis de imigração discriminatórias
em vigor nos Estados Unidos, no Reino Unido e noutros países, muitos
judeus alemães não tinham mais nenhum sítio para onde ir a não ser a
Palestina. A ascensão de Hitler revelou-se um dos acontecimentos mais
importantes nas histórias modernas da Palestina e do sionismo. Só em
1935, chegaram à Palestina mais de sessenta mil imigrantes judeus, um
número superior ao de toda a população judaica do país em 1917. A
maioria destes refugiados, principalmente da Alemanha, mas também de
países vizinhos onde a perseguição antissemita estava a intensificar-se,
eram qualificados e cultos. Os judeus alemães foram autorizados a levar
ativos num valor total de cem milhões de dólares, graças ao Acordo de
Transferência celebrado entre o governo nazi e o movimento sionista,
concluído em troca do levantamento de um boicote judeu à Alemanha.51
Durante a década de 1930, a economia judaica na Palestina suplantou
pela primeira vez o setor árabe, e a população judaica aumentou para mais
de 30 por cento do total, em 1939. À luz do rápido crescimento económico
e desta rápida mudança populacional ao longo de apenas sete anos,
combinados com uma considerável expansão das capacidades militares do
movimento sionista, tornou-se evidente para os seus líderes que os núcleos
demográfico, económico, territorial e militar necessários para alcançar o
domínio sobre todo o país, ou sobre a maioria, estariam brevemente
assegurados. Como Ben-Gurion observou na altura: «Uma taxa de
imigração de 60 000 por ano significa um Estado judaico em toda a
Palestina.»52 Muitos palestinianos chegaram a conclusões similares.
Os palestinianos viam-se agora inexoravelmente transformados em
estrangeiros na sua própria terra, tal como ‘Isa al-‘Isa tinha alertado em
tom dramático em 1929. Durante os primeiros vinte anos de ocupação
britânica, a crescente resistência dos palestinianos ao emergente domínio
do movimento sionista encontrara expressão em surtos periódicos de
violência, que ocorriam apesar dos compromissos assumidos junto dos
britânicos por parte da liderança palestiniana, de manter os seus
seguidores na linha. Nas áreas rurais, ataques esporádicos, muitas vezes
descritos pelos britânicos e pelos sionistas como «banditismo», punham
em evidência a fúria popular ante a compra de terrenos pelos sionistas,
que resultava frequentemente na expulsão de camponeses de terras que
consideravam serem suas e que eram a sua fonte de sustento. Nas cidades,
as manifestações contra o domínio britânico e a expansão do para-Estado
sionista tornaram-se maiores e mais combativas no início da década de
1930.
Tentando manter o controlo dos acontecimentos, os notáveis da elite
organizaram uma conferência pan-islâmica, enviando ao mesmo tempo
várias delegações a Londres e coordenando diversas formas de protesto.
Estes líderes, porém, relutantes em confrontar os britânicos tão
abertamente, resistiram aos apelos palestinianos que invocavam um
boicote total às autoridades britânicas e uma greve fiscal. Continuavam
incapazes de ver que a sua tímida abordagem diplomática jamais poderia
convencer qualquer governo britânico a renunciar ao seu compromisso
com o sionismo ou a aquiescer às exigências dos palestinianos.
Consequentemente, estes esforços da elite não conseguiram travar a
marcha do projeto sionista nem promover de qualquer forma a causa
palestiniana. Ainda assim, em resposta à crescente agitação palestiniana, e
principalmente após a eclosão de tumultos violentos, diversos governos
britânicos viram-se obrigados a reexaminar as suas políticas na Palestina.
O resultado foram várias comissões de inquérito e livros brancos. Entre
estes, contam-se a Comissão Hayward em 1920, o Livro Branco de
Churchill em 1922, a Comissão Shaw em 1929, o Relatório Hope-
Simpson em 1930, o Livro Branco de Passfield em 1930, a Comissão Peel
em 1937, e a Comissão Woodhead em 1938. Estes documentos políticos,
porém, recomendavam apenas medidas limitadas para apaziguar os
palestinianos (a maioria das quais eram revogadas pelo governo em
Londres sob pressão dos sionistas) ou propunham um plano de ação que
apenas agravava o seu profundo sentimento de injustiça. O resultado final
foi uma nunca vista explosão violenta a nível nacional na Palestina a partir
de 1936.
A frustração da população palestiniana perante a resposta ineficaz dos
seus líderes ao longo de quinze anos de congressos, manifestações e
reuniões fúteis com obstinados oficiais britânicos acabou por conduzir a
uma enorme revolta popular, que começou com uma greve geral de seis
meses, uma das mais longas da história colonial, lançada espontaneamente
por grupos de jovens militantes urbanos de classe média (muitos deles
membros do Partido Istiqlal) em todo o país. A greve acabou por se
transformar na grande revolta de 1936-39, o acontecimento crucial do
período entre guerras na Palestina.
Nas duas décadas após 1917, os palestinianos tinham sido incapazes
de desenvolver um enquadramento abrangente para o seu movimento
nacional, como o Wafd no Egito, o Partido do Congresso na Índia ou o
Sinn Fein na Irlanda. Nem sequer mantinham uma frente nacional
aparentemente sólida, como alguns dos outros povos que estavam a lutar
contra o colonialismo tinham conseguido fazer. Os seus esforços eram
subvertidos pela natureza hierárquica, conservadora e desunida da
sociedade e da política palestinianas, característica de muitos na região, e
ainda mais debilitados por uma sofisticada política de dividir para reinar
adotada pelas autoridades do Mandato, auxiliadas e instigadas pela
Agência Judaica. Esta estratégia colonial pode ter atingido o auge da sua
perfeição na Palestina, após centenas de anos de maturação na Irlanda, na
Índia e no Egito.
As políticas britânicas destinadas a dividir os palestinianos incluíam
cooptar fações das suas elites, voltando membros da mesma família, como
os Husayni, uns contra os outros, e inventando a partir do nada
«instituições tradicionais» para servirem os seus propósitos. Exemplos
destas criações britânicas foram o cargo de grão-mufti de toda a Palestina
(tradicionalmente, existiam quatro muftis de Jerusalém, não de toda a
Palestina, um para cada rito: Hanafi, Shafi’i, Maliki e Hanbali) e o
Supremo Conselho Muçulmano, para administrar os assuntos da
comunidade muçulmana. Os britânicos tinham nomeado Hajj Amin al-
Husayni como grão-mufti e chefe do conselho após este ter prometido a
Sir Herbert Samuel, durante uma espécie de entrevista de emprego, que
manteria a ordem (o que fez durante quase quinze anos).53 A sua
nomeação serviu dois propósitos. O primeiro consistia em criar uma
estrutura de liderança alternativa ao Executivo Árabe nacionalista dos
congressos palestinianos, liderado pelo primo do mufti, Musa Kazim
Pasha al-Husayni, instigando também assim um atrito entre os dois
homens. O outro visava reforçar a ideia de que, comparada ao povo judeu,
com as suas características nacionais, a população árabe da Palestina não
tinha qualquer natureza nacional, consistindo apenas em comunidades
religiosas. Estas medidas destinavam-se a distrair os palestinianos de
exigirem instituições democráticas representativas em todo o país, de
dividirem o movimento nacional e de impedirem a criação de uma única
alternativa nacional ao Mandato e ao seu protegido sionista.54
Ainda que a tática de dividir para reinar tenha sido bastante bem-
sucedida até meados da década de 1930, a greve geral de seis meses em
1936 constituiu uma explosão popular espontânea a partir das bases que
apanhou os britânicos, os sionistas e a elite da liderança palestiniana de
surpresa, obrigando esta última a pôr de parte as suas divisões, pelo menos
nominalmente. O resultado foi a criação da Alta Comissão Árabe (ACA),
fundada para liderar e representar toda a maioria árabe, embora os
britânicos nunca a tenham reconhecido como representativa. A comissão
era composta integralmente por homens, todos gente de posses e todos
pertencentes à elite palestiniana nas suas alas mercantil, fundiária e de
serviços. A ACA tentou assumir o comando da greve geral, mas,
infelizmente, o seu feito mais importante consistiu em negociar o seu fim,
no outono de 1936, a pedido de vários governantes árabes que estavam a
agir essencialmente por ordem dos seus protetores, os britânicos.
Prometeram à liderança palestiniana que os britânicos iriam dar resposta
às suas queixas.
O dececionante resultado desta intervenção surgiu em julho de 1937,
quando uma Comissão Real sob as ordens de Lorde Peel, encarregada de
investigar os distúrbios na Palestina, sugeriu dividir o país, criando um
pequeno Estado judaico em cerca de 17 por cento do território, do qual
mais de duzentos mil árabes seriam expulsos (o termo expulsão foi
substituído pelo eufemismo «transferência»). Segundo este plano, o
restante território deveria permanecer sob controlo britânico ou ser
entregue ao protegido da Grã-Bretanha, o Emir ‘Abdullah da
Transjordânia, o que, da perspetiva palestiniana, ia dar basicamente ao
mesmo. Mais uma vez, os palestinianos tinham sido tratados como se não
tivessem qualquer existência nacional nem direitos coletivos.
A aceitação por parte da Comissão Peel dos objetivos sionistas básicos
de obtenção do estatuto de Estado e remoção dos palestinianos, ainda que
não em toda a Palestina, combinada com a rejeição do seu fervorosamente
desejado objetivo de autodeterminação, incitou os palestinianos a uma
etapa muito mais combativa da sua insurreição. A revolta armada que
eclodiu em outubro de 1937 varreu o país. Só foi controlada dois anos
depois, através do uso massivo da força, mesmo a tempo de as unidades
militares de elite dos britânicos (por essa altura, havia cem mil soldados
na Palestina, um por cada quatro homens palestinianos adultos) serem
transferidas para combater na Segunda Guerra Mundial. A revolta atingiu
sucessos temporários notáveis, mas acabou por produzir resultados
debilitantes para os palestinianos.
De todos os serviços que a Grã-Bretanha prestou ao movimento
sionista até 1939, o mais valioso foi, talvez, a repressão armada da
resistência palestiniana na sua forma de revolta. A sanguinária guerra
travada contra a maioria do país, que deixou entre 14 e 17 por cento da
população árabe adulta do sexo masculino morta, ferida, presa ou
exilada,55 foi a melhor ilustração das verdades nuas e cruas proferidas por
Jabotinsky sobre a necessidade do uso da força para que o projeto sionista
fosse bem-sucedido. Para esmagar a revolta, o Império Britânico
introduziu duas divisões adicionais de soldados, esquadrões de
bombardeiros e todo o equipamento de repressão que tinha aperfeiçoado
ao longo de muitas décadas de guerras coloniais.56
Os requintes de indiferença e crueldade utilizados iam muito além das
execuções sumárias. Pela posse de uma única bala, Shaykh Farhan al-
Sa’di, um líder rebelde de oitenta e um anos, foi executado em 1937. Sob
a lei marcial em vigor na altura, bastou essa única bala para justificar a
pena capital, especialmente para um guerrilheiro consumado como al-
Sa’di.57 Bem mais de uma centena de sentenças de execução deste tipo
foram aplicadas após julgamentos sumários por tribunais militares, com
muitos mais palestinianos executados no local por tropas britânicas.58
Furiosos por os rebeldes emboscarem os seus transportes e fazerem
explodir os seus comboios, os britânicos começaram a amarrar
prisioneiros palestinianos à frente dos carros blindados e locomotivas a
fim de evitarem ataques rebeldes, tática essa que tinham explorado numa
tentativa fútil de esmagar a resistência dos irlandeses durante a sua guerra
da independência, entre 1919 e 1921.59 As demolições das casas dos
rebeldes presos ou executados, ou de supostos rebeldes e dos seus
familiares, eram rotineiras, outra tática copiada da cartilha britânica
desenvolvida na Irlanda.60 Duas outras práticas imperiais extensamente
utilizadas na repressão dos palestinianos foram a detenção de milhares
sem julgamento e o exílio dos líderes problemáticos.
A reação explosiva à divisão recomendada pela Comissão Peel
culminou no assassinato do comissário distrital para a Galileia, o capitão
Lewis Andrews, em outubro de 1937. Em resposta a este desafio direto à
autoridade britânica, as autoridades do Mandato deportaram praticamente
todos os líderes nacionalistas palestinianos, incluindo o Dr. Husayn al-
Khalidi, autarca de Jerusalém e meu tio. Foi enviado, juntamente com
outros quatro homens (ele e outros dois eram membros da ACA), para as
Ilhas Seicheles, um local isolado no Oceano Índico que era
frequentemente escolhido pelo Império Britânico para exilar adversários
nacionalistas.61 Os homens foram mantidos num complexo fortemente
vigiado durante dezasseis meses, privados de visitas e de contacto com o
exterior. Os seus companheiros de prisão nas Seicheles incluíam líderes
políticos de Áden, no Iémen, e de Zanzibar. Outros líderes palestinianos
foram exilados para o Quénia ou para a África do Sul, enquanto alguns,
incluindo o mufti, conseguiram escapar e seguiram para o Líbano. Outros
ainda foram confinados, geralmente sem julgamento, a mais de uma dúzia
daquilo a que os próprios britânicos chamavam «campos de
concentração», nomeadamente no de Sarafand. Entre eles, encontrava-se
outro tio meu, Ghalib, que, tal como o seu irmão mais velho, estava
envolvido em atividades nacionalistas consideradas antibritânicas.
Mesmo antes da sua prisão e exílio, Husayn al-Khalidi, que tinha
servido na ACA e como autarca eleito de Jerusalém durante três anos
antes de ser removido pelos britânicos, encontrou-se com o major-general
Sir John Dill, o oficial que comandava as forças britânicas na Palestina.
Nas suas memórias, o meu tio lembra-se de dizer ao general que a única
forma de acabar com a violência era responder a algumas das exigências
palestinianas, nomeadamente acabar com a imigração judaica. Qual seria
o efeito de prender os líderes árabes? Era o que Dill queria saber. Uma
importante figura árabe tinha-lhe dito que essas detenções acabariam com
a revolta em dias ou semanas. O meu tio esclareceu-o: a revolta só iria
acelerar e descontrolar-se. Era a Agência Judaica que queria as detenções,
e al-Khalidi sabia que o Gabinete Colonial estava a pensar nisso, mas
resolver a questão palestiniana não seria assim tão simples.62
O meu tio estava certo. Nos meses posteriores ao seu exílio e às
detenções em massa de outros, a revolta entrou na sua fase mais intensa, e
as forças britânicas perderam o controlo de várias zonas urbanas e de
grande parte das áreas rurais, que foram tomadas e governadas pelos
rebeldes.63 Nas palavras do sucessor de Dill, o tenente-general Robert
Haining, em agosto de 1938: «A situação era tal que a administração civil
do país era, para todos os efeitos práticos, inexistente.»64 Em dezembro,
Haining comunicou ao Departamento de Guerra que «praticamente todas
as aldeias do país albergam e apoiam os rebeldes, e ajudarão a esconder a
sua identidade das Forças Governamentais».65 Foi necessária toda a força
do Império Britânico, que só pôde ser libertada quando mais soldados
ficaram disponíveis após o Acordo de Munique em 1938, e quase mais um
ano de combates ferozes, para extinguir a insurreição palestiniana.
Membros da Alta Comissão Árabe exilados nas Ilhas Seicheles, 1938.
O Dr. Husayn está sentado à esquerda.

Entretanto, tinham surgido profundas diferenças entre os Palestinianos.


Alguns, alinhados com o Emir ‘Abdullah da Jordânia, congratularam-se
discretamente com a recomendação de divisão da Comissão Peel, uma vez
que favorecia a anexação à Transjordânia da parte da Palestina que não ia
ser transformada no novo Estado judaico. A maioria dos palestinianos,
porém, opunha-se fortemente a todos os aspetos das recomendações –
tanto à divisão do seu país como à instauração de um Estado judaico, por
mais pequeno que fosse, e à expulsão desse Estado da maioria da sua
população árabe. Depois disso, e enquanto a revolta atingia o seu auge em
finais de 1937 e inícios de 1938, seguiu-se um conflito ainda mais intenso
e destrutivo entre os palestinianos, na sequência de uma amarga cisão
entre os leais ao mufti, que rejeitavam qualquer compromisso com os
britânicos, e os seus opositores, liderados pelo antigo autarca de Jerusalém
Raghib al-Nashashibi, que eram mais conciliadores. Na opinião de ‘Isa
al-‘Isa, as disputas interpalestinianas, que resultaram em centenas de
assassinatos em finais da década de 1930, minaram gravemente as forças
dos palestinianos. Ele próprio foi forçado a exilar-se em Beirute em 1938,
após a sua esposa ter sido ameaçada e a sua casa em Ramla queimada,
com a perda de todos os seus livros e documentos. Foi, sem dúvida, obra
dos homens do mufti, e algo que o deixou profundamente amargurado.66
Se, inicialmente, a revolta «era dirigida contra os ingleses e os judeus»,
escreveu ele, tinha-se «transformado numa guerra civil, em que métodos
de terrorismo, pilhagem, roubo, incêndio e homicídio se tornaram
comuns».67

Apesar dos sacrifícios realizados – que podem ser aferidos a partir do


grande número de palestinianos que foram mortos, feridos, presos ou
exilados – e do sucesso momentâneo da revolta, as consequências para os
palestinianos foram quase na totalidade negativas. A brutal repressão
britânica, a morte e o exílio de tantos líderes e o conflito nas suas fileiras
deixaram os palestinianos divididos, sem orientação e com a sua economia
debilitada no momento em que a revolta foi esmagada, no verão de 1939.
Isto colocou os palestinianos numa posição muito fraca para enfrentar o
agora revigorado movimento sionista, que fora ganhando forças durante a
revolta, obtendo abundantes quantidades de armas e um intenso treino por
parte dos britânicos para o ajudar a reprimir a insurreição.68
Contudo, enquanto nuvens de guerra pairavam sobre a Europa em
1939, novos e decisivos desafios globais impostos ao Império Britânico
combinaram-se com o impacto da Revolta Árabe, suscitando uma grande
mudança na política londrina, longe do seu anterior apoio total ao
sionismo. Ainda que os sionistas estivessem encantados com a derrota
decisiva infligida pela Grã-Bretanha à resistência palestiniana, esta nova
mudança colocou os seus líderes perante uma situação crítica. À medida
que a Europa se aproximava inexoravelmente de outra guerra mundial, os
britânicos sabiam que, tal como o anterior, também esse conflito seria
travado parcialmente em solo árabe. Era agora imperativo, em termos de
interesses estratégicos nucleares imperiais, melhorar a imagem da Grã-
Bretanha e apaziguar a fúria nos países árabes e no mundo islâmico ante a
violenta repressão da Grande Revolta, sobretudo porque essas áreas
estavam a ser inundadas com propaganda do Eixo sobre as atrocidades
britânicas na Palestina. Um relatório de janeiro de 1939, recomendando ao
conselho de ministros uma mudança de rumo na Palestina, salientava a
importância de «conquistar a confiança do Egito e dos Estados árabes
vizinhos».69 O relatório incluía um comentário do Secretário de Estado
para a Índia, que dizia que «o problema da Palestina não é apenas um
problema árabe, estando rapidamente a transformar-se num problema pan-
islâmico»; avisou que, se o «problema» não fosse devidamente resolvido,
«devem recear-se graves problemas na Índia».70
Após o fracasso de uma conferência realizada na primavera de 1939
no Palácio de St. James em Londres, envolvendo representantes dos
palestinianos, dos sionistas e dos Estados árabes, o governo de Neville
Chamberlain emitiu um Livro Branco numa tentativa de apaziguar a
indignada opinião dos palestinianos, dos árabes e dos muçulmanos
indianos. Este documento apelava a uma severa redução dos
compromissos dos britânicos para com o movimento sionista. Propunha
limites rígidos para a imigração judaica e as vendas de terrenos (duas das
grandes exigências árabes) e prometia instituições representativas no
prazo de cinco anos e a autodeterminação em menos de dez (as exigências
mais importantes). Embora a imigração tenha efetivamente sido
restringida, nenhuma das outras disposições foi totalmente
implementada.71 Além disso, as instituições representativas e a
autodeterminação ficaram dependentes da aprovação de todas as partes,
algo que a Agência Judaica jamais daria a um acordo que impediria a
criação de um Estado judaico. As minutas da reunião do conselho de
ministros do dia 23 de fevereiro de 1939 deixam clara a intenção da Grã-
Bretanha de negar a substância destas duas concessões cruciais aos
palestinianos, pois o movimento sionista teria um efetivo poder de veto,
que obviamente iria utilizar.72
Os palestinianos podiam ter obtido uma vantagem, ainda que ligeira,
se tivessem aceitado o Livro Branco de 1939, apesar das falhas que este
apresentava segundo a sua perspetiva. Husayn al-Khalidi, por exemplo,
não acreditou que o governo britânico fosse sincero em nenhuma das suas
promessas.73 Afirmou acidamente ter sabido na conferência do Palácio de
St. James, tendo sido retirado do exílio nas Seicheles para a ela assistir,
que a Grã-Bretanha «nunca pretendeu seriamente, nem por um único
momento, ser fiel às suas promessas». Desde as primeiras sessões que
ficou claro para ele que a conferência era uma forma «de ganhar tempo e
de drogar os árabes, nem mais nem menos… de agradar aos árabes para
que parassem com a sua revolução», e de dar aos britânicos «tempo para
recuperar o fôlego num momento em que as nuvens de guerra se
aproximavam».74 Ainda assim, acabou por dar uma resposta flexível e
positiva ao Livro Branco, tal como outros líderes palestinianos, como
Musa al-‘Alami e Jamal al-Husayni, o primo do mufti.75 No final, porém,
o mufti, após ter indicado que estava inclinado para a aceitação, insistiu
numa recusa total, e a sua posição prevaleceu. Após a conferência do
Palácio de St. James, os britânicos enviaram novamente Husayn al-
Khalidi para o exílio, desta vez no Líbano. Ao ver como a revolta tinha
degenerado face à enorme repressão britânica e como era terrível a
situação na Palestina, defendeu que parassem com a resistência. Mas
também aqui as suas opiniões foram rejeitadas.76
Em todo o caso, era já demasiado tarde. O governo de Chamberlain
tinha apenas alguns meses de serviço pela frente quando emitiu o Livro
Branco, a Grã-Bretanha entrou em guerra passado muito pouco tempo, e
Winston Churchill, que sucedeu a Chamberlain no cargo de primeiro-
ministro, era talvez o mais fervoroso sionista da vida pública britânica. E,
mais importante, com a transformação da Segunda Guerra Mundial num
conflito verdadeiramente global, devido à invasão da União Soviética
pelos nazis e à entrada dos Estados Unidos na guerra depois de Pearl
Harbor, estava prestes a nascer um novo mundo em que a Grã-Bretanha
seria, na melhor das hipóteses, uma potência de segunda classe. O destino
da Palestina deixaria de estar nas suas mãos. Mas, tal como Dr. Husayn
observou com amargura, por essa altura já a Grã-Bretanha tinha mais do
que cumprido o seu dever para com o seu protegido sionista.
Olhando retrospetivamente para os seus três volumes de memórias,
escritos em Beirute em 1949 (durante um dos muitos períodos de exílio
que suportou), o meu tio acreditava que o principal problema enfrentado
pelos palestinianos durante o Mandato tinham sido os britânicos.77
Lamentava a má-fé e a incompetência dos líderes dos Estados árabes, e
dirigia críticas equilibradas e maioritariamente consistentes aos fracassos
da liderança palestiniana, incluindo por vezes os seus. Via claramente o
impacto da resoluta concentração do movimento sionista no domínio
completo da Palestina, bem como a competência e a pura audácia
enganosa dos seus líderes, muitos dos quais conhecia pessoalmente. Mas,
tal como a maioria da sua geração e classe, Dr. Husayn reservava a sua
verdadeira bílis para os britânicos e para a sua hostilidade para com os
palestinianos.
Conhecia bem muitos dos seus oficiais – servira como oficial médico
superior às ordens da administração do Mandato antes de se tornar autarca
de Jerusalém. Posteriormente, lidou com eles como negociador na
conferência do Palácio de St. James em 1939, e depois em Jerusalém,
durante os combates de 1947-48, sendo então um dos poucos líderes
palestinianos a permanecer na cidade santa (muitos encontravam-se ainda
no exílio decretado pelos britânicos). Aparentemente, dava-se bem com
alguns oficiais britânicos, e o inglês que aprendera na anglicana St.
George’s School, em Jerusalém, e na Universidade Americana de Beirute
foram-lhe muito úteis nas suas interações com eles, mas o seu
ressentimento face à hipocrisia, à altivez e à duplicidade do oficialismo
britânico em geral era infinito.78 Considerava T. E. Lawrence («da
Arábia») um exemplo perfeito da perfídia britânica (embora tivesse o
cuidado de contrapor à franca descrição de Lawrence em Os Sete Pilares
da Sabedoria, relativa à sua deceção e às traições dos árabes, a
honestidade e a retidão dos professores e missionários britânicos que
conhecera em Jerusalém antes da guerra).79
Era o seu apoio consistente aos sionistas que mais enfurecia o Dr.
Husayn. Ainda que os oficiais britânicos na Palestina ficassem
convencidos dos múltiplos e insustentáveis custos de manter a muralha de
ferro para proteger o projeto sionista (cujos líderes se mostravam muitas
vezes ingratos por tudo o que por eles era feito), as suas recomendações
eram quase sempre anuladas em Londres. Pelo menos até 1939, os
sionistas conseguiram colocar os seus apoiantes, ou às vezes os seus
líderes, como o formidável Chaim Weizmann, ao lado dos principais
decisores britânicos em Whitehall, alguns dos quais eram também
fervorosos sionistas. Dr. Husayn observa causticamente que, quando as
comissões oficiais britânicas chegavam à Palestina para investigar a
situação nas décadas de 1920 e 1930, quaisquer conclusões a que
chegassem e que fossem favoráveis aos árabes eram contrariadas por
grupos de pressão sionistas, em Londres, onde imperava um
extraordinário grau de intimidade entre os líderes sionistas e as mais altas
figuras políticas britânicas.80
‘Isa al-‘Isa também escreveu as suas memórias no exílio em Beirute,
pouco tempo após a guerra de 1948. A sua visão do período entre guerras
diverge em muitos aspetos da do meu tio. Ao contrário do Dr. Husayn,
al-‘Isa, tinha-se desentendido amargamente com o mufti após o relatório
da Comissão Peel em 1937, e sofreu pessoalmente com a posterior cisão
na liderança palestiniana. Se, na opinião de al-‘Isa, esta divisão interna
prejudicava gravemente os palestinianos, o mesmo acontecia com as
relações sociais retrógradas e a falta de educação entre os árabes, e acima
de tudo com o foco inabalável dos sionistas, apoiados pelos britânicos, em
suplantar a população nativa, tema sobre o qual tinha vindo a escrever
eloquentemente há várias décadas. Não tinha qualquer amor pelos
britânicos, nem eles por ele, mas, na sua análise, o problema central era o
sionismo, agravado pela fraqueza palestiniana e árabe. Apropriadamente,
as suas críticas em poesia e prosa aos governantes árabes a partir de 1948
foram cáusticas, e as suas descrições deles, principalmente de Emir
‘Abdullah, estão longe de ser elogiosas.
Duas outras coisas devem ainda ser ditas, em jeito de conclusão, sobre
a revolta e a sua repressão pelos britânicos. A primeira é que demonstrou
a perspicácia de Ze’ev Jabotinsky e a ilusão de muitos oficiais britânicos.
O empreendimento colonial dos sionistas, que aspirava a assumir o
controlo do país, tinha necessariamente de gerar resistência. «Se queremos
colonizar uma terra onde já vivem pessoas», escreveu Jabotinsky em
1925, «temos de arranjar uma guarnição para o território, ou de encontrar
um benfeitor que a providencie por nós… O sionismo é um
empreendimento de colonização e depende, portanto, da questão das
forças armadas.»81 Pelo menos inicialmente, só as forças armadas
disponibilizadas pela Grã-Bretanha podiam vencer a resistência natural
dos que estavam a ser colonizados.
Muito antes, já a Comissão King-Crane, enviada em 1919 pelo
presidente Woodrow Wilson para determinar os desejos dos povos da
região, chegara a conclusões similares às de Jabotinsky. Informados por
representantes do movimento sionista de que este «ansiava por uma
expropriação praticamente total dos atuais habitantes não judeus da
Palestina» durante o processo de transformação da Palestina num Estado
judaico, os comissários reportaram que nenhum dos especialistas militares
que tinham consultado «acreditava que o programa sionista pudesse ser
levado a cabo a não ser pela força das armas», entendendo todos eles que
seria necessária uma força de «no mínimo 50 000 soldados» para executar
este programa. Os britânicos acabaram por precisar de mais do dobro
desse número de tropas para triunfar sobre os palestinianos entre 1936 e
1939. Numa carta de acompanhamento enviada a Wilson, os comissários
alertavam previdentemente para o facto de que «se o governo americano
decidir apoiar a criação de um Estado judaico na Palestina, estará a
comprometer o povo americano com o uso da força nessa região, uma vez
que só à força pode um Estado judaico na Palestina ser implantado ou
mantido».82 A comissão previu, pois, corretamente o curso do século
seguinte.
O segundo ponto é que tanto a revolta e a sua repressão como a
consequente implantação com sucesso do projeto sionista resultaram
direta e inevitavelmente das políticas traçadas na Declaração Balfour, e da
implementação tardia da declaração de guerra que as palavras de Balfour
incorporavam. Balfour não achava que o sionismo fosse «prejudicar os
árabes», e inicialmente parecia acreditar que não haveria qualquer reação
significativa à tomada do seu país pelos sionistas. Mas, nas palavras de
George Orwell, «mais tarde ou mais cedo, uma falsa crença embate contra
a realidade sólida, geralmente num campo de batalha»,83 e foi
precisamente isso que aconteceu no campo de batalha da Grande Revolta,
para eterno prejuízo dos palestinianos.

A partir de 1917, os palestinianos deram por si numa situação


delicada, que pode ter sido única na história da resistência aos
movimentos coloniais de povoamento. Ao contrário da maioria dos outros
povos que caíram sob domínio colonial, tiveram de lutar não só com o
poder colonial na metrópole, neste caso Londres, mas também com um
singular movimento colonial de povoamento que, apesar de depender da
Grã-Bretanha, era independente dela, tendo a sua própria missão nacional,
uma sedutora justificação bíblica e uma sólida base internacional e de
financiamento. De acordo com o oficial britânico responsável pela área de
«Migração e Estatísticas», não era o governo britânico «a potência
colonizadora aqui; é o povo judeu a potência colonizadora.»84 A agravar a
situação, havia ainda o facto de a Grã-Bretanha não governar diretamente
a Palestina; fazia-o como potência mandatada pela Sociedade das Nações.
Estava, pois, vinculada não só à Declaração Balfour, mas também ao
compromisso internacional assumido no Mandato para a Palestina de
1922.
Uma e outra vez, as manifestações de profunda insatisfação por parte
dos palestinianos, na forma de protestos e distúrbios, levaram os
administradores britânicos no local e em Londres a recomendarem
alterações de política. A Palestina não era, porém, uma colónia da coroa
nem qualquer outro tipo de propriedade colonial onde o governo britânico
tinha a liberdade de agir como quisesse. Se parecesse que a pressão
palestiniana poderia obrigar a Grã-Bretanha a violar a letra ou o espírito
do Mandato, gerava-se uma intensa pressão na Comissão de Mandatos
Permanentes da Sociedade das Nações em Genebra, a fim de lhe recordar
as suas obrigações globais para com os sionistas.85 Graças à fidelidade da
Grã-Bretanha a estas obrigações, em finais da década de 1930 era já
demasiado tarde para reverter a transformação do país ou alterar o
desigual equilíbrio de forças que se desenvolvera entre os dois lados.
A grande desvantagem inicial com que os palestinianos se debatiam
foi agravada pelos enormes investimentos de capital, pelo trabalho árduo,
pelas sofisticadas manobras legais, pela intensa pressão, pela propaganda
eficaz e pelos recursos militares abertos e secretos da organização sionista.
As unidades armadas dos colonizadores judeus tinham-se desenvolvido de
forma semiclandestina, até que os britânicos permitiram ao movimento
sionista comandar abertamente formações militares para fazer face à
revolta árabe. Nesta fase, o conluio entre a Agência Judaica e as
autoridades do Mandato atingiu o seu auge. Existe um consenso entre os
historiadores imparciais de que este conluio, apoiado pela Sociedade das
Nações, comprometeu gravemente quaisquer possibilidades de sucesso na
luta dos palestinianos pelas instituições representativas, autodeterminação
e independência a que acreditavam ter direito.86
O que poderiam os palestinianos ter feito para sair desta situação
delicada é uma questão impossível de responder. Houve quem
argumentasse que deviam ter abandonado a abordagem legalista preferida
pelos seus líderes conservadores de montar manifestações vazias e enviar
delegações infrutíferas a Londres, para apelar à boa-vontade e à
«imparcialidade» britânicas. Em vez disso, segundo sugere esta tese,
deviam ter rompido totalmente com os britânicos, recusando-se a cooperar
com o Mandato (tal como o Partido do Congresso tinha feito com o Raj na
Índia ou o Sinn Fein com os britânicos na Irlanda), e, se tudo o resto
falhasse, deviam ter seguido o caminho dos seus vizinhos árabes e
envergado as armas muito mais cedo do aquilo que acabaram por fazer.87
Em todo o caso, tinham muito poucas boas opções face à poderosa tríade
da Grã-Bretanha, do movimento sionista e do Mandato da Sociedade das
Nações. Além disso, não tinham verdadeiros aliados, além do apoio da
amorfa e incipiente opinião pública árabe, que estava já solidamente com
eles mesmo antes de 1914, passando a estar ainda mais à medida que
avançava o período que decorreu entre uma e outra guerra. Nenhum país
árabe (exceto a Arábia Saudita e o Iémen) gozava, porém, de plena
independência; na verdade, estavam todos ainda, em grande medida, sob o
domínio dos britânicos e dos franceses, e nenhum deles tinha instituições
plenamente democráticas, capazes de permitir que esta opinião pró-
palestiniana se pudesse expressar plenamente.
Quando os britânicos deixaram a Palestina em 1948, não foi necessário
criar o aparelho de um Estado judaico ab novo. Esse aparelho estava já, na
verdade, a funcionar sob a égide britânica há décadas. A única coisa que
faltava para fazer do sonho profético de Herzl uma realidade era que este
para-Estado instalado mostrasse a sua força militar contra os palestinianos
enfraquecidos, obtendo ao mesmo tempo a soberania formal, o que
aconteceu em maio de 1948. O destino da Palestina fora, pois, decidido
trinta anos antes, ainda que o desenlace só tenha surgido mesmo no final
do Mandato, quando a sua maioria árabe foi finalmente expropriada à
força.
2

A Segunda Declaração
de Guerra, 1947-1948

A divisão, tanto em princípio como em substância,


só pode ser entendida como uma solução antiárabe.
– Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina,
Relatório Minoritário1

Alguns meses antes de morrer, em 1968, o meu pai, sentindo que lhe
restava pouco tempo, sentou-se comigo na nossa sala de jantar e falou-me
de uma mensagem que lhe tinham pedido para entregar duas décadas
antes. Eu era então um estudante universitário de dezanove anos; ele
mandou-me ouvir com atenção.
Em 1947, o meu pai, Ismail Raghib al-Khalidi, regressou à Palestina
pela primeira vez em oito anos. Tinha partido no outono de 1939 para
estudar na Universidade do Michigan e depois na Universidade de
Columbia em Nova Iorque, e permanecera nos Estados Unidos durante a
Segunda Guerra Mundial, a trabalhar no Gabinete de Informação de
Guerra como radialista em língua árabe para o Médio Oriente. Durante a
guerra, a minha avó, em Jafa, ficava acordada até depois da meia-noite a
ouvir rádio para poder escutar o seu filho mais novo, que não via há anos.2
Aquando da sua visita à Palestina, trabalhava como secretário para o
recém-formado Instituto Árabe-Americano (a minha mãe, de
nacionalidade libanesa, também trabalhava lá – foi aí que os meus pais se
conheceram).3 O instituto tinha sido criado por um grupo de notáveis
árabes-americanos sob a direção do professor Philip Hitti, de Princeton,
para consciencializar os americanos quanto à situação na Palestina,4 e uma
digressão pelo Médio Oriente para apresentar o seu trabalho aos líderes
dos novos Estados árabes independentes levara o meu pai a Jerusalém.5
O seu irmão, Dr. Husayn Fakhri al-Khalidi, antigo autarca de
Jerusalém, era vinte anos mais velho. Tendo em conta a idade avançada do
seu pai e o prestígio de Dr. Husayn, Ismail e três outros irmãos mais
novos, Ghalib, Fatima e Ya’coub, tinham sido entregues ao seu cuidado,
sendo Dr. Husayn quem controlava a disciplina, o dinheiro e outras
questões.6 Outro irmão mais velho, Ahmad, que era um educador e
escritor amplamente reconhecido, além de diretor do Colégio Árabe em
Jerusalém, estava encarregado da sua educação. Apesar da diferença de
vinte anos e da reputação de severidade de Dr. Husayn, ele e o meu pai
eram próximos, tal como é evidenciado pela sua correspondência durante
o período em que Husayn esteve prisioneiro dos britânicos nas Ilhas
Seicheles. Em diários escritos enquanto estava no exílio, Dr. Husayn
queixa-se, a determinada altura, do execrável inglês de uma carta que
recebera do meu pai («a sua escrita é terrível») e espera que estudar na
Universidade Americana de Beirute ajude a melhorá-lo. Melhorou.7
Fotografias mostram que Dr. Husayn era um homem digno e de aspeto
formidável, mas, em finais da década de 1940, estava desgastado, e muito
mais magro do que era antes dos seus quase sete anos de encarceramento e
exílio (perdeu onze quilos durante a sua estadia nas Seicheles). Sendo um
dos poucos líderes árabes ainda em Jerusalém em finais de 1947, um
período de grande crise para os palestinianos, estava intensamente
ocupado. Ainda assim, chamou o seu irmão mais novo, e o meu pai
respondeu com celeridade.

Ismail al-Khalidi, a transmitir para o Médio Oriente ao serviço das Nações


Unidas.

Dr. Husayn sabia que Ismail ia viajar para Amã a pedido do Instituto
Árabe-Americano para ver o rei ‘Abdullah da Transjordânia, e queria
enviar-lhe uma mensagem pessoal, mas oficial. Ao ouvir o seu conteúdo,
o meu pai empalideceu. Em nome de Dr. Husayn e da Alta Comissão
Árabe, da qual era secretário, Ismail devia dizer ao rei que, embora
agradecessem a sua oferta de «proteção» (o termo utilizado fora o árabe
wisaya, literalmente «tutela» ou «tutoria»), os palestinianos não podiam
aceitar. O sentido implícito da mensagem era que, se os palestinianos
conseguissem escapar ao jugo britânico, não queriam submeter-se ao da
Jordânia (o que, dada a profunda influência britânica em Amã, ia
basicamente dar ao mesmo). Aspiravam a controlar o seu próprio destino.
O meu pai protestou debilmente, dizendo que transmitir essa tão
desagradável notícia arruinaria a sua visita, que se destinava a obter o
apoio do rei perante o trabalho do Instituto Árabe-Americano. Dr. Husayn
interrompeu-o. Outros emissários tinham levado repetidamente a mesma
mensagem ao rei ‘Abdullah, mas ele recusara-se a ouvir. Dada a
importância dos laços familiares, ver-se-ia obrigado a acreditar nela se
viesse do próprio irmão do Dr. Husayn. Secamente, disse a Ismail para
fazer o que lhe fora pedido e acompanhou-o ao exterior do seu escritório.
O meu pai partiu de coração pesado. O respeito pelo seu irmão mais velho
obrigava-o a transmitir a mensagem, mas sabia que a sua visita a Amã não
ia acabar bem.
O rei ‘Abdullah recebeu o seu convidado e ouviu educadamente, ainda
que sem grande interesse, a entusiástica descrição de Ismail de como o
Instituto Árabe-Americano estava a trabalhar no sentido de alterar a
opinião americana sobre a Palestina, que, mesmo nessa altura, era
esmagadoramente pró-sionista e essencialmente desconhecedora da causa
palestiniana. Durante décadas, o rei tinha associado a sua sorte à da Grã-
Bretanha, que subsidiava o seu trono, pagava e equipava as suas tropas e
fornecia oficiais à sua Legião Árabe. Em contraste, os Estados Unidos
pareciam distantes e insignificantes, e o rei parecia manifestamente pouco
impressionado. Tal como a maioria dos governantes árabes da época, não
soube apreciar o papel dos Estados Unidos nos assuntos mundiais do pós-
guerra.
Tendo cumprido a parte principal da sua missão, o meu pai transmitiu
então, de forma hesitante, a mensagem que Dr. Husayn lhe tinha confiado.
No rosto do rei, viram-se raiva e surpresa, e, bruscamente, levantou-se,
obrigando todos os presentes na sala a levantarem-se também. A audiência
terminara. Nesse exato momento, entrou um criado, anunciando que a
BBC tinha acabado de transmitir a notícia da decisão da Assembleia Geral
da ONU a favor da divisão da Palestina. Acontece que o encontro do meu
pai com o rei coincidira com a histórica votação da assembleia, no dia 29
de novembro de 1947, sobre a Resolução 181, que previa a divisão. Antes
de sair da sala, o rei virou-se para o meu pai e disse friamente: «Os
palestinianos recusaram a minha oferta. Merecem o que lhes acontecer.»

O que aconteceu é, claro, hoje sobejamente conhecido. No verão de


1949, já a constituição política palestiniana tinha sido devastada e grande
parte da sua sociedade desenraizada. Cerca de 80 por cento da população
árabe do território que, no final da guerra, se tornou no novo Estado de
Israel tinha sido expulsa das suas casas e perdido as suas terras e
propriedades. Pelo menos 720 000 dos 1,3 milhões de palestinianos
tornaram-se refugiados. Graças a esta violenta transformação, Israel
passou a controlar 78 por cento do território do antigo Mandato da
Palestina, e governava agora os 160 000 árabes palestinianos que tinham
podido ficar, menos de um quinto da população árabe que existia antes da
guerra. Esta perturbação sísmica – a Nakba, ou Catástrofe, como os
palestinianos lhe chamam – baseada na derrota da Grande Revolta em
1939 e desejada pelo futuro Estado sionista, foi também causada por
fatores claramente visíveis na história que o meu pai me contou: a
interferência estrangeira e as ferozes rivalidades inter-árabes. Estes
problemas foram agravados pelas espinhosas divergências internas
palestinianas que perduraram após a derrota da revolta, e pela ausência de
instituições estatais palestinianas modernas. Contudo, a Nakba só acabou
por ser possível devido às enormes mudanças globais durante a Segunda
Guerra Mundial.
O eclodir da guerra em 1939 pôs fim à querela sobre o Livro Branco
britânico e trouxe uma relativa calma após os tumultos da revolta. Ainda
assim, durante três anos, até às batalhas de El Alamein e de Estalinegrado
no outono de 1942, o perigo da chegada de Panzers nazis a partir da Líbia
ou através do Cáucaso esteve sempre presente. A imigração judaica
abrandou significativamente em resultado do Livro Branco e das
condições de guerra, enquanto os líderes sionistas, furiosos com o que
entendiam como um abandono por parte de Whitehall dos seus
compromissos para com o sionismo, procuravam sagazmente engendrar
um realinhamento diplomático longe da Grã-Bretanha e voltado para
novos patronos. Durante esta trégua, no entanto, os sionistas puderam
continuar a desenvolver as suas capacidades militares. Sob pressão do
movimento sionista e com o apoio do primeiro-ministro britânico Winston
Churchill, foi formado em 1944 um Grupo de Brigadas Judaicas no
exército britânico, proporcionando às já consideráveis forças militares
sionistas treino e experiência de combate e oferecendo-lhes uma vantagem
vital no conflito que se avizinhava.
Em contraste, e apesar de um crescimento súbito na Palestina durante
o período de guerra ter permitido alguma recuperação dos danos causados
pela revolta à economia árabe, os palestinianos continuavam politicamente
fragmentados, com muitos dos seus líderes ainda no exílio ou detidos
pelos britânicos, e não conseguiram preparar-se adequadamente para a
tempestade que se aproximava. Mais de doze mil árabes palestinianos
alistaram-se voluntariamente no exército britânico durante a Segunda
Guerra Mundial (enquanto muitos outros, como o meu pai, realizaram
trabalhos de guerra para os Aliados), mas, ao contrário dos soldados
judeus da Palestina, nunca formaram uma única unidade, e não havia
nenhum para-Estado palestiniano para tirar partido da experiência que
tinham acumulado.8
O final da guerra mundial trouxe consigo uma nova fase do assalto
colonial à Palestina, lançada pela chegada ao Médio Oriente de duas
grandes potências que anteriormente tinham pequenos papéis a nível
regional: os Estados Unidos e a URSS. Um império que nunca
reconhecera totalmente a sua natureza colonial, e cujo domínio se
encontrava restrito às Américas e ao Pacífico, depois de Pearl Harbor, os
Estados Unidos tornaram-se subitamente não só uma potência mundial,
mas a principal. A partir de 1942, navios, soldados e bases americanas
começaram a chegar ao Norte de África, ao Irão e à Arábia Saudita. Não
mais partiram do Médio Oriente desde então. Entretanto, a URSS, que se
tinha voltado para o interior após a revolução bolchevique, espalhando a
sua ideologia, mas evitando projetar a sua força, tinha o maior exército de
terra do mundo em resultado da guerra, viria a libertar metade da Europa
dos nazis e foi-se tornando cada vez mais assertiva no Irão, na Turquia e
noutras regiões a sul.
Liderado pela figura política dominante dos yishuv, David Ben-
Gurion, o movimento sionista previu, de modo prudente, a mudança no
equilíbrio global do poder. O acontecimento crucial neste realinhamento
foi a proclamação, em 1942, numa importante conferência sionista
realizada no Hotel Biltmore, em Nova Iorque, do chamado Programa
Biltmore.9 Pela primeira vez, o movimento sionista apelava abertamente à
transformação de toda a Palestina num Estado judaico: a exigência exata
era que «a Palestina fosse estabelecida como uma Comunidade Judaica».
Tal como «lar nacional», tratava-se de outro circunlóquio para o controlo
total por parte dos judeus de toda a Palestina, um país com uma maioria
árabe de dois terços.10 Não foi por acaso que este ambicioso programa foi
proclamado nos Estados Unidos, e nomeadamente em Nova Iorque, que
era e continua a ser a cidade com a maior população judaica do mundo.
Não tardou a que o movimento sionista tivesse mobilizado muitos
políticos americanos e grande parte da opinião pública em torno deste
objetivo. Isso resultou tanto dos incessantes e eficazes esforços de
relações públicas deste movimento, que os palestinianos e os novos
Estados árabes foram incapazes de igualar, como do horror generalizado
ante a revelação da destruição de grande parte dos judeus europeus por
parte dos nazis no Holocausto.11 Após o presidente Harry Truman ter
apoiado o objetivo de um Estado judaico num território de maioria árabe
durante os anos do pós-guerra, o sionismo, outrora um projeto colonial
apoiado pelo Império Britânico em decadência, tornou-se parte integrante
da emergente hegemonia americana no Médio Oriente.
Depois da guerra, dois acontecimentos cruciais que ocorreram em
rápida sucessão foram representativos dos obstáculos que os palestinianos
tinham pela frente. As suas relações com muitos dos regimes árabes já
eram tensas devido ao alinhamento dos governantes árabes com a Grã-
Bretanha, remontando à sua intervenção para pôr termo à greve geral de
1936 e ao seu envolvimento na fracassada conferência do Palácio de St.
James em 1939. A situação piorou em março de 1945, quando, sob a égide
da Grã-Bretanha, seis Estados árabes formaram a Liga Árabe. Nas suas
memórias, Dr. Husayn descreve a amarga deceção dos palestinianos pelo
facto de os Estados-membros terem decidido remover quaisquer
referências à Palestina do comunicado inaugural da Liga e manter o
controlo sobre a escolha do representante palestiniano.12
O primeiro-ministro egípcio impediu Musa al-‘Alami, o emissário
palestiniano, de assistir à conferência de fundação da Liga, mas reverteu
imediatamente a sua decisão quando al-‘Alami obteve uma carta do
brigadeiro Clayton, um oficial dos serviços de informação britânicos no
Cairo, que autorizava a sua participação. Ainda que o Protocolo de
Alexandria de outubro de 1944, através do qual o Egito, o Iraque, a Síria,
o Líbano e a Transjordânia tinham originalmente acordado criar a Liga,
salientasse a importância da «causa dos árabes da Palestina», lamentando
ao mesmo tempo «os infortúnios infligidos aos judeus da Europa», estes
Estados ainda mal se tinham tornado independentes dos seus antigos amos
coloniais.13 A Grã-Bretanha tinha uma influência particularmente forte
sobre a política externa de todos eles, e a hostilidade britânica para com
qualquer iniciativa palestiniana independente não tinha diminuído. O que
indica que os palestinianos não podiam contar com qualquer apoio
significativo da parte destes fracos e dependentes regimes árabes.
Mais abrangente nas suas consequências foi a formação da Comissão
de Inquérito Anglo-Americana, em 1946. Este organismo foi criado pelos
governos britânico e norte-americano a fim de estudar a urgente e
deplorável situação dos sobreviventes judeus do Holocausto, cem mil dos
quais estavam confinados a campos de deslocados na Europa. A
preferência americana e sionista era que fosse concedida a estes infelizes a
entrada imediata na Palestina (não estando os Estados Unidos nem o
Reino Unido dispostos a aceitá-los), invalidando efetivamente o teor do
Livro Branco de 1939.
O caso palestiniano foi apresentado à comissão por Albert Hourani
(que posteriormente se tornaria, talvez, no maior historiador do Médio
Oriente moderno), que, juntamente com colegas do recém-criado
Departamento Árabe palestiniano, tinha produzido uma grande quantidade
de materiais que foram transmitidos de forma oral e escrita.14 O seu
principal esforço foi incorporado no testemunho de Hourani,15 que
apresentava uma descrição presciente da devastação e do caos que a
criação de um Estado judaico causaria na sociedade palestiniana e
semearia por todo o mundo árabe. Avisou a comissão de que «nos últimos
anos, os responsáveis sionistas têm falado seriamente sobre a evacuação
da população árabe, ou de parte dela, para outras partes do mundo
árabe».16 A implementação do programa sionista, disse ele, «envolveria
uma injustiça terrível e só poderia ser realizada à custa de terríveis
repressões e distúrbios, com o risco de desfazer em ruínas toda a estrutura
política do Médio Oriente».17 Os múltiplos golpes militares realizados por
oficiais árabes que tinham combatido na Palestina e depois derrubaram
regimes na Síria, no Egito e no Iraque entre 1949 e 1958, a erupção da
União Soviética nos assuntos do Médio Oriente em meados da década de
1950 e a expulsão da Grã-Bretanha da região podem ser entendidos como
réplicas do terramoto previsto por Hourani. Na altura, estes resultados
podem ter parecido rebuscados aos doze membros americanos e britânicos
da comissão que ouviram o testemunho de Hourani.
Refletindo o novo equilíbrio de poder entre a Grã-Bretanha e os
Estados Unidos, a comissão ignorou o caso apresentado pelos árabes e a
preferência do governo britânico, que consistia em continuar a limitar a
imigração judaica para a Palestina a fim de evitar antagonizar a maioria
árabe do país e as populações dos novos Estados árabes independentes. A
comissão chegou a conclusões que refletiam precisamente os desejos dos
sionistas e da administração Truman, incluindo a recomendação de
acolher cem mil refugiados judeus na Palestina. Queria isto dizer que o
Livro Branco de 1939 era efetivamente letra morta, que a Grã-Bretanha
não tinha já voz decisiva na Palestina e que eram os Estados Unidos que
se iam tornar aí no principal ator externo, bem como eventualmente no
resto do Médio Oriente.

Ambos os acontecimentos mostram claramente que, nesta fase


avançada da luta pela manutenção do controlo da sua pátria, os
palestinianos não tinham desenvolvido verdadeiras alianças árabes nem o
aparelho de um Estado moderno, apesar do seu intenso sentimento
patriótico e da formação de um movimento nacional suficientemente forte
para representar fugazmente uma ameaça ao controlo britânico da
Palestina durante a revolta. Esta ausência implicou terem de enfrentar o
desenvolvido para-Estado da Agência Judaica sem terem eles próprios um
sistema de Estado central, o que se revelou uma fraqueza fatal do ponto de
vista militar, financeiro e diplomático.
Ao contrário da Agência Judaica, à qual tinham sido concedidos ramos
de governação vitais pelo Mandato da Sociedade das Nações, os
palestinianos não tinham Ministério dos Negócios Estrangeiros,
diplomatas – tal como é atestado pela história do meu pai – nem qualquer
outro departamento governamental, quanto mais uma força militar
centralmente organizada. Não tinham a capacidade de angariar os fundos
necessários nem o consentimento internacional para a criação de
instituições estatais. Quando os enviados palestinianos conseguiam
encontrar-se com oficiais estrangeiros, fosse em Londres ou em Genebra,
era-lhes dito, de forma condescente, que não tinham qualquer estatuto
oficial, sendo as suas reuniões, por conseguinte, privadas e não oficiais.18
O contraste com os irlandeses, o único povo a conseguir libertar-se
(parcialmente) do domínio colonial entre a Primeira e a Segunda Guerras
Mundiais, é impressionante. Apesar das divisões nas suas fileiras, o seu
parlamento clandestino, o Dáil Éireann, os incipientes ramos do seu
governo e as suas forças militares centralizadas acabaram por vencer a
administração e as forças britânicas.19
Durante estes anos críticos que conduziram à Nakba, a desorganização
palestiniana relativamente à construção de instituições era profunda. A
natureza rudimentar das estruturas organizacionais disponíveis para os
palestinianos fica clara a partir das memórias de Yusif Sayigh, nomeado
como primeiro diretor-geral do recém-criado Fundo Nacional Árabe em
1946.20 O fundo tinha sido instaurado pela Alta Comissão Árabe em 1944
para servir de tesouro do Estado e funcionar como equivalente ao Fundo
Nacional Judaico (FNJ), que por essa altura tinha já quase meio século.
Em meados da década de 1930, o FNJ recolhia anualmente, só nos
Estados Unidos, 3,5 milhões de dólares para a colonização da Palestina,
apenas uma parte de quantias muito superiores que canalizava
regularmente de todo o mundo para apoiar o projeto sionista.21
O Fundo Árabe Nacional só deu início à sua tarefa de arrecadar
recursos após Sayigh ter sido nomeado e ter desenvolvido uma estrutura
para os seus esforços. Sayigh relatou as muitas dificuldades com que se
deparou no seu trabalho, desde montar a partir do zero uma rede nacional
para aceitar donativos às dificuldades de se deslocar pelas zonas rurais à
medida que as condições de segurança na Palestina se deterioravam. Em
meados de 1947, no espaço de pouco mais de um ano, o fundo tinha já
conseguido arrecadar 176 000 libras palestinianas (mais de 700 000
dólares na altura), uma soma impressionante dada a relativa pobreza da
população. Empalidecia, porém, em contraste com a capacidade de
angariação de fundos do movimento sionista. Quando, contrariando os
conselhos de Sayigh, um membro do conselho de administração do fundo,
‘Izzat Tannous, se gabou à imprensa desse valor, Sayigh e os seus colegas
souberam no dia seguinte de uma doação de um milhão de libras
palestinianas (4 milhões de dólares) ao FNJ por parte de uma rica viúva
judia da África do Sul.
O retrato traçado por Sayigh da Alta Comissão Árabe – o órgão de
liderança árabe fundado em 1936, dissolvido pelos britânicos em 1937 e
reconstituído depois da guerra – é igualmente duro, um quadro de
desorganização e conflitos internos. Importa recordar que a ACA tinha
sido ilegalizada, e todos os seus líderes encarcerados ou exilados pelos
britânicos durante a revolta ou obrigados a fugir do país para escapar à
prisão. Alguns, como o mufti, foram permanentemente exilados, enquanto
outros, entre os quais o Dr. Husayn, o primo do mufti, Jamal al-Husayni, e
Musa al-‘Alami, só foram autorizados a regressar à Palestina muitos anos
depois, após terem estado exilados em diferentes países.22 O seu regresso,
porém, não resolveu o problema. Sayigh descreve a situação de quando a
comissão, que não tinha qualquer aparelho burocrático, se viu subitamente
confrontada com a hercúlea tarefa de documentar o caso palestiniano para
a Comissão de Inquérito Anglo-Americana. Escreveu assim:

A Alta Comissão Árabe entendeu então que não tinha as capacidades intelectuais entre
os seus membros. Na verdade, não tinha qualquer estrutura. Quando Jamal Husseini saía
do escritório à tarde, trancava a porta e guardava a chave no bolso. Não havia secretariado
absolutamente nenhum. Uma ou duas pessoas para fazer café. Nem sequer um secretário
para tirar apontamentos ou escrever à máquina. Era assim tão vazio, tudo aquilo.23

A situação era, na verdade, ainda pior, dadas as profundas diferenças


políticas e pessoais que dividiam os seus membros e as rivalidades inter-
árabes que rodopiavam em torno da ACA. Todos estes males prejudicaram
gravemente o potencial de outra nova organização formada no período
imediatamente posterior à guerra, o Departamento Árabe, que a ACA
tinha encarregado de apresentar os argumentos palestinianos à Comissão
Anglo-Americana. Criado como o núcleo de um Ministério dos Negócios
Estrangeiros palestiniano e apoiado sobretudo pelo governo iraquiano pró-
britânico chefiado por Nuri al-Sa’id, o Departamento Árabe tinha uma
missão simultaneamente diplomática e informativa, com o objetivo de
tornar a causa palestiniana mais conhecida.
Em contraste com a confusão dos outros organismos, o Departamento
Árabe albergava um grupo de homens extraordinários e altamente
motivados (não vi qualquer referência a uma só mulher envolvida neste
trabalho). Incluíam-se entre eles Musa al-‘Alami, o seu fundador; o
célebre educador Darwish al-Miqdadi; o advogado Ahmad Shuqayri, que
se tornou no primeiro líder da OLP; o futuro historiador Albert Hourani e
o seu irmão mais novo, Cecil; e homens mais jovens, como o economista
Burhan Dajani; Wasfi al-Tal, posteriormente primeiro-ministro da
Jordânia; e o meu primo, Walid Khalidi, que veio também a tornar-se um
académico de renome. Foi este grupo que preparou a extraordinariamente
convincente, presciente (e ignorada) apresentação feita por Albert Hourani
à Comissão de Inquérito.
Com os seus recursos de talento, o Departamento Árabe prometia
preencher a função de um serviço diplomático profissional, capaz de
evitar a necessidade, por exemplo, de Dr. Husayn usar o irmão mais novo
como emissário. Os Estados modernos avançados utilizam ocasionalmente
enviados pessoais para transmitir mensagens por canais mais
convencionais, mas o Mandato Britânico não tinha permitido esses canais
aos palestinianos. Porém, esta condição resultou também em parte da
natureza fortemente patriarcal, hierárquica e conflituosa das suas políticas,
sobretudo antes da era dos partidos políticos de massas. Mas o
Departamento Árabe não conseguiu resolver esta situação: as memórias de
Yusuf Sayigh e de Walid Khalidi confirmam os desafios que manietavam
os palestinianos a cada passo que davam, acabando por comprometer as
tentativas de criar organismos competentes para os representar
internacionalmente. Além disso, em 1947, al-‘Alami e Dr. Husayn, talvez
os dois líderes palestinianos mais aptos a lidar com questões de
representação diplomática, tinham já deixado de ser aliados. Walid
Khalidi descreve como a arbitrariedade de al-‘Alami alienou os seus
colegas,24 o que é amplamente demonstrado nas memórias de Dr. Husayn.
E, mais importante, a proximidade de al-‘Alami ao regime iraquiano pró-
britânico despertou as suspeitas de muitas figuras palestinianas.
Estas diferenças interpalestinianas, exacerbadas pelas rivalidades
entres os novos Estados árabes independentes, são descritas por Dr.
Husayn de forma dolorosamente detalhada. Tal como ele demonstra,
grande parte da polarização do pré-guerra entre partidários e opositores do
mufti, Hajj Amin al-Husayni, remontando à revolta e a antes dela,
continuou no período pós-guerra. A polarização foi intensificada pela
persistente oposição dos britânicos tanto ao mufti como a qualquer
entidade política palestiniana independente, que temiam – provavelmente
com razão – que pudesse ser hostil à Grã-Bretanha. Esta hostilidade para
com a maioria dos líderes palestinianos repercutiu-se em grande parte nos
governos árabes sobre os quais o Reino Unido tinha ainda uma grande
influência. A hábil gestão de bastidores da Grã-Bretanha quanto à
representação da Palestina na conferência de fundação da Liga Árabe, em
março de 1945, dá-nos um exemplo notável dessa influência. Musa
al-‘Alami, que acabou por assistir à conferência, era um advogado
competente, segundo Dr. Husayn, e falou bem em defesa da causa
palestiniana, mas tinha também a confiança dos britânicos, que o
enviaram como seu representante em missões diplomáticas por toda a
região nos anos de 1945-46, chegando mesmo a proporcionar-lhe um
bombardeiro britânico para as suas viagens à Arábia Saudita, ao Iraque e a
outros países árabes.25
Convicto de que a Grã-Bretanha, que não tinha qualquer intenção de
defender os interesses dos palestinianos, tinha demasiada influência sobre
al-‘Alami através do seu apoio ao Departamento Árabe, Dr. Husayn
criticou publicamente o seu desempenho, censurando implicitamente
al-‘Alami. Um dia, em 1947, recebeu uma visita no seu gabinete em
Jerusalém de um coronel dos serviços de inteligência militar britânicos,
que, após uma discussão geral, falou elogiosamente de al-‘Alami e do
trabalho do Departamento Árabe em prol da causa árabe e de um «maior
entendimento e proximidade entre os povos árabe e britânico». Dr.
Husayn, cuja hostilidade para com a Grã-Bretanha se tinha intensificado
após o esmagamento da Grande Revolta e os seus próprios anos de exílio
imposto pelos britânicos, guardou as suas opiniões para si, mas ficou
intrigado com a visita. Quando continuou a denegrir publicamente o
Departamento Árabe pelo seu fracasso em colaborar com a Alta Comissão
Árabe, o seu visitante militar regressou.
Desta vez, o coronel manteve-se de pé enquanto entregava
bruscamente a sua mensagem: «Respeitamos o diretor do Departamento
Árabe, em quem temos plena confiança, e queremos que colabore com
ele.» Dr. Husayn respondeu friamente: «O vosso respeito por ele e a vossa
confiança nele são assuntos vossos, não meus. A minha cooperação ou
não-cooperação com ele é problema meu, não vosso. Bom dia, coronel.»
A partir do momento em que foi aceite na Liga Árabe, observa
amargamente Dr. Husayn, al-‘Alami «tornou-se um representante do
governo britânico, e não dos árabes da Palestina».26
Musa al-‘Alami conseguira também conquistar a desconfiança de Hajj
Amin al-Husayni, o ainda exilado mufti, que, após ter-se transferido do
Cairo para a Alemanha em 1946, voltara imediatamente a envolver-se na
política palestiniana. Dos seus locais de exílio, não podia já controlar os
acontecimentos na Palestina, mas continuava a ser considerado como o
principal líder e, durante algum tempo, continuou a ter influência, apesar
dos danos duradouros que a sua presença na Alemanha nazi durante a
guerra tinha causado à causa palestiniana. Inicialmente, al-‘Alami fora
aceite por todos os envolvidos como chefe do Departamento Árabe porque
não estava alinhado com nenhuma fação palestiniana (ajudava o facto de a
sua irmã ser casada com o primo do mufti, Jamal al-Husayni). Em 1947,
porém, essa falta de alinhamento começou a irritar o mufti, que prezava a
lealdade acima de todas as outras virtudes. Yusif Sayigh, cujo trabalho
para o Fundo Nacional Árabe envolvia encontrar-se várias vezes com o
mufti, estava decididamente inclinado para ele, mas compreendia, ainda
assim, as profundas limitações do estilo tradicional de liderança do mufti.
A fraqueza essencial do mufti era pensar que o mérito da causa pela qual trabalhava,
nomeadamente instaurar uma Palestina independente, salvando-a de ser tomada pelos
sionistas, era suficiente em si mesmo. Por ser uma causa justa, não desenvolveu uma força
de combate no sentido moderno… Creio que tal se deveu, em parte, ao receio de uma
grande organização, sentia que não podia controlar uma grande organização. Podia
controlar uma comitiva, pessoas a quem sussurrava e que lhe sussurravam a ele. Uma
grande organização teria de ser descentralizada até certo ponto, e ele perderia o contacto. E
talvez tivesse de depender dela, e ela dependesse menos dele. Talvez receasse a possível
aparição de algum jovem e carismático líder combatente, que lhe retiraria parte da lealdade
e do apoio que lhe pertenciam.27

Grande parte desta apurada análise à natureza patriarcal da abordagem


do mufti aplicava-se a toda a geração de homens da sua classe, nascidos
durante o final da era otomana, que dominava a liderança palestiniana,
bem como a política de grande parte do mundo árabe. Havia partidos
políticos incipientes com uma base social diversa, tanto na Palestina como
noutros locais, como o Partido Nacional Sírio a que Sayigh pertencia.
Mas, excetuando o Egito, onde o Wafd, um verdadeiro partido político de
massas, tinha vindo a dominar a política do país desde 1919, não havia
nenhum local onde estas formações se tivessem desenvolvido ao ponto de
eclipsar a «política dos notáveis», como Albert Hourani tão
magistralmente a descreveu num célebre ensaio de 1968.28
Financiado principalmente por Nuri al-Sa’id do Iraque e pelo seu
governo apoiado pelos britânicos, o Departamento Árabe acabou por
alienar os outros Estados árabes, nomeadamente o Egito e a Arábia
Saudita, que aspiravam a uma liderança pan-árabe. Os seus líderes, bem
como os da Síria e do Líbano, suspeitavam – provavelmente com razão –
de que a criação do Departamento Árabe era um veículo para as ambições
regionais do Iraque. Outros veículos do género incluíam um projeto para
uma federação entre os países do Crescente Fértil – Iraque, Síria, Líbano,
Jordânia e Palestina – por trás do qual os rivais de Nuri temiam que
estivesse a sua protetora, a Grã-Bretanha.29 A oposição dos Estados
árabes, expressa através da Liga Árabe no Cairo, ela própria sob
influência egípcia, comprometeu gravemente a autoridade e a capacidade
do Departamento Árabe, acabando por enfraquecer ainda mais os
palestinianos.
Entretanto, o rei ‘Abdullah da Transjordânia tinha as suas próprias
ambições de dominar o máximo da Palestina, tendo feito todos os
possíveis para chegar a um entendimento com os sionistas e os seus
apoiantes britânicos sobre os seus planos para o país. Tal como é narrado
por Avi Shlaim em Collusion Across the Jordan, o seu relato desta época,
foram realizados extensos contactos clandestinos entre o rei ‘Abdullah e
os líderes da Agência Judaica (e posteriormente primeiros-ministros de
Israel) Moshe Sharett e Golda Meir.30 Enquanto as Nações Unidas
avançavam para a divisão da Palestina, o rei encontrou-se repetidamente
com eles em segredo, na esperança de chegar a um acordo em que a
Jordânia iria incorporar a parte da Palestina que seria atribuída à sua
maioria árabe. O rei deu-lhes confiantemente a sua garantia de que os
palestinianos acabariam por ver a razão e aceitar o seu domínio.* Assim,
ao contrário do iraquiano Nuri, ‘Abdullah, não tinha qualquer utilidade
para nenhuma forma de liderança palestiniana independente, nem para um
organismo como o Departamento Árabe, que lhe serviria de braço
diplomático.
Além da força e do amplo apoio externo de que os sionistas gozavam,
em contraste com a fraqueza e a fragmentação do movimento nacional
palestiniano, os novos Estados árabes independentes – Iraque,
Transjordânia, Egito, Síria e Líbano – eram frágeis e carregados de
rancorosa desunião, e os palestinianos tinham de se debater com as suas
ambições contraditórias. Na tentativa de impor a sua tutela aos
palestinianos, o rei ‘Abdullah estava em competição com o rei Farouq do
Egito e com o rei ‘Abd al-‘Aziz ibn Sa’ud da Arábia Saudita. Outros
líderes árabes mantinham ocasionalmente contactos complexos, ambíguos
e sub-reptícios com o movimento sionista, muitas vezes em prejuízo dos
palestinianos.
Ao mesmo tempo, muitos monarcas árabes continuavam a apoiar-se
fortemente em relações pessoais com conselheiros britânicos pouco
fiáveis, mesmo enquanto o poder britânico se desvanecia. O rei ‘Abdullah,
o rei Faisal do Iraque, seu irmão, e os que aí lhe sucederam, e o rei ‘Abd
al-‘Aziz ibn Sa’ud apoiavam-se em oficiais britânicos, antigos ou
presentes, cujas posições eram ambíguas (sendo um deles o comandante
do exército de ‘Abdullah, o tenente-general Sir John Bagot Glubb,
conhecido como Glubb Pasha). Nalguns casos, estes governantes estavam
obrigados por tratados a terem esses conselheiros, cuja principal lealdade
era sempre para com a Grã-Bretanha, não para com os líderes árabes que
aconselhavam. Era também assim com os diplomatas estrangeiros de
quem os líderes árabes aceitavam conselhos e às vezes ordens. A
residência do embaixador britânico em Amã confinava com o palácio real,
permitindo uma curta viagem pelo jardim das traseiras para oferecer
conselhos ao rei.31 Às vezes, esses conselhos eram bastante intensos. Em
1942, o embaixador Sir Miles Lampson, insatisfeito com o governo
egípcio da época, ordenou que tanques britânicos cercassem o Palácio de
Abdeen, no Cairo. Entrou no recinto com o seu Rolls-Royce, mandou
abrir as portas do palácio e ordenou ao rei Farouq que nomeasse o
escolhido da Grã-Bretanha para primeiro-ministro. Foi esse mesmo
primeiro-ministro, Mustafa Nahhas Pasha, quem se recusou a permitir que
Musa al-‘Alami representasse a Palestina na Liga Árabe. Mas a rápida
inversão da sua decisão por um oficial dos serviços de informação
britânicos mostrou onde residia o verdadeiro poder no Cairo. Por mais que
muitos líderes árabes possam ter desejado demonstrar a sua independência
no pós-guerra, os pobres e retrógrados Estados que lideravam estavam
emaranhados numa densa teia de dependência, baseada em tratados
desiguais, na persistente ocupação militar estrangeira e no controlo
externo dos seus recursos, naturais e não só.
Quanto ao novo poder dos Estados Unidos, os líderes árabes – muitos
deles escolhidos pelos seus senhores europeus devido à sua flexibilidade –
demonstraram fraqueza, combinada com uma impressionante falta de
experiência e de consciência global. O rei ‘Abd al-‘Aziz da Arábia
Saudita, que tinha previdentemente assinado um acordo crucial com
empresas petrolíferas americanas em 1933, em prejuízo dos interesses
petrolíferos britânicos, encontrou-se com um Franklin D. Roosevelt
enfermo a bordo de um navio de guerra dos Estados Unidos na primavera
de 1945, semanas antes da morte do líder americano. Recebeu garantias
tranquilizadoras da parte do próprio presidente de que os Estados Unidos
nada fariam para prejudicar os árabes da Palestina e de que consultariam
os árabes antes de aí realizarem qualquer ação.32 Estas promessas foram
casualmente descartadas pelo sucessor de Roosevelt, Harry Truman, mas,
devido à dependência económica e militar do regime saudita relativamente
aos Estados Unidos, o rei absteve-se de protestar ou de exercer
decisivamente a sua influência em favor dos palestinianos. Tal como os
seis filhos que lhe sucederam. Esta dependência, e a ignorância de geração
após geração de governantes árabes sobre os mecanismos do sistema
político americano e da política internacional, viriam a privar
consistentemente o mundo árabe de qualquer possibilidade de resistir à
influência americana ou de moldar a política dos Estados Unidos.
Em contraste, o movimento sionista aplicou um entendimento
altamente desenvolvido da política global. Complementando as suas
origens na Europa, entre judeus instruídos e aculturados como Theodor
Herzl e Chaim Weizmann, o movimento tirou também partido das
profundas raízes e extensas ligações nos Estados Unidos – estabelecidas
décadas antes do encontro do meu pai com o rei ‘Abdullah. David Ben-
Gurion e Yitzhak Ben-Zvi, posteriormente segundo presidente de Israel,
tinham passado vários anos no fim da Primeira Guerra Mundial a trabalhar
em prol da causa sionista nos Estados Unidos, onde Golda Meir vivera
desde a infância. Entretanto, nenhum membro da liderança palestiniana
tinha alguma vez visitado os Estados Unidos. (O meu pai foi o primeiro da
sua família a fazê-lo.) Comparado ao sofisticado entendimento que os
líderes sionistas tinham da sociedade europeia e de outras sociedades
ocidentais, das quais muitos deles eram naturais ou cidadãos, os líderes
árabes tinham, na melhor das hipóteses, um entendimento limitado das
políticas, sociedades e culturas dos países europeus, para não falar nas
superpotências emergentes. A desunião palestiniana e árabe transmitida
pelos relatos do meu pai, de Dr. Husayn, de Yusif Sayigh e de Walid
Khalidi, as intrigas e conflitos internos que descrevem, acabaram por ser
desastrosos, não só para o plano do Departamento Árabe de representar
internacionalmente os palestinianos, mas também para as suas hipóteses
no conflito culminante de 1947-48. Entraram nesta fatídica contenda
terrivelmente mal preparados, tanto política como militarmente, e com
uma liderança fragmentada e dispersa. Além disso, tinham pouco apoio
externo, exceto dos profundamente divididos e instáveis Estados árabes,
ainda sob a influência dos antigos poderes coloniais e com populações
pobres e maioritariamente analfabetas. O contraste era evidente face à
posição internacional e ao forte para-Estado moderno desenvolvido pelo
movimento sionista ao longo de várias décadas.

Desde 1917 que o movimento nacional palestiniano se vira


confrontado com a dupla antagónica da Grã-Bretanha e do seu protegido,
o projeto sionista. Mas os yishuv tinham vindo a tornar-se cada vez mais
hostis para com o seu protetor britânico desde a promulgação do Livro
Branco de 1939. Esta hostilidade começou com assassinatos de oficiais
britânicos, como o de Lorde Moyne, ministro residente no Egito, pelo
Stern Gang, em 1944, e foi sucedida por uma persistente campanha de
violência contra os soldados e administradores britânicos na Palestina. Isto
culminou na explosão, em 1946, do quartel-general britânico, o Hotel
King David, com a perda de noventa e uma vidas. Os britânicos não
tardaram a ver-se incapazes de dominar a oposição armada de
praticamente todos os yishuv, cujas poderosas organizações militares e de
inteligência tinham sido reforçadas por eles próprios durante a Grande
Revolta e a Segunda Guerra Mundial. Abalada pelos profundos problemas
económicos e financeiros do pós-guerra e pela dissolução do secular Raj
indiano, a Grã-Bretanha acabou por render-se na Palestina.
Em 1947, o governo de Clement Attlee largou o problema da Palestina
no colo das novas Nações Unidas, que formaram uma Comissão Especial
para a Palestina (UNSCOP) a fim de apresentar recomendações quanto ao
futuro do país. Nas Nações Unidas, as potências dominantes eram os
Estados Unidos e a União Soviética, num desenvolvimento que o
movimento sionista tinha astuciosamente previsto, com os seus esforços
diplomáticos junto de ambos, mas que apanhou os palestinianos e os
árabes desprevenidos. O realinhamento do poder internacional no pós-
guerra tornou-se evidente na atuação da UNSCOP e no seu relatório
maioritário a favor da divisão do território de uma forma extremamente
favorável à minoria judaica, dando-lhes mais de 56 por cento da Palestina
contra os muito mais pequenos 17 por cento para o Estado judaico,
preconizados pelo plano de divisão Peel de 1937. Tornou-se também
visível na pressão aplicada à elaboração da Resolução 181 da Assembleia
Geral, que resultou do relatório maioritário da UNSCOP.
A aprovação a 29 de novembro de 1947, na Assembleia Geral das
Nações Unidas, da Resolução 181, que apelava à divisão da Palestina num
grande Estado judaico e num Estado árabe mais pequeno, com um corpus
separatum internacional abrangendo Jerusalém, refletia o novo equilíbrio
global de poderes. Os Estados Unidos e a URSS, que tinham votado
ambos a favor da resolução, desempenhavam agora nitidamente o papel
decisivo no sacrifício dos palestinianos para que um Estado judaico
ocupasse o seu lugar e assumisse o controlo sobre grande parte do seu
país. A resolução foi uma nova declaração de guerra, providenciando a
certidão internacional de nascimento de um Estado judaico em grande
parte do que continuava a ser ainda um território de maioria árabe, numa
flagrante violação do princípio de autodeterminação consagrado na Carta
das Nações Unidas. Seguiu-se, necessária e inevitavelmente, a expulsão
de árabes suficientes para tornar possível um Estado de maioria judaica.
Tal como Balfour não pensava que o sionismo fosse prejudicar os árabes,
é duvidoso que, quando Truman e Estaline impuseram a UNGA 181, eles
ou os seus conselheiros tenham prestado muita atenção ao que iria
acontecer aos palestinianos em consequência do seu voto.
Entretanto, a criação de um Estado judaico não era já o resultado
procurado pela Grã-Bretanha. Furiosos com a violenta campanha sionista
que os expulsara da Palestina, e não querendo alienar ainda mais os
súbditos árabes do seu restante império no Médio Oriente, os britânicos
abstiveram-se na votação da resolução de divisão. Desde o Livro Branco
de 1939, os decisores britânicos tinham reconhecido que os interesses
dominantes do seu país no Médio Oriente estavam com os Estados árabes
independentes e não com o projeto sionista que a Grã-Bretanha tinha
acalentado durante mais de duas décadas.
Com a decisão de divisão da ONU, as estruturas militares e civis do
movimento sionista passaram a ser apoiadas por ambas as superpotências
emergentes do período pós-guerra, podendo preparar-se para tomar o
máximo possível do país. A catástrofe que se seguiu para os palestinianos
foi, pois, resultado não só das próprias fraquezas palestinianas e árabes e
da força sionista, mas também de acontecimentos tão distantes como os
ocorridos em Londres, Washington, DC, Moscovo, Nova Iorque e Amã.

Como um lento e aparentemente interminável desastre, a Nakba


desenrolou-se ao longo de um período de muitos meses. A sua primeira
etapa, desde o dia 30 de novembro de 1947 até à retirada final das forças
britânicas e à criação de Israel no dia 15 de maio de 1948, assistiu a
sucessivas vitórias de grupos paramilitares sionistas, incluindo o Haganah
e o Irgun, sobre os mal-armados e organizados palestinianos e os
voluntários árabes que os tinham ido ajudar. Esta primeira etapa assistiu a
uma campanha amargamente travada, que culminou numa ofensiva
nacional sionista denominada Plano Dalet, na primavera de 1948.33 O
Plano Dalet envolveu a conquista e despovoamento em abril, e na
primeira metade de maio, dos dois maiores centros urbanos árabes, Jafa e
Haifa, e dos bairros árabes de Jerusalém Ocidental, bem como de dezenas
de cidades, vilas e aldeias árabes, incluindo Tiberíades, no dia 18 de abril,
Haifa, no dia 23 de abril, Safad, no dia 10 de maio e Beisan, no dia 11 de
maio. Assim, a limpeza étnica da Palestina começou muito antes da
proclamação do Estado de Israel no dia 15 de maio de 1948.
Jafa foi cercada e incessantemente bombardeada com morteiros e
assediada por francoatiradores. Uma vez finalmente dominada por forças
sionistas durante as primeiras semanas de maio, foi sistematicamente
esvaziada de grande parte dos seus sessenta mil residentes árabes. Ainda
que Jafa estivesse destinada a fazer parte do nado-morto Estado árabe
designado pelo Plano de Divisão de 1947, nenhum ator internacional
tentou travar esta grande violação da resolução das Nações Unidas.
Sujeitos a bombardeamentos similares e a ataques a bairros civis mal
defendidos, os sessenta mil habitantes palestinianos de Haifa, os trinta mil
que viviam em Jerusalém Ocidental, os doze mil de Safad, os seis mil de
Beisan e os cinco mil e quinhentos de Tiberíades sofreram o mesmo
destino. A maioria da população urbana árabe da Palestina tornou-se, pois,
refugiada e perdeu as suas casas e o seu sustento.
Em abril de 1948, quando o Haganah e outras unidades paramilitares
sionistas invadiram os bairros árabes de Jerusalém Ocidental, a sede do
Fundo Árabe no bairro de Qatamon foi tomada e o seu diretor, Yusif
Sayigh, feito prisioneiro. Poucas semanas antes, Sayigh tinha viajado para
Amã a fim de pedir ajuda ao rei ‘Abdullah para impedir a iminente queda
dos bairros árabes de Jerusalém Ocidental. O cônsul-geral jordano em
Jerusalém, contudo, disse ao rei por telefone, na presença de Sayigh, que
não havia tal perigo, declarando o seguinte: «Vossa Majestade! Quem vos
anda a contar essas histórias de que Jerusalém está prestes a cair nas mãos
dos sionistas? Disparates!»34 Consequentemente, ‘Abdullah rejeitou o
pedido de Sayigh e os prósperos bairros árabes de Jerusalém Ocidental
foram invadidos. Sayigh passou o resto da guerra num campo de
prisioneiros, apesar de não estar ligado às forças militares.
Cenas de fuga desenrolavam-se em vilas e aldeias mais pequenas de
muitas partes do país. As pessoas fugiam à medida que se espalhavam as
notícias de massacres como o de dia 9 de abril de 1948, na aldeia de Dayr
Yasin, perto de Jerusalém, onde uma centena de residentes, sessenta e sete
dos quais eram mulheres, crianças e idosos, tinham sido massacrados
quando a aldeia fora invadida por atacantes do Irgun e do Haganah.35 Um
dia antes, a estratégica aldeia vizinha de al-Qastal tinha caído nas mãos
das forças sionistas durante uma batalha em que o comandante
palestiniano da área de Jerusalém, ‘Abd al-Qadir al-Husayni, morreu a
liderar os seus combatentes.36 Também ele tinha acabado de regressar de
uma viagem infrutífera a uma capital árabe, neste caso Damasco, para
implorar armas a uma comissão da Liga Árabe. ‘Abd al-Qadir era o mais
competente e respeitado dos líderes militares palestinianos (sobretudo
após tantos terem sido assassinados, executados ou exilados pelos
britânicos durante a Grande Revolta). A sua morte foi um golpe
esmagador para os esforços palestinianos em manter o controlo dos
acessos a Jerusalém, áreas que supostamente deveriam pertencer, segundo
o plano de divisão, ao Estado árabe.
Nesta primeira fase da Nakba anterior a 15 de maio de 1948, um
padrão de limpeza étnica resultou na expulsão e na partida apavorada, no
total, de cerca de 300 000 palestinianos, bem como na devastação de
muitos dos principais centros económicos, políticos, cívicos e culturais
urbanos da maioria árabe. A partir do dia 15 de maio, seguiu-se a segunda
fase, em que o novo exército israelita venceu os exércitos árabes que se
juntaram à guerra. Ao decidirem tardiamente a sua intervenção militar, os
governos árabes estavam a agir sob uma intensa pressão do público árabe,
que estava profundamente perturbado com a queda de cidades e aldeias
palestinianas umas a seguir às outras e com a chegada de vagas de
refugiados indigentes às capitais vizinhas.37 Na sequência da derrota dos
exércitos árabes, e após novos massacres de civis, houve um número ainda
maior de palestinianos, outros 400 000, que foram expulsos e fugiram de
suas casas, escapando para a vizinha Jordânia, para a Síria, para o Líbano
e também para a Margem Ocidental e para Gaza (constituindo estas duas
últimas os restantes 22 por cento da Palestina que não tinham sido
conquistados por Israel). A nenhum deles foi permitido regressar, e a
maioria das suas casas e aldeias foram destruídas para os impedirem de o
fazer.38 Mais ainda foram expulsos do novo Estado de Israel mesmo após
os acordos de armistício de 1949 terem sido assinados, tendo muitos
outros sido forçados a sair desde então. Neste sentido, a Nakba pode ser
entendida como um processo em curso.
Yusif Sayigh, prisioneiro de guerra, à esquerda.

Entre os desalojados em 1948 estavam os meus avós, que tiveram de


deixar a sua casa em Tal al-Rish, onde o meu pai e a maioria dos seus
irmãos tinham nascido. Inicialmente, o meu avô, hoje com oitenta e cinco
anos e frágil, recusou-se obstinadamente a deixar a sua casa. Após os seus
filhos terem levado a maior parte da família para abrigos em Jerusalém e
em Nablus, ficou lá sozinho durante várias semanas. Temendo pela sua
segurança, um amigo da família em Jafa atreveu-se a ir à casa durante
uma trégua nos combates para o ir buscar. Partiu com relutância,
lamentando não poder levar consigo os seus livros. Nem ele nem os seus
filhos voltaram a ver a sua casa. As ruínas da grande casa de pedra dos
meus avós ainda se erguem, abandonadas, nos arredores de Telavive.39
As ruínas da casa da família Khalidi em Tal al-Rish.

