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CAPÍTULO 2

"A PESTE MARROM"

Organização da Juventude Hitlerista


BARTOLETTI, Susan Campbell. Juventude hitlerista: a história
dos meninos e meninas nazistas e a dos que resistiram.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.

EGUNDA-FEIRA, 20 DE ABRIL DE 1936. Era aniversário


de Adolf Hitler e por toda a Alemanha iam se realizar
cerimônias especiais de tochas. Em cidades e aldeias, amplos
salões ou grandes castelos foram decorados com tochas e
bandeiras. Nesse dia, garotos e garotas de 10 a 14 anos entra-
ram para a ala dos Meninos (em alemão, Jungwolk) e das
Meninas (Jungmàdel).
Em Hamburgo, Karl Schnibbe, então com 12 anos, mal
conseguia esperar a cerimônia começar. Quando os líderes
nazistas chegaram ao bairro dele para inscrever as crianças
aptas a entrar para a organização, Karl se alistou na hora,
apesar do pai não aprovar. - Era uma atividade muito anima-
da. As viagens em que se dormia em acampamento, as fo-
gueiras de acampamento e os desfiles pareciam muito inte-
ressantes - disse Karl.
Ele ficou num grande salão cheio de meninos e meninas,
enquanto os pais e os membros do Partido Nazista circula-
vam. Karl viu a Bandeira de Sangue em lugar de honra na
frente da sala. A bandeira estava supostamente emt^bida do
sangue de Herbert Norkus e outros mártires que tinham sa-
crificado a vida pelo Partido Nazista.
Quando a cerimônia começou, a sala ficou em silêncio.
Primeiro, um líder do Partido Nazista fez um pequeno discur-
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Sob as vistas de oficiais nazistas, um integrante da Juventude Hitlerista


assina a declaração de que é ariano puro. Os jovens que não faziam
parte da organização eram considerados marginais e tinham poucas
oportunidades de freqüentar a escola e de conseguir trabalho.
(National Archives)

so. Depois, cada menino e menina, um por um, fez o jura-


mento da Juventude Hitlerista. Karl lembrou que segurou na
Bandeira do Sangue com a mão esquerda, levantou três de-
dos da mão direita e fez o juramento: - Na presença desta
Bandeira de Sangue, que representa o nosso Fiihrer, juro
dedicar todas as minhas energias e minhas forças ao Salvador
de nosso país, Adolf Hitler. Aceito e estou disposto a dar
minha vida por ele. E que Deus me ajude.
Depois que todos fizeram o juramento, as trombetas to-
caram uma fanfarra e uma banda militar apresentou músicas
do Nacional Socialismo. As crianças estavam se preparando
para entrar na JH.
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Na fase de avaliação, cada menino e menina tinha de


fazer uma prova escrita para garantir que conhecia as idéias
nazistas sobre raça e.política. Também tinham de provar sua
origem racial. Embora o alistamento fosse voluntário, nem
todas as crianças podiam entrar para a JH. Só as que provas-
sem ter ascendência "ariana".
- Tínhamos de conseguir um Abnenpass, documento ofi-
cial assinado e selado que provava nossa origem racial -
contou Heniy Metelmann. - Tínhamos de escrever para con-
ferir nossos registros religiosos. Claro que as autoridades na-
zistas estavam era procurando nomes judeus.
Hoje, os cientistas concordam que "raça" é um conceito
sem sentido, já que as diferenças humanas sâo apenas na
pele. Mas os nazistas definiam a raça ariana como povos nór-
dicos ou brancos, sem mistura de antepassados judeus. E
consideravam os arianos como "raça superior". Diziam que
os cabelos louros e os olhos azuis caracterizavam os arianos
"mais puros". Os membros da Juventude Hitlerista aprendiam
que a raça ariana estava acima de todas.
Os meninos e meninas precisavam provar também que
eram saudáveis e sem doenças hereditárias. Algumas crian-
ças deficientes físicas podiam participar de uma seção espe-
cial, a JH Doente ou com Deficiências, desde que fossem
aprovadas nas provas de raça. Crianças com deficiência visual
ou auditiva podiam entrar, desde que provassem que a doen-
ça nãb era hereditária. Já as deficientes mentais nào podiam
participar, independente do grau de fidelidade dos pais ao
Partido Nazista.
Os judeus não podiam participar da JH, nem mesmo QS
Mischling ou "meio" judeus, que tinham só o pai ou só a mãe
judia, por mais ariana que a criança parecesse. Também nào
podiam os judeus convertidos ao cristianismo ou que não
praticavam o judaísmo. Muitas crianças judias ou meio judias
ficaram arrasadas. - Foi deprimente ser marginalizado, ser
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impedido de participar, quando meus melhores amigos ti-


