Você está na página 1de 23

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

JOSÉ CARLOS CRUQUI

AS REFORMAS DE EZEQUIAS E JOSIAS:


Religião e Poder, entre a resistência e Violência.

Projeto de Pesquisa apresentado ao


Programa de Pós-Graduação
Mestrado/Doutorado em Teologia, PPGT,
da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, como requisito parcial do
processo seletivo.

CURITIBA
2018
2

AS REFORMAS DE EZEQUIAS E JOSIAS:


Religião e Poder, entre a resistência e Violência.

JOSÉ CARLOS CRUQUI1

RESUMO
O presente texto se propõe trazer reflexões tendo como base as
transformações ocorridas em Israel por volta do ano 700 a.C., transformações
provocadas pela invasão do império Assírio, que provocou as reformas de Ezequias
e Josias. Tais reformas surgem como resistência, mas evoluem para o desejo de
dominação e poder e por trás dessas reformas neste período segundo alguns
estudiosos surgiu a reforma deuteronômica, alterações efetuadas no texto bíblico,
afim, de legitimar e dar respaldo as ações de Josias. Pretendemos nos valer de
escritos sobre o assunto e também apoiados em novas pesquisas arqueológicas,
trazer uma libertação na leitura de tais textos, a fim de evitar o uso fundamentalista e
idealista de tais textos, evitando mais violência e dominação em nome de Deus.

PALAVRAS-CHAVE: Violência, Intolerância, monoteísmo, história de Israel, Assíria,


deuteronomista.

1 Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC), Bacharel em


Teologia pela Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR), Pastor ordenado atuando na Igreja
Evangélica Primícias. E-mail: jcruqui@gmail.com
3

INTRODUÇÃO
Violência, é hoje uma temática corriqueira na vivência diária de muitos
individuos, o que lamentamos, mas faz-se necessário dizer que há diversos tipos de
violências que podem ser catalogadas das mais variadas formas, contudo qualquer
tipo de violência deve ser combatida e nunca estimulada.
Quando pensamos em “religião” como uma expressão do humano a um
“Deus”, logo imaginamos que a mesma pode ser utilizada para a promoção da vida,
é de se pressupor que nela não haja violência, gostariamos que tal fato fosse uma
realidade, porém há religiões que promovem e chegam até insitar a violência contra
aqueles que divergem de sua fé, e alguns chegam a matar em nome de seu “Deus”.
O cristianismo gaba-se de ser a religião que prega o amor e a união, advindos
dos ensinos de Cristo, o filho do “Deus” cristão, sendo seus ensinos a base da
religião cristã, porém notamos que há no cristianismo moderno uma carga muito
grande de violência e intolerância.
Se os ensinamentos cristianos são de fato em favor a promoção da vida e do
perdão. De onde adveio tanta violência? E porque alguns hoje ainda utilizam o livro
“santo” a Bíblia que possui os ensinos de Cristo, para promover a violência?
Essa violência em nome da fé, historicamente não esta longe de nossos dias,
na história das ámericas há muitos momentos marcados pela violência, há exemplo
a colonização da américa indigena, conforme LUCAS BORGES DE CARVALHO, em
seu trabalho:Direito e Barbárie na conquista da America indigena. Ele nos relata que
em 1514 um documento juridico denominado de o Requerimento, onde autorizava
a exploração das colônias e dando também poderes para a realização da “guerra
justa”, caso houvesse resistência. Segundo TODOROV( 1988, p.144, apud
CARVALHO, 2004, p.59).
O Requerimento deveria ser lido a toda comunidade indígena prestes a ser
invadida, informando-lhes a sua condição de vassalos da Coroa espanhola
e garantindo, assim, a “oportunidade” de acatarem espontaneamente a
dominação. A resistência por parte dos nativos, como mencionado,
autorizava a guerra justa e a escravidão.

O problema é que esse documento era espanhol, lingua desconhecida até


então para os indigenas, e a forma como era imposta a fé espanhola, é até possível
imaginar como deve ter sido terrível, tal dominação.
4

Esse caso relatado foi apenas uma pequena amostra, sabemos que há
muitas outras intolerâncias que tem sido legitimadas ainda hoje, com o uso
distorcido da “Palavra de Deus”.
Há exemplos como lideres religiosos promovendo em rede nacional atos de
vandalismo e discriminação contra representação de outra fé que não a sua, a
exemplo o Bispo que chutava a santa em rede nacional, e também o constante
levante contra as religiões de matriz africana que tem seus locais de culto violados e
destruidos por pseudo-fiéis de outras religiões, que as vezes utilizam a Biblia como
texto sagrado que legitima sua violência.
Sendo o Brasil um país de Estado laico, e no mesmo ser por lei facultado a
expressão da fé livremente, qualquer fé, sem discriminação e distinção entre elas.
Contudo tais direitos tem sido violados, protestos foram então realizados no distrito
federal em novembro de 2015, em defesa do estado laico contra a intolerancia
religiosa. Conforme trecho da reportagem de Hamilton Pereira:
E só prosperam no ambiente de um Estado que se define
constitucionalmente como um Estado Laico, fiador e garantia do pleno
exercício da liberdade religiosa. Instrumentos como esse precisam ser
multiplicados no Brasil. Sem eles, resta a barbárie.(PEREIRA, 2015)

O Estado Laico, seria portanto uma forma democrática de combater a


intolerancia religiosa, garantindo o direito a liberdade religiosa e expressão de culto
de qualquer segmento relgioso.
Essa aliança de poderes, religioso e político pode ter sido o responsável por
tanta violência registrada na biblia, sendo parte de projetos de dominação muito
além da religião e do monoteísmo.
Há contudo presença de intolerância religiosa em outras religiões e culturas
politeístas, não podemos então afirmar que o monoteismo em si foi a causa da
frutificação da intolerância, porém a ligação da religião com o Estado e impérios sim
impõe uma carga de intolerância e violência sobre elas, quando perguntaram a Ex-
freira, Karen Armstrong, numa entrevista quando indagada sobre a ligação da
violência e intolerância com o monoteismo ela respondeu:
Não. Existem fundamentalistas entre os hindus e budistas. A história mostra
que nenhuma fé consegue se transformar numa "religião mundial" se não
for adotada por um Estado ou império dinâmico e em expansão.
5

Como os Estados são inerentemente violentos (nenhum pode se dar ao luxo


de acabar com seus exércitos), as religiões acabam adquirindo uma
ideologia "imperial".
Mas os monoteísmos também desenvolveram uma alternativa contracultural
não violenta. As pessoas é que são violentas, e não as abstrações que
chamamos de "religiões".(ARMSTRONG, 2013)