A Nakba constituiu um momento crítico na história da Palestina e do


Médio Oriente. Transformou muito do que a Palestina era há bem mais de
um milénio – um país de maioria árabe – num novo Estado com uma
substancial maioria judaica.40 Esta transformação resultou de dois
processos: da sistemática limpeza étnica das áreas do território habitadas
por árabes capturadas durante a guerra; e do roubo das terras e
propriedades palestinianas deixadas para trás pelos refugiados, bem como
de grande parte das pertencentes aos árabes que ficaram em Israel. Não
teria havido outra maneira de alcançar uma maioria judaica, o objetivo
explícito do sionismo político desde a sua génese. Nem teria sido possível
dominar o país sem confiscar terras. Num terceiro importante e duradouro
impacto da Nakba, as vítimas, as centenas de milhares de palestinianos
expulsos de suas casas, serviram para desestabilizar ainda mais a Síria, o
Líbano e a Jordânia – países pobres e fracos, de independência recente –
bem como a região durante os anos seguintes.
No rescaldo imediato, porém, o rei ‘Abdullah da Transjordânia foi um
dos beneficiários da guerra. Memoravelmente descrito como um «falcão
na gaiola de um canário», ‘Abdullah sempre quis reinar sobre um domínio
mais vasto e com mais súbditos do que a pequena e escassamente povoada
Transjordânia, que tinha uma população de menos de 200 000 pessoas
quando ele lá chegou em 1921.41 A partir daí, procurou expandir o seu
território através de diversos meios. O sentido mais óbvio era para oeste,
para a Palestina, daí as extensas negociações secretas do rei com os
sionistas a fim de chegar a um entendimento que lhe desse o controlo
sobre parte do território. Para facilitar o seu objetivo, ‘Abdullah aprovou
secretamente a recomendação da Comissão Peel de 1937 de dividir a
Palestina (foi o único líder árabe a fazê-lo), que teria anexado parte da
secção árabe à Transjordânia.
Tanto o rei como os britânicos se opunham a permitir que os
palestinianos beneficiassem da divisão de 1947 ou da guerra que se
seguiu, e nenhum deles queria um Estado árabe independente na Palestina.
Tinham chegado a um acordo secreto para o impedir, enviando «a Legião
Árabe através do rio Jordão assim que o Mandato terminasse para ocupar
a parte da Palestina atribuída aos árabes».42 Este objetivo encaixava com o
do movimento sionista, que negociou com ‘Abdullah para atingir o
mesmo fim. No entanto, quando, na primavera de 1948, a teimosa, mas
desorganizada, resistência dos palestinianos foi vencida no contexto da
ofensiva nacional sionista e os exércitos árabes entraram na Palestina, a
Legião Árabe, que era o instrumento das ambições expansionistas de
‘Abdullah, assumiu a liderança na oposição aos avanços do novo exército
israelita. Sob forte influência britânica, a legião tinha sido armada e
treinada pela Grã-Bretanha, era comandada por oficiais britânicos e tinha
mais experiência de combate do que qualquer outra força militar no Médio
Oriente; conseguiu impedir Israel de conquistar a Margem Ocidental e
Jerusalém Oriental, salvaguardando a posse da região para ‘Abdullah e
recusando-a aos palestinianos. Tal como o historiador Avi Shlaim
observou: «Dificilmente será um exagero dizer que» o Ministro dos
Negócios Estrangeiros britânico Ernest Bevin «conspirou diretamente com
os transjordanos e indiretamente com os judeus para fazer abortar o
nascimento de um Estado árabe palestiniano».43
Os outros novos países árabes independentes enfrentavam perspetivas
sombrias após a guerra de 1948, e não só devido ao afluxo de refugiados
palestinianos. Tinham perdido a batalha pela divisão da Palestina nas
Nações Unidas em 1947, e depois perderam a guerra de 1948, com os seus
exércitos a serem derrotados, um a um, pelas forças superiores do novo
Estado israelita. Apesar da afirmação geralmente aceite de que o exército
israelita era insignificante quando comparado aos sete exércitos árabes
invasores, sabemos que em 1948 Israel excedia, na verdade, os seus
adversários, tanto em número como em armas. Em 1948, existiam apenas
cinco forças militares regulares árabes em campo, uma vez que a Arábia
Saudita e o Iémen não tinham exércitos modernos dignos de menção.
Apenas quatro destes exércitos entraram no território do Mandato da
Palestina (o minúsculo exército libanês nunca atravessou a fronteira); e
dois deles – a Legião Árabe jordana e as forças iraquianas – foram
proibidos pelos seus aliados britânicos de violarem as fronteiras das áreas
atribuídas pela divisão ao Estado judaico, não realizando assim qualquer
invasão a Israel.44
Confrontados com o seu primeiro grande teste internacional, os
Estados árabes tinham fracassado com consequências desastrosas.
Começou assim uma sequência de vitórias militares decisivas por parte do
que rapidamente se transformou numa potente máquina militar israelita,
vitórias essas que continuaram até à Guerra do Líbano, em 1982, levando
a uma série de choques regionais que confirmaram totalmente as sombrias
previsões de Albert Hourani, em 1946. Em consequência, os países
árabes, que tinham vindo a esforçar-se para se libertarem das correntes da
pobreza, da dependência, da ocupação estrangeira e do controlo indireto,
passaram a ter de enfrentar não só novos e intimidantes desafios internos,
mas também outros problemas causados pelo seu poderoso e agressivo
novo vizinho, Israel.
Finalmente, a guerra na Palestina confirmou o eclipse da Grã-Bretanha
no Médio Oriente e a sua substituição pelas duas superpotências em duelo,
Estados Unidos e União Soviética. Apesar da sua já tensa rivalidade no
pós-guerra, ambas tinham apoiado a divisão da Palestina e a criação de um
Estado judaico, ainda que por razões diferentes. Uma vez estabelecido o
Estado de Israel, ambas o reconheceram, oferecendo-lhe um apoio militar
crucial que foi fundamental para a sua vitória. Nenhuma delas tentou fazer
fosse o que fosse para ajudar na criação do Estado árabe previsto na
resolução de divisão, ou atuou no sentido de prevenir a eliminação desse
Estado através da colaboração tácita entre Israel, Jordânia e Grã-
Bretanha.45
Apesar destas semelhanças, o apoio das duas superpotências a Israel
foi diferente em motivos, duração e natureza. Estaline e os seus colegas na
liderança soviética não tardaram a irritar-se com um Estado que tinham
presumido que seria um protegido socialista da URSS. Esperavam que
Israel servisse de contrapeso progressista ao que Moscovo via como os
peões da Grã-Bretanha, as reacionárias monarquias árabes, alinhadas com
os britânicos, da Jordânia, do Iraque e do Egito, e que alinhasse totalmente
com a URSS. Em 1950, contudo, quando Israel optou pela neutralidade
durante a Guerra da Coreia, aproximando-se ao mesmo tempo dos Estados
Unidos, ficou claro que tal não ia acontecer. Não foi preciso muito tempo
para que as relações entre os dois países esfriassem consideravelmente.
Em 1955, a União Soviética tinha já desenvolvido relações estreitas com
vários Estados árabes, enquanto Israel se tinha aliado em segredo aos
velhos poderes coloniais, França e Grã-Bretanha, contra um dos novos
aliados árabes da URSS, o Egito. Assim, a lua de mel soviética com o
sionismo e Israel revelou-se efémera.
A relação de Israel com os Estados Unidos prosseguiu por caminhos
completamente distintos. Ao contrário dos domínios dos czares russos,
duras provas do virulento antissemitismo europeu que dera origem ao
sionismo, os Estados Unidos tinham sido sempre vistos como um refúgio
tolerante para os judeus perseguidos em fuga da Europa de Leste, 90 por
cento dos quais tinham migrado para lá. Entre 1880 e 1920, a população
judaica americana subiu de um quarto de milhão para quatro milhões, com
a maioria dos novos imigrantes a chegar da Europa de Leste.46 O sionismo
político moderno criou raízes profundas nos Estados Unidos, tanto dentro
da comunidade judaica como entre muitos cristãos. Com a ascensão de
Hitler ao poder na Alemanha no início da década de 1930, o sionismo
conquistou setores influentes da opinião pública norte-americana. As
revelações dos horrores do Holocausto foram decisivas para confirmar a
legitimidade do apelo dos sionistas por um Estado judaico e para
confundir e silenciar os seus opositores, tanto na comunidade judaica
como fora dela.
Estas mudanças de opinião durante e após a Segunda Guerra Mundial
foram suficientes para alterar os cálculos de muitos políticos americanos.
O presidente Harry Truman, favorável ao sionismo devido a amizades
pessoais e à influência dos seus conselheiros mais próximos, estava
convencido de que o apoio total aos seus objetivos era uma necessidade
política interna.47 Em novembro de 1945, apenas nove meses após
Roosevelt se ter encontrado com Ibn Sa’ud e lhe ter garantido o seu apoio,
Truman revelou, sem rodeios, as motivações por trás desta grande
mudança quando um grupo de diplomatas americanos o alertou
prescientemente de que uma política abertamente pró-sionista podia
prejudicar os interesses dos Estados Unidos no mundo árabe. «Lamento,
cavalheiros», disse ele, «mas tenho de responder às centenas de milhares
que estão ansiosos pelo sucesso do sionismo. Não tenho centenas de
milhares de árabes entre os meus eleitores».48
Inicialmente, o Departamento de Estado, o Pentágono e a CIA – que
viriam a tornar-se no sistema permanente do novo império global
americano em termos de política externa – opunham-se ao resoluto
partidarismo de Truman e dos seus conselheiros em favor do sionismo e
do novo Estado de Israel. Truman, porém, que não tinha origens
aristocráticas, não frequentara o ensino superior (foi o último presidente
dos Estados Unidos a não ter uma licenciatura) e não tinha experiência em
termos de assuntos externos, não se deixou intimidar pelo sistema de
política externa que tinha herdado. No início do período pós-guerra,
figuras respeitadas, desde o Secretário de Estado George Marshall a Dean
Acheson, George Kennan e outros oficiais superiores do Departamento de
Estado, entre outros, alegaram que o apoio ao novo Estado judaico
prejudicaria os interesses estratégicos, económicos e petrolíferos
americanos no Médio Oriente no contexto da emergente Guerra Fria. Mas,
no primeiro livro a examinar atentamente os recentemente
disponibilizados documentos governamentais desse período, a cientista
política Irene Gendzier mostra que a opinião dos elementos-chave no seio
da burocracia se alterou em poucos meses. Após as espantosas vitórias
militares israelitas, muitos burocratas e oficiais militares, e com eles a
indústria petrolífera norte-americana, passaram rapidamente a reconhecer
a possível utilidade do Estado judaico para os interesses dos Estados
Unidos na região.49
As principais razões para esta mudança foram económicas e
estratégicas, relacionadas com considerações sobre a Guerra Fria e com os
vastos recursos energéticos do Médio Oriente. Em termos militares, o
Pentágono veio a ver Israel como um aliado potencialmente poderoso.
Além disso, nem os decisores políticos nem as empresas petrolíferas viam
Israel como uma ameaça aos interesses petrolíferos norte-americanos,
dada a deferência saudita quanto à Palestina (no auge da guerra de 1948,
enquanto as tropas israelitas invadiam a maior parte do país e expulsavam
centenas de milhares de palestinianos, Marshall encontrou razões para
agradecer ao rei Ibn Sa’ud pelos seus «modos conciliadores»
relativamente à Palestina).50 A partir daí, a Arábia Saudita nunca mais
causou problemas no que à íntima relação entre americanos e israelitas
dizia respeito. Na verdade, era vista pela família real saudita como
perfeitamente compatível com a íntima relação entre americanos e
sauditas que remontava ao primeiro acordo de exploração e
aproveitamento petrolífero de 1933.51
Durante as suas primeiras décadas, porém, Israel não recebeu os níveis
massivos de apoio militar e económico americano que viriam a tornar-se
rotineiros a partir do início da década de 1970.52 Além disso, nas Nações
Unidas, os Estados Unidos adotavam frequentemente posições que
entravam em conflito com as de Israel, incluindo votar a favor de
repetidas condenações do Conselho de Segurança às ações militares
israelitas.53 Durante a administração Truman, e até à guerra de 1967, na
verdade, apesar de geralmente favoráveis e solidários para com o Estado
judaico, os decisores políticos dos Estados Unidos prestaram
relativamente pouca atenção ao Estado de Israel propriamente dito. De
Truman em diante, os líderes americanos prestaram ainda menos atenção
aos palestinianos.

Em choque, derrotados, dispersos e temporariamente sem líder, muitos


dos palestinianos tinham apenas uma vaga ideia das mudanças globais que
tinham deixado a sua pátria em ruínas. A geração mais velha, que ao
longo de décadas viera a ver a Grã-Bretanha como a principal facilitadora
do sionismo, continuou, com grande amargura, a vê-la como a principal
fonte dos seus infortúnios. Os palestinianos criticavam também duramente
os fracassos dos seus próprios líderes e expressavam uma profunda
repugnância ante a atuação dos Estados árabes e a incapacidade dos seus
exércitos de salvaguardarem mais de 22 por cento da Palestina árabe.54
Tudo isto aliado à cólera contra os monarcas árabes pela sua desunião, e,
pior ainda, pela cumplicidade de alguns deles – nomeadamente o rei
‘Abdullah da Jordânia – com Israel e as grandes potências. Assim, ‘Isa
al-‘Isa, escrevendo após a Nakba do seu exílio em Beirute, criticou desta
forma os monarcas árabes:

Ó pequenos reis dos árabes, pela graça de Deus,


Basta de debilidade e de conflitos internos.
Em tempos, as nossas esperanças estiveram em vós,
Mas todas as nossas esperanças foram desfeitas.55

Por todas estas razões, na desoladora nova realidade posterior à


Nakba, mais de um milhão de palestinianos enfrentaram um mundo
completamente virado do avesso. Onde quer que estivessem, dentro da
Palestina ou não, passavam por profundas perturbações sociais. Para a
maioria, isto significava a miséria – a perda de casas, empregos e
comunidades profundamente enraizadas. Os aldeões perdiam as suas
terras e o seu sustento e os habitantes das cidades perdiam as suas
propriedades e capitais, enquanto a Nakba estilhaçava o poder dos
notáveis do país juntamente com a sua base económica. O desacreditado
mufti jamais recuperaria a sua autoridade anterior à guerra, tal como
outros da sua classe. As convulsões sociais em grande parte do mundo
árabe, muitas vezes desencadeadas por revoluções com apoio militar,
substituiriam a classe dos notáveis por líderes mais jovens extraídos de
estratos sociais mais diversos. A Nakba produziu o mesmo resultado entre
os palestinianos.
Mesmo aqueles que conseguiram evitar o empobrecimento tinham
sido separados do seu lugar no mundo. Foi o caso dos meus velhos avós,
que foram bruscamente desenraizados das suas rotinas e do seu lar,
perdendo a maior parte dos seus bens. Tiveram bastante sorte em
comparação com tantos outros. Até à sua morte, em meados dos anos
1950, tiveram sempre um teto sólido sobre as suas cabeças, apesar de se
terem visto obrigados a movimentarem-se entre as casas dos seus filhos,
que estavam agora dispersos desde Nablus e Jerusalém, na Margem
Ocidental, a Beirute, Amã e Alexandria. Após a sua visita, em 1947, os
meus pais regressaram a Nova Iorque para o meu pai continuar com os
seus estudos, planeando retornar à Palestina assim que terminasse.
Nenhum deles alguma vez voltou a ver a Palestina.
Para todos os palestinianos, independentemente das suas diferentes
circunstâncias, a Nakba constituiu uma persistente pedra angular de
identidade, que perdura há várias gerações. Assinalou uma brusca rutura
coletiva, um trauma que todos os palestinianos partilham de uma maneira
ou de outra, pessoalmente ou através dos seus pais ou avós. Ao mesmo
tempo que proporcionava um novo foco para a sua identidade coletiva, a
Nakba destruiu famílias e comunidades, dividindo e dispersando os
palestinianos por múltiplos países e diferentes soberanias. Mesmo os que
continuavam ainda na Palestina, quer fossem refugiados ou não, estavam
sujeitos a três regimes políticos diferentes: o de Israel, o do Egito (para os
da Faixa de Gaza) e o da Jordânia (para os da Margem Ocidental e de
Jerusalém Oriental). Esta condição de dispersão, shitat em árabe, tem
assolado o povo palestiniano desde então. A minha própria família é um
exemplo típico disso, na medida em que tenho primos na Palestina e em
meia dúzia de países árabes, e quase outros tantos na Europa e nos
Estados Unidos. Cada um destes diferentes coletivos palestinianos
enfrentava um leque de restrições de circulação, tinha vários documentos
de identificação ou nenhuns, e estava obrigado a operar sob diferentes
condições, leis e línguas.
A pequena minoria de palestinianos, cerca de 160 000, que conseguira
evitar a expulsão e ficar na parte da Palestina que se tinha tornado Israel
era agora cidadã desse Estado. O governo de Israel, dedicado acima de
tudo a servir a nova maioria judaica do país, via esta restante população
com profunda desconfiança, como uma potencial quinta coluna. Até 1966,
a maioria dos palestinianos viveu sob rigorosa lei marcial e grande parte
das suas terras foram confiscadas (juntamente com as daqueles que tinham
sido expulsos do país e eram agora refugiados). Esta terra roubada, uma
expropriação considerada legal pelo Estado israelita, incluindo a maioria
das zonas aráveis do país, foi entregue a colonatos judaicos ou à
Autoridade Fundiária de Israel, ou posta sob o controlo do FNJ, cujos
estatutos discriminatórios determinavam que essas propriedades só
podiam ser utilizadas em benefício do povo judeu.56
Esta disposição significava que os proprietários árabes expropriados
não podiam recomprar nem arrendar o que em tempos lhes pertencera, tal
como qualquer outro não judeu. Estes passos foram cruciais para a
transformação da Palestina de país árabe em Estado judaico, uma vez que
até 1948 só cerca de 6 por cento do território palestiniano era propriedade
de judeus. A população árabe em Israel, isolada pelas restrições às viagens
impostas pelos militares, estava também desligada dos outros
palestinianos e do resto do mundo árabe. Habituados a serem uma maioria
substancial no seu próprio país e região, tinham subitamente de aprender a
circular como uma minoria desprezada num ambiente hostil, sujeitos a um
sistema judaico que nunca se definiu como um Estado para todos os seus
cidadãos. Nas palavras de um estudioso: «Em virtude da autodefinição de
Israel como Estado judaico e das leis e políticas de exclusão do Estado, o
que foi conferido aos palestinianos foi, na prática, uma cidadania de
segunda classe.» Mais significativamente, o regime marcial sob o qual os
palestinianos viviam concedia aos militares israelitas uma autoridade
quase ilimitada para controlar as minudências das suas vidas.57
Os palestinianos desalojados que viviam agora fora das fronteiras do
Estado de Israel – e que eram, na verdade, a maioria do povo palestiniano
– eram refugiados (tal como alguns dos que permaneciam em Israel). Os
que tinham fugido para a Síria, para o Líbano e para a Jordânia
sobrecarregaram gravemente as limitadas capacidades de auxílio desses
países. Inicialmente, a maioria deu por si em campos geridos pela Agência
das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados (UNRWA). A maioria
dos refugiados com recursos, competências empregáveis ou familiares em
países árabes não se registou na UNRWA ou encontrou outro alojamento,
e outros acabaram por conseguir sair dos campos e integrarem-se em
cidades como Damasco, Beirute, Sídon e Amã. Os palestinianos que
nunca passaram pelos campos ou que rapidamente saíam deles tendiam a
ser abastados, educados e urbanizados. Com o tempo, seguiram-se outros
e a grande maioria dos refugiados e dos seus descendentes acabou por
viver fora destes campos.
Na Jordânia, lar de 2,2 milhões de refugiados registados na UNRWA –
o maior grupo de todos –, só 370 000 permanecem ainda nos campos, bem
como apenas um quarto dos 830 000 refugiados registados na Margem
Ocidental. Menos de um quarto dos 550 000 refugiados na Síria viviam
em campos antes da guerra civil local, tal como menos de metade dos 470
000 refugiados palestinianos no Líbano. A proporção é aproximadamente
a mesma entre os 1,4 milhões de refugiados registados no exíguo território
da Faixa de Gaza, que esteve sob controlo egípcio até 1967. Assim,
embora estejam registados com a UNRWA cinco milhões e meio de
refugiados palestinianos e seus descendentes, a maioria, cerca de quatro
milhões, bem como muitos outros que nunca se registaram na ONU, não
vive atualmente em campos de refugiados.
Em 1950, o rei ‘Abdullah realizou a sua ambição de expandir o seu
pequeno reino, agora chamado Jordânia em vez de Transjordânia,
anexando a Margem Ocidental, integração essa que só foi reconhecida
pelos seus aliados mais próximos, o Reino Unido e o Paquistão. Ao
mesmo tempo, o rei concedeu a cidadania jordana a todos os palestinianos
dos seus recém-aumentados domínios. Esta generosa medida, que se
aplicava à esmagadora maioria dos refugiados palestinianos a viverem
exilados no mundo árabe e na Margem Ocidental, contradiz a repetida
afirmação israelita de que os Estados árabes impediam os refugiados de se
integrarem, obrigando-os a permanecerem em campos como útil arma
política.
Ainda que a velha elite política e económica palestiniana tivesse sido
desacreditada, alguns dos seus membros, nomeadamente os que se tinham
oposto ao mufti – como, por exemplo, Raghib al-Nashashibi, outrora
autarca de Jerusalém – ajustaram-se rapidamente às suas novas
circunstâncias sob a monarquia haxemita. Alguns deles chegaram mesmo
a ocupar cargos no governo jordano em Amã. Outros palestinianos
continuaram irreconciliados e amargurados por terem perdido a sua
oportunidade de autodeterminação, e, pior, por estarem sujeitos ao seu
velho antagonista, o rei ‘Abdullah. Ainda que a Legião Árabe jordana,
apoiada pela Grã-Bretanha, tivesse sido o único exército a aguentar-se
contra as forças israelitas em 1948, impedindo que maior parte da
Palestina caísse sob controlo israelita, o preço por terem sido salvos dessa
forma – o domínio haxemita sobre a Margem Ocidental e Jerusalém
Oriental – fora elevado. A lealdade de ‘Abdullah para com os odiados
senhores coloniais britânicos, a sua oposição à independência palestiniana
e os seus amplamente referidos contactos com os sionistas pesavam contra
ele. O meu pai, que conhecera em primeira mão a atitude de ‘Abdullah,
recusou-se a aceitar um passaporte jordano após o seu passaporte do
Mandato Britânico da Palestina ter expirado. Acabou por obter um
passaporte saudita através da intercessão do seu irmão, o Dr. Husayn, que
se tinha encontrado com o Ministro dos Negócios Estrangeiros saudita (e
posteriormente rei) Faysal ibn ‘Abd al-‘Aziz na conferência do Palácio de
St. James, em Londres, em 1939.
O rei ‘Abdullah acabou por pagar o mais elevado dos preços pelas
suas negociações com Israel.58 Em julho de 1951, foi assassinado na
ampla esplanada do Haram al-Sharif, em Jerusalém, quando ia a sair da
Mesquita al-Aqsa após as preces de sexta-feira.59 O seu assassino,
capturado pouco depois e rapidamente julgado e executado, estaria
supostamente ligado ao antigo mufti de Jerusalém – os escritórios do
mufti tinham-se situado durante muito tempo dentro e em torno do
retângulo do Haram, um ponto fulcral da identidade palestiniana. Em vez
de sepultarem o rei assassinado numa câmara contígua ao Haram, junto ao
túmulo do seu pai, Sharif Husayn de Meca, decidiram sepultá-lo na sua
capital, Amã.
O assassinato azedou ainda mais as relações entre o regime jordano e
os nacionalistas palestinianos, que eram vistos pelos governantes do
recém-expandido reino como radicais irresponsáveis e perigosos e como
elementos de instabilidade. A partir daí, a monarquia começou a explorar
as clivagens existentes entre muitos jordanos e os novos cidadãos
palestinianos do país, que constituíam agora a maioria da população.
Muitos jordanos acabaram, ainda assim, por ver o regime haxemita como
antidemocrático e como um bastião repressivo dos interesses imperiais,
servindo como uma barreira amigável na proteção da fronteira oriental do
Estado judaico. Ainda que uma porção considerável dos palestinianos
tenha acabado por se transformar num próspero e fiável pilar da sociedade
jordana, a tensão entre o regime e os seus súbditos palestinianos perdurou
durante décadas, acabando por explodir num conflito armado em 1970.
Os palestinianos que se refugiaram no Líbano também se envolveram
na política do seu país anfitrião, embora o número de refugiados e a sua
proporção em relação à população total fosse muito inferior ao da
Jordânia. Maioritariamente muçulmanos, os palestinianos nunca foram
considerados para a obtenção da cidadania libanesa, pois isso teria
desestabilizado o precário equilíbrio sectário do país, concebido pelas
autoridades mandatárias francesas para permitir que os cristãos maronitas
dominassem. Alguns sunitas, drusos, xiitas e políticos de esquerda
libaneses que estavam solidários com a sua causa acabaram por ver os
palestinianos como aliados úteis nas suas tentativas de remodelar o
sistema político sectário do Líbano. No entanto, nenhum compromisso
com a causa da Palestina se estendia à integração dos palestinianos, que,
em todo o caso, ainda se agarravam à esperança de regressarem à sua
pátria. A oposição ao tawtin, ou reassentamento permanente no Líbano,
era, portanto, um assunto de fé, tanto para os libaneses como para os
palestinianos.
Os residentes nos campos de refugiados palestinianos eram mantidos
sob estreita vigilância pelo Deuxième Bureau, o serviço de informação do
exército libanês, com duras restrições em termos de emprego e de posse
de propriedades. Ao mesmo tempo, a prestação de serviços da UNRWA
no Líbano e noutros locais, nomeadamente de educação universal e treino
vocacional, permitiu que os palestinianos se tornassem num dos povos
mais qualificados do mundo árabe. As competências assim adquiridas
facilitaram a sua emigração, principalmente para os países árabes ricos em
petróleo, que necessitavam seriamente de trabalhadores qualificados e
com experiência profissional. Ainda assim, apesar da válvula de segurança
proporcionada pelos serviços da UNRWA, que canalizavam muitos jovens
palestinianos para fora dos campos de refugiados, o nacionalismo e o
irredentismo eram generalizados entre todas as classes e comunidades. À
medida que os palestinianos começaram a emergir do choque da Nakba e
a organizarem-se politicamente, as suas atividades levaram a uma
polarização ainda maior entre os libaneses em linhas sectárias e políticas,
e, eventualmente, a confrontos com as autoridades em finais da década de
1960.
Um número mais reduzido de refugiados palestinianos acabou na
Síria, alguns em campos e outros em Damasco e noutras cidades, sendo
menos no Iraque e ainda menos no Egito. Nestes países maiores e mais
homogéneos, os grupos limitados de refugiados palestinianos não tiveram
um efeito desestabilizador. Foram criados campos de refugiados na Síria,
mas os palestinianos que aí se encontravam tinham também certas
vantagens. Recebiam muitos dos benefícios da cidadania síria, como o
direito a possuírem terras e o acesso ao ensino público e a empregos na
administração estatal, sendo-lhes, porém, negada a nacionalidade, um
passaporte (tal como no Líbano, recebiam documentos de viagem para
refugiados) e o direito ao voto. Os palestinianos na Síria atingiram assim
um alto nível de integração social e económica, mantendo, apesar disso, o
seu estatuto legal de refugiados.
Com o tempo, e à medida que os países do Golfo Pérsico, a Líbia e a
Argélia começavam a desenvolver as suas indústrias petrolíferas,
conseguindo manter uma proporção mais elevada dos seus rendimentos do
petróleo e do gás, muitos palestinianos tornaram-se residentes desses
países e desempenharam um importante papel no desenvolvimento das
suas economias, serviços governamentais e sistemas educativos. Contudo,
tal como as personagens do breve romance Men in the Sun, do autor
palestiniano Ghassan Kanafani, nem sempre achavam este caminho fácil,
pois envolvia frequentemente alienação, isolamento e, como quando os
palestinianos tentavam atravessar fronteiras com os seus papéis de
refugiados, até mesmo tragédias.60 Viver nos países do Golfo Pérsico não
trazia consigo a nacionalidade ou a residência permanente: a capacidade
dos palestinianos de permanecerem nestes locais dependia do seu
emprego, mesmo que lá tivessem passado a maior parte das suas vidas.
Independentemente do grau de integração palestiniana, as populações
de todos os Estados árabes sentiam uma grande e persistente preocupação
com a questão da Palestina, tanto por solidariedade com o povo como por
a humilhante derrota de 1948 ter tornado visível a sua própria fraqueza,
vulnerabilidade e instabilidade. Efetivamente, no seu livro de memórias,
Philosophy of the Revolution, Gamal Abdel Nasser, líder da insurreição de
1952 no Egito, reflete em como a ideia de derrubar o antigo regime estava
em primeiro plano nas mentes dos oficiais que estavam a combater na
guerra de 1948, na Palestina: «Lutávamos na Palestina, mas os nossos
sonhos estavam no Egito.»61
Além de ajudar a provocar estes distúrbios, a derrota militar em 1948
deixou os seus vizinhos árabes profundamente receosos de Israel, cujo
poderoso exército continuava a lançar ataques devastadores como parte de
uma estratégia de represálias desproporcionadas face às incursões de
refugiados, com vista a obrigar os governos árabes a combater o
irredentismo palestiniano.62 Estes ataques israelitas eram regularmente
abordados nas reuniões do Conselho de Segurança das Nações Unidas
(reuniões essas a que o meu pai assistiu nas décadas de 1950 e 1960, na
sua qualidade de membro da divisão de Assuntos Políticos e do Conselho
de Segurança da ONU), onde as ações de Israel eram frequentemente
condenadas.63 Os relatórios que o conselho recebia dos observadores de
tréguas da ONU eram completamente diferentes, não só das declarações
do governo israelita, mas também da cobertura enviesada nos meios de
comunicação americanos.64
Esta dinâmica volátil ao longo das suas fronteiras resultou na peculiar
situação em que os líderes árabes abordavam frequentemente a questão da
Palestina devido à pressão popular, abstendo-se, porém, de fazer
efetivamente alguma coisa a esse respeito, por medo do poder de Israel e
da desaprovação das grandes potências. A questão da Palestina tornou-se,
pois, uma bola de futebol política arbitrariamente explorada por políticos
oportunistas, enquanto cada um deles procurava ultrapassar os outros na
proclamação da sua devoção a ela. Os palestinianos que assistiam a este
jogo cínico acabaram por se aperceber de que, se queriam que algo fosse
feito quanto à sua causa, teriam de ser eles mesmos a fazê-lo.
No rescaldo da guerra de 1948, os palestinianos tornaram-se
praticamente invisíveis, quase nunca sendo abordados nos meios de
comunicação ocidentais e raramente lhes sendo permitido representarem-
se a nível internacional. Eles e a sua causa sagrada eram invocados pelos
governos árabes, mas não desempenhavam praticamente nenhum papel
independente. Os Estados árabes arrogavam-se o direito de falarem pelos
palestinianos nos fóruns interárabes, mas dada a divisão e a desordem
entre eles e as muitas distrações que enfrentavam, não o faziam com uma
voz unificada. Nas Nações Unidas, bem como noutros locais, a questão
palestiniana era geralmente incluída na rubrica do «conflito israelo-
árabe», e os Estados árabes assumiam a liderança, representando
debilmente os interesses palestinianos. Imediatamente após a Nakba,
vários antigos membros da ACA, sob a liderança de Ahmad Hilmi Pasha,
incluindo o meu tio Husayn, tentaram estabelecer um governo no exílio
para o Estado árabe que estava especificado na resolução de divisão.
Fundaram um Governo de Toda a Palestina, em Gaza, mas que não
conseguiu conquistar o apoio dos Estados árabes fundamentais,
nomeadamente da Jordânia, que, mais uma vez, não queria que os
palestinianos tivessem representação independente, e não obteve qualquer
reconhecimento internacional.65 O esforço não deu em nada.
O mufti e alguns dos notáveis persistiram, alguns no exílio, outros
aposentados e outros a servirem a monarquia em Amã. Vários dos antigos
líderes estiveram envolvidos na breve abertura democrática de seis meses
na Jordânia, em 1956-57, representada pelo governo nacionalista de
Sulayman al-Nabulsi. Entre estes líderes, incluía-se o meu tio, Dr. Husayn,
que serviu como Ministro dos Negócios Estrangeiros no governo
nacionalista e depois como primeiro-ministro durante dez dias após al-
Nabulsi ter sido dispensado e antes de o rei Hussein ter nomeado um
governo maleável que impôs a lei marcial. As eleições de 1956 que
levaram al-Nabulsi ao poder foram, tal como foi admitido por um
diplomata britânico hostil, «as primeiras aproximadamente livres na
história da Jordânia» (e podem ter sido as últimas), mas o seu governo
viu-se confrontado com a incessante hostilidade da Grã-Bretanha e da
monarquia haxemita.66 Excetuando este breve episódio, nunca mais
ninguém da velha guarda palestiniana voltou a desempenhar um papel
importante na política. É impressionante, além disso, que, após a liderança
ter passado para uma nova geração de palestinianos e para uma nova
classe, quase nenhuma das figuras determinantes tenha sido extraída das
famílias notáveis que dominavam a política palestiniana antes da Nakba.**
As poucas formações políticas que se tinham desenvolvido no
Mandato da Palestina, sindicatos e outras agremiações não pertencentes às
elites, como o Partido Istiqlal, foram irremediavelmente destruídas pela
Nakba. A única exceção foi um resquício do Partido Comunista
Palestiniano, que, até 1948, tinha uma base maioritariamente árabe e uma
liderança maioritariamente judaica. Este tornou-se no cerne do Partido
Comunista Israelita, que, a partir da década de 1950, se transformou num
veículo judaico-árabe para as aspirações políticas de muitos cidadãos
palestinianos de Israel, uma vez que as formações puramente árabes
tinham sido proibidas pelo regime militar em vigor até 1966. As
atividades do partido estavam, ainda assim, limitadas ao sistema israelita
e, durante várias décadas, tiveram pouco impacto nos palestinianos
localizados em outros locais. Verificou-se, pois, uma espécie de tabula
rasa política entre os palestinianos a partir de 1948.
Neste vácuo político pós-Nakba, entraram os Estados árabes, muitos
dos quais, como a Jordânia governada pelo rei ‘Abdullah, tinham já
tentado colocar os palestinianos sob o seu controlo. Ainda assim, estavam
muito mais preocupados com as suas próprias agendas, com evitar
conflitos com o seu poderoso e agressivo vizinho israelita e com cair nas
boas graças das grandes potências que patrocinavam Israel. Em vez de se
aliarem aos palestinianos na sua resistência à guerra de baixa intensidade
que estava a ser travada contra eles, os governos árabes prejudicaram os
seus esforços, chegando por vezes a serem cúmplices dos inimigos dos
palestinianos. Exemplo perfeito disso foi a Jordânia, que, após a anexação
da Margem Ocidental pelo rei ‘Abdullah, reprimiu com firmeza as
expressões de nacionalismo palestiniano, mas outros Estados árabes
impediram também os palestinianos de se organizarem ou lançarem
ataques contra Israel.
Incitado pela relutância ou incapacidade dos Estados árabes e da
comunidade internacional para reverter as desastrosas consequências de
1948, o ativismo palestiniano ressurgiu de várias formas no desolador
contexto pós-Nakba. Pequenos grupos dedicaram-se a atividades
militantes com vista sobretudo a mobilizar os palestinianos para a
recuperação da responsabilidade fundamental pela sua própria causa
envergando armas contra Israel. Isto começou espontaneamente e
consistia sobretudo em ataques descoordenados a comunidades
fronteiriças israelitas. Foram necessários vários anos para que estas
formas maioritariamente rudimentares de ação armada clandestina
convergissem numa tendência visível e emergissem da obscuridade com a
formação de organizações como a Fatah, em 1959.
Além de lidar com a oposição de Israel a qualquer tentativa
palestiniana de corrigir o statu quo, os palestinianos tinham também de
enfrentar os governos árabes anfitriões, nomeadamente os da Jordânia, do
Líbano e do Egito. Estes Estados estavam profundamente relutantes em
tolerar ataques ao seu vizinho, dada a sua profunda fraqueza militar
comparativamente ao Estado judaico. Mesmo quando os novos
movimentos palestinianos conseguiam impor-se, tinham de defender-se
das tentativas de alguns Estados árabes de os vergarem aos seus
propósitos. A formação da Organização para a Libertação da Palestina
pela Liga Árabe, em 1964, a pedido do Egito, foi uma resposta a este
crescente ativismo palestiniano independente e constituiu a mais
significativa tentativa por parte dos Estados árabes de o controlar.
O governo egípcio estava, em parte, a reagir à sua amarga experiência
no período que levara à Guerra do Suez, em 1956. No rescaldo da
revolução de 1952, o regime militar tinha rejeitado um caro programa de
reamarmento, apesar de a derrota na Palestina ter sido, em parte, resultado
do armamento inadequado e obsoleto do exército egípcio. Em vez disso, o
regime concentrou-se no desenvolvimento económico e social interno,
com a eletrificação e irrigação em grande escala prometidas através da
construção da Barragem de Assuão, o investimento na industrialização, a
extensão e expansão do ensino básico, secundário e superior e um
planeamento económico estatal. O Egito procurou obter ajuda económica
externa para estas iniciativas de todas as fontes possíveis, tentando ao
mesmo tempo manter-se não-alinhado durante o desenrolar da Guerra
Fria.67
No início do seu regime, Gamal Abdel Nasser procurou
particularmente evitar provocar Israel, o poderoso vizinho do Egito. Este
esforço foi prejudicado pelas políticas agressivas dos líderes israelitas,
principalmente do primeiro-ministro David Ben-Gurion,68 e pela crescente
militância palestiniana na Faixa de Gaza. A grande e concentrada
população refugiada aí existente proporcionou um ambiente ideal para o
crescimento desta militância, tal como é confirmado pelos relatos dos
fundadores do movimento Fatah que estavam sediados em Gaza, entre
eles Yasser ‘Arafat (Abu ‘Ammar), Salah Khalaf (Abu Iyad) e Khalil al-
Wazir (Abu Jihad). Anos depois, falaram sobre os obstáculos – incluindo
prisão, tortura e perseguição – que os serviços de informação egípcios
pós-golpe colocaram no caminho dos seus esforços para se organizarem
contra Israel.69
Assim, foi lançada uma campanha palestiniana de ataques esporádicos,
mas muitas vezes letais, contra Israel, apesar da forte repressão por parte
das forças militares egípcias e dos seus serviços de informação, que
controlavam rigorosamente a Faixa de Gaza. A retaliação de Israel face às
baixas infligidas pelos infiltrados palestinianos além-fronteiras,
conhecidos como feda’iyin (que significa «aqueles que se sacrificam») foi
enorme e desproporcionada, sendo a Faixa de Gaza a sofrer as
consequências de muitos desses ataques. Ainda assim, nenhum dos países
vizinhos lhes era imune. Em outubro de 1953, forças israelitas realizaram
um massacre na aldeia de Qibya, na Margem Ocidental, na sequência de
um ataque de feda’iyin que tinha matado três civis israelitas, uma mulher e
os seus dois filhos, na cidade de Yehud. A Unidade 101 das forças
especiais israelitas, comandada por Ariel Sharon, fez explodir quarenta e
cinco casas com os seus habitantes lá dentro, matando sessenta e nove
civis palestinianos.70 O ataque, que foi condenado pelo Conselho de
Segurança das Nações Unidas,71 foi lançado apesar dos esforços
incessantes da Jordânia (que tinha então o controlo da Margem Ocidental)
para impedir a atividade armada palestiniana, que incluía o
encarceramento e até a morte de pretensos infiltrados. Soldados jordanos
eram frequentemente destacados para emboscadas contra militantes
palestinianos, e tinham ordens para disparar contra quem quer que tentasse
entrar em Israel.72
Em 1954 e 1955, a liderança israelita desentendeu-se acerca da política
do uso excessivo da força, com o então Ministro da Defesa Ben-Gurion a
adotar uma posição belicosa contra a visão mais pragmática e moderada
do primeiro-ministro Moshe Sharett. Ben-Gurion acreditava que só a
aplicação persistente da força obrigaria os Estados árabes a negociarem a
paz nos termos de Israel. Na opinião de Sharett, esta abordagem agressiva
provocava desnecessariamente os árabes e excluía oportunidades de
compromisso.73 (Tal como Ben-Gurion, porém, também Sharett estava
relutante em ceder qualquer parte do território que Israel tinha
conquistado em 1948 ou em permitir qualquer regresso significativo de
refugiados palestinianos às suas casas.) Em março de 1955, Ben-Gurion
sugeriu um grande ataque ao Egito e a ocupação da Faixa de Gaza.74 O
conselho de ministros israelita rejeitou a proposta, acabando por aceitá-la
em outubro de 1956, depois de Ben-Gurion ter substituído Sharett como
primeiro-ministro e de o seu carácter combativo ter levado a melhor.
Transmitidas por acólitos como Moshe Dayan, Yitzhak Rabin e Ariel
Sharon, as políticas beligerantes de Ben-Gurion têm impregnado as
relações do governo israelita com os seus vizinhos desde então.
Na escalada rumo a este ataque de 1956, Israel realizou uma série de
operações militares em grande escala contra postos da polícia e do
exército egípcios na Faixa de Gaza.75 Estas culminaram em ataques que
causaram a morte de trinta e nove soldados egípcios em Rafa, em
fevereiro de 1955, e de outros setenta em dois, em Khan Yunis, seis meses
depois, com mais soldados mortos em operações adicionais, juntamente
com inúmeros civis palestinianos.76 A manifesta fraqueza do seu exército
acabou por obrigar o Egito a abandonar a sua posição não-alinhada e a
tentar comprar armas, primeiro ao Reino Unido e depois aos Estados
Unidos. Quando essa tentativa falhou, em setembro de 1955, o Egito
celebrou um enorme acordo de compra de armas com um cliente
soviético, a Checoslováquia. Entretanto, incapaz de responder aos ataques
israelitas e envergonhado ante a opinião pública egípcia e árabe, o
governo ordenou aos seus serviços de informação militar que ajudassem
os militantes palestinianos que anteriormente tinham reprimido a lançarem
operações contra Israel. A resposta a este novo desenvolvimento não se
fez esperar, e foi devastadora. Assim, alguns ataques sangrentos lançados
no início da década de 1950, por pequenos grupos militantes
palestinianos, ações realizadas contra a vontade da maioria dos governos
árabes, acabaram por levar Israel a dar início à Guerra do Suez, em
outubro de 1956. Não o fez sozinho, e os seus parceiros tinham as suas
próprias razões para atacarem o Egito.
Os imperialistas da velha guarda em funções na Grã-Bretanha e em
França estavam furiosos com a nacionalização por parte do Egito da
Companhia Franco-Britânica do Canal do Suez, realizada em retaliação
pelo cancelamento por parte do Secretário de Estado dos EUA de um
empréstimo previsto do Banco Mundial para a construção da Barragem de
Assuão. Além disso, França queria acabar com o apoio do Egito aos
rebeldes da Argélia, aos quais tinha sido oferecido treino militar e uma
plataforma diplomática e de difusão no Cairo.77 Entretanto, o governo
conservador de Anthony Eden em Londres estava irritado com a exigência
do novo regime egípcio de que a Grã-Bretanha pusesse termo à sua
presença militar no país (que durara setenta e dois anos). Os britânicos
estavam também furiosos com o apoio do Egito aos desafios nacionalistas
à posição da Grã-Bretanha no Iraque, no Golfo, em Áden e noutras partes
do mundo árabe. Estes desafios levaram os dois países a juntarem-se a
Israel na sua invasão ao Egito, em grande escala, em outubro de 1956.78
Esta segunda maior guerra israelo-árabe teve uma série de
peculiaridades. Ao contrário das outras guerras convencionais de Israel,
em 1948, 1967, 1973 e 1982, que tiveram múltiplos protagonistas árabes,
a Guerra do Suez foi travada apenas contra um país árabe. Foi antecedida
pelo Protocolo de Sèvres, um acordo secreto entre Israel e as velhas
potências coloniais, França e Grã-Bretanha, redigido poucos dias antes do
início da guerra. Sèvres assinalou o fim do afastamento entre a Grã-
Bretanha e o movimento sionista, que remontava ao Livro Branco de
1939. A guerra envolveu ainda uma outra inversão de alianças: os
protetores de Israel em 1947-48, Estados Unidos e União Soviética,
acabaram por ficar do lado do Egito.
Uma vez negociado o acordo secreto de Sèvres, a ofensiva tripartida
foi lançada sob o pretexto de que as forças anglo-francesas estavam a
intervir apenas para separar os combatentes. O exército egípcio foi rápida
e decisivamente derrotado. Apesar da conclusão inevitável de uma disputa
militar entre uma poderosa Israel apoiada por duas potências europeias e
um frágil país do terceiro mundo que mal tinha absorvido as suas novas
armas soviéticas, os resultados políticos não foram favoráveis aos
agressores. O presidente Dwight Eisenhower ficou furioso com a França e
a Grã-Bretanha por não terem consultado Washington e por terem lançado
o que parecia ser (e era) uma intervenção neocolonial no preciso momento
em que os tanques soviéticos esmagavam a revolta húngara de 1956. Os
soviéticos ficaram furiosos com este ataque imperialista ao seu novo
aliado egípcio, mas aliviados com a distração da sua repressão da revolta
em Budapeste.
Atuando em paralelo no Médio Oriente, tal como tinham feito em
1948, e apesar da sua intensa rivalidade de Guerra Fria, os Estados Unidos
e a União Soviética adotaram uma posição dura contra a aliança tripartida.
Os soviéticos ameaçaram usar armas nucleares, os Estados Unidos
avisaram que iam cortar a ajuda económica aos seus aliados, e ambos
fizeram rapidamente aprovar uma resolução na Assembleia Geral das
Nações Unidas a exigir a retirada imediata. (Uma resolução do Conselho
de Segurança era impossível devido à certeza de um veto anglo-francês.)
A intensa pressão das superpotências obrigou Israel, França e Grã-
Bretanha a colocarem termo à ocupação do território egípcio e da Faixa de
Gaza. Israel tentou marcar passo, retirando o resto das suas forças da
Península do Sinai e da Faixa de Gaza apenas no início de 1957. Os
agressores tinham sido repelidos, os Estados Unidos e a URSS tinham
mostrado quem mandava no Médio Oriente, e Nasser tornou-se um herói
pan-árabe, mas os residentes palestinianos da Faixa de Gaza, na sua
maioria refugiados, tinham sofrido bastante.
Enquanto as tropas de ocupação israelitas varriam as cidades de Gaza
e os campos de refugiados de Khan Yunis e Rafa, em novembro de 1956,
mais de 450 civis do sexo masculino foram mortos, na sua maioria
executados sumariamente.79 Segundo um Relatório Especial do diretor-
geral da UNRWA, no primeiro massacre, que teve lugar em Khan Yunis e
no campo de refugiados vizinho no dia 3 de novembro, foram fuzilados
275 homens. Uma semana depois, no dia 12 de novembro, foram mortos
111 no campo de Rafa. Outros 66 foram abatidos entre os dias 1 e 21 de
novembro.80 Estive presente quando Muhammad El-Farra, que
representava a Jordânia nas Nações Unidas, recordou como vários dos
seus primos que viviam em Khan Yunis tinham sido encurralados e
executados.81 A alegação de Israel de que as mortes palestinianas eram o
resultado de confrontos com soldados em busca de feda’iyin foi
decisivamente desacreditada pelo relatório da UNRWA. Os civis foram
mortos após toda a resistência ter cessado na Faixa de Gaza,
aparentemente como vingança pelos ataques a Israel realizados antes da
Guerra do Suez. Dado o precedente de 1948 e os massacres de civis em
Dayr Yasin, e em pelo menos outros vinte locais,82 bem como o elevado
número de baixas civis nos ataques do início da década de 1950, como por
exemplo o de Qibya, os tenebrosos acontecimentos na Faixa de Gaza não
eram incidentes isolados. Constituíam um padrão de comportamento por
parte das forças militares israelitas. A notícia dos massacres foi censurada
em Israel e encoberta por uma comunicação social americana
complacente.
Os acontecimentos de 1956 foram uma primeira parcela do pesado
preço que o povo de Gaza pagou, e continua a pagar, na persistente guerra
contra os palestinianos. O historiador francês Jean-Pierre Filiu descreve
um total de doze grandes campanhas militares israelitas contra Gaza
remontando a 1948, sendo algumas delas verdadeiras ocupações e outras
constituindo uma guerra aberta.83 As principais guerras entre Israel e os
Estados árabes encobriam muitas vezes a forma como Gaza era visada,
uma vez que os conflitos interestatais envolvendo as grandes potências
recebiam invariavelmente mais atenção. Não é de admirar que a Faixa de
Gaza tenha sido escolhida, desta forma, como alvo: a partir de 1948,
tornou-se o cadinho da resistência dos palestinianos à sua espoliação.
Grande parte dos líderes fundadores da Fatah e da OLP emergiram dos
apertados bairros da estreita cidade costeira; a combativa Frente Popular
para a Libertação da Palestina obteve aí os seus mais fervorosos apoiantes;
e foi posteriormente o berço e fortaleza da Jihad Islâmica e do Hamas, os
mais tenazes defensores da luta armada contra Israel.
Poucos anos após a Nakba, o choque e a humilhação que esta tinha
causado aos palestinianos deram lugar a um desejo de resistir às potências
alinhadas contra eles, apesar das terríveis desvantagens. Isto levou à
sequência de incursões armadas letais que constituíram tanto uma resposta
direta à Nakba como a continuação de uma estirpe de militância anterior a
1948. As razias desencadearam desproporcionados ataques retaliatórios
israelitas aos Estados árabes vizinhos, o que acabou por levar à Guerra do
Suez. A sua génese, deflagrada pela resistência dos palestinianos a serem
suplantados na sua pátria, estava diretamente baseada na questão
palestiniana. O mesmo se aplicara à guerra de 1948.
Ambos os conflitos são entendidos quase exclusivamente em termos
de uma disputa entre os exércitos de Israel e os dos seus vizinhos árabes.
No entanto, a recusa dos palestinianos em aquiescer à sua expropriação
arrastou Estados árabes que tinham outras preocupações, e que não
desejavam nem estavam preparados para uma guerra com Israel, para
confrontos que rapidamente se descontrolaram. Em outubro de 1956, estes
conflitos crescentes proporcionaram a oportunidade para um devastador e
há muito planeado primeiro ataque israelita. Apesar da sua manifesta
fraqueza, os dispersos e derrotados palestinianos, apagados da história
pelos vencedores de 1948, maioritariamente ignorados ou amordaçados
pelos governos árabes e sacrificados no altar das ambições globais das
grandes potências, conseguiram desestabilizar repetidamente o statu quo
regional que tão desfavorável lhes era. Em 1956, as consequências de o
fazer foram graves, em Gaza e noutros locais. Viriam a ser ainda mais
graves na etapa seguinte.
* A confiança do rei evaporou-se subitamente em finais de 1947. A história do meu pai explica
porquê.
** A única exceção neste período foi o falecido Faysal Husayni, cujo relevo resultou da sua

coragem, da sua sagacidade política, do seu ativismo militante no seio da Fatah e das suas repetidas
detenções por parte de Israel. Faysal, com quem trabalhei de perto durante as negociações israelo-
palestinianas de Madrid e de Washington em 1991-93, enfrentou colonos armados, e as forças de
segurança israelitas que os protegiam, quando estes se apoderaram de casas palestinianas em
Jerusalém. A sua importância em Jerusalém devia-se a estas qualidades e não a ligações familiares,
apesar de ser filho do amado líder militar ‘Abd al-Qadir al-Husayni, que foi morto em combate em
abril de 1948. Era também da família do mufti e de Jamal al-Husayni, e neto de Musa Kazim Pasha
al-Husayni, um autarca de Jerusalém afastado do seu cargo pelos britânicos. O seu avô liderara o
movimento nacional palestiniano até à sua morte, com oitenta e quatro anos, em 1934, meses após
a polícia britânica o ter agredido com bastões durante uma manifestação em Jafa.
3

A Terceira Declaração
de Guerra, 1967

Tentava entender como um acontecimento é feito e desfeito, dado


que, em última instância, só existe através do que dele é dito, uma vez que
é efetivamente fabricado por aqueles que espalham a sua fama.
– Georges Duby1

Numa clara e soalheira manhã de inícios de junho de 1967, saí da


Grand Central Station, em Manhattan, procedente da nossa casa de família
em Mount Vernon e com destino ao gabinete do meu pai no edifício das
Nações Unidas. A Guerra dos Seis Dias grassava no Médio Oriente, e as
notícias indicavam que as forças aéreas egípcia, síria e jordana tinham
sido aniquiladas num primeiro ataque de Israel. Temia a perspetiva de
outra esmagadora vitória israelita, mas mesmo com a minha exposição
limitada à estratégia militar, sabia que um exército no deserto sem
cobertura aérea seria presa fácil para qualquer força aérea, principalmente
uma tão poderosa como a de Israel.
Na rua 42, apercebi-me de uma agitação. Várias pessoas no passeio
seguravam os cantos de um grande lençol, que estava carregado com um
monte de moedas e notas. Outros vinham de todas as direções para
atirarem para lá mais dinheiro. Parei momentaneamente para observar e
apercebi-me de que as pessoas estavam a pedir contributos para o esforço
de guerra israelita. Ocorreu-me que, enquanto a minha família e muitos
outros estavam preocupados com o destino da Palestina, muitos nova-
iorquinos estavam igualmente preocupados com o resultado para Israel.
Acreditavam sinceramente que o Estado judaico estava em perigo de
extinção, tal como muitos israelitas, alarmados pelas ameaças vazias de
certos líderes árabes.
O presidente Lyndon B. Johnson sabia que não era assim. Quando
Abba Eban, o Ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, disse a
Johnson numa reunião em Washington, DC, no dia 26 de maio, que o
Egito estava prestes a lançar um ataque, o presidente pediu ao seu
Secretário da Defesa, Robert McNamara, para esclarecer as coisas. Três
serviços de informação diferentes tinham analisado atentamente a questão,
disse McNamara, «e, no nosso entendimento, não estava iminente um
ataque». Acrescentou Johnson: «Todos os nossos serviços de inteligência
estão de acordo» que, se o Egito viesse a atacar, «vencê-lo-ão
facilmente».2 Como era sabido em Washington, as forças militares de
Israel em 1967 eram muito superiores às forças armadas de todos os
Estados árabes combinadas, o mesmo se aplicando a qualquer outra
comparação entre eles.
Documentos governamentais publicados desde então confirmaram
estes pareceres. Fontes militares e de inteligência dos Estados Unidos
previam uma vitória esmagadora de Israel em todas e quaisquer
circunstâncias, dado o domínio de que as suas forças armadas gozavam.3
Cinco anos após a guerra de 1967, cinco generais israelitas reiteraram o
parecer dos Estados Unidos, afirmando em diferentes locais que Israel não
corria perigo de aniquilação.4 Pelo contrário: as suas forças eram muito
mais sólidas do que os exércitos árabes em 1967, e o país nunca estivera
em perigo de perder uma guerra, mesmo que os árabes tivessem atacado
primeiro.5 Mas o mito perdura: em 1967, um pequeno e vulnerável país
enfrentava um constante perigo existencial, e continua a fazê-lo.6 Esta
ficção serviu para justificar o apoio global às políticas israelitas, por mais
extremas que elas fossem, e apesar da sua repetida refutação até por vozes
israelitas credíveis.7
A guerra desenrolou-se basicamente como a CIA e o Pentágono
tinham previsto. Um primeiro ataque relâmpago por parte da força aérea
israelita destruiu a maioria dos aviões de combate egípcios, sírios e
jordanos em terra. Isto deu a Israel total superioridade aérea, o que,
naquela região desértica e naquela estação, era uma vantagem absoluta
para as suas forças terrestres. As colunas blindadas israelitas conseguiram
assim conquistar a Península do Sinai e a Faixa de Gaza, a Margem
Ocidental, incluindo a árabe Jerusalém Oriental, e os Montes Golã em seis
dias.
Se as razões para a vitória decisiva de Israel em junho de 1967 são
evidentes, já os fatores que conduziram à guerra não o são tanto assim.
Uma causa fundamental foi a ascensão de grupos armados de militantes
palestinianos. O governo israelita tinha recentemente começado a desviar
as águas do rio Jordão para o centro do país, apesar da grande perturbação
da população árabe e da ainda maior impotência por parte dos regimes
árabes. No dia 1 de janeiro de 1965, a Fatah lançou um ataque para
sabotar uma estação de bombeamento de água no centro de Israel.
Pretendia ser um ataque com um significado simbólico, o primeiro de
muitos, destinado a mostrar que os palestinianos podiam agir eficazmente
quando os governos árabes eram incapazes de o fazer, e a envergonhar
esses governos e obrigá-los a agir. A Fatah era vista com desconfiança
pelos oficiais egípcios, como um canhão à solta, provocando
imprudentemente Israel numa altura em que o Egito estava fortemente
envolvido numa intervenção militar na guerra civil do Iémen e no
desenvolvimento da sua economia.
Isto foi no auge daquilo a que o estudioso Malcolm Kerr chamou «a
Guerra Fria árabe», quando o Egito liderava uma coligação de regimes
nacionalistas radicais árabes que se opunham ao bloco conservador
liderado pela Arábia Saudita. O ponto fulcral da sua rivalidade era o
Iémen, onde uma revolução contra a monarquia em 1962 levou a uma
guerra civil em que grande parte das forças militares egípcias acabaram
envolvidas.
Dada a avassaladora superioridade militar israelita, e o facto de mais
de sessenta mil soldados egípcios e grande parte da sua força aérea
estarem retidos na guerra civil do Iémen, a provocação egípcia a Israel em
maio de 1967 – ao deslocar tropas para a Península do Sinai e exigir a
retirada das forças de manutenção da paz da ONU – parece ilógica. Mas o
Egito estava a responder a um recrudescimento dos ataques de
guerrilheiros palestinianos contra Israel a partir de bases proporcionadas
pelo novo regime radical sírio que chegara ao poder em 1966, aos quais
Israel reagira atacando e ameaçando a Síria. A liderança egípcia sentiu-se
obrigada a responder a este desafio para manter o seu prestígio no mundo
árabe.8 Quaisquer que tenham sido os seus motivos, as movimentações
egípcias no Sinai constituíram uma manifesta provocação a Israel. Além
disso, proporcionaram-lhe o casus belli que permitiu às forças militares
israelitas lançarem um há muito planeado primeiro ataque, que esmagou
três exércitos árabes e alterou a face do Médio Oriente.9
Todas as manhãs durante a guerra, eu ia às Nações Unidas – alterando
a minha rota para evitar os angariadores de fundos com o seu lençol – e ao
gabinete do meu pai no trigésimo quinto andar, com a sua vista
panorâmica para o rio East e para Queens. Trabalhava na divisão de
Assuntos Políticos e do Conselho de Segurança e uma das suas tarefas era
reportar sobre as deliberações do conselho quanto ao Médio Oriente.
Assim, assistia às reuniões do Conselho de Segurança sempre que o
conflito israelo-árabe era discutido, o que corresponderia a cerca de
metade das suas sessões durante a década e meia em que lá trabalhou, até
à sua morte, em 1968. No seu gabinete, eu ouvia rádio, lia as notícias e
tentava basicamente ser útil até o conselho ser chamado a reunir. Podia
então sentar-me na galeria dos visitantes enquanto o meu pai ocupava o
seu lugar na última fila, atrás do secretário-geral adjunto encarregado da
sua divisão. Este oficial específico, por um qualquer acordo arcano de
inícios da Guerra Fria que talvez remontasse a Ialta, era sempre um russo,
um bielorrusso ou um ucraniano.10
O conselho tinha-se reunido repetidas vezes em sessões formais ou
informais desde que a crise começara a sério no mês anterior. Durante os
seis dias da guerra propriamente dita, o conselho realizou onze sessões,
muitas das quais se prolongaram até de madrugada. O ritmo e a carga de
trabalho eram extenuantes, e o meu pai, que, juntamente com os seus
colegas, tinha de passar muitas horas a preparar material para o conselho e
para o secretário-geral e depois a redigir relatórios sobre cada sessão,
parece abatido e exausto nas fotos tiradas na altura.11
No dia 9 de junho, sexta-feira, o quinto dia da guerra, as forças
israelitas tinham já derrotado decisivamente os exércitos egípcio e jordano
e ocupado a Faixa de Gaza, a Península do Sinai, a Margem Ocidental e a
árabe Jerusalém Oriental. No início dessa manhã, Israel começara a
invadir os Montes Golã, desbaratando o exército sírio, e avançava
rapidamente pela estrada principal em direção a Damasco. O conselho
tinha decretado um cessar-fogo generalizado nos dias 6 e 7 de junho, mas
as forças israelitas que estavam a entrar na Síria ignoraram essas
determinações, mesmo enquanto o seu governo proclamava
veementemente a sua adesão a elas. Ao cair dessa noite no Médio Oriente
(ainda era tarde em Nova Iorque), as forças israelitas aproximavam-se da
decisiva capital provincial de Quneitra, para lá da qual apenas a rasa
planície de Hauran se erguia entre as suas colunas blindadas, assim como
a capital síria, a apenas sessenta e quatro quilómetros de distância.
No início da sessão do conselho, que começou às 12h30 da tarde, a
União Soviética apresentou uma proposta para uma terceira e mais urgente
resolução de cessar-fogo. A esta altura, após a humilhante derrota do
exército egípcio equipado pela URSS e a tomada dos Montes Golã, os
soviéticos estavam desesperados por proteger os seus clientes sírios de
novos contratempos, sobretudo de uma marcha israelita sobre Damasco. A
urgência refletia-se nas intervenções, cada vez mais impacientes, no
debate, por parte do embaixador Nikolai Fedorenko, o representante
soviético. A resolução SC 235, que foi aprovada por unanimidade por
volta das 13h30, exigia a todas as partes envolvidas no conflito «que
cessassem imediatamente as hostilidades». Estranhamente, apelava
também ao secretário-geral da ONU para que «promovesse o
cumprimento imediato» do cessar-fogo e informasse novamente o
conselho «no máximo daqui a duas horas».12
Conselho de Segurança das Nações Unidas, 1967. Ismail al-Khalidi,
com o seu cachimbo, é o segundo a contar da direita na fila de trás.

Enquanto a sessão se prolongava pela tarde fora, eu remexia-me


nervosamente, aguardando a confirmação do secretário-geral da
obediência ao cessar-fogo. Isso significaria que os combates tinham
terminado e que o avanço israelita tinha sido travado. Mas, à medida que
os minutos iam passando, continuavam a chegar novos relatórios de tropas
israelitas a aproximarem-se cada vez mais de Damasco. Quando parecia
que o conselho talvez estivesse prestes a tomar alguma medida para impor
a sua exigência de um cessar-fogo imediato, o embaixador Arthur
Goldberg, representante dos Estados Unidos, pediu um adiamento. Após
uma discussão incoerente, o conselho aceitou suspender a sessão por duas
horas e as delegações saíram lentamente da câmara.
Fui a correr ter com o meu pai, esperando que ele me explicasse o
porquê de o conselho ter permitido outras duas horas de atraso. Goldberg
queria consultar o seu governo, disse-me o meu pai secamente. Eu estava
incrédulo. Que consultas eram necessárias para impor uma resolução de
cessar-fogo? Com um estranho sorriso amargo, o meu pai respondeu-me
calmamente em árabe. «Não compreendes?», disse ele. «Os americanos
estão a dar um pouco mais de tempo aos israelitas.»
Graças à manobra do embaixador Goldberg para atrasar por mais
algumas horas a implementação da resolução de cessar-fogo do dia 9 de
junho, o avanço israelita para a Síria não parou, e continuou até à tarde
seguinte. Por essa altura, o Conselho de Segurança tinha já passado outras
nove horas em aceso debate, estendendo-se por mais três sessões e
prolongando-se até às primeiras horas do dia 10 de junho. Durante todo
esse tempo, Goldberg repetiu as suas manobras dilatórias.
Pese embora a insignificância do incidente, o desempenho do
embaixador augurava uma grande mudança nas políticas dos Estados
Unidos para com Israel. Aquilo a que tínhamos assistido nesse dia era
prova de um novo eixo em ação no Médio Oriente – as lanças blindadas
no terreno eram israelitas, enquanto a cobertura diplomática era
americana. É um eixo que ainda hoje continua em vigor, mais de meio
século depois. A mudança, que já estava em curso há algum tempo,
deveu-se sobretudo a fatores globais, nomeadamente ao impacto da
Guerra Fria e da Guerra do Vietname na região e na política dos Estados
Unidos, mas também a importantes considerações pessoais e políticas em
Washington, DC. Paralelamente, também as alianças externas de Israel
estavam a evoluir, com um decidido afastamento dos seus benfeitores da
década de 1950 e inícios da década de 1960, França e Grã-Bretanha (com
cujas armas travou as guerras de 1956 e 1967), para se alinhar totalmente
com os Estados Unidos. Todos estes fatores tinham já convergido em
junho de 1967, antes do início da guerra, quando o governo israelita
procurou e obteve luz verde de Washington para lançar um ataque
preventivo contra as forças aéreas do Egito, da Síria e da Jordânia.
Se a Declaração Balfour e o Mandato constituíram a primeira
declaração de guerra ao povo palestiniano por parte de uma grande
potência, e a resolução das Nações Unidas para a divisão da Palestina em
1947 constituiu a segunda, o rescaldo da guerra de 1967 gerou a terceira
dessas declarações. Surgiu na forma da SC 242, uma resolução elaborada
pelos Estados Unidos e aprovada no dia 22 de novembro de 1967. A
política dos Estados Unidos para com Israel e a Palestina não tinha
seguido uma linha reta durante os vinte anos entre a aprovação destas duas
resoluções. Nos anos posteriores à guerra de 1948, as administrações
Truman e Eisenhower tinham tentado, de forma bastante tíbia e sem
sucesso, convencer Israel a fazer algumas concessões aos seus adversários
vencidos. Os seus esforços concentraram-se no regresso a suas casas dos
cerca de 750 000 refugiados palestinianos, cujas propriedades tinham sido
confiscadas por Israel, e em reduzir as expansivas fronteiras que Israel
alcançara através das suas vitórias na guerra de 1948. Estas débeis
tentativas americanas fraquejaram face à obstinação de David Ben-
Gurion, que rejeitou fazer concessões em ambos os pontos.13
As administrações Truman, Eisenhower e Kennedy mantinham
estreitas relações com Israel, oferecendo ajuda económica ao novo Estado,
embora não o vissem como um elemento principal nas suas políticas
regionais e não aprovassem todas as suas ações. Eisenhower tinha forçado
a retirada israelita do Sinai e da Faixa de Gaza após a Guerra do Suez, em
1956, e, posteriormente, Kennedy tentou, sem sucesso, impedir Israel de
desenvolver armas nucleares.14 No início da década de 1960, Kennedy
chegou a ver o nacionalismo árabe e o egípcio Nasser como um baluarte
contra o comunismo, que era a principal preocupação americana no Médio
Oriente. Isto deveu-se em parte aos acontecimentos no Iraque, onde o
regime de ‘Abd al-Karim Qasim era apoiado pelo Partido Comunista
Iraquiano e pela URSS, contando, porém, com a vigorosa oposição do
Egito e dos seus aliados nacionalistas.
Com o assassinato de Kennedy e o advento da administração Johnson
em dezembro de 1963, surgiram novos elementos. À medida que a guerra
no Sul da Ásia se intensificava, o governo de Johnson foi ficando cada vez
mais inclinado para ver outras partes do mundo nos rígidos termos da
Guerra Fria. Parcialmente, em consequência disso, as relações entre
Estados Unidos e Egito deterioraram-se de forma acentuada à medida que
a guerra civil no Iémen, que tinha começado em 1962, se transformava
num importante conflito regional. A URSS e os seus aliados apoiavam o
regime republicano do Iémen, que contava com uma grande força
expedicionária egípcia, enquanto os Estados Unidos, a Grã-Bretanha,
Israel e os seus aliados defendiam os monárquicos apoiados pelos
sauditas. Em 1967, as relações dos Estados Unidos com o Egito eram
muito mais frias do que tinham sido sob a liderança de Kennedy, e o
Médio Oriente estava polarizado nas linhas de uma Guerra Fria Árabe,
com o Egito e a Arábia Saudita como seus polos antagónicos. Este
conflito corria cada vez mais paralelamente à mais vasta Guerra Fria
global, mas tinha as suas próprias especificidades regionais. Entre estas,
incluía-se uma luta ideológica, não entre comunismo e capitalismo, mas
antes entre o autoritário nacionalismo árabe promovido pelo Egito e o
Islão político, centrado no wahabismo e na monarquia absoluta, apregoado
pela Arábia Saudita sob as ordens do rei Faysal.
O realinhamento das prioridades americanas no Médio Oriente foi
também afetado pela longa e ostensiva simpatia do presidente Johnson por
Israel: enquanto líder da maioria no Senado, em 1956, opusera-se à
pressão de Eisenhower sobre Israel para que se retirasse do Sinai e da
Faixa de Gaza. Johnson estava também relativamente pouco familiarizado
com o Médio Oriente e com outras realidades globais. Em contraste,
Kennedy, o experiente e abastado filho de um embaixador, tinha visitado a
Palestina no início do verão de 1939, quando era um estudante de Harvard
de vinte e dois anos, e enviara ao seu pai uma carta em que demonstrava
um entendimento razoavelmente bom dos factos e uma apreciação cética
dos principais argumentos de ambos os lados do conflito. Este ceticismo
tornava Kennedy menos suscetível do que a maioria dos políticos
americanos às pressões aplicadas pelos apoiantes de Israel.15
Lyndon Johnson, por outro lado, vinha de um contexto muito mais
modesto e os seus principais interesses giravam em torno da política
interna. A sua forte afinidade com o sionismo e com Israel refletia-se no
seu círculo de amigos íntimos e conselheiros, que incluíam apoiantes de
Israel, como Abe Fortas, a quem nomeou juiz do Supremo Tribunal,16
Arthur Goldberg, McGeorge Bundy, Clark Clifford e os irmãos Eugene e
Walter Rostow. Todos eles eram devotos apoiantes do Estado judaico,
cujas simpatias tinham, em certa medida, sido mantidas sob controlo por
Kennedy.17 Outros ávidos impulsionadores de Israel, que eram
pessoalmente próximos de Johnson, eram também grandes financiadores
do Partido Democrata, como Abraham Feinberg e Arthur Krim,18 bem
como a esposa deste último, a Dra. Mathilde Krim, uma prestigiada
cientista que tinha em tempos contrabandeado armas e explosivos para o
Irgun, o grupo terrorista dos sionistas revisionistas.19 Embora Johnson
tivesse herdado a maioria dos conselheiros de política externa de
Kennedy, estes tinham um relevo muito maior numa administração
liderada por um presidente com menos experiência e segurança nos
assuntos do mundo do que a que Kennedy tinha. Estes fatores políticos e
pessoais combinaram-se nos três anos anteriores à guerra de 1967 para
preparar o caminho para a subsequente mudança na política dos Estados
Unidos.
Israel, por seu lado, tinha ficado ofendido com a forte oposição
americana à sua aventura de 1956 no Suez. Em 1967, enquanto se
preparavam para um primeiro ataque contra as forças aéreas árabes, os
seus líderes estavam decididos a obter a aprovação prévia dos americanos
para a sua ação, que efetivamente obtiveram. Uma conversa crucial teve
lugar numa reunião em Washington, no dia 1 de junho de 1967, durante a
qual o major-general Meir Amit, diretor da Mossad, a agência de
informação externa israelita, disse ao Secretário da Defesa McNamara que
ia recomendar ao seu próprio governo que Israel lançasse um ataque.
Pediu ao Secretário garantias de que os Estados Unidos não reagiriam
negativamente. Segundo Amit, McNamara respondeu «Muito bem», disse
que ia informar o presidente e perguntou apenas quanto tempo iria durar a
guerra e quais poderiam ser as baixas israelitas.20 Johnson e McNamara
tinham já sido informados pelos seus conselheiros militares e dos serviços
de informação de que os árabes não iam atacar, e de que, em todo o caso,
Israel ia provavelmente obter uma vitória esmagadora. As forças militares
israelitas tinham agora a luz verde de que precisavam para lançar um há
muito planeado ataque preventivo.21
Os Estados Unidos facilitaram o primeiro ataque de Israel de outras
formas. Numa pequena reunião de funcionários e diplomatas árabes das
Nações Unidas depois da guerra, Muhammad El-Farra, embaixador da
Jordânia, disse ao grupo que sentia ter sido vítima da duplicidade
americana no período anterior à guerra.22 O embaixador Goldberg, disse
ele, tinha transmitido aos embaixadores árabes que os Estados Unidos
estavam a negociar com Israel para debelar a crise e que os iriam impedir
de atacar, instando-os, entretanto, a aconselhar contenção aos seus
governos. A administração Johnson tinha dado luz verde a Israel para o
seu ataque surpresa, disse El-Farra, mesmo antes de o vice-presidente do
Egito ter chegado a Washington para as negociações a fim de resolver a
crise. Os embaixadores árabes tinham sido usados para enganar os seus
governos, sentia ele, enquanto Israel preparava o seu primeiro ataque com
a aprovação dos EUA.
Não menos importante foi o facto de, dada esta mudança na política
dos Estados Unidos, Israel poder contar com o presidente Johnson e os
seus conselheiros para evitar uma repetição da pressão que os tinha
obrigado a uma retirada das suas conquistas de 1956. Era uma
transformação completa da postura dos EUA em 1956 sobre o controlo
israelita dos territórios árabes conquistados, e as suas ramificações foram
desastrosas para os palestinianos. O resultado desta nova tolerância para
com os ganhos territoriais israelitas foi a Resolução 242 do Conselho de
Segurança. O seu texto foi maioritariamente redigido pelo representante
permanente britânico, Lorde Caradon, mas traduzia essencialmente as
perspetivas dos Estados Unidos e de Israel, refletindo a posição
enfraquecida dos Estados árabes e do seu protetor soviético após a
esmagadora derrota de junho. Ainda que a SC 242 salientasse a
«inadmissibilidade da aquisição de territórios pela guerra», associava
qualquer retirada israelita a tratados de paz com os Estados árabes e ao
estabelecimento de fronteiras seguras. Na prática, isto significava que
quaisquer retiradas seriam condicionais e adiadas, dada a relutância dos
Estados árabes em envolverem-se em negociações diretas com Israel. Na
verdade, nos casos da Margem Ocidental, de Jerusalém Oriental e dos
Montes Golã, não se verificou qualquer retirada total em mais de meio
século, apesar de décadas de negociações esporádicas, tanto diretas como
indiretas.
Além disso, ao associar a retirada de Israel dos Territórios Ocupados à
criação de fronteiras seguras e reconhecidas, a SC 242 admitia a
possibilidade de expandir as fronteiras israelitas para responder ao critério
da segurança, tal como determinado por Israel. Esta superpotência
regional com armas nucleares adotou posteriormente uma interpretação
extraordinariamente expansiva e flexível do termo. Finalmente, a
linguagem ambígua da SC 242 deixava em aberto outra lacuna relativa à
manutenção por parte de Israel dos territórios que acabava de ocupar: o
texto em inglês da resolução explicita a «retirada de territórios ocupados»
durante a guerra de 1967, e não «dos territórios ocupados». Abba Eban
salientou enfaticamente ao Conselho de Segurança que o seu governo
consideraria como vinculativo o texto original em língua inglesa, e não a
igualmente oficial versão francesa, cuja formulação («des territoires
occupés») não permite esta ambiguidade.23 No meio século decorrido
desde então, com a ajuda dos americanos, Israel arrasou por completo com
esta falha linguística, que lhe permitiu colonizar os territórios ocupados da
Palestina e da Síria, alguns dos quais – Jerusalém Oriental e os Montes
Golã – foram formalmente anexados, e manter o seu interminável controlo
militar sobre eles. As repetidas condenações das Nações Unidas a estas
movimentações, sem o apoio sequer de um indício de sanções ou de
qualquer verdadeira pressão sobre Israel, acabaram, com o tempo, por
equivaler a uma aceitação internacional implícita.
Os Estados Unidos estavam agora mais firmemente do lado de Israel
do que dantes, o que implicou o abandono do aparente equilíbrio
demonstrado ocasionalmente pelas administrações Truman, Eisenhower e
Kennedy. Foi o início do que viria a tornar-se no período clássico do
conflito israelo-árabe, que durou até ao fim da Guerra Fria, durante o qual
os Estados Unidos e Israel desenvolveram uma invulgar aliança em
grande escala (ainda que informal), baseada essencialmente no facto de
Israel se ter revelado em 1967 como um parceiro fiável contra os
aparentes representantes soviéticos no Médio Oriente.
Para os palestinianos, este alinhamento quase total trouxe outra
vigorosa intervenção por parte de uma grande potência em prejuízo dos
seus direitos e interesses, dando também uma renovada aprovação
internacional a uma nova etapa da sua espoliação. Tal como em 1947, uma
nova fórmula legal internacional prejudicial aos palestinianos surgia
através de uma resolução das Nações Unidas, e tal como a Declaração
Balfour de 1917, o documento-chave não contém qualquer referência à
Palestina ou aos palestinianos.
A Resolução 242 do Conselho de Segurança tratava qualquer
problema como uma questão Estado a Estado entre os países árabes e
Israel, eliminando a presença dos palestinianos. O texto não faz qualquer
menção aos palestinianos nem à maioria dos elementos da questão
palestiniana original; em vez disso, contém uma vaga referência a «uma
solução justa para o problema dos refugiados». Ao não serem
mencionados, nem serem uma parte reconhecida no conflito, os
palestinianos podiam ser tratados como um mero incómodo ou, na melhor
das hipóteses, como uma questão humanitária. Na verdade, a partir de
1967, a sua existência passou a ser reconhecida essencialmente sob a
rubrica do terrorismo, apregoada por Israel e eventualmente adotada pelos
Estados Unidos.
Através das suas omissões, a Resolução 242 consagrou um elemento
crucial da narrativa negacionista de Israel: uma vez que os palestinianos
não existiam, a única verdadeira questão era que os Estados árabes se
recusavam a reconhecer Israel, brandindo um «problema palestiniano»
fictício como pretexto para a sua recusa. Na batalha discursiva pela
Palestina, que o sionismo tinha vindo a dominar desde 1897, a UNSC 242
veio legitimar esta brilhante mentira, desferindo um poderoso golpe contra
os desalojados e ocupados palestinianos. Apenas dois anos depois, em
1969, a primeira-ministra israelita Golda Meir proferiu a célebre
proclamação de que «não existe tal coisa como o povo palestiniano… não
existe», e nunca tinha existido.24 Levava assim a negação característica
dos projetos coloniais de povoamento ao mais alto nível possível: o povo
nativo não passava de uma mentira.
Talvez mais importante seja o facto de a Resolução 242 legitimar
efetivamente as linhas do armistício de 1949 (conhecidas desde então
como fronteiras de 1967 ou Linha Verde) como as fronteiras reais de
Israel, aceitando assim indiretamente a sua conquista de grande parte da
Palestina na guerra de 1948. A falta de referência a questões essenciais
que remontavam a 1948 estendeu-se também a ignorar o direito dos
refugiados palestinianos de regressarem às suas casas e a receberem uma
indemnização, outro golpe nas suas aspirações. Com a Resolução 242, a
ONU estava a afastar-se do seu próprio compromisso relativamente a estes
direitos, consagrados pela Assembleia Geral na Resolução 194, em
dezembro de 1948. Mais uma vez, os palestinianos eram tratados pelas
grandes potências de forma desdenhosa, com os seus direitos a serem
ignorados, considerados como indignos de referência nominal na decisão
internacional fundamental destinada a resolver o conflito e a determinar o
seu destino. Este desrespeito motivou ainda mais o reestabelecido
movimento nacional palestiniano a apresentar o seu caso e a sua causa
perante a comunidade internacional.
Graças em grande medida à SC 242, toda uma nova camada de
esquecimento, de eliminação e de criação de mitos foi acrescentada à
amnésia induzida que ocultava as origens coloniais do conflito entre
palestinianos e colonos sionistas. O foco exclusivo da resolução nos
resultados da guerra de 1967 tornava possível ignorar o facto de que
nenhuma das questões subjacentes resultantes da guerra de 1948 tinha
sido resolvida nos dezanove anos entretanto decorridos. Juntamente com a
expulsão dos refugiados palestinianos, a recusa em permitir o seu
regresso, o roubo das suas propriedades e a recusa da autodeterminação
palestiniana, estas questões incluíam também o estatuto legal de Jerusalém
e a expansão de Israel para lá das fronteiras da divisão de 1947.
Relativamente aos problemas fundamentais resultantes da usurpação
original da Palestina, a SC 242 nem sequer os referia, quanto mais
oferecer quaisquer soluções. Ainda assim, a resolução tornou-se, daí em
diante, no ponto de referência para a resolução de todo o conflito,
nominalmente aceite por todas as partes, apesar de omitir silenciosamente
os aspetos básicos da contenda. Face à génese perversa da resolução, não
é de admirar que, mais de cinquenta anos após a sua adoção, a UNSC 242
continue por implementar e que a essência da luta pela Palestina continue
sem solução.
Na verdade, a SC 242 exacerbou o problema. Limitar o conflito às
suas dimensões Estado a Estado pós-1948 fez com que fosse possível
dividir os desafios com que Israel se defrontava em divisões bilaterais
Estado a Estado, cada uma das quais podia ser abordada de forma isolada,
como Israel e os Estados Unidos preferiam, ignorando ao mesmo tempo as
questões mais difíceis e desconfortáveis. Em vez de ser obrigado a
enfrentar uma posição árabe (nominalmente) unificada e a abordar as
duras questões relativas aos palestinianos, Israel tinha agora a tarefa bem
mais fácil de lidar de forma bilateral com as queixas dos Estados árabes
individuais cujos territórios tinha ocupado, marginalizando ao mesmo
tempo os palestinianos.
Nos esforços de Israel para dividir os seus inimigos e lidar
separadamente com eles, os Estados Unidos foram uma enorme ajuda,
usando o seu poder e influência para jogar com as fraquezas e rivalidades
dos Estados árabes. Isto era entendido como sendo também do interesse
dos EUA. Caracteristicamente, Henry Kissinger disse-o de forma incisiva,
ao falar de outra crise no Médio Oriente: «O resultado final seria
exatamente aquilo que trabalhámos todos estes anos para evitar: criaria
uma união árabe.»25 Os Estados Unidos tinham múltiplas razões para
impedir essa união, principalmente para evitar ameaças ao seu domínio
regional, e particularmente às frágeis autocracias petrolíferas do Golfo,
com as quais estava intimamente alinhado. Após a insistência por parte
dos Estados Unidos e de Israel para estabelecerem acordos bilaterais, o
Egito, na década de 1970, e depois a Jordânia, na década de 1990,
negociaram diferentes tratados de paz com Israel. Estes países foram
assim retirados do conflito, deixando Israel numa posição ainda mais forte
para lidar com os seus inimigos mais intratáveis, os sírios, os libaneses e,
claro, os palestinianos. Para a maioria das pessoas no mundo árabe,
contudo, o forte contraste entre a normalização árabe com Israel e a
miséria que a sua colonização e ocupação infligiam aos palestinianos
comprometeu inevitavelmente qualquer fé num processo de paz
patrocinado pelos americanos.26
Em si mesma, a SC 242 não obrigava os Estados árabes a aceitarem o
efeito bilateral e a fragmentação do conflito. Havia outros fatores em jogo,
entre os quais o impacto da derrota do Egito em 1967 e a sua subsequente
retirada do Iémen, tendo ambos assinalado o final da sua tentativa de
afirmar a sua hegemonia regional. A diminuição do Egito deixou os seus
rivais da Arábia Saudita no papel de ator dominante no mundo árabe,
situação que continua até aos dias de hoje. O fracasso do modelo socialista
árabe adotado pelos regimes nacionalistas autoritários, e a acentuada
fraqueza regional da URSS, tiveram também um papel na sua capitulação.
Em diferentes momentos, encorajados pelos Estados Unidos, os países
árabes entraram de olhos abertos na armadilha dos acordos separados,
acabando por abandonar qualquer indício de união ou sequer de mínima
coordenação. Até os palestinianos, representados pela OLP, acabaram por
percorrer o caminho disposto na SC 242. Poucos anos após os Estados
árabes terem aceitado a 242 e a abordagem bilateral como base para a
resolução do conflito, a liderança da OLP seguiu-lhes o exemplo.27
Existe, no entanto, outro lado da história relativamente ao que
aconteceu em 1967. Apesar de todo o mal que fizeram aos palestinianos, a
guerra e a SC 242 acabaram por servir de faísca para o ressurgimento do
seu movimento nacional, que tinha vindo a decair desde a derrota da
revolta de 1936-39. O processo de relançamento tinha naturalmente
começado muito antes da guerra de 1967, desempenhando um papel
crucial na precipitação dessa guerra e na de 1956. Ainda assim, 1967
assinalou um extraordinário recrudescimento da consciência nacional
palestiniana e da resistência à negação da sua identidade por parte de
Israel, negação essa possibilitada pela cumplicidade de grande parte da
comunidade mundial. Nas palavras de um observador experiente: «Um
dos principais paradoxos de 1967 é que, ao vencer os árabes, Israel
ressuscitou os palestinianos.»28

