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Mulheres trabalhadoras

e Marxismo

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Mulheres trabalhadoras
e Marxismo

Carmen Carrasco
Mercedes Petit

São Paulo, 2012

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2012, Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann
A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins acadêmicos e/
ou de divulgação eletrônica, desde que mencionada a fonte.

Coordenação Editorial: Henrique Canary


Tradução e organização: Cecília Toledo
Revisão e padronização: Patrícia Mafra
Diagramação: Daniel Oliveira
Capa: Thiago Mahrenholz
Revisão final: Henrique Canary

Carrasco, Carmen; Petit, Mercedes.


Mulheres trabalhadoras e marxismo. Um debate sobre a opressão. São
Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2012.
144 p., 1ª edição.

ISBN: 978-85-99156-79-7

1. Opressão da mulher. 2. Marxismo. 3. Mulheres trabalhadoras. 4. Teoria. 5.


Título

Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann


Avenida Nove de Julho, 925 • Bela Vista • São Paulo • Brasil •
01313-000 • 55 -11 3253 5801
vendas@editorasundermann.com.br • www.editorasundermann.com.br

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Sumário
Prefácio, 7

Apresentação de Mercedes Petit, 13

Apresentação de Carmen Carrasco, 19

Introdução, 25

CAPÍTULO I - O capitalismo, a família


e a opressão da mulher, 29

CAPÍTULO II - As lutas das mulheres: uma história


marcada pelas divisões políticas e de classe, 47

CAPÍTULO III - Opressão e exploração, 81

CAPÍTULO IV - Método e programa


para a luta das mulheres, 97

CAPÍTULO V - A necessidade do
partido revolucionário, 119

APÊNDICE I - Pela defesa intransigente


da mulher trabalhadora, 129

APÊNDICE II - As tarefas do trotskismo


entre as mulheres, 143

APÊNDICE III - Pelos direitos da mulher


e das trabalhadoras, 153

Bibliografia, 157

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Prefácio

Cecília Toledo
Membro do Conselho Editorial da revista
Marxismo Vivo e autora do livro Mulheres: o
gênero nos une, a classe nos divide1

Começo este prefácio com uma pergunta: por que lançar este
livro, contendo as concepções de nossa corrente morenista sobre a
luta pela emancipação das mulheres? É tão fundamental neste mo-
mento? Este livro foi escrito por Carmen Carrasco e Mercedes Petit
depois de longas conversas com Nahuel Moreno, o mais importan-
te dirigente trotskista da Argentina e fundador do MAS2 e da LIT3.
Bem que eu gostaria de ter participado dessas conversas, que são
transcritas neste livro com muita clareza e precisão. Naquela época
nós estávamos buscando compreender melhor o caráter de classe
da luta em defesa de todos os setores oprimidos, em especial a luta
contra a opressão das mulheres, que já então eram praticamente

1  Publicado pela Editora Sundermann em 2008. (N. do E.)


2  Movimiento Al Socialismo, fundado em 1982. Tornou-se o maior partido
trotskista da história da Argentina. Sofreu inúmeras rupturas a partir do início
dos anos 1990, dando origem a distintas organizações. (N. do E.)
3  Liga Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1982. (N. do E.)

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8  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

a metade da população economicamente ativa em toda a América


Latina. O centro de nossas preocupações – a construção do partido
revolucionário, nacional e internacional, e o esforço por mobilizar a
classe trabalhadora – não encontraria solução se não tivéssemos uma
política clara para convencer as mulheres trabalhadoras a partici-
parem da luta de classes. E isso não era nada fácil. Precisávamos,
antes, entender o caráter da opressão, nos convencer a nós mesmos
de que as mulheres não são iguais aos homens, de que elas sofrem
uma exploração como trabalhadoras que é distinta, porque vem
potencializada pela discriminação enquanto mulheres, enquanto
“sexo frágil” ou “segundo sexo”, como dizia Simone de Beauvoir.
Precisávamos também nos conscientizar de que dentro de nossas
fileiras não bastava ser trotskista e revolucionário. Era preciso tam-
bém não ser machista.
Moreno, como principal dirigente de nossa corrente, foi quem
melhor conseguiu sintetizar todo esse complexo conjunto de preocu-
pações e tarefas e fazer uma análise marxista do problema. Graças ao
trabalho de redação feito por Carmen e Mercedes, agora temos este
livro fundamental em mãos. Infelizmente ele ficou muito tempo en-
gavetado. Moreno morreu em 1987, e somente hoje, 25 anos depois,
o livro é lançado. Nesses anos todos não deixamos de militar pela
questão das mulheres, mas foi mais difícil, porque não tínhamos a
teoria revolucionária tão claramente exposta como está nestas pági-
nas. As concepções do trotskismo sobre a luta das mulheres não eram
amplamente conhecidas, e com isso cremos que muitas mulheres lu-
tadoras tenham caído no conto do vigário das feministas reformis-
tas, sem poder contar com uma política alternativa que lhes servisse
de contraponto. Mas agora o que importa é que o livro foi publicado
e cai em terreno fértil, porque mais do que nunca as mulheres hoje
têm um papel central na produção industrial, na produção agrícola,
nos setores secundários e terciários da economia latino‑americana e
mundial. Em contrapartida, centenas delas estão a serviço do capi-
tal, ocupando postos de comando nos Estados burgueses: presiden-
tas, deputadas, diretoras de organismos das Nações Unidas. Muitas
são negras, vindas de famílias pobres. A burguesia sabe utilizar‑se

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da opressão para manter subjugados os próprios oprimidos. Ao


mesmo tempo, do lado de cá da fronteira de classe, centenas de
outras mulheres, vestindo calças ou saias, macacões de operárias,
chapelões de agricultoras, aventais de empregadas domésticas ou
enfermeiras, estão ocupando seu lugar na produção e mostrando
sua essencialidade para qualquer movimento mais brusco que faça
a classe trabalhadora. Mesmo que ainda continuem atentas ao for-
no e ao fogão para que a comida não queime, as mulheres já não
podem ser esquecidas no fundo de um quarto escuro. Contradito-
riamente, o mesmo capitalismo que as relegou ao porão da casa em
seus primórdios, agora teve de arrastá‑las para o chão da fábrica,
para serem exploradas tanto quanto os homens. Também de forma
contraditória, as mulheres fizeram grandes avanços, graças à sua
disposição de manter os postos duramente conquistados, mas con-
tinuam ganhando menos que os homens, continuam arrastando
o fardo do preconceito, continuam vítimas do abuso sexual, con-
tinuam sendo o saco de pancadas da sociedade, continuam cum-
prindo o triste papel de escravas do lar.
Desde que o conteúdo deste livro foi elaborado, em 1979, até
hoje, a situação das mulheres mudou bastante. Mas mesmo assim a
sensação que se tem é que o livro foi escrito ontem. E isso se deve,
em grande parte, à própria política que aqui se combate, a política
que então era defendida por Mary‑Alice Waters e o SWP.4 Uma
política que até hoje é defendida por inúmeros grupos feministas
e partidos políticos no mundo inteiro. Então, não apenas o tema é
atual, mas também os erros são atuais.
O que Moreno combate neste livro, junto com Carmen e Mer-
cedes, é uma política equivocada para as mulheres. E hoje temos
a vantagem, dado o tempo que passou desde então, de confirmar
esse equívoco. Nada como a prova da história. Basta perguntar
como está a situação das mulheres hoje – e aqui estamos nos re-
ferindo às mulheres trabalhadoras e pobres – para entender o que
4  Socialist Workers Party – Partido Socialista dos Trabalhadores. Seção
norte‑americana da IV Internacional e que fazia parte do Secretariado Unificado
(SU) da IV Internacional. (N. do E.)

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queremos dizer. A política defendida naquela época por Mary‑Alice


Waters e o SWP e que, com outras palavras, é a mesma que vem sen-
do defendida hoje pela Marcha Mundial de Mulheres5 e outros gru-
pos feministas, é tão contrária às necessidades e interesses políticos e
organizativos da mulher trabalhadora, tão contrária às necessidades
da luta revolucionária pelo socialismo e tão contrária à luta contra a
opressão das mulheres, que foi adotada inclusive pela própria ONU,
pelo Banco Mundial e por todos os governos burgueses que se dizem
preocupados com a situação das mulheres.
É, então, uma política perfeitamente ajustada às necessidades
da democracia burguesa. A burguesia, que em sua época de ascenso
como classe procurava consolidar seu sistema econômico, seu regi-
me político e seus valores ideológicos, não conseguiu resolver o pro-
blema da opressão e da desigualdade das mulheres. E agora encontra
uma política feita na medida para “resolver” o problema sem que
para isso tenha de mudar em nada seu sistema de exploração. É uma
maquiagem de política feminista. Muda‑se alguma coisa para que
não se mude nada. No caso, muda‑se o discurso, o campo simbólico
e outros termos do tipo, tão em voga nestes tempos pós‑modernos,
e a mulher trabalhadora e pobre continua cada vez mais explorada e
oprimida. As estatísticas são cada vez mais sombrias: a cada 4 minu-
tos uma mulher é espancada em sua própria casa, 70% dos pobres no
mundo são mulheres, e assim por diante.
Em suma, a política do SWP, confirmando os prognósticos de
Moreno, foi aplicada e não deu certo. Pelo menos para as mulheres. A
política frente‑populista, de irmandade das mulheres, mostrou toda
a sua falácia, desnudou a sua traição de classe, o seu caráter de arma-
dilha que agarrou as mulheres trabalhadoras pelo pé e as manteve
atadas às políticas da burguesia. Diante do fracasso dessa política,
diante do agravamento brutal da opressão, as mulheres trabalhado-
ras e pobres arregaçaram as mangas e voltaram à luta. E o feminismo
reformista viu‑se diante da necessidade de encontrar uma nova fór-
5  Movimento mundial de mulheres, surgido no Canadá nos anos 1990 e que
continua atuando em diversos países, aplicando e defendo políticas de gênero
dirigidas ao Estado burguês. (N. do E.)

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mula para detê‑las. Nos anos 1980 começam a usar o termo “gê-
nero” para referir‑se à opressão das mulheres, como se fosse uma
grande invenção, a fórmula mágica para todos os males. Pena que
Moreno não viveu esse tempo, gostaria de saber a sua opinião sobre
isso. Mas no frigir dos ovos, muda‑se o discurso para que o conteú-
do continue igual. E o conteúdo é que o “gênero” é uma elaboração
programática completa acerca da condição feminina no capitalis-
mo, elaboração esta bem sofisticada e acadêmica, destinada a en-
gambelar as mulheres que não são acadêmicas, as que nem estudo
decente tiveram, para fazer com que se convençam de que sua con-
dição precária na sociedade é triste sim, mas passageira; é desigual
sim, mas nada que não possa ser resolvido com uma boa política
de gênero encaminhada ao Estado, aos Ministérios das Mulheres,
e posta nas mãos das primeiras‑damas, nossas embaixadoras junto
à ONU, à Unesco, ao FMI, enfim, a algum desses organismos do
imperialismo que graças a um milagre qualquer mudaram o seu
caráter e o seu papel e agora defendem as mulheres.
Com outras palavras, é a mesma interpretação que fazia Ma-
ry‑Alice Waters e o SWP, que Moreno combate neste livro. Nos
anos 1970 não se usava o termo “gênero”, mas isso não impediu
que as feministas, sobretudo as norte‑americanas, fizessem toda
uma elaboração igualmente sofisticada, igualmente detalhada
em milhões de documentos e livros e revistas e folhetos e progra-
mas e escritos de todo tipo para convencer as mulheres da classe
trabalhadora a se unirem às mulheres burguesas e construir um
grande movimento policlassista contra a opressão. O argumento,
perfeitamente justo, de que a opressão atinge as mulheres bur-
guesas e trabalhadoras, ricas e pobres, intelectuais e analfabetas,
operárias e camponesas, deveria nos levar a fazer lutas conjuntas
por nossos direitos suprimidos. O maior exemplo histórico foi a
luta sufragista, quando, no início do século 20, mulheres ricas e
pobres saíram às ruas pelo direito de voto. Mas essas lutas são
passageiras. A verdadeira transformação na situação das mulhe-
res depende de uma transformação radical da sociedade, e para
isso as mulheres trabalhadoras devem travar sua luta no seio de

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sua classe, de forma independente das mulheres burguesas e sem


depositar nelas a mínima confiança.
A situação da mulher tem de ser vista historicamente. E a história
nos mostra que a opressão, apesar de ser cultural, está assentada em
um sistema econômico de exploração, de desigualdade, que necessita
subjugar e discriminar para continuar existindo. Como dizem as au-
toras deste livro, junto com Moreno, a política básica do capitalismo,
imposta por suas necessidades econômicas, é extrair o máximo de
lucro possível, explorando os trabalhadores, sejam homens ou mu-
lheres, crianças e inclusive povos inteiros. Esse afã pelo lucro é o selo
que marca a ferro e fogo todas as suas atividades e instituições, e se
para isso for preciso, o capitalismo não hesita em revolucionar a fa-
mília, em tirar a mulher do quarto escuro ou voltar a encerrá‑la ali,
desde que seus lucros estejam garantidos. Essa é a única lei realmen-
te cumprida na sociedade capitalista. Por isso as políticas de gênero
morrem no nascedouro, a bandeira da irmandade das mulheres vai
para as calendas gregas e o empoderamento das mulheres, expressão
tão cara às feministas de hoje, não significa outra coisa que dar po-
der a determinadas mulheres escolhidas a dedo para que continuem
oprimindo os infelizes oprimidos que não tiveram a mesma sorte.
A pergunta do início deste prefácio, de por que lançar este li-
vro neste momento, tem uma resposta simples: porque ainda temos
muito a entender sobre o problema da opressão das mulheres, sobre
seu caráter de classe, sobre a melhor forma de organizar as mulhe-
res sem dividir a classe trabalhadora. Os erros que Mary‑Alice e o
SWP cometeram nos anos 70 devem nos servir nessa aprendizagem,
para que não voltemos a cometê‑los e possamos convencer muitas
mulheres de nossa classe de que não existem fórmulas mágicas ou
caminhos fáceis para vencer a opressão.

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Apresentação de
Mercedes Petit

Este livro foi escrito em 1979, há trinta anos. Podemos extrair


experiências e lições daqueles debates? Claro que sim. Aqueles
debates foram feitos ao calor do poderoso movimento feminista
que sacudiu os Estados Unidos e vários países europeus nos anos
1960 e início dos anos 1970. Aquelas mobilizações mudaram
muitos aspectos da vida cotidiana das mulheres norte‑america-
nas, que conquistaram direitos, como o do aborto, maior liber-
dade sexual e uma crescente participação em diversos aspectos
das atividades da sociedade. A libertação feminina instalou‑se
de forma definitiva e conquistamos soluções de fundo? Não, de
forma alguma. Inclusive periodicamente a direita volta a atacar
o direito ao aborto, para suprimi‑lo ou limitá‑lo. O divórcio é
uma conquista, mas cada vez é maior o número de mulheres que
devem enfrentar sozinhas a criação dos filhos e a manutenção do
lar. Ocorreu no mundo inteiro uma grande ampliação da parti-
cipação das mulheres no mercado de trabalho, mas agudizando
suas condições de exploração. É impossível conseguir a liberta-
ção de todas as mulheres enquanto perdurar o sistema capitalista.
Da mesma maneira que é impossível alimentar toda a população
mundial, dar a todos uma vida digna, saúde, educação, trabalho

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e lazer devido às multinacionais e a uma economia baseada na ob-


tenção do lucro para uma minoria de proprietários. A perspectiva
é que a libertação se alcance com a conquista de um novo sistema
mundial, o socialismo com democracia operária.
No debate que estamos publicando neste livro, a corrente do
trotskismo que foi encabeçada pelo dirigente argentino Nahuel Mo-
reno polemizou contra concepções que defendiam a ideia de que
movimentos autônomos e unitários de mulheres teriam uma per-
manência no tempo e uma continuidade que lhes permitiria ser de-
cisivos protagonistas de uma luta triunfante rumo ao socialismo. O
simples fato de que aqueles movimentos tivessem tido seu ascenso,
seu descenso e não tivessem voltado a ocorrer, deveria servir para
se chegar a uma conclusão. Mas o debate mais importante da época
era outro, e foi adquirindo uma atualidade cada vez maior. O ca-
minho para a libertação passa pelos movimentos policlassistas de
“todas” as mulheres? Respondíamos que não, que apesar de serem
muito importantes e necessárias a unidade de ação e a participação
unitária naqueles movimentos (mesmo sabendo que não seriam per-
manentes), não se eliminavam as contradições de classe, os interes-
ses antagônicos que geravam esses processos. E enfatizávamos que
a trincheira dos revolucionários devia estar na defesa dos interesses
das mulheres exploradas e sua confluência natural com os trabalha-
dores, para fortalecer suas lutas e para avançar na construção do par-
tido revolucionário.
Reivindicamos uma experiência histórica breve mas muito pro-
funda, na qual foram dados os passos mais importantes para avançar
na libertação das mulheres: a vitória da primeira revolução socialista
em 1917, na Rússia. O novo regime soviético, encabeçado por Lenin
e Trotsky, concedeu imediatamente os mesmos direitos jurídicos e
políticos às mulheres e homens, e começou a instalar um amplo sis-
tema de creches, jardins de infância e lavanderias. Foi estabelecido
o direito ao aborto e o divórcio passou a ser feito de forma simples
e gratuita. O primeiro governo operário e camponês revolucionário,
ainda que em circunstâncias muito difíceis, como foram os anos ter-
ríveis da guerra civil, deu passos imensos para combater a situação

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de tremenda opressão das mulheres operárias e camponesas sob


o czarismo. Mas o processo de burocratização levado adiante por
Stalin o interrompeu, e as mulheres foram um dos setores mais
atingidos pelo retrocesso da revolução. “A história nos ensina mui-
tas coisas sobre a escravidão da mulher pelo homem, sobre a de
ambos pelo explorador e sobre os esforços dos trabalhadores que,
tentando livrar‑se da opressão com o risco da própria vida, na ver-
dade não conseguem muito mais que mudar as correntes.”6 Estas
são palavras de Leon Trotsky, ditas em 1936, quando vivia no exí-
lio. Estava comentando as mudanças na legislação soviética, que li-
mitavam o divórcio e proibiam o aborto, impostos pela ditadura de
Stalin (que proclamava já haver alcançado “o socialismo”). Houve
grandes avanços nos primeiros anos da URSS. E o assim chama-
do “fracasso do socialismo” foi o resultado do desastre provocado
por uma burocracia repressiva e restauracionista, que traiu a luta
pelo socialismo e foi destruindo todas as conquistas daquela revo-
lução, incluindo os passos dados no combate contra a “escravidão
da mulher”.
Depois da queda do Muro de Berlim e da restauração do ca-
pitalismo na ex‑URSS, China e demais países onde se havia ex-
propriado a burguesia, o mundo continuou sendo sacudido inces-
santemente por todo tipo de convulsões e lutas revolucionárias.
Nada indica que a roda da história (ou melhor, da luta de classes)
tenha se estancado. Não voltaram a ocorrer movimentos feminis-
tas de massas, mas continuaram caindo os tabus e preconceitos
antifeministas. O discurso reacionário das igrejas – em particular
a católica – perde força. Setores importantes da opinião pública
aceitam e exigem a legalização do aborto. Cada vez está menos
encoberta – ainda que não necessariamente menos frequente – a
violência contra as mulheres, e os diversos grupos vinculados à de-
fesa da diversidade sexual ganham espaço e legitimidade. Incorpo-
raram‑se novos protagonistas que acompanham os trabalhadores
das cidades e os jovens estudantes. Os camponeses pobres e sem

6  Trotsky, Leon. La revolución traicionada, Editorial Crux.

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terras, os indígenas, os jovens desempregados das grandes cidades,


os imigrantes superexplorados se mobilizam. Recoloca‑se o debate
sobre o papel da classe operária e sua relação com os demais setores
populares e oprimidos. Os setores do reformismo político e os inte-
lectuais que os alimentam com os enfoques acadêmicos negam uma
vez mais o antagonismo irreconciliável entre os interesses das classes
sociais opostas (a velha e insubstituível antinomia burguesia‑prole-
tariado…) e a inexorável necessidade da revolução.
Uma das modas vigentes na América Latina, por exemplo, são
os “pós‑marxistas”, como Ernesto Laclau, Chantal Mouffe e outros.
Defendem a “desconstrução” do conceito marxista de “classe” com
o pressuposto de que a classe operária praticamente já não existe
ou decresce (ideia que já foi empiricamente refutada até não poder
mais), e voltam a colocar no debate as velhas discussões. Reduzindo
o marxismo a um obreirismo próprio do século 19 ou, no máximo,
do século 20, o desqualificam como insuficiente diante da prolifera-
ção de lutas particulares erigidas pelos “novos movimentos sociais”
– feministas, ecologistas, diversidade sexual, minorias étnicas, imi-
grantes – que conformariam os novos sujeitos políticos e ocupariam
o papel de protagonistas que alguma vez (ou nunca) coube à classe
operária.
Em países onde o movimento indígena e camponês adquiriu
grande protagonismo, como na Bolívia ou Peru (ou anos atrás em
Chiapas, ao sul do México, com o zapatismo), ao calor de lutas mui-
to progressivas contra o capitalismo semicolonial e os debates para
superá‑lo, se propõem saídas utópicas e policlassistas. São expressões
atuais da tradicional polêmica entre reformistas e revolucionários.
Frente ao capitalismo imperialista, a realidade sempre volta a devol-
ver a razão a estes últimos: o capitalismo não tem conserto, não tem
“reforma”, não há outro caminho que o choque das classes em con-
fronto. A aposta na solução de fundo dos problemas dos trabalha-
dores, dos camponeses, das mulheres ou dos indígenas mostra que
não há outra saída a não ser derrotar a classe inimiga – a burguesia
– e o imperialismo com a força da classe operária unida à frente de
seus aliados, e assim extirpar o poder político e econômico dos pa-

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trões e governos que os mantêm. Em outras palavras, a vitória da


revolução socialista. As reivindicações indigenistas, por exemplo,
desvinculadas de uma saída anticapitalista e socialista, têm pontos
em comum com o “socialismo do século 21”, proclamado pelo pre-
sidente Hugo Chávez, que defende e pratica uma economia mista
capitalista com as multinacionais e setores da burguesia venezue-
lana, e mantém a exploração e crescente repressão contra os traba-
lhadores e setores populares da Venezuela.
Neste livro o debate gira em torno da luta pela libertação fe-
minina, com concepções do tipo policlassista daquela época. A
discussão continua vigente, inclusive com grupos que se reivin-
dicam marxistas e trotskistas. Pode parecer um debate menor, já
que não está alimentado hoje em dia por importantes mobiliza-
ções de mulheres, como ocorreu nos anos 1960 e 1970. Mas sem
dúvida tem importância, porque a libertação da mulher abarca a
metade da humanidade, e elas estão presentes em todas as lutas.
Alguns grupos dos Estados Unidos e outros países, ou seguidores
do dirigente Ernest Mandel, atribuem um protagonismo decisivo
e principal a um movimento de libertação feminina para avan-
çar em direção ao socialismo. Partem de fatos corretos, já que
as mulheres são as maiores vítimas de quase todos os problemas
da opressão. Mas chegam a uma conclusão equivocada. Segundo
esses grupos, como as mulheres trabalhadoras sofrem opressão
por sua classe, sua raça, sua orientação sexual, sua nacionalidade
e etnicidade, seus movimentos seriam aqueles que liderariam a
libertação da humanidade. A discussão que colocamos há três
décadas sobre as características do capitalismo, da exploração e
da opressão, sobre os antagonismos de classe e as tarefas para
avançar rumo à vitória da revolução socialista continuam sendo
uma contribuição a esses debates atuais.

Buenos Aires, 30 de setembro de 2009.

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Apresentação de
Carmen Carrasco

A segunda metade do século 20 presenciou uma revolução da


mulher em todos os terrenos. Sua incorporação à produção cresce
de maneira constante: em 2007, um bilhão e duzentos milhões de
mulheres trabalhavam em todo o mundo, um aumento de 18,4%
em relação à década anterior. Desde 1960 até hoje, as mulheres
passaram de 34 a 46% dos assalariados no mundo. Nos Estados
Unidos, seis em cada dez mulheres trabalhavam em 2005, o dobro
que em 1948, e, no final de 2009, depois de um ano de recessão, as
mulheres quase ultrapassam os homens na força de trabalho, pela
primeira vez na história. Na Europa, as mulheres passaram de 30%
da força de trabalho nos anos 60, para 43% hoje, quase 50% a mais.
O mesmo ocorre nos países atrasados: no leste da Ásia há 83
mulheres para cada 100 homens no mercado de trabalho, uma por-
centagem mais alta que nos países desenvolvidos. Na China, da‑
gongmei : mulheres jovens de cerca de vinte anos que emigram do
campo para trabalhar nas fábricas, sem residência legal nas cida-
des, esgotando‑se em jornadas eternas, transpirando em pequenos
galpões com seus filhos
Essa “proletarização” da mulher ou “feminização dos assala-
riados” é o traço fundamental da história feminina da segunda

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20  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

metade do século 20, a tal ponto que a revista inglesa The Economist
considera que na última década “o aumento do emprego da mulher
nos países desenvolvidos contribuiu mais para o crescimento do que
a China”.7
Em outras palavras, não tão acadêmicas: a incorporação massiva
da mulher na produção foi uma das principais fontes dos extraordi-
nários lucros capitalistas do último boom, antes da explosão da crise,
em 2008.
A faixa onde mais cresceu o emprego feminino foi a das mulhe-
res entre 25 e 49 anos. Novidade: as mulheres não deixam de traba-
lhar para ser mães, ou melhor, são as jovens mães que se incorporam
massivamente ao mercado de trabalho.
Em um fenômeno paralelo, as mulheres tomaram as escolas por
assalto: ao finalizar a Segunda Guerra Mundial, elas eram entre 15
e 30% dos estudantes nos países desenvolvidos.8 Hoje em dia, nos
Estados Unidos 140 mulheres ingressam na universidade para cada
100 homens, e na Suécia são 150 para cada 100.9
Essa incorporação massiva da mulher à produção e à escola é
pré‑condição para sua libertação, mas paga bem caro por isso: há
mais mulheres assalariadas e educadas, mais advogadas, médicas e
jornalistas, mas há também mais mulheres desempregadas, com tra-
balhos precários (na Europa ocupam 80% dos trabalhos em tempo
parcial) e com menores salários (em média ganham 27% menos10),
enquanto se generaliza a dupla exploração por sua condição de tra-
balhadoras e mães.
A conclusão é simples: as mulheres são 70% dos pobres do mun-
do, mesmo representando quase a metade da força de trabalho.
A mais importante consequência social dessa introdução mas-
siva da mulher, em especial da mãe jovem (e, na maioria dos casos,
solteira), ao mundo dos assalariados, foi a dissolução da família para
a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, convertendo‑se num

7  The Economist, “A Guide to Womenomics”, 12 de abril de 2006.


8  Hobsbawm, Eric. Historia del siglo XX, Buenos Aires: Planeta, p. 313.
9  The Economist, “A Guide to Womenomics”, 12 de abril de 2006.
10  http://www.unifem.org/gender_issues/women_poverty_economics/

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luxo só permitido para a burguesia e algumas faixas da classe mé-


dia. Assim, o capitalismo cumpriu uma missão histórica: enterrar
a família.
Basta um dado: nos Estados Unidos, em 2007, 60% das jovens
entre 20 e 24 anos são mães solteiras, três vezes mais que em 1980,
uma verdadeira revolução nas relações pessoais e familiares, que
não se limita aos Estados Unidos, mas que se estende à Europa,
onde em muitos países essa cifra é maior, e se reflete na América
Latina. Na Argentina, por exemplo, um terço dos lares é chefia-
do por uma mulher, cifra que aumentou 50% nos últimos quinze
anos, mas nos lares mais pobres chega a 40%.
A dissolução da família, sem qualquer alternativa estatal que a
substitua – restaurantes, creches, lavanderias coletivas –, em meio
à crise da educação e da saúde pública, cria situações sociais alar-
mantes: os filhos ficam largados à sua própria sorte; as mães sozi-
nhas devem responder pela educação e manutenção dos filhos; au-
menta a incidência de gravidez entre as adolescentes, que abortam
correndo risco de vida; as crianças ficam sob cuidado dos avós – ou
da avó –, e é provável que não se saiba quem é o pai. A degeneração
social se traduz no aumento do consumo de drogas e na violência
doméstica contra a mulher, enquanto que o tráfico de mulheres
passa a ser a terceira atividade mais rentável do mundo, depois do
tráfico de drogas e armas. Recordemos as 370 trabalhadoras das
“maquilas” mexicanas em Ciudad Juárez, assassinadas nos últimos
dez anos.
A entrada em massa da mulher na produção e na vida cultural
e política veio junto com grandes lutas das mulheres por seus di-
reitos, que tiveram seu auge na Europa e Estados Unidos nos anos
1960 e 1970. Se na primeira metade do século passado era impen-
sável uma presidente mulher, na segunda metade cerca de quarenta
mulheres ocuparam esse cargo. Na maioria dos países ocidentais
se conquistou o direito ao divórcio, o pátrio poder compartido, o
direito de voto, e em 54 países se conquistou o direito ao aborto,
que já existia nos países chamados socialistas. Esta luta continua
presente na América Latina, mas já foram feitos avanços, como na

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Cidade do México, onde foi legalizado, e no Uruguai, onde a descri-


minalização do aborto foi aprovada pelo parlamento – apesar de a lei
ter sido vetada pelo governo de “esquerda” da Frente Ampla de Taba-
ré Vázquez. Mas estas conquistas são muito desiguais e abarcam, no
fundamental, os países mais desenvolvidos, deixando de fora regiões
inteiras do planeta, como a África, com as brutais mutilações de suas
mulheres; os países muçulmanos, com suas lapidações e privação de
direitos da metade feminina; o sul da Ásia, com milhões de campo-
nesas chinesas, ou as mulheres pobres da América Latina.
Onde mais se expressa esta mudança revolucionária é na cres-
cente participação da mulher na primeira linha das lutas operárias e
populares. Neda Soltán, a jovem assassinada durante as manifesta-
ções contra a fraude eleitoral no Irã em junho de 2009, personifica
a grande rebelião das mulheres iranianas contra o regime teocrático
dos aiatolás. Azucena Villaflor, única pessoa enterrada na Praça de
Maio, em Buenos Aires, personifica a luta contra a ditadura e o geno-
cídio, e representa os milhares de mulheres desaparecidas na Argen-
tina. Rachel Corrie, atropelada por um tanque em Gaza, personifica
a solidariedade internacional com o povo palestino. Dionísia Díaz,
esposa de um dos operários da grande greve bananeira de 1954, foi
chamada “a avó da resistência”, em Honduras. As operárias de Ter-
rabusi, protagonistas da heroica greve de mais de um mês contra a
multinacional Kraft, na Argentina, são o exemplo dos milhões de
mulheres assalariadas que lutam por seus direitos.
A “feminização” da classe trabalhadora e a dissolução da famí-
lia, estes dois fenômenos do final do século 20, marcam a agenda de
quem pretende oferecer uma alternativa revolucionária às mulheres.
O feminismo antimarxista e muitas correntes feministas de es-
querda mantêm a agenda dos anos 60, e consideram seu objetivo
abolir a família (abolida, de fato, pelo capitalismo), chamam a cons-
trução de um “movimento feminista independente”, e colocam o
eixo nas “questões femininas” em geral. O livro que apresentamos
hoje é um debate contra essas posições. Apesar de ter sido escrito em
1979, reflete algumas das polêmicas mais candentes do movimento
feminista atual.

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Três décadas depois podemos comprovar que a “proletari-


zação” das mulheres as leva a participar de forma cada vez mais
massiva da vida política e social, mas seguindo as linhas políticas
de classe: levantando suas próprias reivindicações como trabalha-
doras – creches, licença‑maternidade, igualdade salarial – e como
mulheres – aborto livre e gratuito, igualdade de direitos, contra
o tráfico de mulheres, contra a violência de gênero, por saúde e
educação –, mas não de maneira “independente”, e sim acompa-
nhando e/ou sendo vanguarda da luta geral dos trabalhadores e
dos setores populares contra o capitalismo imperialista. Por isso,
não ocorreram os “movimentos autônomos feministas”, policlas-
sistas e permanentes em torno das “questões femininas”.
Nossa tarefa fundamental é despertar para a ação os massivos
batalhões de mulheres trabalhadoras, jovens, donas de casa, de-
sempregadas, para lutar por seus direitos e para convencê‑las de
que a plena igualdade só virá unindo‑se aos trabalhadores e cons-
truindo uma alternativa revolucionária para derrubar o sistema
capitalista e construir uma sociedade nova.
Este livro foi escrito sob a direção de Nahuel Moreno. Distin-
tas circunstâncias políticas impediram que fosse publicado naque-
le momento, mas, graças aos companheiros da Liga Internacional
dos Trabalhadores (LIT‑QI), hoje podemos saldar uma dívida de
trinta anos.
Dedico o livro a Amélia Beato e Rita Astásio, dirigentes docen-
tes argentinas, que faleceram tragicamente em um acidente de car-
ro quando viajavam para apoiar uma greve docente na província
de San Juan. A Graciela Flores, destacada dirigente do movimento
piqueteiro, que faleceu vítima de uma longa enfermidade, e a Sonia
Colman, vendedora ambulante, assassinada pelas balas do “gatilho
fácil”. Todas elas, inesquecíveis companheiras.

Buenos Aires, 30 de setembro de 2009.

