Você está na página 1de 7

27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

Home Quem somos Área do Aluno Cursos Discipli

Ética Pastoral

https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 1/7
27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

Ética social cristã: um esboço introdutório


A ética é um ramo bastante complexo do estudo losó co, e uma boa incursão em seu campo
ser empreendida por todas as pessoas, sobretudo pelos cristãos, que creem fundamentalment
princípios absolutos de certo e errado. Dentro dos termos de ética, naturalmente, podemos en
algumas divisões que norteiam estudos mais estritos, e a ética social de orientação cristã é um
vieses; com efeito, é o caminho sobre o qual concentraremos nossa discussão neste texto.

Infelizmente, a despeito da necessidade patente em buscarmos uma re exão sólida acerca da


social, poucos de nós se aprofundam devidamente no tema. Diante desse fato, este artigo adot

https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 2/7
27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

objetivo de nos proporcionar alguns fundamentos elementares quanto aos contornos de uma
social biblicamente orientada. Sobre estes fundamentos, portanto, é que vamos nos debruçar a

Ética é uma palavra de origem grega ethos que signi ca norma, princípio ou regra. Uma vez que
palavra está associada ao elemento interior do homem, a ética pode ser de nida como o ramo
pensamento que busca re etir sobre os princípios morais orientadores das relações humanas.
da proposta de uma ética cristã, estes princípios morais devem ser extraídos da Escritura, a Pal
Deus1. Ademais, uma vez que está em pauta a ética social cristã, falamos sobre a re exão ética
aplicada ao contexto social, amparada na Escritura como norma última de verdade e autoridad

Daremos início, dessa forma, pontuando acerca do papel da Escritura para o direcionamento d
correta teoria ético-social. Nesse ínterim, a pergunta a ser feita é se a Bíblia Sagrada fornece, d
princípios morais ou éticos2. E a resposta, aliás óbvia para a maioria, é sim, enfaticamente. Bas
pensarmos nos dez mandamentos e em outras inúmeras admoestações de Deus, para que faç
que lhe agrada e evitemos o que lhe desagrada (certo e errado), e também pensarmos na exist
do pecado (erro) como um tema central da Escritura para que, imediatamente, nos convencerm
que a Bíblia aborda a ética, certamente. Como diz o apóstolo:

“Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir
para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado par
toda boa obra” (2Tm 3.16,17).

A grosso modo, toda a Bíblia é útil para nos dizer o que é certo, para nos mostrar quando estam
errados, para nos apontar o caminho – depois de nos conscientizar quanto ao pecado – e para
educar no caminho da virtude. E tudo isso para que possamos agradar ao Senhor – a glória de
o fundamento último da ética cristã (Ef 2.10).

Tendo estabelecido que a Escritura é útil para o direcionamento do homem na ética correta, de
também nos questionar se a ética cristã estende-se e concretiza-se em uma ética social. Mais u
a resposta é positiva. Partindo dos princípios de que Deus criou o homem para viver em comun
e se relacionar (Gn 2.18a; Mt 7.12) e de que o relacionamento com o próximo deve re etir o
relacionamento do crente com o próprio Deus (Mt 6.12), a rmamos, inequivocadamente, que a
Palavra do Senhor nos orienta a uma ética social, uma ética que contemple o homem como um
social, um ser que existe em um contexto de relacionamento constante com seus semelhantes
a ordem criada.

Destarte, a Escritura se a rma indispensável como fonte de princípios morais. Tais princípios e
existem não somente como reguladores de conduta pessoal, mas abrangem a conduta interpe
do homem, considerando-o como um ser relacional. No entanto, a ética social cristã se quali c
como uma disciplina que busca entender, a partir da Escritura, qual deve ser a conduta do hom
mas acima de tudo qual deve ser a conduta humana para com os pobres, os oprimidos, aquela
pessoas carentes dos recursos mais básicos necessários à sobrevivência, à paz e ao contentam
Neste aspecto é que a ética social cristã busca se aprofundar.

