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e Marxismo
Carmen Carrasco
Mercedes Petit
ISBN: 978-85-99156-79-7
Introdução, 25
CAPÍTULO V - A necessidade do
partido revolucionário, 119
Bibliografia, 157
Cecília Toledo
Membro do Conselho Editorial da revista
Marxismo Vivo e autora do livro Mulheres: o
gênero nos une, a classe nos divide1
Começo este prefácio com uma pergunta: por que lançar este
livro, contendo as concepções de nossa corrente morenista sobre a
luta pela emancipação das mulheres? É tão fundamental neste mo-
mento? Este livro foi escrito por Carmen Carrasco e Mercedes Petit
depois de longas conversas com Nahuel Moreno, o mais importan-
te dirigente trotskista da Argentina e fundador do MAS2 e da LIT3.
Bem que eu gostaria de ter participado dessas conversas, que são
transcritas neste livro com muita clareza e precisão. Naquela época
nós estávamos buscando compreender melhor o caráter de classe
da luta em defesa de todos os setores oprimidos, em especial a luta
contra a opressão das mulheres, que já então eram praticamente
mula para detê‑las. Nos anos 1980 começam a usar o termo “gê-
nero” para referir‑se à opressão das mulheres, como se fosse uma
grande invenção, a fórmula mágica para todos os males. Pena que
Moreno não viveu esse tempo, gostaria de saber a sua opinião sobre
isso. Mas no frigir dos ovos, muda‑se o discurso para que o conteú-
do continue igual. E o conteúdo é que o “gênero” é uma elaboração
programática completa acerca da condição feminina no capitalis-
mo, elaboração esta bem sofisticada e acadêmica, destinada a en-
gambelar as mulheres que não são acadêmicas, as que nem estudo
decente tiveram, para fazer com que se convençam de que sua con-
dição precária na sociedade é triste sim, mas passageira; é desigual
sim, mas nada que não possa ser resolvido com uma boa política
de gênero encaminhada ao Estado, aos Ministérios das Mulheres,
e posta nas mãos das primeiras‑damas, nossas embaixadoras junto
à ONU, à Unesco, ao FMI, enfim, a algum desses organismos do
imperialismo que graças a um milagre qualquer mudaram o seu
caráter e o seu papel e agora defendem as mulheres.
Com outras palavras, é a mesma interpretação que fazia Ma-
ry‑Alice Waters e o SWP, que Moreno combate neste livro. Nos
anos 1970 não se usava o termo “gênero”, mas isso não impediu
que as feministas, sobretudo as norte‑americanas, fizessem toda
uma elaboração igualmente sofisticada, igualmente detalhada
em milhões de documentos e livros e revistas e folhetos e progra-
mas e escritos de todo tipo para convencer as mulheres da classe
trabalhadora a se unirem às mulheres burguesas e construir um
grande movimento policlassista contra a opressão. O argumento,
perfeitamente justo, de que a opressão atinge as mulheres bur-
guesas e trabalhadoras, ricas e pobres, intelectuais e analfabetas,
operárias e camponesas, deveria nos levar a fazer lutas conjuntas
por nossos direitos suprimidos. O maior exemplo histórico foi a
luta sufragista, quando, no início do século 20, mulheres ricas e
pobres saíram às ruas pelo direito de voto. Mas essas lutas são
passageiras. A verdadeira transformação na situação das mulhe-
res depende de uma transformação radical da sociedade, e para
isso as mulheres trabalhadoras devem travar sua luta no seio de
metade do século 20, a tal ponto que a revista inglesa The Economist
considera que na última década “o aumento do emprego da mulher
nos países desenvolvidos contribuiu mais para o crescimento do que
a China”.7
Em outras palavras, não tão acadêmicas: a incorporação massiva
da mulher na produção foi uma das principais fontes dos extraordi-
nários lucros capitalistas do último boom, antes da explosão da crise,
em 2008.
