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1740.

 Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de


tudo dizer e fazer. É falso pretender que «o homem, sujeito da liberdade, se
basta a si mesmo, tendo por fim a satisfação do seu interesse próprio no gozo
dos bens terrenos»(36). Por outro lado, as condições de ordem económica e
social, política e cultural, requeridas para um justo exercício da liberdade, são
com demasiada frequência desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira
e de injustiça abalam a vida moral e induzem tanto os fracos como os fortes na
tentação de pecar contra a caridade. Afastando-se da lei moral, o homem
atenta contra a sua própria liberdade, agrilhoa-se a si mesmo, quebra os laços
de fraternidade com os seus semelhantes e rebela-se contra a verdade divina

O pecado, visto pela Igreja, pressupõe a confissão e o arrependimento. E a penitência e o perdão.


Claro que esse círculo não pode ser percorrido pelos supostos pecadores sociais. Como se vê, a
ideia é uma simples caricatura canhestra, sem realidade correspondente.

Fui ouvir uma palestra sobre as epístolas paulinas e, lá pelas tantas, a palestrante falou de “pecado
social”. E insistiu que a “sociedade” pode ser considerada pecadora. Na hora rebati, dizendo que o
pecado é algo individual e que não é possível que uma sociedade faça penitência e se arrependa. Disse
mais: sociedade é abstração, não é sujeito de nada.

Ao chegar à casa fui direto consultar o Catecismo da Igreja Católica. Respirei aliviado, pois lá o tal pecado
social não está catalogado. A teologia da libertação ainda não conseguiu esse feito.

Qual a origem da expressão “pecado social”? Creio que é a própria teologia da libertação que cunhou a
expressão. Evidente que fez uma analogia para repudiar certas leis e costumes induzidos pelo Estado.
Aqui está a raiz da grande confusão: leis iníquas, antinaturais, não são “pecadoras”, pois não são sujeito.
São apenas legislação positiva, sem fundamento na lei natural. A macaquice legiferante  do Estado
moderno quer se sobrepor a Deus e moldar o mundo à imagem e semelhança daqueles que o governam,
mediante leis iníquas.

Evidente que falar em pecado social esvazia o indivíduo de sua responsabilidade. Não dá para não
perceber o eco da filosofia de Rousseau, cuja antropologia contraria a cristã. Para Rousseau, o homem
nasce bom e é corrompido pela sociedade. Daí a cultura do coitadismo e da indulgência com que se
tratam hoje os crimes, sobretudo quando o criminoso é pobre. Não ao acaso o maior dos ditos pecados
sociais é a desigualdade, essa ferramenta para todos os usos dos comunistas. A igualdade pregada por
Rousseau, esse falsificador da liberdade, não a igualdade cristã.

O pecado, visto pela Igreja, pressupõe a confissão e o arrependimento. E a penitência e o perdão. Claro
que esse círculo não pode ser percorrido pelos supostos pecadores sociais. Como se vê, a ideia é uma
simples caricatura canhestra, sem realidade correspondente.

  José Nivaldo Cordeiro

Teologia moral
Sumário
1 Lições da História
2 Ética humana ou moral religiosa?
3 Uma dupla abordagem na moral atual
4 A urgência de uma abordagem científica
5 A busca pelo bem maior
6 Consciência  como tema central
7 Pecado e culpa
8 O pecado coletivo
9 Referências bibliográficas

1 Lições da história

Não há dúvida que a teologia moral sofreu uma forte desvalorização em nosso
mundo contemporâneo. Muitas pessoas, educadas em ambiente cristão, deixaram
de acreditar nos ensinamentos éticos recebidos. Durante muito tempo, no entanto,
tais ensinamentos éticos tiveram forte influência entre os crentes e orientavam a
vida concreta. O poder da Igreja para interpretar e aplicar estes ensinamentos éticos
à diferentes situações era considerado uma expressão explícita da vontade de Deus.
A promessa do Espírito dava-lhe uma garantia firme para não cometer um erro em
seus ensinamentos. Os fiéis não tiveram alternativas senão a obediência e a
submissão.