Cabe aqui um reflexão que nos leve de volta a palavra de Deus, e um


questionamento, a constituição de outras expressões religiosas eram aceitas no
antigo Israel? Como surgiram os relatos de violência contra aqueles praticantes de
outra religião, estariam eles ligados a dominação politica?
Propomos uma investigação nos fatos que provavelmente são os reponsáveis
pelos relatos violentos descritos na bíblia, tentando ao minimo promover uma leitura
libertadora dos textos biblicos, afim de que os mesmos não sejam mais utilizados de
forma a promover violência e intolerância.
A transição do politeísmo para o monoteísmo é mostrada na Bíblia com uma
série de textos que estão carregados de violência e intolerância, nessa transição da
nação de Israel em direção ao monoteísmo é patrocinada pela aliança com o poder
político, (DIETRICH).
É possível que essa ligação de religião com a politica tenha sido a
responsável pela primazia de Javé em detrimento a outros deuses, que também
eram cultuados em Israel.
Embora certamente Javé tivesse algum altar com destaque e algum culto
especial no palácio e nas estruturas urbanas vinculadas ao palácio, ele era
adorado ao lado de outras divindades que eram responsáveis por outras
áreas da vida, como Baal, responsável pelas chuvas e pela fertilidade dos
campos, como El e Asherá e outras divindades responsáveis pela fertilidade
das mulheres e dos animais. No entanto a colocação de Javé como o Deus
do rei, da casa davídica, é o primeiro passo no processo que terminou com
Javé sendo concebido como o Deus único para todo o universo e para
todos os povos. (DIETRICH, Pg. 19, 2013)

Israel foi tornando-se no povo de Javé, as reformas politicas promovidas


pelos reis quase sempre realizadas com imposição e violência.

Após a morte de Davi e seu sucessor Salomão nota-se pela história bíblica
uma decadência que culminou com a divisão do grande reino de Davi. Surge então o
reino do norte e o reino do sul.
6

Na Bíblia notamos pelos relatos que há uma predileção por Judá, o reino do
sul, já o reino do norte é por vezes apontado como um reino apostata e reprovado
por Javé.
Os dois reinos sofreram com um opressor externo comum, a Assíria, em
principio ela investiu contra Israel, que na Bíblia não ganha muito destaque nesse
período, os relatos voltam-se positivamente para Judá e às vezes negativamente
para Israel, o norte é por vezes relatado como apóstata.

O REINO ESQUECIDO

Apesar de poucas informações a respeito do reino do norte, o reino de Israel,


podemos observar que as informações são menores do que a realidade do referido
reino. A pouca informação pode ser atribuída a fatores religiosos e políticos daquele
tempo, seriam então os feitos do reino do norte muito maior do que se tem registros
e estariam eles em local diferenciado na história, mas os relatos não demonstram
isso.
Segundo ECHEGARAY, o norte foi muito mais do que realmente encontramos
e imaginamos, ele menciona por exemplo que as diferenças entre esses dois reinos
são apontadas até pela geografia.
A montanha de judá é mais austera do que a montanha de Efraim. No sul, o
mar interior é um lago de água salobra e margens inóspitas: o mar Morto;
no norte é um lago de água doce e de paisagem pitoresca: o lago
Genesaré. Se os dois territórios em sua zona limitrofe – a terra de Benjamim
– são de aparência semelhante, em suas regiões mais distantes são
radicalmente opostos: na terra do sul esta o deserto do Negev; na terra do
norte, a verdade região da Galiléia. Consideradas de outros ângulo, a
montanha de judá possui a Sefela, zona de colinas qeu serve de intermédio
entre as alturas e as planícies da costa; a montanha de Efraim está mais
isolada desta costa e, por sua vez, se abre ao norte para o vale de Jezrael e
partindo dele tem sua saída par ao golfo de Haifa. (ECHEGARAY; 1993; p.
135)
Ele também menciona que foram encontrados nas cidade do norte vestigios
de vários deuses, o autor menciona esses fatos:
Mas talvez as cidades mais importantes de Israel, famosas em função de
seus respectivos santuários, eram as de Betel e Dã, escolhidas por
Jeroboão I para estabelecer ali seu templo real, que competisse com o de
Jerusalém. (1 Rs 12,29-33). Diz-se que nesses templos Javé era adorado
sob a forma de bezerro. Essa representação ja tinha precedentes na história
de Israel (Ex 32,4s) e se fundamentava no fato de que Baal e outros deuses
semitas da tempestade tinham por trono ou pedestal um touro. Por outro
lado, o proprio deus supremo, El, é chamado de touro nos textos de Ugarit.
Do templo de Betel, a Bíblia não só fala do bezerro, mas também do altar
(1Rs 13s).
7

Conforme Kaefer é bom lembrar que sempre que a Bíblia se refere ao Norte,
temos que ter em mente que tudo na bíblia (referente a esse período) deve ter
passado pelo crivo dos escribas de Jerusalém, então não é de se surpreender que
muitas histórias do reino do norte tenham desaparecido ou até mesmo raptadas e
recontadas dentro do modelo do reino do sul.
O autor destaca isso:
Além dos registros da realeza, é provável, e gostamos de pensar assim, que
os escribas deuteronomistas de Jerusalém, quando começaram a redigir a
historia de Israel e Judá, se apropriaram de diversas tradições que
circulavam pela região, algumas mais antigas – sobre façanhas de heróis
populares, bem como de profetas a mando de seu Deus – e outras mais
recentes. (KAEFER, 2015, p. 60)

Até mesmo a Bíblia nos mostra um relato negativo de reis que foram
importantes para o reino do Norte, notemos esse relato que encontramos por
exemplo em (1 Rs 16, 23-28). É um relato reduzido e negativo do reinado de Onri,
mas um de seus feitos foi a mudança da capital de Israel que era antes em Tirza e
mudou-se para Samaria após seu reinado, geograficamente Samaria era de fato um
local melhor e mais seguro para ser a capital de Israel. Mas a avaliação bíblica de
seu reinado é negativa.
Ao final do seu reinado é ungido rei em seu lugar o seu filho Acab, que
também teve uma avaliação negativa descrita na Bíblia.
Kaefer nos conta que o principal feito de Acab foi a aliança com Tiro e Sidom,
a mais importantes cidades do reino fenício que permitiu a ela uma posição
privilegiada para exploração das riquezas marinhas.
É nesse período que Israel sofre uma expansão repentina, fruto
possivelmente dessa aliança de Acab, o nome de Israel surge no cenário
internacional do Oriente, como um poder regional capaz de fazer frente aos
impérios.
Esse poder de Israel foi então atestado por uma inscrição encontrada em
1840 por Austen Layard, no sítio arqueológico de Nimrud.
E mostra que o poder de Israel não era tão pequeno como alguns podem
pensar.
Apesar de Israel, com Acab, estar em terceiro lugar na ordem parece ser
um dos membros mais poderosos da coalizão, que aparentemente era
liderada por Adadezer de Damasco. Diz o texto que Israel tinha com ele
duas mil bigas, ou seja, o maior número dessa que era a mais poderosa e
cobiçada arma de combate da época. (KAEFER, 2015, P. 71)
8