A faixa onde mais cresceu o emprego feminino foi a das mulhe-
res entre 25 e 49 anos. Novidade: as mulheres não deixam de traba-
lhar para ser mães, ou melhor, são as jovens mães que se incorporam
massivamente ao mercado de trabalho.
Em um fenômeno paralelo, as mulheres tomaram as escolas por
assalto: ao finalizar a Segunda Guerra Mundial, elas eram entre 15
e 30% dos estudantes nos países desenvolvidos.8 Hoje em dia, nos
Estados Unidos 140 mulheres ingressam na universidade para cada
100 homens, e na Suécia são 150 para cada 100.9
Essa incorporação massiva da mulher à produção e à escola é
pré‑condição para sua libertação, mas paga bem caro por isso: há
mais mulheres assalariadas e educadas, mais advogadas, médicas e
jornalistas, mas há também mais mulheres desempregadas, com tra-
balhos precários (na Europa ocupam 80% dos trabalhos em tempo
parcial) e com menores salários (em média ganham 27% menos10),
enquanto se generaliza a dupla exploração por sua condição de tra-
balhadoras e mães.
A conclusão é simples: as mulheres são 70% dos pobres do mun-
do, mesmo representando quase a metade da força de trabalho.
A mais importante consequência social dessa introdução mas-
siva da mulher, em especial da mãe jovem (e, na maioria dos casos,
solteira), ao mundo dos assalariados, foi a dissolução da família para
a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, convertendo‑se num
14 Lenin, V. I. El desarrollo del capitalismo en Rusia, capítulo VII, “El Desarrollo
de la Gran Industria”. (Ver extrato em http://www.marxists.org/archive/lenin/
works/subject/women/abstract/99_dcr7.htm)
15 “O emprego da mulher dissolve a família por necessidade, e esta dissolução,
ção fica bem evidenciada quando afirma reiteradas vezes que todas
as lutas das mulheres têm um “caráter objetivamente anticapitalista”.
Isto é profundamente incorreto.
Como já vimos, a produção capitalista foi a que colocou em
marcha o processo de libertação das mulheres, ao incorporá‑las em
massa à indústria, igualando‑as ao homem “na fábrica alheia”, e es-
tabelecendo assim as bases de sua independência econômica. Esta é
a base de sustentação de todas as lutas das mulheres por seus direitos
ao longo do século 20 e é um fenômeno progressivo e revolucionário,
porque vai contra a opressão milenar sofrida enquanto sexo pela me-
tade da humanidade.
Mas o capitalismo é incapaz de levar até o fim suas tendências re-
volucionárias, é incapaz de incorporar todas as mulheres à produção,
e por isso a solução definitiva do problema das mulheres só virá com
o triunfo da revolução socialista.
Aparentemente, nesse ponto temos um grande acordo com o
documento de Waters. No entanto, não é assim. Nas palavras, con-
cordamos com Waters quando afirma que as lutas das mulheres são
“parte integrante da revolução socialista”, que são uma “forma de
luta contra o capitalismo”, e que são “objetivamente anticapitalis-
tas” no sentido de que a solução definitiva e generalizada de suas
demandas só pode vir pela destruição do capitalismo e a vitória do
socialismo. Mas por trás dessas generalidades há duas concepções
opostas: para nós, isso é assim porque o capitalismo coloca as bases
objetivas para a independência das mulheres, mas não pode levá‑la
até o fim e, por isso, essa independência se volta contra ele. Para
Waters, pelo contrário, a luta das mulheres vai contra o capitalis-
mo, porque a opressão da mulher é um traço essencial, básico e
indispensável do capitalismo.
Desse erro de definição geral se desprende outro, que tam-
bém é muito sério, em relação a cada luta específica das mulheres.
Segundo Waters, todas as lutas femininas, concretas, atuais, con-
junturais, têm uma “dinâmica anticapitalista objetiva”, ou seja,
têm um mecanismo interno e automático que as leva contra o
capitalismo e pelo socialismo.