Ainda  que se tenha promovido o  estudo da teologia moral em boas


universidades, sob o ensinamento de grandes teólogos, também é verdade que tal
disciplina nunca perdeu, ao longo da história, seu interesse principal em ajudar os
confessores para o ministério da reconciliação, que era seu centro. O sacerdote
expressava o perdão e a misericórdia de Deus,  contudo, também como um juiz, era
necessário que tivesse o conhecimento exato da seriedade e importância do ato
cometido. A maioria dos textos de moral, até recentemente, tinha-se tornado
verdadeiro “pecatômetros”, medindo, com precisão e imaginação, todas as
possibilidades (casuística).

Esta orientação prioritária não impediu, no entanto, as muitas discussões que


ocorreram ao longo da história sobre temas que se referem a certas questões éticas.
Basta lembrar, por exemplo, as diferentes formas de harmonizar as exigências da lei
com as decisões de consciência. Os chamados sistemas morais não se referem, como
pode parecer, aos grandes fundamentos da moralidade, mas à proporção diferente
defendida entre a obrigação legal e a liberdade de cada pessoa para determinar sua
escolha em diferentes circunstâncias. Embora as alegações do passado pareçam
superadas hoje em dia, sem dúvidas ainda são suficientemente influentes para evitar
ou induzir a uma visão mais ou menos rigorista (rigorismo).

O mesmo aconteceu com o núcleo básico da moralidade. Ou seja, em relação


àqueles limites fundamentais que nunca poderiam ser ultrapassados (lei natural).
Sua existência tem sido evocada em muitas ocasiões para impor determinados
comportamentos. Aquilo que pertence a esse âmbito possui maior consistência,
contudo, o risco da ampliação de suas fronteiras tem sido, não obstante, uma
realidade histórica. A questão de saber até onde vão suas exigências permanece
ainda como um ponto pouco evidente. Especialmente quando se percebe que entre
os autores clássicos não existe consenso ou hegemonia quanto à explicação.

Para evitar um pluralismo que poderia ser perigoso para a comunidade


eclesial, a Igreja encontrou em seu magistério um apoio muito importante. A
diferença clássica entre ética e moral encontrou aqui seu ponto de partida. A moral
tinha sua origem na palavra de Deus que a Igreja, com a ajuda especial do Espírito,
tem de interpretar e impor com sua autoridade, de acordo com as diversas situações
históricas e pessoais. Por sua vez, a ética se baseava nas exigências da razão, que
não oferecia maior segurança, estando sujeita a erros humanos. Indicava-se,
inclusive, que até mesmo suas próprias conclusões deveriam estar subordinadas ao
conteúdo da moralidade. A filosofia foi relegada, por um longo tempo, a ser não mais
do que uma simples ajuda para a fé. Não em vão, passou a ser considerada como 
escrava da teologia. Não havia outra opção que não fosse a obediência e submissão,
pois o remorso e a ameaça de uma condenação constituíam uma fonte de
extraordinária eficácia.

Surge, portanto, inevitavelmente, a abordagem de um novo problema. Como


seres racionais, devemos agir com uma convicção interior que justifique o
comportamento que adotamos. Um esforço de explicação racional para que nosso
comportamento resultante seja sensato e compreensível. Mas, como crentes, não
podemos eliminar a nossa dimensão transcendente, que nos faz encontrar em Deus
a explicação fundamental de nossa vida. A escuta e a docilidade à sua palavra
também faz parte do nosso horizonte ético.

2 Ética humana ou moral religiosa?

O problema metodológico que emerge é saber qual deve ser nosso ponto de
partida. Se partimos da razão para construir uma ética humana, razoável, válida e
universal para todos, ou se é a revelação que nos deve garantir, como crentes, a
firmeza e a segurança plena de nossa conduta. Devemos evitar as opiniões
extremistas, tanto daqueles que, por um lado, negam a baliza da fé em defesa da
plena autonomia humana, quanto, por outro lado, a visão daqueles que desejam
recorrer apenas à palavra literal das Escrituras. A ética secular seria um bom
representante da primeira opção. Proclama e defende a consistência humana das
regras e obrigações, sem fazer uso de justificativas externas. Na divindade se
encontrava a resposta à ignorância que impedia de descobrir um fundamento
racional. A hipótese de um Deus que se revela ou de uma igreja que ensina com
autoridade passou para o museu da história. O progresso científico certificou sua
morte definitiva.