No rescaldo da guerra de 1967, a ressurreição da ideia da Palestina


enfrentou uma dura batalha em grande parte do mundo. No ano a seguir à
guerra, juntei-me a uma minúscula manifestação para protestar contra a
presença de Golda Meir, que tinha sido convidada para falar na Faculdade
de Direito de Yale. Foi recebida em êxtase por uma grande e agradecida
plateia, enquanto, se bem me lembro, o nosso protesto consistia num total
de quatro manifestantes: eu, um amigo líbano-americano, um estudante de
pós-graduação sudanês e um americano que tinha vivido no Médio
Oriente. Esta cena representava com precisão o equilíbrio entre Israel e a
Palestina na opinião americana. A narrativa sionista gozava de absoluto
domínio, enquanto a própria palavra «Palestina» era quase imencionável.
Em Beirute, por outro lado, onde agora passava os verões com a minha
mãe e os meus irmãos, assisti a um importante ressurgimento da atividade
política palestiniana. Escritores e poetas de toda a diáspora palestiniana e
também a viver na Palestina – Ghassan Kanafani, Mahmoud Darwish,
Emile Habibi, Fadwa Touqan e Tawfiq Zayyad, juntamente com outros
talentosos e dedicados artistas e intelectuais – desempenharam um papel
vital neste renascimento, tanto cultural como politicamente. A sua obra
ajudou a reformular uma ideia de identidade e de propósito palestinianos
que tinha sido posta à prova pela Nakba e pelos anos estéreis que se lhe
seguiram. Em romances, contos, peças de teatro e poemas, deram voz a
uma experiência nacional partilhada de perda, exílio, alienação. Ao
mesmo tempo, deram mostras de uma teimosa insistência na continuidade
da identidade palestiniana e de firmeza perante terríveis possibilidades.
Estas diferentes facetas são evidentes numa das obras mais
conhecidas, The Pessoptimist, de Emile Habibi, uma brilhante novela que
conta a tragicómica história do seu protagonista, Sa’id, usando o seu
destino para retratar o drama dos palestinianos e a sua resiliência. O título
completo da obra, The Strange Incidents Around the Disappearance of
Sa’id Father of Nahs, the Pessoptimist, transmite o paradoxo essencial da
situação palestiniana: felicidade, expressa no nome Sa’id, que significa
feliz, e calamidade, ou Nahs. Ambas estão contidas no jogo de palavras
«pessotimista».29
Entre as figuras literárias cujas ideias e imagens desempenharam um
papel importante na revitalização da identidade palestiniana, Kanafani foi
talvez o mais eminente prosador e o mais amplamente traduzido.30 As
suas cinco novelas, nomeadamente Men in the Sun (1963) e Return to
Haifa (1969), são muito populares, talvez por retratarem tão vividamente
os dilemas enfrentados pelos palestinianos: as dificuldades do exílio e a
dor da vida na Palestina pós-1967, agora totalmente sob controlo israelita.
As novelas encorajavam os palestinianos a enfrentarem a sua terrível
provação e a resistirem vigorosamente aos poderes que os oprimiam.
Return to Haifa salientava a importância da luta armada, retratando ao
mesmo tempo, de forma comovente, um sobrevivente israelita do
Holocausto a viver na casa de uma família palestiniana que regressa para a
visitar após 1967.
Kanafani foi também um jornalista prolífico, mergulhado na literatura
palestiniana de resistência – na verdade, pode ter cunhado o termo numa
coletânea que publicou sob esse título31 – e profundamente envolvido na
política desde finais da sua adolescência. Nascido em Acre, em 1936,
vira-se obrigado a fugir com a família de sua casa durante a ofensiva
sionista em maio de 1948, instalando-se inicialmente em Damasco.
Quando o conheci em Beirute, tinha trinta e três anos e era editor da al-
Hadaf, a revista semanal da radical Frente Popular para a Libertação da
Palestina (FPLP), da qual Kanafani era também o porta-voz. Conquistava
os outros, não só com o seu talento literário, mas também com a sua
manifesta inteligência, o seu sentido de humor autodepreciativo e
sardónico, a sua atitude agradável e aberta e o seu sorriso fácil. À luz do
seu prestígio literário e do seu ativismo militante, era uma figura
significativa no revivificado movimento nacional palestiniano. Pela
mesma razão, era um alvo para os inimigos da FPLP, sendo os principais o
governo israelita e os seus serviços de informação.
Em julho de 1972, Kanafani foi assassinado pela Mossad na explosão
de um carro-bomba, juntamente com a sua sobrinha de dezassete anos,
Lamis Najm.32 O seu enorme funeral, a que assisti, juntou o que pareciam
ser centenas de milhares de pessoas enlutadas. Foi o primeiro dos muitos
funerais de líderes e militantes palestinianos a que viria a assistir durante
os meus quinze anos em Beirute.*
A reformulação e revitalização da identidade palestiniana, que
Kanafani, Darwish, Zayyad, Touqan, Habibi e outros ajudaram a
desencadear com a sua produção literária, surgiu paralelamente à ascensão
de novos movimentos políticos e grupos armados. Desde 1948 que a
Palestina tinha deixado de existir no mapa, com a maior parte do território
a ser absorvida por Israel e o restante sob o controlo da Jordânia e do
Egito. Os palestinianos quase não tinham voz, não tinham uma direção
central nem outros defensores que não fossem os conflituosos e egoístas
Estados árabes. O mais profundo desejo do movimento sionista fora
transformar a Palestina em Israel e substituir os habitantes autóctones do
território por imigrantes judeus. Desde 1948, parecia que os palestinianos
tinham basicamente desaparecido, tanto fisicamente como enquanto ideia.
Naturalmente, os palestinianos não tinham desaparecido nos anos a
seguir a 1948. O trauma coletivo da Nakba cimentara e reforçara
perversamente a sua identidade, e os pequenos grupos irredentistas
militantes surgidos na década de 1950 tinham já tido um impacto
significativo no Médio Oriente, tendo desempenhado um papel no
desencadear das guerras de 1956 e 1967. Estes grupos eram fundados por
jovens radicais de classe média e média-baixa, muitos dos quais se viam
como a progénie de Shaykh ‘Iz al-Din al-Qassam, cuja morte a combater
os britânicos fora uma das centelhas da revolta de 1936 e que continuava a
ser um respeitado símbolo da heroica militância armada. A partir de 1956,
continuaram a trabalhar em prol do reestabelecimento dos palestinianos
enquanto força regional e da representação dos seus direitos e interesses.
Na década de 1960, estes esforços culminaram em duas tendências
principais. Uma delas era liderada pelo Movimento de Nacionalistas
Árabes (MNA), uma organização pan-árabe fundada maioritariamente por
palestinianos, que em 1967 deu origem à marxista FPLP. A outra era
encabeçada por um grupo formalmente estabelecido no Kuwait, em 1959,
e que em 1965 se apresentou publicamente como Fatah. As origens de
ambas remontam a finais da década de 1940 e inícios da década de 1950,
quando os seus primeiros líderes eram estudantes universitários ou recém-
licenciados.
O MNA foi fundado por George Habash, um médico formado na
Universidade Americana de Beirute (UAB) que tinha vivido a Nakba,
enquanto jovem, em Lydd, uma cidade que foi despovoada após 1948,
reocupada com imigrantes judeus e rebatizada com o nome de Lod.
Habash criou o MNA juntamente com um grupo de outros jovens
palestinianos e árabes, a maioria dos quais eram profissionais de classe
média como ele e o seu colaborador mais próximo, Wadi’ Haddad, outro
médico formado pela UAB. Habash e os seus colegas defendiam a união
árabe em torno da questão palestiniana como a única forma de reverter os
resultados da Nakba. Após o Egito de Nasser se ter tornado o porta-
estandarte do nacionalismo árabe em meados da década de 1950,
desenvolveu-se uma estreita sintonia entre o MNA e o regime egípcio. O
MNA tirou grandes benefícios desta aliança, tornando-se uma força
política pan-árabe, implantada em países que iam da Líbia e do Iémen ao
Kuwait, Iraque, Síria e Líbano. A política externa egípcia também
beneficiou da sua ligação à vasta rede de jovens militantes do MNA.33
A visão de Habash, Haddad e dos seus camaradas da Palestina
enquanto questão fundamental do mundo árabe tinha-lhes sido, em grande
medida, transmitida na Universidade Americana de Beirute pelo
historiador e intelectual Constantin Zureiq, através de uma organização
estudantil, a Al-‘Urwa al-Wuthqa, da qual Zureiq era o mentor e a que o
meu pai pertenceu.34 Este influente professor de história nascido na Síria e
formado em Princeton fez muito para divulgar as ideias do nacionalismo
árabe e da centralidade da questão da Palestina em palestras aos seus
alunos em Beirute e a gente de todo o mundo árabe através dos seus
escritos. O seu curto livro de oitenta e seis páginas, The Meaning of the
Catastrophe, foi uma das primeiras autópsias à derrota de 1948, escrito
durante o decorrer da guerra e incluindo talvez a primeira utilização da
palavra nakba neste contexto.35 Nele, Zureiq defendia uma rigorosa e
introspetiva autocrítica às fraquezas e fracassos árabes, e a coordenação e
união árabes como a única forma de superar os efeitos da desgraça de
1948. O meu pai estudou com Zureiq na UAB em finais da década de
1930 e foi fortemente influenciado por ele; vários dos seus livros
históricos e políticos, alguns deles com dedicatória do autor, tinham um
lugar na biblioteca do meu pai. Da primeira vez que me encontrei com
Zureiq, no início da década de 1970, em Beirute, no Instituto de Estudos
Palestinianos (IEP), do qual era cofundador, ele instou-me, bem como aos
outros jovens historiadores associados ao IEP, a que me concentrasse no
futuro. Era mais importante do que a história, pareceu insinuar, que já
tinha sido escrita por ele e pela sua geração.
Confrontado com um recrudescimento do sentimento ativista
nacionalista, incitado pela primeira operação militar da Fatah (realizada
em janeiro de 1965), e sentindo a necessidade de se manter a par de um
dos seus principais círculos, o MNA viu-se obrigado a afastar-se da sua
ampla postura nacionalista árabe e a concentrar-se mais na Palestina. A
derrota do Egito e da Síria em 1967 cravou o último prego no caixão da
confiança do MNA nos regimes árabes para resolver a questão da
Palestina.36 O resultado foi a criação da FPLP por Habash e pelos seus
colegas, em 1967. Embora não fosse o maior grupo palestiniano, a FPLP
rapidamente se tornou no mais dinâmico, mantendo esse estatuto durante
vários anos. Nesse breve período, realizou vários sequestros de aviões,
arquitetados por Wadi’ Haddad, tal como a maioria daquilo a que
chamavam as suas «operações externas», vistas como ataques terroristas
por grande parte do mundo.
Grande parte do prestígio de que o grupo gozava entre os palestinianos
era devido à imagem e integridade de Habash, que era respeitado até pelos
seus rivais políticos. Era conhecido como al-Hakim, o doutor, e era-o, mas
o termo também é utilizado para alguém que é sábio, e era aplicado a
Habash em ambos os sentidos. Era um orador fascinante, sobretudo em
pequenos grupos, onde a sua abordagem articulada e intelectual e o seu
carácter acessível e agradável tinham um enorme impacto. Falava
suavemente, mas com firmeza, sem qualquer laivo de demagogia. Tal
como testemunhei no sul do Líbano no início da década de 1970, Habash
conseguia manter uma plateia fascinada durante horas, apesar da
complexidade das suas ideias. Com as suas afinidades marxistas-
leninistas, a FPLP era popular entre os estudantes, os instruídos, a classe
média, e particularmente entre os que se sentiam atraídos pelas políticas
de esquerda. Tinha também seguidores dedicados nos campos de
refugiados, onde a sua mensagem radical se repercutia fortemente junto
dos palestinianos que mais tinham sofrido.
A Fatah, em contraste, era decididamente não ideológica na sua
abordagem política, quando comparada à FPLP e a outros grupos
palestinianos assumidamente de esquerda. Aquando da sua fundação, a
Fatah simbolizou uma resistência, não só à orientação nacionalista árabe
de grupos e ao MNA e ao Partido Baath, mas também a grupos
comunistas, esquerdistas e islamistas como a Irmandade Muçulmana, que
defendiam a mudança social antes que outros problemas, nomeadamente o
da Palestina, pudessem ser abordados. O apelo da Fatah à ação direta e
imediata por parte dos palestinianos, bem como a sua ampla postura não
ideológica, foi um dos fatores que rapidamente lhe permitiu tornar-se a
maior fação política. Alguns dos pormenores são nebulosos, mas sabemos
que a Fatah foi fundada no Kuwait, em 1959, por um grupo de
engenheiros, professores e outros profissionais palestinianos, liderados por
Yasser ‘Arafat. O núcleo do grupo tinha convergido anteriormente na
Faixa de Gaza e nas universidades do Cairo, onde competiu com o MNA
pela liderança da União de Estudantes Palestinianos.
Salah Khalaf – Abu Iyad – contou-me uma vez uma história
emblemática sobre ‘Arafat e a política universitária no Cairo. Em perigo
de perder uma eleição estudantil para o MNA no dia seguinte, ‘Arafat
disse que tinha uma ideia e levou Khalaf a visitar alguém que conhecia no
Ministério do Interior egípcio. Sentaram-se a beber chá e café e a fazer
conversa de circunstância até que o homem teve de sair do seu gabinete
por um momento, altura em que ‘Arafat se levantou de um salto, foi atrás
da secretária do oficial, fez algo furtivo e regressou ao seu lugar. Quando
o homem regressou, despediram-se e partiram. Khalaf protestou que não
tinham referido nem uma única vez as iminentes eleições. ‘Arafat disse-
lhe para ir para casa: o problema estava resolvido. No dia seguinte, Khalaf
dirigiu-se sombriamente ao gabinete da união para aguardar pelas
eleições, descobrindo um aviso de aspeto oficial na porta, carimbado pelo
Ministério do Interior egípcio, a ordenar o seu adiamento. Era obra de
‘Arafat, que utilizou o atraso, disse Khalaf, para recrutar estudantes
palestinianos que frequentavam a Universidade al-Azhar, muitos dos quais
cegos, não tendo nenhum deles sido cortejado pelos seus votos pelas
fações em competição. Quando a eleição foi finalmente celebrada,
votaram em bloco na lista da Fatah, garantindo a sua vitória.
O principal foco da Fatah, e único, na verdade, era a causa
palestiniana. Para promover este fim, apelou a uma campanha de ação
direta armada contra Israel, que foi lançada no dia 1 de janeiro de 1965,
com o seu ato de sabotagem à estação de bombeamento de água no centro
de Israel. Tal como grande parte das ações da Fatah neste período, foi um
ato mais simbólico do que eficaz. Ainda assim, os oficiais egípcios
consideravam a Fatah como perigosamente aventureira numa altura em
que o Egito dificilmente se podia dar ao luxo de tais provocações para lá
das suas fronteiras. Enquanto o MNA e outros grupos inventavam
desculpas para a inação dos regimes nacionalistas a que estavam
associados, a Fatah tentava deliberadamente desmascarar os Estados
árabes pela sua falta de verdadeiro compromisso para com a Palestina.
Esta atitude enfureceu os regimes (principalmente porque a retórica
fervorosa da Fatah não era acompanhada por grandes ações armadas), mas
caiu bem à maioria dos palestinianos, que estavam frustrados com a falta
de compromisso dos Estados árabes. Era também atrativa para muitos
cidadãos árabes, que apoiavam os palestinianos e partilhavam das suas
frustrações.
Este apelo à opinião pública, passando por cima dos regimes árabes
através da ação direta contra Israel, foi um dos grandes segredos do
sucesso inicial dos grupos de resistência palestinianos, principalmente da
Fatah. Falavam ao sentimento generalizado entre os árabes de que tinha
sido cometida uma injustiça na Palestina e de que os seus governos não
estavam a fazer nada de substancial quanto a isso. Nos anos em que este
apelo foi eficaz, durante as décadas de 1960 e 1970, o apoio à resistência
palestiniana por parte de um amplo setor da opinião pública serviu para
refrear até os governos árabes antidemocráticos. Essa contenção tinha,
porém, graves limites, que eram atingidos quando a militância palestiniana
ameaçava o statu quo interno dos Estados árabes ou levava Israel a tomar
medidas.
Entretanto, os pequenos grupos militantes iam ficando cada vez mais
fortes, e tornou-se evidente que estava em curso uma revitalização em
grande escala do movimento nacional palestiniano. Em meados da década
de 1960, este movimento convergente ameaçava tomar aos Estados árabes
a iniciativa no conflito com Israel, e ajudou realmente a precipitar os
acontecimentos que levaram à guerra de 1967. Apesar de toda a sua
retórica, a maioria dos Estados árabes (com exceção da Síria, sob o regime
ultrarradical no poder entre 1966 e 1970) tinha outras questões com que se
preocupar e estava profundamente relutante em desafiar um statu quo, que
beneficiava fortemente Israel, cujo manifesto poder militar via com
ansiedade. Ainda que no Ocidente Israel mantivesse ainda a sua imagem
de vítima sitiada pela hostilidade árabe, não era de todo assim que era
olhada no mundo árabe, que via as suas decisivas vitórias militares e a sua
possível posse de armas nucleares como provas de força crescente.
Para cooptar e controlar a crescente vaga de fervor nacionalista
palestiniano, a Liga Árabe, sob liderança do Egito, fundou a Organização
para a Libertação da Palestina (OLP) em 1964. A intenção era que fosse
uma subsidiária estritamente controlada da política externa egípcia, que
canalizaria e geriria o entusiasmo palestiniano para atacar Israel, mas esta
tentativa de manter os palestinianos sob tutela árabe rapidamente se
desfez. Imediatamente após a guerra de 1967, os grupos militantes de
resistência palestiniana assumiram o controlo da OLP, afastando a sua
liderança de orientação egípcia. ‘Arafat, enquanto líder da Fatah, o maior
destes grupos, não tardou a tornar-se presidente da Comissão Executiva da
OLP, cargo que manteve, entre outros, até à sua morte, em 2004.
Daí em diante, os Estados árabes viram-se obrigados a levar em conta
um ator político palestiniano independente, sediado sobretudo nos países
que faziam fronteira com Israel, situação essa que já se tinha revelado
problemática para esses Estados e que acabaria por se tornar numa fonte
de grande vulnerabilidade para o movimento palestiniano. A ascensão
deste ator independente complicou ainda mais a situação estratégica dos
Estados fronteiriços, nomeadamente do Egito e da Síria, constituindo
também um grave problema interno para a Jordânia e para o Líbano, que
tinham grandes e inquietas populações de refugiados palestinianos.
Para Israel, o reaparecimento do movimento nacional palestiniano
como força no Médio Oriente, e gradualmente também no panorama
global, constituiu uma grande ironia: a sua vitória em 1967 ajudara a
precipitar uma resistência palestiniana ainda mais intransigente. Foi uma
súbita inversão de um dos grandes sucessos de Israel no período entre
1948 e 1967, em que a própria questão da nacionalidade palestiniana fora
quase totalmente eclipsada em ambas as arenas. O regresso dos
palestinianos, cujo desaparecimento teria significado uma derradeira
vitória para o projeto sionista, foi uma aparição muito indesejada para os
líderes israelitas, tão indesejada quanto o regresso de qualquer população
nativa para uma iniciativa colonial de povoamento que acreditasse ter-se
livrado dela. A reconfortante ideia de que «os velhos morrerão e os jovens
esquecerão» – uma citação atribuída a David Ben-Gurion, provavelmente
de forma errada – expressa uma das mais profundas aspirações dos líderes
israelitas a partir de 1948. Não ia acontecer.
Embora o ressurgimento palestiniano não representasse qualquer
ameaça para Israel em termos estratégicos (apesar de os ataques de grupos
militantes terem efetivamente criado graves problemas de segurança),
constituía um desafio totalmente diferente ao nível discursivo, um desafio
existencial. O derradeiro sucesso do projeto sionista, tal como os seus
defensores da linha dura o definiam, dependia em grande medida da
substituição da Palestina por Israel. Para eles, se a Palestina existisse,
Israel não podia existir. Consequentemente, Israel viu-se obrigado a
concentrar a sua poderosa máquina de propaganda num novo alvo,
continuando a ter de contrariar, em simultâneo, os esforços dos Estados
árabes. Uma vez que, da perspetiva sionista, o nome Palestina e a própria
existência dos palestinianos eram uma ameaça mortal para Israel, a tarefa
era associar indelevelmente estes termos, se fossem referidos sequer, ao
terrorismo e ao ódio, em vez de a uma causa esquecida, mas justa.
Durante muitos anos, este tema foi o cerne de uma extraordinariamente
bem-sucedida ofensiva de relações públicas, principalmente nos Estados
Unidos.
Finalmente, o reaparecimento da questão palestiniana constituía um
problema para a diplomacia dos EUA, que, com a SC 242, optara por a
ignorar e por agir como se os palestinianos não existissem. Durante a
década seguinte, os Estados Unidos empenharam-se em manter a cabeça
na areia, mesmo quando grande parte da comunidade internacional
começou a estender ao movimento palestiniano um certo grau de
reconhecimento. Esta postura dos EUA estava em linha com as suas
inequívocas inclinações israelitas, e foi possibilitada pela representação
inadequada por parte dos palestinianos da sua própria causa na arena dos
Estados Unidos, bem como pela fraqueza do sentimento pró-palestiniano
na opinião pública americana. Ao mesmo tempo, as administrações
posteriores a Nixon deram também vários tipos de apoio aberto e secreto a
ações militares dirigidas contra a OLP por Israel, pela Jordânia, por fações
libanesas e pela Síria.

Ao conseguirem impor-se no mapa do Médio Oriente, apesar dos


melhores esforços de Israel, dos Estados Unidos e de muitos governos
árabes, os palestinianos conseguiram readquirir algo que há muito lhes
havia sido negado, aquilo que Edward Said designou como «permissão
para narrar». Ou seja, o direito de serem eles mesmos a contarem a sua
história, retirando o seu controlo não só à omnipresente narrativa de Israel
no Ocidente, em que os palestinianos mal apareciam, a não ser como
vilões (como em Exodus, por exemplo), mas também aos governos árabes.
Durante muitos anos, os Estados árabes tinham assumido como seu o lado
palestiniano da história, relatando-o debilmente como um conflito
motivado por fronteiras e refugiados entre eles e Israel.37
Um aspeto que tem sido descurado na rápida ascensão da fortuna do
seu movimento nacional é a eficácia da estratégia de comunicação dos
palestinianos nos países árabes, no mundo em desenvolvimento e, em
menor escala, na Europa e no Ocidente. Nas Nações Unidas, onde os
países do terceiro mundo tinham já uma presença muito maior na década
de 1960, isto traduziu-se num ambiente mais favorável à causa
palestiniana. Consequentemente, o fosso histórico entre o sucesso dos
sionistas em moldar a opinião pública mundial e a inaptidão dos
palestinianos nesta esfera começou a estreitar-se, em parte devido a um
aumento no número de palestinianos imbuídos da cultura ocidental ou
com experiência noutras regiões do mundo.
No mundo árabe, o movimento recebeu um enorme impulso em março
de 1968, nove meses após a guerra, em Karameh, uma pequena vila
jordana (cujo nome, por fortuita coincidência, significa «dignidade»). Na
maior operação militar israelita desde a guerra, cerca de quinze mil
soldados com blindados, artilharia e apoio aéreo atravessaram o rio Jordão
para eliminarem uma concentração de combatentes palestinianos
instalados em Karameh e nos arredores desta. Inesperadamente, os
atacantes depararam-se com uma resistência feroz do exército jordano e
da OLP, que infligiram entre cem e duzentas baixas ao aparentemente
invencível exército israelita, forçando-o também a abandonar uma série de
tanques danificados, blindados para transporte de pessoal e outro
equipamento.
No rescaldo da desastrosa guerra que tinha decorrido menos de um ano
antes, este combate relativamente pequeno, em que os israelitas pareciam
ter deixado o campo de batalha em desordem, eletrizou o mundo árabe e
revolucionou a imagem dos palestinianos. Embora tenham sido a artilharia
e os blindados jordanos, posicionados nas colinas sobre o vale do rio
Jordão, a infligirem inquestionavelmente os maiores danos às forças de
Israel, foram os palestinianos a lutar em Karameh que colheram a maior
parte da glória deste episódio. A batalha de Karameh revelou-se uma
bênção para a propaganda do movimento de resistência palestiniano, que
publicitou eficazmente o confronto como uma luta pela dignidade árabe,
espezinhada como tinha sido pelos fracassos dos regimes árabes. Em
resultado, a resistência palestiniana tornou-se célebre em todo o mundo
árabe.
A ironia desta autorrepresentação era que, no seu auge, a OLP nunca
constituiu qualquer tipo de desafio militar para as forças israelitas, que
venceram todos os exércitos árabes no campo de batalha em todas as suas
guerras convencionais. Mesmo quando as forças da OLP lutavam bem
defensivamente, como em Karameh, raramente eram capazes de lutar
frente a frente, durante muito tempo, contra uma das mais experientes,
bem treinadas e melhor equipadas forças militares do mundo. Além disso,
desde o início da luta armada palestiniana na década de 1960 até à
posterior renúncia a esta abordagem por parte da OLP, nunca conseguiram
desenvolver uma campanha de guerrilha com uma estratégia eficaz, que
talvez pudesse ter contrariado a superioridade das forças convencionais de
Israel ou as limitações de estarem sediados em países árabes vulneráveis à
pressão militar israelita.
Na verdade, o maior sucesso da OLP no seu apogeu, em finais da
década de 1960 e durante a década de 1970, foi no reino da diplomacia,
apesar da recusa dos Estados Unidos em lidarem com os palestinianos.
Isto foi visível não só no mundo árabe e no Bloco de Leste, que estendeu
um apoio limitado à OLP a partir de finais da década de 1960, mas
também em grande parte do terceiro mundo, em muitos países da Europa
Ocidental e até mesmo na ONU, apesar da Resolução 242. Na Assembleia
Geral, a OLP conseguia agora reunir maiorias que eram imunes ao veto
que os Estados Unidos brandiam no Conselho de Segurança. Aí e noutras
arenas, a OLP atingiu um alto nível de reconhecimento diplomático,
conseguindo até, em certa medida, isolar um pouco Israel. A OLP foi
reconhecida pela Liga Árabe em 1974 como a única legítima
representante do povo palestiniano, abrindo, em simultâneo, missões suas
em mais de uma centena de países. O convite a Yasser ‘Arafat para falar
perante a Assembleia Geral da ONU nesse mesmo ano foi o maior sucesso
diplomático na história da Palestina, após tantas décadas sem o
reconhecimento da Sociedade das Nações, da ONU e das grandes
potências.
Houve diferentes razões para estes triunfos limitados. Vivia-se uma
época em que os bem-sucedidos movimentos nacionais de libertação na
Argélia, no sul de África e no sudeste da Ásia estavam a granjear apoios,
incluindo entre os jovens, no Ocidente. O apelo revolucionário
anticolonialista e terceiro-mundista da OLP também se repercutiu na
China, na União Soviética e seus satélites e junto dos países do terceiro
mundo, bem como entre os representantes desses países na ONU.38 Na
maioria dos novos países independentes asiáticos e africanos, os
palestinianos eram vistos como outro povo a lutar contra um projeto
colonial de povoamento apoiado pelas potências ocidentais; mereciam,
pois, a solidariedade daqueles que tinham acabado de se livrar do jugo
colonial. No auge da Guerra do Vietname, estes temas eram muito
apelativos para os jovens insatisfeitos da Europa e dos Estados Unidos.
Finalmente, a OLP conseguiu, até certo ponto, galvanizar a diáspora árabe
e palestiniana nas Américas, que se tornou defensora da causa nacional.
Todos estes esforços tinham, porém, graves limitações. Entre elas,
incluía-se o fracasso da OLP em dedicar energia, talento e recursos
suficientes à diplomacia e à informação, apesar dos benefícios obtidos
nestas áreas. Nem se esforçava o suficiente para entender os seus
públicos-alvo, sendo os mais cruciais os Estados Unidos e Israel. Aí, a
OLP acabou por não conseguir superar uma narrativa concorrente mais
eficaz, gerada por Israel e pelos seus apoiantes, que equiparava
«palestiniano» a «terrorista».39 A incapacidade da OLP de entender a
importância destas duas arenas vitais começava nas suas altas esferas.
Respeitados académicos palestino-americanos nos Estados Unidos,
nomeadamente Edward Said, Ibrahim Abu-Lughod, Walid Khalidi,
Hisham Sharabi, Fouad Moughrabi e Samih Farsoun, tentaram convencer
repetidamente os líderes palestinianos de que precisavam de ter em conta
a opinião pública americana e de lhe dedicar recursos e energias
suficientes, mas foi em vão.
Em 1984, numa reunião, em Amã, do Conselho Nacional Palestiniano
(CNP), o órgão executivo da OLP, um grupo norte-americano do qual eu
fazia parte tentou salientar este ponto a Yasser ‘Arafat. Ele aceitou
receber-nos e ouviu-nos com cortesia, até que, passados apenas alguns
minutos, um assistente entrou e lhe sussurrou algo ao ouvido. Fomos
apressadamente conduzidos à porta enquanto ‘Arafat recebia um tal Abu
al-‘Abbas, líder da Frente para a Libertação da Palestina, uma pequena e
insignificante fação que causou grandes danos à causa palestiniana (mas
era paga pelo Iraque). A nossa audiência terminara e a oportunidade do
nosso grupo de palestino-americanos para defender a importância de
apelar à opinião pública americana evaporou-se. Nas prioridades trocadas
dos líderes da OLP, o equilíbrio inter-árabe, em que ‘Arafat se destacava,
era mais urgente do que promover a causa da Palestina junto do público da
principal superpotência global.
Apesar deste fracasso, a causa palestiniana fez efetivamente alguns
progressos nos Estados Unidos a partir de 1967. Isto deveu-se em grande
medida aos esforços do mesmo grupo de académicos palestino-
americanos, que foram eficazes na apresentação da narrativa palestiniana
perante universidades, meios de comunicação alternativos e outros setores
da opinião pública. Edward Said, em particular, teve um impacto
desmedido, defendendo articuladamente os palestinianos de formas que o
seu público nunca antes tinha ouvido. Embora não tenham conseguido
fazer progressos nos meios de comunicação convencionais, que
continuaram essencialmente a repetir a linha israelita, ele e os seus
colegas palestino-americanos lançaram as bases para um maior
entendimento da perspetiva palestiniana em anos futuros.
Ainda que, ao nível diplomático e de propaganda, a OLP parecesse ir
de vitória em vitória desde 1967, estes sucessos não ficaram sem resposta,
suscitando uma oposição feroz por parte dos seus muitos inimigos. O
ataque de Israel a Karameh foi um dos seus primeiros esforços para
contrariar o crescente estatuto da OLP; um ataque devastador ao aeroporto
de Beirute em 1968 foi outro. Em 1970, os sequestros de aviões levados a
cabo pela FPLP e os excessos palestinianos na Jordânia precipitaram um
desastroso confronto com o regime haxemita, que o movimento de
resistência não estava em condições de vencer. Enfrentando uma força
superior, e tendo perdido alguma da simpatia popular, o movimento foi
expulso de Amã nesse ano, naquele que ficou conhecido como Setembro
Negro, e depois completamente expulso da Jordânia na primavera de
1971. Uma das baixas do desastre jordano foi a aura de bem-sucedido
dinamismo que alguns elementos do movimento, nomeadamente a FPLP,
tinham mantido até então. O padrão do movimento de resistência de
provocar imprudentemente os seus inimigos, alienar os seus anfitriões e
acabar por ser expulso viria a repetir-se em Beirute onze anos depois.
Entretanto, Israel realizou novos ataques punitivos na Síria e no
Líbano, países de onde os palestinianos continuavam a lançar operações
militares, incluindo-se entre eles uma grande incursão terrestre no sul do
Líbano, em 1972, um bombardeamento aéreo sobre o campo de
refugiados palestinianos de Nabatiya, em 1975, no Líbano, que ficou
totalmente destruído e nunca voltou a ser reconstruído, e uma invasão que
resultou na ocupação a longo prazo de partes do sul do Líbano, em 1978.
Todas estas ações contra a OLP beneficiaram de um forte apoio dos
Estados Unidos: tanto as forças militares israelitas como as jordanas
receberam armas americanas e ambos os países puderam contar com o
total apoio diplomático dos EUA.
Os Estados Unidos reagiram também de outra forma à crescente
visibilidade da OLP e ao que parecia ser um bloco árabe unificado. Dado
o apoio da URSS à OLP e ao bloco árabe, o presidente Nixon e o seu
conselheiro para a segurança nacional e posterior Secretário de Estado,
Henry Kissinger, fizeram grandes esforços para enfraquecer os laços entre
a União Soviética e o que viam como os seus clientes árabes no Médio
Oriente. A peça central nesta estratégia de Guerra Fria foi a tentativa
americana de afastar o Egito da URSS, alinhá-lo com os Estados Unidos e
levá-lo a aceitar um acordo de paz separado com Israel. Quando esta
iniciativa americana teve finalmente sucesso em finais da década de 1970,
sob a administração Carter, o seu efeito foi dividir a (nominalmente)
unificada frente árabe, deixando os palestinianos e os outros atores árabes
numa posição muito mais fraca para enfrentar Israel. Em tudo isto, os
Estados Unidos cingiram-se às linhas dispostas na SC 242, que excluía os
palestinianos de qualquer participação nas negociações de um acordo. Os
decisores políticos americanos eram guiados pela sua hostilidade para com
a OLP, devido à sua militância e ao seu alinhamento com a URSS, mas
também pela intensa oposição de Israel à discussão de qualquer aspeto da
questão palestiniana.
A partir daí, a OLP ficou presa num dilema: como podia realizar as
aspirações nacionais palestinianas através da participação num acordo de
paz no Médio Oriente quando os termos internacionalmente reconhecidos
para esse acordo, a SC 242, negavam essas aspirações? Era um dilema
extraordinariamente semelhante ao representado pela Declaração Balfour
e pelo Mandato da Palestina: para serem reconhecidos, era exigido aos
palestinianos que aceitassem uma fórmula internacional destinada a negar
a sua existência.

Os pequenos grupos militantes que relançaram o movimento nacional


palestiniano na década de 1950 e no início da década de 1960
apresentavam objetivos simples para a sua luta. Para eles, a Palestina era
há muito um território árabe com uma maioria árabe. O seu povo tinha
sido injustamente espoliado dos seus lares, das suas propriedades, da sua
pátria e do seu direito à autodeterminação. O principal objetivo destes
grupos era devolver o povo palestiniano à sua pátria, restaurar os seus
direitos e expulsar aqueles que o viam como usurpadores. O termo
«devolver» era essencial, tal como tem sido para os palestinianos desde
então. A maioria não tinha qualquer ideia de que existissem agora dois
povos na Palestina, ambos com direitos nacionais; para eles, os israelitas
não passavam de colonos, imigrantes estrangeiros no seu país. Esta
posição refletia exatamente a da maioria dos israelitas, para os quais só
havia um povo com direitos nacionais em Eretz Yisrael, na Terra de Israel,
que era o povo judeu, enquanto os árabes não passavam de intrusos
passageiros. No entender palestiniano da época, Israel era um projeto
colonial de povoamento que o Ocidente tinha ajudado a criar e apoiava (o
que era essencialmente verdade), e os judeus israelitas eram apenas parte
de um grupo religioso, não um povo ou uma nação (algo que a bem-
sucedida criação de um poderoso Estado-nação com uma forte identidade
nacional tinha já demonstrado ser falso). Nesta altura, os palestinianos não
tinham ainda aceitado a realidade de uma nova entidade nacional na
Palestina, em parte por ter acontecido às suas custas e a um preço ruinoso
para eles.
O auge deste pensamento acerca dos objetivos da luta palestiniana foi
articulado na Carta Nacional (al-mithaq al-watani), adotada pela OLP em
1964. A carta afirmava que a Palestina era um país árabe onde os direitos
nacionais pertenciam apenas àqueles que lá residiam antes de 1917 e aos
seus descendentes. Este grupo incluía os judeus então a residir na
Palestina, mas não aqueles que tinham imigrado após a Declaração
Balfour, que seriam, portanto, obrigados a partir. Desta perspetiva, a
libertação envolvia a reversão de tudo o que tinha acontecido na Palestina
desde a Declaração Balfour, o Mandato Britânico, a divisão do país e a
Nakba. Significava andar com o relógio para trás e reconverter de novo a
Palestina num país árabe. Ainda que as ideias que a carta incorporava
refletissem grande parte, talvez a maioria, do sentimento palestiniano da
época, esta foi adotada por um organismo criado pela Liga Árabe, não por
um que tivesse sido eleito pelos palestinianos ou que os representasse.
Estes objetivos alterar-se-iam rapidamente a partir de 1964 com a
mudança de circunstâncias e as transformações na política palestiniana.
Com a tomada do controlo da OLP pela Fatah e pelos outros grupos de
resistência, em 1968, o movimento nacional formulou um novo objetivo,
defendendo a ideia da Palestina como um único Estado democrático para
todos os seus cidadãos, tanto judeus como árabes (algumas iterações
referiam-se a um Estado secular democrático). A intenção disto era
substituir os objetivos dispostos na Carta Nacional, reconhecendo que os
judeus israelitas tinham adquirido o direito a viver na Palestina e não
podiam ser obrigados a partir. A mudança destinava-se também a
remodelar a imagem da OLP e a apelar aos israelitas, que tinham sido
tratados pela Carta Nacional de 1964 como se não existissem. A
afirmação de que os judeus e os árabes a viver na Palestina tinham direito
a ser cidadãos iguais do país representava uma enorme evolução no
pensamento do movimento. A proposta de um único Estado democrático
não reconhecia, ainda assim, os israelitas como um povo com direitos
nacionais, nem aceitava a legitimidade do Estado de Israel ou do
sionismo.
Com o tempo, este novo objetivo veio a ser amplamente aceite entre os
palestinianos e foi assumido em sucessivas declarações autorizadas da
política da OLP através de resoluções do CNP. Acabou por substituir a
carta e por a tornar obsoleta, mas estas mudanças fundamentais foram
decididamente ignoradas pelos adversários da OLP, que continuaram a
insistir nas disposições originais da carta durante as décadas seguintes. A
mudança obteve também pouca tração junto da maioria dos israelitas e
não conseguiu convencer muita gente no Ocidente. Mais uma vez, a
incapacidade dos líderes da OLP de entenderem como eram importantes
estes públicos, e a sua indisponibilidade para dedicarem recursos
suficientes a explicar a importância desta evolução a fim de os conquistar,
condenaram quaisquer esforços para convencer outros da validez destes
objetivos.
E mais importante, atingir um objetivo desta magnitude exigiria a
dissolução de Israel, com um novo Estado da Palestina a ocupar o seu
lugar. Isto equivaleria a derrubar o que, desde 1947, se tornara um
consenso internacional em torno da existência de Israel enquanto Estado
judaico, tal como é especificado na formulação da GA 181. Só uma
mudança revolucionária no equilíbrio de forças, tanto em Israel como a
nível global, podia materializar tal fim, algo que os palestinianos
dificilmente poderiam alcançar ou sequer contemplar sozinhos. E não
podiam contar com os seus irmãos dos regimes árabes. Os Estados árabes
radicais, como a Síria, o Iraque e a Líbia, continuavam a falar muito no
que à causa palestiniana dizia respeito, mas era uma retórica vazia. O que
estes Estados realmente faziam era sabotar a OLP através do patrocínio a
grupos terroristas niilistas, como a organização Abu Nidal, que assassinou
numerosos líderes da OLP e matava indiscriminadamente israelitas e
judeus. Quanto aos outros principais Estados árabes, o Egito e a Jordânia,
com o apoio da Arábia Saudita, tinham já aceitado a SC 242 em 1970,
seguindo-se-lhes a Síria em 1973. Este importante desenvolvimento (que
não foi reconhecido por Israel) equivalia ao seu reconhecimento efetivo
por parte desses Estados, pelo menos dentro das linhas do armistício de
1949. A dissonância entre esta mudança crucial por parte de vários
grandes Estados árabes e a posição da OLP viria a ter graves
consequências para os palestinianos.
Alterações nas circunstâncias regionais levaram muitos líderes da OLP
a considerar uma modificação adicional dos seus objetivos. Foram vários
os fatores a ter influência: a incapacidade da OLP de manter uma
campanha de guerrilha eficaz contra Israel após a perda das suas bases na
Jordânia; a crescente aceitação por parte dos Estados árabes do conflito
com Israel não como existencial, mas como um confronto Estado a Estado
devido às fronteiras; e a pressão árabe e internacional sobre a OLP para se
cingir a objetivos mais limitados. Em 1967, numa cimeira da Liga Árabe
em Cartum, esta tinha declarado que não haveria paz, reconhecimento
nem negociações com Israel (os «três nãos» que foram muito repetidos na
propaganda israelita). Na realidade, o Egito e a Jordânia aceitaram
negociar com Israel através do enviado especial das Nações Unidas
Gunnar Jarring, e posteriormente através do Secretário de Estado dos
EUA William Rogers. Apesar da cimeira de Cartum, o mais poderoso país
árabe com fronteira para Israel tinha, ao aceitar a SC 242, admitido, à
partida, que o seu vizinho tinha direito a fronteiras seguras e reconhecidas.
Restava apenas aos Estados árabes e a Israel negociar essas fronteiras e os
outros termos de um acordo. A repressão jordana sobre os palestinianos
em setembro de 1970, apesar de provocada pelos sequestros de aeronaves
por parte da FPLP, destinou-se, entre outras coisas, a castigar os
palestinianos por não aceitarem as novas limitações dos objetivos dos
principais Estados árabes.
A partir do início da década de 1970, os membros da OLP
responderam a estas pressões, e particularmente à exortação da União
Soviética, sugerindo a ideia de um Estado palestiniano ao lado do de
Israel, numa efetiva solução de dois Estados. Esta abordagem foi
promovida particularmente pela Frente Democrática para a Libertação da
Palestina (que se tinha separado da FPLP em 1969), juntamente com
grupos apoiados pela Síria, discretamente encorajados pelos líderes da
Fatah. Embora tivesse havido uma resistência inicial à solução de dois
Estados por parte da FPLP e de alguns quadros da Fatah, tornou-se
evidente com o tempo que ‘Arafat e outros líderes a apoiavam. Isto
assinalou o início de um longo e lento processo de mudança do objetivo
maximalista do Estado democrático, com as suas implicações
revolucionárias, para o objetivo ostensivamente mais pragmático de um
Estado palestiniano junto ao de Israel, a ser alcançado através de
negociações com base na SC 242.

O caminho para estas modificações radicais não foi fácil para a OLP.
Só após alguns dos mais duros golpes infligidos ao movimento nacional
palestiniano desde a Nakba é que a OLP acabou por aceitar uma
abordagem de dois Estados baseada na SC 242. Estes golpes surgiram em
rápida sucessão durante a guerra civil libanesa, que começou formalmente
em abril de 1975. Para os palestinianos, porém, a guerra começou dois
anos mais cedo, no dia 10 de abril de 1973, com o assassinato de três
líderes da OLP, nas suas casas em Beirute Ocidental, por comandos
israelitas liderados por Ehud Barak (posteriormente primeiro-ministro de
Israel).40 As multidões de palestinianos e libaneses que assistiram aos
funerais do poeta e porta-voz da OLP Kamal Nasser e dos líderes da Fatah
Kamal ‘Adwan e Abu Yusuf Najjar eram enormes. Enquanto caminhava
com as multidões de enlutados, não me surpreendeu ver que eram ainda
maiores do que as de Ghassan Kanafani.
Estes quatro homens contam-se entre as dezenas de líderes e quadros
palestinianos que caíram às mãos dos esquadrões de assassinos da
Mossad. É verdade que grupos nominalmente palestinianos assassinaram
outras figuras palestinianas, incluindo três membros do Comité Central da
Fatah e os embaixadores da OLP em Londres e da Internacional
Socialista. Estes grupos serviam como agentes dos três regimes ditatoriais
árabes – o de Hafez al-Asad na Síria, o de Saddam Hussein no Iraque e o
de Mu’ammar al-Qaddhafi na Líbia –, que eram ruidosos na proclamação
do seu apoio à causa palestiniana, mas duros no tratamento da OLP. Estes
regimes foram patrocinadores, em diferentes períodos, dos atiradores da
organização Abu Nidal, que realizou a maior parte destes assassinatos, e
de outros pequenos grupos dissidentes.
Ainda que o impacto destes assassinatos por Israel e pelas potências
árabes hostis seja um sinal do caminho extraordinariamente difícil
percorrido pelo movimento nacional palestiniano, existe uma importante
diferença entre eles. Os Estados árabes que utilizavam esses métodos
queriam vergar a OLP à sua vontade, nem que fosse com recurso à força
bruta, como quando o regime de Asad enviou tropas para enfrentar a OLP
no Líbano, em 1976. Atuavam, porém, com base numa fria e calculista
raison d’état. Não queriam destruir a OLP nem extinguir a causa
palestiniana. O caso de Israel era muito diferente, uma vez que sempre
fora esse o objetivo. A sua velha política de liquidar líderes palestinianos,
herdada do movimento sionista durante o final do período do Mandato,
visava eliminar a realidade palestiniana, demografica, concecional e
politicamente. Os assassinatos eram, pois, um elemento central na
ambição israelita de transformar o país inteiro, do rio ao mar, de árabe em
judaico. Utilizando novamente o termo de Baruch Kimmerling, tratava-se
de um exemplo de “politicídio” na sua forma mais literal.
Como prova da extensão da campanha de liquidações, temos dois
novos relatos, um deles baseado em material confidencial dos serviços
militares e de informação israelitas. Entre muitas outras coisas novas,
contém revelações sensacionais sobre as repetidas tentativas de assassinar
Yasser ‘Arafat.41 O pretexto de que esses assassinatos eram um golpe
contra o «terrorismo» simplesmente não convence quando o alvo é o líder
de um movimento nacional, a não ser que o objetivo seja destruir esse
movimento. Os líderes de outros movimentos anticolonialistas foram
invariavelmente vilipendiados pelos seus senhores coloniais em termos
semelhantes – terroristas, bandidos e assassinos – quer fossem irlandeses,
indianos, quenianos ou argelinos. De igual modo, a diabolização da OLP
como «terrorista» por parte de Israel servia de justificação para a sua
erradicação. As declarações privadas do Ministro da Defesa israelita Ariel
Sharon, em 1982, sobre os «terroristas» palestinianos em Beirute não
podiam ser mais claras a esse respeito.42
A justificação dos assassinatos como uma proteção necessária contra
terroristas, que matariam a não ser que fossem mortos primeiro, soa
também a falso quando muitos dos assassinados – como Ghassan
Kanafani e Kamal Nasser, por exemplo, ou representantes da OLP no
estrangeiro, como Mahmoud Hamshari e Wael Zu’aytir – eram
intelectuais e defensores da causa palestiniana, e não pessoal militar. As
suas iniciativas artísticas eram complementares e estavam ligadas às suas
atividades políticas: Kanafani era um talentoso romancista e pintor, Nasser
era poeta, Zu’aytir era um escritor e tradutor em ascensão. Não eram
«terroristas», mas sim as mais eminentes vozes de um movimento
nacional, vozes que Israel estava decidido a silenciar.
No Líbano, os assassinatos de Nasser, ‘Adwan e Najjar em abril de
1973 foram seguidos um mês depois por um confronto armado contra o
exército libanês, durante o qual a força aérea bombardeou os campos de
refugiados palestinianos de Sabra e Shatila, nos subúrbios do sul de
Beirute. Durante todo o resto da guerra civil libanesa, que se arrastou até
1990, os campos de refugiados e centros populacionais palestinianos
foram alvos frequentes: cercados, devastados, cenário de massacres e
expulsões forçadas. Tal al-Za’tar, Karantina, Dbaye, Jisr al-Basha, ‘Ain al-
Hilwa, Sabra e Shatila – em todos estes locais, os palestinianos sofreram
grandes atrocidades. A guerra trouxe também horríveis massacres de
cristãos libaneses por fações da OLP e pelos seus aliados libaneses,
nomeadamente em Damour, em janeiro de 1976, onde centenas de cristãos
foram mortos e a cidade foi pilhada e saqueada.
Tal al-Za’tar era o maior, o mais pobre e o mais isolado dos campos de
refugiados na região de Beirute, com uma população de cerca de vinte mil
palestinianos e talvez dez mil libaneses empobrecidos, principalmente
xiitas do Sul. Situava-se no subúrbio de Dikwaneh, em Beirute Oriental,
que era habitado maioritariamente por maronitas libaneses simpatizantes
do Partido Falangista, antipalestiniano e de direita. Eu vivia em Beirute
com a minha esposa, Mona, nos anos anteriores à guerra civil, primeiro a
trabalhar na minha tese de doutoramento e depois a dar aulas na
Universidade Libanesa e na Universidade Americana de Beirute. Com um
grupo de amigos – estudantes palestinianos e residentes de Tal al-Za’tar –
tínhamos aberto o primeiro infantário no campo, apoiado pela Jamiyat
In’ash al-Mukhayam, uma instituição de caridade líbano-palestiniana.
As relações entre o campo e a sua envolvente foram-se tornando cada
vez mais tensas à medida que a situação no Líbano se deteriorava, e, em
maio de 1973, era já evidente que Tal al-Za’tar e os campos de refugiados
vizinhos de Dbaye e Jir al-Basha, bem como a comunidade palestiniana da
zona de Karantina, estavam em território decididamente hostil. Os seus
vizinhos ressentiam-se profundamente da presença de milícias
palestinianas fortemente armadas nos campos. Nestas perigosas
circunstâncias, estávamos todos preocupados com a segurança das
crianças no infantário, pelo que escavámos um abrigo debaixo do centro.
Vários outros grupos, e eventualmente a OLP, construíram também
abrigos, que salvaram muitas vidas quando a guerra eclodiu
verdadeiramente em 1975.
Num domingo, em abril desse ano, Mona e eu estávamos a almoçar
em Tal al-Za’tar, em casa dos pais do nosso amigo Qasim, quando
soubemos que tinha havido um incidente na estrada que conduzia ao
campo, que atravessava o subúrbio maioritariamente maronita de ‘Ain al-
Rummaneh. Fomos aconselhados a partir de imediato. Na viagem de
regresso a Beirute Ocidental, no nosso velho Volkswagen Beetle,
avistámos um pequeno autocarro parado num ângulo estranho no meio da
estrada. Tinha acabado de ser emboscado na viagem de regresso a Tal al-
Za’tar por milicianos falangistas, que mataram os seus vinte e sete
passageiros. Soube-se que os falangistas pretendiam vingar-se de um
tiroteio numa igreja maronita ali perto, onde o seu líder, Pierre Gemayel,
tinha estado presente.43 Assim começou a guerra civil libanesa, que viria a
durar quinze anos.
Nunca conseguimos regressar a Tal al-Za’tar. Sitiado por aquelas que
viriam a ser chamadas de Forças Libanesas (FL), lideradas pelo filho de
Pierre Gemayel, Bashir, o campo foi invadido em agosto de 1976 e toda a
sua população foi expulsa. Cerca de duas mil pessoas foram mortas
naquele que foi provavelmente o maior massacre de toda a guerra.
Algumas morreram durante o cerco, outras ao fugir do campo, e outras em
postos de controlo das FL, onde os palestinianos eram capturados e
levados para serem assassinados. Dois dos professores do nosso infantário
foram mortos desta forma, tal como Jihad, a sobrinha de onze anos de
Qasim, que foi raptada e assassinada numa barricada juntamente com a
sua mãe.
As FL realizaram o massacre de Tal al-Za’tar com o apoio secreto de
Israel. Anos depois, em 1982, confrontado com ataques parlamentares dos
líderes do Partido Trabalhista, Ariel Sharon defendeu a sua conduta
durante os famigerados massacres de Sabra e Shatila em setembro desse
ano (em que mais de mil civis foram mortos) apontando para o apoio do
governo israelita aos falangistas aquando dos homicídios de 1976 em Tal
al-Za’tar.44 Numa reunião secreta da Comissão de Defesa e Relações
Exteriores do Knesset, Sharon revelou que os oficiais dos serviços de
informação militar israelitas, que estavam no local aquando do massacre
de Tal al-Za’tar, comunicaram que os falangistas estavam a matar pessoas
«com as armas que fornecemos e as forças que os ajudámos a
desenvolver».45 Prosseguiu dizendo o seguinte a Shimon Peres, líder da
oposição e do Partido Trabalhista, que estava no poder em 1976:

Nós e o senhor agimos de acordo com os mesmos princípios morais… Os falangistas


mataram em Shatila e fizeram-no também em Tal Za’atar [sic]. A ligação é moral:
deveríamos ou não envolver-nos com os falangistas. O senhor apoiou-os e continuou a
fazê-lo depois de Tal Za’atar.46

Ainda que os oficiais militares e dos serviços de informação israelitas


possam não ter estado dentro dos campos, como Sharon salientou à
comissão do Knesset, estavam presentes nos postos de comando de onde
ambas as operações foram dirigidas. Segundo Hassan Sabri al-Kholi, o
horrorizado mediador da Liga Árabe no Líbano, que esteve presente na
sala de operações das FL e tentou travar o massacre de 1976 enquanto este
estava em curso, oficiais israelitas e dois agentes de ligação sírios, o
coronel ‘Ali Madani e o coronel Muhammad Kholi, estavam presentes na
altura.47 Poucas imagens simbolizam melhor as dificuldades enfrentadas
pelos palestinianos durante a Guerra do Líbano do que a de oficiais
israelitas e sírios – cuja coexistência no Líbano tinha sido intermediada
por Henry Kissinger para «quebrar» a OLP48 – a assistirem a um massacre
num campo de refugiados palestinianos conduzido por comandantes das
FL. Mas como Kissinger disse noutro contexto: «A ação secreta não deve
ser confundida com trabalho missionário.»49
A guerra no Líbano teve múltiplos protagonistas, libaneses e não
libaneses, cada um com diferentes objetivos, mas a OLP era um alvo
importante para vários deles. Para os libaneses que se opunham à OLP, na
sua maioria cristãos maronitas, a sua resistência à presença armada
palestiniana era em nome do nacionalismo e da independência libaneses.
Uma vez que a maioria dos refugiados palestinianos no Líbano eram
muçulmanos sunitas, e que a secular OLP estava aliada a grupos
muçulmanos e esquerdistas libaneses, os maronitas temiam uma
perturbação no sistema político sectário do país, que o Mandato Francês
tinha viciado em seu favor no início da década de 1920.
Para a Síria, o Líbano era uma arena estratégica vital que procurava
dominar, um possível ponto de vulnerabilidade no conflito com Israel e o
local da sua luta com a OLP pela liderança da frente árabe contra Israel.
Estas questões tornaram-se cruciais para Damasco à medida que o Egito
se ia inexoravelmente aproximando de uma paz separada com Israel,
tornando-se efetivamente no Estado cliente dos Estados Unidos que tem
sido desde então. Ao perder o seu aliado egípcio, a Síria precisava de
encontrar outro contrapeso a Israel, e o domínio do Líbano, dos
palestinianos e da Jordânia pode ter-lhe parecido a única opção viável. A
infinita desconfiança entre o presidente sírio Hafez al-Asad e ‘Arafat
exacerbou a situação, tal como o apoio da OLP a formações libanesas de
esquerda, que passaram assim a poder assumir uma posição mais
independente de Damasco.
Ao governo israelita, o envolvimento direto e indireto na Guerra do
Líbano proporcionou uma valiosa oportunidade de adquirir clientes
libaneses, desenvolver uma nova esfera de influência e enfraquecer a Síria
e os seus aliados. E mais importante, a guerra proporcionou-lhe uma
abertura para retaliar contra os ataques esporádicos da OLP a israelitas,
enfraquecendo-a e, talvez, paralisando-a. Isto neutralizaria também a
ameaça que o nacionalismo palestiniano representava para o controlo
permanente de Israel sobre os Territórios Ocupados, onde milhões de
outros palestinianos inquietos tinham caído sob o domínio de Israel desde
1967. Os ataques que a OLP lançava a partir do Líbano, e que
frequentemente visavam civis, deram a diferentes governos israelitas toda
a provocação de que precisavam para justificarem intervenções contra o
seu vizinho do Norte. Os métodos israelitas iam do apoio direto na forma
de armas e treino para os inimigos da OLP, nomeadamente as FL (que
receberam equipamento no valor de 118,5 milhões de dólares e treino para
1 300 milicianos, de acordo com uma fonte oficial israelita50), aos
assassinatos e explosões de carros-bomba que matavam líderes
palestinianos e inúmeros civis. Oficiais superiores das forças militares e
de inteligência israelitas relataram pormenores de algumas destas
operações num livro em que o capítulo sobre o Líbano se intitula «Uma
Matilha de Cães Selvagens».51 A referência é à forma como os
operacionais israelitas descreviam os seus aliados nas FL, que utilizavam
para muitas das mais macabras destas operações letais.
Os Estados Unidos apoiaram os objetivos de Israel no Líbano durante
a administração de Nixon, Ford e Kissinger, e posteriormente de Carter,
Vance e Brzezinski, bem como durante a administração Reagan. Os dois
objetivos essenciais da política dos EUA no Médio Oriente eram atrair o
mais importante Estado árabe, o Egito, para longe da União Soviética, não
permitindo, entretanto, que o conflito no Médio Oriente complicasse o
desanuviamento com a URSS. Isto exigia orientar o Egito para a aceitação
de Israel. O total alinhamento do Egito com os EUA permitiria aos líderes
americanos afirmarem que tinham vencido a Guerra Fria no Médio
Oriente, instituindo, entretanto, uma Pax Americana. Dada a magnitude e
a importância para Washington destes objetivos estratégicos, a oposição
da OLP era um obstáculo relativamente menor, e havia muitos grupos no
Médio Oriente que teriam todo o gosto em ajudar os Estados Unidos
através de ações contra ela.
Com a explícita aprovação dos Estados Unidos, um destes elementos,
a Síria, lançou um ataque militar direto à OLP no Líbano em 1976,
quando a guerra civil já estava em curso. Quando Washington e a Síria
estavam a trabalhar com vista a um entendimento acerca desta
intervenção, Kissinger deixou claros os objetivos dos EUA: «Podíamos
deixar os sírios avançar e quebrar a OLP.» Tratava-se, disse ele, de «uma
oportunidade estratégica que vamos perder».52 Na realidade, os Estados
Unidos não deixaram passar a oportunidade, e as tropas sírias envolveram-
se em batalhas campais com comandos palestinianos em Sídon, nos
Montes Shouf e noutros locais. Esta intervenção síria só se tornou possível
depois de Kissinger ter convencido Israel a não se lhe opor, mediante um
acordo tácito sobre «linhas vermelhas» que definia limites geográficos
para o avanço sírio.53

O envolvimento dos Estados Unidos nas hostilidades contra os


palestinianos antecedeu em muito a sua luz verde à Síria em 1976. Henry
Kissinger não tinha lugar para a OLP nem para a resolução do problema
palestiniano no seu enquadramento para o Médio Oriente, moldado pela
Guerra Fria. Para ele, os palestinianos – juntamente com os soviéticos e os
regimes árabes «radicais» – eram, na pior das hipóteses, um obstáculo a
remover, e, na melhor, um problema a ignorar. Na promoção dos objetivos
da Guerra Fria Americana e na sua tenaz prossecução desses objetivos,
Kissinger foi fundamental para a negociação de três importantes acordos
de retirada entre Israel e o Egito e a Síria após a guerra de 1973, que
foram precursores de um tratado de paz separado entre o Egito e Israel.
Para o conseguir, Kissinger procurou apenas conter a questão palestiniana,
impedir que interferisse na sua diplomacia e torná-la gerível, se necessário
através do uso da força exercida por uma série de substitutos.
Foi o que aconteceu na Jordânia entre finais da década de 1960 e 1971,
e posteriormente no Líbano em inícios e meados da década de 1970,
quando a OLP se opôs à deriva egípcia, encorajada pelos EUA, rumo a um
acordo direto com Israel. Em ambos os casos, Kissinger conspirou com os
aliados americanos locais para esmagar o movimento palestiniano. Por
trás de todos eles, nas sombras, muitas vezes como responsáveis indiretos,
estavam os Estados Unidos.
Ainda assim, Kissinger admitiu nas suas memórias que o destino dos
palestinianos «era, afinal, a origem da crise» e, como qualquer pessoa que
tenha acompanhado a sua longa carreira pode atestar, ele era um homem
pragmático.54 Mesmo enquanto estava a negociar os termos da
intervenção militar síria contra os palestinianos em 1975, Kissinger
autorizou também conversas secretas e indiretas com a OLP. Estes
contactos tinham necessariamente de ser clandestinos, devido a um
compromisso que o Secretário de Estado tinha assumido num Memorando
de Entendimento secreto entre os EUA e Israel em setembro desse ano. De
acordo com esse compromisso, os Estados Unidos prometiam não
«reconhecer nem negociar com a Organização para a Libertação da
Palestina» até que a OLP reconhecesse o «direito a existir» de Israel,
renunciasse ao uso da força (codificada como terrorismo) e aceitasse as
resoluções SC 242 e 338 (que, aprovada em 1973, reafirmava a SC 242 e
apelava a «negociações… entre as partes envolvidas sob auspícios
apropriados», referindo-se a uma conferência multilateral de paz,
posteriormente reunida em Genebra).55
Apesar desta promessa clandestina a Israel, pouco depois, Kissinger
pediu ao presidente Gerald Ford para aprovar o contacto dos EUA com a
OLP. Alegava que «não haveria mudanças na nossa posição para com a
OLP quanto à questão do Médio Oriente, mas não temos qualquer
compromisso com Israel de não falar com a OLP exclusivamente sobre a
situação no Líbano».56 Ostensivamente, o objetivo destes contactos era
garantir a segurança da embaixada dos Estados Unidos em Beirute e dos
cidadãos americanos durante a guerra civil libanesa, algo que a OLP
prometeu fazer. Ao longo de vários anos subsequentes, houve uma extensa
coordenação entre agentes dos serviços de informação de ambos os lados
sobre essa segurança, provida pela OLP. Quando estas relações se
tornaram conhecidas, a resposta de Israel foi bastante dura, mas o governo
dos Estados Unidos afirmou a sua natureza limitada. Ainda assim, os
contactos EUA-OLP rapidamente se expandiram muito para lá destes
objetivos originais limitados, abrangendo também a situação política geral
no Líbano. Em 1997, o embaixador dos EUA em Beirute, Richard Parker,
foi encarregado de manter contactos relativos a uma multiplicidade de
assuntos políticos através de intermediários ligados à OLP, entre eles um
professor na UAB e um eminente empresário palestiniano.
Não pode haver grandes dúvidas de que, apesar da justificação de
Kissinger, as discussões dos Estados Unidos com a OLP violavam os
termos do Memorando de Entendimento com Israel de 1975.57 Assim que
o governo de Israel soube do que se passava, reagiu vigorosamente a esta
traição, como eles a entendiam. Em janeiro de 1979, agentes israelitas em
Beirute assassinaram Abu Hassan Salameh, a principal figura da OLP
envolvida nestes contactos, pondo uma bomba no seu carro e causando
uma «enorme explosão», que resultou numa «bola de fogo». Salameh era
o chefe da Força 17, o serviço de segurança pessoal de Yasser ‘Arafat, e
Israel afirmou que ele tinha estado envolvido no ataque de 1972 a atletas
israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique. Ainda assim, um relato
baseado em entrevistas a agentes dos serviços de inteligência israelitas
envolvidos na operação afirma que «a Mossad acabou por chegar à
conclusão de que “era importante cortar este canal… para dar aos
americanos uma dica de que aquilo não era forma de agir para com os
amigos”».58 O assassinato não acabou com os contactos, ainda que estes
tenham passado a estar ainda mais profundamente envoltos em
secretismo, uma vez que tanto os Estados Unidos como a OLP
entenderam a pesada dica israelita.
Em 1978, John Gunther Dean, o sucessor de Parker como embaixador
no Líbano, recebeu ordens para continuar com os canais de comunicação,
que se expandiram para incluir as primeiras interações diretas entre
oficiais americanos e a OLP, passando também a abordar um leque ainda
mais vasto de questões políticas. Entre estas, incluíam-se os termos para a
aceitação da SC 242 por parte da OLP e para o reconhecimento da OLP
pelos EUA; a inclusão da OLP nas negociações de paz; a revolução
islâmica iraniana; e a libertação de reféns americanos detidos em Teerão.
Durante pelo menos quatro anos, os Estados Unidos mantiveram
negociações clandestinas com a OLP, apesar do seu compromisso com
Israel.
Dean foi alvo de uma tentativa de assassinato em 1980. A Frente para
a Libertação do Líbano dos Estrangeiros reivindicou a responsabilidade,
mas este grupo foi posteriormente identificado em entrevistas com fontes
dos serviços de inteligência israelitas como uma operação controlada por
Israel.59 Dean sempre afirmou que Israel estava por trás da tentativa de
assassinato, e esta prova, juntamente com o homicídio, por parte de Israel,
de vários palestinianos envolvidos em contactos com os Estados Unidos,
parece confirmar a alegação de Dean.60
A correspondência com o Departamento de Estado durante o ano de
1979, a que Dean me deu acesso, ilustra a extensão destes contactos EUA-
OLP de formas que não são totalmente refletidas na série documental
oficial do Departamento de Estado Foreign Relations of the United
States.61 Incluem, por exemplo, extensas discussões sobre os esforços da
OLP para libertar os reféns americanos retidos na embaixada em Teerão
(vários dos quais foram aparentemente libertados, pelo menos em parte,
devido à intercessão palestiniana junto do regime revolucionário iraniano).
Apesar de terem começado através de intermediários, os contactos
levaram a encontros diretos entre Dean e, entre outros, o brigadeiro Sa’d
Sayel (Abu al-Walid) – antigo oficial do exército jordano, chefe de pessoal
da OLP e seu oficial militar superior.62 Também ele foi posteriormente
assassinado, provavelmente por agentes sírios ou pelos de Israel.
Tão importante como a extensão e a amplitude das discussões era o
seu teor. Os intermediários palestinianos envolvidos falaram longamente
com Dean e um dos seus colegas sobre os termos para a aceitação da SC
242 por parte da OLP (estava disposta a fazê-lo com algumas reservas) e
como isso podia levar a contactos oficiais abertos entre os Estados Unidos
e os palestinianos. Nunca foi alcançado um acordo quanto a esta matéria.
Os palestinianos envolvidos transmitiram repetidamente o desejo da OLP
de que Washington reconhecesse os seus esforços em prol dos interesses
dos Estados Unidos, mas Dean só estava autorizado a expressar a gratidão
do seu governo pela criação de condições de segurança para as instituições
americanas. Os Estados Unidos nunca ofereceram a recompensa política
por estes serviços que a liderança palestiniana aparentemente esperava.
Enquanto os contactos americanos com a OLP decorriam em Beirute,
a administração do presidente Jimmy Carter, procurando realizar uma
conferência multilateral de paz para o Médio Oriente em Genebra, emitiu
um comunicado conjunto com a URSS em outubro de 1977. Foi um
comunicado pioneiro, referindo-se à participação de todas as partes
envolvidas no conflito, incluindo «as do povo palestiniano». Uma
afirmação feita por Carter alguns meses antes, apelando a uma pátria para
os palestinianos, indicava um tom diferente em Washington. No entanto,
sob pressão do recém-eleito governo do Likud em Israel, liderado por
Menachem Begin, e do egípcio Anwar Sadat, a administração não tardou a
abandonar o seu incentivo a um acordo abrangente e à inclusão dos
palestinianos nas negociações.63 Em vez disso, adotou o processo bilateral
de Camp David, que resultou no tratado de paz separado entre Israel e o
Egito em 1979.
Este processo foi especificamente concebido por Begin para isolar a
OLP, permitir a livre colonização dos territórios ocupados em 1967 e pôr a
questão palestiniana em suspenso, onde permaneceu durante mais de uma
década. Apesar de terem protestado debilmente contra este adiamento da
questão palestiniana, cuja importância Carter tinha salientado no início da
sua presidência, Sadat e os oficiais americanos acabaram por aprová-lo.
Para Sadat, o tratado devolvia a Península do Sinai ao Egito. Para Begin, a
paz unilateral egípcia fortalecia o controlo de Israel sobre os restantes
Territórios Ocupados e removia permanentemente o Egito do conflito
israelo-árabe. Para os Estados Unidos, o tratado completava a passagem
do Egito do campo soviético para o americano, neutralizando os aspetos
mais perigosos do conflito entre as superpotências no Médio Oriente.
Dada a importância vital destes objetivos nacionais para as três partes,
foi permitido a Begin ditar os termos no que à Palestina dizia respeito,
tanto em Camp David como no tratado de paz de 1979.64 Tudo isto era
evidente para a liderança da OLP, e as fases posteriores da sua interação
indireta com o governo dos Estados Unidos refletiram a sua crescente
amargura. Viam que a cooperação da OLP no Líbano, longe de ser
correspondida, fora, na verdade, retribuída com um ainda maior
isolamento da organização por parte dos Estados Unidos e do seu aliado
israelita.
Ainda que, sob a liderança de Carter, os Estados Unidos tivessem
estado perto de apoiar os direitos nacionais dos palestinianos e o seu
envolvimento nas negociações, os dois lados viram-se mais separados do
que nunca. Camp David e o tratado de paz israelo-egípcio sinalizavam o
alinhamento dos EUA com a mais extrema expressão de negação dos
direitos palestinianos por parte de Israel, o qual foi consolidado pela
administração de Ronald Reagan. Begin e os seus sucessores no Likud,
Yitzhak Shamir, Ariel Sharon e depois Benjamin Netanyahu, opunham-se
implacavelmente ao estatuto de Estado palestiniano, à sua soberania e ao
seu controlo das áreas ocupadas da Margem Ocidental e de Jerusalém
Oriental. Herdeiros ideológicos de Ze’ev Jabotinsky, acreditavam que toda
a Palestina pertencia unicamente ao povo judeu, e que um povo
palestiniano com direitos nacionais era algo que não existia. No máximo,
poderia ser possível a autonomia para os «árabes locais», mas esta
autonomia aplicar-se-ia apenas às pessoas, não à terra. O seu objetivo
explícito era transformar toda a Palestina na Terra de Israel.
Através do tratado com o Egito, Begin garantiu que nada interferiria
com a implementação da visão do Likud. Os fundamentos que
astuciosamente tinha lançado, e que foram adotados pelos Estados Unidos,
constituíam a base de tudo o que se seguiria.65 As negociações futuras
estariam restritas aos termos da autonomia por um período interino
infinitamente prolongável e excluiriam qualquer discussão sobre a
soberania, o estatuto de Estado, Jerusalém, o destino dos refugiados e a
jurisdição sobre a terra, a água ou o ar da Palestina. Entretanto, Israel
dedicou-se a reforçar a sua colonização dos Territórios Ocupados. Apesar
dos ocasionais e mansos protestos americanos e egípcios, as condições
impostas por Begin definiam o limite máximo do que os palestinianos
estavam autorizados a negociar.
Na sequência do tratado de paz de 1979, as condições tornaram-se
ainda piores para os palestinianos. A Guerra do Líbano arrastava-se,
destruindo grande parte do país, exaurindo o seu povo e debilitando a
OLP. Em diferentes fases, a OLP deu por si a enfrentar os exércitos
israelita, sírio e libanês, bem como milícias libanesas secretamente
apoiadas por um conjunto de Estados, incluindo Israel, os Estados Unidos,
o Irão e a Arábia Saudita. Ainda assim, depois de tudo isto, e apesar de
uma incursão israelita em 1978 – a Operação Litani –, que deixou uma
faixa do Sul do Líbano sob controlo do seu representante, o Exército do
Sul do Líbano, a OLP continuava de pé. Na verdade, continuou a ser a
maior força em grande parte do Líbano, nas áreas que não estavam nas
mãos de exércitos estrangeiros ou dos seus representantes, incluindo
Beirute Ocidental, Trípoli, Sídon, os Montes Shouf e grande parte do Sul.
Seria necessária outra campanha militar para expulsar a OLP, e, em 1982,
o general Alexander Haig, Secretário de Estado americano, aceitou os
planos de Ariel Sharon para que Israel acabasse com a organização e, ao
mesmo tempo, com o nacionalismo palestiniano.

* Kanafani foi perseguido mesmo na morte. Uma encenação em inglês de Return to Haifa foi
contratada pelo Teatro Público de Nova Iorque, mas nunca chegou a ser produzida. Membros do
seu conselho de administração opuseram-se a encenar obras de Kanafani, que tinha sido apelidado
de terrorista.
4

A Quarta Declaração
de Guerra, 1982

O ataque ou bombardeamento de cidades, aldeias, habitações ou


edifícios que não estejam defendidos é proibido.
– Artigo 25, Anexo à Convenção de Haia, 29 de julho de 18991

Têm medo de dizer aos nossos leitores e àqueles que se possam queixar
a vós que os israelitas são capazes de bombardear indiscriminadamente uma
cidade inteira.
– Thomas Friedman, chefe do departamento do New York Times
em Beirute, aos seus editores2

Em 1982, os habitantes de Beirute tinham já vivido muitos anos de


guerra. Estavam habituados ao som das explosões e tinham aprendido por
experiência própria a distingui-las. No dia 4 de junho desse ano, uma
sexta-feira, eu estava numa reunião do comité de admissões da
Universidade Americana de Beirute, onde tinha passado os últimos seis
anos a dar aulas. Parecia um fim de semana rotineiro. Subitamente,
ouvimos o trovejante som do que devem ter sido múltiplas bombas de
duas mil libras a explodirem ao longe. Rapidamente reconhecemos a
gravidade do que estava a acontecer, e a reunião foi imediatamente
interrompida. Este bombardeamento aéreo foi a salva de abertura da
invasão do Líbano por Israel em 1982, dirigida contra a OLP. Todos no
país a aguardavam há muito, e a maioria com receio.
As nossas duas filhas, Lamya, que tinha cinco anos e meio, e Dima,
então com quase três anos, estavam no jardim de infância e na creche em
locais diferentes. Com o rugido agudo de aviões de guerra supersónicos a
descerem para atacar em pano de fundo (um dos sons mais aterradores da
Terra), corri para o meu carro a fim de ir buscar as meninas à escola.
Todos aqueles que estavam na estrada nesse dia conduziam com o
imprudente abandono que sempre exibiam quando os combates
recomeçavam em Beirute – ou seja, conduziam de forma apenas
ligeiramente mais imprudente do que o habitual.
A minha esposa, Mona, então no seu quarto mês de gravidez, estava
no trabalho, na WAFA, a Agência Palestiniana de Notícias da OLP, onde
era editora-chefe do boletim em língua inglesa. Tanto quanto conseguia
perceber, as gigantescas explosões que abalavam a capital libanesa
pareciam vir de Fakhani, o fervilhante bairro de Beirute Ocidental, a
poucos quilómetros dali. Contíguos aos campos de refugiados de Sabra e
Shatila, os escritórios da WAFA situavam-se aí, bem como a maioria dos
gabinetes políticos e de informação da OLP. O local das explosões não
tardou a ser confirmado por noticiários na rádio.
A rede de telecomunicações de Beirute, que nunca fora muito fiável, e
menos ainda após sete anos de guerra, estava tão sobrecarregada que não
consegui contactar com Mona. Não tinha forma de a alcançar e nenhuma
ideia do que estava a acontecer. Esperava que se tivesse abrigado na cave
do degradado edifício da WAFA. Felizmente, a UAB ficava perto das
escolas das meninas. Mona e eu preocupávamo-nos sempre com a
possibilidade de as conseguirmos ir buscar rapidamente quando os
combates intermitentes começavam. Durante os primeiros anos da
inconstante guerra no Líbano, nunca tememos por nós mesmos, mas foi
uma preocupação constante quando as meninas começaram a ir à escola.
As nossas filhas, e posteriormente o nosso filho, nasceram em Beirute
durante a guerra, e em virtude do facto de terem pais politicamente
envolvidos (como eram quase todos os cerca de 300 000 palestinianos no
Líbano), eram vistos como terroristas, entre outros, pelo governo israelita,
tal como Mona e eu. Para minha angústia, os que mais provavelmente nos
rotulariam dessa forma preparavam-se agora para invadir a cidade.
Embora quase pudesse ter sido uma normal sexta-feira de recolha na
escola em Beirute, mesmo com as arrepiantes explosões ao longe, sabia
que as nossas vidas não voltariam a ser o mesmo durante muito tempo.
Não tardei a ter as meninas seguras em casa, e a minha mãe e eu
acalmámo-las o melhor que podíamos contra o incessante ruído
estrondoso no exterior.
Quando Mona finalmente chegou a casa, soube que, apesar do forte
bombardeamento aéreo, ela decidira não seguir o conselho de descer a um
abrigo subterrâneo. Dada a sua experiência ao longo de muitos anos de
guerra, sabia que um ataque prolongado (como aquele) significaria que
podia ficar lá presa e separada das meninas durante muitas horas. Em vez
disso, portanto, escapuliu-se do escritório e começou a dirigir-se a casa.
Com toda a gente na rua a fugir do bombardeamento, e sem quaisquer
carros ou táxis à vista, também ela começou a correr. A pouco mais de um
esbaforido quilómetro de distância, junto aos escritórios da UNESCO,
encontrou um táxi disposto a parar e a levá-la o resto do caminho em
segurança. Esta experiência não teve aparentemente qualquer efeito no
bebé que carregava, o nosso filho Ismail, que nasceu alguns meses depois,
apesar de, durante muito tempo depois disso, ter continuado a ser
extremamente sensível aos sons fortes.
Nessa sexta-feira, os aviões de guerra israelitas bombardearam e
arrasaram dúzias de edifícios, incluindo um estádio desportivo perto do
bairro de Fakhani, sob o pretexto de que estes albergavam gabinetes e
instalações da OLP. O intenso bombardeamento de alvos em Beirute e no
Sul do Líbano, que se prolongou até ao dia seguinte, foi o prelúdio para
um enorme ataque terrestre que teve início no dia 6 de junho, acabando
por levar à ocupação de grande parte do Líbano por Israel. A ofensiva
culminou num cerco de sete semanas a Beirute, que acabou finalmente
com um cessar-fogo no dia 12 de agosto. Durante o cerco, prédios de
apartamentos inteiros foram obliterados e grandes áreas foram devastadas
na metade ocidental da já seriamente danificada cidade. Quase cinquenta
mil pessoas foram mortas ou feridas em Beirute e no resto do Líbano,
enquanto o cerco constituiu o mais grave ataque de um exército regular a
uma capital árabe desde a Segunda Guerra Mundial. Só viria a ser
igualado com a ocupação de Bagdade pelos Estados Unidos em 2003.

A invasão do Líbano em 1982 foi um ponto decisivo no conflito entre


Israel e os palestinianos. Foi a primeira grande guerra desde 15 de maio de
1948 a envolver principalmente os palestinianos, e não os exércitos dos
Estados árabes. Os feda’iyin palestinianos tinham vindo a enfrentar tropas
israelitas em combate desde meados da década de 1960, em Karameh, na
Jordânia, no Sul do Líbano, em finais da década de 1960 e na década de
1970, nomeadamente na Operação Litani em 1978, e numa furiosa troca
de tiros ao longo da fronteira israelo-libanesa no verão de 1981. Contudo,
apesar das repetidas tentativas de expulsar a OLP, esta tinha desenvolvido
uma tal posição de força no Líbano, tanto politicamente como ao nível
militar, que operações relativamente limitadas desta natureza tinham
causado apenas um impacto mínimo.
A invasão de 1982 foi de uma ordem totalmente diferente em termos
de objetivos, escala e duração, bem como das pesadas perdas envolvidas e
do seu impacto de longo alcance. A guerra de Israel contra o Líbano tinha
múltiplos objetivos, mas o que a distinguia era o seu foco central nos
palestinianos e o seu objetivo maior de alterar a situação na Palestina.
Ainda que o esquema geral para a guerra tivesse sido aprovado pelo
primeiro-ministro Menachem Begin e pelo conselho de ministros israelita,
estes eram frequentemente mantidos na ignorância pelo arquiteto da
invasão, o Ministro da Defesa Ariel Sharon, quer quanto aos seus
verdadeiros objetivos, quer quanto aos seus planos operacionais. Ainda
que Sharon quisesse expulsar a OLP e as forças sírias do Líbano e criar
um maleável governo aliado em Beirute para alterar as circunstâncias
nesse país, o seu principal objetivo era a Palestina propriamente dita. Na
perspetiva dos defensores da Grande Israel, como Sharon, Begin e Yitzhak
Shamir, destruir militarmente a OLP e eliminar o seu poder no Líbano
poria também termo à força do nacionalismo palestiniano nas áreas
ocupadas da Margem Ocidental, da Faixa de Gaza e de Jerusalém
Oriental. Estas áreas tornar-se-iam assim muito mais fáceis de controlar e,
em última instância, de anexar por Israel. O antigo chefe de gabinete
israelita Mordechai Gur, falando numa sessão secreta de uma comissão do
Knesset no início da guerra, resumiu, com aprovação, o seu propósito: nos
«Territórios Ocupados, a ideia era, em última análise, limitar a influência
da liderança [da OLP] de modo a proporcionar-nos uma maior liberdade
de ação».3
Em escala, a invasão israelita do Líbano envolveu o equivalente a oito
divisões (bem mais de 120 000 soldados, sendo a grande maioria
reservistas), a maior mobilização do país desde a guerra de 1973.4 Durante
as primeiras duas semanas da guerra, esta enorme força envolveu-se em
combates intermitentes, mas ferozes, com alguns milhares de combatentes
palestinianos e libaneses no Sul do Líbano, e em ferozes batalhas com
duas divisões de blindados e de infantaria sírias no Vale do Bekaa e nas
montanhas das províncias de Shouf e Metn, no Leste de Beirute. No dia
26 de junho, a Síria aceitou um cessar-fogo (que excluía explicitamente a
OLP) e colocou-se à margem durante o resto da guerra. O posterior cerco
a Beirute envolveu bombardeamentos aéreos e de artilharia contra a
cidade e combates esporádicos em terra, apenas com as forças da OLP e
os seus aliados libaneses.
Durante as dez semanas de combates, entre inícios de junho e meados
de agosto de 1982, de acordo com as estatísticas oficiais libanesas, mais
de dezanove mil palestinianos e libaneses foram mortos, na sua maioria
civis, e mais de trinta mil ficaram feridos.5 O estrategicamente situado
campo de refugiados palestinianos de ‘Ain al-Hilwa, perto de Sídon, o
maior do Líbano, com mais de quarenta mil residentes, ficou quase
totalmente destruído após a sua população ter oferecido uma feroz
resistência ao avanço israelita. Em setembro, um destino similar abateu-se
sobre os campos gémeos de Sabra e Shatila, nos subúrbios de Beirute,
cenário de um infame e sinistro massacre após os combates terem
supostamente terminado. Beirute e muitas outras áreas no Sul e nos
Montes Shouf sofreram graves danos, enquanto as forças israelitas
cortavam periodicamente a água, a eletricidade, a alimentação e o
combustível à parte ocidental cercada da capital libanesa, bombardeando-a
também de forma intermitente, mas por vezes muito intensa, a partir do ar,
de terra e do mar. A contagem oficial de baixas militares israelitas durante
as dez semanas da guerra e do cerco dava um total de mais de 2 700, com
364 soldados mortos e quase 2 400 feridos.6 A invasão do Líbano e a
posterior longa ocupação da parte sul do país – que só terminou no ano
2000 – envolveram o terceiro maior número de baixas militares israelitas
entre as seis grandes guerras dos seus mais de setenta anos de história.7
Durante as dez semanas de bombardeamentos e de cerco a Beirute
Ocidental, a minha família – Mona, as nossas duas filhas, a minha mãe,
Selwa, o meu irmão mais novo, Raja, e eu – manteve-se junta no nosso
apartamento do bairro urbanizado de Zarif, em Beirute Ocidental. As
linhas da frente tinham-se aproximado desconfortavelmente da casa da
minha mãe no subúrbio de Haret Hreik, no Sul, obrigando-a a mudar-se
com o meu irmão para nossa casa. Quando pudemos visitar o apartamento,
após o fim dos combates, descobrimos que a cozinha tinha sido
diretamente atingida por uma granada de artilharia israelita.
Estarmos juntos significava que cada elemento da nossa família sabia
sempre onde os outros estavam, e podíamos ajudar a manter o nosso moral
geral elevado, apesar das muitas privações do cerco – cuidar de duas
crianças fechadas em casa, lidar com a grave escassez de água, de
eletricidade e de comida fresca, bem como com o cheiro de lixo a arder,
que aguentávamos juntamente com centenas de milhares de outros
habitantes de Beirute Ocidental. Tínhamos suportado anos de guerra civil,
resistindo a fortes bombardeamentos e até a ataques aéreos israelitas, mas
este cerco, com o seu volume de disparos terrestres e marítimos da
artilharia israelita e os incessantes bombardeamentos aéreos, era muito
mais intenso e feroz.
Durante esta crise existencial para a causa palestiniana, que para
muitos de nós parecia ser de vida ou morte, servi de fonte oficiosa a
jornalistas ocidentais, com alguns dos quais tinha feito amizade ao longo
dos anos. Livre da obrigação de apresentar a linha oficial da OLP, mas
ainda em íntimo contacto com colegas da WAFA, onde em tempos
trabalhara, pude proporcionar-lhes a minha própria avaliação sincera dos
acontecimentos. Entretanto, Mona continuava a editar o boletim
informativo da WAFA em língua inglesa, ainda que, dada a sua gravidez,
fosse agora demasiado perigoso para ela ir aos velhos escritórios no bairro
de Fakhani, tendo de trabalhar remotamente.8
Felizmente para a apresentação da perspetiva palestiniana, Beirute
sempre tinha sido o centro nevrálgico jornalístico de grande parte do
Médio Oriente (bem como o centro de espionagem), com a maioria dos
jornalistas situados na parte ocidental da cidade. Entre eles, encontravam-
se correspondentes de guerra veteranos que tinham acompanhado os
conflitos israelo-árabe e libanês durante muitos anos, sendo especialmente
imunes à propaganda óbvia, fosse ela a das mensagens pouco subtis da
OLP, a dura retórica da Frente Maronita Libanesa, a fanfarronice
estereotipada do regime sírio ou a astuta e traiçoeira hasbara que Israel
dominara. Graças à sua presença em Beirute, o curso da guerra foi bem
coberto pelos meios de comunicação internacionais.