Porém não obstante ao poder acima descrito, Israel desapareceu após a


invasão inimiga, deportados em sua maioria para assíria, e foi assim que
estrangeiros passaram habitar em suas terras, o invasor a Assíria, trouxe para
povoar as terras desocupadas outros povos conquistados, fazia parte de sua tática
imperialista de dominação.
BRIGHT (2003, p. 330) nos conta que Israel desapareceu em 25 anos, fruto
de uma ruptura, que demonstrava uma total desestruturação interna gigantesca, o
autor parece dar como certeza e apontar como uma causa da decadência do reino
do norte a falta de estabilidade em sua dinastia e a pluralidade de cultos.
Embora Israel, que nunca tivera uma tradição dinástica estável, sempre
estivesse sujeito a revoluções, tinha pelo menos preservado com bastante
insistência a ficção da liderança por designação divina e aclamação popular.
Agora, porém, tudo isso acabara, pois qualquer um se apoderava do trono
até mesmo sem nenhuma pretensão de legitimidade – coisa que Oséias
considerava um pecado contra Iahweh e um sinal de sua ira contra a
monarquia israelita como tal (cf. Os 8,4; 10,3ss). Sem coesão interna e sem
apoio teológico, o Estado viu-se incapaz de uma ação inteligente e
ordenada: cada virada do leme leva o barco do Estado contra os rochedos.
(BRIGHT, 2003, p. 331).

Essa ruptura no poder político do reino do norte, é notadamente oposta ao


poder descrito no reino do sul, enquanto no sul prevalecia a dinastia de Davi. O
autor BRIGHT, vê nessa fragmentação o motivo do esfacelamento do reino do
Norte, ele diz isso em seu texto sobre a anarquia politica em Israel:
Debatendo-se nas garras de uma anarquia sem moderação, Israel
praticamente tinha deixado de funcionar como nação. Nos dez anos que se
seguiram a morte de Jeroboão, Israel teve cinco reis, três dos quase se
apoderaram do trono pela violência, e nenhum deles com a mais leve
pretensão de legitimidade. Zacarias, filho de Jeroboão, foi assassinado
depois de um reinado de apenas seis meses(746-745) por um tal Selum
bem Jabes, que também foi liquidado dentro de um mês por Manaém ben
Gadi, que aparentemente encontrouo clara proteção da outrora capital de
Tersa. Não sabemos o que motivava tais golpes - se a ambição pessoal, se
a norma política, se rivalidades locais. O certo é que tudo isso mergulhava a
nação numa guerra civil de atrocidade nunca vista. (BRIGHT, 2003, p. 329).

Contudo, há outra interpretação interessante para os fatos descritos a


respeito desses dois reinos, Norte e Sul, que merece uma observação. Como dito
acima enquanto o norte se esfacelava entre a ganância e interesses pelo trono, no
Sul, a Dinastia davídica se faz soberana. Porém como LIVERANI (2003, p. 385)
levanta essa questão esse paralelo da vida política dos dois reinos, levanta
suspeitas, esse paralelo muito bem delimitado entre os dois reinos é no mínimo
9

intrigante, e conforme o escrito de Liverani, os historiadores deuteronomistas fazem


os relatos com a intenção de exaltar essa sucessão da dinastia de Davi.
Tendo estabelecido essa segura e necessária conexão, o historiógrafo
deuteronomista presta depois a máxima atenção em percorrer a história do
reino de Judá como uma sucessão ininterrupta dentro da estirpe de Davi –
ao passo que paralelamente ressalta sem dificuldade a fragmentação
dinástica do reino do norte. (LIVERANI, 2003, p.385).

Contudo LIVERANI (2003, p.385), também deixa claro que no sul, houve sim
rupturas dessa dinastia davídica, cita por exemplo o caso da “entronização de Yoas,
pela mão do sacerdote Yoyada, com o consentimento do povo da terra”.
O referido autor também nos conta que houveram outras situações em que o
rei não fazia parte da estirpe, mas que fora confirmado pelo povo, e que o
historiógrafo provavelmente tinha em mãos as “apologias”, escritas em favor dos
usurpadores, e essa tradição oral que passava chegou a ele, que introduziu no texto
pós-exílico muito material que não continha de fato uma realidade.
Diante desses relatos, o que pretendemos apontar nesse capítulo é a
exaltação do Sul, perante o Norte, quando notamos esse paralelo constante nos
escritos bíblicos, somos provocados a pensar, por quê? E a resposta não demora
aparecer quando tomamos como bases relatos históricos não tradicionais. O norte
inicialmente não era um reino medíocre e esquecido, não era de fato pior do que o
sul, mas numa leitura sem a análise despertada por Liverani e outros somos levados
a reduzir o tamanho e a importância de tal reino.

O IMPÉRIO ASSÍRIO E SUA TIRANIA

Um império ainda que negue isso, implicitamente guarda em si um desejo de


expansão e dominação de outras nações e províncias, todo o império ainda que
promulgue a ideia de expansão da paz e prosperidade, é geralmente um ator da
politica dominante e podendo ser até violenta.
O império invasor trazia seu império às portas dos reinos do norte e do sul, e
certamente a fama do império assírio já havia chego antes, e o terror certamente
tomou conta de todo o povo. O profeta Isaías, faz uma descrição deste exército que
vem de longe para cumprir a ira de Deus, segundo ele o referido exército vem sob o
chamado de Deus.
E ele arvorará o estandarte para as nações de longe, e lhes assobiará para
que venham desde a extremidade da terra; e eis que virão apressurada e
ligeiramente.
10

Não haverá entre eles cansado, nem quem tropece; ninguém tosquenejará
nem dormirá; não se lhe desatará o cinto dos seus lombos, nem se lhe
quebrará a correia dos seus sapatos.
As suas flechas serão agudas, e todos os seus arcos retesados; os cascos
dos seus cavalos são reputados como pederneiras, e as rodas dos seus
carros como redemoinho.
O seu rugido será como o do leão; rugirão como filhos de leão; sim, rugirão
e arrebatarão a presa, e a levarão, e não haverá quem a livre.(Isaías 5,26-
29).