23 Idem.
24 Idem
25 A segunda frase do documento diz: “No mundo todo, milhões de mulheres,
especialmente mulheres jovens, estudantes, operárias e donas de casa, começam a
questionar alguns dos traços fundamentais de sua opressão secular.” No terceiro
parágrafo agrega: “logo surgiu o movimento de libertação da mulher em todos
os países capitalistas avançados.” O quarto parágrafo diz: “O novo movimento de
libertação da mulher entrou na cena histórica como parte de um ascenso mais ge-
ral da classe operária e de todos os setores oprimidos e explorados da população
mundial.” Ao virar a página, conclui: “O rápido crescimento do movimento femi-
nista e o papel que cumpriu no fortalecimento da luta de classes, tanto em âmbito
internacional como em países específicos, confirma que é preciso considerar a luta
pela libertação da mulher como um componente fundamental do novo ascenso da
revolução mundial.” Na página seguinte, começa o ponto dois dizendo: “Não tem
precedente tanto a profundidade da crise econômica, política e social que expressa
esta radicalização da mulher, como as implicações que tem a luta contra a opressão
e a exploração capitalista. (...) Em um país atrás do outro, um número cada vez
maior de mulheres está participando de campanhas.” Duas páginas adiante: “O
desenvolvimento da luta das mulheres contra sua opressão já começou a privar
a classe dominante de uma das armas principais que durante longo tempo utili-
O fato de que não exista um ascenso nas lutas operária fez com
que as correntes liberais se fortalecessem, como foi o caso do NOW,
que era a majoritária, e as correntes feministas radicais (que consi-
deram a opressão da mulher como a raiz da sociedade de classes e
que se opõem aos partidos de esquerda), as correntes culturalistas
e os grupos de autoconsciência.
Nos Estados Unidos, o “movimento”, de acordo com as análi-
ses do SWP, foi fundamentalmente estudantil e de classe média, e
nunca conseguiu a adesão de setores significativos de operárias,
negras e imigrantes, os setores mais superexplorados da população
norte‑americana. Queremos citar a própria Waters que, anos antes
da votação de seu documento em 1978, já alertava para a situação
de crise nas mobilizações de mulheres.
outras forças para iniciar essa campanha em 1971, e diz: “Ao fazer
o balanço da campanha, devemos ver as conquistas da WONAAC
e também discutir por que não houve mobilizações massivas pela
questão do aborto.”30
E mais adiante:
30 Idem.
31 Idem.
“Hoje o sentimento feminista – ainda que mais forte e profundo que nunca,
sobretudo nas comunidades negras e na classe operária – está mal organi-
zado. Nas universidades há vários grupos feministas, mas são relativamente
pequenos, atomizados e carecem de direção. O movimento pelo direito ao
aborto é débil e pouco visível. Em algumas zonas começamos a formar gru-
pos ad hoc, mas nenhum deles constitui uma verdadeira coalizão. Forma-
ram‑se algumas organizações feministas negras e de imigrantes, mas são
pequenas e estão relativamente isoladas (...) diante da falta de uma direção
classista com algum peso no movimento operário ou nas organizações ne-
gras, imigrantes ou porto‑riquenhas de massas, [diante da] escassa resposta
aos ataques que foram feitos pelas dirigentes reformistas confusionistas do
movimento feminista orientadas pelo Partido Democrata, em particular as
do NOW, que conformam o grupo maior e mais influente.”33
32 Idem.
33 “Women’s Liberation Report”, apresentado ao Comitê Nacional do SWP
em janeiro de 1977. Internal Information Bulletin n° 1. Nova York, fevereiro de
1977, p. 40‑41.