No anterior mês de julho, Israel e a OLP tinham-se envolvido num


intenso tiroteio transfronteiriço que durou duas semanas, com a aviação e
a artilharia israelitas a massacrarem o Sul do Líbano e as unidades de
artilharia e de morteiros da OLP a atingirem alvos no Norte de Israel.9
Consequentemente, um grande número de civis libaneses e palestinianos
viu-se obrigado a fugir das suas casas, enquanto os israelitas na Galileia
ficaram confinados a abrigos ou fugiram. Estes combates ferozes
culminaram, a 25 de julho de 1981, num cessar-fogo negociado pelo
enviado presidencial dos Estados Unidos, o embaixador Philip Habib, que
surpreendentemente se manteve durante os dez meses seguintes com
muito poucas violações.10 No entanto, era evidente que os governos de
Begin e Ariel Sharon não estavam satisfeitos com este resultado.
Os avisos sobre os preparativos de Israel para a guerra tinham chegado
aos líderes libaneses e palestinianos, à comunicação social e a outros. Um
destes avisos foi feito na primavera de 1982, numa reunião de
investigadores a que eu assisti no Instituto de Estudos Palestinianos. Foi
comunicado pelo Dr. Yevgeny Primakov, diretor do Instituto Oriental
Soviético e supostamente um oficial superior do KGB. Primakov foi
direto: Israel não tardaria a atacar o Líbano, os Estados Unidos dar-lhe-
iam todo o seu apoio e a URSS não tinha capacidade para impedir o
ataque nem para proteger os seus aliados libaneses e palestinianos.
Moscovo, disse ele, seria fortemente pressionado a impedir que a guerra
se estendesse para a Síria ou a proteger o seu principal aliado regional, o
regime sírio. Foi-nos dito que tinha comunicado basicamente as mesmas
coisas aos líderes da OLP.11
Nenhum de nós devia, pois, ter ficado surpreendido quando a guerra
começou com o bombardeamento de Beirute no dia 4 de junho de 1982,
apesar de o âmbito e a escala do que se seguiu terem sido muito maiores
do que eu e os outros esperávamos. Em contraste, Yasser ‘Arafat e os
outros líderes da OLP tinham já entendido há muito que, quando a guerra
chegasse, Sharon avançaria com o seu exército até Beirute. Tinham vindo
a preparar-se nitidamente para essa eventualidade, acumulando munições
e mantimentos, transferindo gabinetes e arquivos e preparando abrigos e
centros de comando de reserva.12 A partir do dia 6 de junho, as enormes
colunas blindadas israelitas, muitas vezes precedidas por desembarques
anfíbios e de helicóptero de comandos, começaram a avançar rapidamente
para norte, passando por Sídon e seguindo ao longo da costa em direção a
Beirute. Ao mesmo tempo, outras unidades blindadas israelitas
avançavam pelos Montes Shouf no centro do país, enquanto outras ainda
combatiam no Vale do Bekaa, a leste. A força invasora de oito divisões
gozava de absoluta superioridade numérica e de equipamentos em todas as
frentes, bem como de um controlo total do ar e do mar. Ainda que um
terreno difícil ou áreas densamente povoadas, combinadas com uma
resistência determinada, pudessem dificultar momentaneamente uma tão
vigorosa ofensiva, só baixas israelitas muito pesadas a poderiam ter
abrandado, se não mesmo parado.
Assim, no dia 13 de junho, as tropas israelitas chegaram ao estratégico
cruzamento de Khaldeh, na estrada costeira mesmo a sul de Beirute, onde
os combatentes palestinianos, libaneses e sírios acabaram por ser
derrotados.13 Pouco depois, os tanques e a artilharia israelitas apareceram
junto ao palácio presidencial, em Ba’abda, e noutros subúrbios da parte
oriental da capital. Beirute Ocidental estava agora rodeada, e o cerco
estava prestes a começar. Após a ofensiva israelita que expulsou as forças
sírias das cidades montanhosas acima de Beirute, empurrando-as para um
cessar-fogo separado, a OLP ficou sozinha no campo de batalha com os
seus aliados do Movimento Nacional Libanês (MNL). O cerco apertava,
as forças israelitas bombardeavam Beirute Ocidental, aparentemente a seu
bel-prazer, e não havia perspetivas de auxílio ou de apoio significativo por
parte de qualquer quadrante.
Em certos casos, os bombardeamentos israelitas eram cuidadosamente
direcionados, por vezes com base em informações úteis. Muitas vezes,
porém, não era esse o caso. Dezenas de prédios de apartamentos de entre
oito e doze andares foram destruídos em ataques aéreos por toda a parte
ocidental da cidade, principalmente no bairro de Fakhani e da
Universidade Árabe, atingindo muitos gabinetes vazios da OLP e também
casas residenciais. Muitos dos edifícios arrasados, aí e noutros locais –
junto à costa, por exemplo, no bairro de Raouché, onde o apartamento do
meu primo Walid foi destruído por uma granada de artilharia – não tinham
qualquer utilidade militar plausível.
Embora os seus editores no New York Times tenham removido do seu
artigo a palavra ofensiva, o jornalista Thomas Friedman descreveu, a certa
altura, o bombardeamento israelita como «indiscriminado».14 Referia-se
especificamente ao bombardeamento esporádico de bairros como a área
em torno do Hotel Commodore, onde ele e a maioria dos jornalistas
estavam instalados, e que não continha certamente qualquer interesse
militar.15 O único objetivo possível de um bombardeamento tão
abrangente era aterrorizar a população de Beirute e virá-la contra a OLP.
Apesar desta tempestade de fogo, e mesmo com as extensas
capacidades de vigilância aérea de Israel e as suas muitas centenas de
agentes e espiões plantados no Líbano16 (a guerra teve lugar antes da era
dos drones de reconhecimento), nenhum dos vários postos de comando e
controlo secretos que a OLP tinha em atividade, nem nenhum dos seus
múltiplos centros de comunicação, foi alguma vez atingido. Também
nenhum líder da OLP foi morto nos ataques, embora muitos civis tenham
morrido quando a força aérea israelita falhava os seus alvos. Isto é de
admirar, dada a extensão dos esforços de Israel para os liquidar.17 Os
líderes israelitas não estavam nitidamente preocupados com a
possibilidade de matar civis nas suas tentativas de o fazer: após um ataque
aéreo, em julho de 1981, ter destruído um edifício em Beirute, com
pesadas baixas civis, o gabinete de Begin afirmara que «Israel tinha
deixado de se abster de atacar alvos de guerrilha em zonas civis».18 O
próprio ‘Arafat era um alvo preferencial. Numa carta de 5 de agosto a
Ronald Reagan, Begin escreveu que «por estes dias» sentia que ele e o seu
«corajoso exército» estavam a «enfrentar “Berlim”, onde, entre civis
inocentes, Hitler e os seus sequazes se escondem num bunker bem abaixo
da superfície».19 Begin traçava frequentemente este tipo de paralelismos
entre ‘Arafat e Hitler: se ‘Arafat fosse outro Hitler, então matá-lo era
certamente admissível e justificado, fosse qual fosse o custo em vidas
civis.20
Um dos mais célebres supostos espiões israelitas, conhecido pelos
cidadãos de Beirute como Abu Rish («pai da pena»: às vezes usava uma
pena no seu barrete), acampava muitas vezes em frente ao prédio de
apartamentos da minha sogra no bairro de Manara, em Beirute Ocidental,
e às vezes até no seu átrio. O seu aspeto excêntrico era familiar para quem
por ali passava, e também para as minhas filhas, que o observavam da
varanda acima e ainda se lembram dele, mais de trinta e cinco anos
depois.21 Alguns habitantes de Beirute disseram tê-lo visto mais tarde a
guiar tropas israelitas, embora possa ter sido um mito urbano.
Numa entrevista comigo em Tunes dois anos após a guerra, o chefe
dos serviços de informação da OLP, Abu Iyad (Salah Khalaf), ajudou a
explicar o porquê de Israel não ter conseguido atingir alguns dos alvos que
pretendia, apesar dos seus alardeados serviços de inteligência. Durante o
cerco, a OLP conseguira obter um fluxo constante de combustível,
provisões alimentares e munições, transferindo-os através de linhas
controladas por um ramo da maioritária Frente Maronita Libanesa, que
estava aliada a Israel. Foi uma mera questão de dinheiro, disse ele na sua
voz grave e retumbante de fumador – e do uso sistemático de agentes
duplos, cuja utilização pode ter tido também algo que ver com a alta taxa
de sobrevivência dos líderes da OLP. «Mas nunca se deve confiar num
agente duplo», disse-me ele. «Quem quer que possamos comprar pode ser
comprado novamente.» Numa cruel ironia, foi um agente duplo, que tinha
mudado novamente de lado, que assassinou Abu Iyad em Tunes, em
1991.22
Na fase final do cerco, no dia 6 de agosto, estava perto de um prédio
inacabado de oito andares, a alguns quarteirões de onde vivíamos, quando
uma munição guiada de precisão o demoliu.23 Tinha parado para deixar
um amigo junto ao seu carro estacionado, não muito longe do edifício.
Estava quase a chegar a casa quando os aviões desceram, e ouvi uma
enorme explosão atrás de mim. Posteriormente, vi que todo o edifício
tinha sido arrasado, desfeito num único monte de destroços fumegantes. A
estrutura, que estava cheia de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila,
tinha supostamente acabado de ser visitada por ‘Arafat. Pelo menos cem
pessoas, provavelmente mais, foram mortas – na sua maioria mulheres e
crianças.24 Dias depois, o meu amigo contou-me que, imediatamente após
o ataque aéreo, precisamente quando ia a entrar no carro, abalado, mas
ileso, um carro-bomba explodiu ali perto, tendo supostamente sido armado
para matar as equipas de resgate que estavam a ajudar as famílias a
encontrar os seus entes queridos no meio dos destroços. Esses carros-
bomba – uma arma de eleição para as forças israelitas que cercavam
Beirute, e um dos seus mais aterradores instrumentos de morte e
destruição – foram descritos por um agente da Mossad como «matar por
matar».25

Esta guerra suja continuou até que a OLP se viu obrigada a aceitar
evacuar Beirute, sob intensa pressão de Israel, dos Estados Unidos e dos
aliados libaneses, e na ausência de apoio significativo de qualquer
governo árabe.26 As negociações de saída foram feitas sobretudo através
das conversas do embaixador Habib com intermediários libaneses, mas
também envolveram França e alguns governos árabes, nomeadamente a
Arábia Saudita e a Síria. Até ao fim, e apesar de algumas mudanças no
elenco americano e na sua atitude para com Israel, os Estados Unidos
mantiveram o empenho em alcançar o principal objetivo de guerra de
Israel: a derrota da OLP e a sua expulsão de Beirute.
Israel exigia a retirada total e praticamente incondicional da OLP da
cidade, objetivo esse que os Estados Unidos apoiavam plenamente.
Empregando tropos da Guerra Fria com que sabiam que Washington se
identificaria, desde cedo que Begin e Sharon tinham convencido o
presidente Reagan e a sua administração de que a OLP era um grupo
terrorista alinhado com o maléfico império soviético e de que a sua
eliminação seria um serviço tanto para os Estados Unidos como para
Israel. Toda a diplomacia americana durante a guerra decorreu dessa
convicção partilhada. A OLP enfrentava, pois, não só a feroz pressão
militar de Israel, mas também uma incessante coerção diplomática por
parte do seu aliado norte-americano. Essa coerção era intensa e constante,
e acompanhada por campanhas israelitas e americanas de desinformação e
mentira sobre o curso das negociações, projetadas para enfraquecer o
moral palestiniano e libanês e precipitar uma rápida rendição.
Entretanto, os Estados Unidos proporcionaram também um
indispensável apoio material ao seu aliado, no valor de 1,4 mil milhões de
dólares em ajuda militar anual em 1981 e 1982. Isto serviu para pagar a
miríade de sistemas de armamento e munições dos EUA utilizada no
Líbano por Israel, desde caças-bombardeiros F-16 a blindados M-113 para
transporte de pessoal, obuses de 155mm e 175mm, mísseis ar-terra e
bombas de fragmentação.
Além dos papéis interligados de Israel e dos Estados Unidos, um dos
mais mesquinhos e vergonhosos aspetos secundários da guerra foi a
rendição dos principais regimes árabes à pressão americana. Os seus
governos proclamavam ruidosamente o seu apoio à causa palestiniana,
mas nada fizeram para apoiar a OLP enquanto esta enfrentava sozinha,
exceto pelos seus aliados libaneses, a ofensiva militar israelita, e enquanto
uma capital árabe era cercada, bombardeada e ocupada. Não fizeram nada
mais além de emitirem protestos pró-forma enquanto os Estados Unidos
apoiavam as exigências israelitas de expulsar a OLP de Beirute. Os
Ministros dos Negócios Estrangeiros da Liga Árabe, reunidos no dia 13 de
julho em preparação para a cimeira árabe que se realizaria no final desse
ano, não propuseram qualquer ação em resposta à guerra, que por essa
altura já estava em curso há mais de cinco semanas. Em vez disso, os
Estados árabes cederam de forma submissa.
Isto foi particularmente verdade nos casos da Síria e da Arábia
Saudita, que tinham sido escolhidas pela Liga Árabe para representar a
sua posição numa missão a Washington durante o verão de 1982. A pouca
oposição governamental árabe à guerra foi facilmente comprada com
frouxas promessas americanas de criar uma nova iniciativa diplomática
entre os EUA e o Médio Oriente, que acabou por ser revelada no dia 1 de
setembro e posteriormente designada de Plano Reagan. A iniciativa teria
imposto um limite aos colonatos israelitas e criado uma autoridade
palestiniana autónoma na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, mas
rejeitava um Estado palestiniano soberano nesses territórios. O Plano
Reagan, que os Estados Unidos nunca promoveram vigorosamente e que
foi facilmente torpedeado pelo governo de Begin, acabou por não dar em
nada.
Entre a opinião pública árabe, contudo, a invasão do Líbano e o cerco
de Beirute, cujas impressionantes imagens televisivas eram amplamente
difundidas, provocaram grande choque e raiva. Ainda assim, não havia em
nenhum dos repressivos e antidemocráticos governos árabes pressão
popular suficiente para forçar o fim do cerco israelita a uma capital árabe
ou garantir melhores termos para a retirada da OLP. Havia poucas
manifestações de multidões e pouca agitação pública na maioria das
fortemente policiadas cidades árabes. Ironicamente, talvez a maior
manifestação no Médio Oriente provocada pela guerra tenha ocorrido em
Telavive, em protesto contra os massacres de Sabra e Shatila.
Os israelitas podem ter lutado na guerra e sofrido baixas, mas, mais
uma vez, os palestinianos descobriram que o inimigo no campo de batalha
era apoiado desde o início por uma grande potência. A decisão de invadir
o Líbano foi tomada pelo governo israelita, mas não poderia ter sido
implementada sem o consentimento explícito dado pelo Secretário de
Estado Alexander Haig ou sem o apoio diplomático e militar norte-
americano, combinados com a absoluta passividade dos governos árabes.
A luz verde que Haig deu a Israel, para o que era supostamente «uma
operação limitada», não podia ser mais clara. No dia 25 de maio, dez dias
antes do início da ofensiva, Sharon encontrou-se com Haig em
Washington e expôs-lhe o seu ambicioso plano de guerra ao máximo
pormenor. Na verdade, Sharon apresentou a Haig uma imagem muito mais
completa do que a que posteriormente apresentou ao conselho de
ministros israelita. A única resposta de Haig foi que «tinha de haver uma
provocação reconhecível», que fosse «entendida a nível internacional».27
Pouco depois, a tentativa de assassinato do embaixador israelita em
Londres, Shlomo Argov (pelo grupo anti-OLP Abu Nidal), assumiria
precisamente esse papel.28
Sharon explicou a Haig que as forças israelitas erradicariam a presença
da OLP no Líbano, incluindo todas as «organizações terroristas»,
estruturas militares e sedes políticas que se situavam em Beirute. (Bastava
este elemento do plano para desmentir a descrição de Sharon de uma
«operação limitada».) «Como consequência», Israel expulsaria também a
Síria do Líbano – ainda que Sharon insistisse piamente em como «não
queria uma guerra com a Síria» – e instalaria um governo fantoche
libanês. A explicação era clara, tal como o foi também a «luz verde de
Haig para uma operação limitada», assinalada pelo diplomata americano
que registou isto como o resultado da reunião.29

Embora a OLP soubesse que não podia esperar grande apoio dos
regimes árabes no poder em 1982, a organização contava com uma
resposta solidária da parte do povo libanês. No entanto, a atitude
prepotente e muitas vezes arrogante da OLP na anterior década e meia
desgastara seriamente o apoio popular à causa palestiniana, em geral, e à
presença palestiniana no Líbano, em particular. Num típico incidente, que
ocorreu perto do Instituto de Estudos Palestinianos, situado no elegante
bairro de Verdun, em Beirute, os guardas de um líder superior da OLP, o
coronel Abu Za’im, que também não era propriamente um modelo de
perfeição, alvejaram mortalmente um jovem casal libanês no seu carro
quando, no final de determinada noite, estes não pararam num posto de
controlo erigido à pressa junto ao seu apartamento.30 Dada a indisciplina
na OLP, ninguém foi punido por estas mortes. Estes atos injustificáveis
eram demasiado comuns.
As operações palestinianas no Líbano estavam supostamente restritas a
um enquadramento formal – o Acordo do Cairo, adotado em 1969 – que
dera à OLP o controlo dos campos de refugiados palestinianos e liberdade
de ação em grande parte do sul do Líbano. Mas a fortemente armada OLP
tornara-se uma força cada vez mais dominante e autoritária em muitas
partes do país. Os cidadãos libaneses comuns estavam descontentes com o
facto de esta opressiva presença palestiniana só se ter intensificado à
medida que a longa guerra civil se arrastava. A criação do equivalente a
um mini-Estado da OLP no seu país era, em última instância,
insustentável, e também intolerável, para muitos libaneses. Havia ainda
um profundo ressentimento face aos devastadores ataques israelitas contra
civis libaneses provocados pelas ações militares palestinianas. Os ataques
da OLP em Israel eram frequentemente direcionados para alvos civis e
faziam nitidamente pouco para promover a causa nacional palestiniana, se
é que não a prejudicavam. Inevitavelmente, todos estes fatores viraram
importantes setores da população libanesa contra a OLP. A incapacidade
de ver o grau de hostilidade provocado pelo seu próprio mau
comportamento e pela sua estratégia errada foi uma das falhas mais graves
da OLP durante este período.
Assim, quando o momento da verdade chegou, em 1982, a OLP viu-se
subitamente desprovida do apoio de muitos dos seus aliados tradicionais,
incluindo três grupos-chave. Eram estes o Movimento Amal, alinhado
com a Síria e liderado por Nabih Berri, e o seu grande círculo xiita no sul
do Líbano e no Vale do Bekaa (embora os jovens milicianos do Amal
tenham, ainda assim, lutado corajosamente ao lado da OLP em muitas
áreas); o estrategicamente situado feudo druso de Walid Jumblatt, nos
Montes Shouf, a sudeste de Beirute; e as populações sunitas urbanas de
Beirute, Trípoli e Sídon. O apoio dos líderes políticos sunitas tinha sido
essencial para a defesa da presença política e militar palestiniana no
Líbano desde a década de 1960.31
Não é difícil entender o raciocínio destes líderes e das comunidades
que representavam. As gentes do Sul, na sua maioria xiitas, tinham sofrido
mais do que quaisquer outros libaneses com as ações da OLP. Além das
suas próprias violações e transgressões contra a população do Sul, a
própria presença da OLP tinha-os deixado expostos a ataques israelitas,
obrigando muitos a fugir repetidamente das suas aldeias e cidades. Era
entendido por todos que Israel estava intencionalmente a castigar civis
para os afastar dos palestinianos, mas havia, ainda assim, muita amargura
contra a OLP em consequência disso.
Walid Jumblatt, cujo raciocínio era similar, afirmou posteriormente
que não teve alternativa a não ser vergar-se perante a força avassaladora
do avanço de Israel para a região drusa dos Shouf. Pode ter sentido que as
garantias dadas por oficiais drusos do exército israelita assegurariam
alguma proteção à sua comunidade. Veio a arrepender-se da sua decisão,
quando, a partir de finais de junho de 1982, as forças militares israelitas e
os seus serviços de segurança apoiaram a penetração de indisciplinadas e
vingativas milícias maronitas em regiões dominadas pelos drusos como
‘Aley e Beit al-Din, onde cometeram mais das atrocidades pelas quais
eram célebres.32
Para os sunitas, principalmente os de Beirute Ocidental, o
bombardeamento e o cerco da capital libanesa puseram fim ao seu firme
apoio à OLP, que antes viam como uma aliada vital contra o domínio do
Estado libanês pelos maronitas e o poder armado das suas milícias.
Alguns podem ter-se sentido incitados pelos apelos palestinianos à
transformação de Beirute noutra Estalinegrado ou Verdun, mas a maioria
estava horrorizada com a perspetiva da cidade ser devastada pela artilharia
e pelos ataques aéreos israelitas. Desafiar Israel era uma ideia muito
bonita, mas não à custa da destruição evitável das suas casas e
propriedades. Foi uma mudança crucial: sem o apoio da população
maioritariamente sunita de Beirute, juntamente com os seus muitos
residentes xiitas, a resistência prolongada da OLP à ofensiva israelita
acabou por ser inútil.
Estes cálculos levaram a uma grave erosão do já cada vez mais fraco
apoio à OLP, que diminuiu ainda mais durante os primeiros dias dos
combates, quando o Sul e os Montes Shouf foram invadidos, Beirute foi
bombardeada e cercada, a Síria se retirou da guerra e Philip Habib
transmitiu as duras exigências de Israel, que exigiam uma retirada
imediata e incondicional da OLP. Após mais algumas semanas de guerra,
contudo, os líderes das três comunidades muçulmanas libanesas alteraram
significativamente a sua posição e aumentaram o seu apoio à OLP. Esta
mudança surgiu após a OLP ter aceitado retirar-se de Beirute em troca de
rigorosas garantias para a proteção dos civis que seriam deixados para
trás.
No dia 8 de julho, a OLP apresentou o seu Plano de Onze Pontos para
a retirada das suas forças de Beirute. Este plano apelava à criação de uma
zona de segurança entre as forças israelitas e Beirute Ocidental, associada
a uma retirada limitada do exército israelita, ao destacamento prolongado
de forças internacionais e a garantias internacionais para as populações
palestinianas (e libanesas) que seriam deixadas para trás praticamente sem
defesas quando os combatentes da OLP tivessem partido.33 Dada a força
deste plano, os líderes muçulmanos libaneses ficaram convencidos de que
a OLP estava a ser sincera na sua disponibilidade para partir como forma
de salvar a cidade. Além disso, estavam profundamente desconcertados
com os crescentes indícios do apoio secreto de Israel maioritariamente às
Maronitas FL, pois isso salientava a vulnerabilidade das suas
comunidades num Líbano pós-OLP dominado por Israel e pelos seus
combativos aliados.
Estas preocupações tinham sido reforçadas pela chegada das milícias
das FL a Shouf, em finais de junho, e pelos massacres, raptos e
homicídios generalizados que aí tinham realizado, bem como nas áreas do
Sul sob controlo israelita.34 Nesta fase, após sete anos de guerra civil, esse
tipo de massacres sectários era comum, e as forças da OLP tinham servido
de principal defensor aos muçulmanos e esquerdistas do país. Os líderes
sunitas, xiitas e drusos redobraram, pois, o seu apoio às exigências da
OLP no seu Plano de Onze Pontos.
Há uma linha vital de responsabilidade norte-americana que tem de ser
seguida para entender o que aconteceu a seguir. As consequências não
resultaram apenas das decisões de Sharon, Begin e outros líderes
israelitas, nem das ações das milícias libanesas que eram aliadas de Israel.
Foram também da responsabilidade direta da administração Reagan, que,
sob pressão israelita, se recusou, com obstinação, a aceitar a necessidade
de quaisquer salvaguardas formais para os civis, rejeitou a estipulação de
garantias internacionais e bloqueou o destacamento a longo prazo de
forças internacionais, que talvez pudessem ter protegido os não-
combatentes. Em vez disso, para garantir a retirada da OLP, Philip Habib,
atuando através de intermediários libaneses, forneceu aos palestinianos
solenes e categóricos compromissos escritos de proteção dos civis nos
campos de refugiados e nos bairros de Beirute Ocidental. Escritos em
papel simples, sem timbre, assinaturas ou identificação, estes memorandos
foram transmitidos à OLP pelo primeiro-ministro libanês Shafiq al-
Wazzan e posteriormente consagrados nos registos do governo libanês. O
primeiro desses memorandos, datado de 4 de agosto, citava «garantias
americanas sobre a segurança dos… campos». O segundo, dois dias
depois, dizia o seguinte: «Reafirmamos também as garantias dos Estados
Unidos no que respeita à proteção e segurança… dos campos em
Beirute.»35 Uma nota americana de dia 18 de agosto para o Ministro dos
Negócios Estrangeiros libanês, consagrando estes compromissos, dizia
assim:

Os civis palestinianos cumpridores da lei que permanecerem em Beirute, incluindo as


famílias daqueles que partiram, serão autorizados a viver em paz e segurança. Os governos
libanês e dos Estados Unidos proporcionarão as devidas garantias de segurança… com
base nas garantias recebidas do governo de Israel e dos líderes de certos grupos libaneses
com os quais tem estado em contacto.36

Estas garantias foram entendidas pela OLP como constituindo


compromissos vinculativos, e foi com base nelas que aceitou abandonar
Beirute.
No dia 12 de agosto, após negociações épicas, alcançaram-se os
termos finais para a partida da OLP. As conversações foram conduzidas
enquanto Israel realizava um segundo dia dos mais intensos
bombardeamentos e ataques terrestres de todo o cerco. Só o ataque aéreo e
de artilharia desse dia – mais de um mês após a OLP ter chegado a um
acordo de princípio para deixar Beirute – causou mais de quinhentas
baixas. Foi tão implacável que até Ronald Reagan se viu obrigado a exigir
que Begin parasse com a carnificina.37 O diário de Reagan conta que ele
ligou ao primeiro-ministro israelita durante a feroz ofensiva,
acrescentando o seguinte: «Estava zangado – disse-lhe que tinha de parar
ou toda a nossa relação futura estava em perigo. Utilizei deliberadamente
a palavra holocausto e disse-lhe que a imagem de um bebé de sete meses
com os braços rebentados estava a tornar-se o símbolo da sua guerra.»38
Esta incisiva chamada telefónica impeliu o governo de Begin a travar
quase imediatamente a sua chuva de fogo, mas Israel recusou-se a ceder
na questão crucial da proteção internacional para a população civil
palestiniana como quid pro quo para a retirada da OLP.
A partida de Beirute de milhares de militantes e forças combatentes da
OLP, entre os dias 21 de agosto e 1 de setembro, foi acompanhada por
uma ampla vaga de emoção em Beirute Ocidental. Multidões chorosas,
cantantes, ululantes, alinhavam-se nas estradas enquanto filas de camiões
transportavam os militantes palestinianos até ao porto. Viram como a OLP
era obrigada a retirar-se da capital libanesa, com os seus líderes, quadros e
combatentes a terem de partir para um destino desconhecido. Acabaram
dispersos por terra e mar entre mais de meia dúzia de países árabes.
Os homens e mulheres que partiam rumo a um exílio incerto, alguns
pela segunda ou terceira vez nas suas vidas, eram vistos como heróis por
muitos cidadãos de Beirute, por terem resistido durante dez semanas –
sem qualquer apoio externo digno de menção – ao mais poderoso exército
do Médio Oriente. Enquanto os seus transportes atravessavam Beirute,
ninguém sabia que uma súbita e unilateral decisão americana, tomada sob
pressão israelita, implicava que as forças internacionais que estavam a
supervisionar a evacuação – tropas americanas, francesas e italianas –
fossem retiradas assim que o último navio partisse. A obstinação israelita
e a anuência dos EUA tinham deixado a população civil desprotegida.
No bairro de Zarif onde vivíamos, só alguns edifícios tinham sido
gravemente danificados, pelo que conseguimos sobreviver ao cerco de
Beirute fisicamente incólumes (embora me preocupasse o efeito
duradouro que a guerra poderia ter nas nossas duas filhas pequenas39).
Uma vez retiradas as forças da OLP e levantado o cerco, a vida começou
lentamente a voltar à normalidade, ainda que as tropas israelitas
continuassem a cercar Beirute Ocidental e as tensões continuassem muito
altas. Esta aparente normalidade não tardou a terminar, e viríamos a saber
que as garantias prestadas à OLP não valiam o simples papel branco em
que tinham sido escritas.
No dia 14 de setembro, o presidente eleito Bashir Gemayel,
comandante das FL e líder dos falangistas, foi assassinado numa enorme
explosão que destruiu um quartel-general dos falangistas. Foi o gatilho
para a entrada imediata das forças de Israel e para a sua ocupação da parte
ocidental da cidade – apesar das promessas aos Estados Unidos de não o
fazer – onde a OLP tivera anteriormente a sua sede e onde os seus aliados
do MNL ainda estavam situados. No dia seguinte, enquanto tropas
israelitas invadiam Beirute Ocidental, rapidamente dominando a dispersa
e irregular resistência dos combatentes do MNL, a minha família e eu
tememos pela nossa segurança, tal como os outros palestinianos com
ligações à OLP – ou seja, quase todos os palestinianos no Líbano. Estes
incluíam não só refugiados nascidos e registados no Líbano, mas também
pessoas de nacionalidade estrangeira, com vistos de trabalho e residência
legal, como nós.
Bem presente em todos os nossos pensamentos estava o massacre
falangista no campo de refugiados de Tal al-Za’tar em 1976, onde dois mil
civis palestinianos tinham sido massacrados. À luz da aliança entre Israel
e as FL, a OLP tinha referido especificamente Tal al-Za’tar no seu Plano
de Onze Pontos e durante as negociações para a sua evacuação. Os nossos
receios foram naturalmente agravados pelos homicídios que tinham sido
levados a cabo pelas forças das FL em áreas recentemente ocupadas por
Israel, e pela descrição israelita da OLP como terrorista, sem fazer
qualquer distinção entre militantes e civis.
Na manhã seguinte ao assassinato de Gemayel, entre o som de fortes
disparos, ouvimos, pelas janelas abertas do nosso apartamento, o rugido
de motores a gasóleo a aproximar-se e o retinir das lagartas de tanques. O
ruído era provocado pelas colunas blindadas israelitas a avançar para
Beirute Ocidental. Soubemos que tínhamos de ir rapidamente para um
local seguro. Tive a sorte de conseguir falar com Malcolm Kerr,
presidente da UAB e um bom amigo, que imediatamente nos deixou
procurar refúgio num dos apartamentos vazios da faculdade.40 Mona, a
minha mãe, o meu irmão e eu enfiámos as meninas e algumas coisas
guardadas à pressa em dois carros e acelerámos até à universidade, mesmo
antes de as tropas israelitas chegarem aos seus portões.
No dia seguinte, 16 de setembro, estava sentado com Kerr e vários dos
meus colegas da UAB no alpendre da sua residência quando um ofegante
guarda da universidade apareceu para lhe dizer que oficiais israelitas, à
cabeça de uma coluna de veículos blindados, exigiam entrar no campus
para procurar terroristas. Kerr dirigiu-se apressadamente à entrada da
universidade, onde, segundo nos disse mais tarde, rejeitou as exigências
dos oficiais. «Não há terroristas no campus da UAB», disse ele. «Se
andam à procura de terroristas, procurem no vosso próprio exército por
aqueles que destruíram Beirute.»
Graças à coragem de Malcolm Kerr, estávamos temporariamente em
segurança num apartamento da UAB, mas não tardámos a saber que
outros se encontravam nesse momento em perigo mortal. Nessa mesma
noite de 16 de setembro, Raja e eu ficámos perplexos ao assistir a uma
cena surreal: foguetes israelitas de sinalização a cairem na escuridão, uns
a seguir aos outros, em absoluto silêncio, sobre a zona sul de Beirute,
durante aquilo que pareceu uma eternidade. Ao vermos os foguetes descer,
ficámos desconcertados: normalmente, os exércitos utilizam foguetes de
sinalização para iluminar o campo de batalha, mas o cessar-fogo tinha sido
assinado há um mês, todos os combatentes palestinianos tinham partido há
semanas, e a escassa resistência libanesa à chegada das tropas israelitas a
Beirute Ocidental terminara no dia anterior. Não ouvíamos explosões nem
tiros. A cidade estava em silêncio e receosa.
Na noite seguinte, dois abalados jornalistas americanos, Loren Jenkins
e Jonathan Randal, do Washington Post, que foram dos primeiros
ocidentais a entrar nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, vieram
contar-nos o que tinham visto.41 Estavam com Ryan Crocker, que foi o
primeiro diplomata americano a apresentar um relatório sobre aquilo que
os três tinham presenciado: os hediondos indícios de um massacre.
Durante toda a noite anterior, ficámos a saber, os foguetes disparados pelo
exército israelita tinham iluminado os campos para as milícias das FL –
que as tinham enviado lá para «limpar» – enquanto estas massacravam
civis indefesos. Entre o dia 16 de setembro e a manhã de dia 18, os
milicianos assassinaram mais de mil e trezentos homens, mulheres e
crianças palestinianos e libaneses.42

Esta tira da Doonesbury capta a entusiasta perspetiva do governo israelita em


relação
a quem poderia ser um terrorista. A referência a «7 000 terroristas bebés»
sempre me fez pensar nas minhas duas filhas pequenas.*

Os foguetes que tanto nos tinham desconcertado, ao meu irmão e a


mim, são descritos de uma perspetiva muito diferente em Valsa com
Bashir, um filme e um livro escritos em coautoria por Ari Folman.
Soldado israelita durante o cerco a Beirute, Folman foi colocado no cimo
de um telhado na altura do massacre, com uma das unidades que
disparavam os foguetes.43 Em Valsa com Bashir, Folman refere-se a
círculos concêntricos de responsabilidade pelo assassínio em massa que
foi facilitado por este ato, sugerindo que os que estavam nos círculos
exteriores também eram responsáveis. No seu pensamento, «os assassinos
e os círculos em seu redor eram uma e a mesma coisa».44
Esta afirmação é tão verdadeira para a guerra, como um todo, como
para os massacres de Sabra e Shatila. Uma comissão de inquérito aberta
após os acontecimentos, presidida pelo juiz do Supremo Tribunal Israelita
Yitzhak Kahan, determinou a responsabilidade direta e indireta de Begin,
Sharon e dos comandantes militares superiores israelitas pelos
massacres.45 Muitos dos referidos perderam os seus cargos em resultado
do inquérito e também da repugnância geral sentida em Israel
relativamente aos massacres. No entanto, documentos divulgados pelos
Arquivos do Estado de Israel, em 2012,46 e os apêndices secretos e
inéditos da Comissão Kahan47 revelam provas ainda mais condenatórias
da culpa destes indivíduos, que foi muito superior ao que o relatório
original de 1983 descreve. Os documentos expõem decisões longamente
ponderadas de Sharon, e de outros, de enviar os experientes assassinos
falangistas aos campos de refugiados palestinianos, com o objetivo de
massacrar e expulsar as suas populações. Mostram também como os
diplomatas americanos foram repetidamente intimidados pelos seus
interlocutores israelitas, não tendo conseguido travar o massacre que o
governo dos Estados Unidos tinha prometido impedir.
De acordo com estes documentos, após todo o contingente militar da
OLP ter deixado Beirute em finais de agosto de 1982, Begin, Shamir,
Sharon e outros oficiais israelitas alegaram falsamente que cerca de dois
mil combatentes palestinianos, e também armamento pesado, continuavam
na cidade, violando assim os acordos de evacuação.48 Shamir fez esta
alegação numa reunião com um diplomata americano no dia 17 de
setembro,49 apesar de o governo dos Estados Unidos saber de fonte segura
que isso não era verdade – o próprio Sharon tinha dito ao conselho de
ministros israelita no dia anterior que «15 000 terroristas armados tinham
sido retirados de Beirute».50 Além disso, os serviços de informação militar
israelitas sabiam certamente que esse número incluía todas as unidades
militares regulares da OLP em Beirute.
Infelizmente, os diplomatas americanos não questionaram os líderes
israelitas sobre os seus números falsos. Na verdade, os documentos
mostram que os oficiais dos Estados Unidos tinham dificuldade em fazer
frente aos israelitas relativamente a tudo o que estivesse relacionado com
a sua ocupação de Beirute Ocidental. Quando Moshe Arens, embaixador
de Israel em Washington, foi obrigado a ouvir a leitura de uma série de
duros pontos de discussão redigidos pelo Secretário de Estado George
Shultz (que por essa altura tinha já ocupado o lugar de Haig) – acusando
Israel de «logro» e exigindo a retirada imediata das suas tropas de Beirute
Ocidental – Arens reagiu com desdém. «Não sei bem se vocês sabem o
que estão a fazer», disse ele a Lawrence Eagleburger, o Secretário de
Estado Adjunto, e chamou aos pontos de discussão americanos «uma
fabricação» e «completamente falsos». Eagleburger sugeriu que o
Departamento de Estado podia emitir uma declaração a classificar a
ocupação de Beirute Ocidental por Israel como «contrária às garantias»,
altura em que o adjunto de Arens, o Benjamin Netanyahu, então com
trinta e três anos, interveio: «Sugiro que apague isto», disse ele. «Caso
contrário, não nos deixa alternativa a não ser defender a nossa
credibilidade esclarecendo as coisas. Acabaremos em guerra uns com os
outros.» Após ouvir um aparte de Netanyahu em hebraico, Arens
acrescentou: «Acho que ele tem razão.»51 Raras vezes na história, um
diplomata subalterno de um pequeno país falou assim a um alto
representante de uma superpotência, e foi apoiado ao fazê-lo.
No dia 17 de setembro, enquanto os massacres que Loren Jenkins e
Jon Randal nos descreveram continuavam, o assistente de Philip Habib, o
embaixador Morris Draper, recebeu instruções de Washington para
pressionar Shamir e Sharon a assumirem o compromisso de deixar Beirute
Ocidental. Sharon, caracteristicamente, exacerbou a situação. «Há
milhares de terroristas em Beirute», disse ele a Draper. «É do vosso
interesse que continuem lá?» Draper não vacilou ante esta falsa afirmação,
mas quando o exasperado enviado dos EUA disse aos oficiais israelitas
reunidos: «Não pensámos que deveriam ter entrado [em Beirute
Ocidental]. Deviam ter ficado de fora», Sharon disse bruscamente ao
embaixador: «Não pensaram nem deixaram de pensar. No que diz respeito
à nossa segurança, nunca perguntámos. Nunca perguntaremos.
Relativamente à existência e à segurança, a responsabilidade é nossa e
nunca a entregaremos a ninguém para que decida por nós.» Após Draper
ter desafiado calmamente Sharon sobre outra alegação envolvendo
«terroristas», o Ministro da Defesa israelita respondeu secamente:
«Matamo-los, então. Não vão ser deixados ali. Não os vão salvar. Não vão
salvar estes grupos do terrorismo internacional [sic].»52
Sharon não podia ter sido mais arrepiantemente explícito. Sem que
Draper ou o governo dos Estados Unidos soubessem, nesse preciso
momento, as milícias das FL, que as forças de Sharon tinham enviado
para os campos de refugiados, estavam a executar a matança a que ele se
referia – mas de velhos desarmados, de mulheres e crianças, não de
supostos terroristas. Ainda que as forças de Sharon não tenham realizado
o massacre propriamente dito, foram elas, no entanto, que armaram as LF
no valor de 118,5 milhões de dólares e as treinaram, mandando-as depois
fazer o trabalho e iluminando e facilitando a sua sangrenta tarefa com
foguetes de sinalização.
Que a intenção de Sharon ao usar as FL desta forma foi premeditada
sobressai de dezenas de páginas nos apêndices secretos do relatório da
comissão. Sharon; o tenente-general Rafael Eitan, Chefe do Estado-Maior
do Exército; o major-general Yehoshua Saguy, chefe dos Serviços de
Informação Militar; Yitzhak Yofi, diretor da Mossad; e o adjunto e
sucessor de Yofi, Nahum Admoni – todos eles sabiam perfeitamente das
atrocidades anteriormente perpetradas pelas FL durante a guerra do
Líbano.53 Sabiam também das intenções letais de Bashir Gemayel e dos
seus seguidores para com os palestinianos.54 Ainda que os
supramencionados tenham negado vigorosamente tal conhecimento à
Comissão Kahan, as provas que esta reuniu e manteve em segredo são
condenatórias, e fundamentaram as decisões da comissão. Ainda assim, as
mortes em Sabra e Shatila não resultaram apenas da sede de vingança das
milícias das FL ou sequer da premeditação destes comandantes israelitas.
Tal como a própria guerra, estas mortes foram também da
responsabilidade direta do governo dos EUA.
Ao planear a invasão do Líbano, os líderes israelitas tinham-se
acautelado a fim de não repetirem o fiasco de 1956, quando o seu país
tinha atacado o Egito sem a aprovação dos Estados Unidos e fora obrigado
a recuar. Tendo aprendido com esta amarga experiência, Israel só avançou
para a guerra em 1967 após ter recebido o apoio do seu aliado americano.
Agora, em 1982, lançar esta «guerra de eleição», como muitos
comentadores israelitas lhe chamavam, estava totalmente dependente da
luz verde dada por Alexander Haig, ponto esse que foi confirmado por
jornalistas israelitas bem informados pouco após a guerra.55 Os novos e
mais completos pormenores revelados em documentos anteriormente
indisponíveis apresentam o caso de forma bem clara: Sharon contou, de
forma pormenorizada, a Haig exatamente o que estava prestes a fazer e
este deu-lhe o seu apoio, equivalendo a outra declaração de guerra dos
EUA contra os palestinianos. Mesmo após a indignação generalizada ante
as mortes de tantos civis libaneses e palestinianos, após as imagens
televisivas do bombardeamento de Beirute, após os massacres de Sabra e
Shatila, o apoio americano manteve-se inalterado.
Em termos daquilo que Ari Folman designou como os círculos
exteriores de responsabilidade, a culpa americana pela invasão de Israel
estende-se ainda mais longe do que a luz verde de Haig: os Estados
Unidos forneceram os sistemas de armamento letal que mataram milhares
de civis e que não foram manifestamente utilizados de acordo com os
propósitos exclusivamente defensivos ditados pela lei americana. Sharon
avisou explicitamente os oficiais americanos de que isto ia acontecer.
Segundo as memórias posteriores de Draper, depois de ele e Habib se
terem encontrado com Sharon em dezembro de 1981, ele comunicou a
Washington que, no ataque planeado por Israel, «íamos ver munições de
fabrico americano serem lançadas de aviões de fabrico americano sobre o
Líbano, e iam ser mortos civis».56 Além disso, o alto comando e os
serviços de inteligência israelitas não eram os únicos a ter conhecimento
das inclinações sanguinárias das FL para com os civis palestinianos. Os
seus homólogos americanos estavam igualmente cientes do seu histórico
sangrento.
Devido a este conhecimento, devido ao apoio americano a Israel e à
tolerância para com as suas ações, aos seus fornecimentos de armas e
munições para uso contra civis, à sua coerção da OLP para que deixasse
Beirute, à recusa em lidar diretamente com ela e às suas inúteis garantias
de proteção, a invasão de 1982 deve ser vista como um empreendimento
militar conjunto entre Israel e os EUA – a sua primeira guerra voltada
especificamente contra os palestinianos. Os Estados Unidos passaram
assim a ocupar uma posição similar à da Grã-Bretanha na década de 1930,
ajudando a reprimir os palestinianos pela força ao serviço dos objetivos
sionistas. No entanto, os britânicos eram a força principal na década de
1930, enquanto em 1982 era Israel a comandar, mobilizando as suas forças
e executando a matança enquanto os Estados Unidos desempenhavam um
papel indispensável, mas secundário.

Após sabermos dos massacres em Sabra e Shatila, entendemos que não


era seguro para nós ficar em Beirute, principalmente com as nossas duas
filhas pequenas e Mona prestes a ter o terceiro. Os nossos amigos
jornalistas puseram-nos em contacto com Ryan Crocker, oficial político
superior americano e o único diplomata dos Estados Unidos ainda na
embaixada em Beirute Ocidental.57 Crocker não só se ofereceu para
organizar a nossa retirada enquanto cidadãos americanos como
acompanhar-nos-ia também ao exterior da Beirute ocupada pelos israelitas
num veículo blindado pertencente à embaixada. Mas só nos podia levar
até às linhas israelo-sírias entre Bhamdoun e Sofar nas montanhas
libanesas, devido a relatos da presença de membros da Guarda
Revolucionária Iraniana no território controlado pela Síria. Quando lhe
disse que tínhamos de ir mais longe do que isso, até à vizinha Shtaura, no
Vale do Bekaa, onde poderíamos apanhar um táxi para Damasco, ele
assentiu. Crocker cumpriu a sua palavra. No dia 21 de setembro, o dia em
que Amin Gemayel foi eleito presidente do Líbano no lugar do seu irmão
assassinado, deixámos Beirute com ele e com um motorista, atravessámos
as linhas israelitas e das FL, chegámos a Shtaura e seguimos para
Damasco de táxi.
Uma vez aí, contudo, em vez de nos levar ao nosso hotel, o motorista
depositou-nos numa das muitas agências dos serviços de inteligência
sírios. Aí, Mona, agora grávida de sete meses, o meu irmão e eu fomos
detidos durante várias horas, pontuadas por interrogatórios separados a
cada um de nós, que incluíam questões tão acutilantes como: «Viram
algum soldado israelita em Beirute?» Felizmente, o aparelho de segurança
sírio não interrogou a minha mãe, de sessenta e sete anos, nem as nossas
duas filhas pequenas, e acabámos por ser libertados, momento após o qual
fomos para o nosso hotel, partindo depois de Damasco o mais
rapidamente possível.58 Voámos para Tunes, onde nos reencontrámos com
alguns dos nossos amigos palestinianos de Beirute que tinham sido
retirados para lá. Foi em Tunes que comecei a desenvolver as ideias que
acabariam por se tornar no meu livro sobre as decisões tomadas pela OLP
durante a guerra de 1982, Under Siege, e que dei início às discussões com
alguns dos líderes da OLP que mais tarde entrevistei para o livro.
Seguimos depois para o Cairo, onde Mona e eu tínhamos família, e
percebemos o quão gravemente a guerra tinha afetado as meninas:
entravam num pânico desvairado ao ouvirem o ruído agudo dos elétricos
numa rua vizinha, julgando que eram tanques israelitas.
Assim que o exército israelita se retirou de Beirute Ocidental e o
aeroporto abriu, regressámos à cidade. Mona insistia em que o parto do
nosso terceiro filho fosse feito pelo mesmo obstetra que fizera o das
nossas duas filhas (e cujo pai tinha feito o da própria Mona mais de trinta
anos antes). O nosso filho Ismail nasceu em novembro de 1982,59 e eu
voltei a dar aulas na UAB e continuei a trabalhar no IEP. Após alguns
meses tensos, marcados pelo atentado suicida na embaixada dos Estados
Unidos na primavera de 1983, deixámos Beirute para o que contávamos
ser apenas um ano fora. Mas a guerra civil libanesa eclodiu novamente em
força e nunca mais regressámos à nossa casa em Beirute.60

O impacto político da guerra de 1982 foi enorme. Causou grandes


mudanças regionais que ainda hoje afetam o Médio Oriente. Entre os seus
mais significativos resultados duradouros, contam-se a ascensão do
Hezbollah no Líbano e a intensificação e prolongamento da guerra civil
libanesa, que se tornou um conflito regional ainda mais complexo. A
invasão de 1982 foi ocasião de muitas estreias: a primeira intervenção
militar direta americana no Médio Oriente desde o envio temporário de
tropas dos EUA para o Líbano em 1958 e a primeira e única tentativa de
Israel de forçar uma mudança de regime no mundo árabe. Estes
acontecimentos geraram, por sua vez, uma antipatia ainda mais feroz para
com Israel e os Estados Unidos entre muitos libaneses, palestinianos e
outros árabes, exacerbando ainda mais o conflito israelo-árabe. Todas
estas consequências resultaram diretamente das escolhas feitas pelos
decisores políticos israelitas e norte-americanos ao lançarem a guerra de
1982.
A guerra provocou também reações intensas, incluindo uma repulsa
generalizada face aos seus resultados entre importantes setores da
sociedade israelita, levando ao rápido crescimento do movimento Paz
Agora, que tinha sido fundado em 1978. Originou também, a nível
americano e europeu, as primeiras perceções negativas significativas e
sustentadas acerca de Israel desde 1948.61 Durante muitas semanas, os
meios de comunicação internacionais divulgaram amplamente imagens
perturbadoras de intenso sofrimento civil na cercada e bombardeada
Beirute, a primeira e única capital árabe a ser atacada e depois ocupada
desta forma por Israel. Nenhuma propaganda sofisticada por parte de
Israel e dos seus apoiantes seria suficiente para apagar estas imagens
indeléveis, e, em resultado disso, a posição de Israel no mundo ficou
gravemente maculada. A imagem totalmente positiva que Israel cultivara
diligentemente no Ocidente tinha sido prejudicada consideravelmente,
pelo menos temporariamente.
Os palestinianos granjearam uma considerável simpatia internacional
em resultado do cerco. Noutra estreia, livraram-se pelo menos em parte do
rótulo de terroristas que a propaganda israelita lhes tinha colado com
sucesso, e pareciam a muitos como David a enfrentar o Golias da máquina
militar israelita. Mas, apesar desta melhoria limitada na sua imagem
internacional, não conseguiram obter apoios suficientes, fosse dos Estados
árabes, da URSS ou de outros, para compensar o sombriamente
determinado apoio da administração Reagan ao principal objetivo de
guerra israelita de expulsar a OLP do Líbano.
Com a retirada da OLP de Beirute, a causa palestiniana parecia ter
ficado gravemente enfraquecida, e Sharon parecia ter realizado todos os
seus principais objetivos. No entanto, o resultado paradoxal destes
acontecimentos foi afastar gradualmente o centro de gravidade do
movimento nacional palestiniano dos países árabes vizinhos, onde tinha
sido relançado nas décadas de 1950 e 1960, devolvendo-o ao interior da
Palestina. Foi aí que, cinco anos depois, eclodiu a Primeira Intifada, em
dezembro de 1987, com resultados que abalaram a opinião pública
israelita e mundial. Tal como a Nakba tinha feito décadas antes, esta
contundente derrota produziu uma nova e diferente forma de resistência
dos palestinianos à multifacetada guerra que era travada contra eles.
Sharon e Begin tinham lançado a invasão para vencer a OLP e
desmoralizar os palestinianos, libertando assim Israel para absorver os
Territórios Ocupados, mas o resultado final foi instigar a sua resistência e
transferi-la para o interior da Palestina.
Quanto àqueles que desempenharam um papel crucial nos
acontecimentos do verão de 1982, as inquietações e o arrependimento
parecem ter dominado as memórias de muitos deles. Em entrevistas
comigo em 1983 e 1984, Morris Draper e Robert Dillon, na altura
embaixador dos Estados Unidos no Líbano, expressaram profundos
remorsos pelo seu papel nas negociações com a OLP. Ambos se sentiam
amargamente enganados por Sharon e Begin, que, segundo disseram,
tinham dado aos Estados Unidos compromissos explícitos de que as forças
israelitas não entrariam em Beirute Ocidental. Philip Habib não poupou
nas palavras, dizendo que o seu governo tinha sido enganado, não só por
Israel, mas também pelo seu próprio Secretário de Estado: «Haig estava a
mentir. Sharon estava a mentir», disse-me ele.62 Os recentemente
divulgados documentos israelitas confirmam que havia muitos enganos, e
talvez ainda mais autoenganos, a acontecer em Beirute, Washington e
Jerusalém na primavera e no verão de 1982.
Diplomatas franceses de topo que entrevistei, e que estiveram
envolvidos nas negociações para a retirada da OLP do Líbano,
expressaram arrependimentos quanto ao seu fracasso em conseguirem um
acordo melhor; estavam amargurados com a sua incapacidade de obterem
garantias internacionais de segurança para a população civil palestiniana e
para o destacamento a longo prazo de forças multinacionais para a
protegerem. Lamentavam a abordagem unilateral dos Estados Unidos às
negociações e os seus esforços para restringir o envolvimento de
representantes internacionais. Na altura, tinham repetida e de modo
presciente avisado de que o rumo que estava a ser seguido pelos Estados
Unidos levaria a um resultado trágico, mas o governo francês acabou por
não fazer nada para o impedir.
No seio da OLP, os seus líderes estavam zangados com a traição dos
Estados Unidos, que falhara em proteger os campos. Expressaram pesar e
até uma sensação de culpa por não terem assegurado garantias sólidas para
a segurança dos que deixavam para trás. Abu Iyad, que durante todo o
cerco defendera uma posição mais dura nas negociações, acusou
explicitamente a liderança da OLP de falhar ao seu próprio povo,
julgamento esse que era partilhado por muitos palestinianos. Alguns
outros tinham opiniões similares. Além de expressar uma profunda
consternação com o resultado, Abu Jihad [Khalil al-Wazir] mostrou-se, de
resto, taciturno e circunspecto. Como era de esperar, ‘Arafat foi o menos
autocrítico.63
Para os Estados Unidos, a sua insistência em monopolizar a
diplomacia do Médio Oriente e a sua promoção das ambições israelitas
não serviram bem os interesses americanos. Isto foi flagrantemente
demonstrado pelos acontecimentos posteriores, incluindo os atentados
suicidas contra a embaixada dos Estados Unidos em Beirute, as casernas
dos Fuzileiros Navais dos EUA e os soldados franceses, que tinham
regressado de uma missão indefinida na cidade pouco após os massacres
de Sabra e Shatila. Poucos meses depois, o couraçado USS New Jersey
estava a disparar bombas do tamanho de um Volkswagen Beetle na
direção dos Montes Shouf, onde milícias drusas (apoiadas pela Síria)
combatiam as FL (apoiadas por Israel),64 e os Estados Unidos viram-se
envolvidos numa guerra que poucos americanos, incluindo muitos dos
diretamente envolvidos, entendiam totalmente.
O Hezbollah, que nasceu do turbilhão libanês, tornou-se um inimigo
mortal dos Estados Unidos e de Israel. Ao estudar a sua ascensão, poucos
repararam que muitos dos jovens que fundaram o movimento e realizaram
os seus ataques letais contra alvos americanos e israelitas tinham lutado ao
lado da OLP em 1982. Tinham ficado após os combatentes da OLP terem
partido só para verem centenas dos seus companheiros xiitas massacrados
juntamente com os palestinianos, em Sabra e Shatila. As pessoas
assassinadas no atentado à embaixada dos Estados Unidos, os fuzileiros
que morreram nas suas casernas e muitos outros americanos raptados ou
assassinados em Beirute – entre eles Malcolm Kerr e vários dos meus
colegas e amigos na UAB – maioritariamente vítimas de ataques dos
grupos que deram origem ao Hezbollah, pagaram o preço pela aparente
conspiração entre o seu país e o ocupante israelita.
Nos círculos de responsabilidade de Folman, os libaneses que foram
direta e indiretamente responsáveis pelos massacres pagaram, talvez, o
preço mais elevado. Bashir Gemayel e o seu tenente Elie Hobeika foram
ambos assassinados, bem como tantos outros, e o principal líder das FL (e
eventualmente presidente do partido político em que estas se tornaram),
Samir Geagea, passou onze anos na prisão por crimes cometidos durante a
guerra do Líbano, ainda que não por quaisquer crimes relacionados com a
invasão de 1982. Dos líderes da OLP que tomaram as fatídicas decisões
que levaram à tragédia de Sabra e Shatila, Abu Jihad e Abu Iyad foram
ambos assassinados, o primeiro por Israel e o segundo provavelmente por
um agente iraquiano. ‘Arafat morreu após ter sido cercado por tropas
israelitas no seu quartel-general em Ramallah.65 Nenhum deles foi alguma
vez responsabilizado pelos resultados da guerra de 1982.
A maioria dos decisores israelitas envolvidos, incluindo Begin, Sharon
e vários generais de alta patente, suportaram humilhações ou perdas de
mandato em resultado do relatório da Comissão Kahan e da condenação
em Israel após os massacres. Não obstante, nenhum deles sofreu sanções
penais ou qualquer outro tipo de penalização grave. Na verdade, o chefe
do Comando Norte de Israel, o major-general Amir Drori, que estava
encarregado das forças de invasão, cumpriu até ao fim o seu mandato de
comandante, tirando depois uma licença de um ano para estudar em
Washington, DC. Tanto Shamir como Sharon, e também Netanyahu,
viriam a servir como primeiros-ministros de Israel.
Em contraste, nenhum dos oficiais americanos envolvidos foi alguma
vez responsabilizado por qualquer um dos seus atos, desde a sua
conspiração com Israel em lançar e travar a guerra de 1982 ao fracasso
dos Estados Unidos em honrar os seus compromissos relativamente à
segurança dos civis palestinianos. Muitos deles – incluindo Reagan, Haig
e Habib – estão atualmente mortos. Todos escaparam até agora ao
julgamento.

* Diálogo da imagem:
– O que foi agora, sargento?
– Acabámos de receber a contagem final dos terroristas retirados, senhor.
– Isso inclui os terroristas feridos dos hospitais terroristas?
– Sim, senhor. Juntamente com os terroristas médicos e as terroristas enfermeiras.
– Esperem lá um minuto, que história é essa de «terroristas»? O Begin não foi também terrorista
em tempos?
– O Sr. Begin não foi terrorista. Foi combatente pela liberdade.
– Oh.
– Quantos familiares terroristas?
– 3 000 esposas terroristas e 7 000 terroristas bebés.
[N. da T.]
5

A Quinta Declaração
de Guerra, 1987-1995

Criam um deserto e chamam-lhe paz.


– Tácito1

A revolta palestiniana, ou intifada, que eclodiu em dezembro de 1987


foi um exemplo perfeito da lei das consequências inesperadas.2 Ariel
Sharon e Menachem Begin tinham lançado a invasão do Líbano para
esmagar o poder da OLP e assim acabar com a oposição nacionalista
palestiniana nas áreas ocupadas da Margem Ocidental e de Gaza, levando
à absorção desses territórios por Israel. Isto completaria a missão colonial
do sionismo histórico: criar um Estado judaico em toda a Palestina. A
guerra de 1982 conseguiu realmente enfraquecer a OLP, mas o efeito
paradoxal foi fortalecer o movimento nacional palestiniano na própria
Palestina, desviando o foco de ação de fora para dentro do país. Após duas
décadas de uma ocupação relativamente manejável, Begin e Sharon, dois
fervorosos partidários do ideal da Grande Israel, tinham inadvertidamente
desencadeado um novo nível de resistência ao processo de colonização. A
oposição à apropriação de terrenos e ao regime militar israelita tem vindo
a irromper na Palestina repetidamente e de diferentes formas desde então.
A Primeira Intifada, como ficou conhecida, eclodiu espontaneamente
por todos os Territórios Ocupados, desencadeada quando um veículo do
exército israelita atingiu um camião no campo de refugiados de Jabalya,
na Faixa de Gaza, matando quatro palestinianos. A revolta alastrou de
forma muito rápida, ainda que Gaza tenha sido o seu cadinho e tenha
continuado a ser a área mais difícil de controlar por Israel. A intifada
gerou uma extensa organização local nas aldeias, vilas, cidades e campos
de refugiados, vindo a ser encabeçada por uma Liderança Nacional
Unificada secreta. As flexíveis e clandestinas redes de base formadas
durante a intifada revelaram-se impossíveis de suprimir pelas autoridades
militares de ocupação.
Após um mês de distúrbios crescentes, em janeiro de 1988, o Ministro
da Defesa Yitzhak Rabin ordenou às forças de segurança que usassem
«força, poder e espancamentos».3 A sua política de «mão de ferro» foi
executada através da prática específica de partir os braços e as pernas dos
manifestantes e de lhes rachar as cabeças, espancando também quaisquer
outros que despertassem a ira dos soldados. Em pouco tempo, imagens de
soldados fortemente armados a agredirem brutalmente manifestantes
palestinianos adolescentes, amplamente transmitidas por televisão,
criaram uma enorme reação negativa nos meios de comunicação dos
Estados Unidos e de outros locais, mostrando Israel na sua verdadeira
dimensão de potência ocupante cruel. Apenas cinco anos após a cobertura
mediática do cerco e bombardeamento de Beirute, esta exposição desferiu
um novo golpe na imagem de um país amplamente dependente de uma
opinião pública americana complacente.
Apesar do impacto prejudicial da guerra de 1982 na posição de Israel,
os astuciosos esforços de relações públicas do país tinham conseguido
anestesiar novamente grande parte da opinião pública dos Estados
Unidos.4 Mas, ao contrário das imagens televisionadas dos
bombardeamentos aéreos e de artilharia no Líbano, que acabaram ao fim
de dez semanas, a violência da intifada arrastou-se, ano após ano brutal,
entre dezembro de 1987 e 1993, diminuindo um pouco durante a Guerra
do Golfo e a conferência de paz organizada pelos Estados Unidos em
Madrid, em outubro de 1991. Durante este período, a insurreição produziu
cenas arrebatadoras de combates de rua entre jovens manifestantes
palestinianos e soldados israelitas, que eram apoiados por blindados de
transporte de pessoal e tanques. A imagem icónica deste período foi a de
um rapazinho palestiniano a atirar uma pedra a um enorme tanque
israelita.
«Se tem sangue, é notícia», diz o ditado, e os telespetadores estavam
emocionados com os repetidos quadros de desoladora violência, que
invertiam a imagem de Israel como perpétua vítima, projetando-o como
Golias contra o David palestiniano. Era um peso constante para Israel, não
só em termos de pressão sobre as suas forças de segurança, mas também, e
talvez de forma mais significativa, em termos da sua reputação no
estrangeiro, em alguns aspetos, o seu ativo mais vital. Até Rabin, o
homem no comando, entendia a importância deste fator político. Uma
lisonjeira entrevista a Rabin no New York Times abria com a afirmação de
que «os amotinados palestinianos têm vindo a vencer a batalha de relações
públicas contra Israel na imprensa mundial, admitiu hoje o Ministro da
Defesa Yitzhak Rabin, salientando que o exército está a enfrentar algo
novo e complexo: uma insurreição generalizada resultante de décadas de
frustrações palestinianas».5
Quando a Primeira Intifada eclodiu, a ocupação da Margem Ocidental
e da Faixa de Gaza estava em vigor há duas décadas. Tirando partido de
uma situação de relativa calma, Israel dera início à colonização dos
Territórios Ocupados imediatamente após a guerra de 1967, acabando por
criar mais de duzentos colonatos, desde cidades de 50 000 habitantes a
frágeis aglomerados pré-fabricados albergando poucas dúzias de colonos.
Durante anos, peritos israelitas tinham garantido aos seus líderes, e ao
público, que os palestinianos que se encontravam a viver sob aquilo a que
chamavam «uma ocupação esclarecida» estavam satisfeitos e totalmente
sob controlo. A erupção de uma enorme resistência de base veio contrariar
esta ideia. Era verdade que alguns palestinianos, intimidados pelo poder
israelita e por uma série de expulsões em massa de mais de 250 000
pessoas após a guerra de 1967,6 tinham parecido inicialmente ceder à nova
ordem que lhes fora imposta. Era também verdade que os rendimentos na
Margem Ocidental e na Faixa de Gaza tinham subido significativamente, à
medida que dezenas de milhares de palestinianos eram autorizados a
trabalhar em Israel.
Em 1976, contudo, a alienação intensificara-se. Qualquer expressão de
nacionalismo – hastear a bandeira palestiniana, exibir as cores da
Palestina, organizar sindicatos, expressar apoio à OLP ou a qualquer outra
organização de resistência – era severamente reprimida, com multas,
espancamentos e prisões. As detenções e encarceramentos incluíam
geralmente a tortura dos detidos. Protestar contra a ocupação,
publicamente ou por escrito, podia levar ao mesmo resultado ou até à
deportação. Qualquer resistência mais ativa, principalmente se envolvesse
violência, suscitava castigos coletivos, demolições de casas, prisões sem
julgamento sob a designação de «detenções administrativas», que podiam
durar anos, e até homicídios extrajudiciais. Nesse ano, candidatos
autárquicos apoiados pela OLP venceram as eleições municipais em
Nablus, Ramallah, Hébron e al-Bireh, bem como noutras cidades. Vários
desses autarcas foram deportados em 1980, acusados de instigação, e
outros foram exonerados pelas autoridades militares de ocupação na
primavera de 1982, provocando uma agitação generalizada. Isto foi feito
durante os preparativos para a invasão do Líbano, como parte da
abrangente campanha de Ariel Sharon para erradicar a OLP.
Um dos aspetos dessa campanha foi a tentativa de criar grupos
colaboracionistas locais, as «ligas de aldeia», projeto que nunca arrancou
devido à recusa generalizada dos palestinianos em cooperar com a
ocupação após a remoção dos autarcas. O instrumento escolhido por
Sharon para esta política foi um suposto arabista israelita chamado
Menachem Milson, professor de árabe e coronel do exército israelita na
reserva.7 Não era invulgar que alguém acumulasse estes dois títulos: a
maioria dos principais académicos israelitas especializados em questões
do Médio Oriente eram também oficiais na reserva dos serviços de
informação militar ou de outros ramos dos serviços de segurança,
dedicados a espiar e a oprimir o povo que estudaram durante o resto do
tempo.8
Entretanto, uma nova geração de palestinianos chegara à idade adulta
sem ter conhecido mais nada além da ocupação militar, e era tudo menos
submissa. Estes jovens saíram em manifestações públicas de apoio à OLP
em Jerusalém Oriental, na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, apesar
dos riscos de o fazerem. Os anos anteriores à intifada foram marcados por
manifestações em massa de jovens palestinianos mais destemidos do que
os seus antecessores, e pela crescente repressão por parte das forças de
segurança israelitas, cujos superiores pareciam não ter consciência do
efeito cumulativo da brutalidade que estavam a ordenar.
Dados todos os sinais de agitação crescente, a insurreição não devia ter
sido uma surpresa para as autoridades israelitas. Mas a sua rápida resposta
foi mal planeada, prepotente e desproporcionada. A brutalidade
sistemática dos soldados, na sua maioria jovens recrutas, para com a
população que estavam encarregados de controlar não resultou apenas da
frustração ou sequer do medo. As ordens de Rabin para «quebrar ossos»
definiram o tom, mas a violência excessiva tinha também raízes na
constante doutrinação social anti-palestiniana, baseada na ideia dogmática
de que Israel seria esmagado pelos árabes se as suas forças de segurança
não os detivessem à força, uma vez que a sua supostamente irracional
hostilidade para com os judeus era de outro modo incontrolável.9
A intifada estava em curso há quase um ano e meio quando fiz a
minha primeira viagem à Palestina desde 1966, na altura em que a
Margem Ocidental estava sob domínio jordano.10 Certa noite, durante uma
visita a Nablus com alguns colegas da Universidade de Chicago, após
termos deixado a casa do meu primo Ziyad, demos por nós nas sinuosas
ruas da Cidade Velha, apanhados num confronto entre jovens
manifestantes e os soldados israelitas que os perseguiam, disparando balas
de borracha e gás lacrimogéneo. Os soldados não apanharam nenhum dos
manifestantes, mas acabaram por conseguir dispersá-los. Nesse momento,
tornou-se evidente que não podia haver qualquer vitória duradoura para as
forças de Israel nestes tumultos urbanos de tipo gato e rato. Os jovens
manifestantes podiam reaparecer a qualquer momento noutra parte do
labirinto de ruas estreitas. Claro que os soldados podiam simplesmente
matá-los, o que acontecia com demasiada frequência. Entre o início da
Primeira Intifada e o final de 1996 – nove anos, incluindo seis em que a
intifada esteve em curso – as tropas israelitas e colonos armados mataram
1 422 palestinianos, quase um de dois em dois dias. Destes, 294, ou mais
de 20 por cento, tinham dezasseis anos ou menos. Cento e setenta e cinco
israelitas, 86 dos quais profissionais de segurança, foram mortos por
palestinianos durante o mesmo período.11 Esta proporção de baixas de
oito para um era característica, algo que não se teria sabido a partir de
grande parte da cobertura mediática americana.
Noutra ocasião, ia a atravessar a cidade de Gaza a caminho de ir visitar
a minha prima Huda, esposa do Dr. Haydar ‘Abd al-Shafi, diretor do
Crescente Vermelho palestiniano em Gaza. No lento arrastar de um
engarrafamento, o nosso carro passou por uma patrulha israelita
fortemente armada, com os soldados no jipe de armas a postos. Estavam
agitados e nervosos, e vi-lhes nos rostos uma qualidade que tinha
reconhecido nas tropas israelitas na Beirute ocupada em 1982: estavam
assustados. Os seus veículos moviam-se a passo de caracol por áreas
urbanas densamente povoadas onde toda a comunidade odiava a ocupação
que os soldados personificavam e impunham. Os soldados de um exército
regular, por mais fortemente armados que estejam, jamais se sentirão
seguros nessas circunstâncias.
Rabin e outros reconheciam os problemas intrínsecos que eu vi nas
ruas de Nablus e de Gaza. Segundo Itamar Rabinovich, o biógrafo de
Rabin, e também seu íntimo colaborador e parceiro de ténis, a Primeira
Intifada fez com que o general veterano entendesse que era necessária
uma solução política.12 Ainda assim, agarrou-se firmemente ao efeito
dissuasor da brutalidade. «O uso da força», disse Rabin, «incluindo os
espancamentos, suscitou indiscutivelmente o impacto que pretendíamos –
fortalecendo o receio da população em relação às Forças de Defesa de
Israel.»13 Talvez, mas essa brutalidade não pôs termo à revolta.
Casbah de Nablus, Primeira Intifada, 1988. Não podia haver qualquer vitória
duradoura para as forças de Israel nestes tumultos urbanos de tipo gato e rato.

A intifada foi uma campanha de resistência espontânea e ascendente,


nascida de uma acumulação de frustrações e, inicialmente, sem qualquer
ligação à liderança política formal palestiniana. Tal como na revolta de
1936-39, a duração da intifada e os seus extensos apoios eram prova do
vasto respaldo popular de que gozava. Foi também uma insurreição
flexível e inovadora, desenvolvendo uma liderança coordenada, mas
mantendo ao mesmo tempo o seu impulso e controlo locais. Entre os seus
ativistas, havia homens e mulheres, profissionais de elite e empresários,
agricultores, aldeões, pobres urbanos, estudantes, pequenos lojistas e
membros de praticamente todos os outros setores da sociedade. As
mulheres desempenhavam um papel central, ocupando cada vez mais
posições de liderança, à medida que muitos dos homens eram detidos, e
mobilizando pessoas que eram frequentemente deixadas de fora da
política convencional dominada pelos homens.14
Além de manifestações, a intifada envolvia táticas que iam de greves,
boicotes e retenções de impostos a outras formas engenhosas de
desobediência civil. Às vezes, os protestos tornavam-se violentos, muitas
vezes inflamados por soldados que infligiam pesadas baixas com
munições reais e balas de borracha utilizadas contra manifestantes
desarmados ou jovens a atirarem pedras. Ainda assim, a revolta foi
maioritariamente pacífica e desarmada, um fator de importância crucial
que ajudou a mobilizar outros setores da sociedade além dos jovens que se
manifestavam nas ruas, mostrando ao mesmo tempo que toda a sociedade
palestiniana sob ocupação se opunha ao statu quo e apoiava a intifada.
A Primeira Intifada foi um exemplo notável de resistência popular
contra a opressão e pode ser considerada como a primeira vitória
incontestável para os palestinianos na longa guerra colonial que começou
em 1917. Ao contrário da revolta de 1936-39, a intifada foi impulsionada
por uma ampla visão estratégica e por uma liderança unificada, e não
exacerbou as divisões internas palestinianas.15 O seu efeito unificador e a
sua maioritariamente bem-sucedida prevenção do uso de armas de fogo e
de explosivos – em contraste com o movimento de resistência palestiniano
dos anos de 1960 e 1970 – ajudaram a fazer com que o seu apelo fosse
amplamente ouvido a nível internacional, levando a um profundo e
duradouro impacto positivo na opinião pública israelita e mundial.
Isto não aconteceu por acaso: a intifada foi especificamente planeada
não só para mobilizar os palestinianos e os árabes, mas também para
moldar as perceções de Israel e do mundo. Que este era um objetivo
essencial é evidente a partir de muitas das táticas utilizadas, bem como das
sofisticadas e eficazes estratégias de comunicação daqueles que estavam
em condições de explicar ao público internacional qual era o significado
da intifada. Entre estes, incluíam-se eloquentes e sagazes ativistas e
intelectuais a viver na Palestina, como Hanan ‘Ashrawi, Haydar ‘Abd al-
Shafi, Raja Shehadeh, Iyad al-Sarraj, Ghassan al-Khatib, Zahira Kamal,
Mustafa Barghouti, Rita Giacaman, Raji Sourani e muitos outros. Os que
estavam fora da Palestina, entre eles Edward Said e Ibrahim Abu Lughod,
tiveram um impacto similar. No início da década de 1990, a posição
palestiniana unificada tinha já evidenciado com sucesso que a ocupação
era insustentável, pelo menos da forma como tinha funcionado nas suas
primeiras duas décadas.

Apesar de todas as conquistas da Primeira Intifada, havia um perigo


interno oculto no seu sucesso e no aparecimento de uma liderança local
efetiva com porta-vozes articulados e atraentes. Um movimento popular
que ultrapassa as elites políticas estabelecidas constitui um desafio ao seu
poder. Após a derrota da OLP no Líbano em 1982, a organização estava
presa num estéril e debilitante exílio em Tunes e noutras capitais árabes,
com as suas energias direcionadas para uma inicialmente infrutífera
tentativa de conquistar a aceitação por parte dos Estados Unidos como
interlocutora e por parte de Israel como parceira num acordo. A OLP foi
apanhada de surpresa pela eclosão de uma revolta popular de bases e foi
célere a tentar incorporá-la e a beneficiar com ela.
Uma vez que a maioria dos que se tinham revoltado nos Territórios
Ocupados via a OLP como sua legítima representante e os seus líderes
como a personificação do nacionalismo palestiniano, isto não causou
grandes problemas no início. A população dos Territórios Ocupados, que
assistira ao longe aos sacrifícios dos militantes da OLP na Jordânia,
durante o Setembro Negro e, no Líbano, durante toda a guerra civil e a
invasão israelita, sentia que estava agora a carregar parte do fardo
nacional. Sentiam-se orgulhosos por os palestinianos sob ocupação
estarem a assumir a liderança na luta pela libertação.
O problema deste desenvolvimento foi a miopia e a visão estratégica
limitada dos líderes da OLP em Tunes. Muitos deles não entendiam
totalmente a natureza do regime de ocupação ou a complexa situação
social e política dos palestinianos na Margem Ocidental e na Faixa de
Gaza após duas décadas de controlo israelita. Na verdade, grande parte
destes líderes não tinha entrado na Palestina desde 1967 ou antes. O seu
entendimento da sociedade e da política israelitas era muito mais limitado
do que o dos palestinianos que tinham vivido e observado o domínio
israelita, muitos dos quais tinham aprendido hebraico nos seus empregos
em Israel ou enquanto cumpriam pena na prisão (um quinto da população
palestiniana sob ocupação tinha passado por estas prisões). A
consequência foi uma gestão cada vez mais intrusiva da intifada por
controlo remoto a partir de Tunes, à medida que a OLP passava a dominar
o que tinha sido um movimento popular de resistência. Emitia diretivas e
geria as coisas à distância, muitas vezes ignorando as opiniões e
preferências daqueles que tinham iniciado a revolta e a tinham liderado
com sucesso.
Este problema tornou-se consideravelmente mais grave após Israel ter
assassinado Abu Jihad, em abril de 1988, cerca de quatro meses após o
início da intifada. Abu Jihad, o tenente mais próximo de ‘Arafat, era desde
o início uma das principais figuras da Fatah e há muito que estava
encarregado de lidar com os Territórios Ocupados, ou, como o seu
departamento lhes chamava, al-Qita’ al-Gharbi, o Setor Ocidental
(possivelmente para ocultar o seu verdadeiro propósito). Abu Jihad tinha
os seus defeitos, mas era um observador atento da situação na Palestina e
tinha conhecimentos profundos sobre os palestinianos e israelitas que lá
viviam. O seu assassinato, que resultou da frustração crescente dos líderes
israelitas ante a sua incapacidade de dominar a intifada, privou a OLP de
uma das suas figuras cruciais, cujo papel não podia facilmente ser
preenchido por outrem.16 A morte de Abu Jihad fez parte da política
israelita de décadas de liquidar sistematicamente os principais
organizadores palestinianos, principalmente os eficazes.17
A perda de Abu Jihad e a falta de conhecimento em Tunes não foram
as únicas razões para os problemas da OLP em lidar com a intifada. Após
a guerra de 1982, a Fatah tinha enfrentado um grande motim patrocinado
pela Síria entre os seus restantes quadros no Norte e no Leste do Líbano
(de onde não tinham sido retirados em 1982) e também na Síria, liderado
por dois comandantes militares superiores, o coronel Abu Musa e o
coronel Abu Khalid al-‘Amleh. Foi o mais grave desafio interno à
liderança da Fatah desde a sua fundação, e constituiu outro elemento na
ofensiva maioritariamente secreta contra o movimento nacional
palestiniano, realizada pelos regimes árabes, neste caso pela Síria.18
O motim na Fatah foi amargo e dispendioso, e intensificou a
preocupação de ‘Arafat e dos seus colegas em relação ao aparecimento de
rivais, sobretudo sob a influência de regimes hostis. A preocupação tinha
fundamento, dados os esforços dos adversários do movimento para criar
alternativas, como as ligas de aldeia nos Territórios Ocupados. O Hamas,
nomeadamente, fundado em 1987 (e inicialmente apoiado de forma
discreta por Israel com o objetivo de enfraquecer a OLP19), começava já a
transformar-se num concorrente formidável. Este alarme ante a
possibilidade de serem suplantados esteve na base da inveja dos líderes da
OLP face aos líderes locais da intifada, sobretudo quando os seus
seguidores começaram a aumentar na Palestina e os meios de
comunicação globais começaram a vê-los de forma positiva. O
ressentimento de ‘Arafat tornou-se um problema crescente à medida que a
intifada progredia e que o prémio há muito desejado pela OLP – um lugar
nas negociações internacionais como legítima representante do povo
palestiniano – parecia estar ao seu alcance.
Além de terem um fraco entendimento da realidade no interior dos
Territórios Ocupados e de Israel, os líderes da OLP também nunca tinham
entendido a verdadeira dimensão dos Estados Unidos. Mesmo após 1982,
continuavam mal informados sobre o país e a sua política, com exceção de
algumas figuras de segunda ordem, como Nabil Sha’ath e Elias Shoufani,
que tinham sido educados nos Estados Unidos, mas não conseguiram
influenciar ‘Arafat e os seus parceiros.20 Alguns dos principais líderes da
OLP, como Faruq al-Qaddumi (Abu Lutf), chefe do Departamento Político
(na prática, Ministro dos Negócios Estrangeiros), assistiam às sessões da
Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque todos os outonos,
mas estavam legalmente limitados a um raio de viagem de quarenta
quilómetros a partir de Columbus Circle. Em todo o caso, ficavam
essencialmente instalados nos seus hotéis de luxo durante toda a visita.
Saíam esporadicamente para visitar diplomatas árabes ou para falar com
grupos de comunidades palestinianas, mas faziam poucas aparições
públicas e não interagiam com grupos americanos nem com a imprensa de
Nova Iorque. Nunca realizaram certamente as abrangentes campanhas
diplomáticas e de relações públicas dos oficiais israelitas, que estavam
sempre presentes na televisão e nos encontros regionais, e principalmente
quando chegava a altura das reuniões anuais da Assembleia Geral.
A incapacidade de tirar partido da presença palestiniana nas Nações
Unidas equivalia a ignorar premeditadamente o povo, as elites e os meios
de comunicação da maior potência do mundo e do principal esteio de
Israel, uma abordagem que remontava a 1948 e até antes. Tal como eu vira
em 1984, ‘Arafat dava mais importância a encontrar-se com o líder de
uma fação menor da OLP ligada ao Iraque do que a ouvir conselhos
especializados sobre como influenciar a opinião pública nos Estados
Unidos. A situação não tinha melhorado desde então. Uma visão simplista
das estruturas de governo e de tomada de decisão em Washington levava a
OLP a depositar todas as suas esperanças na conquista do seu
reconhecimento pelo governo dos Estados Unidos como a legítima
interlocutora palestiniana; seguir-se-iam certamente os bons ofícios
americanos em prol de um acordo justo com os israelitas. Esta atitude
continha vestígios da fé ingénua das gerações anteriores de líderes
palestinianos (partilhada até hoje por muitos governantes árabes) em como
um apelo pessoal a um secretário colonial ou primeiro-ministro britânico,
ou a um Secretário de Estado ou presidente americano, podia resolver o
problema. Esta visão ilusória do elemento pessoal nas relações de poder
pode ter-se baseado na experiência de lidar com imprevisíveis e todo-
poderosos ditadores e monarcas absolutos no mundo árabe.
Foi também parcialmente moldada pela experiência dos monarcas
árabes, que viam o Secretário de Estado dos EUA George Shultz (que
tinha liderado a Bechtel, uma importante fornecedora de serviços no
Golfo), e posteriormente o presidente George H. W. Bush e o seu
Secretário de Estado, James Baker (texanos com ligações anteriores à
indústria petrolífera), como «pró-árabes». Efetivamente, tal como a
maioria dos outros decisores políticos americanos desde Roosevelt, estes
homens estavam intimamente ligados às petromonarquias árabes, mas isto
não se traduzia em simpatia pelos árabes em geral ou pelos palestinianos
em particular, ou numa atitude crítica para com Israel.
Estas perceções erradas estiveram na base do fracasso da OLP em
cativar seriamente a opinião pública norte-americana e em envolver-se nas
negociações de paz em finais da década de 1980. Em 1988, contudo,
motivada pelo impacto internacional da intifada, a organização redobrou
os seus esforços, culminando na Declaração de Independência da
Palestina, adotada numa reunião do Conselho Nacional Palestiniano em
Argel no dia 15 de novembro. Redigido maioritariamente por Mahmoud
Darwish, ajudado por Edward Said e pelo respeitado intelectual Shafiq al-
Hout, o documento abandonava formalmente a pretensão da OLP à
totalidade da Palestina, aceitando os princípios da divisão, uma solução de
dois Estados e uma resolução pacífica para o conflito. Um comunicado
político anexo aceitava a SC 242 e a SC 338 como base para uma
conferência de paz.
Foram enormes mudanças políticas para a OLP, o culminar de uma
evolução rumo à aceitação de Israel e à defesa de um Estado palestiniano
ao seu lado, que tinha começado no início da década de 1970, ainda que
estas mudanças não tenham sido reconhecidas pelos seus adversários
israelitas. Estava para chegar uma mudança ainda mais significativa. No
dia 14 de dezembro desse ano, ‘Arafat aceitou as condições dos Estados
Unidos para participar num diálogo bilateral. Na sua declaração, aceitava
explicitamente as Resoluções 242 e 338, reconhecia o direito de Israel a
existir em paz e segurança e renunciava ao terrorismo.21 Esta cedência às
condições americanas conseguiu finalmente para a OLP a abertura, há
muito procurada, em relação a Washington, mas não levou os israelitas a
aceitarem lidar com a organização nem conduziu a negociações de paz,
pelo menos durante outros três anos.
As razões para tal foram simples. Além dos outros errados
pressupostos da OLP sobre os Estados Unidos, os seus líderes não
conseguiam entender a falta de preocupação americana, e até mesmo o seu
desdém, para com os seus interesses e objetivos (esta incompreensão é
difícil de entender à luz da dolorosa traição das promessas americanas de
proteger os campos de refugiados em Beirute em 1982). Mais importante,
porém, foi a sua incapacidade de entender o quão intimamente ligadas
estavam as políticas dos Estados Unidos e de Israel. Os compromissos
secretos de Kissinger em 1975 prendiam os pés dos decisores políticos
norte-americanos em cimento no que a lidar com a questão palestiniana
dizia respeito. A OLP pode não ter sabido que Israel tinha efetivamente
garantido o poder de veto sobre as posições dos EUA em quaisquer
conversações de paz,22 mas existiram suficientes fugas credíveis na
imprensa e noutros locais acerca destes acordos secretos (principalmente
de israelitas, que estavam compreensivelmente ansiosos por divulgá-
los).23 Ocorreram também incidentes embaraçosos, como quando Andrew
Young, embaixador nas Nações Unidas, foi obrigado a demitir-se após ter-
se encontrado com um oficial da OLP.
Os termos gerais dos compromissos dos Estados Unidos para com
Israel deveriam ter sido evidentes para um observador informado, algo
que ‘Arafat e os seus colegas definitivamente não eram. A intifada tinha-
lhes dado um presente de valor inestimável, uma reserva de capital
político e moral. A revolta popular revelara os limites da ocupação militar,
prejudicara o estatuto internacional de Israel e melhorara o dos
palestinianos. Apesar de toda a eficácia da OLP, nas suas primeiras
décadas, em colocar a Palestina de novo no mapa global, é possível atestar
que a intifada teve um impacto mais positivo na opinião mundial do que
os esforços geralmente ineficazes da organização na luta armada alguma
vez tiveram. O diretor da Mossad na altura, Nahum Admoni, confirmou-o,
dizendo: «A Intifada causou-nos muito mais danos políticos, prejuízos à
nossa imagem, do que tudo o que a OLP tinha conseguido fazer em toda a
sua existência.»24 Negociar com este importante novo ativo permitiu à
liderança da OLP abandonar formalmente a sua estratégia de luta armada
a partir de bases no exterior da Palestina, que, em todo o caso, se vinha
tornando cada vez mais impossível desde 1982 e nunca tivera grandes
probabilidades de sucesso nas suas mãos, se é que não era mesmo
prejudicial à causa palestiniana.
Mesmo antes de 1982, muitos na OLP entendiam já que tinha chegado
o momento de acabar com a luta armada. Quando ainda estavam sediados
no Líbano, os seus líderes tinham encarregado o distinto intelectual
paquistanês Eqbal Ahmad, amigo íntimo de Edward Said e também meu
amigo, de avaliar a sua estratégia militar. Ahmad trabalhara com a Frente
de Libertação Nacional, na Argélia, no início da década de 1960, tinha
conhecido Frantz Fanon e era um prestigiado pensador anticolonialista do
terceiro mundo. Após ter visitado bases da OLP no Sul do Líbano,
regressou com uma crítica que desconcertou aqueles que tinham pedido o
seu conselho. Embora fosse, em princípio, um empenhado defensor da
luta armada contra regimes coloniais como o da Argélia, Ahmad tinha
fortes críticas à forma ineficaz e muitas vezes contraproducente como a
OLP estava a executar esta estratégia.
De forma mais séria, e com base em fundamentos políticos em vez de
morais ou legais, questionou se a luta armada era o plano de ação correto
contra o adversário específico da OLP, Israel. Argumentou que, dado o
curso da história judaica, principalmente no século XX, o uso da força só
fortalecia o preexistente e generalizado sentimento de vitimização entre os
israelitas, unificando ao mesmo tempo a sociedade israelita, reforçando as
tendências mais militantes do sionismo e fomentando o apoio de atores
externos.25 Era diferente da Argélia, onde o uso da violência pela FLN
(incluindo mulheres que usavam «cestos para transportar bombas, que
ceifaram tantas vidas inocentes», nas acusatórias palavras de um
interrogador francês no filme de 1966, A Batalha de Argel, de Gillo
Pontecorvo) acabou por conseguir dividir a sociedade francesa e corroer o
seu apoio ao projeto colonial. A crítica de Ahmad foi profunda e
devastadora, e não foi bem recebida pelos líderes da OLP, que
continuavam a proclamar publicamente a sua devoção à luta armada ainda
que, na prática, estivessem a afastar-se dela. Além do seu apurado
entendimento da profunda ligação entre o sionismo e a longa história de
perseguição dos judeus na Europa, a análise de Ahmad via sagazmente a
natureza singular do projeto colonial israelita.26
A maioritariamente pacífica intifada na Palestina permitiu a ‘Arafat ter
em consideração, ainda que tardiamente, a perspetiva de Ahmad, e, ao
mesmo tempo, responder positivamente a uma das principais condições
dos EUA para o diálogo: renunciar à resistência armada, classificada
como terrorismo pelos Estados Unidos e por Israel. Ainda assim, os
resultados da ingenuidade da OLP relativamente aos Estados Unidos não
tardaram a tornar-se evidentes. Em si mesmos, o reconhecimento por parte
dos Estados Unidos e um lugar à mesa das negociações eram objetivos
irrepreensíveis. Todos os movimentos anticolonialistas, fosse na Argélia,
no Vietname ou na África do Sul, desejavam que os seus inimigos
aceitassem a sua legitimidade e negociassem com eles um fim honroso
para o conflito. Em todos estes casos, contudo, um fim honroso
significava acabar com a ocupação e a colonização, e idealmente chegar a
uma reconciliação pacífica baseada na justiça. Era esse o principal
objetivo das negociações procuradas por outros movimentos de libertação.
Mas, em vez de usar o sucesso da intifada para defender um fórum
enquadrado nos termos desses objetivos libertadores, a OLP deixou-se
arrastar para um processo explicitamente concebido por Israel, com a
anuência dos Estados Unidos, para prolongar a sua ocupação e
colonização, e não para lhes pôr termo.
A OLP procurou desesperadamente ser admitida em supostas
negociações de paz cujos estreitos parâmetros estavam restritos desde o
início pela SC 242 de formas imensamente desvantajosas para os
palestinianos. A SC 242 não inclui qualquer referência à questão
palestiniana ou ao Estado árabe especificado na Resolução UNGA 181,
em 1947, nem ao regresso dos refugiados decretado pela Resolução
UNGA 194 de 1948. Com a sua formulação cuidadosamente redigida
sobre a retirada de «territórios ocupados» em 1967 (em vez de «dos
territórios ocupados»), a Resolução 242 dava efetivamente a Israel a
oportunidade de expandir ainda mais as suas fronteiras anteriores a 1967.
Quer se apercebessem ou não, ao aceitar a Resolução 242 como base para
quaisquer negociações, ‘Arafat e os seus colegas tinham assumido uma
tarefa impossível.
Também não conseguiam entender a necessidade de continuar a
exercer pressão sobre os seus adversários: com o fim da luta armada e o
esmorecer da intifada no início da década de 1990, isso foi-se tornando
cada vez menos possível. Quando as conversações finalmente começaram,
em Madrid, no outono de 1991, a OLP tentou travar a intifada (não parou,
mas acabou por se extinguir alguns anos depois), como se o lançamento
das negociações fosse o fim do processo e não o início. Além do facto de
os Estados Unidos jamais poderem ser um mediador honesto, dados os
compromissos que tinham assumido, também Israel tinha as suas próprias
posições independentes. Assim, quaisquer concessões feitas pela OLP aos
Estados Unidos não vinculavam necessariamente Israel nem o tornavam
mais aberto a lidar com a organização. Na verdade, quando, no fim da
administração Reagan, os Estados Unidos encetaram finalmente um
diálogo com a OLP após a sua declaração de 1988, Israel tornou-se ainda
mais intransigente.
Além disso, a OLP não parecia entender a verdadeira importância do
acordo de Camp David de 1978 e do subsequente tratado de paz israelo-
egípcio de 1979, em que Menachem Begin tinha feito um acordo
desastroso com Anwar Sadat e Jimmy Carter em relação à Palestina. Além
disso, o declínio da URSS implicou a perda por parte da OLP de um
intermitente e inconsistente mecenas, que lhe proporcionara apoio militar
e diplomático e defendera a sua inclusão nas negociações em termos
muito menos onerosos do que os exigidos pelos Estados Unidos e por
Israel.27 Em finais de 1991, contudo, a URSS desaparecera, e os Estados
Unidos passaram a ser o único avalista e patrocinador internacional de
qualquer processo israelo-palestiniano.
Outro grave golpe na posição da OLP foi o profundo erro de cálculo
cometido por Yasser ‘Arafat e pela maioria dos seus colegas relativamente
à Guerra do Golfo de 1990-91. Quase imediatamente após a invasão do
Iraque e a ocupação do Kuwait em agosto de 1990, os Estados do Golfo,
juntamente com praticamente todas as outras grandes potências árabes,
incluindo o Egito e a Síria, juntaram-se à coligação internacional liderada
pelos Estados Unidos para reverterem à força a grosseira violação por
parte de Saddam Hussein da soberania de um Estado-membro da Liga
Árabe. Isto estava em sintonia com a consistente preferência dos Estados
pós-coloniais na Ásia, em África e no Médio Oriente pela preservação das
fronteiras coloniais e dos Estados que tinham crescido dentro delas. Em
vez de apoiar firmemente o Kuwait contra o Iraque, ‘Arafat tentou manter
um rumo «neutro», oferecendo-se para mediar entre os dois lados. A sua
sugestão foi ignorada por todos os envolvidos, tal como os esforços de
mediação de atores mais poderosos, como a URSS, que enviou
infrutiferamente o seu principal emissário no Médio Oriente a Bagdade.28
Foram múltiplas as razões para a bizarra decisão da OLP de
essencialmente apoiar o Iraque, uma atitude que fez da organização um
pária entre os Estados do Golfo, de cujo apoio financeiro dependia, e a
prejudicou de inúmeras outras formas. A primeira dessas razões foi a
persistente e feroz antipatia de ‘Arafat pelo autoritário regime sírio de
Hafez al-Asad (antipatia essa que era amplamente correspondida) e a sua
busca ponderada por um contrapeso. Um dos chavões característicos de
‘Arafat, «al-qarar al-Filastini al-mustaqill» – «a decisão palestiniana
independente» – era geralmente brandido em resposta às tentativas sírias
de coagir, pressionar e dominar a OLP. Ainda que o Egito tivesse servido
em tempos para equilibrar as pressões exercidas pelo regime de Asad, ese
papel já não era possível após a paz separada de Sadat com Israel. O único
outro contrapeso plausível fora necessariamente o rival da Síria, o Iraque.
Na sequência da apostasia de Sadat, a OLP fora-se tornando cada vez mais
dependente do patrocínio político, militar e financeiro iraquiano,
sobretudo após o regime sírio ter procurado enfraquecer a liderança de
‘Arafat ao arquitetar a rebelião fratricida contra ele em 1982.
Esta dependência sujeitava ‘Arafat e a OLP a uma intensa pressão para
acatar as políticas iraquianas, que eram ditadas pelos caprichos de Saddam
Hussein, um violento déspota que era também ignorante, volátil e brutal.
Para manter a OLP na linha, o regime iraquiano castigava-a
frequentemente. Entre as muitas ferramentas utilizadas para esse
propósito, Bagdade tinha à sua disposição vários grupos dissidentes,
nominalmente palestinianos, como a rede terrorista Abu Nidal, os
baathistas da Frente de Libertação Árabe e a Frente para a Libertação da
Palestina, chefiada por Abu al-‘Abbas. Nenhum destes pequenos grupos
tinha uma base popular e eram essencialmente extensões dos temíveis
serviços de inteligência iraquianos (embora, tal como vimos, os
mercenários do grupo Abu Nidal fossem também, por vezes,
clandestinamente contratados pelos regimes líbio e sírio, e estivessem
profundamente infiltrados noutros serviços de informação). Qualquer um
deles podia realizar operações destinadas a enfraquecer a OLP ou atacar
os seus líderes para a obrigar a alinhar novamente com o regime
iraquiano. Na verdade, durante algum tempo, os atiradores do grupo Abu
Nidal assassinaram quase tantos enviados e líderes da OLP na Europa
como a Mossad. Estas fachadas para vários regimes árabes
especializaram-se também em espetaculares operações terroristas contra
civis israelitas e judeus, como os massacres do grupo Abu Nidal nos
aeroportos de Roma e de Viena, em 1985, e o sangrento ataque de 1986 a
uma sinagoga em Istambul, ou o ataque da FLP em 1985 ao cruzeiro
Achille Lauro.
Além da sua dependência em relação ao Iraque, ‘Arafat e os outros
também sobrestimaram excessivamente as capacidades militares
iraquianas em 1990-91. Tinham uma opinião inflacionada sobre a
capacidade do Iraque de resistir à ofensiva da coligação liderada pelos
EUA, que ia nitidamente acontecer após a invasão do Kuwait. Esta visão
delirante (o Iraque tinha sido incapaz de vencer o Irão em oito anos de
guerra) era generalizada em várias partes do mundo árabe. Nos meses
anteriores ao início da inevitável contraofensiva liderada pelos Estados
Unidos, pessoas de resto inteligentes e bem informadas na Palestina, no
Líbano e na Jordânia proclamaram em alta voz a sua certeza de que não
haveria guerra, mas se houvesse, o Iraque triunfaria. ‘Arafat foi, em certa
medida, arrastado por uma maré popular, uma vez que grandes segmentos
da opinião pública árabe partilhavam desta fantasia. Muitos apoiavam a
tomada de territórios por parte de Saddam Hussein como um golpe
nacionalista contra as «fronteiras colonialmente impostas» (como se a
maioria das fronteiras e Estados do Oriente Árabe não tivessem também
sido colonialmente impostos). Saddam era visto pelos assim iludidos
como um grande herói árabe, um novo Saladino (o Saladino original era
também natural de Tikrit, a terra natal de Hussein), que podia certamente
derrotar os Estados Unidos e os seus aliados.
A única exceção ao consenso de idiotice da OLP foi o seu chefe dos
serviços de informação, Abu Iyad, um dos seus mais brilhantes e
pragmáticos líderes superiores. Entendia que o rumo escolhido levaria ao
desastre e lutou ferozmente contra a decisão de apoiar o Iraque,
provocando tempestuosas discussões com ‘Arafat. Além das razões óbvias
para a sua posição, estava preocupado com a proteção da próspera
comunidade palestiniana no Kuwait, composta por várias centenas de
milhares de pessoas. Tanto ele como ‘Arafat tinham vivido e trabalhado
no Kuwait durante anos, e ele tinha estreitos laços com a comunidade, que
proporcionava uma das mais sólidas bases populares e financeiras da OLP
em todo o mundo. Além disso, o próprio Kuwait era solidário para com a
OLP e era o único país árabe onde os palestinianos tinham uma relativa
liberdade de expressão. Geriam as suas próprias escolas e podiam
organizar-se para ajudar a OLP, desde que tivessem o cuidado de não
interferir na política do Kuwait. Abu Iyad argumentou que o fracasso de
‘Arafat em se opor à invasão suicida do Kuwait por Saddam enfraqueceria
a OLP e condenaria os palestinianos que lá se encontravam à destruição
da sua comunidade e a outro desalojamento forçado.
Tudo correu exatamente como Abu Iyad previra, mas este pagou pela
sua temeridade (alegadamente, tinha mesmo criticado Saddam Hussein em
pessoa).29 Foi assassinado em Tunes no dia 14 de janeiro de 1991, três
dias antes do início da ofensiva liderada pelos EUA. O assassino atuava
em nome da rede Abu Nidal (e consequentemente, sem dúvida, do
Iraque), que os serviços de informação da OLP liderados por Abu Iyad
tinham vindo a perseguir há anos. A perda de Abu Iyad, três anos após o
assassinato de Abu Jihad, não deixou ninguém nos escalões superiores da
Fatah com o estatuto ou a vontade necessários para fazer frente a ‘Arafat –
situação essa que só aumentou a sua inclinação para a arbitrariedade.
As consequências da irrefletida decisão de ‘Arafat não tardaram a
manifestar-se, a começar pela trágica expulsão de centenas de milhares de
palestinianos do Kuwait após a libertação do país. Os Estados do Golfo
cortaram todo o apoio financeiro à OLP, que foi ostracizada em muitos
países árabes, incluindo alguns daqueles que tinham aceitado receber os
seus quadros após a retirada de Beirute em 1982. Assim, após a Guerra do
Golfo de 1990-91, a OLP deu por si mais sozinha e sem amigos do que
provavelmente em qualquer outra fase da sua história. Os icebergues em
que ‘Arafat e os seus camaradas andavam à deriva estavam a derreter
rapidamente, e eles estavam desesperadamente ansiosos por saltar para
terra firme.
Acontece que esta crise coincidiu com um momento de triunfalismo
americano, com a vitória no Iraque e o fim da União Soviética. No seu
Discurso sobre o Estado da União, em janeiro de 1991, George H. W.
Bush saudou a «nova ordem mundial» e o «próximo século americano». A
administração Bush estava decidida a tirar partido da oportunidade que a
loucura de Saddam lhe tinha dado para moldar e definir esta nova ordem
mundial, ordem essa que, na sua perspetiva, precisava de uma resolução
para o conflito israelo-árabe. Os diplomatas israelitas e americanos sabiam
que a posição negocial da OLP estava gravemente enfraquecida. Foi neste
contexto que o Secretário de Estado James Baker começou a planear uma
conferência de paz a ser realizada em Madrid em outubro de 1991, na
esperança de iniciar conversações israelo-árabes diretas e determinar o
futuro da Palestina. Quando receberam finalmente a oferta de um lugar de
representação à mesa das negociações, ‘Arafat e os seus colegas estavam
tão pressionados e tão ansiosos por deixarem os seus precários poleiros
em Tunes e noutros locais, que foram incapazes de avaliar a sua vasta
desvantagem. Os contratempos que se seguiram, nas negociações de
Madrid, Washington, Oslo e daí em diante, resultaram, pois, em grande
medida, do épico erro de cálculo da OLP quanto ao Kuwait.