nham se tornado líderes da Juventude Hitlerista - disse
Hermann Rosenau, cujo pai era judeu, mas a mãe, não.
Durante a fase de avaliação, os candidatos provavam sua
capacidade física: participavam de corridas, jogavam beise-
bol, fajiam natação e ginástica. As meninas faziam caminha-
das de duas horas, enquanto os meninos faziam uma de três
dias pelo país. Os meninos também passavam por uma prova
de coragem pulando de uma altura de dois ou três andares
em cima de uma lona ou dentro d'água.
- Exigiam que mergulhássemos de cabeça de um tram-
polim de três metros de altura na piscina da cidade - contou
Alfons Heck. - Alguns caíam de barriga, mas a dor era re-
compensada quando nosso líder nos entregava o cobiçado
punhal com a inscrição SANGUE E HONRA. A partir daquele
momento, estávamos aprovados.
Algumas crianças eram reprovadas se os pais não fossem
bons nazistas ou tivessem "comportamentos políticos sujeito
a restrições". Isso queria dizer pais que não eram do Partido
Nazista, ou que tinham amigos judeus, ou eram Testemunhas
de Jeová. Não querendo ser excluídas, as crianças implora-
vam para os pais entrarem para o Partido Nazista ou serem
bons nazistas.
A filosofia da Juventude Hitlerista afirmava que jovens
devem ser liderados por jovens. As reuniões chamada*s "Tar-
des domésticas" se realizavam em porões, celeiros, prédios
vazios e outros locais longe dos adultos. Eram dirigidas por
líderes pouco mais velhos que os demais participantes. - O
líder do meu grupo era um menino de 17 anos, meu chefe
sob todos os aspectos. (...) Tinha mais influência sobre mim
do que pai, professor ou qualquer outra pessoa da geração
mais velha - disse um membro da JH.
Todo mês, os comandos da JH enviavam cartas para os
líderes, orientando como dirigir as reuniões. Nas reuniões, as
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crianças cantavam, faziam jogos, decoravam frases de propa-


ganda, ouviam palestras e liam folhetos: tudo para aprende-
rem a ser bons nazistas.
As crianças ouviam também programas de rádio especiais
para a JH, em aparelhos radiofônicos oficiais chamados Rá-
dio do Povo. Esses aparelhos baratos só sintonizavam nas
estações aprovadas pelo Partido Nazista. De vez em quando,
a lei proibia os alemães de ouvirem notícias internacionais
ou outras rádios "impuras" ou "nâo-alemãs".
Os nazistas sabiam do que as crianças gostavam - unifor-
mes, bandeiras, bandas de música, distintivos, armas e histó-
rias de heróis - e ofereciam tudo isso em quantidade. Organi-
zaram a JH como se-fosse um exército completo, até com
regimentos. Um menino podia começar como Pimpf (meni-
no) para liderar um esquadrão, pelotão, companhia, batalhão
e até um regimento. A menina podia começar como Màdel
(menir a) até se tornar uma líder da ala feminina da JH.
Mas a JH não aceitava demonstrações de originalidade
ou individualidade. Através de exercícios e marchas milita-
res, os integrantes aprendiam a pensar e agir como se fossem
uma só pessoa. Mais ainda: aprendiam a obedecer ao líder,
não importa o que fosse. Os nazistas chamavam essa filosofia
de "princípio de liderança", que exigia total obediência aos
superiores.
- Nós aceitávamos como se fosse uma lei natural. Era a
única forma de evitar o caos. A cadeia de comando começa-
va lá embaixo e terminava em Hitler - contou Alfons Heck.
Uma vez, o líder da unidade à qual pertencia Alfons zan-
gou-se com o canto desanimado dos meniiAos. Como castigo,
mandou os 160 meninos marcharem num rio congelado. - Nós •
o xingamos entredentes, mas nenhum se recusou. Seria come-
ter o impensável crime de desobedecer a uma ordem direta.
Os meninos da JH eram treinados para entrar na vida
militar e as meninas, para se tornarem boas mães e donas de
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casa. Mas o exercício físico era importante para ambos, por