A luta pelo aborto terminou com uma vitória, já que foi legaliza-
do pelo governo francês em 1975. Mas foi justamente por isso “o im-
pacto do MLAC (Movimento pela Legalização do Aborto) na França
e seu rápido declínio depois de aprovada a lei”.35 Outros indicativos
do declínio do movimento são a pobre celebração do 8 de março de
1979 e os baixos resultados da campanha mundial pelo aborto. Algu-
mas companheiras da LCR francesa diziam em maio de 1979:
36 Cahiers du Feminisme N.° 9, “Il fallait étre au Milieux des Torches y des
Flambeaux”, Editions la Brèche, Paris, Avril‑Mai, 1979.
“O Chile mostrou uma vez mais de forma trágica que se o movimento dos tra-
balhadores não levanta e luta por um programa e uma perspectiva revolucio-
nária que responda às necessidades das massas de mulheres, muitas mulheres
pequeno‑burguesas e até operárias podem mobilizar‑se ao lado da reação ou
serem neutralizadas como aliadas potenciais do proletariado.”39
“Nós, mulheres, fomos criadas desde o berço com a ideia de que a mulher
foi feita somente para a cozinha e para cuidar dos wawas (crianças), que é
incapaz de fazer tarefas importantes e que não se pode permitir que se me-
tam em política. Mas a necessidade nos fez mudar de vida. Há quinze anos,
em uma época de muitos problemas para a classe trabalhadora, um grupo
de sessenta mulheres se organizou para conseguir a liberdade de seus com-
panheiros, que eram dirigentes e haviam sido presos por exigir melhores
salários. Elas conseguiram tudo o que pediam depois de fazer uma greve
de fome de dez dias. A partir daí decidiram organizar‑se em uma frente
chamada Comitê de Donas de Casa da Século 20 (uma das maiores minas de
estanho da Bolívia). Desde então, esse comitê sempre esteve ao lado dos sin-
dicatos e outras organizações da classe trabalhadora, lutando pelas mesmas
causas. E por este motivos também nós, mulheres, fomos atacadas. Muitas
de nós fomos atacadas, presas, interrogadas e perdemos nossos filhos por
estarmos na luta com nossos companheiros. Mas o comitê não morreu. E
nesses últimos anos, respondendo a um chamado de suas dirigentes, quatro
a cinco mil mulheres fizeram uma manifestação.
“O Comitê de Donas de Casa está organizado como o sindicato e funciona
ao lado dele. Também fazemos parte da Federação de Trabalhadores Minei-
ros e temos nosso lugar na Central Operária Boliviana. Sempre nos pronun-
ciamos e estamos atentas para executar as tarefas da classe trabalhadora.”40
“Esse Comitê surgiu em 1961. Naquela época passávamos por uma situa-
ção econômica bastante pesada: a empresa atrasava os salários de nossos
41 Idem.
42 Diz Moema Viezzer, em Si me dejan hablar: “As ‘barzolas’ constituem um
capítulo triste na história da mulher na Bolívia. Eram mulheres que os membros
do MNR organizaram e [que] tomaram o nome de María Barzola, mas não
cumpriram o papel que ela cumpriu quando pedia um tratamento justo para
os operários. Porque, segundo me contaram, Maria Barzola era uma mulher
da cidade de Llallagua. Em 1942 houve uma grande manifestação para pedir
aumento de salários aos antigos donos das minas, e ela estava na frente, com uma
bandeira. Quando já se aproximavam de Catavi, onde está a gerência, chegou
o exército e massacrou [muita] gente. E ela morreu nesse massacre. Esse lugar
agora se chama a ‘Pampa de Maria Barzola’. Mas as ‘barzolas’ do MNR passaram
a servir aos interesses de seu partido, que estava no governo, e também ajudaram
a reprimir o povo. Serviram como instrumento de repressão. Dessa maneira, na
Bolívia se guarda um sentimento de rancor contra as ‘barzolas’. Por exemplo,
em La Paz, quando havia um setor da classe trabalhadora que exigia algo, as
‘barzolas’ se colocavam à frente portando navalhas, facas, chicotes e atacavam
as pessoas que se reuniam em manifestações de protesto contra as medidas
adotadas pelo governo.”