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Introdução

No final dos anos 1960 e início dos 1970 ocorreram impor-


tantes mobilizações de mulheres por seus direitos, sobretudo na
França, Itália e Estados Unidos. Foram alimentadas pela onda de
lutas operárias e estudantis, cujo ápice foi o Maio de 1968 francês,
e o crescente repúdio mundial à intervenção do imperialismo ame-
ricano no Vietnã.
As mobilizações feministas ocorreram com mais profun-
didade nos Estados Unidos. O setor de mulheres dirigidas pelo
Partido Democrata esteve à frente delas. Uma das reivindicações
centrais foi o direito ao aborto livre e gratuito. Havia uma cres-
cente participação da mulher em todos os âmbitos da vida social,
econômica e política.
Este livro foi escrito em 1979 para apresentar um enfoque mar-
xista diante dessas lutas e as diversas respostas que foram gerando.
Havia surgido uma infinidade de grupos feministas antimarxis-
tas que defendiam a unidade de todas as mulheres por cima das
classes sociais e das divisões políticas, e que, levadas ao extremo,
negavam inclusive a participação dos partidos políticos de esquer-
da como tais. Esta pressão objetiva penetrou nas fileiras do mo-
vimento trotskista, organizado na Quarta Internacional. Tanto o
Socialist Workers Party (SWP) dos Estados Unidos como a cor-
rente encabeçada por Ernest Mandel, majoritária no Secretariado

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Unificado (SU) da Quarta Internacional, foram adotando posições


centradas na “unidade de todas as mulheres” de todas as classes para
formar “movimentos unitários e autônomos”, ignorando as inexorá-
veis contradições provocadas pelas classes sociais em luta.
Em seu documento “La revolución socialista y la lucha por la li-
beración de la mujer”,11 a dirigente do SWP norte‑americano, Ma-
ry‑Alice Waters, apresentou essa nova concepção política.
A corrente do trotskismo encabeçada pelo dirigente argentino
Nahuel Moreno polemizou com esse feminismo policlassista, e assim
surgiu este livro que agora se publica. O debate sobre como respon-
der à opressão da mulher e às suas lutas era parte de uma discussão
mais geral sobre o papel dos diversos grupos de oprimidos, como as
mulheres ou os negros, na luta pela revolução socialista, e sua relação
com a classe operária e o partido revolucionário. Também sobre a te-
oria da revolução permanente, pilar das concepções de Leon Trotsky,
que Nahuel Moreno desenvolvia com a direção do SWP. Em 1979,
em seu texto “Atualização do Programa de Transição”, ele dizia:

“A nova teoria da revolução permanente da atual direção do SWP é a teoria


dos movimentos unitários progressivos dos oprimidos, e não do proletariado
e do trotskismo. [Segundo o SWP] todo movimento de oprimidos – se é unitá-
rio e abarca o conjunto deles, ainda que sejam de classes distintas – é por si só
cada vez mais permanente e leva inevitavelmente, sem diferenciações de classe
ou políticas, à revolução socialista nacional e internacional. Esta concepção
foi expressa particularmente em relação aos movimentos negro e feminista.
Todas as mulheres são oprimidas, assim como todos os negros; se se conse-
gue um movimento do conjunto desses setores oprimidos, esta mobilização
não se deterá e os levará, através de diferentes etapas, a fazer uma revolução
socialista.
“Para o SWP, a revolução socialista é uma combinação de distintos movimen-
tos multitudinários – sem diferenças de classes – de similar importância: o
movimento negro, feminino, operário, juvenil, de velhos, que chegam qua-

11  “La Revolución Socialista y la Lucha por la Liberación de la Mujer”. Colección


Polémica Internacional, n° 2, Bogotá, 1979.

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se pacificamente ao triunfo do socialismo. Se todas as mulheres marcham


juntas, significam 50% do país; se ocorre o mesmo com os jovens (70% em
alguns países latino‑americanos), mais os operários, negros e camponeses,
a combinação desses movimentos fará com que a burguesia fique confinada
em um pequeno hotel, já que serão os adultos burgueses, homens e brancos
os que se oporão à revolução permanente. É a teoria de Bernstein combina-
da com a revolução permanente: o movimento é tudo, a classe e os partidos
não são nada. Esta teoria cai rapidamente em um humanismo anticlassista,
reivindicador da práxis como categoria fundamental, em contraposição à
luta de classes como motor da história. […] Nós continuamos defendendo,
intransigentemente, a essência, tanto da teoria como das próprias teses es-
critas [em 1929] da revolução permanente: só o proletariado, dirigido por
um partido trotskista, pode dirigir de forma consequente até o fim a revolu-
ção socialista internacional e, portanto, a revolução permanente.”12

Neste livro o leitor poderá perceber a atualidade desse debate


relacionado à necessidade de uma alternativa revolucionária para
as mulheres trabalhadoras, em polêmica com as posições do femi-
nismo burguês ou pequeno‑burguês, e com as discussões sobre os
diferentes sujeitos sociais e políticos que estão em jogo nas mobili-
zações contra o capitalismo imperialista.

12  Moreno, Nahuel. “Actualización del Programa de Transición”, Tesis XX‑


XIX: Actualidad de la teoría de la revolución permanente y de la ley del desarrollo
desigual y combinado. Buenos Aires: Antídoto, 1990.

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CAPÍTULO I
O capitalismo, a família
e a opressão da mulher

O capitalismo e suas “políticas básicas”

O documento de Waters, aprovado pelo SU, parte de uma


definição totalmente errônea dos objetivos do capitalismo e de
suas tendências em relação à família e à opressão da mulher.
No texto, ela afirma que “as necessidades sociais e econômicas
do capitalismo” impõem a este, como “política básica”, a ma-
nutenção do sistema familiar, que é seu “núcleo básico”, e que
a opressão da mulher é “indispensável para sua manutenção”.13
Este enfoque é decisivo para toda a concepção de MAW em re-
lação aos problemas das mulheres.
Para nós é justamente o contrário. A “política básica” da socie-
dade capitalista, “ditada por suas necessidades econômicas”, é a de
extrair a maior quantidade possível de lucros, explorando e superex-
plorando os trabalhadores, sejam eles homens, mulheres ou crian-
13  Waters, Mary‑Alice, “La revolución socialista y la lucha por la liberación de
la mujer”, em Colección Polémica Internacional, PST‑C. Bogotá, 1979. Todas as
citações que se referem a esse documento foram extraídas da mesma publicação.

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30  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

ças, e inclusive povos inteiros. Este afã condiciona de forma absoluta


todas as suas atividades e instituições e, para obter esses lucros, revolu-
ciona todas as relações sociais que encontra em seu caminho.
No início, a produção capitalista entrou arrasando sistemas
arcaicos de produção, desmontando o velho sistema social, ins-
taurando repúblicas em lugar de reis e monarquias, destruindo
os domínios feudais, enfrentando‑se com a Igreja Católica para
quebrar seu poder. Ao mesmo tempo, foi formando e consolidan-
do algumas instituições, estas sim indispensáveis para impor e
manter a dominação capitalista, como o Estado nacional e seu
aparato, o Exército. Mediante um colossal desenvolvimento das
forças produtivas, inaugurou a era da produção industrial mas-
siva, destruiu o regime dos grêmios e dos produtores indepen-
dentes, e os substituiu pela centralização, pelo desenvolvimento
da ciência e a técnica e pela produção para o mercado mundial.
Ao mesmo tempo, o regime capitalista – ao estar baseado na mais
ampla produção social e apropriação individual dos meios de pro-
dução – colocou em marcha a crescente anarquia da produção e
do intercâmbio, assentando as bases das crises periódicas, e refor-
çou alguns dos velhos sistemas de produção.
O regime capitalista é, desde seu nascimento, profundamente
contraditório. Revolucionário, na medida em que arrasa os velhos
sistemas de produção e abre as portas para a emancipação de toda a
humanidade com a produção industrial massiva; reacionário, na me-
dida em que coloca esses enormes avanços a serviço de uma minoria
exploradora e contra a ampla maioria dos trabalhadores, ao ponto
de ir contra esse desenvolvimento das forças produtivas que impôs.
Suas contradições são as que o impedem de levar até as últimas con-
sequências suas tendências progressivas, revolucionárias. Isto é par-
ticularmente certo no terreno econômico. Por exemplo, é impossível
que avance cem por cento sua tendência à centralização da produção
ou o controle e ordenamento do mercado, já que para isso deveria su-
primir todos os empresários individuais. Por isso, ao mesmo tempo
em que destrói as velhas relações sociais e de produção, convive com
algumas delas e inclusive as reforça, tratando sempre de extrair o

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maior lucro possível. Por exemplo, mantém a propriedade privada


da terra quando seria mais útil nacionalizá‑la e com isso poupar
o rendimento do qual se apossam os latifundiários parasitários e
improdutivos. No entanto, é impossível que a burguesia tome essa
medida porque, por um lado, está atada por mil laços a esses lati-
fundiários e, por outro, se alguém arrasa a propriedade da terra
poderá alertar os operários a fazer o mesmo com a propriedade
das fábricas. Um setor burguês nascente utilizou a escravidão para
sentar as bases do capitalismo no sul dos Estados Unidos. Também
ocorrem grandes contradições no terreno das superestruturas,
como a manutenção das monarquias ou a sobrevivência da Igreja
Católica e outras.
Do ponto de vista de sua produção econômica, então, o sistema
capitalista não faz questão de princípios na destruição de velhos
sistemas, relações, costumes, ou em seu reforço e utilização quan-
do por alguma razão está obrigado ou lhe é conveniente mantê‑los.
Estas contradições produzem divergências e inclusive choques en-
tre os diversos setores burgueses e servem, em alguns momentos,
de válvula de escape para a sobrevivência de todo o sistema.
Vejamos como essa característica do capitalismo influencia as
questões da família e da opressão da mulher. Nenhuma das duas
nasceu com o capitalismo, mas este as herdou dos regimes anteriores.
O surgimento do capitalismo significou, por definição, a con-
denação à morte do sistema familiar dos artesãos e camponeses
medievais e a incorporação da mulher à produção. Estes são fatos
históricos e econômicos inegáveis, mesmo quando o próprio capi-
talismo os combine contraditoriamente com seus opostos: man-
ter de alguma forma o sistema familiar e retirar as mulheres da
produção. E são inegáveis, mesmo quando se tornam muito mais
complexos, se analisamos as normas jurídicas e os costumes e ide-
ologias que os acompanham.
Mas queremos nos referir fundamentalmente ao processo obje-
tivo da produção, que em última instância é o determinante. Nesse
terreno, os fatos são categóricos: o capitalismo, ao impor a produ-
ção industrial massiva, destrói o velho sistema familiar e incorpora

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as mulheres à produção, sentando assim as bases para sua indepen-


dência econômica e, portanto, para a eliminação de sua opressão.
Como dizia Lenin, “na fábrica alheia, a mulher fica equiparada
ao homem; é a igualdade do proletário”.14

Duas tendências contraditórias

A opressão da mulher e a existência da família são fatos histó-


ricos que se foram transformando ao longo do tempo, cumpriram
distintas funções, e suas características variaram entre as diversas
classes sociais. O desenvolvimento pleno da família em sua forma
patriarcal e como unidade produtiva, cujos resquícios conhecemos
hoje, se deu durante o feudalismo. A produção camponesa se baseava
no trabalho da parcela por parte de todos os membros da família.
Na cidade, artesãos e comerciantes tinham também famílias sólidas
e organizadas. Algo parecido ocorria entre os senhores feudais, mas
incorporando a hipocrisia reconhecida das esposas e amantes.
Para prosperar, o novo sistema econômico capitalista que se
gestava dentro da velha sociedade devia dispor de homens livres
dos laços individuais com a produção. Para impor as jornadas de
18 e 20 horas do capitalismo nascente, nas piores condições e por
salários de fome, era necessário que esses homens não tivessem
forma distinta de subsistir.
Era preciso tirar o camponês de sua terra, destruir os laços servis
que o unia ao senhor feudal e o impedia de dispor de sua pessoa; era
preciso tirar o artesão da corporação, liberá‑lo dos códigos e normas
de seu grêmio. Isso implicava a destruição da unidade familiar, ao
suprimir suas formas de subsistência, e a incorporação de homens,
mulheres e crianças à produção. A grande indústria “entra destruin-
do todo vínculo de família para o proletariado”.15

14  Lenin, V. I. El desarrollo del capitalismo en Rusia, capítulo VII, “El Desarrollo
de la Gran Industria”. (Ver extrato em http://www.marxists.org/archive/lenin/
works/subject/women/abstract/99_dcr7.htm)
15  “O emprego da mulher dissolve a família por necessidade, e esta dissolução,

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  33

Teoricamente, do ponto de vista de sua economia, não exis-


te obstáculo para que o capitalismo incorpore todas as mulheres
à produção e socialize todos os trabalhos domésticos. Vejamos
um exemplo hipotético. Se em uma fábrica determinada um pa-
trão explorasse 50 operários e extraísse como mais‑valia mensal
1.000 dólares, seria mais conveniente a ele contratar 50 operárias
a mais e, supondo que lhes pagasse o mesmo que aos homens e
que tudo se mantivesse igual, extrairia delas outros 1.000 dólares a
mais por mês. Já não teria 1.000, mas 2.000 dólares de mais‑valia.
Com esse excedente, poderia facilmente construir creches, restau-
rantes, lavanderias coletivas para que todas as mulheres pudessem
trabalhar. E se produzissem massivamente, poderiam acabar sen-
do mais econômicas que o custo que teriam no lar, e inclusive do
patrão poderia encontrar uma nova fonte de lucro ao explorar tam-
bém os operários que trabalhassem na nova indústria de serviços.
Supondo que desses 2.000 dólares ele gastasse 500 para os ser-
viços, ficaria ainda com 1.500, com os quais não contava antes, e é
possível que com a exploração dos novos operários agregasse 200
dólares a mais, obtendo assim 1.700. A tudo isto há que agregar
que às mulheres se paga um salário menor que aos homens, o que
também se soma ao lucro.
Que isto não ocorra de forma generalizada, que o capitalismo
não leve até as últimas consequências sua tendência a incorporar as
mulheres na produção, enchendo o mundo de restaurantes e cre-
ches coletivos, se deve também a razões de tipo econômico: porque
é imprescindível a ele manter um exército industrial de reserva, do
qual as mulheres são parte importante; pelas limitações que suas
contradições impõem ao desenvolvimento das forças produtivas;
porque o desenvolvimento técnico que o capitalismo impõe reduz
a força humana necessária para produzir o que quer; e porque seria

em nossa sociedade, que se baseia na família, traz as consequências mais


desmoralizantes para os pais e os filhos.” Engels, Friedrich. The conditions of
the working class in England. Consultado em http://www.marxists.org/archive/
marx/works/download/ Engles_Condition_of_the_Working_Class_in_
England.pdf

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uma pressão muito forte para a elevação dos salários. Há períodos de


desemprego durante os quais os capitalistas aproveitam para despe-
dir primeiro as mulheres; para dissimular o problema, recorrem ao
expediente de enviá‑las de volta a suas casas, e inclusive, ao aprovei-
tá‑las nas tarefas domésticas, podem cortar gastos sociais.
Em um primeiro momento, até meados do século 19, o trabalho
das mulheres e das crianças foi particularmente intenso, já que os
capitalistas aproveitavam o fato de que podiam pagar a eles salários
mais baixos. Friedrich Engels descreve:

“De 419.590 operários do Império Britânico em 1839, 192.887, ou quase a me-


tade, tinham menos de 18 anos, e 242.296 eram mulheres, das quais 112.192
com menos de 18 anos. Sobram, então, 80.695 homens com menos de 18 anos
e 96.599 homens adultos, ou menos de um quarto do total.”16

As mulheres eram uma porcentagem especialmente alta na in-


dústria têxtil.
Vemos, então, que o capitalismo “não somente permite o traba-
lho da mulher em vasta escala, mas que até mesmo o exige”.17 Talvez
se houvesse explorado somente os homens adultos, não teria conse-
guido em tão pouco tempo a tremenda acumulação produzida nesse
período. Tão catastrófica foi para a família a primeira época do capi-
talismo, que Trotsky, referindo‑se à destruição das famílias provoca-
da pela Primeira Guerra Mundial, dizia que “a guerra destruiu o que
se mantinha só por inércia da história”.18
16  Engels, Friedrich. The conditions of the working class in England.
17  “Em oposição ao período manufatureiro, o plano da divisão de trabalho se
baseia agora no emprego do trabalho da mulher, das crianças de todas as idades,
de operários não qualificados, sempre e quando isso seja possível, em uma palavra,
do trabalho barato, ‘cheap labour’, como dizem os ingleses.” Marx, Karl. El Capital,
tomo I, capítulo XIII, “Maquinaria y gran industria”. México: Fondo de Cultura
Económica, 1964, p. 415.
18  “A influência profundamente destrutiva da guerra sobre a família é muito
conhecida. Para começar, a guerra dissolve automaticamente a família, separando
as pessoas por muito tempo ou unindo‑as acidentalmente. Essa influência da
guerra se agravou com a revolução. Os anos de guerra destruíram tudo aquilo
que se mantinha só pela inércia da história. Destruíram o poder do czarismo,

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  35

O capitalismo, então, abre as portas da produção fabril às mu-


lheres, como faz com tudo o que seja capaz de produzir mais‑valia.
Ao mesmo tempo, se aproveita de sua opressão para pagar salários
mais baixos que os dos homens, para utilizá‑las nos piores serviços,
para despedi‑las com mais facilidade e “jogar sobre seus ombros”
o peso do trabalho doméstico. Destrói a família para a maioria,
mas às vezes tem que fortalecê‑la; introduz a mulher na produção,
mas às vezes tem de tirá‑la. Também permite a subsistência relativa
da família de uma minoria, e mantém sua defesa ideológica. Por
exemplo, durante seu primeiro período reforçou a família para a
burguesia, pois isso lhe rendia certas vantagens, como garantir a
transmissão das propriedades. O protestantismo, religião tipica-
mente burguesa, impunha severas normas morais para protegê‑la e
a convidava a poupar e a fazer fortuna. Apesar de tratar‑se de uma
moral distinta e progressiva em relação à da Idade Média, pois con-
sagrava o “livre arbítrio” ou a liberdade de casar‑se, mantinha essa
liberdade dentro dos limites da conveniência econômica e, claro, se
assentava em uma série de preconceitos opressivos frente à mulher.
E como parte dessa mesma realidade, existiam a prostituição, a po-
ligamia dos homens e o adultério, oculto e brutalmente castigado
caso as mulheres o praticassem.
As famílias da camada média da população (comerciantes,
empregados independentes que progrediam nas cidades, do cam-
ponês médio e rico, do agiota, do profissional liberal), com certa
estabilidade econômica, não estavam forçadas a desintegrar‑se;
não era necessário que todos os seus membros trabalhassem em
uma fábrica. Portanto, os vínculos familiares se mantiveram e in-
clusive se fortaleceram, conforme esses setores sociais progrediam
economicamente.
À medida que, nos países desenvolvidos, a produção capita-
lista foi racionalizando‑se e, como consequência de lutas heroi-
cas, o proletariado foi conquistando a redução da jornada de tra-
os privilégios de classe, a velha família tradicional. A revolução começou por
construir o novo Estado e atingiu assim seu propósito mais simples e urgente”.
Trotsky, Leon. “Da velha à nova família”, Pravda, 13 de julho de 1923.

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36  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

balho, a regulamentação do trabalho das mulheres e das crianças


e as leis sociais, foi ocorrendo um processo de “regularização”, de
normalização da vida familiar de setores de trabalhadores. Com
o surgimento do imperialismo, a exploração dos povos coloniais
permitiu à burguesia dos países desenvolvidos ir formando uma
pequena‑burguesia mais ou menos estável e privilegiada e uma ca-
mada de operários privilegiados que, conforme elevavam seu nível
de vida, estabilizavam sua família.
Mas isto ocorreu à custa de uma exploração brutal nos países
atrasados. O capitalismo entrou rompendo os velhos sistemas de
produção e os foi substituindo por uma tímida exploração capita-
lista que não permitia ocupar e dar bem‑estar a todos os que eram
expulsos dos atrasados sistemas tradicionais de produção. Portan-
to, produziu miséria dolorosa, desemprego crônico e estrutural,
superexploração, analfabetismo, níveis alarmantes de prostitui-
ção. Este processo continua até hoje, de uma ou outra forma, e traz
como consequência a destruição violenta da família camponesa e
operária dos países atrasados.
Nos países desenvolvidos, a Primeira Guerra Mundial provo-
cou incríveis sofrimentos aos trabalhadores e um novo golpe para
suas famílias. Logo em seguida veio o triunfo da Revolução Russa,
a derrota da revolução alemã e praticamente até o final da Segunda
Guerra Mundial a sociedade dos países avançados viveu um longo
período de crise e confrontos bélicos, que foi deixando suas marcas
na crescente destruição das famílias e na localização das mulheres na
sociedade. Concluída a Segunda Guerra Mundial, durante a qual as
mulheres se haviam incorporado massivamente à produção enquan-
to os homens lutavam na guerra, estes voltaram a seus primitivos
postos nas indústrias e expulsaram as mulheres.
O início do prolongado boom econômico do pós‑guerra pro-
porcionou uma crescente estabilidade na renda, um aumento no
nível de vida de importantes setores de trabalhadores e da classe
média, o que foi acompanhado de uma relativa estabilização da
vida familiar. Não obstante, as necessidades da produção fize-
ram com que também nessa etapa milhões de mulheres fossem

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  37

reintroduzidas no trabalho fabril, ainda que, com a recessão


da década de 1970, a burguesia tenha novamente restringido
o emprego feminino. De todas as maneiras, durante todo esse
período, as mulheres ocuparam os postos de menor hierarquia
e menos especializados.
Então, no sistema capitalista imperialista vemos que a fa-
mília e a localização das mulheres na produção dançam ao
compasso das necessidades e possibilidades dos capitalistas,
aproveitando sempre o fato de que são oprimidas. Este proces-
so está sempre acompanhado, de maneira complexa, com toda
uma superestrutura legal que consagra o casal, a desigualdade
da mulher, a ilegitimidade dos filhos por fora do matrimônio,
ainda que com profundas diferenças de país a país. São conhe-
cidas as campanhas no rádio, na televisão, nos jornais e nove-
las, que propagam o ideal de família formada pelo casal feliz de
esposos que nunca se enganam entre si – ou que, se alguma vez
o fazem, voltam arrependidos –, que trabalham duro para man-
ter e educar os filhos, que sempre progridem até que se tornam
bondosos avós rodeados de netinhos. Também vimos, segundo
as distintas conjunturas econômicas, os chamados às mulheres
para incorporar‑se à produção ou para regressar a suas casas.
É evidente que nesse terreno da família e da localização
das mulheres existem diferenças profundas de opinião entre os
distintos setores da burguesia, que não são outra coisa que um
reflexo das contradições que têm entre si. Há setores burgueses
aferrados à concepção de que o papel da mulher está na casa;
outros tendem a defender seu trabalho independente; outros são
porta‑vozes das posições da Igreja. Inevitavelmente toda essa
propaganda, essa legislação e as distintas políticas burguesas se
combinam de maneira complexa com a situação econômica e
a produção, mas o resultado é que só uns poucos privilegiados
podem manter, se quiserem, uma vida familiar estável, à custa
da exploração mais brutal e da destruição da família dos povos
dos países atrasados e dos milhões de operários que são explo-
rados em todo o mundo.

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38  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

A destruição da família e a incorporação da mulher


à produção são um processo doloroso

Nós afirmamos, categoricamente, que a partir do surgimento do


capitalismo tem início um processo, provocado pelas novas relações
de produção, de crise e destruição irreversível da família, um pro-
cesso que se agudiza com o surgimento do imperialismo. Hoje essa
destruição da família é um fato trágico, já que esta não foi substitu-
ída por nada superior, nem sequer igual, e por isso sua destruição é
fonte de sofrimentos para toda a humanidade, em particular para os
trabalhadores. O grande número de homens e mulheres sozinhos, o
grande número de divórcios, a subsistência da prostituição, a maior
parte dos terríveis problemas individuais do “mundo moderno” es-
tão intimamente relacionados com essa situação.
Waters diz o contrário. Para ela, existe uma campanha linear e sis-
temática em favor da família e da submissão da mulher, e a família não
só subsiste, como é fonte de inúmeras desgraças. Dessa absoluta ce-
gueira se desprende todo tipo de erros na caracterização e na política.
No entanto, é tão evidente esta crise da família no mundo
todo, que sua descrição penetra no texto de Waters, ainda que
a autora não tire disso qualquer conclusão. Ela mesma diz que o
estado de coisas atual que comumente se denomina “crise da fa-
mília” se “reflete nas taxas disparatadas de divórcios, no aumento
do número de crianças que fogem e a extensão da violência do-
méstica”. Ela inclusive ressalta o aspecto econômico: “O laço eco-
nômico que anteriormente mantinha unida a família (…) começa
a dissolver‑se”, “as funções da unidade familiar na sociedade ca-
pitalista avançada se reduziram continuamente”.
Em um único parágrafo Waters consegue sintetizar muito
bem toda a contradição trágica que os despojos familiares subsis-
tentes enfrentam:

“Na sociedade de classes a família se torna o único lugar ao qual a maioria


das pessoas podem voltar para satisfazer algumas necessidades humanas bási-
cas, como amor e companhia. Apesar do pouco que possa a família preencher

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  39

essas necessidades, para muitos não há qualquer alternativa real enquan-


to exista a propriedade privada. A desintegração da família no capitalismo
provoca tanta dor e sofrimento justamente porque ainda não pode aparecer
nenhum contexto superior de relações humanas”.

Este parágrafo não só é totalmente correto, como dele se des-


prende toda uma política, toda uma atitude, que não pode ser ou-
tra que a de defender a família operária e camponesa, lutar por
proporcionar‑lhe melhores condições de vida diante da destruição
imposta pelo capitalismo e o imperialismo e que não coloca nada
em troca. Mas para Waters é só uma menção superficial, e ela con-
tinua em frente com sua cegueira.
Em seguida define o sistema familiar dissolvendo essa realida-
de complexa e contraditória em uma série de normas que podem
ser em sua maior parte corretas num sentido geral, mas que não
têm nada a ver com a vida cotidiana. O “sistema familiar” se define
porque “transmite” a posse dos bens de uma geração a outra, por-
que é “o mecanismo mais barato (…) para a reprodução da força
humana de trabalho”, porque “implica a submissão e a dependên-
cia econômica da mulher”, “reproduz em seu interior as relações
hierárquicas e autoritárias”, “distorce as relações humanas impon-
do o marco da obrigação econômica, a dependência pessoal e a
repressão sexual”. Este esquema irreal pode ser aplicado a todas as
famílias ou a nenhuma. Por exemplo, o operário, os assalariados,
que são a ampla maioria da humanidade, não têm bens a transmi-
tir, ainda que tenham família; os burgueses transmitem bens aos
filhos mesmo quando destroem por completo sua vida familiar.
As generalidades de Waters sobre a família, que já são descabi-
das em si, chegam ao absurdo quando se referem à crise da família
nos países desenvolvidos em relação à situação nos países atrasados.
Waters faz uma descrição fantástica da emigração das mulheres
camponesas às cidades onde, com as portas abertas, as esperariam
as fábricas e as escolas, que não têm nada a ver com os pavorosos
problemas que acarreta nos países atrasados a crise dos campos e o
crescimento abrupto e descontrolado dos centros urbanos.

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40  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

As mulheres que vão do campo à cidade não o fazem para liber-


tar‑se, para romper conscientemente com sua dependência econô-
mica, incorporando‑se à produção, nem para escapar da opressão
de suas famílias ou seus maridos, mas para fugir de uma miséria
espantosa. Nas cidades, muitas delas são obrigadas a trabalhar como
faxineiras ou tornam‑se vendedoras ambulantes ou prostitutas. Pior
para as que chegam sozinhas, sem o menor apoio de um marido ou
companheiro (ainda que este seja machista), ou de alguns membros
de sua família. Estamos certos de que não há mulher camponesa
emigrada à cidade que pense, como diz Waters, que esta enfraquece
sua “subordinação milenária”, ou que assim escapa da “pressão men-
tal” da família rural. Sabemos muito bem que muitas mulheres que
estão trabalhando nas cidades não as veem como a tábua de salvação
contra sua opressão, mas como uma fonte maior de sofrimento, e
sentem falta – ainda que Waters nem imagine – da comunidade fa-
miliar camponesa, apesar de sua miséria.
Também em relação à incorporação da mulher na produção, a
autora faz um esquema parcial e inútil, contrapondo trabalho fora
de casa versus família, e fazendo do primeiro um absoluto de bon-
dade e, do segundo, um absoluto de maldade. Todos conhecemos
uma infinidade de mulheres que vão trabalhar fora de casa pensando
que é uma desgraça ter de fazer isso, já que, além de trabalhar oito
horas em uma fábrica ou oficina, ou em uma casa de família, devem
regressar à sua e fazer todo o trabalho doméstico, sem ter, tampouco,
como cuidar dos filhos durante o dia. Nós sabemos que há muitas
mulheres que ficarão felizes no dia em que seus maridos receberem
um salário melhor para que elas não tenham de trabalhar fora de
casa, pelo menos nessas condições. Isso não é uma invenção nossa.
Lenin ressaltava que “a incorporação de mulheres e adolescentes à
produção é um fenômeno progressivo em sua essência”, mas “indis-
cutivelmente, a fábrica capitalista colocou esse setor da população
operária em uma situação particularmente penosa”.19
19  “A grande indústria mecanizada, concentrando massas de operários
que sempre chegam de distintos extremos do país, não admite em absoluto os
resquícios de relações patriarcais e de dependência pessoal, diferenciando‑se

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  41

O caráter das tarefas de libertação feminina

Para fazer um documento político sério sobre o trabalho entre


as mulheres, é imprescindível definir o caráter das tarefas de liber-
tação feminina. No documento da camarada Waters nos depara-
mos com a estranha surpresa de não ser definido com clareza em
nenhum lugar de que tipo de tarefas se trata. Mas, pelo que diz e
pelo que não diz, Waters considera o fundamental das tarefas das
mulheres para sua libertação como transicional, ou seja, como an-
ticapitalista‑socialista. Já vimos que ela considera a opressão como
“traço essencial”, “indispensável” para o capitalismo. Também diz
que as demandas das mulheres “atingem os pilares da sociedade de
classes”. Se uma demanda por si só consegue fazer isso, então é de
transição ao socialismo.
Nós defendemos algo completamente distinto: as tarefas de
libertação das mulheres como tais são democrático‑burguesas,
historicamente se colocam com o início do capitalismo e dizem
respeito às mulheres de todas as classes. Referindo‑se à religião,
à opressão das nacionalidades e à “inferioridade jurídica da mu-
lher”, Lenin dizia que “todos esses são problemas da revolu-
ção democrático‑burguesa”, “tudo isso é conteúdo da revolução
democrático‑burguesa”.20
por uma verdadeira ‘atitude depreciativa em relação ao passado’. E justamente
essa ruptura com as tradições caducas foi uma das condições substanciais que
criaram a possibilidade e originaram a necessidade de regular a produção
e submetê‑la ao controle social. Em particular, falando da transformação
das condições de vida da população pela fábrica, é preciso advertir que
a incorporação de mulheres e adolescentes à produção é um fenômeno
progressivo em sua base. De fato, a fábrica capitalista coloca esses setores da
população trabalhadora em uma situação particularmente difícil.” Lenin,
V. I. El desarrollo del capitalismo en Rusia, Cap. VII, “Desarrollo de la gran
industria mecanizada”.
20  “Tomemos a religião ou a falta de direitos da mulher ou a opressão e a
desigualdade de direitos das nações russas. São todos problemas da revolução
democrático‑burguesa. Os agentes vulgares da democracia pequeno‑burguesa
passaram oito meses falando deles; nenhum dos países mais avançados do
mundo resolveu até o fim esses problemas no sentido democrático‑burguês. Em
nosso país, a legislação da Revolução de Outubro os resolveu até o final.” Lenin,

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42  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

O capitalismo surge introduzindo massivamente as mulheres na


produção, mas aproveitando‑se de sua opressão herdada, e com isso
provoca uma situação contraditória, pois, por um lado, as mulheres
são igualmente exploradas ou mais ainda, mas, por outro, não têm
os mesmos direitos dos homens. Esta ruptura do papel tradicional da
mulher que ocorria na estrutura econômica entrava em choque com
as velhas leis e costumes que consagravam essa desigualdade. Mas as
leis e costumes não se adaptam sozinhos ou de forma automática às
transformações econômicas e sociais, e demoram mais ainda quan-
do as mudanças ocorrem em questões tão conflituosas e complexas
como a família e a situação da mulher.
Com seus vaivéns, o processo de adaptação entre a nova realida-
de da produção e aquilo que está consagrado pelas normas foi ocor-
rendo tanto por meio de reformas impostas diretamente pela classe
dominante, como pela exigência de grandes lutas das mulheres. As-
sim, ao longo do século 20, o respeito cada vez maior pelos direitos
democráticos das mulheres foi abrindo caminho. Waters enumera
alguns desses direitos conquistados: a educação superior, trabalhar
nos negócios e nas profissões liberais, receber e dispor de seus salá-
rios, da propriedade, direito ao divórcio, a participar em organiza-
ções políticas e direito de voto.
As lutas das mulheres na década de 1970 têm uma continuidade
com as anteriores em relação ao tipo de problemas que enfrentam.
Vejamos o que diz Waters: contra as leis reacionárias; por aborto e
anticonceptivos; contra opressivas legislações matrimoniais; insta-
lação de creches em número suficiente; contra os fundamentos le-
gais da discriminação; contra o sexismo em todas as suas esferas.
E insiste: direito de participar em completa igualdade em todas as
formas de atividade social, econômica e cultural; educação igual;
acesso igual a todos os trabalhos; salário igual para trabalho igual;
que a sociedade se encarregue das tarefas domésticas, do cuidado das
crianças, dos idosos e dos doentes.

V. I. “En ocasión del cuarto aniversario de la Revolución de Octubre”, publicado no


Pravda, em 18 de outubro de 1921.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  43

Toda a lista de reivindicações feita por Waters em relação aos paí-


ses desenvolvidos, das lutas passadas e presentes das mulheres, são de
caráter democrático individual. Em relação aos países atrasados, não é
menos categórica em sua descrição dos problemas: as mulheres desses
países “lutarão por reivindicações democráticas elementares”.
Do ponto de vista teórico, não existe qualquer impedimento para
que o capitalismo outorgue plena igualdade jurídica às mulheres, ins-
tale creches coletivas para todas as trabalhadoras que necessitem, acei-
te o direito ao aborto e ao divórcio. Muitas dessas demandas, como
reconhece a própria Waters, foram obtidas total ou parcialmente sem
que por causa disso o capitalismo tenha morrido.
Fazendo uma analogia, pelo tipo de problemas, poderíamos
ver que a socialização da medicina, brindando‑a de forma gra-
tuita e generalizada por parte do Estado, não significou a morte
do Império Britânico, pelo contrário. Na Suécia está praticamente
conquistada – até onde a natureza o permite – a igualdade entre
os sexos e a mais ampla liberdade sexual, e isso não enfraqueceu o
imperialismo sueco.
O fato de precisar esse caráter essencialmente democrático das
demandas das mulheres não significa depreciar suas lutas. O pro-
cesso de libertação das mulheres é profundamente revolucionário,
porque afeta todos os costumes e a vida cotidiana, e talvez seja até
mais revolucionário a partir do triunfo da revolução socialista, na
transição ao socialismo. Waters não pode pôr o nome adequado
aos problemas que ela mesma enumera tão cuidadosamente, por-
que seria a destruição de todo o seu documento. Simplesmente po-
deríamos dizer que aos problemas das mulheres devemos aplicar o
que, em geral, o marxismo e o trotskismo dizem sobre os proble-
mas democráticos desse tipo.