A resposta protestante, ao contrário, defende um radicalismo antagônico. Para


o cristão não existe outra opção que a de uma ética puramente religiosa. Somente se
pode agir honestamente quando se faz ouvinte da palavra e se deixa dirigir pela
mensagem da revelação. Qualquer outra tentativa de guiar a vida através de valores
humanos conduz a um completo fracasso, já que não há capacidade no ser humano
para descobrir o bem a partir de si mesmo. Nenhum moralista pode usurpar o trono
de Deus para determinar o que é bom e o que é inaceitável, como se possuísse a
competência que só a Deus pertence. Surge, então, uma manifesta contradição
entre os imperativos éticos e as exigências religiosas. No horizonte religioso, a única
categoria ética existente é a do absurdo, como a intrigante postura de Abraão que, a
fim de obedecer a Deus, se vê disposto a sacrificar seu próprio filho.

Não tenho a pretensão de explicar agora as nuances existentes em ambas


posturas. Quero ressaltar somente que, dentro do catolicismo, sempre se defendeu
uma posição intermediária. As dimensões humanas e religiosas não são duas
realidades mutuamente excludentes ou contraditórias. Entre fé e razão existe uma
harmonia complementar, sem que nenhuma perca seu valor e utilidade. Busca-se
pensar uma ética que seja profundamente religiosa, sobrenatural e transcendente,
mas que não deixe de ser, ao mesmo tempo, verdadeiramente humana, racional e
compreensível.

3 Uma dupla abordagem na moral atual

Entre os autores católicos, a similitude de pensamento sobre este pressuposto


básico alcança sua unanimidade. Contudo, a insistência e a ênfase colocadas sobre
cada um deles levam a uma dupla abordagem que levanta polêmicas dentro da
comunidade eclesial. Trata-se da inclinação ou para uma ética autônoma, na qual se
enfatiza mais a racionalidade dos conteúdos éticos, ou para uma moral da fé, que
coloca mais acento nos dados da revelação. O problema não é apenas uma questão
especulativa, mas deve nos preocupar por causa de suas implicações pastorais.

Em suma, poderíamos dizer que a ética autônoma possui maior confiança na


capacidade da razão humana, apesar de seus limites e restrições. Busca tornar os
valores éticos compreensíveis num mundo secular e adulto, que exige explicação
racional para a sua própria convicção. O homem de fé sabe que esta capacidade lhe
foi dada como um dom de Deus (autonomia theonomous), contudo sem  destruir sua
justificação ou autonomia humana. A moral da fé manifesta certas reservas sobre
essa abordagem, acreditando que é bastante ingênua e otimista, pois sem a ajuda da
revelação cairíamos em muitos erros. É preciso dizer que João Paulo II foi um
defensor entusiasta da primazia e da necessidade da fé sobre qualquer tentativa de
fundamentação meramente racional da moral.

A questão essencial consiste em saber se é possível uma moralidade sem o


auxílio da fé,  se acaso esta não nos proporciona conteúdos éticos impossíveis de
serem descobertos sem a ajuda da revelação. Dito de outra forma, consiste em saber
se os valores que nos humanizam podem ou não serem descobertos sem a ajuda do
sobrenatural. Da decisão tomada ante esta alternativa, pode-se prever o
desabrochar de uma moral especificamente cristã, cujo conteúdos não poderão ser
conhecidos a partir de outra perspectiva. Ou, de outra forma, se reconhece que,
mesmo sem levar em conta a dimensão sobrenatural do crente,  podemos encontrar
uma plataforma comum, patrimônio de todos os seres humanos.

As divergências inevitáveis não estão baseadas apenas nestes diferentes


pontos de vista. Todo o valor ético é um apelo que sentimos para nos realizarmos
como pessoas. Nascemos inacabados, e não é possível atingir esse objetivo (o da
humanização[1]) deixando-nos levar pelos impulsos primários que experimentamos.
O ser humano, por meio das renúncias e compensações que experimenta em sua
educação, tem a tarefa de descobrir qual a configuração que deseja dar a todos os
elementos encontrados em sua natureza. Ética nada mais é que o estilo de vida que
cada pessoa decide dar à sua existência.

É interessante notar que Santo Tomás, quando  explica em que consiste a


ofensa a Deus, o faz a partir de uma perspectiva profundamente humanista: “Deus
não é ofendido por nós, a não ser na medida em que agimos contra  nosso próprio
bem” (Summa Contra Gentios, III, 122).