43 “Nuestras hermanas las obreras brasileñas”, em Opción, Año 2, n° 13, junio de
1979, p. 39 (publicación mensual clandestina del PST argentino).
44 Belden, Jack. China shakes the world. Monthly Review Press, 2ª ed., 1970, p.
310‑311.
“Em 1947, Chiang Kai‑shek iniciou uma poderosa ofensiva contra a China
do Norte, e Flor Dourada tinha medo que o Oitavo Exército em Marcha
fosse vencido, e que suas novas liberdades fossem varridas de um golpe de
espada. Os clamores do Partido Comunista para aumentar a produção agrí-
cola a comoveram. Percorreu o campo incitando as mulheres a trabalhar na
terra. ‘Realizamos uma grande mudança e agora somos iguais aos homens’,
explicava. ‘Isso significa que as mulheres trabalham e não têm mais que de-
pender dos homens’. Mas as mulheres da cidade não estavam convencidas.
‘Se trabalharmos no campo, diziam, quem fará o trabalho doméstico? Essa
mudança significa que vamos trabalhar até morrer’. ‘Está errado’, respondia
Flor Dourada. ‘Se não trabalharmos, os campos produzirão pouco; não ha-
verá grãos para os soldados no front. Então, estaremos ameaçadas de morte
pelo exército de Chiang Kai‑shek, e perderemos tudo o que ganhamos. E de
novo vamos depender de nossos maridos!’ As mulheres não puderam opor
nada a esse raciocínio.
“Mas havia outras coisas a considerar. Os maridos não queriam que suas
mulheres fossem para o campo. Flor Dourada fez uma visita à mulher mais
bonita do povoado, uma jovem chamada Pureza Branca, que concordou em
ir trabalhar. ‘Tu és bela demais para os trabalhos do campo’, disse o marido.
‘O que poderás fazer se alguém te atacar no trigo?’ Pureza Branca riu: ‘Sim,
sou bela’, disse. ‘Mas isso quer dizer que devo ficar enclausurada como um
pássaro em uma jaula? Vivemos em uma sociedade nova; não é como nos
velhos tempos. Se alguém ousar me atacar pedirei a nossa Associação de
Mulheres que o mate a golpes.’ A contragosto, o marido aceitou, mas quan-
do se deu conta de que seu orçamento aumentava com o trabalho de sua mu-
lher, ficou encantado. Una noite, disse a ela: ‘Se eu não pudesse sair nunca
mais de casa, você poderia manter toda a minha família.’ Era justamente o
que Pureza Branca esperava. ‘Sim, disse ela, eu posso manter nossa família
agora, assim você pode partir e unir‑se ao Oitavo Exército em Marcha. Você
é jovem, e deveria ter vergonha de não ir lutar contra os reacionários.’ Com-
“Existe uma base objetiva para a luta unificada das mulheres de todas as classes
e nacionalidades, porque o capitalismo oprime a todas as mulheres enquanto
mulheres. A irmandade das mulheres é poderosa, devido à sua opressão uni-
versal, e isso constitui a base para a existência de um movimento feminista
independente e não excludente, de massas e com uma lógica anticapitalista
(...). O verdadeiro significado de irmandade das mulheres é o conceito de que
elas podem unir‑se como irmãs sobre a base de uma luta comum.”46
O que é a opressão?
49 Este problema já foi motivo de discussão dentro do trotskismo. Nahuel Moreno,
com o pseudônimo de Darioush Karim, o aborda em seu documento “La Dictadura
Revolucionaria del Proletariado” (Colección Polémica Internacional, n° 3, Bogotá:
1979, p. 282‑285), polemizando com o texto de Ernest Mandel, aprovado pela maioria
do SU: “La Democracia Socialista y la Dictadura del Proletariado”, de 1977.
ram sem piedade, até se propor a luta pelo poder político dos
operários como única forma de solucionar definitivamente seus
problemas. Isto faz com que a maior parte das mulheres operá-
rias tenha como preocupação central a mesma que os operários:
como alimentar‑se e a seus filhos, como ter um teto e roupas,
como conseguir um trabalho ou um melhor salário, e é por es-
ses objetivos que lutam todos os dias, participam nos sindicatos
ou seguem os grandes partidos operários. Para nós, é um fato
inegável que esta situação das massas exploradas é o que as leva
a reduzir a importância ou a ignorar muitos dos problemas que
afetam grupos importantes de pessoas, inclusive a metade da
humanidade, como as mulheres.