Mas quem era esse invasor que aterrorizava e colocava as nações em


pânico, porque a Assíria era tão temida. Conforme alguns relatos de autores como
Rubenstein (apud ROSSI, 2009, p.12) diz que Senaqueribe “comandava a força
militar mais poderosa do mundo”. Rossi também nos diz que:
Os relatos históricos nos apresentam os assírios como povo ambicioso,
guerreiro e cruel. Uma ambição sem limites e, consequentemente, de uma
violência extrema. Em muitos momentos torna-se impossível perceber em
seu rosto impenetrável nenhum sentimento humano. Para eles não bastava
e não interessava tão somente a conquista passageira de amplos territórios.
O objetivo residia, em grau sempre crescente, na incorporação definitiva
das regiões conquistadas ao estado assírio. (ROSSI, 2009, Pg. 12).

Por relatos como este, nota-se o quão temível deveria ser ter que enfrentar tal
império, buscar ajuda divina e alianças com outros povos, seria para eles as únicas
alternativas.
Provavelmente por onde passavam os assírios, não restava muita alternativa
aos conquistados, segundo relato de Lowery haviam várias possibilidades, porém
todas roubavam do povo seu sentimento de pertença tanto política como
religiosamente.
Os conquistados podiam ser incorporados como Estados vassalos, como
províncias, ou lhes poderia ser atribuída uma posição intermediária, em que
eram formalmente vassalos, porém na verdade governados por testas-de-
ferro instaladas pelos assírios. Os vassalos pagavam tributo, forneciam
quotas de tropas e geralmente defendiam os interesses da Assíria sem sua
região, mas, por outro lado, eram livres para conduzir seus próprios
negócios. O mais importante é que não tinha obrigações religiosas para
com a Assíria. (LOWERY, 2004, p. 201).

Como vimos no relato de Lowery, ainda que não houvesse uma obrigação de
conversão aos cultos assírios, mas seus atos deixavam impressões profundas em
seus conquistados:
A política neo-assíria para com o culto das nações conquistadas
demonstravam seu domínio.
Às vezes, o exército imperial capturava imagens divinas e as mantinha
como reféns até que o inimigo capitulasse e oferecesse um juramento de
lealdade ao imperador. Uma vez que os conquistados se submetessem
11

publicamente, os deuses eram devolvidos e seus cultos restaurados sem


maior interferência da Assíria. Inscrições, no entanto, eram postas nos
ídolos para simbolizar o relacionamento de vassalagem. (LOWERY, 2004,
p. 201).

Para Spieckermann um opositor das teses de Cogan, estudadas e


mencionadas por Lowery, segundo ele a ideia de tratamento diferenciado entre
vassalos e províncias por parte dos assírios não se sustenta, no que se refere a
cultos. Segundo ele era diferenciado o tratamento de acordo com o povo sujeitado.
Duras medidas político-religiosas eram tomadas contra os vassalos
rebeldes. Uma vez que Judá, com a breve exceção de Ezequias, era um
vassalo muito fiel, as duras imposições eram desnecessárias. (LOWERY,
2004, p. 203,204).

Segundo Lowery (2004, p. 204), onde ele menciona que muitos reis davídicos
“adotaram espontaneamente as práticas assírias de culto, sem que fossem
formalmente forçados a fazê-lo.”
A tentativa de explicar o politeísmo presente no povo israelita, como sendo
uma imposição dos impérios dominadores, não pode ser aceita e nem consegue
sustentar-se perante o relato do autor Lowery, que durante seus estudos do período
pré-assírio, notou que o sincretismo já era uma norma no culto do primeiro templo.
Porem a conclusão que chegam os autores sobre o assunto é a mesma que
também comungo, de que por condições psicossociais em Judá perante o
imperialismo assírio, essas práticas foram adotadas voluntariamente, declarando e
demonstrando assim a condição de submissão de Israel perante tão temível e
terrível exército.
Vejamos relatos bíblicos, onde mostram o que o povo israelita pensavam
sobre os assírios. (Na 3.1-7, 18-19: “Ai de Nínive, cidade cruel, cheia de mentiras e
de violência, onde não faltam crimes!”).
A sujeição promovida por Acas, levando o povo ao declínio social, trouxe para
Judá um período de quase total desastre, tanto politica como religiosamente.
Provavelmente com interesse em fortalecer-se e ao mesmo tempo
enfraquecer as províncias e vassalos, o império assírio exigia que as províncias
sustentassem ao império com suprimentos e homens.
O fardo de sustentar o exército e os trabalhos forçados imperiais não recaía
apenas sobre os recrutados. Abastecer as tropas e as turmas imperiais de
trabalho era um encargo econômico substancial das províncias e dos
vassalos. [...] as obrigações com tropas e mão-de-obra criavam um fardo
duplo para os povos subjugados: o império recrutava os trabalhadores em
boas condições físicas das nações subjugadas, ao mesmo tempo em que
12

exigia que a produção aumentasse para sustentar seus exércitos e turmas


de trabalho. (LOWERY, 2004, p. 196).

Dessa forma, ao mesmo tempo em que o império se fortalecia, ele transmitia


para as províncias e vassalos a ideia de fraqueza e submissão. Impedindo que os
mesmos se organizassem e fortalecessem seus exércitos. É um tipo de dominação
não apenas física, mas também psicológica.
Segundo NAKANOSE(2000, p.191,192), em sua obra a Páscoa de Josias, o
exército da Assíria possuía um método de conquista em três etapas:
1ª etapa: imposição, pela força militar, de tributo anual e ajuda de
contingente para o exército em caso de necessidade.
2ª etapa: deposição e substituição do rei local; ocupação da cidade
estratégicas e das terras produtivas; deportação de lideranças rebeldes;
aumento do controle militar e da tributação. A capital ainda permanecia
nessa etapa.
3ª etapa: perda da independência; tomada da capital; o estado vassalo se
transformava numa província assíria. Um administrador assírio arrecadava
os impostos; as lideranças e uma parte do povo eram deportadas e um
grupo de estrangeiros ocupava os cargos estratégicos. Isso visava
desmobilizar os camponeses e impedir qualquer revolta contra a Assíria.
(NAKANOSE, 2000, p. 191,192).