O caráter das lutas das mulheres

Apesar de Waters não dar em seu documento uma definição


clara do caráter das tarefas de libertação das mulheres, sua concep-

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44  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

ção fica bem evidenciada quando afirma reiteradas vezes que todas
as lutas das mulheres têm um “caráter objetivamente anticapitalista”.
Isto é profundamente incorreto.
Como já vimos, a produção capitalista foi a que colocou em
marcha o processo de libertação das mulheres, ao incorporá‑las em
massa à indústria, igualando‑as ao homem “na fábrica alheia”, e es-
tabelecendo assim as bases de sua independência econômica. Esta é
a base de sustentação de todas as lutas das mulheres por seus direitos
ao longo do século 20 e é um fenômeno progressivo e revolucionário,
porque vai contra a opressão milenar sofrida enquanto sexo pela me-
tade da humanidade.
Mas o capitalismo é incapaz de levar até o fim suas tendências re-
volucionárias, é incapaz de incorporar todas as mulheres à produção,
e por isso a solução definitiva do problema das mulheres só virá com
o triunfo da revolução socialista.
Aparentemente, nesse ponto temos um grande acordo com o
documento de Waters. No entanto, não é assim. Nas palavras, con-
cordamos com Waters quando afirma que as lutas das mulheres são
“parte integrante da revolução socialista”, que são uma “forma de
luta contra o capitalismo”, e que são “objetivamente anticapitalis-
tas” no sentido de que a solução definitiva e generalizada de suas
demandas só pode vir pela destruição do capitalismo e a vitória do
socialismo. Mas por trás dessas generalidades há duas concepções
opostas: para nós, isso é assim porque o capitalismo coloca as bases
objetivas para a independência das mulheres, mas não pode levá‑la
até o fim e, por isso, essa independência se volta contra ele. Para
Waters, pelo contrário, a luta das mulheres vai contra o capitalis-
mo, porque a opressão da mulher é um traço essencial, básico e
indispensável do capitalismo.
Desse erro de definição geral se desprende outro, que tam-
bém é muito sério, em relação a cada luta específica das mulheres.
Segundo Waters, todas as lutas femininas, concretas, atuais, con-
junturais, têm uma “dinâmica anticapitalista objetiva”, ou seja,
têm um mecanismo interno e automático que as leva contra o
capitalismo e pelo socialismo.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  45

Isso não é correto. Quando definimos como anticapitalista o pro-


cesso histórico geral de libertação da mulher, negamos peremptoria-
mente que essa definição se aplique naturalmente a toda luta feminista
que venha a ocorrer. Uma coisa é o caráter profundamente revolucio-
nário, transicional, anticapitalista, de um processo de séculos, como
a luta de uma classe, de uma nação, um sexo, uma raça, e outra coisa
bem diferente são as expressões políticas e organizativas, as lutas e an-
tagonismos que ocorrem todos os dias nesse processo histórico.
É um crime dissolver o caráter revolucionário anticapitalis-
ta dessas lutas em escala histórica em cada mobilização concreta
porque, como tais, estas são muito mais complexas, produto da
combinação de muitos fatores, de muitas classes em confronto, de
muitos partidos, e em cada momento aparecem em cada país com
características determinadas.
Para nós, nenhuma luta democrática, e isto inclui a das mulhe-
res, vai objetivamente contra o capitalismo (salvo as de libertação
nacional e reforma agrária), contra sua essência, que é a exploração
do trabalho assalariado por meio da propriedade privada. Em teo-
ria, insistimos, a burguesia pode dar creches e restaurantes coleti-
vos para todas as mulheres, ou aborto e divórcio, sem eliminar‑se a
si mesma. Mas, na atual época histórica, o imperialismo não pode
solucionar qualquer problema de maneira definitiva e, portanto,
lutas democráticas como as das mulheres podem, em determinado
momento e em determinadas condições, adquirir uma dinâmica
anticapitalista. No entanto, esta não será “objetiva”, inerente a cada
luta feminista, como pretende Waters, mas dependerá de seu con-
texto, de seu programa e, principalmente, de sua direção.
Baixando à terra o que diz Waters, vemos que, segundo ela,
todas as mulheres que lutem, por esse simples fato se transformam
em lutadoras anticapitalistas consequentes.
Em nossa opinião, não podemos fazer tal afirmação irrespon-
sável nem sequer em relação à classe trabalhadora, que muito bem
sabemos, está dirigida por reformistas e social‑democratas, con-
trarrevolucionários dispostos a levar toda luta, não a um anticapi-
talismo consequente, mas a um beco sem saída.

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46  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Se alguém tem dúvida a respeito das mulheres, vejamos um


exemplo entre milhares na realidade da luta feminista. Nos Estados
Unidos, o NOW (National Organization of Women) é o maior grupo
feminista do país e é dirigido pelo Partido Democrata. Durante a
campanha eleitoral que elegeu Jimmy Carter em 1976, o NOW fez
um acordo com ele para suspender a agitação em favor do aborto,
caso Carter aprovasse a Emenda por Direitos Iguais (ERA – Equal
Right Ammendment), uma emenda à Constituição para estabelecer
a igualdade na aplicação das leis para ambos os sexos. Carter venceu
as eleições apoiado por muitas mulheres e, claro, nem se lembrou
da ERA. Que Waters explique onde está a “dinâmica anticapitalista
objetiva” das lutas pela ERA.

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CAPÍTULO II
As lutas das mulheres:
uma história marcada pelas
divisões políticas e de classe

A realidade desmente Waters

A existência da opressão da mulher provocou inúmeras rea-


ções e expressões de rebelião em todos os terrenos. No mundo oci-
dental, a luta feminista tem dois capítulos fundamentais: as lutas
do final do século 19 e início do século 20, e as de 1968 e começo
dos anos 1970. Nessas duas grandes ondas, mulheres burguesas,
pequeno‑burguesas e operárias participaram, acompanhando as
lutas de suas classes e seus partidos.
Waters se refere a esses dois grandes capítulos da luta feminista
do passado histórico ou imediato, mas não como corresponde ao
dever marxista, que exige uma análise rigorosa da realidade e uma
definição de classe dos processos. O marxismo é tão cuidadoso
nisso que, graças a esse rigor, ganhou o respeito de muitos cien-
tistas, inclusive os não‑marxistas. Em relação à história, Waters
faz uma menção totalmente superficial, da qual se desprende uma

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48  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

falsa continuidade entre ambas as “ondas”. Em relação ao passado


imediato (as lutas dos anos 1960 e 1970), o pecado á ainda mais grave:
ela diretamente distorce, esconde a realidade do que de fato ocorreu
para buscar uma maior sustentação para sua posição.
O abandono do método marxista permite que Waters esconda
ou deforme as categóricas diferenças existentes entre as primeiras
lutas feministas e as dos anos 1960 e 1970. Na primeira onda houve
uma delimitação de classe constante, inclusive nas lutas específicas.
Nos anos 1960 e 1970 ocorreram importantes mobilizações de mu-
lheres, que deram lugar à formação de movimentos unitários, como
o NOW, nos Estados Unidos.
Segundo Waters, existe hoje em dia um “movimento” que é um
“fenômeno internacional”, que abarca países desenvolvidos, atrasa-
dos ou Estados operários, que está em constante processo de cres-
cimento e extensão.21 Esse “movimento” se levanta sobre a base das
lutas do final do século 19 e início do século 20, e haveria uma con-
tinuidade substancial entre ambos, já que Waters diz que houve uma
“primeira onda” que buscava alcançar a completa igualdade com os
homens e dentro da qual teriam existido distintas correntes políticas,
entre elas a socialista. A pintura que surge dessas poucas linhas é que
essa “primeira onda” se pareceu bastante com a “segunda”, quan-
do teria havido lutas que conseguiram importantes vitórias, e que
entre as mulheres que as protagonizaram havia distintas opiniões e
correntes.
A realidade histórica e atual é oposta à que pinta Waters em
seu documento.

21  Segundo Waters, o movimento de libertação da mulher surgiu primeiro “em


todos os países capitalistas avançados”, depois se estendeu a “setores mais amplos”,
e “as lutas de libertação da mulher continuarão se ampliando”. “Este rápido cres-
cimento do movimento feminista (...) confirma que há que considerar a luta pela
libertação da mulher como um componente fundamental do novo ascenso da re-
volução mundial”, como “o componente mais importante das lutas revolucionárias
que se avizinham nos países coloniais e semicoloniais”, e como “um componente
significativo no processo de crise e destruição dos regimes burocráticos privilegia-
dos, para estabelecer a democracia socialista”.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  49

Na “primeira onda” não houve qualquer


unidade policlassista das mulheres.

Entre as importantes lutas que ocorreram nos países desen-


volvidos no início do século 20 e as que ocorreram nos últimos
anos existem diferenças profundas quanto às exigências, compo-
sição social, orientação política das mobilizações e em relação às
organizações que as dirigiram. Essas diferenças ficam claras se as
inserimos como parte das profundas diferenças que existem entre
uma e outra época.
A vida política e social, desde o século passado até o triunfo da
Revolução Russa, em todos os países do mundo, sobretudo nos pa-
íses desenvolvidos, esteve marcada primeiro pelo desenvolvimento
do capitalismo e, depois, com sua expansão mundial, pelo desen-
volvimento e consolidação do imperialismo, por um lado, e pelo
crescimento do proletariado, por outro. O proletariado enfrentou
grandes batalhas, organizando‑se e fortalecendo‑se no terreno po-
lítico e sindical, e deu lugar à formação da Primeira Internacional
e de grandes sindicatos. Em seguida veio a Segunda Internacional
e os partidos operários revolucionários de massas, cuja máxima
expressão foi a social‑democracia alemã até a Primeira Guerra
Mundial.
Qualquer luta daquela época a que fazemos referência ocorreu
nesse marco: com a classe trabalhadora e seus partidos operários
revolucionários de massas como protagonistas centrais da luta de
classes, e dentro de um ascenso operário que se iniciou no final do
século 19 e teve seu ponto culminante no final da Primeira Guerra
Mundial e com a vitória da Revolução Bolchevique.
As lutas femininas de então tiveram uma característica geral:
de um lado lutavam as mulheres burguesas, exigindo, por exemplo,
o voto para as mulheres com propriedade, e, de outro, seguindo
seus partidos operários e seus sindicatos, acompanhando ou como
parte direta da luta operária, as mulheres trabalhadoras, exigindo
melhores condições de trabalho ou o voto universal. As mulheres

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50  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

participaram sempre da luta de classes em um lado ou outro, mais ou


menos ativamente, de forma mais ou menos diferenciada.
Durante a Revolução Francesa (1789), as mulheres participaram
ativamente na luta contra o poder feudal, o absolutismo monárquico
e pela república; também levantaram suas reivindicações como sexo.
Surgiram diversos clubes femininos, organizaram‑se sociedades e
apresentaram‑se as demandas feministas. Em 1792, a Sociedade de
Amigas da Liberdade e da Igualdade encabeçou um movimento con-
tra as terríveis condições de vida que atingiam o país, e a cidade de
Lyon ficou temporariamente em suas mãos. Este movimento contro-
lava a distribuição e o preço dos alimentos.
Com o rápido desenvolvimento capitalista do século 19, milhares
de mulheres e crianças entraram nas indústrias, a tal ponto que em
1835, como já dissemos, a quantidade dos que trabalhavam nelas era
maior que a de homens. Como reflexo dessa situação, na primeira
metade do século 19 começaram a surgir grupos de mulheres que
defendiam a igualdade de direitos com os homens. A Europa saía de
uma profunda revolução democrático‑burguesa, e começava a surgir
o proletariado moderno, que ainda não havia dado grandes batalhas.
Por isso, a maioria dos grupos que se formavam, tanto na Inglaterra
como na França, reivindicavam alguns direitos para a mulher, mas
fundamentalmente de um ponto de vista burguês rebaixado.
Mary Woolestonecraft, uma das primeiras feministas inglesas,
defendia reivindicações para que a mulher burguesa pudesse partici-
par com todos os direitos políticos e sociais no controle da proprie-
dade, negando essa possibilidade às proletárias.
Na França, em torno das jornadas que em 1830 derrubaram a
monarquia de Carlos X e levaram Luís Felipe ao poder, surgiram di-
versas correntes. Por um lado, as mulheres cristãs, que se opunham
a qualquer tipo de libertação política e social da mulher e reivindica-
vam simplesmente uma reforma na educação do sexo feminino, com
o objetivo de colocar a mulher, como esposa e mãe, em uma melhor
posição no seio da família. Por outro lado, um grupo de feministas
que se agrupavam em torno a Madame de Mauchampsy exigia que
Luís Felipe, rei dos franceses, se declarasse também “rei das fran-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  51

cesas”, pedia a este que outorgasse às mulheres ricas os mesmos


privilégios políticos dos grandes proprietários.
Mas na medida em que a classe operária se desenvolvia e co-
meçava a intervir na luta de classes, surge a divisão entre as duas
classes que cada dia aparecem com maior clareza e contundência
como inimigas irreconciliáveis. Um dos primeiros sintomas foi a
revolução de 1848 na França, quando pela primeira vez a classe
operária entra como força social e política diferenciada. Como
consequência, começa também a surgir a luta das mulheres traba-
lhadoras diferenciada das burguesas.
Sheila Rowbotham diz:

“Em 1848, no Clube Lyonnais, uma ‘simples mulher trabalhadora de família


pobre, mulher de um republicano’, chegou à tribuna e exigiu que as mulhe-
res não fossem tratadas como escravas dos homens. Queria que elas fossem
admitidas nas assembleias, que discutissem seus próprios direitos e dirigis-
sem seus próprios assuntos. Deviam receber salários decentes em troca de
seu trabalho, para que não tivessem que depender dos homens. Era preciso
permitir que as jovens que haviam sido seduzidas e depois abandonadas
cuidassem de seus filhos sem desonra e que a vergonha deveria recair sobre
os homens.”22

Na França, em 1840, Flora Tristán (escritora, feminista, socia-


lista, avó do pintor Paul Gaugin) foi uma das primeiras a propor
a luta da mulher unida à da classe trabalhadora. A partir desse
período surgem círculos femininos, as mulheres trabalhadoras se
organizam na “União de Trabalhadoras”, no “Círculo de Lavadei-
ras” etc., e conquistam importantes reivindicações para as prole-
tárias. As lavadeiras conseguem a jornada de doze horas em lugar
de catorze; foi concedido às trabalhadoras o direito de apresentar
os seus próprios interesses no seio dos poderes públicos. As rei-
vindicações feministas estavam ligadas à luta dos trabalhadores.
As mulheres exigiam cooperativas que vendessem seus produtos,

22  Rowbotham, Sheila. Feminismo y revolución. Madri: Editorial Debate, 1978.

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52  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

eliminando os intermediários, a construção de lavanderias e alfaia-


tarias públicas, escolas nas empresas, restaurantes públicos baratos,
salas de reunião e recreação etc.23
O crescimento da classe operária, de suas organizações sindicais
e de partidos socialistas traz consigo a organização das mulheres tra-
balhadoras a partir dos próprios sindicatos, como meio para defen-
der‑se da terrível exploração a que eram submetidas. Em 1865, o III
Congresso da Liga das Sociedades Operárias Alemãs, realizado em
Stuttgart, defendeu a luta pela igualdade do homem e da mulher e
aprovou a luta por certas reivindicações, como a criação de institutos
superiores para operárias, a fundação de associações de trabalhado-
ras e o direito de voto para as mulheres.
A Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em
1864 e dirigida por Marx e Engels, cumpre um papel decisivo no im-
pulso às reivindicações das mulheres trabalhadoras, o que se reflete
na filiação de importantes grupos de operárias a ela, como a Liga das
Costureiras da Inglaterra. Desde o Manifesto comunista, em 1848, é
colocado o objetivo de lutar pela plena igualdade da mulher no so-
cialismo, apontando para o movimento marxista um norte claro na
luta contra a opressão feminina. O socialismo continua essa luta de
forma consequente, e seus dirigentes mais importantes, como Marx,
Engels e depois August Bebel dedicam parte de seus escritos e suas
atividades ao problema feminino.
Em 1907, a Segunda Internacional, seguindo a tradição da Pri-
meira Internacional, aprovou para todos os seus partidos a campa-
nha pelo sufrágio universal sem distinção de sexo, recusando assim
qualquer concessão ao oportunismo dos partidos liberais que te-
miam o voto para a mulher, ou dos movimentos feministas que se
contentavam com o voto “para as damas”.
A Inglaterra é um exemplo típico da divisão do movimento fe-
minino. Na medida em que o ascenso se tornava mais forte, e que
a guerra mundial obrigava a tomar decisões contundentes, o movi-
mento aparecia mais dividido. Por um lado, as mulheres de classe

23  Idem.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  53

média exigiam melhorias na educação, mudanças na legislação e


lutas a favor do controle da natalidade. O movimento liberal fe-
minista estava dividido em uma forte tendência conservadora que
apoiava a classe dominante e o império, e outra que tentou relacio-
nar a luta feminina com a da classe operária.
A Sociedade Fabiana, que era um grupo de pressão dentro do
Partido Laborista, pedia o voto restrito, só para as mulheres das
classes possuidoras. Pelo contrário, a Federação de Sufragistas do
Leste de Londres, dirigida por Silvia Pankhurst, apoiou a Revolu-
ção Russa, fez campanhas pela igualdade de salários, organizan-
do manifestações e atos de rua. Por outro lado, a WSPU (União
Social e Política de Mulheres), organizada por sua irmã, Emeline
Pankhurst, tinha como método negociar no parlamento e oferecer
dinheiro em troca de votos.
A Revolução Russa de 1917 foi o fato definitivo que selou a
divisão de águas entre quem a apoiava e quem era contra ela. As
mulheres também se dividiram. Nessa grandiosa revolução não
existiu um só movimento autônomo e unitário de todas as mu-
lheres de todas as classes. Pelo contrário, a mobilização feminina
se deu por meio da mobilização geral dos operários e camponeses
pelo poder, dirigida pelo Partido Bolchevique, contra as mulheres
que defendiam o czar e contra aquelas que apoiavam Kerensky e
seu governo.
A Guerra Mundial e a Revolução Russa comoveram a Europa e

“obrigaram as feministas a definir‑se, em um momento em que, ao con-


ceder‑se às mulheres o direito de voto, desaparecia a única causa comum
que as unia. Depois de 1917, nenhum movimento político jamais voltará
a ser igual, nem os formados por mulheres, nem os grupos de qualquer
outro tipo”. 24

Teve início um novo e decisivo capítulo da história da humani-


dade e das revoluções proletárias.

24  Idem

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54  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

A Terceira Internacional Comunista formou‑se depois da revo-


lução dirigida por Lenin e Trotsky, e em seu III Congresso aprovou
as “Teses para a Propaganda entre as Mulheres”, chamando não a
construir um movimento unitário de mulheres de todas as classes,
mas ao apoio ativo de todas as operárias e trabalhadoras à revolução
operária e à Terceira Internacional, prevenindo‑as contra toda cola-
boração com os partidos burgueses ou com a Segunda Internacional.
Forma‑se o Secretariado Feminino da Internacional e realizam‑se
quatro conferências internacionais de mulheres comunistas, cuja
orientação era “desenvolver o movimento feminino comunista (...),
provocar e orientar, sob a direção e com o enérgico apoio dos co-
munistas, ações nacionais e internacionais tendentes a intensificar e
ampliar, mediante o trabalho das mulheres, a luta revolucionária do
proletariado”.

Nos anos 1960 surge um fenômeno novo

Das mobilizações feministas que ocorreram em alguns países


desenvolvidos a partir de 1968 participaram principalmente donas
de casa, estudantes e trabalhadoras da pequena burguesia. Isso foi
mais palpável nos Estados Unidos, onde o próprio SWP reconheceu
que quase não ganharam aderentes entre as negras, as imigrantes e
as operárias, e onde praticamente a maior parte da luta esteve orien-
tada pelo NOW, e este, pelo Partido Democrata. Por outro lado, sur-
giu uma forte corrente conhecida como as feministas radicais, que
consideravam a opressão da mulher como a base da sociedade de
classes, e grupos de “autoconciência”, vindos fundamentalmente do
movimento estudantil.
Na Europa, ainda que a base essencial tenha sido também
pequeno‑burguesa, como existiu um ascenso operário maior que
nos Estados Unidos, especialmente na Espanha, Itália e França,
houve uma maior radicalização da pequena burguesia e um maior
desenvolvimento das posições de esquerda e ultraesquerda dentro
dos grupos feministas.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  55

A base essencialmente pequeno‑burguesa desses movimentos


e a falta de uma poderosa onda de lutas do movimento operário e
de um forte partido de massas permitiram que se criasse a ficção
pequeno‑burguesa da independência, da autonomia por cima da
luta de classes. Waters foi vítima dessa ficção e toda a sua estratégia
de construção de um movimento autônomo e unitário de mulheres
não é mais que sua capitulação às pressões pequeno‑burguesas das
feministas radicais dos Estados Unidos e às poderosíssimas dire-
ções reformistas ou diretamente imperialistas.
Para analisar as características dessas lutas temos de partir da
localização das enormes diferenças que existem entre a situação
que se abriu em maio de 1968 e a do final do século 19 ou início
do século 20. Neste último caso, a característica fundamental da
época estava dada pela existência de um forte ascenso operário e
de grandes partidos operários revolucionários de massas. A situ-
ação que se seguiu à Segunda Guerra Mundial tem característi-
cas opostas: a classe operária dos países desenvolvidos viveu um
prolongado processo de estabilidade, de passividade nas lutas, que
colaborou para manter ou consolidar o controle sobre os traba-
lhadores por parte dos grandes partidos operários reformistas, o
stalinismo e a social‑democracia; os ascensos revolucionários vivi-
dos no mundo semicolonial e as revoluções que triunfaram foram
dirigidas não por partidos operários revolucionários, mas por par-
tidos pequeno‑burgueses ou operários stalinistas, e eram baseadas
essencialmente em lutas camponesas ou populares.
O ascenso mundial iniciado em 1968 tem como característica,
mesmo quando abarca o mundo todo, a inexistência de fortes
partidos operários revolucionários de massas e o fato de que a
classe operária industrial não é a protagonista que assegura a
continuidade do ascenso. Nesse marco, nos países desenvolvi-
dos da Europa e nos Estados Unidos ocorreram grandes mobili-
zações da juventude, dos negros, das nacionalidades oprimidas,
e o que Waters chama a “segunda onda” de lutas feministas. Até
1975, com a vitória do Vietnã, a mobilização contra a guerra foi
muito importante.

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56  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Waters contra Waters

Em abril de 1978 já era inegável o descenso das mobilizações de


mulheres na Europa e Estados Unidos, que vinham em uma curva
descendente desde aproximadamente dois anos. Justamente nesse
mês, o Secretariado Unificado da Quarta Internacional, encabeçado
por Ernest Mandel, aprovou o documento “A Revolução Socialista e
a Luta pela Libertação da Mulher”.
Nas cinco primeiras páginas do documento há pelo menos oito
frases – e não contamos todas – em que afirma, de uma maneira ou
outra, a existência em âmbito mundial de um “movimento” de mu-
lheres, profundo, crescente e sem precedentes. Começa com um exa-
gero: “No mundo todo, milhões de mulheres” começam a lutar. De-
pois volta atrás e a limita a “todos os países capitalistas avançados”.
Imediatamente volta a exagerar dizendo que esse “movimento” faz
parte do ascenso de “todos os setores oprimidos e explorados da po-
pulação mundial”, e que esse “rápido crescimento” do “movimento”
deve ser considerado “componente fundamental” do novo ascenso e,
além disso, que essa luta “não tem precedente” nas “implicações” que
tem “contra o imperialismo”.25

25  A segunda frase do documento diz: “No mundo todo, milhões de mulheres,
especialmente mulheres jovens, estudantes, operárias e donas de casa, começam a
questionar alguns dos traços fundamentais de sua opressão secular.” No terceiro
parágrafo agrega: “logo surgiu o movimento de libertação da mulher em todos
os países capitalistas avançados.” O quarto parágrafo diz: “O novo movimento de
libertação da mulher entrou na cena histórica como parte de um ascenso mais ge-
ral da classe operária e de todos os setores oprimidos e explorados da população
mundial.” Ao virar a página, conclui: “O rápido crescimento do movimento femi-
nista e o papel que cumpriu no fortalecimento da luta de classes, tanto em âmbito
internacional como em países específicos, confirma que é preciso considerar a luta
pela libertação da mulher como um componente fundamental do novo ascenso da
revolução mundial.” Na página seguinte, começa o ponto dois dizendo: “Não tem
precedente tanto a profundidade da crise econômica, política e social que expressa
esta radicalização da mulher, como as implicações que tem a luta contra a opressão
e a exploração capitalista. (...) Em um país atrás do outro, um número cada vez
maior de mulheres está participando de campanhas.” Duas páginas adiante: “O
desenvolvimento da luta das mulheres contra sua opressão já começou a privar
a classe dominante de uma das armas principais que durante longo tempo utili-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  57

No mínimo, nossos leitores haverão de concordar que existe


um exagero da realidade objetiva por parte de Waters e de todo o
mandelismo. Mas até o momento poderia ser visto como um exa-
gero fruto do entusiasmo. No entanto, na medida em que adentra-
mos na leitura, nos encontramos com a reiteração dessas frases ao
longo de todo o material, o que nos leva à conclusão de que se trata
de uma convicção profunda por parte de Waters.26
Para ela, “o esgotamento do boom econômico do pós‑guerra e
o agravamento dos problemas econômicos, sociais e políticos do
imperialismo em escala mundial, acentuados pela recessão inter-
nacional dos [anos] 1974‑1975, não provocaram um refluxo nas lu-
tas das mulheres e tampouco seu papel central foi suprimido com
a entrada em cena de forças sociais mais poderosas; longe de dimi-
nuir, conforme aumentavam as lutas da classe operária organizada
nos anos recentes, a consciência feminista e as lutas das mulheres
continuam se ampliando e cada vez estão mais entrelaçadas com o
aumento da consciência social e a combatividade política dos ho-
mens e mulheres da classe trabalhadora. Foi uma poderosa força
motriz de protesto social e radicalização política”.27
Queremos fazer uma série de perguntas a Waters. Nos Estados
Unidos, depois da mobilização de agosto de 1970 e, especialmen-
te de 1975 em diante, ocorreram mobilizações de mulheres muito
mais extensas? Durante os três ou quatro últimos anos (1976‑1980),
“as lutas da mulher continuam estendendo‑se” a todos os estados

zou para dividir e debilitar os explorados e oprimidos”, e “o desenvolvimento do


movimento de libertação da mulher na atualidade faz avançar a luta de classes,
aumenta suas forças e favorece as perspectivas do socialismo”.
26  Falando das raízes da nova radicalização da mulher, Waters diz: “Os direi-
tos democráticos mais amplos e as maiores oportunidades sociais não deixaram
as mulheres ‘satisfeitas’ e nem fizeram com que elas se inclinassem por uma acei-
tação passiva de sua situação social e inferior e sua dependência econômica. Pelo
contrário, estimularam novas lutas e demandas mais avançadas.”
27  No capítulo final, quando se refere às tarefas da Quarta Internacional,
seu primeiro ponto diz: “a velocidade com que as ideias revolucionárias e
as lições das lutas se transmitem de um país a outro e de um setor a outro da
revolução mundial demonstra que as lutas de libertação da mulher continuarão
estendendo‑se.”

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58  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

dos Estados Unidos? Em todos esses estados houve manifestações


que superaram as de 1970? Se isso é verdade, as “novas lutas” estão
levantando “reivindicações mais avançadas” que a legalização do
aborto ou o reconhecimento da ERA (Equal Rights Ammendments
– Emenda pela Igualdade de Direitos)? A notícia de primeira página
dos jornais norte‑americanos, como The New York Times, The Wa‑
shington Post e outros, é o “movimento” da mulher? As mulheres
cumprem o “papel central” na luta de classes nos Estados Unidos?
Na Itália, depois das grandes mobilizações pelo divórcio em 1974
e pela legalização do aborto em 1977, houve manifestações que du-
plicaram ou triplicaram em número as já mencionadas? As italianas,
depois de conquistar o direito ao divórcio e ao aborto, passaram a lutar
por medidas “mais avançadas”? As ruas de Paris estão hoje mais cheias
que em maio de 1968 e com mobilizações posteriores de mulheres fa-
zendo reivindicações “mais avançadas”? E se não é nesses países, onde
atualmente ocorrem mobilizações crescentes e sem precedentes de mi-
lhões de mulheres? Na África ou América Latina, talvez?
Nos Estados Unidos, a partir da mobilização contra a guerra do
Vietnã e influenciadas pelas mobilizações negras, surge em 1966
o NOW (National Organization of Women), de Betty Friedman, a
maior organização feminista do país, e começam a surgir pequenos
grupos de autoconsciência, sobretudo entre as estudantes. Em 26
de agosto de 1970, no 50º aniversário da conquista do voto femi-
nino, ocorreram as maiores mobilizações de mulheres, que depois
não voltaram a ocorrer em tamanha dimensão. Na manifestação
de Nova York, por exemplo, havia cerca de 30 mil mulheres. Sua
primeira conquista foi a legalização do aborto no estado de Nova
York no mesmo ano, e dois anos depois a Corte Suprema de Jus-
tiça o legalizou em todo o país. Essa bandeira foi acompanhada
por uma campanha pela ratificação da ERA, emenda constitucio-
nal para obter direitos iguais para a mulher. Mas nem a luta pela
legalização do aborto, depois da grande mobilização de 1970, nem
a ERA voltaram a gerar manifestações tão grandes quanto a pri-
meira, pelo contrário, a mobilização foi em descenso constante até
praticamente desaparecer pouco tempo depois.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  59

O fato de que não exista um ascenso nas lutas operária fez com
que as correntes liberais se fortalecessem, como foi o caso do NOW,
que era a majoritária, e as correntes feministas radicais (que consi-
deram a opressão da mulher como a raiz da sociedade de classes e
que se opõem aos partidos de esquerda), as correntes culturalistas
e os grupos de autoconsciência.
Nos Estados Unidos, o “movimento”, de acordo com as análi-
ses do SWP, foi fundamentalmente estudantil e de classe média, e
nunca conseguiu a adesão de setores significativos de operárias,
negras e imigrantes, os setores mais superexplorados da população
norte‑americana. Queremos citar a própria Waters que, anos antes
da votação de seu documento em 1978, já alertava para a situação
de crise nas mobilizações de mulheres.

“Nos três anos seguintes às mobilizações de 26 de agosto de 1970 não houve


manifestações nem mobilizações de envergadura ou impacto parecido ao de
26 de agosto. A maioria dos grupos do movimento de libertação da mulher
que surgiram depois do primeiro impulso do movimento, continua em pro-
cesso de desintegração. Dos que ainda existem, muitos se concentram em
problemas como o estupro, a prostituição e as clínicas de ‘autossocorro’, que
não são problemas políticos centrais para as massas de mulheres e não se
prestam para a luta efetiva contra as instituições que perpetuam a opressão
da mulher.”28

Se reflete no fato [de] que “o movimento feminista, depois de


seu surgimento em 1969‑1970, sofreu imediatamente uma crise de
perspectiva. As tendências contraculturalistas, obreristas, ultraes-
querdistas, sectárias e reformistas se desenvolveram”.29
Referindo‑se à campanha pela legalização do aborto, faz um
balanço das atividades do WONAAC (Coalizão Nacional de Mu-
lheres para a Ação pelo Aborto), organização criada pelo SWP e

28  Waters, Mary‑Alice. “La Liberación de la Mujer y su papel en la Revolución


Socialista”, em Marxismo y Feminismo. Barcelona: Editorial Fontamara, 1974,
p. 106.
29  Idem.

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outras forças para iniciar essa campanha em 1971, e diz: “Ao fazer
o balanço da campanha, devemos ver as conquistas da WONAAC
e também discutir por que não houve mobilizações massivas pela
questão do aborto.”30

“A semana de mobilização pelo aborto organizada pela WONAAC em maio


de 1972 e os tribunais locais de 1972 foram a única oposição à campanha ‘pelo
direito de nascer’ e às declarações antiaborto de Nixon e McGovern.”31

E mais adiante:

“(...) As conquistas diretas da WONAAC são impressionantes. Organizou a


mobilização de 20 de novembro de 1971 em Washington, a primeira mobiliza-
ção nacional pelo aborto. Realizou diversas atividades em distintas áreas em
maio de 1972. A manifestação realizada pela WONAAC em Nova York como
parte da Semana de Mobilização pelo Aborto foi a única mobilização que se
contrapôs à tentativa das forças antiaborto de eliminar a legalização do aborto
no estado de Nova York.
“A WONAAC nunca conseguiu atrair para suas atividades um número impor-
tante de mulheres além das ativistas do movimento de libertação da mulher.
Não se converteu em um movimento de massas antes que a Suprema Corte
tomasse uma decisão favorável. As ações da WONAAC foram menores do que
havíamos previsto. Isso se deve ao fato de que subestimamos o impacto com-
binado de vários obstáculos ao desenvolvimento da WONAAC. Entre esses
obstáculos estão:
“1. A intensa oposição à campanha nacional pelo aborto em setores do movi-
mento de libertação da mulher, expresso entre outras coisas, na intensa cam-
panha de provocações anticomunistas contra a WONAAC. A força inicial da
extrema esquerda e das liberais foi maior do que havíamos previsto. Havíamos
pensado, por exemplo, que uma campanha nacional pelo aborto teria arrasta-
do o NOW, mas o NOW, como organização nacional, se negou a prestar apoio
efetivo à luta pelo aborto. (…) Retrospectivamente, agora vemos que o movi-

30  Idem.
31  Idem.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  61

mento de libertação da mulher nasceu no apogeu do ascenso e radicalização


da década passada. Em suas lutas, nadou contra a corrente desde o início.”32

Mas poderia ser que entre 1973 e 1978 houvesse ocorrido um


novo florescimento das lutas da mulher. No entanto, o informe
sobre o movimento da mulher, aprovado pelo Comitê Central do
SWP em janeiro de 1977, diz:

“Hoje o sentimento feminista – ainda que mais forte e profundo que nunca,
sobretudo nas comunidades negras e na classe operária – está mal organi-
zado. Nas universidades há vários grupos feministas, mas são relativamente
pequenos, atomizados e carecem de direção. O movimento pelo direito ao
aborto é débil e pouco visível. Em algumas zonas começamos a formar gru-
pos ad hoc, mas nenhum deles constitui uma verdadeira coalizão. Forma-
ram‑se algumas organizações feministas negras e de imigrantes, mas são
pequenas e estão relativamente isoladas (...) diante da falta de uma direção
classista com algum peso no movimento operário ou nas organizações ne-
gras, imigrantes ou porto‑riquenhas de massas, [diante da] escassa resposta
aos ataques que foram feitos pelas dirigentes reformistas confusionistas do
movimento feminista orientadas pelo Partido Democrata, em particular as
do NOW, que conformam o grupo maior e mais influente.”33

Esta é apenas uma pequena mostra da multitudinária docu-


mentação que o SWP poderia dispor para mostrar, baseando‑se
em documentos oficiais ou de Waters, que é falsa a descrição da
situação apresentada no documento sobre as lutas feministas nos
Estados Unidos.
Na França, no final da década de 1960, surgiram os grupos
MLF (Movimento de Libertação Feminina) e, a partir de maio de
1968, vieram as grandes mobilizações, sobretudo a luta pela legali-
zação do aborto, que ocorreram durante os primeiros anos da dé-

32  Idem.
33  “Women’s Liberation Report”, apresentado ao Comitê Nacional do SWP
em janeiro de 1977. Internal Information Bulletin n° 1. Nova York, fevereiro de
1977, p. 40‑41.