Durante toda esta primeira etapa, as lutas contra a opressão das
mulheres e todas as formas de opressão – inclusive a única decisiva
delas para o imperialismo, a dos países atrasados – são geradas e
marcadas pela luta dos trabalhadores contra a exploração e pela
revolução socialista. Em todos os casos de opressão existem, em
maior ou menor medida, exploradores e explorados, e isto faz com
que, por cima da comunidade de interesses que tenham como opri-
midos, se dê uma inevitável divisão em relação a seus interesses
fundamentais; uns usufruem da exploração e desejarão mantê‑la;
outros a sofrem e buscarão aboli‑la. O peso insuportável de sua
miséria cotidiana marcará a luta e a dinâmica desses últimos, por
cima de seu caráter de oprimidos.
O único ponto de unidade entre uma mulher burguesa e uma
operária, uma reacionária ou reformista e uma revolucionária, é
sua opressão como mulher. Daí que exista a possibilidade de algu-
ma luta comum entre todas, por alguma dessas demandas demo-
cráticas comuns, por sua igualdade e seus direitos. Mas sua unida-
de como mulheres nascerá com essa atividade e morrerá com ela.
As mulheres das distintas classes não podem unir‑se, por exemplo,
na luta por um programa de reivindicações (uma convênio ou um
contrato trabalhista) favorável às mulheres trabalhadoras.
As burguesas e pequeno‑burguesas que, como as de muitos
países atrasados, estão acostumadas a ter uma ou mais emprega-
Estratégia e tática
“No entanto, o ocaso do capitalismo prepara golpes mais duros para a mu-
lher, tanto como operária, quanto como dona de casa. As seções da Quarta
Internacional devem buscar base de apoio nas camadas mais oprimidas da
classe operária e, portanto, entre as mulheres trabalhadoras. Ali encontrarão
fontes inesgotáveis de devoção, abnegação e espírito de sacrifício. Lugar às
mulheres trabalhadoras! Estas são as palavras inscritas na bandeira da Quarta
Internacional.”
E a Terceira Internacional:
Isto, porque
“Os partidos comunistas devem saber avaliar o grande perigo que repre-
senta na revolução as massas inertes das operárias não integradas no mo-
vimento, as donas de casa, as empregadas, as camponesas52 não liberadas
das concepções burguesas, da Igreja e dos preconceitos e não vinculadas
ao grande movimento de libertação, o comunismo. As massas femininas
do Oriente e Ocidente não integradas nesse movimento constituem ine-
vitavelmente um apoio para a burguesia e um motivo para a propaganda
contrarrevolucionária.”
“tratamos de construir a ala mais forte possível (...) daqueles que comparti-
lham nossa perspectiva de luta de classes. Lutamos para recrutar as mulhe-
res mais conscientes e combativas para o partido revolucionário, e em todas
Que ninguém diga que isto é o mesmo que dizia a Terceira Inter-
nacional! É o oposto: Lenin e Trotsky partiam da divisão da socie-
dade em classes, da necessidade de agrupar de forma independente
as mulheres operárias para que fossem contra as burguesas. Waters
parte da unidade das mulheres, e dentro dela, chama a que se agru-
pem as operárias. São duas orientações estratégicas antagônicas.