O imperador Teglat Falasar III, fez o reino do norte, Israel, vitima desse
sistema de conquista, impedindo assim que Israel se se reorganiza como nação e
como exército, mas segundo o referido autor acima, essa conquista total de Israel,
teve um estopim ligando a essa história trágica o próprio reino do sul, Judá.
Conforme salienta o autor durante uma das etapas da vassalagem onde o
vassalo era obrigado pagar impostos, o comandante do norte na tentativa de se
livrar dos impostos, faz uma aliança com Damasco e tenta incluir o rei Acaz nessa
empreitada contra a Assíria. Acaz não concordou, e não quis participar, tornou-se
então alvo dos dois reis, que atacaram Judá, dando origem a guerra siro-efraimita. O
rei Acaz pede auxílio a exatamente da Assíria, esse pedido gerou uma aliança que
foi condenada pelo profeta Isaías.
Acaz, cheio de medo, pediu auxílio ao rei da Assíria. Esse pedido, que
significava aliança com a Assíria, foi fortemente condenado pelo profeta
Isaías ( Is 7, 3-9). Teglat Falasar III não perdeu a oportunidade. Partiu para
ajudar Judá. Arrasou Damasco, tomou posse das cidades estratégicas de
Israel, deixando apenas Samaria. (NAKANOSE, 2000, p. 192)

Essa ajuda não saiu de graça, um pacto de vassalagem foi então imposto a
Judá, que entrava assim na primeira fase das conquistas da Assíria, enquanto Israel
13

passava para a segunda fase, perdendo as terras férteis e sendo governada por um
rei imposto pela Assíria.
Nessa primeira fase pesados impostos eram cobrados do vassalo, quem na
realidade perdeu com essas guerras internas do reino do norte e sul, foram os mais
pobres, os camponeses que se viram obrigados a sustentar o exercito tanto com
contingente e com alimentação, tornando assim o campo devastado.
Judá aceitou a vassalagem, permaneceu quieto, e pode ter sido nesse
período que Judá assimilou por aculturação ou imposição elementos do culto
mesopotâmico no templo.
Conforme LOWERY (2004, p.209). “O deuteronomista reconhece a influência
imperial no culto do Primeiro Templo, mas não especifica quais práticas
“estrangeiras” e quais são de cultos nativos não-javistas.”
A reforma deuteronômica, que passaremos a descrever posteriormente, pode
ter sido desencadeada por esses motivos.
Conforme nos conta NAKANOSE (2000, p. 193), após a morte de Teglat
Falasar III, imperador da Assíria, Salmanasar V o substitui, foi nesse período que
muitos vassalos começam a se insurgir, inclusive Israel tentou também sua
independência sob o reinado de Oséias, o que na verdade foi o fim devastador para
Israel em 722 a.C. na Bíblia notamos tal relato no livro dos Reis.
Contra ele subiu Salmaneser, rei da Assíria; Oséias ficou sendo servo dele
e lhe pagava tributo.
Porém o rei da Assíria achou Oséias em conspiração, porque enviara
mensageiros a Sô, rei do Egito, e não pagava tributo ao rei da Assíria, como
dantes fazia de ano em ano; por isso, o rei da Assíria o encerrou em
grilhões, num cárcere.
Porque o rei da Assíria passou por toda a terra, subiu a Samaria e a sitiou
por três anos.
No ano nono de Oséias, o rei da Assíria tomou a Samaria e transportou a
Israel para a Assíria; e os fez habitar em Hala, junto a Habor e ao rio Gozã,
e nas cidades dos medos. (2 Rs 17,3-6).

Nesse período já estava reinando na Assíria, Sargon II que substituiu


Salmanasar V que havia sido assassinado, conforme documentos assírios foram
deportados 27.290 samaritanos, sendo assim Israel entra na terceira e última etapa
da vassalagem vindo a desaparecer como Reino.
Conforme retrata Finkelstein e Silberman, Israel teria sofrido primeiramente
com os arameus, e posterior com os Assirios, vindo depois disto desaparecer como
nação em 720 a.C.
14

Primeiro, os arameus da Síria ameaçaram o reino de Israel. Depois, o


poderoso império assírio provocou uma devastação sem precedentes nas
cidades do reino do norte e o destino amargo da destruição e do exílio em
720 a.C. para parte significativa das dez tribos. ( FINKELSTEIN,
SILBERMAN, 2003, p. 22)

Já o sul permaneceu por mais um século, pois desfrutava de “paz” com os


assírios, dado ao seu pacto de vassalagem feito como requisito, a um apoio na
guerra sírio-efraimita, mas sobre essa paz nos provoca ROSSI em sua conclusão do
artigo sobre a Pax Assiriana:
A paz dos assírios não significava em hipótese alguma a paz dos povos
conquistados. Nesse sentido, a pax assyriana produzia no máximo paz em
seu poder imperial central, mas não na “periferia” do império representado
pela totalidade dos povos conquistados. Não há para as vítimas do império
segurança no poder coercitivo. Ao contrário, existe dor, destruição e
aniquilamento. Sendo assim, não é possível pensar o rei do mundo assírio
como aquele que realiza a paz. De certa forma, deveríamos repensar os
conceitos de vitória e de paz, principalmente o conceito de vitória associado
à paz.(ROSSI, 2009, p. 26).

Enquanto o norte desaparece como reino, o sul permanece como vassalo da


Assíria até que mais tarde se rebela, sob o comando do rei Ezequias

EZEQUIAS E SUA REFORMA, A RELIGIÃO E O PODER


O que não foi até o momento mencionado é o real motivo do interesse dos
assírios e demais, “pretensos auxiliares” de Israel e de Judá neste combate contra o
invasor.
Segundo nos conta Nakanose e podemos também supor que o interesse na
região aos reinos do sul e do norte, tanto pelos Assírios como também pelos demais
povos da região não eram apenas por motivos expansionistas, havia algo além que
impulsionava esse interesse.
Os territórios de Judá e Israel despertavam, para a Assíria, grande interesse
por sua posição geográfica estratégica. A Palestina era um corredor que
dava acesso para o Egito e a Ásia Menor, para o comércio no mediterrâneo
e no Mar Vermelho. Por isso, os exércitos assírios fizeram incursões nessa
região por mais de um século. (NAKANOSE, 2000, p. 191).

BRIGHT (2003, p. 328) também comenta a importância dessa região,


ampliando os interesses da ambição Assíria, mencionando itens como a madeira,
recursos minerais, e a facilitação no caminho para o Egito, além de portas para Ásia
menor e comércio do mediterrâneo.
Desejos revelados, começamos então a compreender tamanha força de
propósito e vontade na conquista sobre a região da Palestina, onde foi desenvolvido
15