4 A urgência de uma abordagem científica

Quero dizer que tudo que é moralmente considerado inaceitável ou, do ponto
de vista religioso, é classificado como um pecado, tampouco é, do ponto de vista
humano, a melhor maneira de se realizar como pessoa.

Tudo isso significa que não é possível uma moral autêntica sem que se apoie
em bases científicas, pois, de outro modo, suporíamos a defesa de uma  moral sem
fundamentação. A dificuldade está no fato de que a ciência nem sempre possui
conclusões unânimes que permitem a avaliação do comportamento. O campo da
bioética é um exemplo claro dessa dificuldade. Também é digno de nota que, com o
progresso e as novas descobertas da ciência, as soluções que têm sido tomadas
antecipadamente devem ser repensadas ou reinterpretadas de forma diferente para
que possam integrar as novas possibilidades.

Neste contexto, existe o perigo de que a moral se torne um obstáculo ao


progresso, ao condenar imediatamente qualquer nova possibilidade que não se
ajuste completamente às normas e ensino anterior. O conflito surge, então, entre a
fidelidade a um valor, tal como apresentado na tradição, e a fidelidade a uma nova
verdade que pode enriquecer a perspectiva precedente. A própria cultura, que se
desenvolve ao longo do tempo, oferece perspectivas diferentes que permitem
valorizar qualquer realidade. Inclusive dentro do mesmo âmbito cultural, como é o
caso da Igreja, tem ocorrido mudanças significativas que afetam a formulação da
ética concreta. Durante séculos, aceitou-se com naturalidade o fenômeno da
escravidão; e quase ninguém ficou escandalizado com o fato de que os hereges
fossem queimados na fogueira.

Finalmente, existe hoje uma dupla forma de aplicar à realidade alguns valores
éticos.  Nem tudo que na teoria é apresentado como princípio válido e aceitável
pode ser aplicado em situações concretas. Valores evidentes e aceitáveis como não
mentir, respeitar a vida, pagar a cada um conforme seu merecimento etc., devem ser
analisados verificando se vale a pena cumpri-los na eventual possibilidade de que
sua execução provoque uma mal maior. A mesma moral tradicional afirma que
quando uma ação implica consequências boas e negativas, no caso de perplexidade,
todos devem escolher o mal que parece menor. O chamado princípio do duplo
efeito, a lei da gradualidade, a distinção entre a cooperação formal e material e a
virtude da epiqueia indicam que não se pode julgar uma ação enquanto não se
considere especificamente como ela se realiza concretamente.

5 A busca por um bem maior

Devemos descobrir, portanto, qual é o valor mais elevado que precisamos


buscar e situar acima de tudo. Ou se, a fim de evitar consequências negativas piores,
devemos optar pela eliminação de algum bem. Essa moralidade concreta busca-se
hoje a partir de um duplo caminho, através de uma argumentação deontológica, ou
através de um raciocínio teleológico. A diferença entre as duas posições pode ser
sintetizada como se segue. Uma teoria normativa será deontológica quando a
moralidade de um determinado comportamento for deduzida através da análise de
sua natureza, sem dar qualquer importância às consequências ou efeitos negativos
que podem resultar de tal comportamento (deontologia). Já uma teoria normativa
na dimensão teleológica, pelo contrário, mesmo que   também considere a natureza
da ação,  não se atreve a valorizá-la sem antes considerar as consequências que
possa produzir (teleologia).

Não me parece que esta última perspectiva, à qual a maioria dos atuais
moralistas se inclina, seja contra os ensinamentos fundamentais da Igreja, embora a
doutrina oficial faça críticas a muitas de suas formulações. Tampouco penso que
com essa abordagem estejamos entrando em uma moral de pura eficácia ou de
benefícios imediatos. Também não se nega a existência das chamadas ações
intrinsecamente pecaminosas, quando não existe nenhuma razão ou motivo que
pudesse justificar a sua não observância. Contudo, é verdade que nem sempre
coincidem na mesma valoração.

6 Consciência como tema central

A partir da sua compreensão como o nucleus secretissimus atque sacrarium


hominis, in quo solus est cum Deo (Santo Agostinho), o Concílio Vaticano II define a
doutrina da consciência: “No fundo da própria consciência, o homem descobre uma
lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o
está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na
intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei
escrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será
julgado. A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se
encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graças à
consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus
e do próximo” (Gaudium et spes n.16).