No verão de 1991, enquanto fazia investigação em Jerusalém, fiz uma


visita casual a Faysal Husayni, um parente por afinidade que, até à sua
morte prematura no Kuwait, foi o principal líder palestiniano em
Jerusalém e também uma figura importante na Fatah. Tinha ido consultá-
lo sobre um problema menor entre alguns dos meus primos (tenho uma
grande e, às vezes, conflituosa família em Jerusalém). Inesperadamente,
Faysal perguntou-me se estaria disposto a servir de conselheiro à
delegação palestiniana numa conferência de paz a ser organizada pelos
Estados Unidos. Sabia que, a pedido da OLP, Husayni, Hanan ‘Ashrawi,
Haydar ‘Abd al-Shafi, entre outros, estavam em discussões com James
Baker sobre as regras básicas para a conferência e a formação da
delegação. Sabia também que Yitzhak Shamir, o primeiro-ministro de
Israel, se opunha implacavelmente à participação da OLP em quaisquer
negociações e à criação de um Estado palestiniano, pelo que estava
confiante em como a conferência nunca iria acontecer. Acedi ao pedido de
Faysal sem pensar muito no assunto, agradeci-lhe pelos seus conselhos
sobre o nosso problema familiar e despedi-me.
Alguns meses depois, em finais de outubro de 1991, dei por mim em
Madrid, sem ter conseguido explicar a tenacidade de Baker ou o desespero
da liderança da OLP em Tunes. No início da conferência, o digno discurso
do chefe da delegação palestiniana, ‘Abd al-Shafi, e as eficazes aparições
mediáticas de ‘Ashrawi deram a muitos palestinianos a impressão de que a
sua causa estava finalmente a ganhar tração e de que os sacrifícios da
intifada não tinham sido em vão. No entanto, pendiam várias nuvens sobre
a conferência e sobre todas as subsequentes negociações bilaterais com os
israelitas em Madrid e, posteriormente, em Washington. A OLP, via
Baker, tinha aceitado a condição de Shamir de que não haveria qualquer
representação palestiniana independente numa conferência que visava
determinar o destino da Palestina. Assim, fui adstrito como conselheiro a
uma delegação conjunta jordano-palestiniana.
Claro que a exclusão dos palestinianos de um papel independente nas
decisões sobre as suas vidas não era nada de novo (a delegação
palestiniana acabou por ser autorizada a separar-se da jordana). Mas o
veto de Israel estendia-se à escolha dos representantes palestinianos, e
bloqueava a participação de quem quer que estivesse ligado à OLP, ou
fosse de Jerusalém ou da diáspora (o que reduzia drasticamente o número
de delegados disponíveis). Graças à intervenção de Baker, líderes
excluídos através destes termos, como Husayni, ‘Ashrawi e Sari
Nuseibeh, assim como conselheiros e peritos legais e diplomáticos, como
Raja Shehadeh, Camille Mansour e eu, foram autorizados a juntar-se à
delegação, mas impedidos de participarem nas conversações formais com
os israelitas. A humilhação de um procedimento através do qual Israel
decretava com quem ia negociar e em que configuração não dissuadira a
OLP. Avizinhavam-se mais humilhações.
Além de ditar quem podia falar, o governo de Shamir decidiu também
o que podia ser discutido. As limitações relativamente à Palestina, em que
Begin insistira nos Acordos de Camp David e no tratado de paz com o
Egito de 1979, eram agora aplicadas aos três dias da conferência de
Madrid e aos muitos meses posteriores de discussões em Washington: para
os palestinianos, só a autoadministração estava em cima da mesa, fosse
sob o tema da «autonomia» ou de um «autogoverno interino». Todos os
pontos essenciais – a autodeterminação palestiniana, a soberania, o
regresso dos refugiados, o fim da ocupação e colonização, a disposição de
Jerusalém, o futuro dos colonatos judaicos e o controlo dos direitos sobre
a terra e a água – estavam proibidos. Em vez disso, estas questões foram
adiadas, supostamente por quatro anos, mas, na verdade, até um futuro
que nunca chegou: as lendárias conversações sobre o «estatuto final», que
deviam estar terminadas em 1997 (este prazo foi posteriormente
prolongado, nos Acordos de Oslo, até 1999), nunca foram concluídas.
Entretanto, durante uma fase transitória destinada a durar apenas até essa
altura, Israel estava autorizado a fazer exatamente o que quisesse em todos
estes domínios. Assim, durante toda a década de 1990, os negociadores
palestinianos em Madrid, e noutros locais, agiram sob regras impostas que
restringiam a discussão aos termos da sua colonização e ocupação em
curso. A perspetiva de uma futura libertação desta fase transitória foi-lhes
sugerida pelos promotores da conferência de Madrid, mas os palestinianos
dos Territórios Ocupados continuam a viver nesse temporário estado
interino mais de um quarto de século depois.
Os Estados Unidos estavam supostamente a promover a conferência
em conjunto com a URSS, que estava prestes a deixar de existir e cujo
apoio era nominal: na verdade, eram Baker e Bush que tomavam todas as
decisões. As regras básicas de Washington foram inscritas numa
cuidadosamente redigida carta de convite a todas as partes, que incluíam
delegações da Síria, do Líbano e da Jordânia.30 Num compromisso solene
contido na carta de convite, os Estados Unidos comprometiam-se a «agir
como um mediador honesto na tentativa de resolver o conflito israelo-
árabe» de uma forma «abrangente».31 Os EUA entregaram também cartas
de garantia detalhadas separadamente a cada uma das delegações. Na carta
dirigida aos palestinianos, os Estados Unidos comprometiam-se a
«encorajar todas as partes a evitar atos unilaterais suscetíveis de exacerbar
as tensões locais, dificultar as negociações ou impedir o seu resultado
final», e salientavam que «nenhuma das partes deve tomar medidas
unilaterais com vista a predeterminar questões que só podem ser
resolvidas através de negociações.»32 Os Estados Unidos nunca
cumpriram estes compromissos, mostrando-se incapazes de impedir uma
interminável série de atos unilaterais israelitas, desde a expansão dos
colonatos e o fecho de Jerusalém aos habitantes da Margem Ocidental e de
Gaza à construção de uma enorme nova rede de muros, barreiras de
segurança e postos de controlo.
À chegada a Madrid, nenhum dos outros membros da delegação
palestiniana, assim como eu, sabia do compromisso explícito, assumido
em 1975 por Gerald Ford para com Rabin, de evitar apresentar quaisquer
propostas de paz que Israel não aprovasse.33 Estávamos todos cientes dos
Acordos de Camp David de 1978, do viés americano em favor de Israel e
da parcialidade de muitos diplomatas americanos, mas não sabíamos até
que ponto Kissinger tinha amarrado os seus sucessores a uma plataforma
israelita. Tivesse eu entendido quão pesadamente o jogo estava contra nós
e que os Estados Unidos estavam vinculados desta forma a um
compromisso formal – o que significava que era Israel quem efetivamente
determinava tanto a sua própria posição como a do seu protetor – e
provavelmente não teria ido a Madrid, nem passado grande parte das duas
semanas seguintes envolvido nas conversações de Washington. Mesmo
que eu tivesse podido partilhar este conhecimento com a delegação (cujos
membros eram todos dos Territórios Ocupados e não tinham experiência
diplomática, acabando, porém, por se revelarem negociadores
formidáveis), não teria feito grande diferença.
Todas as decisões importantes do lado palestiniano eram tomadas
pelos líderes da OLP em Tunes. Estavam tão desesperados por serem
integrados no processo de negociação e por escaparem ao seu isolamento
que acredito que, mesmo que tivessem sabido o quão estritamente
obrigados estavam os Estados Unidos a seguirem a linha israelita, teriam
provavelmente cometido os mesmos erros que acabaram por cometer nas
conversações. Com poucos aliados regional ou globalmente, pouca
capacidade de pressionar Israel e um entendimento limitado da natureza
da ocupação e das obscuras questões legais envolvidas, tinham
essencialmente optado por pôr todos os seus ovos no cesto de um governo
norte-americano obrigado a expressar apenas pontos de vista previamente
aprovados por Israel. E, mais importante, tinham pouca paciência para os
mesquinhos pormenores legais que as negociações com experientes
diplomatas israelitas exigiam, ou para uma estratégia a longo prazo que
talvez pudesse ter desgastado a teimosia de Israel quanto a questões
essenciais envolvendo o controlo do território, a expansão dos colonatos e
Jerusalém.
Ao juntar todas as partes, a conferência de Madrid serviu a sua função
de dar início a um abrangente processo de negociação. Seguiram-se vários
caminhos diferentes: os três Estados árabes, Síria, Líbano e Jordânia,
avançaram para conversações bilaterais com Israel sobre tratados finais de
paz. Entretanto, o caminho palestiniano, separado do da Jordânia,
envolveu dez rondas de discussões ao longo de um ano e meio com
representantes israelitas no Departamento de Estado em Washington.
Estas discussões cingiam-se estritamente ao tema de uma autonomia
limitada na Margem Ocidental e em Gaza. Entre os muitos obstáculos que
impediram que se verificassem progressos em Washington – a orientação
errada das conversações por parte da liderança da OLP, o papel enganador
dos Estados Unidos e a obstinação de Israel quanto aos direitos
palestinianos – esteve também o facto de que, enquanto os negociadores
palestinianos e os seus conselheiros tinham desenvolvido gradualmente os
seus conhecimentos legais e diplomáticos, os líderes em Tunes não tinham
qualquer entendimento da sua importância crucial para o processo.
Isto era ainda mais importante dado o papel distorcido desempenhado
por muito do pessoal americano envolvido. Vários estavam relutantes em
pressionar os israelitas sobre qualquer questão de fundo – como a
expansão dos colonatos e o estatuto de Jerusalém durante o período de
transição, ou o âmbito da jurisdição que os palestinianos iriam ter sobre as
áreas e populações que se tornariam nominalmente autónomas. Qualquer
que fosse o assunto em mãos, os representantes dos EUA consideravam a
posição israelita, tal como eles a liam, como o limite do que era exequível
ou podia ser discutido. Sabíamos que mantinham uma estreita
coordenação com os seus pares israelitas, e alguns deles levavam o
compromisso formal (mas secreto) dos Estados Unidos com Israel ao
extremo. Posteriormente, o negociador americano Aaron David Miller
utilizou pesarosamente a expressão «advogado de Israel» para descrever a
sua postura e a de muitos dos seus colegas.34 Adequadamente, o termo foi,
ao que parece, cunhado por Henry Kissinger, que sabia algumas coisas
sobre a defesa americana da política israelita.35
Bastante diferente neste aspeto em relação a qualquer dos seus
subordinados era James Baker, um homem de instintos políticos
extraordinariamente refinados e com uma apurada perceção das formas de
mobilizar o poder. Ele e Bush entendiam o benefício para os Estados
Unidos, no período pós-Guerra Fria, de uma resolução abrangente para o
conflito israelo-árabe, e intuíam que alcançar um acordo duradouro
exigiria pressionar Israel. Baker tinha também carácter suficiente e uma
relação suficientemente próxima com o presidente para ignorar as
limitações à liberdade de ação dos Estados Unidos negociadas em 1975
por Kissinger, ou pelo menos para interpretar essas limitações vagamente
à luz do que viam como o interesse nacional dos EUA. Tinham feito isso
para dar início às negociações: quando Shamir criou obstáculos à tentativa
inicial da administração de promover uma conferência, Baker não teve
medo de confrontar publicamente o governo de Shamir, dizendo: «Quando
estiverem realmente interessados na paz, liguem-nos» e oferecendo o
número de telefone da Casa Branca.36 Baker insistiu implacavelmente na
participação palestiniana em Madrid, contra a teimosa oposição de
Shamir. Aqueles de nós que conheceram Baker sentiam que ele tinha
simpatia pela difícil situação dos palestinianos sob ocupação e entendia a
nossa frustração ante as absurdas limitações impostas pelo governo de
Shamir. Esta simpatia foi, em parte, o resultado das suas longas interações
com Husayni, ‘Ashrawi, ‘Abd al-Shafi e os seus colegas durante reuniões
para se preparar para a conferência.
Mas Baker só podia ou só estava disposto a ir até certo ponto. Uma das
coisas mais importantes que não fez foi restringir as ações israelitas que
alteravam sistematicamente o statu quo da Palestina enquanto as
negociações estavam em curso. Entre estas, incluíam-se a contínua
construção de colonatos e impedir os residentes dos restantes Territórios
Ocupados de entrarem em Jerusalém. Eram ambas graves violações dos
compromissos dos Estados Unidos inscritos na carta de garantia de Baker.
Da perspetiva palestiniana, com estas ações, Israel estava a comer
preventivamente o bolo que era suposto os dois lados estarem a dividir,
explorando ao mesmo tempo a proibição imposta aos delegados
palestinianos que os impedia de falarem sobre questões de estatuto final.
Apesar de a impaciência da administração Bush com o obstrucionismo de
Shamir e o ritmo incessante de colonização na Margem Ocidental a terem
levado a reter dez mil milhões de dólares em garantias de empréstimos
que Israel procurava para o realojamento dos judeus russos, isto teve
pouco ou nenhum impacto no governo israelita.37, Washington não iria
fazer mais do que isto.
Em todo o caso, Baker deixou o Departamento de Estado dez meses
depois de Madrid, recrutado em agosto de 1992 para gerir a fracassada
campanha presidencial de Bush. A partir desse ponto, os oficiais
subalternos que tinham estado firmemente sob o controlo de Baker
enquanto ele era Secretário de Estado tomaram finalmente conta da loja, e
não tinham o seu estatuto, a sua vontade firme ao lidar com Israel, a sua
imparcialidade ou a sua visão. Esta situação prolongou-se pelos poucos
meses que restavam da administração Bush e piorou depois sob a
liderança de Bill Clinton, que venceu as eleições em novembro desse ano,
e dos seus dois medíocres Secretários de Estado, Warren Christopher e
Madeleine Albright. Ninguém no topo da nova administração tinha a
mesma visão do processo, de Israel ou da questão palestiniana que Bush e
Baker, e todos estavam sob forte influência dos oficiais que tinham
herdado da administração Bush, principalmente Dennis Ross.
Muitos membros deste grupo de especialistas tinham uma forte
afinidade pessoal com o sionismo trabalhista e uma profunda admiração
por Rabin (o que também era verdade no caso de Bill Clinton), que se
tornou primeiro-ministro em junho de 1992. Tinham construído as suas
reputações e carreiras a trabalhar no chamado processo de paz, que se
arrastava desde a cimeira de 1978, em Camp David. A ascensão destes
profissionais do processo de paz assinalou a morte de uma geração de
supostos arabistas no Departamento de Estado e noutros ramos do
governo. Estes últimos eram essencialmente veteranos de longo serviço
público no Médio Oriente com extensas capacidades linguísticas, que
traziam para os seus trabalhos um profundo entendimento da região e da
posição dos EUA nela. Eram frequentemente vilipendiados por agentes de
grupos de pressão, como a Comissão de Assuntos Públicos Americano-
Israelita (AIPAC), como sendo anti-Israel, o que era uma ficção – na
verdade, simplesmente não representavam uma visão centrada em Israel,
ao contrário da maioria dos que acabaram por lhes suceder.38
Os seus sucessores eram homens – eram todos homens – que tinham
estado envolvidos nesta questão, em exclusão de quase tudo o resto: a
afirmação de Disraeli de que «o Oriente é uma carreira» transformou-se
em «o processo de paz é uma carreira». Geralmente, tinham
conhecimentos académicos – Dennis Ross, Martin Indyk, Daniel Kurtzer e
Miller tinham todos doutoramento39 – mas não tinham passado anos a
servir no Médio Oriente, nem tinham qualquer simpatia particular pela
região ou pelos seus povos, excetuando Israel. Vários deles serviram
posteriormente como embaixadores dos Estados Unidos, Kurtzer no Egito
e em Israel e Indyk em Israel, outros nos cargos de Secretário de Estado
Adjunto para o Médio Oriente, chefe de planeamento político no
Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional.
O decano destes profissionais do processo de paz, e de longe o mais
sectário, era Dennis Ross. Como disse a seu respeito um oficial superior
do Departamento de Estado: «O mau hábito de Ross é consultar
previamente os israelitas.»40 Outro foi ainda mais mordaz: Ross, disse ele,
tendia a «cedências preventivas a linhas vermelhas», referindo-se às linhas
vermelhas de Israel.41 Ao longo das décadas em que lidou com este
processo, o profundo e duradouro compromisso de Ross com Israel só se
tornou mais evidente sobretudo após ter deixado o serviço governamental
em 2011 (desde meados da década de 1970 que tinha vindo a entrar e a
sair de cargos públicos). Depois disso, tornou-se lobista para Israel em
tudo menos no nome, como diretor do Instituto de Planeamento Político
do Povo Judeu, um organismo fundado e financiado pela Agência Judaica,
e como destacado membro do Instituto Washington para a Política do
Próximo Oriente (WINEP), apoiado pela AIPAC, que fundou juntamente
com Martin Indyk. O outro cofundador do WINEP, Martin Indyk, tinha
também trabalhado anteriormente para a AIPAC e tornou-se numa figura
crucial nas negociações durante a administração Clinton (que fez com que
a nacionalidade americana deste cidadão australiano fosse rapidamente
aprovada, a fim de poder ocupar um cargo no governo em 1993).42
O claro preconceito de Dennis Ross e de alguns dos seus colegas era
óbvio em todas as nossas interações. A principal característica deles era o
facto de aceitarem as posições públicas definidas por Israel como o limite
do que era admissível em termos de política americana. Para Ross e
outros, esta perspetiva baseava-se nas suas crenças essenciais. Na verdade,
Ross levava ainda mais longe a sua parcialidade em favor de Israel,
fazendo as suas próprias avaliações do que Israel não aceitaria e, portanto,
do que os Estados Unidos não podiam tolerar. Estas avaliações revelavam-
se muitas vezes erradas. Considerava o reconhecimento da OLP e o seu
envolvimento nas negociações como inaceitáveis para Israel, apesar de
Rabin ter, na verdade, acabado por aceitar estes termos. Durante um
impasse em Washington, o lado dos EUA, que se recusara firmemente a
avançar com as suas próprias ideias, aceitou apresentar aquilo a que
chamava uma «proposta para fazer pontes». Orgulhosamente apresentada
por Ross, esta ponte para lado nenhum era ainda menos entusiasta do que
a última posição informalmente apresentada pelos próprios israelitas.43 O
viés de Ross tornou-se evidente noutra fase das conversações, quando, ao
alcance dos meus ouvidos, ameaçou que, se a delegação palestiniana não
aceitasse um ponto controverso com que Israel os estava a pressionar,
Washington faria com que os seus «amigos no Golfo» os apertassem.
Os obstáculos colocados por Israel eram de natureza totalmente
diferente. Enquanto Shamir foi primeiro-ministro, ocorreram querelas
constantes sobre os procedimentos e um doloroso diálogo de surdos no
que à substância dizia respeito. Em particular, Israel mantinha-se preso à
visão de Begin, enunciada em Camp David em 1978, de autonomia para
as pessoas, mas não para a terra. Isto estava de acordo com a visão da
direita israelita – que era, na verdade, o cerne da doutrina sionista – de que
só um povo, o povo judeu, tinha legitimamente direito à existência e à
soberania em todo o território, que se chamava Eretz Israel, terra de Israel,
e não Palestina. Os palestinianos eram, na melhor das hipóteses, intrusos.
Na prática, isto implicou que, quando os palestinianos defenderam uma
ampla jurisdição legal e territorial para a futura autoridade autónoma,
tivessem recebido uma firme recusa por parte dos negociadores israelitas.
De igual modo, recusaram-se a limitar de qualquer forma a atividade de
colonização. O que não constituiu qualquer surpresa. Era célebre a
alegada afirmação de Shamir de que teria arrastado as conversações por
outros dez anos enquanto «aumentava enormemente o número de colonos
judaicos no território ocupado por Israel».44
Após uma coligação liderada pelos trabalhistas ter substituído o
governo de Shamir, Rabin, agora primeiro-ministro, hesitou entre dar
prioridade ao caminho sírio ou ao palestiniano. Sempre estratega, deu-se
conta de que uma das vantagens de chegar a um acordo com a Síria era o
facto de deixar os palestinianos numa posição mais fraca, fazendo com
que fosse mais fácil lidar com eles. Rabin sentia também que um acordo
na frente síria era estrategicamente mais significativo, relativamente
simples e exequível. Estava provavelmente certo quanto ao último ponto,
e ele e Hafez al-Asad estiveram próximos de chegar a um acordo.45
Como prova da sua seriedade relativamente à Síria, Rabin nomeou
Itamar Rabinovich como principal negociador na linha síria (e
simultaneamente embaixador de Israel nos Estados Unidos). Coronel na
reserva do exército israelita, onde tinha sido oficial superior nos serviços
de informação, e um ilustre académico com profundos conhecimentos
sobre a Síria, Rabinovich era a escolha ideal para este cargo. A sua
nomeação levou ao que ele próprio descreveu como «alguns progressos»
junto dos sírios, apesar de os dois lados terem acabado por não se
conseguir entender, separados sobretudo por uma divergência quanto à
disposição de alguns quilómetros quadrados estratégicos de costa no lado
oriental do Mar da Galileia. Apesar de bastante simples, este denso
problema foi consideravelmente amplificado pela intensa oposição em
vários quadrantes de Israel (e entre os seus mais fervorosos apoiantes nos
Estados Unidos) a qualquer retirada dos Montes Golã, um passo que
Rabin estava disposto a contemplar. No meio das negociações, tive
oportunidade de assistir a um discurso em Chicago em que Rabinovich foi
absolutamente incapaz de convencer os apoiantes da linha dura de Israel
que se encontravam no grupo de que um acordo com a Síria era exequível
e desejável. Esta oposição irracional, salientei eu a Rabinovich, era algo
que Israel tinha criado para si através da sua anterior diabolização de uma
Síria com a qual ele e Rabin estavam agora convencidos de que Israel
podia chegar a um acordo.
Em contraste com a sua abordagem relativamente flexível à Síria, e a
sua nomeação de um emissário altamente conveniente, Rabin fez poucas
alterações à abordagem essencial de Israel aos palestinianos na mesa das
negociações. Manteve no cargo o chefe da delegação israelita, Elyakim
Rubinstein, um experiente diplomata e posteriormente juiz do Supremo
Tribunal, que era extremamente duro nas suas negociações connosco.
Houve algumas mudanças nas posições de Israel – sobre eleições
palestinianas, sobre a contiguidade da Margem Ocidental e da Faixa de
Gaza, e sobre alguns outros assuntos – mas o elemento central nas
instruções de Rubinstein manteve-se circunscrito à mais rigidamente
limitada forma de autonomia e nada mais. A desilusão foi visível no seio
da delegação palestiniana, e também em Tunes, quando percebemos que a
mudança de governo em Israel não significava uma mudança substancial
de pontos de vista. Não devíamos ter ficado surpreendidos. Num discurso
proferido em 1989, Rabin tinha deixado claro o seu compromisso com a
abordagem de Begin em Camp David, incluindo a autonomia, mas sem
qualquer Estado independente para os palestinianos.46 Seis anos depois,
em outubro de 1995, menos de um mês antes de ser assassinado, Rabin
disse perante o Knesset que qualquer «entidade» palestiniana que viesse a
ser criada seria «menos do que um Estado».47

Apesar dos sinais desanimadores em Washington em janeiro de 1992,


quando Shamir estava ainda em funções, a delegação palestiniana
apresentou o esboço de uma proposta para uma Autoridade Palestiniana
Interina Autónoma, ou APIA, como lhe chamávamos, que antevíamos
como ponto de partida para um Estado. Uma versão aumentada e mais
substancial foi apresentada em março. A sua ideia essencial consistia na
criação de uma entidade governamental palestiniana, cuja autoridade
resultaria da sua eleição pelo povo, incluindo os residentes palestinianos
da Margem Ocidental, de Jerusalém e da Faixa de Gaza, os expulsos
dessas áreas em 1967 e também os deportados desde então por Israel.
Após a eleição, o governo militar israelita e os seus burocratas da
ocupação, a eufemisticamente designada Administração Civil,
transfeririam todos os poderes para esta nova autoridade, seguindo-se a
retirada destes organismos israelitas. A autoridade teria total jurisdição
(mas não soberania nem pleno controlo da segurança) sobre o ar, a terra e
a água de todos os Territórios Ocupados, incluindo os colonatos (mas não
os colonos) e todos os seus habitantes palestinianos. Israel ter-se-ia visto
obrigado a suspender a sua atividade de colonização e a retirar as suas
tropas «para pontos de transferência ao longo das fronteiras dos territórios
palestinianos ocupados» quando esta autoridade fosse criada.48
Embora tenha constituído um verdadeiro esforço para perspetivar uma
transição da ocupação para a independência, a proposta APIA acabou por
ser uma tentativa vã de contornar as limitações que restringiam as
negociações e as formas limitadas de autonomia que Israel estava disposto
a tolerar. Estas reservavam essencialmente todos os poderes relacionados
com a segurança, a terra, a água, o espaço aéreo, os registos da população,
a circulação, os colonatos e a grande maioria das outras questões
importantes para Israel. Houve muitas razões para o fracasso da proposta
APIA, sendo a principal a doutrina que esteve na base do desalojamento
dos palestinianos: a doutrina sionista do direito exclusivamente judaico à
totalidade da Palestina. A jurisdição, tal como era amplamente
perspetivada na proposta APIA, contrariava essa doutrina nuclear de onde
tudo o resto fluía: aproximava-se demasiado da inadmissível soberania
para ser aceitável para Rubinstein e para os seus chefes políticos, fossem
eles Yitzhak Shamir ou Yitzhak Rabin.
Tunes era outro obstáculo. Ainda que a liderança da OLP tivesse
aprovado a proposta, senti uma clara falta de entusiasmo pelos conceitos
que incorporava. Não a promoveram internacionalmente, no mundo árabe
ou em Israel, ainda que essa promoção talvez lhe pudesse ter dado algum
impulso. Talvez soubessem que o governo israelita jamais a aceitaria, e
estivessem demasiado ansiosos por um acordo aceitável, qualquer acordo.
Ou talvez a sua resposta tíbia se tenha devido à inveja de uma delegação
que tinha efetivamente produzido um plano complexo e cuidadosamente
elaborado, em vez de reagir simplesmente ao que quer que lhes fosse
apresentado pelos seus adversários, como a OLP tinha feito desde o início
do processo e continua a fazer até hoje.
Este problema foi exacerbado pelas profundas tensões que existiam
entre a OLP em Tunes e os palestinianos dos Territórios Ocupados, muitos
deles líderes veteranos da intifada, membros oficiais da delegação.
Estávamos todos cientes desta tensão, e vimo-la por vezes irromper em
conflitos abertos. Muitos de nós estiveram presentes na suite de hotel de
Faysal Husayni em Washington durante as suas furiosas conversas
telefónicas com ‘Arafat. Também os israelitas estavam cientes da tensão e
tinham todo o gosto em explorá-la. Em 1993, mudaram subitamente as
regras básicas, permitindo a participação direta de Husayni, ‘Ashrawi e de
outros (incluindo conselheiros) que tinham sido excluídos das negociações
formais. Isto pode ter parecido uma concessão generosa, mas, tal como
Rabin disse a Clinton durante uma reunião, o seu objetivo ao fazê-lo era
semear divisões entre os palestinianos, na esperança de que «um líder
local pudesse fazer frente a Arafat».49 Estas táticas de dividir para reinar,
que Rabin tinha utilizado quando era Ministro da Defesa, são
procedimentos convencionais para qualquer governante colonial, mas
acabaram por não ter importância. Após a rejeição da nossa proposta
APIA, a delegação em Washington não recebeu nenhuma contraproposta
séria dos israelitas que pudesse ter mudado significativamente o statu quo
colonial na Palestina. Consequentemente, as conversações de Washington
revelaram-se infrutíferas.
Algo fundamental acabou por mudar na posição israelita, ainda que
tenhamos tido apenas uma vaga ideia desta mudança durante o nosso
tempo em Washington. Após mais de um ano e meio de impasse e de
frustração, soubemos que tinha ocorrido uma importante conversa secreta
entre a OLP e Israel. Durante a última ronda de conversações com os
israelitas em Washington, em junho de 1993, ‘Ashrawi e eu fomos
encarregados, de um dia para o outro, de redigir um documento para servir
de base a um comunicado sobre essa conversa que iríamos transmitir no
dia seguinte aos diplomatas que representavam os patrocinadores
americanos. Quando ouvi o que era suposto dizermos, fiquei
surpreendido. A OLP e Israel, ficámos a saber, tinham chegado a um
entendimento confidencial, segundo o qual quadros e forças da OLP,
«possivelmente incluindo oficiais do Exército para a Libertação da
Palestina», iriam ser autorizados a entrar nos Territórios Ocupados e a aí
assumirem funções como forças de segurança. Isto foi uma revelação para
aqueles, entre nós, que iam fazer o comunicado. A ser verdade, significava
que a OLP e Israel tinham estado envolvidos em negociações
confidenciais diretas (houvera rumores nesse sentido), e que tinham já
chegado a um entendimento preliminar acerca da questão crucial para
Rabin e ‘Arafat: a segurança.

Soubemos mais tarde que este desenvolvimento resultou da abertura


de uma via negocial sigilosa totalmente separada das conversações
secretas de Oslo e que nunca obteve o mesmo nível de notoriedade. Foi
um dos vários caminhos que Rabin autorizou, mantendo entretanto a
existência de cada um deles oculta para os que se encontravam envolvidos
nos restantes caminhos.50 Os principais protagonistas das negociações
paralelas em Oslo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros israelita Shimon
Peres e Ahmad Quray’ (Abu al-‘Ala’), mereceram amplamente a
reputação de serem implacáveis na autopromoção, e era de esperar que
garantissem que a sua história obliterava todas as outras, que foi
precisamente o que aconteceu.51 Em contraste, Rabin e ‘Arafat utilizaram
intermediários confidenciais para chegarem a um discreto entendimento
sobre a questão crucial da segurança, que era uma pré-condição essencial
e foi a base do sucesso do mais conhecido e exaustivo processo de Oslo
simultaneamente em curso.
Estas conversas sobre segurança ocorreram exclusivamente longe das
luzes da ribalta, num local que continua a ser secreto, através de enviados
discretos, e ainda hoje pouco se sabe acerca delas. Do lado israelita, foram
lideradas por um antigo chefe dos serviços de informação militar que tinha
também servido como primeiro coordenador para lidar com os
palestinianos sob ocupação, o major-general (reformado) Shlomo Gazit.
Rabin só parecia ter plena confiança em oficiais superiores no ativo, na
reserva e reformados, como Gazit e Rabinovich.52 ‘Arafat tinha a mesma
inclinação, pelo que o homólogo de Gazit foi Nizar ‘Ammar, um oficial de
topo dos serviços de informação do falecido Abu Iyad, que posteriormente
serviu como comandante das forças de segurança da Autoridade
Palestiniana (AP).53 ‘Arafat tinha nitidamente autorizado o comunicado
que Hanan, os meus colegas e eu estávamos prestes a fazer. Sabia disso
porque, incrédulos com o facto de os israelitas terem contemplado aceitar
termos tão vastos, tínhamos enviado um esboço a Tunes que suavizava um
pouco aquilo que nos tinham mandado dizer. Recebemos imediatamente
emendas na inconfundível caligrafia de ‘Arafat a devolver ao esboço a sua
plena força.
No dia 23 de junho de 1993, informámos Dan Kurtzer e Aaron David
Miller, que também ficaram incrédulos, apesar de não termos sido
autorizados a dizer explicitamente que havia um acordo formal (o que era
verdade: na melhor das hipóteses, tratava-se de um entendimento
informal, ainda que significativo). Hanan ‘Ashrawi disse que, para
garantir a segurança, os palestinianos precisavam de «se valer de recursos
externos», como, por exemplo, «oficiais da OLP» com experiência
relevante. Eu acrescentei que os «gestores de segurança israelitas»
entendiam que esses indivíduos eram uma necessidade. Um dos
diplomatas americanos rapidamente se apercebeu de que algo «se podia
ter estado a passar em termos de comunicações entre israelitas e
palestinianos», mas duvidava que um tal acordo pudesse resultar «a não
ser que tenham um entendimento com os israelitas». Tentei tranquilizá-
los, dizendo que «não nos parece que venhamos a ter problemas em
chegar a um acordo sobre isto» com Israel. «Bem, pela primeira vez,
estamos sem palavras», respondeu Kurtzer, enquanto Miller acrescentava
que «esta apresentação de segurança é transcendental».54
Estes experientes diplomatas norte-americanos sabiam certamente que
tinham sido estabelecidos canais secretos entre os dois lados, mas era-lhes
difícil imaginar que a OLP e Israel tivessem sido capazes de chegar a
acordo sobre algo tão abrangente. Podem também ter ficado contrariados,
uma vez que esta informação ia contra tudo aquilo em que eles e Dennis
Ross acreditavam, e que sempre tinham dito aos seus superiores no
Departamento de Estado e na Casa Branca: que os israelitas jamais
lidariam diretamente com a OLP, quanto mais permitir a entrada de forças
do ELP nos Territórios Ocupados para se encarregarem da segurança.
Qualquer que tenha sido a sua reação, ainda assim, já não estava nas mãos
dos americanos.
Esta importante mudança resultou da lição que Rabin tinha aprendido
com a intifada: que Israel já não podia controlar os Territórios Ocupados
apenas através do uso da força. Consequentemente, estava disposto a fazer
algumas coisas de forma diferente de Begin e Shamir, continuando,
entretanto, com a ocupação militar e com a colonização do que restava da
Palestina (na verdade, os gastos com os colonatos foram reduzidos durante
o governo de Rabin, mas a atividade global de colonização aumentou).
Para este fim, Rabin autorizou o contacto direto com a OLP, agarrando-se,
porém, firmemente à estreita opção da autonomia limitada. Com o tempo,
estes contactos clandestinos levaram Rabin a aceitar o regresso de grande
parte dos líderes e quadros da OLP à Palestina, no contexto de um mútuo
reconhecimento entre os dois lados, que foi a base da Declaração de
Princípios assinada entre Israel e a OLP no relvado da Casa Branca em
setembro de 1993. Através deste acordo, Israel reconhecia a OLP como
representante do povo palestiniano e a OLP reconhecia o Estado de Israel.
Embora Rabin tivesse feito algo nunca antes visto por qualquer outro
líder israelita, ao admitir formalmente a existência de um povo
palestiniano, aceitar a OLP como sua representante e abrir negociações
com ela, obtendo em troca o seu reconhecimento do Estado de Israel, esta
troca não foi simétrica nem recíproca. Israel não tinha reconhecido um
Estado palestiniano ou assumido sequer o compromisso de permitir a
criação de um. Foi uma transação peculiar, através da qual um movimento
de libertação nacional obteve dos seus opressores o reconhecimento
nominal, sem alcançar a libertação, oferecendo em troca o seu próprio
reconhecimento do Estado que tinha colonizado a sua pátria e continuava
a ocupá-la. Foi um erro histórico esmagador, com graves consequências
para o povo palestiniano.
Em junho de 1993, três meses antes da assinatura solene no relvado da
Casa Branca, as conversações em Washington já não eram o principal
centro das negociações entre a OLP e Israel. A mais importante das várias
linhas diretas de comunicação secreta que se tinham aberto entre as duas
partes estava em Oslo. Os dois lados queriam fugir à atenção dos nossos
anfitriões americanos e dos meios de comunicação, embora essa tenha
sido uma razão secundária para a mudança. Assim que Rabin e ‘Arafat
descobriram que era possível um acordo direto, nomearam vários
emissários para explorarem mais a fundo as possibilidades. As
conversações em Oslo foram autorizadas pelos dois líderes, tendo sido, no
entanto, supervisionadas do lado israelita por Shimon Peres e do lado
palestiniano por Mahmud ‘Abbas (Abu Mazin).
Foi aí que a Declaração de Princípios, que viria a ser chamada de Oslo
I, foi desenvolvida e que os pormenores do acordo entre os dois lados
foram finalizados. O problema do acordo foi que o diabo está nos
pormenores, e o pessoal que a OLP enviou a Oslo não era forte nos
detalhes. Na verdade, não tinham os conhecimentos linguísticos, legais ou
de qualquer outro tipo necessários para compreenderem exatamente o que
os israelitas estavam a fazer. Após rondas iniciais de discussões
exploratórias conduzidas do lado israelita por dois académicos, os
palestinianos viram-se então confrontados com uma formidável e
especializada equipa de negociação israelita, incluindo indivíduos com
vasta experiência legal internacional, como Joel Singer (outro antigo
coronel das forças militares israelitas).
Esta equipa foi reunida por Shimon Peres, que não estava mais
disposto do que Rabin ou Shamir a ver os palestinianos como iguais ou a
tolerar ideias sobre a soberania ou o estatuto de Estado palestinianos. Os
enviados palestinianos a Oslo não estavam simplesmente à altura,
faltando-lhes recursos e treino, não tendo estado na Palestina ocupada há
décadas e tendo sido incapazes de estudar e assimilar os resultados das
nossas dez rondas de negociações com Israel. O deteriorar das condições
da população palestiniana nos Territórios Ocupados depois de Oslo, a
partir de meados da década de 1990, resultou, em grande medida, da
escolha de emissários cujo desempenho em Oslo foi incompetente e da
disponibilidade de ‘Arafat e dos seus colegas para assinarem os acordos
insuficientes que eles redigiram.55
Assim que vimos o texto do que tinha sido acordado em Oslo, aqueles
de nós que tinham vinte e um meses de experiência em Madrid e em
Washington perceberam imediatamente que os negociadores palestinianos
não tinham conseguido entender o que Israel queria dizer com autonomia.
O que tinham assinado era uma forma altamente restrita de
autoadministração numa fração dos Territórios Ocupados, e sem o
controlo da terra, da água, das fronteiras ou de muito mais. Nestes
acordos, e nos que posteriormente os tiveram como base, em vigor até aos
dias de hoje com ligeiras modificações, Israel manteve todas essas
prerrogativas, equivalentes, na prática, ao controlo total sobre a terra e as
pessoas, bem como sobre a maioria dos atributos de soberania. Era
exatamente isso que a nossa proposta APIA tinha procurado evitar ao
atribuir uma robusta jurisdição sobre as pessoas e a terra a uma autoridade
palestiniana autónoma e eleita. Em resultado da sua incapacidade de
verem a importância destes ativos vitais, os negociadores palestinianos em
Oslo tinham caído em armadilhas atrás de armadilhas que nós tínhamos
conseguido evitar. Na verdade, acabaram por aceitar uma versão quase
inalterada do plano de autonomia de Begin, ao qual os governos de
Shamir e Rabin se agarravam firmemente.
Após a rejeição da proposta APIA por Israel, a nossa delegação
recusara-se a aceitar uma autonomia à la Begin. Os delegados dos
Territórios Ocupados sabiam o que significaria na prática uma
autoadministração ao estilo israelita, tal como os conselheiros da
delegação, que viviam ou tinham passado muito tempo na Palestina. Dada
a recusa dos governos de Shamir e de Rabin em aceitarem uma suspensão
permanente dos colonatos, ou em pôr termo ao regime militar, sabíamos
que o que nos estavam a oferecer eram apenas mudanças cosméticas,
planeando, entretanto, manter o statu quo da ocupação por um período
indefinido. Foi por isso que fizemos finca-pé em Washington e é por isso
que a OLP devia ter ordenado aos seus emissários em Oslo que se
mantivessem firmes contra um tal acordo ao estilo Begin, a que Edward
Said justamente se referiu como «um instrumento de rendição
palestiniana, um Versalhes palestiniano».56
Estou convencido de que rejeitar a parca oferta de Israel em
Washington e em Oslo teria sido a opção certa. Se a OLP tivesse adotado
essa posição dura, o resultado não teria sido pior do que a perda de terras,
recursos e liberdade de circulação sofrida pelos palestinianos desde 1993.
Em termos gerais, um fracasso em chegar a acordo teria sido melhor do
que o acordo que emergiu de Oslo. A ocupação teria continuado, como
continuou de qualquer forma, mas sem o véu do autogoverno palestiniano,
sem aliviar Israel do fardo financeiro de governar e administrar uma
população de milhões, e sem uma «coordenação de segurança» – o pior
resultado de Oslo – através da qual a AP ajuda Israel a vigiar os inquietos
palestinianos que vivem sob o seu regime militar enquanto as suas terras
são gradualmente expropriadas pelos colonizadores israelitas.
Existe também a remota hipótese de que talvez Rabin possa ter sido
obrigado a aceitar termos melhores. Se estes termos hipotéticos poderiam
ter levado a um Estado palestiniano verdadeiramente soberano é
impossível dizer. Mas, tal como a OLP se sentia obrigada a garantir um
acordo, também Rabin sentia a necessidade de o gerar, sobretudo após os
progressos na linha síria terem parado. Segundo Itamar Rabinovich, em
agosto de 1993, Rabin «sentia-se pressionado» a fazer uma jogada
dramática, dado o impasse ao fim de um ano de negociações com a Síria e
com os palestinianos e a instabilidade do governo de coligação que
liderava.57 Essa jogada poderia ter sido na direção de um acordo melhor
para os palestinianos.
Este resultado não parece provável, ainda assim, uma vez que Rabin
mostrou estar condicionado pelas suas limitações e preconceitos: uma
arraigada preocupação com a segurança, o que, no léxico israelita, tem um
significado abrangente de domínio e controlo totais sobre o adversário; e
um profundo desdém pelo nacionalismo palestiniano e pela OLP em
particular, contra a qual passara grande parte da sua carreira a combater.
Este desdém era evidente no rosto de Rabin quando apertou a mão a
‘Arafat em Washington em setembro de 1993. Tinha também de ter em
conta a feroz oposição a qualquer verdadeiro acordo com os palestinianos
por parte dos fervorosos nacionalistas religiosos partidários da ideia da
Grande Terra de Israel. Tinha razões para temer este poderoso grupo. Um
dos seus apoiantes, Yigal Amir, matou-o em 1995, e têm dominado a
política israelita desde então.

Yasser ‘Arafat regressou à Palestina em julho de 1994, e eu fui visitá-


lo pouco depois ao seu novo quartel-general com vista para o mar em
Gaza. Estava exultante por estar de regresso à sua pátria após quase trinta
anos e por ter fugido da gaiola dourada que tinha sido a sua sorte em
Tunes. Não parecia aperceber-se de que tinha passado de uma gaiola para
outra. Eu tinha ido expressar-lhe a minha profunda preocupação com o
deteriorar da situação na árabe Jerusalém Oriental, onde vivia. Israel tinha
fechado a cidade aos palestinianos dos restantes Territórios Ocupados e
começara a construir uma série de muros e de enormes postos de controlo
fronteiriços fortificados para regular a sua entrada.
Eram muitos os sinais preocupantes de que as coisas estavam a piorar
para a população palestiniana de Jerusalém, com as restrições draconianas
à entrada de habitantes da Margem Ocidental e de Gaza a matar a
economia da parte árabe da cidade e uma aceleração nos confiscos de
terras, nas demolições de casas e no exílio de habitantes de Jerusalém que
Israel decidia arbitrariamente terem perdido a sua residência. ‘Arafat
ignorou as minhas preocupações. Não tardei a perceber que a minha visita
fora uma perda de tempo. Ele continuava a flutuar numa onda de euforia,
desfrutando da homenagem das venerandas delegações vindas de todas as
partes da Palestina. Não estava com disposição para ouvir más notícias e,
fosse como fosse, indicou airosamente que todos os problemas seriam
resolvidos em breve. Recebi exatamente a mesma resposta quando, mais
tarde nesse dia, expressei preocupações similares a Abu Mazin, também
acabado de chegar a Gaza.
Pareceu-me evidente que ‘Arafat e Abu Mazin presumiam de forma
otimista que o que os seus enviados tinham sido incapazes de obter para
os palestinianos em Oslo, conseguiriam eles extraí-lo a Israel, em
negociações posteriores. ‘Arafat contava provavelmente com a sua
lendária capacidade de manobra, com a qual lidara durante décadas com
os regimes árabes, acabando por esgotar a paciência de muitos dos seus
monarcas e ditadores. Mas os israelitas não eram de todo suscetíveis aos
malabarismos pelos quais ‘Arafat era famoso. Mantiveram-se
sombriamente firmes e os acordos posteriores foram tão desiguais como
Oslo I.
O Acordo Interino sobre a Margem Ocidental e a Faixa de Gaza,
conhecido como Oslo II, foi celebrado entre as duas partes em 1995 e
completou a ruinosa obra de Oslo I, dividindo ambas as regiões num
infame mosaico de áreas – A, B e C – com mais de 60 por cento do
território, a Área C, sob controlo total, direto e sem entraves dos israelitas.
A Autoridade Palestiniana recebeu o controlo administrativo e de
segurança dos 18 por cento que constituíam a Área A, e também o
controlo administrativo dos 22 por cento da Área B, ficando Israel
encarregado da segurança dessa área. Ao todo, as Áreas A e B constituíam
40 por cento do território, albergando, porém, cerca de 87 por cento da
população palestiniana. A Área C incluía todos os colonatos judaicos
exceto um. Israel manteve também plenos poderes sobre a entrada e a
saída de todas as partes da Palestina e tinha o controlo exclusivo dos
registos da população (o que significava que eram eles a decidir quem
tinha direitos de residência e quem podia viver onde). A construção de
colonatos pôde continuar a bom ritmo, Jerusalém ficou ainda mais isolada
da Margem Ocidental e os palestinianos dos Territórios Ocupados
começaram a ser impedidos, cada vez mais, de entrar em Israel.
Finalmente, dezenas de postos de controlo militares e centenas de
quilómetros de muros e cercas eletrificadas transformaram a Margem
Ocidental numa série de ilhas isoladas e desfiguraram a paisagem.
Não tardou a tornar-se impossível fazer o que eu e muitos
palestinianos fazíamos regularmente e sem dificuldade: ir de Jerusalém a
Ramallah em menos de meia hora, ou viajar rapidamente até Gaza a partir
da Margem Ocidental. Nunca esquecerei o solitário soldado israelita,
inclinado para trás numa cadeira, com a arma ao colo, que
preguiçosamente nos mandou passar pelo decrépito posto de controlo que
assinalava a entrada para a Faixa de Gaza quando lá entrámos na minha
primeira visita após os Acordos de Oslo. Com os novos muros e postos de
controlo, e a necessidade e dificuldade de obter licenças israelitas para os
atravessar, com Israel a bloquear a livre circulação entre a Margem
Ocidental, Gaza e Jerusalém Oriental, e com a introdução de estradas
proibidas aos palestinianos, estava em curso a limitação gradual da vida
palestiniana, principalmente para os habitantes de Gaza. ‘Arafat e os seus
colegas na liderança da OLP, que atravessavam os postos de controlo com
os seus passes VIP, não pareciam saber, ou querer saber, do crescente
confinamento dos palestinianos comuns.
A maioria do pessoal da OLP não tardou a mudar-se de Tunes e de
outros locais para os Territórios Ocupados, onde assumiram posições,
geralmente de topo, nas forças de segurança e nas instituições da AP. A
autoridade tinha sido criada supostamente como organismo interino para a
autoadministração dos Territórios Ocupados, a ser substituída em poucos
anos por uma forma de governação permanente após as negociações do
estatuto final – que nunca aconteceram. A OLP realizou a sua
transferência em massa como se a libertação já tivesse ocorrido, em vez de
manter parte, se não a maioria, do aparelho da OLP fora da Palestina até o
resultado dos Acordos de Oslo ser claro. Só o Departamento Político – o
seu Ministério dos Negócios Estrangeiros – e alguns outros gabinetes
ficaram em Tunes ou noutros países. Ao nível humano, era fácil
simpatizar com o desejo de regressar a casa após um longo exílio, bem
como com o desejo de escapar às pouco acolhedoras capitais árabes para
onde a OLP tinha sido relegada desde 1982. Fazia também sentido que as
pessoas da organização vivessem entre a sua base política popular, o setor
situado dentro da Palestina, após terem sido isoladas da maioria das
comunidades palestinianas.
Mas havia um perigo oculto em transferir a maioria da OLP para os
ainda Territórios Ocupados. ‘Arafat e os seus colegas tinham-se
efetivamente colocado numa jaula, à mercê de um regime militar que
continuava em vigor e basicamente inalterado. Num sinal ameaçador,
Israel tentou impedir parte do pessoal da OLP de viver em Jerusalém ou
de aí atuar. O pior estava para vir. Em 2002, no auge da intensa violência
da Segunda Intifada, soldados israelitas invadiram as instalações da AP
em Ramallah e outras partes da Área A. Fecharam também a Casa do
Oriente, há muito o centro da atividade política palestiniana em Jerusalém
e sede das equipas que estavam a negociar com Israel. Continua fechada
até hoje.58 Israel conseguiu ainda restringir ou proibir quaisquer
atividades, viagens ou encontros palestinianos, e utilizava liberalmente
este poder contra os líderes da AP. Na prática, a OLP tinha entrado na
boca do leão, e não tardou a que os maxilares se fechassem. Em setembro
de 2002, o exército israelita impôs um cerco à Muqata’a, o quartel-general
de ‘Arafat em Ramallah, fazendo dele virtualmente um prisioneiro durante
os dois anos seguintes, até pouco antes da sua morte.
No quarto de século após os acordos de Oslo, a situação na Palestina e
em Israel tem sido muitas vezes falsamente descrita como um choque
entre dois quase-iguais, entre o Estado de Israel e o quase-Estado da
Autoridade Palestiniana. Esta imagem oculta a desigual e inalterada
realidade colonial. A AP não tem soberania, jurisdição ou autoridade além
das que lhe são permitidas por Israel, que controla até grande parte dos
seus rendimentos através de taxas alfandegárias e de alguns impostos. A
sua principal função, à qual grande parte do seu orçamento é dedicada, é a
segurança, mas não do seu povo: está obrigada por ditames americanos e
israelitas a fornecer segurança aos colonos israelitas e às forças de
ocupação contra a resistência, violenta ou não, de outros palestinianos.
Desde 1967 que existe apenas uma autoridade estatal em todo o território
do Mandato da Palestina: a autoridade de Israel. A criação da AP nada fez
para mudar essa realidade, tapando meros buracos no Titanic da Palestina
enquanto proporcionava à colonização e ocupação israelitas um
indispensável escudo palestiniano. A enfrentar o colosso que é o Estado
israelita está um povo colonizado a quem são negados direitos iguais e a
capacidade de exercer o seu direito à autodeterminação nacional, uma
condição constante desde que a ideia de autodeterminação começou a
consolidar-se globalmente após a Primeira Guerra Mundial.
A intifada levara Rabin e o aparelho de segurança israelita a entender
que a ocupação – com tropas israelitas a vigiarem centros palestinianos
densamente povoados e a fervilharem de raiva – precisava de ser
modificada. O resultado dessa perceção, o enquadramento de Oslo, teve
como objetivo preservar as partes da ocupação que eram vantajosas para
Israel – os privilégios e prerrogativas de que o Estado e os colonos
gozavam – livrando-se ao mesmo tempo de responsabilidades onerosas e
impedindo uma verdadeira autodeterminação, soberania e estatuto de
Estado para os palestinianos. Oslo I foi a primeira dessas modificações,
com outras acrescentadas em anos posteriores, todas com vista a manter a
disparidade de poder, independentemente de quem fosse o primeiro-
ministro de Israel.
Oslo I envolveu também a mais ambiciosa das modificações, a decisão
de incorporar a OLP como subcontratada na ocupação – era este o
verdadeiro significado do acordo de segurança feito entre Rabin e ‘Arafat
que eu e os meus colegas tínhamos anunciado aos diplomatas americanos
em junho de 1993. O ponto essencial sempre foi a segurança de Israel, da
sua ocupação e dos seus colonos, descartando ao mesmo tempo os custos
e a responsabilidade de subjugar a população palestiniana. De forma mais
direta, como disse publicamente o colaborador de Rabin, o major-general
Shlomo Gazit, em 1994: «Yasser ‘Arafat tem uma escolha. Pode ser um
Lahd ou um super-Lahd.»59 Referia-se a Antoine Lahd, o comandante
libanês do Exército do Sul do Líbano, armado, financiado e controlado por
Israel, que foi incumbido de ajudar a manter a ocupação israelita do sul do
Líbano entre 1978 e 2000. Com esta observação reveladora, Gazit
confirmava o verdadeiro objetivo do que ele e o seu chefe, Rabin, tinham
implementado em Oslo.
O sistema criado em Oslo e em Washington não foi um
empreendimento exclusivo de Israel. Tal como em 1967 e 1982, foi
acompanhado pelo seu indispensável patrocinador, os Estados Unidos. A
camisa de forças de Oslo não poderia ter sido imposta aos palestinianos
sem a cumplicidade americana. Desde Camp David, em 1978, que a
arquitetura das negociações, com a sua tortuosa e infinitamente flexível
fase transitória e o adiamento do estatuto de Estado palestiniano, não era
imposta principalmente por Israel, ainda que o enquadramento tivesse sido
idealizado por Begin e promovido pelos seus herdeiros em ambos os
blocos políticos israelitas, o Likud e o Partido Trabalhista. Foram os
Estados Unidos a prover a força por trás da insistência que alegava ser
esta a única via negocial possível para os palestinianos, levando a um
único resultado possível. Os Estados Unidos não foram apenas cúmplices:
foram parceiros de Israel.
Esta parceria envolveu muito mais do que a mera anuência ou
consentimento por parte de todas as administrações americanas, de Carter
até aos dias de hoje. Contou com o apoio americano ao nível político,
diplomático, militar e legal – as abundantes somas de dinheiro em ajudas,
empréstimos e caridosos donativos livres de impostos feitos para apoiar os
colonatos e a progressiva absorção dos bairros árabes em Jerusalém; bem
como o copioso fluxo das armas mais avançadas do mundo – para
promover a colonização israelita da totalidade da Palestina. Os Acordos de
Oslo constituíram, na prática, outra internacionalmente aprovada
declaração de guerra israelo-americana contra os palestinianos em prol do
projeto secular do movimento sionista. Mas, ao contrário do que
acontecera em 1947 e 1967, desta vez os líderes palestinianos deixaram-se
arrastar para a cumplicidade com os seus adversários.
6

A Sexta Declaração
de Guerra, 2000-2014

Estamos sujeitos a um colonialismo singular, onde não têm utilidade


para nós. Para eles, o melhor palestiniano está morto ou desaparecido.
Não é que queiram explorar-nos, ou que precisem de nos manter lá à maneira
da Argélia ou da África do Sul, como uma subclasse.
– Edward Said1

Para a maioria dos palestinianos, uma profunda desilusão com os


Acordos de Oslo começou a instalar-se pouco após a cerimónia de
assinatura no relvado da Casa Branca, em 1993. A perspetiva de um fim
para a ocupação militar e para o roubo de terras para os colonatos
israelitas fora originalmente recebida com euforia, e muitas pessoas
acreditavam estar no início de um caminho que conduziria ao estatuto de
Estado. Com o passar do tempo, surgiu a perceção crescente de que,
apesar dos termos de Oslo, e até devido a eles, a colonização da Palestina
continuava a um ritmo acelerado e Israel não estava mais perto de permitir
a criação de um Estado palestiniano independente.
Na verdade, as condições tornaram-se muito piores para todos, exceto
para um muito reduzido número de indivíduos, cujos interesses
económicos ou pessoais estavam ligados à Autoridade Palestiniana e que
beneficiaram da normalização das relações com Israel. Para todos os
outros, eram constantes as recusas de autorização para viajar e transferir
bens de um lado para o outro, tendo sido criado um labiríntico sistema de
licenças, postos de controlo, muros e vedações. Numa consciente política
israelita de «separação», Gaza foi isolada da Margem Ocidental, que foi
por sua vez isolada de Jerusalém; os empregos em Israel não regressaram;
os colonatos, com estradas exclusivas para colonos a uni-los, proliferaram,
fragmentando a Margem Ocidental de forma devastadora. Entre 1993 e
2004, o PIB per capita diminuiu, apesar das promessas de uma
prosperidade que estava mesmo ao virar da esquina.2
Alguns privilegiados – figuras influentes da OLP ou da AP –
receberam passes VIP que lhes permitiam atravessar os postos de controlo
israelitas. Todos os outros perderam a capacidade de circular livremente
pela Palestina. Até 1991, muitos palestinianos tinham trabalhado em Israel
sem entraves e sem precisarem de uma licença especial. Era possível
viajar num carro com matrícula da Margem Ocidental ou de Gaza para
qualquer parte de Israel e dos Territórios Ocupados. Quaisquer expetativas
de ver essa liberdade reposta foram rapidamente esmagadas. A maioria da
população não conseguia obter licenças para viajar e estava agora
efetivamente confinada à Margem Ocidental ou à Faixa de Gaza, às
estradas inferiores repletas de postos de controlo, destinadas à população
nativa, enquanto os colonos viajavam por cima delas numa rede de
soberbas autoestradas e viadutos construída para seu uso exclusivo.
Este confinamento pós-Oslo foi mais restritivo na Faixa de Gaza. Nas
décadas posteriores a 1993, a faixa foi separada do resto do mundo por
etapas, cercada em terra por soldados e no mar pela marinha israelita.3
Entrar e sair exigia licenças raramente emitidas e só era possível através
de enormes postos de controlo fortificados semelhantes a currais
humanos, enquanto bloqueios arbitrários por parte dos israelitas
interrompiam frequentemente o transporte de bens para dentro e fora da
faixa. Os resultados económicos do que era, na prática, um cerco à Faixa
de Gaza foram particularmente nefastos. A maioria dos habitantes de Gaza
dependia do trabalho em Israel ou da exportação de bens. Com estritas
restrições a ambos, a vida económica sofreu um lento estrangulamento.4
Em Jerusalém, o maior e mais importante centro urbano da Palestina
árabe, foram colocadas barreiras à entrada dos bairros palestinianos de
Jerusalém Oriental, impedindo a livre circulação entre a cidade e o interior
da Margem Ocidental, da qual dependia económica, cultural e
politicamente. Os seus mercados, escolas, negócios, instituições culturais
e gabinetes profissionais tinham prosperado essencialmente à base de uma
clientela vinda dos Territórios Ocupados, e também de palestinianos de
dentro de Israel e turistas estrangeiros. Subitamente, os palestinianos da
Margem Ocidental e de Gaza tinham de adquirir licenças, que eram
inacessíveis à maioria. Mesmo que conseguissem obter uma licença,
esperavam-nos humilhações rotineiras e horas de atraso ao passar pelos
postos de controlo israelitas que controlavam as entradas na cidade a partir
da Margem Ocidental. O impacto deste bloqueio a Jerusalém na economia
da cidade foi devastador. Segundo um relatório de 2018 da União
Europeia, o contributo da Jerusalém Oriental árabe para o PIB
palestiniano baixou de 15 por cento em 1993 para 7 por cento nos dias de
hoje. O relatório da UE observava que «devido ao seu isolamento físico e
à estrita política israelita de licenças, a cidade deixou, em grande medida,
de ser o centro económico, urbano e comercial que em tempos foi».5
Este agravamento das condições quase não foi referido nos meios de
comunicação convencionais, e foi grande a surpresa nos círculos
internacionais quando a população palestiniana, ainda sob ocupação,
expressou o seu amargo sentimento de traição através de enormes
manifestações em setembro de 2000. O nebuloso e persistente brilho de
Oslo ofuscara a maioria dos observadores, tanto em Israel como nos
Estados Unidos e na Europa, sobretudo nos círculos liberais sionistas. O
mito da beneficência de Oslo continuou a impedir uma análise lúcida,
mesmo após a erupção de violência no ano 2000.6
Para o vigoroso novo rival da OLP, o Hamas, as provas de que Oslo
não era o que os seus defensores palestinianos o tinham feito parecer
foram, porém, uma ajuda preciosa. Fundado no início da Primeira
Intifada, em dezembro de 1987, o Hamas tinha vindo a crescer
rapidamente, tirando partido das correntes de descontentamento popular
em relação à OLP que tinham surgido por diversas razões. Durante a
intifada, o Hamas insistira em manter uma identidade separada,
recusando-se a juntar-se ao Comando Nacional Unificado (CNU).
Promovia-se mais como uma militante alternativa islamita à OLP,
condenando o abandono da luta armada e a viragem para a diplomacia que
fora adotada pelo CNP na Declaração de Independência de 1988. Só o uso
da força podia levar à libertação da Palestina, argumentava o Hamas,
reiterando a reivindicação de toda a Palestina, não apenas das áreas
ocupadas por Israel em 1967.7
O Hamas era uma extensão do ramo palestiniano da Irmandade
Muçulmana, uma organização fundada no Egito, em 1928, com objetivos
reformistas, mas que se voltou para a violência nas décadas de 1940 e
1950, reconciliando-se depois com o regime egípcio de Sadat na década
de 1970. O Hamas foi fundado em Gaza por militantes que sentiam que a
Irmandade tinha sido demasiado complacente com o ocupante israelita em
troca de um tratamento indulgente. Efetivamente, nas primeiras duas
décadas de ocupação, e enquanto reprimiam severamente todos os outros
grupos políticos, sociais, culturais, profissionais e académicos
palestinianos, as autoridades militares tinham deixado a Irmandade agir
livremente. Devido à sua utilidade para a ocupação, ao dividir o
movimento nacional palestiniano, a indulgência israelita para com a
Irmandade estendeu-se também ao Hamas, apesar do seu programa
inflexível e antissemita e do seu compromisso com a violência.8
Não foi esta, no entanto, a principal razão do seu sucesso. A ascensão
do Hamas foi parte de uma tendência regional que representava uma
resposta ao que muitos entendiam como a falência das ideologias
nacionalistas seculares que tinham dominado a política do Médio Oriente
durante a maior parte do século XX. Na sequência do afastamento da OLP
da luta armada, e da sua viragem para um caminho diplomático destinado
a conduzir a um Estado palestiniano que não conseguiu obter resultados,
muitos palestinianos sentiram que a organização tinha perdido o rumo – e,
consequentemente, o Hamas cresceu, apesar das suas posições sociais
extremamente conservadoras e do duvidoso panorama de futuro que
propunha.
O Hamas ficou momentaneamente desconcertado com a vaga de
satisfação popular quando a conferência de paz de Madrid foi organizada
com a participação dos palestinianos, ainda que sob condições impostas
por Israel. Durante as negociações de Washington, o Hamas continuou,
ainda assim, a criticar o próprio princípio de negociar com Israel e
manteve os seus esforços para manter a intifada viva. A assinatura dos
Acordos de Oslo teve um efeito similar, aumentando as expetativas dos
palestinianos e enfraquecendo temporariamente o Hamas. Mas, uma vez
que a posição da OLP estava vinculada aos resultados das suas
negociações com Israel, a deceção popular generalizada que se seguiu à
implementação dos Acordos de Oslo deixou o Hamas em posição de
colher os benefícios, e apurou a sua crítica à OLP e à recém-formada
Autoridade Palestiniana.
Os palestinianos sofreram outra desilusão quando o período transitório
de cinco anos especificado nos acordos se prolongou muito para lá da data
em que devia ter terminado. Foi um novo revés para a estratégia negocial
de ‘Arafat, tal como o facto de as negociações sobre o estatuto final nunca
terem começado, ou terem sequer sido concluídas, como deviam ter
estado em 1999. Outro contratempo para a OLP foi o fracasso, no ano
2000, da última cimeira em Camp David entre ‘Arafat e o primeiro-
ministro israelita Ehud Barak. Organizada pelo presidente Clinton nos
últimos meses do seu segundo mandato, quando era já basicamente um
peso morto, após o governo de Barak ter perdido a sua maioria no Knesset
e quando a popularidade de ‘Arafat estava em acentuado declínio, a
cimeira foi mal preparada. Não existiram quaisquer entendimentos prévios
entre os dois lados, como é normal ao nível de uma cimeira, e ‘Arafat teve
de ser coagido a estar presente, temendo ser culpado pelo seu possível
fracasso.
Camp David acabou em desastre, com Barak a evitar encontros de
fundo com ‘Arafat e a apresentar em vez disso uma proposta secreta
através dos americanos, recusando ao mesmo tempo quaisquer
modificações. Com este procedimento extraordinário, os Estados Unidos
deram, na prática, o seu apoio formal à posição israelita. A proposta
inalterável de Barak – que nunca foi publicada, apenas reconstituída pelos
participantes após o evento – era inaceitável para os palestinianos em
vários aspetos cruciais. Entre estes, incluíam-se o permanente controlo
israelita do Vale do Rio Jordão e do espaço aéreo palestiniano, e, portanto,
do acesso ao mundo exterior (o que significava que o planeado «Estado»
palestiniano não seria verdadeiramente soberano), a continuidade do
controlo israelita sobre os recursos aquáticos da Margem Ocidental e
também a anexação de áreas que teriam dividido a Margem Ocidental em
vários blocos isolados. Como era de esperar, o maior fosso entre as duas
partes foi acerca da disposição de Jerusalém. Israel exigia a soberania
exclusiva, inclusive sobre todo o Haram al-Sharif e grande parte da
restante Cidade Velha, o que foi um elemento fulcral no colapso final das
conversações.9
Clinton começou então a culpar ‘Arafat pelo fracasso da cimeira, ainda
que anteriormente tivesse prometido não o fazer. Mesmo antes do fim das
conversações, Barak começou a falar aos jornalistas do obstrucionismo de
‘Arafat, não tardando a proclamar que os palestinianos não desejavam a
paz. Esta estratégia acabou por ser contraproducente: a ser correta a sua
avaliação de ‘Arafat e da OLP, Barak tinha feito figura de tolo ao assistir a
uma cimeira que estava condenada ao fracasso. Punha também em causa
toda a abordagem de Rabin, Peres, Barak e do Partido Trabalhista de
Israel. O beneficiário direto dos erros táticos de Barak foi Ariel Sharon,
que agora liderava o Likud e tinha o mérito da consistência: sempre
dissera que não era possível qualquer acordo com os palestinianos e
opusera-se ferozmente aos Acordos de Oslo. Do lado palestiniano, as
recriminações precipitaram-se após este derradeiro esforço de salvamento
ter confirmado que Israel não estava disposto a aceitar nada que se
parecesse com uma plena soberania palestiniana, que o processo de Oslo
não geraria, portanto, uma solução que respondesse minimamente às
exigências palestinianas, e que o miserável statu quo ia continuar. Tudo
isto fortaleceu o Hamas e levou a uma polarização sem precedentes na
sociedade palestiniana, criando um fosso no seio da população. Nesta
altura, o Hamas constituía a mais séria ameaça, desde meados da década
de 1960, à hegemonia da Fatah no seio da OLP e ao monopólio desta
sobre a política palestiniana.
O agravar da situação para os palestinianos depois de Oslo, a
perspetiva cada vez mais ténue do estatuto de Estado e a intensa rivalidade
entre a OLP e o Hamas combinaram-se para produzir o material
inflamável que eclodiu na Segunda Intifada, em setembro do ano 2000.
Bastava um fósforo para o incendiar. Uma provocadora visita de Ariel
Sharon ao Haram al-Sharif, rodeado por centenas de agentes de segurança,
providenciou esse fósforo. O Haram – conhecido pelos judeus como
Monte do Templo – era um foco de paixões nacionalistas e religiosas para
ambos os lados, pelo menos desde os sangrentos acontecimentos de 1929,
quando uma manifestação patriótica de turbulentos extremistas do
sionismo revisionista junto ao vizinho Muro Ocidental desencadeou dias
de violência em todo o país, com centenas de baixas de ambos os lados.10
As preocupações palestinianas aumentaram imediatamente após a
conquista, em 1967, da parte oriental da cidade, altura em que as
autoridades de ocupação destruíram um bairro inteiro contíguo ao Haram,
Haret al-Maghariba, o bairro Maghribi, juntamente com as suas
mesquitas, templos, casas e lojas, a fim de criar uma vasta esplanada junto
ao Muro Ocidental. Muitos dos locais destruídos durante a noite de 10
para 11 de junho pelos buldózeres israelitas eram waqfs, como a Madrassa
al-Afdaliyya, criada em 1190 pelo monarca aiúbida al-Malik al-Afdal,
filho de Saladino.11 Outro local, destruído dois anos depois, foi a antiga
Zawiyya al-Fakhriyya,12 uma loja sufi imediatamente contígua ao Haram.
Com a cidade agora fechada aos palestinianos da Margem Ocidental e
de Gaza, e com a expansão em curso dos colonos israelitas para Jerusalém
Oriental, os residentes temiam estar prestes a ser suplantados. No ano
anterior, em 1999, Israel tinha aberto um túnel que passava sob grande
parte da Cidade Velha e junto ao Haram, causando estragos nas
propriedades acima, no Bairro Muçulmano, e desencadeando
manifestações generalizadas. A visita de Sharon, pouco após a cimeira
fracassada em Camp David, não podia ter acontecido em pior altura.
Sharon, que estava em campanha para suceder a Barak como primeiro-
ministro, atirou gasolina para o fogo, declarando que «o Monte do Templo
está nas nossas mãos e aí permanecerá».13 Dado o historial imprudente e
oportunista de Sharon, parece evidente que pretendia explorar o contexto
volátil a fim de melhor se posicionar para vencer as iminentes eleições, o
que conseguiu fazer alguns meses depois.
O resultado da sua provocação foi a pior escalada de violência nos
Territórios Ocupados desde 1967, violência essa que depois se espalhou
pelo interior de Israel através de uma vaga de mortíferos atentados
suicidas. O aumento no nível de derramamento de sangue foi
impressionante. Durante os mais de oito anos da Primeira Intifada, tinham
sido mortas cerca de 1 600 pessoas, uma média de 177 por ano (12 por
cento das quais israelitas). Nos quatro anos mais calmos que se seguiram,
morreram 90 pessoas, ou cerca de 20 por ano (22 por cento das quais
israelitas). Em contraste, os oito anos da Segunda Intifada provocaram 6
600 mortos, uma média de 825 por ano – cerca de 1 100 israelitas (pouco
menos de 17 por cento) e 4 916 palestinianos, que foram mortos pelas
forças de segurança e por colonos israelitas (mais de 600 palestinianos
foram também mortos por outros palestinianos). A maioria dos israelitas
que morreram neste último período eram civis que foram mortos por
bombistas suicidas palestinianos em Israel, enquanto 332, pouco menos de
um terço do total, eram membros das forças de segurança. Este
impressionante aumento no número de mortos durante a Segunda Intifada
dá uma ideia da súbita escalada de violência.14
Ainda que a rivalidade entre o Hamas e a OLP tenha tido aqui um
papel, o uso massivo, desde o início, de balas reais por parte das forças
israelitas contra manifestantes desarmados (dispararam 1,3 milhões de
balas nos «primeiros dias» da revolta15) foi um fator crucial, causando um
número chocante de baixas. Este caos acabou por levar alguns
palestinianos – muitos deles das forças de segurança da AP – a pegarem
em armas e explosivos. Aos observadores perspicazes, as forças militares
israelitas pareciam estar bem preparadas para uma escalada, e podem ter
pretendido desencadear esse exato desenvolvimento.16 Previsivelmente,
Israel virou-se para o armamento pesado, incluindo helicópteros, tanques e
artilharia, provocando um número ainda mais elevado de baixas
palestinianas.
O Hamas e os seus parceiros mais novos da Jihad Islâmica reagiram
então organizando extensos ataques com bombistas suicidas, que
atacavam sobretudo alvos civis vulneráveis – autocarros, cafés e centros
comerciais – no interior de Israel. Esta tática envolvia levar a violência,
que até então tinha estado essencialmente concentrada no interior dos
Territórios Ocupados, para o território do inimigo, e foi algo de que Israel,
inicialmente, não teve forma de se defender. A partir do final de 2001, e
com frequência crescente, a Fatah juntou-se aos ataques, gerando uma
concorrência mortal. Seguiu-se uma sanguinária aceleração nos atentados
suicidas, desencadeada em parte pela rivalidade entre as duas fações. De
acordo com um estudo dos primeiros cinco anos da Segunda Intifada,
quase 40 por cento dos atentados suicidas foram realizados pelo Hamas,
quase 26 por cento pelos seus aliados da Jihad Islâmica, mais de 26 por
cento pela Fatah e os restantes pelos parceiros desta última na OLP.17
A OLP tinha renunciado à violência em 1988, mas com um grande
número de manifestantes a serem alvejados por tropas israelitas, e com o
Hamas a responder com ataques suicidas, aumentou a pressão sobre a
Fatah para agir, e a escalada tornou-se inevitável. Impelidos pelo
massacre, em 1994, de 29 palestinianos por um colono armado dentro da
Mesquita Ibrahimi, em Hébron, entre 1994 e 2000, o Hamas e a Jihad
Islâmica tinham introduzido o uso de bombistas suicidas em Israel como
parte da sua campanha contra os Acordos de Oslo, matando 171 israelitas
em 27 atentados. No final desse período, porém, estes ataques tinham sido
em grande parte contidos pela feroz repressão exercida pelos serviços de
segurança da AP. A liderança da OLP insistiu em que estes ataques fossem
travados a qualquer custo, de modo a manter o débil processo de Oslo a
decorrer. Para esse fim, o aparelho de segurança da AP – composto
maioritariamente por militantes da Fatah que tinham cumprido pena em
prisões israelitas – recorreu à tortura de suspeitos do Hamas com a mesma
liberdade com que os interrogadores israelitas a tinham utilizado contra
eles. Essas experiências geraram profundos ódios fratricidas de ambos os
lados, que viriam a eclodir na cisão aberta entre a OLP e o Hamas a partir
de meados da década de 2000.
Em evidente contraste com a primeira, a Segunda Intifada constituiu
um grande revés para o movimento nacional palestiniano. As suas
consequências para os Territórios Ocupados foram graves e nefastas. Em
2002, com o seu armamento pesado a causar destruição generalizada, o
exército israelita reocupou as áreas limitadas, principalmente cidades e
vilas, que tinham sido evacuadas como parte dos Acordos de Oslo. Nesse
mesmo ano, as tropas israelitas impuseram o seu cerco ao quartel-general
de Yasser ‘Arafat em Ramallah, onde ele adoeceu mortalmente. Tendo
evitado encontrar-me com ele após o nosso dececionante encontro em
Gaza, em 1994, fui encorajado pelo meu amigo Sari Nuseibeh a ir ver o
velho enfermo, e visitei-o duas vezes durante o cerco, encontrando-o
muito diminuído física e mentalmente.18 Este tratamento cruel para com o
líder histórico do povo palestiniano era degradante, tal como Ariel Sharon
pretendia que fosse. Confirmava também o grave erro que a OLP tinha
cometido ao transferir quase todos os seus líderes para os Territórios
Ocupados, onde estavam vulneráveis a este tipo de humilhações.
Após o colapso da cimeira de Camp David, a reocupação por Israel
das vilas e cidades da Margem Ocidental e da Faixa de Gaza destruiu
todas as ilusões que restavam aos palestinianos de terem ou virem a
adquirir algo que se aproximasse da soberania ou de uma verdadeira
autoridade sobre qualquer parte da sua terra. Isto exacerbou as diferenças
políticas entre os palestinianos e salientou a falta de uma estratégia
alternativa viável, revelando o fracasso tanto da via diplomática da OLP
como da violência armada do Hamas e de outros. Estes acontecimentos
mostravam que Oslo falhara, que o uso de armas e atentados suicidas
falhara, e que, apesar de todas as baixas infligidas a civis israelitas, os
maiores vencidos eram, em todos os aspetos, os palestinianos.
Outra consequência foi que a terrível violência da Segunda Intifada
apagou a imagem positiva dos palestinianos que se tinha desenvolvido
desde 1982 e durante a Primeira Intifada e as negociações de paz. Com as
imagens horripilantes de recorrentes atentados suicidas a serem
transmitidas globalmente (e com esta cobertura a eclipsar a da violência
muito superior perpetrada contra os palestinianos), os israelitas deixaram
de ser vistos como opressores, voltando ao papel mais familiar de vítimas
de algozes irracionais e fanáticos. O poderoso impacto negativo da
Segunda Intifada para os palestinianos e o efeito dos atentados suicidas na
opinião e na política israelitas confirmam certamente a incisiva crítica ao
uso da violência pelos palestinianos expressa por Eqbal Ahmad na década
de 1980.
Estas considerações estavam certamente longe dos pensamentos dos
homens (e algumas mulheres) que planeavam e executavam esses
atentados suicidas. É possível especular sobre o que procuravam alcançar,
mesmo demonstrando o quão errados eram os seus objetivos. Mesmo
aceitando a sua própria narrativa, que vê os atentados suicidas como
retaliação pelo uso indiscriminado por parte de Israel de balas reais contra
manifestantes desarmados durante as primeiras semanas da Segunda
Intifada, e pelos seus ataques a civis palestinianos e assassinatos em Gaza,
impõe-se a questão de se estes atentados pretendiam obter algo mais além
de uma vingança cega. Omite também o facto de o Hamas e a Jihad
Islâmica, que lançaram dois terços dos atentados suicidas durante a
intifada, terem realizado mais de vinte desses ataques na década de 1990,
antes da visita de Sharon ao Haram. Poder-se-á argumentar que esses
ataques se destinavam a dissuadir Israel. Isso é caricato, dada a doutrina
há muito estabelecida entre as forças militares israelitas de que,
independentemente do preço, têm de ganhar vantagem em qualquer
confronto, e de estabelecer a sua capacidade incontestável, não só de
dissuadir os seus inimigos, mas também de os esmagar.19 Sharon fez
exatamente isso durante a Segunda Intifada, implementando fielmente esta
doutrina, tal como Rabin tinha feito antes dele durante a Primeira Intifada,
ainda que, nesse caso anterior, com um grande custo político, como o
próprio Rabin reconheceu.
Igualmente caricata é a ideia de que esses ataques a civis eram golpes
de martelo que talvez pudessem levar a uma dissolução da sociedade
israelita. Esta teoria baseia-se numa extensa análise, mas fatalmente
incorreta, de Israel como uma sociedade profundamente dividida e
«artificial», o que ignora os manifestamente bem-sucedidos esforços de
construção nacional do sionismo ao longo de mais de um século, bem
como a coesão da sociedade israelita apesar das suas muitas divisões
internas. Mas o fator mais importante em falta em quaisquer cálculos que
estivessem a ser feitos por aqueles que planeavam os bombardeamentos
era que quanto mais os ataques se prolongassem, mais o público israelita
se uniria em apoio à atitude pura e dura de Sharon. Na verdade, os
atentados suicidas serviram para unir e fortalecer o adversário, enquanto
enfraqueciam e dividiam o lado palestiniano. Quando a Segunda Intifada
acabou, segundo sondagens credíveis, a maioria dos palestinianos opunha-
se a esta tática.20 Assim, além de suscitarem graves questões legais e
morais, e de privarem os palestinianos de uma imagem mediática positiva,
ao nível estratégico, estes ataques foram imensamente contraproducentes.
Qualquer que seja a culpa atribuída ao Hamas e à Jihad Islâmica pelos
atentados suicidas que produziram este fiasco, os líderes da OLP que
acabaram por seguir o exemplo devem também partilhar dela.