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62  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

cada de 1970. A composição das mobilizações e grupos foi principal-


mente estudantil, mas, ao contrário dos Estados Unidos, ocorreram
em meio a um ascenso mais forte da classe trabalhadora, o que fez a
pequena burguesia girar mais à esquerda. Não obstante,

“a explosão de maio de 1968 acabou muito rápido para permitir ao nascente


movimento de mulheres convencer importantes setores do movimento ope-
rário sobre a importância da luta contra a opressão específica das mulheres.
Por isso, esse movimento teve a tendência a adotar posições sectárias, mesmo
entre os grupos que têm um ponto de vista de classe e dizem que querem de-
fender os interesses das mulheres mais exploradas e oprimidas”.34

A luta pelo aborto terminou com uma vitória, já que foi legaliza-
do pelo governo francês em 1975. Mas foi justamente por isso “o im-
pacto do MLAC (Movimento pela Legalização do Aborto) na França
e seu rápido declínio depois de aprovada a lei”.35 Outros indicativos
do declínio do movimento são a pobre celebração do 8 de março de
1979 e os baixos resultados da campanha mundial pelo aborto. Algu-
mas companheiras da LCR francesa diziam em maio de 1979:

“O movimento de mulheres está em dificuldades. Nem organização, nem


movimento permanente e coordenado; o movimento de mulheres hoje é uma
realidade particularmente instável. Os grupos de mulheres aparecem e desa-
parecem e sua capacidade de iniciativa flutua enormemente. Alguns estão en-
raizados em uma prática local de luta, ou sobre sua empresa, mas e as outras?
E há mais de um ano na região parisiense não há mais coordenações reais ou
intercâmbio de experiências e proposta de iniciativas comuns que permitam
ao movimento de mulheres constituir‑se em uma força social e política.
“O movimento de mulheres está politicamente desmembrado na região pa-
risiense, e os únicos lugares de ‘centralização’ que ainda existem são as as-
sembleias gerais, onde sempre se encontram as militantes feministas mais

34  “Sobre a Intervenção das Seções da Quarta Internacional no Movimento das


Mulheres”, em International Discussion Internal Bulletin, vol. XIV, maio de 1977,
p. 11.
35  Idem.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  63

motivadas. Se não existem mais coordenações centrais representativas do


movimento em Paris não é porque as militantes dos grupos estejam desmo-
ralizadas pelo terrorismo verbal das assembleias gerais ou por seu caráter
antidemocrático, mas principalmente porque a necessidade de coordena-
ções, de iniciativas centrais e unitárias retrocedeu amplamente, e isso por
diversas razões (situação política, crise da extrema esquerda, juventude do
movimento feminista etc.). O retrocesso localizado é hoje uma realidade,
e se não for combatido politicamente desembocará na asfixia de toda uma
geração de militantes feministas. A desmoralização já está vencendo!”36

A situação é mais ou menos similar nos demais países onde


houve mobilizações importantes. Para não sermos exaustivas,
vamos resumir. Na Itália, durante 1974 ocorreram as grandes
mobilizações em torno do plebiscito pelo divórcio e continuaram
em 1975 com a luta pelo aborto. Mas não temos conhecimento
de mobilizações massivas, nem de campanhas posteriores. Na
Espanha, a luta contra o franquismo provocou em 1974 e 1975
mobilizações de mulheres ligadas profundamente à luta demo-
crática e às lutas operárias contra a ditadura. Na Catalunha ocor-
reram as Jornadas Catalanas de la Dona, em junho de 1976, com
a participação de mais de quatro mil mulheres e surgiram grupos
em todo o país, além de mobilizações nas províncias. Mas nos
últimos dois anos também essa onda de mobilizações não teve
continuidade. Na Suécia, o governo fez amplas concessões às mu-
lheres, freando assim a mobilização.
Essa é a realidade que vemos. O que dizem as companheiras
norte‑americanas e francesas coincide com o fato de que há um
descenso, uma paralisia nas mobilizações feministas, na maior
parte dos casos devido aos triunfos obtidos. Novamente, então,
perguntamos a Waters: em que lugar da terra está esse “movi-
mento”, cujas claras lutas “continuam se ampliando” e cada vez
é mais radical?

36  Cahiers du Feminisme N.° 9, “Il fallait étre au Milieux des Torches y des
Flambeaux”, Editions la Brèche, Paris, Avril‑Mai, 1979.

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64  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Movimentos unitários e autônomos de


mulheres nos países atrasados?

O surgimento do imperialismo significou uma exploração brutal


dos países atrasados que, sem sair de sua secular situação de miséria,
viram seus velhos sistemas de produção completamente atacados e des-
truídos para satisfazer a ganância capitalista, viram a introdução violen-
ta e arrasadora da produção capitalista e para o mercado mundial.
As condições de fome e miséria em todo o mundo colonial e semi-
colonial fizeram com que se vivesse, ao longo de todo o século 20, uma
situação de instabilidade e intensa luta de classes. Em alguns casos,
essas condições se tornaram tão terríveis, tão sem saída, que, mesmo
sem partido revolucionário marxista e sem uma forte classe operária,
a revolução venceu na China, em Cuba, no Vietnã e em outros países.
Nessas revoluções a classe operária não teve um papel de van-
guarda, mas sim indireto, expresso no apoio aos Estados operários
por meio da existência de partidos operários ligados à União Sovi-
ética ou à China, e no apoio da classe operária mundial. Esse papel
indireto, mediado, da classe operária e a inexistência de partidos re-
volucionários operários nessas revoluções triunfantes foi o que deu a
elas um caráter “anormal”, sui generis (oposto à experiência “clássi-
ca” da Revolução Russa).
Salvo no caso da Revolução Chinesa, em todos os processos de
lutas dos países coloniais e semicoloniais e de suas revoluções triun-
fantes não vimos poderosas mobilizações feministas. E no caso da
China, as mulheres tiveram um papel destacadíssimo, de vanguarda,
único, mas que não tem nada a ver com a proposta de Waters, de
formação do movimento unitário ou independente.
Cremos que tal situação, nesse aspecto distinta à das nações desen-
volvidas, se deve à instabilidade política e econômica desses países, às
diferenças sociais que fazem com que existam pequenas minorias ul-
traprivilegiadas e muito ricas, em contraste com multidões humanas
submetidas à superexploração e à miséria e ao fato de que, salvo em
alguns poucos países, a classe média urbana é bastante débil, fazendo
com que as contradições de classe sejam muito mais explosivas e que a

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sociedade se polarize rapidamente entre seus extremos. As mulheres


da classe dominante têm sua sorte diretamente comprometida com a
de sua classe, a pequena burguesia é muito menos independente e se
radicaliza em direção à classe operária com mais facilidade quando
existem lutas; o movimento estudantil também é relativamente mais
débil e com muito mais afinidade com os trabalhadores; e as mulheres
operárias e camponesas, as mais pobres, vivem sujeitas aos problemas
da miséria e da fome que assola todos os trabalhadores, o que faz com
que os problemas de sua opressão específica como mulheres passem
a um segundo plano. Essas condições específicas são as que explicam
porque, tanto no passado como no ascenso iniciado em 1968, apesar
de terem ocorrido lutas importantes e inclusive revoluções triunfan-
tes, não houve um fenômeno sequer parecido ao das mobilizações
feministas dos países desenvolvidos. Os casos que ocorreram de lu-
tas protagonizadas por mulheres – Chile e Irã – não só foram bem
esporádicas como estiveram diretamente vinculadas aos problemas
políticos em disputa.
No Chile, em 1973, houve mobilizações de mulheres contra o
aumento do custo de vida, mas com um caráter claramente po-
lítico, de apoio direto à contrarrevolução em marcha, contra o
governo da Unidade Popular.
No recente processo da revolução iraniana (1979), durante um
breve período ocorreram mobilizações específicas de mulheres,
porque Khomeini deu ordem de desterrar as vestimentas e costu-
mes ocidentais alentados pelo Xá, e voltar à utilização do tradi-
cional shador e ao cumprimento ao pé da letra das leis islâmicas.
Nesse caso, mesmo que as exigências de liberdade na vestimenta
ou nos costumes fossem progressivas, e apesar do caráter bastan-
te fugaz da mobilização, é necessário precisar muito bem até que
ponto esse movimento estava direta ou indiretamente ligado a se-
tores contrarrevolucionários.
De passagem e ao final de seu documento, sem chegar a qualquer
conclusão, Waters diz o mesmo que nós dizemos a respeito da parti-
cipação das mulheres nas lutas dos países coloniais ou semicoloniais:
“Desde o auge da revolução colonial no início do século, as mulheres

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66  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

participaram nos levantes anti‑imperialistas mas não houve qualquer


tradição de organização das mulheres enquanto tal, em torno de suas
demandas específicas, como um componente diferenciado dessas lutas.”
Não obstante, fazer esse correto reconhecimento não leva Wa-
ters a abandonar seu projeto de construção do movimento feminis-
ta independente, mas o contrário. O que ainda não ocorreu deverá
ocorrer. “No entanto, o avanço do sistema capitalista mundial desde
a Segunda Guerra Mundial acirrou as contradições sociais, políticas
e econômicas dos países coloniais e semicoloniais, o que com o tem-
po fará com que as mulheres lutem por suas próprias demandas.” E
mais ainda, “com o tempo”, “as lutas das mulheres têm que chegar a
ser o componente mais importante das lutas revolucionárias que se
avizinham nos países coloniais e semicoloniais”.
Para que sua afirmação não fique totalmente descabida, Waters
tenta apoiar‑se em supostos exemplos históricos anteriores de lutas
feministas, apesar de ela mesma já ter reconhecido que não ocor-
reram: “No Vietnã, Argélia, Cuba, Palestina, África do Sul, Saara e
outros lugares, as lutas das mulheres para terminar com as formas
mais brutais da opressão que sofrem estiveram intimamente ligadas
ao avanço das lutas anti‑imperialistas.”
De que lutas de mulheres ela está falando? Em todos esses processos
revolucionários as mulheres participaram intensamente como parte da
luta de todo o povo contra o agressor imperialista. Mas o pior do exem-
plo não é isso: por que Waters não cita em seu documento a grandiosa
mobilização das mulheres chinesas? Como pode ser que um documento
sobre as lutas das mulheres ignore a maior, a única grandiosa mobiliza-
ção de mulheres que ocorreu na história? Só há uma explicação: Waters
não a menciona porque vai justamente contra sua “estratégia” de “cons-
truir um movimento independente” de todas as mulheres.
Waters engloba todos os países atrasados em uma generalidade
totalmente falsa: “na maioria dos países semicoloniais, a maior parte
da população ainda vive no campo e trabalha na agricultura de subsis-
tência, com métodos extremamente atrasados.” Esta é uma frase digna
de um almanaque mundial da década de 1930, que não tem nada a ver
com a complexa realidade dos países atrasados, entre os quais há dife-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  67

renças muito grandes com respeito ao desenvolvimento industrial,


mas na maior parte dos quais existe, há muitos anos, uma tendência
à industrialização, a se tornarem cada vez mais urbanos; há países
onde o petróleo transformou todas as relações econômicas e sociais,
mesmo que muitas regiões ainda conservem seu caráter camponês.
A afirmação de Waters de que as lutas de mulheres “têm que
chegar a ser o componente mais importante das lutas revolucioná-
rias que se avizinham” nos países atrasados e impor a eles a “estra-
tégia” de “construir o movimento” independente é ir contra a his-
tória, contra a realidade atual e contra o futuro desses países. Nós
afirmamos rotundamente que neles é decisiva a luta pela libertação
nacional e pela terra, que estes são dois componentes decisivos das
lutas dos países atrasados. E que em alguns deles existe uma clas-
se operária mais ou menos forte e com experiência, que se coloca
na vanguarda da luta dos países semicoloniais, e que a existência
dessa classe operária faz com que se combinem intimamente as
tarefas democráticas pela terra e pela libertação nacional com as
reivindicações operárias, o que afasta ainda mais a possibilidade
de surgimento de “movimentos independentes” de todas as mulhe-
res, ao estilo Waters.
Dado que na América Latina o trotskismo tem um peso im-
portante e tradição, e que, além das posições de Waters existe um
documento específico da maioria da direção da Quarta Interna-
cional sobre esse continente, que propõe a mesma “estratégia” de
“construir um movimento independente”, é necessário que nos de-
tenhamos especialmente nesse problema.

América Latina: “é só uma questão de tempo”?

O documento latino‑americano do mandelismo e o SWP to-


mam ao pé da letra a política de Waters para a mulher:

“Transformações objetivas (…) estão sentando as bases para o desenvolvi-


mento de um movimento de mulheres.

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68  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

“Os enraizados preconceitos contra a participação de mulheres na vida polí-


tica impediram o surgimento de um movimento de libertação da mulher que
possa ser comparado com o que surgiu nos países capitalistas desenvolvidos.
No entanto, é só uma questão de tempo para que esse movimento se desenvol-
va. A gravidade da opressão e o grande peso social que tem esse setor criaram
a possibilidade para o desenvolvimento de um movimento massivo de mulhe-
res, com grande potencial político. (...) Já se podem ver as primeiras indicações
do surgimento de um movimento da mulher na América Latina:
“a) O surgimento em muitos países de grupos de mulheres que se conside-
ram francamente organizações feministas. Ainda que sejam pequenos em
sua composição e âmbito de ação, sejam principalmente estudantis ou peque-
no‑burgueses, sem dúvida alguma surgirão organizações feministas entre as
mulheres das classes exploradas.
“b) A crescente participação das mulheres na vida política. Nesse processo
apareceram alguns grupos especificamente femininos, como os comitês de
donas de casa nas áreas mineiras da Bolívia, os comitês de mulheres dentro da
Tendência Democrática dos trabalhadores eletricistas do México.”37

Se as generalidades do documento de Waters sobre os países atra-


sados e as mulheres são ruins, o que diz o documento sobre a Amé-
rica Latina a respeito é ainda pior. América Latina é um continente
com uma história bastante conhecida de intensa luta de classes, na
qual se formaram movimentos anti‑imperialistas de massas sob a
direção da burguesia ou da pequena burguesia; ocorreram grandes
lutas operárias; grandes derrotas e até mesmo uma revolução operá-
ria triunfante que depois se perdeu, a boliviana. Na América Latina
está Cuba, o primeiro Estado operário do continente.
Dentro dessa rica história, as mulheres tiveram uma participa-
ção constante, mas alinhadas junto a seus partidos e suas respec-
tivas classes. Como o documento de América Latina está obrigado
a buscar “lutas feministas”, atribui aos “enraizados preconceitos
políticos” a causa pelo qual elas não se deram de forma similar
37  “Sobre América Latina”, em Proyecto de resolución del Secretariado
Unificado de la Cuarta Internacional, Colección Polémica Internacional, vol.
4, Bogotá, 1979, p. 67.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  69

à “segunda onda”. Nós dizemos o contrário: as mulheres, sim,


participaram nas lutas políticas, sindicais, anti‑imperialistas em
todos os países da América Latina, só que não segundo os novos
cânones que Waters pretende impor: formando movimentos au-
tônomos e independentes de todas as mulheres. E afirmamos que
tanto a experiência de todo o século 20 como a do atual ascenso
indicam que, no marco das importantes mudanças socioeconô-
micas vividas e que se vivem no continente (maior desenvolvi-
mento industrial, crise no campo, crescimento da população ur-
bana, relativo aumento da educação), as mulheres lutarão cada
dia mais, mas não só em torno de uma ou outra bandeira parcial,
específica da mulher, coisa que pode vir a ocorrer conjuntural-
mente, mas sim seguindo os distintos partidos e organizações
políticas e sindicais e as lutas das classes, e sendo as mais pobres
e oprimidas um componente importante da luta pela revolução
operária e o socialismo. Lutarão cada vez mais entre si, em cam-
pos políticos e sociais contrapostos, contrarrevolucionárias con-
tra revolucionárias, oportunistas contra trotskistas, burguesas e
pequeno‑burguesas contra proletárias.
Vejamos um pouco a experiência do passado. Um dos poucos
países que têm alguma tradição de luta feminista e uma das mais
antigas tradições de organização e luta operária no continente é a
Argentina onde, desde o final do século 19 e seguindo as pautas
da época dada pelos países europeus, houve atividade feminista de
mulheres burguesas, por um lado, e socialistas, por outro.
Em 1900 fundou‑se em Buenos Aires o Centro Feminista So-
cialista, dirigido por Alicia Moreau de Justo, uma das fundadoras
e máximas dirigentes do Partido Socialista argentino, que se em-
penhou sobretudo por uma legislação que protegesse as trabalha-
doras, que nesse momento eram uma parte importante da força de
trabalho brutalmente explorada. Em seguida, outra socialista, Ce-
cilia de Grierson, fundou o Conselho Nacional de Mulheres, que
depois se afastou da influência socialista.
A relativa importância da atividade feminista no país fez com
que em 1910 se realizasse um Congresso Feminista Internacional

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70  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

do qual participaram mulheres do mundo todo. Entre 1924 e 1926


foram obtidas importantes conquistas para o trabalho da mulher.
Porém, na maior parte dos países do continente não existiram
nem sequer experiências desse tipo. A história das lutas das mulheres
latino‑americanas é um reflexo fiel da história política de seus paí-
ses. Em todos eles, sua participação na vida política tem a ver com a
situação de conjunto do país. As mulheres apoiaram massivamente
os partidos nacionalistas burgueses como o APRA no Peru ou o pe-
ronismo na Argentina, apoiaram os partidos conservadores ou libe-
rais, e as trabalhadoras tiveram também uma participação destacada
nas lutas operárias, como foi o caso da Bolívia, em toda sua história,
e como ocorre agora no Brasil.
Um bom exemplo de toda essa variedade de situações foi a con-
quista do voto feminino. Na América Latina (onde em vários países
existe ainda o voto qualificado, que exclui os analfabetos ou os que
não têm propriedades), o voto das mulheres foi outorgado pela maio-
ria dos governos sem que ocorressem lutas de todas as mulheres e
bem depois da Europa e Estados Unidos (entre 1935 e 1958, aproxi-
madamente), e esteve diretamente vinculado às tentativas de mani-
pular o amplo caudal de votos femininos em favor ou contra um ou
outro candidato burguês. No Peru, por exemplo, concedeu‑se, em
1955, o voto à mulher que soubesse ler, mas diretamente ligado à ma-
nobra política de obter vantagem para o candidato conservador Ma-
nuel Odría, como de fato ocorreu. Ali mesmo, o APRA, um partido
nacionalista burguês, “progressivo” em relação ao odriísmo, se opôs
ao voto da mulher. No México, apenas em 1953 aceitou‑se o voto
feminino, já que entre as mulheres havia uma importante resistência
às medidas de secularização do Estado como defendia o PRI (Partido
Revolucionário Institucional, no governo desde a revolução).
Na Colômbia, o voto feminino foi imposto em 1957 por um go-
verno militar, sem que houvesse qualquer mobilização de mulheres.
No Chile houve uma tentativa de organizar um movimento feminis-
ta ligado a esse problema. Amanda Labarca Hubertson organizou a
Federação Chilena de Instituições Femininas para lutar pelo voto,
mas assim que conseguiu, em 1949, a federação foi dissolvida. Em

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  71

1946, María de la Cruz, seguidora de Juan Domingo Perón e de sua


esposa, Eva, organizou um Partido Feminino chileno para apoiar o
candidato populista burguês Carlos Ibáñez del Campo. Ele venceu
em 1952, e esse partido, que havia sido decisivo para sua eleição,
entrou em crise e se dividiu.
Na Argentina, a bandeira da luta das mulheres foi fundamental
para Juan Domingo Perón. No início de sua primeira presidência,
em 1947, outorgou o voto feminino. Quando o Congresso aprovou
o projeto de lei, em Buenos Aires milhares de mulheres foram às
ruas, dirigidas por Eva Perón, para manifestar seu apoio ao governo.
Em 1949, sob a direção de Evita fundou‑se o Partido Peronista Fe-
minino, cuja organização partia dos comitês femininos de bairros e
chegava a todos os setores da população. Este se transformou depois
na ala feminina do partido único.38 Em 1951, na primeira eleição em
que participaram, votaram 93,87% das mulheres de Buenos Aires,
contra 91,45% dos homens. A porcentagem de votos femininos em
favor de Perón variou em âmbito nacional entre 83 e 53%, o que fez
com que fossem eleitas sete senadoras e 24 deputadas, número ex-
cepcionalmente alto não apenas para a América Latina.
A atuação contrarrevolucionária ativa de um importante nú-
mero de mulheres no último período do governo de Salvador
Allende no Chile é outra confirmação do que dizemos. Durante
1972‑1973, a política conciliadora do governo da Unidade Popular
e a política cada vez mais agressiva da burguesia, apoiada direta-
mente pelo imperialismo americano, giraram a classe média cada
vez mais à direita, incluindo importantes setores da classe operária
que seguiam a Democracia Cristã, ao mesmo tempo em que des-
gastavam e desmoralizavam os setores mais combativos do pro-
letariado. Isso explica como foi que um amplo setor de mulheres
apoiou, junto com a maioria da pequena burguesia e alguns setores
operários, a política contrarrevolucionária da burguesia, que final-
mente permitiu a vitória de Pinochet.

38  Hellander, Nancy, “La Mujer, Mitad Olvidada de la Sociedad Argentina”,


em Hembra y macho en Latinoamérica. México: Editorial Diana, 1977, p. 131‑132.

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72  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Se tivesse existido no Chile um partido revolucionário de peso,


um partido com uma política correta e em condições de orientar as
massas, este teria sido capaz de mobilizar a classe operária, exigin-
do do governo medidas claras contra o imperialismo e a burgue-
sia, teria ganhado a confiança e a direção dos trabalhadores, tan-
to homens como mulheres, e com isso teria ganhado também, ou
ao menos neutralizado, importantes setores da pequena burguesia,
abrindo a possibilidade de derrotar o golpe e aprofundar o caminho
revolucionário.
De qualquer forma, não haveria campo para “construir um mo-
vimento independente” de todas as mulheres, como pede Waters. E,
claro, ela entende a experiência do Chile ao contrário, porque se co-
loca ao lado de “todas as mulheres”:

“O Chile mostrou uma vez mais de forma trágica que se o movimento dos tra-
balhadores não levanta e luta por um programa e uma perspectiva revolucio-
nária que responda às necessidades das massas de mulheres, muitas mulheres
pequeno‑burguesas e até operárias podem mobilizar‑se ao lado da reação ou
serem neutralizadas como aliadas potenciais do proletariado.”39

Dá a entender que o que faltou no Chile para impedir o triunfo


de Pinochet não foi um partido revolucionário que dirigisse as mas-
sas, mas sim um programa específico para as mulheres e (como não!)
um movimento autônomo…
A Bolívia é o polo mais avançado da América Latina em relação à
revolução operária. Em 1952 ocorreu uma revolução operária, derro-
tada. Nesse país, a experiência das lutas das mulheres não tem nada
a ver com o que Waters propõe. No caso dos Comitês de Donas de
Casa da Bolívia, citado na resolução sobre a América Latina que es-
tamos criticando como exemplo de luta independente das mulheres
por suas reivindicações em geral, não poderia ser mais distinto. Na
prática foi a organização das mulheres para apoiar a luta operária.

39  Chaney, M. “La Mujer en la Política Latinoamericana, el Caso de Perú y


Chile”, em Hembra y macho en Latinoamérica, op. cit.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  73

Domitila Chungara, a mais reconhecida dirigente mulher das mi-


nas bolivianas, nos explica como foi esse comitê:

“Nós, mulheres, fomos criadas desde o berço com a ideia de que a mulher
foi feita somente para a cozinha e para cuidar dos wawas (crianças), que é
incapaz de fazer tarefas importantes e que não se pode permitir que se me-
tam em política. Mas a necessidade nos fez mudar de vida. Há quinze anos,
em uma época de muitos problemas para a classe trabalhadora, um grupo
de sessenta mulheres se organizou para conseguir a liberdade de seus com-
panheiros, que eram dirigentes e haviam sido presos por exigir melhores
salários. Elas conseguiram tudo o que pediam depois de fazer uma greve
de fome de dez dias. A partir daí decidiram organizar‑se em uma frente
chamada Comitê de Donas de Casa da Século 20 (uma das maiores minas de
estanho da Bolívia). Desde então, esse comitê sempre esteve ao lado dos sin-
dicatos e outras organizações da classe trabalhadora, lutando pelas mesmas
causas. E por este motivos também nós, mulheres, fomos atacadas. Muitas
de nós fomos atacadas, presas, interrogadas e perdemos nossos filhos por
estarmos na luta com nossos companheiros. Mas o comitê não morreu. E
nesses últimos anos, respondendo a um chamado de suas dirigentes, quatro
a cinco mil mulheres fizeram uma manifestação.
“O Comitê de Donas de Casa está organizado como o sindicato e funciona
ao lado dele. Também fazemos parte da Federação de Trabalhadores Minei-
ros e temos nosso lugar na Central Operária Boliviana. Sempre nos pronun-
ciamos e estamos atentas para executar as tarefas da classe trabalhadora.”40

Esse movimento das mulheres bolivianas surgiu bem dividido:


as mulheres burguesas e reformistas por um lado, as operárias pelo
lado da luta operária. Não existiu na Bolívia um só movimento
unitário de mulheres:

“Esse Comitê surgiu em 1961. Naquela época passávamos por uma situa-
ção econômica bastante pesada: a empresa atrasava os salários de nossos

40  Viezzer, Moema. Si me dejan hablar…. Testimonio de Domitila. México: Siglo


XXI, 1977.

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74  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

companheiros em três meses, os alimentos não chegavam, não havia medi-


camentos para os doentes. Então, os mineiros se organizaram para fazer uma
marcha que consistia em ir todos a pé, com suas esposas e filhos, para a cidade
de La Paz. Era uma marcha muito longa, porque La Paz está bem longe. Mas o
governo ficou sabendo de nossos planos e cortou o que havíamos preparado.
Prenderam os dirigentes e os levaram para La Paz.”41

As mulheres decidiram ir a La Paz exigir a libertação de seus


esposos diante de uma reunião de ministros que iria receber um re-
presentante dos operários, e assim foi feito, mas foram atacadas pelas
“barzolas”, que seguiam o MNR (Movimento Nacional Revolucio-
nário, de Paz Estensoro).42 As donas de casa ameaçaram prender di-
namite no corpo, e o governo teve de aceitar suas exigências e soltar
seus companheiros.
Assim, na Bolívia, as mulheres mineiras se enfrentaram com as
mulheres do MNR. Elas não podiam organizar‑se em um movimen-
to unitário de mulheres porque seus interesses fundamentais não
coincidiam. E assim, na Bolívia, onde existe uma das classes ope-
rárias mais poderosas da América Latina, as mulheres operárias se
organizaram para apoiar seus companheiros em suas lutas. Depois,

41  Idem.
42  Diz Moema Viezzer, em Si me dejan hablar: “As ‘barzolas’ constituem um
capítulo triste na história da mulher na Bolívia. Eram mulheres que os membros
do MNR organizaram e [que] tomaram o nome de María Barzola, mas não
cumpriram o papel que ela cumpriu quando pedia um tratamento justo para
os operários. Porque, segundo me contaram, Maria Barzola era uma mulher
da cidade de Llallagua. Em 1942 houve uma grande manifestação para pedir
aumento de salários aos antigos donos das minas, e ela estava na frente, com uma
bandeira. Quando já se aproximavam de Catavi, onde está a gerência, chegou
o exército e massacrou [muita] gente. E ela morreu nesse massacre. Esse lugar
agora se chama a ‘Pampa de Maria Barzola’. Mas as ‘barzolas’ do MNR passaram
a servir aos interesses de seu partido, que estava no governo, e também ajudaram
a reprimir o povo. Serviram como instrumento de repressão. Dessa maneira, na
Bolívia se guarda um sentimento de rancor contra as ‘barzolas’. Por exemplo,
em La Paz, quando havia um setor da classe trabalhadora que exigia algo, as
‘barzolas’ se colocavam à frente portando navalhas, facas, chicotes e atacavam
as pessoas que se reuniam em manifestações de protesto contra as medidas
adotadas pelo governo.”

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  75

esses comitês começaram a levantar reivindicações das mulheres


operárias como mulheres, mas sempre ligadas à luta geral de seu
povo contra a opressão.
É preciso levar em conta que essas mulheres eram oprimidas por
seus maridos, que os homens no início as vaiavam, não permitiam
que falassem, não as deixavam sair para as reuniões. Mas elas se or-
ganizaram, lutaram para que os homens as reconhecessem, e hoje
são uma parte fundamental do movimento operário boliviano.
Para concluir, vejamos as características do atual ascenso lati-
no‑americano. Ninguém mais duvida que a América Latina vive
outra vez um importante ascenso, cujo epicentro é a América Cen-
tral. Nós afirmamos que todo ascenso atual indica que se repetirá
a participação das mulheres operárias, trabalhadoras, as mais po-
bres, junto com os trabalhadores e o povo, nas suas lutas políticas
e sindicais, sem que haja maiores condições para o surgimento dos
“movimentos” ao estilo Waters ou para que nós nos lancemos a
construí‑los. Na heroica luta dos combatentes sandinistas contra
a Guarda Nacional de Somoza, as mulheres não tiveram partici-
pação diferenciada como tais, nem qualquer tipo de organização
autônoma independente, mas sim, lutaram ao lado dos homens na
guerrilha. Coisa parecida ocorre na luta hoje em El Salvador.
No Peru ocorreu, a partir de 1976, um ascenso muito impor-
tante, que se expressou na realização de duas grandes greves gerais
e uma infinidade de lutas. Em todas elas as mulheres participaram,
mas dentro de seus sindicatos e partidos.
Na Bolívia, o ascenso que se seguiu à queda de Hugo Banzer, a
convocatória e realização das eleições, a atual situação de instabili-
dade, começou em janeiro de 1978, quando quatro mulheres, qua-
tro esposas de ativistas e dirigentes operários que estavam presos há
tempos, invadiram a sede do Arcebispado de La Paz acompanhadas
de catorze filhos, e começaram uma greve de fome pela liberdade de
seus maridos, que depois se estendeu como um rastilho de pólvora
por todo o país. Não só não houve organização feminista autônoma,
como as mulheres bolivianas retomaram, com toda a honra, o papel
de vanguarda que sempre cumpriram na luta do proletariado.

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76  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

No Brasil, onde há mais de um ano ocorrem grandes greves operá-


rias, as trabalhadoras participam cada vez mais. Na greve dos metalúrgi-
cos de São Paulo, no início de 1979, que mobilizou cerca de 250 mil tra-
balhadores, teve destaque a participação dos comitês das mulheres em
apoio à greve. E não foram só as esposas dos metalúrgicos grevistas, mas
o apoio envolveu também mulheres de diversas profissões e condições
sociais, e surgiram uma Associação de Donas de Casa e o Movimento
Feminino pela Anistia. E para o sindicato metalúrgico, um dos resulta-
dos da greve foi a formação permanente dos Comitês Femininos.43
Na Argentina, um dos capítulos mais heroicos da resistência à feroz
ditadura de Videla pertence às mulheres. Centenas delas vêm perambu-
lando todos estes anos pelos ministérios, departamentos, quartéis e de-
legacias, procurando por seus filhos e maridos desaparecidos. Sem parar
um só dia, durante mais de três anos, uma multidão de mães e esposas
exigiu a volta dos milhares de sequestrados pela ditadura militar. Outras
apoiaram seus presos e exigiram sua libertação, além dos milhares de
mulheres desaparecidas, torturadas ou presas por sua participação nas
lutas dos anos 1970. As Mães da Praça de Maio se tornaram conhecidas
em Buenos Aires e no exterior por sua constante presença às quintas‑fei-
ras no centro de Buenos Aires, diante da Casa Rosada e do Ministério do
Interior, clamando pelos desaparecidos. Em outubro de 1977, na come-
moração do Dia das Mães, mais de mil mulheres desfilaram pelas ruas
do centro. No processo de reorganização sindical em curso, que vem
ocorrendo em toda parte, as mulheres têm um papel importante.

Waters ignora a maior mobilização de mulheres da história

De propósito, deixamos para o final o maior exemplo da partici-


pação revolucionária da mulher na luta por seus direitos: a Revolução
Chinesa, que Waters não menciona em todo o seu documento. Jack
Belden, em seu livro A China sacode o mundo, relata alguns aspec-

43  “Nuestras hermanas las obreras brasileñas”, em Opción, Año 2, n° 13, junio de
1979, p. 39 (publicación mensual clandestina del PST argentino).