Chamado à comunhão com Deus, o ser humano está em escuta contínua de


sua Palavra e a conserva no coração (Jr 17,1; 31,31-34; Ez 14,1-5; 36,26), cujo único
habitante é Deus (Jr 11,20). O Evangelho de Jesus, manso e humilde de coração (Mt
11,28-30), germina no mais íntimo da pessoa (Mt 13,19). Deste núcleo brotam as
palavras, atitudes e comportamentos humanos (Mc 7,18-23). O apóstolo Paulo
interpreta a tradição semítica do coração e a traduz na noção grega de consciência
(syneidesis) como expressão íntima da nova criatura e de seu existir em Cristo (Hb
9,12).
A chave de compreensão da moral cristã é o discernimento (dokimázein):
capacidade de tomar, em determinada situação, a decisão moral conforme o
Evangelho e com conhecimento das implicações da história da salvação. O
discernimento aponta para o caráter pneumatológico da consciência. O conteúdo
primário do discernimento cristão é a vontade de Deus em Jesus Cristo (Rm 12,2; Ef
5,17). O discernimento é o próprio exercício da consciência, é a consciência moral
adulta em ação (Hb 5,14). A Igreja se apresenta como uma comunidade
de discernimento: “que possais discernir o que é melhor ou o que é bom, o que é
mais importante ou o que mais convém e agrada a Deus” ( Rm 2,18; 12,2; Fl 1,10; Ef
5,10). Essa perspectiva é o fundamento do sensus fidelium. “Os fiéis leigos devem ter
consciência não só de pertencer à Igreja, mas de ser Igreja” (Catecismo da Igreja
Católica n.899). Todo batizado tem o direito, em razão de seu próprio conhecimento,
competência e reconhecimento, de manifestar à comunidade eclesial sua opinião
sobre aquilo que pertence ao bem da Igreja.

A liberdade de consciência tem a última palavra a respeito das prescrições


morais concretas da Igreja. Cada fiel, deixando interpelar-se pela sua consciência,
pela Palavra de Deus e pela Tradição está chamado a assumir-se fazendo a escolha
ética de forma responsável. Ninguém pode ser forçado a agir contra a própria
consciência nem sequer em assuntos de religião (Código de Direito Canônico, 748, 2):
“A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo” (Catecismo da Igreja
Católica, 1778 – citação do Cardeal Neumann). A decisão pessoal adquire, portanto,
um relevo extraordinário (decisão moral). Somente a própria (consciência) possui a
última e definitiva palavra para a moralidade de nossas ações, mas sem esquecer a
validade e obrigatoriedade das normas éticas(norma moral).

Pode-se dizer que, para o legalista, a regra conserva sempre sua validez, como
o caminho mais seguro para evitar erros. O antinomista, pelo contrário, anula sua
validez a fim de seguir os ditames de sua decisão pessoal (ética situacional). Já a
pessoa madura aceita, por um lado, a obrigatoriedade das exigências éticas, mas
sabe também relativizá-las quando se encontra diante de outros valores
importantes, desde que tais ações não sejam consideradas intrinsecamente
pecaminosa, como já dissemos.

Esta visão personalista da consciência integra harmoniosamente a dialética


entre a dupla dimensão objetiva e subjetiva da moral, sem cair nos extremos de uma
moral legalista ou  de uma ética subjetivista. Uma pedagogia da moral deveria
consistir em despertar consciências livres e responsáveis,  que se deixem conduzir
sempre pelo  chamado ou apelo a um bem maior.

7 Pecado e culpa

Como também aconteceu com outras questões, a imagem do pecado sofreu


uma profunda mudança em nossa sociedade. A própria Igreja, em alguns de seus
documentos, expressou sua preocupação. Também aqui são muitos os fatores que
causaram esta situação, como nos aponta, na Exortação Apostólica sobre a
Reconciliação e Penitência, o Papa João Paulo II. Cito, brevemente, três aspectos
que considero importantes.

O primeiro, sem dúvidas, é a perda da visão sobrenatural. O terrível de um


acidente não reside no fato de que o carro tenha ficado destruído, mas a vida que se
perdeu entre seus destroços. Pecar não é simplesmente quebrar uma lei ou não
cumprir uma obrigação, mas implica a ruptura de uma amizade com o Deus que nos
salva. Quando esta dimensão transcendente se esvai, como acontece em nossas
sociedades secularizadas, a imagem  do pecado também desaparece.