A ética social cristã entende que há diferenças nas condições nanceiras entre as pessoas. Ente
também que tais diferenças podem ser acentuadas de tal maneira que, enquanto uma pessoa

https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 3/7
27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

desfruta da abundância de bens e recursos, vivendo em regalias, seu próximo carece dos mesm
bens e recursos, e vive em miséria. Neste aspecto, a ética cristã, em seu elemento social, preco
alguns pontos importantes, itens que quali cam o pensamento ético-cristão e estruturam padr
morais absolutos a serem buscados pelos discípulos de Cristo. Mas quais são estes pontos?

O primeiro ponto a ser delineado diante dessas conclusões é que a ética social cristã, talvez com
exceção de alguns expoentes, considera legítimo o fato de haver alguma desigualdade social. O
mandamento (“não roubarás”) pressupõe tal desigualdade quando aplicado em termos de ben
materiais. Ora, está implícito neste mandamento a possibilidade de desigualdades sociais, uma
que o roubo é frequentemente – mas nem sempre – motivado pela escassez de uma pessoa di
fartura de outra. Evidentemente, nenhuma diferença social justi ca uma atitude pecaminosa. E
alguma pode invalidar o princípio eterno do oitavo mandamento e tornar correto o roubo. Con
pobreza frequentemente dá ensejo à cobiça e ao roubo. Desta forma, o mandamento de Deus
que as pessoas não roubem umas as outras pressupõe, de certa maneira, a existência legítima
alguma desigualdade social, que, apenas como mera diferença de poder aquisitivo, não é de m
algum condenável aos olhos do Senhor. Certo artigo no BlogSF (LeiaPrincípios bíblicos para a v
nanceira) atesta, em alguma extensão, esta assertiva. Se Deus é eterno e imutável e sua lei re
seu caráter, então também sua lei é eterna e imutável.  Assim, roubar é errado em qualquer co
e em qualquer época, porém, ainda mais importante: no oitavo mandamento está implícito o fa
que desigualdades sociais podem existir.

O segundo ponto refere-se à qualidade das possíveis desigualdades sociais. É bastante claro na
Escritura que Deus repudia a atitude de alguém que, desfrutando de bens em abundância, não
compartilha com quem carece dos mesmos. Em outras palavras, embora a mera desigualdade
seja totalmente aceitável, a desigualdade brusca (caracterizada pelo contraste entre abundânci
ausência) é deveras condenável aos olhos de Deus, pois re ete o egoísmo ímpio, a falta de
solidariedade para com o próximo e a maldade intrínseca do ser humano caído. O próprio Deu
assevera:

“Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança
reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e me destes de com
tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes;  estava nu, e me vestistes; adoeci,
visitastes; estava na prisão e fostes ver-me’. Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando te v
com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos forasteiro,
acolhemos? Ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?’ E
responder-lhes-á o Rei: ‘Em verdade vos digo que, sempre que o zestes a um destes meus irmãos
mesmo dos mais pequeninos, a mim o zestes’.” (Mt 25.34-40)

Assim, vemos que é inaceitável uma circunstância na qual uma pessoa desfruta de recursos em
excesso, enquanto seu próximo carece destes mesmos recursos e sofre a ausência deles. Tal
desigualdade ofende severamente a Deus. Em suma, rea rmamos: Deus não é contra o acúmu
posses, de maneira alguma – desde que, conforme veremos, elas tenham a nalidade correta.
forma, subsiste o princípio básico da solidariedade, no qual diz-se que “aquele que tem duas tú
que dê uma delas ao irmão que não tem nenhuma!” (Lc 3.11)

https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 4/7
27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