Yasser ‘Arafat morreu em novembro de 2004 num hospital de Paris,


em circunstâncias que permanecem obscuras. Mahmoud ‘Abbas (Abu
Mazin) substituiu-o como líder da OLP e da Fatah, tendo sido eleito para a
presidência da AP por um mandato de quatro anos em janeiro de 2005.
Não foram realizadas quaisquer eleições presidenciais desde então, pelo
que desde 2009 que ‘Abbas governa sem mandato democrático. A morte
de ‘Arafat assinalou o fim de uma era, meio século que começou no início
dos anos cinquenta, com os primeiros frémitos de um movimento nacional
revitalizado, e acabou com os refugiados palestinianos no seu ponto mais
baixo desde 1948. Durante a década e meia que se seguiu, ‘Abbas presidiu
ineficazmente a uma grave deterioração no estado já enfraquecido do
movimento nacional, a uma intensificação do conflito interpalestiniano, a
uma expansão substancial da colonização sionista do que restava da
Palestina e a uma série de guerras israelitas contra uma Faixa de Gaza
cada vez mais cercada.
Um dos poucos sobreviventes da velha guarda do Comité Central da
Fatah que há muito dominava a OLP, ‘Abbas, não era carismático nem
eloquente; não era conhecido pela coragem pessoal nem considerado um
homem do povo. Globalmente, era um dos menos impressionantes da
primeira geração de eminentes líderes da Fatah. Ainda que alguns dos
membros deste grupo tivessem morrido de causas naturais, muitos deles –
Abu Iyad, Abu Jihad, Sa’d Sayel (Abu al-Walid), Majid Abu Sharar, Abu
Yusuf Najjar, Kamal ‘Adwan, Hayel ‘Abd al-Hamid (Abu al-Hol) e Abu
Hassan Salameh – tinham sido mortos por assassinos da Mossad ou de
grupos apoiados pelos regimes sírio, iraquiano e líbio. Com Ghassan
Kanafani e Kamal Nasser, tinham estado entre os melhores e mais eficazes
líderes e porta-vozes do movimento, e a sua perda deixou os palestinianos
com uma organização mais débil e menos dinâmica. As liquidações
sistemáticas de Israel, sob o título de «assassinatos seletivos»,
continuaram durante toda a Segunda Intifada e durante os anos de ‘Abbas,
tendo sido também mortos líderes da Fatah, da FPLP, do Hamas e da Jihad
Islâmica. Que alguns destes assassinatos eram motivados por
considerações políticas, e não militares ou de segurança, ficou claro, por
exemplo, com o assassinato de Isma’il Abu Shanab, que era um manifesto
opositor, no seio do Hamas, aos atentados suicidas.21
A guerra a decorrer em Gaza, que incluiu grandes ofensivas terrestres
israelitas em 2008-9, 2012 e 2014, era combinada com incursões militares
israelitas regulares às áreas palestinianas da Margem Ocidental e de
Jerusalém Oriental. Estas envolviam detenções e assassinatos, a
demolição de casas e a repressão da população, tudo com a discreta
cooperação da AP gerida pela Fatah em Ramallah. Estes acontecimentos
confirmavam que a AP era um organismo sem soberania e sem qualquer
verdadeira autoridade, exceto a que Israel lhe concedia, uma vez que
colaborava na repressão de protestos na Margem Ocidental enquanto
Israel esmagava Gaza.
O Hamas e a Jihad Islâmica tinham boicotado as eleições presidenciais
de 2005, tal como tinham feito com as anteriores eleições para a AP, em
linha com a sua rejeição do processo de Oslo e também da Autoridade
Palestiniana e da Assembleia Legislativa Palestiniana que dele tinham
emergido. Pouco depois, contudo, o Hamas fez uma surpreendente
inversão de marcha, decidindo apresentar uma lista de candidatos nas
eleições legislativas de janeiro de 2006. Na sua campanha, a organização
minimizou a socialmente conservadora mensagem islamita que havia sido
a sua imagem de marca e também a sua defesa da resistência armada
contra Israel, enfatizando em vez disso a reforma e a mudança, que
formavam o nome da sua lista eleitoral. Foi uma viragem da máxima
importância. Ao apresentar candidatos à assembleia, o Hamas aceitava
não só a legitimidade da AP, mas também, por acréscimo, a legitimidade
do processo de negociação que a tinha produzido, e da solução de dois
Estados a que visava conduzir. Além disso, o Hamas estava a abraçar
também a possibilidade de ganhar as eleições, partilhando assim da
responsabilidade de governar a AP juntamente com ‘Abbas. As
responsabilidades essenciais da AP, tal como eram vistas pelos seus
patrocinadores israelitas, americanos e europeus, envolviam impedir a
violência contra israelitas e cooperar com Israel em matéria de segurança.
O Hamas nunca admitiu que esta mudança significava realmente o que
parecia, ou que contradizia o compromisso com a resistência armada que
era a sua raison d’être e parte do seu nome, Movimento Islâmico de
Resistência, de que Hamas era um acrónimo.
Contra todas as expectativas, incluindo as suas, o Hamas ganhou as
eleições por uma bela margem. Conquistou 74 lugares contra os 45 da
Fatah, numa assembleia de 132 membros (apesar de, com as
peculiaridades do sistema eleitoral, ter ganho apenas 44 por cento dos
votos contra os 41 por cento da Fatah). As sondagens à boca das urnas
realizadas após a votação mostraram que o resultado se devia mais ao
grande desejo dos eleitores de uma mudança nos Territórios Ocupados do
que a um apelo à governação islâmica ou a um aumento da resistência
armada contra Israel.22 Mesmo nalguns bairros maioritariamente cristãos,
a votação foi fortemente favorável ao Hamas. Isto prova que muitos
eleitores queriam simplesmente expulsar os titulares da Fatah, cuja
estratégia tinha falhado e que eram vistos como corruptos e indiferentes às
exigências populares.

Auja, Margem Ocidental, na Área C: os alicerces da casa de Raja Khalidi,


irmão do autor, demolida pelas forças militares israelitas.

Com o Hamas a controlar a Assembleia Legislativa, o conflito entre a


Fatah e o Hamas intensificou-se. Tal como várias figuras políticas
palestinianas reconheceram, uma cisão entre os dois movimentos era
potencialmente desastrosa para a causa palestiniana, sentimento esse que
era fortemente apoiado pela opinião pública. Em maio de 2006, os cinco
líderes dos principais grupos detidos em prisões israelitas, incluindo a
Fatah, o Hamas, a FPLP e a Jihad Islâmica, emitiram o Documento dos
Prisioneiros (que merece ser mais conhecido): apelava a um fim da rutura
entre as fações com base num novo programa cuja pedra angular era uma
solução de dois Estados. O documento foi um acontecimento de vulto,23
uma clara afirmação dos desejos da hierarquia e da fileira de ambos os
grupos, cujos elementos mais respeitados (de entre os que não tinham sido
assassinados) estavam detidos em prisões israelitas. O respeito pelos
prisioneiros é muito elevado na sociedade palestiniana, e mais de 400 000
palestinianos foram encarcerados por Israel desde o início da ocupação.
Sob esta pressão vinda de baixo, o Hamas e a Fatah tentaram
repetidamente formar um governo de coligação com membros de ambos
os grupos. Estes esforços depararam-se com a feroz oposição de Israel e
dos Estados Unidos, que rejeitavam o Hamas como parte de qualquer
governo da AP. Insistiam no reconhecimento explícito de Israel, em vez da
forma implícita incorporada no Documento dos Prisioneiros, bem como
em várias outras condições. Assim, o Hamas viu-se arrastado para a
mesma interminável dança em torno de concessões que a OLP fora
obrigada a suportar durante décadas, fosse a exigência de corrigir os seus
estatutos, aceitar a Resolução 242 das Nações Unidas, renunciar ao
terrorismo ou aceitar a existência de Israel, tudo para obter a legitimação
por parte daqueles que impunham as condições. Independentemente de
terem sido apresentadas à OLP na década de 1970 ou ao Hamas na década
de 2000, as exigências foram feitas sem a oferta de qualquer quid pro quo
por parte do poder que tinha expulsado grande parte do povo palestiniano,
bloqueado o seu regresso, ocupado o seu território através da força e da
intimidação coletiva e impedido a sua autodeterminação.
Enquanto Israel vetava a inclusão do Hamas numa coligação da AP, os
Estados Unidos sujeitaram-no a um boicote. O Congresso exerceu o poder
orçamental para impedir que fundos americanos fossem para o Hamas ou
para qualquer organismo da AP de que ele fizesse parte. Fontes de
financiamento para os palestinianos, como a Fundação Ford, obrigaram
várias ONG a ultrapassarem vários obstáculos legalmente impostos para
garantirem que nenhum apoio era concedido a qualquer projeto
relacionado, ainda que remotamente, com o Hamas. Abraham Foxman,
diretor da ferozmente pró-israelita Liga Anti-Difamação, foi inclusive
chamado a aprovar os beneficiários palestinianos da generosidade de
Ford. O resultado foi o previsível: Ford deixou efetivamente de financiar
ONG palestinianas, o que servia justamente os objetivos de Israel.
Entretanto, sob a Lei Patriótica dos EUA de 2001, o «apoio material
ao terrorismo» tinha uma definição tão ampla no caso palestiniano que
praticamente qualquer contacto com uma organização que estivesse
associada a um grupo incluído na lista negra, como era o caso do Hamas e
da FPLP, podia ser considerado um grave ato criminoso envolvendo
pesadas penas. A diabolização da OLP ao longo das décadas posteriores à
década de 1960 repetia-se agora com o Hamas. Ainda assim, mesmo com
os atentados suicidas, com os ataques contra civis, em violação das leis
internacionais, e com o grosseiro antissemitismo dos seus estatutos, o
histórico do Hamas era uma pálida sombra quando comparado ao enorme
número de baixas civis palestinianas infligidas por Israel e pelas suas
elaboradas estruturas de discriminação legal e domínio militar. Mas foi ao
Hamas que foi colado o rótulo de terrorista, e o peso da lei americana foi
aplicado unicamente ao lado palestiniano do conflito.
À luz desta campanha implacável, o colapso das tentativas de criar um
compromisso para um governo de coligação, apesar da exigência popular
de uma reconciliação nacional palestiniana, não deveria ter sido motivo de
surpresa. A pressão exercida sobre a Fatah pelos financiadores ocidentais
e árabes para que esta rejeitasse o Hamas revelou-se demasiado grande
para as velhas mãos da Fatah na Autoridade Palestiniana, que não queriam
desistir do seu poder nem dos consideráveis benefícios materiais de que
gozavam na bolha dourada de Ramallah. Preferiam uma cisão ruinosa na
sociedade palestiniana a resistirem a um inimigo muito mais forte e a
arriscarem os seus privilégios. O que foi surpreendente, porém, foi a
tentativa falhada das forças de segurança da Faixa de Gaza, treinadas
pelos Estados Unidos e controladas pela Fatah, sob ordens do seu
comandante Muhammad Dahlan, de depor o Hamas à força. Em 2007, o
Hamas realizou um contragolpe, vencendo rapidamente as forças de
Dahlan nos intensos combates que se seguiram. O grande fosso entre os
dois lados, que remontava à repressão do Hamas maioritariamente pela
Fatah, em meados da década de 1990, ampliava-se agora ainda mais com
o sangue copiosamente derramado por ambos os lados na Faixa de Gaza.
O Hamas procedeu então à criação da sua própria Autoridade Palestiniana
em Gaza, enquanto a jurisdição da AP sediada em Ramallah, por assim
dizer, encolheu, estendendo-se por menos de 20 por cento da Margem
Ocidental, a área onde as forças militares israelitas lhe permitiam operar.
De modo absurdo, os palestinianos sob ocupação tinham agora não uma
autoridade essencialmente impotente, mas duas.
Com o Hamas agora a controlar a Faixa de Gaza, Israel impôs-lhe um
verdadeiro cerco. Os bens a entrar na faixa foram reduzidos ao mínimo; as
exportações regulares completamente interrompidas; o abastecimento de
combustível foi cortado; e entrar e sair de Gaza raramente era permitido.
Gaza transformou-se, na prática, numa prisão ao ar livre, onde em 2018
pelo menos 53 por cento dos cerca de dois milhões de palestinianos
viviam em situação de pobreza,24 estando o desemprego nuns
surpreendentes 52 por cento, com taxas muito superiores para os jovens e
para as mulheres.25 O que começara com a recusa internacional em
reconhecer a vitória do Hamas nas eleições levara a uma desastrosa rutura
palestiniana e ao bloqueio de Gaza. Esta série de acontecimentos
constituiu uma nova declaração de guerra contra os palestinianos.
Possibilitou também a indispensável cobertura internacional para a guerra
aberta que estava para chegar.
Israel conseguiu tirar partido da profunda divisão entre os
palestinianos e do isolamento de Gaza para lançar três brutais ataques
aéreos e terrestres sobre a faixa, que começaram em 2008 e continuaram
em 2012 e 2014, deixando grandes áreas das suas cidades e campos de
refugiados em ruínas e a debaterem-se com sucessivos apagões e água
contaminada.26 Alguns bairros, como Shuja’iyya e partes de Rafa,
sofreram níveis assombrosos de destruição. Os números de baixas contam
apenas parte da história, apesar de serem reveladores. Nestes três grandes
ataques, foram mortos 3 804 palestinianos, dos quais quase mil eram
menores. Um total de 87 israelitas foram mortos, na sua grande maioria
pessoal militar envolvido nestas operações ofensivas. A escala desigual de
43:1 destas baixas é reveladora, tal como o facto de a maioria dos
israelitas mortos serem soldados, enquanto a maioria dos palestinianos
eram civis.27
Não seria, porém, possível saber disto a partir de grande parte da
cobertura mediática convencional dos Estados Unidos, que se concentrava
fortemente no lançamento de mísseis por parte do Hamas e da Jihad
Islâmica contra alvos civis israelitas. É certo que o uso destas armas
obrigou a população israelita do sul do país a passar longos períodos de
tempo em abrigos antiaéreos. Mas, graças ao excelente sistema de pré-
aviso de Israel, à tecnologia antimíssil de última geração fornecida pelos
americanos, e à sua rede de abrigos, só raramente os mísseis se revelavam
letais. Em 2014, os 4 000 mísseis que Israel afirmava terem sido
disparados a partir da Faixa de Gaza mataram cinco civis israelitas, um
deles um beduíno da região do Naqab (Negev), e um trabalhador agrícola
tailandês, num total de seis mortes civis.28 Isto não atenua a violação das
leis da guerra por parte do Hamas, ao utilizar essas armas imprecisas para
ataques indiscriminados a áreas civis. Mas o número de baixas conta uma
história diferente da que resultou do quase absoluto foco mediático nos
mísseis do Hamas. A cobertura conseguiu encobrir a extrema
desproporcionalidade desta guerra desigual: um dos mais poderosos
exércitos do planeta utilizou toda a sua força contra uma área cercada de
cerca de trezentos e sessenta quilómetros quadrados, um dos enclaves
mais densamente povoados do mundo e cuja população não tinha forma
de escapar à chuva de fogo e aço.

Os pormenores específicos do ataque de 2014 salientam este ponto:


durante um período de cinquenta e um dias, em julho e agosto de 2014, a
força aérea israelita lançou mais de 6 000 ataques aéreos, enquanto o seu
exército e a sua marinha dispararam cerca de 50 000 granadas de artilharia
e obuses. Ao todo, utilizaram um valor estimado de 21 quilotoneladas (21
000 toneladas, ou 21 000 000 quilogramas) de explosivos de alta potência.
O ataque aéreo envolveu armas que iam desde drones armados e
helicópteros americanos Apache equipados com mísseis Hellfire de
fabrico americano a caças-bombardeiros americanos F-16 e F-15
carregados com bombas de duas mil libras. Segundo o comandante da
força aérea israelita, ocorreram várias centenas de ataques destas
sofisticadas aeronaves contra alvos em Gaza, muitos dos quais utilizando
estas poderosas bombas.29 A explosão de uma bomba de duas mil libras
produz uma cratera de sensivelmente quinze metros de diâmetro e onze
metros de profundidade, e projeta fragmentos letais num raio de quase
quatrocentos metros. Uma ou duas destas bombas podem destruir um
prédio de vários andares inteiro, tendo muitas delas sido lançadas sobre a
cidade de Gaza na fase final da campanha aérea israelita em finais de
agosto.30 Não há qualquer registo público de quantos destes monstros
foram largados, ao certo, sobre a Faixa de Gaza, ou se foi utilizada
artilharia ainda mais pesada.
Além do bombardeamento aéreo, de acordo com um relatório
publicado pelo comando logístico israelita em meados de agosto de 2014,
bem antes de o cessar-fogo final ter sido estabelecido no dia 26 de agosto,
49 000 granadas de artilharia foram disparadas contra a Faixa de Gaza,31 a
maioria a partir de obuses M109A5 155mm de fabrico americano. As suas
granadas de 45 quilos têm um raio de atuação letal de cerca de 50 metros e
infligem baixas num diâmetro de cerca de 200 metros. Israel possui 600
destas peças de artilharia, e 175 armas americanas M107 de 175mm, que
têm um maior alcance e disparam granadas ainda mais pesadas, com mais
de 65 quilos. Basta um exemplo da utilização, por Israel, destas armas
letais no campo de batalha para mostrar a enorme desproporcionalidade da
guerra em Gaza.
Nos dias 19 e 20 de julho de 2014, elementos das brigadas de elite
Golani, Givati e de paraquedistas lançaram um ataque em três eixos ao
bairro de Shuja’iyya, na cidade de Gaza. A brigada Golani, em particular,
deparou-se com uma feroz e inesperada resistência que resultou na morte
de treze soldados israelitas e talvez numa centena de feridos. Segundo
fontes militares americanas, onze batalhões de artilharia israelitas,
equipados com pelo menos 258 dessas armas de 155mm e 175mm,
dispararam mais de 7 000 granadas apenas contra esse bairro durante um
período de vinte e quatro horas, incluindo 4 800 granadas só no espaço de
sete horas. Um oficial superior do Pentágono «com acesso aos relatórios
diários» descreveu a escala do poder de fogo como «massiva» e
«mortífera», observando que, normalmente, o exército dos Estados Unidos
utilizaria uma quantidade tão «grande» de fogo para apoiar duas divisões
inteiras compostas por 40 000 tropas (talvez dez vezes o tamanho da força
israelita a atacar em Shuja’iyya). Outro oficial, um antigo comandante de
artilharia americano, calculou que as forças militares dos EUA só
utilizariam aquele número de armas para apoiar uma unidade militar de
várias divisões. Um general americano na reforma descreveu o
bombardeamento israelita – utilizado para massacrar um bairro de Gaza
durante mais de vinte e quatro horas, juntamente com fogo de tanques e
ataques aéreos – como «absolutamente desproporcionado».32
As peças de artilharia que foram utilizadas neste ataque destinam-se a
disparos em áreas letais através de um amplo raio, contra fortificações,
veículos blindados e tropas entrincheiradas protegidas por equipamentos
de proteção e capacetes. Embora possam disparar munições de precisão,
são intrinsecamente imprecisas ao serem utilizadas contra um bairro
densamente povoado como Shuja’iyya. E qualquer ataque aéreo que
largue bombas de duas mil libras sobre áreas urbanizadas, como são as de
Shuja’iyya, Beit Hanoun, Khan Yunis e Rafa, causará necessária e
inevitavelmente pesadas baixas civis e enormes estragos.33 É impossível
não o fazer.
Isto é particularmente verdade num local tão superlotado como a Faixa
de Gaza, onde as pessoas não têm para onde fugir mesmo que recebam um
aviso prévio de que as suas casas estão prestes a serem destruídas. Além
dos horríveis ferimentos que infligem no corpo humano, os
bombardeamentos aéreos e o fogo de artilharia a esta escala causam uma
destruição inimaginável em termos de propriedade: no ataque de 2014,
mais de 16 000 edifícios ficaram inabitáveis, incluindo bairros inteiros.
Um total de 277 escolas da ONU e do governo, dezassete hospitais e
clínicas, e todas as seis universidades de Gaza sofreram danos, bem como
mais de 40 000 outros edifícios. Cerca de 450 000 habitantes de Gaza,
mais ou menos um quarto da população, foram obrigados a deixar as suas
casas, ficando muitos deles sem um lar para onde regressar no final.
Não foram acontecimentos aleatórios, nem os deploráveis danos
colaterais muitas vezes lamentados durante uma guerra. As armas
escolhidas eram letais, destinadas a uma utilização em campo aberto, e
não num ambiente urbano densamente povoado. Além disso, a escala da
ofensiva estava totalmente em linha com a doutrina militar israelita. A
morte e mutilação em 2014 de cerca de 13 000 pessoas, na sua maioria
civis, e a destruição das casas e propriedades de centenas de milhares,
foram intencionais, fruto de uma estratégia explícita adotada pelas forças
militares israelitas pelo menos desde 2006, quando utilizaram essas táticas
no Líbano. A doutrina Dahiya, como é conhecida, tem o nome do
subúrbio no sul de Beirute – al-Dahiya – que foi destruído pela força aérea
israelita utilizando bombas de duas mil libras e outros tipos de artilharia.
Esta estratégia foi explicada em 2008 pelo major-general Gadi Eizenkot,
então chefe do Comando Norte (e posteriormente Chefe do Estado-Maior
israelita):

O que aconteceu no bairro de Dahiya… acontecerá em todas as aldeias que dispararem


contra Israel… Aplicar-lhes-emos uma força desproporcionada e causaremos aí grandes
danos e destruição. Do nosso ponto de vista, não são aldeias civis, mas sim bases
militares… Não é uma recomendação. É um plano. E foi aprovado.34

Em 2014, foi precisamente este o raciocínio por trás do terceiro ataque


de Israel a Gaza num período de seis anos, segundo correspondentes
militares e analistas de segurança israelitas.35 Foram, no entanto, poucas
as referências à doutrina Dahiya nas declarações de políticos americanos
ou nas reportagens sobre a guerra de grande parte dos meios de
comunicação convencionais dos EUA, apesar de ser, na prática, menos
uma abordagem estratégica e mais um plano de castigo coletivo, o que
envolve prováveis crimes de guerra.
Existem várias razões para o silêncio de Washington e dos meios de
comunicação. A Lei do Controlo de Exportação de Armas de 1976
especifica que as armas fornecidas pelos americanos devem ser utilizadas
«para legítima defesa».36 Dada esta cláusula, a frase proferida pelos
oficiais americanos, a começar pelo próprio presidente – que descreve as
operações em Gaza como legítima defesa – pode ter resultado de um
aconselhamento jurídico com vista a evitar responsabilidades e possíveis
acusações de crimes de guerra, juntamente com os oficiais israelitas que
deram as ordens e os soldados que largaram as bombas. Também a
comunicação social raramente refere esta importante consideração legal,
possivelmente por preconceito, ou para proteger os políticos que de outro
modo seriam envolvidos, ou para evitar os ataques aos meios de
comunicação que geralmente se seguem após a mais ligeira crítica a
Israel.
Resta a questão da proporcionalidade, que é crucial para determinar se
certos atos de guerra chegam ao nível de crimes de guerra. As palavras do
próprio Eizenkot e a atuação das forças sob o seu comando em 2006, e
posteriormente estes ataques em Gaza, parecem demonstrar claramente
uma desproporcionalidade intencional da parte de Israel. Isto é
confirmado pela natureza do armamento de combate utilizado por Israel
em áreas urbanas densamente povoadas e pela flagrante desproporção de
poder de fogo entre as duas partes.
Terão o Hamas e a Jihad Islâmica sido também responsáveis por
possíveis crimes de guerra ao visarem uma população civil? Pondo de
parte a distinção vital entre a força utilizada por um exército ocupante e a
empregada por grupos entre o povo ocupado, todos os combatentes têm de
obedecer às leis da guerra e às outras determinações da lei internacional.
Apesar de poderem ser mortíferos, poucos dos mísseis disparados para o
Sul de Israel tinham sofisticados sistemas de orientação e não eram
munições de precisão. Assim, a sua utilização foi geralmente
indiscriminada, e pode ser entendida como tendo visado civis em grande
parte dos casos.
Nenhum dos mísseis tinha, ainda assim, uma ogiva do tamanho ou a
letalidade dos mais de 49 000 projéteis disparados pelos tanques e pela
artilharia de Israel em 2014. Os mísseis soviéticos Grad ou Katyusha de
122mm, geralmente utilizados pelo Hamas e pelos seus aliados,
continham normalmente uma ogiva de 20 ou 30 quilos (comparativamente
aos 44 das granadas de 155mm), ainda que muitos fossem equipados com
ogivas mais pequenas para aumentarem o seu alcance. Grande parte dos
mísseis Qassam caseiros utilizados tinham ogivas consideravelmente mais
pequenas. Ao todo, é provável que os 4 000 mísseis Qassam, Katyusha,
Grad e outros que foram disparados da Faixa de Gaza e chegaram a Israel
(muitos eram tão imprecisos e mal fabricados que ficavam aquém e caíam
na faixa) tenham tido um poder explosivo total inferior ao de uma dúzia
de bombas de duas mil libras.
Ainda que a chuva de mísseis lançada pelo Hamas e pelos seus aliados
tivesse inquestionavelmente ao seu alcance um poderoso efeito
psicológico nos civis (o efeito é paradoxalmente aumentado pela sua falta
de precisão), estas armas não eram muito potentes. Ainda assim, a morte
de várias dezenas de civis em Israel ao longo do anos, de 2008 a 2014,
atinge provavelmente o nível de crime de guerra. O que dizer então da
morte só em 2014 de pelo menos dois mil civis não envolvidos em
combates, incluindo cerca de 1 300 mulheres, crianças e idosos? Vários
anos após a última destas guerras em Gaza, é evidente que os
responsáveis, protegidos pelos seus patrocinadores americanos, gozarão
provavelmente de impunidade pelas suas ações.
A selvática desproporcionalidade foi, ainda assim, notada em alguns
quadrantes. Ainda que o apoio incondicional a Israel se tenha consolidado
entre certos grupos em resultado da cobertura mediática dos
bombardeamentos de 2014 – entre os cristãos evangélicos e os setores
mais velhos, mais ricos e mais conservadores da comunidade judaica – as
críticas públicas a Israel aumentaram entre os indivíduos mais jovens e
progressistas, entre os membros de minorias, as comunidades protestantes
liberais e entre alguns judeus reformistas, conservadores e não filiados.
Em 2016, os números que apontavam para uma mudança nesse sentido (e
para um endurecimento paralelo das opiniões em apoio a Israel entre
outros grupos) eram já impressionantes.
Uma sondagem divulgada pela Brookings Institution em dezembro de
2016 mostrava que 60 por cento dos democratas e 46 por cento de todos
os americanos apoiavam sanções contra Israel devido à sua construção de
colonatos judaicos ilegais na Margem Ocidental. A maioria dos
democratas (55 por cento) acreditava que Israel tinha demasiada
influência na política e nas decisões dos EUA e era um peso estratégico.37
Uma sondagem do Pew Research Center realizada nesse mesmo ano
mostrou que a proporção de pessoas nascidas após 1980 e de democratas
solidários com os palestinianos estava a crescer comparativamente à dos
simpatizantes de Israel.38 Uma sondagem da Pew divulgada em janeiro de
2018 mostrou uma aceleração desta tendência: os democratas estavam
quase tão inclinados para apoiar os palestinianos como para apoiar Israel,
ao passo que dois terços dos democratas liberais simpatizavam mais com
os palestinianos do que com os israelitas.39 Uma sondagem da Pew de
abril de 2019 revelou que a profunda divisão partidária entre Israel e a
Palestina se tinha acentuado ainda mais. Quando questionados sobre se
preferiam o povo palestiniano ao israelita ou vice-versa, ou se apoiavam
ambos, 58 por cento dos democratas responderam que apoiavam ambos os
povos ou os palestinianos, enquanto 76 por cento dos republicanos
apoiavam ambos os povos ou os israelitas. Entretanto, 61 por cento dos
republicanos tinham uma opinião favorável sobre o governo israelita, mas
apenas 26 por cento dos democratas partilhavam dessa opinião.40 Vistos
em conjunto, eram números sem precedentes.
Assim, as guerras em Gaza juntaram-se à guerra de 1982 no Líbano e
à Primeira Intifada como pontos de viragem cruciais numa mudança em
curso relativamente à forma como os palestinianos e Israel eram vistos
pelos americanos. Não foi uma linha ascendente suave, mas mais um
fluxo e refluxo, dado o impacto dos atentados suicidas durante a Segunda
Intifada e principalmente a eficácia inalterada do incessante proselitismo
israelita. Mas a inconfundível vaga de sentimento crítico aumentou
sempre após uma série de imagens horripilantes, e a realidade que estas
representam quebrou a densa barreira de defesa cuidadosamente erigida
para proteger o comportamento de Israel e esconder essa realidade.

Apesar da lenta, mas constante, mudança na opinião pública americana


relativamente à Palestina e a Israel nos últimos anos, foram poucas as
mudanças visíveis no âmbito da política dos EUA, na nova legislação e no
discurso político em geral. Uma das razões para tal prende-se com o
controlo da Casa Branca por parte do Partido Republicano durante todos
os anos, exceto oito, desde 2000, do Senado desde 2010, da Câmara dos
Representantes entre 2014 e 2018, e de todos os ramos do governo entre
2016 e 2018. As bases do partido, principalmente os evangélicos – que
são o seu cerne em muitas regiões, mais velhos, mais brancos e com uma
maior probabilidade de serem conservadores e do sexo masculino –
apoiavam fervorosamente as mais agressivas políticas israelitas. A maioria
dos dirigentes republicanos eleitos refletia fielmente o fervor dessa base,
bem como o dos conservadores que financiavam o partido, muitos dos
quais, como Sheldon Adelson e Paul Singer (que, entre ambos, doaram
mais de 100 milhões de dólares aos republicanos durante o ciclo eleitoral
de 2016), se têm dedicado vigorosamente a uma abordagem ainda mais
radical relativamente a Israel. Além disso, a islamofobia, a xenofobia e a
visão agressiva do papel da América no mundo de grande parte das bases
republicanas e da liderança do partido tinham o mesmo espírito que o
primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu e o seu governo de
direita. Na verdade, isto ficou bem patente na receção extática com que
Netanyahu foi agraciado ao falar perante duas sessões conjuntas diferentes
de um Congresso dominado pelos republicanos, em 2011 e 2015. Só
Winston Churchill, que falou ao Congresso em 1941, 1943 e 1952, tivera a
honra de proferir mais do que um desses discursos.
O caso do Partido Democrata relativamente a Israel e à Palestina tem
sido mais complicado e contraditório. A mudança em grande parte das
bases do partido ocorreu principalmente entre os seus setores mais jovens,
minoritários e liberais (representando o seu futuro); não se refletiu nas
opiniões da liderança do partido nem da maioria dos seus dirigentes
eleitos e grandes financiadores (representando o seu passado). A dinâmica
em curso era tanto geracional como racial e de classe, e influenciada
também pelos grandes financiadores do partido e por poderosos grupos de
pressão, como a AIPAC.
As sondagens mostram que as opiniões sobre a Palestina e Israel estão
muitas vezes estritamente correlacionadas com a idade: as pessoas mais
velhas tendem a ser mais conservadoras e convencionais, e em 2019 os
líderes do Partido Democrata eram Nancy Pelosi, de 78 anos, Charles
Schumer, de 68, e uma máquina partidária dominada pelos Clinton, ambos
na ordem dos setenta. Todos eles são ricos, Pelosi é-o extraordinariamente
(é um dos membros mais ricos do Congresso, com um património líquido,
juntamente com o marido, alegadamente superior a 100 milhões de
dólares). Com a incessante angariação de fundos, que é a principal
preocupação dos políticos americanos, e a viragem à direita dos
democratas em finais da década de 1980, o partido tornou-se mais
favorável e atrativo para os interesses financeiros. Consequentemente, as
opiniões dos financiadores passaram a ser mais importantes para os líderes
do partido e para os seus dirigentes eleitos do que as das suas bases ou
eleitores. E muitos dos maiores financiadores do partido, como o magnata
da comunicação social Haim Saban, e outros das indústrias da alta
tecnologia, do entretenimento e do setor financeiro, continuavam, de
forma inabalável, comprometidos com Israel, apesar dos seus excessos.
Os democratas estavam, pois, divididos entre as inclinações dos seus
líderes mais velhos e de muitos grandes financiadores para apoiarem
qualquer ação do governo israelita, e as bases do partido, que começavam
a insistir fortemente numa mudança. Isto foi evidente nas posições atípicas
sobre Israel e a Palestina adotadas pelo candidato presidencial Bernie
Sanders durante a campanha para as primárias democratas de 2016 e nas
lutas pela plataforma do partido na convenção desse ano. A divisão ficou
igualmente patente na luta pela liderança do partido que se seguiu às
eleições de 2016, com o principal candidato, o deputado Keith Ellison, a
ser alvo de calúnias e insinuações em parte devido à sua posição aberta
sobre a Palestina. Que os esforços para mudar a linha do Partido
Democrata em relação à Palestina tiveram efetivamente pouco impacto foi
visível no apoio de ambos os partidos aos mais de quatro mil milhões de
dólares de assistência militar anual concedidos a Israel, bem como a um
conjunto de leis que prejudicavam os palestinianos. Ainda assim, foi
possível vislumbrar uma pequena mudança no Congresso na forma de um
projeto de lei copatrocinado por trinta membros da Câmara dos
Representantes em novembro de 2017, e reintroduzido em abril de 2019
como HR 2407, que procurava garantir que a ajuda dos Estados Unidos
não apoiaria os maus-tratos e o encarceramento de crianças palestinianas
por parte das forças de segurança israelitas, dez mil das quais tinham sido
detidas pelas forças de ocupação desde o ano 2000.41
Ainda que estas realidades políticas possam explicar muita coisa,
sobretudo no que à legislação e à retórica política diz respeito, são pouco
esclarecedoras quanto à definição de políticas. Na elaboração da política
externa dos EUA, o ramo executivo tem tradicionalmente muita liberdade.
Não está necessariamente tão condicionado como o Congresso, cujos
membros são assombrados pelo ciclo eleitoral e pela angariação de fundos
que este exige. Com efeito, já por repetidas vezes os presidentes
americanos agiram livremente, sem grande consideração pelos protestos
de Israel e pelos dos seus apoiantes, quando entenderam estarem em jogo
interesses vitais e fundamentais dos EUA. Uma falsa narrativa diria que a
influência de Israel e dos seus apoiantes na política do Médio Oriente é
sempre fundamental, mas isto só é verdade quando os decisores políticos
não consideram que estejam em causa interesses estratégicos vitais dos
EUA, e quando as considerações políticas internas são particularmente
importantes, como por exemplo em ano de eleições presidenciais.
São inúmeros os exemplos de momentos em que os Estados Unidos
suplantaram a forte resistência israelita para servir os supostos interesses
de Washington: durante a Guerra do Suez, em 1956, os EUA opuseram-se
à ofensiva contra o Egito por ser contrária aos seus interesses na Guerra
Fria; no final da Guerra de Desgaste de 1968-70, ao longo do Canal do
Suez, os Estados Unidos impuseram um cessar-fogo em prejuízo
estratégico de Israel para evitar um confronto EUA-URSS; e entre 1973 e
1975, Kissinger impôs três acordos de retirada que implicaram a remoção
de tropas israelitas, apesar dos violentos protestos de Israel. Deu-se o caso
de a maioria destas ações ter acabado por servir também os interesses de
Israel a longo prazo, apesar das pouco clarividentes objeções dos seus
líderes. Outros exemplos vão desde a lucrativa venda de armas
sofisticadas à Arábia Saudita, apesar da veemente oposição de Israel e do
seu grupo de pressão em Washington, ao acordo nuclear com o Irão,
negociado pelo presidente Barack Obama, contra a hostilidade de
Netanyahu e dos seus apoiantes no Congresso. A questão é que sempre
que os interesses vitais dos EUA parecem estar em jogo em Washington,
os presidentes americanos têm agido sem hesitação ao serviço desses
mesmos interesses, prestando apenas uma atenção limitada às
preocupações de Israel.
No que toca à Palestina, porém, e a uma pacificação entre
palestinianos e israelitas, que implica necessariamente concessões por
parte destes últimos, não parece haver grandes interesses estratégicos ou
económicos em jogo para os EUA, nem nenhuma forma de contrabalançar
a constante oposição de Israel e dos seus apoiantes, que é inevitavelmente
maior nesta questão do que em qualquer outra.42 Os presidentes dos
Estados Unidos, de Truman a Donald Trump, têm-se mostrado relutantes
em entrar neste círculo de antagonismo, permitindo assim, de modo geral,
que seja Israel a ditar o ritmo dos acontecimentos e até as posições dos
EUA em questões relativas à Palestina e aos palestinianos.
Poder-se-ia argumentar que esta permissiva atitude americana para
com o comportamento de Israel – ocasionalmente mascarada por uma
oposição assertiva a medidas específicas, que raras vezes alterou a
situação no terreno – compromete os interesses dos Estados Unidos no
Médio Oriente, dado o apoio generalizado aos palestinianos por parte das
populações do mundo árabe.43 Mas há anos que o Médio Oriente é
governado pela maior concentração de regimes autocráticos do mundo.
Além disso, os Estados Unidos nunca apoiaram o avanço da democracia
no Médio Oriente de forma sustentada, preferindo lidar com as ditaduras e
monarquias absolutas que controlam a maior parte dos países. Estes
regimes antidemocráticos têm sido historicamente subservientes para com
os Estados Unidos e valiosos clientes das suas indústrias de defesa,
aeroespacial, petrolífera, bancária e imobiliária. Geralmente, agem ao
arrepio da sua própria opinião pública pró-palestiniana, protegendo assim
Washington de qualquer repercussão pelo seu apoio à ocupação e
colonização da Palestina por parte de Israel.
Neste aspeto, o país crucial tem sido a Arábia Saudita, que desde 1948
tem defendido publicamente a causa palestiniana, muitas vezes dando
apoio financeiro à OLP, mas pouco ou nada fazendo entretanto para
pressionar os Estados Unidos a alterar as suas políticas favoráveis a Israel.
A passividade da monarquia saudita remonta pelo menos a agosto de
1948, quando o Secretário de Estado George Marshall agradeceu ao rei
‘Abd al-‘Aziz ibn Sa’ud pelos «modos conciliadores» do reino
relativamente à Palestina. Isto foi no auge da guerra de 1948, após tropas
israelitas terem invadido a maior parte do país e expulsado grande parte da
população palestiniana.44 A Arábia Saudita tornou-se muito mais influente
na região após a derrota do Egito em 1967 e a torrente de dinheiro do
petróleo que começou a entrar nos cofres do reino a partir de 1973, mas
pouco mudou, de resto, na sua atitude aquiescente para com Israel nas
décadas entretanto decorridas.
Esta dinâmica tornou-se visível durante a administração de George W.
Bush, quando tanto os restantes arabistas como os «negociadores do
processo de paz» foram, essencialmente, afastados das decisões políticas
no Médio Oriente. Bush, Cheney e Rumsfeld apoiaram-se antes numa
equipa de neoconservadores intransigentes e fervorosamente pró-
israelitas, como Paul Wolfowitz, Richard Perle, Douglas Feith e Lewis
«Scooter» Libby, muitos deles repetentes da administração Reagan.
Excluíram sistematicamente aqueles que estavam familiarizados com a
região de qualquer envolvimento nas decisões fundamentais, fossem elas
relativamente à Palestina, à desastrosa guerra que tinham lançado no
Iraque ou à «Guerra ao Terror», que foi quase totalmente travada no
Médio Oriente e noutras partes do mundo muçulmano. Em Washington, o
governo de Sharon conseguiu vender sagazmente a sua campanha contra a
violenta Segunda Intifada palestiniana como parte integrante desta última
guerra, e vender-se também como um aliado vital, proporcionando ao
mesmo tempo, de forma interesseira, grande parte da fraca justificação
intelectual para esta cruzada ideológica. Em troca, em 2004, Bush aceitou
a inclusão de blocos de colonatos – «grandes centros populacionais
israelitas já existentes» – dentro das fronteiras de Israel no contexto de um
acordo definitivo de paz.45 Bush apoiou também a súbita decisão de
Sharon de realizar uma retirada unilateral de tropas e colonos israelitas da
Faixa de Gaza em 2005. Israel fez isto sem qualquer coordenação com os
palestinianos, mantendo entretanto o controlo israelita sobre as entradas e
saídas da faixa, que continuou debaixo de cerco e não tardou a ser tomada
pelo Hamas. Isto preparou o terreno para a ronda seguinte de guerras em
Gaza.
O presidente que ocupou a Casa Branca durante os três ataques
israelitas a Gaza, Barack Obama, manteve o padrão dos seus antecessores.
A sua eleição tinha alimentado as esperanças de muitas almas confiantes
que acreditavam que um presidente dos EUA com Hussein como nome do
meio, que tinha sido fotografado com Edward Said, que fora meu vizinho
e colega na Universidade de Chicago, que declarara um «novo começo»
para os Estados Unidos no mundo muçulmano – iria certamente lidar de
forma diferente com a Palestina. Estas esperanças partiam do pressuposto
de que os presidentes têm uma liberdade de ação ilimitada. Mas, apesar da
margem considerável concedida ao poder executivo, há ainda o poder
obstinado da burocracia permanente, do homogéneo círculo de
especialistas a circular dentro e fora do governo, do Congresso e de outros
fatores estruturais e políticos.
Há também o poder do pensamento convencional sobre Israel e a
Palestina, arraigado nas lideranças de ambos os partidos políticos e nos
meios de comunicação convencionais, bem como o formidável poder do
lóbi israelita e o facto de não existir qualquer força compensatória eficaz
na política dos Estados Unidos. Qualquer simulacro de um lóbi árabe
nunca foi além de uma coleção de dispendiosas agências de relações
públicas, firmas de advogados, consultores e lobistas principescamente
pagos para proteger os interesses das elites cleptocráticas corruptas que
administram mal a maioria dos países árabes. Muitos destes governantes
ditatoriais estão em dívida para com os Estados Unidos e são valiosos
clientes dos interesses americanos nos setores da defesa, aeroespacial,
petrolífero, bancário e imobiliário, que têm grande influência em
Washington. Estas poderosas forças exercem também pressão em favor
dos cleptocratas árabes, mas não «dos árabes», se com isso nos quisermos
referir aos povos desses países.
Ainda assim, outro sinal de esperança foi a rápida nomeação por
Obama de George Mitchell como enviado especial para a paz no Médio
Oriente, em janeiro de 2009, encarregado de dar início a negociações
diretas entre israelitas e palestinianos com vista a um acordo final.
Mitchell era um negociador ao estilo de Cyrus Vance e James Baker: um
independente e experiente funcionário de Washington que, nessa fase
avançada da sua carreira, não estava dependente de Israel nem do seu lóbi.
Fora governador do Maine e líder da maioria no Senado; como enviado
especial do presidente Bill Clinton, negociara com sucesso o acordo de
Sexta-feira Santa na Irlanda do Norte, em 1998, chamando o IRA para as
negociações e envolvendo-o num acordo. Ao contrário dos profissionais
do processo de paz da era Clinton, Mitchell não aceitava as posições de
Israel como os limites da política americana e esforçou-se por enfrentar de
cabeça erguida os aspetos mais espinhosos das negociações: a suspensão
dos colonatos judaicos, o futuro de Jerusalém e o regresso dos refugiados
palestinianos. Baseando-se no seu sucesso com o IRA na Irlanda, sugeriu
envolver o Hamas no processo de negociação, algo que via como crucial
para uma solução abrangente, mas acabou por não ser bem-sucedido, em
grande medida devido à oposição israelita. Mas Mitchell teve uma
desvantagem específica: foi fragilizado no seio da própria administração
Obama. A figura crucial na sabotagem da missão de Mitchell foi, nem
mais nem menos, do que o inefável Dennis Ross.
Ross esteve fora do governo durante os anos de George W. Bush, mas
tinha feito campanha por Obama na Flórida e noutros locais, em 2008,
defendendo-o das acusações republicanas de apoiar insuficientemente
Israel. O recém-eleito presidente estava, pois, em dívida para com ele.
Para aplacar os que estavam insatisfeitos com a nomeação de Mitchell
(além da sua disponibilidade para lidar com o Hamas, Mitchell era, em
parte, de ascendência libanesa, o primeiro alto funcionário dos EUA com
essas origens a envolver-se no Médio Oriente desde Philip Habib), Ross
foi nomeado conselheiro especial da Secretária de Estado Hillary Clinton.
Era suposto concentrar-se no Golfo, mas rapidamente começou a
envolver-se nas negociações israelo-palestinianas, onde os israelitas o
viam como um interlocutor preferencial. Quando a interferência de Ross
nos esforços de Mitchell se tornou intolerável, uma vez que agia
repetidamente nas costas do enviado especial, estabelecendo canais
secundários secretos com os israelitas, Ross deixou o seu cargo em Foggy
Bottom, ficando, porém, em boa posição ao ocupar uma nova vaga no
Conselho de Segurança Nacional, onde estava ainda mais próximo do
presidente. Continuou a interferir no trabalho de Mitchell, fazendo
acordos paralelos com o governo de Netanyahu, enquanto a Autoridade
Palestiniana recusava qualquer contacto com ele devido ao seu manifesto
pendor pró-Israel.
Era uma luta desigual: Mitchell contra o lóbi israelita, o Congresso e
Netanyahu, enquanto Ross reunia o apoio dos seus patrocinadores para
agir nas costas do antigo senador. Em vez de enfrentar um único
representante do governo dos EUA, decidido a obter concessões de ambas
as partes, Israel podia usar o flexível e sempre condescendente Ross
contra Mitchell. Nesta situação, Israel pôde manter-se simplesmente de
braços cruzados, não sendo possíveis quaisquer progressos no sentido de
um acordo. O golpe de misericórdia acabou por ser aplicado a Mitchell
pelos seus antigos colegas do Congresso, que decretaram que envolver o
Hamas no processo de negociação era inaceitável e violava as leis dos
EUA.46 Israel vencera. O statu quo foi preservado, os palestinianos
continuaram divididos e Israel não foi obrigado a falar com o Hamas ou
sequer a negociar a sério, tudo sem ter tido de fazer grande esforço. Ross e
o Congresso tinham feito o trabalho de Israel por ele.
Embora Obama tivesse indicado que a questão palestiniana era uma
prioridade para a sua administração, a sua resposta às guerras em Gaza foi
uma medida mais verdadeira do seu compromisso. A primeira a ter lugar
durante o seu mandato teve início após a sua eleição, mas antes da sua
tomada de posse. Em momento algum, naquela altura ou posteriormente, o
presidente procurou contrariar a falsa narrativa segundo a qual o que
estava em curso na Faixa de Gaza durante estas ferozes investidas era uma
justa resposta ao lançamento de mísseis terroristas contra civis israelitas.
Em momento algum a sua administração interrompeu o fluxo de armas
americanas que foram utilizadas para matar cerca de três mil civis
palestinianos e mutilar muitos mais. Na verdade, as entregas eram
aceleradas quando Israel julgava necessário. Em momento algum Obama
confrontou decisivamente Israel acerca do seu cerco à Faixa de Gaza.
Devido às suas sugestões iniciais de uma mudança na parcialidade de
Washington em favor de Israel, Obama era profundamente detestado pelos
seus líderes de direita e pelos seus apoiantes americanos (sentimento esse
que era totalmente recíproco), mas acabou por não mudar nada na
Palestina. Apesar dos esforços infrutíferos de John Kerry, Secretário de
Estado de Obama, para resolver o conflito, a única marca deixada pela sua
administração foi a Resolução 2334 do Conselho de Segurança, aprovada
com uma maioria de 14-1 devido à abstenção dos Estados Unidos, que
classificava a atividade de colonização israelita na Margem Ocidental e
em Jerusalém Oriental como uma «flagrante violação» da lei internacional
«sem qualquer validade legal». Adotada em dezembro de 2016, quando
Obama era já um peso morto, a resolução não estipulava quaisquer
sanções ou medidas coercivas contra Israel. Tal como outras atitudes
declaratórias americanas, era uma resolução fraca, e não teve efeito
absolutamente nenhum sobre a situação no terreno. Obama foi
particularmente desafortunado na medida em que poucos meses após a sua
tomada de posse, Netanyahu, com quem as suas relações tinham passado
de gélidas a horríveis, tomou posse pela segunda vez, continuando a
desenvolver os seus estreitos laços com a oposição republicana ao
presidente. Por estas e muitas outras razões, Obama deixou a Casa Branca
em 2017 com o statu quo colonial de ocupação militar na Palestina e de
expansão dos colonatos judaicos intacto, e com as condições para os
palestinianos ainda piores do que aquando da sua tomada de posse oito
anos antes.
A lição é clara. Se Obama tivesse realmente considerado a questão da
paz entre palestinianos e israelitas como sendo uma prioridade – tão
importante como o acordo nuclear com o Irão – podia ter trabalhado no
sentido de a fazer aprovar contra a oposição do Congresso e os esforços da
AIPAC e do governo israelita, e talvez pudesse ter sido bem-sucedido. Em
prol de uma questão de suprema importância, a da guerra e paz com o
Irão, Obama foi capaz de enfrentar e vencer o lóbi israelita e os seus
patrocinadores em Israel. No entanto, aparentemente, de acordo com
presidente, romper o impasse na Palestina não constituía um interesse
estratégico americano suficientemente vital para comprometer o seu
prestígio, poder e capital político. A iniciativa de Mitchell morreu, pois,
discretamente em 2011, e os esforços de Kerry em 2016, e com eles a
perspetiva de realizar negociações entre Israel e os palestinianos a partir
de uma base inteiramente nova.
À passagem pelo centenário da guerra contra a Palestina, a metrópole
americana, base insubstituível para a liberdade de ação de Israel, estava
tão comprometida com o projeto colonial sionista como Lorde Balfour
tinha estado cem anos antes. O segundo século da guerra seria marcado
por uma nova e ainda mais destrutiva abordagem à questão da Palestina,
com os Estados Unidos em estreita coordenação com Israel e os seus
novos amigos das monarquias absolutas do Golfo.
Conclusão

Um Século de Guerra
aos Palestinianos

Em 1917, Arthur James Balfour afirmou que, na Palestina, o governo


britânico não se propunha «sequer a passar pela formalidade de consultar
os desejos dos atuais habitantes do território». As grandes potências
estavam comprometidas com o sionismo, prosseguiu, «e o sionismo,
esteja certo ou errado, seja bom ou mau, baseia-se em tradições ancestrais,
em necessidades presentes e em esperanças futuras cuja importância é
muito mais profunda do que os desejos e preconceitos dos 700 000 árabes
que hoje habitam nessa terra antiga».1 Cem anos depois, o presidente
Donald Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, dizendo:
«Tirámos Jerusalém de cima da mesa, por isso não temos de falar mais
sobre ela.» Trump disse a Benjamin Netanyahu: «Venceram num ponto, e
abdicarão de alguns numa negociação posterior, caso esta venha a
acontecer. Não sei se alguma vez acontecerá.»2 O centro histórico,
identitário, cultural e religioso dos palestinianos foi, pois, despachado
sumariamente sem que houvesse qualquer pretensão de consultar sequer
os seus desejos.
Durante todo o século transato, as grandes potências tentaram
repetidamente agir a despeito dos palestinianos, ignorando-os, falando por
eles ou por cima deles, ou fingindo que não existiam. No entanto, apesar
das enormes dificuldades que enfrentavam, os palestinianos revelaram
uma persistente capacidade de resistência a estes esforços para os
eliminarem politicamente e os dispersarem aos quatro ventos. Na verdade,
mais de 120 anos após o primeiro congresso sionista em Basileia e mais
de 70 após a criação de Israel, o povo palestiniano, que não esteve
representado em nenhuma dessas ocasiões, não devia constituir já
qualquer tipo de presença nacional. No seu lugar, devia erguer-se um
Estado judaico, incontestado pela população nativa que se destinava a
suplantar. Mas, apesar de todo o seu poder, das suas armas nucleares e da
sua aliança com os Estados Unidos, o Estado judaico é hoje, pelo menos,
tão contestado a nível global como em qualquer outro momento do seu
passado. A resistência dos palestinianos, a sua persistência e o seu desafio
às ambições de Israel são um dos fenómenos mais impressionantes da era
atual.
Ao longo das décadas, os Estados Unidos hesitaram, oscilando entre
uma defesa meramente verbal da existência dos palestinianos e a tentativa
de os excluir do mapa do Médio Oriente. A estipulação de um Estado
árabe na resolução de divisão de 1947 (apesar de nunca ter sido
implementada), a referência de Jimmy Carter a uma «pátria» palestiniana
e o apoio nominal a um Estado palestiniano por parte das administrações
entre Clinton e Obama foram artefactos desse apoio verbal. Existem
muitos mais exemplos de exclusão e eliminação americanas: o apoio de
Lyndon Johnson à UNSC 242; os anos de marginalização da OLP por
parte de Kissinger nas décadas de 1960 e 1970, e a sua furtiva guerra por
procuração contra ela; os acordos de Camp David em 1978; a luz verde da
administração Reagan à guerra de 1982 no Líbano; a falta de vontade dos
presidentes americanos, de Johnson a Obama, para travar o confisco e a
colonização israelitas de terras palestinianas.
Apesar da sua hesitação, os Estados Unidos, a grande potência
imperial da época, juntamente com a Grã-Bretanha antes deles, deram
todo o seu apoio ao movimento sionista e ao Estado de Israel. No entanto,
têm estado a tentar fazer o impossível: impor uma realidade colonial à
Palestina numa era pós-colonial. Eqbal Ahmad resumiu-o desta forma:
«Agosto de 1947 assinalou o início da descolonização, com o fim do
domínio britânico na Índia. Foi nesses dias de esperança e de realização
que a colonização da Palestina ocorreu. Assim, na aurora da
descolonização, fomos devolvidos à mais antiga e mais intensa forma de
ameaça colonial… o colonialismo de povoamento exclusivista.»3 Noutras
circunstâncias ou noutra era, talvez a substituição da população nativa
pudesse ter sido exequível, principalmente à luz da profunda e consagrada
ligação religiosa sentida pelos judeus ao território em questão – se
estivéssemos no século XVIII ou XIX, se os palestinianos fossem tão
poucos como os colonos sionistas ou tivessem sido totalmente dizimados
como os povos nativos da Australásia e da América do Norte. A
longevidade da resistência palestiniana à sua espoliação, contudo, indica
que o movimento sionista, nas palavras do falecido historiador Tony Judt,
«chegou demasiado tarde», uma vez que «importou um projeto separatista
típico de finais do século XIX para um mundo mais evoluído».4
Com a criação de Israel, o sionismo conseguiu desenvolver um
poderoso movimento nacional e um próspero novo povo na Palestina. Mas
não conseguiu suplantar totalmente a população original do país, que é o
que teria sido necessário para o derradeiro triunfo do sionismo. Os
conflitos coloniais com povos nativos terminaram sempre de uma de três
maneiras: com a eliminação ou subjugação total da população nativa,
como na América do Norte; com a derrota e expulsão do colonizador,
como na Argélia, o que é extremamente raro; ou com o abandono da
supremacia colonial, num contexto de compromisso e reconciliação, como
na África do Sul, no Zimbabué e na Irlanda.
Mantém-se a possibilidade de Israel poder tentar repetir as expulsões
de 1948 e 1967 e livrar-se de alguns ou de todos os palestinianos que
permanecem tenazmente na sua pátria. Transferências forçadas de
população por motivos sectários ou étnicos têm ocorrido no vizinho
Iraque desde a sua invasão pelos Estados Unidos, e na Síria após o seu
desabar na guerra e no caos. O Alto-Comissário da ONU para os
Refugiados comunicou em 2017 que havia um número recorde de sessenta
e oito milhões de pessoas e refugiados desalojados em todo o mundo.
Perante este horrível panorama regional e global, que pouca preocupação
suscita a nível internacional, pode parecer que há muito pouco a impedir
Israel de tal ação. Mas a luta feroz que os palestinianos travariam contra a
sua remoção, a intensa atenção internacional ao conflito e a força
crescente da narrativa palestiniana mitigam essa perspetiva.
Dada a clareza do que está envolvido numa limpeza étnica em situação
colonial (e não nas circunstâncias de uma confusa guerra civil e/ou por
procuração entrelaçada com uma extensa intervenção estrangeira, como na
Síria e no Iraque), uma nova vaga de expulsões não correria
provavelmente tão bem para Israel como correu no passado. Mesmo que
realizada sob uma grande guerra regional, uma medida dessas teria
potencial para causar danos fatais ao apoio do Ocidente a Israel, do qual
este depende. Ainda assim, há receios crescentes de que a expulsão se
tenha tornado mais possível nos últimos anos do que em qualquer altura
desde 1948, com nacionalistas religiosos e colonos a dominarem
sucessivos governos israelitas, planos de anexação explícitos para a
Margem Ocidental e importantes deputados israelitas a apelar à remoção
parcial ou total da população palestiniana. As políticas punitivas israelitas
estão atualmente voltadas para obrigarem o maior número possível de
palestinianos a sair do país, expulsando ao mesmo tempo alguns dos que
vivem na Margem Ocidental e no Negev dos seus lares e aldeias em Israel
através da demolição de casas, de falsas vendas de propriedades, da
reorganização de zonas e de uma miríade de outros esquemas. Vai apenas
um passo entre estas eficazes táticas de engenharia demográfica e uma
repetição das verdadeiras limpezas étnicas de 1948 e 1967. Ainda assim,
as probabilidades parecem estar para já contra a tomada de tal medida por
Israel.
Se a eliminação da população nativa não é um desfecho provável na
Palestina, o que dizer então do desmantelamento da supremacia do
colonizador de modo a tornar possível uma verdadeira reconciliação? A
vantagem de que Israel tem gozado na prossecução do seu projeto reside
no facto de a natureza essencialmente colonial do conflito na Palestina não
ser visível para a maioria dos americanos nem para muitos europeus.
Israel parece-lhes ser um Estado-nação tão normal e natural como
qualquer outro, confrontado com a hostilidade irracional de muçulmanos
intransigentes e muitas vezes antissemitas (que é como os palestinianos,
incluindo os cristãos entre eles, são vistos por muitos). A propagação
desta imagem foi um dos maiores feitos do sionismo e é crucial para a sua
sobrevivência. Como disse Edward Said, o sionismo triunfou em parte
porque «venceu a batalha política pela Palestina no mundo internacional,
em que estavam em causa as ideias, a representação, a retórica e as
imagens».5 Isto continua a ser essencialmente verdade hoje em dia.
Desmontar esta falácia e tornar evidente a verdadeira natureza do conflito
é um passo necessário para que palestinianos e israelitas possam transitar
para um futuro pós-colonial em que um dos povos não se sirva de apoio
externo para oprimir e suplantar o outro.
Sondagens recentes revelaram as mudanças que começam a ocorrer
entre alguns segmentos da opinião pública americana. Apesar de
encorajadoras para os defensores da liberdade palestiniana, não refletem a
posição da maioria dos americanos. Nem se baseiam necessariamente num
entendimento sólido da dinâmica colonial em ação no conflito. Além
disso, a opinião pública pode voltar a mudar. Recentemente, os
acontecimentos na Palestina inclinaram a balança da simpatia ligeiramente
a favor dos palestinianos, mas outros acontecimentos podem fazê-la
inclinar-se em sentido oposto, como aconteceu durante a Segunda
Intifada. Esforços abundantemente financiados têm sido lançados
precisamente para conseguirem essa inversão, nomeadamente difamando
os críticos de Israel como «antissemitas»,6 enquanto os esforços contrários
para fortalecer esta tendência positiva são, em comparação,
insignificantes.
A experiência das últimas décadas mostra que três abordagens se
revelaram eficazes para expandir a forma como a realidade na Palestina é
entendida. A primeira baseia-se na fértil comparação entre o caso da
Palestina e outras experiências coloniais de povoamento, sejam elas dos
povos ameríndios, dos sul-africanos ou dos irlandeses. A segunda,
relacionada com a primeira, envolve concentrarmo-nos no brutal
desequilíbrio de poder entre Israel e os palestinianos, algo que é
característico de todos os conflitos coloniais. A terceira, e talvez mais
importante, é chamar a atenção para a questão da desigualdade.
Demonstrar a natureza colonial do conflito tem-se revelado
extraordinariamente difícil, dada a dimensão bíblica do sionismo, que
mostra os recém-chegados como nativos e como proprietários históricos
da terra que colonizaram. Nesta perspetiva, a população original da
Palestina parece estranha ao ressurgimento pós-Holocausto de um Estado-
nação judaico com raízes no reino de David e Salomão: não passam de
intrusos indesejáveis neste cenário inspirador. Desafiar este mito épico é
particularmente difícil nos Estados Unidos, que estão impregnados de um
protestantismo evangélico que os torna especialmente suscetíveis a um tão
evocativo apelo de base bíblica e que se orgulham também do seu passado
colonial. A palavra «colonial» tem nos Estados Unidos uma valência
profundamente diferente da das suas associações nas antigas metrópoles
imperiais europeias e nos países que em tempos fizeram parte dos seus
impérios.
De igual modo, os termos «colono» e «pioneiro» têm conotações
positivas na história americana, resultantes da heroica lenda da conquista
do Oeste à custa da sua população nativa, tal como é projetada nos filmes,
na literatura e na televisão. Na realidade, existem paralelismos marcantes
entre estes retratos da resistência dos nativos americanos à sua espoliação
e a dos palestinianos. Ambos os grupos são retratados como retrógrados e
bárbaros, um obstáculo violento, sanguinário e irracional ao progresso e à
modernidade. Ainda que muitos americanos tenham começado a contestar
esta vertente da sua narrativa nacional, a sociedade israelita e os seus
apoiantes continham a celebrar a sua versão fundacional – de que
dependem, na verdade. Além disso, as comparações entre a Palestina e as
experiências dos nativos americanos ou dos afro-americanos são
delicadas, uma vez que os Estados Unidos ainda não reconheceram
plenamente estes capítulos negros do seu passado nem abordaram os seus
efeitos tóxicos no presente. Há ainda um longo caminho a percorrer para
mudar a consciência dos americanos relativamente à história da sua nação,
quanto mais no que toca à Palestina e a Israel, onde os Estados Unidos
desempenharam um tão importante papel de apoio.
A segunda via para alterar as perceções existentes sobre o conflito –
salientar o grande desequilíbrio entre os palestinianos e os poderes
mobilizados contra eles – envolve demonstrar que o movimento sionista
esteve quase sempre na ofensiva nos seus esforços para alcançar o
domínio sobre um território árabe. Apresentar esta realidade de outra
forma tem sido fundamental para a vantagem discursiva alcançada pelo
sionismo, em que Israel é David contra o Golias árabe/muçulmano. Uma
ficção mais recente mostra o conflito como um entre dois povos, ou até
dois Estados, numa luta igual, às vezes enquadrada como certo versus
certo. Mesmo assim, a versão aceite é a de que Israel sempre desejou a
paz, sendo, porém, rejeitada pelos palestinianos («não existe parceiro para
a paz», como diz a expressão, deixando os israelitas, as vítimas, a terem
de se defender contra o terrorismo injustificável e o lançamento de
mísseis). Na realidade, o movimento sionista, e depois o Estado de Israel,
sempre tiveram os grandes batalhões do seu lado, fossem eles o exército
britânico até 1939, o apoio dos EUA e da União Soviética em 1947-48, o
de França e Grã-Bretanha nas décadas de 1950 e 1960, ou a situação a
partir da década de 1970 e até aos dias de hoje, em que, além de receber
apoio ilimitado dos EUA, o poder militar de Israel eclipsa o dos
palestinianos, e o de todos os árabes juntos, na verdade.
É a questão da desigualdade que mais promissora se revela para
expandir o entendimento da realidade na Palestina. É também a mais
importante, uma vez que a desigualdade foi essencial para a criação de um
Estado judaico num território de avassaladora maioria árabe, e é vital para
a manutenção do domínio desse Estado. A desigualdade é tão crucial não
só por ser anátema para as sociedades equitativas e democráticas, com
cujo apoio o projeto sionista tem essencialmente contado, mas também
porque a igualdade de direitos é fundamental para uma justa e duradoura
solução de todo o problema.
Em Israel, certos direitos importantes estão reservados exclusivamente
aos cidadãos judeus, sendo negados aos 20 por cento de cidadãos que são
palestinianos. Claro que os cinco milhões de palestinianos a viver sob um
regime militar israelita nos Territórios Ocupados não têm direitos
nenhuns, enquanto os mais de meio milhão de colonos israelitas gozam aí
de plenos direitos. Esta sistemática discriminação étnica sempre foi um
aspeto central do sionismo, que aspirava por definição a criar uma
sociedade judaica e um regime com direitos nacionais exclusivos num
território de maioria árabe. Ainda que a Declaração de Independência de
Israel de 1948 proclamasse a «absoluta igualdade de direitos sociais e
políticos para todos os seus habitantes, independentemente de religião,
raça ou sexo»7, dezenas de leis cruciais com base na desigualdade de
direitos foram implementadas nos anos seguintes. Estas restringiam
gravemente ou proibiam por completo o acesso árabe a terras e residência
nas comunidades judaicas, formalizavam o confisco de propriedade
privada e coletiva (waqf) a não judeus, impediam a maioria dos
palestinianos locais que tinham sido transformados em refugiados de
regressarem a suas casas, dando entretanto direitos de cidadania aos
imigrantes judeus, e limitavam o acesso a muitos outros benefícios.
Este problema fulcral é hoje ainda mais claro, com uma população
árabe total na Palestina e em Israel, do rio Jordão até ao mar, que é igual
ou talvez ligeiramente superior à população judaica. Que a desigualdade é
a principal questão moral suscitada pelo sionismo, e que chega à raiz da
legitimidade de todo o projeto, é uma opinião que é partilhada por alguns
ilustres israelitas. Imaginando os eruditos a olharem para o passado daqui
a cem anos, o historiador Zeev Sternhell perguntou o seguinte: «Quando
foi exatamente que os israelitas entenderam que a sua crueldade para com
os não judeus sob o seu domínio nos Territórios Ocupados, a sua
determinação em destruir as esperanças de independência dos
palestinianos, ou a sua recusa em oferecer asilo aos refugiados africanos
começavam a comprometer a legitimidade moral da sua existência
nacional?»8
Durante décadas, os sionistas insistiram, remetendo frequentemente
para a declaração de independência do Estado, em como Israel podia ser, e
era, simultaneamente «judaico e democrático». À medida que as
contradições inerentes a esta formulação se iam tornando cada vez mais
evidentes, alguns líderes israelitas admitiram (chegando, na verdade, a
declarar com orgulho) que, se fossem obrigados a escolher, o aspeto
judaico teria prioridade. Em julho de 2018, o Knesset inscreveu essa
escolha na lei constitucional, adotando a «Lei Básica do Estado-Nação
Judaico», que instituía a desigualdade estatutária entre cidadãos israelitas
ao atribuir o direito de autodeterminação nacional exclusivamente ao povo
judeu, ao desvalorizar o estatuto do árabe e ao declarar a colonização
judaica um «valor nacional» com precedência sobre as demais
necessidades.9 A antiga Ministra da Justiça Ayelet Shaked, uma das mais
categóricas defensoras da supremacia judaica e uma das promotoras da lei,
apresentara francamente o caso alguns meses antes de a lei ter ido a
votação: «Existem locais onde o carácter do Estado de Israel enquanto
Estado judaico tem de ser preservado, e isso às vezes é feito à custa da
igualdade.»10 Acrescentou ainda: «Israel… não é um Estado de todas as
suas nações. Ou seja, direitos iguais para todos os cidadãos, mas não
direitos nacionais iguais.»
O resultado desta ideologia foi resumido nas palavras igualmente
categóricas de Miki Zohar, membro do Knesset pelo Likud. O
palestiniano, disse ele, «não tem direito à autodeterminação porque não é
proprietário da terra. Quero-o como residente devido à minha honestidade,
pois nasceu aqui, vive aqui, e jamais lhe diria para partir. Lamento dizê-lo,
mas sofrem de um grande defeito: não nasceram judeus.»11 Esta ligação
entre o direito exclusivo à terra e a pertença a um povo é fulcral para um
tipo específico de nacionalismo centro-europeu do estilo «sangue e terra»,
que constitui o plano de fundo de onde o sionismo brotou. Ao comentar
um esboço inicial da lei do Estado-Nação Judaico, Sternhell, cuja área de
especialização é o fascismo europeu, constatou que as ideias
constitucionais subjacentes à legislação estão em sintonia com as de
Charles Maurras, o antissemita e neofascista francês da década de 1930,
ou com as dos nacionalistas polacos e húngaros dos tempos modernos e
dos «mais puros e duros chauvinistas europeus». No entanto, acrescentou,
estão em total desacordo com as ideias liberais das revoluções francesa e
americana.12
Ao abraçar a sua essência intolerante e discriminatória, o sionismo
moderno está cada vez mais em contradição com os ideais, principalmente
o da igualdade, em que as democracias ocidentais se baseiam. Para os
Estados Unidos, o Canadá, a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha, que
prezam estes valores, ainda que muitas vezes só sejam honrados aquando
da sua violação, e que estão atualmente ameaçados por poderosas
tendências iliberais populistas e autoritárias de direita, este deveria ser um
assunto sério, sobretudo tendo em conta que Israel continua dependente do
apoio desses países ocidentais.
Finalmente, erradicar a desigualdade sistémica inerente ao sionismo é
crucial para criar um futuro melhor para ambos os povos, palestinianos e
israelitas. Qualquer fórmula avançada como solução do conflito irá
necessária e inevitavelmente falhar se não for firmemente baseada no
princípio da igualdade. A absoluta igualdade de direitos humanos,
pessoais, civis, políticos e nacionais deve ser consagrada em qualquer
plano de futuro que acabe por ser aceite pelas duas sociedades. É uma
recomendação grandiloquente, mas nada mais lidará com o cerne do
problema ou será sustentável e duradouro.
Resta-nos a questão espinhosa de como afastar os israelitas do seu
apego à desigualdade, que é muitas vezes entendido e justificado como
uma necessidade de segurança. Esta aparente necessidade baseia-se, em
grande medida, numa verdadeira história de insegurança e perseguição,
mas em resposta a este trauma passado, gerações inteiras foram agora
educadas num dogma reflexivo de nacionalismo agressivo cujo domínio
tenaz será difícil de quebrar. Assim, os cidadãos judeus de uma
superpotência regional que intimida os seus vizinhos (e que bombardeou
impunemente as capitais de sete deles13) sofrem de uma profunda
insegurança baseada em parte na sua história, e talvez em parte numa
preocupação implícita de que a cuidadosamente construída e justificada
realidade colonial em que vivem se possa subitamente desfazer. A
síndrome que move este imperativo de dominar e discriminar só pode
provavelmente ser abordada por aqueles que no seio da sociedade israelita
(ou perto dela) entendem a sombria direção do rumo atual do país, e
podem desafiar as distorções da história, da ética e do judaísmo que esta
ideologia constitui. Fazê-lo é, certamente, a principal e mais urgente
missão dos israelitas e dos seus apoiantes, que desejam mudar a dinâmica
da injustiça e da desigualdade.
Também os palestinianos precisam de ser afastados de uma perniciosa
ilusão – baseada na natureza colonial do seu conflito com o sionismo e na
sua negação da existência de um povo palestiniano – a de que os judeus
israelitas não são um «verdadeiro» povo nem têm direitos nacionais.
Embora seja verdade que o sionismo transformou a religião judaica e a
unidade histórica do povo judeu em algo muito diferente – num
nacionalismo moderno – isto não invalida o facto de os judeus israelitas
de hoje se considerarem um povo com um sentimento de pertença
nacional na Palestina, naquilo que entendem como a Terra de Israel,
independentemente de como esta transformação ocorreu. Também os
palestinianos se consideram hoje um povo com ligações nacionais ao que
é efetivamente a sua pátria ancestral, por razões tão arbitrárias e
conjunturais como as que as que levaram ao sionismo, tão arbitrárias
como qualquer uma das razões que levaram ao aparecimento de dezenas
de movimentos nacionais modernos. Tal conclusão sobre a natureza
artificial de todas as entidades nacionais, enfurecedora para os apóstolos
do nacionalismo, é evidente para aqueles que estudaram a sua génese em
inúmeras circunstâncias diferentes.14
A ironia é que, tal como todos os povos, os palestinianos assumem que
o seu nacionalismo é puro e tem raízes históricas, negando entretanto o
mesmo aos judeus israelitas. Existe, claro, uma diferença entre os dois: a
maioria dos palestinianos são descendentes de pessoas que viveram no
que naturalmente entendem como o seu país durante muito tempo, vários
séculos, se não mesmo vários milénios. A maioria dos judeus israelitas
veio da Europa e dos países árabes há relativamente pouco tempo como
parte do processo colonial aprovado e mediado pelas grandes potências.
Os primeiros são nativos, os segundos são colonos ou descendentes de
colonos, apesar de muitos deles já lá estarem há gerações e terem uma
profunda e antiga ligação religiosa ao território, ainda que muito diferente
do antigo enraizamento no país dos palestinianos autóctones. Por ser um
conflito colonial, esta diferença tem uma enorme importância. Ainda
assim, ninguém negaria hoje que existem entidades nacionais plenamente
desenvolvidas em Estados coloniais como os Estados Unidos, o Canadá, a
Nova Zelândia e a Austrália, apesar das suas origens em guerras coloniais
de extermínio. Além disso, para os que estão inebriados pelo
nacionalismo, essas distinções entre colonos e povos nativos não
interessam. Como disse o antropólogo Ernest Gellner: «As nações
enquanto forma natural e divina de classificar os homens, enquanto…
destino político intrínseco, são um mito; o nacionalismo, que às vezes
pega em culturas preexistentes e as transforma em nações, outras vezes
inventa-as e muitas vezes aniquila culturas preexistentes: essa é uma
realidade.»15
Ainda que a natureza fundamentalmente colonial do conflito israelo-
palestiniano deva ser reconhecida, existem hoje dois povos na Palestina,
independentemente de como surgiram, e o conflito entre eles não pode ser
resolvido enquanto a existência nacional de cada um for negada pelo
outro. A sua aceitação mútua só pode ser baseada numa absoluta
igualdade de direitos, incluindo os direitos nacionais, não obstante as
cruciais diferenças históricas entre ambos. Não há outra solução
sustentável possível, a não ser a ideia impensável do extermínio ou
expulsão de um povo pelo outro. Vencer a resistência daqueles que
beneficiam com o statu quo, de modo a garantir direitos iguais para todos
neste pequeno país entre o rio Jordão e o mar, é um teste ao engenho
político de todos os envolvidos. Reduzir o vasto e sustentado apoio
externo ao discriminatório e profundamente desigual statu quo facilitaria
certamente o caminho a percorrer.

A guerra na Palestina, contudo, passou a marca dos cem anos com os


palestinianos a enfrentarem circunstâncias mais desanimadoras do que
talvez em qualquer outra altura desde 1917. Com a sua eleição, Donald
Trump começou a perseguir aquilo a que chamava «o acordo do século»,
supostamente com o intuito de resolver, de forma conclusiva, o conflito.
Fechar o acordo implicou, até ao momento, prescindir de décadas de
políticas de fundo dos EUA, entregar o planeamento estratégico a Israel e
lançar ao desprezo os palestinianos. De forma pouco auspiciosa, o
embaixador de Trump em Israel, David Friedman (seu advogado no
processo de falência e um financiador de longa data do movimento
colonial judaico), falou de uma «alegada ocupação» e exigiu que o
Departamento de Estado deixasse de usar o termo. Numa entrevista,
declarou que Israel tinha o «direito» de anexar «parte, mas provavelmente
não toda, a Margem Ocidental».16 Jason Greenblatt, durante mais de dois
anos enviado para as negociações entre Israel e a Palestina (antes
advogado de Trump para o ramo imobiliário e também financiador de
causas de direita israelitas), afirmou que os colonatos na Margem
Ocidental «não são um obstáculo à paz», rejeitou o uso do termo
«ocupação» numa reunião com enviados da UE17 e apoiou as opiniões de
Friedman relativamente à anexação.
A nova administração rapidamente anunciou uma abordagem «de fora
para dentro», em que três das monarquias árabes sunitas do Golfo – a
Arábia Saudita, os Emirados e o Bahrein (muitas vezes falsamente
descrito como representando os árabes sunitas) – foram integradas numa
aliança oficiosa com Israel com o intuito de enfrentarem, em conjunto, o
Irão. O resultado desta configuração foi que estes e outros regimes árabes
aliados aos Estados Unidos eram incentivados a pressionar os
palestinianos a aceitarem posições maximalistas de Israel que seriam, e
pareciam destinadas a ser, fatais para a sua causa. Esta iniciativa foi
estreitamente coordenada com estes regimes, através da mediação do
enviado presidencial extraordinário Jared Kushner, genro de Trump,
também um magnata do ramo imobiliário e um fervoroso sionista radical,
cuja família tinha também feito donativos para os colonatos judaicos.
Em conluio com os seus parceiros do Golfo, numa conferência de
junho de 2019 no Bahrein e noutros locais, Kushner, Greenblatt e
Friedman promoveram publicamente o que era essencialmente uma
iniciativa de desenvolvimento económico para a Margem Ocidental e para
a Faixa de Gaza, destinada a funcionar sob as condições vigentes de
controlo israelita praticamente absoluto. Kushner lançou dúvidas sobre a
exequibilidade de uma autoadministração palestiniana independente,
dizendo: «teremos de ver». Baseando-se no léxico colonial clássico,
acrescentou o seguinte: «A esperança é que, com o tempo, possam ser
capazes de governar.» A única coisa que os palestinianos mereciam, na
opinião de Kushner, era «a oportunidade de terem uma vida melhor… a
oportunidade de pagarem a sua hipoteca».18 Com a sua solução
essencialmente económica, esta troika revelou uma ignorância notável em
relação a um sólida opinião generalizada especializada, que assegurava
que a economia palestiniana tinha sido estrangulada principalmente pela
interferência sistemática da ocupação militar israelita que o seu plano
pretendia manter em vigor. A administração Trump exacerbou este
estrangulamento económico ao cortar a ajuda dos EUA à AP e à UNRWA.
Os Estados Unidos continuaram também a apoiar o bloqueio de Israel a
Gaza, ajudados pelo Egito, com os seus efeitos desastrosos para 1,8
milhões de pessoas.
O aspeto político crucial do acordo do século de Trump estava
alegadamente contido nas linhas gerais de uma proposta israelo-americana
que a AP foi pressionada a aceitar. Esta envolvia alegadamente a criação
de uma entidade não contígua e não soberana sem a remoção de quaisquer
dos colonatos israelitas ilegais já existentes, que seriam reconhecidos,
«legalizados» e anexados a Israel. Esta entidade continuaria sob absoluto
controlo de segurança israelita (pelo qual os palestinianos teriam
supostamente de pagar!) e seria, pois, um Estado apenas no nome.
Excluiria a soberania ou o controlo sobre Jerusalém e situar-se-ia na Faixa
de Gaza e em dezenas de fragmentos dispersos, somando um total de
menos de 40 por cento das partes da Margem Ocidental que constituem as
Áreas A e B, com a probabilidade de algumas partes da C serem incluídas,
mas apenas mediante negociações adicionais.19
Integralmente ligado a esta abordagem esteve o reconhecimento por
Trump, em dezembro de 2017, de Jerusalém como capital de Israel, e a
posterior transferência da embaixada dos Estados Unidos para lá. Esta
medida assinalou um revolucionário abandono de mais de setenta anos de
política americana, remontando à UNGA 181, segundo a qual o estatuto
da cidade santa deveria permanecer indeterminado até que uma solução
final para a questão da Palestina fosse mutuamente acordada por ambos os
lados. A esta afronta, seguiu-se depois a proclamação de Trump a
reconhecer a soberania israelita sobre os anexados Montes Golã, outra
mudança radical na política dos Estados Unidos.
Com estas duas proclamações, a administração tirou unilateralmente
questões – numa das quais, a de Jerusalém, Israel está obrigado por
tratados a negociar com os palestinianos – de cima da mesa. Além de
inverter décadas de política americana, a equipa de Trump rejeitou todo
um conjunto de leis e consensos internacionais, decisões do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, a opinião do mundo e, claro, os direitos
dos palestinianos. Trump aceitou plenamente a posição de Israel acerca da
questão vital de Jerusalém, e fê-lo sem qualquer quid pro quo da parte de
Israel e sem qualquer admissão das exigências palestinianas quanto ao
reconhecimento da cidade como capital da Palestina. Igualmente
importante, em consequência, foi o apoio de Trump à abrangente
definição israelita de uma «Jerusalém unificada», incluindo as extensas
áreas árabes dentro e em torno da cidade tomadas por Israel desde 1967.
Ainda que a administração tenha afirmado que as fronteiras efetivas
teriam ainda de ser negociadas, a sua proclamação significava na prática
que já não havia mais nada para negociar.
Através destas e de outras ações, a Casa Branca confirmou de forma
implícita as linhas gerais da proposta israelo-americana: evitou
explicitamente apoiar uma solução de dois Estados; fechou a missão
palestiniana em Washington, DC, e o consulado americano em Jerusalém
Oriental, que servira de embaixada informal para os palestinianos;
decretou que, contrariamente ao estatuto de todos os outros refugiados
desde a Segunda Guerra Mundial, os descendentes dos palestinianos,
declarados refugiados em 1948, não eram também refugiados. Finalmente,
ao apoiar a anexação de Jerusalém e dos Montes Golã por Israel, Trump
abriu caminho à anexação de quaisquer partes da Margem Ocidental
ocupada que Israel decidisse engolir.
Em troca desta drástica diminuição nos direitos dos palestinianos, ser-
lhes-ia oferecido dinheiro, cobrado às monarquias do Golfo. A oferta foi
formalizada em junho de 2019, numa conferência no Bahrein a que a AP
se recusou a assistir. A proposta de Kushner para comprar a oposição
palestiniana a um plano que afastava um acordo político negociado não
passava, na verdade, de uma versão requentada de planos similares de
«paz económica» em substituição de direitos apregoados por líderes
israelitas, de Shimon Peres a Netanyahu. Para Netanyahu e para os
apoiantes ultranacionalistas dos colonos radicais, um adoçante económico
para a amarga pílula que os palestinianos deveriam engolir tornara-se um
pilar essencial na sua abordagem explicitamente anexionista.
Na verdade, o mais impressionante nesta política da Casa Branca para
o Médio Oriente foi o facto de ter sido efetivamente confiada a Netanyahu
e aos seus aliados em Israel e nos Estados Unidos. As suas iniciativas
parecem ter saído pré-preparadas do armazém de ideias da direita israelita:
transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém, reconhecer a anexação
dos Golã, descartar airosamente a questão dos refugiados palestinianos,
tentar liquidar a UNRWA e abandonar o acordo nuclear com o Irão da era
Obama. Restavam apenas alguns pontos na lista de desejos de Netanyahu:
a anexação de grande parte da Margem Ocidental, a rejeição formal por
parte dos americanos de um Estado palestiniano soberano, a criação de
uma fraca liderança palestiniana do tipo Quisling – todo um pacote
destinado a obrigar os palestinianos a aceitar que eram um povo
derrotado.
Nada disto era totalmente novo, tendo em conta as práticas americanas
anteriores. Mas a gente de Trump abandonou até o velho e miserável
simulacro de imparcialidade. Com este plano, os Estados Unidos deixaram
de ser o «advogado de Israel», tornando-se antes no porta-voz do governo
mais extremista da história israelita, propondo negociar diretamente com
os palestinianos em nome de Israel, com a valiosa ajuda dos seus mais
próximos aliados árabes. Talvez a Casa Branca estivesse a tramar algo
diferente: gerar propostas que fossem tão ofensivamente pró-Israel ao
ponto de serem inaceitáveis até para os mais complacentes palestinianos.
Com esta tática, o governo israelita podia pintar os palestinianos como
rejecionistas e continuar a evitar as negociações, mantendo ao mesmo
tempo o statu quo de anexação furtiva, expansão da colonização e
discriminação legal. Em qualquer dos casos, o resultado seria o mesmo: os
palestinianos estavam avisados de que a perspetiva de um futuro
independente na sua pátria não era uma opção e de que a iniciativa
colonial israelita tinha toda a liberdade para moldar a Palestina como
desejasse.
Esta é uma conclusão que a maior parte do mundo rejeita, e será
certamente recebida com resistência, tanto local como globalmente. Está
também em desacordo com todos os princípios de liberdade, justiça e
igualdade que os Estados Unidos supostamente representam. Uma
resolução imposta estritamente nos duros termos dos israelitas trará
inevitavelmente mais conflitos e insegurança para todos os envolvidos.
Aos palestinianos, porém, proporciona também oportunidades.