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  77

tos sobre a situação da mulher e sobre a poderosíssima revolução


social levada a cabo pelas mulheres chinesas, que nessa revolução,
sim, cumpriram um papel fundamental.
Sobre as condições de vida da mulher chinesa, e sobre o fato de
que a revolução feminina tenha sido parte essencial da derrubada
do regime feudal e da derrota do imperialismo japonês, Belden diz:

“Ainda que tenha sido amplamente complicada, a sociedade patriarcal chi-


nesa repousava igualmente sobre a posição dos anciãos e sua possessão das
mulheres como fontes materiais de riqueza. Historicamente, o controle das
mulheres estava concentrado nas mãos das classes agrícolas proprietárias,
que sempre tinham as maiores famílias. O camponês pobre raramente tinha
mais de uma esposa, enquanto que os chefes das tribos e os senhores possu-
íam inúmeras esposas, concubinas e mulheres escravas que não apenas pro-
duziam riqueza para o senhor graças a seu trabalho, mas também produ-
ziam uma grande quantidade de filhos, o que conferia à nobreza um poder
político local. Na província de Hunan, o autor dessas linhas encontrou um
senhor que tinha uma família de sessenta e nove pessoas. Assim, mantinha
sob sua dependência setecentos granjeiros, trinta escravas, duzentas pessoas
estabelecidas em suas terras e sete pagens que amamentavam sua numerosa
prole. Graças à sua riqueza, podia vender e comprar mulheres, e da posse de
mulheres derivava igualmente seu poder.
“Não somente a sociedade chinesa em geral, mas também a estrutura do
Estado, desde o povo até o trono, estava claramente influenciada pela con-
dição das mulheres como escravas, propriedade privada, potencial de tra-
balho e produtoras de filhos para as classes dirigentes. A família era um
terreno onde se disciplinava as pessoas para serem leais à autoridade do
Estado. O pai era o autocrata supremo na família. A submissão da fêmea
ao macho e do filho ao pai encontrava sua contrapartida natural na sub-
missão do camponês à nobreza, do granjeiro ao senhor, do senhor ao sobe-
rano. Do que precede, aparece claramente que uma empresa que se com-
prometesse a fundo a libertar as mulheres, não poderia ter outro resultado
que uma transformação de toda a pirâmide social, e uma modificação
fantástica da relação de forças que lutavam pelo poder. Eis aqui porque os
comunistas combateram com tanto vigor pela igualdade das mulheres e

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78  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

porque os moralistas de mentalidade feudal do Kuomintang não perderam


uma só oportunidade de sujar a imagem dos comunistas, culpando‑os por
haver ‘destruído’ a família chinesa. Para uns, a libertação das mulheres foi
um meio de destruir o velho regime; para os outros, frear as mulheres era
um meio de conservar o poder.”44

Mencionemos de passagem o hábito de amarrar os pés das mu-


lheres para deformá‑los, impedir que fujam e deixá‑las quase defi-
cientes; o matrimonio desde o berço; a submissão completa da mu-
lher à família do marido, da qual passava a fazer parte; a posição de
última da família, submetida ao domínio dos homens; a proibição de
trabalhar e os privilégios para que os homens pudessem ter quantas
mulheres quisessem, para ter uma ideia da poderosa opressão que
pesava sobre as mulheres chinesas, ainda em 1949.
Mas se sua opressão era tão grande, também grande foi sua luta
sob a direção do Partido Comunista e como parte integrante da luta
dos camponeses contra o feudalismo, a luta contra o exército japonês
e contra a tirania de Chiang Kai‑shek. Nos povoados, com a pas-
sagem do Exército Vermelho, foram se organizando associações de
mulheres que se encarregavam de castigar publicamente os maridos
e/ou sogros que trataram mal suas esposas e/ou noras, que organi-
zavam e chamavam as mulheres a sair de suas casas para trabalhar
no campo e assim ajudar o Exército Vermelho, ou faziam “greves”
contra os maridos que não deixavam que elas trabalhassem ou que
se negavam a alistar‑se no Exército Vermelho.
Assim, as mulheres foram impondo seus direitos, como o de es-
colher seu marido ou divorciar‑se dele se este a tratava mal, o direito
de trabalhar, de ter igualdade perante a lei, de comer o mesmo que
o marido e o sogro, de participar das eleições nas cidades. Essa re-
volução feminina foi um dos maiores apoios que o Exército Verme-
lho teve na retaguarda. À medida que conquistavam seus direitos,
as mulheres foram se tornando conscientes de que, para mantê‑los,

44  Belden, Jack. China shakes the world. Monthly Review Press, 2ª ed., 1970, p.
310‑311.

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tinham de evitar a todo custo que voltasse o velho regime, e mais


que nunca foram a vanguarda na construção da nova sociedade
chinesa. Mas deixemos que nos fale diretamente uma camponesa
do norte da China, citada por Belden em seu livro:

“Em 1947, Chiang Kai‑shek iniciou uma poderosa ofensiva contra a China
do Norte, e Flor Dourada tinha medo que o Oitavo Exército em Marcha
fosse vencido, e que suas novas liberdades fossem varridas de um golpe de
espada. Os clamores do Partido Comunista para aumentar a produção agrí-
cola a comoveram. Percorreu o campo incitando as mulheres a trabalhar na
terra. ‘Realizamos uma grande mudança e agora somos iguais aos homens’,
explicava. ‘Isso significa que as mulheres trabalham e não têm mais que de-
pender dos homens’. Mas as mulheres da cidade não estavam convencidas.
‘Se trabalharmos no campo, diziam, quem fará o trabalho doméstico? Essa
mudança significa que vamos trabalhar até morrer’. ‘Está errado’, respondia
Flor Dourada. ‘Se não trabalharmos, os campos produzirão pouco; não ha-
verá grãos para os soldados no front. Então, estaremos ameaçadas de morte
pelo exército de Chiang Kai‑shek, e perderemos tudo o que ganhamos. E de
novo vamos depender de nossos maridos!’ As mulheres não puderam opor
nada a esse raciocínio.
“Mas havia outras coisas a considerar. Os maridos não queriam que suas
mulheres fossem para o campo. Flor Dourada fez uma visita à mulher mais
bonita do povoado, uma jovem chamada Pureza Branca, que concordou em
ir trabalhar. ‘Tu és bela demais para os trabalhos do campo’, disse o marido.
‘O que poderás fazer se alguém te atacar no trigo?’ Pureza Branca riu: ‘Sim,
sou bela’, disse. ‘Mas isso quer dizer que devo ficar enclausurada como um
pássaro em uma jaula? Vivemos em uma sociedade nova; não é como nos
velhos tempos. Se alguém ousar me atacar pedirei a nossa Associação de
Mulheres que o mate a golpes.’ A contragosto, o marido aceitou, mas quan-
do se deu conta de que seu orçamento aumentava com o trabalho de sua mu-
lher, ficou encantado. Una noite, disse a ela: ‘Se eu não pudesse sair nunca
mais de casa, você poderia manter toda a minha família.’ Era justamente o
que Pureza Branca esperava. ‘Sim, disse ela, eu posso manter nossa família
agora, assim você pode partir e unir‑se ao Oitavo Exército em Marcha. Você
é jovem, e deveria ter vergonha de não ir lutar contra os reacionários.’ Com-

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preendendo que havia caído em uma armadilha, o marido se negou a partir.


Pureza Branca não quis voltar a dormir com ele na mesma cama. Ele ameaçou
bater nela; ela o ameaçou com a Associação de Mulheres. Em seguida, disse
que ela se mataria se ele não se unisse ao exército. Vencido, o marido finalmen-
te montou sobre seu asno e foi lutar contra Chiang Kai‑shek.”45

Esta poderosa revolução não é sequer mencionada no material de


Waters, e é a única em que a mobilização das mulheres foi um com-
ponente fundamental da luta revolucionária. Podemos discutir se o
Partido Comunista chinês impulsionou essa mobilização ou não, se
preferiu freá‑la ou não, mas o fato é que pelas condições tão violentas
de opressão da mulher que estavam na base da estrutura feudal chi-
nesa, sua libertação foi definitiva para a vitória da luta contra o im-
perialismo e a ditadura de Chiang Kai‑shek. Esse poderosíssimo mo-
vimento não foi independente e nem autônomo. Pelo contrário, foi
dirigido pelo Partido Comunista chinês, e nele participaram não as
senhoras feudais ou burguesas que apoiavam o Kuomintang, mas sim
as camponesas chinesas em luta contra a ditadura e o imperialismo.

45  Idem, p. 294‑295.

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CAPÍTULO III
Opressão e exploração
O texto deste capítulo foi publicado na revista
Correspondência Internacional em janeiro de 1980
com uma introdução que não foi aqui incluída

“Uma década com nome de mulher”

Em uma referência obrigatória às características da década de


1970, um jornalista colombiano publicou um artigo com esse títu-
lo. Dizia que cada dia mais e mais mulheres participam da ativida-
de econômica, da política, dos sindicatos ou atividades artísticas, e
o fazem, em muitos casos, em postos de direção.
Destacava o nome de seis mulheres bem conhecidas por to-
dos: a israelense Golda Meir, a indiana Indira Ghandi, a argenti-
na Isabel Martínez de Perón, a boliviana Lidia Gueiler, a inglesa
Margaret Thatcher e a portuguesa Lourdes Pintasilgo. Também
recordava de passagem os movimentos massivos de mulheres
que haviam ocorrido em alguns países na primeira metade dos
anos 1970. Nós poderíamos agregar, para corroborar o mesmo
fato, a boliviana Domitila Barrios de Chungara e as mulheres

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dos mineiros bolivianos que, com sua greve de fome, iniciaram


a luta que culminou com a derrubada da ditadura de Hugo Ban-
zer; as chilenas que se mobilizaram contra o presidente Salvador
Allende, as burguesas salvadorenhas que saíram às ruas para se
manifestar contra o “comunismo”, as iranianas que se opunham à
imposição do uso do shador.
É um fato indiscutível que as mulheres participam e participa-
rão cada vez mais em todos os aspectos da vida moderna, especial-
mente na política, e a década de 1970 tem bons exemplos disso nas
mobilizações massivas de mulheres que ocorreram em alguns países
capitalistas da Europa e Estados Unidos, apesar de não terem atingi-
do os países coloniais e semicoloniais nem os Estados operários. As
mulheres conquistaram o direito ao divórcio na Itália e o direito ao
aborto na França, Itália, Inglaterra e Estados Unidos.
Junto com esses movimentos surgiram correntes feministas
com posições consciente ou inconscientemente antimarxistas
que, em maior ou menor medida, defendem que a luta contra a
opressão da mulher não é determinada pela luta de classes em que
está dividida a sociedade. Para elas, o inimigo é o homem, e se
opõem a qualquer tentativa de relacionar as lutas feministas com
a luta de classes. Estão contra a participação nos partidos, pois
consideram que são agentes da política, que é machista, e busca
dividir e dominar as mulheres. Portanto, clamam pela unidade
de todas as mulheres de todas as classes e recusam qualquer ten-
tativa de diferenciar‑se segundo os distintos partidos ou classes
sociais. O conhecido lema “sisterhood is powerful” (a irmandade
feminina é poderosa), cunhada pelas feministas dos Estados Uni-
dos, resume bem as suas posições.
Frente a elas, nós, os trotskistas, temos de afirmar o contrário.
Cremos que as mulheres participarão cada vez mais da política
e de todos os demais aspectos da vida social. Farão isso lutando
não apenas por reivindicações especificamente femininas, como
conjunturalmente ocorreu em todos esses anos, mas participando
cotidianamente em campos políticos e sociais antagônicos, se-
guindo os distintos partidos e organizações políticas e sindicais

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  83

e as lutas de suas classes, como vimos em toda a última década.


Ou seja, participarão cada vez mais, mas não cada vez mais uni-
das, e sim, lutando e enfrentando‑se entre si, revolucionárias
contra reacionárias, oportunistas contra trotskistas, burguesas
e pequeno‑burguesas contra operárias. E isso é e será inevita-
velmente assim, porque a atividade feminina também está regi-
da pela luta de classes.
A camarada Waters adota a política da irmandade das mulhe-
res por cima das lutas políticas e de classe, seguindo pari passu as
feministas não marxistas.

Mulheres do mundo, uni‑vos?

A camarada Waters opina, como nós, que a opressão da mu-


lher só será eliminada quando se eliminar a exploração e a divisão
da sociedade em classes; que para isso é preciso fazer a revolução
socialista dirigida por um partido de homens e mulheres. Mas con-
corda plenamente com as feministas antimarxistas na política con-
creta que propõe para as lutas das mulheres. Ela sabe muito bem
que nenhum militante trotskista pode aceitar as posições gerais
dessas mulheres, e por isso introduz uma proposta política similar,
disfarçada de marxismo.
Segundo Mary‑Alice Waters, como dissemos no capítulo anterior,
as mulheres de todas as classes lutarão cada dia mais unidas entre si
frente ao capitalismo, que é o inimigo comum, em uma dinâmica que
não se deterá até derrotá‑lo. Esta é a quintessência de sua política, que
tem como eixo a necessidade de construir um movimento autônomo
policlassista e independente de todas as mulheres, que “faz parte da
estratégia do partido revolucionário” sem o qual não se poderá des-
truir o Estado burguês. Ela, como as demais feministas, afirma que
é possível a unidade de todas as mulheres pelo simples fato de serem
oprimidas, e que é preciso conseguir essa unidade.
Esta não é uma posição inédita ou exclusiva da camarada. Já
em 1971, o SWP dos Estados Unidos, seu partido, adotou como
posição oficial um texto com a mesma concepção:

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“Existe uma base objetiva para a luta unificada das mulheres de todas as classes
e nacionalidades, porque o capitalismo oprime a todas as mulheres enquanto
mulheres. A irmandade das mulheres é poderosa, devido à sua opressão uni-
versal, e isso constitui a base para a existência de um movimento feminista
independente e não excludente, de massas e com uma lógica anticapitalista
(...). O verdadeiro significado de irmandade das mulheres é o conceito de que
elas podem unir‑se como irmãs sobre a base de uma luta comum.”46

Esta concepção peculiar tem nome próprio: frente‑populismo (o


acordo entre partidos e organizações da classe operária com os par-
tidos da burguesia) feminino. É um chamado às mulheres operárias
e revolucionárias à conciliação, em longo prazo e numa organização
comum, com as mulheres reformistas e burguesas reacionárias.
Para nós, sem dúvida e tal como a história cansou‑se de mostrar,
as mulheres são seres sociais, que pertencem a uma determinada
classe e seguem determinada política. Por isso, daqui até a vitória
do proletariado no mundo todo, elas participarão cada vez mais da
política, mas sempre se enfrentando umas às outras, segundo seus
interesses de classe e as orientações de seu partido.

Todas as mulheres são oprimidas, mas


algumas exploram as demais

A base teórica que sustenta essa política errônea da “estratégia”


do movimento autônomo e unitário de todas as mulheres parte da
incorreta relação que a camarada Waters estabelece entre as lutas dos
oprimidos e as dos explorados, igualando‑as e dando‑lhes similar
importância na luta pela revolução socialista.
Em várias partes de seu documento ela menciona as diferen-
ças de classe que existem entre as mulheres, mas coloca a opres-
são como a categoria fundamental, por cima das divisões de classe:
46  Waters, Mary‑Alice. “Towards a Mass Feminist Movement” (Resolução
aprovada pela Convenção Nacional do SWP, de 1971), em Feminism and socialism.
New York: Pathfinder Press, 1976, p. 145‑146 e 148 (grifo no original).

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“Apesar da submissão da mulher sempre ter tido diferentes con-


sequências para as mulheres, independentemente de sua classe,
elas foram e são oprimidas.” Esta afirmação é o oposto do que
seria uma definição marxista de um problema social. Para refe-
rir‑se ao mesmo fato, um marxista diz o contrário: “Apesar de
todas as mulheres, independentemente de sua classe, serem opri-
midas, elas estão divididas pelas classes e pelos partidos políticos,
que refletem classes e setores de classe.”
Devido a esse ponto de partida errôneo, Waters se refere a “opri-
midos e explorados” como equivalentes, em uma inadmissível uni-
dade geral, como se se tratasse da mesma coisa, e a exploração surge
como uma medida, um “efeito” ou uma “agudização” da opressão.47
As relações dos oprimidos entre si são muito mais complexas,
mais contraditórias do que diz Waters, já que, se bem podem es-
tar unidos pelo fato de serem discriminados, isso não elimina a
existência de oprimidos‑explorados e oprimidos‑exploradores.
Qualquer possível luta unitária dos oprimidos como tais está irre-
mediavelmente atravessada e subordinada à divisão imposta pela
exploração econômica.
A exploração é a máxima desigualdade que existe entre os ho-
mens, e se trata da descarnada apropriação do produto do trabalho
das massas trabalhadoras por parte da classe possuidora. Esta de-
sigualdade significa um antagonismo total e irreconciliável entre
os exploradores e os explorados, entre classes e entre seus partidos
e organizações. Desde que surgiu, a exploração se converteu no
fato determinante de toda a história posterior da humanidade. Não
se trata de uma submissão injusta por razões culturais, raciais ou
sexuais, mas um fato econômico fundamental, que está na base da
produção de toda a sociedade de classes.
47  Vejamos alguns exemplos de seu documento: nas páginas 13, 14, 17 e
42, refere‑se a “oprimidos e explorados”: “Apesar de todas as mulheres serem
oprimidas, os efeitos dessa opressão são diferentes para as mulheres de distintas
classes. As que sofrem a maior exploração econômica são também geralmente
as que sofrem mais por sua opressão como mulheres.” (p. 95.) “A desigualdade
entre as classes (...) agudiza a opressão das mais exploradas.” (p. 110– sublinhado
pelas autoras.)

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Para o marxismo, as relações de produção e de propriedade,


quem e como usufruem do trabalho dos explorados, são as que defi-
nem os distintos sistemas econômicos e as etapas históricas que exis-
tiram. Desde o surgimento da exploração se foi passando do regime
asiático ao escravismo e ao feudalismo, até chegar ao capitalismo.
Em última instância, a luta entre os exploradores e os explorados é
o motor da história. Mas todas as formas de opressão sexual, racial,
nacional ou de outro tipo, que se combinaram com as distintas for-
mas de exploração ao longo das etapas históricas, sempre estiveram
subordinadas a estas.

O que é a opressão?

Desde que existem o mundo animal e o vegetal existem dife-


renças e desigualdades entre as espécies, que originam desvan-
tagens e privilégios. A história da vida é a história da luta entre
distintas espécies e grupos para ver quem sobrevive, valendo‑se de
suas vantagens e aproveitando‑se das desvantagens dos outros. Os
animais mais fortes vivem à custa dos que têm menos defesas, e sua
vida se resume a utilizar suas vantagens biológicas relativas em re-
lação ao meio, “oprimindo”, se podemos utilizar esse termo, outras
espécies ou grupos ou indivíduos da mesma espécie para impor seu
domínio. Nas distintas espécies, mas sobretudo entre os animais
superiores, começa a desenvolver‑se uma incipiente divisão natu-
ral de tarefas a partir das diferenças biológicas entre os sexos. Em
muitas espécies, a fêmea, encarregada biológica da reprodução, se
dedica naturalmente a tarefas ligadas a esta, como a alimentação e
o cuidado das crias, enquanto o macho se encarrega de conseguir a
comida ou a defesa de seu grupo.
Com a passagem da sociedade animal à humana se desenvolvem
ainda mais essas divisões de tarefas que, se no princípio se basea-
ram em uma divisão natural, foram abarcando distintos aspectos da
vida social e fixando diferenças entre seus membros, já não só entre
homens e mulheres, mas entre jovens e adultos, entre umas tribos e
outras, entre as distintas raças.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  87

Podemos definir a opressão, então, como o aproveitamento de


desigualdades para deixar em desvantagem e submeter um gru-
po social, com base em diferenças raciais, sexuais, nacionais ou de
outro tipo, o que gera uma situação de desigualdade de direitos,
de discriminação social, cultural e eventualmente econômica. Por
exemplo, os negros, por sua cor, não podem ir às escolas dos bran-
cos nos Estados Unidos, ou são brutalmente segregados na África
do Sul. Os homossexuais são marginalizados em maior ou menor
medida em todos os países do mundo.
Há séculos – sem discutir como e quando se iniciou esse
processo – as mulheres são oprimidas enquanto tal. Hoje, as
leis da maioria dos países capitalistas consagram de distintas
maneiras sua discriminação: a incapacidade civil da mulher, a
proibição de dispor de seus bens, a proibição do divórcio ou
seu caráter muito restrito, a ilegitimidade dos filhos nascidos
fora do casamento, o delito de aborto, as diferenças nas penas
para o adultério, a legislação trabalhista discriminatória. Esses
são alguns exemplos que são reforçados pelos costumes, agra-
vando a opressão da mulher mais além do que determina a lei.
Por exemplo, a discriminação em relação à participação na vida
pública, em cargos de responsabilidade na política, na adminis-
tração do Estado ou nas empresas, assim como sua submissão
e utilização no aspecto sexual. Também pesa sobre a mulher a
responsabilidade do trabalho doméstico e da criação dos filhos,
mesmo quando tenha que trabalhar fora de casa. Poderíamos
fazer uma lista quase infinita.
Já podemos ver que a categoria de opressão abarca problemas
de tipo muito diverso, grupos imensos – a metade da humanida-
de no caso da mulher – ou muito reduzidos, e não coincide com
as divisões de classe, já que, como tais, os oprimidos não têm
uma localização comum na produção, mas aparecem espalhados
em toda a pirâmide social. A relação entre opressor e oprimido –
brancos e negros, homens e mulheres, heterossexuais e homosse-
xuais – é totalmente distinta da relação entre explorador e explo-
rado – que determina as classes –, já que não é econômica, mas

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cultural, social. Lenin, por exemplo, em todos os seus trabalhos


sobre as mulheres se referia à sua situação como de “inferioridade”,
“desvantagem”, sem identificar nunca sua situação de oprimidas à
exploração econômica.48
Podemos dizer então, em resumo, que a exploração e a opressão
são categorias distintas. A primeira é econômica e dá lugar à existên-
cia das classes. A segunda é cultural e social; dá lugar a uma situa-
ção de discriminação, abarca indivíduos de distintas classes sociais e
pode ter efeitos econômicos de maior ou menor peso.

Qual a relação entre exploração e opressão?

Quando começa a surgir a exploração econômica, esta tem a


oportunidade de combinar‑se com distintas situações de desvanta-
gem e de opressão pré‑existentes, e também começará a abrir campo
a outras novas. Vai‑se estabelecendo desde o princípio uma relação
contraditória e mediada entre a exploração e as opressões, distinta
em cada momento das diferentes etapas da história da humanidade e
da luta de classes. Em nenhum momento se desenvolvem como pro-
cessos totalmente independentes, mas a exploração é o fato histórico
determinante, decisivo, ao qual se vai subordinando o destino dos
distintos oprimidos enquanto tal.
Durante toda sua história, os exploradores utilizaram as desi-
gualdades que encontraram pelo caminho e criaram outras novas,
para aumentar assim seus lucros e privilégios. Esta ganância é o
motor que propicia a existência e manutenção de distintas formas
de opressão, pois permitem a superexploração dos oprimidos. Por
exemplo, hoje, os imigrantes nos Estados Unidos, junto com os ne-
gros e as mulheres, são os mais explorados do país.
Esse aproveitamento de desigualdades para aumentar os lucros

48  Lenin, V. I. “Las Tareas del Movimiento Obrero Femenino en la República


Soviética” (Discurso pronunciado na IV Conferência de Operárias Sem Partido,
Moscou, 23 de setembro de 1919), em Obras completas, Tomo XXXII, Buenos
Aires: Cartago, 1971, p. 13‑19.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  89

chega à sua máxima expressão na época de agonia do capitalismo,


com o imperialismo, que se baseia na exploração de países intei-
ros, os atrasados, e que, além disso, aproveita todas as diferenças
raciais, sexuais e nacionais existentes, cria outras novas, divide a
classe operária entre uma camada privilegiada e uma maioria mais
explorada, com o objetivo de aumentar até o limite máximo os lu-
cros dos capitalistas imperialistas.
O imperialismo impôs a dominação do capital no mundo
todo, e com isso não só mantêm a exploração dos operários
dos países industrializados, como a amplia com a exploração
de países inteiros, aproveitando as grandes diferenças que exis-
tem no desenvolvimento das forças produtivas entre os grandes
países imperialistas e os países coloniais e semicoloniais. Essa
opressão‑exploração dos países atrasados é um pilar básico do
imperialismo, um de seus traços distintivos fundamentais. A
exploração econômica se converte no conteúdo essencial da
opressão nacional no imperialismo, mesmo quando se mantêm
a opressão cultural e nacional.
Nos países atrasados, a existência do imperialismo estabe-
lece uma diferença substancial entre a opressão imperialista e
os demais tipos de opressão (das mulheres, dos negros, dos ho-
mossexuais etc.). Estes últimos relacionam‑se a problemas de
tipo essencialmente ideológico, cultural, que fazem parte da
superestrutura, apesar de terem uma consequência econômica,
a superexploração. Quanto à opressão imperialista nos países
atrasados, ela se converteu em exploração econômica e faz parte
da estrutura, a própria essência do imperialismo.

Até a vitória do socialismo, a exploração


dividirá os oprimidos

Se quisermos definir corretamente a política revolucionária


para as mulheres é imprescindível fazer uma localização precisa
da etapa histórica em que nos encontramos. E, então, temos que
começar por dizer que na luta pelo socialismo e o comunismo

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se estabeleceram duas grandes etapas:49 A primeira, que se abriu


em 1917 e se estenderá até a derrota mundial do imperialismo e
da contrarrevolução, é a etapa da luta pelo triunfo da revolução
proletária mundial, passando pela tomada do poder nos distintos
países, que eliminará a propriedade privada dos meios de produ-
ção, a exploração do trabalho assalariado e eliminará, além disso,
as fronteiras nacionais dos países atrasados. A segunda será daí
até o comunismo.
A tomada do poder pela classe operária em algum país é o pri-
meiro passo da revolução socialista. Mas nem a exploração nem as
distintas formas de opressão podem ser eliminadas em um só país e
de um dia para o outro, pelo contrário, a sociedade resolverá essas
contradições através de choques permanentes e durante um período
prolongado, durante o qual a tarefa central será a eliminação do im-
perialismo e da contrarrevolução da face da terra. Obtido isso, come-
çará a época histórica da construção socialista mundial, a transição
do socialismo ao comunismo.
Sem dúvida, vivemos na primeira etapa, e nossas caracterizações
e política não podem ignorar isso. É certo que os problemas de de-
sigualdade atingem a todas as mulheres de todas as classes, porque
todas são oprimidas como mulheres. Mas enquanto estivermos nes-
ta primeira etapa, ou seja, enquanto existir a exploração econômica
imperialista e capitalista, a maioria delas terão de enfrentar todos
os dias os problemas comuns a todos os explorados do mundo, in-
dependente de seu sexo, raça ou cor e, além dos pontos comuns que
surgem da opressão, a maioria delas estará separada por um abismo
da minoria de mulheres exploradoras.
Esses problemas comuns que unem com vínculos de ferro os
explorados do mundo são a fome, a miséria, o desemprego, a ne-
cessidade de lutar todos juntos contra os patrões que os explo-

49  Este problema já foi motivo de discussão dentro do trotskismo. Nahuel Moreno,
com o pseudônimo de Darioush Karim, o aborda em seu documento “La Dictadura
Revolucionaria del Proletariado” (Colección Polémica Internacional, n° 3, Bogotá:
1979, p. 282‑285), polemizando com o texto de Ernest Mandel, aprovado pela maioria
do SU: “La Democracia Socialista y la Dictadura del Proletariado”, de 1977.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  91

ram sem piedade, até se propor a luta pelo poder político dos
operários como única forma de solucionar definitivamente seus
problemas. Isto faz com que a maior parte das mulheres operá-
rias tenha como preocupação central a mesma que os operários:
como alimentar‑se e a seus filhos, como ter um teto e roupas,
como conseguir um trabalho ou um melhor salário, e é por es-
ses objetivos que lutam todos os dias, participam nos sindicatos
ou seguem os grandes partidos operários. Para nós, é um fato
inegável que esta situação das massas exploradas é o que as leva
a reduzir a importância ou a ignorar muitos dos problemas que
afetam grupos importantes de pessoas, inclusive a metade da
humanidade, como as mulheres.
Durante toda esta primeira etapa, as lutas contra a opressão das
mulheres e todas as formas de opressão – inclusive a única decisiva
delas para o imperialismo, a dos países atrasados – são geradas e
marcadas pela luta dos trabalhadores contra a exploração e pela
revolução socialista. Em todos os casos de opressão existem, em
maior ou menor medida, exploradores e explorados, e isto faz com
que, por cima da comunidade de interesses que tenham como opri-
midos, se dê uma inevitável divisão em relação a seus interesses
fundamentais; uns usufruem da exploração e desejarão mantê‑la;
outros a sofrem e buscarão aboli‑la. O peso insuportável de sua
miséria cotidiana marcará a luta e a dinâmica desses últimos, por
cima de seu caráter de oprimidos.
O único ponto de unidade entre uma mulher burguesa e uma
operária, uma reacionária ou reformista e uma revolucionária, é
sua opressão como mulher. Daí que exista a possibilidade de algu-
ma luta comum entre todas, por alguma dessas demandas demo-
cráticas comuns, por sua igualdade e seus direitos. Mas sua unida-
de como mulheres nascerá com essa atividade e morrerá com ela.
As mulheres das distintas classes não podem unir‑se, por exemplo,
na luta por um programa de reivindicações (uma convênio ou um
contrato trabalhista) favorável às mulheres trabalhadoras.
As burguesas e pequeno‑burguesas que, como as de muitos
países atrasados, estão acostumadas a ter uma ou mais emprega-

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das, nunca apoiarão uma luta pelo pagamento do salário mínimo


urbano para o serviço doméstico. Tampouco é possível imaginar
as mulheres de classe média alta ou as burguesas abrindo as por-
tas de suas casas, em cumprimento de uma reforma urbana, para
que as mulheres das favelas com seus filhos pequenos ocupem
suas salas suntuosas, ou colocando‑as à disposição de comitês de
donas de casa e mulheres trabalhadoras para que as distribuam.
E assim poderíamos seguir e seguir, até chegar ao caso de uma
greve geral operária ou à revolução socialista.
A mobilização unificada das mulheres só pode ocorrer em con-
junturas específicas e de maneira episódica, como unidade de ação
em torno de algumas demandas particulares. A luta se organizará
em torno de uma ou duas bandeiras e culminará quando se ganhar
ou se perder essa luta. O caráter policlassista e democrático das lutas
femininas determina seu destino conjuntural, fugaz.
Esta situação não mudará até que o imperialismo seja definiti-
vamente derrotado no mundo inteiro. Enquanto isso, os trabalhado-
res dos países onde haja triunfado a revolução operária e as massas
exploradas do resto do mundo terão como tarefa prioritária a luta
antiimperialista e a extensão da revolução socialista a todo o planeta.
As tarefas inerentes à construção socialista interna também estarão
determinadas por esse objetivo central.
Quando se derrote definitiva e mundialmente o imperialismo e
todos os seus aliados na contrarrevolução, a humanidade entrará em
uma segunda etapa, que será o trânsito do socialismo ao comunismo.
Na nova sociedade que se estará construindo, irão sendo deslocadas
as prioridades do terreno político‑militar para as atividades sociais
de elevação do nível de vida e, portanto, de liquidação de todas as
desigualdades e privilégios.
É possível que nesses tempos futuros a luta das mulheres pela
liquidação definitiva de sua opressão adquira maiores dimensões,
pois, uma vez solucionado o problema central da exploração, a socie-
dade poderá dar uma importância cada vez maior a esse problema.
A opressão da mulher é uma das questões mais aberrantes de
nossa sociedade e das que mais miséria e desgraças acarretam, pois

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  93

significa, nem mais nem menos, a degradação de uma metade da


humanidade pela outra. Este problema se mistura com os aspec-
tos mais íntimos da vida humana e, por isso, entra em choque
com os preconceitos mais arraigados e contra os piores costumes.
Por isso é tão difícil de resolver.
Pela gravidade e profundidade do problema, a luta das mulhe-
res contra sua opressão ameaça a sociedade de cima a baixo. Como
em nenhum outro lugar, na família e nas relações pessoais é onde
se refletem mais lentamente as grandes transformações humanas.
À mulher caberá seguramente o papel de vanguarda na construção
dessas novas relações humanas, banindo o machismo, as relações
de propriedade sobre a família, os filhos e as mulheres, acaban-
do com a hipocrisia da sociedade burguesa, desenvolvendo plena-
mente suas potencialidades físicas, intelectuais, artísticas, sexuais,
e quem sabe convertendo‑se no motor do progresso geral.
É muito provável, então, que a luta das mulheres jogue um pa-
pel de transição para a nova sociedade comunista, na qual se alcan-
çará por fim o estabelecimento de relações humanas plenas onde,
por um lado, se alcance a máxima expressão da individualidade e,
por outro, o mais alto desenvolvimento das relações sociais.

Proletários e proletárias do mundo, uni‑vos!

Em sua proposta política para as lutas das mulheres, a compa-


nheira Waters não faz distinção alguma entre essas duas grandes
etapas. Para ela, só há um caminho: a organização crescente das
mulheres unidas por seus direitos, que passa pela revolução socia-
lista e continua até o comunismo.
Para esta extensíssima etapa ela propõe apenas uma política: a
irmandade das mulheres, a construção de movimentos autônomos
e unitários de todas as mulheres e em todos os países.
A realidade da luta de classes é a de El Salvador. Ali as mulhe-
res burguesas vêm se mobilizando massivamente contra o “comu-
nismo”, e se organizam nos bairros burgueses junto com os bandos

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94  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

paramilitares para lutar contra os homens e mulheres trabalhadores


e revolucionários que estão combatendo a ditadura. É a da Nicará-
gua, onde as mulheres participaram ativamente na guerrilha sandi-
nista, armas na mão contra os somozistas e suas mulheres.
Esta é a dura realidade. Estamos em uma época em que cada
vez é mais inevitável o enfrentamento violento entre as classes ini-
migas, em que toda a sociedade está em choque permanente e na
qual todos os partidos da burguesia, da pequena‑burguesia e do
proletariado se enfrentam, agora politicamente, amanhã fisica-
mente, na guerra civil.
Nessa luta política e armada contra a burguesia, o principal
inimigo que existe dentro das fileiras operárias é a conciliação de
classes, o frente‑populismo. Porque quando está colocada a luta
mais irreconciliável, chamam os trabalhadores a colaborar com
os burgueses, provocando dessa forma a condição de todas as der-
rotas que a classe operária já sofreu, como na Espanha em 1936 ou
no Chile em 1973. O trotskismo chama a todos os trabalhadores
a só confiar em si mesmos, a organizar‑se politicamente de forma
independente da burguesia, a romper com os dirigentes reformis-
tas que os levam à conciliação, e a tomar o poder dirigidos pelo
partido revolucionário. Nossa política sempre busca dividir águas
de forma categórica com a burguesia. A dos reformistas é mistu-
rar, unir os polos em disputa.
A companheira Waters se une a eles e propõe uma frente popular
de mulheres como política estratégica do trotskismo. Não há pro-
blema em considerar um chamado a lutas unificadas de mulheres,
que pode ser correto em determinado momento. O crime é impor a
construção de um movimento unitário e permanente, que necessa-
riamente sujeitará as mulheres operárias à conciliação com as mu-
lheres que respondem politicamente à burguesia.
Por tudo isso, defendemos uma política oposta pelo vértice
à de Waters. Recusamos a “estratégia” do movimento autôno-
mo permanente e universal de todas as mulheres e buscamos de
maneira sistemática a independência dos trabalhadores – tanto
homens como mulheres – da burguesia e dos conciliadores fren-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  95

te‑populistas. Seguimos pelo caminho da Terceira Internacio-


nal, que chamava claramente os comunistas a “dissuadir as
operárias de todos os países de qualquer tipo de colaboração e
coalizão com as feministas burguesas”. E repetimos, hoje, suas
palavras: “Só chegaremos ao comunismo mediante a união da
luta de todos os explorados, e não pela união das forças femini-
nas das duas classes opositoras.”50

50  “Tesis para la Propaganda entre las Mujeres”, Terceiro Congresso da


Internacional Comunista, em Los cuatro primeros congresos de la Internacional
Comunista. Cuadernos de Pasado y Presente, 1973, p. 154‑155.