Ainda relativamente ao segundo ponto e tendo em vista o contexto político de nosso país, me a
particularmente em salientar a imensurável dicotomia entre a proposta bíblica para a ética soc
proposições do comunismo como sistema econômico e pseudo-redentor da humanidade. Em o
oportuna, escreverei sobre o comunismo e seu caráter irreconciliável para com a fé cristã, mas
momento, sublinho que essas são visões diametralmente opostas: a asserção comunista para a
comunhão de bens imposta pelo Estado e o compartilhamento de bens viabilizado pelo espírito
solidariedade cristã. No sistema comunista, em termos rudimentares, a posse de bens é consid
errada e todos os bens pertencem ao Estado, que os distribui. Na visão bíblica, porém, a posse
bens é absolutamente sancionada, sendo estes considerados dádivas divinas, e quem os distrib
os seus possuidores (mordomos, na verdade). No comunismo, a distribuição de bens é mandat
compulsória, enquanto na visão bíblica a comunhão de bens é voluntária e fruto de um coraçã
regenerado. No comunismo, outorga-se ao Estado a função e responsabilidade que a Bíblia diz
individual, a saber, a de cuidar dos carentes. Portanto, é necessário que saibamos diferenciar u
cenário comunista de um compartilhamento de bens em um cenário genuinamente cristão, no
amor ao próximo é vetor de solidariedade e comunhão de recursos.

Como terceiro ponto – consequente dos dois anteriores – temos que a abundância de recursos
providos por Deus a uma pessoa, deve servir para o alcance diaconal dos carentes e necessitad
Disso, duas premissas são particularmente importantes: (I) não somos realmente donos daquil
temos, mas despenseiros, cuidadores, administradores, mordomos; e (II) o fato de que o acúm
desenfreado de bens como m em si mesmo se quali ca como avareza, algo severamente repr
aos olhos do Senhor. Diz a Escritura: “Tomou, pois, o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do
para o lavrar e guardar” (Gn 2.15), mostrando-nos, com o auxílio do contexto canônico total, que
é o dono de todas as coisas, e que o homem tem o dever e o privilégio de cuidar dos bens que
foram con ados e administrá-los conforme os retos princípios. Também diz a Escritura: “Exterm
pois, as vossas inclinações carnais; a prostituição, a impureza, a paixão, a vil concupiscência, e a ava
que é idolatria” (Cl 3.5), salientando que o acúmulo de bens, quando visado como um m em si,
transforma-se em avareza idólatra. Calvino dizia, com propriedade, que o cristão deve viver um
de frugalidade, administrando com generosa disposição os bens de Deus, pois, caso os bens e
recursos não sejam aplicados em favor do Reino e do próximo, tais posses, pela concupiscência
coração humano, passam a ser possuidoras daqueles a quem outrora as possuíram.3

Assim, é lícito ao homem ganhar o seu sustento e, mediante seu trabalho, angariar para si e su
família certa dose de conforto. Entretanto, este mesmo homem peca se o acúmulo de recursos
promove redunda em uma vida de glutonarias e desejos desenfreados, enquanto seu próximo
necessidades. A temperança e a caridade diaconal devem ser alvos constantes na a rmação de
ética social cristã biblicamente norteada.

En m, o quarto e derradeiro ponto a rma que, apesar de todas as pessoas serem alvo de cuida
por parte dos ricos, os irmãos do Evangelho devem ser assistidos primeiro. A Palavra diz:

“Então, enquanto temos oportunidade, façamos bem a todos, mas principalmente aos doméstico
fé” (Gl 6.10).

Isso signi ca que o auxílio às pessoas que compartilham da mesma fé é um mandamento bíbli
mesmo tempo em que é um privilégio. Todas as pessoas devem ser auxiliadas não com base e
https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 5/7
27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

méritos, pois, fosse assim, também nós não seríamos merecedores, mas com base na imagem
Deus que portam. Com efeito, apesar de embotada e dani cada pelo pecado, a imagem de Deu
ainda está infundida no homem e justi ca a assistência geral para todas as pessoas. Mesmo as
que são de Cristo são membros de uma mesma família (Ef 2.19) e a exortação bíblica para que
cuidemos mais zelosamente de nossa família é mui claramente a rmada na Escritura (1Tm 5.8)
modo, os que foram agraciados com abundância devem socorrer a todos os semelhantes, mas
sobretudo, aos irmãos da família celeste.