As estratégias atuais de ambas as principais fações políticas


palestinianas, a Fatah e o Hamas, não deram em nada, como é evidenciado
pela aceleração do controlo israelita sobre toda a Palestina. Nem a
dependência da mediação dos EUA em negociações infrutíferas como
parte do recurso exclusivo à frágil diplomacia da era ‘Abbas, nem uma
estratégia nominal de resistência armada fizeram progredir os objetivos
nacionais palestinianos ao longo das últimas décadas. Nem há muito que
os palestinianos possam esperar de regimes árabes como o do Egito e o da
Jordânia, que não têm hoje qualquer vergonha de assinar enormes acordos
de gás com Israel, ou os da Arábia Saudita e dos EAU, que compram
armas e sistemas de segurança israelitas através de intermediários
americanos que apenas disfarçam ligeiramente as suas origens.20 Estas
perceções exigem aos palestinianos uma cuidadosa reavaliação dos seus
métodos, independentemente de os seus objetivos nacionais serem
definidos como um fim para a ocupação e a reversão da colonização do
território palestiniano; como a criação de um Estado palestiniano nos 22
por cento que restam do Mandato da Palestina, com a Jerusalém Oriental
árabe como sua capital; como o regresso à sua pátria ancestral da metade
do povo palestiniano que se encontra atualmente a viver no exílio; ou
como a criação de um Estado binacional democrático e soberano em toda
a Palestina com direitos iguais para todos, ou alguma combinação ou
permutação destas opções.
Sendo a parte mais fraca no conflito, o lado palestiniano não se pode
dar ao luxo de continuar dividido. Mas, para alcançar a união, tem de
existir, primeiro, uma redefinição de objetivos com base num novo
consenso nacional. É uma condenação veemente tanto da Fatah como do
Hamas que, nas últimas décadas, iniciativas da sociedade civil como o
movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções e o ativismo estudantil
tenham feito mais para promover a causa palestiniana do que qualquer
iniciativa destas duas fações principais. Uma reconciliação repararia pelo
menos alguns dos danos causados pela sua separação, mas a reconciliação
entre dois movimentos políticos ideologicamente falidos, por mais
importante que seja, não pode proporcionar a nova e dinâmica estratégia
necessária para arrancar a causa palestiniana ao seu atual estado de
estagnação e retraimento.
Uma mudança fundamental necessária envolve admitir que a estratégia
diplomática adotada pela OLP desde a década de 1980 continha um erro
fatal: os Estados Unidos não são nem podem ser um mediador, um
intermediário ou uma parte neutral. Há muito que se opõem às aspirações
nacionais palestinianas e assumiram o compromisso formal de apoiarem
as posições do governo israelita na Palestina. O movimento nacional
palestiniano tem de reconhecer a verdadeira natureza da posição
americana e de realizar um empenhado trabalho político e informativo de
base para defender a sua causa nos Estados Unidos, tal como o movimento
sionista tem feito há mais de um século. Esta tarefa não levará
necessariamente gerações, dadas as mudanças significativas que
ocorreram já em setores cruciais da opinião pública. Há muito com que
trabalhar.
Ainda assim, a liderança palestiniana bicéfala não parece ter hoje um
melhor entendimento dos mecanismos da sociedade e da política
americanas do que aquele que tinham os seus antecessores. Não sabe
como cativar a opinião pública americana, nem fez qualquer tentativa
séria de o fazer. Esta ignorância da complexa natureza do sistema político
dos EUA impediu a elaboração de um programa sustentado para chegar
aos possíveis elementos solidários da sociedade civil. Em contraste, apesar
da posição dominante de que gozam nos Estados Unidos, Israel e os seus
apoiantes continuam a gastar abundantes recursos para promover a sua
causa na arena pública. Apesar de mal financiado e composto apenas por
iniciativas de membros da sociedade civil, o esforço para apoiar os
direitos dos palestinianos obteve êxitos notáveis em esferas como a das
artes (nomeadamente no cinema e no teatro); no domínio legal, onde os
defensores da liberdade de expressão e da Primeira Emenda se tornaram
aliados vitais contra os ataques sustentados aos apoiantes do movimento
BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções); em setores da academia,
nomeadamente nas áreas de estudos americanos e do Médio Oriente; em
alguns sindicatos e igrejas; e em partes fundamentais das bases do Partido
Democrata.
É preciso direcionar um trabalho similar para a Europa, para a Rússia,
para a Índia, para a China, para o Brasil e para os Estados não alinhados.
Israel fez progressos nos últimos anos ao cultivar as elites e a opinião
pública desses países, enquanto muitos deles, principalmente a China e a
Índia, estão a tornar-se mais ativos no Médio Oriente.21 Ainda que a
maioria dos Estados árabes sejam controlados por regimes
antidemocráticos subservientes aos Estados Unidos e desejosos da
aprovação israelita, a opinião pública árabe mantém-se extremamente
sensível ao apelo da Palestina. Assim, em 2016, 75 por cento dos
inquiridos em doze países árabes consideravam a Palestina como a
principal causa de preocupação para todos os árabes, e 86 por cento não
aprovavam o reconhecimento de Israel pelos árabes devido às suas
políticas contra a Palestina.22 Os palestinianos precisam de ressuscitar a
antiga estratégia da OLP que consistia em passar por cima dos líderes dos
regimes não recetivos para apelar à solidariedade da opinião pública
árabe.
O mais importante, caso entrar em negociações com base num
consenso palestiniano se torne exequível, é que qualquer diplomacia
futura deve rejeitar a fórmula transitória de Oslo e avançar de uma forma
totalmente diferente. Uma intensiva campanha diplomática e de relações
públicas a nível global deve ser preparada com o objetivo de exigir o
patrocínio internacional e rejeitar o controlo exclusivo dos EUA sobre o
processo (exigência essa que foi já debilmente feita pela AP). Além disso,
para efeitos negociais, os palestinianos devem tratar os Estados Unidos
como uma extensão de Israel. Enquanto superpotência, estarão
necessariamente representados em quaisquer conversações, mas devem
ser considerados como um adversário, podendo mesmo sentar-se com
Israel do outro lado da mesa, o que representaria a sua verdadeira posição
pelo menos desde 1967.
As novas negociações teriam de reabrir todas as questões cruciais
criadas pela guerra de 1948, fechadas pela UNSC 242, em favor de Israel,
em 1967: as fronteiras de divisão da UNGA 181 de 1947, e a sua proposta
de corpus separatum para Jerusalém; o regresso e indemnização dos
refugiados; e os direitos políticos, nacionais e civis dos palestinianos em
Israel. Tais conversações deveriam salientar a absoluta igualdade de
tratamento de ambos os povos, e basear-se na Convenção de Haia e na
Quarta Convenção de Genebra, na Carta das Nações Unidas, com a sua
ênfase na autodeterminação nacional, e em todas as resoluções relevantes
do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas, não
apenas nas escolhidas pelos Estados Unidos para beneficiar Israel.
A atual administração em Washington e o governo israelita jamais
aceitariam tais termos, como é natural, pelo que estes constituiriam, por
enquanto, condições prévias impossíveis para as negociações. É
precisamente esse o objetivo. Destinam-se a mudar as regras do jogo de
modo a afastá-lo das fórmulas concebidas como favoráveis a Israel.
Continuar a negociar nos termos profundamente errados da base
atualmente em vigor só pode consolidar um statu quo tendente à absorção
final da Palestina pela Grande Terra de Israel. Se houvesse um esforço
sério e sustentado ao nível da diplomacia e das relações públicas
palestinianas para promover estes novos termos, com vista a alcançar uma
paz justa e equitativa, muitos países estariam dispostos a considerá-los.
Talvez estivessem dispostos até a desafiar o meio século de monopólio
dos EUA sobre o processo de paz, monopólio esse que tem sido crucial
para impedir a paz na Palestina.23
Um elemento esquecido, mas essencial, da agenda política palestiniana
é o trabalho em Israel, mais especificamente o de convencer os israelitas
de que há uma alternativa à opressão em curso na Palestina. Trata-se de
um processo a longo prazo que não pode ser descartado como uma forma
de «normalizar» as relações com Israel: nem os argelinos nem os
vietnamitas recusaram cegamente a oportunidade de convencerem a
opinião pública na pátria do seu opressor da justiça da sua causa – e esses
esforços contribuíram consideravelmente para a sua vitória. Também os
palestinianos não a deveriam recusar.
O povo palestiniano, cuja resistência ao colonialismo tem sido uma
dura batalha, não deve esperar resultados rápidos. Mostrou uma paciência,
uma perseverança e uma firmeza invulgares na defesa dos seus direitos, e
essa é a principal razão pela qual a sua causa continua viva. Agora, é
essencial que todos os elementos da sociedade palestiniana adotem uma
estratégia ponderada e a longo prazo, o que significa repensar grande parte
do que foi feito no passado, entender como foi que outros movimentos de
libertação conseguiram alterar um equilíbrio desfavorável de forças e
cultivar todos os aliados possíveis na sua luta.

Tendo em consideração um mundo árabe que está num estado de


desordem maior do que em qualquer outra altura desde o fim da Primeira
Guerra Mundial e um movimento nacional palestiniano que parece ter
perdido o norte, poderá parecer que este é um momento oportuno para
Israel e os Estados Unidos conspirarem com os seus autocráticos parceiros
árabes de modo a enterrarem a questão da Palestina, despacharem os
palestinianos e declararem vitória. Não é provável que seja assim tão
simples. Há a questão não despicienda do público árabe, que pode ser
enganado algumas vezes, mas não sempre, e que aparece com bandeiras
palestinianas a voar sempre que correntes democráticas se erguem contra a
autocracia, como no Cairo, em 2011, e em Argel, na primavera de 2019. A
hegemonia regional de Israel depende em grande medida da manutenção
no poder de regimes árabes antidemocráticos capazes de reprimir esse
sentimento. Por mais distante que hoje possa parecer, a verdadeira
democracia no mundo árabe seria uma séria ameaça ao domínio regional
israelita e à sua liberdade de ação.
Igualmente importante é, ainda, a resistência popular que se espera que
os palestinianos continuem a oferecer, seja qual for o mísero acordo que
os seus desacreditados líderes possam erradamente aceitar. Ainda que
Israel detenha a hegemonia nuclear regional, o seu domínio não é
incontestado no Médio Oriente, tal como não o é a legitimidade dos
regimes árabes antidemocráticos que se têm vindo a tornar cada vez mais
seus clientes. Finalmente, os Estados Unidos, apesar de todo o seu poder,
tiveram um papel secundário – ou, às vezes, papel nenhum – nas crises da
Síria, do Iémen, da Líbia e de outros locais na região. Não manterão
necessariamente o quase monopólio sobre a questão palestiniana, e, na
verdade, sobre todo o Médio Oriente, de que desfrutou durante tanto
tempo.
As configurações do poder global têm vindo a mudar: com base nas
suas crescentes necessidades energéticas, a China e a Índia terão mais a
dizer sobre o Médio Oriente no século XXI do que tiveram no século
anterior. Estando mais perto do Médio Oriente, a Europa e a Rússia têm
sido mais afetadas do que os Estados Unidos pela instabilidade que aí se
vive, e é de esperar que desempenhem papéis mais importantes. Os
Estados Unidos não continuarão provavelmente a ter a liberdade de ação
que a Grã-Bretanha teve outrora. Talvez estas mudanças permitam aos
palestinianos, juntamente com os israelitas e outros que, em todo o
mundo, desejam a paz e a estabilidade com justiça na Palestina, criar um
trajeto diferente do da opressão de um povo por outro. Só um tal caminho,
baseado na igualdade e na justiça, poderá encerrar os cem anos de guerra
contra a Palestina com uma paz duradoura, que traga consigo a libertação
que o povo palestiniano merece.
Notas

Introdução
1. Ambos os edifícios datam de finais do século VII, ainda que a Cúpula tenha mantido
essencialmente a sua forma original, enquanto a Mesquita al-Aqsa foi repetidamente reconstruída e
expandida.
2. O edifício principal da biblioteca, conhecido como Turbat Baraka Khan, é descrito em
Michael Hamilton Burgoyne, Mamluk Jerusalem: An Architectural Study (Londres: Escola
Britânica de Arqueologia de Jerusalém e World of Islam Festival Trust, 1987), 109-16. A estrutura
contém os túmulos de Baraka Khan e dos seus dois filhos. O primeiro foi um líder militar do século
XIII cuja filha foi esposa do grande sultão mameluco al-Zahir Baybars. O seu filho Sa’id sucedeu a
Baybars como sultão.
3. Com estes fundos da minha bisavó, o meu avô renovou o edifício. Os manuscritos e livros
reunidos na biblioteca foram coligidos pelo meu avô a partir do património de vários dos nossos
antepassados, incluindo coleções que tinham sido reunidas originalmente no século XVIII e
anteriores. O site da biblioteca contém informações básicas sobre ela, incluindo acesso ao catálogo
de manuscritos: http://www.khalidilibrary.org/indexe.html.
4. As bibliotecas privadas palestinianas eram sistematicamente saqueadas por equipas
especializadas, que atuavam na esteira do avanço das forças sionistas à medida que estas ocupavam
aldeias e cidades habitadas por árabes, nomeadamente Jafa, Haifa e os bairros árabes de Jerusalém
Ocidental na primavera de 1948. Os livros e manuscritos roubados eram depositados na Biblioteca
da Universidade Hebraica, hoje Biblioteca Nacional de Israel, sob a epígrafe «PA», de
«propriedade abandonada», uma descrição tipicamente orwelliana de um processo de apropriação
cultural logo após a conquista e a espoliação: Gish Amit, «Salvage or Plunder? Israel’s
“Collection” of Private Palestinian Libraries in West Jerusalem», Journal of Palestine Studies 40,
n.º 4 (2010-11): 6-25.
5. A fonte mais importante sobre Yusuf Diya é a secção sobre ele de Alexander Schölch,
Palestine in Transformation, 1856-1882: Studies in Social, Economic, and Political Development
(Washington, DC: Instituto de Estudos Palestinianos, 1993), 241-52. Essa secção foi republicada
em Jerusalem Quarterly 24 (verão de 2005): 65-76. Ver também Malek Sharif, «A Portrait of
Syrian Deputies in the Ottoman Parliament», em The First Ottoman Experiment in Democracy, ed.
Christoph Herzog e Malek Sharif (Wurtzburgo: Nomos, 2010); e R. Khalidi, Palestinian Identity:
The Construction of Modern National Consciousness, ed. rev. (Nova Iorque: Columbia University
Press, 2010), 67-76.
6. O seu papel como defensor dos direitos constitucionais contra o absolutismo do sultão é
descrito em R. E. Devereux, The First Ottoman Constitutional Period: A Study of the Midhat
Constitution and Parliament (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1963).
7. Tirando partido do seu serviço como governador da província de Bitlis, no Curdistão, no
sudeste do que é atualmente a Turquia, criou o primeiro dicionário árabe-curdo, al-Hadiyya al-
Hamidiyya fil-Lugha al-Kurdiyya. Encontrei exemplares deste livro e de várias outras publicações
suas entre material da Biblioteca Khalidi. O livro foi publicado em 1310AH/1893, em Istambul,
pelo Ministério da Educação otomano, tendo sido reeditado várias vezes desde então. Além do
título, que faz referência ao nome do sultão ‘Abd al-Abdul Hamid II, a sua introdução inclui uma
efusiva dedicatória ao sultão, que era praticamente obrigatória para garantir que as obras passavam
na censura, sobretudo as de um autor considerado pelas autoridades como potencialmente
subversivo.
8. Der Judenstaat: Versuch einer modernen Lösung der Judenfrage (Leipzig e Viena: M.
Breitenstein, 1896). Este panfleto tem oitenta e seis páginas.
9. Theodor Herzl, Complete Diaries, ed. Raphael Patai (Nova Iorque: Herzl Press, 1960), 88-
89.
10. Carta de Yusuf Diya Pasha al-Khalidi, Pera, Istambul, para o grande rabino Zadok Khan, 1
de março de 1899, Arquivos Centrais Sionistas, H1/197 [Documentos Herzl]. Recebi uma cópia
digitalizada deste documento por cortesia de Barnett Rubin. A carta foi escrita do hotel Khedivial,
no bairro de Pera, em Istambul. Todas as traduções do original em francês são minhas.
11. Carta de Theodor Herzl a Yusuf Diya Pasha al-Khalidi, 19 de março de 1899, reproduzida
em Walid Khalidi, ed., From Haven to Conquest: Readings in Zionism and the Palestine Problem
(Beirute: Instituto de Estudos Palestinianos, 1971), 91-93.
12. Ibid.
13. A atitude de Herzl para com os árabes é um tema controverso, ainda que não devesse ser.
Entre as melhores e mais equilibradas análises, contam-se as de Walid Khalidi, «The Jewish-
Ottoman Land Company: Herzl’s Blueprint for the Colonization of Palestine», Journal of Palestine
Studies 22, n.º 2 (inverno de 1993): 30-47; Derek Penslar, «Herzl and the Palestinian Arabs: Myth
and Counter-Myth», Journal of Israeli History 24, n.º 1 (2005), 65-77; e Muhammad Ali Khalidi,
«Utopian Zionism or Zionist Proselytism: A Reading of Herzl’s Altneuland», Journal of Palestine
Studies 30, n.º 4 (verão de 2001): 55-67.
14. O texto do alvará pode ser encontrado em Walid Khalidi, «The Jewish-Ottoman Land
Company».
15. O quase utópico romance de Herzl de 1902, Altneuland («Velha Terra Nova»), descrevia
uma Palestina do futuro que tinha todas estas atraentes características. Ver Muhammad Ali Khalidi,
«Utopian Zionism or Zionist Proselytism».
16. Segundo o estudioso israelita Zeev Sternhell, durante toda a década de 1920, «a entrada
anual de capital judaico foi em média 41,5 por cento superior ao produto interno líquido (PIL)
judaico… a sua proporção do PIL não desceu abaixo dos 33 por cento em nenhum dos anos
anteriores à Segunda Guerra Mundial…»: The Founding Myths of Israel: Nationalism, Socialism,
and the Making of the Jewish State (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1998), 217. A
consequência desta extraordinária entrada de capital foi uma taxa de crescimento anual de 13,2 por
cento para a economia judaica da Palestina entre 1922 e 1947: para mais pormenores, ver R.
Khalidi, The Iron Cage: The Story of the Palestinian Struggle for Statehood (Boston: Beacon
Press, 2007), 13-14.
17. Os números relativos às perdas palestinianas durante a revolta foram extrapolados a partir
de estatísticas proporcionadas por Walid Khalidi, ed., From Haven to Conquest, apêndice 4, 846-
49; e Matthew Hughes, Britain’s Pacification of Palestine: The British Army, the Colonial State
and the Arab Revolt, 1936-39 (Cambridge: Cambridge University Press, 2019), 377-84.
18. Lord Curzon in India: Being a Selection from His Speeches as Viceroy & Governor-General
of India, 1898-1905 (Londres: Macmillan, 1906), 589-90.
19. Ibid., 489.
20. Der Judenstaat, traduzido e citado em The Zionist Idea: A Historical Analysis and Reader,
ed. Arthur Hertzberg (Nova Iorque: Atheneum, 1970), 222.
21. Zangwill, em «The Return to Palestine», New Liberal Review (dezembro de 1901), 615,
escreveu que «a Palestina é um país sem povo; os judeus são um povo sem país». Para um exemplo
recente da tendenciosa e interminável reutilização deste chavão, ver Diana Muir, «A Land Without
a People for a People Without a Land», Middle East Quarterly (primavera de 2008), 55-62.
22. Joan Peters, From Time Immemorial: The Origins of the Arab-Jewish Conflict over
Palestine (Nova Iorque: HarperCollins, 1984). O livro foi implacavelmente esventrado em críticas
por Norman Finkelstein, Yehoshua Porath e muitos outros estudiosos, que praticamente lhe
chamaram uma fraude. O rabino Arthur Hertzberg, que foi temporariamente meu colega na
Universidade de Columbia, disse-me que o livro tinha sido produzido por Peters, que não era
especialista em assuntos sobre o Médio Oriente, a pedido e com os recursos de uma instituição
israelita de direita. Essencialmente, disse-me ele, deram-lhe os ficheiros que «provavam» que os
palestinianos não existiam e ela escreveu-os. Não tenho forma de verificar esta alegação. Hertzberg
morreu em 2006 e Peters em 2015.
23. Essas obras são numerosas. Ver, por exemplo, Arnold Brumberg, Zion Before Zionism,
1838-1880 (Syracuse, Nova Iorque: Syracuse University Press, 1985); ou, numa forma
aparentemente mais sofisticada, o caracteristicamente polémico e tendencioso livro de Ephraim
Karsh, Palestine Betrayed (New Haven, CT: Yale University Press, 2011). Este livro faz parte de
um novo género de «saber» neoconservador, financiado, entre outros, pelo multimilionário, de
extrema-direita, da área financeira Roger Hertog, que recebe generosos agradecimentos no prefácio
ao livro de Karsh. Outra estrela neste firmamento neoconservador, Michael Doran, do Instituto
Hudson, de cujo conselho de administração Hertog é membro, é igualmente generoso nos seus
agradecimentos a Hertog no prefácio ao seu livro Ike’s Gamble: America’s Rise to Dominance in
the Middle East (Nova Iorque: Simon and Schuster, 2016).
24. As atitudes públicas americanas para com a Palestina têm sido moldadas pelo desdém
generalizado por árabes e muçulmanos espalhado por Hollywood e pelos meios de comunicação,
tal como é demonstrado por Jack Shaheen em livros como Reel Bad Arabs: How Hollywood
Vilifies a People (Nova Iorque: Olive Branch Press, 2001), e por tropos similares específicos da
Palestina e dos palestinianos. Noga Kadman, Erased from Space and Consciousness: Israel and the
Depopulated Palestinian Villages of 1948 (Bloomington: Indiana University Press, 2015) mostra a
partir de extensas entrevistas e de outras fontes que atitudes similares criaram raízes profundas nas
mentes de muitos israelitas.
25. M. M. Silver, Our Exodus: Leon Uris and the Americanization of Israel’s Founding Story
(Detroit: Wayne State University Press, 2010), analisa o impacto do livro e do filme na cultura
popular Americana. Amy Kaplan argumenta que o romance e o filme desempenharam um papel
fundamental na americanização do sionismo. Ver o seu artigo «Zionism as Anticolonialism: The
Case of Exodus», American Literary History 25, n.º 4 (1 de dezembro de 2013): 870-95, e, mais
importante, o capítulo 2 do seu livro Our American Israel: The Story of an Entangled Alliance
(Cambridge, MA: Harvard University Press, 2018), 58-93.
26. Ver Zachary J. Foster, «What’s a Palestinian: Uncovering Cultural Complexities», Foreign
Affairs, 12 de março de 2015, http://www.foreignaffairs.com/articles/143249/zachary-j-
foster/whats-a-palestinian. Perspetivas similares são fortemente defendidas por importantes
financiadores políticos, como o multimilionário Sheldon Adelson, magnata dos casinos, e o maior
financiador individual do Partido Republicano há vários anos consecutivos, que afirmou que «os
palestinianos são um povo inventado». Durante todas as «primárias do dinheiro» anteriores às
eleições presidenciais, orquestrou sempre o espetáculo indecoroso de pôr possíveis candidatos
republicanos a fazerem tudo o que ele dizia. Ver Jason Horowitz, «Republican Contenders Reach
Out to Sheldon Adelson, Palms Up», New York Times, 27 de abril de 2015,
http://www.nytimes.com/2015/04/27/us/politics/republican-contenders-reach-out-to-sheldon-
adelson-palms-up.html; e Jonathan Cook, «The Battle Between American-Jewish Political Donors
Heats Up», Al-Araby, 4 de maio de 2015,
https://mail.google.com/mail/u/0/#label/Articles/14d22f412e42dbf1. Um dos maiores financiadores
de Trump, Adelson obteve a sua recompensa quando, em dezembro de 2017, os Estados Unidos
reconheceram Jerusalém como capital de Israel, transferindo depois a embaixada dos EUA para lá.
27. Vladimir (posteriormente Ze’ev) Jabotinsky, «The Iron Wall: We and the Arabs»,
inicialmente publicado em russo com o título «O Zheleznoi Stene» em Rassvyet, 4 de novembro de
1923.
28. A Guerra dos Cem Anos original, entre a casa dos Plantagenetas em Inglaterra e a dinastia
dos Valois em França, durou na verdade 116 anos, entre 1337 e 1453.
29. Entre estes, incluem-se Palestinian Identity; The Iron Cage; Under Siege: PLO
Decisionmaking During the 1982 War, ed. rev. (Nova Iorque: Columbia University Press, 2014); e
Brokers of Deceit: How the US Has Undermined Peace in the Middle East (Boston: Beacon Press),
2013.
30. Baron, que foi o Professor Nathan L. Miller de História Judaica, Literatura e Instituições na
Universidade de Columbia entre 1929 e 1963, e é visto como o maior historiador judeu do século
XX, ensinou o meu pai, Ismail Khalidi, que aí foi estudante de pós-graduação em finais da década
de 1940 e inícios da década de 1950. Quatro décadas depois, Baron disse-me que se lembrava do
meu pai, e que tinha sido um bom aluno, ainda que, dada a sua infalível cortesia e o seu bom
caráter, ele possa ter estado simplesmente a tentar ser amável.
31. Explorei as más decisões tomadas pelos líderes do movimento nacional palestiniano e as
fortes dificuldades que enfrentavam no meu livro The Iron Cage.

Capítulo 1
1. Esta citação é geralmente atribuída a Arthur James Balfour, e parece realmente dele.
2. Para mais pormenores, ver Roger Owen, ed., Studies in the Economic and Social History of
Palestine in the 19th and 20th Centuries (Londres: Macmillan, 1982).
3. Ver Ben Fortna, Imperial Classroom: Islam, the State, and Education in the Late Ottoman
Empire (Oxford: Oxford University Press, 2002); e Selçuk Somel, The Modernization of Public
Education in the Ottoman Empire, 1839-1908: Islamization, Autocracy, and Discipline (Leiden:
Brill, 2001); assim, em 1947, quase 45 por cento da população árabe em idade escolar e a grande
maioria dos rapazes e raparigas urbanos frequentavam a escola, numa comparação favorável
relativamente à situação nos países árabes vizinhos: A. L. Tibawi, Arab Education in Mandatory
Palestine: A Study of Three Decades of British Administration (Londres: Luzac, 1956), tabelas,
270-71. As bases para estes progressos na educação foram lançadas na era otomana. Ver também
R. Khalidi, The Iron Cage, 14-16; e Ami Ayalon, Reading Palestine: Printing and Literacy, 1900-
1948 (Austin: University of Texas Press, 2004).
4. Os contrastes entre as terras altas e a costa são um dos temas em Salim Tamari, Mountain
Against the Sea: Essays on Palestinian Society and Culture (Oakland: University of California
Press, 2008). Tamari atribui esta visão a Albert Hourani: ver palestra de Hourani de 1985 «Political
Society in Lebanon: A Historical Introduction», http://lebanesestudies.com/wp-
content/uploads/2012/04/c449fe11.-A-political-society-in-Lebanon-Albert-Hourani-1985.pdf. Ver
também Sherene Seikaly, Men of Capital: Scarcity and Economy in Mandate Palestine (Stanford,
CA: Stanford University Press, 2016); Abigal Jacobson, From Empire to Empire: Jerusalem
Between Ottoman and British Rule (Syracuse, Nova Iorque: Syracuse University Press, 2011);
Mahmoud Yazbak, Haifa in the Late Ottoman Period, 1864-1914: A Muslim Town in Transition
(Leiden: Brill, 1998); e May Seikaly, Haifa: Transformation of an Arab Society, 1918-1939
(Londres: I. B. Tauris, 1995).
5. Estes desenvolvimentos são explorados ao pormenor em R. Khalidi, Palestinian Identity. Ver
também Muhammad Muslih, The Origins of Palestinian Nationalism (Nova Iorque: Columbia
University Press, 1988); e Ami Ayalon, Reading Palestine.
6. Uma abundância de estudos mostra atualmente o alto nível de integração das comunidades
mizrahi e sefarditas no seio da sociedade palestiniana, apesar dos ocasionais atritos e do
antissemitismo muitas vezes propagado pelos missionários cristãos europeus. Ver Menachem
Klein, Lives in Common: Arabs and Jews in Jerusalem, Jaffa, and Hebron (Londres: Hurst, 2015);
Gershon Shafir, Land, Labor, and the Origins of the Israeli-Palestinian Conflict 1882-1914
(Cambridge: Cambridge University Press, 1989); Zachary Lockman, Comrades and Enemies: Arab
and Jewish Workers in Palestine, 1906-1948 (Oakland: Universidade da Califórnia, 1996); Abigail
Jacobson, From Empire to Empire. Ver também Gabriel Piterberg, «Israeli Sociology’s Young
Hegelian: Gershon Shafir and the Settler-Colonial Framework», Journal of Palestine Studies 44,
n.º 3 (primavera de 2015): 17-38.
7. A melhor breve refutação do que foi em tempos um paradigma generalizado do «declínio»
das sociedades do Médio Oriente é Roger Owen, «The Middle East in the Eighteenth Century – An
“Islamic” Society in Decline? A Critique of Gibb and Bowen’s Islamic Society and the West»,
Bulletin (British Society for Middle Eastern Studies) 3, n.º 2 (1976): 110-17.
8. Citando apenas o domínio da demografia, a obra de Justin McCarthy, The Population of
Palestine: Population Statistics of the Late Ottoman Period and the Mandate (Nova Iorque:
Columbia University Press, 1990), é um exemplo de um trabalho baseado sobretudo em fontes
arquivísticas otomanas para o período anterior a 1918, e que põe termo aos mitos do vazio e da
esterilidade da Palestina antes de os «milagrosos» efeitos da colonização sionista se terem
começado a fazer sentir.
9. Entre as obras mais importantes sobre estas transformações na Palestina, contam-se
Alexander Schölch, Palestine in Transformation, 1856-1882: Studies in Social, Economic, and
Political Development, trad. William C. Young e Michael C. Gerrity (Washington, DC: Instituto de
Estudos Palestinianos, 1993); Beshara Doumani, Rediscovering Palestine: Merchants and Peasants
in Jabal Nablus, 1700-1900 (Oakland: University of California Press, 1995); e Owen, Studies in
the Economic and Social History of Palestine in the 19th and 20th Centuries.
10. Linda Schatkowski Schilcher, «The Famine of 1915-1918 in Greater Syria», em Problems
of the Modern Middle East in Historical Perspective, ed. John Spagnolo (Reading, Reino Unido:
Ithaca Press, 1912), 234-54. Para o impacto traumático duradouro do horrível sofrimento que a
população suportou durante a guerra, ver Samuel Dolbee, «Seferberlik and Bare Feet: Rural
Hardship, Citied Dreams, and Social Belonging in 1920s Syria», Jerusalem Quarterly, n.º 51
(outono de 2012), 21-35.
11. Cerca de 1,5 milhões de arménios pereceram no genocídio que começou em abril de 1915.
Mesmo sem incluir essas vítimas, os outros 1,5 milhões de mortes otomanas durante a guerra
foram, em proporção ao total da população, quase o dobro dos outros números mais altos, os de
França e Alemanha, com 4,4 e 4,3 por cento da população total, respetivamente. Outros números
põem o total de mortes otomanas durante a guerra a chegar aos cinco milhões, ou cerca de 25 por
cento da população.
12. Estes números são de Edward Erikson, Ordered to Die: A History of the Ottoman Army in
World War I (Westport, CT: Greenwood Press, 2001), 211. Ver também Hikmet Ozdemir, The
Ottoman Army, 1914-1918: Disease and Death on the Battlefield (Salt Lake City: University of
Utah Press, 2008); Kristian Coates Ulrichsen, The First World War in the Middle East (Londres:
Hurst, 2014); e Yigit Akin, When the War Came Home: The Ottomans’ Great War and the
Devastation of an Empire (Stanford, CA: Stanford University Press, 2018).
13. McCarthy, The Population of Palestine, 25-27. Em jeito de contraste, McCarthy salienta
que, apesar das suas graves baixas de guerra, só 1 por cento da população francesa se perdeu
durante a Primeira Guerra Mundial, durante a qual Inglaterra e Alemanha «não sofreram qualquer
perda de população total».
14. ‘Anbara Salam Khalidi, Memoirs of an Early Arab Feminist: The Life and Activism of
Anbara Salam Khalidi (Londres: Pluto Press, 2013), 68-69.
15. Husayn Fakhri al-Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat: Mudhakkirat Husayn Fakhri al-
Khalidi [A era da hipocrisia (literalmente: das subtilezas) acabou: Memórias de Husayn Fakhri al-
Khalidi] (Amã: Dar al-Shuruq, 2014), 1:75.
16. O impacto que a execução do seu noivo teve na minha tia é descrito em Memoirs of an
Early Arab Feminist, 63-67. ‘Abd al-Ghani al-‘Uraysi era coeditor do influente jornal de Beirute
al-Mufid e um eminente intelectual arabista. As reminiscências de ‘Anbara Salam Khalidi e o seu
livro de memórias foram algumas das principais fontes para um artigo que escrevi sobre ele e o seu
jornal: «‘Abd al-Ghani al-‘Uraisi and al-Mufid: The Press and Arab Nationalism Before 1914», em
Intellectual Life in the Arab East, 1890-1939, ed. Marwan Buheiri (Beirute: American University
of Beirut Press, 1981), 38-61.
17. Entrevistas, Walid Khalidi, Cambridge, MA, 12 de outubro de 2014 e 19 de novembro de
2016. Quando era novo, o meu primo direito Walid, nascido em 1925, ouviu a história do
deslocamento da família durante a guerra contada pelo nosso avô. Alguns pormenores são
confirmados pelas memórias do nosso tio, Husayn Fakhri al-Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat,
1:75.
18. Entrevista a Fatima al-Khalidi Salam, Beirute, 20 de março de 1981.
19. ‘Arif Shehadeh (mais conhecido como ‘Arif al-‘Arif) é um dos três soldados da Palestina
cujas lancinantes memórias da Primeira Guerra Mundial são evocadas por Salim Tamari em Year of
the Locust: A Soldier’s Diary and the Erasure of Palestine’s Ottoman Past (Oakland: University of
California Press, 2011).
20. Ver o imaginativo relato de Raja Shehadeh sobre a odisseia do seu tio-bisavô, Najib Nassar:
A Rift in Time: Travels with my Ottoman Uncle (Nova Iorque: OR Books, 2011). Ver também o
romance de Nassar, que relata as suas aventuras de forma semificcional e semiautobiográfica:
Riwayat Muflih al-Ghassani [A história de Muflih al-Ghassani] (Nazaré: Dar al-Sawt, 1981).
21. Ver Noha Tadros Khalaf, Les Mémoires de ‘Issa al-‘Issa: Journaliste et intellectuel
palestinien (1878-1950) (Paris: Karthala, 2009), 159-75.
22. Para as motivações dos britânicos, ver Jonathan Schneer, The Balfour Declaration: The
Origins of the Arab-Israeli Conflict (Londres: Bloomsbury, 2010); Henry Laurens, La question de
Palestine, vol. 1, 1799-1922: L’invention de la Terre sainte (Paris: Fayard, 1999); e James Renton,
The Zionist Masquerade: The Birth of the Anglo-Zionist Alliance, 1914-1918 (Londres: Palgrave-
Macmillan, 2007). Ver também A. L. Tibawi, Anglo-Arab Relations and the Question of Palestine,
1914-1921 (Londres: Luzac, 1977), 196-239; Leonard Stein, The Balfour Declaration (Londres:
Valentine, Mitchell, 1961); e Mayir Vereté, «The Balfour Declaration and Its Makers», Middle
Eastern Studies 6 (1970): 416-42.
23. Este é um dos argumentos centrais do meu livro British Policy Towards Syria and Palestine,
1906-1914: A Study of the Antecedents of the Husayn-McMahon Correspondence, the Sykes-Picot
Aggreement, and the Balfour Declaration, Monografias do St. Antony’s College sobre o Médio
Oriente (Reading, Reino Unido: Ithaca Press, 1980).
24. A afirmação de Leon Trotsky, comissário bolchevique para os Negócios Estrangeiros, após
ter aberto os arquivos diplomáticos czaristas e revelado estes secretos acordos de guerra anglo-
franco-russos nesta ocasião, é reproduzida em Soviet Documents on Foreign Policy, 1917-1924, ed.
Jane Degras, vol. 1 (Oxford: Oxford University Press, 1951).
25. Relatado na monumental biografia de Yehuda Reinharz, Chaim Weizmann: The Making of a
Statesman (Oxford: Oxford University Press, 1993), 356-57.
26. Ronald Storrs, Orientations (Londres: Ivor Nicholson and Watson, 1937). As memórias de
Ronald Storrs, primeiro governador militar britânico de Jerusalém, referem o estrito controlo que
os britânicos exerciam sobre a imprensa e sobre todas as formas de atividade política árabe na
Palestina: 327ff. Storrs tinha servido como censor da imprensa local no seu cargo anterior como
secretário oriental do alto comissário britânico no Egito.
27. ‘Abd al-Wahhab al-Kayyali, Watha’iq al-muqawama al-filistiniyya al-‘arabiyya did al-
ihtilal al-britani wal-sihyuniyya 1918-1939 [Documentos da resistência palestiniana árabe à
ocupação britânica e ao sionismo, 1918-1939] (Beirute: Instituto de Estudos Palestinianos, 1968),
1-3.
28. Edição especial do Filastin, 19 de maio de 1914, 1.
29. Para mais pormenores sobre estas compras de terras e os conflitos armados daí resultantes,
ver R. Khalidi, Palestinian Identity, 89-117. Ver também Shafir, Land, Labor, and the Origins of
Israeli-Palestinian Conflict.
30. Para mais pormenores sobre esta evolução, ver R. Khalidi, Palestinian Identity,
principalmente o capítulo 7, 145-76.
31. Isto foi demonstrado de forma impressionante por Margaret Macmillan, Paris, 1919: Six
Months That Changed the World (Nova Iorque: Random House, 2002).
32. Ver Erez Manela, The Wilsonian Moment: Self-Determination and the International Origins
of Anticolonial Nationalism (Nova Iorque: Oxford University Press, 2007). Manela atribui
corretamente a Wilson um importante papel no desencadear (involuntário) do espírito de rebelião
nacionalista contra os poderes coloniais no rescaldo imediato da Primeira Guerra Mundial, mas não
reconhece suficientemente a dimensão do contributo bolchevique para este processo.
33. «Ghuraba’ fi biladina: Ghaflatuna wa yaqthatuhum» [Estrangeiros na nossa própria terra: a
nossa sonolência e a vigilância deles], Filastin, 5 de março de 1929, 1.
34. Ao todo, nove diários e livros autobiográficos de memórias foram publicados em árabe só
pelo Instituto de Estudos Palestinianos desde 2005: Muhammad ‘Abd al-Hadi Sharruf, 2017;
Mahmud al-Atrash, 2016; al-Maghribi, 2015; Gabby Baramki, 2015; Hanna Naqqara, 2011;
Turjuman e Fasih, 2008; Khalil Sakakini, 8 vols., 2005-2010; Rashid Hajj Ibrahim, 2005; Wasif
Jawhariyya, 2005. O instituto publicou também as memórias de Reja-i Busailah, em inglês, em
2017. Entre estas obras, as de Sharruf, que era polícia; al-Maghribi, trabalhador e organizador
comunista; e Turjuman e Fasih, homens que se alistaram no exército otomano na Primeira Guerra
Mundial, representam pontos de vista exteriores às elites. Ver também as importantes memórias de
uma figura política central do período do Mandato, Muhammad ‘Izzat Darwaza, Mudhakkirat,
1887-1984 (Beirute: Dar al-Gharb al-Islami, 1993).
35. Uma das poucas obras a basear-se nas histórias orais da revolta de 1936-39 é a de Ted
Swedenburg, Memories of Revolt: The 1936-1939 Rebellion and the Palestinian National Past
(Mineápolis: University of Minnesota Press, 1995).
36. R. Khalidi, Palestinian Identity, 225, n.º 32; e Noha Khalaf, Les Mémoires de ‘Issa al-‘Issa,
58. O livro de Khalaf faz referência a artigos do meu avô e a muitos artigos e poemas de al-‘Issa
que refletem a evolução do sentido de identidade palestiniano.
37. Ouvi versões quase idênticas desta e de outras histórias da minha tia Fatima (entrevista,
Beirute, 20 de março de 1981) e do tio da minha mulher, Raja al-‘Isa, filho de ‘Isa al-‘Isa, que foi
também editor de um jornal (entrevista, Amã, 7 de julho de 1996).
38. R. Khalidi, Palestinian Identity, capítulo 6, 119-44, aborda o tratamento do sionismo na
imprensa árabe.
39. Storrs, Orientations, 341. O discurso, num jantar que deu em honra de Weizmann e dos
membros da Comissão Sionista, foi relatado por Storrs. Entre os presentes, incluíam-se tanto o
autarca como o mufti de Jerusalém, bem como várias outras importantes figuras políticas e
religiosas palestinianas.
40. Tom Segev, One Palestine, Complete (Nova Iorque: Metropolitan Books, 2000), 404.
41. Uma das grandes ironias desta e de muitas outras conquistas coloniais é que, dos cinco
regimentos de infantaria da 24.ª Divisão francesa que venceram as forças árabes na Batalha de
Maysalun a 23 de julho de 1920, e no dia seguinte ocuparam Damasco, apenas um era etnicamente
francês: dois eram senegaleses, um era argelino e outro era marroquino. Utilizar desta forma os
seus súbditos coloniais foi um elemento crucial na expansão imperial europeia. Esta tática de
dividir para reinar foi igualmente importante em projetos coloniais na Irlanda, na América do
Norte, na Índia, no Norte e Sul de África, e também na Palestina e no restante Médio Oriente.
42. Dois excelentes artigos recentes em Journal of Palestine Studies 46, n.º 2 (inverno de 2017)
abordam este tema: Lauren Banko, «Claiming Identities in Palestine: Migration and Nationality
Under the Mandate», 26-43; e Nadim Bawalsa, «Legislating Exclusion: Palestinian Migrants and
Interwar Citizenship», 44-59.
43. George Antonius, em The Arab Awakening (Londres: Hamish Hamilton, 1938), foi o
primeiro a revelar os pormenores das promessas britânicas aos árabes durante a guerra, e a publicar
os documentos em que estas estavam inscritas. Isto obrigou um embaraçado governo britânico a
publicar toda a correspondência: Grã-Bretanha, Documentos Parlamentares, Cmd. 5974, Report of
a Committee Set Up to Consider Certain Correspondence Between Sir Henry McMahon [His
Majesty’s High Commissioner in Egypt] and the Sharif of Mecca em 1915 and 1916 (Londres: His
Majesty’s Stationery Office, 1939).
44. A obtenção por Balfour do alto cargo de secretário-geral para a Irlanda, inferior apenas ao
de tenente-mor, era geralmente atribuída à sua relação familiar com o primeiro-ministro Robert
Cecil, Lorde Salisbury, daí a expressão popular «o Bob é teu tio».
45. E. L. Woodward e R. Butler, eds., Documents on British Foreign Policy, 1919-1939,
primeira série, 1919-1929 (Londres: Her Majesty’s Stationery Office, 1952), 340-48.
46. O caso de George Antonius foi um de muitos exemplos flagrantes neste aspeto. Formado
em Cambridge, e claramente muito qualificado, era constantemente esquecido para os altos cargos
na administração do Mandato em favor de oficiais britânicos medíocres. Ver Susan Boyle, Betrayal
of Palestine: The Story of George Antonius (Boulder, CO: Westview, 2001); e Sahar Huneidi, A
Broken Trust: Sir Herbert Samuel, Zionism, and the Palestinians (Londres: I.B. Tauris, 2001), 2.
47. Stein, The Land Question in Palestine, 210-11.
48. Zeev Sternhell, The Founding Myths of Israel, 217. Segundo Sternhell, a proporção entre a
entrada de capital e o PIL «não desceu abaixo dos 33 por cento em nenhum dos anos anteriores à
Segunda Guerra Mundial».
49. Os dados demográficos podem ser encontrados em W. Khalidi, ed., From Haven to
Conquest, apêndice 1, 842-43.
50. Discurso à Federação Sionista Inglesa, 19 de setembro de 1919, citado em Nur Masalha,
Expulsion of the Palestinians: The Concept of «Transfer» in Zionist Political Thought, 1882-1948
(Washington, DC: Instituto de Estudos Palestinianos, 1992), 41.
51. Edwin Black, The Transfer Agreement: The Untold Story of the Secret Agreement Between
the Third Reich and Jewish Palestine (Nova Iorque: Macmillan, 1984).
52. Isto faz parte de uma passagem dos seus reveladores diários, citada em Shabtai Teveth, Ben
Gurion and the Palestine Arabs: From Peace to War (Nova Iorque: Oxford University Press,
1985), 166-68.
53. Para mais pormenores, ver R. Khalidi, The Iron Cage, 54-62. A «entrevista de emprego» é
descrita nas pp. 59-60.
54. Como os britânicos fizeram isto é o tema principal do capítulo 2 de The Iron Cage, 31-64.
55. Este número baseia-se em estatísticas fornecidas por W. Khalidi, From Haven to Conquest,
apêndice 4, 846-49; e Matthew Hughes, Britain’s Pacification of Palestine: The British Army, the
Colonial State and the Arab Revolt, 1936-39 (Cambridge: Cambridge University Press, 2019), 377-
84.
56. Para mais pormenores sobre esta repressão, ver Matthew Hughes, «The Banality of
Brutality: British Armed Forces and the Repression of the Arab Revolt in Palestine, 1936-39»,
English Historical Review 124, n.º 507 (abril de 2009), 313-54.
57. Baruch Kimmerling e Joel S. Migdal, The Palestinian People: A History (Cambridge, MA:
Harvard University Press, 2003), 119.
58. Para uma arrepiante descrição das arbitrárias execuções sumárias de palestinianos por
unidades mistas de soldados britânicos e milicianos sionistas sob o comando de Orde Wingate, ver
Segev, One Palestine, Complete, 429-32. Wingate surge como um psicopata sanguinário na
descrição de Segev, que acrescenta que alguns dos seus homens o consideravam secretamente
louco. O Ministro da Defesa israelita disse, posteriormente, o seguinte sobre ele: «Os ensinamentos
de Orde Charles Wingate, o seu carácter e liderança, foram uma pedra angular para muitos dos
comandantes do Haganah, e a sua influência é visível na doutrina de combate das Forças de Defesa
de Israel.»
59. Segev, One Palestine, Complete, 425-26. Muitos veteranos da campanha irlandesa,
incluindo antigos membros dos famosos Black and Tans, foram recrutados para as forças de
segurança britânicas na Palestina. Ver Richard Cahill, «“Going Berserk”: “Black and Tans” in
Palestine», Jerusalem Quarterly 38 (verão de 2009), 59-68.
60. As memórias de Ernie O’Malley, um alto comandante do IRA durante a Guerra da
Independência da Irlanda, On Another Man’s Wound (Cork: Mercier Press, 2013), apresentam um
retrato detalhado dos métodos brutais utilizados pelos britânicos entre 1919 e 1921 na sua vã
tentativa de dominar a insurreição irlandesa, incluindo queimar casas, edifícios públicos, leitarias e
outros recursos económicos vitais em retaliação pelos ataques contra soldados, polícias e auxiliares
armados britânicos.
61. H. Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1. A secção relativa ao seu exílio nas Seicheles
está em 247ff.
62. Ibid., vol. 1, 247.
63. A extensão do controlo exercido pelos rebeldes sobre grande parte da Palestina é avaliada
num excelente artigo de Charles Anderson, «State Formation from Below and the Great Revolt in
Palestine», Journal of Palestine Studies 47, n.º 1 (outono de 2017): 39-55.
64. Relatório do general Sir Robert Haining, 30 de agosto de 1938, citado em Anne Lesch,
Arab Politics in Palestine, 1917-1939: The Frustration of a National Movement (Ithaca, Nova
Iorque: Cornell University Press, 1979), 223.
65. Arquivos Nacionais Britânicos, Documentos do Conselho de Ministros, CAB 24/282/5,
Palestina, 1938, «Allegations against British Troops: Memorandum by the Secretary of State for
War», 16 de janeiro de 1939, 2.
66. O seu exílio e a queima da sua casa são descritos em Khalaf, Les Mémoires de ‘Issa
al-‘Issa, 227-32.
67. Ibid., 230.
68. Para mais pormenores sobre a amplitude da colaboração entre os britânicos e os sionistas
durante a revolta, ver Segev, One Palestine, Complete, 381, 426-32.
69. Arquivos Nacionais Britânicos, Documentos do Conselho de Ministros, CAB 24/283,
«Committee on Palestine: Report», 30 de janeiro de 1939, 24.
70. Ibid., 27.
71. Foi esta a amarga conclusão do Dr. Husayn após os factos, ao rever o historial de promessas
britânicas quebradas no seu livro de memórias, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1, 280.
72. A reunião do conselho de ministros em que a posição britânica na Conferência do Palácio
de St. James foi decidida é discutida em Boyle, Betrayal of Palestine, 13.
73. Para mais pormenores sobre as formas como os compromissos cruciais feitos pelos
britânicos no Livro Branco foram subvertidos, ver R. Khalidi, The Iron Cage, 35-36, 114-15.
74. H. Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1, 350-51.
75. Ibid., 300-305. Na sua criteriosa abordagem a este tema, ver a magistral obra de Bayan al-
Hout al-Qiyadat wal-mu’assassat al-siyasiyya fi Filastin 1917-1948 [Lideranças e instituições
políticas na Palestina, 1917-1948] (Beirute: Instituto de Estudos Palestinianos, 1981), 397, que
chega à mesma conclusão.
76. Ibid., 352-56.
77. Ibid., vol. 1, 230ff. Esta secção das memórias, que relata interações com a Comissão Peel,
inclui um dos muitos exemplos dados pelo Dr. Husayn do viés britânico em favor dos sionistas.
78. Escreveu também um volume de memórias em inglês sobre o seu exílio nas Seicheles,
repleto de observações críticas sobre os britânicos, intitulado Exiled from Jerusalem: The Diaries
of Hussein Fakhri al-Khalidi. Este livro será publicado em breve pela Bloomsbury Press.
79. H. Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1, 110-14.
80. Ibid., vol. 1, 230.
81. Citado em Masalha, Expulsion of the Palestinians, 45.
82. «The King-Crane Commission Report, August 28, 1919», http://www.hri.org/docs/king-
crane/syria-recomm.html.
83. George Orwell, «In Front of Your Nose», Tribune, 22 de março de 1946, reproduzido em
The Collected Essays, Journalism, and Letters of George Orwell, vol. 4, In Front of Your Nose,
1945-50, ed. Sonia Orwell e Ian Angus (Nova Iorque: Harcourt Brace, 1968), 124.
84. O oficial foi E. Mills, durante o seu testemunho secreto perante a Comissão Peel, citado em
Leila Parson, «The Secret Testimony to the Peel Commission: A Preliminary Analysis», Journal of
Palestine Studies 49, n.º 1 (outono de 2019).
85. O melhor estudo de como a Comissão de Mandatos Permanentes da Sociedade das Nações
supervisionava o Mandato da Palestina está em Susan Pedersen, The Guardians: The League of
Nations and the Crisis of Empire (Nova Iorque: Oxford University Press, 2015).
86. O mito de que os britânicos foram pró-árabes durante todo o período do Mandato,
acalentado pela historiografia sionista, é destruído por Segev em One Palestine, Complete.
87. Abordei esta questão de forma mais detalhada em The Iron Cage, 118-23.

Capítulo 2
1. https://unispal.un.org/DPA/DPR/unispal.nsf/0/07175DE9FA2DE563852568D3006E10F3.
2. A minha prima Leila, que nasceu em meados da década de 1920, contou-me isto num e-mail
pessoal no dia 18 de março de 2018, recordando que tinha de ficar acordada com a nossa avó para
lhe ligar o rádio.
3. O meu pai tornou-se posteriormente tesoureiro do instituto. A determinada altura, Habib
Katibah foi também secretário: Hani Bawardi, The Making of Arab-Americans: From Syrian
Nationalism to U.S. Citizenship (Austin: University of Texas Press, 2014), 239-95.
4. Para mais pormenores sobre o instituto, ver ibid.
5. Um artigo sobre a conclusão da viagem do meu pai pode ser encontrado em Filastin, 24 de
janeiro de 1948, «Tasrih li-Isma’il al-Khalidi ba’d awdatihi li-Amirka», [Declaração de Ismail al-
Khalidi após o seu regresso à América].
6. O meu avô teve ao todo nove filhos: sete rapazes e duas raparigas. O meu pai, nascido em
1915, era o mais novo.
7. Encontrei algumas cartas do Dr. Husayn entre os papéis do meu pai. O meu primo Walid
Khalidi conta, em «On Albert Hourani, the Arab Office and the Anglo-American Committee of
1946», Journal of Palestine Studies 35, n.º 1 (2005-6), 75, que também trocou correspondência
com o nosso tio durante o seu exílio, e que o mantinha abastecido de livros, algo que Dr. Husayn
refere com gratidão nos diários a publicar em língua inglesa sobre o seu exílio nas Seicheles,
Exiled from Jerusalem.
8. Mustafa Abbasi, «Palestinians Fighting Against Nazis: The Story of Palestinian Volunteers in
the Second World War», War in History (novembro de 2017): 1-23,
https://www.researchgate.net/publication/321371251_Palestinians_fighting_against_Nazis_The_
story_of_Palestinian_volunteers_in_the_Second_World_War.
9. Para o texto da declaração Biltmore, ver http://www.jewishvirtuallibrary.org/the-biltmore-
conference-1942.
10. Denis Charbit, em Retour à Altneuland: La traversée des utopias sionistes (Paris: Editions
de l’Eclat, 2018), 17-18, observa que a criação de um Estado judaico teve sempre uma presença
destacada nos escritos sionistas, desde os primeiros projetos utópicos sionistas de finais do século
XIX até ao estabelecido por Herzl no seu livro Altneuland.
11. Amy Kaplan, Our American Israel, apresenta a mais persuasiva e profunda análise do como
e do porquê de este esforço ter sido coroado de sucesso. Ver também a brilhante obra de Peter
Novick The Holocaust in American Life (Nova Iorque: Houghton Mifflin, 1999).
12. H. Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1, 434-36.
13. «The Alexandria Protocol», 7 de outubro de 1944, Department of State Bulletin, XVI, 411,
maio de 1947, http://avalon.law.yale.edu/20th_century/alex.asp. A Arábia Saudita e o Iémen
juntaram-se à Liga em 1945.
14. W. Khalidi, «On Albert Hourani», 60-79.
15. «The Case Against a Jewish State in Palestine: Albert Hourani’s Statement to the Anglo-
American Committee of Enquiry of 1946», Journal of Palestine Studies 35, n.º 1 (2005-6), 80-90.
16. Ibid., 86.
17. Ibid., 81.
18. R. Khalidi, The Iron Cage, 41-42, dá exemplos desse tratamento para com as delegações de
líderes palestinianos por parte de Sir Herbert Samuel em 1920, e também do primeiro-ministro
Ramsay MacDonald e do secretário colonial, Lorde Passfield, em 1930. Samuel disse ao grupo
anterior: «Reúno-me convosco apenas a título privado.»
19. O’Malley, On Another Man’s Wound, ilustra amplamente a complexidade da organização
centralizada que os nacionalistas irlandeses desenvolveram entre 1919 e 1921, durante a sua luta
com os britânicos.
20. Este organismo é também designado por Sayigh de Tesouro Nacional Árabe. O seu relato,
em que esta secção foi essencialmente baseada, foi publicado em duas partes: ver parte 1,
«Desperately Nationalist, Yusif Sayigh, 1944 to 1948», tal como foi contada e editada por
Rosemary Sayigh, Jerusalem Quarterly 28 (2006), 82; Yusif Sayigh, Sira ghayr muktamala
[Autobiografia incompleta] (Beirute: Riyad El-Rayyes, 2009), 227-60. Um livro de memórias
completo baseado nestes materiais, mas sem incluir alguns dos acontecimentos relatados nesta
seleção em duas partes, foi posteriormente editado e publicado pela sua esposa, a célebre
antropóloga Rosemary Sayigh: Yusif Sayigh: Arab Economist and Palestinian Patriot: A Fractured
Life Story (Cairo: American University of Cairo Press, 2015).
21. Metade dessa quantia destinava-se à aquisição de terras na Palestina: «100 Colonies
Founded: Established in Palestine by the Jewish National Fund», New York Times, 17 de abril de
1936, https://www.nytimes.com/1936/04/17/archives/100-colonies-founded-established-in-
palestine-by-jewish-national.html. Na década de 1990, o FNJ angariava cerca de 30 milhões de
dólares por ano nos Estados Unidos. No entanto, de acordo com uma investigação interna em 1996,
só cerca de 20 por cento desse dinheiro ia efetivamente para Israel; o restante era aparentemente
gasto na administração e em projetos de «programação israelita» e de «educação sionista» nos
Estados Unidos: Cynthia Mann, «JNF: Seeds of Doubt – Report Says Only Fifth of Donations Go
to Israel, but No Fraud Is Found», 26 de outubro de 1996, Jewish Telegraphic Agency, J.,
http://www.jweekly.com/article/full/4318/jnf-seeds-of-doubt-report-says-only-fifth-of-donations-
go-to-israel-but-no-/.
22. O meu tio foi exilado primeiro para as Seicheles e depois para Beirute. H. al-Khalidi, Mada
‘ahd al-mujamalat, vol. 1, 418. Os britânicos permitiram que al-‘Alami regressasse à Palestina
quando o meu tio o fez em 1943, mas só em 1946 permitiram que Jamal al-Husayni, outro
importante líder, regressasse do exílio na Rodésia. Jamal al-Husayni conseguira evitar ser
capturado pelos britânicos em Jerusalém, em 1937, e acabou por chegar a Bagdade. Após a
reocupação do Iraque pelos britânicos em 1941, de acordo com as memórias da sua filha Serene,
ele e os seus camaradas que (ao contrário do mufti) tinham «rejeitado a possibilidade de ir para a
Alemanha… decidiram entregar-se aos britânicos» e foram detidos e encarcerados no Irão, sendo
depois transferidos para a Rodésia: Serene Husseini Shahid, Jerusalem Memories (Beirute: Naufal
Group, 2000), 126-27.
23. Sayigh, «Desperately Nationalist», 69-70.
24. Isto é evidente a partir do seu relato na primeira pessoa: «On Albert Hourani, the Arab
Office and the Anglo-American Committee of 1946».
25. H. al-Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1, 432-34. Os pormenores da sua viagem
foram relatados ao Dr. Husayn pelo próprio al-‘Alami.
26. H. al-Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 2, 33-35. Tratou-se do coronel Ernest
Altounyan, um cirurgião anglo-sírio-arménio, veterano condecorado da Primeira Guerra Mundial e
membro do Royal College of Surgeons, cuja entrada em Plarr’s Lives of the Fellows of the Royal
College of Surgeons, http://livesonline.rcseng.ac.uk/biogs/E004837b.htm, observa que, durante a
Segunda Guerra Mundial, «o seu papel oficial como médico foi um disfarce eficaz para as suas
atividades de conselheiro especializado em questões do Médio Oriente». Disse ao Dr. Husayn que
trabalhava nos serviços de informação militar. Curiosamente, eram ambos médicos de formação, e
agiam ambos na altura a título muito diferente. O Dr. Husayn nada diz sobre o historial do coronel,
nem sobre em que língua falaram um com o outro; H. al-Khalidi, Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 1,
431.
27. Sayigh, «Desperately Nationalist», 69-70.
28. Albert Hourani, «Ottoman Reform and the Politics of the Notables», em Beginnings of
Modernization in the Middle East: The Nineteenth Century, ed. William Polk e Richard Chambers
(Chicago: University of Chicago Press, 1968), 41-68. Ao escrever sobre os «notáveis», Hourani
sabia do que falava, uma vez que as suas aulas em Beirute, o seu trabalho de guerra para a Grã-
Bretanha no Cairo e os seus esforços em relação ao Departamento Árabe em Jerusalém o tinham
colocado em estreito contacto com muitos exemplares desse grupo ao longo de quase uma década.
29. Em ‘Ibrat Filastin [A lição da Palestina] (Beirute: Dar al-Kashaf, 1949), Musa al-‘Alami
sugere realmente que a implementação do esquema do Crescente Fértil seria uma resposta
adequada à perda da Palestina, o que o Dr. Husayni entende como uma explicação para o apoio do
governo iraquiano a al-‘Alami: Mada ‘ahd al-mujamalat, vol. 2, 30.
30. Avi Shlaim, Collusion Across the Jordan: King Abdullah, the Zionist Movement and the
Partition of Palestine (Nova Iorque: Columbia University Press, 1988), analisa estas negociações
ao pormenor.
31. Walid Khalidi contou-me como descobriu a «porta dos fundos» deste palácio numa visita a
Amã em inícios da década de 1950: comunicação pessoal com o autor, 16 de janeiro de 2016. Às
vezes, os «conselhos» britânicos eram transmitidos através de intermediários, como membros da
família real.
32. Para a carta de Roosevelt a confirmar estes compromissos, datada de 5 de abril de 1945, ver
Departamento de Estado dos Estados Unidos, Foreign Relations of the United States: Diplomatic
Papers [doravante FRUS], 1945. The Near East and Africa, vol. 8 (1945),
http://avalon.law.yale.edu/20th_century/decad161.asp. Reafirmava o compromisso do governo dos
Estados Unidos relativamente à Palestina «de não tomar qualquer decisão acerca da situação básica
nesse país sem consultar amplamente tanto os árabes como os judeus», acrescentando ainda que o
presidente «não tomaria qualquer ação, na minha qualidade de chefe do ramo executivo deste
governo, que pudesse revelar-se hostil para com o povo árabe». Para mais pormenores, ver R.
Khalidi, Brokers of Deceit: How the US Has Undermined Peace in the Middle East (Boston:
Beacon Press, 2013), 20-25.
33. Mais uma vez, a referência básica é a extensa obra sobre este tema de Walid Khalidi,
nomeadamente o seu artigo inovador «Plan Dalet: Master Plan for the Conquest of Palestine»,
reproduzido em Journal of Palestine Studies 18, n.º 1 (outono de 1988): 4-33. O artigo foi
originalmente publicado em Middle East Forum em 1961. Outros historiadores confirmaram,
entretanto, a maioria das suas descobertas básicas, mesmo aqueles que discordam dele em alguns
pontos, como Benny Morris, The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited, 2.ª ed.
(Cambridge: Cambridge University Press, 2004). Ver também Simha Flapan, The Birth of Israel:
Myth and Reality (Nova Iorque: Pantheon, 1987); Tom Segev, 1949: The First Israelis, 2.ª ed.
(Nova Iorque: Henry Holt, 1998); e Ilan Pappe, The Ethnic Cleansing of Palestine, 2.ª ed.
(Londres: Oneworld, 2007).
34. «Desperately Nationalist», 82. As memórias de Sayigh incluem um relato muito mais
completo das suas experiências neste período. Ver Yusif Sayigh, Sira ghayr muktamala, 227-60.
35. Walid Khalidi, Dayr Yasin: al-Jum’a, 9/4/1948 [Dayr Yasin: Sexta-feira, 9/4/1948]
(Beirute: Instituto de Estudos Palestinianos, 1999), tabela, 127.
36. Nir Hasson, «A Fight to the Death and Betrayal by the Arab World», Haaretz, 5 de janeiro
de 2018, https://www.haaretz.com/middle-east-news/palestinians/.premium.MAGAZINE-the-most-
disastrous-24-hours-in-palestinian-history-1.5729436.
37. A melhor descrição da decisão dos Estados árabes de entrar na Palestina encontra-se em
Walid Khalidi, «The Arab Perspective», em The End of the Palestine Mandate, ed. W. R. Louis e
Robert Stookey (Austin: University of Texas Press, 1986), 104-36.
38. O destino destas aldeias é descrito ao pormenor em Walid Khalidi, ed., All That Remains:
The Palestinian Villages Occupied and Depopulated by Israel in 1948 (Washington, DC: Instituto
de Estudos Palestinianos, 1992).
39. A casa em ruínas é tema de um artigo de sessenta e duas páginas sobre arquitetura, escrito
em hebraico, que mostra as fases da sua evolução ao longo do tempo e apresenta imagens do seu
estado atual. A casa não foi destruída, como aconteceu com a maioria das outras casas árabes na
área que se tornou Israel em 1948, devido ao seu lugar venerável na história sionista. Antes de o
meu avô a comprar, um grupo dos primeiros imigrantes sionistas, sob a liderança de Israel Belkind
e do seu irmão Shimshon, um grupo conhecido como Bilu’im, arrendou quartos na casa durante
alguns meses em 1882, partindo depois para fundar Rishon LeZion, a segunda colónia agrícola
sionista na Palestina. O edifício é hoje conhecido como Casa Bilu’im. Estou grato à Dra. Nili
Belkind, sobrinha-neta de Israel Belkind, por esta informação, e por me ter indicado o ensaio de
Lihi Davidovich e Tamir Lavi, intitulado «Tik Ti’ud: Bet Antun Ayub-Bet Ha-Bilu’im» [Ficheiro
Documental: A Casa de Anton Ayyub – Casa dos Bilu’im], 2005/2006, que se encontra no site da
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Telavive: http://www.batei-beer.com/aboutus.html.
40. Uma das melhores descrições desta transformação encontra-se em Tom Segev, 1949: The
First Israelis (Nova Iorque: The Free Press, 1986). Ver também Ibrahim Abu-Lughod, The
Transformation of Palestine (Evanston, IL: Northwestern University Press, 1971).
41. É o título de um dos capítulos em Avi Shlaim, The Politics of Partition: King Abdullah, the
Zionists and Palestine, 1921-1951 (Londres: Oxford University Press), 18, que é uma edição
abreviada e de capa mole de Collusion Across the Jordan.
42. Mary Wilson explica com precisão de que forma os britânicos e ‘Abdullah planeavam fazer
isto: King Abdullah, Britain and the Making of Jordan (Cambridge: Cambridge University Press,
1987), 166-67ff.
43. Shlaim, Collusion Across the Jordan, 139. Shlaim explica ao pormenor os elementos desta
complexa conspiração contra os palestinianos.
44. Os primeiros a destruirem este mito foram autores israelitas, incluindo Flapan, The Birth of
Israel; Tom Segev, 1949: The First Israelis; e Avi Shlaim, The Iron Wall: Israel and the Arab
World, que foram descritos como «historiadores revisionistas» ou «novos» porque desafiavam a
incrustada versão aceite sobre a fundação do Estado judaico.
45. Avi Shlaim, Collusion Across the Jordan é indispensável para entender como isto
aconteceu. Ver também Mary Wilson, King Abdullah, Britain and the Making of Jordan.
46. Eli Barnavi, «Jewish Immigration from Eastern Europe», em Eli Barnavi, ed., A Historical
Atlas of the Jewish People from the Time of the Patriarchs to the Present (Nova Iorque: Schocken
Books, 1994), http://www.myjewishlearning.com/article/jewish-immigration-from-eastern-europe/.
47. Existe uma abundante literatura sobre o tema da administração Truman e da Palestina. Um
relato recente e bastante abrangente é o de John Judis, Genesis: Truman, American Jews, and the
Origins of the Arab/Israeli Conflict (Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 2014). Ver também a
biografia oficial: David McCullough, Truman (Nova Iorque: Simon and Schuster, 1992).
48. Coronel William Eddy, FDR Meets Ibn Saud (Washington, DC: America-Mideast
Educational and Training Services, 1954; reeditado por Vista, CA: Selwa Press, 2005), 31.
49. Irene L. Gendzier, Dying to Forget: Oil, Power, Palestine, and the Foundations of U.S.
Power in the Middle East (Nova Iorque: Columbia University Press, 2015).
50. Secretário de Estado para Legação, Jeddah, 17 de agosto de 1948, FRUS 1948, vol. 2, parte
2, 1318.
51. Para mais informações sobre a relação entre sauditas e americanos nesta altura, ver R.
Khalidi, Brokers of Deceit, 20-25.
52. Entre 1949 e 1971, a ajuda económica e militar total dos EUA a Israel só ultrapassou os 100
milhões de dólares por quatro vezes. Desde 1974, tem rondado os mil milhões anualmente.
53. Entre 1953 e 1974, o Conselho de Segurança aprovou pelo menos vinte e três resoluções a
«condenar», «lamentar» ou «censurar» as ações israelitas na Faixa de Gaza, na Síria, na Jordânia,
no Líbano, em Jerusalém e nos Territórios Ocupados.
54. Um típico e precoce exemplo das críticas ao desempenho árabe foi o livro de 1948 de
Constantin Zureiq, The Meaning of the Catastrophe. Para mais pormenores, ver p. 113.
55. O poema encontra-se reproduzido em Ya’qub ‘Awadat, Min a’lam al-fikr wal-adab fi
Filastin [Principais figuras literárias e intelectuais da Palestina], 2.ª edição (Jerusalém: Dar al-
Isra’, 1992). A expressão «pequenos reis», além da sua implicação depreciativa geral, é
provavelmente uma referência, em particular, à baixa estatura do rei ‘Abdullah.
56. Nas palavras do site do FNJ, «as terras que tivessem sido compradas para povoamento
judaico pertenciam ao povo judeu como um todo», https://www.jnf.org/menu-3/our-history#.
57. Leena Dallasheh, «Persevering Through Colonial Transition: Nazareth’s Palestinian
Residents After 1948», Journal of Palestine Studies 45, n.º 2 (inverno de 2016): 8-23.
58. As memórias de um dos mais graduados oficiais árabes da Legião Árabe, o coronel
Abdullah al-Tal, publicadas em 1959, revelaram pormenores destas relações secretas,
posteriormente analisadas ao pormenor por Avi Shlaim em Collusion Across the Jordan: ‘Abdullah
al-Tal, Karithat Filastin: Mudhakkirat ‘Abdullah al-Tal, qa’id ma’rakat al-Quds [O desastre da
Palestina: Memórias de ‘Abdullah al-Tal, comandante na batalha por Jerusalém] (Cairo: Dar al-
Qalam, 1959).
59. Um relato contemporâneo e detalhado do incidente e do seu rescaldo pode ser encontrado
em «Assassination of King Abdullah», The Manchester Guardian, 21 de julho de 1951,
http://www.theguardian.com/theguardian/1951/jul/21/fromthearchive.
60. O romance de Kanafani de 1962 foi traduzido por Hilary Kirkpatrick: Men in the Sun and
Other Palestinian Stories (Boulder, CO: Lynne Rienner, 1999).
61. Gamal Abdel Nasser, Philosophy of the Revolution (Nova Iorque: Smith, Keynes and
Marshall, 1959), 28.
62. Benny Morris, Israel’s Border Wars: 1949-1956: Arab Infiltration, Israeli Retaliation, and
the Countdown to the Suez War (Oxford: Clarendon Press, 1993).
63. Entre 1953 e 1968, quando o meu pai trabalhava na divisão de Assuntos Políticos e do
Conselho de Segurança (atualmente Departamento de Assuntos Políticos), Israel foi condenado ou
censurado nove vezes pelo conselho devido às suas ações.
64. Isto é confirmado pelas memórias de oficiais militares que serviram como observadores da
ONU dos acordos do armistício, incluindo E. H. Hutchinson, Violent Truce: Arab-Israeli Conflict
1951-1955 (Nova Iorque: Devin-Adair, 1956); o tenente-general E. L. M. Burns, Between Arab and
Israeli (Londres: Harrap, 1962); e o major-general Carl Von Horn, Soldiering for Peace (Nova
Iorque: D. McKay, 1967).
65. Sobre este episódio, ver Muhammad Khalid Az’ar, Hukumat ‘Umum Filastin fi dhikraha al-
khamsin [O governo de toda a Palestina no seu 50.º aniversário] (Cairo: s.n., 1998).
66. Para a visão condescendente e quase desdenhosa que os diplomatas britânicos adotaram
relativamente ao único episódio até hoje de democracia jordana, ver R. Khalidi, «Perceptions and
Reality: The Arab World and the West», em A Revolutionary Year: The Middle East in 1958, ed.
Wm. Roger Louis (Londres: I. B. Tauris, 2002), 197-99. Quando o governo do meu tio foi demitido
pelo jovem rei Husayn, em maio de 1957, a formidável rainha-mãe, Zayn, ajudou o embaixador
britânico a obrigar os políticos jordanos a aceitarem a formação de um governo «civil» que serviria
de cobertura para o regime militar que a Grã-Bretanha e os haxemitas desejavam, e que acabou por
ser instaurado. A descrição do embaixador dessa reunião no palácio real é digna de Evelyn Waugh:
«Os ministros estavam relutantes em assumir as responsabilidades do cargo, e tinham perguntado
ao rei porque não podia ser formado um governo militar… A rainha-mãe… salientou
vigorosamente que um governo militar tornaria desnecessária qualquer outra forma de governo.
Finalmente, Sua Majestade disse ao representante dos ministros que não lhes seria permitido sair
do palácio até terem realizado o juramento de posse, e foi a partir desta base não muito
encorajadora que o novo governo acabou por ser formado»: Gabinete de Registos Públicos do
Reino Unido, Embaixador Charles Johnston para o Ministro dos Negócios Estrangeiros Selwyn
Lloyd, n.º 31, 29 de maio de 1957, F.O. 371/127880.
67. A melhor obra sobre este tema é Salim Yaqub, Containing Arab Nationalism: The
Eisenhower Doctrine and the Middle East (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2004).
68. Isto foi demonstrado pela primeira vez por Avi Shlaim num artigo inovador, «Conflicting
Approaches to Israel’s Relations with the Arabs: Ben Gurion and Sharett, 1953-1956», Middle East
Journal 37, n.º 2 (primavera de 1983): 180-201.
69. Estes relatos podem ser encontrados em Abu Iyad com Eric Rouleau, My Home, My Land:
A Narrative of the Palestinian Struggle (Nova Iorque: Times Books, 1981); e Alan Hart, Arafat: A
Political Biography (Bloomington: Indiana University Press, 1989).
70. Veja-se o testemunho ocular do rescaldo imediato do ataque emitido pelo oficial naval
americano responsável pela Comissão Mista do Armistício (MAC) das Nações Unidas que o
investigou: E. H. Hutchinson, Violent Truce.
71. Resolução 101 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 24 de novembro de 1953.
72. O meu primo Munzer Thabit Khalidi, que foi recrutado para o exército jordano e serviu
como oficial numa área fronteiriça da Margem Ocidental durante a década de 1950, contou-me em
1960 que eram estas as ordens que lhe eram dadas para as tropas sob o seu comando. Para mais
pormenores sobre os esforços da Legião Árabe jordana para travar a infiltração palestiniana neste
período, ver as memórias do seu comandante, John Bagot Glubb, Soldier with the Arabs (Londres:
Hodder and Stoughton, 1957). A extensão destes esforços é confirmada pelo relato do presidente
da Comissão Mista do Armistício da ONU, o comandante E. H. Hutchinson, Violent Truce.
73. Isto fica claro a partir dos excertos dos diários de Sharett em Livia Rokach, Israel’s Sacred
Terrorism: A Study Based on Moshe Sharett’s Personal Diary and Other Documents (Belmont,
MA: Arab American University Graduates, 1985).
74. Isto é confirmado por Mordechai Bar On, que fazia parte do Estado-Maior israelita na
altura: The Gates of Gaza: Israel’s Road to Suez and Back, 1955-57 (Nova Iorque: St. Martin’s
Press, 1994), 72-75. Ver também Benny Morris, Israel’s Border Wars.
75. Avi Shlaim, «Conflicting Approaches».
76. Um relato fidedigno destes acontecimentos é o das memórias do tenente-general Burns, o
oficial canadiano que comandou a Organização de Supervisão de Tréguas da ONU na linha do
armistício israelo-egípcio entre 1954 e 1956: Between Arab and Israeli. Ver também Shlaim,
«Conflicting Approaches».
77. Matthew Connelly, A Diplomatic Revolution: Algeria’s Fight for Independence and the
Origin of the Post-Cold War Era (Nova Iorque: Oxford University Press, 2002).
78. Há uma vasta literatura sobre a guerra do Suez de 1956. Para uma boa coleção de ensaios
sobre o tema, ver Suez 1956: The Crisis and Its Consequences, ed. Roger Louis e Roger Owen
(Oxford: Clarendon Press, 1989). Ver também Benny Morris, Israel’s Border Wars.
79. «Special Report of the Director of the United Nations Relief And Works Agency for
Palestine Refugees in the Near East», A/3212/Add.1 de 15 de dezembro de 1956,
https://unispal.un.org/DPA/DPR/unispal.nsf/0/6558F61D3DB6BD4505256593006B06BE.
80. Estes massacres foram tema de um debate no Knesset em novembro de 1956, em que a
expressão «assassínio em massa» foi utilizada. Para um relato detalhado de um soldado israelita
que assistiu ao massacre, ver Marek Gefen, «The Strip is Taken», Al-Hamishmar, 27 de abril de
1982. Estes massacres são o principal foco de Joe Sacco, Footnotes in Gaza: A Graphic Novel
(Nova Iorque: Metropolitan Books, 2010).
81. El-Farra falou posteriormente sobre isto numa história oral das Nações Unidas:
http://www.unmultimedia.org/oralhistory/2013/01/el-farra-muhammad/.
82. Na segunda edição do seu livro, The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited,
Benny Morris enumera vinte desses massacres.
83. Jean-Pierre Filiu, Gaza: A History (Oxford: Oxford University Press, 2014).