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CAPÍTULO IV
Método e programa para
a luta das mulheres

Estratégia e tática

Para Waters, “nosso apoio para a construção de um movimen-


to feminista independente faz parte da estratégia do partido re-
volucionário da classe operária”. Essa estratégia vai desde já até o
socialismo: “Inclusive depois da revolução, o movimento indepen-
dente de libertação das mulheres terá um papel indispensável para
assegurar que a classe operária de conjunto, homens e mulheres,
leve este progresso até um final vitorioso.”
Waters confunde estratégia e tática. A estratégia é um obje-
tivo a longo prazo, e as táticas são os meios para chegar a esse
objetivo. Por isso, a tática está determinada pela estratégia. Po-
demos dizer que nossa estratégia para o movimento sindical
francês é a construção da central única, e todos os passos que
nos levem a ela são táticos. A fusão de federações regionais, que
é um passo objetivo rumo à central única, tático, pode ser para
nós estratégico em determinado momento, com o que queremos
dizer que é nosso grande objetivo nesse momento, e todo nosso

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trabalho será por nós orientado nesse sentido. Ou seja, o que é


tático pode converter‑se em estratégico e vice‑versa, o que é estra-
tégico, em um momento pode ser só um passo tático para atingir
nossa estratégia final.
Para nós, a Quarta Internacional só tem uma estratégia a lon-
go prazo, ou melhor, dois objetivos estratégicos intimamente re-
lacionados: a mobilização permanente da classe operária e seus
aliados para a tomada do poder e a construção de fortes partidos
trotskistas de massas que ganhem a direção dessa mobilização.
Em relação a esses objetivos, tudo o que vamos fazendo é tático,
são os distintos passos que nos levarão a eles. Utilizamos todos os
meios, todas as bandeiras, todas as formas de luta e organizativas
que favoreçam essa mobilização e a construção do partido, e des-
prezamos tudo aquilo que vai contra. Por exemplo, trabalhamos
no movimento sindical na medida em que isso fortalece a orga-
nização independente dos trabalhadores, lhes permite melhorar
suas condições de vida e assim confiar em suas próprias forças,
mas não colocamos a construção de sindicatos como objetivo fi-
nal e histórico do partido para todo momento e lugar.
Isso também ocorre, e pela mesma razão, no trabalho entre as
mulheres: tratamos de mobilizá‑las e organizá‑las, de fazer com
que obtenham conquistas, mas não definimos como estratégia do
partido construir um movimento feminista autônomo em todos os
países, e daqui até o comunismo. Em relação à nossa estratégia fi-
nal, a forma de trabalho entre as mulheres é absolutamente tática.
Segundo o documento de Waters, haveria pelo menos outro ob-
jetivo estratégico tão importante quanto os que nós colocamos: cons-
truir o movimento independente de mulheres.
Alertamos sobre o perigo que implica aceitar a formulação de
Waters, que significa impor às nossas organizações, apesar das
diferenças entre países, continentes, situação da luta de classes e/
ou nossa força relativa, um esquema de comportamento organi-
zativo, uma estratégia permanente daqui até o socialismo: “cons-
truir o movimento autônomo”.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  99

As distintas táticas que, segundo Waters,


levariam ao movimento autônomo

Uma prova a mais da incompreensão de Waters sobre os pro-


blemas de estratégia e tática são os exemplos de “táticas” que ela
nos dá. Os “grupos de libertação da mulher”, o “trabalho em orga-
nizações existentes”, grupos com um “programa socialista”, “coali-
zões” ou o trabalho sindical são todas táticas que podem conduzir,
de acordo com a nossa “amplitude”, as forças de libertação da mu-
lher e as outras forças à sua estratégia: o movimento autônomo e
independente da mulher.51
Mas a maior parte dessas táticas vai contra sua estratégia. Por
exemplo, se constrói grupos sob um “amplo programa socialista”,
está “subordinando‑os” a uma “tendência política”, quando antes
nos disse que não deve estar “subordinado” às “decisões ou ne-
cessidades políticas de qualquer tendência política”. Portanto, sua
tática pode fazer com que jogue por terra sua estratégia.

Que estratégia dar ao trabalho com as mulheres?

Em termos relativos é lícito falar de estratégia do partido para


o trabalho entre as mulheres e, mais ainda, podemos precisar que
objetivo tem o partido ao trabalhar entre as mulheres. Ao respon-
der a esta pergunta não estamos inovando praticamente em nada,
51  “As formas com as quais trabalhamos podem variar muito, dependendo
das circunstâncias concretas em que nossas organizações se encontrem. Entre
os fatores a levar em conta estão a amplitude de nossas próprias forças; o tama-
nho, o caráter e nível político das forças de libertação da mulher; a força dos
liberais, dos stalinistas, dos social‑democratas e outras forças de tipo centrista
contra as quais devemos lutar; e o contexto político geral em que estamos tra-
balhando. Determinar se devemos organizar grupos de libertação da mulher
sob um amplo programa socialista, trabalhar nas organizações existentes den-
tro do movimento de libertação da mulher, construir amplas coalizões de ação
em torno de problemas específicos, trabalhar nas frações femininas sindicais,
combinar várias dessas atividades ou trabalhos por meio de formas completa-
mente diferentes, são problemas táticos.”

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só recuperamos a tradição de Marx e Lenin, da Terceira Internacio-


nal e do Programa de Transição. O partido trabalha entre as mulhe-
res, e especialmente entre as mulheres trabalhadoras, para mobili-
zá‑las para a tomada do poder e trazer milhares delas para as fileiras
do partido. Esta é e tem de ser a estratégia da Quarta Internacional. E
isto porque as mulheres são fundamentais para a revolução socialista
e a construção da sociedade socialista, e porque a plena libertação da
mulher só será possível com o socialismo.
Nosso partido é e será o campeão em impulsionar a luta pelas
reivindicações concretas das mulheres, especialmente as exploradas
e oprimidas, para que nessa mobilização por suas reivindicações ga-
nhemos as mulheres trabalhadoras e, se pudermos, uma ou outra
da burguesia, para a luta pelo poder e para o partido revolucionário.
O Programa de Transição diz:

“No entanto, o ocaso do capitalismo prepara golpes mais duros para a mu-
lher, tanto como operária, quanto como dona de casa. As seções da Quarta
Internacional devem buscar base de apoio nas camadas mais oprimidas da
classe operária e, portanto, entre as mulheres trabalhadoras. Ali encontrarão
fontes inesgotáveis de devoção, abnegação e espírito de sacrifício. Lugar às
mulheres trabalhadoras! Estas são as palavras inscritas na bandeira da Quarta
Internacional.”

E a Terceira Internacional:

“A tarefa imediata dos partidos comunistas consiste em ampliar a influência


do partido e do comunismo aos vastos setores da população feminina de seu
país (...) para subtraí‑las da influência das concepções burguesas e da ação
dos partidos colaboracionistas, para fazer delas verdadeiras combatentes pela
libertação total da mulher.”

Isto, porque

“partindo do ponto de vista de que a luta pela ditadura do proletariado figura


na ordem do dia do proletariado de todos os países capitalistas e que a cons-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  101

trução do comunismo é a tarefa imediata nos países onde a ditadura já está


nas mãos dos operários, o Terceiro Congresso da Internacional Comunista
declara que, tanto a conquista do poder pelo proletariado como a realização
do comunismo nos países que já eliminaram a opressão burguesa, não po-
derão ser realizadas sem o apoio ativo da massa do proletariado e do semi-
proletariado feminino.”

Esta preocupação da Terceira Internacional com respeito a


uma parte específica das mulheres (as mais exploradas, as ope-
rárias) não significa que esquecesse a existência do restante das
mulheres, as que não seguiam as bandeiras da Internacional.
Mas sua referência a esse restante das mulheres era no sentido
oposto à de Waters:

“Os partidos comunistas devem saber avaliar o grande perigo que repre-
senta na revolução as massas inertes das operárias não integradas no mo-
vimento, as donas de casa, as empregadas, as camponesas52 não liberadas
das concepções burguesas, da Igreja e dos preconceitos e não vinculadas
ao grande movimento de libertação, o comunismo. As massas femininas
do Oriente e Ocidente não integradas nesse movimento constituem ine-
vitavelmente um apoio para a burguesia e um motivo para a propaganda
contrarrevolucionária.”

Para Waters, a estratégia do partido entre as mulheres se dirige


a todas elas e para a construção de um movimento autônomo e in-
dependente que organize todas elas. É dentro desse movimento po-
liclassista estratégico, com mulheres de todas as classes, que para
Waters tem que ser “basicamente operário em sua composição e
em sua direção”, que

“tratamos de construir a ala mais forte possível (...) daqueles que comparti-
lham nossa perspectiva de luta de classes. Lutamos para recrutar as mulhe-
res mais conscientes e combativas para o partido revolucionário, e em todas

52  Refere‑se a movimentos orientados pelos comunistas. (N. do E.)

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as lutas fazemos os maiores esforços para educar as mulheres na compreensão


da desigualdade de classes que agrava a opressão das mais exploradas”.

Que ninguém diga que isto é o mesmo que dizia a Terceira Inter-
nacional! É o oposto: Lenin e Trotsky partiam da divisão da socie-
dade em classes, da necessidade de agrupar de forma independente
as mulheres operárias para que fossem contra as burguesas. Waters
parte da unidade das mulheres, e dentro dela, chama a que se agru-
pem as operárias. São duas orientações estratégicas antagônicas.
Coincidimos com Waters em que devemos impulsionar, no caso
de que surjam movimentos feministas independentes, a “ala mais
forte possível dos que compartilham nossa perspectiva de luta de
classes”, em que vamos lutar para que seja “basicamente operário em
sua composição e em sua direção”, em que vamos educar as mulheres
na compreensão da luta de classes, em que queremos ganhar todas
as mulheres que pudermos para nosso partido. Mas somos perfeita-
mente conscientes de que isso levará, cedo ou tarde, a acabar com o
movimento feminista independente como tal. Waters está encerrada
em uma contradição insolúvel: por um lado, seu objetivo estratégico
fundamental é construir o movimento autônomo; por outro, quer
formar dentro dele a ala mais forte possível daqueles que compar-
tilham a perspectiva da luta de classes, torná‑lo cada vez mais ope-
rário. São dois objetivos antagônicos. Se o decisivo é o movimento
autônomo, é preciso subordinar a ele a construção da ala classista.
Se o decisivo é a ala classista, quanto melhor ela se desenvolva, mais
rápido se dividirá ou desagregará o movimento autônomo.

Uma relação incorreta entre a mobilização e a organização

Uma das consequências mais graves do fato de se consagrar


como estratégia absoluta e a longo prazo a construção do movi-
mento autônomo é a de encerrar em uma camisa de força a mobi-
lização permanente das mulheres, impondo‑lhe um limite do qual
não pode passar. Waters diz que seu método fundamental de luta é

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  103

a mobilização, mas propõe uma estratégia organizativa, a cons-


trução de um movimento, e a ela condiciona a mobilização.
Para nós, a mobilização está por cima da organização e a su-
bordina. Se podemos impor alguma norma para nosso comporta-
mento, essa é precisamente a de impulsionar a mobilização perma-
nente de homens e mulheres trabalhadores e pobres para a tomada
do poder, e depois para aprofundar e ampliar a revolução socialis-
ta. Nesse sentido, as distintas formas organizativas que surjam no
processo de luta pela tomada do poder – os sindicatos, os comitês,
os soviets – e mesmo depois desta, se convertem em um aspecto
tático, secundário, que se adapta às necessidades da mobilização,
que servem se a impulsionam e não servem se a freiam.
Portanto, não glorificamos nenhuma organização como abso-
luta, porque a mobilização e a luta de classes nos irão indicando
ao longo do caminho quais organizações deveremos desenvolver
e manter, e quais serão deixadas para trás, pois não existe sobre
a Terra uma só organização que tenha assegurado um caráter
progressivo e revolucionário. Se para nós toda organização supõe
algum grau de mobilização e surge ou se destrói como produto
dela, para Waters, pelo contrário, há um imperativo categórico or-
ganizativo, chamado “movimento independente da mulher”, que
se deve expressar na mobilização.
Em algumas partes de seu documento ela se refere às “lutas”
e “mobilizações” de mulheres, mas rapidamente substitui esses
termos que fazem referência aos fatos concretos, às lutas concre-
tas, pela abstração do “movimento”. Então, fala de “construir um
movimento feminista independente”, “o movimento de massas de
libertação da mulher que aspiramos construir”, “orientamos o mo-
vimento de libertação da mulher para...”.
Waters define o termo:

“Quando falamos do movimento da mulher entendemos por isso todas as


mulheres que se organizam em qualquer nível para lutar contra a opressão
que lhes impõe esta sociedade: os grupos de libertação da mulher, os grupos
de conscientização, os grupos de bairro, os grupos estudantis, os grupos que

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se organizam nos lugares de trabalho, as frações sindicais, as organizações de


mulheres das nacionalidades oprimidas, os grupos feministas de lésbicas, as
coalizões para a ação em torno de demandas específicas.”

Claramente diz que movimento são todas as mulheres que se


organizam. Portanto, coloca previamente à mobilização, às lutas
concretas e à organização, um “movimento” antediluviano. Por
isso, diz logo em seguida que “o movimento da mulher se carac-
teriza por sua heterogeneidade”, como se se tratasse de distintas
posições dentro da mesma unidade.
Para ela, “o movimento” mobiliza: “Tratamos de conduzir o mo-
vimento para que se dirija em primeiro lugar à mobilização das mu-
lheres da classe operária...”. “Conduzir o movimento” para que “se
dirija a…”, é colocar as coisas de cabeça para baixo! O movimento
não preexiste às mobilizações; são as mobilizações que, em seu de-
senrolar, formarão ou não o que se poderia chamar um movimento.
Waters parte dos resultados organizativos e os coloca como princípio.
Podemos apontar as reiteradas contradições insolúveis: seu mé-
todo de luta é a mobilização, e em especial a das “mulheres da classe
operária e das nacionalidades oprimidas”. Se seu método se genera-
liza e ganha força, se operárias, negras, exploradas e pobres de todo
tipo se mobilizam massivamente, seguramente farão saltar pelos
ares sua estratégia do movimento unitário autônomo. Tampouco o
método de luta que defende a leva à sua estratégia.

Que tipo de “frente única” Waters propõe?

Em relação aos métodos de luta, Waters propõe que a “melhor


forma de mobilizar as massas de mulheres na ação” é em geral
“a organização de campanhas de ação do tipo de frente única”,
porque “através dessas ações podemos encontrar a maior potên-
cia contra o governo capitalista e educar os trabalhadores com
respeito a sua própria força”, e diz que “essas campanhas de ação
do tipo de frente única são de particular importância para apro-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  105

fundar a relação entre o movimento independente da mulher e


o movimento operário”.
Não são essas as suas únicas virtudes; também abrem incalcu-
láveis oportunidades para a propaganda:

“Na medida em que os liberais ‘amigos’ da mulher, os stalinistas, os so-


cial‑democratas e os burocratas sindicais se neguem a apoiar essas campa-
nhas pelas necessidades das mulheres, ficarão isolados e condenados por
sua própria inatividade, oposição ou vontade de subordinar as necessidades
das mulheres à sua busca de aliança com os setores supostamente ‘progres-
sistas’ da classe dominante.”

Também é utilíssimo se essas direções aceitam e a coisa se põe


realmente em movimento: “E se a pressão das massas realmente
os obriga a apoiar essas ações, isso só pode ampliar o atrativo das
massas pelas campanhas e aumentar as contradições no seio das
forças reformistas.” Como se tudo isso fosse pouco, diz também
que a utilidade das campanhas de tipo frente única “é tanto mais
certa, dada a relativa debilidade das seções da Quarta Internacio-
nal e a relativa força dos liberais e de nossos oponentes reformistas
e colaboradores de classe”.
Novamente é necessário precisar o que a camarada Waters
está propondo e ver se é correto ou não. Nós reafirmamos que
Waters está propondo que seus movimentos de mulheres sejam
uma frente única policlassista permanente, de todas as mulhe-
res, e que a esta proposta pretende colocar um sinal de igual
com a proposta de frente única operária que propiciou a Tercei-
ra Internacional, que isso é totalmente incorreto, e que para as
mulheres trata‑se de propor uma unidade de ação em torno de
demandas específicas.
Primeiro é preciso fazer uma distinção entre unidade de ação e
frente única. A primeira, como o nome já diz, significa fazer uma
ação comum, só isso. Aí nasce e aí termina. Um exemplo de unida-
de de ação típico é a unidade em torno da campanha pelo aborto na
Itália, França e Estados Unidos. É também a unidade que se conse-

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106  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

guiu com distintos partidos, personalidades, sindicatos e instituições


pelos direitos humanos, para fazer alguma atividade pela libertação
dos trotskistas no Irã. Tanto em um como em outro caso participam
os mais diversos grupos sociais – e está muito bem que seja assim –,
desde a Quarta Internacional até personalidades e partidos ou outras
instituições burguesas, passando por toda a gama intermediária de
social‑democratas, stalinistas, burocratas sindicais etc.
A frente única, pelo contrário, implica certa continuidade orga-
nizativa, uma unidade com alguma permanência em torno de algu-
mas bandeiras específicas ou inclusive todo um programa, que agru-
pa indivíduos, organizações sindicais ou políticas.
Vejamos qual foi a “tática da unidade da frente proletária” lan-
çada pela Terceira Internacional. Esta tática recebeu seu batismo
em 1921, no III Congresso da Terceira Internacional, quando foram
votadas as famosas “Teses sobre a Unidade da Frente Proletária”. A
Terceira Internacional a propôs como tática decisiva diante da se-
guinte situação: o capitalismo imperialista entrava em uma etapa de
recuperação de relativo equilíbrio e conseguia sobreviver à aguda
crise dentro da qual triunfou a Revolução Russa. Essa estabilização
do imperialismo significava uma ofensiva contra o nível de vida dos
trabalhadores. A classe operária dos distintos países estava agrupada
fundamentalmente em duas grandes organizações operárias: a Se-
gunda – que estava dividida entre Segunda e Segunda e meia – e a
Terceira Internacionais. Esta situação exigia uma resposta unificada
dos trabalhadores para defender seu nível de vida, e daí surgia a ne-
cessidade da tática de frente única.
Em síntese, era uma frente da classe operária, de suas organiza-
ções operárias, para fazer com que todos os operários enfrentassem
juntos o capitalismo imperialista, apesar da divisão de suas direções,
de eles seguirem diferentes organizações sindicais e de terem políti-
cas distintas. O que se buscava era uma unidade de classe, e para isso
se considerou essa tática de levar adiante lutas comuns em torno de
algumas determinadas bandeiras. Entre abril e maio de 1922, em vá-
rios países europeus houve grandes manifestações que responderam
ao chamado conjunto das três internacionais.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  107

Como conteúdo, essa tática não tinha nada de novo. A uni-


dade da classe operária se manifestou em suas lutas desde o
início. Os sindicatos e os soviets são exemplos típicos de fren-
te única operária. Riazanov definiu a Primeira Internacional
como uma frente operária, e o mesmo fez Trotsky em relação à
Comuna de Paris. Todos eles são organismos de distinto tipo e
com distintos objetivos, mas todos têm em comum levar a luta
unificada da classe operária por algumas demandas, por cima
das divisões de suas direções.
Obviamente, outra classe distinta da operária pode ter suas
frentes únicas e também pode haver frentes de distintas classes ou
distintos setores de classe, seja ou não como uma tática explícita.
Exemplos de frente única burguesa são os parlamentos ou o Mer-
cado Comum Europeu. Na Colômbia, durante dezesseis anos hou-
ve um acordo peculiar entre os dois partidos tradicionais para go-
vernar o país, que se chamou justamente Frente Nacional. O APRA
peruano ou o peronismo na Argentina foram, em determinados
momentos, de fato, frentes policlassistas, ainda que se expressas-
sem em um partido político, na medida em que deram direção po-
lítica e organizaram massivamente importantes setores burgueses
junto com a maioria do povo e os trabalhadores.
Em 1935, a Terceira Internacional stalinista lançou outra
concepção de frente, porém não mais operária, e sim, policlas-
sista: a frente popular, impulsionada pelo sétimo congresso nes-
se mesmo ano. Isto era nem mais nem menos que a unidade
entre os partidos operários, social‑democrata e comunista com
setores da burguesia imperialista. Também nesse caso não era
nada novo o que continha esse nome; como dizia Trotsky, não
era “mais que a velha conciliação de classes com outro nome”.
Em vários países existiu essa frente policlassista tanto como
frente de governo quanto como acordo interpartidário minori-
tário, conforme exemplos da Espanha, França, Chile etc.
Não só desde a Terceira Internacional, mas desde as origens
da luta revolucionária do proletariado, a frente impulsionada pelos
revolucionários é a frente operária.

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108  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Assim como defendemos fazer acordos circunstanciais, uni-


dades de ação até com “a avó do diabo”, só fazemos frente única
dentro da classe operária, entre suas organizações de classe e seus
partidos. Independente da expressão tática que adquira em de-
terminado momento e lugar, consideramos que a frente operária,
como sinônimo de unidade na luta da classe operária, é um dos
princípios fundamentais da luta revolucionária.
Desde seu nascimento tem sido a política básica do trotskismo
a luta mortal contra todas as frentes policlassistas ou de conci-
liação de classes, ainda que seja “com a sombra da burguesia” ou
sem nada dela, já que estas frentes conduzem inevitavelmente à
sujeição política do proletariado a ela. Constantemente Trotsky
insistiu que para um partido trotskista é inadmissível fazer fren-
tes, acordos político‑organizativos mais ou menos permanentes
com partidos burgueses ou pequeno‑burgueses, e por isso denun-
ciou a traidora política de conciliação entre comunistas e socia-
listas em relação a eles.
Um exemplo: assim como é condenável a política da Frente
Popular de 1936 na França, é positiva a Unidade da Esquerda de
1974, porque apesar do caráter igualmente traidor das direções
de ambas as frentes, a primeira levava a classe operária à capitu-
lação diante da burguesia, e a segunda era uma unidade dentro
da classe, que podia fortalecer a luta. Da mesma forma, Trotsky
se pronunciou pelo apoio às medidas ou lutas que fossem contra o
imperialismo, ainda quando fossem impulsionadas pela burgue-
sia, mas chamando o proletariado a manter a mais absoluta inde-
pendência política e organizativa em relação a ela.
Referindo‑se à luta pela libertação nacional, dizia:

“O Partido Bolchevique defendia o direito das nações oprimidas à sua auto-


determinação com os métodos proletários da luta de classes, recusando total-
mente os blocos ‘anti‑imperialistas’ charlatanescos com os inúmeros partidos
‘nacionais’ pequeno‑burgueses da Rússia czarista.”53

53  Trotsky, Leon, “Sobre las Tesis Sudafricanas”, em Sobre la liberación nacional.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  109

Referindo‑se à questão agrária no México, dizia:

“Em todo caso, onde se dá uma luta frontal contra o imperialismo estran-
geiro ou seus agentes fascistas reacionários damos apoio revolucionário,
preservando a total independência política de nossa organização, nosso
programa, nosso partido e uma total liberdade de crítica.”54

O trotskismo não impulsiona frentes policlassistas, ao con-


trário, as denuncia, porque considera que são um suicídio ou
um freio à luta do proletariado. Quando surge na realidade uma
frente policlassista que tenta lutar por medidas positivas na luta
contra o imperialismo, como foi o caso de alguns governos ou
grandes partidos de massas na América Latina, é possível apoiar
algumas de suas medidas, caso travem “uma luta frontal contra
o imperialismo estrangeiro ou seus agentes fascistas ou reacio-
nários”, e apoiamos essas medidas “com os métodos proletários
da luta de classes”, recusando “blocos” com eles e “mantendo a
mais absoluta independência política de nossa organização, nos-
so programa, nosso partido e uma total liberdade de crítica”, e
nosso objetivo final é separar da burguesia o proletariado e seus
aliados, para ganhar sua direção.
Até aqui, qualquer um poderia perguntar por que tanta polê-
mica. Poderíamos dizer simplesmente que Waters se confundiu um
pouco, e onde diz frente única deve dizer unidade de ação, e pronto.
Mas, além de confundir totalmente unidade de ação com
frente única, Waters nos cria um problema muito mais grave,
porque o que ela quer não é uma unidade de ação – independente
de como se chame –, mas uma frente única policlassista de mu-
lheres, e não há confusão possível aqui. O sucesso dessa orienta-
ção é, nada mais, nada menos, que a construção do “movimento
autônomo”, que nós definimos como um chamado vergonhoso a
uma frente única policlassista.
Bogotá: Editorial Pluma, 1976, p. 32.
54  Trotsky, Leon, “Discusión sobre América Latina”, em Sobre la liberación
nacional. Op. cit., p. 213.

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110  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Nossa política para as mulheres é coerente com toda a política


do trotskismo em relação aos problemas ou tarefas que afetam di-
versas classes: a mais ampla unidade de ação em todas as atividades
possíveis em prol das demandas comuns e a mais rigorosa defesa da
independência política e organizativa das mulheres operárias e tra-
balhadoras em geral, das mais pobres e mais exploradas.
Poderemos trabalhar em unidade de ação com todos os grupos
de mulheres, inclusive burguesas, em torno de uma reivindicação
concreta e determinada, como a luta pelo aborto, pela igualdade de
direitos ou pelo divórcio.
Taticamente, podemos ter relações de todo tipo com as orga-
nizações de mulheres dirigidas por partidos burgueses ou peque-
no‑burgueses, mas nosso lema continua sendo o mesmo há cin-
quenta anos: “Só chegaremos ao comunismo mediante a união na
luta de todos os explorados, e não pela unidade das forças femini-
nas das duas classes opositoras.” Nós fazemos “frente única” dentro
da classe operária. Por isso, recusamos a estratégia de Waters das
“campanhas de frente única” com as mulheres de todas as classes e
que culminam na construção do célebre “movimento autônomo”.
Waters termina de se afundar quando diz que somos muito
menores que as outras forças políticas. Onde não existe, quer for-
mar uma frente policlassista (que sempre são nefastas), e já an-
tecipa que nós seremos dentro dela uma pequena força. Desde
quando é uma política trotskista fabricar uma frente policlassista
para entrar aí dentro e ser uma pequena força? Que política terá
essa “frente única”?
Se acaso ficasse alguma dúvida sobre qual é a posição de Waters
em relação à “frente única” de mulheres no estilo “unidade da frente
proletária”, ela disse textualmente, em um texto de 1972.

“Bebel aponta: ‘Apesar de tudo, as irmãs inimigas têm, em maior medida que
a população masculina – dividida como está esta última na luta de classes –
um número de pontos de contato sobre os quais podem, ainda que marchem
separadamente, golpear juntas’.”

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  111

Waters faz este comentário sobre as palavras de Bebel: “A fór-


mula de Bebel, marchar separadamente, golpear juntos, definição
clássica da tática de frente única, foi proposta mais de quarenta
anos antes de se converter na bandeira da Terceira Internacional,
com Lenin e Trotsky.”
Infelizmente para Waters, a aludida fórmula de “marchar sepa-
rados e golpear juntos” é uma velha definição da unidade de ação,
que era o que sugeria August Bebel para as lutas das mulheres. Para
o caso de alguém achar que distorcemos o pensamento de Bebel
e criticamos injustamente as posições de Waters, vejamos como
Trotsky empregava essa mesma “fórmula”.
Referindo‑se à lutas do proletariado da Índia, dizia que o apoio
a medidas contra o imperialismo “devia estar inspirado em uma
sólida desconfiança em relação à burguesia nacional e suas agên-
cias pequeno‑burguesas. Não devemos confundir nossa organiza-
ção, nosso programa e nossas bandeiras com as suas nem por um
momento. Devemos observar estritamente a velha regra: marchar
separados, golpear juntos”.55
A esta altura está claro que este lapsus cálami56 entre a defini-
ção de unidade de ação e a “definição clássica de frente única” que
nossa autora cometeu não se deve à falta de erudição ou memória,
mas a profundas razões políticas.

“Não existem problemas exclusivamente femininos”

Esta famosa frase, da qual se desprende toda uma orientação pro-


gramática, é da Terceira Internacional. A camarada Waters a toma
para si em seu documento, mas para dizer novamente o contrário.
Water diz: “Afirmamos que não existem problemas exclusiva-
mente femininos. Todo problema que concerne à metade feminina
da humanidade é em si mesmo um amplo problema social de vital
interesse para a classe operária em seu conjunto.”
55  Trotsky, Leon, “Carta sobre la India”, 24 de outubro de 1939, em Sobre la
liberación nacional. Op. cit., p. 161.
56  Erro involuntário (N. do E.)

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112  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Aqui Waters está dizendo à classe operária que tem de se preocu-


par pelo fundamental problema social da opressão feminina. Alerta
que não é problema só das mulheres, que não só concerne a todas as
mulheres, mas também à classe operária.
Na mesma parte tira outra conclusão da mesma frase: que não é
necessário fazer um partido marxista revolucionário de mulheres; é
suficiente construir um movimento independente de libertação da
mulher e um partido marxista revolucionário misto.
Para Waters, então, a frase vai dirigida fundamentalmente à clas-
se operária e ao partido revolucionário misto para dizer: “Atenção,
os problemas das mulheres, de todas as mulheres, não são exclusivos
delas. Vocês não irão a qualquer lugar se não incorporam como parte
fundamental de seu programa as reivindicações de todas as mulhe-
res e se não constroem um movimento autônomo de mulheres.”
A Terceira Internacional, com essa formulação, queria dizer o con-
trário: a dirigia às mulheres pobres e operárias, para alertá‑las: “Atenção,
não se deixem enganar com isso de problemas exclusivamente femini-
nos que as uniriam às mulheres burguesas.” Vejamos a citação completa:

“O Terceiro Congresso da Internacional Comunista confirma os princípios


fundamentais do marxismo revolucionário, segundo os quais não existem
problemas ‘especificamente femininos’. Toda relação da operária com o femi-
nismo burguês, assim como toda ajuda dada por ela à tática de medidas mor-
nas e de franca traição dos social‑colaboracionistas e dos oportunistas, não faz
outra coisa que debilitar as forças do proletariado e [ao] retardar a revolução
social, impede a realização do comunismo, ou seja, a libertação da mulher.
“Só chegaremos ao comunismo mediante a união na luta de todos os explora-
dos e não pela união das forças femininas das duas classes opositoras.
“As massas proletárias femininas devem, em seu próprio interesse, apoiar a tá-
tica revolucionária do Partido Comunista e participar de forma ativa e direta
nas ações de massas e na guerra civil em todas as suas formas e aspectos, tanto
no terreno nacional, quanto internacional.”

Esta citação por si só é outra condenação à morte do documento


de Waters, se se pretende ser marxista. Enquanto ela chama a clas-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  113

se operária e o partido revolucionário a construir – como questão


de vida ou morte – um movimento policlassista onde se juntem a
operária e a burguesa, a Terceira Internacional chama as operárias
e exploradas a fugir como da peste de qualquer relação com o fe-
minismo burguês.
Não existem problemas especificamente femininos, porque a sor-
te das mulheres está ligada à sorte da classe trabalhadora e de todos os
explorados do mundo. Porque só a tomada do poder pelo proletariado
abrirá as portas para a definitiva libertação da mulher. E pela mesma
razão não existe um programa especial para as mulheres.
O Programa de Transição rege toda uma etapa histórica que
vai desde o surgimento do imperialismo até a tomada do poder
e a vitória do socialismo no mundo. O eixo de suas bandeiras
é o interesse da classe operária, a classe decisiva e a única que
pode levar de forma consequente até seu objetivo central: a to-
mada do poder e a vitória do socialismo. Mas também assume
as demandas dos camponeses, das mulheres, dos estudantes,
de todos os oprimidos, porque todos eles serão cada dia mais
e mais prejudicados pela existência do imperialismo e, então,
a classe operária pode ir conquistando‑os como aliados para
tomar o poder, mobilizando‑os junto a ela na luta para derrotar
definitivamente o imperialismo e conseguir a libertação de to-
dos os explorados e oprimidos. Por isso não temos para os opri-
midos programas especiais nem à parte de nosso Programa de
Transição, mas apoiamos suas principais demandas como parte
de nosso programa e tratamos de ganhar a maioria deles para
nossa principal tarefa: a luta pelo poder da classe operária.
Todas as tentativas de Waters de usar alguma frase dos clás-
sicos para sustentar suas posições têm o mesmo fim calamitoso.
Para insistir em suas contradições insolúveis poderíamos fazer‑lhe
uma pergunta: como podemos ter toda uma estratégia a longo pra-
zo e até depois da tomada do poder em torno de um problema que
não existe como problema específico? Waters se coloca diante de
um beco sem saída cada vez que tenta conciliar suas posições com
as tradicionais posições do marxismo e do trotskismo.

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114  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Qual o programa do movimento autônomo?