um programa de conquista, que inicialmente parecia apenas um pacto de


vassalagem, mas que ao final culminaria em dominação e extinção de reinos.
Segundo DONNER (1997), O reino do norte estava geograficamente mais
bem localizado do que o sul, essa posiçao geografica favorecia o transito então
corria maior perigo, tendo em vista que tinha ligação com a planice litorânea e o mar
mediterrâneo ao norte e ao sul do monte Carmelo.
Essa localização favorecia aos invasores, e necessitava de um Rei firme. O
que ja apontamos como uma das fraquezas do reino do Norte, que sofria de rupturas
em sua dinastia sendo o trono varias vezes tomado por usurpadores.
O autor Nakanose, nos conta também que em 705 a.C. morreu Sargon II, que
foi substituído por Senaquerib (704-681), foi neste tempo que os vassalos foram
apoiados por Babilônia e Egito, pois necessitavam da região da palestina como
corredor comercial.
Ezequias então apoiado pelo movimento antiassírio, vê nesse momento uma
oportunidade de rebelar-se, quebrando o pacto de vassalagem declara a
independência de Judá.
Em meio a esta luta pela “resistência”, notamos que o poder politico,
representado aqui pelo Rei Ezequias, mostra-se evidente em suas intenções
imperialistas, ele então decide rebelar-se:
Ezequias buscou manter Judá como um reino independente. Nesse
contexto de resistência situa-se a sua reforma. Ezequias prepara-se para
uma guerra com o exército Assirio. Amplia o fornecimento de água, cavando
na rocha um canal de pouco mais de 500m, que hoje é chamado de “o túnel
de Ezequias”, para levar água da fonte de Gion para dentro dos muros de
Jerusalém.[...] Também aumenta a área da cidade, para que ela possa
acolher tanto os fugitivos do reino de Israel (722 a.C.) como os nobres das
46 cidades dos arredores de Jerusalém. (DIETRICH, 2013, p. 21)

Ezequias promove ampliação da cidade de Jerusalém a fim de comportar os


que refugiados do norte, e também de outras províncias que fugiam da Assíria.
Sobre isso Kaefer nos diz que Ezequias, rei de Jerusalém, se rebelou contra o
domínio assírio. Foi então que Ezequias construiu a forte muralha ( cf. IS 22.10; 2 Cr
32,5) com pedras que chegam a alcançar sete metros de espessura, como pode ser
visto atualmente nas escavações. Para essa época, Ezequias também cavou o túnel
de 513 metros a fim de trazer água da fonte de Gion para dentro da muralha da
cidade, até o reservatório de Siloé (cf 2Rs 20,20; 2Cr 32,2-4, 30). O Túnel foi
escavado na rocha em forma de S. começando simultaneamente pelas duas
16

extremidades. Uma inscrição encontrada no interior do túnel relata o momento


emocionante do encontro dos dois grupos de escavadores. Descoberto por Edward
Robson em 1838, o túnel encontra-se aberto, hoje em dia, para visitas.
Kaefer (2012, p.8,9) nos informa que Jerusalém passou de uma aldeia de mil
habitantes a uma cidade de quinze mil, no ano de 722 a.C., decorrente da invasão
Assíria à Israel, certamente muitos conseguiram escapar da deportação ou temendo
a escravidão fugirão para nação co-irmã Judá.
Como religião parece nunca desmembrar-se da política, até dias atuais,
observamos pelos relatos de Nakanose, que não foi apenas na questão fisica e
politica que Ezequias influencia com suas reformas, no ambito religioso ele vê a
necessidade de fazer mudanças afim de promover suas reformas.
Nakanose também traz relato sobre o fato, dizendo que ele manda retirar os
deuses estrangeiros do Templo, ele centraliza dessa forma o culto em Jerusalém
alegando lealdade ao culto de Javé.
Suspende os tributos e inicia uma reforma politico-religiosa (2 Rs 18,1-8),
com o nome de volta à Aliança com Javé. Ele manda retirar os deuses
estrangeiros do Templo, fortifica as cidades (2 Cr 32,5); faz estoque de
armas; fecha os reservatórios de água ao redor da cidade para dificultar a
atividade do exército assírio. (NAKANOSE, 2000, p.193).

Conforme Lowery nesta reforma o rei Ezequias promoveu a centralização do


culto, proibindo adoração a Iahweh fora de Jerusalém, trazendo com isso maior
poder econômico para a capital, criando as peregrinações a Jerusalém, trouxe um
status de restauração da casa de Davi.
As implicações dessa mudança de local de Culto promovida por Ezequias,
tem além da intenção religiosa, também a intenção politica, devemos lembrar que
estado e religião estão aqui manietados, um dependente do outro.
Há indícios de que a centralização do culto, seriam uma forma de aumento da
captação de recursos pelo rei.
Quando ele promove a centralização de culto no templo em Jerusalém, é no
templo que todas as ofertas seriam então centralizadas, e as ofertas formavam o
“tesouro do templo”, havia uma diferenciação entre o tesouro do rei e o tesouro do
templo, conforme texto abaixo, supõe-se que o Rei poderia dispor de ambos os
tesouros como quisesse.
Então Ezequias, rei de Judá, enviou ao rei da Assíria, a Laquis, dizendo:
Pequei; retira-te de mim; tudo o que me impuseres suportarei. Então o rei
da Assíria impôs a Ezequias, rei de Judá, trezentos talentos de prata e trinta
talentos de ouro.
17

Assim deu Ezequias toda a prata que se achou na casa do Senhor e nos
tesouros da casa do rei.( 2 Reis 18:14,15)

Na fala de LIVERANI, a reforma de Ezequias no ambito religioso deve ter sido


dolorosa para a população habituada com seus cultos agrários, sendo agora
portanto obrigada a cultuar somente em Jerusalém, e sendo obrigada a disfazer-se
de seus altares, sendo Ezequias o primeiro rei a realizar tal reforma.
Quanto ao movimento de reação, Ezequias foi o autor de reformas
religiosas evidentemente dedicadas a mobilizar os recursos morais do pais
diante do novo e grave perigo. A reforma (2Rs 18,4; com enormes
ampliações em 2 Cr 29-31) é do tipo javista e leva à supressão dos lugares
de culto da religião agrária: “os lugares altos” (bāmôt), as estelas
(massēbôt), as arvores ou troncos (ăšērôt). Destruiu até uma serpente de
bronze atribuida a Moisés, mas que se tinha tornado objeto de culto popular.
[...] Pode-se muito bem imaginar como a aceitação da reforma possa ter
sido difícil e doloras apara a população habituada a seus cultos agrários.
(LIVERANI, 2008, p.199).

A intenção da centralização do culto não foi apenas a de fortalecer Jerusalém


com as ofertas e dízimos, mas também causar o inverso aos Assírios, com a
suspensão de tributos, visto que nas áreas externas de Jerusalém não haveria mais
ofertas levadas aos lugares altos. LOWERY (2004, p.249) “ a centralização do culto,
embora radical, fez sentido como medida de emergência durante a rebelião contra a
Assíria.”
Mesmo mediante a tamanha reforma, Jerusalém não escapou as investidas
Assirias, ainda que tenha resistido bem aos intentos da invasão Assiria, e
permanecida até o momento em que os invasores foram embora. Os relatos assirios
são contudo triunfalistas em seus anais, conforme conta LIVERANI.
Ezequias o judeu, que não tinha se submetido ao meu jugo...eu o prendi em
Jerusalem como um passarinho na gaiola. Acumulei aterro contra ele e
quem quisesse sair das portas da cidade era devolvido à sua miséria...
Ezequias ficou aterrorizado como esplendor do meu domínio e abandonado
pelos mercenários que tinha levado para reforçar Jerusalém. (LIVERANI,
2008, p.190).