Coincidimos com Waters em que devemos impulsionar, no caso
de que surjam movimentos feministas independentes, a “ala mais
forte possível dos que compartilham nossa perspectiva de luta de
classes”, em que vamos lutar para que seja “basicamente operário em
sua composição e em sua direção”, em que vamos educar as mulheres
na compreensão da luta de classes, em que queremos ganhar todas
as mulheres que pudermos para nosso partido. Mas somos perfeita-
mente conscientes de que isso levará, cedo ou tarde, a acabar com o
movimento feminista independente como tal. Waters está encerrada
em uma contradição insolúvel: por um lado, seu objetivo estratégico
fundamental é construir o movimento autônomo; por outro, quer
formar dentro dele a ala mais forte possível daqueles que compar-
tilham a perspectiva da luta de classes, torná‑lo cada vez mais ope-
rário. São dois objetivos antagônicos. Se o decisivo é o movimento
autônomo, é preciso subordinar a ele a construção da ala classista.
Se o decisivo é a ala classista, quanto melhor ela se desenvolva, mais
rápido se dividirá ou desagregará o movimento autônomo.
53 Trotsky, Leon, “Sobre las Tesis Sudafricanas”, em Sobre la liberación nacional.
“Em todo caso, onde se dá uma luta frontal contra o imperialismo estran-
geiro ou seus agentes fascistas reacionários damos apoio revolucionário,
preservando a total independência política de nossa organização, nosso
programa, nosso partido e uma total liberdade de crítica.”54
“Bebel aponta: ‘Apesar de tudo, as irmãs inimigas têm, em maior medida que
a população masculina – dividida como está esta última na luta de classes –
um número de pontos de contato sobre os quais podem, ainda que marchem
separadamente, golpear juntas’.”
dos que queiram lutar de forma consequente por seus direitos, têm
um ponto essencial e comum entre todos e com a classe operária, o
ponto fundamental de luta de nossa época: a tomada do poder pelo
proletariado e a instauração de sua ditadura.
Novamente nos encontramos diante das contradições inso-
lúveis de Waters: toda uma estratégia, para todos os países do
mundo, daqui até o triunfo do socialismo em todo o planeta
que, como ela diz em algum lado, de passagem, se propõe a lutar
por... divórcio e creches.
57 Trotsky, Leon. Stalin, el gran organizador de derrotas. Buenos Aires: Yunque,
p. 150‑153.
“Sem o partido, por fora do partido ou por uma corruptela de partido, a re-
volução proletária não pode ser vitoriosa. Esta é a principal lição dos últimos
dez anos.
“É certo que os sindicatos ingleses podem se tornar uma alavanca poderosa da
revolução proletária e substituir, por exemplo, os próprios soviets operários,
em certas condições e durante um certo período. Mas não o conseguirão sem
o apoio de um partido comunista, nem muito menos contra ele, e estarão
impossibilitados de desempenhar essa missão até que em seu seio a influência
comunista prepondere. Pagamos muito caro por tamanha lição sobre o papel
e a importância do partido na revolução proletária, para renunciar tão rapida-
mente a ela ou mesmo para menosprezar seu significado.”59
62 “Tesis para la Propaganda entre las Mujeres”. Tercer Congreso [1921]. Los
cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista, Tomo II. Buenos Aires:
Pluma, 1973.
lheres.” Esta frase ilustra muito bem qual é a diferença entre a polí-
tica dos camaradas do SWP e a nossa. Nós estamos contra a carac-
terização de que serão as mulheres as que irão libertar as mulheres.
Para nós, só a classe operária poderá libertar os setores oprimidos
e só ela, instaurando sua ditadura, vai possibilitar a libertação da
mulher. Somos absolutamente contra pensar que os setores oprimi-
dos, como oprimidos, podem, por meio da mobilização, alcançar
sua própria libertação.
A citação que lemos anteriormente plasma essa inédita interpre-
tação da teoria da revolução permanente que estamos tentando com-
bater, porque segundo ela, cada setor oprimido luta por sua libertação
e a vai alcançando ao lado da classe operária. Para nós, é o contrário,
a mobilização da classe operária, a instauração de sua ditadura, é a
única via para alcançar a libertação de todos os oprimidos.