Waters faz da organização um fim em si mesmo, que está por cima


da mobilização. Também esse fim em si mesmo está por cima de um
programa que lhe dê razão de ser. Se buscarmos por todo o documen-
to, nos depararemos com que o fato de que o famoso movimento inde-
pendente que devemos construir não tem programa. Ou em todo caso,
podemos dizer que seu programa é construir o movimento autônomo.
Waters resolve com uma canetada este complexo dilema de uma
estratégia a longo prazo e para todos os países sem um programa,
apelando – obviamente! – à Terceira Internacional, tomando o mes-
mo que dissemos no ponto anterior: “Se bem levantamos reivindi-
cações referentes à opressão específica das mulheres, não temos um
programa especial para a libertação feminina. Nossas reivindicações
são parte integrante de nosso programa de transição para a revolu-
ção socialista.”
Novamente, de uma frase aparentemente em comum surgem
duas posições antagônicas. A Terceira Internacional não levantava
um programa especial para as mulheres porque fazia um chamado a
todas as mulheres operárias, pobres, as mais oprimidas e exploradas,
a ocupar um lugar de destaque na luta de todos os operários pelo
comunismo, o mesmo chamado que faz o Programa de Transição.
Waters é obrigada a não dar um programa a toda sua estratégia
daqui até o socialismo porque se o fizer, derrubará toda sua constru-
ção. Um programa tem que responder aos interesses de uma ou outra
classe. Se Waters – como deve ser sua ilusão – propusesse um progra-
ma, ou muito menos que isso, uma orientação que respondesse aos
interesses da classe operária, este seria repudiado pelas mulheres que
são parte da classe dominante, as exploradoras.
Mas nós estamos seguras de que, ao contrário da Terceira Inter-
nacional, Waters nunca vai dizer às mulheres que consiga organizar
no movimento autônomo que quer construir que ela não levanta um
programa para esse movimento porque, para ela, como trotskista,
seu único programa se resume a três palavras: ditadura do proleta-
riado. Ela não vai dizer a essas mulheres que, como todos os oprimi-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  115

dos que queiram lutar de forma consequente por seus direitos, têm
um ponto essencial e comum entre todos e com a classe operária, o
ponto fundamental de luta de nossa época: a tomada do poder pelo
proletariado e a instauração de sua ditadura.
Novamente nos encontramos diante das contradições inso-
lúveis de Waters: toda uma estratégia, para todos os países do
mundo, daqui até o triunfo do socialismo em todo o planeta
que, como ela diz em algum lado, de passagem, se propõe a lutar
por... divórcio e creches.

Um programa máximo e ultraesquerdista


para a família e a libertação da mulher

Como Waters não vê os complexos e dolorosos processos


que vêm junto com a dissolução da família para os trabalhado-
res, elabora frente a ela todo um programa ideal de reorganiza-
ção da sociedade que inclui “creches gratuitas”, “atenção médi-
ca gratuita”, “aprimoramento sistemático dos serviços sociais”,
“moradias dignas e amplas”.
E depois, diz:

“Contrapomos estas medidas à propaganda e agitação ultraesquerdista


pela ‘abolição’ da família. A família como unidade econômica não pode ser
‘abolida’ por decreto. Só se pode substituir depois de um longo tempo. O
objetivo da revolução socialista é criar alternativas econômicas e sociais su-
periores à atual instituição familiar e mais capazes de suprir as necessidades
que atualmente, mesmo que de forma extremamente pobre e limitada, são
preenchidas na família, de modo que as relações pessoais sejam um assunto
determinado pela livre escolha e não pela obrigação econômica.”

Pelo menos há um elemento de bom senso em sua análise,


pois repudia a bandeira de ‘abolição’ da família, que a faria ser
imediatamente expulsa de vários lares operários, mas a substi-
tui por outra, quase tão ultraesquerdista como essa: “alterna-

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116  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

tivas econômicas e sociais superiores” que só teremos depois de


“longo tempo”.
De que serve à maioria dos trabalhadores, especialmente nos
países semicoloniais e coloniais, saber que depois de “longo tem-
po” de feita a revolução poderão ter restaurantes, creches, moradia?
Como propaganda geral sobre o socialismo, está perfeitamente bem.
Seguramente os operários vão aplaudir também essas propostas, e
querem que algum dia o mundo seja assim. Mas para a realidade de
todos os dias, para a destruição diária da família operária e campo-
nesa, para o trabalho embrutecedor de crianças de cinco anos, para a
prostituição das mulheres, o que propõe? Nada.
Nosso programa para a família inclui como primeiro ponto con-
creto, não de propaganda, a defesa da família operária e camponesa.
Lutamos para que esteja nas listas de reivindicações dos sindicatos
a exigência de subsídios ao trabalhador de acordo com o número de
filhos; podemos propor taticamente que o Estado pague um salário
às mulheres por seu trabalho em casa, para que existam centros de
recreação e férias para as famílias, planos de moradia etc.
Deixamos para a propaganda geral a transformação da vida diária
no socialismo, a substituição da família atual por “formas sociais mais
elevadas” etc. Como feliz ou infelizmente vivemos nesta etapa da luta
de classes quando ainda estamos lutando por derrotar o imperialismo,
teremos que deixar aos socialistas das novas sociedades a política para
suas novas sociedades. Por agora, devemos nos preocupar em resolver
os problemas diários da luta de classes e canalizar nossos esforços para
a destruição do imperialismo no mundo todo, para que nossos suces-
sores possam fazer e praticar o que Waters propõe para hoje.

Um “programa de transição” para cada “setor”?

No SWP é permanente a preocupação de buscar e levantar um


“programa de transição” ou um “programa socialista” para os ne-
gros, as mulheres, para cada um dos famosos “setores”. Na verdade,
essa é uma das tarefas principais do partido. Os títulos de seus do-
cumentos centrais são ilustrativos: “Um programa socialista para a

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  117

libertação feminina”, “Um programa de transição para a libertação


negra”. Em seu documento, Waters é menos clara, mas em última
instância tem a mesma posição, já que levanta para as mulheres
todo um programa específico, que seria “parte do programa do
partido”.
É lícito falar de “programa de transição” para as mulheres
ou os negros ou outros grupos policlassistas? É, se entendemos
isto como a busca das bandeiras particulares que podem impul-
sionar a mobilização de grupos oprimidos, especialmente dos
mais pobres e explorados, e que orientem essa mobilização para
a classe operária e a luta pela ditadura do proletariado. Esse
“programa de transição” particular não seria outra coisa que a
combinação de bandeiras que funcionem como “ponte” entre as
lutas essencialmente democráticas, próprias dos oprimidos, e a
luta dos mais pobres e explorados junto com os operários e pela
tomada do poder.

Seu programa não está estruturado em torno


da tarefa do governo dos trabalhadores

O programa de Waters para o trabalho do partido entre as mu-


lheres é “parte integrante de nosso programa de transição para a revo-
lução socialista”. Até aí temos acordo, mas em nenhuma parte de seu
programa coloca a tarefa central para todas as mulheres trabalhado-
ras, que é a ditadura do proletariado. O último grupo de bandeiras,
que se refere à reorganização da sociedade para eliminar a escravidão
doméstica da mulher, não diz que essa reorganização tem de ser feita
para as trabalhadoras e operárias, sob seu controle e direção, e que
para isso os trabalhadores e as mulheres operárias devem instaurar
um governo operário, a ditadura do proletariado. Portanto, suas exi-
gências de lavanderias coletivas, restaurantes coletivos, creches etc. se
reduzem a ser simples petições para qualquer governo burguês.
O fato de que seu programa não esteja estruturado em torno
da luta pela ditadura do proletariado faz com que apareça como

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118  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

a somatória de bandeiras mínimas, democráticas, transitórias, sem


um eixo e nem um objetivo claro.
Levanta bandeiras democráticas, como “plena igualdade po-
lítica e social das mulheres”, pelo “fim da hipocrisia, da humi-
lhação e do peso das leis feudais e burguesas”; algumas mínimas,
como licença‑maternidade; e uma transicional, escala móvel de
horas de trabalho e salários. Mas aparecem como uma soma arit-
mética, e não como parte das bandeiras que vamos levantar no
caminho da luta pelo poder.
Estamos seguros de que se pegarmos o programa da CLUW
(Organização Sindical de Mulheres dos Estados Unidos), cujas ban-
deiras seguramente serão de tipo sindical; o do NOW, cujas bandei-
ras serão mais democráticas; e o das feministas radicais e grupos de
autoconsciência, que certamente enfatizarão a luta pelo controle do
corpo e a destruição da família, e os misturarmos e revolvermos,
teremos como resultado o programa de Waters. Além disso, esta-
mos certos de que nem o programa da CLUW nem do NOW ou das
feministas radicais e grupos de autoconsciência (se é que existem),
colocam a necessidade da tomada do poder pelo proletariado. O de
Waters também não .

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CAPÍTULO V
A necessidade do
partido revolucionário

Movimento autônomo e partido

Para Waters, “a luta pelo socialismo necessita tanto de um mo-


vimento feminista de massas como [de] um partido marxista revo-
lucionário de massas”.
Sua estratégia da unidade permanente e universal de todas as
mulheres de todas as classes a conduz inevitavelmente a uma po-
sição que subestima o papel do partido revolucionário de massas,
equiparando‑o em importância ao “movimento feminista”, e capi-
tulando dessa maneira às pressões apartidárias que surgiram nas
mobilizações e organizações feministas nos últimos anos.
Nossas divergências com Waters seriam secundárias se esta
dissesse: “Nossa grande tarefa é construir um partido revolucio-
nário de massas que dirija a mobilização dos trabalhadores pelo
poder. Em relação a essa tarefa central, todo o resto é tático. Lu-
taremos por um movimento independente da mulher em deter-
minadas circunstâncias, sempre e quando sirva à mobilização das
massas pelo poder, e nos permita construir um poderoso partido
revolucionário de massas. Mas se um movimento feminista inde-
pendente não serve a esses objetivos, se freia a mobilização, se im-
pede ganhar amplos setores de trabalhadoras para nossa política,
utilizaremos outra tática distinta.”

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120  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Infelizmente para a Quarta Internacional, Waters propõe que di-


vidamos pelo menos em partes iguais nossos esforços para construir
o partido revolucionário e o movimento feminista, pois um é “tão
importante quanto” o outro para a revolução.
Recordemos Trotsky:

“No momento em que os requisitos objetivos tenham amadurecido, a chave


de todo o processo histórico passa para as mãos do fator subjetivo, isto é, do
partido. O oportunismo, que vive consciente ou inconscientemente graças à
época passada, tende sempre a subestimar o papel do fator subjetivo, ou seja,
da importância do partido e da direção revolucionária.”57

Se para Trotsky “a chave de todo processo histórico” passa para


as mãos do partido quando estão dadas as condições objetivas para
a revolução, Waters agrega uma segunda chave: o movimento femi-
nista de massas.
Ainda que pareça o abecê do trotskismo, temos de citar Trotsky
para mostrar que Waters diz algo totalmente contrário. Para ele, o
partido era mais importante que os próprios soviets, que os pode-
rosos sindicatos ingleses e, além do mais, era decisivo para manter o
Estado soviético. Por mais que busquemos, não pudemos encontrar
uma só referência em que dissesse que o partido era tão importante
como os grupos de mulheres, nem sequer tão importante como os
partidos que representavam o campesinato.
Vejamos, por exemplo, seu texto de 1924, Lições de Outubro,
onde analisa a experiência do triunfo de Outubro de 1917 e a der-
rota da Alemanha em 1918‑1919. Referindo‑se aos soviets, aque-
las organizações de luta dos operários para tomar o poder, orga-
nizações decisivas na insurreição, muito mais que o movimento
independente de mulheres, Trotsky dizia que “apesar da imensa
vantagem que oferecem como organismos de luta pelo poder, é
perfeitamente possível que a insurreição ocorra sobre a base de

57  Trotsky, Leon. Stalin, el gran organizador de derrotas. Buenos Aires: Yunque,
p. 150‑153.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  121

outra forma orgânica (comitês de fábrica, sindicatos)”. 58 Mais


adiante, concluía dizendo:

“Sem o partido, por fora do partido ou por uma corruptela de partido, a re-
volução proletária não pode ser vitoriosa. Esta é a principal lição dos últimos
dez anos.
“É certo que os sindicatos ingleses podem se tornar uma alavanca poderosa da
revolução proletária e substituir, por exemplo, os próprios soviets operários,
em certas condições e durante um certo período. Mas não o conseguirão sem
o apoio de um partido comunista, nem muito menos contra ele, e estarão
impossibilitados de desempenhar essa missão até que em seu seio a influência
comunista prepondere. Pagamos muito caro por tamanha lição sobre o papel
e a importância do partido na revolução proletária, para renunciar tão rapida-
mente a ela ou mesmo para menosprezar seu significado.”59

Com respeito à importância do partido revolucionário na


URSS e para “a construção socialista”, continuou insistindo no
mesmo sentido quando lutava contra a burocratização encabeçada
por Stalin. Vejamos alguns exemplos. Em seu “Projeto de Teses so-
bre a Questão Russa”, em 1931, dizia:

“Sem a força idealista e aglutinadora do Partido Comunista, o Estado sovi-


ético e a economia planificada estariam condenadas à desintegração. (…) 6)
A construção socialista, dadas as contradições de classe internas e o entorno
capitalista existente, necessita de um partido forte, providente e ativo para
planificar a economia e realizar as necessárias manobras de classe como
requisito político fundamental.”60

No ano anterior escreveu: “Se o partido se separa do sistema


soviético, este não tardará a cair.”61

58  Trotsky, Leon. Lecciones de Octubre. Buenos Aires:Yunque, 1975, p. 64.


59  Idem, p. 67‑68.
60  Trotsky, Leon. “Problemas del Desarrollo de la URSS”, em Escritos, tomo II,
1930‑1931. Bogotá: Pluma, 1977, p. 322 e 334.
61  Trotsky, Leon. “Carta a los Camaradas Búlgaros”, em Escritos, tomo II, vol.

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122  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Waters responde a Trotsky dizendo: O movimento autônomo


da mulher é tão importante quanto o partido, sem sua participação
não se pode realizar a revolução socialista, é “uma pré‑condição para
chegar democraticamente a decisões econômicas e sociais corretas”
e, portanto, faz parte da estratégia da Quarta Internacional. Para que
os soviets se mantenham é preciso também um movimento de mu-
lheres; para que a economia planificada se mantenha, é preciso ter
um movimento feminista.

Waters dissolve a luta contra os partidos


reformistas e reacionários

O documento pinta um matrimônio idílico, em que se dividem


corretamente as tarefas entre o partido revolucionário e o movimento
autônomo que, supostamente, é preciso construir, independente de
quem o dirija: “Não existe qualquer contradição entre a construção
do movimento independente de libertação da mulher e a constru-
ção de um partido marxista revolucionário de homens e mulheres”,
porque ambos são necessários “para a luta pelo socialismo”, e porque
nessa luta cada um tem diferentes funções: o primeiro “mobiliza as
mulheres por suas necessidades”, e o segundo “dá direção por meio
do programa e da ação” à classe operária e seus aliados, incluindo
as mulheres, e orienta sem compromissos todas as facetas da luta de
classes para um impulso combinado para destruir o capitalismo”.
Mais adiante, dá um objetivo mais preciso para o partido: “Ganhar
a direção do movimento de libertação da mulher mostrando na prá-
tica às mulheres que temos o programa e as perspectivas que podem
conduzir à sua libertação”.
Salvo algumas menções ao passar sobre os “inimigos”, em ne-
nhuma parte Waters diz quem dirige esse movimento cuja direção é
preciso ganhar, e menos ainda que o partido revolucionário é indis-
pensável para levar adiante uma luta de morte contra as direções re-
formistas e reacionárias para arrancar de suas fileiras a maior quan-

1. Bogotá: Pluma, 1977, p. 64.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  123

tidade possível de mulheres e trazê‑las para junto de nossa política


de classe, já que é o único que pode fazê‑lo.
A realidade é exatamente o contrário do que diz Waters. Cons-
truir o partido entre as mulheres será uma contradição perma-
nente entre nossa política e a dos reacionários e reformistas, que
atualmente são muito mais fortes que nós, e que são direção dessas
mulheres, assim como haverá contradições permanentes entre as
necessidades das massas de mulheres e as orientações dessas dire-
ções reformistas e reacionárias.
Nossa participação nas lutas do movimento de massas é uma
guerra constante, explorando todas as contradições, contra os par-
tidos reformistas pró‑burgueses e reacionários que o dirigem. Sa-
bemos perfeitamente que hoje eles são fortes e poderosos, e nós
somos débeis. Essa é a maior tragédia de nossa época. Nossa po-
lítica é a arte de aproveitar todas as contradições, todas as opor-
tunidades de luta para fazer avançar a consciência dos trabalha-
dores. Que dimensões, que resultados podemos ter, dependerá da
luta de classes, de seus resultados. Nessa luta cotidiana que existe
entre nós, por um lado, e a burguesia e seus agentes de diversos
tipos, por outro, que depois vai se converter em guerra civil física,
corremos a cada passo o risco de ganhar ou perder. Cada triunfo
nos aproxima, ainda que seja um passo, da tomada do poder; cada
derrota dá um respiro a nossos inimigos, às direções reformistas e
burguesas. Nosso trabalho entre as mulheres não é uma exceção;
também ali estão ativos e são poderosos, mais que nós, os liberais,
os social‑democratas, os stalinistas, os apartidários que, em maior
ou menor grau, são todos nossos inimigos.
Sabemos muito bem que todas essas direções nefastas podem,
em determinado momento, favorecer a mobilização das mulheres
e, mais ainda, levá‑las a um triunfo parcial. Vimos isso claramen-
te em algumas das lutas feministas desta década e continuaremos
vendo. Essas situações, longe de diminuir, aumentam as contra-
dições entre o movimento autônomo e o partido revolucionário,
apesar de Waters. Tornam mais poderosas essas direções inimigas,
dificultam a tarefa do partido revolucionário, ainda quando tenha

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124  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

havido mobilização e alguns êxitos. Mas para Waters tudo é simples.


O que atrapalha sua estratégia, ela apaga, ignora. Ignoremos esses
poderosíssimos inimigos e alegremo‑nos com a luta pela constru-
ção do movimento autônomo, com a mobilização, independente de
quem a dirija, da política com que se alimente e para onde caminha.
Nós nos alegramos tanto ou mais que Waters com a mobiliza-
ção, a propiciamos tanto ou mais que ela, mas porque sabemos que a
mobilização nos dá a oportunidade de colocar nossa política e lutar
por ela: fazer com que essa seja a mobilização permanente da classe
operária e dos mais explorados, em particular as mulheres pobres e
trabalhadoras, para tomar o poder e instaurar o socialismo no mun-
do todo. Entre nós e esse objetivo se interpõem nossos inimigos mor-
tais, as direções reformistas, conciliadoras e burguesas. Em nossa
batalha contra elas aproveitamos todas as formas organizativas que
fortaleçam a política e os objetivos revolucionários e desprezamos
todas as que os debilitam ou freiam. E só o partido revolucionário
pode levar essa luta de forma consequente até o fim.

Uma concepção liquidadora

O documento de Waters traz uma posição mais grave ainda que


minimizar a batalha do partido revolucionário com os demais par-
tidos. Ela minimiza de forma absoluta a importância e a necessidade
cotidiana de construir o partido revolucionário, de ganhar os melho-
res lutadores para o partido. Porque ela diz à ativista feminista que
existem dois caminhos: a construção do movimento feminista ou o
partido revolucionário. Porque ela diz às mulheres que lutam que
“não têm de esperar que ninguém lhes ensine o caminho”. Se per-
guntarmos a Waters o que é mais importante, seguramente nos res-
ponderá que o partido, mas não é o que se conclui de seu documento.
Qual o caminho que as mulheres, por si só, podem definir? O
da revolução socialista? É possível que possam definir até certo
ponto seu caminho de luta por reivindicações particulares, mas
nunca, jamais, poderão por si só encontrar o caminho da revolu-
ção sem a ajuda do partido.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  125

Até onde sabemos, o partido revolucionário é o único que con-


duz as massas, incluindo as mulheres, pelo caminho da revolução
socialista. Nenhum sindicato, grupo ou organização distinta o
substitui nessa atividade consciente de dirigir o processo revolu-
cionário, e por isso é imprescindível.
Para nós existe uma diferença imensa entre um militante do
partido, um militante trotskista, e um sindicalista, um ativista pe-
los direitos democráticos, uma feminista. Sabemos que não é fácil
ganhar esses militantes. Ganhar um novo militante para o trotskis-
mo é ganhá‑lo para a única organização que tem como objetivo a
revolução socialista, é ganhá‑lo para a organização que tem o mais
alto grau de consciência política na sociedade. Este novo militante
chegou ao partido revolucionário contra as pressões da burguesia e
seus partidos, que controlam a rádio, a televisão, os jornais e os go-
vernos; contra os partidos reformistas que dirigem milhões de tra-
balhadores no mundo. Portanto, jamais estará à altura de um mili-
tante trotskista nenhuma feminista, nenhum sindicalista, nenhum
democrata que simplesmente faça atividade feminista, sindical ou
democrática. O militante trotskista será em sua frente o melhor
lutador sindical, a melhor combatente feminista, o democrata mais
consequente, porque será o que mais consequentemente levará to-
das essas lutas para a tomada do poder, atividade na qual ninguém
que só lute no terreno sindical ou democrático pode substituí‑lo.

Waters capitula às correntes feministas antipartido

As mobilizações feministas dos últimos anos ocorreram, como


já vimos, em meio a um lento ascenso das lutas operárias, com uma
baixa participação operária, sem fortes partidos revolucionários de
massas e sem uma participação decisiva dos grandes partidos ope-
rários comunistas e social‑democratas.
Esses fatos permitiram o surgimento de grandes correntes
que repudiam a participação dos partidos políticos, que “te-
mem” as tentativas “manobristas” destes. Tal apatia em relação
à política, em última instância, é um instrumento a mais da

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126  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

burguesia para nos afastar das grandes massas de mulheres traba-


lhadoras. Tentam apresentar as lutas femininas como um “proble-
ma exclusivamente feminino”, apolítico, justamente para afastar
as mulheres da política revolucionária.
Todo o palavrório de Waters sobre o movimento independente
de libertação da mulher, de que as mulheres são irmãs, que o movi-
mento autônomo não deve ser “subordinado” a nenhuma corrente
política etc., é uma concessão ao atraso da maioria das mulheres e
uma capitulação às políticas apartidárias, conscientemente alimen-
tadas pela burguesia. É um muro que se coloca entre nós e as massas
de mulheres pobres para ganhá‑las para uma política revolucionária;
é fazer o jogo da burguesia, que quer que as mulheres não participem
da política para que não apoiem os partidos operários, enfim, para
que não as arrebatemos de sua influência.
Nós somos inimigos mortais do apartidarismo, tanto como do
stalinismo ou da social‑democracia, ainda que neste momento se-
jam eles os que dirigem de forma majoritária o movimento operá-
rio e, por isso, são nossos inimigos principais. Mas todo aquele que
se oponha, velada ou abertamente, à construção do partido revo-
lucionário é um inimigo da revolução operária e por isso merece
todos os nossos ataques.
Waters subestima o partido revolucionário, numa capitulação
às correntes apartidárias, porque não reconhece o papel objetivo do
partido revolucionário. No fundo de sua posição há um elemento
da realidade que é a debilidade atual dos partidos verdadeiramente
revolucionários, da Quarta Internacional.
Atualmente, a maioria das seções de nosso partido mundial
não tem a força para definir positivamente uma situação revolu-
cionária; sua atividade não é ainda um fator definitivo na luta de
classes e, por isso, jogam um papel fundamentalmente propagan-
dístico. Mas o fato de que esta seja a realidade atual não quer di-
zer que, como norma, o partido revolucionário será sempre débil
e pouco importante na luta de classes.
Como dizia Trotsky, no momento em que estejam maduras as
condições objetivas para a revolução, a “chave de todo o processo

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  127

histórico passará para as mãos do fator subjetivo, o partido”. Em


uma situação revolucionária, o peso objetivo dos fatores subjetivos,
da política, da direção das massas, é determinante. E o triunfo ou
não dessa situação depende de uma chave que é a definidora: o
partido, o partido e o partido. Por isso a tarefa mais importante
de todo trotskista que se considere como tal, estratégica, condição
absoluta, insubstituível para o triunfo da revolução mundial, é a
construção do partido revolucionário.
Essa é a razão de ser do trotskismo. Por isso a primeira frase do
Programa de Transição diz: “A situação política mundial de con-
junto se caracteriza, acima de tudo, pela crise histórica da direção
do proletariado.”
A traição stalinista deixou a classe operária sem direção revo-
lucionária. Permitiu, em primeiro lugar, a vitória do fascismo e nos
últimos anos tem sido o fator decisivo, junto com a social‑demo-
cracia, para frear as mobilizações revolucionárias que ocorreram
(Tchecoslováquia, 1968; Portugal, 1975; Espanha; Itália; França). É
por isso que em todas as partes onde estamos e participamos nossa
obsessão é uma e só uma: construir o partido revolucionário e ar-
rebatar a direção da maioria das massas das mãos dos reacionários
e dos reformistas.
Pelo contrário, Waters não está empenhada como nós, porque
não vê a importância do partido. É por isso que faz toda uma te-
oria, uma estratégia e uma política que pressupõe como um fato
permanente a debilidade do partido revolucionário. Por isso, “dada
a nossa relativa debilidade e a relativa fortaleza de nossos oponen-
tes liberais e reformistas”, propõe fazer uma frente única de mulhe-
res de todas as classes, que é condição para a revolução.
Sua política baseia‑se em que, como somos muito débeis para
mobilizar amplas massas de mulheres, devemos nos unir perma-
nentemente com aqueles que sim as dirigem. Isso pode estar tatica-
mente bem em uma situação conjuntural determinada, mas nossa
estratégia é ganhar todas para nossa política, e quando isso ocor-
rer, não vemos porque manter um “movimento independente de
libertação da mulher” “não subordinado” à nossa corrente política.

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128  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Para ela, é mais importante o movimento da mulher, é condi-


ção, é “um dos fatores que explicam porque nenhuma daquelas re-
voluções pode ser levada até seu término”. Não consegue pensar que
a razão da derrota de todas as revoluções é a falta de um partido
revolucionário.
Conclusão, a tarefa central de nosso trabalho entre as mulheres
é ganhá‑las para o partido revolucionário, e todo o resto é tático. Di-
zemos, como a Terceira Internacional: “Todo adversário da Terceira
Internacional é um inimigo da libertação da mulher.” Para nós, “todo
inimigo da Quarta Internacional é um inimigo da libertação da mu-
lher” e “o dever das mulheres comunistas é condenar todos [aqueles]
que temem a tática revolucionária da Internacional Comunista”.62

62  “Tesis para la Propaganda entre las Mujeres”. Tercer Congreso [1921]. Los
cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista, Tomo II. Buenos Aires:
Pluma, 1973.

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APÊNDICE I
Pela defesa intransigente da
mulher trabalhadora
Apresentação oral do “Projeto de Resolução sobre a Mulher”,
na II Conferência Mundial da Fração Bolchevique, antecessora
da LIT‑QI, realizada em Bogotá em janeiro de 1980.

Por Carmen Carrasco

A resolução que apresentamos hoje sobre o problema da mu-


lher e a discussão que queremos fazer sobre esse ponto têm a ver
com os problemas que estamos discutindo aqui na Conferência da
Fração Bolchevique. É parte da luta que estamos travando neste
momento, da polêmica que estamos fazendo em torno das posições
revisionistas adotadas pelo Secretariado Unificado e que têm sido
impulsionadas pelo SWP.
É a primeira vez que se discute na Fração Bolchevique uma
resolução ou um documento sobre a mulher. É a primeira vez que
o estudamos, e podemos afirmar que existem questões que ainda
não sabemos responder; que não temos resposta, ou temos respos-
tas incompletas para muitas inquietações, para muitos pontos que

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130  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

inclusive companheiros que estão aqui colocaram. De toda forma,


achamos que é fundamental definir alguns elementos de princípio
e uma orientação política geral para o trabalho da FB e dos outros
partidos do Comitê Paritário sobre o problema da mulher.
Antes de entrar na matéria, é necessário fazer uma precisão: não
vamos levantar os pontos que têm a ver com a implementação tática
da política que estamos discutindo. Achamos que é necessário cen-
trar na discussão dos problemas fundamentais de orientação política,
nos pontos programáticos e de princípios. Consideramos que será a
partir dessa discussão que poderemos definir a tática para participar
e traçar uma linha de trabalho sobre a mulher nos diferentes países
em que atuamos. É por isso que tanto a exposição como a resolução
que elaboramos se concentram em aspectos programáticos e políti-
cos gerais, que queremos discutir e definir nesta reunião.

Que importância damos ao problema da mulher?

Partimos de um fato da realidade objetiva: a crescente participa-


ção das mulheres na vida econômica e social, nas lutas e nos partidos
políticos. Essa participação tem diferentes formas, desde a crescen-
te vinculação da mulher na produção até a participação na política
por meio da filiação aos partidos, às organizações políticas de suas
classes. Desde a luta sindical até a irrupção nas ruas pela exigência
de seus direitos. Desde a massiva mobilização das mulheres na Revo-
lução Chinesa, onde constituem uma das principais forças de apoio
ao processo revolucionário, até a participação em ações contrarre-
volucionárias, como foi o caso das mulheres no Chile na época de
Allende, ou como há poucos meses as mulheres da burguesia de El
Salvador, que se mobilizaram “contra o comunismo”. Vimos a cres-
cente participação da mulher nas lutas sindicais, como ressaltaram
os companheiros da Argentina, ou como disseram os companhei-
ros do Brasil, expondo o exemplo das mulheres metalúrgicas de São
Paulo. Também vimos, a partir das décadas de 1960 e 1970, massivas
mobilizações de mulheres exigindo seus direitos nos Estados Unidos

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  131

e em países da Europa, como Inglaterra, Itália, França ou Espanha.


Nos últimos quinze ou vinte anos, mulheres de todas as classes,
de todos os partidos, saíram às ruas pelo direito ao aborto ou ao
divórcio, numa luta por reivindicações concretas.
Definir uma política, fazer a discussão que hoje fazemos, tem
como objetivo começar a dar uma resposta e uma orientação para
intervir nesses fatos concretos da luta de classes, sobre este cres-
cente número de mulheres que participam na luta de classes, na
atividade sindical, nas atividades econômicas e políticas.
Como dizia antes, não é casual que esta discussão esteja sen-
do feita agora. Queremos responder a um fenômeno objetivo, mas
responder de forma contundente à política votada pelo SU em seu
congresso de dezembro sobre a questão da mulher.

Qual é a política do Secretariado Unificado?

Com certeza, todos conhecem o documento de Mary‑Alice Wa-


ters, “A Revolução Socialista e a Luta pela Libertação da Mulher”.63
Foi aprovado sem qualquer crítica, sem qualquer oposição no XI
Congresso Mundial do SU. A tese central desse documento é que a
Quarta Internacional deve construir movimentos unitários de ca-
ráter permanente com as mulheres de todas as classes e partidos.
Consagra como estratégia absoluta e a longo prazo a construção de
movimentos autônomos de mulheres e faz da organização um fim
ao qual se subordina toda ação política.
Em consequência, propõe um programa de transição para
as mulheres que, como os negros ou outro setor oprimido, é o
guia para sua ação e organização, e será esse programa o que
poderá conduzi‑las à sua libertação. Essa posição e a política ge-
ral do documento nos colocam diante de uma revisão da teoria
da revolução permanente.

63  Feminism and socialism, “A socialist program for Women´s liberation”.


New York: Pathfinder Press, 1972, p. 145‑148.

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132  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

O camarada Moreno, em sua intervenção no dia da instalação


do Congresso da FB, se referia a essa revisão da teoria da revolução
permanente que está implícita na resolução do XI Congresso sobre
a mulher, e que há tempos o SWP dos Estados Unidos vem propon-
do. Segundo essa teoria, apresentada de maneira clara em relação à
mulher, todos os oprimidos, sem exceção, se organizarão por sexo,
cor ou nacionalidade e, tendo como guia seu próprio programa de
transição, se mobilizarão cada vez mais e de forma permanente até
sua libertação. Um processo em que a revolução socialista será fruto
da confluência das lutas que os setores oprimidos, em suas próprias
organizações e com seus próprios programas, desenvolvam contra o
capitalismo. Um somatório de movimentos, todos igualmente im-
portantes que, na busca de sua libertação, destruirão o sistema.
Com essa teoria se perde o eixo político e social da revolução
permanente, que é a luta do proletariado por instaurar sua dita-
dura; e que nessa luta da classe operária e nesse triunfo da revo-
lução, o proletariado libertará todos os demais setores oprimidos
da população.
Esta revisão teórica culmina em uma revisão política, que deno-
minamos “uma política frente‑populista para a mulher”; a política
da “irmandade das mulheres”, do “sisterhood is powerful”, como diz
a famosa frase do feminismo norte‑americano; é a política da cola-
boração sistemática das mulheres operárias com as mulheres bur-
guesas, da colaboração das latifundiárias com as camponesas, das
revolucionárias com as reacionárias e as reformistas.
Vejamos duas citações de um documento escrito pela camarada Wa-
ters em 1971, que foi adotado como programa do SWP para a mulher:

“A verdade é que as mulheres estão unidas pela opressão sexista e ao mesmo


tempo divididas pela sociedade de classes. Existe uma base objetiva para a
luta unificada das mulheres de todas as classes e nacionalidades, porque o ca-
pitalismo oprime a todas as mulheres enquanto mulheres. A irmandade das
mulheres é poderosa, devido à sua opressão universal, e isso constitui a base
para a existência de um movimento feminista independente e não excludente,
de massas e com uma lógica anticapitalista.”