Capítulo 3
1. Le dimanche de Bouvines: 27 juillet 1214 (Paris: Gallimard, 1973), 10. A frase original em
francés é assim: «Je tachai de voir comment un événement se fait et se défait puisque, en fin de
compte, il n’existe que par ce qu’on en dit, puisqu’il est à proprement parler fabriqué par ceux que
en répandent la renommée.»
2. Lyndon Johnson, The Vantage Point: Perspectives of the Presidency (Nova Iorque: Holt,
Rinehart and Winston, 1971), 293.
3. As forças militares dos Estados Unidos e a CIA calculavam que Israel venceria facilmente
todos os exércitos árabes combinados, mesmo que estes atacassem primeiro. Ver Departamento de
Estado dos EUA, Foreign Relations, 1964-1968, Volume XIX, Arab-Israeli Crisis and War, 1967
[doravante Foreign Relations, 1967], https://2001-
2009.state.gov/r/pa/ho/frus/johnsonlb/xix/28054.htm. Numa reunião com o presidente Johnson e os
seus principais assessores a 26 de maio de 1967, o general Earl Wheeler, presidente do Estado-
Maior Conjunto, declarou o seguinte: «As disposições da RAU são defensivas, e não parecem estar
a preparar-se para uma invasão a Israel… Concluiu, porém, que Israel deveria ser capaz de resistir
ou de realizar [sic] agressões, e que a longo prazo Israel triunfaria… Acreditava que os israelitas
conquistariam a superioridade aérea. A RAU perderia muitas aeronaves. A filosofia militar de
Israel é obter surpresa tática atacando os aeródromos primeiro» («Memorandum for the Record»,
Documento 72). A CIA era da mesma opinião: «Intelligence Memorandum prepared by the Central
Intelligence Agency» declarava o seguinte: «Israel podia quase de certeza conseguir a
superioridade aérea sobre a Península do Sinai em 24 horas após ter tomado a iniciativa, ou em
dois ou três dias se a RAU atacasse primeiro… Calculamos que as forças blindadas de ataque
conseguiriam romper a dupla linha de defesa da RAU no Sinai em vários dias» (Documento 76).
As ideias de que Israel era mais fraco do que os árabes e de que estava à beira da aniquilação
tornaram-se, ainda assim, nalgumas das mais duras falsidades sobre o conflito.
4. Os generais – quatro deles majores-generais em 1967 – foram Ezer Weizman (comandante da
força aérea em 1967 e posteriormente presidente de Israel, além de sobrinho de Chaim Weizmann),
Chaim Herzog (chefe dos serviços de informação militar em 1962 e também posteriormente
presidente de Israel), Haim Bar Lev (chefe do Estado-Maior adjunto em 1967 e posteriormente
chefe do Estado-Maior), Matitiyahu Peled (membro do Estado-Maior em 1967) e Yeshiyahu
Gavish (chefe do Comando Sul em 1967): Amnon Kapeliouk, «Israël était-il réellement menacé
d’extermination?», Le Monde, 3 de junho de 1972. Ver também Joseph Ryan, «The Myth of
Annihilation and the Six-Day War», Worldview, setembro de 1973, 38-42, que resume a «guerra
dos generais» contra esta mentira específica: https://carnegiecouncil-
media.storage.googleapis.com/files/v16_i009_a009.pdf.
5. Tem sido falsamente alegado que o Egito esteve prestes a lançar um ataque aéreo surpresa
contra bases aéreas israelitas no dia 27 de maio de 1967, e só foi dissuadido pelos esforços dos
Estados Unidos e da URSS: ver William Quandt, Peace Process (Washington, DC: Brookings
Institution, 1993), 512n38. As forças militares israelitas parecem ter acreditado nesta possibilidade,
mas embora tenha existido um tal plano de contingência egípcio, com o nome de código Fajr
(Amanhecer), nunca foi seriamente considerado pelos líderes egípcios, que foram intensamente
desencorajados de atacar tanto pelos Estados Unidos como pela URSS: ver Avi Shlaim, «Israel:
Poor Little Samson», em The 1967 Arab-Israeli War, ed. Roger Louis e Avi Shlaim (Nova Iorque:
Cambridge University Press, 2012), 30. Uma alta delegação egípcia encontrava-se em Moscovo
nesta altura, e os seus interlocutores soviéticos, incluindo o primeiro-ministro soviético Alexei
Kosygin, o Ministro da Defesa Andrei Grechko e o Ministro dos Negócios Estrangeiros Andrei
Gromyko, aconselharam fortemente contenção aos egípcios: para mais pormenores baseados numa
entrevista ao Ministro da Defesa egípcio, Shams Badran, nos relatos de vários outros participantes
e nas minutas das reuniões, ver Hassan Elbahtimy, «Did the Soviet Union Deliberately Instigate the
1967 War?», blogue do Centro Wilson de História e Política Pública (a sua conclusão em resposta à
pergunta do título é não), https://www.wilsoncenter.org/blog-post/did-the-soviet-union-
deliberately-instigate-the-1967-war-the-middle-east.
Para uma exposição mais completa das fontes e das suas conclusões, ver Hassan Elbahtimy,
«Allies at Arm’s Length: Redefining Soviet Egyptian Relations in the 1967 Arab-Israeli War»,
Journal of Strategic Studies (fevereiro de 2018), https://doi.org/10.1080/01402390.2018.1438893.
Ver também Hassan Elbahtimy, «Missing the Mark: Dimona and Egypt’s Slide into the 1967 Arab-
Israeli War», Nonproliferation Review 25, n.os 5-6 (2018): 385-97,
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10736700.2018.1559482.
6. Um dos primeiros, e talvez o mais influente, a espalhar originalmente este mito foi o
Ministro dos Negócios Estrangeiros israelita Abba Eban. Num dos seus célebres bon mots, disse ao
Conselho de Segurança no dia 8 de junho de 1967 que, ainda que muitos duvidassem das
perspetivas israelitas «de segurança e sobrevivência… A verdade é que acabámos por nos revelar
menos cooperantes do que alguns teriam esperado com o plano para a nossa extinção». Registos
Oficiais do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Reunião 1351, 8 de junho de 1967,
S/PV.1351. Para mais pormenores sobre a refutação deste mito e a sua persistência, ver Joseph
Ryan, «The Myth of Annihilation and the Six-Day War», 38-42.
7. O Secretário de Estado Mike Pompeo referiu que o mito de Israel estaria à beira do
extermínio em 1967 para justificar o reconhecimento por parte da administração Trump da
soberania israelita sobre os Montes Golã, dizendo: «Trata-se de uma situação incrível e única.
Israel estava a travar uma batalha defensiva para salvar a sua nação, e não pode dar-se o caso de
uma resolução das Nações Unidas ser um pacto suicida.» David Halbfinger e Isabel Kershner,
«Netanyahu Says Golan Heights Move “Proves You Can” Keep Occupied Territory», New York
Times, 26 de março de 2019, https://www.nytimes.com/2019/03/26/world/middleeast/golan-
heights-israel-netanyahu.html.
8. Para uma síntese destas questões, ver Elbahtimy «Allies at Arm’s Length», e Eugene Rogan
e Tewfik Aclimandos, «The Yemen War and Egypt’s War Preparedness», em The 1967 Arab-
Israeli War: Origins and Consequences, ed. W. Roger Louis e Avi Shlaim (Cambridge: Cambridge
University Press, 2012). Ver também Jesse Ferris, Nasser’s Gamble: How Intervention in Yemen
Caused the Six-Day War and the Decline of Egyptian Power (Princeton, NJ: Princeton University
Press, 2012).
9. Michael Oren, Six Days of War: June 1967 and the Making of the Modern Middle East
(Oxford: Oxford University Press, 2002), refere que os ataques aéreos surpresa estavam «planeados
há muito» (p. 202) e que havia uma série de planos de contingência de longa data para atacar e
ocupar os Montes Golã da Síria (p. 154), a Margem Ocidental e Jerusalém Oriental (p. 155) e a
Península do Sinai (p. 153).
10. Os tempos mudaram na ONU: esta divisão chama-se atualmente Assuntos Políticos e é
geralmente chefiada por um americano.
11. É possível ver o meu pai a levantar-se por breves instantes na última fila, em torno da mesa
do conselho, no exato momento em que a resolução é aprovada (provavelmente para confirmar a
contagem dos votos) num vídeo da Universal Newsreel sobre a votação para o cessar-fogo de dia 9
de junho, que está incorporado no artigo da Wikipédia sobre a guerra de junho:
http://en.wikipedia.org/wiki/Six-Day_War.
12. Registos Oficiais do Conselho de Segurança das Nações Unidas, 1352.ª Reunião, 9 de junho
de 1967, S/PV.1352.
13. Ver Itamar Rabinovich, The Road Not Taken: Early Arab-Israeli Negotiations (Nova
Iorque: Oxford University Press, 1991); e Shlaim, The Iron Wall.
14. França tinha fornecido secretamente a tecnologia necessária para as armas nucleares de
Israel, enquanto o governo israelita enganava sistematicamente os americanos sobre a natureza do
seu programa nuclear. Para um relatório do Departamento de Defesa de 1987, cuja
confidencialidade foi levantada por ordem judicial em 2015, relativo ao nível técnico do
desenvolvimento das armas nucleares de Israel, ver:
http://www.courthousenews.com/2015/02/12/nuc%20report.pdf. Para melhor descrição do engano
de Israel para com os Estados Unidos relativamente ao seu programa nuclear, ver Avner Cohen,
Israel and the Bomb (Nova Iorque: Columbia University Press, 1999). Ver também o trabalho de
Cohen sobre as armas nucleares israelitas no Projeto Internacional de História da Proliferação
Nuclear do Centro Internacional para Académicos Woodrow Wilson.
15. Biblioteca e Arquivo Presidencial John F. Kennedy, http://www.jfklibrary.org/Asset-
Viewer/Archives/JFKPOF-135-001.aspx. Na sua carta, o futuro presidente previa nove anos antes
do acontecimento que a divisão da Palestina acabaria por ser o resultado do conflito.
16. A biógrafa de Fortas, Laura Kalman, descreveu-o como um «judeu que se importava mais
com Israel do que com o judaísmo» em Abe Fortas: a Biography (New Haven: Yale University
Press, 1990).
17. Referências a Bundy et al. podem ser encontradas em
https://moderate.wordpress.com/2007/06/22/lyndon-johnson-was-first-to-align-us-policy-with-
israel%E2%80%99s-policies/.
18. Feinberg era presidente do American Bank and Trust Company e um grande financiador do
Partido Democrata. Krim era presidente da United Artists e também da Comissão Financeira
Nacional do Partido Democrata.
19. Sobre Mathilde Krim, ver Deirdre Carmody, «Painful Political Lessons for AIDS
Crusader», New York Times, 30 de janeiro de 1991,
http://www.nytimes.com/1990/01/30/nyregion/painful-political-lesson-for-aids-crusader.html;
Philip Weiss, «The Not-so-Secret Life of Mathilde Krim», Mondoweiss, 26 de janeiro de 2018,
http://mondoweiss.net/2018/01/secret-life-mathilde; e o relato de Grace Halsell, que trabalhou na
Casa Branca em 1967, tendo pertencido à equipa de redação do presidente, «How LBJ’s Vietnam
War Paralyzed His Mideast Policymakers», Washington Report on Middle East Affairs, 20 de junho
de 1993, http://www.wrmea.org/1993-june/how-lbj-s-vietnam-war-paralyzed-his-mideast-
policymakers.html.
20. O registo oficial do encontro feito pelos EUA está em Foreign Relations, 1967, Documento
124, «Memorandum for the Record, June 1, 1967, Conversation between Major General Meir Amit
and Secretary McNamara», https://2001-2009.state.gov/r/pa/ho/frus/johnsonlb/xix/28055.htm. Para
a versão de Amit, ver Richard Parker, ed., The Six-Day War: A Retrospective (Gainesville:
University Press of Florida, 1996), 139. A versão dos EUA é mais vaga do que a de Amit,
observando apenas que o general disse que «sente que são necessárias medidas extremas e
depressa», e que McNamara «perguntou ao general Amit quantas baixas julgava que ia sofrer num
ataque ao Sinai» e prometeu-lhe que iria «transmitir as opiniões de Amit ao presidente». Ainda que
os documentos oficiais dos EUA e as descrições deste encontro feitas por Amit e por outros
estejam disponíveis há muito, persiste a opinião manifestamente falsa de que os Estados Unidos
não deram luz verde a Israel para atacar. Veja-se, por exemplo, a obra detalhada, mas com falhas,
de Michael Oren, Six Days of War, 146-47. Muito melhores neste aspeto (e em quase todos os
outros) da guerra de 1967 são Tom Segev, 1967: Israel, the War, and the Year that Transformed the
Middle East (Nova Iorque: Metropolitan, 2007), 329-34; e Guy Laron, The Six-Day War: The
Breaking of the Middle East (New Haven: Yale University Press, 2017), 278-80, 283-84.
21. Oren, Six Days of War, 153-55, 202.
22. Estive presente nessa reunião, a que o meu pai me tinha levado. El-Farra falou
posteriormente de forma oficial sobre este conluio americano com Israel numa história oral:
http://www.unmultimedia.org/oralhistory/2013/01/el-farra-muhammad/.
23. Registos Oficiais do Conselho de Segurança das Nações Unidas, 1382.ª Reunião, 22 de
novembro de 1967, S/PV.1382,
https://unispal.un.org/DPA/DPR/unispal.nsf/db942872b9eae454852860f6005a76fb/9f5f09a80bb68
78b0525672300565063?OpenDocument.
24. Sunday Times, 15 de junho de 1969.
25. Isto foi durante uma fase volátil da guerra civil libanesa. Adam Howard, ed., FRUS 1969-
1976, XXVI, Arab-Israeli Dispute, «Memorandum of Conversation», 24 de março de 1976
(Washington, DC: US Government Printing Office, 2012), 967.
26. De acordo com uma sondagem de 2018 do Centro Árabe de Investigação e Estudos
Políticos, em todos os anos desde 2011, mais de 84 por cento dos inquiridos em onze países árabes
eram contra o reconhecimento de Israel, sendo a principal razão apresentada para esta oposição a
sua ocupação de terras palestinianas. Entre 2017 e 2018, 87 por cento eram contra o
reconhecimento, com apenas 8 por cento a favor. Três quartos dos inquiridos nesse ano
consideravam a Palestina uma causa árabe, enquanto 82 por cento consideravam Israel a principal
ameaça estrangeira à região. As atitudes negativas em relação à política dos EUA passaram de 49
por cento em 2014 para 79 por cento entre 2017 e 2018: «Arab Opinion Index, 2017-2018: Main
Results in Brief» (Washington, DC: Centro Árabe, 2018),
file:///C:/Users/rik2101/Downloads/Arab%20Opinion%20Index-2017-2018.pdf.
27. Logo em 1977, os Estados Unidos fizeram tentativas de convencer a OLP a aceitar a SC
242 através de contactos indiretos com a organização. Ver Adam Howard, ed., FRUS, 1977-1980,
vol. VIII, Arab-Israeli Dispute, janeiro de 1977 – agosto de 1978, «Telegram from the Department
of State to the Embassy in Lebanon», Washington, DC, 17 de agosto de 1977, 477,
http://history.state.gov/historicaldocuments/frus1977-80v08/d93.
28. Ahmad Samih Khalidi, «Ripples of the 1967 War», Cairo Review of Global Affairs 20
(2017), 8.
29. O título em árabe é al-Waqa’i’ al-ghariba fi ikhtifa’ Sa’id abi Nahs, al-mutasha’il. O livro
foi publicado pela primeira vez em Haifa em 1974, foi imediatamente reeditado em Beirute, tem
estado amplamente disponível desde então e foi posteriormente adaptado para os palcos como um
popular espetáculo de um só artista protagonizado pelo conhecido ator palestiniano Muhammad
Bakri, a cuja representação assisti no teatro al-Qasaba em Jerusalém na década de 1990.
30. Para a melhor análise aos escritos de Kanafani, ver as secções sobre ele em Bashir Abu
Manneh, The Palestinian Novel: From 1948 to the Present (Cambridge: Cambridge University
Press, 2016), 71-95; e Barbara Harlow, After Lives: Legacies of Revolutionary Writing (Chicago:
Haymarket, 1996). A obra de Kanafani foi traduzida para inglês por Barbara Harlow, Hilary
Kilpatrick e May Jayyusi, entre outros.
31. Nomeadamente al-Adab al-filastini al-muqawim tahta al-ihtilal, 1948-1968 [Literatura
palestiniana de resistência sob ocupação, 1948-1968], 3.ª ed. (Beirute: Instituto de Estudos
Palestinianos, 2012).
32. Normalmente, os serviços de segurança israelitas não reivindicam esses assassinatos. No
entanto, de acordo com um livro de setecentas páginas, baseado em entrevistas a centenas de
oficiais superiores dos serviços de informação e em ampla documentação, da autoria de Ronen
Bergman, Rise and Kill First: The Secret History of Israel’s Targeted Assassinations (Nova Iorque:
Random House, 2018), 656fn, Kanafani foi assassinado pela Mossad. Cheio de pormenores, o livro
de Bergman é um relato fidedigno de alguém intimamente ligado ao meio dos serviços de
informação da liquidação por Israel de centenas de líderes e militantes palestinianos ao longo de
várias gerações. É gravemente prejudicado pelo seu tom de ansiosa admiração por aqueles que
planearam e realizaram estes assassinatos, e também pela sua aceitação da irrefletida lógica de
eliminação soma zero, que transparece do título, extraído da injunção talmúdica: «Se alguém vier
para te matar, ergue-te e mata-o primeiro.» O título é revelador: sugere que os assassinatos de
líderes palestinianos por parte de Israel são justificados, pois eles teriam matado israelitas se não
fosse por esses «assassinatos seletivos». Para uma avaliação crítica, mas apreciativa do livro, veja-
se a recensão de Paul Aaron, «How Israel Assassinates Its “Enemies”: Ronen Bergman Counts the
Ways», Journal of Palestine Studies 47, n.º 3 (primavera de 2018), 103-5.
33. O melhor estudo sobre o MNA é Walid Kazziha, Revolutionary Transformation in the Arab
World: Habash and His Comrades from Nationalism to Marxism (Londres: Charles Knight, 1975).
34. Para mais pormenores, ver as memórias de Amjad Ghanma, Jam’iyat al-‘Urwa al-Wuthqa:
Nash’atuha wa-nashatatuha [A Sociedade ‘Urwa al-Wuthqa: Suas origens e atividades] (Beirute:
Riad El-Rayyes, 2002). Na página 124, reproduz uma fotografia do «Comité Administrativo» do
grupo em 1937-38, incluindo o meu pai, sentado com Zureiq e o presidente da UAB, Bayard
Dodge, na fila da frente. O nome do grupo evoca o da célebre publicação nacionalista pan-islâmica
produzida em Paris por Jamal al-Din al-Afghani e Muhammad ‘Abdu no início da década de 1880,
que tomou o seu nome de um versículo do Corão, 2:256.
35. Ma’na al-nakba [O significado da catástrofe] (Beirute: Dar al-‘Ilm lil-Milayin, 1948). Esta
pequena obra tem sido repetidamente reeditada, mais recentemente em 2009 pelo Instituto de
Estudos Palestinianos, juntamente com outros escritos anteriores, baseados nas lições da derrota de
1948, de Musa al-‘Alami (‘Ibrat Filastin [A lição da Palestina]), Qadri Touqan (Ba’d al-nakba
[Depois da catástrofe]) e George Hanna (Tariq al-khalas [O caminho da salvação]).
36. Veja-se o meu artigo, «The 1967 War and the Demise of Arab Nationalism: Chronicle of a
Death Foretold», em The 1967 Arab-Israeli War, ed. Louis e Shlaim, 264-84, para uma discussão
de como a derrota em 1967 afetou o nacionalismo árabe e o renovado movimento nacional
palestiniano.
37. A obra de referência sobre o movimento de resistência palestiniano é Yezid Sayigh, Armed
Struggle and the Search for State: The Palestinian National Movement, 1949-1993 (Oxford:
Oxford University Press, 1997). Duas excelentes histórias gerais do conflito são Charles D. Smith,
Palestine and the Arab-Israeli Conflict: A History with Documents, 9.ª ed. (Nova Iorque:
Bedford/St. Martin’s, 2016); e James Gelvin, The Israel-Palestine Conflict: One Hundred Years of
War, 3.ª ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 2014). Ver também Baruch Kimmerling e
Joel Migdal, Palestinians: The Making of a People (Nova Iorque: The Free Press, 1993); e William
Quandt, Fuad Jabber e Ann Lesch, The Politics of Palestinian Nationalism (Oakland: University of
California Press, 1973).
38. Um excelente estudo sobre este tema é Paul Chamberlin, The Global Offensive: The United
States, the Palestine Liberation Organization, and the Making of the Post-Cold War Order
(Oxford: Oxford University Press, 2012).
39. Para a mais sofisticada análise de como Israel conseguiu estabelecer a sua hegemonia
discursiva nos Estados Unidos, ver Kaplan, Our American Israel, e Novick, The Holocaust in
American Life.
40. Bergman, Rise and Kill First, 162-74, faz uma descrição detalhada desta operação, em que
Barak se vestiu de mulher.
41. Bergman, Rise and Kill First, 117-18, 248-61, inclui muitos exemplos dessas tentativas de
assassinar ‘Arafat. Para uma análise desta estratégia de assassinato e um antídoto para a abordagem
ilibatória de Bergman, veja-se a recensão de Paul Aaron ao livro, «How Israel Assassinates Its
“Enemies”», e também o seu artigo em duas partes, «The Idolatry of Force: How Israel Embraced
Targeted Killing» e «The Idolatry of Force (Part II): Militarism in Israel’s Garrison State», Journal
of Palestine Studies 46, n.º 4 (verão de 2017), 75-99, e 48, n.º 2 (inverno de 2019), 58-77.
42. Muito do material deste capítulo e do seguinte é baseado em traduções para inglês de
documentos dos apêndices secretos da Comissão Kahan de investigação aos massacres de Sabra e
Shatila em 1982. No texto que se segue, cito-os como Documentos Kahan [DK] I a VI. Os
documentos estão disponíveis no site do Instituto de Estudos Palestinianos:
https://palestinesquare.com/2018/09/25/the-sabra-and-shatila-massacre-new-evidence/. William
Quandt, professor emérito na Universidade da Virgínia e alto funcionário do Conselho de
Segurança Nacional durante a administração do presidente Jimmy Carter, forneceu ao IEP cópias
digitalizadas destes documentos. No decorrer de um processo por difamação movido contra a
revista Time por Ariel Sharon, Quandt serviu de consultor aos advogados de defesa da Time. A
firma de advogados da revista entregou-lhe estes documentos como seleções traduzidas do original
em hebraico. Especialistas familiarizados com esses documentos confirmaram que constituem o
grosso dos apêndices não publicados do relatório Kahan.
Em DK IV, Encontro entre Sharon e Bashir Gemayel, Beirute, 8 de julho de 1982, Doc. 5,
229ff, onde Gemayel pergunta se Israel teria alguma objeção a que ele arrasasse os campos de
refugiados palestinianos no Sul do Líbano para que os refugiados não permanecessem no Sul,
Sharon respondeu: «Isso não é assunto nosso: não queremos envolver-nos nos assuntos internos do
Líbano.» Durante um encontro entre Sharon e Pierre e Bashir Gemayel, a 21 de agosto de 1982
(DK V, 2-9), Sharon disse-lhes assim: «Foi antes colocada uma questão, o que aconteceria aos
palestinianos depois de os terroristas retirarem… Têm de agir… para que não haja terroristas, têm
de limpar os campos.» Para mais informações sobre a lógica de eliminação partilhada por Sharon,
Gemayel e seus tenentes, ver capítulo 5, mais adiante.
43. Pierre Gemayel tinha fundado o partido após ter visitado a Alemanha nazi durante os Jogos
Olímpicos de 1936, em que participou como guarda-redes da equipa de futebol libanesa.
44. Jerusalem Post, 15 de outubro de 1982. Ze’ev Schiff e Ehud Ya’ari, em Israel’s Lebanon
War (Nova Iorque, Simon and Schuster, 1983), 20, indicam que o coronel Binyamin Ben-Eliezer,
oficial superior israelita de ligação às FL e posteriormente Ministro da Defesa israelita e vice-
primeiro-ministro, esteve presente no posto de comando de onde as FL dirigiam o cerco a Tal al-
Za’tar em julho, semanas antes de o campo cair. Schiff e Ya’ari descrevem a extensa colaboração
entre as forças militares e os serviços de informação israelitas e as FL neste e noutros períodos
posteriores, tal como Bergman em Rise and Kill First.
45. DK III, minutas da reunião da Comissão de Defesa e Relações Exteriores do Knesset, 24 de
setembro de 1982, 224-25.
46. Ibid., 225-26.
47. A WAFA, no 13 de agosto de 1976, identificou o oficial superior dos serviços de
informação militar sírios no Líbano, o coronel Ali Madani, como estando presente no posto de
comando das FL a fim de «supervisionar» a operação contra o campo: ver al-Nahar e al-Safir, 13
de agosto de 1976, para reportagens sobre a conferência de imprensa de Hassan Sabri al-Kholi no
dia 12 de agosto de 1976. Helena Cobban, que acompanhou a guerra como repórter para o
Christian Science Monitor e assistiu à queda do campo, afirma que o coronel Madani foi visto no
posto de comando das FL por outros jornalistas ocidentais: The Palestinian Liberation
Organization (Cambridge: Cambridge University Press, 1984), 281n35. Outros relatos identificam
o seu subordinado, o coronel Muhammad Kholi, como estando também presente.
48. Adam Howard, ed., FRUS 1969-1976, XXVI, Arab-Israeli Dispute, «Minutes of
Washington Special Actions Group Meeting», Washington, DC, 24 de março de 1976, 963.
49. Kissinger fez esta afirmação relativamente ao abandono americano dos curdos do Iraque à
Comissão Permanente de Inteligência da Câmara dos Representantes, chefiada pelo deputado Otis
Pike em 1975.
50. DK I, 18. Trata-se de um documento aparentemente preparado para a Comissão Kahan pelo
Ministro da Defesa em resposta às acusações contra Sharon. Sharon é citado na página 48 desde
documento como tendo dito que «cerca de 130 membros da Falange» receberam treino em Israel,
mas apresenta o mesmo número para a quantidade de auxílio militar.
51. Bergman, Rise and Kill First, 225-61.
52. Adam Howard, ed., FRUS 1969-1976, XXVI, Arab-Israeli Dispute, «Minutes of
Washington Special Actions Group Meeting», Washington, DC, 24 de março de 1976, 963.
53. Ibid.
54. Henry Kissinger, Years of Renewal (Nova Iorque: Touchstone, 1999), 351.
55. Este memorando só estava inicialmente disponível em Meron Medzini, ed., Israel’s Foreign
Relations: Selected Documents, 1974-1977, vol. 3 (Jerusalém: Ministério dos Negócios
Estrangeiros, 1982), 281-90. O governo dos EUA publicou-o vinte anos depois em Adam Howard,
ed., FRUS, 1969-1976, XXVI, Arab-Israeli Dispute, «Memorandum of Agreement between the
Governments of Israel and the United States». Uma carta secreta da mesma data do presidente Ford
para o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin consagrava outro compromisso crucial, através do
qual os Estados Unidos prometiam que, durante quaisquer negociações de paz, «fariam todos os
esforços para coordenar com Israel as suas propostas a fim de evitarem apresentar propostas que
Israel considerasse insatisfatórias», 838-40.
56. Adam Howard, ed., FRUS, 1969-1976, XXVI, Arab-Israeli Dispute, «Minutes of National
Security Council Meeting», Washington, DC, 7 de abril de 1976, 1017.
57. Ibid., 831-32. Ver também Patrick Seale, Asad: The Struggle for the Middle East (Oakland:
University of California Press, 1989), 278-84.
58. A descrição desta operação por Bergman, Rise and Kill First, 214-24, inclui erros, como a
menção de que, em 1978, um agente infiltrado israelita usou como cobertura o trabalho numa ONG
«num abrigo no campo de refugiados de Tel al-Zaatar». O campo tinha sido destruído dois anos
antes. Esta ONG pode ter sido um orfanato para crianças que tinham sobrevivido ao massacre no
campo, Bayt Atfal al-Sumud.
59. Bergman, Rise and Kill First, 242-43ff. Sobre a «Frente para a Libertação do Líbano dos
Estrangeiros», que sabemos agora não ter passado de uma fachada para os serviços de segurança
israelitas, ver Remi Brulin, «The Remarkable Disappearing Act of Israel’s Car-Bombing Campaign
in Lebanon», Mondoweiss, 7 de maio de 2018, https://mondoweiss.net/2018/05/remarkable-
disappearing-terrorism.
60. Para mais informações sobre as acusações de Dean, ver Philip Weiss, «New Book Gives
Credence to US Ambassador’s Claim That Israel Tried to Assassinate Him», Mondoweiss, 23 de
agosto de 2018, https://mondoweiss.net/2018/08/credence-ambassadors-assassinate/.
61. O falecido embaixador Dean forneceu-me generosamente documentos que abrangem todo o
período da sua presença como embaixador em Beirute, de finais de 1978 a 1981. Os que dizem
respeito à OLP são maioritariamente de 1979. Há também pelo menos meia dúzia de telegramas
confidenciais relativos aos contactos realizados por Parker e Dean com um destes intermediários, o
meu primo Walid Khalidi, na Wikileaks: ver, por exemplo, https://search.wikileaks.org/?
s=1&q=khalidi&sort=0.
62. O embaixador Dean forneceu cópias destes documentos ao Instituto de Estudos
Palestinianos, onde estão disponíveis para consulta pelos investigadores.
63. «Telegram from Secretary of State Vance’s Delegation to Certain Diplomatic Posts», 1 de
outubro de 1977, FRUS, 1977-80, Arab-Israeli Dispute, vol. 8, 634-36.
64. O estudo definitivo sobre este tema é Seth Anziska, Preventing Palestine: A Political
History from Camp David to Oslo (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2018).
65. O relato mais rigoroso de como Begin fez isto, baseado num estudo exaustivo de
documentos israelitas e americanos anteriormente não revelados, e de como assim lançou as bases
para as negociações posteriores, incluindo as de Madrid, Washington e Oslo a década de 1990, está
em Anziska, Preventing Palestine.

Capítulo 4
1. http://avalon.law.yale.edu/19th_century/hague02.asp#art25.
2. Citado em Alexander Cockburn, «A Word Not Fit to Print», Village Voice, 22 de setembro de
1982.
3. DK III, 196. Gur estava a dirigir-se a Sharon durante uma reunião da Comissão de Defesa e
Relações Exteriores do Knesset no dia 10 de junho de 1982.
4. Chaim Herzog, The Arab-Israeli Wars: War and Peace in the Middle East from the War of
Independence Through Lebanon, ed. rev. (Nova Iorque: Random House, 1985), 344, indica o
número de oito divisões. Herzog era um major-general reformado, antigo chefe dos serviços de
informação militar, e foi posteriormente presidente de Israel. Outras fontes fidedignas israelitas
sugeriram que até nove divisões acabaram por estar envolvidas na força de invasão.
5. Isto segundo o relatório oficial dos Serviços de Segurança Geral libaneses (Da’irat al-Amn
al-‘Am), que afirmava que 84 por cento das baixas em Beirute eram civis: Washington Post, 2 de
dezembro de 1982. Compreensivelmente, estes números não eram necessariamente de uma
exatidão absoluta, dadas as circunstâncias do período de guerra.
6. A Agência Palestiniana de Notícias, WAFA, no dia 14 de agosto de 1982, informou que os
obituários na imprensa israelita dos soldados mortos no Líbano durante as dez semanas de combate
somavam um total de 453. Esta discrepância pode ter resultado do facto de as forças militares
israelitas só divulgarem os números dos que morriam em ação, não dos que morriam
posteriormente dos seus ferimentos ou eram mortos de outra forma num teatro de combate: citado
em Under Siege, 199-200n4.
7. The Jerusalem Post, 10 de outubro de 1983. O próprio Sharon referiu 2 500 baixas israelitas
a Pierre e Bashir Gemayel no dia 21 de agosto de 1982: DK IV, 5. As baixas militares israelitas
entre junho de 1982 e a retirada parcial em junho de 1985 foram mais de 4 500. Mais de 500
soldados israelitas adicionais foram mortos entre 1985 e o fim da ocupação do Sul do Líbano em
maio de 2000, para um total de bem mais de 800 mortos entre 1982 e 2000. A guerra e a ocupação
do Líbano causaram, portanto, a Israel o terceiro maior número global de baixas militares, abaixo
das guerras de 1948 e 1973, e acima das guerras de 1956 e 1967 e da Guerra de Desgaste de 1968-
70 ao longo do Canal do Suez.
8. Provavelmente devido ao meu anterior papel na WAFA, onde tinha ajudado Mona a montar o
novo serviço em inglês, alguns jornalistas que não estavam cientes das regras básicas segundo as
quais falei com eles durante a guerra descreveram-me erradamente como «Diretor da WAFA» ou
«porta-voz da OLP», não sendo eu nenhuma dessas coisas (Thomas Friedman, «Palestinians Say
Invaders Are Seeking to Destroy P.L.O. and Idea of a State», New York Times, 9 de junho de 1982).
O título anterior teria surpreendido o verdadeiro diretor da WAFA, Ziyad ‘Abd al-Fattah, e também
Ahmad ‘Abd al-Rahman e Mahmud al-Labadi, que eram os porta-vozes oficiais da OLP, o primeiro
para os meios de comunicação árabes e o segundo para a imprensa estrangeira. Enquanto diretor da
secção de Informação Externa da OLP, al-Labadi era o único responsável por lidar com os
jornalistas estrangeiros. Estes três funcionários tinham o dever de apresentar a oposição da OLP,
algo que eu não estava obrigado a fazer. Quando falava com os jornalistas ocidentais, não era a
qualquer título oficial, mas antes anonimamente, como «fonte palestiniana informada». Quase
todos os jornalistas respeitavam esta convenção.
9. David Shipler, «Cease-Fire in Border Fighting Declared by Israel and PLO», New York
Times, 25 de julho de 1981, https://www.nytimes.com/1981/07/25/world/cease-fire-border-
fighting-declared-israel-plo-us-sees-hope-for-wider-peace.html.
10. Conheci fugazmente Habib quando era um adolescente em Seul a acompanhar o meu pai,
que, entre 1962 e 1965, ocupou o mais alto cargo civil das Nações Unidas na Coreia do Sul, onde
Habib era um alto diplomata na embaixada dos Estados Unidos. Ele e a esposa tinham socializado
com os meus pais, e a minha mãe jogava frequentemente bridge com a Sra. Habib em nossa casa.
Beneficiei desta relação quando Habib aceitou ser entrevistado para o meu livro sobre a OLP
durante a Guerra do Líbano: Under Siege: PLO Decisionmaking During the 1982 War.
11. Não era a primeira vez que me encontrava com Primakov, e como sempre, fiquei
impressionado com o seu conhecimento sobre a política do Médio Oriente, a sua inteligência e a
sua franqueza. Após a dissolução da URSS, tornou-se o primeiro diretor dos serviços de
informação da Rússia, depois Ministro dos Negócios Estrangeiros e finalmente primeiro-ministro.
Quando era primeiro-ministro, ajudou-nos, a mim e a um colega austríaco, a chegar a um acordo
com os arquivos estatais russos para a publicação de documentos diplomáticos soviéticos sobre o
Médio Oriente de entre as décadas de 1940 e 1980. O projeto foi abortado quando Primakov foi
destituído do cargo pelo presidente Boris Yeltsin em 1999. A sua descrição da guerra de 1982
encontra-se em Russia and the Arabs: Behind the Scenes in the Middle East from the Cold War to
the Present (Nova Iorque: Basic Books, 2009), 199-205.
12. Em entrevistas dadas posteriormente em Tunes, tanto Abu Iyad como Abu Jihad me
confirmaram que a liderança da OLP sabia há muito que a guerra estava próxima, tendo-se
preparado em conformidade: Under Siege, 198n21.
13. Aparentemente, ‘Arafat não ficou surpreendido. Num discurso de março de 1982, previra
que a OLP e os seus aliados teriam de lutar em Khaldeh: Under Siege, 198n20. O comandante da
OLP nesse setor, o coronel Abdullah Siyam, foi morto nessa batalha no dia 12 de junho, sendo o
oficial mais graduado da OLP a morrer durante a guerra. Dois dias antes, o oficial israelita mais
graduado a morrer em combate, o major-general Yukutiel Adam, antigo chefe do Estado-Maior
adjunto e diretor nomeado da Mossad, tinha sido morto por combatentes palestinianos junto à
costa, em Damour, uma zona que julgavam estar pacificada: Under Siege, 80-81.
14. Isto foi revelado por Alexander Cockburn, «A Word Not Fit to Print», Village Voice, 22 de
setembro de 1982.
15. A maioria dos jornalistas ocidentais tinha-se mudado para o Hotel Commodore do lendário
St. George Hotel junto ao mar no passeio de Corniche, que tinha sido saqueado e queimado em
1975. O St. George servira durante muito tempo como quartel-general para jornalistas estrangeiros,
diplomatas, espiões, traficantes de armas e outros tipos menos respeitáveis. Apesar de mais
modesto do que o luxuoso St. George, e sem a sua espetacular vista para o mar, o Commodore
tinha a virtude inestimável de ficar relativamente longe da maior parte das frentes de batalha da
guerra civil. Said Abu Rish, The St. George Hotel Bar (Londres: Bloomsbury, 1989), narra algumas
das intrigas que aí ocorreram, observando que célebres agentes dos serviços de inteligência como
Kim Philby e Miles Copeland eram clientes habituais.
16. Ze’ev Schiff e Ehud Ya’ari, Israel’s Lebanon War (Nova Iorque: Simon and Schuster,
1983), mostram com algum detalhe a extensão da rede de espionagem israelita no Líbano, tal como
Bergman, Rise and Kill First.
17. Bergman, Rise and Kill First, diz que os esforços concertados para matar toda a liderança
da OLP remontavam pelo menos a 1981: 244-47.
18. «123 Reported Dead, 550 Injured as Israelis Bomb PLO Targets», New York Times, 18 de
julho de 1981, https://www.nytimes.com/1981/07/18/world/123-reported-dead-550-injured-israelis-
bomb-plo-targets-un-council-meets-beirut.html.
19. «Begin Compares Arafat to Hitler», UPI, 5 de agosto de 1982,
http://www.upi.com/Archives/1982/08/05/Begin-compares-Arafat-to-Hitler/2671397368000/.
20. Bergman, Rise and Kill First, indica que as tentativas israelitas de assassinar ‘Arafat
começaram em 1967, 117-18. Em 248-61, inclui relatos de múltiplas tentativas de o matar durante
a guerra de 1982.
21. Entrevista, Dra. Lamya Khalidi, Nice, 1 de junho de 2018. Há uma fotografia em Bergman,
Rise and Kill First, entre as páginas 264-265, do comandante de um esquadrão de assassinos
israelita «vestido de mendigo», sentado numa rua de uma cidade árabe não identificada,
provavelmente Beirute.
22. Este agente duplo tinha sido infiltrado pelos serviços de Abu Iyad na fação Abu Nidal anti-
OLP sediada na Líbia a fim de enfraquecer esse grupo, uma operação que foi altamente bem-
sucedida. Posteriormente, foi contratado como motorista por um dos principais tenentes de Abu
Iyad, Abu al-Hol [Ha’il Abd al-Hamid]. Veio a descobrir-se que este agente tinha também sido
subornado (provavelmente pelo regime iraquiano, que apoiava o grupo Abu Nidal e que estava
furioso por Abu Iyad se ter oposto abertamente à sua invasão do Kuwait). Assassinou Abu Iyad,
Abu al-Hol e um assessor no dia 14 de janeiro de 1991, dois dias antes da ofensiva dos Estados
Unidos para expulsar as forças iraquianas do Kuwait.
23. Pode ser este o bombardeamento descrito em Bergman, Rise and Kill First, 256: «Uma vez,
eles [o esquadrão de assassinos] até ouviram o próprio ‘Arafat ao telefone e enviaram um par de
caças-bombardeiros que arrasaram o edifício, mas ‘Arafat tinha saído “menos de trinta segundos
antes”, segundo Dayan [comandante da unidade].» Pode ser o mesmo ataque referido nas páginas
258-59, erradamente datado de dia 5 de agosto e incorretamente descrito como direcionado contra
o «edifício Sana’i em Beirute Ocidental, onde se supunha que Arafat estaria a assistir a uma
reunião». Segundo Bergman, o Chefe do Estado-Maior Rafael Eitan participou pessoalmente neste
bombardeamento.
24. Under Siege, 97. O jornalista Tony Clifton, da Newsweek, estava no local, bem como John
Bulloch, do Daily Telegraph. Clifton faz uma descrição devastadora do rescaldo, e diz que o
número de baixas pode ter chegado às 260: Tony Clifton e Catherine Leroy, God Cried (Londres:
Quartet Books, 1983), 45-46. Ver também John Bulloch, Final Conflict: The War in Lebanon
(Londres: Century, 1983), 132-33.
25. Para mais pormenores, ver Under Siege 88 e 202n39. Ver também Bergman, Rise and Kill
First, 242-43, que dá pormenores sobre a utilização de carros-bomba no Líbano pelos serviços de
informação israelitas.
26. Em Under Siege, descrevo como a OLP chegou à sua decisão de abandonar Beirute. Escrevi
esse livro com base no acesso aos arquivos da OLP que então se encontravam em Tunes (esses
arquivos, juntamente com outras instalações da OLP, foram bombardeados por Israel no dia 1 de
outubro de 1985, matando um dos arquivistas que me tinham ajudado), e também em entrevistas
aos principais participantes americanos, franceses e palestinianos envolvidos nas negociações.
27. Anziska, Preventing Palestine, 201.
28. Os palestinianos sempre suspeitaram que o grupo Abu Nidal, que serviu, em diferentes
períodos, de fachada para os serviços de inteligência líbios, iraquianos e sírios, também estava
infiltrado pela Mossad israelita. Bergman, Rise and Kill First, diz que, segundo as suas fontes
israelitas, «os serviços de inteligência britânicos tinham um agente duplo na célula Abu Nidal» que
realizou o ataque a Argov (249). Embora Bergman descreva os agentes duplos israelitas como
estando presentes em praticamente todos os grupos considerados hostis a Israel, e apesar dos
espetaculares ataques do grupo Abu Nidal a alvos israelitas e judeus, o seu livro não faz qualquer
referência à sua infiltração por agentes duplos israelitas, nem tem qualquer entrada específica sobre
o grupo no seu índice.
29. Anziska, Preventing Palestine, 201-2.
30. A minha mãe foi alvejada, e teve a sorte de ter sofrido apenas ferimentos ligeiros, ao passar
por outro desses postos de controlo, este gerido por tropas sírias, em fevereiro de 1977.
31. Entre estes, incluíam-se políticos como Rashid Karami, Sa’eb Salam e Salim al-Hoss, que
tinham servido como primeiros-ministros do Líbano sob uma fórmula que remontava à
independência do país em 1943 e que estavam tradicionalmente alinhados com a maioritariamente
sunita presença política e militar palestiniana no Líbano.
32. Under Siege, 65, 88 e 201n16. Múltiplos documentos dos apêndices secretos dos papéis da
investigação da Comissão Kahan aos massacres de Sabra e Shatila fazem referência aos massacres
de drusos por parte das FL nos Shouf: DK I, 5; DK II, 107-8; DK III; 192; DK IV, 254, 265, 296;
DK V, 56, 58; DK VI, 78. Estes documentos podem ser consultados em
https://palestinesquare.com/2018/09/25/the-sabra-and-shatila-massacre-new-evidence/.
33. O texto do Plano de Onze Pontos pode ser encontrado em Under Siege, 183-84.
34. Além dos massacres nos Shouf em finais de junho e inícios de julho, documentos nos
apêndices secretos do relatório da Comissão Khan relatam outras atrocidades: o desaparecimento e
provável homicídio de 1 200 pessoas em Beirute às mãos das forças controladas por Elie Hobeika,
chefe dos serviços de informação das FL (DK II, 1, e DK V, 58), e um relatório da Mossad sobre
500 pessoas «liquidadas» em barricadas das FL até ao dia 23 de junho: DK II, 3, e DK VI, 56. Ver
https://palestinesquare.com/2018/09/25/the-sabra-and-shatila-massacre-new-evidence/.
35. Under Siege, 171, citando os documentos originais nos arquivos da OLP.
36. Toda a correspondência entre os EUA e o Líbano pode ser consultada em Department of
State Bulletin, setembro de 1982, vol. 82, n.º 2066, 2-5.
37. Relatórios da polícia libanesa referiam «pelo menos 128 mortos» e mais de 400 feridos
nesse dia: Under Siege, 204n67, citando uma reportagem da AP publicada no New York Times, 13
de agosto de 1982.
38. Entrada do dia 12 de agosto de 1982, em Ronald Reagan, The Reagan Diaries, ed. Douglas
Brinkley (Nova Iorque: HarperCollins, 2007), 98.
39. Durante algum tempo depois do ocorrido, também ficavam assustadas sempre que ouviam
um avião ou um helicóptero a voar sobre as suas cabeças.
40. O próprio Malcolm Kerr foi assassinado mesmo à porta do seu gabinete apenas dezasseis
meses depois, tal como vários dos meus colegas da UAB.
41. Jenkins partilhou posteriormente um Prémio Pulitzer com Thomas Friedman do New York
Times pela sua reportagem sobre o massacre de Sabra e Shatila.
42. A análise mais completa ao número de vítimas do massacre, baseada em extensas
entrevistas e numa meticulosa investigação, é a da ilustre historiadora palestiniana Bayan
Nuwayhid al-Hout, que, em Sabra and Shatila: September 1982 (Ann Arbor: Pluto, 2004),
estabeleceu um mínimo de cerca de 1 400 mortos. Observa, no entanto, que, uma vez que muitas
vítimas foram raptadas e nunca foram descobertas, o verdadeiro número foi inquestionavelmente
maior, e é impossível de saber.
43. A novela gráfica é de Ari Folman e David Polonsky (Nova Iorque: Metropolitan Books,
2009). De acordo com o relato de Folman em Valsa com Bashir, a sua unidade disparou os foguetes
de sinalização, criando «um céu brilhantemente iluminado que ajudava os outros a matar» (107).
Ainda que o livro e o filme sejam implacáveis no seu retrato da atrocidade que está no âmago de
toda a história, o seu foco central é na subsequente angústia psicológica dos israelitas que ajudaram
os assassinos a fazer o seu trabalho, e não no sofrimento das vítimas sem nome, que é retratado no
fim. Neste aspeto, tem mais do que uma semelhança passageira com o bem conhecido género
israelita de «disparar e chorar».
44. No fim, o amigo de Folman absolve-o com um pouco de psicologia popular. Diz-lhe que só
«na tua perceção», enquanto filho de dezanove anos de sobreviventes do Holocausto, é que não
havia qualquer diferença entre os que realizavam o massacre e os israelitas nos círculos que os
rodeavam, e que «Sentiste-te culpado… Contra a tua vontade, foste colocado no papel de nazi…
Disparaste os foguetes. Mas não realizaste o massacre.»
45. O texto do relatório da Comissão Kahan pode ser consultado em
http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/History/kahan.html. Uma crítica mordaz às muitas
falhas e omissões do relatório pode ser encontrada em Noam Chomsky, Fateful Triangle: The
United States, Israel, and the Palestinians, 2.ª ed. (Cambridge, MA: South End Press, 1999), 397-
410.
46. Os documentos divulgados pelos Arquivos do Estado de Israel em 2012 foram
disponibilizados online pelo New York Times no trigésimo aniversário do massacre de Sabra e
Shatila, juntamente com um artigo sobre o tema da autoria de Seth Anziska, que descobriu estes
documentos nos arquivos: «A Preventable Massacre», New York Times, 16 de setembro de 2012:
http://www.nytimes.com/2012/09/17/opinion/a-preventable-massacre.html/?ref=opinion. Os
documentos podem ser consultados online: «Declassified Documents Shed Light on a 1982
Massacre», New York Times, 16 de setembro de 2012,
http://www.nytimes.com/interactive/2012/09/16/opinion/20120916_lebanondoc.html?ref=opinion.
47. Tal como foi referido anteriormente, as traduções para inglês dos apêndices secretos do
relatório estão disponíveis no site do Instituto de Estudos Palestinianos:
https://palestinesquare.com/2018/09/25/the-sabra-and-shatila-massacre-new-evidence/. Tenho-os
citado como Documentos Kahan [DK] I a VI.
48. Logo no dia 19 de julho, Sharon disse a Habib que os relatórios dos serviços de informação
israelitas indicavam que a OLP planeava deixar para trás «núcleos de infraestruturas terroristas» e
que «é essa a ideia escondida por trás da exigência de que a FML [Força Multilateral] proteja os
campos de refugiados». DK III, 163. Uma vez que isto não era verdade, ou Sharon estava
gritantemente mal informado, ou estava já a preparar um pretexto para um avanço planeado contra
a restante presença palestiniana no Líbano após a partida da OLP.
49. «Declassified Documents Shed Light on a 1982 Massacre», New York Times, 16 de
setembro de 2012.
50. DK IV, 273. Sharon também comunicou a esta reunião do conselho de ministros que as FL
tinham sido enviadas a Sabra.
51. «Declassified Documents Shed Light on a 1982 Massacre». Ver também Anziska,
Preventing Palestine, 217-18.
52. «Declassified Documents Shed Light on a 1982 Massacre». Ao falar ao conselho de
ministros israelita no dia 16 de setembro de 1982, Sharon relatou uma conversa anterior com
Draper, a quem acusou de «extraordinário descaramento» por o contradizer: DK IV, 274.
53. DK III, 222-26. Tal como é observado no capítulo 3, Sharon falou pormenorizadamente
sobre Tal al-Za’tar numa reunião fechada da Comissão de Defesa e Relações Exteriores do
Knesset, no dia 24 de setembro de 1982, e no Knesset em outubro de 1982. Segundo um relatório
da Mossad datado de 23 de junho de 1982, Bashir Gemayel afirmou aos representantes da Mossad,
numa reunião em que participaram seis dos seus principais conselheiros, que, para lidar com os
xiitas, «é possível que venham a precisar de várias Deir Yassins». Para o conhecimento israelita
sobre anteriores massacres das FL durante a invasão israelita de 1982, ver notas 32 e 34 acima.
54. No dia 8 de julho de 1982, Bashir Gemayel perguntou a Sharon se objetaria a que as FL
utilizassem buldózeres para remover os campos palestinianos no sul. Sharon respondeu assim:
«Isso não é assunto nosso: não queremos envolver-nos nos assuntos externos do Líbano», DK IV,
230. Numa reunião com o major-general Saguy a 23 de julho de 1982, Bashir Gemayel afirmou
que era necessário lidar com o «problema demográfico» palestiniano, e que, se os campos de
refugiados palestinianos no Sul fossem destruídos, a maioria dos libaneses não se importaria, DK
VI, 244. Numa reunião de 1 de agosto de 1982, o general Saguy afirmou que «chegou a altura de
os homens de Bashir prepararem um plano para lidar com os palestinianos». DK VI, 243. No dia
21 de agosto, em resposta a uma pergunta de Sharon sobre o que as FL planeavam fazer com os
campos de refugiados palestinianos, Bashir Gemayel afirmou: «Planeamos um verdadeiro jardim
zoológico», DK V, 8. Uma testemunha ouvida pela Comissão Kahan, o tenente-coronel Harnof,
afirmou que os líderes das FL tinham dito que «Sabra se tornaria um jardim zoológico e Shatila o
parque de estacionamento de Beirute», observando que tinham já realizado massacres de
palestinianos no Sul, DK VI, 78. O diretor da Mossad (a partir de setembro de 1982), Nahum
Admoni, disse à comissão que Bashir Gemayel «estava preocupado com o equilíbrio demográfico
do Líbano… Quando falava em termos de mudança demográfica, era sempre em termos de morte e
eliminação», DK VI, 80. O diretor da Mossad até setembro de 1982, Yitzhak Hofi, disse que os
líderes das FL «falam em resolver o problema palestiniano com um gesto de mão cujo significado é
a eliminação física», DK VI, 81.
55. O livro de dois cultos e respeitados jornalistas israelitas, Ze’ev Schiff e Ehud Ya’ari, Israel’s
Lebanon War, está repleto de relatos de exemplos cruciais da tomada de decisão por Israel e do
papel de apoio da diplomacia americana, muitos dos quais foram confirmados por novos
documentos oficiais divulgados por ambas as partes. Ver também o artigo de Schiff, «The Green
Light», Foreign Policy 50 (primavera de 1983), 73-85.
56. Anziska, Preventing Palestine, 200-201, citando Morris Draper, «Marines in Lebanon, A
Ten Year Retrospective: Lessons Learned» (Quantico: VA, 1992), cortesia de Jon Randal.
57. Ao longo de uma distinta carreira diplomática, Ryan Crocker serviu como embaixador em
seis países, muitos dos quais em postos extremamente difíceis, como Bagdade e Cabul.
58. Não foi o meu último contacto com os serviços de inteligência sírios. Uma tradução para o
árabe de Under Siege, que incluía uma descrição crítica do papel do regime de Asad na guerra de
1982, foi travada alguns anos depois, por receio da editora libanesa dos ameaçadores serviços de
inteligência sírios, que dominavam Beirute naqueles dias. Consegui publicá-lo em árabe, de forma
seriada, na imprensa do Kuwait. Finalmente, o Instituto de Estudos Palestinianos publicou uma
tradução para o árabe em 2018. Embora não tenha sido possível publicá-lo em árabe em Beirute
nessa altura, a Marachot, editora do Ministério da Defesa israelita, publicou o livro em hebraico em
1988, ainda que acrescentando ocasionalmente uma cínica nota marginal crítica.
59. Foram precisos quase oito meses para a UAB lhe conseguir obter um visto de residência,
algo que deveria ter demorado apenas um par de semanas: era a Sureté Génerale do novo regime
instalado por Sharon em ação. A natureza da eleição de Amin Gemayel por ser vista em Bergman,
Rise and Kill First, 673n262, que descreve em pormenor como as forças militares e de segurança
israelitas «acompanharam» os deputados libaneses às eleições, ajudando também, por vezes, a
«persuadi-los».
60. Antes de partir de Beirute, visitei o veterano estadista libanês Sa’eb Salam, que era nosso
parente por múltiplos casamentos, a fim de o entrevistar acerca do seu papel na guerra de 1982. Ele
respondeu às minhas perguntas, mas pediu para ficar de fora do livro. Mesmo antes de o deixar,
falou-me sobre a sua muito especulada visita a Bashir Gemayel dias antes do seu assassinato. Este
encontro particular seguiu-se a um azedo encontro secreto entre Gemayel e Begin, em que o
primeiro recusou a exigência de Begin de assinar imediatamente um tratado de paz com Israel. Os
pormenores podem ser consultados em Schiff e Ya’ari, Israel’s Lebanon War, sendo que alguns
deles me foram confirmados por Schiff numa entrevista (Washington, DC, 30 de janeiro de 1984).
O agora morto jovem presidente-eleito tinha-lhe dito o seguinte: «Sabe, Sa’eb Bey [um título
honorífico otomano adquirido pelo seu pai], muitos dos meus principais tenentes foram treinados
em Israel. Não tenho de todo a certeza de quais deles são leais a Israel e quais o são a mim.» Ainda
que as suas relações com Begin tivessem azedado antes da sua morte, Gemayel tinha muitos
inimigos. A pessoa que plantou os explosivos que o mataram era supostamente um esquerdista
libanês a trabalhar com os serviços de inteligência sírios. As transcrições do interrogatório a um
dos supostos assassinos, Habib al-Shartouni, encontram-se no jornal falangista al-‘Amal: Parte 1:
https://www.lebanese-forces.com/2019/09/04/bachir-gemayel-chartouni/; Parte 2:
https://www.lebanese-forces.com/2019/09/02/bachir-gemayel-36/; Parte 3: https://www.lebanese-
forces.com/2019/09/04/bachir-gemayel-37/.
61. Esta é uma das conclusões a que Amy Kaplan chega na sua análise ao apoio dos EUA a
Israel em Our American Israel, 136-77, num capítulo intitulado «Um Israel Diferente do que
Vimos no Passado», embora conclua que, com o tempo, os apoiantes de Israel conseguiram
recuperar a sua imagem.
62. Entrevistas a Morris Draper, Robert Dillon e Philip Habib, Washington DC, 14 de
dezembro, 6 de dezembro e 3 de dezembro de 1984. Estas entrevistas foram feitas para Under
Siege, cuja ideia surgiu inicialmente durante a guerra, quando estava a ler o relato de Ibn Khaldun
de um encontro com Timur [Tamerlão] durante o seu cerco a Damasco em 1400 e calhou
encontrar-me com um amigo, o Dr. Sami Musallam. Tal como eu, Sami trabalhava a tempo parcial
no IEP, e estava também encarregado dos arquivos do gabinete do presidente da OLP. Contei-lhe
que depois da guerra, embora não fosse certamente nenhum Ibn Khaldun, gostaria de aceder a esses
arquivos para escrever um relato documental daquilo a que tínhamos assistido durante o cerco.
Sami disse que, se sobrevivêssemos, e se conseguisse tirar os arquivos de Beirute, o que conseguiu,
obteria a autorização de ‘Arafat, o que também fez.
63. Entrevistei ‘Arafat, Abu Iyad, Abu Jihad, Mahmud ‘Abbas [Abu Mazin], Khalid e Hani al-
Hasan, e Faruq Qaddumi [Abu Lutf], bem como outros oficiais da OLP em Tunes, em março,
agosto e dezembro de 1984.
64. O bombardeamento por parte deste enorme navio da Segunda Guerra Mundial contra as
milícias drusas nos Shouf levou alguns espirituosos libaneses a dar-lhe a alcunha de «New Derzi»,
um trocadilho com a palavra árabe para druso.
65. Bergman, Rise and Kill First, 560-63, sugere tímida e longamente que ‘Arafat foi
envenenado por agentes israelitas.

Capítulo 5
1. Caio Cornélio Tácito, Agricola and Germania, tr. K. B. Townsend (Londres: Methuen,
1893), 33.
2. Este capítulo refere-se sobretudo à Primeira Intifada, a insurreição desarmada e
maioritariamente pacífica que durou em plena força desde 1987 a 1993, em distinção da segunda,
que começou em 2000 e acabou por se tornar numa revolta armada, incluindo o uso de bombistas
suicidas pelos palestinianos e a utilização de tanques, helicópteros e outro armamento pesado pelas
forças de ocupação israelitas.
3. Francis X. Clines, «Talk with Rabin: Roots of the Conflict», New York Times, 5 de fevereiro
de 1988, http://www.nytimes.com/1988/02/05/world/talk-with-rabin-roots-of-the-conflict.html.
4. Para uma excelente análise do impacto da intifada na opinião dos EUA acerca de Israel, ver
Kaplan, Our American Israel, capítulo 4.
5. Francis X. Clines, «Talk with Rabin: Roots of the Conflict».
6. David McDowall, Palestine and Israel: The Uprising and Beyond (Londres: I.B. Tauris,
1989), 84.
7. Para um retrato mordaz de Milson e do seu papel, ver Flora Lewis, «Foreign Affairs: How to
Grow Horns», New York Times, 29 de abril de 1982,
http://www.nytimes.com/1982/04/29/opinion/foreign-affairs-how-to-grow-horns.html.
8. Para uma análise deste exemplo específico do velho fenómeno orientalista de peritos a
estudarem o povo que oprimiam, ver Gil Eyal, The Disenchantment of the Orient (Stanford, CA:
Stanford University Press, 2006).
9. «Colonel Says Rabin Ordered Breaking of Palestinians’ Bones», Reuters, citado em LA
Times, 22 de junho de 1990, http://articles.latimes.com/1990-06-22/news/mn-431_1_rabin-ordered.
Na sua biografia, Yitzhak Rabin: Soldier, Leader, Statesman (New Haven, CT: Yale University
Press, 2017), 156-57, Itamar Rabinovich nega a precisão dessa citação, admitindo, no entanto, que
Rabin «foi nitidamente o autor de uma política que procurou vencer a intifada através do uso da
força».
10. Numa viagem dois anos depois, com uma bolsa Fullbright, foi-me recusada a entrada em
Israel. Após muitas horas de detenção, foi-me permitido entrar devido à intercessão do cônsul-geral
dos EUA em Telavive, que tinha sido avisado da minha chegada pelo Departamento de Estado.
11. Estes números, recolhidos pela ONG de direitos humanos israelita B’Tselem, incluem tanto
os palestinianos e israelitas mortos nos Territórios Ocupados como dentro de Israel:
http://www.btselem.org/statistics/first_intifada_tables.
12. Rabinovich, Yitzhak Rabin, 157-58.
13. «Iron-fist Policy Splits Israelis», Jonathan Broder, Chicago Tribune, 26 de janeiro de 1988,
http://articles.chicagotribune.com/1988-01-27/news/8803270825_1_beatings-anti-arab-anti-israeli-
violence.
14. O premiado documentário de 2017 de Julia Bacha, Naila e o Levante, traça um retrato
abrangente do papel fundamental das mulheres na intifada:
https://www.justvision.org/nailaandtheuprising. Ver também o filme de 2014 de Amer Shomali, As
18 Fugitivas: https://www.youtube.com/watch?v=ekhTuZpMw54.
15. Tal como vimos, apesar das divisões que gerou, a revolta provocou extensas transformações
sociais e políticas antes de ser esmagada por 100 000 soldados britânicos, apoiados pelos seus
auxiliares sionistas, bem como pelo uso intensivo da força aérea. Ver o notável artigo de Charles
Anderson, «State Formation from Below».
16. Bergman, Rise and Kill First, 311-33, diz que o papel de Abu Jihad na intifada foi a
principal razão para ele ter sido morto, observando (323) que alguns oficiais superiores israelitas
admitiram posteriormente que «o assassinato não conseguiu atingir o seu objetivo» de fragilizar a
intifada, e que, por estas e por outras razões, acabaram por sentir que a sua morte tinha sido um
erro.
17. Ibid., 316-17, conta que os organizadores da operação para matar Abu Jihad decidiram
deliberadamente não assassinar Mahmud ‘Abbas [Abu Mazin], cuja casa era ali perto. Muitos
palestinianos já suspeitavam há muito que só os que eram vistos pelos serviços de segurança
israelitas como defensores notáveis da causa palestiniana eram alvo de liquidação, implicando que
os outros não valiam o esforço de os matar.
18. A virulência da rivalidade entre a Síria e a OLP é discernível a partir da alegação de
Bergman, ibid., 304, de que agentes infiltrados dos serviços de informação israelitas que se faziam
passar por palestinianos dissidentes passavam secretamente informações sobre operacionais da
OLP ao posto dos serviços de inteligência sírios em Chipre. Os serviços de segurança sírios
«livraram-se então de cerca de 150 pessoas da OLP», que foram liquidadas ao chegar ao Líbano.
19. Para mais pormenores, ver Richard Sale, «Israel Gave Major Aid to Hamas», UPI, 24 de
fevereiro de 2001, e Shaul Mishal e Avraham Sela, The Palestinian Hamas: Vision, Violence, and
Coexistence (Nova Iorque: Columbia University Press, 2000). Estes bem relacionados autores
israelitas deixam claro que dividir as fileiras palestinianas era o objetivo do dispositivo de
segurança israelita ao promover a ascensão de um rival islamita da OLP.
20. Após a guerra de 1982, Shoufani juntou-se aos rebeldes da Fatah apoiados pela Síria que se
opunham à liderança de ‘Arafat.
21. «Statement by Yasser Arafat – 14 December 1988», Ministério dos Negócios Estrangeiros
de Israel, Documentos Históricos, 1984-88,
http://mfa.gov.il/MFA/ForeignPolicy/MFADocuments/Yearbook7/Pages/419%20Statement%20by
%20Yasser%20Arafat-%2014%20December%201988.aspx.
22. FRUS, XXVI, Arab-Israeli Dispute, 1974-76, Washington, DC: US Government Printing
Office, 2012, 838-40, 831-32, https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76v26.
23. Ainda que, tal como vimos no capítulo 4, a carta de Ford a Rabin tenha sido publicada pelo
Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita na sua série Israel’s Foreign Relations: Selected
Documents em 1982, ficando a partir daí disponível online no site do ministério, nunca é referida
nas volumosas memórias de Kissinger, e o governo dos EUA só a publicou na série Foreign
Relations of the United States em 2012, trinta anos depois.
24. Bergman, Rise and Kill First, 311.
25. Soube deste conselho, incorporado num memorando cujo texto fui incapaz de encontrar,
pelo próprio Ahmad, e também por outros. Alguns destes temas podem ser encontrados em
seleções em Carollee Bengelsford, Margaret Cerullo e Yogesh Chandrani, eds., The Selected
Writings of Eqbal Ahmad (Nova Iorque: Columbia University Press, 2006), 77-78, 296-97.
26. Numa carta a um «camarada» (o nome do destinatário está tapado) no dia 17 de setembro
de 1982, Ahmad deu posteriormente o mesmo conselho à OLP: embora apelasse à «resistência
clandestina armada» contra as forças de ocupação israelitas no Líbano, na Palestina ocupada,
defendia uma «organização militante e criativa de luta política não violenta» [ênfase do autor].
Cópia da carta em minha posse, cortesia de Nubar Hovsepian. Ver também a análise de Ahmad
neste sentido em «Pioneering in the Nuclear Age: An Essay on Israel and the Palestinians», em The
Selected Writings of Eqbal Ahmad, 298-317.
27. Isto era verdade, ainda que em 1947 Moscovo tivesse sido uma das parteiras da divisão e da
resultante criação de Israel, cuja existência apoiou consistentemente a partir de então, e tivesse
apoiado a UNSC 242, que consagrava as vitórias de Israel em 1948 e 1967. Inicialmente, os
soviéticos desconfiavam do «aventureirismo» da OLP e do seu potencial para arrastar a URSS e os
seus clientes egípcios e sírios para um conflito que não desejavam.
28. Para a descrição de Primakov dos seus esforços para evitar uma guerra (e poupar um dos
últimos clientes soviéticos que restavam à loucura do seu líder), ver Missions à Bagdade: Histoire
d’une négociation secrète (Paris: Seuil, 1991). Imediatamente a seguir, Primakov tornou-se chefe
da direção de operações externas do KGB, e após a dissolução da URSS foi chefe dos serviços de
informação externos, Ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro da Rússia.
29. Elizabeth Thompson, Justice Interrupted: The Struggle for Constitutional Government in
the Middle East (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013), 249.
30. O texto de «U.S.-Soviet Invitation to the Mideast Peace Conference in Madrid, October 18,
1991» pode ser consultado em William Quandt, Peace Process: American Diplomacy and the
Arab-Israeli Conflict Since 1967, 3.ª ed. (Washington, DC: Brookings Institution Press, 2005),
apêndice N, https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2016/07/Appendix-N.pdf. Para a carta
de garantias aos palestinianos, ver ibid., apêndice M: https://www.brookings.edu/wp-
content/uploads/2016/07/Appendix-M.pdf.
31. Ibid., apêndice N.
32. A carta de garantias aos palestinianos estava datada de 18 de outubro de 1991. Ver ibid.,
apêndice M.
33. Tal como foi referido no capítulo 4 e acima, esta carta só foi revelada pelo governo dos
EUA aquando da sua publicação na série Foreign Relations of the United States em 2012. No
entanto, tinha sido publicada por Israel na sua série de documentos do Ministério dos Negócios
Estrangeiros vinte anos antes, em 1982, muito antes de Madrid.
34. Aaron David Miller, «Israel’s Lawyer», Washington Post, 23 de maio de 2005,
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/05/22/AR2005052200883.html.
35. Aaron David Miller, The Much Too Promised Land (Nova Iorque: Bantam, 2008), 80.
36. «When You’re Serious, Call Us», Newsweek, 24 de junho de 1990,
http://www.newsweek.com/when-youre-serious-call-us-206208.
37. John Goshko, «Baker Bars Israeli Loan Aid Unless Settlements Are Halted», Washington
Post, 25 de fevereiro de 1992, https://www.washingtonpost.com/archive/politics/1992/02/25/baker-
bars-israeli-loan-aid-unless-settlements-are-halted/e7311eea-e6d3-493b-8880-a3b98e0830a1/.
38. Um texto fundamental na campanha contra eles foi Robert Kaplan, Arabists: Romance of an
American Elite (Nova Iorque: Free Press, 1995), baseado numa série de artigos mordazes
publicados na Atlantic. Outra crítica feroz à diplomacia americana e ao saber do Médio Oriente
está em Martin Kramer, Ivory Towers on Sand: The Failure of Middle Eastern Studies in America
(Washington, DC: Instituto Washington para a Política do Próximo Oriente, 2001). Aluno de
Bernard Lewis, Kramer faz parte de uma longa linha de detratores de extrema direita que veem as
políticas ocidentais no Médio Oriente como sendo insuficientemente pró-Israel e antiárabes, linha
essa que remonta ao académico britânico nascido em Bagdade Elie Kedourie.
39. Os primeiros dois doutoraram-se em relações internacionais (não sendo, por isso, de modo
algum especialistas no Médio Oriente), e Kurtzer e Miller em estudos do Médio Oriente.
40. Roger Cohen, «The Making of an Iran Policy», New York Times Magazine, 30 de julho de
2009, https://www.nytimes.com/2009/08/02/magazine/02Iran-t.html.
41. Peter Beinart, «Obama Betrayed Ideals on Israel», Newsweek, 12 de março de 2012,
http://www.newsweek.com/peter-beinart -obama-betrayed-ideals-israel-63673.
42. Indyk foi posteriormente embaixador dos Estados Unidos em Telavive, onde este veterano
defensor dos interesses de Israel em Washington foi vilipendiado como demasiado brando, tal
como o seu colega Dan Kurtzer ao ocupar o mesmo cargo. Nenhum deles foi poupado aos
constantes insultos vulgares por parte da extrema-direita israelita, apesar do facto de serem ambos
judeus.
43. R. Khalidi, Brokers of Deceit, 56.
44. Clyde Haberman, «Shamir Is Said to Admit Plan to Stall Talks “For 10 Years”», New York
Times, 27 de junho de 1992, https://www.nytimes.com/1992/06/27/world/shamir-is-said-to-admit-
plan-to-stall-talks-for-10-years.html.
45. Isto é confirmado pelo biógrafo e colega próximo de Rabin, Itamar Rabinovich, que foi o
principal negociador israelita com a Síria: Yitzhak Rabin, 177-85, 193-99.
46. Ibid., 165.
47. Ibid., 212-14.
48. «Outline of the Palestinian Interim Self-Governing Authority (PISGA)», apresentado a 14
de janeiro de 1992, http://www.palestine-
studies.org/sites/default/files/uploads/images/PISGA%20Jan%2014%2C%201992%20%20p%201
%2C2.pdf. Uma versão mais detalhada do plano foi entregue ao lado israelita no dia 2 de março de
1992: «Palestinian Interim Selfgovernment Arrangements: Expanded Outline of Model of
Palestinian Interim Selfgovernment Authority: Preliminary Measures and Modalities for
Elections», 2 de março de 1993, http://www.palestine-
studies.org/sites/default/files/uploads/files/Final%20outline%20PISGA%20elections%202%20Mar
_%2092.pdf.
49. Rabinovich, Yitzhak Rabin, 183.
50. Ibid., 189-91, cita dois outros «canais alternativos a Oslo» e a Washington que Rabin
mandou abrir, mas não faz referência a este.
51. Não sendo nenhum deles particularmente modesto, tanto Peres como Abu al-‘Ala
escreveram longamente, e este último exaustivamente, sobre os seus papéis em Oslo: Abu al-‘Ala
[Ahmad Quray’], al-Riwaya al-filistinyya al-kamila lil-mufawadat: Min Oslo ila kharitat al-tariq
[Relato completo das negociações palestinianas: De Oslo ao Mapa das Estradas], vols. 1-4
(Beirute: Instituto de Estudos Palestinianos, 2005-2014); Shimon Peres, Battling for Peace: A
Memoir (Nova Iorque: Random House, 1995).
52. Nas palavras de Rabinovich, Yitzhak Rabin, 187, «Rabin confiava nos antigos oficiais das
FDI», entre os quais se contava.
53. Podemos procurar em vão nas biografias destes dois homens (e, no caso de ‘Ammar, que
morreu em 2010, no seu obituário) por qualquer referência aos seus papéis na obtenção de um
acordo de segurança israelo-palestiniano.
54. «Draft Minutes: Meeting with the Americans», 23 de junho de 1993, http://www.palestine-
studies.org/sites/default/files/uploads/files/Minutes%20Kurtzer%2C%20Miller%20meeting%2023
%20June%2093.pdf.
55. São muitas as análises detalhadas às razões para os fracassos dos Acordos de Oslo e das
suas sequelas feitas por participantes nas negociações entre palestinianos, israelitas e americanos,
incluindo Abu al-‘Ala, Shimon Peres, Yossi Beilin, Dennis Ross, Daniel Kurtzer, Aaron David
Miller, Camille Mansour, Hanan ‘Ashrawi, Ghassan al-Khatib, e o meu Brokers of Deceit.
56. «The Morning After», London Review of Books 15, n.º 20, 21 de outubro de 1993,
https://www.lrb.co.uk/v15/n20/edward-said/the-morning-after. Este artigo profundamente cético foi
escrito numa altura de euforia quase universal com a cerimónia de assinatura dos Acordos de Oslo
no relvado da Casa Branca em 1993. Said foi presciente em muitos aspetos, perguntando: «Quer
isto dizer, ominosamente, que a fase transitória pode ser a final?» No momento em que estas linhas
são escritas, estamos prestes a entrar no vigésimo sétimo ano desta fase de transição.
57. Rabinovich, Yitzhak Rabin, 193.
58. Alguns dos documentos aí apreendidos, incluindo material remontando à década de 1930
dos arquivos históricos da Sociedade de Estudos Árabes, como os documentos de Musa al-‘Alami,
que aí examinei no início da década de 1990, encontram-se agora nos Arquivos Nacionais de
Israel, sob a epígrafe AP, de Propriedade Abandonada. Jazem junto a material roubado do Centro
de Investigação da OLP em Beirute em 1982 e a livros que foram confiscados de casas árabes
numa vaga anterior de saques organizados em 1948. Este constante processo de roubo de recursos
culturais e intelectuais palestinianos constitui uma forma de «memoricídio», parte integrante da
campanha israelita de «politicídio» contra os palestinianos, para usar novamente o termo acertado
de Baruch Kimmerling.
59. Eu estava presente e ouvi Gazit dizer isto em resposta a uma pergunta da plateia durante um
painel de discussão na Universidade de Amherst no dia 4 de março de 1994.

Capítulo 6
1. David Barsamian, The Pen and the Sword: Conversations with Edward Said (Monroe, ME:
Common Courage Press, 1994).
2. O PIB palestiniano per capita manteve-se nos cerca de 1 380 dólares entre 1995 e 2000.
Desceu mais de 340 dólares entre 2000 e 2004, e mais ainda nos anos seguintes. Estatísticas da
UNCTAD, «Report on UNCTAD’s Assistance to the Palestinian People», TD/B/52/2, 21 de julho
de 2005, tabelas 1, 6.
3. Ben White observa que o isolamento da Faixa de Gaza começou, na verdade, com restrições
à entrada dos residentes de Gaza em Israel através de novos cartões magnéticos em 1989, dezassete
anos antes de o Hamas ter assumido o controlo: «Gaza: Isolation and Control», Al Jazeera News,
10 de junho de 2019, https://www.aljazeera.com/news/2019/06/gaza-isolation-control-
190608081601522.html.
4. Há uma infinidade de estudos sobre a situação em Gaza, nomeadamente a obra de Sara Roy,
incluindo The Gaza Strip: The Political Economy of De-Development (Washington, DC: Instituto
de Estudos Palestinianos, 1994); e Hamas and Civil Society in Gaza: Engaging the Islamist Social
Sector (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2011); bem como Jean-Pierre Filiu, Gaza: A
History (Oxford: Oxford University Press, 2014).
5. Piotr Smolar, «Jerusalem: Les diplomates de l’EU durcissent le ton», Le Monde, 2 de
fevereiro de 2018, 3, http://www.lemonde.fr/proche-orient/article/2018/01/31/a-rebours-des-etats-
unis-les-diplomates-europeens-soulignent-la-degradation-de-la-situation-a-
jerusalem_5250032_3218.html.
6. Provas disto podem ser encontradas na receção extasiada em Nova Iorque ao medíocre
melodrama Oslo, com as suas caricaturas dos negociadores palestinianos e israelitas a roçarem o
racista e a sua representação hagiográfica de Peres, que venceu um Tony Award para melhor peça
em 2017 e em breve estaria a desfrutar de uma bem-sucedida passagem pelo West End em Londres.
7. A literatura sobre o Hamas é extensa. Inclui Tareq Baconi, Hamas Contained: The Rise and
Pacification of Palestinian Resistance (Stanford, CA: Stanford University Press, 2018); Roy,
Hamas and Civil Society in Gaza; Ziad Abu-Amr, Islamic Fundamentalism in the West Bank and
Gaza: Muslim Brotherhood and Islamic Jihad (Indianápolis: Indiana University Press, 1994);
Khaled Hroub, Hamas: Political Thought and Practice (Washington, DC: Instituto de Estudos
Palestinianos, 2002); Mishal e Sela, The Palestinian Hamas; e Azzam Tamimi, Hamas: A History
from Within (Northampton, MA: Olive Branch Press, 2007).
8. Um bom resumo de como Israel apoiou o Hamas encontra-se em Mehdi Hassan, «Blowback:
How Israel Went from Helping Create Hamas to Bombing It», Intercept, 19 de fevereiro de 2018,
https://theintercept.com/2018/02/19/hamas-israel-palestine-conflict/. Ver também as fontes citadas
na nota 19 do capítulo anterior.
9. Há uma vasta literatura sobre a cimeira de Camp David, grande parte dela oportunista ou
enganadora, nomeadamente a obra de um dos seus principais arquitetos, Dennis Ross, The Missing
Peace: The Inside Story of the Fight for Middle East Peace (Nova Iorque: Farrar, Straus and
Giroux, 2004). O melhor relato é o de Clayton Swisher, The Truth About Camp David: The Untold
Story About the Collapse of the Middle East Peace Process (Nova Iorque: Nation Books, 2004).
10. Para mais pormenores, ver Rana Barakat, «The Jerusalem Fellah: Popular Politics in
Mandate-Era Palestine», Journal of Palestine Studies 46, n.º 1 (outono de 2016): 7-19; e
«Criminals or Martyrs? British Colonial Legacy in Palestine and the Criminalization of
Resistance», Omran 6, novembro de 2013,
https://omran.dohainstitute.org/en/issue006/Pages/art03.aspx. Ver também Hillel Cohen, 1929:
Year Zero of the Arab-Israeli Conflict (Boston: Brandeis University Press, 2015).
11. Para uma lista das mesquitas e templos religiosos muçulmanos destruídos como parte da
criação da praça do Muro Ocidental, ver R. Khalidi, «The Future of Arab Jerusalem», British
Journal of Middle East Studies 19, n.º 2 (outono de 1993): 139-40. A análise mais detalhada da
criação, história e destruição de Haret al-Maghariba está em Vincent Lemire, «Au pied du mur:
Histoire du quartier mahgrébin de Jérusalem (1187-1967)», a publicar. Informação arquitetónica e
arqueológica, e também ilustrações de muitos destes locais destruídos, podem ser encontradas em
Michael Hamilton Burgoyne, Mamluk Jerusalem: An Architectural Study (Londres: World of Islam
Festival Trust, 1987).
12. A Zawiya, uma antiga loja sufi contígua ao Haram, tinha-se tornado na residência da
família Abu al-Sa’ud, sendo estes tradicionalmente os seus administradores: Yitzhak Reiter,
Islamic Endowments in Jerusalem Under British Mandate (Londres: Cass, 1996), 136. Foi aí que
Yasser ‘Arafat, cuja mãe era uma Abu Sa’ud, nasceu em 1929, segundo a minha prima Raqiyya
Khalidi, Um Kamil, que disse ter ido visitar os seus vizinhos, a família Abu Sa’ud, juntamente com
a sua mãe, para os felicitar pelo nascimento do rapaz recém-nascido: entrevista, Jerusalém, 26 de
julho de 1993.
13. Suzanne Goldenberg, «Rioting as Sharon Visits Islam Holy Site», Guardian, 29 de
setembro de 2000, https://www.theguardian.com/world/2000/sep/29/israel.
14. Todos os números são de tabelas publicadas pela indispensável B’Tselem, o Centro de
Informações Israelita para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados:
https://www.btselem.org/statistics.
15. Reuven Pedatzur, «One Million Bullets», Haaretz, 29 de junho de 2004,
https://www.haaretz.com/1.4744778.
16. Ibid. De acordo com a análise de Pedatzur, o alto comando israelita tinha optado com
antecedência por este uso esmagador da força a fim de que a derradeira derrota dos palestinianos
ficasse «gravada a fogo nas suas consciências».
17. Efraim Benmelech e Claude Berrebi, «Human Capital and the Productivity of Suicide
Bombers», Journal of Economic Perspectives 21, n.º 3 (verão de 2007): 223-38.
18. A minha impressão é de que o seu declínio mental começou mais cedo, podendo remontar a
1992 e à aterragem de emergência de um avião que o transportava no deserto da Líbia, que matou
vários dos que iam a bordo e o deixou ferido: Youssef Ibrahim, «Arafat is Found Safe in Libyan
Desert After Crash», New York Times, 9 de abril de 1992,
http://www.nytimes.com/1992/04/09/world/arafat-is-found-safe-in-libyan-desert-after-crash.html.
19. Esta doutrina é poderosamente analisada por Pedatzur «One Million Bullets».
20. As mais credíveis e consistentes sondagens ao longo das últimas décadas têm sido feitas
pelo Centro de Meios e Comunicação de Jerusalém. De acordo com a sua Sondagem N.º 52,
divulgada em dezembro de 2004: «A maioria dos palestinianos opõe-se às operações militares
contra alvos israelitas como resposta adequada face às atuais condições políticas»,
http://www.jmcc.org/documentsandmaps.aspx?id=448.
21. Nicholas Pelham e Max Rodenbeck, «Which Way for Hamas?», New York Review of Books,
5 de novembro de 2009, https://www.nybooks.com/articles/2009/11/05/which-way-for-hamas/.
22. Isto foi claramente demonstrado por sondagens realizadas após as eleições pelo conceituado
Centro Palestiniano de Política e de Pesquisas, http://www.pcpsr.org/en/node/478; e por uma
empresa privada, a Near East Consulting, http://www.neareastconsulting.com/plc2006/blmain.html.
23. A versão final revista, aceite por todas as fações palestinianas, datada de 28 de junho de
2006, pode ser consultada aqui:
https://web.archive.org/web/20060720162701/http://www.jmcc.org/documents/prisoners2.htm.
24. Este número é de junho de 2018: https://www.ochaopt.org/content/53-cent-palestinians-
gaza-live-poverty-despite-humanitarian-assistance.
25. Este número é da ONG israelita Gisha: https://gisha.org/updates/9840. As estimativas do
CIA World Fact Book para 2016 e 2017 são mais baixas:
https://www.cia.gov/library/publications/resources/the-world-factbook/geos/gz.html.
26. Dois excelentes livros sobre as guerras em Gaza são Norman Finkelstein, Gaza: An Inquest
into Its Martyrdom (Oakland: University of California Press, 2018); e Noam Chomsky e Ilan
Pappe, Gaza in Crisis: Reflections on the US-Israeli War on the Palestinians (Chicago: Haymarket
Books, 2013).
27. Estes números são retirados do site da B’Tselem, o Centro de Informações Israelita para os
Direitos Humanos nos Territórios Ocupados, https://www.btselem.org/statistics/fatalities/during-
cast-lead/by-date-of-event; e https://btselem.org/statistics/fatalities/after-cast-lead/by-date-of-event.
28. «50 Days: More Than 500 Children: Facts and Figures on Fatalities in Gaza, Summer
2014», B’Tselem, https://www.btselem.org/2014_gaza_conflict/en/il/.
29. Barbara Opall-Rome, «Gaza War Leaned Heavily on F-16 Close-Air Support», Defense
News, 15 de setembro de 2014,
http://www.defensenews.com/article/20140915/DEFREG04/309150012/Gaza-War-Leaned-
Heavily-F-16-Close-Air-Support, também disponível via: http://www.imra.org.il/story.php3?
id=64924.
30. Jodi Rudoren e Fares Akram, «Lost Homes and Dreams at Tower Israel Leveled», New York
Times, 15 de setembro de 2014.
31. «Protective Edge, in Numbers», Ynet, 14 de agosto de 2014,
http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-4558916,00.html.
32. Mark Perry, «Why Israel’s Bombardment of Gaza Neighborhood Left US Officers
“Stunned”», Al Jazeera America, 27 de agosto de 2014,
http://america.aljazeera.com/articles/2014/8/26/israel-bombing-stunsusofficers.html.
33. Em «Why It’s Hard to Believe Israel’s Claim That It Did Its Best to Minimize Civilian
Casualties», The World Post, 21 de agosto de 2014, Idan Barir, antigo comandante do corpo de
artilharia israelita, observa que «A verdade é que as granadas de artilharia não podem ser apontadas
com precisão e não se destinam a atingir alvos específicos. Um obus padrão de 40 quilogramas não
passa de uma grande granada de fragmentação. Quando explode, destina-se a matar toda a gente
num raio de 50 metros e a ferir todos aqueles que estiverem dentro dos 100 metros seguintes», e
que o uso por Israel «de fogo de artilharia é um mortífero jogo de roleta russa. As estatísticas, em
que esse poder de fogo se baseia, significam que, em áreas densamente povoadas como Gaza, serão
inevitavelmente atingidos também civis», http://www.huffingtonpost.com/idan-barir/israel-gaza-
civilian-deaths_b_5673023.html.
34. «Israel Warns Hizballah War Would Invite Destruction», Ynetnews.com (Yedioth Ahranoth),
3 de outubro de 2008, http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-3604893,00.html. Ver também
Yaron London, «The Dahiya Strategy», Ynetnews.com (Yedioth Ahranoth), 6 de outubro de 2008,
http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-3605863,00.html.
35. Por exemplo, Amos Harel, «A Real War Is Under Way in Gaza», Haaretz, 26 de julho de
2014, http://www.haaretz.com/news/diplomacy-defense/.premium-1.607279.
36. 22 USC 2754: Fins para os quais as vendas ou concessões militares dos Estados Unidos são
autorizadas; relatório ao Congresso: https://uscode.house.gov/view.xhtml?req=
(title:22%20section:2754%20edition:prelim).
37. Shibley Telhami, «American Attitudes on the Israeli-Palestinian Conflict», Brookings, 2 de
dezembro de 2016, https://www.brookings.edu/research/american-attitudes-on-the-israeli-
palestinian-conflict/.
38. «Views of Israel and Palestinians», Pew Research Center, 5 de maio de 2016,
http://www.people-press.org/2016/05/05/5-views-of-israel-and-palestinians/.
39. «Republicans and Democrats Grow Even Further Apart in Views of Israel, Palestinians»,
Pew Research Center, 23 de janeiro de 2018, http://www.people-press.org/2018/01/23/republicans-
and-democrats-grow-even-further-apart-in-views-of-israel-palestinians/.
40. Carroll Doherty, «A New Perspective on Americans’ Views of Israelis and Palestinians»,
Pew Research Center, 24 de abril de 2019, https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/04/24/a-
new-perspective-on-americans-views-of-israelis-and-palestinians/.
41. A principal promotora da lei foi a deputada Betty McCollum (DFL-MN):
https://mccollum.house.gov/media/press-releases/mccollum-introduces-legislation-promote-
human-rights-palestinian-children. Ver também https://mccollum.house.gov/media/press-
releases/mccollum-introduces-legislation-promote-human-rights-palestinian-children.
42. Estas são as situações apuradamente descritas por John Mearsheimer e Steven Walt em The
Israel Lobby and U.S. Foreign Policy (Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 2007).
43. Isto resulta claramente da sondagem anteriormente citada, de mais de 18 000 inquiridos em
onze países árabes, feita em 2017-18 pelo Centro Árabe de Investigação e Estudos Políticos:
https://www.dohainstitute.org/en/News/Pages/ACRPS-Releases-Arab-Index-2017-2018.aspx.
44. Secretário de Estado para Legação, Jeddah, 17 de agosto de 1948, FRUS 1948, vol. 2, parte
2, 1318. Para mais pormenores sobre como o regime saudita serviu os interesses de Washington
relativamente à Palestina, ver R. Khalidi, Brokers of Deceit, xxiv-xxvii.
45. Isto estava contido numa carta de Bush a Sharon entregue no dia 14 de abril de 2004,
durante uma reunião em Washington:
https://mfa.gov.il/mfa/foreignpolicy/peace/mfadocuments/pages/exchange%20of%20letters%20sha
ron-bush%2014-apr-2004.aspx.
46. Entrevistas com dois oficiais superiores diretamente envolvidos nestes assuntos que
preferiram manter o anonimato: 1 de fevereiro de 2010 e 11 de janeiro de 2011.

Conclusão
1. «Memorandum by Mr. Balfour (Paris) respecting Syria, Palestine, and Mesopotamia», 11 de
agosto de 1919, em Documents of British Foreign Policy, 1919-1939, ed. E. L. Woodward e Rohan
Butler (Londres: HM Stationery Office, 1952), 340-48,
http://www.yorku.ca/dwileman/2930Bal.htm.
2. «Remarks by President Trump and Prime Minister Netanyahu of Israel before Bilateral
Meeting Davos, Switzerland», 25 de janeiro de 2018, https://www.whitehouse.gov/briefings-
statements/remarks-president-trump-prime-minister-netanyahu-israel-bilateral-meeting-davos-
switzerland/.
3. C. Bengelsdorf et al., eds., The Selected Writings of Eqbal Ahmad, 301.
4. O artigo de Judt, «Israel: The Alternative», The New York Review of Books, 23 de outubro de
2003, controverso na altura, causaria provavelmente menos ondas hoje em dia, ainda que, na
atmosfera atual, a sua crítica ao sionismo pudesse atrair absurdas acusações de antissemitismo.
5. «Introduction», Blaming the Victims: Spurious Scholarship and the Palestinian Question, ed.
Edward Said e Christopher Hitchens (Nova Iorque: Verso, 1988), 1.
6. Estes esforços internacionais, cuidadosamente coordenados pelo Ministério de Assuntos
Estratégicos israelita, concentram-se particularmente em rotular o movimento Boicote,
Desinvestimento e Sanções (BDS) como «antissemita». O Journal of Palestine Studies publicou
uma série de artigos sobre estes esforços: Shir Hever, «BDS Suppression Attempts in Germany
Backfire», 48, n.º 3 (primavera de 2019): 86-96; Barry Trachtenberg e Kyle Stanton, «Shifting
Sands: Zionism and US Jewry», 48, n.º 2 (inverno de 2019): 79-87; Dominique Vidal, «Conflating
Anti-Zionism with Anti-Semitism: France in the Crosshairs», 48, n.º 1 (outono de 2018): 119-30;
Moshe Machover, «An Immoral Dilemma: The Trap of Zionist Propaganda», 47, n.º 4 (verão de
2018): 69-78.
7. «The Declaration of the Establishment of the State of Israel», 14 de maio de 1948,
http://www.mfa.gov.il/mfa/foreignpolicy/peace/guide/pages/declaration%20of%20establishment%
20of%20state%20of%20israel.aspx.
8. Zeev Sternhell, «En Israël pousse un racisme proche du nazisme à ses débuts», Le Monde, 20
de fevereiro de 2018, 22, tradução minha.
9. Para uma análise lúcida da lei, ver Hassan Jabareen e Suhad Bishara, «The Jewish Nation-
State Law: Antecedents and Constitutional Implications», Journal of Palestine Studies, 48, n.º 2
(inverno de 2019): 46-55. Para o seu texto, ver páginas 44-45, e para uma petição ao Supremo
Tribunal israelita sobre a matéria da lei feita pelo Adalah, o Centro Legal para os Direitos das
Minorias Árabes em Israel, ver 56-57.
10. Revital Hovel, «Justice Minister: Israel Must Keep Jewish Majority Even at the Expense of
Human Rights», Haaretz, 13 de fevereiro de 2018, https://www.haaretz.com/israel-news/justice-
minister-israel-s-jewish-majority-trumps-than-human-rights-1.5811106.
11. Ibid. Ver também Ravit Hecht, «The Lawmaker Who Thinks Israel is Deceiving the
Palestinians: No One Is Going to Give Them a State», Haaretz Weekend, 28 de outubro de 2017,
http://www.haaretz.com/israel-news/.premium.MAGAZINE-the-lawmaker-who-thinks-israel-is-
deceiving-the-palestinians-1.5460676.
12. Sternhell, «En Israël pousse un racisme proche du nazisme à ses debuts».
13. Em diferentes alturas, aviões israelitas bombardearam as cidades de Tunes, Cairo, Cartum,
Amã, Beirute, Damasco e Bagdade, várias delas repetidamente e várias recentemente.
14. Este é um dos argumentos centrais do meu livro, Palestinian Identity, em linha com as teses
apresentadas por vários dos mais respeitados autores sobre o nacionalismo, incluindo Benedict
Anderson, Eric Hobsbawm e Ernest Gellner.
15. Ernest Gellner, Nations and Nationalism (Ithaca, Nova Iorque: Cornell University Press,
1983), 48-49.
16. Peter Beaumont, «Trump’s Ambassador to Israel Refers to “Alleged Occupation” of
Palestinian Territories», Guardian, 1 de setembro de 2017, https://www.theguardian.com/us-
news/2017/sep/01/trump-ambassador-israel-david-friedman-alleged-occupation-palestinian-
territories; Nathan Guttman, «US Ambassador to Israel Asked State Department to Stop Using the
Word “Occupation”», The Forward, 26 de dezembro de 2017, https://forward.com/fast-
forward/390857/us-ambassador-to-israel-asked-state-dept-to-stop-using-the-word-
occupation/;David Halbfinger, «US Ambassador Says Israel Has Right to Annex Parts of West
Bank», New York Times, 8 de junho de 2019,
https://nytimes.com/2019/06/08/world/middleeast/israel-west-bank-david-friedman.html.
17. Ruth Eglash, «Top Trump Adviser Says Settlements Are Not an Obstacle to Peace»,
Washington Post, 10 de novembro de 2017,
https://www.washingtonpost.com/world/middle_east/top-trump-adviser-says-israeli-settlements-
are-not-an-obstacle-to-peace/2016/11/10/8837b472-5c81-49a3-947c-ba6a47c4bc2f_story.html;
Piotr Smolar, «Washington ouvrira son ambassade à Jerusalem en mai», Le Monde, 25-26 de
fevereiro de 2018, 4.
18. Jonathan Swan, «Kushner, For First Time, Claims He Never Discussed Security Clearance
with Trump», Axios, 3 de junho de 2019, https://www.axios.com/jared-kushner-security-clearance-
donald-trump-f7706db1-a978-42ec-90db-c2787f19cef3.html.
19. «Palestine Chief Negotiator Reveals Details of Trump Peace Plan», Middle East Monitor,
22 de janeiro de 2018, https://www.middleeastmonitor.com/20180122-palestine-chief-negotiator-
reveals-details-of-trump-peace-plan/.
20. Jonathan Ferziger e Peter Waldman, «How Do Israel’s Tech Firms Do Business in Saudi
Arabia? Very Quietly», Bloomberg Businessweek, 2 de fevereiro de 2017,
https://www.bloomberg.com/news/features/2017-02-02/how-do-israel-s-tech-firms-do-business-in-
saudi-arabia-very-quietly.
21. Julien Boissou, «Analyse: L’Inde s’implante au Moyen-Orient», Le Monde, 27 de fevereiro
de 2018, 21.
22. «2016 Arab Opinion Index: Executive Summary», Centro Árabe, Washington, DC, 12 de
abril de 2017, http://arabcenterdc.org/survey/arab-opinion-index-2016.
23. Esta é a tese central do meu livro Brokers of Deceit.
Agradecimentos

Tenho uma dívida, consciente ou inconsciente, para com todas as


muitas pessoas através de cujas experiências tentei contar a história deste
século de guerra contra a Palestina. Ler ou ouvir as suas palavras foi o que
me levou a escrever este livro desta forma. Nele, tentei transmitir vozes
que têm ficado, em grande medida, por ouvir na confusa dissonância que
rodeia a questão da Palestina.
Num livro anterior, agradeci às minhas três tias, ‘Anbara Salam al-
Khalidi, Fatima al-Khalidi Salam e Wahidi al-Khalidi, por me
proporcionarem imagens vivas extraídas das suas memórias das primeiras
décadas do século XX. Embora, ao trabalhar neste livro, tenha lamentado
profundamente já não poder consultar nenhuma delas, nem a minha mãe,
Selwa Jeha al-Khalidi, e o meu pai, Ismail Raghib al-Khalidi, sobre os
acontecimentos que viveram, tive-os constantemente no pensamento
enquanto o escrevia. Mesmo quando não os cito diretamente, todos eles
estão presentes nas suas páginas. Cada um à sua maneira, todos me
ensinaram algo sobre o passado e como este faz parte do presente.
Felizmente, entre aqueles que pude consultar e de quem pude tirar partido
estavam o meu primo, o professor Walid Ahmad Samih Khalidi, a cuja
memória prodigiosa apelei repetidamente ao pensar neste tema (e a cujos
estudos inovadores recorri ao longo de todo o livro), a minha prima Leila
Husayn al-Khalidi al-Husayni, e amigos, colegas e camaradas dos tempos
de Beirute que são demasiado numerosos para mencionar.
Tenho uma dívida para com as muitas pessoas com quem discuti a
matéria deste livro, ou que me inspiraram a escrevê-lo, que não posso
pagar. O meu filho Ismail foi o primeiro a convencer-me de que este era
um projeto meritório, e ajudou-me, inicialmente, a moldar a sua forma.
Sem os seus contributos iniciais, provavelmente este livro não existiria.
Durante anos antes de o começar a escrever, Nawaf Salam exortou-me
constantemente a escrever uma história da Palestina que fosse acessível
para os leitores não informados. Espero que o que se segue corresponda às
suas expetativas.
Enquanto estava a trabalhar neste projeto, consultei muitos colegas e
amigos que me proporcionaram uma ajuda inestimável, alguns dos quais
leram secções do livro e todos merecedores do meu especial apreço. Entre
eles, estiveram Bashir Abu-Manneh, Suad Amiri, Seth Anziska, Qais al-
Awqati, Remi Brulin, Musa Budeiri, Leena Dallasheh, Sheila Fitzpatrick,
Samer Ghaddar, Magda Ghanma, Amira Hass, Nubar Hovsepian, Rafiq
Husayni, Ami Kaplan, Ahmad Khalidi, Hasan Khalidi, Raja Khalidi,
Barnett Rubin, Stuart Schaar, May Seikaly, Avi Shlaim, Ramzi Tadros,
Salim Tamari, Naomi Wallace, John Whitbeck e Susan Ziadeh. Devo
também agradecer àqueles que me ajudaram na minha investigação. Entre
estes, incluem-se Jeanette Seraphim, bibliotecária no Instituto de Estudos
Palestinianos, Yasmeen Abdel Majeed, a Dra. Nili Belkind, Linda Butler,
Leshasharee Amore Carter, Andrew Victor Hinton, Sean McManus,
Patricia Morel, Khadr Salameh, Malek Sharif e Yair Svorai.
Apresentei partes deste livro a plateias de vários locais em quatro
continentes, e tirei grandes benefícios dos seus comentários e perceções.
Entre estes locais, contam-se o Centro de Estudos do Médio Oriente da
Universidade de Duke, o Centro de Estudos Palestinianos da Escola de
Estudos Africanos e Orientais da Universidade de Brown, a Universidade
de Yale, o Centro Kevorkian de Estudos do Médio Oriente da
Universidade de Nova Iorque, a Universidade de Princeton, o Centro
d’Estudios Arabes da Universidade de Santiago, o Centro Issam Fares de
Políticas Públicas da Universidade Americana de Beirute, a Academia
Diplomática de Viena, o Columbia Global Center em Amã, o Harvard
Club de Nova Iorque e o Comité das Nações Unidas para o Exercício dos
Direitos Inalienáveis do Povo Palestiniano.
A minha mais profunda gratidão vai para aqueles que leram o livro
inteiro, a começar por Tarif Khalidi, que, ao escrutinar cuidadosamente
todo o manuscrito, mobilizou o seu vasto conhecimento, salvando-me
assim de muitos erros. Ao ajudar a melhorar o livro, Tarif fez de novo o
que tem feito há muitas décadas: dar-me sempre bons conselhos. O meu
velho amigo Jim Chandler dedicou novamente o seu olho apurado a
melhorar a minha prosa e a apurar os meus argumentos. A minha mais
dura crítica, a minha esposa Mona, não só tolerou as minhas muitas
ausências prolongadas e as minhas frequentes distrações com uma
paciência exemplar enquanto eu estava a investigar e a escrever este livro,
como utilizou também as suas incomparáveis competências editoriais para
clarificar a minha escrita e limitar a minha tendência para a repetição. As
nossas duas filhas, a Dra. Lamya Khalidi e Dima Khalidi, Esq., juntaram o
seu apurado sentido crítico ao da mãe, tal como o irmão delas, Ismail,
temperado com a sua habitual leveza.
O meu agente, George Lucas, foi inestimável ao ajudar-me a dar ao
projeto a sua forma atual logo desde o início, e ao apresentar-me a Sara
Bershtel e Riva Hocherman na Metropolitan Books. Riva fez muito mais
do que o que um bom editor normalmente faz: como com tantos outros,
partilhou comigo os seus incomparáveis conhecimentos, ajudando ao
mesmo tempo a dar a este livro a forma e a estrutura que hoje tem,
reorganizando-o e melhorando-o imensamente. Tenho uma grande dívida
de gratidão para com ela.
Não poderia ter escrito este livro sem todo este inestimável apoio, mas
escusado será dizer que a responsabilidade pelo seu conteúdo é
exclusivamente minha.

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