isso faziam longas caminhadas no campo, acampavam e par-
ticipavam de provas competitivas. As atividades fortaleciam
as crianças, formando sua resistência e determinação.
Melita Maschmann ficava entediada com as reuniões das
"Tardes domésticas", mas gostava das atividades de fim de se-
mana. - Lembro com mais prazer das excursões de fim de
sémana, que tinham caminhadas, esportes, fogueiras de acam-
pamento e hospedagem em pousadas para jovens - contou.
Ela g o s t a i principalmente dos esportes em que grupos
de meninas competiam com ligas femininas das redondezas,
em jogos como "pega bandeira". E observou que as meninas
lutavam pela bandeira com tanto entusiasmo quanto os me-
ninos. - Se havia alguma rivalidade entre as meninas, o jogo
acabava numa boa briga - disse Melita.
Osfeventos esportivos passaram a ser um exercício de
patriotismo. - Tudo o que fazíamos era pela Alemanha. Cor-
ríamos pela Alemanha. Fazíamos saltos a distância e saltos
em altura pela Alemanha - contou Sasha Schwarz.
Nos jogos de guerra, os grupos de meninos eram dividi-
dos em pelotões e caçavam o "inimigo". Quando os jogos
terminavam em socos, era uma questão de sobrevivência dos
mais preparados: os meninos mais fortes costumavam bater
nos mais fracos, jogando-os no chão. Eram comuns as cami-
sas rasgadas, os arranhões, machucados e narizes sangrando, v
- Como a maioria dos meninos de dez anos, eu gostava de
ação. E a Juventude Hitlerista tinha muita - disse Alfons Heck.
Karl Schnibbe concordou. - Nos fins de semana, fazíamos
caminhadas noturnas, dormíamos em barracas, lutávamos,
fazíamos batalhas simuladas e marchávamos ao som de tam-
bores de desfiles - contou ele. - Atirávamos com rifles de ar
comprimido. Fazíamos fogo de acampamento, armávamos
grandes fogueiras e cantávamos músicas patrióticas. Quando
ficávamos mais velhos, aprendíamos a ler mapas.
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Aos 14 anos, os meninos passavam para a JH, onde fica-


vam até os 18 anos. Lá, o treinamento militar continuava. -
Nós fazíamos reuniões, marchávamos e jogávamos - disse
Henry Metelmann. - Recebíamos instruções sobre formação
militar e como os soldados se movimentam no campo sem
serem vistos. Aprendíamos a atirar, jogar granadas de mão e
atacar trincheiras. Os meninos recebiam as prestigiosas co-
mendas de mérito da JH por bom desempenho.
Aos 14 anos, as meninas entravam na ala feminina da JH,
onde ficavam até os 21 anos. Recebiam comendas de bom
desempenho em esportes, ideologia nazista, enfermagem, trei-
namento doméstico, obra social e, mais tarde, treinamento
para ataque aéreo.
Aos 17, as meninas podiam entrar para o grupo Fé e
Beleza, que promovia a graça física através de aulas de dan-
ça, hábitos de higiene e charme. Esse grupo pretendia fazer
com que as jovens fossem fortes, bonitas, orgulhosas e se-
guras.
Um dos princípios de Hitler era que a alfmã não fuma,
não bebe e não usa maquiagem. i
o
No começo, o mundo ficou impressionado com Hitler e a
Juventude Hitlerista. Viram como os jovens alemães eram
motivados e disciplinados. Em 1934, o jornalista americano
Kenneth Roberts visitou o país e escreveu sobre a juventude
alemã: "As crianças e os jovens não ficam mais pelas esqui-
nas, andando pelas cidades em busca de maus hábitos. Eles
estão uniformizados, marchando com a Juventude Hitlerista.
Não têm tempo para fumar, dançar, beber, usar batom, andar
de carro ou ir ao cinema."
Muitos pais gostavam do que viam nos filhos: disciplina,
bom estado físico, presteza, desejo de ser o melhor, orgulho
da herança nacional, meta. Mas outros pais consideravam a
JH muito militar. Não queriam os filhos envolvidos com gra-
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nadas de mão, rifles e outras atividades bélicas. Lembravam