Mas o fato é que mesmo com a ajuda de terceiros não adiantou muito,
Senaquerib retaliou o Egito então aliado de Ezequias e também invadiu a Judá,
conquistando 46 cidades, entre elas importantes fortalezas (2 Rs 18,13). Não
restando a Ezequias alternativas.
Ezequias teve de se render e pagar um considerável tributo. O rei Assírio
aceitou a rendição de Ezequias e Judá entrou na segunda etapa da
vassalagem.[...] A reforma de Ezequias foi interrompida com a invasão de
Senaquerib. Com a morte de Ezequias, seu filho Manassés ocupou o trono
18

(687-642 a.C.) e refez a aliança com a Assíria (2Rs 21; 2 Cr 33).


(NAKANOSE, 2000, p. 194).

Com isto a Assíria permitiu uma semi-autonomia de Judá, mas com


interesses, pois precisava de uma base militar na região, com a finalidade de se
opor ao Egito, lembrando que Judá estava numa região de corredor comercial.
Segundo SCHWANTES (2016, p. 43), os assirios tinham como alvo o egito,
passaram por Judá e seguiram seu plano de conquista, porém logo suas forças se
acabaram e já não poderiam mais manter a palestina, foi nesse contexto de
resitência, que o autor acredita ter surgido o Deuteronomismo. E o que
posteriormente culminou na reforma de Josias.

A REFORMA DE JOSIAS 621 a.C.


Segundo alguns autores, incluindo SCHWANTES, ao terminar a dominação
assiria na Palestina, não houve de imediato uma sucessão, poderiamos dizer que o
espaço ficou vago, a Assiria agonizava, e foi aproveitando esse espaço vago que
organiza-se as reformas de Josias.
Isso permitiu o surgimento de um movimento politico muito especial, na
Palestina, com Josias, a partir de 640 a.C. Ai começa um breve periodo de
autonomia nacional para Judá, que contudo está sob a ameaça do império
que virá. (SCHWANTES, 2016, p. 51).

Josias foi feito rei aos 8 anos de idade, isso já demonstra no mínimo um jogo
politico envolvido em sua coroação, e a tentativa de manter a linhagem Davidica o
levam ao trono por questões politicas envolvidas.
Em nossa pesquisa, foi observado que quando Josias chega ao trono, era um
período em que o temível império assírio já estava enfraquecido e se retirando das
terras da palestina Josias não governa em meio a resistência.
O pensamento deuteronômico segundo Nakanose, não foi algo criado
unicamente por Josias, mas tais ideais e pensamentos já estavam presentes na
politica de Judá desde o governo de Ezequias, esse idealismo religioso já se
manifestara anteriormente.
Sobre esse período Dietrich nos diz:
A reforma centralizadora de Josias segue a mesma inspiração e tem a
mesma pauta da reforma de Ezequias. Porém, Josias sonha estender o
poder de Jerusalém, da casa de Davi, abarcando, além de Judá, também o
território do antigo reino do norte. Nos textos do Pentateuco e dos Livros
Históricos redigidos nessa época, Josias projeta o ideal das 12 tribos
unidas, adorando um só Deus, seguindo um só homem, em aliança com
Javé. [...] sempre realizando o papel que ele sonha para si: as doze tribos
19

unidas em um só povo, seguindo um só homem e, agora adorando somente


Javé e somente em Jerusalém. (DIETRICH, 2013, p.23,24)

Conforme notamos na fala de Dietrich, Josias possuía um sonho, e em prol


desse sonho promove sua reforma, aproveitando uma lacuna deixada pela ausência
do império assírio, Josias sonha então em criar um pequeno império para dominar
em sua região, lembrando que havia muito interesse envolvido por conta da
importância como rota de comércio marítimo.
Isto pode ser entendido também pela análise de que durante o governo de
Josias, não havia necessidade de resistência, visto que o império que os oprimia já
estava em decadência e se retirava da região, sendo assim não haveria nenhuma
necessidade de mudanças em face de uma pretensa resistência, resta nos concluir
que essa reforma promovida por Josias, tinha por traz um cunho meramente político
e interesse de dominação.
Conforme nos diz Lowery, essa interpretação politica é rejeitada por A.
Jepsen, pois ele propõe que a pregação de Sofonias foi o impulso básico para a
reforma de Josias. Outros estudiosos pensam da mesma forma como Kaufmann e
Cogan. Cogan rejeita a visão de Bright, Noth, Malamat e outros.
O autor também nos diz que muitos outros argumentam motivos diferentes
para a reforma de culto de Josias, desde motivos religiosos, políticos e até
econômicos.
Teorias politicas, religiosas e econômicas sobre a reforma de culto de
Josias não chegam a explica-la, pois o alcance delas é muito estreito. O
Deuteronômio e as reformas Josiânicas abrangem mais do que a mera
política, ou a economia, ou até mesmo a religião. A teologia deuteronômica
é um símbolo abrangente do sistema que incorpora tudo isso.(LOWERY,
2004, p. 289).

Na reforma de Josias, o que houve foi a imposição da unicidade de um Deus,


de um culto e até do lugar de culto, valorização do templo, eliminando os outros
lugares de adoração.
“De mais disso, também Josias tirou todas as casas dos altos que havia nas
cidades de Samaria, e que os reis de Israel tinham feito para provocarem o
Senhor à ira; e lhes fez conforme todos os atos que tinha praticado em
Betel. E sacrificou todos os sacerdotes dos altos, que havia ali, sobre os
altares, e queimou ossos de homens sobre eles; depois, voltou a
Jerusalém.” (2 Rs 23,19 - 20).
20

CONCLUSÃO
A reflexão que fazemos e que queremos despertar nos leitores, é a
preocupação com a obra deuteronomista, sendo que a mesma surge para apoiar de
forma legitimadora a reforma de Josias, o sonho imperialista de Josias torna-se um
pesadelo, justamente porque muitos podem utilizar-se de textos produzidos neste
período com a intenção de dar legalidade as obras perversas em nome de Deus e
de culto a ele.
O motivo da reforma não é o que nos atém, mas o que atrai de forma negativa
é a forma como ela foi executada, debaixo de muita violência exposta e praticada
em nome de Deus, provavelmente fruto de uma reforma deuteronomista que se
apropria de textos e lhes confere o selo de sagrados, quando os coloca na boca de
Deus, visando assim legitimar uma violência gratuita em prol de uma sociedade
dominante, a elite governante.
Analisando a reforma de Josias, Nakanose mostra que houve alguns estágios
nessa reforma:
O segundo estágio da reforma de Josias visava a centralização do culto no
Templo de Jerusalém, afirmando que os cultos a Javé, realizados nos
santuários locais, eram contaminados. O que eles consideravam culto
contaminado, na prática, eram as manifestações populares. (NAKANOSE,
2000, p. 197).