São muitos os que não querem reconhecer a sua própria sua culpa, como se
fosse uma decisão que brota dela própria. O erro e o equívoco fazem parte do nosso
patrimônio, como uma consequência inevitável de nossa finitude. A falta, no
entanto, não se deve à liberdade de quem assim atua, mas constitui um fracasso
pelo qual ninguém pode sentir-se responsável. É um evento que nos deixa chateado
e magoado, que nos comove, pois afeta as fibras mais íntimas da personalidade, mas
sobre o ser humano, mesmo que ele cometa o mal, não se pode lançar qualquer
condenação acusatória. Ninguém escolhe algo contra si e, por isso, quando rejeita
Deus ou recusa um valor ético, é porque encontrou outra atração pela qual se sente
inevitavelmente seduzido sem outra possibilidade de eleição.
Ainda que pareça estranho, não é fácil uma prova evidente de nossa liberdade.
Aquele que insiste em negá-la verá, por detrás de cada escolha, um mundo de certas
experiências, pressões, lembranças, interesses, expectativas etc., que inclinam a
balança para um lado de uma forma inevitável. A hipótese de sua existência, no
entanto, não é um dado anticientífico. Os múltiplos mecanismos que a ameaçam
não tem porque destruir a capacidade básica da  autodeterminação. Contudo, não
devemos defendê-la com uma ingenuidade excessiva. São muitos fatores que a
condicionem, embora não a eliminem. É possível que, às vezes, queiramos e não
possamos, contudo, mais frequente é a situação na qual podemos e não queremos.
A liberdade é também uma conquista que cada pessoa deve realizar com o seu
esforço.

É lógico que a pessoa que não quis responder ao chamado de um valor que o
desumaniza, ou como crente encontra-se fechado para a amizade com Deus,
experimente internamente algum desconforto. O fracasso de um projeto humano ou
religioso, embora não absoluto e definitivo, deve produzir determinadas reações
internas que não nos deixem tranquilos e imutáveis, como se nada tivesse
acontecido. A culpa, como a dor ou  a febre nos mecanismos biológicos,  faz sentir o
mau funcionamento da pessoa e o desejo de uma cura eficaz.

Este sentimento de culpa poderia ser causado por diferentes fatores. Uma
sensação de angústia por medo de uma perda, ou por medo de uma punição. O que
dói não é o mal praticado, mas as más consequências dele decorrentes. Em outras
ocasiões, é a ferida que causa o próprio narcisismo. É um fato que destrói o Eu ideal,
que humilha e corrói, com um remorso que se faz companheiro constante de
caminhada. Quando, em sua natureza mais profunda, radica na vergonha de haver
atentado contra o meu próprio bem, causado danos aos outros e, sobretudo, ter
quebrado a minha amizade com Deus.

8 O pecado coletivo

Sempre se analisou o conceito de pecado a partir de uma visão demasiado


individualista. O importante era não sentir-se culpado com o desempenho
individual. Se  apesar da própria honestidade ainda continua existindo o pecado,
semelhante situação será, então, produto de outras pessoas que colaboram com o
mal existente. Uma abordagem como essa se faz completamente incompreensível
em nossa cultura atual, na qual a dimensão política possui  uma extraordinária
relevância.

Já o Concílio Vaticano II,  na Constituição sobre a Igreja no mundo moderno,


havia desmascarado claramente essa abordagem: “A profunda e rápida
transformação da vida exige com suma urgência que não haja ninguém que, por
despreocupação frente à realidade ou por pura inércia, conforme-se com uma ética
meramente individualista” (n1 30). O pecado coletivo é uma realidade evidente,
como apontaram os  bispos latino-americanos, nas assembleias de Medellín e
Puebla.

A reflexão fundamental poder-se-ia concentrar em torno dessa questão básica:


qual deve ser a atitude ética e cristã da pessoa consciente de seu compromisso,
frente às injustiças e pecados sociais que não dependem dela nem que ela poderá
eliminar?

Eduardo Lopez Azpitarte, SJ – Facultad Teologica de Granada, España. Texto


original en espanhol. Tradução: José Sebastião Gonçalves
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