do horror que foi a Grande Guerra (como então era chamada
a Primeira Guerra Mundial) e não queriam que os filhos fos-
sem preparados para outro evento assim.
Alguns pais tentaram em vão desanimar os filhos. - Meu
pai quis me convencer que guerra e batalha não tinham nada
de glória ou heroísmo. Tinham só loucura, desespero, medo
e uma brutalidade inacreditável - disse Henry Metelmann.
Apesar dos avisos do pai, Henry foi atraído pela JH. -
Tudo aquilo me envolveu. Não demorou para eu estar com o
impressionante uniforme da Juventude Hitlerista (...) e só pude
prometer ao meu pai que ia pensar no que ele me falou.
O mesmo aconteceu com os cinco filhos da família Scholl.
- Entramos para a JH de corpo e alma - contou Inge Scholl, a
mais velha. - E não podíamos entender por que nosso pai não
aprovou, por que não ficou contente, nem se orgulhou de
'nós. Às vezes, ele comparava Hitler com o Flautista de Hamelin
que, com sua flauta, levava as crianças para a destruição.
Alguns pais tinham dificuldade para comprar o uniforme
exigido e ainda contribuir com dez pfenning (centavos) por
mês. Eram contra as reuniões e atividades obrigatórias que
atrapalhavam os deveres da casa e os serviços religiosos do
domingo. iMais que isso, alguns pais zangaram quando a JH
atrapalhava de propósito os serviços dominicais, tocando trom-
betasjalto do lado de fora das igrejas.
- Eu achava tudo aquilo maravilhoso - contou Manfred
Rommel, filho do marechal-de-campo Erwin Rommel, coman-
dante em chefe do Exército alemão na Segunda Guerra. Quan-
do contou para o famoso pai do toque da trombeta, ele ficou
zangado e disse: - Não quero saber!
A Igreja Católica havia proibido seus jovens de entrarem
para a Juventude Hitlerista. Ofereceu atividades de grupo
parecidas, mas as crianças e adolescentes continuaram en-
trando em bando, achando irresistíveis as marchas, comícios
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e reuniões da JH. - Eu costumava participar da missa de


domingo com meu uniforme completo, inclusive o cinto e o
punhal por baixo do traje de coroinha - contou Alfons Heck.

Em 27 tie fevereiro de 1933, um mês após a nomeação de


Hitler, um conhecido comunista e incendiário ateou fogo no
prédio do Parlamento alemão, o Reicbstag. Garantindo ser
aquele um atentado comunista, Hitler declarou estado de
emergência nacional. Pediu para que os membros do Parla-
mento cancelassem os direitos civis, o quejfoi feito. Foram
banidas então a imunidade doméstica, a privacidade dâ cor-» .
respondência e das conversas ao telefone e a liberdade de
opinião, de imprensa e de reunião.
Na eleição realizada no mês seguinte, os alemães elege-
ram mais nazistas. Hitler então mandou que o Parlamento,
controlado pelos nazistas, aprovasse um Ato de Permissão,
autorizando-o a ser o único com direito de legislar. O Parla-
mento concordou. Hitler passou a ser Führer ou Líder Supre-
mo da Alemanha nazista. Mas ele ainda não tinha o controle
absoluto, o que conseguiria no ano seguinte, com a morte do
presidente Paul von Hindenburg. Em 1934, Hitler passou a
chanceler e presidente da Alemanha.
Como Líder Supremo, Hitler queria obter a Gleischschaltung,
ou "submissão" de todas as áreas da sociedade alemã. Come-
çou por eliminar os outros grupos de jovens, dizendo: - É
importante levar toda a nova geração para a guarda do Nacio-
nal Socialismo para que jamais seja espiritualmente atraída
por um partido da velha geração. - Para isso, Hitler procurou
Baldur von Schirach, de 26 anos e líder da Juventude Hitlerista.
A função de Schiracjj passou a ser educar os integrantes da
JH no espírito do Nacipnal Socialismo.
Comandados por Schirach, a 3 de abril de 1933, cinqüen-
ta rapazes da JH explodiram a sede da Associação de Juven-
tude Alemã em Berlim. Depois, saquearam os escritórios e
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confiscaram os arquivos de seis milhões de jovens que eram