Logo, o perímetro de uma ética social redimida pelo Evangelho apresenta os pontos delineados
citados: alguma diferença social é plenamente aceitável; tal desigualdade não deve nem resulta
acúmulo avarento e nem em fome e carência; e, por m, esta ética ampara-se no pressuposto
de que a abundância de bens e recursos não serve para o uso desenfreado de quem os possui
para a bênção e o cuidado dos que, carentes, caminham em irmandade na fé do Evangelho e,
segundo a graça de Deus, de todo o restante da ordem criada.

Vale destacar, apesar do óbvio: este breve artigo não intenta compor uma análise profunda do
em questão e tampouco traz à tona a plenitude dos tópicos normalmente abordados na ética c
Ao contrário, busca o status de motriz para novas pesquisas por parte do leitor; no mínimo, bu
ensejo a re exões que gerem mudanças práticas em nossa moral evangélica. Que o Senhor no
constranja a utilizarmos sabiamente as ricas bênçãos que ele nos outorga.

Notas
1 Uma discussão mais completa sobre a necessidade da Escritura para o estabelecimento de um
teoria ética que satisfaça a Deus não cabe nesta re exão. Contudo, é possível xarmos a razão
qual a ética cristã, seja em qualquer de seus subtemas, deve buscar seus fundamentos na Pala
Deus. Em primeiro, apesar de os mecanismos da razão (e do sensus divinitatis) proporcionarem
homem a a rmação de regras absolutas e objetivas, tais regras não podem ser aquiescidas pel
raciocínio. Em segundo e mais importante, o ser humano pós-Queda encontra-se completamen
depravado, tendo seu coração inclinado para o mal e sua razão des gurada e embaçada por su
natureza pecaminosa. Este cenário impede completamente o homem de a rmar, por si mesmo
deve ser o certo e o que deve ser errado, sendo a Escritura absolutamente necessária para este
2 Recentemente convencionou-se estabelecer uma distinção teórica entre ética e moral. A mora
refere-se ao conjunto de regras e valores propriamente ditos. A ética refere-se ao estudo teóric
re exivo que busca estruturar modelos para essas regras e valores. A moral se mostra mais lig
práxis enquanto a ética se restringe mais à teoria. Em última análise, pode-se dizer que a ética
disciplina que re ete sobre o campo da moral. Contudo, neste artigo, algumas vezes empregar
termos um pelo outro, em permuta recíproca.
3 João Calvino, reformador do século XVI, discorreu amplamente sobre a ética social e sobre o
trabalho, redimindo essas esferas da compreensão medieval, na qual a pobreza era sinal da m
divina e o trabalho braçal era visto com desprezo e repúdio. Em seu comentário sobre 2Co 8.15
Calvino diz: “O Senhor não nos prescreveu um ômer ou qualquer outra medida para o alimento
temos cada dia, mas ele nos recomendou a frugalidade e a temperança, e proibiu que o homem
exceda por causa de sua abundância. Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou p
conquista de sua própria indústria e labor, devem lembrar que o excedente não deve ser usado

https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 6/7
27/02/2020 Ética social cristã: um esboço introdutório - Saber e Fé

intemperança ou luxúria, mas para aliviar as necessidades dos irmãos. [… ] Reconheço, deveras
não estamos limitados a uma igualdade tal que seria errado ao rico viver de forma mais elegan
que o pobre; mas deve haver uma igualdade tal que ninguém morra de fome e ninguém acum
abundância a expensas de outrem”.

0 15/05/2014 por Paulo Ribeiro em  Ética Ética Cristã Ética Social Filos


Moral
Ética Pastoral, Introdução à Filoso a

Comentário

Comentário

Nome

Email

Adicionar comentário
Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus
dados de comentários são processados.

Saber e Fé © 2015 Hom

https://www.saberefe.com/teologia/filosofia/etica-social-crista-um-esboco-introdutorio/ 7/7

Você também pode gostar