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  133

E conclui esta citação dizendo: “o verdadeiro significado da


irmandade das mulheres é o conceito de que elas podem unir‑se
como irmãs sobre a base de uma luta comum”.
Citamos isto porque acreditamos que marca com clareza a po-
lítica do SWP que agora foi adotada pelo conjunto do SU no XI
Congresso Mundial.
Quer dizer que durante décadas e décadas, daqui até a revo-
lução, o objetivo do trotskismo tem que ser a unidade de todas as
mulheres e deve ser a Quarta Internacional a que lute por ela. Que
esse deve ser o eixo do trabalho dos trotskistas entre as mulheres.
Em nossa opinião, essa é uma política de extrema gravidade.
Trata‑se de uma política claramente frente‑populista, onde se cha-
ma a unidade das mulheres passando por cima das divisões de
classe, à colaboração das mulheres operárias com as mulheres bur-
guesas. Essas colocações, sempre feitas pelo SWP e agora pelo SU,
exemplificam claramente que tratam esse setor oprimido como se
fosse uma classe social.
Quando nos referimos à classe operária, dizemos que estamos
pela unidade de toda a classe operária para que lute pela revolu-
ção socialista. Que vamos tentar alcançar essa unidade, ainda que
saibamos que haverá setores dessa mesma classe que ficarão com
os partidos reformistas e outros que apoiarão a reação. Mas insis-
to, lutaremos sempre pela unidade de todos os operários, contra
a burguesia, pela revolução socialista. Esta política que propomos
para a classe operária é a mesma que a camarada Waters e o SWP
propõem para todas as mulheres de todas as classes, quando diz
que o trotskismo tem de lutar pela unidade permanente de todas
as mulheres para a revolução socialista.
A citação anterior, extraída do programa do SWP para a mu-
lher, nos mostra como a política votada no último congresso do
SU não é nova. É a mesma que encontramos em todos os docu-
mentos sobre a mulher que foram publicados pelo SWP, e o novo
é que agora a assumem todos os partidos do SU. Em 1976, por
exemplo, em outro informe a um congresso do SWP dos Estados
Unidos, a camarada Waters diz: “As mulheres libertarão as mu-

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134  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

lheres.” Esta frase ilustra muito bem qual é a diferença entre a polí-
tica dos camaradas do SWP e a nossa. Nós estamos contra a carac-
terização de que serão as mulheres as que irão libertar as mulheres.
Para nós, só a classe operária poderá libertar os setores oprimidos
e só ela, instaurando sua ditadura, vai possibilitar a libertação da
mulher. Somos absolutamente contra pensar que os setores oprimi-
dos, como oprimidos, podem, por meio da mobilização, alcançar
sua própria libertação.
A citação que lemos anteriormente plasma essa inédita interpre-
tação da teoria da revolução permanente que estamos tentando com-
bater, porque segundo ela, cada setor oprimido luta por sua libertação
e a vai alcançando ao lado da classe operária. Para nós, é o contrário,
a mobilização da classe operária, a instauração de sua ditadura, é a
única via para alcançar a libertação de todos os oprimidos.
O documento aprovado no último congresso mundial diz tex-
tualmente: “a construção de um movimento feminista de massas
faz parte da estratégia do partido mundial.” Isso quer dizer que
nosso partido mundial tem de ter como estratégia a unidade de
todas as mulheres, de todas as classes e de todos os partidos. E a
citação continua: “a destruição do Estado burguês só poderá ser
feita com a participação e direção consciente de um movimento
independente de libertação da mulher.” Ou seja, a construção de
um movimento autônomo de mulheres de todas as classes não só
é a estratégia do partido mundial, como nos coloca diante de um
dilema de ferro: ou construímos movimentos autônomos e unitá-
rios de mulheres, ou não poderão ocorrer revoluções socialistas
triunfantes no mundo. Isto é, a revolução socialista é impossível
sem a unidade de todas as mulheres.
Até onde sabemos, não conhecemos uma só revolução triun-
fante que tenha necessitado ou sido dirigida por um movimento
autônomo de mulheres ao lado de um partido comunista ou de
outro partido. A Revolução Bolchevique, a Revolução de Outu-
bro, foi dirigida totalmente pelo Partido Bolchevique; não temos
conhecimento de que nessa revolução tenha existido um movi-
mento autônomo de mulheres que dirigisse a revolução junto

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  135

com os bolcheviques. Mas, apesar de não existir esse movimen-


to autônomo, a revolução triunfou em 1917. A posição que está
plasmada nesse documento vai contra o que levantamos como
requisitos para fazer a revolução: a mobilização permanente dos
trabalhadores contra a burguesia e os exploradores, sejam mu-
lheres ou homens, e a direção do partido revolucionário.
Esse documento revisionista, foi aprovado sem qualquer ob-
jeção, da mesma maneira que aprovaram “Democracia Socialis-
ta e Ditadura do Proletariado”, um documento contraditório,
confuso. Certamente impressionou muitos companheiros, que
gostaram quando leram pela primeira vez. Nós também acha-
mos que era um documento que pelo menos começava a dar
resposta a um problema que ainda não havia sido discutido na
IV Internacional: que linha política tínhamos para a mulher.
Mas quando começamos a estudar os documentos, percebemos
que tinha todos esses gravíssimos problemas. Diferente dos do-
cumentos anteriores do SWP, a resolução aprovada agora fala
mais do partido, da classe operária, da mobilização dos tra-
balhadores, repete muitas vezes o termo revolução socialista,
diz que a classe operária tem de dirigir as mulheres etc. Mas
conserva em todo seu desenvolvimento a mesma posição que
o SWP vem levantando desde 1971: a construção de um movi-
mento autônomo e unitário como condição necessária para a
revolução socialista.
Essa política se apoia nas mesmas razões políticas e teóricas
que levaram o SWP e o SU a capitular na Nicarágua diante de
um governo burguês. Se para a Nicarágua pensam que a FSLN
pode, por sua própria mobilização, chegar à revolução socia-
lista, para as mulheres consideram que a unidade de todas as
mulheres de todas as classes, em mobilização permanente por
suas reivindicações, pode também levar à revolução socialista.
É um mesmo corpo teórico e político que ilumina as posições e
os documentos votados pelo SU e o SWP no último congresso;
por isso a discussão sobre o documento da mulher tem uma
grande importância.

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136  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Frente a essa posição, qual é a nossa política?

Nós reivindicamos a posição sobre a mulher que apresenta a Ter-


ceira Internacional Comunista em seus congressos. Assim como a
Terceira Internacional, nós acreditamos que será mediante a união
na luta de todos os explorados, e não pela das forças femininas das
classes opositoras, que chegaremos ao comunismo. E cremos, como
Lenin e Trotsky, que nossa política tem de ser a de dissuadir as ope-
rárias de todos os países de qualquer tipo de colaboração e de coa-
lizão com as feministas burguesas. Acreditamos que nossa política
estratégica tem de ser categórica, contundente; que temos de afirmar
absoluta e profundamente que estamos pela separação entre as ope-
rárias e as burguesas, entre as camponesas e as latifundiárias, en-
tre as revolucionárias e as contrarrevolucionárias, e que queremos
ganhar a maioria das mulheres para o lado da classe operária. Que
queremos ganhar a maioria das mulheres e arrastar também setores
da classe média para as fileiras do partido revolucionário e para a
revolução socialista.
Cremos que a política da unidade de todas as mulheres leva a que
as mulheres inglesas se unam a Margaret Thatcher, quando temos
que ser categóricos em afirmar que estamos contra ela por mais mu-
lher que seja, como estamos contra Lidia Gueiler porque ela é contra
os operários, os mineiros e as mulheres trabalhadores da Bolívia.
Temos de fazer um grande trabalho entre as mulheres, espe-
cialmente entre as operárias. A participação das mulheres na vida
política, sindical e social aumenta cada vez mais, e nessa medida
nosso partido mundial precisa de uma política para responder às
mulheres trabalhadoras que se mobilizam, para defendê‑las e se-
pará‑las das burguesas. Nesse sentido, todos os partidos reunidos
no Comitê Paritário têm de discutir como vamos trabalhar entre
as massas de mulheres que despertam para a vida política, para a
luta sindical, e como responder às exigências que se colocam. Nos-
so eixo, nossa mira é defender a mulher trabalhadora e ganhar a
maior quantidade delas para as fileiras da Quarta Internacional e
para a luta pela revolução socialista.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  137

Que esta seja nossa política não quer dizer que não possa-
mos fazer unidades de ação conjunturais, táticas, em torno de
problemas concretos, com todas as mulheres, venham de onde
for que vierem. Podemos, por exemplo, mobilizar ao redor da
bandeira do aborto livre e gratuito, com as mulheres liberais ou
reformistas que compartilhem a bandeira. Mas para nós essa
unidade é transitória e dure o tempo que durar a mobilização
por essa reivindicação, nossa perspectiva é ganhar as mulheres
operárias e trabalhadoras em geral para nossa política, para a
luta revolucionária, ao mesmo tempo em que impulsionamos
seu combate por melhores condições de existência, contra a
burguesia masculina ou feminina.
Quisemos dar aqui uma primeira explicação sobre as razões
que nos levaram a elaborar a resolução, e apresentar os pontos
mais gerais que discutimos sobre a política para a mulher. Mas,
igualmente, queremos passar a sustentar algumas colocações fei-
tas na resolução ou no artigo “Sisterhood is powerful”,64 e sobre
os quais alguns companheiros levantaram dúvidas, inquietações
que são muito importantes e têm muito valor para a discussão que
estamos fazendo. Não queremos distorcer os argumentos dos com-
panheiros, por isso esperamos que todos participem da discussão,
coloquem as dúvidas sobre os materiais que hoje apresentamos.
Queremos nos referir a dois pontos.
O primeiro problema: sobre as categorias de opressão e explo-
ração. O documento do SU põe um sinal de igual entre o que é a
exploração e o que é a opressão. Na citação anterior se dizia que
existe uma base objetiva para a organização unitária das mulheres
de todas as classes e nacionalidades, porque o capitalismo oprime
todas as mulheres enquanto mulheres. Quando se faz esse tipo de
afirmação se está igualando, equiparando, a opressão das mulhe-
res, dos negros ou de uma nacionalidade, com a exploração econô-
mica dos operários pela burguesia.
64  Artigo elaborado por Patricia Gómez (Carmen Carrasco) y Mercedes Petit,
e publicado na revista Correspondência Internacional de 1980, e que corresponde
ao capítulo 3 do presente livro. (N. do E.)

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138  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

Consideramos a opressão como uma categoria distinta da explo-


ração econômica. Opressão é colocar um grupo social em desvanta-
gem, a partir de determinadas desigualdades. Por exemplo: as mu-
lheres são oprimidas pelos homens porque são mulheres, por uma
diferença sexual; os judeus foram oprimidos por serem judeus; os
negros, por serem da raça negra. É um fenômeno de discriminação
social, cultural, racial, sexual ou por razões de idade, de um gru-
po contra outro. Um fenômeno que ultrapassa os limites de classe,
e com isso encontramos mulheres burguesas oprimidas, ou que um
negro burguês nos Estados Unidos não possa enviar seus filhos ao
colégio da burguesia branca. Casos como o da Alemanha de Hitler,
onde este perseguiu todos os judeus, desde os que eram operários
até os grandes banqueiros alemães pelo fato de serem judeus. Como
dizíamos antes, a opressão é uma discriminação por razão de sexo,
de cor, de idade, de um grupo social por outro.
Diferente da categoria de opressão, a exploração faz referência a
um antagonismo de classe. É a expropriação do produto do trabalho
de uma classe social por outra. É o que, enquanto exista, divide e
dividirá a humanidade em duas classes, absolutamente antagônicas:
os exploradores e os explorados. É o que separou o escravista do es-
cravo, os senhores feudais dos servos. Esta divisão da sociedade é o
que definiu e determinou a história da luta de classes. O que definiu
também a conformação dos distintos partidos políticos.
Em síntese, as categorias de opressão e exploração são dis-
tintas, não podem ser equiparadas, mas elas se combinam. No
caso da mulher, a burguesia utiliza a opressão para superexplo-
rar a mulher trabalhadora. Utiliza a condição de oprimida para
pagar‑lhe menor salário. O negro é colocado nos piores postos de
trabalho porque é difícil para ele conseguir um lugar para traba-
lhar; o mesmo tratamento é dado aos povos das nacionalidades
oprimidas. A burguesia aproveita as distintas formas de opressão
para superexplorar esses setores.
A exploração divide todas as opressões: a opressão da mulher
está dividida, porque há mulheres exploradoras e mulheres ex-
ploradas, porque existem as Lidia Gueiler e as Domitila, na Bolí-

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  139

via; porque há Margaret Thatcher e operárias inglesas. Por isso,


graças a esse fenômeno geral, a opressão da mulher está e esta-
rá dividida social e politicamente enquanto exista a exploração
econômica. As mulheres estarão localizadas tanto em partidos
reacionários, quanto em revolucionários e reformistas. E isto
será assim enquanto não se eliminar a exploração, o imperialis-
mo e a contrarrevolução no mundo.
A divisão em classes das mulheres como setor oprimido é uma
realidade, e nós defendemos lutar a fundo para que as operárias,
as trabalhadoras, não se unam com as burguesas; impulsionamos
essa divisão buscando a unidade de toda a classe operária em tor-
no ao partido revolucionário para a tomada do poder, contra os
homens e mulheres da burguesia, contra os negros burgueses, os
judeus burgueses e os cristãos burgueses.
Esta equiparação entre opressão e exploração é um dos erros
centrais do documento apresentado no congresso do SU, que deixa
sem chão ou coloca em péssimas condições o partido revolucio-
nário para intervir politicamente entre as mulheres trabalhadoras.
Algumas companheiras levantaram dúvidas sobre a forma
como se apresenta, no material que defendemos, a diferença entre
opressão e exploração. Queremos que se faça aqui essa discussão.
O outro ponto de discussão que acredito ser o mais canden-
te é sobre o problema da família. No documento de Mary‑Alice
Waters, a posição comum da maioria das feministas e também de
alguns companheiros e companheiras é que a família é o pilar, a
política básica e a instituição indispensável para a manutenção do
Estado burguês, e que, por isso, a opressão da mulher também te-
ria essa característica e seria algo indispensável para a manutenção
do sistema capitalista. Tratar a concepção de família como política
básica da sociedade capitalista é o que explica que muitos dos que
compartilham esse critério façam do ataque à família o ponto cen-
tral de sua atividade, a tática e a estratégia de sua ação.
Nossa posição é que a “política básica” da sociedade capitalis-
ta é obter o maior lucro possível, explorando e superexplorando a
massa trabalhadora. E frente a isso a política dos revolucionários é

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140  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

lutar contra essa exploração, buscar as melhores condições de exis-


tência para todos os homens, mulheres, crianças ou povos que são
submetidos pelo capital. O lucro é o princípio e o fim da sociedade
capitalista, e em função dele se explica as tendências contraditórias
de instituições como a família burguesa, que marcham muitas vezes
para a dissolução e outras, para consolidação.
Em O Capital, Marx comenta a forma tão dolorosa com que se
destruiu a família dos camponeses britânicos nas primeiras luzes da
sociedade industrial; comenta como as crianças de cinco e seis anos
trabalhavam entre dezoito e vinte horas nas fábricas; como as mu-
lheres entravam nas fábricas e como sua entrada favorecia os capita-
listas porque constituíam mão de obra barata.
Para o capitalismo, as mulheres são fundamentalmente um
exército de reserva que engrossará as fileiras do proletariado, que
será explorado sempre que as necessidades da produção capitalis-
ta assim o requeiram, ainda que sair do lar signifique a erosão da
instituição familiar.
Ao mesmo tempo em que esse processo é contraditório, também
é doloroso. A destruição da família, seu desmembramento, deriva-
do da vinculação da mulher e muitas vezes das crianças à produ-
ção, ocorre sem que se proporcionem instituições alternativas onde
minimamente se possam cobrir certas necessidades que antes eram
satisfeitas no âmbito familiar. Toda essa situação leva a uma deterio-
ração das condições de existência das famílias dos trabalhadores, es-
pecialmente das mulheres trabalhadoras, que não só se vinculam ao
trabalho em piores condições que seus companheiros homens, como
sobre elas recai o peso da dupla jornada.
Quando dizemos que defendemos as condições de existência das
famílias dos operários e camponeses, o fazemos não com o critério
de defender a instituição familiar, mas buscando proteger os traba-
lhadores e suas famílias dos ataques do capital, e as mulheres como
parte do conjunto dos trabalhadores. A exigência de defesa das fa-
mílias dos operários e camponeses é uma proposta tática que pode
ser igualada às bandeiras referentes à defesa de alguma nação dos
ataques do imperialismo.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  141

Estamos contra as fronteiras nacionais, porque elas freiam o


desenvolvimento das forças produtivas; defendemos a eliminação
de todas as fronteiras. Mas no caso, por exemplo, de uma inva-
são a El Salvador por parte do imperialismo norte‑americano, nos
pronunciamos contra o ataque imperialista e pela defesa da nação
salvadorenha, ainda que se trate de uma nação burguesa.
Não fazemos da defesa de qualquer instituição um princípio.
Da mesma forma que para o sistema capitalista e a burguesia o eixo
de toda a sua ação seja a obtenção de lucro, e isso determina seus
comportamentos, para nós, nosso eixo político é a defesa dos tra-
balhadores, e no caso da mulher, a defesa da mulher trabalhadora.
Nossa posição sobre a família, então, está determinada por esse
eixo político. Por isso lutamos pelo direito ao divórcio, que permite
às mulheres trabalhadoras um avanço na luta contra sua opressão,
mesmo que atente contra a família dos próprios trabalhadores e
camponeses. E o mesmo fazemos com a família da mulher traba-
lhadora, a defendemos de todo ataque dos exploradores.
Acreditamos que esses são os pontos polêmicos centrais. Há
outra série de aspectos expostos na resolução e no artigo que apre-
sentamos e que os companheiros queriam discutir, que não men-
cionamos nesta apresentação, mas que esperamos surgir na dis-
cussão. Queremos que se apresentem todas as posições, dúvidas ou
inquietações sobre o artigo ou a resolução que hoje trazemos.

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APÊNDICE II
As tarefas do trotskismo
entre as mulheres
Projeto de resolução apresentado em janeiro de 1980
por Mercedes Petit e Carmen Carrasco na reunião
da Fração Bolchevique, antecessora da LIT‑QI.

O recente congresso do Secretariado Unificado aprovou o


documento “A Revolução Socialista e a Luta pela Libertação da
Mulher”, elaborado por Mary‑Alice Waters, membro da direção
executiva do Socialist Workers Party dos Estados Unidos. Esse
documento, que plasma a concepção do SWP sobre o trabalho
dos trotskistas entre as mulheres, é agora a política oficial do SU
e seus seguidores.
É um documento revisionista, que expressa uma concepção se-
torial e policlassista da revolução permanente, da relação entre as
lutas dos explorados e oprimidos, e entre estas e a classe operária
e o partido revolucionário. Essas concepções que levam o SWP e o
conjunto do SU a capitular às posições do feminismo antimarxista
– que chama a unidade de todas as mulheres, qualquer que seja sua
classe, para lutar contra os homens, que chama uma frente popular

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144  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

permanente de operárias e burguesas, revolucionárias, reformistas e


contrarrevolucionárias – são as mesmas que levaram o SWP e seus
seguidores do SU a capitular diante do governo de Reconstrução Na-
cional na Nicarágua.
O objetivo da presente resolução é refutar categoricamente essa
política e elaborar as primeiras teses sobre a política do Comitê Pari-
tário para o trabalho dos trotskistas entre as mulheres.

Depois da Segunda Guerra Mundial, pela segunda vez na his-


tória, ocorrem mobilizações massivas de mulheres que exigem
seus direitos. Desde a mobilização das mulheres na revolução
chinesa até as mobilizações pelo aborto e o divórcio na Europa e
Estados Unidos, as mulheres lutam por suas próprias reivindica-
ções, ora apoiando uma revolução em curso (China) ou lutando
contra ela (Chile e El Salvador), ora em unidade de ação exigindo
reivindicações democráticas, como na Europa e Estados Unidos.
Esse fato da luta de classes merece a atenção e a resposta da Quar-
ta Internacional trotskista.
Com o novo ascenso da revolução mundial, as mulheres
participam cada vez mais das lutas políticas e sociais, em mo-
bilizações, partidos e organizações de suas respectivas classes e,
conjunturalmente, realizam mobilizações unitárias por suas rei-
vindicações específicas. Trata‑se de saber se esta crescente parti-
cipação política e social da mulher tende à unidade permanente
de todas as mulheres de todas as classes ou se, pelo contrário, essa
unidade é a exceção, o conjuntural, e a divisão política e social
das mulheres é a regra.
Em síntese, trata‑se de saber se podemos aplicar nessas mobi-
lizações as orientações gerais definidas nos primeiros congressos
da Internacional Comunista ou se, pelo contrário, esses fenôme-
nos nos obrigam a revisar a política que o marxismo defende para
o trabalho do partido revolucionário entre as mulheres.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  145

II

Diante das mobilizações das mulheres pelo direito ao sufrá-


gio e outras reivindicações, a Internacional Comunista deu uma
resposta categórica: chamou os partidos comunistas a lutar nesses
movimentos para separar as operárias do feminismo burguês.

III

A luta de classes deu razão à concepção da Internacional Co-


munista e à sua política: as mobilizações de mulheres da década
passada65 só conseguiram a unidade das mulheres de forma con-
juntural e episódica, não permanente. A experiência dos Estados
Unidos, Espanha, Itália, França e Inglaterra demonstrou que uma
vez alcançado o objetivo específico da mobilização – e inclusive em
muitos casos sem isso –, a unidade supraclassista das mulheres se
dissolveu.
Afirmamos categoricamente, seguindo nossas concepções, que
foram corroboradas pelos fatos, que a unidade permanente das
mulheres por cima das classes é impossível, devido às contradições
políticas e sociais da luta entre a revolução e a contrarrevolução,
pelo menos até a vitória do socialismo.

IV

Frente às mobilizações das mulheres na década passada surgiu


uma corrente dentro da qual o SU ocupa um lugar de honra, influen-
ciado pelo SWP dos Estados Unidos. É a corrente que chama todas as
mulheres de todas as classes e tendências políticas – operárias, bur-
guesas, revolucionárias, reformistas, contrarrevolucionárias – a lutar
unidas e organizar‑se em um movimento autônomo permanente. O

65  Fim dos anos 1960 e meados dos anos 1970. (N. do E.)

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146  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

documento do SU afirma que as lutas das mulheres continuarão am-


pliando‑se e que a estratégia do partido deve ser a construção de um
movimento autônomo e unitário de mulheres de todas as classes sociais.
É a chamada política da “irmandade das mulheres” que, como vemos,
se opõe tanto à tese da Internacional Comunista – separação categórica
entre a mulher operária e a burguesa – como às lições da história.

Segundo o SU, a opressão da mulher e sua reclusão na família é


“pilar”, “política básica” e “essência” do capitalismo. Por isso afirma
que a família, incluindo a família camponesa, é um flagelo da socie-
dade de classes que só merece ser extirpada. A realidade, no entanto,
mostra que o capitalismo, ao incorporá‑la na produção, igualou a
mulher operária ao homem proletário na pobreza e na exploração,
nas cargas e deveres. Mas, contraditoriamente, o capitalismo é in-
capaz de levar essa tendência até o final, porque não pode resolver
em âmbito mundial o emprego de todas as mulheres. Daí as contra-
dições brutais que provoca, ao chamar a mulher para trabalhar em
um momento determinado e, depois, encerrá‑la novamente no lar
e na família para tirá‑la da produção, sempre de acordo com suas
conveniências. Essa realidade provoca contradições dolorosas para
as operárias e as camponesas. Destrói suas famílias sem deixar outra
instituição que lhes permita satisfazer as necessidades humanas de
afeto e companhia.

VI

Segundo o SU, todas as lutas pela libertação da mulher – o abor-


to, o divórcio ou o que seja – vão contra essa “essência do capitalis-
mo” descrita mais acima. Isso leva à conclusão que todas essas lutas,
inclusive as mais parciais e conjunturais, possuem uma dinâmica
“objetivamente anticapitalista”.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  147

A realidade, pelo contrário, é que as tarefas de libertação da


mulher são de caráter democrático‑burguês. Historicamente, é
uma tarefa das revoluções burguesas que estas não realizaram.
O processo de libertação da mulher possui, por sua dinâ-
mica, um caráter transicional, porque tem a ver com os as-
pectos mais retardatários e os costumes mais retrógrados da
sociedade. Mas esta perspectiva transicional vai se acentuar a
fundo na sociedade socialista onde, uma vez ganha a batalha
contra a contrarrevolução e o imperialismo, estarão abertas
as portas para resolver esses problemas tão sentidos pela hu-
manidade. Por isso recusamos rotundamente a dar a priori
o rótulo de anticapitalista para todas as lutas, organizações
e movimentos de mulheres. A dinâmica anticapitalista só se
pode gerar quando as mulheres – e não serão todas – apoiarem
a revolução proletária e o partido revolucionário.

VII

O documento do SU diz corretamente que todas as mulheres


são oprimidas como mulheres; o mesmo se poderia dizer dos ne-
gros, que todos são oprimidos como tais. Daí chega à conclusão
de que opressão é igual à exploração; que os vínculos que unem
os oprimidos entre si são mais fortes que as contradições entre ex-
ploradores e explorados, entre revolucionários e contrarrevolucio-
nários. E daí deriva toda sua política de que as mulheres devem
unir‑se como irmãs para a luta em comum.
A realidade é que, se bem é verdade que todas as mulheres e to-
dos os negros são oprimidos, ao mesmo tempo há mulheres explo-
radoras e exploradas, negros exploradores e explorados. Daí até o
triunfo do socialismo, as operárias lutarão contra os exploradores,
sejam homens ou mulheres, negros ou brancos.
Em determinado momento, mulheres de distintas classes po-
dem marchar juntas por um objetivo específico: direito ao divórcio,
ao aborto etc. Mas a realidade é que quando se der uma situação
revolucionária, a sociedade vai estar dividida por uma barricada.

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148  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

De um lado, a classe operária com seu partido revolucionário e, com


eles, as operárias revolucionárias, os negros revolucionários. De ou-
tro, a contrarrevolução imperialista burguesa e com ela as mulheres
burguesas, os negros burgueses etc.

VIII

Disso se conclui que o SU tem uma concepção revisionista da


teoria da revolução permanente, que visualiza como uma soma-
tória de setores oprimidos, de movimentos policlassistas que, de
igual para igual com o proletariado, se mobilizam de forma perma-
nente pelo poder. Daí deriva sua política frente‑populista de unida-
de do proletariado com a burguesia (“todas as mulheres”), de forma
organizada e permanente.
Nossa concepção é que só a revolução socialista libertará todas
as mulheres, mas nem todas as mulheres vão apoiar a revolução
socialista. Reafirmamos o caráter social e político da revolução
permanente, no sentido de que esta é realizada pelo proletariado
arrastando consigo os setores mais pobres e explorados da socieda-
de, contra os exploradores de todos os sexos e raças e seus aliados,
os reformistas. Esta luta só chega à vitória com a tomada do poder
pelo proletariado dirigido por seu partido marxista revolucionário,
a Quarta Internacional trotskista.

IX

Fruto de sua política frente‑populista de unir as burguesas e


as proletárias de forma organizada e permanente, o SU chega ao
cúmulo do revisionismo ao afirmar que a construção de um movi-
mento autônomo e unitário de mulheres faz parte da estratégia de
construção do partido. Em outras palavras, a construção do movi-
mento feminino tem a mesma importância estratégica que a cons-
trução do partido operário.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  149

Pelo contrário, a estratégia da Quarta Internacional trotskista


– e sua razão de ser – é a mobilização permanente do proletariado
– homens e mulheres – pela tomada do poder, apoiado no movi-
mento revolucionário das massas oprimidas e, para isso, a constru-
ção do partido operário marxista revolucionário. Essa estratégia, a
única dos trotskistas, exige a separação categórica das operárias da
influência burguesa e reformista, e repudia a unidade frente‑popu-
lista preconizada pelo documento do SU.

O ascenso da luta de classes da década passada, somado à cri-


se dos partidos reformistas – incapazes de responder às massas
de mulheres que despertaram com o ascenso – e a debilidade do
trotskismo, abriram espaço para a organização de movimentos
autônomos de mulheres, cujas posições abarcam toda a gama de
correntes políticas, desde as mais democráticas até as mais ultraes-
querdistas e ultrafeministas. Sobre esta base objetiva, o SU eleva à
categoria de norma permanente o que não passa de uma manifes-
tação conjuntural do ascenso revolucionário, a traição dos partidos
operários reformistas e a debilidade do trotskismo.

XI

Definida nossa estratégia, afirmamos que podemos e devemos


participar, apoiar, fazer unidade de ação nas lutas pelas reivindica-
ções democráticas específicas das mulheres. Nessas mobilizações
definiremos nossa orientação tática em relação às diversas orga-
nizações que possam existir. Mas a participação dos trotskistas
nesses movimentos sempre será centrada no objetivo de ganhar as
mulheres, principalmente as operárias, por meio da mobilização,
para que rompam com a burguesia e o reformismo e se unam a sua
classe e ao partido revolucionário.

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150  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

XII

O atual ascenso da luta de classes e a crise dos aparatos refor-


mistas brindam à Quarta Internacional trotskista as melhores pos-
sibilidades de converter‑se na direção revolucionária das massas.
O ascenso mobiliza milhões de mulheres que começam a buscar
saídas políticas e respostas para suas reivindicações. Por isso, nós
trotskistas devemos formular uma política revolucionária para as
mulheres, especialmente para as operárias. Elas constituirão uma
força central nesse ascenso e, como confirma a experiência históri-
ca, as trabalhadoras, por serem duplamente exploradas, assumem
rapidamente a vanguarda das lutas.

XIII

Os trotskistas, vanguarda revolucionária do proletariado, são


os inimigos mortais da opressão em todas as suas formas. Por
isso, estamos na primeira fila na luta pelas reivindicações contra
a opressão da mulher, e dispostos a participar em todas as suas
lutas, em unidade de ação com todos aqueles que as impulsionem.
Queremos integrar todas as operárias na frente proletária
contra a burguesia e seus aliados reformistas. Lutamos contra
toda sujeição ou colaboração entre as operárias e a burguesia, e
queremos ganhar a todas as operárias para as fileiras da Quarta
Internacional trotskista.

XIV

Para isso, o programa dos trotskistas deve contemplar as deman-


das democráticas como aborto livre e gratuito, divórcio, plena igual-
dade legal, eliminação da discriminação com os filhos nascidos fora
do casamento, entre outras.

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Mulheres trabalhadoras e Marxismo  151

XV

Estamos na vanguarda da luta pelas demandas e reivindicações


das operárias e mulheres pobres: salário igual para trabalho igual,
redução da jornada de trabalho em 50% se elas assim o desejarem;
por creches, berçários, restaurantes e lavanderias coletivas; por um
salário para a dona de casa, por pleno emprego para a mulher.
Nas categorias onde trabalham mulheres exigimos uma repre-
sentação proporcional na direção sindical, o que significa que nas
categorias majoritariamente femininas a direção sindical deve ser
majoritariamente feminina; exigimos que essas reivindicações se-
jam incorporadas nos estatutos sindicais.
Defendemos a criação de comissões femininas nos sindicatos.

XVI

Defendemos a família operária e camponesa: por serviços pú-


blicos de saneamento, educação e recreação gratuitos; por subsí-
dios para seus filhos.

XVII

Este programa democrático e transicional tem um único ob-


jetivo: a mobilização das mulheres operárias e pobres junto de sua
classe, pela tomada do poder pelo proletariado e a revolução socia-
lista mundial, o único caminho que poderá garantir a igualdade
plena e permanente das mulheres e de todos os oprimidos.

XVIII

Como já dissemos, a atenção dos trotskistas se dirige princi-


palmente para as mulheres operárias. Mas não descartamos que,
em uma conjuntura nacional e internacional de ascenso das lutas

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152  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

operárias e populares, e frente à existência de um partido revolu-


cionário forte, mulheres da pequena burguesia estejam dispostas a
acompanhar o proletariado em suas lutas e a ver no partido trotskis-
ta revolucionário a sua direção.

XIX

O único partido que luta de forma consequente por esse progra-


ma e esse objetivo estratégico, a ditadura revolucionária do proleta-
riado, é a Quarta Internacional trotskista.
Denunciamos e repudiamos a política traidora da social‑demo-
cracia e do stalinismo, que mantêm e reforçam a opressão da mulher
e são, dentro das fileiras do movimento operário, os inimigos mais
decididos da revolução proletária.
Recusamos também a concepção do SWP e SU, que conside-
ram que “a luta pelo socialismo necessita tanto de um movimento
feminista de massas como de um partido marxista revolucionário
de massas”. Esta posição nega o papel dirigente do partido revolu-
cionário e o chama a compartilhar sua responsabilidade histórica
com organizações setoriais que representam os oprimidos. Para nós,
a luta pelo socialismo necessita uma única condição: a mobilização
permanente das massas, dirigida por um partido marxista revolucio-
nário, trotskista.

XX

Às mulheres dos Estados operários dizemos que a burocracia


contrarrevolucionária que usurpou o poder operário é a responsá-
vel direta e absoluta de sua brutal opressão. Que devem lutar com o
proletariado e seu partido revolucionário pela revolução política, a
derrota da burocracia e a instauração da ditadura revolucionária do
proletariado.

Bogotá, janeiro de 1980.

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APÊNDICE III
Pelos direitos da mulher
e das trabalhadoras
Programa do Movimento ao Socialismo, da Argentina,
aprovado em 1985.

O desastre do capitalismo argentino atinge a mulher, espe-


cialmente a trabalhadora. A dona de casa operária vive sob a
pressão da ruína da economia familiar. Quando vai trabalhar
para aliviar o orçamento, é vítima de uma dupla exploração: o
emprego não a livra de continuar enfrentando o trabalho no lar
e o cuidado com os filhos. Além disso, recebe um salário infe-
rior ao do homem, ainda que faça um trabalho igual ao dele. A
isso se soma a montanha de discriminações machistas, precon-
ceitos e uma legislação do tempo das cavernas, antifeminina,
inspirada pelos padres. Contra isso, o MAS levanta as bandeiras
dos direitos da mulher:
Igualdade de salários e de oportunidades em todos os empre-
gos para a mulher; creches para os filhos das trabalhadoras e es-
tudantes, totalmente gratuitas e que funcionem o dia inteiro; ex-

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154  Carmen Carrasco e Mercedes Petit

tensão do término de licença‑maternidade e redução das horas de


trabalho com igual salário durante a primeira infância do filho.
Por meio salário mínimo adicional para a mãe solteira. Por uma en-
trega de trinta por cento do salário mínimo por cada filho menor de
idade para a mãe trabalhadora; pela aposentadoria para a dona de casa.
Supressão de toda medida ou legislação que diminua, em favor
dos homens, os direitos da mulher. Pelo exercício compartido do pá-
trio poder e por sua entrega à mulher se ela é quem assume a criação
dos filhos após a separação do casal.
Participação da mulher em todos os organismos e instituições,
em forma proporcional à sua participação na base: se em um sindica-
to, 50% dos trabalhadores são mulheres, elas devem ocupar a mesma
porcentagem de cargos.
Pelo divórcio vincular absoluto, por vontade de qualquer um dos
cônjuges, e com trâmite rápido e gratuito.
Supressão de toda discriminação ou diferença jurídica entre fi-
lhos legítimos e naturais, como também entre a família considerada
legítima e aquela constituída de fato.
Pelo direito da mulher sobre seu próprio corpo: só ela tem di-
reito a decidir sobre sua maternidade! Por uma ampla educação
sexual, igualitária e científica, e informação sobre os métodos con-
traceptivos. Pela imediata legalização do aborto, evitando que con-
tinue sendo praticado nas piores condições de higiene e segurança
por aproveitadores e pessoas sem preparação profissional. É im-
periosa a elaboração de uma nova legislação que encare este grave
problema social em bases científicas, contemplando os direitos da
mulher e desprezando enfoques repressivos e hipócritas como os
que vigoram atualmente.

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Bibliografia

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A impressão ficou a cargo da Prol Editora Gráfica de São Paulo, Brasil, e
realizou-se em papel ofset 75 g/m2

Para composição do texto, foi usada a fonte Minion Pro, corpo 11, com
entrelinhas de 14 pt., e nos títulos e subtítulos a fonte Frutiger.

Impresso em março de 2012.

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