Consideremos que certamente a população rural, o povo em si não deve ter


se manifestado favorável a tal reforma, centralizar o culto em Jerusalém demandaria
uma logística complexa. Isso é notado como exemplo em textos deuteronomistas
como (Dt 14,24-25) onde autoriza os que moravam afastados a vender parte do
dizimo e trazer a prata, pois seria facilmente carregada.
No inicio não deve ter havido apoio da maioria da população, e segundo o
questionamento como teriam conseguido a elite dominante levar adiante suas
reformas?
A maioria dos estudiosos concorda que o segundo estágio seguiu-se à
descoberta do Livro da Lei, no Templo de Jerusalém. Entretanto, nada nos
é dito precisamente sobre como ele foi encontrado. Só é dito que Helcias, o
sacerdote responsável pelo templo, anunciou sua descoberta a Safã, o
21

escriba, que então leu diante do rei (2Rs 22,3-10). Nesse livro, entre outras
prescrições, encontram-se as seguintes proibições: de ter lugares altos (Dt
12,2), de celebrar o culto ou outras celebrações fora do lugar escolhido por
Javé (Dt 16,5-11) e de adorar outros deuses (Dt 13, 13-19). (NAKANOSE,
2000, p. 197).

Tendo agora um texto sagrado que legitima a reforma como sendo um


processo de retorno a vontade divina, torna-se um tanto quanto mais confortável dar
sequência aos intentos da pretensa reforma, essa coleta de informações e
manipulação das tradições antigas, onde provavelmente novas leis devem ter sidas
inseridas juntamente com os textos originais, é o que os deuteronomistas fizeram.
Esse projeto centralizador de culto e coletas, visava o fortalecimento e
enriquecimento da corte josianica, transformando Jerusalém numa cidade tirana.
Como nos alerta Nakanose (2000, p.201). “Esta compreensão é crucial para
nosso combate à hermenêuticas fundamentalistas e idealistas que ofuscaram a
realidade da reforma de Josias nas tradições culturais e teológicas por tantos anos”.
Há textos na bíblia que não é possível de aceitação de uma hermenêutica
literal, textos como Dt 13, 6-7.

Quando te incitar teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a
mulher do teu amor, ou teu amigo, que te é como a tua alma, dizendo-te em
segredo: Vamos e sirvamos a outros deuses que não conheceste, nem tu
nem teus pais, dentre os deuses dos povos que estão em redor de vós,
perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até à outra
extremidade, não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o
poupará, nem terás piedade dele, nem o esconderás, mas certamente o
matarás; a tua mão será a primeira contra ele, para o matar; e depois a mão
de todo o povo. E com pedras o apedrejarás, até que morra, pois te
procurou apartar do Senhor, teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da
casa da servidão. (Dt 13, 6-10)

Outros textos incitam a intolerância religiosa, falando em destruição de


lugares de adoração a outras divindades:

Totalmente destruireis todos os lugares onde as nações que possuireis


serviram os seus deuses, sobre as altas montanhas, e sobre os outeiros, e
debaixo de toda árvore Verde; e derribareis os seus altares, e quebrareis as
suas estátuas, e os seus bosques queimareis a fogo, e abatereis as
imagens esculpidas dos seus deuses, e apagareis o seu nome daquele
lugar. ( Dt 12, 2-3)

O que estamos querendo demonstrar é que não podemos tomar textos como
o citado acima e utilizar para incitar a intolerância religiosa, há vários textos que
foram utilizados para legitimar a reforma de Josias e Ezequias, e que de fato não
podem e nem devem ter sidos promulgados por um Deus que diz ser amor.
22

Penso que tais textos se mal interpretados ou ensinados dentro de outro


contexto podem gerar pensamentos anti-ecumênicos, fomentar a intolerância
religiosa, discriminação de classes e até homofobia.
Cabe a nós analisar e conhecer mais da história deuteronomista, com a
intenção de promover a libertação do texto, daquilo que não acreditamos ter sido
obra divina e sim textos que serviram a uma classe dominante e escravagista.
Vivemos em uma sociedade cujo os valores facilmente se deterioram, os
valores cristãos assim chamados, facilmente se confundem, e por vezes são
ignorados em detrimento ao interesse próprio ou de um grupo dominante, a
exploração é por vezes premiada, a mentira e engano incentivada como astucia e
sabedoria.
O sonho de Josias de formar um império, alimentado pelo ideal das 12 tribos
unidas, adorando um só Deus, sob o governo de um só homem, aproveitando-se
para isso do espaço deixado com o exílio de Israel, o que na verdade acabou
favorecendo a classe dominante de seus dias com esse ideal, não causou estragos
somente na sociedade em que viveu, mas seus feitos foram legitimados por textos
que estão agora perpetuados como textos sagrados, porém acreditamos que essa
leitura deve ser feita não mais com esse viés, mas devemos enxergar além e
entender que palavra de Deus, só pode ser palavra de Deus quando promove a vida
e preocupa-se com todos não apenas com uma classe em detrimento de outras.
Com estas reflexões procuramos produzir uma hermenêutica sadia, afim de
que os textos violentos que foram utilizados para legitimar os atos da reforma
josianica, não sejam utilizados de forma fundamentalista e nem defendam um
idealismo desprovido da verdade.
23

REFERÊNCIAS

DIETRICH, L. J. Violências em nome de Deus. Monoteísmo, Diversidades e


Direitos Humanos, São Leopoldo, RS: Cebi 2013.

KAEFER, J. A. A Bíblia, a arqueologia, e a História de Israel e Judá. São Paulo,


SP: Paulus, 2015.

KAEFER, J.A. Arqueologia das terras da BIBLIA I. São Paulo, SP: Paulus, 2012.

KAEFER, J.A. Arqueologia das terras da BIBLIA II. São Paulo, SP: Paulus, 2016.

LIVERANI, M. Para além da Bíblia, História antiga de Israel. São Paulo, SP: loyola,
2008.

LOWERY, R.H. Os Reis Reformadores. Culto e sociedade no Judá do Primeiro


Templo. São Paulo, SP: Paulinas, 2004.

NAKANOSE, S. Uma história para contar. A páscoa de Josias. São Paulo, SP:
Paulinas, 2000.
ROSSI, LUIS A. SOLANO. Pax Assyriaca: Sem vitória não há paz. Goiania, GO:
2009.
SCHWANTES, M. Breve história de Israel, São leopoldo, RS: Oikos, 2016.
ECHEGARAY, J.G. – O crescente fértil e a Bíblia, Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

Você também pode gostar