de grupos rivais. Os arquivos tinham informações pessoais, o
que pôs em perigo a vida desses jovens.
Graças ao atentado, extinguiram-se mais de 400 outros
grupos de jovens, na maioria de orientação política ou religio-
sa. Muitos integrantes passaram para a Juventude Hitlerista:
alguns, por vontade própria; outros, porque era perigoso não
entrar. Os grupos de jovens comunistas e judeus se desfize-
ram rapidamente. Mas outros continuaram a atuar na clan-
destinidade e a fazer reuniões secretas. Hitler promoveu Baldur
von Schirach a líder da juventude do Reich alemão, sendo
responsável por educar todos os jovens no espírito do Nacio-
nal Socialismo.
Num gesto desesperado para manter seus jovens, a Igreja
Católica fez um acordo com o governo nazista permitindo
que os católicos praticassem a religião, mas proibindo ativi-
dades que os nazistas considerassem função do Estado. As-
sim, os jovens católiôos não podiam usar uniformes, fazer
excursão no campo, imprimir ou distribuir jornais.
Apesar do acordo, a Igreja sofreu assédio constante
do Partido Nazista. A polícia secreta de Hitler, a Geheime
Staatspolizei (abreviada para Gestapo) perseguiu padres, frei-
ras e outros integrantes da Igreja, ordenou o que os padres
deviam falar nos sermões e nas aulas dos colégios católicos.
Censuraram revistas e publicações católicas. Os padres que
criticaram o Partido Nazista foram presos e enviados para
campos de concentração ou mortos imediatamente. Um pa-
dre que contou uma piada antinazista foi preso e executado.
Quando ôutro padre considerou imoral o ódio racial dos
nazistas, a Juventude Hitlerista fez uma manifestação em frente
à casa paroquial enquanto jovens católicos se juntaram e to-
caram o sino da igreja por uma hora e meia. Milhares de
pessoas reagiram: - Eles vieram de todos os cantos da cidade
para proteger o padre - disse um jornalista. Os integrantes da
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JH eram em menor número que os católicos, fugiram,( e o


padre nada sofreu.
Os Testemunhas de Jeová também resistiram e se recusa-
ram a saudar a bandeira nazista mesmo que fossem persegui-
dos por isso. Os nazistas prenderam Testemunhas de Jeová e
levaram-nos em caminhões para campos de concentração,
onde muitos foram mortos. Passou a ser perigoso para um
alemão ter amigos judeus ou Testemunhas de Jeová. Os que
ousavam fazer isso eram multados ou presos. Sob a justifica-
tiva de que eram pais inadequados, os nazistas ameaçaram
levar os filhos deles.
Com tanta pressão, a JH logo se tornou a maior e mais
poderosa organização para meninas e meninas. Em 1935, ti-
nha qua6e quatro milhões de integrantes, ou cerca de 4% dos
jovens alemães de 8 a 18 anos. Mas Hitler queria mais.
Em primeiro de dezembro de 1936, ele aprovou uma lei
exigindo que todos os jovens alemães (exceto os judeus)
saudáveis "recebam educação física, intelectual e moral no
espírito do Nacional Socialismo". A nova lei anulou todos os
acordos que ele fez com a Igreja Católica. A partir de então,
os pais que impedissem seus filhos de participar da JH eram
ameaçados com pesadas sentenças de prisão. Três anos de-
pois, uma segunda lei mais dura avisava que seriam levados
os filhos cujos pais não aceitassem a JH.
Em conseqüência dessas leis, em 1938 quase oito mi-
lhões de jovens usavam o uniforme marrom da Juventude
Hitlerista. - Meu pai não gostava que eu participasse do que
ele chamava de Peste Marrom. Mas concordou porque acha-
va insensato discordar - contou Henry Metelmann.
O repórter americano Kenneth Roberts escreveu sobre o
exército de jovens: "A juventude alemã pertence à Juventude
Hitlerista. Em toda parte, vê-se o uniforme de cor mostarda e
ouvem-se as pesadas botas marchando nos calçamentos de
pedra, clop, clop, clop, clop"
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Mesmo assim, alguns jovens como Karl Schibbe se cansa-


ram de serem pressionados. - Deixei de me interessar por
berros e ordens - contou. Um ano depois de entrar para a JH,
ele começou*a faltar às reuniões obrigatórias, o que irritou o
líder de sua unidade. Até que um dia, não obedeceu à ordem
de usar o uniforme. Como castigo, o líder mandou-o ficar
dando voltas num campo de treinamento.
- Meu carrasco era da mesma idade que eu, entào man-
dei não me encher - contou Karl. - Ele berrou para eu calar
a bocaf Quando berrou mais, dei um soco na cara dele.
Karl foi expulso da JH por insubordinação e teve uma
carta de expulsão anexada à sua pasta. Mas ficou feliz por se
libertar: "Desde então, sempre que eles estavam treinando,
eu passava, de roupa comum, parava e ria deles."
Em 1941, quando a Gestapo prendeu Karl por outra ofensa,
a carta de expulsão foi usada como prova de que não era um
alemão leal. A acusação podia provocar prisão e até conde-
nação à morte.

BARTOLETTI, Susan Campbell. Juventude Hitlerista: a


história dos meninos e meninas nazistas e a dos que
resistiram. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.

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