O documento aprovado no último congresso mundial diz tex-
tualmente: “a construção de um movimento feminista de massas
faz parte da estratégia do partido mundial.” Isso quer dizer que
nosso partido mundial tem de ter como estratégia a unidade de
todas as mulheres, de todas as classes e de todos os partidos. E a
citação continua: “a destruição do Estado burguês só poderá ser
feita com a participação e direção consciente de um movimento
independente de libertação da mulher.” Ou seja, a construção de
um movimento autônomo de mulheres de todas as classes não só
é a estratégia do partido mundial, como nos coloca diante de um
dilema de ferro: ou construímos movimentos autônomos e unitá-
rios de mulheres, ou não poderão ocorrer revoluções socialistas
triunfantes no mundo. Isto é, a revolução socialista é impossível
sem a unidade de todas as mulheres.
Até onde sabemos, não conhecemos uma só revolução triun-
fante que tenha necessitado ou sido dirigida por um movimento
autônomo de mulheres ao lado de um partido comunista ou de
outro partido. A Revolução Bolchevique, a Revolução de Outu-
bro, foi dirigida totalmente pelo Partido Bolchevique; não temos
conhecimento de que nessa revolução tenha existido um movi-
mento autônomo de mulheres que dirigisse a revolução junto
Que esta seja nossa política não quer dizer que não possa-
mos fazer unidades de ação conjunturais, táticas, em torno de
problemas concretos, com todas as mulheres, venham de onde
for que vierem. Podemos, por exemplo, mobilizar ao redor da
bandeira do aborto livre e gratuito, com as mulheres liberais ou
reformistas que compartilhem a bandeira. Mas para nós essa
unidade é transitória e dure o tempo que durar a mobilização
por essa reivindicação, nossa perspectiva é ganhar as mulheres
operárias e trabalhadoras em geral para nossa política, para a
luta revolucionária, ao mesmo tempo em que impulsionamos
seu combate por melhores condições de existência, contra a
burguesia masculina ou feminina.
Quisemos dar aqui uma primeira explicação sobre as razões
que nos levaram a elaborar a resolução, e apresentar os pontos
mais gerais que discutimos sobre a política para a mulher. Mas,
igualmente, queremos passar a sustentar algumas colocações fei-
tas na resolução ou no artigo “Sisterhood is powerful”,64 e sobre
os quais alguns companheiros levantaram dúvidas, inquietações
que são muito importantes e têm muito valor para a discussão que
estamos fazendo. Não queremos distorcer os argumentos dos com-
panheiros, por isso esperamos que todos participem da discussão,
coloquem as dúvidas sobre os materiais que hoje apresentamos.
Queremos nos referir a dois pontos.
O primeiro problema: sobre as categorias de opressão e explo-
ração. O documento do SU põe um sinal de igual entre o que é a
exploração e o que é a opressão. Na citação anterior se dizia que
existe uma base objetiva para a organização unitária das mulheres
de todas as classes e nacionalidades, porque o capitalismo oprime
todas as mulheres enquanto mulheres. Quando se faz esse tipo de
afirmação se está igualando, equiparando, a opressão das mulhe-
res, dos negros ou de uma nacionalidade, com a exploração econô-
mica dos operários pela burguesia.
64 Artigo elaborado por Patricia Gómez (Carmen Carrasco) y Mercedes Petit,
e publicado na revista Correspondência Internacional de 1980, e que corresponde
ao capítulo 3 do presente livro. (N. do E.)
II
III
IV
65 Fim dos anos 1960 e meados dos anos 1970. (N. do E.)
VI
VII
VIII
IX
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
Para composição do texto, foi usada a fonte Minion Pro, corpo 11, com
entrelinhas de 14 pt., e nos títulos e subtítulos a fonte Frutiger.